FERRAZ JR., Tercio Sampaio. “O Futuro do Direito”. - USP
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crença instancial, verdadeira e justificada, éinsatisfatória, pois não permite estabelecerqualquer relação entre os elementos quetornam a proposição verdadeira e as razõespelas quais efetivamente o sujeito acreditana proposição e age em função dela.Em suma, a solução o problema daresponsabilidade instancial não é suficientepara se afirmar que um sujeito S, que usa oseu automóvel, adquire um conhecimento(acreditável, verdadeiro) e por isso (justificável)é responsável.O DIREITO NO FUTUROPode-se dizer que, no âmbito da sociedadetecnológica de informação, a noçãoclássica de responsabilidade com base naliberdade como espaço de ação, restritopela liberdade <strong>do</strong>s outros, a liberdade quese manifesta sobre bens cujo uso exclui ouso <strong>do</strong>s outros, sofre limitações significativas,que anunciam um outro cenário parao direito no futuro.A sensação é mais de angústia <strong>do</strong> quede conforto.Para começar, a impressão é que viveremos,cada vez mais, em um mun<strong>do</strong> semsujeitos. O direito de que se fala ainda hojesempre foi visto como subjetivo (direitosubjetivo), um poder dispor, usufruir, gozaralguma coisa. A propriedade contemporâneavira quota, ação, participação, administração,gerência. A figura <strong>do</strong> “<strong>do</strong>no”(proprietário) se esvanece. Não há sujeito(persona) <strong>do</strong> direito de propriedade, apenasuma organização, dirigida por profissionais,que distribui dividen<strong>do</strong>s para acionistas, quenão se definem como sujeitos livres, masque são, muitas vezes, outras organizações<strong>do</strong> mesmo tipo.Se isso vier a recrudescer no futuro, àpropriedade sem sujeito começará acrescer-sea liberdade sem sujeito: “sujeitolivre” será apenas um ponto geométrico deconfluência de imposições normativas. E àliberdade sem sujeito, a responsabilidadesem sujeito: “sujeito responsável”, nãocomo quem se obriga, mas como quem é“indica<strong>do</strong>” para satisfazer uma exigência.O fato a ser reconheci<strong>do</strong> é que, forada rede (rede normativa, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, dasorganizações privadas, de informaçõescomerciais, de cadastramentos, de registroscivis, de registros bancários, de emprega<strong>do</strong>sna empresa, de informações em geral, etc.),qualquer um, se pensa<strong>do</strong> isoladamente, éum nulo.Será, então, que o sujeito não passa deum ponto que ganha significância a partir <strong>do</strong>analista de merca<strong>do</strong>, <strong>do</strong> planejamento difusode interesses, o sujeito como invenção tecnológica,que existe apenas virtualmente?E, por conseqüência, o sujeito responsávelnão se tornaria um culpa<strong>do</strong> sem responsabilidadeou um responsável sem culpa?O FUTURO DO DIREITOEm um <strong>do</strong>s capítulos da mencionadaobra coletiva Der neue Datenschutz (pp.283 e segs.), John Borking utiliza-se de umméto<strong>do</strong> por ele denomina<strong>do</strong> “técnica <strong>do</strong>scenários” para propor instigantes prognósticossobre o futuro das sociedades informatizadas,a partir de duas hipóteses chamadasem seu texto de big brother (Esta<strong>do</strong> policialforte) e little sister (Esta<strong>do</strong> enfraqueci<strong>do</strong>),ten<strong>do</strong> em vista o mun<strong>do</strong> contemporâneo dacomunicação de da<strong>do</strong>s.No cenário big brother, a partir <strong>do</strong> problemade combate à criminalidade digital(por exemplo, a lavagem de dinheiro), podeseimaginar, no futuro, um Esta<strong>do</strong> altamentecontrola<strong>do</strong>r das comunicações por meioseletrônicos, por meio de instrumentos comoa redução <strong>do</strong> homem a um número único,capaz de identificá-lo em to<strong>do</strong>s os seus <strong>do</strong>cumentoscivis e criminais. Nesse cenário,contra a ineficiência de uma organizaçãofundada na tripartição <strong>do</strong>s poderes, cresceriao poder de gestão administrativa, possibilitan<strong>do</strong>a instantaneidade da imposição demultas, de tributos, de medidas preventivas.Em conseqüência, teríamos um clima socialde grande conformismo, com redução daesfera privada e uma certa dissolução <strong>do</strong>indivíduo em seu papel de cidadão, em troca18REVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.74, p. 6-21, junho/agosto 2007