13.07.2015 Views

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

medida é possível dizer que as partes contratuaisse obrigam ao pactua<strong>do</strong> entre elas,mas também ao que não pactuaram (é ocaso, por exemplo, <strong>do</strong>s contratos de assistênciamédica mediante seguro ou medianteentidades assistenciais privadas).Altera-se, com isso, também a noçãode privacidade, regulada pelo princípioda exclusividade. O privativo como umaesfera própria, <strong>do</strong> íntimo, da minha casa,<strong>do</strong> meu trabalho, daquilo de que se dispõecom exclusividade, torna-se uma exceção:no mun<strong>do</strong> <strong>do</strong> espetáculo, tu<strong>do</strong> é comumno senti<strong>do</strong> de consumível; ato, ao mesmotempo, individual e coletivo. A privacidade<strong>do</strong> sujeito, no mun<strong>do</strong> universaliza<strong>do</strong> e nãopersonaliza<strong>do</strong> <strong>do</strong> prêt-à-porter, aparececomo luxo e supérfluo.Com isso, a intersubjetividade, elementocrucial da responsabilidade, priva o outrode sua condição idiossincrática como “tu”,converten<strong>do</strong>-o em mero “isso”. A relação“ego/tu” é ocupada pela relação “ego/isso”.E, como “isso” é, indiferençadamente, “ele”(outro sujeito humano qualquer) ou “aquilo”(outra matéria não-humana qualquer), opróprio ego se vê afeta<strong>do</strong>: ou é <strong>do</strong>minante ou<strong>do</strong>mina<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> que “<strong>do</strong>mínio” significaredução de tu<strong>do</strong> a algo servível (e utilizável)ou a algo inservível (e descartável).Nessa perda da intersubjetividade alterasea responsabilidade jurídica, tipicamenteinstancial, isto é, a responsabilidade quese mede por parâmetros (normas, quadros,valores, etc.), a responsabilidade peranteou ante algo/alguém, em virtude <strong>do</strong> que sefez e <strong>do</strong> que se faz.Em seu lugar entra uma “responsabilidade”situacional, caracterizada por ausênciade instâncias e, não obstante, pela angústiada exigência de justificar-se sem justificação.Entre a petulância, a arrogância e aresposta inconscientemente irresponsável,o homem de nossos dias perde a dimensãotemporal da responsabilidade: não distinguea responsabilidade pelo que fez/aconteceu,pelo que faz/acontece e pelo que poderáfazer/acontecerá. A responsabilidade situacionalé atemporal: ela é instável, insegura e,também, necessária e indispensável. Dondeo “politicamente correto”, o senso “ecológico”,a “organização”, marca estrutural tantoda violência como da paz, como “justificativa”para respostas irresponsáveis: tu<strong>do</strong>se explica, tu<strong>do</strong> se compreende, por maisdesarrazoa<strong>do</strong> que possa ser.De uma sociedade, até bem pouco, fundadana lógica da inclusão/exclusão (emque cada indivíduo pertence a um grupoestamental – status social), o mun<strong>do</strong> ocidentalpassou para a sociedade funcional,em que cada indivíduo é um “operário” queexerce uma função (lógica <strong>do</strong> útil/inútil). Echegou a uma sociedade de descentralizaçõescoordenadas/descoordenadas. Nessa,o centro está em toda parte, de parâmetrosujeito a imposições e submissões que nãopossuem uma identidade visível.Pode-se dizer, assim, que o curto-circuitoda liberdade altera a concepção, sobretu<strong>do</strong>,<strong>do</strong> próprio direito, visto agora comoum fenômeno de integração simultânea devários centros normativos, não redutíveis asistemas legais, cujo protótipo foi a ordemescalonada à moda de Kelsen.DIREITO EM REDEObviamente, o tipo de enfoque tradicionalesposa<strong>do</strong> pelo direito não é inteiramenteadequa<strong>do</strong> à liberdade em redeinformatizada, isto é, à liberdade que semanifesta sempre em reciprocidade, pois ainformação posta individualmente em redeé, simultaneamente, para os outros.A <strong>do</strong>utrina jurídica aplicada consiste atéagora no controle de encontros cruza<strong>do</strong>se colisões. Mas hoje ela tem de se abrirtambém para a garantia <strong>do</strong>s pressupostosreais <strong>do</strong> exercício da liberdade em relaçõesconectadas. Isso conduz ao problema daassimetria na proteção da liberdade em facede perigos, de um la<strong>do</strong>, no seu exercíciopor meio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (Esta<strong>do</strong> “protetor”das liberdades) e, de outro, por meio <strong>do</strong>sindivíduos priva<strong>do</strong>s (afirmação anárquicada liberdade).A questão prática <strong>do</strong> controle de da<strong>do</strong>se da simultaneidade de informaçõespõe-se em um novo contexto filosófico da16REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.74, p. 6-21, junho/agosto 2007

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!