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TRANSPORTE.LOG_Edição 53

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TRANSCARES<br />

A tragédia dos fretes baixos<br />

Por Antonio Lauro Valdivia Neto<br />

No dia 29 de novembro de 2016, os<br />

brasileiros e o mundo foram surpreendidos<br />

pela notícia da queda do avião da LaMia<br />

na Colômbia, que deixou 71 mortos e seis<br />

sobreviventes, estando entre estes, além da<br />

tripulação, a delegação da Chapecoense e<br />

alguns jornalistas brasileiros.<br />

As investigações indicam como principal<br />

causa do acidente a falta de combustível (a<br />

ausência de explosão aponta para tanques<br />

vazios e a presença de pouco mato e terra<br />

na turbina é um indício de que o motor já<br />

não funcionava quando se deu a queda). A<br />

questão que se coloca é por que o comandante<br />

da aeronave, que também era sócio<br />

da companhia, iria arriscar sua vida, sem<br />

considerar a dos demais passageiros, não<br />

fazendo a parada para reabastecimento, que<br />

inclusive estava programada e custaria algo<br />

como 25 mil reais. Será que foi ganância,<br />

ignorância ou necessidade?<br />

Não dá para acreditar que a ganância<br />

e muito menos a ignorância tenham sido<br />

as motivações que o levaram a tomar tal<br />

decisão. O mais provável neste caso, assim<br />

como em outros, é que a empresa tenha<br />

aceitado o serviço com um frete baixo, o<br />

que lhe trouxe a necessidade de executar<br />

o serviço com um custo baixíssimo, para<br />

conseguir algum resultado.<br />

Pode-se aventar, ainda, que o mesmo<br />

artifício já havia sido utilizado em situações<br />

anteriores. E como tais viagens aconteceram<br />

sem imprevistos, a prática provavelmente foi<br />

incorporada à forma de operar da empresa<br />

– que não soube avaliar de maneira correta<br />

os riscos de tal decisão!<br />

Este é mais um dos exemplos causados<br />

pela pressão de resultados, que é legítima e,<br />

sem dúvida, deve estar presente em todos<br />

os negócios. O que não é correto é ceder à<br />

pressão para baixar o preço a valor inferior<br />

ao aceitável e correr depois atrás do prejuízo<br />

com ações, na grande maioria das vezes,<br />

condenáveis do ponto de vista da ética,<br />

da legalidade e, como se viu no caso da<br />

LaMia, sacrificando a segurança dos bens,<br />

dos funcionários e, de forma mais ampla,<br />

da sociedade como um todo.<br />

Da mesma forma, também não dá para<br />

isentar o contratante, que achou ter feito<br />

um bom negócio com o pagamento do<br />

“frete baixo”, provavelmente sem levar em<br />

consideração outros fatores além do valor<br />

a ser pago, como qualidade do serviço e<br />

segurança.<br />

No transporte rodoviário de cargas, esta<br />

prática, infelizmente, também está bem difundida.<br />

Contrata-se pelo menor frete, sem<br />

o questionamento dos recursos que serão<br />

utilizados para a execução do serviço. Não<br />

é razoável acreditar que uma empresa de<br />

transporte, seja ela de qualquer modal, possa<br />

trabalhar cumprindo todas as regras legais<br />

e de segurança, prestando um serviço de<br />

qualidade com valores recebidos abaixo<br />

dos custos – principalmente no médio e<br />

longo prazos.<br />

Ainda falando do TRC, é relativamente<br />

fácil encontrar soluções para os fretes baixos:<br />

o excesso de jornada do motorista,<br />

o excesso de carga, o não pagamento de<br />

encargos e direitos aos funcionários, assim<br />

como a falta de recolhimento de impostos.<br />

Mas há empresas que vão além, não fazem<br />

a manutenção adequada dos seus veículos,<br />

não têm seguro, não averbam a carga,<br />

trabalham com veículos velhos, funcionários<br />

despreparados e desmotivados, entre<br />

outras “soluções”.<br />

A tragédia com o time da Chapecoense<br />

nos faz lembrar da responsabilidade de contratante<br />

e contratado na hora de cobrar um<br />

frete. A busca pelo menor custo, como já foi<br />

frisado, é legítima e desejável, mas deve ter<br />

limites, não pode, em hipótese alguma, se<br />

admitir o sacrifício da segurança! E como o<br />

poder econômico tende a estar nas mãos<br />

dos contratantes, é importante que este<br />

use tal vantagem para avaliar melhor as<br />

condições do contratado e desconfiar de<br />

fretes baixos, dos descontos excessivos,<br />

das vantagens concedidas, entre outras.<br />

E não é difícil detectar quais são os<br />

prestadores de serviço que, provavelmente,<br />

vão utilizar essas medidas citadas. Se,<br />

historicamente, o lucro do setor situa-se na<br />

casa dos 5% e se o serviço é prestado com<br />

os mesmos tipos de veículos, nas mesmas<br />

estradas, com os mesmos combustíveis,<br />

pagando-se os mesmos impostos, ou seja,<br />

com praticamente os mesmos recursos,<br />

como se admite ou se aceita a existência<br />

de fretes com 20, 30, 40 e até 50% de desconto<br />

ou abaixo do custo? Vale lembrar que<br />

a última pesquisa da NTC mostrou uma defasagem<br />

média no frete de 9,81% na carga<br />

fracionada e 22,3% na carga lotação – sem<br />

considerar os impostos.<br />

Enfim, o que se espera é que não ocorram<br />

mais tragédias para comprovar o que<br />

foi descrito acima. E, chamar a atenção para<br />

a responsabilidade que o contratante tem<br />

quando aceita pagar por um frete baixo,<br />

mesmo que a lei não lhe imponha nenhuma<br />

penalidade.<br />

Antonio Lauro Valdivia Neto é especialista em<br />

transportes e Assessor Técnico da Associação<br />

Nacional do Transporte de Cargas – NTC&Logística<br />

JANEIRO/FEVEREIRO 2017 | <strong>TRANSPORTE</strong>.<strong>LOG</strong> | 5

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