17.07.2016 Views

O T A

O_turista_aprendiz

O_turista_aprendiz

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O T u r i s t a A p r e n d i z<br />

O viajante metropolitano posto em contato, no espaço amazônico, com o<br />

desmesurado “na magnificência daquela paisagem feita às pressas”, com situações<br />

incomuns perante a expectativa do “europeu cinzento e bem arranjadinho que ainda tenho<br />

dentro de mim”, segue dois caminhos no diário, negando, em ambos, a minúcia documental.<br />

No primeiro caminho, elege a ficção para transfigurar uma realidade que o<br />

desnorteia, impondo-lhe o insólito, o estranho e o maravilhoso; que amplia até mesmo<br />

as fronteiras do surrealismo, ao lhe escancarar o inusitado em um mundo novo, em nada<br />

europeu, no qual vive um peixe-boi e gaivotas assassinam um homem na praia do Juma.<br />

Nesta sua obra inacabada, cuja escritura, como já se sabe, vai de 1927 a 1945, Mário<br />

consagra a exploração do real maravilhoso da América, conceito que o cubano Alejo<br />

Carpentier postularia, em 1949, no “Prólogo” de seu romance El reino de este mundo.<br />

Aliás, não só na viagem à Amazônia o insólito reside, pois, nas crônicas produzidas no<br />

Nordeste, tem-se o episódio da aranha, o caso de D. Clotildes e o estranho comportamento<br />

do guaxinim do banhado.<br />

No segundo caminho, ao reconhecer os momentos nos quais a emoção o avassala,<br />

o Turista carreia para o diário a crônica da entrega plena, lirismo que ultrapassa a<br />

contemplação, no fragmento ligado ao 19 de julho, no lago Arari:<br />

E enfim passamos num primeiro pouso de pássaros que me destrói de comoção.<br />

Não se descreve, não se pode imaginar. São milhares de guarás encarnados, de<br />

colhereiras cor-de-rosa, de garças brancas, de tuiuiús, de mauaris, branco, negro,<br />

cinza, nas árvores altas, no chão de relva verde claro. E quando a gente faz um<br />

barulho de propósito, um tiro no ar, tudo voa em revoadas doidas, sem fuga, voa,<br />

baila no ar, vermelhos, rosas, brancos mesclados, batidos de sol nítido. Caí no chão<br />

da lanchinha. Foram ver, era simplesmente isso, caí no chão! O estado emotivo foi<br />

tão forte que me faltaram as pernas, caí no chão.<br />

No procedimento de inventar, o narrador do diário, consciente de seus limites de<br />

viajante e dos ilimitados recursos da imaginação, suplanta criticamente o verídico por meio<br />

da verossimilhança, no jogo sutil e irônico que surpreende a realidade também em uma<br />

dimensão grotesca, degradada. Em verdade, a transviagem blinda os dois diários de viagem:<br />

aparta-os da narração convencional, do vezo de taxar de exótico ou pitoresco tudo o que<br />

difere do conhecido, do convencional. O diarista cria, então, bancando um etnólogo como o<br />

Koch-Grünberg das leituras do Mário de Andrade, excursões a povos indígenas cuja cultura<br />

inventa, como os dó-mi-sol, imersos em um universo de sons musicais e em sua “moral<br />

distinta da nossa”, povos que poderiam suscitar uma “monografia humorística, sátira às<br />

~38~

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!