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com falta de ar?<br />
Não. Nada. Não.<br />
– Ele usa cocaína? Essa informação é importante!<br />
– Não. Afe. Nunca usou nada. Você não vai atender logo não?<br />
Cerca de dez i<strong>do</strong>sos esperan<strong>do</strong>. Homem jovem sem <strong>do</strong>ença cardíaca, sem diabetes, é improvável<br />
infartar sem usar cocaína, ou outra droga semelhante. Quer dizer, pode acontecer, mas ganhar na<br />
loteria é mais fácil<br />
– Por favor, espere a vez dele.<br />
Bate a porta. Grita no saguão. Os velhos olham consterna<strong>do</strong>s.<br />
– Ele está morren<strong>do</strong>. Ninguém vai atender meu mari<strong>do</strong>!<br />
Eu preciso ir ao banheiro. Pedi ao guarda que acompanhasse o casal até a emergência. Lá ele<br />
seria avalia<strong>do</strong> pelo residente prontamente, Leandro estava a postos. Eu conseguiria continuar os<br />
atendimentos das pessoas que estavam esperan<strong>do</strong>.<br />
Sabe o que é liberdade? É fazer xixi depois de quatro horas senta<strong>do</strong>, seguran<strong>do</strong> firme, suan<strong>do</strong> frio.<br />
Pronto.<br />
No PS Leandro atendeu Pedro. Dor no peito. Começou uma hora atrás. Jogava capoeira. Deu um<br />
mau jeito.<br />
Jogava bola três vezes por semana. Dor no tórax nunca antes. Doença nenhuma. Cocaína: Deus me<br />
livre, <strong>do</strong>utor, tá tiran<strong>do</strong> de nóia?<br />
Não tinha nenhuma característica de infarto, nenhuma. Leandro achou estranho o jeito que ele<br />
ficou quan<strong>do</strong> perguntou da cocaína. Consterna<strong>do</strong> demais. O conduziu à sala de emergência mais para<br />
poder conversar fora <strong>do</strong> campo de visão da esposa <strong>do</strong> que por acreditar que ele podia ter um<br />
problema cardíaco.<br />
Eletrocardiograma. Supradesnivelamento de segmento ST em parede anterior, quer dizer: era<br />
infarto <strong>do</strong> miocárdio. Grave.<br />
Infarto é quan<strong>do</strong> não chega sangue a uma determinada região, não chega oxigênio, aquele órgão<br />
sofre necrose, o teci<strong>do</strong> morre. Miocárdio é o músculo <strong>do</strong> coração. Nesses casos as artérias<br />
coronárias que são responsáveis por levar sangue com oxigênio para to<strong>do</strong> o coração ficam entupidas,<br />
com o que chamamos de trombo. Se esse infarto for muito grande e o <strong>do</strong>ente entrar em choque, ou se<br />
tiver determinadas arritmias pode morrer na hora.<br />
O residente me chamou para eu orientar o tratamento. Medicamos. Iniciaríamos a trombólise,<br />
infusão lenta de um medicamento com objetivo de “desfazer o trombo” e desobstruir a coronária.<br />
Enquanto a enfermeira prepara o medicamento, observei que havia um tipo de caspa no bigode <strong>do</strong><br />
paciente.<br />
– Pedro, você não usa cocaína mesmo não, nunca? Não se trata de julgamento moral, quem infarta<br />
por cocaína não pode usar os mesmos medicamentos de quem não usa.<br />
– Na verdade, <strong>do</strong>utor, já usei. Uso de vez em quan<strong>do</strong>, mas a Ana não pode nem sonhar. Não conta<br />
pra ela!<br />
– Você usou hoje à noite?<br />
Fica quieto. Não olha meu olho. Suas pupilas fogem e quan<strong>do</strong> elas estão <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> universo<br />
ele nega. Entendi<strong>do</strong>.<br />
Chamo ao consultório a esposa de Pedro. Ela me olha com os olhos um tanto avermelha<strong>do</strong>s,<br />
cheios de inconformidades.