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O_turista_aprendiz

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O T u r i s t a A p r e n d i z<br />

É necessário lembrar que o forte sentimento da paisagem, sobretudo no diário<br />

de 1927, materializa-se em textos que “pintam”, como Turner, reflexos, reverberações,<br />

refrações da luz em uma natureza pulsante. Nesse sentido, acrescentam cores às paisagens<br />

em preto e branco nas tomadas do fotógrafo que privilegiam luz e reflexos. Em um dos mais<br />

bem realizados registros da viagem, aquele do nascer do dia na floresta, em 5 de junho,<br />

Mário de Andrade transfere para o seu diário a sucessão das cores da natureza no alvorecer<br />

na mata amazônica, por ele acompanhada no diário de Martius. E, de quebra, dialoga com<br />

a “Alvorada” da ópera Lo Schiavo de Carlos Gomes, na sonoridade do fragmento.<br />

Traço comum a todos os diários dessas viagens em 1927 e 1928-1929 é a alegria<br />

que brilha no convívio do diarista com seus amigos. Está na camaradagem e nas brincadeiras<br />

que abraçam o quarteto – D. Olívia, as duas mocinhas e Mário, amigo e cúmplice de<br />

Mag e Dolur. E na sobreposição de uma viagem segredo, composta de personagens,<br />

brincadeira instituída por esses três à chegada do passageiro Josafá ao vaticano São<br />

Salvador 32 . Recordado o Vale de Josafá, do Antigo Testamento, local do Juízo Final da<br />

humanidade, na presença do Arcanjo Gabriel, portador da trombeta para todos espertar e<br />

da balança para pesar as ações, o jogo do faz de conta batiza Dolur e Mag: esta, Balança e<br />

a companheira, Trombeta. Juízo Final cabe a D. Olívia, apelido escondido, vingando-se do<br />

rigor da guardiã das jovens, pelo que se advinha na leitura da novela inacabada Balança,<br />

Trombeta e Battleship ou o descobrimento da alma 33 . No diário, Olívia Guedes Penteado<br />

chama-se também Rainha do Café e Rainha; nas legendas do fotógrafo, Nossa Senhora<br />

do Brasil. Os fólios milimetrados de caderno de bolso, onde se lê a narrativa esboçada a<br />

grafite, muito semelhantes aos que restaram do primeiro diário, sugerem um trabalho a<br />

bordo, conferindo uma peculiar dimensão ficcional ao quarteto. O personagem masculino,<br />

Battleship, primeiramente nomeado Josafá, um inglês batedor de carteiras, relaciona-se,<br />

em São Paulo, com duas meninas que sobrevivem de esmolas e furtos, vivendo numa tapera,<br />

exploradas pela mulata velha, D. Maria, na barra da cidade. Tinham posto em si mesmas<br />

os nomes de Balança e Trombeta, palavras ouvidas ocasionalmente ao entrarem em uma<br />

capela, onde o padre falara também em Juízo Final. Esse nome servira, mas apenas entre<br />

elas, para designar a velha. O enredo traz a iniciação amorosa de ambas por Battleship e a<br />

organização da vida de todos, graças à arte de furtar.<br />

32 A história dos apelidos vem do depoimento da embaixadora Margarida Guedes Nogueira a<br />

Telê Ancona Lopez em 1976, no Rio de Janeiro.<br />

33 ANDRADE, Mário de. Balança, Trombeta e Battleship . Ed. cit.<br />

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