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Maduro, clássico, filosófico. Des<strong>de</strong> 1951, data da publicação original pela Editora<br />
José Oly mpio, esses três adjetivos vêm marcando a leitura e a fortuna crítica <strong>de</strong><br />
<strong>Claro</strong> enigma. O trio não é fortuito e respon<strong>de</strong> por muitas vigas mestras do livro;<br />
<strong>de</strong> resto, permite imaginar em retrospecto o qual terá sido a surpresa <strong>de</strong> muitos<br />
leitores ao <strong>de</strong>parar uma obra tão diversa da anterior. “Difícil <strong>de</strong> ler”, nas palavras<br />
<strong>de</strong> um <strong>de</strong> seus poemas centrais, o novo livro <strong>de</strong> <strong>Carlos</strong> <strong>Drummond</strong> <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />
parecia contrastar em tudo com os versos que recolhera em A rosa do povo, <strong>de</strong><br />
1945. 1<br />
Obra luminosa e muito singular no âmbito da poesia social e política que os<br />
anos mais sombrios do século xx inspiraram a tantos autores, A rosa do povo<br />
lançava raízes fundas nas “inquietu<strong>de</strong>s” 2 que o poeta cultivara <strong>de</strong>s<strong>de</strong> antes, da<br />
estreia com Alguma poesia (1930) até Sentimento do mundo (1940), quando não<br />
as radicalizava. Lá está, centralmente, a percepção <strong>de</strong> um mundo caduco,<br />
precário, malfeito, ao qual correspon<strong>de</strong> (se é que o verbo cabe) o eu torto,<br />
<strong>de</strong>sajeitado, recurvo <strong>de</strong> uma persona literária que <strong>de</strong>sconfia, no próprio ato <strong>de</strong><br />
escrever, <strong>de</strong> tudo aquilo que “na vida é porosida<strong>de</strong> e comunicação”. Mas, <strong>de</strong>sse<br />
movimento dolorido <strong>de</strong> introspecção, o poeta colhia símbolos <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> potência<br />
comunicativa, que, à maneira da orquí<strong>de</strong>a “antieuclidiana” <strong>de</strong> “Áporo” ou da<br />
flor “ainda <strong>de</strong>sbotada” <strong>de</strong> “A flor e a náusea”, furavam o “país bloqueado”, “o<br />
asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”. Mais ainda, para chegar a essa vibração<br />
peculiar, em que a voz interior se misturava ao anseio coletivo por liberda<strong>de</strong>,<br />
<strong>Drummond</strong> levava ao extremo o ímpeto mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> “superação do verso” e<br />
fazia com que o resultado final <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>sse da “figura total do poema, livremente<br />
construído”. 3<br />
Ora, como não supor uma reviravolta quando, logo à entrada, o leitor <strong>de</strong> <strong>Claro</strong><br />
enigma se via diante da epígrafe, tirada <strong>de</strong> Paul Valéry: “Les événements<br />
m’ennuient”, “Os acontecimentos me entediam”? O que pensar dos sonetos e dos<br />
poemas metrificados que proliferam por todo o livro, a <strong>de</strong>speito da chacota<br />
mo<strong>de</strong>rnista <strong>de</strong> que uns e outros eram objeto havia já três décadas? E quanto ao<br />
tom grave e elevado, lapidar e até sapiencial, suposto veículo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sengano<br />
que dava as costas às esperanças acalentadas ontem mesmo e, assim, também à<br />
história em curso? Nenhum <strong>de</strong>sses elementos é menor ou marginal e, no seu<br />
conjunto, <strong>de</strong> fato levam água para a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma nova fase da obra <strong>de</strong><br />
<strong>Drummond</strong> ou mesmo da poesia brasileira no século xx, se quisermos abrir o<br />
foco para incluir os livros mais ou menos contemporâneos <strong>de</strong> Murilo Men<strong>de</strong>s,<br />
Jorge <strong>de</strong> Lima e João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, ou ainda, num patamar inferior <strong>de</strong>