Revista TOP MARCHADOR MARCHA PICADA
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ARTIGO<br />
Da origem aos tempos atuais –<br />
A EVOLUÇÃO DA <strong>MARCHA</strong> <strong>PICADA</strong><br />
Lúcio Sérgio de Andrade*<br />
Muitas pessoas desconhecem a origem<br />
da marcha picada na raça<br />
Mangalarga Marchador. Essa<br />
modalidade de marcha não foi inicialmente selecionada<br />
no Sul de Minas, onde o foco da seleção<br />
de andamento era a marcha batida. A marcha<br />
picada era considerada um defeito pelos antigos<br />
criadores sul-mineiros, um andamento inadequado<br />
para a lida de campo em região montanhosa<br />
e também para o esporte da época – as<br />
caçadas de veados. A maior parte dos cavalos e<br />
éguas de marcha picada eram vendidos para os<br />
criatórios localizados na região de mineração,<br />
principalmente a região dos Campos das<br />
Vertentes.<br />
A seleção com foco principal na marcha picada<br />
começou na linhagem antiga sufixo “Passa<br />
Tempo”, da Fazenda Campo Grande, localizada<br />
na região dos Campos das Vertentes. A seleção<br />
da marcha picada na linhagem Passa Tempo foi<br />
influência da seleção deste andamento na raça<br />
Campolina. Meu tataravô, Francisco Teodoro de<br />
Andrade, precursor da linhagem Passa Tempo,<br />
tinha preferência pela marcha batida. Mas o meu<br />
bisavô, Gabriel Augusto de Andrade, que deu<br />
continuidade à seleção Mangalarga Marchador<br />
Passa Tempo a partir do final do século XIX,<br />
tinha preferência pela marcha picada, por<br />
influência de um grande amigo, Cassiano<br />
Campolina, que na vizinha cidade de Entre Rios<br />
de Minas começou a formação da raça<br />
Campolina, cujo andamento preferencial era a<br />
marcha picada. Meu bisavô passou a selecionar<br />
para a reprodução somente cavalos e éguas de<br />
marcha picada. Obviamente, no Sul de Minas<br />
eram também produzidos cavalos e éguas de<br />
marcha picada, porque do acasalamento entre<br />
garanhões e éguas de marcha batida clássica a<br />
probabilidade de produzir marcha picada oscila<br />
na faixa de 20% a 30%. E foi no Sul de Minas que<br />
chegou na Passa Tempo, no início do século XX,<br />
o garanhão Rio Verde, o qual contribuiu para<br />
consolidar não somente a marcha picada, mas<br />
também a característica do refinamento da conformação,<br />
notadamente do conjunto de frente,<br />
que foi “marca registrada” da tropa também<br />
conhecida como “marca F”.<br />
No passado, a marcha picada era carente de<br />
um padrão de qualidade, oscilando entre andadura<br />
desunida e marcha picada equilibrada, com<br />
um número significativo de cavalos e éguas de<br />
marcha picada lateralizada. Na gestão do meu<br />
avô, Bolivar de Andrade, com a finalidade de<br />
equilibrar a marcha picada, foi introduzida genética<br />
Catuni, através de um reprodutor, e genética<br />
Herdade, através de 10 éguas e um reprodutor.<br />
Tanto no criatório antigo Catuni como na linhagem<br />
antiga Herdade, a genética predominante<br />
era da marcha batida clássica.<br />
No presente, aumentou muito o número de<br />
cavalos e éguas de marcha picada equilibrada,<br />
sendo esta a grande evolução desta modalidade<br />
de andamento. O fator que mais contribuiu para<br />
esta evolução foi o início, em 2006, dos julgamentos<br />
independentes para a marcha picada,<br />
com os árbitros priorizando a marcha picada de<br />
diagrama equilibrado.<br />
Contudo, devido ao reduzido número de<br />
cavalos e éguas de marcha picada natural, a<br />
maioria dos campeões da atualidade iniciaram a<br />
doma de sela na marcha batida, podendo ser<br />
classificados como cavalos e éguas de marcha<br />
picada confirmada ou de marcha picada encartada.<br />
A diferença é que a marcha picada confirmada<br />
pode ser treinada somente com métodos<br />
naturais, enquanto a marcha picada encartada<br />
requer o uso de artifícios fortes de treinamento,<br />
o que, além do risco de desenvolver determinados<br />
desequilíbrios no estilo, não confirma a<br />
picada, ou seja, sem a pressão do artifício utilizado<br />
– desbalanceamento no ferrageamento, correntes,<br />
pressão da embocadura e/ou da equitação<br />
–, o cavalo (ou égua) poderá voltar facilmente<br />
ao andamento original. Geralmente, este<br />
andamento original, que foi mudado para marcha<br />
picada encartada (fabricada), era a marcha<br />
diagonalizada, sem apoios duplos laterais.<br />
Tecnicamente explicando, se o cavalo ou égua<br />
não tem na genealogia os genes dos apoios<br />
duplos laterais, salvo raras exceções, a marcha<br />
picada será a do tipo encartada.<br />
A genética da marcha picada natural é escassa<br />
na raça Mangalarga Marchador, ao contrário<br />
desta genética na raça Campolina. Mas é imprescindível<br />
que os selecionares tenham no plantel a<br />
genética da marcha picada natural, porque é a<br />
base segura para produzir marcha picada genuína.<br />
Por genética de marcha picada genuína também<br />
pode ser entendido, na raça Mangalarga<br />
Marchador, um pedigree que tenha marcha batida<br />
clássica, pois esta modalidade de marcha<br />
batida apresenta diagrama claramente com base<br />
na alternância entre os apoios duplos diagonais<br />
e duplos laterais. Sem uma boa definição dos<br />
tempos de apoios duplos laterais, será difícil<br />
confirmar a marcha picada. Além do mais,<br />
somente quem tem experiência em treinamento<br />
da marcha picada sabe que é mais fácil produzir<br />
uma marcha picada de pista sendo originada de<br />
uma marcha batida bem dissociada, do que de<br />
uma marcha picada natural. Potros e potras de<br />
marcha picada natural, que não mudam para a<br />
marcha batida em liberdade ou no cabresto, tendem<br />
a apresentar marcha picada de passeio na<br />
doma de sela, por causa do diagrama carente do<br />
equilíbrio ideal entre apoios duplos diagonais e<br />
laterais para ser marcha picada de pista, que tem<br />
um diagrama mais próximo do centro, da transição<br />
entre picada e batida.<br />
Ao contrário do passado, há na atualidade um<br />
número significativo de plantéis selecionando<br />
somente a marcha picada de pista. Na região<br />
Nordeste, várias exposições já estão tendo<br />
maior número de inscrições para a marcha picada.<br />
Esta tendência de aumento da participação<br />
da marcha picada é observada também em<br />
exposições da região Sudeste e Centro-Oeste.<br />
Este cenário nacional é bastante favorável para<br />
que haja uma melhora sensível na quantidade<br />
de reprodutores e matrizes portadores da genética<br />
da marcha picada genuína, a qual não precisa<br />
ser necessariamente a da marcha natural<br />
desde o nascimento, mas que seja, pelo menos,<br />
a genética da marcha batida bem diagramada,<br />
bem dissociada, desde o nascimento.<br />
(*) O autor é Zootecnista, com especialização na<br />
Texas A & M University-USA, escritor (mais de 50<br />
livros publicados), pesquisador, árbitro de equídeos<br />
marchadores, instrutor de cursos no Brasil e<br />
nos Estados Unidos, especialista no adestramento<br />
e equitação de equinos e muares marchadores.<br />
Livros, DVDs e cursos on-line disponíveis no<br />
site www.equicenterpublicacoes.com.br, que<br />
hospeda a Loja Virtual do Cavalo de Marcha.<br />
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