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um pesa<strong>de</strong>lo, <strong>Drummond</strong> nem por isso <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> cantá-la e, à sua maneira,<br />
celebrá-la, numa persistente “lavra da paciência”, da memória e <strong>de</strong> seu modo<br />
singular <strong>de</strong> estar neste mundo.<br />
É nesse sentido, sem nada <strong>de</strong> ingênuo ou gratuito, que <strong>Drummond</strong> vai aos<br />
poucos se <strong>de</strong>lineando para o leitor como um poeta do mundo terreno, 14 daquela<br />
esfera imanente da vida em que, afinal, se produz e se <strong>de</strong>strói, se faz e se<br />
extingue tudo que interessa à criatura. Estranho à mística e <strong>de</strong>sconfiado da<br />
transcendência, <strong>Drummond</strong> valeu-se <strong>de</strong> todo tipo <strong>de</strong> meio para sua “mineração”<br />
poética, e o “classicismo” <strong>de</strong> 1951 é mais um dos ângulos que ensaiou ao longo<br />
da carreira. Nele certamente entrava um elemento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconfiança diante das<br />
esperanças coletivas e dos rumos do mundo social que se <strong>de</strong>ixavam ler em A<br />
rosa do povo. Mas seria um equívoco supor que o <strong>Drummond</strong> <strong>de</strong> <strong>Claro</strong> enigma dá<br />
as costas à história e à vida terrena: uma e outra estão profundamente<br />
entranhadas nos poemas do livro, à espera <strong>de</strong> leitores que se disponham, por sua<br />
vez, a lavrá-los com paciência.<br />
1 A rigor, o antecessor imediato <strong>de</strong> <strong>Claro</strong> enigma são os Novos poemas, cuja<br />
primeira edição não se <strong>de</strong>u, porém, como livro autônomo, e sim como parte final<br />
da coletânea Poesia até agora (Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Oly mpio, 1948).<br />
2 O termo é tirado <strong>de</strong> Antonio Candido, “Inquietu<strong>de</strong>s na poesia <strong>de</strong> <strong>Drummond</strong>”,<br />
em Vários escritos (4a ed., Rio <strong>de</strong> Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004).<br />
3 Antonio Candido, op. cit., p. 97.<br />
4 Cf. Davi Arrigucci Jr., Coração partido: uma análise da poesia reflexiva <strong>de</strong><br />
<strong>Drummond</strong> (São Paulo: Cosac Naify, 2002), p. 15.<br />
5 Antonio Candido, op. cit., pp. 95-6.<br />
6 A expressão é <strong>de</strong> José Guilherme Merquior em Verso universo em <strong>Drummond</strong><br />
(Rio <strong>de</strong> Janeiro: José Olympio, 1975), p. 124.<br />
7 Como termo <strong>de</strong> comparação, veja-se como Manuel Ban<strong>de</strong>ira, em “Satélite”<br />
(<strong>de</strong> Estrela da tar<strong>de</strong>, 1963), toma uma via negativa semelhante, marcada pelos<br />
muitos prefixos negativos (<strong>de</strong>- e <strong>de</strong>s-), para afinal chegar à lua<br />
“<strong>de</strong>smetaforizada” e portanto “nua”, pronta para o encontro amoroso.<br />
8 É justamente esse sentido estrito <strong>de</strong> “maduro” que está em jogo nos versos<br />
iniciais <strong>de</strong> “Campo <strong>de</strong> flores”: “Deus me <strong>de</strong>u um amor no tempo <strong>de</strong> madureza,/<br />
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme”. Sobre o poema, leia-se<br />
a bela análise <strong>de</strong> João Luiz Lafetá, “Leitura <strong>de</strong> ‘Campo <strong>de</strong> flores’”, em A<br />
dimensão da noite (São Paulo: Duas Cida<strong>de</strong>s/Editora 34, 2004).