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O Pior médico do mundo - Gerson-Salvador

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A <strong>do</strong>ença de Maria José<br />

“Oqueelatinha?<br />

Não se sabia. Ela não dizia o que tinha<br />

Nossa! Você viu?<br />

Mas o que ela tinha?”<br />

Emerson Alcade<br />

Maria José de Jesus!<br />

Do meio de um mar de cabeças, das pessoas que esperam para serem chamadas no ambulatório da<br />

especialidade, emerge uma senhora franzina. Ergue–se com o apoio de um par de muletas. Cabelos<br />

acinzenta<strong>do</strong>s, corte na altura <strong>do</strong> ombro, pele enrugada com manchas senis, aquelas amarronzadas.<br />

Vem ao meu encontro bem lentamente. As pernas eram duras. Anda fazen<strong>do</strong> movimentos como arcos<br />

para frente. No ambulatório de <strong>do</strong>enças infecciosas devia ser HTLV. E era mesmo.<br />

O HTLV é um vírus semelhante ao HIV que pode ser transmiti<strong>do</strong> por contato com sangue, relação<br />

sexual ou de mãe para filho. A maior parte <strong>do</strong>s porta<strong>do</strong>res nada sente, nem fica <strong>do</strong>ente nunca.<br />

Dependen<strong>do</strong> <strong>do</strong> tipo de vírus e <strong>do</strong> organismo da pessoa infectada, alguns desenvolvem leucemia,<br />

outros a <strong>do</strong>ença de Maria José: paralisia espástica tropical, esse nome estranho mesmo! As pernas<br />

ficam fracas e endurecidas, com o que chamamos de espasmo, pode ter incontinência urinária, <strong>do</strong>r<br />

lombar, homens podem ter impotência sexual.<br />

Ela tem dificuldade para se movimentar, mas chega sorrin<strong>do</strong>.<br />

Pensei que seria uma consulta difícil, não existe tratamento eficaz para essa <strong>do</strong>ença. Damos<br />

medicamentos para melhorar os sintomas.<br />

Fiz a entrevista, examinei, fiz a prescrição.<br />

Ela sorria, assoviava e cantarolava. Alegre.<br />

Dona Maria José sabia como pode ter pega<strong>do</strong> esse HTLV?<br />

– Sei lá meu fio. Sofri nessa vida foi muito.<br />

– Mas hoje em dia a senhora está bem.<br />

– Tô sim, boa mesmo. Hoje em dia, afemaria, é uma graça. Mas pra criar meus fi, tive que catar<br />

muita latinha. Latinha! Sabe por quê?<br />

– Por quê?<br />

– Porque homem presta nada. Eu me casei mais Zé, tudim bonitim, a gente morava de aluguer,<br />

mais a vida era boa. A gente tinha <strong>do</strong>is fi, um casal. Um di o patrão de Zé disse que era pra gente ir<br />

pro Ri-de-janero, que tinha um trabaio pra Zé lá, mais os menino tava na escola, Zé foi na frente. A<br />

firma deu apartamento pra nóis, eu fui lá e ajeitei tu<strong>do</strong> nos conforme. Daí vortei pra casa. Zé vortava<br />

de quinze–em–quinze. Daí Zé num apareceu mais, nada deu saber de Zé. Esse Zé num telefonava,<br />

esse Zé num mandava carta. Daí eu procurei o patrão de Zé. Dona Maria José, não tô saben<strong>do</strong> de<br />

nada, Zé tá no trabaio normal. Afemaria. Me deu na veneta. Peguei o oimbis e fui bater lá no Ri.

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