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alexandre-de-moraes-direito-constitucional-2014

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ALEXANDRE DE MORAES<br />

DIREITO<br />

CONSTITUCIONAL


DIREITO<br />

CONSTITUCIONAL


Para alguns livros é disponibilizado Material<br />

Complementar e/ou <strong>de</strong> Apoio no site da editora.<br />

Verifique se há material disponível para este livro em<br />

atlas.com.br


A L E X A N D R E DE M O R A E S<br />

DIREITO<br />

CONSTITUCIONAL<br />

30a e d iç ã o<br />

Revista e atualizada até a EC n° 76/13<br />

SAO PAULO<br />

EDITORA ATLAS S.A. - <strong>2014</strong>


© 1996 by Editora Atlas S.A. «MU*,<br />

1. ed. 1997; 2. ed. 1997; 3. ed. 1998; 4. ed. 1998; 5. ed. 1999; 6. ed.<br />

1999; 7. ed. 2000; 8. ed. 2000; 9. ed. 2001; 10. ed. 2001; 11. ed. 2002; 12.<br />

ed. 2002; 13. ed. 2003; 14. ed. 2003; 15. ed. 2004; 16. ed. 2004; 17. ed.<br />

2005; 18. ed. 2005; 19. ed. 2006; 20. ed. 2006; 21. ed. 2007; 22. ed. 2007;<br />

23. ed. 2008; 24. ed. 2009; 25. ed. 2010; 26. ed. 2010;<br />

27. ed. 2011; 28. ed. 2012; 29. ed. 2013; 30. ed. <strong>2014</strong><br />

lavtf*’<br />

Capa: Leonardo Hermano<br />

Composição: Formato Serviços <strong>de</strong> Editoração Ltda.<br />

Dados Internacionais <strong>de</strong> Catalogação na Publicação (CIP)<br />

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<br />

Moraes, Alexandre <strong>de</strong><br />

Direito <strong>constitucional</strong> / Alexandre <strong>de</strong> Moraes. - 30. ed. -<br />

São Paulo: Atlas, <strong>2014</strong>.<br />

Bibliografia.<br />

ISBN 978-85-224-8810-0<br />

ISBN 978-85-224-8811-7 (PDF)<br />

1. Brasil - Direito <strong>constitucional</strong> 2. Direito <strong>constitucional</strong> I. Título.<br />

96-5065<br />

CDU-342<br />

índice para catálogo sistemático:<br />

1. Direito <strong>constitucional</strong> 342<br />

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS - É proibida a reprodução total<br />

ou parcial, <strong>de</strong> qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos<br />

<strong>direito</strong>s <strong>de</strong> autor (Lei n° 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184<br />

do Código Penal.<br />

Editora Atlas S.A.<br />

Rua Conselheiro Nébias, 1384<br />

Campos Elísios<br />

01203 904 São Paulo SP<br />

011 3357 9144<br />

atlas.com.br


O<br />

Senhor é meu pastor, e nada me faltará...<br />

Guia-me pelas veredas da Justiça por amor ao Seu nome.<br />

(SALMO <strong>de</strong> Davi 22-23)


AGRADECIMENTO<br />

Para Viviane e<br />

nossos gêmeos, Giuliana e Alexandre,<br />

agra<strong>de</strong>cendo a paciência,<br />

a felicida<strong>de</strong>,<br />

o carinho e<br />

o amor.<br />

E, a partir da 135edição, novamente agra<strong>de</strong>ço<br />

a Deus por dar mais luz à minha vida com<br />

a vinda <strong>de</strong> Gabriela.


Sumário<br />

Nota à 30a- edição, xxix<br />

Prefácio à l aedição, xxxi<br />

1 DIREITO CONSTITUCIONAL, 1<br />

1 Constitucionalismo, 1<br />

1.1 Estado Constitucional: Estado <strong>de</strong> Direito e Estado Democrático, 2<br />

2 Conceito <strong>de</strong> Constituição, 6<br />

3 Classificação das constituições, 7<br />

3.1 Quadro geral, 7<br />

3.2 Quanto ao conteúdo: constituições materiais, ou substanciais, e<br />

formais, 8<br />

3.3 Quanto à forma: constituições escritas e não escritas, 8<br />

3.4 Quanto ao modo <strong>de</strong> elaboração: constituições dogmáticas e históricas, 8<br />

3.5 Quanto à origem: constituições promulgadas (<strong>de</strong>mocráticas, populares)<br />

e outorgadas, 9<br />

3.6 Quanto à estabilida<strong>de</strong>: constituições imutáveis, rígidas, flexíveis e<br />

semirrígidas, 9<br />

3.7 Quanto à sua extensão e finalida<strong>de</strong>: constituições analíticas (dirigentes)<br />

e sintéticas (negativas, garantias), 10<br />

3.8 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988,10<br />

3.9 Outras classificações, 10<br />

4 Aplicabilida<strong>de</strong> das normas constitucionais, 11<br />

4.1 Normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia plena, contida e limitada, 11<br />

4.2 Normas constitucionais com eficácia absoluta, plena, relativa restringível<br />

e relativa complementável ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> complementação, 12<br />

4.3 Normas programáticas, 13<br />

5 Interpretação das normas constitucionais, 14<br />

5.1 Interpretação conforme a Constituição - Declaração <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto - A interpretação<br />

<strong>constitucional</strong> e o ativismo judicial (Neo<strong>constitucional</strong>ismo e<br />

Positivismo), 16


viii Direito Constitucional • Moraes<br />

6 Preâmbulo <strong>constitucional</strong>, 16<br />

7 Fundamentos da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, 18<br />

8 Objetivos fundamentais da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, 20<br />

9 Princípios <strong>de</strong> regência das relações internacionais da República Fe<strong>de</strong>rativa do<br />

Brasil, 21<br />

9.1 Asilo político, 22<br />

2 PODER CONSTITUINTE, 24<br />

1 Conceito e finalida<strong>de</strong>, 24<br />

2 Titularida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r constituinte, 24<br />

3 Espécies <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constituinte, 25<br />

4 Po<strong>de</strong>r constituinte originário, 25<br />

4.1 Conceito, 25<br />

4.2 Formas <strong>de</strong> expressão do po<strong>de</strong>r constituinte originário, 25<br />

4.3 Características do po<strong>de</strong>r constituinte originário, 26<br />

5 Po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado, 27<br />

5.1 Conceito e características, 27<br />

5.2 Espécies <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado, 27<br />

3 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, 28<br />

1 Finalida<strong>de</strong>. Direitos fundamentais como <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, 28<br />

1.1 Classificação dos <strong>direito</strong>s fundamentais, 28<br />

2 Natureza jurídica das normas que disciplinam os <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais, 30<br />

2.1 Relativida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais e coletivos, 30<br />

3 Direitos e garantias individuais, 31<br />

3.1 Diferenciação entre <strong>direito</strong>s e garantias individuais, 31<br />

3.2 Direitos fundamentais e garantias institucionais, 32<br />

3.3 Direitos fundamentais - classificação, 32<br />

4 Destinatários da proteção, 33<br />

5 Direito à vida, 34<br />

6 Princípio da igualda<strong>de</strong>, 35<br />

6.1 Princípio da igualda<strong>de</strong> e limitação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em concurso público, 37<br />

6.2 Tratamento isonômico entre homens e mulheres (art. 5D, I), 38<br />

6.2.1 Critérios <strong>de</strong> admissão para concurso público, 39<br />

6.2.2 Critérios para admissão <strong>de</strong> emprego, 39<br />

6.2.3 Constitucionalida<strong>de</strong> da prerrogativa do foro em favor da mulher<br />

e sua aplicação tanto para a ação <strong>de</strong> separação judicial quanto<br />

para a <strong>de</strong> divórcio direto, 39<br />

6.3 Princípio da igualda<strong>de</strong> em relação homoafetiva e entida<strong>de</strong> familiar, 40<br />

7 Princípio da legalida<strong>de</strong>, 41<br />

7.1 Princípios da legalida<strong>de</strong> e da reserva legal, 42<br />

8 Tratamento <strong>constitucional</strong> da tortura (art. 5a, III e XLIII), 44


Sumário<br />

ÍX<br />

9 Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta e responsabilida<strong>de</strong> por dano<br />

material, moral ou à imagem (art. 5a, IV e V I, 45<br />

10 Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência, crença religiosa, convicção filosófica ou política e<br />

escusa <strong>de</strong> consciência (art. 5°, VI e VIII), 46<br />

10.1 Liberda<strong>de</strong> religiosa e Estado laico ou leigo, 47<br />

10.2 Escusa <strong>de</strong> consciência e serviço militar obrigatório, 48<br />

10.3 Limitações ao livre exercício do culto religioso, 49<br />

10.4 Religião e cultura, 49<br />

10.5 Assistência religiosa, 49<br />

11 In<strong>de</strong>nização por dano material, moral ou à imagem, 50<br />

11.1 Direito <strong>de</strong> resposta ou <strong>de</strong> réplica, 51<br />

12 Expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística, científica e <strong>de</strong> comunicação (art.<br />

5°, IX), 52<br />

13 Inviolabilida<strong>de</strong> à intimida<strong>de</strong>, vida privada, honra e imagem, 53<br />

14 Inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar (art. 5a, XI), 55<br />

14.1 Questão do dia e da noite, 5 7<br />

14.2 Violação <strong>de</strong> domicílio por <strong>de</strong>cis ão administrativa o u parlamentar.<br />

Impossibilida<strong>de</strong> - cláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional, 58<br />

14.3 Inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar e fisco, 59<br />

15 Sigilo <strong>de</strong> correspondência e <strong>de</strong> comunicação (art. 5°, XII), 60<br />

15.1 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação telefônica, 61<br />

15.2 Lei na 9.296, <strong>de</strong> 24-7 1996 Interceptações telefônicas, 63<br />

15.3 Gravação clan<strong>de</strong>stina, 67<br />

15.4 Excepcionalida<strong>de</strong> na utilização dos dados obtidos mediante<br />

interceptação telefônica fora das hipóteses restritas <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cretação:<br />

limitação subjetiva (<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novos partícipes), limitações objetivas<br />

(“crime-achado” e investigações diversas) e prova emprestada, 70<br />

16 Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados (art. 5a, X e X II): sigilos bancário e fiscal, 72<br />

16.1 Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> da privacida<strong>de</strong> e do sigilo <strong>de</strong> dados, 72<br />

16.2 Características básicas das garantias dos sigilos bancário e fiscal, 74<br />

16.3 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo p>or parte do Ministério Público, 77<br />

16.4 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: sigilo/Ministério Público, 79<br />

16.5 Inviolabilida<strong>de</strong> à intimida<strong>de</strong> e sigilo <strong>de</strong> dados como cláusulas pétreas da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 80<br />

16.6 Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito e sigilo, 81<br />

17 Direito <strong>de</strong> reunião (art. 5a, XVI), 82<br />

17.1 Desnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização da autorida<strong>de</strong> pública e interferência da<br />

polícia, 83<br />

17.2 Tutela do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, 84<br />

18 Direito <strong>de</strong> associação (art. 5a, XVII, XVIII, XIX, XX e XXI), 84<br />

18.1 Finalida<strong>de</strong> lícita, 84<br />

18.2 Caráter paramilitar, 84<br />

18.3 Vedação <strong>de</strong> interferência estatal, 84


X<br />

Direito Constitucional • Moraes<br />

18.4 Conteúdo do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> associação, 85<br />

18.5 Dissolução das associações, 85<br />

18.6 Representação dos associados, 86<br />

19 Apreciação <strong>de</strong> lesão ou ameaça <strong>de</strong> <strong>direito</strong> pelo po<strong>de</strong>r judiciário (art. 5Q, XXXV),<br />

86<br />

19.1 Inexistência da jurisdição condicionada ou instância administrativa <strong>de</strong><br />

curso forçado, 87<br />

19.2 Acesso ao Judiciário e à justiça <strong>de</strong>sportiva, 87<br />

19.3 Inexistência da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> duplo grau <strong>de</strong> jurisdição, 87<br />

20 Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada (art. 5o, XXXVI), 89<br />

21 Princípio do juiz natural (art. 5-, XXXVII e LIII), 91<br />

21.1 Justiças especializadas e tribunais <strong>de</strong> exceção, 92<br />

21.2 Tribunais <strong>de</strong> ética e tribunais <strong>de</strong> exceção, 92<br />

22 Tribunal do júri (art. 5°, XXXVIII), 92<br />

22.1 Plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, 92<br />

22.2 Sigilo <strong>de</strong> votações, 93<br />

22.3 Soberania dos veredictos e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelação, 93<br />

22.4 Competência <strong>constitucional</strong> do Tribunal <strong>de</strong> Júri, 93<br />

23 Extradição (art. 5a, LI e LII), 96<br />

23.1 Hipóteses constitucionais para a extradição, 97<br />

23.2 Requisitos infraconstitucionais para a extradição, 99<br />

23.3 Procedimento e <strong>de</strong>cisão, 101<br />

23.4 Prisão preventiva por extradição, 103<br />

23.5 Atuação do judiciário na extradição, 104<br />

23.6 Extradição, princípio da especialida<strong>de</strong> e pedido <strong>de</strong> extensão (extradição<br />

supletiva), 105<br />

23.7 Extradição e expulsão, 106<br />

23.8 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extradição ou expulsão <strong>de</strong> pessoa casada com<br />

brasileiros ou com filhos brasileiros, 108<br />

23.9 Extradição e <strong>de</strong>portação, 109<br />

23.9-A Extradição e entrega {surren<strong>de</strong>r), 109<br />

23.10 Expulsão e <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> brasileiros, 109<br />

23.11 Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comutação dapena<strong>de</strong> prisão perpétua em pena<br />

privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> com prazo máximo, 109<br />

24 Devido processo legal, contraditório, ampla <strong>de</strong>fesa e celerida<strong>de</strong> processual (art.<br />

5a, LIV, LVe LXXVIII e Lei na 11.419/06), 110<br />

24.1 Inquérito policial e contraditório, 113<br />

24.2 Celerida<strong>de</strong> processual e informatização d o processo judicial (Lei na<br />

11.419/2006), 113<br />

25 Provas ilícitas (art. 5a, LVI), 114<br />

25.1 Provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas, 117<br />

25.2 Convalidação <strong>de</strong> provas obtidas por meios ilícitos com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s públicas fundamentais (legítima <strong>de</strong>fesa), 120


Sumário<br />

XÍ<br />

25.3 Princípios da publicida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> administrativa e provas ilícitas,<br />

121<br />

26 Princípio da presunção <strong>de</strong> inocência (art. 5a, LVII), 123<br />

27 Ação penal privada subsidiária (art. 5 LIX), 124<br />

28 Prisão civil, 125<br />

29 Rol exemplifícativo, 127<br />

30 Direitos fundamentais e tratados internacionais, 127<br />

4 TUTELA CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES, 130<br />

1 Habeas corpus, 130<br />

1.1 Origem, 130<br />

1.2 Conceito e finalida<strong>de</strong>, 131<br />

1.3 Natureza jurídica, 134<br />

1.4 Garantia <strong>constitucional</strong> da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, 134<br />

1.5 Legitimida<strong>de</strong> ativa, 135<br />

1.6 Legitimida<strong>de</strong> passiva, 138<br />

1.7 Hipóteses e espécies, 138<br />

1.7.1 Habeas corpus preventivo (salvo-conduto), 138<br />

1.7.2 Habeas corpus liberatório ou repressivo, 138<br />

1.7.3 Liminar em habeas corpus, 138<br />

1.8 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão, 139<br />

1.9 Habeas corpus e assistente, 139<br />

1.10 Excesso <strong>de</strong> prazo, 140<br />

1.11 Habeas corpus impetrado contra coação ilegal atribuída à Turma do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 140<br />

1.12 Habeas corpus contra ato único ou colegiado <strong>de</strong> tribunais regionais<br />

fe<strong>de</strong>rais ou estaduais, 141<br />

1.13 Habeas corpus contra ato ilegal imputado a promotor <strong>de</strong> justiça, 143<br />

1.14 Habeas corpus contra ato da Turma Recursal nos Juizados Especiais<br />

Criminais, 144<br />

1.15 Habeas corpus contra ato do juiz especial nos Juizados Especiais<br />

Criminais, 145<br />

1.16 Habeas corpus e recursos ordinários - concomitância, 145<br />

1.17 Habeas corpus - substituição <strong>de</strong> recurso ordinário <strong>constitucional</strong><br />

prevista para <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m - viabilida<strong>de</strong>, 146<br />

1.18 Habeas corpus e punições disciplinares militares, 147<br />

1.19 Empate no habeas corpus, 147<br />

1.20 Tutela da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção - habeas corpus - recurso ordinário<br />

<strong>constitucional</strong> STJ, 148<br />

2 Habeas data, 148<br />

2.1 Conceito, 148<br />

2.2 Natureza jurídica, 149<br />

2.3 Finalida<strong>de</strong>, 149


xii Direito Constitucional • Moraes<br />

2.4 Cabimento, 150<br />

2.5 Legitimação ativa, 151<br />

2.6 Legitimação passiva, 152<br />

2.7 Procedimento (Lei n° 9.507/97), 153<br />

2.8 Direito ao conhecimento e à retificação, 155<br />

2.9 Competência, 156<br />

2.10 Habeas data e dados sigilosos, 157<br />

3 Mandado <strong>de</strong> segurança, 159<br />

3.1 Conceito e finalida<strong>de</strong>, 159<br />

3.2 Espécies, 159<br />

3.3 Natureza jurídica, 160<br />

3.4 Cabimento do mandado <strong>de</strong> segurança, 160<br />

3.5 Conceito <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e certo, 163<br />

3.6 Legitimação ativa impetrante, 163<br />

3.7 Legitimação passiva impetrado, 164<br />

3.8 Prazo para impetração do mandado <strong>de</strong> segurança, 166<br />

3.9 Competência, 167<br />

3.10 Competência do mandado <strong>de</strong> segurança contra atos e omissões <strong>de</strong><br />

tribunais, 168<br />

3.11 Mandado <strong>de</strong> segurança individual e coletivo e liminares, 169<br />

3.12 Tutela dos <strong>direito</strong>s líquidos e certos - mandado <strong>de</strong> segurança - recurso<br />

ordinário <strong>constitucional</strong> STJ, 171<br />

4 Mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, 171<br />

4.1 Conceito, 171<br />

4.2 Finalida<strong>de</strong>, 171<br />

4.3 Objeto, 171<br />

4.4 Legitimação ativa e passiva, 173<br />

4.5 Beneficiários, 176<br />

4.6 Mandado <strong>de</strong> segurança coletivo e individual, 177<br />

5 Mandado <strong>de</strong> injunção, 177<br />

5.1 Histórico, 177<br />

5.2 Conceito, 178<br />

5.3 Objeto do mandado <strong>de</strong> injunção, 179<br />

5.4 Requisitos, 180<br />

5.5 Legitimida<strong>de</strong> ativa, 180<br />

5.6 Legitimida<strong>de</strong> passiva, 181<br />

5.7 Procedimento, 181<br />

5.8 Competência, 182<br />

5.9 Decisão e efeitos do mandado <strong>de</strong> injunção, 183<br />

6 Direito <strong>de</strong> certidão, 190<br />

7 Direito <strong>de</strong> petição, 191<br />

7.1 Histórico e conceito, 191


Sumário<br />

xiii<br />

7.2 Natureza, 191<br />

7.3 Legitimida<strong>de</strong> ativa e passiva, 192<br />

7.4 Finalida<strong>de</strong>, 192<br />

8 Ação popular, 193<br />

8.1 Conceito, 193<br />

8.2 Finalida<strong>de</strong>, 193<br />

8.3 Requisitos, 193<br />

8.4 Objeto, 194<br />

8.5 Legitimação ativa, 194<br />

8.6 Legitimação passiva, 196<br />

8.7 Natureza da <strong>de</strong>cisão, 196<br />

8.8 Competência, 196<br />

8.9 Sentença e coisa julgada, 197<br />

9 Texto integral dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

1988,197<br />

5 DIREITOS SOCIAIS, 203<br />

1 Conceito e abrangência, 203<br />

2 Direito à segurança no emprego, 204<br />

3 Rol dos <strong>direito</strong>s sociais, 205<br />

4 Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação profissional ou sindical, 209<br />

4.1 Conceituação, 209<br />

4.2 Classificação dos <strong>direito</strong>s sindicais, 210<br />

4.3 Contribuições confe<strong>de</strong>rativa e sindical - diferenças e exigibilida<strong>de</strong>, 212<br />

5 Direito <strong>de</strong> greve, 213<br />

6 DIREITO DE NACIONALIDADE, 216<br />

1 Conceito, 216<br />

2 Definições relacionadas à matéria, 216<br />

3 Espécies <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 217<br />

4 Brasileiros natos, 218<br />

4.1 Critérios d e atribuição d e nacionalida<strong>de</strong> originária, 218<br />

5 Hipóteses <strong>de</strong> aquisição originária, 218<br />

5.1 Os nascidos na República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, ainda que <strong>de</strong> pais<br />

estrangeiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estes não estejam a serviço <strong>de</strong> seu país, 219<br />

5.2 Os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que qualquer <strong>de</strong>les esteja a serviço da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil,<br />

220<br />

5.3 Nacionalida<strong>de</strong> potestativa: os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro<br />

ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que venham a residir na República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil e optem, em qualquer tempo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingida a maiorida<strong>de</strong><br />

(EC na 54/07), pela nacionalida<strong>de</strong> brasileira, 220<br />

5.4<br />

Opção, 221


x i v Direito Constitucional • Moraes<br />

5.5 Os nascidos no estrangeiro <strong>de</strong> pai brasileiro ou <strong>de</strong> mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que sejam registrados em repartição brasileira competente (ius sanguinis<br />

+ registro - EC na 54/07), 223<br />

6 Brasileiro naturalizado, 225<br />

6.1 Espécies <strong>de</strong> naturalização, 225<br />

6.1.1 Naturalização tácitaou gran<strong>de</strong> naturalização, 225<br />

6.1.2 Naturalização expressa, 226<br />

6.2 Radicação precoce e curso superior, 2 3 0<br />

7 Tratamento diferenciado entre brasileiro nato e naturalizado, 230<br />

7.1 Brasileiro nato e naturalizado - diferenças, 231<br />

7.2 Cargos, 231<br />

7.3 Função, 232<br />

7.4 Extradição, 232<br />

7.5 Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>/manifestação <strong>de</strong> pensamento/informação, 233<br />

8 Perda do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 233<br />

8.1 Ação <strong>de</strong> cancelamento <strong>de</strong> naturalização, 234<br />

8.2 Naturalização voluntária, 235<br />

8.2.1 Regra <strong>constitucional</strong>, 235<br />

8.2.2 Exceções constitucionais, 236<br />

7 DIREITOS POLÍTICOS, 238<br />

1 Conceito, 238<br />

2 Direitos políticos, 238<br />

3 Núcleo dos <strong>direito</strong>s políticos - <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, 239<br />

3.1 Conceituação, 239<br />

3.2 Classificação, 240<br />

4 Capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa, 241<br />

5 Direito <strong>de</strong> voto, 242<br />

5.1 Natureza do voto, 242<br />

5.2 Caracteres do voto, 242<br />

6 Plebiscito e referendo: exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto, 244<br />

7 Elegibilida<strong>de</strong>, 245<br />

7.1 Conceito, 245<br />

7.2 Condições, 245<br />

8 Direitos políticos negativos, 248<br />

8.1 Conceito, 248<br />

8.2 Inelegibilida<strong>de</strong>s, 248<br />

8.3 Quadro <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s, 249<br />

8.4 Inelegibilida<strong>de</strong> absoluta, 249<br />

8.5 Inelegibilida<strong>de</strong> relativa, 250<br />

8.5.1 Por motivos funcionais, 250<br />

8.5.2 Por motivos <strong>de</strong> casamento, parentesco ou afinida<strong>de</strong>, 262


Sumário<br />

XV<br />

8.5.2.1 Inelegibilida<strong>de</strong> reflexa e renúncia do <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong><br />

mandato executivo, 265<br />

8.5.3 Militar, 267<br />

8.5.4 Previsões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal, 268<br />

9 Privação dos <strong>direito</strong>s políticos, 269<br />

9.1 Perda, 270<br />

9.1.1 Cancelamento da naturalização por sentença transitada em<br />

julgado, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva ao interesse nacional<br />

(CF, art. 12, § 4o), 270<br />

9.1.2 Escusa <strong>de</strong> consciência, 270<br />

9.1.3 Outros casos <strong>de</strong> perda, 272<br />

9.2 Suspensão, 272<br />

9.2.1 Incapacida<strong>de</strong> civil absoluta, 272<br />

9.2.2 Con<strong>de</strong>nação criminal com trânsito em julgado enquanto<br />

durarem seus efeitos, 272<br />

9.2.3 Improbida<strong>de</strong> administrativa, 278<br />

10 Partidos políticos, 279<br />

10.1 Princípio da anualida<strong>de</strong> eleitoral e fim da verticalização, 281<br />

11 Língua e símbolos oficiais, 284<br />

8 ORGANIZAÇÃO P0LÍTIC0-ADMINISTRATIVA, 286<br />

1 Regras <strong>de</strong> organização, 286<br />

1.1 Adoção d a fe<strong>de</strong>ração, 28 6<br />

1.2 Princípio da indissolubilida<strong>de</strong> do vínculo fe<strong>de</strong>rativo, 288<br />

1.3 Capital Fe<strong>de</strong>ral, 288<br />

1.4 União, 289<br />

1.5 Estados-membros, 290<br />

1.5.1 Autonomia estadual, 290<br />

1.5.2 Regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões,<br />

295<br />

1.6 Municípios, 295<br />

1.6.1 Lei orgânica municipal, 296<br />

1.6.2 Prefeito municipal - responsabilida<strong>de</strong> criminal e política, 301<br />

1.6.3 Vereadores - imunida<strong>de</strong> material, 305<br />

1.7 Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 307<br />

1.8 Territórios, 307<br />

1.9 Formação dos Estados, 308<br />

1.9.1 Fusão (incorporação entre si), 310<br />

1.9.2 Subdivisão, 310<br />

1.9.3 Desmembramento, 310<br />

1.10 Formação d e municípios, 311<br />

1.11 Vedações constitucionais <strong>de</strong> natureza fe<strong>de</strong>rativa, 313<br />

2 Repartição <strong>de</strong> competências, 314


x v i Direito Constitucional * Moraes<br />

2.1 Conceito, 314<br />

2.2 Princípio básico para a distribuição <strong>de</strong> competências - predominância do<br />

interesse, 315<br />

2.3 Repartição em matéria administrativa, 316<br />

2.3.1 Quadro geral, 316<br />

2.3.2 Competências administrativas da União, 316<br />

2.3.3 Competências administrativas dos Estados-membros, 318<br />

2.3.4 Competências administrativas dos municípios, 318<br />

2.3.5 Competências administrativas do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 319<br />

2.3.6 Competência administrativa comum, 319<br />

2.4 Repartição em matéria legislativa, 320<br />

2.4.1 Quadro geral <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong> competência legislativa, 320<br />

3 Intervenção, 333<br />

3.1 Parte geral, 333<br />

3.2 Intervenção fe<strong>de</strong>ral, 334<br />

3.2.1 Quadro geral, 334<br />

3.2.2 Hipóteses, 335<br />

3.2.3 Procedimento <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral, 335<br />

3.3 Intervenção estadual nos municípios, 338<br />

9 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 340<br />

1 Conceito, 340<br />

2 Princípios constitucionais da administração pública, 341<br />

2.1 Princípio da legalida<strong>de</strong>, 341<br />

2.2 Princípio da impessoalida<strong>de</strong>, 342<br />

2.3 Princípio da moralida<strong>de</strong>, 342<br />

2.4 Princípio da publicida<strong>de</strong>, 344<br />

2.5 Princípio da eficiência, 344<br />

2.5.1 Introdução, 344<br />

2.5.2 Princípio da eficiência e <strong>direito</strong> comparado, 345<br />

2.5.3 Conceito, 346<br />

2.5.4 Características do princípio da eficiência, 348<br />

2.5.5 Aplicabilida<strong>de</strong> e fiscalização, 352<br />

3 Preceitos <strong>de</strong> observância obrigatória à administração pública da União,<br />

Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, 353<br />

3.1 F ixação do teto salarial do funcionalismo, 358<br />

3.2 Aplicação do teto remuneratório <strong>constitucional</strong> e do subsídio mensal dos<br />

membros e servidores do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 360<br />

4 Concurso público, 362<br />

5 Direitos sociais dos servidores públicos civis (livre associação sindical e<br />

greve), 367<br />

6 Servidor público e data-base - princípio da periodicida<strong>de</strong>, 371<br />

7 Cumulação <strong>de</strong> vencimentos no setor público, 372


Sumário x v ii<br />

8 Licitação: interpretação <strong>de</strong> acordo com a finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, 376<br />

8.1 Da necessida<strong>de</strong> da licitação, 376<br />

8.2 Das hipóteses excepcionais <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> licitação, 377<br />

8.3 Da dispensa da licitação, 378<br />

8.4 Da inexigibilida<strong>de</strong> da licitação, 379<br />

8.5 Conclusão, 379<br />

9 Publicida<strong>de</strong> dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos<br />

públicos, 380<br />

10 Improbida<strong>de</strong> administrativa, 382<br />

11 Ação civil pública por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, 386<br />

12 Responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva do Po<strong>de</strong>r Público, 388<br />

12.1 Responsabilida<strong>de</strong> civil do po<strong>de</strong>r público por danos causados a alunos no<br />

recinto <strong>de</strong> estabelecimento oficial <strong>de</strong> ensino, 391<br />

13 Servidor público e mandato eletivo, 391<br />

14 Sistema remuneratório do servidor público, 392<br />

15 Regra geral <strong>de</strong> aposentadoria do servidor público civil, 394<br />

15.1 Fixação e atualização dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria (ECs n!B41/03 e<br />

47/05), 397<br />

15.2 Pensão por morte <strong>de</strong> servidor público, 399<br />

15.3 Regra <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> aposentadoria voluntária proporcional, 402<br />

15.3.1 Regra <strong>de</strong> transição e magistrados, membros do Ministério<br />

Público e Tribunal <strong>de</strong> Contas, 403<br />

15.3.2 Regra <strong>de</strong> transição para professor, 404<br />

15.4 Regime <strong>de</strong> previdência complementar no âmbito da União, dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, 404<br />

15.5 Servidores públicos e contribuição previ<strong>de</strong>nciária, 405<br />

15.6 Quadro geral sobre previdência dos servidores públicos civis, 407<br />

15.7 Emenda Constitucional n° 41/03 e o respeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos,<br />

408<br />

15.8 Previdência Social e <strong>direito</strong>s adquiridos, 408<br />

16 Estabilida<strong>de</strong> do servidor público civil, 409<br />

17 Militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios, 412<br />

18 Militares dos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios e cargo público civil, 413<br />

18.1 Cargo público civil permanente, 413<br />

18.2 Cargo, emprego ou função pública temporária, 413<br />

19 Militares dos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios e Direitos Sociais, 414<br />

20 Emendas Constitucionais n“ 19/98, 41/03 e 47/05, teto salarial e respeito aos<br />

<strong>direito</strong>s adquiridos, 414<br />

10 ORGANIZAÇÃO DOS PODERES E D0 MINISTÉRIO PÚBLICO, 423<br />

1 Separação das funções estatais - limitação do po<strong>de</strong>r e garantia dos <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais, 423<br />

1.1 Introdução, 423


XVÍii Direito Constitucional • Moraes<br />

1.2 Funções estatais, imunida<strong>de</strong>s e garantias em face do princípio da<br />

igualda<strong>de</strong>, 424<br />

1.3 Funções estatais: Po<strong>de</strong>r Legislativo, Po<strong>de</strong>r Executivo, Po<strong>de</strong>r Judiciário e<br />

Ministério Público, 427<br />

1.4 Conclusão inicial, 428<br />

2 Po<strong>de</strong>r legislativo, 429<br />

2.1 Funções, 429<br />

2.2 Congresso Nacional, 429<br />

2.3 Câmara dos Deputados, 433<br />

2.3.1 Suplência e permanência no partido, 435<br />

2.4 Senado Fe<strong>de</strong>ral, 436<br />

2.4.1 Suplência e permanência no partido, 438<br />

2.5 Função típica - fiscalização. Comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito, 439<br />

2.5.1 Limitações constitucionais às Comissões Parlamentares <strong>de</strong><br />

Inquérito, 441<br />

2.6 Tribunal <strong>de</strong> Contas, 450<br />

2.6.1 Conceito, funções e finalida<strong>de</strong>s, 450<br />

2.6.2 Tribunal <strong>de</strong> Contas - escolha pelo Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

(1/3), 451<br />

2.6.3 Tribunais <strong>de</strong> Contas estaduais, distrital e municipais, 452<br />

2.6.4 Tribunal <strong>de</strong> Contas e rejeição <strong>de</strong> contas do Chefe do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, 454<br />

2.7 Estatuto dos congressistas, 454<br />

2.7.1 Introdução, 454<br />

2.7.2 Finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, 455<br />

2.7.3 Histórico, 456<br />

2.7.4 Conceito <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s, 460<br />

2.7.5 Imunida<strong>de</strong>s materiais, 460<br />

2.7.6 Imunida<strong>de</strong> formal - <strong>de</strong>finição histórica, 464<br />

2.7.7 Imunida<strong>de</strong> formal em relação à prisão, 466<br />

2.7.8 Imunida<strong>de</strong> formal em relação ao processo nos crimes praticados<br />

após a diplomação, 468<br />

2.7.9 Prerrogativa <strong>de</strong> foro em razão da função, 473<br />

2.7.10 Vencimentos dos parlamentares, 475<br />

2.7.11 Deputados Fe<strong>de</strong>rais/Senadores da República e Forças<br />

Armadas, 476<br />

2.7.12 Parlamentar e obrigação <strong>de</strong> testemunhar, 477<br />

2.7.13 Irrenunciabilida<strong>de</strong> das imunida<strong>de</strong>s, 477<br />

2.7.14 Imunida<strong>de</strong>s e Parlamentar licenciado para exercício <strong>de</strong> cargo<br />

executivo (Ministro <strong>de</strong> Estado, Secretário <strong>de</strong> Estado), 477<br />

2.7.15 Incompatibilida<strong>de</strong>s, 478<br />

2.7.16 Perda do mandato, 479<br />

2.7.17 Conclusão, 484


Sumário<br />

xix<br />

3 Po<strong>de</strong>r Executivo, 486<br />

3.1 Estrutura do Po<strong>de</strong>r Executivo, 489<br />

3.1.1 Chefe <strong>de</strong> Estado e Chefe <strong>de</strong> Governo, 489<br />

3.1.2 Modo <strong>de</strong> investidura e posse no cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, 489<br />

3.1.3 Vacância da Presidência da República, 493<br />

3.1.4 Atribuições do Presi<strong>de</strong>nte da República, 494<br />

3.1.5 Vice-presi<strong>de</strong>nte d a República, 497<br />

3.1.6 Órgãos auxiliares do Presi<strong>de</strong>nte da República. Ministros.<br />

Conselho da Repúbbca e Conselho <strong>de</strong> Defesa Nacional, 499<br />

3.2 Responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República: prerrogativas e<br />

imunida<strong>de</strong>s do Presi<strong>de</strong>nte da República, 502<br />

3.2.1 Crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, 502<br />

3.2.2 Crimes comuns, 514<br />

4 Po<strong>de</strong>r Judiciário, 520<br />

4.1 Conceito, 520<br />

4.2 Quadro <strong>de</strong> organização estrutural, 522<br />

4.3 Funções típicas e atípicas, 523<br />

4.4 Garantias do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 523<br />

4.4.1 Garantias institucionais, 525<br />

4.4.2 Garantias aos membros, 528<br />

4.4.3 In<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário e controle externo, 532<br />

4.4.4 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e controle externo do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, 534<br />

4.4.5 Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, 536<br />

4.5 Organização do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 553<br />

4.5.1 Fixação <strong>de</strong> subsídios do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 555<br />

4.5.2 Requisitos para ingresso na carreira da magistratura, 556<br />

4.5.3 Aferição do merecimento para promoção <strong>de</strong> magistrados e<br />

acesso aos Tribunais <strong>de</strong> 2o grau, 557<br />

4.5.4 Órgão especial dos tribunais - competências e critérios para a<br />

composição e eleição, 558<br />

4.5.5 Vedação <strong>constitucional</strong> às férias coletivas nos juízos e tribunais<br />

<strong>de</strong> 2a grau e regulamentação do expediente forense no período<br />

natahno e na prestação jurisdicional ininterrupta, por meio <strong>de</strong><br />

plantão permanente, 563<br />

4.6 Escolha dos membros dos Tribunais Superiores, 564<br />

4.6.1 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (art. 101 da CF), 565<br />

4.6.2 Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (art. 104 da CF), 566<br />

4.6.3 Tribunal Superior Eleitoral (art. 118 da CF), 568<br />

4.6.4 Tribunal Superior do Trabalho (art. 111-Ada CF), 569<br />

4.6.5 Superior Tribunal Militar (art. 123 da CF), 570<br />

4.7 Distribuição <strong>de</strong> competências jurisdicionais, 571


XX<br />

Direito Constitucional • Moraes<br />

4.7.1 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 571<br />

4.7.2 Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, 583<br />

4.7.3 Justiça do Trabalho, 587<br />

4.7.4 Justiça Eleitoral, 591<br />

4.7.5 Justiça Militar, 592<br />

4.7.6 Justiça Fe<strong>de</strong>ral, 592<br />

4.7.7 Justiça Estadual, 594<br />

4.7.8 Composição dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais<br />

Regionais do Trabalho, dos Tribunais dos Estados e do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Territórios: regra do “quinto <strong>constitucional</strong>”, 596<br />

4.8 Quadro <strong>de</strong> competência para julgamento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s da República<br />

(os artigos referem-se à Constituição Fe<strong>de</strong>ral), 598<br />

4.9 Recurso extraordinário e repercussão geral das questões constitucionais<br />

(Lei nQ11.418, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006), 602<br />

4.9.1 Recurso Extraordinário, 602<br />

4.9.2 Requisitos constitucionais para o Recurso Extraordinário, 604<br />

4.9.3 Emenda Constitucional nQ45/04 e repercussão geral, 605<br />

4.9.4 Recurso extraordinário e repercussão geral (L ein a 11.418/06),<br />

607<br />

4.9.5 Repercussão Geral e Regimento do STF, 610<br />

4.9.6 Repercussão geral e multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos<br />

extraordinários, 611<br />

5 Ministério Público, 613<br />

5.1 Histórico, 613<br />

5.2 Origem e <strong>de</strong>senvolvimento no Brasil, 614<br />

5.3 Posicionamento <strong>constitucional</strong>, 619<br />

5.4 Conceito, 620<br />

5.5 Princípios do Ministério Público, 621<br />

5.5.1 Unida<strong>de</strong>, 621<br />

5.5.2 Indivisibilida<strong>de</strong>, 622<br />

5.5.3 Princípio da in<strong>de</strong>pendência ou autonomia funcional, 622<br />

5.5.4 Princípio do promotor natural, 623<br />

5.6 Funções, 624<br />

5.7 Ministério Público e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigação, 627<br />

5.8 Ministério Público e legitimida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>fesa do patrimônio público e<br />

zelo dos <strong>direito</strong>s constitucionais do cidadão, 629<br />

5.9 Garantias do Ministério Público, 631<br />

5.9.1 Garantias da instituição, 632<br />

5.9.2 Garantias dos membros, 638<br />

5.10 Vedação ao exercício da política partidária, 640<br />

5.11 Vedação ao exercício <strong>de</strong> qualquer outra função pública, salvo uma <strong>de</strong><br />

magistério, 642


Sumário<br />

xxi<br />

5.12 Da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão ou alteração das funções, garantias e<br />

prerrogativas constitucionais do Ministério Público, 643<br />

5.13 EC n“ 45/04 e Conselho Nacional do Ministério Público, 648<br />

5.14 Ministério Público junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas, 653<br />

6 Advocacia pública, 655<br />

7 Advocacia, 656<br />

7.1 Indispensabilida<strong>de</strong> do advogado, 656<br />

7.2 Imunida<strong>de</strong> do advogado, 657<br />

8 Defensoria pública, 658<br />

11 PROCESSO LEGISLATIVO, 660<br />

1 Conceito, 660<br />

2 Noções gerais, 662<br />

2.1 Conceitos iniciais, 662<br />

2.2 Processos legislativos, 663<br />

2.2.1 Classificação em relação às formas <strong>de</strong> organização política, 663<br />

2.2.2 Classificação em relação à sequência das fases procedimentais,<br />

663<br />

3 Processo legislativo ordinário, 664<br />

3.1 Fase introdutória, 664<br />

3.1.1 Iniciativa d eleid op od er judiciário, 664<br />

3.1.2 Iniciativa privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República - art. 61, 665<br />

3.1.3 Emenda que aumenta a <strong>de</strong>spesa em projeto <strong>de</strong> iniciativa<br />

exclusiva do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo ou que <strong>de</strong>snature o<br />

projeto original, 667<br />

3.1.4 Vício <strong>de</strong> iniciativa e sanção, 668<br />

3.1.5 Iniciativa <strong>de</strong> lei do Ministério Público, 669<br />

3.1.6 Iniciativa popular <strong>de</strong> lei, 67 0<br />

3.1.7 Iniciativa <strong>de</strong> lei para fixação <strong>de</strong> subsídios dos Ministros do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (teto salarial), 670<br />

3.2 Fase constitutiva, 671<br />

3.2.1 Deliberação parlamentar, 671<br />

3.2.2 Deliberação executiva, 676<br />

3.3 Fase complementar, 679<br />

3.3.1 Promulgação, 679<br />

3.3.2 Publicação, 679<br />

4 Espécies normativas, 680<br />

4.1 Emendas constitucionais, 680<br />

4.1.1 Quadro geral sobre limitações a o po<strong>de</strong>r reformador, 682<br />

4.1.2 Limitações expressas, 682<br />

4.1.3 Limitações implícitas, 685<br />

4.2 Lei complementar, 686<br />

4.2.1 Lei complementar e lei ordinária - diferenças, 686


XXÍi Direito Constitucional • Moraes<br />

4.2.2 Processo legislativo especial da lei complementar, 687<br />

4.2.3 Hierarquia - lei complementar e lei ordinária, 687<br />

4.3 Medidas provisórias, 689<br />

4.3.1 Procedimento da medida provisória - aprovação integral, 690<br />

4.3.2 Aprovação da medida provisória pelo Congresso Nacional com<br />

alterações, 693<br />

4.3.3 Rejeição expressa da medida provisória pelo Congresso<br />

Nacional, 694<br />

4.3.4 Rejeição tácita da medida provisória não <strong>de</strong>liberada no prazo <strong>de</strong><br />

60 dias pelo Congresso Nacional, 696<br />

4.3.5 Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República retirar da<br />

apreciação do Congresso Nacional medida provisória já<br />

editada, 697<br />

4.3.6 Medida provisória e lei anterior que trate do mesmo<br />

assunto, 697<br />

4.3.7 Efeitos e disciplina no caso <strong>de</strong> rejeição da medida<br />

provisória, 697<br />

4.3.8 Medidas provisórias e controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 698<br />

4.3.9 Estados-membros e municípios - possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong><br />

medidas provisórias, 701<br />

4.3.10 Medida provisória e <strong>de</strong>creto-lei, 703<br />

4.3.11 Limites materiais à edição <strong>de</strong> medidas provisórias, 703<br />

4.4 Lei <strong>de</strong>legada, 709<br />

4.4.1 Natureza jurídica, 709<br />

4.4.2 Processo legislativo especial da lei <strong>de</strong>legada, 709<br />

4.4.3 O po<strong>de</strong>r do Congresso Nacional <strong>de</strong> sustar a lei <strong>de</strong>legada, 710<br />

4.5 Decreto legislativo, 711<br />

4.5.1 Conceito, 711<br />

4.5.2 Processo legislativo especial previsto para a elaboração do<br />

<strong>de</strong>creto legislativo, 711<br />

4.5.3 Tratados e atos internacionais e incorporação comstatus<br />

ordinário ou <strong>constitucional</strong> (<strong>direito</strong>s humanos), 712<br />

4.6 Resolução, 716<br />

4.6.1 Conceito, 716<br />

4.6.2 Espécies, 716<br />

4.6.3 Processo legislativo especial para a elaboração das resoluções,<br />

716<br />

4.7 Leis orçamentárias, 717<br />

4.7.1 Processo legislativo especial para as leis relativas ao plano<br />

plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e<br />

aos créditos adicionais, 718<br />

4.7.2 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> emendas aos projetos <strong>de</strong> leis<br />

orçamentárias, 718


Sumário<br />

xxiii<br />

4.7.3 Rejeição do projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e do<br />

projeto <strong>de</strong> lei orçamentária, 719<br />

12 CONTROLE D ECONSTITUCIONALIDADE, 721<br />

1 I<strong>de</strong>ia central, 721<br />

2 Conceito, 723<br />

3 Pressupostos ou requisitos <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das espécies normativas, 723<br />

3.1 Requisitos formais, 723<br />

3.1.1 Subjetivos, 723<br />

3.1.2 Objetivos, 724<br />

3.2 Requisitos substanciais ou materiais, 724<br />

4 O <strong>de</strong>scumprimento da lei ou do ato normativo in<strong>constitucional</strong> pelo po<strong>de</strong>r<br />

executivo, 724<br />

5 Espécies <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 725<br />

5.1 Em relação ao momento <strong>de</strong> realização, 725<br />

5.2 Controle repressivo em relação ao órgão controlador, 726<br />

5.2.1 Político, 726<br />

5.2.2 Judiciário ou jurídico, 726<br />

5.2.3 Misto, 726<br />

5.3 Mo<strong>de</strong>los clássicos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 726<br />

5.4 Controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no Brasil, 729<br />

6 Controle preventivo, 730<br />

6.1 Comissões <strong>de</strong> constituição e justiça, 730<br />

6.2 Veto jurídico, 730<br />

7 Controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 731<br />

8 Controle repressivo realizado pelo po<strong>de</strong>r legislativo, 731<br />

8.1 Art. 49, V, d a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 731<br />

8.2 Art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 731<br />

9 Controle repressivo realizado pelo po<strong>de</strong>r judiciário, 732<br />

9.1 Difuso ou aberto, 732<br />

9.1.1 Questão do art. 97 - cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário, 735<br />

9.1.2 Controle difuso e Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52,X, CF), 737<br />

9.1.3 Efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - controle difuso,<br />

739<br />

9.1.4 Controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil<br />

pública, 740<br />

9.1.5 Controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> durante o processo<br />

legislativo, 743<br />

9.1.6 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e controle difuso <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> durante o processo legislativo, 746<br />

9.2 Controle concentrado ou via <strong>de</strong> ação direta, 747<br />

10 Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica, 749<br />

10.1 Competência, 749


xxiv Direito Constitucional • Moraes<br />

10.2 Objeto, 749<br />

10.2.1 Conceito <strong>de</strong> leis e atos normativos, 7S0<br />

10.2.2 Impossibilida<strong>de</strong> do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das normas<br />

originárias, 753<br />

10.2.3 Controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato normativo municipal ou<br />

estadual em face das constituições estaduais, 753<br />

10.2.4 Controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato normativo municipal em face<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 754<br />

10.2.5 Controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato normativo distrital em face<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 755<br />

10.2.6 Controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato normativo anterior à<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, 755<br />

10.2.7 Controle concentrado e respeito à legalida<strong>de</strong>, 756<br />

10.2.8 Tratados internacionais e controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 756<br />

10.2.9 Controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cretos, 759<br />

10.3 Legitimação, 759<br />

10.3.1 Adin e pertinência temática, 760<br />

10.3.2 Adin e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe ou confe<strong>de</strong>rações sindicais, 761<br />

10.3.3 Partidos políticos com representação no Congresso Nacional,<br />

761<br />

10.3.4 Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral, 762<br />

10.4 Finalida<strong>de</strong> da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 763<br />

10.5 Pedido <strong>de</strong> cautelar nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 764<br />

10.6 Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial, 767<br />

10.7 Advogado-Geral da União, 767<br />

10.8 Procedimento e <strong>de</strong>cisão, 768<br />

10.8- A Amicus curiae e <strong>de</strong>mocratização do controle concentrado <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 770<br />

10.8- B Julgamento e <strong>de</strong>cisão, 774<br />

10.9 Efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - controle concentrado,<br />

775<br />

10.9- A Modulação dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 777<br />

10.9- B Efeitos repristinatórios, 784<br />

10.9.1 Interpretação conforme a Constituição, 785<br />

10.9.2 Declaração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong><br />

texto, 788<br />

10.9.3 A interpretação <strong>constitucional</strong> e o ativismojudicial, 789<br />

10.9.4 Reclamações e garantia da eficácia das <strong>de</strong>cisões do STF em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 791<br />

11 Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> interventiva, 793<br />

12 Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão (ADO), 795<br />

12.1 Finalida<strong>de</strong>, 795<br />

12.2 Objeto, 795


Sumário<br />

XXV<br />

12.3 In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, 795<br />

12.3.1 Legitimida<strong>de</strong> e procedimento, 796<br />

12.4 Decisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 797<br />

12.5 ADI por omissão (ADO) e medida liminar, 798<br />

13 Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 799<br />

13.1 Previsão, 799<br />

13.2 Finalida<strong>de</strong>, 800<br />

13.3 Legitimida<strong>de</strong>, 800<br />

13.4 Objeto, 801<br />

13.5 Procedimento e julgamento, 802<br />

13.6 Efeitos da <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 806<br />

14 Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, 807<br />

14.1 Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental preventiva e<br />

repressiva, 812<br />

14.2 Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental por equiparação,<br />

813<br />

15 Súmulas vinculantes (Lei n211.417/06), 815<br />

13 DEFESA D0 ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, 828<br />

1 Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado <strong>de</strong> sítio, 828<br />

1.1 Quadro comparativo: estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado <strong>de</strong> sítio, 829<br />

2 Forças armadas, 832<br />

3 Segurança pública, 833<br />

14 ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA, 837<br />

1 Dos princípios gerais da ativida<strong>de</strong> econômica, 838<br />

2 Intervenção do Estado no domínio econômico, 840<br />

2.1 Utilização <strong>de</strong> radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e<br />

industriais, 841<br />

3 Da política urbana, 842<br />

3.1 Competência para estabelecimento <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

urbano, 842<br />

3.2 Usucapião <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> área urbana, 842<br />

4 Da política agrícola e fundiária e da reforma agrária, 842<br />

4.1 Preceitos da política agrícola, 842<br />

4.2 Destinação das terras públicas e <strong>de</strong>volutas, 843<br />

4.3 Reforma agrária, 843<br />

4.4 Usucapião <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> área rural, 845<br />

5 Do sistema financeiro nacional, 845<br />

5.1 Emenda Constitucional n° 40/03, 845<br />

5.2 Regulamentação por leis complementares e revogação da previsão da<br />

taxa anual <strong>de</strong> juros <strong>de</strong> 12%, 846


XXVÍ<br />

Direito Constitucional • Moraes<br />

15 ORDEM SOCIAL, 848<br />

1 Segurida<strong>de</strong> social, 848<br />

1.1 Parte geral, 848<br />

1.1.1 Conceito, 848<br />

1.1.2 Objetivos, 849<br />

1.2 Saú<strong>de</strong>, 850<br />

1.2.1 Conceito, 850<br />

1.2.2 Diretrizes e preceitos constitucionais relacionados à saú<strong>de</strong>, 850<br />

1.2.3 Atribuições constitucionais do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, 851<br />

1.2.4 Promoção da saú<strong>de</strong> pública e combate a en<strong>de</strong>mias, 851<br />

1.3 Previdência social, 852<br />

1.3.1 Plano <strong>de</strong> previdência social, 852<br />

1.3.2 Regras sobre aposentadoria, 853<br />

1.3.3 Regra <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> aposentadoria voluntária integral e<br />

proporcional, 854<br />

1.3.4 Regra <strong>de</strong> transição para professor, 855<br />

1.3.5 Regime <strong>de</strong> previdência privada <strong>de</strong> caráter complementar, 855<br />

1.4 Assistência social, 856<br />

2 Educação, cultura e <strong>de</strong>sporto, 857<br />

2.1 Educação, 857<br />

2.1.1 Conceito, 857<br />

2.1.2 Princípios constitucionais do ensino, 858<br />

2.1.3 Objetivos constitucionais da educação (art. 214 da CF), 859<br />

2.1.4 Universida<strong>de</strong>s, 860<br />

2.1.5 Preceitos constitucionais sobre a educação, 860<br />

2.1.6 Organização dos sistemas <strong>de</strong> ensino, 861<br />

2.1.7 Aplicação obrigatória <strong>de</strong> recursos à educação, 862<br />

2.2 Cultura, 862<br />

2.3 Desporto, 864<br />

2.3.1 Preceitos constitucionais, 8 64<br />

2.3.2 Justiça <strong>de</strong>sportiva, 865<br />

3 Ciência e tecnologia, 865<br />

4 Comunicação social, 865<br />

4.1 Comunicação social e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, 867<br />

4.2 Garantia <strong>constitucional</strong> do sigilo da fonte, 869<br />

5 Meio ambiente, 869<br />

5.1 Constituição e proteção ao meio ambiente, 869<br />

5.2 Regras constitucionais específicas sobre meio ambiente, 874<br />

6 Família, criança, adolescente, jovem e idoso, 876<br />

6.1 Conceituação, 876<br />

6.2 Regras <strong>de</strong> regência das relações familiares, 877<br />

6.2.1 Princípio da paternida<strong>de</strong> responsável e exame do DNA, 878


Sumário<br />

XX v ii<br />

6.3 Tutela das crianças e dos adolescentes, 879<br />

6.4 Tutela aos idosos, 880<br />

7 índios, 884<br />

6.4.1 Constituição Fe<strong>de</strong>ral e Estatuto do Idoso, 880<br />

6.4.2 Saú<strong>de</strong> do idoso e cidadania, 881<br />

6.4.3 Estatuto do Idoso e fiscalização às entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento aos<br />

idosos, 882<br />

6.4.4 Idoso e transporte público, 883<br />

16 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL, 887<br />

1 Conceito, 887<br />

2 Competências tributárias, 889<br />

3 Espécies <strong>de</strong> tributos, 890<br />

3.1 Impostos, 891<br />

3.2 Taxas, 892<br />

3.3 Contribuições <strong>de</strong> melhoria, 894<br />

3.4 Contribuições sociais, <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico e <strong>de</strong><br />

interesse das categorias profissionais ou econômicas, 895<br />

3.5 Empréstimo compulsório, 895<br />

4 Competência residual tributária, 897<br />

5 Imposto extraordinário, 898<br />

6 Divisão dos tributos em espécie pelos entes fe<strong>de</strong>rativos, 898<br />

7 Repartição das receitas tributárias pelos entes fe<strong>de</strong>rativos, 900<br />

8 Regras constitucionais para repartição das receitas tributárias, 901<br />

9 Limitações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, 905<br />

9.1 Princípio da reserva legal tributária ou da legalida<strong>de</strong> estrita, 906<br />

9.2 Princípio da igualda<strong>de</strong> tributária, 906<br />

9.3 Princípio da irretroativida<strong>de</strong> da lei tributária, 907<br />

9.4 Princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária, 907<br />

9.5 Princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou nonagesimal, 909<br />

9.6 Princípio da vedação ao confisco, 910<br />

9.7 Princípio da ilimitabilida<strong>de</strong> do tráfego <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> bens, 911<br />

9.8 Princípio da capacida<strong>de</strong> contributiva, 912<br />

9.9 Princípio da razoabilida<strong>de</strong>, 912<br />

9.10 Princípio da uniformida<strong>de</strong>, 913<br />

10 Imunida<strong>de</strong>s tributárias e limitações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, 913<br />

11 Isenções tributárias, 917<br />

Bibliografia, 919<br />

índice remissivo, 935


Nota à<br />

30- Edição<br />

O ano <strong>de</strong> 2013 foi profícuo na produção <strong>de</strong> emendas constitucionais. A EC 72, em<br />

abril, homenageou os princípios da igualda<strong>de</strong> e dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, ampliando<br />

importantes <strong>direito</strong>s sociais aos trabalhadores domésticos. Em junho, a EC 73 criou novos<br />

quatro Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dando inído a uma gran<strong>de</strong> polêmica no âmbito do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, com a suspensão da emenda por <strong>de</strong>cisão do Presi<strong>de</strong>nte do STF, em ADI.<br />

A autonomia das Defensorias Públicas da União e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral foi ampliada com a<br />

edição da EC 74, em agosto <strong>de</strong> 2013. Em outubro, a proteção à cultura nacional foi ampliada<br />

com a edição da EC 75, que instituiu imunida<strong>de</strong> tributária sobre os fonogramas e<br />

vi<strong>de</strong>ofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais<br />

<strong>de</strong> autores brasileiros. E, encerrando o ano, o Congresso Nacional reagiu à altura as<br />

manifestações populares <strong>de</strong> junho e soube aten<strong>de</strong>r aos anseios do povo brasileiro, cansado<br />

dos subterfúgios do po<strong>de</strong>r, da escuridão das <strong>de</strong>cisões e da opacida<strong>de</strong> das importantes<br />

votações. A Emenda Constitucional 76, promulgada no dia 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2013,<br />

alterou o parágrafo 2a do artigo 55 e o parágrafo 4a do artigo 66 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

para abolir a votação secreta nos casos <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> mandato <strong>de</strong> Deputado ou Senador e<br />

<strong>de</strong> apreciação <strong>de</strong> veto. A votação ostensiva e nominal dos representantes do povo, salvo<br />

raríssimas exceções em que a própria in<strong>de</strong>pendência e liberda<strong>de</strong> do Congresso Nacional<br />

estarão em jogo, é a única forma condizente com os princípios da soberania popular e da<br />

publicida<strong>de</strong> consagrados, respectivamente, no parágrafo único do artigo I a e no artigo<br />

37, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e consagradora da efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática.<br />

Aproveito a oportunida<strong>de</strong> para novamente renovar meus votos <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimento<br />

aos amigos e leitores.<br />

Janeiro <strong>de</strong> <strong>2014</strong>.<br />

O Autor


Prefácio à<br />

1- Edição<br />

A realização do presente trabalho <strong>de</strong>ve-se à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nsar em um único texto a<br />

análise doutrinária e jurispru<strong>de</strong>ncial da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, expondo <strong>de</strong> forma simples a<br />

teoria geral do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> e as normas constitucionais básicas que regem nosso<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico e consagram a existência <strong>de</strong> um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito.<br />

A i<strong>de</strong>ia é permitir que o estudo didático dos vários títulos e capítulos da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral permita aos operadores do <strong>direito</strong>, aos estudantes e aos candidatos a concursos <strong>de</strong><br />

ingresso em carreiras jurídicas uma segura fonte <strong>de</strong> consulta para a solução das problemáticas<br />

constitucionais e seus reflexos nos diversos ramos do <strong>direito</strong>. Assim, sempre que<br />

necessário, preten<strong>de</strong>u-se abordar a aplicabilida<strong>de</strong> da Carta Magna no <strong>direito</strong> penal, dvil,<br />

processual, comercial, e assim por diante, colacionando farta jurisprudência.<br />

Além do estudo dos artigos do texto maior, abrange-se a teoria geral do <strong>constitucional</strong>ismo,<br />

o po<strong>de</strong>r constituinte e o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Trata-se <strong>de</strong> um estudo profundo das normas constitucionais atuais, comparando-as<br />

com as Constituições brasileiras anteriores e <strong>de</strong> diversos países. Dá-se ênfase especial<br />

aos mecanismos <strong>de</strong> controle do po<strong>de</strong>r estatal, com amplo estudo dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais do homem e sobre a divisão das funções estatais entre os três Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />

Estado e o Ministério Público como garantidora <strong>de</strong>ssas.<br />

Temas polêmicos são abordados, procurando sempre posicionar o leitor sobre as<br />

diversas interpretações, trazendo à colação ilustradas opiniões <strong>de</strong> doutrinadores nacionais<br />

e estrangeiros e julgados dos Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e<br />

Tribunais Estaduais.<br />

A obra é enriquecida com a citação da posição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em todas<br />

as questões importantes, indicando-se os repertórios ou mesmo o Diário da Justiça on<strong>de</strong><br />

a íntegra da ementa ou do acórdão po<strong>de</strong>rá ser encontrada.<br />

Procurou-se, portanto, dar-se visão mais prática e ampla da Constituição, simplificando<br />

seu estudo e preten<strong>de</strong>ndo auxiliar em sua efetiva aplicação e consequente consagração<br />

do respeito às liberda<strong>de</strong>s públicas.<br />

Dessa forma, o leitor po<strong>de</strong>rá ter visão geral do Direito Constitucional e <strong>de</strong> sua aplicação<br />

diária a todos os <strong>de</strong>mais ramos jurídicos, interpretado pela doutrina nacional e estrangeira,<br />

pelos Tribunais e, principalmente, pelo Guardião da Constituição Fe<strong>de</strong>ral: o STF.<br />

São Paulo, janeiro <strong>de</strong> 1997.<br />

O Autor


Direito<br />

Constitucional<br />

1 CONSTITUCIONAUSMO<br />

A origem formal do <strong>constitucional</strong>ismo está ligada às Constituições escritas e rígidas<br />

dos Estados Unidos da América, em 1787, após a In<strong>de</strong>pendência das 13 Colônias, e da<br />

França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes:<br />

organização do Estado e limitação do po<strong>de</strong>r estatal, por meio da previsão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais. Como ressaltado por Jorge Miranda, porém, “o Direito Constitucional<br />

norte-americano não começa apenas nesse ano. Sem esquecer os textos da época colonial<br />

(antes <strong>de</strong> mais, as Fundamental or<strong>de</strong>rs ofConnecticut <strong>de</strong> 1639), integram-no, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, no<br />

nível <strong>de</strong> princípios e valores ou <strong>de</strong> símbolos a Declaração <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência, a Declaração<br />

<strong>de</strong> Virgínia e outras Declarações <strong>de</strong> Direitos dos primeiros Estados”.1<br />

O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, <strong>de</strong>stacado por ser fundamental<br />

à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do<br />

mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.<br />

Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo <strong>de</strong> estabelecer<br />

sua estrutura, a organização <strong>de</strong> suas instituições e órgãos, o modo <strong>de</strong> aquisição e limitação<br />

do po<strong>de</strong>r, através, inclusive, da previsão <strong>de</strong> diversos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais.<br />

Jorge Miranda <strong>de</strong>fine o Direito Constitucional como<br />

“a parcela da or<strong>de</strong>m jurídica que rege o próprio Estado, enquanto comunida<strong>de</strong> e<br />

enquanto po<strong>de</strong>r. É o conjunto <strong>de</strong> normas (disposições e princípios) que recordam<br />

o contexto jurídico correspon<strong>de</strong>nte à comunida<strong>de</strong> política como um todo e aí situam<br />

os indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-po<strong>de</strong>r e<br />

que, ao mesmo tempo, <strong>de</strong>finem a titularida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r, os modos <strong>de</strong> formação e<br />

manifestação da vonta<strong>de</strong> política, os órgãos <strong>de</strong> que esta carece e os actos em que<br />

se concretiza”.12<br />

1 M IRANDA, Jorge. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. t. 1. p. 138.<br />

2 M IRANDA, Jorge. Op. cit. p. 13-14.


2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como produto legislativo máximo do Direito Constitucional encontramos a própria<br />

Constituição, elaborada para exercer dupla função: garantia do existente e programa ou<br />

linha <strong>de</strong> direção para o futuro.1<br />

1.1 Estado Constitucional: Estado <strong>de</strong> Direito e Estado Democrático<br />

O conceito, origem e evolução do Estado po<strong>de</strong>m ser apontados histórica e sistematicamente,<br />

abstraindo-se da sua formação. Mas a verda<strong>de</strong>ira extração científica daquele<br />

conceito e a <strong>de</strong>finição do caráter do Estado não po<strong>de</strong>m prescindir dos dados históricos e<br />

das investigações técnicas que conseguiram situar o Estado na sistemática jurídica.<br />

A pesquisa histórica aponta que as organizações humanas surgem e se suce<strong>de</strong>m no<br />

sentido <strong>de</strong> círculos cada vez mais largos e da cada vez maior integração dos grupos sociais,<br />

sendo, portanto, o Estado o resultado <strong>de</strong> lenta e gradual evolução organizacional <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

que não se confun<strong>de</strong> com as formas <strong>de</strong> agrupamentos antigas.<br />

Apesar <strong>de</strong> importantes semelhanças político-sociais não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar os assim<br />

<strong>de</strong>nominados Estado escravista, Estado antigo, Estado egípcio, Estado medieval, Estado<br />

feudal como verda<strong>de</strong>iramente Estados, no sentido hoje empregado, pois, conforme salienta<br />

Pablo Lucas Verdú, “aqueles que agora a sustentam usam o velho procedimento <strong>de</strong> dar nova<br />

roupagem a coisas antigas, tentando aproveitar as vantagens apresentadas pela tradição”.12<br />

Essas formas constitucionais históricas, pois, conforme salientado por Sérgio Resen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Barros, foram “necessárias para compor as diversas estruturas feudais em um<br />

só mercado nacional sob um só po<strong>de</strong>r político. A í princip>ou o monopólio pelo Estado da<br />

força institucional, antes disp>ersap>or entre várias entida<strong>de</strong>s legais e clericais, monopólio,<br />

inclusive das forças armadas”, uma vez que “o <strong>de</strong>senvolvimento do mercantilismo integrou<br />

a poliarquia feudal nesse monopólio soberano, o que <strong>de</strong>finiu a organização política por<br />

essa nova forma: o Estado, que assim nasceu como Estado nacional, Estado-nação, no<br />

contexto <strong>de</strong> uma nova ida<strong>de</strong> histórica, que foi à sua época chamada mo<strong>de</strong>rna”.3<br />

As lições <strong>de</strong> Pontes <strong>de</strong> Miranda apxmtam o surgimento do Estado, tal qual conhecemos<br />

hoje, somente no século XV, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua estruturação e <strong>de</strong>fine Estado como “o<br />

conjunto <strong>de</strong> todas as relações entre os p>o<strong>de</strong>res públicos e os indivíduos, ou daqueles entre<br />

si”,4 pxris salienta que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cesse qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> tal espécie,<br />

o Estado <strong>de</strong>saparece. Des<strong>de</strong> que surja, o Estado nasce”; enquanto Jorge Miranda aponta<br />

o século XVI como o marco inicial do Estado.5<br />

O Estado, na tradicional obra <strong>de</strong> Jellinek, necessita <strong>de</strong> três elementos fundamentais:<br />

pxxler/soberania, piopulação e território. O Estado, piortanto, é forma histórica <strong>de</strong> organi-<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1994.<br />

p. 151.<br />

2 VERDÚ, Pablo Lucas. A luta pelo estado <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. Trad. Agassiz Almeida Filho. Forense, 2007, p. 23.<br />

3 BARROS, Sérgio Resen<strong>de</strong>. Contribuição dialética para o <strong>constitucional</strong>ismo, p. 12.<br />

4 M IRANDA, Pontes. Comentários à Constituição d e i946, v . I, p. 39.<br />

5 M IRANDA, Jorge. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, t. 3, p. 20 ss.


Direito Constitucional 3<br />

zação jurídica limitado a um <strong>de</strong>terminado território e com população <strong>de</strong>finida e dotado <strong>de</strong><br />

soberania, que em termos gerais e no sentido mo<strong>de</strong>rno configura-se em um po<strong>de</strong>r supremo<br />

no plano interno e num po<strong>de</strong>r in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte no plano internacional.<br />

São várias as teorias que justificam sua existência, explicando-o pela legitimida<strong>de</strong> da<br />

criação do mais forte (teoria do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Hobbes), dos laços jurídico-sociológicos (Pacto<br />

social <strong>de</strong> Rousseau e Kant), da vonta<strong>de</strong> divina (Santo Agostinho), ou ainda, da necessida<strong>de</strong><br />

moral (Platão, Aristóteles, e, mais recentemente, H egel).<br />

Igualmente, outras tantas teorias preten<strong>de</strong>m justificar os fins do Estado, apontando-o<br />

como necessário à conservação das instituições (Stahl), à realização e aperfeiçoamento<br />

moral (Hegel), à realização do <strong>direito</strong> (Locke, Kant), à criação e asseguração da felicida<strong>de</strong><br />

(Cristiano W olff e Bentham), ou ainda, como aponta a teoria do materialismo histórico<br />

estatalista, para a realização da igualda<strong>de</strong> econômica. Kelsen, <strong>de</strong>ntro do estrito formalismo,<br />

justifica o Estado como o “fim em si-mesmo”.<br />

As teorias são complementares, pois o Estado sempre almeja fins, ainda que difusos,<br />

<strong>de</strong>finíveis e mutáveis e para o pensamento político-<strong>constitucional</strong> trata-se <strong>de</strong> uma categoria<br />

estruturante.<br />

Nesse contexto histórico, o <strong>constitucional</strong>ismo escrito surge com o Estado, também<br />

com a função <strong>de</strong> racionalização e humanização, trazendo consigo a necessida<strong>de</strong> da proclamação<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s.<br />

Surgem as novas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> Direitos, com a Declaração <strong>de</strong> Direitos da Virgínia,<br />

<strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1776, a Declaração <strong>de</strong> In<strong>de</strong>pendência dos Estados Unidos da América,<br />

<strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1776, e a Constituição dos Estados Unidos, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1787,<br />

com suas <strong>de</strong>z primeiras emendas aprovadas em 25 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1789 e ratificadas em<br />

15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1791.<br />

O Estado <strong>de</strong> Direito é consagrado com o <strong>constitucional</strong>ismo liberal do século XIX, se<br />

<strong>de</strong>stacando a Constituição <strong>de</strong> Cádis, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong>m arço<strong>de</strong> 1812, a 1- Constituição Portuguesa,<br />

<strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1822, a I a Constituição Brasileira, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1824 e a<br />

Constituição Belga, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1831.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> racionalização e humanização faz com que os textos escritos exijam<br />

que todo o âmbito estatal esteja presidido por normas jurídicas, que o po<strong>de</strong>r estatal e a<br />

ativida<strong>de</strong> por ele <strong>de</strong>senvolvida se ajustem ao que é <strong>de</strong>terminado pelas previsões legais, ou<br />

seja, a submissão <strong>de</strong> todos aos Estado <strong>de</strong> Direito, como salientado por Maurice Hariou.<br />

Nesse mesmo sentido, Leon Duguitsalienta que “a partir do momento em que se compreen<strong>de</strong>u<br />

o significado da expressão Estado <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, emergiu a vigorosa necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> edificar a construção jurídica do Estado”.1<br />

A Declaração <strong>de</strong> Direitos da Constituição Francesa <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1848, dando<br />

sequência a essa série <strong>de</strong> documentos escritos caracterizadores do <strong>constitucional</strong>ismo<br />

mo<strong>de</strong>rno, foi um texto percursor do século XX, pois previa em seu texto que a República<br />

Francesa tinha por princípios a liberda<strong>de</strong>, a igualda<strong>de</strong> e a fraternida<strong>de</strong>, tendo por base a<br />

família, o trabalho, a proprieda<strong>de</strong> e a or<strong>de</strong>m pública e estabelecendo competir à República<br />

a proteção do cidadão, inclusive no tocante a seu trabalho.<br />

1 DUGUIT, Leon. Fundamentos do Direito, ícone, p. 9.


4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Igualmente, no século XIX, o manifesto comunista <strong>de</strong> Karl Marx passou a embasar<br />

teoricamente o movimento dos trabalhadores, e, juntamente com os reflexos do cartismo<br />

na Inglaterra e da Comuna <strong>de</strong> 1871, na França, passam a minar as até então sólidas bases<br />

do Estado Liberal.<br />

A partir da Constituição <strong>de</strong> Weimar (1919), que serviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para inúmeras<br />

outras constituições do primeiro pós-guerra, e apesar <strong>de</strong> ser tecnicamente uma constituição<br />

consagradora <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia liberal - houve a crescente <strong>constitucional</strong>ização do<br />

Estado Social <strong>de</strong> Direito, com a consagração em seu texto dos <strong>direito</strong>s sociais e a previsão<br />

<strong>de</strong> aplicação e realização por parte das instituições encarregadas <strong>de</strong>ssa missão. A <strong>constitucional</strong>ização<br />

do Estado Social consubstanciou-se na importante intenção <strong>de</strong> converter em<br />

<strong>direito</strong> positivo várias aspirações sociais, elevadas à categoria <strong>de</strong> princípios constitucionais<br />

protegidos pelas garantias do Estado <strong>de</strong> Direito.<br />

Verifica-se a inclusão <strong>de</strong> conteúdos predominantemente programáticos nos textos<br />

constitucionais, complementando o <strong>constitucional</strong>ismo nascido com o Estado Liberal <strong>de</strong><br />

Direito com normas relativas aos <strong>direito</strong>s sociais e econômicos, passando a existir expressamente<br />

normas programáticas político-sociais, além do tradicional estatuto político,<br />

contendo os princípios e normas sobre a or<strong>de</strong>nação social, os fundamentos das relações<br />

entre pessoas e grupos e as formas <strong>de</strong> participação da comunida<strong>de</strong>, inclusive no processo<br />

produtivo.<br />

O Estado <strong>de</strong> Direito, já com a <strong>constitucional</strong>ização dos <strong>direito</strong>s sociais e econômicos,<br />

no período anterior à 2a Gran<strong>de</strong> Guerra foi criticado por autores nacional-socialistas<br />

(Reinhard Hohn) e <strong>de</strong>finido como a antítese do Estado bolchevique (Koellreutter), mas<br />

também já foi <strong>de</strong>nominado Estado Ético, no <strong>constitucional</strong>ismo italiano, imediatamente<br />

ao pós-guerra (1947-Felice Battaglia).<br />

A evolução do Estado consagrou a necessida<strong>de</strong> da fórmula Estado <strong>de</strong> Direito, que,<br />

conforme salientado por Pablo Lucas Verdú, “ainda exerce particular fascinação sobre os<br />

juristas”. Essa fórmula aponta a necessida<strong>de</strong> do Direito ser respeitoso com as liberda<strong>de</strong>s<br />

individuais tuteladas pelo Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Essa evolução foi acompanhada pela consagração <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong> exercício da<br />

<strong>de</strong>mocracia representativa, em especial, com a tendência <strong>de</strong> universalização do voto e constante<br />

legitimação dos <strong>de</strong>tentores do Po<strong>de</strong>r, fazendo surgir a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Estado Democrático.<br />

Importante, portanto, ressaltar a importância dada por Canotilho (“Qualquer que seja<br />

o conceito e a justificação do Estado - e existem vários conceitos e várias justificações - o<br />

Estado só se concebe hoje como Estado <strong>constitucional</strong>) ao Estado Constitucional ([Estado<br />

com qualida<strong>de</strong>s), que em seu conceito é “um tecnologia política <strong>de</strong> equilíbrio político-social<br />

através da qual se combateram dois arbítrios ligados a mo<strong>de</strong>los anteriores, a saber: a autocracia<br />

absolutista do po<strong>de</strong>r e os privilégios orgânico-corporativo medievais”.1<br />

O Estado Constitucional configura-se, portanto, como uma das gran<strong>de</strong>s conquistas<br />

da humanida<strong>de</strong>, que, para ser um verda<strong>de</strong>iro Estado <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s no <strong>constitucional</strong>ismo<br />

mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>ve ser um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.<br />

Dessa forma, são duas as “gran<strong>de</strong>s qualida<strong>de</strong>s” do Estado Constitucional: Estado <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> e Estado <strong>de</strong>mocrático.<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito <strong>constitucional</strong> e teoria da Constituição. Alm edina, p. 87.


Direito Constitucional 5<br />

O Estado <strong>de</strong> Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia<br />

da lei, (2) sistema hierárquico <strong>de</strong> normas que preserva a segurança jurídica e que se<br />

concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspon<strong>de</strong>nte âmbito<br />

<strong>de</strong> valida<strong>de</strong>; (3) observância obrigatória da legalida<strong>de</strong> pela administração pública; (4)<br />

separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res como garantia da liberda<strong>de</strong> ou controle <strong>de</strong> possíveis abusos; (5)<br />

reconhecimento da personalida<strong>de</strong> jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com<br />

os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos <strong>direito</strong>s fundamentais incorporados à or<strong>de</strong>m<br />

<strong>constitucional</strong>; (7) em alguns casos, a existência <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das leis como garantia ante o <strong>de</strong>spotismo do Legislativo.<br />

Assim, existirá o Estado <strong>de</strong> Direito on<strong>de</strong> houver a supremacia da legalida<strong>de</strong>, ou para o<br />

<strong>direito</strong> inglês a The Rule ofLaw, para o <strong>direito</strong> francês o État Legal, para o <strong>direito</strong> alemão<br />

o Rechtsstaat, ou ainda, a always un<strong>de</strong>r law do <strong>direito</strong> norte-americano.<br />

A interpretação da The Rule of Law, apesar <strong>de</strong> sua evolução e variações históricas,<br />

po<strong>de</strong> ser apontada em suas quatro dimensões: (1) observância do <strong>de</strong>vido processo legal<br />

CMagna Charta <strong>de</strong> 1215); (2) predominância das leis e dos costumes do “país” perante a<br />

discricionarieda<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r real; (3) sujeição <strong>de</strong> todos os atos do executivo à soberania do<br />

Parlamento; (4) igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso aos tribunais para <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s consagrados.<br />

UÉtal legal consagrou-se no <strong>constitucional</strong>ismo francês com a construção <strong>de</strong> hierarquia<br />

na or<strong>de</strong>m jurídica, prevendo no vértice da pirâmi<strong>de</strong> as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e,<br />

posteriormente, o texto <strong>constitucional</strong>.<br />

O Rechtsstaat, surgido no início do século XIX na Alemanha, preten<strong>de</strong>u substituir<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Polícia, on<strong>de</strong> tudo é regulamentado e controlado pelo Estado, pela<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Direito, no sentido <strong>de</strong> proteção a or<strong>de</strong>m e segurança pública, porém<br />

com liberda<strong>de</strong> ao particular nos campos econômicos e sociais, e, garantindo-se um amplo<br />

mo<strong>de</strong>lo protetivo <strong>de</strong> jurisdição ordinária.<br />

Nos Estados Unidos da América, a consagração do Estado <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>u-se com a<br />

aplicação prática da ampla revisão judicial, no célebre caso Marbury v. Madison (1803),<br />

quando a Corte Suprema, conduzida pelo Juiz-Presi<strong>de</strong>nte Marshal, proclamou a superiorida<strong>de</strong><br />

das normas constitucionais sobre todo o restante do or<strong>de</strong>namento jurídico, inclusive<br />

sobre os atos do Po<strong>de</strong>r Legislativo, corroborando, <strong>de</strong>ssa forma, as afirmações anteriores<br />

<strong>de</strong> Hamilton, que apontou sobre o tema: “Esta conclusão não supõe <strong>de</strong> modo algum uma<br />

superiorida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r judiciário sobre o legislativo. Supõe apenas que o po<strong>de</strong>r do povo<br />

é superior a ambos, e que, quando a vonta<strong>de</strong> do legislativo, expressa em suas leis, entre<br />

em oposição com a do povo, expressa na Constituição, os juizes <strong>de</strong>vem ser governados por<br />

esta última e não pelas primeiras. Devem regular suas <strong>de</strong>cisões pelas leis fundamentais,<br />

não pelas que não são fundamentais.”1<br />

Por outro lado, e <strong>de</strong> maneira complementar, a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um Estado Democrático<br />

preten<strong>de</strong>, precipuamente, afastar a tendência humana ao autoritarismo e à concentração<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Como ensina Giuseppe <strong>de</strong> Vergottini, o estado autoritário, em breve síntese,<br />

caracteriza-se pela concentração no exercício do po<strong>de</strong>r, prescindindo do consenso dos<br />

governados e repudiando o sistema <strong>de</strong> organização liberal, principalmente a separação<br />

das funções do po<strong>de</strong>r e as garantias individuais.12<br />

1 The fe<strong>de</strong>ralist papers IXXVIII.<br />

2 VERGOTTINI, Giuseppe <strong>de</strong>. Diritto costituzionale comparato. Pádua: Cedam, 1981. p. 589.


6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Maurice Duverger, ao analisar a complexida<strong>de</strong> da conceituação da Democracia, aponta<br />

“a <strong>de</strong>finição mais simples e mais realista <strong>de</strong> Democracia: regime em que os governantes<br />

são escolhidos pelos governados; por intermédio <strong>de</strong> eleições honestas e livres”.1<br />

O Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa<br />

que o Estado se rege por normas <strong>de</strong>mocráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo,<br />

bem como o respeito das autorida<strong>de</strong>s públicas aos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais é<br />

proclamado, por exemplo, no caput do art. Ia da Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do<br />

Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o <strong>de</strong>nominado princípio <strong>de</strong>mocrático<br />

ao afirmar que “todo o po<strong>de</strong>r emana do povo, que o exerce por meio <strong>de</strong> representantes<br />

eleitos ou diretamente, nos termos <strong>de</strong>sta Constituição”, para mais adiante, em seu art.<br />

14, proclamar que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto<br />

direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: 1- plebiscito;<br />

II referendo; IR iniciativa popular”.<br />

Assim, o princípio <strong>de</strong>mocrático exprime fundamentalmente a exigência da integral<br />

participação <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> cada uma das pessoas na vida política do país, a fim <strong>de</strong> garantir<br />

o respeito à soberania popular.12<br />

O Estado Constitucional, portanto, é mais do que o Estado <strong>de</strong> Direito, é também o<br />

Estado Democrático, introduzido no <strong>constitucional</strong>ismo como garantia <strong>de</strong> legitimação e<br />

limitação do po<strong>de</strong>r.<br />

2 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO<br />

Constituição, lato sensu, é o ato <strong>de</strong> constituir, <strong>de</strong> estabelecer, <strong>de</strong> firmar; ou, ainda, o<br />

modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo <strong>de</strong> pessoas; organização,<br />

formação.3 Juridicamente, porém, Constituição <strong>de</strong>ve ser entendida como a lei fundamental<br />

e suprema <strong>de</strong> um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado,<br />

à formação dos po<strong>de</strong>res públicos, forma <strong>de</strong> governo e aquisição do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> governar,<br />

distribuição <strong>de</strong> competências, <strong>direito</strong>s, garantias e <strong>de</strong>veres dos cidadãos. Além disso, é a<br />

Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição <strong>de</strong> normas jurídicas,<br />

legislativas ou administrativas.4<br />

Analisando a área <strong>de</strong> abrangência da Constituição, Virgílio <strong>de</strong> Jesus Miranda Carvalho<br />

enten<strong>de</strong>5<br />

“que melhor se <strong>de</strong>finirá a Constituição como o estatuto jurídico fundamental da<br />

comunida<strong>de</strong>, isto é, abrangendo, mas não se restringindo estritamente ao político<br />

1 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970. p. 387.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.<br />

p. 195; CAETANO, Marcello. Direito <strong>constitucional</strong>. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1987. v. 1, p. 169.<br />

3 C om o ensinado por Mirkine Guetzévitch, “a Constituição <strong>de</strong> cada país é sempre um compromisso entre as<br />

tradições políticas existentes” . (GUETZÉVITCH, B. Mirkine. As novas tendências do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São<br />

Paulo: Nacional, 1933. p. 450<br />

4 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentosdaconstituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.<br />

p. 41.<br />

5 CARVALHO, V irgílio <strong>de</strong> Jesus Miranda. Os valores constitucionais fundamentais: esboço <strong>de</strong> uma análise<br />

axiológico-norm ativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1982. p. 13.


Direito Constitucional 7<br />

e porque suposto este, não obstante a sua hoje reconhecida aptidão potencial para<br />

uma ten<strong>de</strong>ncial totalização, como tendo, apesar <strong>de</strong> tudo, uma especificida<strong>de</strong> e conteúdo<br />

material próprios, o que não autoriza a que por ele (ou exclusivamente por<br />

ele) se <strong>de</strong>fina toda a vida <strong>de</strong> relação e todas as áreas <strong>de</strong> convivência humana em<br />

socieda<strong>de</strong> e levará à autonomização do normativo-jurídico específico (neste sentido,<br />

total - e não apenas ten<strong>de</strong>ncialmente - é o Direito), bem como à distinção, no seio da<br />

própria Constituição, entre a sua intenção i<strong>de</strong>ológica-política e a intenção jurídica<br />

stricto sensu. Com este sentido também po<strong>de</strong>remos, então, <strong>de</strong>finir a Constituição<br />

como a lei fundamental da socieda<strong>de</strong>”.<br />

Importante <strong>de</strong>stacar o chamado conceito i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> constituição, imposto a partir do<br />

triunfo do movimento <strong>constitucional</strong> no início do século XIX. Como ensina Canotilho,<br />

“este conceito i<strong>de</strong>al i<strong>de</strong>ntifica-se fundamentalmente com os postulados políticos-<br />

-liberais, consi<strong>de</strong>rando-os como elementos materiais caracterizadores e distintivos<br />

os seguintes: (a) a constituição <strong>de</strong>ve consagrar um sistema <strong>de</strong> garantias da liberda<strong>de</strong><br />

(esta essencialmente concebida no sentido do reconhecimento <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s individuais<br />

e da participação dos cidadãos nos actos do po<strong>de</strong>r legislativo através do<br />

parlamento); (b) a constituição contém o princípio da divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, no sentido<br />

<strong>de</strong> garantia orgânica contra os abusos dos po<strong>de</strong>res estatais;(c)a constituição <strong>de</strong>ve<br />

ser escrita (documento escrito)”.1<br />

3 CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES<br />

3.1 Quadro geral<br />

Quanto ao conteúdo<br />

Materiais<br />

Formais<br />

Classificação das<br />

Constituições<br />

Quanto à forma<br />

Quanto ao modo <strong>de</strong> elaboração<br />

Quanto à origem<br />

Quanto à estabilida<strong>de</strong><br />

Quanto à extensão e finalida<strong>de</strong><br />

Dogmáticas<br />

Históricas<br />

Promulgadas<br />

Outorgadas<br />

Imutáveis<br />

Rígidas<br />

Flexíveis<br />

Semirrígidas<br />

Analíticas<br />

Sintéticas<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito <strong>constitucional</strong>. Coimbra: Alm edina, 1993.


8 Direito Constitucional • Moraes<br />

3.2 Quanto ao conteúdo: constituições materiais, ou substanciais, e formais<br />

Constituição material consiste no conjunto <strong>de</strong> regras materialmente constitucionais,<br />

estejam ou não codificadas em um único documento; enquanto a Constituição formal é<br />

aquela consubstanciada <strong>de</strong> forma escrita, por meio <strong>de</strong> um documento solene estabelecido<br />

pelo po<strong>de</strong>r constituinte originário.<br />

3.3 Quanto à forma: constituições escritas e não escritas<br />

Constituição escrita é o conjunto <strong>de</strong> regras codificado e sistematizado em um único<br />

documento, para fixar-se a organização fundamental. Canotilho <strong>de</strong>nomina-a <strong>de</strong> constituição<br />

instrumental, apontando seu efeito racionalizador, estabilizante, <strong>de</strong> segurança jurídica<br />

e <strong>de</strong> calculabilida<strong>de</strong> e publicida<strong>de</strong>.1<br />

A Constituição escrita, portanto, é o mais alto estatuto jurídico <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong>,<br />

caracterizando-se por ser a lei fundamental <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>. A isso correspon<strong>de</strong><br />

o conceito <strong>de</strong> constituição legal, como resultado da elaboração <strong>de</strong> uma Carta escrita fundamental,<br />

colocada no ápice da pirâmi<strong>de</strong> normativa e dotada <strong>de</strong> coercibilida<strong>de</strong>.2<br />

Como salienta Canotilho, “A garantia da força normativa da constituição não é tarefa<br />

fácil, mas se o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> é <strong>direito</strong> positivo, se a constituição vale como lei, então<br />

as regras e princípios constitucionais <strong>de</strong>vem obter normativida<strong>de</strong> regulando jurídica e<br />

efetivamente as relações da vida, dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas<br />

<strong>de</strong> comportamento.”123<br />

Constituição não escrita é o conjunto <strong>de</strong> regras não aglutinado em um texto solene,<br />

mas baseado em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções (exemplo: Constituição<br />

inglesa).<br />

Salienta Jorge Miranda:<br />

“Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é uma Constituição não escrita<br />

(unwritten Constitution). Só em certo sentido este asserto se afigura verda<strong>de</strong>iro:<br />

no sentido <strong>de</strong> que uma gran<strong>de</strong> parte das regras sobre organização do po<strong>de</strong>r político<br />

é consuetudinária; e, sobretudo, no sentido <strong>de</strong> que a unida<strong>de</strong> fundamental da<br />

Constituição não repousa em nenhum texto ou documento, mas em princípios não<br />

escritos assentes na organização social e política dos Britânicos.”4<br />

3.4 Quanto ao modo <strong>de</strong> elaboração: constituições dogmáticas e históricas<br />

Enquanto a constituição dogmática se apresenta como produto escrito e sistematizado<br />

por um órgão constituinte, a partir <strong>de</strong> princípios e i<strong>de</strong>ias fundamentais da teoria política e<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 65.<br />

2 Cf. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die normative Kraft <strong>de</strong>r Verfassung). Porto Alegre:<br />

Sergio Fabris, 1981.<br />

3 Direito <strong>constitucional</strong>. Coimbra: Almedina, 1993. p. 183.<br />

4 MI^RANDA, Jorge. Op. cit. t. 1, p. 126.


Direito Constitucional 9<br />

do <strong>direito</strong> dominante, a constituição histórica é fruto da lenta e contínua síntese da História<br />

e tradições <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado povo (exemplo: Constituição inglesa).<br />

3.5 Quanto à origem: constituições promulgadas (<strong>de</strong>mocráticas, populares) e<br />

outorgadas<br />

São promulgadas, também <strong>de</strong>nominadas <strong>de</strong>mocráticas ou populares, as Constituições<br />

que <strong>de</strong>rivam do trabalho <strong>de</strong> uma Assembléia Nacional Constituinte composta <strong>de</strong> representantes<br />

do povo, eleitos com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua elaboração (exemplo: Constituições<br />

brasileiras <strong>de</strong> 1891,1934,1946 e 1988) e constituições outorgadas as elaboradas e estabelecidas<br />

sem a participação popular, através <strong>de</strong> imposição do po<strong>de</strong>r da época (exemplo:<br />

Constituições brasileiras <strong>de</strong> 1824,1937,1967 e EC n2 01/1969).<br />

Existem, ainda, as chamadas constituições cesaristas, que são aquelas que, não obstante<br />

outorgadas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da ratificação popular por meio <strong>de</strong> referendo.<br />

3.6 Quanto à estabilida<strong>de</strong>: constituições imutáveis, rígidas, flexíveis e<br />

semirrígidas<br />

São imutáveis as constituições on<strong>de</strong> se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias<br />

históricas. Em algumas constituições, a imutabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá ser relativa, quando<br />

se preveem as chamadas limitações temporais, ou seja, um prazo em que não se admitirá<br />

a atuação do legislador constituinte reformador. Assim, a Constituição <strong>de</strong> 1824, em seu<br />

art. 174, <strong>de</strong>terminava:<br />

“Se passados quatro annos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> jurada a Constituição do Brazil, se conhecer,<br />

que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual<br />

<strong>de</strong>ve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada por terça parte <strong>de</strong>lles.”<br />

Saliente-se que, apesar <strong>de</strong>ssa previsão, a Constituição <strong>de</strong> 1824 era semiflexível, como<br />

se nota por seu art. 178, que afirmava:<br />

“É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas<br />

dos Po<strong>de</strong>res Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo,<br />

o que não é Constitucional, pó<strong>de</strong> ser alterado sem as formalida<strong>de</strong>s referidas,<br />

pelas Legislaturas ordinárias.”<br />

Rígidas são as constituições escritas que po<strong>de</strong>rão ser alteradas por um processo legislativo<br />

mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das <strong>de</strong>mais espécies<br />

normativas (por exemplo: CF/88-art. 60); por sua vez, as constituições flexíveis, emregra<br />

não escritas, excepcionalmente escritas, po<strong>de</strong>rão ser alteradas pelo processo legislativo<br />

ordinário.<br />

Como um meio-termo entre as duas anteriores, surge a constituição semiflexível ou<br />

semirrígida, na qual algumas regras po<strong>de</strong>rão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário,<br />

enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso.


1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como super-<br />

-rígida, uma vez que em regra po<strong>de</strong>rá ser alterada por um processo legislativo diferenciado,<br />

mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4a - cláusulas pétreas).<br />

3.7 Quanto à sua extensão e finalida<strong>de</strong>: constituições analíticas (dirigentes) e<br />

sintéticas (negativas, garantias)<br />

As constituições sintéticas preveem somente os princípios e as normas gerais <strong>de</strong> regência<br />

do Estado, organizando-o e limitando seu po<strong>de</strong>r, por meio da estipulação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e<br />

garantias fundamentais (por exemplo: Constituição norte-americana); diferentemente das<br />

constituições analíticas, que examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam<br />

relevantes à formação, <strong>de</strong>stinação e funcionamento do Estado (por exemplo: Constituição<br />

brasileira <strong>de</strong> 1988).<br />

Como afirmado por José Afonso da Silva, o Constituinte<br />

“rejeitou a constituição sintética, que é constituição negativa, porque construtora<br />

apenas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>-negativa ou liberda<strong>de</strong>-impedimento, oposta à autorida<strong>de</strong>,<br />

mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> constituição que, às vezes, se chama <strong>de</strong> constituição garantia. (...)<br />

Assumiu o novo texto a característica <strong>de</strong> constituição-dirigente, enquanto <strong>de</strong>fine<br />

fins e programa <strong>de</strong> ação futura, menos no sentimento socialista do que no <strong>de</strong> uma<br />

orientação social-<strong>de</strong>mocrática imperfeita, reconheça-se”.1<br />

Em obra clássica sobre o assunto, Canotilho aponta a gran<strong>de</strong> problemática em se<br />

<strong>de</strong>finirem os limites <strong>de</strong> uma constituição-dirigente, sendo núcleo principal <strong>de</strong> estudo “o<br />

que <strong>de</strong>ve (e po<strong>de</strong>) uma constituição or<strong>de</strong>nar aos órgãos legiferantes e o que <strong>de</strong>ve (como e<br />

quando <strong>de</strong>ve) fazer o legislador para cumprir, <strong>de</strong> forma regular, a<strong>de</strong>quada e oportuna, as<br />

imposições constitucionais”, implantando os planos traçados pelo legislador constituinte<br />

originário, em inter-relação com a realida<strong>de</strong> social.12<br />

3.8 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988<br />

Nossa atual Constituição Fe<strong>de</strong>ral apresenta a seguinte classificação: formal, escrita,<br />

legal, dogmática, promulgada (<strong>de</strong>mocrática, popular), rígida, analítica.<br />

3.9 Outras classificações<br />

Doutrinariamente, po<strong>de</strong>mos apontar outras classificações <strong>de</strong> constituições. Assim,<br />

as constituições dualistas ou pactuadas são aquelas em que se efetiva um compromisso<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> positivo. 9. ed. SãoPaulo:Malheiros, 1992. Prefácio, p. 8.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Constituição... Op. cit. p. 11,69,257.


Direito Constitucional 11<br />

entre o rei e o Po<strong>de</strong>r Legislativo, sujeitando-se o monarca aos esquemas constitucionais,<br />

e resultando a constituição <strong>de</strong> dois princípios: o monárquico e o <strong>de</strong>mocrático.<br />

Por sua vez, constituição nominalista é aquela cujo texto da Carta Constitucional já<br />

contém verda<strong>de</strong>iros direcionamentos para os problemas concretos, a serem resolvidos<br />

mediante aplicação pura e simples das normas constitucionais. Ao intérprete cabería tão<br />

somente interpretá-la <strong>de</strong> forma gramatical-literal. Por outro lado, constituição semântica é<br />

aquela cuja interpretação <strong>de</strong> suas normas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da averiguação <strong>de</strong> seu conteúdo significativo,<br />

da análise <strong>de</strong> seu conteúdo sociológico, i<strong>de</strong>ológico, metodológico, possibilitando<br />

uma maior aplicabilida<strong>de</strong> político-normativa-social do texto <strong>constitucional</strong>.<br />

4 APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS<br />

4.1 Normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia plena, contida e limitada<br />

Tradicional a classificação das normas constitucionais, dada por José Afonso da Silva1<br />

em relação a sua aplicabilida<strong>de</strong> em normas <strong>de</strong> eficácia plena, contida e limitada.12<br />

São normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia plena<br />

“aquelas que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, com<br />

portamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente,<br />

quis regular” (por exemplo: os “remédios constitucionais”).<br />

Normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia contida são aquelas em “que o legislador constituinte<br />

regulou suficientemente os interesses relativos a <strong>de</strong>terminada matéria, mas <strong>de</strong>ixou margem<br />

à atuação restritiva por parte da competência discricionária do po<strong>de</strong>r público, nos termos<br />

que a lei estabelecer ou nos termos <strong>de</strong> conceitos gerais nelas enunciados” (por exemplo:<br />

art. 5a, XIII - é livre o exercício <strong>de</strong> qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as<br />

qualificações profissionais que a lei estabelecer).<br />

Por fim, normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia limitada são aquelas que apresentam “aplicabilida<strong>de</strong><br />

indireta, mediata e reduzida, porque somente inci<strong>de</strong>m totalmente sobre esses<br />

interesses, após uma normativida<strong>de</strong> ulterior que lhes <strong>de</strong>senvolva a aplicabilida<strong>de</strong>” (por<br />

exemplo: CF, art. 37, VII: o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve será exercido nos termos e nos limites <strong>de</strong>finidos<br />

em lei específica. Essa previsão condiciona o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, no serviço<br />

público, à regulamentação legal. Ainda, po<strong>de</strong>mos citar como exemplo o art. 7a, XI, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que prevê a participação dos empregados nos lucros, ou resultados<br />

da empresa, conforme <strong>de</strong>finido em lei).3<br />

1 SILVA, José Monso.Aplicabilida<strong>de</strong> das normas constitucionais. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 89-91.<br />

2 Sobre a aplicabilida<strong>de</strong> e interpretação das normas constitucionais, conferir FERRAZ JR., Tercio Sampaio.<br />

Interpretação e estudos da Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Atlas, 1990. p. 11-20.<br />

3 STF - P le n o - M I nQ2 0 / D F -R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 22 nov. 1996, p. 45.690.0<br />

exemplo clássico no texto <strong>constitucional</strong> original, inclusive pela sua gran<strong>de</strong> repercussão econômica, era o art.


1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

eficácia plena<br />

eficácia absoluta<br />

CF<br />

eficácia contida = eficácia relativa restringível<br />

eficácia limitada = eficácia relativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> complementação<br />

legislativa<br />

4.2 Normas constitucionais com eficácia absoluta, plena, relativa restringível<br />

e relativa complementável ou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> complementação<br />

Maria Helena Diniz propõe uma nova espécie <strong>de</strong> classificação das normas constitucionais,<br />

tendo por critério a intangibilida<strong>de</strong> e a produção dos efeitos concretos.*1<br />

Assim, propõe e explica a referida autora que são normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia<br />

absoluta<br />

“as intangíveis; contra elas nem mesmo há o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> emendar. Daí conterem uma<br />

força paralisante total <strong>de</strong> toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier<br />

a contrariá-las. Distinguem-se, portanto, das normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia<br />

plena, que, apesar <strong>de</strong> incidirem imediatamente sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legislação<br />

complementar posterior, são emendáveis. Por exemplo, os textos constitucionais<br />

que ampararam a fe<strong>de</strong>ração (art. 1°), o voto direto, secreto, universal e periódico<br />

Cart. 14), a separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res (art. 2°) e os <strong>direito</strong>s e garantias individuais (art.<br />

5°, I a LXXVII), por serem insuscetíveis <strong>de</strong> emenda são intangíveis, por força dos<br />

arts. 60, § 4a, e 34, VII, a e í>”.<br />

As normas com eficácia plena<br />

“são plenamente eficazes..., <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua entrada em vigor, para disciplinarem as relações<br />

jurídicas ou o processo <strong>de</strong> sua efetivação, por conterem todos os elementos<br />

imprescindíveis para que haja a possibilida<strong>de</strong> da produção imediata dos efeitos<br />

previstos, já que, apesar <strong>de</strong> suscetíveis <strong>de</strong> emenda, não requerem normação sub<strong>constitucional</strong><br />

subsequente. Po<strong>de</strong>m ser imediatamente aplicadas”.<br />

Por sua vez, as normas com eficácia relativa restringível correspon<strong>de</strong>m<br />

“às <strong>de</strong> eficácia contida <strong>de</strong> José Afonso da Silva, mas, aceitando a lição <strong>de</strong> Michel<br />

Temer, preferimos <strong>de</strong>nominá-la normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia redutível ou restringível,<br />

por serem <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> imediata ou plena, embora sua eficácia possa<br />

ser reduzida, restringida nos casos e na forma que a lei estabelecer; têm, portanto,<br />

192, § 32, que estipulava limitação à fixação das taxas <strong>de</strong> juros, em 12% ao ano, nos termos da lei complementar.<br />

Porém, esse dispositivo foi revogado pela EC n2 40, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2003.<br />

1 D IN IZ, Maria Helena. Norma <strong>constitucional</strong>eseusefeitos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 98-103.


Direito Constitucional 13<br />

seu alcance reduzido pela ativida<strong>de</strong> legislativa. São preceitos constitucionais que<br />

receberam do constituinte normativida<strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> reger os interesses, mas contêm,<br />

em seu bojo, a prescrição <strong>de</strong> meios normativos ou <strong>de</strong> conceitos que restringem a<br />

produção <strong>de</strong> seus efeitos. São normas passíveis <strong>de</strong> restrição”.<br />

Finalmente,<br />

“há preceitos constitucionais que têm aplicação mediata, por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem <strong>de</strong><br />

norma posterior, ou seja, <strong>de</strong> lei complementar ou ordinária, que lhes <strong>de</strong>senvolva<br />

a eficácia, permitindo o exercício do <strong>direito</strong> ou do benefício consagrado. Sua<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> produzir efeitos é mediata, pois, enquanto não for promulgada<br />

aquela lei complementar ou ordinária, não produzirão efeitos positivos, mas terão<br />

eficácia paralisante <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> normas prece<strong>de</strong>ntes incompatíveis e impeditiva<br />

<strong>de</strong> qualquer conduta contrária ao que estabelecerem. Não recebem, portanto, do<br />

constituinte normativida<strong>de</strong> suficiente para sua aplicação imediata, porque ele<br />

<strong>de</strong>ixou ao Legislativo a tarefa <strong>de</strong> regulamentar a matéria, logo, por esta razão, não<br />

po<strong>de</strong>rão produzir todos os seus efeitos <strong>de</strong> imediato, porém têm aplicabilida<strong>de</strong> mediata,<br />

já que incidirão totalmente sobre os interesses tutelados, após o regramento<br />

infra<strong>constitucional</strong>. Por esse motivo, preferimos <strong>de</strong>nominá-las normas com eficácia<br />

relativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> complementação legislativa".<br />

4.3 Normas programáticas<br />

As normas programáticas, conforme salienta Jorge Miranda,<br />

“são <strong>de</strong> aplicação diferida, e não <strong>de</strong> aplicação ou execução imediata; mais do que<br />

comandos-regras, explicitam comandos-valores; conferem elasticida<strong>de</strong> ao or<strong>de</strong>namento<br />

<strong>constitucional</strong>; têm como <strong>de</strong>stinatário primacial - embora não único - o<br />

legislador, a cuja opção fica a pon<strong>de</strong>ração do tempo e dos meios em que vêm a ser<br />

revestidas <strong>de</strong> plena eficácia (e nisso consiste a discricionarieda<strong>de</strong>); não consentem<br />

que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a<br />

entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só<br />

por si, pelo que po<strong>de</strong> haver quem afirme que os <strong>direito</strong>s que <strong>de</strong>las constam, máxime<br />

os <strong>direito</strong>s sociais, têm mais natureza <strong>de</strong> expectativas que <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros <strong>direito</strong>s<br />

subjectivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas <strong>de</strong> conceitos in<strong>de</strong>terminados<br />

ou parcialmente in<strong>de</strong>terminados”.1<br />

Portanto, o juízo <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e a avaliação da extensão do programa incumbem<br />

ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, no exercício <strong>de</strong> sua função legiferante e, como salientado por Terdo<br />

Sampaio Ferraz Jr., “a eficácia técnica, neste caso, é limitada. E a eficácia social <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

da própria evolução das situações <strong>de</strong> fato. Daí resulta uma aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte”.2<br />

1 M IRANDA, Jorge. Op. cit. p. 2 1 8 .1.1.<br />

2 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Op. cit. p. 19.


14 Direito Constitucional • Moraes<br />

Maria Helena Diniz cita os arts. 21, IX, 23,170, 205, 211, 215, 218, 226, § 2Q, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 como exemplos <strong>de</strong> normas programáticas, por não regularem<br />

diretamente interesses ou <strong>direito</strong>s nelas consagrados, mas limitarem-se a traçar<br />

alguns preceitos a serem cumpridos pelo Po<strong>de</strong>r Público, como “programas das respectivas<br />

ativida<strong>de</strong>s, preten<strong>de</strong>ndo unicamente a consecução dos fins sociais pelo Estado”.1<br />

5 INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS<br />

O conflito entre <strong>direito</strong>s e bens <strong>constitucional</strong>mente protegidos resulta do fato <strong>de</strong> a<br />

Constituição proteger certos bens jurídicos (saú<strong>de</strong> pública, segurança, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa,<br />

integrida<strong>de</strong> territorial, <strong>de</strong>fesa nacional, família, idosos, índios etc.), que po<strong>de</strong>m<br />

vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão. Para solucionar-se esse conflito,<br />

compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim <strong>de</strong> que todas tenham aplicabilida<strong>de</strong>,<br />

a doutrina aponta diversas regras <strong>de</strong> hermenêutica <strong>constitucional</strong> em auxílio ao intérprete.<br />

Como <strong>de</strong>finido por Vicente Ráo,<br />

“a hermenêutica tem por objeto investigar e coor<strong>de</strong>nar por modo sistemático os<br />

princípios científicos e leis <strong>de</strong>correntes, que disciplinam a apuração do conteúdo,<br />

do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do conceito orgânico do<br />

<strong>direito</strong>, para efeito <strong>de</strong> sua aplicação e interpretação; por meio <strong>de</strong> regras e processos<br />

especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas;<br />

a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica <strong>de</strong> adaptação dos preceitos<br />

nelas contidos assim interpretados, às situações <strong>de</strong> fato que se lhes subordinam”.12<br />

A palavra intérprete, adverte Fernando Coelho, “tem origem latina - interpres - que<br />

<strong>de</strong>signava aquele que <strong>de</strong>scobria o futuro nas entranhas das vítimas. Tirar das entranhas<br />

ou <strong>de</strong>sentranhar era, p>ortanto, o atributo do interpres, <strong>de</strong> que <strong>de</strong>riva para a palavra interpretar<br />

com o significado específico <strong>de</strong> <strong>de</strong>sentranhar o próprio sentido das palavras da<br />

lei, <strong>de</strong>ixando implícito que a tradução do verda<strong>de</strong>iro sentido da lei é algo bem guardado,<br />

entranhado, p>ortanto, em sua própria essência”.3<br />

Analisando a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, Raul Machado Horta aponta a precedência, em<br />

termos interpretativos, dos Princípios Fundamentais da República Fe<strong>de</strong>rativa e da enunciação<br />

dos Direitos e Garantias Fundamentais, dizendo que<br />

“é evi<strong>de</strong>nte que essa colocação não envolve o estabelecimento <strong>de</strong> hierarquia entre<br />

as normas constitucionais, <strong>de</strong> modo a classificá-la em normas sup>eriores e normas<br />

secundárias. Todas são normas fundamentais. A precedência serve à interpretação<br />

da Constituição, para extrair <strong>de</strong>ssa nova disposição formal a impregnação valorativa<br />

dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos<br />

do legislador, do administrador e do julgador”,<br />

1 DINIZ, M aria Helena. Op. cit. p. 104.<br />

2 RÁO, Vicente. O <strong>direito</strong> e a vida dos <strong>direito</strong>s. São Paulo: Max Limonad, 1952. p. 542. v. 2.<br />

3 COELHO, Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1981. p. 182.


Direito Constitucional 15<br />

motivo pelo qual classifica-a <strong>de</strong> Constituição plástica.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral há <strong>de</strong> sempre ser interpretada, pois somente por meio da<br />

conjugação da letra do texto com as características históricas, políticas, i<strong>de</strong>ológicas do<br />

momento, se encontrará o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realida<strong>de</strong><br />

sociopolítico-econômica e almejando sua plena eficácia.12<br />

Canotilho enumera diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais:<br />

• da unida<strong>de</strong> da constituição: a interpretação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ver ser realizada<br />

<strong>de</strong> maneira a evitar contradições entre suas normas;<br />

• do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, <strong>de</strong>verá<br />

ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e<br />

social, bem como ao reforço da unida<strong>de</strong> política;<br />

• da máxima efetivida<strong>de</strong> ou da eficiência: a uma norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />

atribuído o sentido quemaior eficácia lhe conceda;<br />

• da justeza ou da conformida<strong>de</strong> funcional: os órgãos encarregados da interpretação<br />

da norma <strong>constitucional</strong> não po<strong>de</strong>rão chegar a uma posição que subverta,<br />

altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional <strong>constitucional</strong>mente<br />

estabelecido pelo legislador constituinte originário;<br />

• da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coor<strong>de</strong>nação e combinação<br />

dos bens jurídicos em conflito <strong>de</strong> forma a evitar o sacrifício total <strong>de</strong> uns<br />

em relação aos outros;<br />

• da força normativa da constituição: entre as interpretações possíveis, <strong>de</strong>ve ser<br />

adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilida<strong>de</strong> e permanência das<br />

normas constitucionais.<br />

Aponta, igualmente, com Vital Moreira, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitação do âmbito normativo<br />

<strong>de</strong> cada norma <strong>constitucional</strong>, vislumbrando-se sua razão <strong>de</strong> existência, finalida<strong>de</strong><br />

e extensão.3<br />

Esses princípios são perfeitamente completados por algumas regras propostas por<br />

Jorge Miranda:4<br />

• a contradição dos princípios <strong>de</strong>ve ser superada, ou por meio da redução proporcional<br />

do âmbito <strong>de</strong> alcance <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les, ou, em alguns casos, mediante<br />

a preferência ou a priorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos princípios;<br />

1 HORTA, Raul Machado. Estudos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 239-240.<br />

2 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do <strong>direito</strong>. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 149.<br />

3 CANOTILHO e MOREIRA (Fundamentos... O p.cit. p. 136) dão-nos o seguinte exemplo: “ não há conflito entre<br />

a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e o <strong>direito</strong> ao bom nome em caso <strong>de</strong> difam ação, dado que não está coberto pelo âmbito<br />

normativo-<strong>constitucional</strong> da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão o <strong>direito</strong> à difamação, calúnia ou injúria".<br />

4<br />

M IRAND A, Jorge. Op. cit. t. II, p. 228-229.


1 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

• <strong>de</strong>ve ser fixada a premissa <strong>de</strong> que todas as normas constitucionais <strong>de</strong>sempenham<br />

uma função útil no or<strong>de</strong>namento, sendo vedada a interpretação que lhe<br />

suprima ou diminua a finalida<strong>de</strong>;<br />

• os preceitos constitucionais <strong>de</strong>verão ser interpretados tanto explicitamente<br />

quanto implicitamente, a fim <strong>de</strong> colher-se seu verda<strong>de</strong>iro significado.<br />

A aplicação <strong>de</strong>ssas regras <strong>de</strong> interpretação <strong>de</strong>verá, em síntese, buscar a harmonia do<br />

texto <strong>constitucional</strong> comsuas finalida<strong>de</strong>s precípuas, a<strong>de</strong>quando-as à realida<strong>de</strong> e pleiteando<br />

a maior aplicabilida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s, garantias e liberda<strong>de</strong>s públicas.<br />

Ressalte-se, contudo, que a supremacia absoluta das normas constitucionais e a<br />

prevalência do princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana como fundamento basilar da<br />

República1obrigam o intérprete, em especial o Po<strong>de</strong>r Judiciário, no exercício <strong>de</strong> sua função<br />

interpretativa, aplicar não só a norma mais favorável à proteção aos Direitos Humanos,<br />

mas, também, eleger em seu processo hermenêutico, a interpretação que lhe garanta a<br />

maior e mais ampla proteção.12<br />

5.1 Interpretação conforme a Constituição - Declaração <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto -A interpretação<br />

<strong>constitucional</strong> e o ativismo judicial (Neo<strong>constitucional</strong>ismo e Positivismo)<br />

Conferir amplo estudo sobre a interpretação conforme à constituição, a <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto e a interpretação <strong>constitucional</strong> e o<br />

ativismo judicial (Neo<strong>constitucional</strong>ismo e Positivismo), nos itens 10.9.1,10.9.2 e 10.9.3,<br />

no Capítulo 12 (Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>).<br />

6 PREÂMBULO CONSTITUCIONAL<br />

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte<br />

para instituir um Estado Democrático, <strong>de</strong>stinado a assegurar o exercício dos <strong>direito</strong>s sociais e<br />

individuais, a liberda<strong>de</strong>, a segurança, o bem-estar, o <strong>de</strong>senvolvimento, a igualda<strong>de</strong> e a justiça<br />

como valores supremos <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong>fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na<br />

harmonia social e comprometida, na or<strong>de</strong>m interna e internacional, com a solução pacífica<br />

das controvérsias, promulgamos, sob a proteção <strong>de</strong> Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA<br />

REPÚBLICA FEDERATIVA DO BR A SIL.<br />

O preâmbulo <strong>de</strong> uma Constituição po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como documento <strong>de</strong> intenções do<br />

diploma, e consiste em uma certidão <strong>de</strong> origem e legitimida<strong>de</strong> do novo texto e uma proclamação<br />

<strong>de</strong> princípios, <strong>de</strong>monstrando a ruptura com o or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> anterior<br />

1 SARLET, Ingo W olfgang. A eficácia do <strong>direito</strong> fundamental à segurança jurídica: dignida<strong>de</strong> da pessoa humana,<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais e proibição <strong>de</strong> retrocesso no <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> brasileiro. Revista <strong>de</strong> Direito<br />

ConstitucionaleInternacional. São Paulo, 14, n 57, out./<strong>de</strong>z. 2006, p. 5.<br />

2 Nesse sentido, conferir: STF - Pleno - HC 91.361/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Informativo STF, n“ 534.


Direito Constitucional 1 7<br />

e o surgimento jurídico<strong>de</strong>umnovo Estado. É<strong>de</strong>tradiçãoemnosso Direito Constitucional<br />

e nele <strong>de</strong>vem constar os antece<strong>de</strong>ntes e enquadramento histórico da Constituição, bem<br />

como suas justificativas e seus gran<strong>de</strong>s objetivos e finalida<strong>de</strong>s.<br />

Jorge Miranda aponta a existência <strong>de</strong> preâmbulos em alguns dos mais importantes<br />

textos constitucionais estrangeiros: Estados Unidos (1787), Suíça (1874), Alemanha <strong>de</strong><br />

Weimar (1919), Irlanda (1937), França (1946 e 1958), Japão (1946), Grécia (1975),<br />

Espanha (1978).1<br />

Po<strong>de</strong>mos acrescentar as constituições do Peru (1979), d a antiga Alemanha Oci<strong>de</strong>ntal<br />

(1949) e da Alemanha Oriental (1968, com as emendas <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1974),<br />

da Polônia (1952), Bulgária (1971), Romênia (1975), Cuba (1976), Nicarágua (1987),<br />

Moçambique (1978), São Tomé e Príncipe (1975) e Cabo Ver<strong>de</strong> (1981).<br />

Apesar <strong>de</strong> não fazer parte do texto <strong>constitucional</strong> propriamente dito e, consequentemente,<br />

não conter normas constitucionais <strong>de</strong> valor jurídico autônomo, o preâmbulo não é<br />

juridicamente irrelevante, uma vez que <strong>de</strong>ve ser observado como elemento <strong>de</strong> interpretação<br />

e integração dos diversos artigos que lhe seguem.12<br />

Como ensina Juan Bautista Alberdi o preâmbulo <strong>de</strong>ve sintetizar sumariamente os<br />

gran<strong>de</strong>s fins da Constituição, servindo <strong>de</strong> fonte interpretativa para dissipar as obscurida<strong>de</strong>s<br />

das questões práticas e <strong>de</strong> rumo para a ativida<strong>de</strong> política do governo.3<br />

O preâmbulo, portanto, por não ser norma <strong>constitucional</strong>, não po<strong>de</strong>rá prevalecer<br />

contra texto expresso da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e tampouco po<strong>de</strong>rá ser paradigma comparativo<br />

para <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, porém, por traçar as diretrizes políticas,<br />

filosóficas e i<strong>de</strong>ológicas da Constituição, será uma <strong>de</strong> suas linhas mestras interpretativas.4<br />

Observe-se que a evocação à “proteção <strong>de</strong> Deus” no preâmbulo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

não a toma confessional, mas sim reforça a laicida<strong>de</strong> do Estado, afastando qualquer<br />

ingerência estatal arbitrária ou abusiva nas diversas religiões5 e garantindo tanto a ampla<br />

1 M IRANDA, Jorge. Op. dt. p. 207.<br />

2 Afirm ando a ausênda <strong>de</strong> força normativa do Preâmbulo constitudonal, conferir: STF - Pleno - Adin n s 2.076/<br />

AC - ReL Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 15-8-2002. Informativo STF n" 277.<br />

3 Basesypuntos <strong>de</strong> partida para la organización política <strong>de</strong> la República Argentina. Buenos Aires: Estrada, 1959.<br />

p. 295.<br />

4 No sentido do texto, afirm ando a ausência <strong>de</strong> caráter norm ativo ao preâmbulo, e, consequentem ente, da<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser paradigma com parativo para <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, manifestam-se: CA-<br />

NO TILH O , J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 45; LAVIÉ,<br />

Quiroga. Derecho <strong>constitucional</strong>. 3. e d Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 61; EKMEKDJIAN, M iguel Ángel. Tratado<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>recho <strong>constitucional</strong>, t. L Buenos Aires: Depalm a, 1993. p. 76; MELLO FILHO, José Celso. Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral Anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 20; BASTOS, Celso; G ANDRA, Ives. Comentários à constituição<br />

do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. v. 1. p. 409-410; DANTAS, Ivo. Constituição fe<strong>de</strong>ral: teoria e prática.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 1994. v. 1. p. 221; FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo:<br />

Saraiva, 1989. v. 1. p. 3-4.<br />

No sentido inverso, adm itindo a existência <strong>de</strong> força norm ativa no preâmbulo, manifestam-se: CAMPOS, G.<br />

Bidart. Derecho <strong>constitucional</strong>. 1. 1. Buenos Aires: Ediar, 1968. p. 314; NASCIMENTO, Ripinambá M iguel Castro.<br />

Comentários á constituição fe<strong>de</strong>ral. Porto A legre: L ivraria do Advogado, 1997. p. 134. Pinto Ferreira também<br />

nos aponta: Lafferrière, Roger Pinto, Bur<strong>de</strong>au, Schmitt, Nawiaski, Paolo Biscarettidi Ruffia e Giese (FERREIRA,<br />

Pinta Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. v. L p. 4).<br />

5 STF - P le n o -A D P F 54/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 11 e 12-4-2012,Informativo STFn° 661.


18 Direito Constitucional • Moraes<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença e cultos religiosos, como também ampla proteção jurídica aos agnósticos<br />

e ateus, que não po<strong>de</strong>rão sofrer quaisquer discriminações pelo fato <strong>de</strong> não professarem<br />

uma fé.<br />

7 FUNDAMENTOS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL<br />

A República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e<br />

Municípios e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, constitui-se em Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e tem<br />

como fundamentos:<br />

• a soberania: consiste, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Marcelo Caetano, em<br />

“um po<strong>de</strong>r político supremo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, enten<strong>de</strong>ndo-se por po<strong>de</strong>r supremo<br />

aquele que não está limitado por nenhum outro na or<strong>de</strong>m interna e por po<strong>de</strong>r<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte aquele que, na socieda<strong>de</strong> internacional, não tem <strong>de</strong> acatar regras<br />

que não sejam voluntariamente aceites e está em pé <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> com os po<strong>de</strong>res<br />

supremos dos outros povos”;1<br />

É a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editar suas próprias normas, sua própria or<strong>de</strong>m jurídica (a<br />

começar pela Lei Magna), <strong>de</strong> tal modo que qualquer regra heterônoma só possa<br />

valer nos casos e nos termos admitidos pela própria Constituição. A Constituição<br />

traz a forma <strong>de</strong> exercício da soberania popular no art. 14;<br />

• a cidadania: representa um status e apresenta-se simultaneamente como objeto<br />

e um <strong>direito</strong> fundamental das pessoas;<br />

• a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana: conce<strong>de</strong> unida<strong>de</strong> aos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais,<br />

sendo inerente às personalida<strong>de</strong>s humanas. Esse fundamento afasta<br />

a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> predomínio das concepções transpessoalistas <strong>de</strong> Estado e Nação, em<br />

<strong>de</strong>trimento da liberda<strong>de</strong> individual. A dignida<strong>de</strong> é um valor espiritual e moral<br />

inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na auto<strong>de</strong>terminação consciente<br />

e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito<br />

por parte das <strong>de</strong>mais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que<br />

todo estatuto jurídico <strong>de</strong>ve assegurar, <strong>de</strong> modo que, somente excepcionalmente,<br />

possam ser feitas limitações ao exercício dos <strong>direito</strong>s fundamentais, mas sempre<br />

sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto<br />

seres humanos12 e a busca ao Direito à Felicida<strong>de</strong>.3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

interpretando o Princípio da Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana editou a Súmula<br />

Vinculante n° 11 com o seguinte teor: “Só é lícito o uso <strong>de</strong> algemas em casos <strong>de</strong><br />

resistência e <strong>de</strong> fundado receio <strong>de</strong> fuga ou <strong>de</strong> perigo à integrida<strong>de</strong> física própria<br />

1 CAETANO, Marcelo. Direito <strong>constitucional</strong>. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1987. p. 169. v. 1.<br />

2 Conferir sobre o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana: STF - RExtr. n “ 352.940/SP, Rei. Min. Carlos<br />

Velloso, <strong>de</strong>cisão: 25-4-2005 - InformativoSTFn“ 385, p. 3 (<strong>direito</strong> à moradia e bem <strong>de</strong> fam ília); STF - Pleno -<br />

ADI 1946/DF - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 16 maio 2003, p. 90 (<strong>direito</strong> à igualda<strong>de</strong><br />

da mulher e não discriminação); S T F -P len á rio -A D P F 5 4 Q O / D F , Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 27-4-2005<br />

- Informativo STF n2 385, p. 1 (<strong>direito</strong> à v id a ).<br />

3<br />

STF 223-A gR - Pleno - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 14-4-2008.


Direito Constitucional 1 9<br />

o u alheia, por parte d o preso o u d e terceiros, justificada a excepcionalida<strong>de</strong> por<br />

escrito, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> disciplinar, civil e penal do agente ou da<br />

autorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da prisão ou do ato processual a que se refere, sem<br />

prejuízo da responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado”.1Igualmente, em importantíssima<br />

<strong>de</strong>cisão, em relação ao tratamento <strong>constitucional</strong> da tortura, o princípio da<br />

Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana e a Lei da Anistia, afirmou o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral que “o argumento <strong>de</strong>scolado da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana para afirmar<br />

a invalida<strong>de</strong> da conexão criminal que aproveitaria aos agentes políticos que<br />

praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou não, durante<br />

o regime militar, não prospera”, concluindo que, “a lei esten<strong>de</strong>u a conexão aos<br />

crimes praticados pelos agentes do Estado contra os que lutavam contra o Estado<br />

<strong>de</strong> exceção”, pois “a chamada Lei da anistia veicula uma <strong>de</strong>cisão política<br />

assumida naquele momento”.12<br />

• os valores sociais do trabalho eda livre iniciativa: é através do trabalho que o homem<br />

garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição,<br />

em diversas passagens, a liberda<strong>de</strong>, o respeito e a dignida<strong>de</strong> ao trabalhador (por<br />

exemplo: CF, arts. 5a, XIII; 6a; 7a; 8a; 194-204). Como salienta PaoloBarile, a<br />

garantia <strong>de</strong> proteção ao trabalho não engloba somente o trabalhador subordinado,<br />

mas também aquele autônomo e o empregador, enquanto empreen<strong>de</strong>dor<br />

do crescimento do país;3<br />

• pluralismo político: <strong>de</strong>monstra a preocupação do legislador constituinte em<br />

afirmar-se a ampla e livre participação popular nos <strong>de</strong>stinos políticos do país,<br />

garantindo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convicção filosófica e política e, também, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> organização e participação em partidos políticos.<br />

O Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, que significa a exigência <strong>de</strong> reger-se por normas<br />

<strong>de</strong>mocráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autorida<strong>de</strong>s<br />

públicas aos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais,4 proclamado no caput do artigo,<br />

adotou, igualmente, no seu parágrafo único, o <strong>de</strong>nominado princípio <strong>de</strong>mocrático, ao<br />

afirmar que “todo o po<strong>de</strong>r emana do povo, que o exerce por meio <strong>de</strong> representantes eleitos ou<br />

diretamente, nos termos <strong>de</strong>sta Constituição”.<br />

Canotilho e Moreira informam o alcance do princípio <strong>de</strong>mocrático, dizendo:<br />

1 Para verifica r os argum en tos u tiliza d o s p elos M in istros, c o n fe r ir “ DEBATES QUE INTEGRAM A ATA DA<br />

20» (VIGÉSIM A) SESSÃO ORD INÁRIA, DO PLENÁRIO, REALIZADA EM 13 DE AGOSTO DE 2008, D Je-214,12<br />

<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2008. Cf. nesse sentido: STF - “ALGEMAS - UTILIZAÇÃO. O uso <strong>de</strong> algemas surge excepcional<br />

somente restando justificado ante a periculosida<strong>de</strong> do agente ou risco concreto <strong>de</strong> fuga. JULGAMENTO - ACU­<br />

SADO ALGEMADO - TRIBUNAL DO JÚRI. Implica prejuízo à <strong>de</strong>fesa a manutenção do réu algem ado na sessão<br />

<strong>de</strong> julgam ento do Tribunal do Júri, resultando o fato na insubsistência do veredicto con<strong>de</strong>natório” (STF - Pleno<br />

- HC 91952/SP - Rei. Min. M arco Aurélio, D J 2 4 1 ,18 <strong>de</strong>zem bro 2008.<br />

2 STF - Pleno - ADPF 1 5 3 / D F -R ei. M in. Eros Grau, D Je-145,5 agosto 2010. Conferir na análise dos votos o<br />

excelente estudo histórico das condições políticas e jurídicas do m om ento <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>m ocrática brasileira.<br />

3 BARILE, Paolo. Diritti <strong>de</strong>Wuomo e libertàfondamentali. Bolonha: II M olino, 1984. p. 105.<br />

4 I<strong>de</strong>m, ibi<strong>de</strong>m. p. 14.


20 Direito Constitucional • Moraes<br />

“A articulação das duas dimensões do princípio <strong>de</strong>mocrático justifica a sua compreensão<br />

como um princípio normativo multiforme. Tal como a organização da<br />

economia aponta, no plano <strong>constitucional</strong>, para um sistema econômico complexo,<br />

também a conformação do princípio <strong>de</strong>mocrático se caracteriza tendo em conta a<br />

sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a <strong>de</strong>mocracia surge como um processo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização, entendido como processo <strong>de</strong> aprofundamento <strong>de</strong>mocrático<br />

da or<strong>de</strong>m política, econômica, social e cultural. Depois, o princípio <strong>de</strong>mocrático<br />

recolhe as duas dimensões historicamente consi<strong>de</strong>radas como antitéticas: por um<br />

lado, acolhe os mais importantes elementos da teoria <strong>de</strong>mocrática-representativa<br />

(órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>res); por outro lado, dá guarida a algumas das exigências fundamentais da<br />

teoria participativa (alargamento do princípio <strong>de</strong>mocrático a diferentes aspectos<br />

da vida econômica, social e cultural, incorporação <strong>de</strong> participação popular directa,<br />

reconhecimento <strong>de</strong> partidos e associações como relevantes agentes <strong>de</strong> dinamização<br />

<strong>de</strong>mocrática etc.) .<br />

Assim, o princípio <strong>de</strong>mocrático exprime fundamentalmente a exigência da integral<br />

participação <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong> cada uma das pessoas na vida política do país.2<br />

8 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL<br />

O art. 3a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que constituem objetivos fundamentais<br />

da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil:<br />

• construir uma socieda<strong>de</strong> livre, justa e solidária;<br />

• garantir o <strong>de</strong>senvolvimento nacional;<br />

• erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e<br />

regionais;<br />

• promover o bem <strong>de</strong> todos, sem preconceitos <strong>de</strong> origem, raça, sexo, cor, ida<strong>de</strong> e<br />

quaisquer outras formas <strong>de</strong> discriminação.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece vários objetivos fundamentais a serem seguidos<br />

pelas autorida<strong>de</strong>s constituídas, no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e progresso da nação brasileira.<br />

A partir da <strong>de</strong>finição dos objetivos, os diversos capítulos da Carta Magna passam<br />

a estabelecer regras que possibilitem seu fiel cumprimento.<br />

Ao legislador ordinário e ao intérprete, em especial às autorida<strong>de</strong>s públicas dos<br />

po<strong>de</strong>res Executivo, Legislativo, Judiciário e da Instituição do Ministério Público, esses<br />

objetivos fundamentais <strong>de</strong>verão servir como vetores <strong>de</strong> interpretação, seja na edição <strong>de</strong><br />

leis ou atos normativos, seja em suas aplicações. 12<br />

1 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos... Op. cit. p. 195.<br />

2 CARVALHO, V irgílio <strong>de</strong> Jesus Miranda. Op. cit. p. 22.


Direito Constitucional 2 1<br />

Logicamente, o rol <strong>de</strong> objetivos do art. 3Qnão é taxativo, tratando-se somente da previsão<br />

<strong>de</strong> algumas finalida<strong>de</strong>s primordiais a serem perseguidas pela República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil. Os po<strong>de</strong>res públicos <strong>de</strong>vem buscar os meios e instrumentos para promover condições<br />

<strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> real e efetiva e não somente contentar-se com a igualda<strong>de</strong> formal, em<br />

respeito a um dos objetivos fundamentais da República: construção <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> justa.<br />

Para adoção <strong>de</strong>sse preceito, <strong>de</strong>ve existir uma política legislativa e administrativa que<br />

não po<strong>de</strong> contentar-se com a pura igualda<strong>de</strong> legal, adotando normas especiais ten<strong>de</strong>ntes<br />

a corrigir os efeitos díspares ocasionados pelo tratamento igual dos <strong>de</strong>siguais, buscando a<br />

concretização da igualda<strong>de</strong> social. Nesse sentido, o Brasil é signatário da Convenção sobre<br />

os Direitos das Pessoas com Deficiência, comprometendo-se a realizar as alterações legislativas<br />

e a efetivar as políticas públicas necessárias para, conforme salientou o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “inserir os portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais na socieda<strong>de</strong> e objetiva<br />

a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos<br />

fundamentos da República <strong>de</strong> cidadania e dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, o que se concretiza<br />

pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> meios para que eles sejam alcançados”.1<br />

A Emenda Constitucional na 31, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, atenta a um dos objetivos<br />

fundamentais da República - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e regionais -, criou o Fundo <strong>de</strong> Combate e Erradicação da Pobreza.<br />

Para financiamento <strong>de</strong>sse fundo, nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, a EC nQ42, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, autorizou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação adicional <strong>de</strong> até dois pontos<br />

percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação <strong>de</strong> Mercadorias e Serviços (ICMS)<br />

sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições <strong>de</strong>finidas em lei complementar,<br />

que <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>finir seus contribuintes, dispor sobre substituição tributária e disciplinar o<br />

regime <strong>de</strong> compensação do imposto (CF, art. 155, § 2a, XII).<br />

O Fundo <strong>de</strong> Combate e Erradicação da Pobreza, instituído no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

Fe<strong>de</strong>ral, para vigorar até 2010, tem como objetivo viabilizar a todos os brasileiros acesso a<br />

níveis dignos <strong>de</strong> subsistência, <strong>de</strong>vendo a aplicação <strong>de</strong> seus recursos direcionar-se às ações<br />

suplementares <strong>de</strong> nutrição, habitação, educação, saú<strong>de</strong>, reforço <strong>de</strong> renda familiar e outros<br />

programas <strong>de</strong> relevante interesse social voltados para melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Ressalte-se que o referido fundo <strong>de</strong>verá ser regulamentado por lei complementar,<br />

contando em seu Conselho Consultivo e <strong>de</strong> Acompanhamento com representantes da<br />

Socieda<strong>de</strong> Civil.<br />

Igualmente, no âmbito dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, a EC nQ<br />

31/00 <strong>de</strong>terminou a instituição <strong>de</strong> Fundos <strong>de</strong> Combate à Pobreza, com a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> participação da Socieda<strong>de</strong> Civil em suas gerências.<br />

9 PRINCÍPIOS DE REGÊNCIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA REPÚBLICA<br />

FEDERATIVA D0 BRASIL<br />

A República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes<br />

princípios (CF, art. 4a) :<br />

1 STF - Pleno - ADI 2.649 - Rei. Min. Cármen Lúcia, julgamento: 8-5-2008.


2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

• in<strong>de</strong>pendência nacional;<br />

• prevalência dos <strong>direito</strong>s humanos;<br />

• auto<strong>de</strong>terminação dos povos;<br />

• não intervenção;<br />

• igualda<strong>de</strong> entre os Estados;<br />

• <strong>de</strong>fesa da paz;<br />

• solução pacífica dos conflitos;<br />

• repúdio ao terrorismo e ao racismo;<br />

• cooperação entre os povos para o progresso da humanida<strong>de</strong>;<br />

• concessão <strong>de</strong> asilo político.<br />

A Constituição ainda <strong>de</strong>termina que a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil buscará a integração<br />

econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à<br />

formação <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> latino-americana <strong>de</strong> nações.<br />

9.1 Asilo político<br />

Asilo político consiste no acolhimento <strong>de</strong> estrangeiro por parte <strong>de</strong> umEstadoque não<br />

o seu, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> perseguição por ele sofrida e praticada por seu próprio país ou por<br />

terceiro. As causas motivadoras <strong>de</strong>ssa perseguição, ensejadora da concessão do asilo, em<br />

regra são: dissidência política, livre manifestação <strong>de</strong> pensamento ou, ainda, crimes relacionados<br />

com a segurança do Estado, que não configurem <strong>de</strong>litos no <strong>direito</strong> penal comum.<br />

Basicamente, o asilo político apresenta natureza territorial, ou seja, será concedido ao<br />

estrangeiro que tenha ingressado nas fronteiras do novo Estado, colocando-se no âmbito<br />

especial <strong>de</strong> sua soberania.<br />

A concessão <strong>de</strong> asilo político a estrangeiro é ato <strong>de</strong> soberania estatal, <strong>de</strong> competência<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República,1passível <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral,2 e, uma vez concedido, o Ministério da Justiça lavrará termo no qual serão fixados<br />

o prazo <strong>de</strong> estada do asilado no Brasil e, se for o caso, as condições adicionais aos <strong>de</strong>veres<br />

que lhe imponham o <strong>direito</strong> internacional e a legislação vigente, às quais ficará sujeito. No<br />

prazo <strong>de</strong> trinta dias a contar da concessão do asilo, o asilado <strong>de</strong>verá registrar-se no Departamento<br />

<strong>de</strong> Polícia Fe<strong>de</strong>ral, bem como i<strong>de</strong>ntificar-se pelo sistema datiloscópico. Em seu<br />

registro <strong>de</strong>verão constar os seguintes dados: nome, filiação, cida<strong>de</strong> e país <strong>de</strong> nascimento,<br />

nacionalida<strong>de</strong>, data <strong>de</strong> nascimento, sexo, estado civil, profissão, grau <strong>de</strong> instrução, local<br />

e data <strong>de</strong> entrada no Brasil, espécie e número <strong>de</strong> documento <strong>de</strong> viagem, número e classificação<br />

do visto consular, data e local <strong>de</strong> sua concessão, meio <strong>de</strong> transporte utilizado,<br />

bem como os dados relativos aos filhos menores e locais <strong>de</strong> residência, trabalho e estudo.<br />

1 STF - Pleno - Extradição n° 524/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 8 mar. 1993, p.<br />

2.200; S T F -P le n o - Extradição (Q O ) 783, 784 e 785 - Estados Unidos Mexicanos - Rei. Min. N é rid a Silveira,<br />

Informativo STF n2 241.<br />

2<br />

STF - Pleno - Ext 108 5/G o vern o da Itália - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 19 -11-2 0 0 9 .


Direito Constitucional 23<br />

Como ensina Francisco Rezek, “conce<strong>de</strong>r asilo político não é obrigatório para Estado<br />

algum, e as contingências da própria política - exterior e doméstica - <strong>de</strong>terminam, caso a<br />

caso, as <strong>de</strong>cisões do governo”.1<br />

O asilado que <strong>de</strong>sejar se ausentar do país e nele, posteriormente, reingressar, sem<br />

renúncia <strong>de</strong> sua condição, <strong>de</strong>verá solicitar autorização prévia do Ministro da Justiça.<br />

Igualmente, compete ao Ministro da Justiça a prorrogação dos prazos <strong>de</strong> estada do asilado.<br />

A saída do país, sem prévia autorização do governo brasileiro, importará em renúncia<br />

ao asilo e impedirá o reingresso nessa condição.2<br />

Asilo político e extradição: ressalte-se que a concessão anterior <strong>de</strong> asilo político não<br />

é fator impeditivo <strong>de</strong> posterior análise, e consequente concessão, <strong>de</strong> pedido extradicional,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o fato ensejador do pedido não apresente características <strong>de</strong> crime político ou <strong>de</strong><br />

opinião, pois nestes casos existirá expressa vedação <strong>constitucional</strong> (CF, art. 5a, inc. LII).123<br />

1 REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 219.<br />

2 Cf. sobre asilo: Lei n° 6.815/80; Decreto n° 86.715/81; Decreto n° 678/92.<br />

3 STF - Pleno - Extradição n° 232/DF - Rei. Min. Victor Nunes -R T J 26-1; STF - Pleno - Extradição n° 524/<br />

D F -R e l. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DiáriodaJustiça, Seção 1, 8 mar. 1993, p. 2.200; STF - P le n o - E x t 1085/Governo<br />

da Itá lia -R e i. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 19-11-2009.


Po<strong>de</strong>r Constituinte<br />

1 CONCEITO E FINALIDADE<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte é a manifestação soberana da suprema vonta<strong>de</strong> política <strong>de</strong> um<br />

povo, social e juridicamente organizado.<br />

A doutrina aponta a contemporaneida<strong>de</strong> da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r Constituinte com a do<br />

surgimento <strong>de</strong> Constituições escritas, visando à limitação do po<strong>de</strong>r estatal e à preservação<br />

dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais.<br />

2 TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE<br />

O titular do Po<strong>de</strong>r Constituinte, segundo o aba<strong>de</strong> Emmanuel Sieyès,1um dos precursores<br />

<strong>de</strong>ssa doutrina, é a nação, pois a titularida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r liga-se à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> soberania<br />

do Estado, uma vez que mediante o exercício do po<strong>de</strong>r constituinte originário se estabelecerá<br />

sua organização fundamental pela Constituição, que é sempre superior aos po<strong>de</strong>res<br />

constituídos, <strong>de</strong> maneira que toda manifestação dos po<strong>de</strong>res constituídos somente alcança<br />

plena valida<strong>de</strong> se se sujeitar à Carta Magna.<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, porém, é predominante que a titularida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r constituinte<br />

pertence ao povo,12 pois o Estado <strong>de</strong>corre da soberania popular, cujo conceito é mais abrangente<br />

do que o <strong>de</strong> nação. Assim, a vonta<strong>de</strong> constituinte é a vonta<strong>de</strong> do povo, expressa por<br />

meio <strong>de</strong> seus representantes. Celso <strong>de</strong> Mello, corroborando essa perspectiva, ensina que<br />

as Assembléias Constituintes “não titularizam o po<strong>de</strong>r constituinte. São apenas órgãos aos<br />

quais se atribui, por <strong>de</strong>legação popular, o exercício <strong>de</strong>ssa magna prerrogativa”.3 Necessário<br />

1 Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836) é o autor do liv ro Qu’est-ceque le tiersÉtat? (O que é o terceiro Estado?),<br />

verda<strong>de</strong>iro manifesto da Revolução Francesa, on<strong>de</strong> expõe as reivindicações da burguesia, <strong>de</strong>finindo-a<br />

como a nação e, consequentemente, titular do po<strong>de</strong>r constituinte.<br />

2 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. O po<strong>de</strong>r constituinte. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 15; SANTOS, Aricê<br />

M oacyr Amaral. O po<strong>de</strong>r constituinte. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980. p. 16; MELLO FILHO, José Celso.<br />

Constituição... Op. cit. p. 14; TEMER, Michel. Elementos... Op. cit. p. 32.<br />

3 MELLO FILHO, José Celso. Op. cit. p. 14. No m esm o sentido: CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit.p.<br />

102. Contra: Nelson Saldanha afirma que “a complementarida<strong>de</strong>, mo<strong>de</strong>rnamente, admitida, entre o povo e o<br />

governo, faz que se <strong>de</strong>va repartir entre os dois o título <strong>de</strong> portador do po<strong>de</strong>r constituinte” (O po<strong>de</strong>r constituinte.<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 74).


Po<strong>de</strong>r Constituinte 25<br />

transcrevermos a observação <strong>de</strong> Manoel Gonçalves Ferreira Filho, <strong>de</strong> que “o povo po<strong>de</strong><br />

ser reconhecido como o titular do Po<strong>de</strong>r Constituinte mas não é jamais quem o exerce. É<br />

ele um titular passivo, ao qual se imputa uma vonta<strong>de</strong> constituinte sempre manifestada por<br />

uma elite”. Assim, distingue-se a titularida<strong>de</strong> e o exercício do Po<strong>de</strong>r Constituinte, sendo o<br />

titular o povo e o exercente aquele que, em nome do povo, cria o Estado, editando a nova<br />

Constituição.<br />

3 ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte classifica-se em Po<strong>de</strong>r Constituinte originário ou <strong>de</strong> í 2 grau e<br />

Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado, constituído ou <strong>de</strong> 2- grau.<br />

Originário<br />

Revolução<br />

Convenção<br />

inicial<br />

ilimitado<br />

incondicionado<br />

permanente<br />

Derivado<br />

Secundário<br />

Limitado<br />

Condicionado<br />

^^Reformador (CF, art. 60)<br />

■^Decorrente<br />

rCF, art. 29, “caput” "l<br />

l ADCT, art. 11 J<br />

4 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO<br />

4.1 Conceito<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte originário estabelece a Constituição <strong>de</strong> um novo Estado, organizando-o<br />

e criando os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>stinados a reger os interesses <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>.<br />

Tanto haverá Po<strong>de</strong>r Constituinte no surgimento <strong>de</strong> uma primeira Constituição, quanto na<br />

elaboração <strong>de</strong> qualquer Constituição posterior.<br />

A i<strong>de</strong>ia da existência <strong>de</strong> um Po<strong>de</strong>r Constituinte é o suporte lógico <strong>de</strong> uma Constituição<br />

superior ao restante do or<strong>de</strong>namento jurídico e que, em regra, não po<strong>de</strong>rá ser modificada<br />

pelos po<strong>de</strong>res constituídos. E, pois, esse Po<strong>de</strong>r Constituinte, distinto, anterior e fonte da<br />

autorida<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res constituídos, com eles não se confundindo.<br />

4.2 Formas <strong>de</strong> expressão do po<strong>de</strong>r constituinte originário<br />

Inexiste forma prefixada pela qual se manifesta o po<strong>de</strong>r constituinte originário, uma<br />

vez que apresenta as características <strong>de</strong> incondicionado e ilimitado. Pela análise histórica<br />

da constituição dos diversos países, porém, há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apontar duas básicas


2 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

formas <strong>de</strong> expressão do po<strong>de</strong>r constituinte originário: Assembléia Nacional Constituinte<br />

e Movimento Revolucionário (outorga).<br />

Tradicionalmente, a primeira Constituição <strong>de</strong> um novo país, que conquiste em sua<br />

liberda<strong>de</strong> política, será fruto da primeira forma <strong>de</strong> expressão: o movimento revolucionário.<br />

Entretanto, as <strong>de</strong>mais constituições <strong>de</strong>sse mesmo país adotarão a segunda hipótese, ou<br />

seja, as assembléias nacionais constituintes.1<br />

Assim, são duas as formas básicas <strong>de</strong> expressão do Po<strong>de</strong>r Constituinte: outorga e<br />

assembléia nacional constituinte/convenção.<br />

A outorga é o estabelecimento da Constituição por <strong>de</strong>claração unilateral do agente<br />

revolucionário, que autolimita seu po<strong>de</strong>r. (Exemplos: Constituições <strong>de</strong> 1824,1937 e Ato<br />

Institucional na 1, <strong>de</strong> 9-4-1964.)<br />

A assembléia nacional constituinte, também <strong>de</strong>nominada convenção, nasce da <strong>de</strong>liberação<br />

da representação popular, <strong>de</strong>vidamente convocada pelo agente revolucionário,<br />

para estabelecer o texto organizatório e limitativo <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r. (Exemplo: Constituições <strong>de</strong><br />

1891, 1934,1946, 1967 e 1988.)<br />

4.3 Características do po<strong>de</strong>r constituinte originário<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte é inicial, pois sua obra - a Constituição - é a base da or<strong>de</strong>m<br />

jurídica.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte é ilimitado e autônomo, pois não está <strong>de</strong> modo algum limitado<br />

pelo <strong>direito</strong> anterior, não tendo que respeitar os limites postos pelo <strong>direito</strong> positivo antecessor.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte também é incondicionado, pois não está sujeito a qualquer forma<br />

prefixada para manifestar sua vonta<strong>de</strong>; não tem ela que seguir qualquer procedimento<br />

<strong>de</strong>terminado para realizar sua obra <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ização.<br />

Canotilho sintetiza essas características dizendo que<br />

“o po<strong>de</strong>r constituinte, na teoria <strong>de</strong> Sieyès, seria um po<strong>de</strong>r inicial, autônomo e<br />

omnipotente. É inicial porque não existe, antes <strong>de</strong>le, nem <strong>de</strong> facto nem <strong>de</strong> <strong>direito</strong>,<br />

qualquer outro po<strong>de</strong>r. É nele que se situa, por excelência, a vonta<strong>de</strong> do soberano<br />

(instância jurídico-política dotada <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> suprema). E um po<strong>de</strong>r autônomo:<br />

a ele e só a ele compete <strong>de</strong>cidir se, como e quando, <strong>de</strong>ve ‘dar-se’ uma constituição<br />

à Nação. É um po<strong>de</strong>r omnipotente, incondicionado: o po<strong>de</strong>r constituinte não está<br />

subordinado a qualquer regra <strong>de</strong> forma ou <strong>de</strong> fundo”.2<br />

Ressalte-se, ainda, que o Po<strong>de</strong>r Constituinte é permanente, pois não <strong>de</strong>saparece com<br />

a realização <strong>de</strong> sua obra, ou seja, com a elaboração <strong>de</strong> uma nova Constituição. Como afirí<br />

2<br />

SALDANHA, Nelson. Op. cit. p. 79.<br />

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 94.


Po<strong>de</strong>r Constituinte 27<br />

mado por Sieyès, o Po<strong>de</strong>r Constituinte não esgota sua titularida<strong>de</strong>, que permanece latente,<br />

manifestando-se novamente mediante uma nova Assembléia Nacional Constituinte ou um<br />

ato revolucionário.<br />

5 PODER CONSTITUINTE DERIVADO<br />

5.1 Conceito e características<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado está inserido na própria Constituição, pois <strong>de</strong>corre <strong>de</strong><br />

uma regra jurídica <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>,1portanto, conhece limitações constitucionais<br />

expressas e implícitas e é passível <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Apresenta as características <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivado, subordinado e condicionado. É <strong>de</strong>rivado<br />

porque retira sua força do Po<strong>de</strong>r Constituinte originário; subordinado porque se encontra<br />

limitado pelas normas expressas e implícitas do texto <strong>constitucional</strong>, às quais não po<strong>de</strong>rá<br />

contrariar, sob pena <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>; e, por fim, condicionado porque seu exercício<br />

<strong>de</strong>ve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

5.2 Espécies <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado subdivi<strong>de</strong>-se em po<strong>de</strong>r constituinte reformador e<br />

<strong>de</strong>corrente.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado reformador, <strong>de</strong>nominado por parte da doutrina <strong>de</strong><br />

competência reformadora, consiste na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterar-se o texto <strong>constitucional</strong>,<br />

respeitando-se a regulamentação especial prevista na própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral e será<br />

exercitado por <strong>de</strong>terminados órgãos com caráter representativo. No Brasil, pelo Congresso<br />

Nacional. Logicamente, só estará presente nas Constituições rígidas, que exigem<br />

um procedimento especial para sua própria alteração e será estudado mais adiante no<br />

capítulo sobre emendas constitucionais (CF, art. 60). A partir da EC n° 45/04, também<br />

há a manifestação do po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado reformador nas hipóteses do § 3a, do<br />

artigo 5a do texto <strong>constitucional</strong>, que permite a aprovação pelo Congresso Nacional <strong>de</strong><br />

tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s humanos pelo mesmo procedimento<br />

das emendas constitucionais.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong>corrente, por sua vez, consiste na possibilida<strong>de</strong> que os<br />

Estados-membros têm, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua autonomia político-administrativa, <strong>de</strong> se auto-<br />

-organizarem por meio <strong>de</strong> suas respectivas constituições estaduais, sempre respeitando as<br />

regras limitativas estabelecidas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12 No capítulo sobre organização<br />

do Estado Fe<strong>de</strong>ral, estudar-se-á mais <strong>de</strong>talhadamente esta matéria.<br />

1 LOPES, M aurício Ribeiro Antonio. Po<strong>de</strong>rconstituinte reformador. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.<br />

p. 134.<br />

2 Com o explica M anoel Gonçalves Ferreira Filho (Opo<strong>de</strong>r... Op. cit. p. 141), são os chamados princípios<br />

constitucionais limitativos.


Direitos e Garantias<br />

Fundamentais ___<br />

3<br />

1 FINALIDADE. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS DE DEFESA<br />

Na visão oci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, governo pelo povo e limitação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r estão<br />

indissoluvelmente combinados.1 O povo escolhe seus representantes, que, agindo como<br />

mandatários, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m os <strong>de</strong>stinos da nação. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>legado pelo povo a seus represen<br />

tantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive com a previsão <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s e garantias individuais e coletivas do cidadão relativamente aos <strong>de</strong>mais cidadãos<br />

(relação horizontal) e ao próprio Estado (relação vertical). Assim, os <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

cumprem, no dizer <strong>de</strong> Canotilho,<br />

“a função <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem,<br />

num plano jurídico-objectivo, normas <strong>de</strong> competência negativa para os<br />

po<strong>de</strong>res públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências <strong>de</strong>stes na esfera<br />

jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> exercer<br />

positivamente <strong>direito</strong>s fundamentais (liberda<strong>de</strong> positiva) e <strong>de</strong> exigir omissões<br />

dos po<strong>de</strong>res públicos, <strong>de</strong> forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos<br />

(liberda<strong>de</strong> negativa)”.12<br />

Ressalte-se que o estabelecimento <strong>de</strong> constituições escritas está diretamente ligado<br />

à edição <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s do homem. Com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong><br />

limites ao po<strong>de</strong>r político, ocorrendo a incorporação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s subjetivos do homem em<br />

normas formalmente básicas, subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilida<strong>de</strong><br />

do legislador ordinário.<br />

1.1 Classificação dos <strong>direito</strong>s fundamentais3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 trouxe em seu Título II os <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais,<br />

subdividindo-os em cinco capítulos: <strong>direito</strong>s individuais e coletivos; <strong>direito</strong>s sociais;<br />

1 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Estado <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e constituição. São Paulo: Saraiva, 1988. p 16.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 541. N o mesm o sentido: BARILE, Paolo. D iritti <strong>de</strong>lVuomo e<br />

libertà fundamentali. Bolonha: II Molino. p. 13.<br />

3 Para ampla análise da história e Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, consultar: MORAES, Alexandre.<br />

Direitos humanos fundamentais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2013.


Direitos e Garantias Fundamentais 29<br />

nacionalida<strong>de</strong>; <strong>direito</strong>s políticos e partidos políticos. Assim, a classificação adotada pelo<br />

legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais:<br />

<strong>direito</strong>s e garantias individuais e coletivos; <strong>direito</strong>s sociais; <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>;<br />

<strong>direito</strong>s políticos; e <strong>direito</strong>s relacionados à existência, organização e participação<br />

em partidos políticos.<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, a doutrina apresenta-nos a classificação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong><br />

primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na or<strong>de</strong>m histórica cronológica em que<br />

passaram a ser <strong>constitucional</strong>mente reconhecidos.<br />

Como <strong>de</strong>staca Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“enquanto os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> primeira geração (<strong>direito</strong>s civis e políticos) - que compreen<strong>de</strong>m<br />

as liberda<strong>de</strong>s clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da<br />

liberda<strong>de</strong> e os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> segunda geração (<strong>direito</strong>s econômicos, sociais e culturais)<br />

- que se i<strong>de</strong>ntificam com as liberda<strong>de</strong>s positivas, reais ou concretas - acentuam o<br />

princípio da igualda<strong>de</strong>, os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceira geração, que materializam po<strong>de</strong>res<br />

<strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais,<br />

consagram o princípio da solidarieda<strong>de</strong> e constituem um momento importante no<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, expansão e reconhecimento dos <strong>direito</strong>s humanos,<br />

caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota <strong>de</strong> uma<br />

essencial inexauribilida<strong>de</strong>”.1<br />

Assim, os <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong> primeira geração são os <strong>direito</strong>s e garantias individuais<br />

e políticos clássicos (liberda<strong>de</strong>s públicas), surgidos institucionalmente a partir da<br />

Magna Charta.<br />

Referindo-se aos hoje chamados <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong> segunda geração, que são<br />

os <strong>direito</strong>s sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século, Themistocles<br />

Brandão Cavalcanti analisou que<br />

“o começo do nosso século viu a inclusão <strong>de</strong> uma nova categoria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s nas<br />

<strong>de</strong>clarações e, ainda mais recentemente, nos princípios garantidores da liberda<strong>de</strong><br />

das nações e das normas da convivência internacional. Entre os <strong>direito</strong>s chamados<br />

sociais, incluem-se aqueles relacionados com o trabalho, o seguro social, a subsistência,<br />

o amparo à doença, à velhice etc.”.12<br />

Por fim, mo<strong>de</strong>rnamente, protege-se, <strong>constitucional</strong>mente, como <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceira<br />

geração os chamados <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> ou fraternida<strong>de</strong>, que englobam o <strong>direito</strong> a<br />

um meio ambiente equilibrado,3 uma saudável qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, ao progresso, à paz, à<br />

auto<strong>de</strong>terminação dos povos e a outros <strong>direito</strong>s difusos, que são, no dizer <strong>de</strong> José Marcelo<br />

Vigliar, os interesses <strong>de</strong> grupos menos <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong> pessoas, sendo que entre elas não<br />

há vínculo jurídico ou fático muito preciso.4<br />

1 STF - P le n o - MS n“ 22.164/S P-R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário da Justiça, Seção 1,17nov. 1995, p. 39.206.<br />

2 Princípios gerais <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. 3. ed. R io <strong>de</strong> Janeiro: Borsoi, 1966. p. 202.<br />

3 Conform e afirm ou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “Direito ao m eio ambiente ecologicam ente equilibrado: a<br />

consagração <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> um típico <strong>direito</strong> <strong>de</strong> terceira geração” (RTJ155/206).<br />

4 Ação civil pública. São Paulo: Atlas, 1997. p. 42.


3 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como conclui Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a primeira geração seria a dos <strong>direito</strong>s<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, a segunda, dos <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, a terceira, assim, complementaria o<br />

lema da Revolução Francesa: liberda<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong>, fraternida<strong>de</strong>”.1<br />

Note-se que Celso Lafer classifica esses mesmos <strong>direito</strong>s em quatro gerações, dizendo<br />

que os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceira e quarta gerações transcen<strong>de</strong>m a esfera dos indivíduos consi<strong>de</strong>rados<br />

em sua expressão singular e recaindo, exclusivamente, nos grupos primários e<br />

nas gran<strong>de</strong>s formações sociais.12<br />

2 NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS QUE DISCIPLINAM OS DIREITOS E<br />

GARANTIAS FUNDAMENTAIS<br />

São <strong>direito</strong>s constitucionais na medida em que se inserem no texto <strong>de</strong> uma constituição<br />

cuja eficácia e aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m muito <strong>de</strong> seu próprio enunciado, uma vez que<br />

a Constituição faz <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislação ulterior a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas normas<br />

<strong>de</strong>finidoras <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s sociais, enquadrados entre os fundamentais.3 Em regra, as normas<br />

que consubstanciam os <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong>mocráticos e individuais são <strong>de</strong> eficácia<br />

e aplicabilida<strong>de</strong> imediata. A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em uma norma-síntese, <strong>de</strong>termina<br />

tal fato dizendo que as normas <strong>de</strong>finidoras dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais<br />

têm aplicação imediata. Essa <strong>de</strong>claração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos<br />

não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado <strong>de</strong> injunção e<br />

iniciativa popular).<br />

2.1 Relativida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais e coletivos<br />

Os <strong>direito</strong>s humanos fundamentais, <strong>de</strong>ntre eles os <strong>direito</strong>s e garantias individuais e<br />

coletivos consagrados no art. 5Qda Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não po<strong>de</strong>m ser utilizados como<br />

um verda<strong>de</strong>iro escudo protetivo da prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, tampouco como argumento<br />

para afastamento ou diminuição da responsabilida<strong>de</strong> civil ou penal por atos criminosos,<br />

sob pena <strong>de</strong> total consagração ao <strong>de</strong>srespeito a um verda<strong>de</strong>iro Estado <strong>de</strong> Direito.4<br />

Os <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, portanto,<br />

não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos <strong>de</strong>mais <strong>direito</strong>s igualmente consagrados<br />

pela Carta Magna (Princípio da relativida<strong>de</strong> ou convivência das liberda<strong>de</strong>s públicas).<br />

Desta forma, quando houver conflito entre dois ou mais <strong>direito</strong>s ou garantias fundamentais,<br />

o intérprete <strong>de</strong>ve utilizar-se do principio da concordância prática ou da harmonização,<br />

<strong>de</strong> forma a coor<strong>de</strong>nar e combinar os bens jurídicos em conflito, evitando o sacrifício<br />

total <strong>de</strong> uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito <strong>de</strong><br />

1 Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 57.<br />

2 LAFER, Celso. A reconstrução dos <strong>direito</strong>s humanos. São Paulo: Companhia da Letras, 1988. Apud discurso<br />

<strong>de</strong> posse do M inistro Celso <strong>de</strong> M ello com o Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

3 SARLET, Ingo W olfgang. A eficácia dos <strong>direito</strong>s fundamentais. 2. ed. Porto A legre: L ivraria do A dvogado,<br />

2001. p. 392.<br />

4 RT-STF 709/418; STJ - 6‘ T. RHC n ° 2.777-0/RJ - Rei. M in. Pedro Acioli - Ementário, 08/721.


Direitos e Garantias Fundamentais 3 1<br />

alcance <strong>de</strong> cada qual (contradição dos princípios), sempre em busca do verda<strong>de</strong>iro sig<br />

nificado da norma e da harmonia do texto <strong>constitucional</strong> com sua finalida<strong>de</strong> precípua.<br />

Apontando a relativida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s fundamentais, Quiroga Lavié1afirma que os<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais nascem para reduzir a ação do Estado aos limites impostos pela<br />

Constituição, sem contudo <strong>de</strong>sconhecerem a subordinação do indivíduo ao Estado, como<br />

garantia <strong>de</strong> que eles operem <strong>de</strong>ntro dos limites impostos pelo <strong>direito</strong>.<br />

A própria Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, expressamente, em<br />

seu art. 29 afirma que<br />

“toda pessoa tem <strong>de</strong>veres com a comunida<strong>de</strong>, posto que somente nela po<strong>de</strong>-se<br />

<strong>de</strong>senvolver livre e plenamente sua personalida<strong>de</strong>. No exercício <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s<br />

e no <strong>de</strong>sfrute <strong>de</strong> suas liberda<strong>de</strong>s todas as pessoas estarão sujeitas às limitações<br />

estabelecidas pela lei com a única finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar o respeito dos <strong>direito</strong>s<br />

e liberda<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>mais, e <strong>de</strong> satisfazer as justas exigências da moral, da or<strong>de</strong>m<br />

pública e do bem-estar <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Estes <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s<br />

não po<strong>de</strong>m, em nenhum caso, serem exercidos em oposição com os propósitos e<br />

princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração po<strong>de</strong>rá ser interpretado<br />

no sentido <strong>de</strong> conferir <strong>direito</strong> algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa, para<br />

empreen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s ou realizar atos ten<strong>de</strong>ntes a supressão <strong>de</strong><br />

qualquer dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s proclamados nessa Declaração”.<br />

3 DIREITOS EGARANTIAS INDIVIDUAIS<br />

3.1 Diferenciação entre <strong>direito</strong>s e garantias individuais<br />

Diversos doutrinadores diferenciam <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> garantias fundamentais. A distinção<br />

entre <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais, no <strong>direito</strong> brasileiro, remonta a Rui Barbosa, ao<br />

separar as disposições meramente <strong>de</strong>claratórias, que são as que imprimem existência legal<br />

aos <strong>direito</strong>s reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em <strong>de</strong>fesa dos<br />

<strong>direito</strong>s, limitam o po<strong>de</strong>r. Aquelas instituem os <strong>direito</strong>s; estas, as garantias; ocorrendo<br />

não raro juntar-se, na mesma disposição <strong>constitucional</strong>, ou legal, a fixação da garantia<br />

com a <strong>de</strong>claração do <strong>direito</strong>.<br />

Para Canotilho, rigorosamente, as clássicas garantias são também <strong>direito</strong>s, embora<br />

muitas vezes se salientasse nelas o caráter instrumental <strong>de</strong> proteção dos <strong>direito</strong>s. As garantias<br />

traduzem-se quer no <strong>direito</strong> dos cidadãos a exigir dos po<strong>de</strong>res públicos a proteção dos<br />

seus <strong>direito</strong>s, quer no reconhecimento <strong>de</strong> meios processuais a<strong>de</strong>quados a essa finalida<strong>de</strong><br />

(exemplo: <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso aos tribunais para <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s, princípios do nullum<br />

crimen sine lege e nullapoenasine crimen, <strong>direito</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, princípio do nonbis in<br />

i<strong>de</strong>m) ? A mesma diferenciação faz Jorge Miranda afirmando que “clássica e bem actual é a<br />

contraposição dos <strong>direito</strong>s fundamentais, pela sua estrutura, pela sua natureza e pela sua<br />

função, em <strong>direito</strong>s propriamente ditos ou <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s, por um lado, e garantias 12<br />

1 Derecho <strong>constitucional</strong>. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 123.<br />

2 CANOTILHO, J. J. G om es.Direito... O p .c it.p . 520.


32 Direito Constitucional • Moraes<br />

por outro lado. Os <strong>direito</strong>s representam só por si certos bens, as garantias <strong>de</strong>stinam-se a<br />

assegurar a fruição <strong>de</strong>sses bens; os <strong>direito</strong>s são principais, as garantias acessórias e, muitas<br />

<strong>de</strong>las, adjectivas (ainda que possam ser objecto <strong>de</strong> um regime <strong>constitucional</strong> substantivo);<br />

os <strong>direito</strong>s permitem a realização das pessoas e inserem-se directa e imediatamente, por<br />

isso, as respectivas esferas jurídicas, as garantias só nelas se projectam pelo nexo que<br />

possuem com os <strong>direito</strong>s; na acepção jusracionalista inicial, os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong>claram-se, as<br />

garantias estabelecem-se”.1<br />

3.2 Direitos fundamentais e garantias institucionais<br />

Trata-se <strong>de</strong> clássica distinção da doutrina alemã, como lembra Canotilho, para a qual<br />

as garantias institucionais (Einrichtu.ngsgaran.tien) compreendiam as garantias jurídico-<br />

-públicas (Institutionnelle Garantien) e as garantias jurídico-privadas (Institutsgarantie).<br />

As garantias institucionais, apesar <strong>de</strong> muitas vezes virem consagradas e protegidas<br />

pelas leis constitucionais, não seriam verda<strong>de</strong>iros <strong>direito</strong>s atribuídos diretamente às pessoas,<br />

mas a <strong>de</strong>terminadas instituições que possuem sujeito e objeto diferenciado.<br />

Assim, a maternida<strong>de</strong>, a família, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, o funcionalismo público, os<br />

entes fe<strong>de</strong>rativos, são instituições protegidas diretamente como realida<strong>de</strong>s sociais objetivas<br />

e só, indiretamente, se expan<strong>de</strong>m para a proteção dos <strong>direito</strong>s individuais. Concluindo<br />

esse raciocínio, Canotilho afirma que<br />

“a protecção das garantias institucionais aproxima-se, todavia, da protecção dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais quando se exige, em face das intervenções limitativas do<br />

legislador, a salvaguarda do ‘mínimo essencial’ (núcleo essencial) das instituições”.12<br />

3.3 Direitos fundamentais - classificação<br />

Classificação Legal<br />

Direitos e<br />

Garantias<br />

Fundamentais<br />

Direitos e Garantias<br />

Individuais e Coletivos (art. 5S)<br />

Direitos Sociais (arts. ó9 a 11)<br />

JMíw w d? Jfedarrfiüidr lar, 11\-<br />

Direitos Políticos (art. 14)<br />

Direitos <strong>de</strong> Criação, Organização e<br />

Participação em Partidos Políticos (art. 17)<br />

1 MIRANDA, Jorge. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, p. 88-89.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes.Direito... Op. cit. p. 522.


Direitos e Garantias Fundamentais 3 3<br />

Classificação Temporal<br />

Direitos humanos<br />

I a geração (CF, arts. 5“ e 14)<br />

2a geração (CF, arts. 6Q, 7Q, 205)<br />

3a geração (CF, art. 225)<br />

4a geração (CF, arts. 1“ e 3Q)<br />

4 DESTINATÁRIOS DA PROTEÇÃO<br />

O art. 5Qda Constituição Fe<strong>de</strong>ral afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção<br />

<strong>de</strong> qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes<br />

no País a inviolabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> à vida, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e à proprieda<strong>de</strong>.<br />

Observe-se, porém, que a expressão resi<strong>de</strong>ntes no Brasil <strong>de</strong>ve ser interpretada no sentido<br />

<strong>de</strong> que a Carta Fe<strong>de</strong>ral assegura ao estrangeiro todos os <strong>direito</strong>s e garantias mesmo<br />

que não possua domicílio no País,1só po<strong>de</strong>ndo, porém, assegurar a valida<strong>de</strong> e gozo dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong>ntro do território brasileiro,12 não excluindo, pois, o estrangeiro3<br />

em trânsito pelo território nacional, que possui igualmente acesso às ações, como o mandado<br />

<strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong>mais remédios constitucionais.4 Igualmente, as pessoas jurídicas<br />

são beneficiárias dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais, pois reconhece-se às associações o<br />

<strong>direito</strong> à existência, o que <strong>de</strong> nada adiantaria se fosse possível excluí-las <strong>de</strong> todos os seus<br />

<strong>de</strong>mais <strong>direito</strong>s.5 Dessa forma, os <strong>direito</strong>s enunciados e garantidos pela constituição são<br />

<strong>de</strong> brasileiros, pessoas físicas e jurídicas.<br />

Assim, o regime jurídico das liberda<strong>de</strong>s públicas protege tanto as pessoas naturais,<br />

brasileiros ou estrangeiros no território nacional, como as pessoas jurídicas, pois têm<br />

<strong>direito</strong> à existência, à segurança, à proprieda<strong>de</strong>, à proteção tributária e aos remédios<br />

constitucionais.6<br />

Miguel Ángel Ekmekdjian e Calo gero Pizzolo observam que o art. 25.1 da Convenção<br />

Européia <strong>de</strong> Direitos Humanos habilita tanto as pessoas físicas como as jurídicas a reclamar<br />

1 STF - HC 103311/PR- Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 7-6-2011; STF - 2a T. - HC 94477/PR - Rei. Min. Gilmar<br />

Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 6-9-2011; STF - 2a T. - HC 102042 ED/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 15-2-2011.<br />

2 RTJ 3/566.<br />

3 S T F -H C n e 74.051-3-R e i. Min. Marco Aurélio, Informativo STF nQ45; S T F -P le n o -Extr. 1.021-2/República<br />

Francesa - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 6-3-2007 e Informativo STF nQ458; STF - 2â T. - HC nQ94.016/<br />

SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 16-9-2008. No Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, conferir: STJ - 5â T. - HC<br />

219.017-SP, Rei. Min. Laurita Vaz, julgado em 15-3-2012.<br />

4 RF 192/122; RT 312/36; RDA 39/326.<br />

5 STJ - Terceira llirm a - Resp 959564/SP - Rei. Min. Paulo <strong>de</strong> Tarso Sanseverino, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2011.<br />

6 RF 226/81. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, inclusive, reconhece o <strong>direito</strong> a pleno acesso à Justiça gratuita às<br />

pessoas jurídicas (STF - Pleno - Reclamação (AgR-ED) nQ1.905/SP - Rei. Min. M arco A u rélio, <strong>de</strong>cisão: 15-8-<br />

02. Informativo STF nQ277). Conferir, ainda: STF - I a T. - A I 513.817-1/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 12 fev. 2007, p. 25; STF - RE 192715/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 9-2-2007 -<br />

Informativo STF nQ455, Seção I, p. 2.


34 Direito Constitucional • Moraes<br />

a proteção <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos, da mesma forma que o Tribunal Constitucional da Espanha,<br />

que reconheceu expressamente a existência <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais relacionados<br />

à pessoa jurídica, respeitando-se, por óbvio, suas características próprias.1<br />

Igualmente, a Lei Fundamental alemã consagra que os <strong>direito</strong>s fundamentais são válidos<br />

para pessoas jurídicas, à medida que, pela sua essência, sejam aplicáveis às mesmas.12<br />

5 DIREITO À VI DA<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção <strong>de</strong><br />

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no País a<br />

inviolabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> à vida, à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e à proprieda<strong>de</strong>. O<br />

<strong>direito</strong> à vida é o mais fundamental <strong>de</strong> todos os <strong>direito</strong>s, já que se constitui em pré-requisito<br />

à existência e exercício <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>mais <strong>direito</strong>s.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral proclama, portanto, o <strong>direito</strong> à vida, cabendo ao Estado<br />

assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> continuar<br />

vivo3 e a segunda <strong>de</strong> se ter vida digna quanto à subsistência.4<br />

O início da mais preciosa garantia individual <strong>de</strong>verá ser dado pelo biólogo, cabendo<br />

ao jurista, tão somente, dar-lhe o enquadramento legal,5 pois do ponto <strong>de</strong> vista biológico<br />

a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozói<strong>de</strong>, resultando um ovo ou<br />

zigoto. Assim a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravi<strong>de</strong>z.6<br />

Conforme adverte o biólogo Botella Lluziá, o embrião ou feto representa um ser individualizado,<br />

com uma carga genética própria, que não se confun<strong>de</strong> nem com a do pai, nem<br />

com a da mãe, sendo inexato afirmar que a vida do embrião ou do feto está englobada<br />

pela vida da mãe.7 A Constituição, é importante ressaltar, protege a vida <strong>de</strong> forma geral,<br />

inclusive uterina, porém, como os <strong>de</strong>mais Direitos Fundamentais, <strong>de</strong> maneira não absoluta,<br />

pois como <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “reputou inquestionável o caráter<br />

não absoluto do <strong>direito</strong> à vida ante o texto <strong>constitucional</strong>, cujo art. 5a, XLVII, admitiría<br />

a pena <strong>de</strong> morte no caso <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada na forma do seu artigo 84, XIX. No mesmo<br />

1 EKMEKDJIAN, Miguel Ángel, PIZZOLO, Calogero. Habeas data: el <strong>de</strong>recho a la intimidad frente a la revolución<br />

informática. Buenos Aires: Depalma, 1996. p. 93.<br />

2 Lei Fundamental alemã, prom ulgada em 23-5-1949. Art. 19-3.<br />

3 Anote-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente (L ei na 8.069/90), em seu art. 7a, afirma que “a criança<br />

e o adolescente têm a proteção à vida e à saú<strong>de</strong>, mediante a efetivação <strong>de</strong> políticas sociais públicas que permitam<br />

o nascimento e o <strong>de</strong>senvolvim ento sadio e harmonioso, em condições dignas <strong>de</strong> existência” . E o art. 8a<br />

complementa esta garantia, afirmando que “incumbe ao Po<strong>de</strong>r Público propiciar apoio alim entar à gestante e<br />

à nutriz que <strong>de</strong>le necessitem” .<br />

4 Acórdão do Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça, relatado pelo Desembargador Renan Lotufo, in Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito<br />

Constitucional e Ciência Política, n° 04, p. 299-302.<br />

5 MATTOS, Thereza Baptista. A proteção do nascituro. RDC5 2/34.<br />

6 RJTJRS104/418. “EMENTA: A o nascituro assiste, n oplano do Direito Processual, capacida<strong>de</strong> para ser parte,<br />

com o autor ou com o réu. Representando o nascituro, po<strong>de</strong> a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento<br />

com vida investe o infante da titularida<strong>de</strong> da pretensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> material, até então apenas uma expectativa<br />

resguardada.”<br />

7 BITTAR, Carlos Alberto ( C o o r d O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> família e a Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 41.


Direitos e Garantias Fundamentais 35<br />

sentido, citou previsão <strong>de</strong> aborto ético ou humanitário como causa exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ilici-<br />

tu<strong>de</strong> ou antijuridicida<strong>de</strong> no Código Penal, situação em que o legislador teria priorizado<br />

os <strong>direito</strong>s da mulher em <strong>de</strong>trimento dos do feto. Recordou que a proteção ao <strong>direito</strong> à<br />

vida comportaria diferentes gradações, consoante o que estabelecido na ADI 3510/DF”.1<br />

6 PRINCÍPIO DA IGUALDADE<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 adotou o princípio da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, prevendo<br />

a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aptidão, uma igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s virtuais, ou seja, todos os<br />

cidadãos têm o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios<br />

albergados pelo or<strong>de</strong>namento jurídico.12 Dessa forma, o que se veda são as diferenciações<br />

arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento <strong>de</strong>sigual dos casos <strong>de</strong>siguais,<br />

na medida em que se <strong>de</strong>sigualam, é exigência tradicional do próprio conceito <strong>de</strong> Justiça,<br />

pois o que realmente protege são certas finalida<strong>de</strong>s, somente se tendo por lesado o princípio<br />

<strong>constitucional</strong> quando o elemento discriminador não se encontra a serviço <strong>de</strong> uma<br />

finalida<strong>de</strong> acolhida pelo <strong>direito</strong>, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio<br />

Kon<strong>de</strong>r Comparato, que as chamadas liberda<strong>de</strong>s materiais têm por objetivo a igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio <strong>de</strong> leis, mas também pela<br />

aplicação <strong>de</strong> políticas ou programas <strong>de</strong> ação estatal.3<br />

A igualda<strong>de</strong> se configura como uma eficácia transcen<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> modo que toda situação<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> persistente à entrada em vigor da norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ve ser<br />

consi<strong>de</strong>rada não recepcionada, se não <strong>de</strong>monstrar compatibilida<strong>de</strong> com os valores que a<br />

Constituição, como norma suprema, proclama.<br />

O princípio da igualda<strong>de</strong> consagrado pela constituição opera em dois planos distintos.<br />

De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente,<br />

<strong>de</strong> leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos<br />

abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro<br />

plano, na obrigatorieda<strong>de</strong> ao intérprete, basicamente, a autorida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> aplicar a<br />

lei e atos normativos <strong>de</strong> maneira igualitária, sem estabelecimento <strong>de</strong> diferenciações em<br />

razão <strong>de</strong> sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> na lei se produz quando a norma distingue <strong>de</strong> forma não razoável<br />

ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações<br />

normativas possam ser consi<strong>de</strong>radas não discriminatórias, torna-se indispensável que<br />

exista uma justificativa objetiva e razoável, <strong>de</strong> acordo com critérios e juízos valorativos<br />

genericamente aceitos, cuja exigência <strong>de</strong>ve aplicar-se em relação à finalida<strong>de</strong> e efeitos da<br />

medida consi<strong>de</strong>rada, <strong>de</strong>vendo estar presente por isso uma razoável relação <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong><br />

entre os meios empregados e a finalida<strong>de</strong> perseguida, sempre em conformida<strong>de</strong><br />

com os <strong>direito</strong>s e garantias <strong>constitucional</strong>mente protegidos.<br />

1 STF - P le n o -A D P F 54/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: l i e 12-4-2012, Informativo STFnü 661.<br />

2 Sobre o princípio da igualda<strong>de</strong> no <strong>direito</strong> tributário, ver MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito <strong>constitucional</strong><br />

interpretado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 154-172.<br />

3 COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 59.


36 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral quando verificada a existência <strong>de</strong> uma finalida<strong>de</strong> razoavelmente proporcional ao<br />

fim visado.1<br />

Importante, igualmente, apontar a tríplice finalida<strong>de</strong> limitadora do princípio da<br />

igualda<strong>de</strong> - limitação ao legislador, ao intérprete/autorida<strong>de</strong> pública e ao particular.12 O<br />

legislador, no exercício <strong>de</strong> sua função <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> edição normativa, não po<strong>de</strong>rá<br />

afastar-se do princípio da igualda<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Assim,<br />

normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalida<strong>de</strong> lícita,<br />

serão incompatíveis com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O intérprete/autorida<strong>de</strong> pública não po<strong>de</strong>rá aplicar as leis e atos normativos aos<br />

casos concretos <strong>de</strong> forma a criar ou aumentar <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s arbitrárias. Ressalte-se<br />

que, em especial o Po<strong>de</strong>r Judiciário, no exercício <strong>de</strong> sua função jurisdicional <strong>de</strong> dizer o<br />

<strong>direito</strong> ao caso concreto, <strong>de</strong>verá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido <strong>de</strong> dar<br />

uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas. Nesse sentido a intenção do<br />

legislador constituinte ao prever o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

(uniformização na interpretação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) e o recurso esp>ecial ao Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça (uniformização na interpretação da legislação fe<strong>de</strong>ral). Além disso,<br />

sempre em resp>eito ao princípio da igualda<strong>de</strong>, a legislação processual <strong>de</strong>verá estabelecer<br />

mecanismos <strong>de</strong> uniformização <strong>de</strong> jurisprudência a todos os Tribunais.<br />

Finalmente, o particular não po<strong>de</strong>rá pautar-se por condutas discriminatórias, preconceituosas<br />

ou racistas, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil e penal, nos termos da legislação<br />

em vigor.<br />

Sobre o princípio da igualda<strong>de</strong>, indispensável recordarmos a lição <strong>de</strong> San Tiago<br />

Dantas:<br />

“Quanto mais progri<strong>de</strong>m e se organizam as coletivida<strong>de</strong>s, maior é o grau <strong>de</strong> diferenciação<br />

a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo<br />

comando todos os indivíduos, quase sempre aten<strong>de</strong> a diferenças <strong>de</strong> sexo, <strong>de</strong> profissão,<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> situação econômica, <strong>de</strong> posição jurídica, <strong>de</strong> <strong>direito</strong> anterior;<br />

raramente regula do mesmo modo a situação <strong>de</strong> todos os bens, quase sempre se<br />

distingue conforme a natureza, a utilida<strong>de</strong>, a rarida<strong>de</strong>, a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> valia que<br />

ofereceu a todos; raramente qualifica <strong>de</strong> um modo único as múltiplas ocorrências<br />

<strong>de</strong> um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que<br />

se produzem, ou conforme a repercussão que têm no interesse geral. Todas essas<br />

situações, inspiradas no agrupamentonatural e racional dos indivíduos e dos fatos,<br />

são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o princípio da igualda<strong>de</strong>. Servem,<br />

porém, para indicar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma construção teórica, que permita<br />

1 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Princípio da isonomia: <strong>de</strong>sequiparações proibidas e permitidas. Revista<br />

Trimestral <strong>de</strong> Direito Público, np 1, p. 79.<br />

2 STF - Pleno - M I n“ 58/DF - Rei. p/Acórdão Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 19 abr. 1991,<br />

p. 4.580.


D ireitos e G aran tias Fundam en tais 37<br />

distinguir as leis arbitrárias das leis conform e o <strong>direito</strong>, e eleve até esta alta triagem<br />

a tarefa do ó rgão do Po<strong>de</strong>r Judiciário.”1<br />

É esta a direção interpretativa d o princípio d a igualda<strong>de</strong> n a doutrina12 e na ju risp ru ­<br />

dência do Suprem o T ribunal F e<strong>de</strong>ral.3<br />

6.1 Princípio da igualda<strong>de</strong> e limitação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em concurso público<br />

A proibição genérica <strong>de</strong> acesso a <strong>de</strong>term inadas carreiras públicas, tão som ente em<br />

razão d a ida<strong>de</strong> do candidato, consiste em flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, um a vez qu e não<br />

se encontra direcionada a u m a finalida<strong>de</strong> acolhida pelo <strong>direito</strong>, tratando-se <strong>de</strong> discrim i­<br />

nação abusiva, em virtu<strong>de</strong> da vedação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> critério <strong>de</strong> adm issão<br />

p o r m otivo <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> (CF, art. 7a, XXX), que consiste em corolário, n a esfera das relações<br />

d o trabalho, d o princípio fun dam en tal d a igualda<strong>de</strong> (CF, art. 5a, caput), que se enten<strong>de</strong>,<br />

a falta <strong>de</strong> exclusão <strong>constitucional</strong> inequívoca, com o ocorre em relação aos m ilitares (CF,<br />

art. 42, § I a), a todo o sistema <strong>de</strong> pessoal civil.4<br />

É certo que ficarão ressalvadas, p o r satisfazer a um a finalida<strong>de</strong> acolhida pelo <strong>direito</strong>,<br />

um a vez exam inada à luz d a teleologia que inform a o princípio d a igu alda<strong>de</strong>, as hipóteses<br />

em qu e a lim itação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> se possa legitim ar com o im posição <strong>de</strong> natureza e das atribuições<br />

d o cargo a preencher.5<br />

Nesses term os, o STF editou a S úm ula 683:<br />

1 DANTAS, F. C San Tiago. Igualda<strong>de</strong> perante a lei e due process oflaw: contribuição ao estudo da limitação<br />

<strong>constitucional</strong> do Po<strong>de</strong>r Legislativo. Revista Forense, v. 116, p. 357-367, Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1948.<br />

2 BIANCHINI, Alice. A igualda<strong>de</strong> formal e material. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, São<br />

Paulo: Revista dos Tribunais, ano 5, na 17, p. 202, out./<strong>de</strong>z. 1996; CASTRO, Carlos Roberto <strong>de</strong> Siqueira. O<br />

princípio da isonomia e as classificações legislativas. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

ano 16, ns 64, p. 89, out./<strong>de</strong>z. 1979; CUNHA, Elke Men<strong>de</strong>s; FRISONI, Vera Bolcioni. Igualda<strong>de</strong>: extensão<br />

<strong>constitucional</strong>. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 4,<br />

ne 16, p. 248, jul./set. 1996; GOMES, Joaquim R Barbosa. Discriminação racial e princípio <strong>constitucional</strong> da<br />

igualda<strong>de</strong>. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, ano 36, n° 142, p. 307, abr./jun. 1999;<br />

MELO, Mônica <strong>de</strong>. O princípio da igualda<strong>de</strong> à luz das ações afirmativas: o enfoque da discriminação positiva.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e CiênciaPolítica, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 6, n° 25, p. 79, out./<br />

<strong>de</strong>z. 1998.; PIOVESAN, Flávia; PIOVESAN, Luciana; SATO, Priscila Kei. Implementação do <strong>direito</strong> à igualda<strong>de</strong>.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 7, na 28, p. 82, jul./<br />

set. 1999; DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil mo<strong>de</strong>rno. 2. ed. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1987. p. 140.<br />

3 STF, 2aT., RE 120.305-6, ReL Min. Marco Aurélio, DOU 110,9-6-1995, p. 17.236; STF - Pleno - ADI 3330/<br />

DF - Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 3-5-2012; STF, RE 597285/RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão:<br />

9-5-2012 (os dois últimos referentes ao Princípio da Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> ação<br />

afirmativa e reserva <strong>de</strong> vagas em universida<strong>de</strong>s públicas).<br />

4 STF - Pleno - Rextr na 141.864-8/RS, ReL Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 23 mar. 1995, p.<br />

6.721; STF - Pleno - Rextr nQ157.863-7/DF, ReL Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,1 out. 1993 -<br />

Ementário nQ1.719-5; STF - Rextr. n° 148.065-3-RS, ReL Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, 21 set. 1995, p.<br />

30.415; STJ - RMS ne 1.086, I a T., ReL Min. Garcia Vieira, Diário da Justiça, 9 mar. 1992 - ST 38/115.<br />

5 STF - Pleno - RMS nQ21.046, ReL Min. Sepúlveda Pertence. Nomesmo sentido: R T J157/718; STF-Pleno -<br />

ADI n° 3774/CRR - medida cautelar - ReL Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 26-10-2006. Informativo STF n° 446.


38 Direito Constitucional • Moraes<br />

“O limite <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> para a inscrição em concurso público só se legitima em face<br />

do art. 7a, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das<br />

atribuições do cargo a ser preenchido.”<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong>u incabível a fixação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> máxima (45<br />

anos) como requisito para o ingresso na Magistratura, uma vez que não se justifica pela<br />

natureza das atribuições do cargo <strong>de</strong> magistrado, cujo texto <strong>constitucional</strong> permite - na<br />

hipótese do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e dos Tribunais Superiores - o acesso até 65 anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.1<br />

6.2 Tratamento isonômico entre homens e mulheres (art. 5°, I)<br />

Afirma o art. 5a, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que homens e mulheres são iguais em <strong>direito</strong>s<br />

e obrigações, nos termos <strong>de</strong>sta Constituição.<br />

A correta interpretação <strong>de</strong>sse dispositivo torna inaceitável a utilização do discrímen<br />

sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito <strong>de</strong> <strong>de</strong>snivelar materialmente o<br />

homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalida<strong>de</strong> pretendida for atenuar os<br />

<strong>de</strong>sníveis. Consequentemente, além <strong>de</strong> tratamentos diferenciados entre homens e mulheres<br />

previstos pela própria constituição (arts. 7a, XVIII e XIX; 40, § Ia; 143, §§ Ia e 2a; 201, §<br />

7a) , po<strong>de</strong>rá a legislação inffa<strong>constitucional</strong> preten<strong>de</strong>r atenuar os <strong>de</strong>sníveis <strong>de</strong> tratamento<br />

em razão do sexo.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em <strong>de</strong>fesa da efetiva igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres,<br />

reconheceu como cláusula pétrea a previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> licença à gestante (art 7a,<br />

XVIII), afirmando que qualquer alteração, mesmo por meio <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> (na<br />

hipótese, a EC na 20/98), “a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em<br />

matéria social-previ<strong>de</strong>nciária, que não se po<strong>de</strong> presumir <strong>de</strong>sejado”, uma vez que po<strong>de</strong>rá<br />

propiciar “a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença<br />

<strong>de</strong> salários, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> critérios <strong>de</strong> admissão, por motivo <strong>de</strong> sexo (art.<br />

7a, inc. XXX, da CF/88), proibição, que, em substância, é um <strong>de</strong>sdobramento do princípio<br />

da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, entre homens e mulheres”.12<br />

Conforme ressaltado pelo STF, “a imposição <strong>de</strong> discrímen <strong>de</strong> gênero para fins <strong>de</strong> participação<br />

em concurso público somente é compatível com a Constituição nos excepcionais<br />

casos em que <strong>de</strong>monstradas a fundamentação proporcional e a legalida<strong>de</strong> da imposição,<br />

sob pena <strong>de</strong> ofensa ao princípio da isonomia”.3<br />

1 C N J- Plenário - P C A n s 347 - R e i. Cons. Ruth Carvalho, <strong>de</strong>cisão: 28-11-2006.<br />

2 STF - P le n o -A D I 1946/DF - Rei. Min. S ydneySanches.D idrioda Justiça, S eçã o1 ,1 6 m a io 2003, p. 90.<br />

3 STF, 2a T „ RE 528684/MS, Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, 3-9-2013.


Direitos e Garantias Fundamentais 3 9<br />

6 .2 .1 C rité rio s d e adm issão para co n cu rso público<br />

A interpretação jurispru<strong>de</strong>ncial direciona no sentido da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

diferença <strong>de</strong> critério <strong>de</strong> admissão consi<strong>de</strong>rado o sexo (art. 5a, inciso I, e § 3a do art. 39<br />

da Carta Fe<strong>de</strong>ral), permitindo-se exceções tendo em vista a or<strong>de</strong>m socio<strong>constitucional</strong>.1<br />

6 .2 .2 C rité rio s para adm issão <strong>de</strong> em prego<br />

A Lei na 9.029, <strong>de</strong> 13-4-1995, proíbe a exigência <strong>de</strong> atestados <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z e esterilização,<br />

e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou <strong>de</strong> permanência<br />

<strong>de</strong> relação jurídica <strong>de</strong> trabalho. Igualmente, fica proibida a adoção <strong>de</strong> qualquer prática<br />

discriminatória e limitativa para efeito <strong>de</strong> acesso a relação <strong>de</strong> emprego, ou sua manutenção,<br />

por motivo <strong>de</strong> sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou ida<strong>de</strong>,<br />

ressalvadas, neste caso, as hipóteses <strong>de</strong> proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do<br />

art. 7- da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, constituindo crime a exigência <strong>de</strong> teste, exame, perícia,<br />

laudo, atestado, <strong>de</strong>claração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou<br />

a estado <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z; a adoção <strong>de</strong> quaisquer medidas, <strong>de</strong> iniciativa do empregador, que<br />

configurem indução ou instigamento à esterilização genética; promoção do controle <strong>de</strong><br />

natalida<strong>de</strong>, assim não consi<strong>de</strong>rado o oferecimento <strong>de</strong> serviços e <strong>de</strong> aconselhamento ou<br />

planejamento familiar, realizados através <strong>de</strong> instituições públicas ou privadas, submetidas<br />

às normas do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> - SUS.<br />

6.2.3 Constitu cio n a lid a d e da prerrogativa do foro em favor da m u lh er e<br />

sua a p lica çã o tanto para a ação <strong>de</strong> sep a ra çã o ju d icia l quanto para a<br />

<strong>de</strong> divórcio direto<br />

A Constituição anterior, em seu art. 153, § I a, também já vedava qualquer tipo <strong>de</strong><br />

distinção entre as pessoas; o que a vigente Constituição fez foi apenas e tão somente reforçar<br />

a igualda<strong>de</strong> do tratamento que pessoas <strong>de</strong> sexos diferentes <strong>de</strong>vem receber. Assim,<br />

inexiste diferença entre os dois dispositivos. Ambos expressam o mesmo princípio, <strong>de</strong><br />

forma diversa. Tanto faz dizer todos são iguais perante a lei, sem distinção <strong>de</strong> sexo, quanto<br />

todos são iguais perante a lei sem distinção <strong>de</strong> qualquer natureza, <strong>de</strong>stacando-se que homens<br />

e mulheres são iguais em <strong>direito</strong>s e obrigações. A gran<strong>de</strong> importância da inovação foi impedir<br />

interpretações tradicionalmente prejudiciais às mulheres, reforçando sua igualda<strong>de</strong><br />

perante os homens e conce<strong>de</strong>ndo verda<strong>de</strong>ira e real efetivida<strong>de</strong> ao princípio <strong>constitucional</strong>.<br />

O princípio da isonomia não po<strong>de</strong> ser entendido em termos absolutos; o tratamento<br />

diferenciado é admissível e se explica do ponto <strong>de</strong> vista histórico, também consi<strong>de</strong>rado<br />

pelo constituinte <strong>de</strong> 1988, já que a mulher foi, até muito pouco tempo, extremamente<br />

discriminada. O que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas.<br />

Além disso, a visão instrumentalista do processo, preocupação dos mo<strong>de</strong>rnos estudiosos<br />

1 STF, 2a T „ RE 523737 AgR/M T, rei. Min. Ellen Gracie, julgam ento, 22-6-2010; STF, I a T „ RMS 28032/DF,<br />

Rei. Min. Cármen Lúcia, Julgamento: 23-3-2010; STF, 2a Turma, RE 120.305-6, Rei. Min. Marco Aurélio, Diário<br />

da Justiça, S eçã oI,9 ju n . 1995, p. 17.236.


40 Direito Constitucional • Moraes<br />

do <strong>direito</strong> processual,1reestuda os institutos básicos do <strong>direito</strong> processual (jurisdição,<br />

ação, <strong>de</strong>fesa, a relação jurídico-processual e o procedimento), para <strong>de</strong>monstrar que a<br />

ciência processual, em que pese sua autonomia em relação ao <strong>direito</strong> material, <strong>de</strong>ve ser<br />

encarada como um instrumento daquele mesmo <strong>direito</strong> material e, assim, o procedimento,<br />

que integra o conceito do processo, <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r a essa visão teleológica. Daí o legislador<br />

prever, como no caso, regra específica <strong>de</strong> competência, para corrigir um <strong>de</strong>feito histórico<br />

<strong>de</strong> opressão do homem sobre a mulher, permitindo a esta <strong>de</strong>mandar em seu foro, pois,<br />

como salientado por Dinamarco,<br />

“técnica do <strong>direito</strong> processual, foro significa território; é palavra <strong>de</strong> uso frequente<br />

na teoria da competência. Na organização das justiças locais brasileiras, foro vem<br />

a ser, afinal <strong>de</strong> contas, o mesmo que comarca (município ou pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> municípios<br />

contíguos), que estão sujeitos à competência <strong>de</strong> um ou vários juizes <strong>de</strong><br />

primeiro grau”.12<br />

Dessa forma, em face das condições socioculturais, enten<strong>de</strong>mos que o foro em favor<br />

da mulher, tanto na separação judicial, quanto no divórcio, não fere o texto <strong>constitucional</strong>,<br />

uma vez que está respeitado o binômio elemento discriminador (sexo) - finalida<strong>de</strong><br />

(equilibrar o contraditório em juízo).3<br />

Como ressaltado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o art. 100,1, do CPC não afronta o<br />

princípio da igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres, tampouco a isonomia entre os cônjuges<br />

(CF, art. 226, § 5 a) ”, uma vez que “a Constituição seria marco histórico no processo <strong>de</strong><br />

proteção <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias individuais e, por extensão, dos <strong>direito</strong>s das mulheres”.4<br />

AEC na 66, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010, em nada alterou essa situação, somente facilitando a<br />

realização do divórcio, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer lapso temporal da separação judicial.<br />

6.3 Princípio da igualda<strong>de</strong> em relação homoafetiva e entida<strong>de</strong> familiar<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u que o texto <strong>constitucional</strong> proíbe expressamente<br />

o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre homens e mulheres,<br />

afirmando a existência <strong>de</strong> isonomia entre os sexos, que se caracteriza pela garantia <strong>de</strong> “não<br />

sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica e<br />

<strong>de</strong> fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer uso da respectiva sexualida<strong>de</strong>; além <strong>de</strong>, nas situações <strong>de</strong> uso<br />

emparceirado da sexualida<strong>de</strong> fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo ou não”.<br />

1 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalida<strong>de</strong> do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.<br />

2 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos... Op. cit. p. 140.<br />

3 Observe-se, que o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça reconheceu a aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste dispositivo (STJ - 2a Seção<br />

- CC 20397/M A - Rei. Min. BarrosM onteiro, <strong>de</strong>cisão: 26-11-1997; S T J - 3 aT. -R esp. 7420/GO - Rei. Min.<br />

Nilson Naves, <strong>de</strong>cisão: 14-12-1993; STJ - 2a Seção - CC 3344/SP - Rei. Min. Athos Carneiro, <strong>de</strong>cisão: 28-10-<br />

1992), porém <strong>de</strong>clarou sua relativida<strong>de</strong> (STJ - 3a T. - Resp. 27483/SP - Rei. M in. W al<strong>de</strong>mar Zveiter, <strong>de</strong>cisão:<br />

4-3-1997 - RSTJ 95/195; STJ - 2a Seção - CC 16731/PR - Rei. Min. Nilson Naves, <strong>de</strong>cisão: 28-8-1996); bem<br />

como <strong>de</strong>terminou sua interpretação restritiva e, consequentemente, sua não aplicabilida<strong>de</strong> às ações <strong>de</strong> dissolução<br />

<strong>de</strong> união estável (S T J - 4 a T. - Resp. 32086/PR - Rei. Min. Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira, <strong>de</strong>cisão: 8-10-2002).<br />

4 STF - 2a T. - RE 227114/SP - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 22-11-2011.


Direitos e Garantias Fundamentais 4 1<br />

Dessa forma, em relação à união homoafetiva e entida<strong>de</strong> familiar, <strong>de</strong>stacou o Ministro<br />

Ayres Britto, que nada “obsta que a união <strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida<br />

como entida<strong>de</strong> familiar apta a merecer proteção estatal”, concluindo que <strong>de</strong>ve seguir “as<br />

mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva”, aplicando<br />

interpretação conforme o art. 1.723 do Código Civil “para <strong>de</strong>le excluir qualquer significado<br />

que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do<br />

mesmo sexo como entida<strong>de</strong> familiar, entendida esta como sinônimo <strong>de</strong> família”.1<br />

Conforme, ainda, afirmado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, há o “<strong>direito</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

pessoa <strong>de</strong> constituir família, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua orientação sexual”, tratando-se,<br />

portanto, <strong>de</strong> “norma <strong>de</strong> inclusão” para “proteção das minorias”.12<br />

No mesmo sentido, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça reconheceu a “parceria homoafetiva<br />

como uma das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> familiar”,3 para efeitos <strong>de</strong> partilha, tendo,<br />

inclusive, afirmando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casamento <strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo, afirmando<br />

que “diferentemente das constituições pretéritas, a concepção <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> casamento<br />

<strong>de</strong>ve ser plural, porque plurais são as famílias; a<strong>de</strong>mais, não é o casamento o <strong>de</strong>stinatário<br />

final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário <strong>de</strong> um propósito maior, qual seja,<br />

a proteção a pessoa humana em sua dignida<strong>de</strong>”.4<br />

7 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE5<br />

O art. 5Q, n, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, preceitua que ninguém será obrigado a fazer<br />

ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei. Tal princípio visa combater o<br />

po<strong>de</strong>r arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas <strong>de</strong>vidamente elaboradas<br />

conforme as regras <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong> po<strong>de</strong>m-se criar obrigações para<br />

o indivíduo, pois são expressão da vonta<strong>de</strong> geral. Com o primado soberano da lei, cessa<br />

o privilégio da vonta<strong>de</strong> caprichosa do <strong>de</strong>tentor do po<strong>de</strong>r em benefício da lei. Conforme<br />

salientam Celso Bastos e Ives Gandra Martins, no fundo, portanto, o princípio da legalida<strong>de</strong><br />

mais se aproxima <strong>de</strong> uma garantia <strong>constitucional</strong> do que <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> individual, já que<br />

ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa<br />

<strong>de</strong> repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei, pois<br />

como já afirmava Aristóteles, “a paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a<br />

inteligência sem paixão - eis a lei”.6<br />

1 STF - Pleno - ADI 4277/DF e ADPF132/RJ, ReL Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão 4 e 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011.<br />

2 STF - RE477554/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJe 3-8-2011.<br />

3 STJ-2- Seção-Res 1085646/RS-Rei. Min. NancyAndrighi, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2011.<br />

4 STJ - 4a T. - Resp 1183378/RS - Rei. Min. Luis Felipe Salomão, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2011. Conferir,<br />

ainda: STJ - 3â T. - Resp 633 713/SP - Rei. Min. Vasco Delia Giustina (Desembargador convocado<br />

do TJ-RS), <strong>de</strong>cisão: 16-12-2010.<br />

5 A L e in s 12.080, d e 29-10-2009, instituiu o Dia da Legalida<strong>de</strong> n o calendário oficial brasileiro, a se r com em o­<br />

rado, anualmente, no dia 25 <strong>de</strong> agosto.<br />

6 ARISTÓTELES. Política. 4. ed. [s.l.]: Laboulange, s.d. Livro m , Capítulo XI.


4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como ressaltado por Garcia <strong>de</strong> Enterría, “quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio<br />

da legalida<strong>de</strong> remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo<br />

(.dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas<br />

somente aqueles que se produzem ‘<strong>de</strong>ntro da Constituição’ e especialmente <strong>de</strong> acordo com<br />

sua ‘or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> valores’ que, com toda explicitu<strong>de</strong>, expressem e, principalmente, que não<br />

atentem, mas que pelo contrário sirvam aos <strong>direito</strong>s fundamentais”.1<br />

Importante salientarmos as razões pelas quais, em <strong>de</strong>fesa do princípio da legalida<strong>de</strong>,<br />

o Parlamento historicamente <strong>de</strong>tém o monopólio da ativida<strong>de</strong> legislativa,12 <strong>de</strong> maneira a<br />

assegurar o primado da lei como fonte máxima do <strong>direito</strong>:3<br />

• trata-se da se<strong>de</strong> institucional dos <strong>de</strong>bates políticos;<br />

• configura-se em uma caixa <strong>de</strong> ressonância para efeito <strong>de</strong> informação e mobilização<br />

da opinião pública;<br />

• é o órgão que, em tese, <strong>de</strong>vido a sua composição heterogênea e a seu processo<br />

<strong>de</strong> funcionamento, torna a lei não uma mera expressão dos sentimentos<br />

dominantes em <strong>de</strong>terminado setor social, mas a vonta<strong>de</strong> resultante da síntese<br />

<strong>de</strong> posições antagônicas e pluralistas da socieda<strong>de</strong>.<br />

7.1 Princípios da legalida<strong>de</strong> e da reserva legal<br />

O princípio da legalida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> abrangência mais ampla do que o princípio da reserva<br />

legal. Por ele fica certo que qualquer comando jurídico impondo comportamentos forçados<br />

há <strong>de</strong> provir <strong>de</strong> uma das espécies normativas <strong>de</strong>vidamente elaboradas conforme as regras<br />

<strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong>. Por outro lado, encontramos o princípio da reserva<br />

legal. Este opera <strong>de</strong> maneira mais restrita e diversa. Ele não é genérico e abstrato, mas<br />

concreto. Ele inci<strong>de</strong> tão somente sobre os campos materiais especificados pela Constituição.<br />

Se todos os comportamentos humanos estão sujeitos ao princípio da legalida<strong>de</strong>, somente<br />

alguns estão submetidos ao da reserva da lei. Este é, portanto, <strong>de</strong> menor abrangência, mas<br />

<strong>de</strong> maior <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> ou conteúdo, visto exigir o tratamento <strong>de</strong> matéria exclusivamente pelo<br />

Legislativo, sem participação normativa do Executivo.<br />

Dessa maneira, o princípio da legalida<strong>de</strong> é mais amplo, constituindo verda<strong>de</strong>ira regra<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conduta individual em um Estado <strong>de</strong> Direito, direcionada diretamente ao<br />

particular em face do po<strong>de</strong>r público; enquanto o princípio da reserva legal é mais restrito,<br />

sendo regra <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> competência aos entes estatais.<br />

José Afonso da Silva ensina que a doutrina não raro confun<strong>de</strong> ou não distingue suficientemente<br />

o princípio da legalida<strong>de</strong> e o da reserva legal. O primeiro significa a submissão<br />

e o respeito à lei, ou a atuação <strong>de</strong>ntro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo<br />

1 G ARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. Princípio da legalida<strong>de</strong> na constituição espanhola. Revista <strong>de</strong> Direito<br />

Público, n2 86, p. 6.<br />

2 C f. a esse respeito: CORREIA, José M anuel Sérvulo. Legalida<strong>de</strong> e autonomia contratual nos contratos adm i­<br />

nistrativos. Coimbra: Alm edina, p. 33-55.<br />

3 BOBBIO, Norberto. O futuro da <strong>de</strong>mocracia: uma <strong>de</strong>fesa das regras d o jo g o . São Paulo: Paz e Terra Política,<br />

1986. p. 158.


Direitos e Garantias Fundamentais 43<br />

consiste em estatuir que a regulamentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas matérias há <strong>de</strong> fazer-se necessariamente<br />

por lei formal. Encontramos o princípio da reserva legal quando a Constituição<br />

reserva conteúdo específico, caso a caso, à lei. Por outro lado, encontramos o princípio<br />

da legalida<strong>de</strong> quando a Constituição outorga po<strong>de</strong>r amplo e geral sobre qualquer espécie<br />

<strong>de</strong> relação. Assim,<br />

“tem-se, pois, reserva <strong>de</strong> lei, quando uma norma <strong>constitucional</strong> atribui <strong>de</strong>terminada<br />

matéria exclusivamente à lei formal (ou a atos equiparados, na interpretação<br />

firmada na praxe), subtraindo-a, com isso, à disciplina <strong>de</strong> outras fontes, àquela<br />

subordinada”.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece essa reserva <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong> modo absoluto ou relativo.<br />

Assim, temos a reserva legal absoluta quando a norma <strong>constitucional</strong> exige para sua<br />

integral regulamentação a edição <strong>de</strong> lei formal, entendida como ato normativo emanado<br />

do Congresso Nacional elaborado <strong>de</strong> acordo com o <strong>de</strong>vido processo legislativo <strong>constitucional</strong>.<br />

Por outro lado, temos a reserva legal relativa quando a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, apesar <strong>de</strong><br />

exigir edição <strong>de</strong> lei formal, permite que esta fixe tão somente parâmetros <strong>de</strong> atuação para<br />

o órgão administrativo, que po<strong>de</strong>rá complementá-la por ato infralegai, sempre, porém,<br />

respeitados os limites ou requisitos estabelecidos pela legislação.12<br />

Como salienta Canotilho,<br />

“quanto a certas matérias, a Constituição preferiu a lei como meio <strong>de</strong> actuação das<br />

disposições constitucionais, mas não proibiu a intervenção <strong>de</strong> outros actos legislativos,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a lei formal isso mesmo autorize e estabeleça, previamente, os<br />

princípios e objecto <strong>de</strong> regulamentação das matérias (reserva relativa)’’.3<br />

As hipóteses <strong>de</strong> reserva legal relativa são estabelecidas diretamente pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que permitirá, excepcionalmente, a complementação da legislação por atos<br />

normativos infraconstitucionais,4 pois em caso contrário, como salienta Canotilho, “a<br />

lei <strong>de</strong>ve estabelecer ela mesmo o respectivo regime jurídico, não po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>clinar a sua<br />

competência normativa a favor <strong>de</strong> outras fontes (proibição da incompetência negativa do<br />

legislador)”.5<br />

Saliente-se, ainda, que o texto <strong>constitucional</strong>, apesar <strong>de</strong> reservar a primazia, não<br />

conce<strong>de</strong> o monopólio da função normativa ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, e estabelece outras fontes<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 368.<br />

2 José Afonso da Silva classifica essas hipóteses do ponto <strong>de</strong> vista do vinculo imposto ao legislador (.Curso... Op.<br />

cit. p. 424).<br />

3 CANOTILH O , J. J. Gomes. Direito <strong>constitucional</strong> e teoria da constituição. 2. ed. Coimbra: Alm edina, 1998.<br />

p. 635.<br />

4 Como salientado p or Nuno Piçarra, é essencial na separação dos po<strong>de</strong>res que se evite a excessiva <strong>de</strong>legação<br />

legislativa ao órgão execu tivo (Cf. A separação dos po<strong>de</strong>res como doutrina e princípio <strong>constitucional</strong>. Coimbra:<br />

Coimbra, 1989. p. 71).<br />

5 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... O p. cit. p. 635.


4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

normativas primárias, tanto no Executivo (medidas provisórias, <strong>de</strong>cretos autônomos),1<br />

quanto no Judiciário (po<strong>de</strong>r normativo primário do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça).12<br />

8 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA TORTURA (ART. 5°, III E X L III)<br />

O art. 52da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que ninguém será submetido a tortura nem<br />

a tratamento <strong>de</strong>sumano ou <strong>de</strong>gradante (inc. III); bem como que a lei consi<strong>de</strong>rará crimes<br />

inafiançáveis e insuscetíveis <strong>de</strong> graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito <strong>de</strong><br />

entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os <strong>de</strong>finidos como crimes hediondos, por eles<br />

respon<strong>de</strong>ndo os mandantes, os executores e os que, po<strong>de</strong>ndo evitá-los, se omitirem. O art.<br />

5a, XLIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é uma norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, pois<br />

necessita da atuação do legislador infra<strong>constitucional</strong> para que sua eficácia se produza.<br />

Assim, quanto à inafiançabilida<strong>de</strong> e insuscetibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> graça ou anistia foi editada a lei<br />

dos crimes hediondos,3 porém, no tocante à <strong>de</strong>finição do crime <strong>de</strong> terrorismo e tortura,<br />

foi, ainda, necessária a edição <strong>de</strong> lei infra<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> competência da União (art.<br />

22,1, da CF), tipificando-os, em razão do próprio preceito <strong>constitucional</strong> do art. 5a, XXXIX.<br />

Questão controvertida, <strong>de</strong>cidida pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>rou por<br />

maioria <strong>de</strong> votos (6 x 5), que já existe lei tipificando o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> tortura, quando praticado<br />

contra criança ou adolescente, ao analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 233 do Estatuto<br />

da Criança e do Adolescente.4<br />

A controvérsia, porém, foi solucionada pelo legislador que, ao editar a Lei na 9.455, <strong>de</strong><br />

7-4-1997, <strong>de</strong>finiu os crimes <strong>de</strong> tortura (art. I a) e, expressamente em seu art. 4a, revogou<br />

o art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei na 8.069/90).<br />

Assim, o crime <strong>de</strong> tortura exige o constranger alguém com emprego <strong>de</strong> violência ou<br />

grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental.5<br />

Em nova importante <strong>de</strong>cisão sobre o tratamento <strong>constitucional</strong> da tortura, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral analisou a valida<strong>de</strong> da “Lei <strong>de</strong> Anistia”, tendo <strong>de</strong>cidido pelo “caráter<br />

bilateral da anistia, ampla e geral”, on<strong>de</strong> afirmou “o argumento <strong>de</strong>scolado da dignida<strong>de</strong><br />

da pessoa humana para afirmar a invalida<strong>de</strong> da conexão criminal que aproveitaria aos<br />

agentes políticos que praticaram crimes comuns contra opositores políticos, presos ou<br />

1 S T F - A g R n 2 2.9 50/R J-R el. Min. M arco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 9fev. 2007, p. 16; S T F -P le n o<br />

- A D I n2 2.564/DF - Rei. Min. Ellen G ra<strong>de</strong>, Diário daJustiça, Seção I, 6 fev. 2004, p. 21.<br />

2 STF - P le n o - A D C n 2 12/DF - medida cautelar, Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 16-2-2006.<br />

3 Lei n“ 8.072/90.<br />

4 S T F -P le n o -H C n2 70.389-5/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; j. 23-7-94, v. u. “EMENTA: Tortura contra criança<br />

ou adolescente - Existência jurídica <strong>de</strong>sse crime no Direito Penal Positivo brasileiro-Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua repressão<br />

- Convenções internacionais subscritas pelo Brasil - Previsão Típica constante do Estatuto da Criança e do<br />

Adolescente (L ei n“ 8.069/90, art. 233) - Confirmação da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa norma <strong>de</strong> tipificação penal<br />

- Delito imputado a policiais militares - Infração penal que não se qualifica com o crime m ilitar - Competência<br />

da Justiça comum do Estado-membro - Pedido <strong>de</strong>ferido em parte.” Nesse sentido também: HC 74.332-RJ, Rei.<br />

Min. Néri da Silveira, 24 set. 96 - Informativo STF n2 47.<br />

5 Cf. MALHEIROS, Sylvia Helena Steiner. Princípio da reserva legal e o crime <strong>de</strong> tortura na legislação brasileira.<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Ciências Criminais, n2 13, p. 163, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.


Direitos e Garantias Fundamentais 4 5<br />

não, durante o regime militar, não prospera (...). A chamada Lei <strong>de</strong> anistia diz com uma<br />

conexão suigeneris, própria ao momento histórico da transição para a <strong>de</strong>mocracia. Ignora,<br />

no contexto da Lei ne 6.683/79, o sentido ou os sentidos correntes, na doutrina, da chamada<br />

conexão criminal; refere o que “se procurou”, segundo a inicial, vale dizer, esten<strong>de</strong>r<br />

a anistia criminal <strong>de</strong> natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão”,<br />

concluindo que, “A lei esten<strong>de</strong>u a conexão aos crimes praticados pelos agentes do Estado<br />

contra os que lutavam contra o Estado <strong>de</strong> exceção”, pois “a chamada Lei da anistia veicula<br />

uma <strong>de</strong>cisão política assumida naquele momento”.1<br />

9 LIBERDADE DE PENSAMENTO, DIREITO DE RESPOSTA E RESPONSABILIDADE<br />

POR DANO MATERIAL, MORAL OU À IMAGEM (ART. 5 °, IV E V )<br />

A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível <strong>constitucional</strong>, não aludindo<br />

a censura prévia em diversões e espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos<br />

no exercício in<strong>de</strong>vido da manifestação do pensamento são passíveis <strong>de</strong> exame e apreciação<br />

pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário com as consequentes responsabilida<strong>de</strong>s civil e penal <strong>de</strong> seus autores,12<br />

<strong>de</strong>correntes inclusive <strong>de</strong> publicações injuriosas na imprensa, que <strong>de</strong>ve exercer vigilância<br />

e controle da matéria que divulga.3 Atualmente, como ressalta Pinto Ferreira,<br />

“o Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o conteúdo essencial da manifestação da liberda<strong>de</strong>,<br />

que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização<br />

da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição <strong>de</strong> censura”.4<br />

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “por enten<strong>de</strong>r que o exercício dos <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais <strong>de</strong> reunião e <strong>de</strong> livre manifestação do pensamento <strong>de</strong>vem ser garantidos a<br />

todas as pessoas”, conce<strong>de</strong>u interpretação conforme ao art. 287 do CP, com efeito vincu-<br />

lante, “<strong>de</strong> forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da <strong>de</strong>fesa<br />

da legalização das drogas, ou <strong>de</strong> qualquer substância entorpecente específica, inclusive<br />

através <strong>de</strong> manifestações públicas e eventos públicos”, salientando, porém, que a <strong>de</strong>cisão<br />

não permite a “incitação, incentivo ou estímulo ao consumo <strong>de</strong> entorpecentes” na sua<br />

realização, bem como <strong>de</strong>terminando a não participação <strong>de</strong> crianças e adolescentes na<br />

<strong>de</strong>nominada “Marcha da Maconha”.5<br />

1 STF - P le n o -A D P F 153/D F-R el. Min. Eros Grau, DJe-145, <strong>de</strong> 5 agosto 2010. Conferir na análise dos votos<br />

o excelente estudo histórico das condições políticas e jurídicas do m om ento <strong>de</strong> transição <strong>de</strong>mocrática brasileira.<br />

2 R F 176/147.<br />

3 Em garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou concentradam ente a não<br />

recepção da Lei <strong>de</strong> Imprensa (L e i na 5.250/67). Conferir: STF - Plen o - ADPF 130/DF, rei. Min. Carlos Britto,<br />

30.4.2009, Informativo STF ne 544.<br />

4 FERREIRA, Pinto. Comentários ... Op. cit. v. 1, p. 68.<br />

5 Conferir ADPF 187/DF,Rel. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011. Nom esm osen tido: STF - Pleno - ADI<br />

427/DF - R e i. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 23-11-2011. Conferir, ainda: STF - Pleno - AC 2965/MC - Rei. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 25-11-2010.


4 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

A partir da EC n° 45/04 (“por questões <strong>de</strong> política judiciária”), as ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização,<br />

inclusive por dano moral, com base em aci<strong>de</strong>nte do trabalho, propostas por empregado<br />

contra empregador, são da competência da justiça do trabalho, pois, conforme enten<strong>de</strong>u<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o <strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização em caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho,<br />

quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no art. 7a da CF como<br />

autêntico <strong>direito</strong> trabalhista, cuja tutela, <strong>de</strong>ve ser, por isso, da justiça especial”.1<br />

Em relação à comunicação social e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação, conferir item 4.1, no<br />

Capítulo 15.<br />

10 LIBERDADE DE CO N SCIÊNCIA, CREN ÇA RELIG IO SA, CONVICÇÃO FILO SÓ FICA<br />

OU POLÍTICA E ESCU SA DE CO N SCIÊNCIA (ART. 5°, VI E V III)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que ninguém será privado <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s por motivo <strong>de</strong><br />

crença religiosa ou <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se<br />

<strong>de</strong> obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada<br />

em lei,12 pois<br />

“a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência constitui o núcleo básico <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>rivam as <strong>de</strong>mais<br />

liberda<strong>de</strong>s do pensamento. É nela que resi<strong>de</strong> o fundamento <strong>de</strong> toda a ativida<strong>de</strong> político-partidária,<br />

cujo exercício regular não po<strong>de</strong> gerar restrição aos <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> seu<br />

titular”.3<br />

Igualmente, o art. 15, IV, da Carta Fe<strong>de</strong>ral, prevê que a recusa <strong>de</strong> cumprir obrigação<br />

a todos imposta ou prestação alternativa acarretará a perda dos <strong>direito</strong>s políticos.<br />

Dessa forma, dois são os requisitos para privação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença<br />

religiosa ou convicção filosófica ou política: não cumprimento <strong>de</strong> uma obrigação a todos<br />

imposta e <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> prestação alternativa, fixada em lei.<br />

O <strong>direito</strong> à escusa <strong>de</strong> consciência não está adstrito simplesmente ao serviço militar<br />

obrigatório, mas po<strong>de</strong> abranger quaisquer obrigações coletivas que conflitem com as<br />

crenças religiosas, convicções políticas ou filosóficas, como, por exemplo, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

alistamento eleitoral aos maiores <strong>de</strong> 18 anos e o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> voto aos maiores <strong>de</strong> 18 anos e<br />

menores <strong>de</strong> 70 anos (CF, art. 14, § I a, I e II), cujas prestações alternativas vêm estabelecidas<br />

nos arts. 7a e 8a do Código Eleitoral (justificação ou pagamento <strong>de</strong> multa pecuniária),4 e,<br />

ainda, à obrigatorieda<strong>de</strong> do Júri.<br />

1 STF - Plen o - CC 7204/ MG, Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 29-6-2005 - Informativo STF n° 394, p. 1.<br />

2 CF, art. 5», VIII.<br />

3 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 440.<br />

4 Cf. M IRANDA, Jorge. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 366. t.<br />

IV. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra:<br />

Coimbra Editora, 1993. p. 245; MENDES, Antonio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilida<strong>de</strong>s. São Paulo:<br />

Malheiros, 1994. p. 89.


Direitos e Garantias Fundamentais 4 7<br />

10.1 Liberda<strong>de</strong> religiosa e Estado laico ou leigo1<br />

A conquista <strong>constitucional</strong> da liberda<strong>de</strong> religiosa é verda<strong>de</strong>ira consagração <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um povo, pois, como salientado por Themistocles Brandão Cavalcanti, é ela<br />

verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>sdobramento da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento e manifestação.12<br />

A abrangência do preceito <strong>constitucional</strong> é ampla, pois sendo a religião o complexo<br />

<strong>de</strong> princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus,<br />

acaba por compreen<strong>de</strong>r a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. O constrangimento<br />

à pessoa humana <strong>de</strong> forma a renunciar sua fé representa o <strong>de</strong>srespeito à diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong> idéias, filosofias e a própria diversida<strong>de</strong> espiritual.<br />

A evocação à “proteção <strong>de</strong> Deus” no preâmbulo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral reforça a<br />

laicida<strong>de</strong> do Estado, afastando qualquer ingerência estatal arbitrária ou abusiva nas diversas<br />

religiões3 e garantindo tanto a ampla liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença e cultos religiosos, como<br />

tambémampla proteção jurídica aos agnósticos e ateus, que não po<strong>de</strong>rão sofrer quaisquer<br />

discriminações pelo fato <strong>de</strong> não professarem uma fé.<br />

Saliente-se que na história das constituições brasileiras nem sempre foi assim, pois<br />

a Constituição <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1824 consagrava a plena liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença, restringindo,<br />

porém, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto, pois <strong>de</strong>terminava em seu art. 5a que “a Religião<br />

Catholica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras<br />

Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso<br />

<strong>de</strong>stinadas, sem fórm a alguma exterior <strong>de</strong> Templo”. Porém, já na I a Constituição da<br />

República, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891, noart. 72, § 3a, foram consagradas as liberda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> crença e <strong>de</strong> culto, estabelecendo-se que “todos os indivíduos e confissões religiosas<br />

po<strong>de</strong>m exercer publica e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo<br />

bens, observadas as disposições do <strong>direito</strong> commum”. Tal previsão foi seguida por todas<br />

as nossas constituições.<br />

Assim, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao consagrar a inviolabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença religiosa, está<br />

também assegurando plena proteção à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto e a suas liturgias.4<br />

Salienta Canotilho que a quebra <strong>de</strong> unida<strong>de</strong> religiosa da cristanda<strong>de</strong> <strong>de</strong>u origem<br />

à aparição <strong>de</strong> minorias religiosas que <strong>de</strong>fendiam o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> cada um à verda<strong>de</strong>ira fé,<br />

concluindo que<br />

“esta <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> religiosa postulava, pelo menos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tolerância<br />

religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião<br />

oficial. Por este facto, alguns autores, como G. Jellinek, vão mesmo ao ponto <strong>de</strong> ver<br />

na luta pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião a verda<strong>de</strong>ira origem dos <strong>direito</strong>s fundamentais.<br />

Parece, porém, que se tratava mais da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tolerância religiosa para credos<br />

1 Sobre a relação entre o Estado e a Igreja Católica, conferir FINOCCHIARO, Francesco. II fenom eno religioso.<br />

1 rapportitràS tato e Chiesa cattolica. I culti non cattolici. Manuale didirittopubblico. Bolonha: IlM olin o, 1994.<br />

p. 943-964.<br />

2 Princípios gerais <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. 3. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Borsoi, 1966. p. 253.<br />

3 STF - Pleno - ADPF 54/DF, Rei. M in. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 11 e 12-4-2012, Informativo STF n“ 661.<br />

4 STJ - 6‘ T. - HC n° 1.498/RJ - Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção 1 ,16 ago. 1993,<br />

p. 15.994.


4 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

diferentes do que propriamente da concepção da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> religião e crença,<br />

como <strong>direito</strong> inalienável do homem, tal como veio a ser proclamado nos mo<strong>de</strong>rnos<br />

documentos constitucionais”.1<br />

Ressalte-se que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convicção religiosa abrange inclusive o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não<br />

acreditar ou professar nenhuma fé, <strong>de</strong>vendo o Estado respeito ao ateísmo.12<br />

10.2 Escusa <strong>de</strong> consciência e serviço militar obrigatório<br />

O art. 143 da Lei Magna prevê que o serviço militar é obrigatório nos termos da lei<br />

(Lei na 4.375, <strong>de</strong> 17-8-1964, regulamentada pelo Decreto na 57.654, <strong>de</strong> 20-1-1966),<br />

competindo às Forças Armadas, na forma da lei, atribuir serviços alternativos aos que,<br />

em tempo <strong>de</strong> paz, após alistados, alegarem imperativo <strong>de</strong> consciência, enten<strong>de</strong>ndo-se<br />

como tal o <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> crença religiosa e <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, para se<br />

eximirem <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter essencialmente militar. A L ei na 8.239, <strong>de</strong> 4-10-1991,<br />

com alterações da L e in a 12.608, <strong>de</strong> 2012, regulamentando o art. 143, §§ I a e 2a, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, dispõe sobre a prestação <strong>de</strong> serviço alternativo ao serviço militar<br />

obrigatório. Assim, ao Estado-Maior das Forças Armadas compete, na forma da lei e em<br />

coor<strong>de</strong>nação com o Ministério da Defesa e os comandos militares, atribuir serviços alternativos<br />

aos que, em tempo <strong>de</strong> paz, após alistados, alegarem imperativo <strong>de</strong> consciência<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> crença religiosa ou <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, para se eximirem<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter essencialmente militar. Enten<strong>de</strong>-se por<br />

“serviço militar alternativo o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter administrativo,<br />

assistencial filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

caráter essencialmente militar”.<br />

O serviço alternativo será prestado em organizações militares da ativida<strong>de</strong> e em<br />

órgãos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> reservas das Forças Armadas ou em órgãos subordinados aos ministérios<br />

civis, mediante convênios entre estes e o Ministério da Defesa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />

interesse recíproco e, também, que sejam atendidas as aptidões do convocado. Ao final<br />

do período <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s previsto, será conferido certificado <strong>de</strong> prestação alternativa ao<br />

serviço militar obrigatório, com os mesmos efeitos jurídicos do certificado <strong>de</strong> reservista.<br />

A recusa ou cumprimento incompleto do serviço alternativo, sob qualquer pretexto, por<br />

motivo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pessoal do convocado, implicará o não fornecimento do<br />

certificado correspon<strong>de</strong>nte, pelo prazo <strong>de</strong> dois anos após o vencimento do período estabelecido.<br />

Findo o prazo previsto no parágrafo anterior, o certificado só será emitido após<br />

a <strong>de</strong>cretação, pela autorida<strong>de</strong> competente, da suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos do inadimplente,<br />

que po<strong>de</strong>rá, a qualquer tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento<br />

das obrigações <strong>de</strong>vidas. A citada lei foi regulamentada pela Portaria na 2.681 - Cosemi,<br />

<strong>de</strong> 28-7-1992, aprovando o Regulamento da Lei <strong>de</strong> Prestação do Serviço Alternativo ao<br />

Serviço Militar Obrigatório.<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 503.<br />

2 BARJLE, Paolo. O p .c it. p. 205.


Direitos e Garantias Fundamentais 4 9<br />

10.3 Limitações ao livre exercício do culto religioso<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura o livre exercício do culto religioso, enquanto não for<br />

contrário à or<strong>de</strong>m, tranquilida<strong>de</strong> e sossego públicos, bem como compatível com os bons<br />

costumes.1<br />

Dessa forma, a questão das pregações e curas religiosas <strong>de</strong>ve ser analisada <strong>de</strong> modo<br />

que não obstaculize a liberda<strong>de</strong> religiosa garantida <strong>constitucional</strong>mente, nem tampouco<br />

acoberte práticas ilícitas.2<br />

Obviamente, assim como as <strong>de</strong>mais liberda<strong>de</strong>s públicas, também a liberda<strong>de</strong> religiosa<br />

não atinge grau absoluto, não sendo, pois, permitidos a qualquer religião ou culto atos<br />

atentatórios à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, sob pena <strong>de</strong> responsabilização civil e criminal.<br />

10.4 Religião e cultura<br />

O ensino religioso po<strong>de</strong>rá, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sempre <strong>de</strong> matrícula facultativa, constituir disciplina<br />

dos horários normais das escolas públicas <strong>de</strong> ensino fundamental (CF, art. 210,<br />

§ I a). Ressalte-se que essa previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>verá a<strong>de</strong>quar-se às <strong>de</strong>mais liberda<strong>de</strong>s<br />

públicas, <strong>de</strong>ntre elas a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto religioso e a previsão do Brasil como um Estado laico.<br />

Dessa forma, <strong>de</strong>staca-se uma dupla garantia <strong>constitucional</strong>. Primeiramente, não<br />

se po<strong>de</strong>rá instituir nas escolas públicas o ensino religioso <strong>de</strong> uma única religião, nem<br />

tampouco preten<strong>de</strong>r-se doutrinar os alunos a essa ou àquela fé. A norma <strong>constitucional</strong><br />

preten<strong>de</strong>, implicitamente, que o ensino religioso <strong>de</strong>verá constituir-se <strong>de</strong> regras gerais sobre<br />

religião e princípios básicos da fé. Em segundo lugar, a Constituição garante a liberda<strong>de</strong><br />

das pessoas em matricularem-se ou não, uma vez que, conforme já salientado, a plena<br />

liberda<strong>de</strong> religiosa consiste também na liberda<strong>de</strong> ao ateísmo.<br />

Em relação à cultura, a lei disporá sobre a fixação <strong>de</strong> datas comemorativas, inclusive<br />

feriados religiosos, <strong>de</strong> alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais<br />

(CF, art. 215, § 2a).<br />

10.5 Assistência religiosa<br />

A previsão <strong>constitucional</strong> do inciso VII, do art. 5a ( “é assegurada, nos termos da lei, a<br />

prestação <strong>de</strong> assistência religiosa nas entida<strong>de</strong>s dvis e militares <strong>de</strong> internação coletiva”),<br />

encerra um <strong>direito</strong> subjetivo daquele que se encontra internado e m estabelecimento coletivo.<br />

Assim, ao Estado cabe, nos termos da lei, a materialização das condições para a<br />

prestação <strong>de</strong>ssa assistência religiosa, que <strong>de</strong>verá ser multiforme, ou seja, <strong>de</strong> tantos credos<br />

quanto aqueles solicitados pelos internos.3<br />

Logicamente, não se po<strong>de</strong>rá obrigar nenhuma pessoa que se encontrar nessa situação,<br />

seja em entida<strong>de</strong>s civis ou militares, a utilizar-se da referida assistência religiosa, em face<br />

FTJ 51/344.<br />

S T J - R r 699/376.<br />

S T J - 5 aT .- H C 175674/RJ -R e i. Min. Gilson Dipp, <strong>de</strong>cisão: 10-5-2011.


5 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

da total liberda<strong>de</strong> religiosa vigente no Brasil. No entanto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa limitação natural,<br />

a i<strong>de</strong>ia do legislador constituinte foi fornecer maior amparo espiritual às pessoas que se<br />

encontram em situações menos favorecidas, afastadas do convívio familiar e social. Além<br />

disso, visa-se, p>or meio da assistência religiosa, a melhor ressocialização daquele que se encontra<br />

em estabelecimento <strong>de</strong> internação coletiva em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua natureza pedagógica.1<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, cuja regulamentação em<br />

relação às ForçasArmadas foi dada pela Lei nQ6.923/81, parcialmente alterada pela Lei<br />

na 7.672, <strong>de</strong> 23-9-1988, ambas recepcionadas pela nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>.<br />

No tocante aos estabelecimentos prisionais, a Lei na 7.210/84 (Lei das Execuções<br />

Penais), igualmente recepcionada, em seu art. 24, estabelece que a assistência religiosa,<br />

com liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-lhes a participação<br />

nos serviços organizados no estabelecimento p>enal, bem como a posse <strong>de</strong> livros<br />

<strong>de</strong> instrução religiosa. Além disso, prevê-se que no estabelecimento prisional haverá local<br />

apropriado para os cultos religiosos e que nenhum preso ou internado p>o<strong>de</strong>rá ser obrigado<br />

a participar <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s religiosas.<br />

Não nos parece proce<strong>de</strong>nte a crítica que alguns doutrinadores fazem a esse inciso<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, afirmando que não há compatibilida<strong>de</strong> entre um Estado laico e<br />

a previsão, como <strong>direito</strong> individual, <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> assistência religiosa, uma vez que o<br />

Estado brasileiro, embora laico, não é ateu, como comprova o preâmbulo <strong>constitucional</strong>,<br />

e, além disso, trata-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> subjetivo e não <strong>de</strong> uma obrigação, preservando-se,<br />

assim, a plena liberda<strong>de</strong> religiosa daqueles que não professam nenhuma crença.12<br />

11 INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL OU À IMAGEM<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por dano material, moral e<br />

à imagem, consagrando, no inciso V, do art. 5a, ao ofendido a total reparabilida<strong>de</strong> em<br />

virtu<strong>de</strong> dos prejuízos sofridos.3<br />

A norma preten<strong>de</strong> a reparação da or<strong>de</strong>m jurídica lesada, seja por meio <strong>de</strong> ressarcimento<br />

econômico, seja por outros meios, por exemplo, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta.4<br />

O art. 5a, V, não permite qualquer dúvida sobre a obrigatorieda<strong>de</strong> da in<strong>de</strong>nização por<br />

dano moral,5 inclusive a cumulativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa com a in<strong>de</strong>nização por danos materiais.6<br />

1 K T J 100/329.<br />

2 Cf. nesse sentido: Alcino PintoFalcão. Comentários... Op. cit. p. 181.<br />

3 Cf.: MESSINEO, Francesco. Manuale di diritto civile e commerciale. M ilão: Milano, 1958.5. v. p. 643; NERY<br />

JR., Nelson, NERY, Rosa Maria Andra<strong>de</strong>. Código... Op. cit. p. 1.208.<br />

4 Conferir: Lei ns 8.389/91 (Política nacional <strong>de</strong> arquivos públicos e p riva d os); L e i n s 9.507/97 (regula o<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso à inform ação e disciplina o rito processual do habeas data).<br />

5 Conferir, em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização exclusivamente por danos morais: STF, I a T., A l 697873<br />

AgR/SP,Rel. Min. RosaW eber, julgamento: 26-11-2013; S TF,P leno,R cl 16498 AgR/BA, Rei. Min. Teori Zavascki,<br />

julgam ento: 24-10-2013; STF - I a T. - RExtr. n° 105.157/SP - Rei. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,18 out. 1983, p. 18.459.<br />

6 Súmula STJ na 37 - “ São cumuláveis as in<strong>de</strong>nizações por dano m aterial e dan o m oral oriundos do mesm o<br />

fato” ( c f . tb. RSTJ n“ 23/260,27/268 e 289,33/526,542 e 599,34/445,50/305, 57/286; JTJ146/253,152/88;


Direitos e Garantias Fundamentais 51<br />

Como <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “sobrevindo, em razão <strong>de</strong> ato ilícito,<br />

perturbação nas relações psíquicas, na tranquilida<strong>de</strong>, nos sentimentos e nos afetos <strong>de</strong><br />

uma pessoa, configura-se o dano moral, passível <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização”,1 inclusive em relação<br />

aos danos estéticos.*12<br />

Como ensina Rui Stocco, “pacificado, hoje, o entendimento <strong>de</strong> que o dano moral é<br />

in<strong>de</strong>nizável e afastadas as restrições, o preconceito e a má vonta<strong>de</strong> que a doutrina pátria<br />

e alienígena impunham à tese, com o advento da nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> (CF/88),<br />

nenhum óbice se po<strong>de</strong>, a priori, antepor à in<strong>de</strong>nizabilida<strong>de</strong> cumulada”.3<br />

Limongi França traz-nos o conceito <strong>de</strong> dano moral, afirmando ser aquele que, direta<br />

ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletivida<strong>de</strong>, sofre no aspecto<br />

não econômico dos seus bens jurídicos.4<br />

Ressalte-se, portanto, que a in<strong>de</strong>nização por danos morais terá cabimento seja em<br />

relação à pessoa física, seja em relação à pessoa jurídica5 e até mesmo em relação às<br />

coletivida<strong>de</strong>s (interesses difusos ou coletivos); mesmo porque são todos titulares dos<br />

<strong>direito</strong>s e garantias fundamentais <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatíveis com suas características <strong>de</strong><br />

pessoas artificiais.<br />

A partir da EC ne 45/04 (“por questões <strong>de</strong> política judiciária"), as ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização,<br />

inclusive por dano moral, com base em aci<strong>de</strong>nte do trabalho, propostas por empregado<br />

contra empregador, são da competência da justiça do trabalho, pois, conforme enten<strong>de</strong>u<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o <strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização em caso <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho,<br />

quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no art. 7° da CF como<br />

autêntico <strong>direito</strong> trabalhista, cuja tutela, <strong>de</strong>ve ser, por isso, da justiça especial”.6<br />

11.1 Direito <strong>de</strong> resposta ou <strong>de</strong> réplica<br />

A consagração <strong>constitucional</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta proporcional ao agravo é instrumento<br />

<strong>de</strong>mocrático mo<strong>de</strong>rno previsto em vários or<strong>de</strong>namentos jurídico-constitucionais,<br />

RT 586/210,683/188, 700/213, 703/57).<br />

1 S T J -4 a T. -REspn°8.768-0/SP. Reg. n° 910003774-5 - R e i. Min. Barros M onteiro - Ementário STJ, 05/122.<br />

No mesmo sentido: REsp n“ 20.369-0 -R J . Rei. Min. Nilson Novaes. 3aT. Unânime. DJ23 nov. 9 2 -Ementário STJ,<br />

07/166; REsp n° 28.104-4 - SP. Rei. Min. Dias Trinda<strong>de</strong>. 3a T. Unânime. DJ 23 nov. 92 - Ementário STJ, 07/580.<br />

2 Como <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “não afronta o princípio da legalida<strong>de</strong> a reparação <strong>de</strong> lesões <strong>de</strong>for-<br />

mantes a título <strong>de</strong> dano m oral (art. 1.538, § l e, do Código C ivil)” (2 aT.-R E xtr. n2 116.447/D F-Rel. Min. Célio<br />

Bor ja - R TJ141/611). No mesmo sentido: STJ - “ A in<strong>de</strong>nização relativa ao dano m oral abrangerá a pertinente<br />

ao dano estético, ressalvadas eventuais repercussões econômicas. Juros - Ilícito extracontratual - Súmula 54”<br />

(3 a T. - REsp n“ 41.492-0/RJ - Rei. Min. Eduardo R ibeiro - Ementário STJ, 10/157).<br />

3 STOCCO, Rui. Responsabilida<strong>de</strong> civil e sua interpretação jurispru<strong>de</strong>ncial. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1995. p. 444.<br />

4 FRANÇA, R. Limongi. Reparação do dano moral. R T 631/29.<br />

5 FRANÇA, R. Limongi. Reparação do dano moral. RT 631/29; MORAES, Walter. Se é viável in<strong>de</strong>nização por<br />

dan o moral a pessoa jurídica. Repertório IOB <strong>de</strong> Jurisprudência n2 19/91, p. 415. Conferir nesse sentido Súmula<br />

n2 227 do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “A pessoa jurídica po<strong>de</strong> sofrer dano m oral” .<br />

6 STF - Pleno - CC 7204/ MG, Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 29-6-2005 - Informativo STF n“ 394, p. 1.


5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

e visa proteger a pessoa <strong>de</strong> imputações ofensivas e prejudiciais a sua dignida<strong>de</strong> humana<br />

e sua honra.1<br />

A abrangência <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> fundamental é ampla, aplicando-se em relação a todas<br />

as ofensas, configurem ou não infrações penais.<br />

Nesse sentido, lembremo-nos da lição <strong>de</strong> Rafael Bielsa, para quem existem fatos que,<br />

mesmo sem configurar crimes, acabam por afetar a reputação alheia, a honra ou o bom<br />

nome da pessoa, além <strong>de</strong> também vulnerarem a verda<strong>de</strong>, cuja divulgação é <strong>de</strong> interesse<br />

geral. O cometimento <strong>de</strong>sses fatos pela imprensa <strong>de</strong>ve possibilitar ao prejudicado instrumentos<br />

que permitam o restabelecimento da verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> sua reputação e <strong>de</strong> sua honra,<br />

por meio do exercício do chamado <strong>direito</strong> <strong>de</strong> réplica ou <strong>de</strong> resposta.12<br />

O exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta, se negado pelo autor das ofensas, <strong>de</strong>verá ser tutelado<br />

pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, garantindo-se o mesmo <strong>de</strong>staque à notícia que o originou.<br />

Anote-se que o ofendido po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo socorrer-se ao Judiciário para a obtenção<br />

<strong>de</strong> seu <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta <strong>constitucional</strong>mente garantido, não necessitando, se não lhe<br />

aprouver, tentar entrar em acordo com o ofensor.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece como requisito para o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta<br />

ou réplica a proporcionalida<strong>de</strong>, ou seja, o <strong>de</strong>sagravo <strong>de</strong>verá ter o mesmo <strong>de</strong>staque, a mesma<br />

duração (no caso <strong>de</strong> rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso <strong>de</strong> imprensa escrita)<br />

que a notícia que gerou a relação conflituosa. A responsabilida<strong>de</strong> pela divulgação do <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> resposta é da direção do órgão <strong>de</strong> comunicação, e não daquele que proferiu as ofensas.<br />

Ressalte-se que o conteúdo do exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta não po<strong>de</strong>rá acobertar<br />

ativida<strong>de</strong>s ilícitas, ou seja, ser utilizado para que o ofendido passe a ser o ofensor, proferindo,<br />

em vez <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sagravo, manifestação caluniosa, difamante, injuriosa.<br />

12 EXPRESSÃO DA ATIVIDADE INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E DE<br />

COMUNICAÇÃO (ART. 5o, IX)<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong> pensamento não po<strong>de</strong> sofrer nenhum<br />

tipo <strong>de</strong> limitação prévia, no tocante a censura <strong>de</strong> natureza política, i<strong>de</strong>ológica e artística.<br />

Contudo, é possível à lei ordinária a regulamentação das diversões e espetáculos,<br />

classificando-os por faixas etárias a que não se recomen<strong>de</strong>m, bem como <strong>de</strong>finir locais e<br />

horários que lhes sejam ina<strong>de</strong>quados. Caberá também à lei estabelecer meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

das pessoas e das famílias quanto a programas <strong>de</strong> rádio e televisão que <strong>de</strong>scumpram os<br />

princípios <strong>de</strong>terminados no art. 221,1a IV, como respeito aos valores éticos e sociais da<br />

pessoa e da família (arts. 220, § 3®, e 221). A inviolabilida<strong>de</strong> prevista no incisoX do art.<br />

5®, porém, traça os limites tanto para a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão do pensamento como para<br />

o <strong>direito</strong> à informação, vedando-se o atingimento à intimida<strong>de</strong>, à vida privada, à honra e<br />

à imagem das pessoas (cf. a respeito, item 4, no Capítulo 15).<br />

A censura prévia significa o controle, o exame, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permissão a que se<br />

submete, previamente e com caráter vinculativo, qualquer texto ou programa que preten­<br />

1 STF - 2 aT. -R E xtr. na 64.333/PR - Rei. Min. Aliom ar Baleeiro, Diário da Justiça, Seção I, 27 <strong>de</strong>z. 1968.<br />

2 BIELSA, Rafael. Compêndio <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho público. Buenos Aires: Depalma, 1952. p. 150.


Direitos e Garantias Fundamentais 53<br />

<strong>de</strong> ser exibido ao público em geral. O caráter preventivo e vinculante é o traço marcante<br />

da censura prévia, sendo a restrição à livre manifestação <strong>de</strong> pensamento sua finalida<strong>de</strong><br />

anti<strong>de</strong>mocrática, pois, como salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

é condição inerente e indispensável à caracterização e preservação das socieda<strong>de</strong>s<br />

livres e organizadas sob a égi<strong>de</strong> dos princípios estruturadores do regime <strong>de</strong>mocrático”.1<br />

O texto <strong>constitucional</strong> repele frontalmente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> censura prévia. Essa<br />

previsão, porém, não significa que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa é absoluta, não encontrando<br />

restrições nos <strong>de</strong>mais <strong>direito</strong>s fundamentais, pois a responsabilização posterior do autor<br />

e/ou responsável pelas notícias injuriosas, difamantes, mentirosas sempre será cabível,<br />

em relação a eventuais danos materiais e morais.<br />

Como salienta Miguel Ángel Ekmekdjian, a proibição à censura prévia, como garantia<br />

à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa, implica forte limitação ao controle estatal preventivo, mas não<br />

impe<strong>de</strong> a responsabilização posterior em virtu<strong>de</strong> do abuso no exercício <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong>.<br />

O autor, inclusive, cita julgado da Corte Suprema <strong>de</strong> Justiça argentina no qual se<br />

afirmou: “apesar <strong>de</strong> no regime <strong>de</strong>mocrático a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão ter um lugar eminente<br />

que obriga a particular cautela enquanto se trata <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir responsabilida<strong>de</strong>s por<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento, po<strong>de</strong>-se afirmar sem vacilação que ela não se traduz no propósito<br />

<strong>de</strong> assegurar a impunida<strong>de</strong> da imprensa”.12<br />

A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa em todos os seus aspectos, inclusive mediante a vedação<br />

<strong>de</strong> censura prévia, <strong>de</strong>ve ser exercida com a necessária responsabilida<strong>de</strong> que se exige em<br />

um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong> modo que o <strong>de</strong>svirtuamento da mesma para o<br />

cometimento <strong>de</strong> fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos prejudicados plena<br />

e integral in<strong>de</strong>nização por danos materiais e morais, além do efetivo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta.<br />

Em <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e da livre manifestação <strong>de</strong> pensamento, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> concentrada, pela via da Arguição <strong>de</strong><br />

Descumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, da “Lei <strong>de</strong> Imprensa”, afirmando que o texto<br />

<strong>constitucional</strong> “veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento<br />

(vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto<br />

a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma, o processo, ou o veículo <strong>de</strong><br />

comunicação social”.3<br />

13 INVIOLABILIDADEÀ INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM<br />

Os <strong>direito</strong>s à intimida<strong>de</strong> e à própria imagem formam a proteção <strong>constitucional</strong> à<br />

vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas<br />

externas.4<br />

1 STF _ 1 » ! . _ Ag. Reg no Al 675276/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

2 EKMEKDJIAN, M iguel Ángel. Tratado... Op. cit. p. 523.<br />

3 STF - Pleno - ADPF 130, Rei. Min. Carlos Britto, julgam ento em 30-4-2009, Plenário, DJE <strong>de</strong> 6-11-2009.<br />

4 Conferir em relação à intim ida<strong>de</strong> e <strong>direito</strong> à im agem : STF - 2“ T. - HC n“ 84.203/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, <strong>de</strong>cisão: 19 outubro 2004. Informativo STF nQ366.


5 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A proteção <strong>constitucional</strong> consagrada no inciso X do art. 5o refere-se tanto a pessoas<br />

físicas quanto a pessoas jurídicas,1abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria<br />

imagem frente aos meios <strong>de</strong> comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.).12<br />

Os conceitos constitucionais <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong> e vida privada apresentam gran<strong>de</strong> interligação,<br />

po<strong>de</strong>ndo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitu<strong>de</strong> do primeiro,<br />

que se encontra no âmbito <strong>de</strong> incidência do segundo.<br />

Assim, intimida<strong>de</strong> relaciona-se às relações subjetivas e <strong>de</strong> trato íntimo da pessoa,<br />

suas relações familiares e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, enquanto vida privada envolve todos os <strong>de</strong>mais<br />

relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, <strong>de</strong> trabalho,<br />

<strong>de</strong> estudo etc.3<br />

Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento <strong>constitucional</strong> da<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (CF, art. I a, III), com o <strong>direito</strong> à honra, à intimida<strong>de</strong> e à vida<br />

privada (CF, art. 5 a, X) converter em instrumento <strong>de</strong> diversão ou entretenimento assuntos<br />

<strong>de</strong> natureza tão íntima quanto falecimentos, pa<strong>de</strong>cimentos ou quaisquer <strong>de</strong>sgraças alheias,<br />

que não <strong>de</strong>monstrem nenhuma finalida<strong>de</strong> pública e caráter jornalístico em sua divulgação.<br />

Assim, não existe qualquer dúvida <strong>de</strong> que a divulgação <strong>de</strong> fotos, imagens ou notícias apelativas,<br />

injuriosas, <strong>de</strong>snecessárias para a informação objetiva e <strong>de</strong> interesse público (CF,<br />

art. 5a, XTV), que acarretem injustificado dano à dignida<strong>de</strong> humana autoriza a ocorrência<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos materiais e morais, além do respectivo <strong>direito</strong> à resposta.<br />

No restrito âmbito familiar, os <strong>direito</strong>s à intimida<strong>de</strong> e vida privada <strong>de</strong>vem ser interpretados<br />

<strong>de</strong> uma forma mais ampla, levando-se em conta as <strong>de</strong>licadas, sentimentais e<br />

importantes relações familiares, <strong>de</strong>vendo haver maior cuidado em qualquer intromissão<br />

externa. Dessa forma, concluímos como Antonio Magalhães, no sentido <strong>de</strong> que “as intromissões<br />

na vida familiar não se justificam pelo interesse <strong>de</strong> obtenção <strong>de</strong> prova, pois, da<br />

mesma forma do que suce<strong>de</strong> em relação aos segredos profissionais, <strong>de</strong>ve ser igualmente<br />

reconhecida a função social <strong>de</strong> uma vivência conjugal e fam iliar à margem <strong>de</strong> restrições e<br />

intromissões".4<br />

Por outro lado, essa proteção <strong>constitucional</strong> em relação àqueles que exercem ativida<strong>de</strong><br />

política ou ainda em relação aos artistas em geral <strong>de</strong>ve ser interpretada <strong>de</strong> uma forma<br />

mais restrita, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maior tolerância ao se interpretar o ferimento<br />

das inviolabilida<strong>de</strong>s à honra, à intimida<strong>de</strong>, à vida privada e à imagem, pois os primeiros<br />

estão sujeitos a uma forma especial <strong>de</strong> fiscalização pelo povo e pela mídia,5 enquanto o<br />

1 STF, I a T., RE 552582 AgR/DF, Rei. Min. Luiz Fux, julgam ento: 27-3-2012. No mesmo sentido, Súmula na<br />

227 do SuperiorTribunal <strong>de</strong> Justiça: “A pessoa jurídica po<strong>de</strong> sofrer dano m oral” .<br />

2 Em relação ao <strong>direito</strong> à própria imagem, <strong>de</strong>cidiu o STF que “Direito à proteção da própria imagem, diante da<br />

utilização <strong>de</strong> fotografia em anúncio com fim lucrativo, sem a <strong>de</strong>vida autorização da pessoa correspon<strong>de</strong>nte. In<strong>de</strong>nização<br />

pelo uso in<strong>de</strong>vido da imagem. H itela jurídica resultante do alcance do <strong>direito</strong> positivo” (2a T. - Rextr. nQ<br />

91328/S P-v. u .-R e l. Min. Djaci Falcão, Diário da Justiça, Seção 1 ,11 <strong>de</strong>z. 1981, p. 12.505). No mesmo sentido:<br />

STF - I a T. — Rextr. n° 95872/RJ - Rei. Min. Rafael Mayer, Diário da Justiça, Seção 1,1° out. 1982, p. 9.830.<br />

3 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva,<br />

1997. p. 35.<br />

4 GOMES FILH O , Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1997. p. 128.<br />

5 Em relação à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e ávida privada <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s públicas, conferir<br />

no Brasil o julgam ento da ADPF n° 130/DF e na Suprema Corte Americana o caso New York Times vs. Sullivan.


Direitos e Garantias Fundamentais 5 5<br />

próprio exercício da ativida<strong>de</strong> profissional dos segundos exige maior e constante exposição<br />

à mídia. Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação mais restrita, porém, não afasta a proteção<br />

<strong>constitucional</strong> contra ofensas <strong>de</strong>sarrazoadas, <strong>de</strong>sproporcionais e, principalmente, sem<br />

qualquer nexo causai com a ativida<strong>de</strong> profissional realizada.1<br />

14 INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (ART. 5o, XI)<br />

O preceito <strong>constitucional</strong> consagra a inviolabilida<strong>de</strong> do domicílio, <strong>direito</strong> fundamental<br />

enraizado mundialmente, a partir das tradições inglesas, conforme verificamos<br />

no discurso <strong>de</strong> Lord Chatham no Parlamento britânico: O homem mais pobre <strong>de</strong>safia em<br />

sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana po<strong>de</strong> ser muito frágil, seu teto po<strong>de</strong> tremer, o<br />

vento po<strong>de</strong> soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta po<strong>de</strong> nela penetrar, mas o Rei<br />

da Inglaterra não po<strong>de</strong> nela entrar.<br />

A inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar constitui uma das mais antigas e importantes garantias<br />

individuais <strong>de</strong> uma Socieda<strong>de</strong> civilizada,*12 pois engloba a tutela da intimida<strong>de</strong>, da vida privada,<br />

da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e tranquilida<strong>de</strong>, que<br />

não po<strong>de</strong>m ce<strong>de</strong>r - salvo excepcionalmente - à persecução penal ou tributária do Estado.3<br />

No sentido <strong>constitucional</strong>, o termo domicílio tem amplitu<strong>de</strong> maior do que no <strong>direito</strong><br />

privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou, ainda, a habitação<br />

com intenção <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> estabelecimento, mas inclusive, quarto <strong>de</strong> hotel habitado.4<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se, pois, domicílio todo local, <strong>de</strong>limitado e separado, que alguém ocupa com<br />

Na doutrina: D W O RKIN, Ronald. O <strong>direito</strong> da liberda<strong>de</strong>: a leitura m oral da Constituição norte-americana. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2006, item II, 7 até 11, p. 261-416.<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Crime contra a honra e discussão político-eleitoral: lim i­<br />

tes <strong>de</strong> tolerância. As discussões políticas, particularmente as que se travam no calor <strong>de</strong> campanhas eleitorais<br />

renhidas, são inseparáveis da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> emissão <strong>de</strong> juízos, necessariamente subjetivos, sobre qualida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong>feitos dos homens públicos nelas diretamente envolvidos, impondo critério <strong>de</strong> especial tolerância na sua<br />

valoração penal, <strong>de</strong> m odo a não tolher a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crítica, que os <strong>de</strong>ve proteger; mas a tolerância há <strong>de</strong> ser<br />

menorj quando, ainda que situado no campo da vida pública ou da vida privada <strong>de</strong> relevância pública do militante<br />

político, o libelo do adversário ultrapassa a linha dos juízos <strong>de</strong>sprimorosos para a imputação <strong>de</strong> fatos mais ou menos<br />

concretos, sobretudo, se inva<strong>de</strong>m ou tengenciam a esfera da criminalida<strong>de</strong>” (Pleno - Inquérito nQ503/RJ - questão<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - v . u. - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,26 mar. 1993, p. 5.001). No mesmo<br />

sentido: STF - Pleno - Inquérito ne 496/DF - v. u. - Rei. Min. lim ar G alvão, Diário da Justiça, Seção I, 12 nov.<br />

1993, p. 24.022; STJ - 1- Seção - CC ne 22/PR - Rei. Min. José <strong>de</strong> Jesus - Ementário n2 01/267.<br />

2 A importância <strong>de</strong>ssa histórica garantia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da Socieda<strong>de</strong> fo i reafirmada pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que reconheceu repercussão geral para julgar recurso extraordinário que tratava da questão da ilicitu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> prova produzida em busca e apreensão em residência sem mandado judicial (STF - Pleno - RE 603.616/RO),<br />

tendo afirmado o Ministro-relator Gilm ar Men<strong>de</strong>s que, “ no que concerne à questão <strong>de</strong> que a violação do domicílio,<br />

no período noturno, sem o correspon<strong>de</strong>nte mandado judicial <strong>de</strong> busca e apreensão, ensejaria a ilegalida<strong>de</strong> das<br />

provas colhidas, entendo que merece pronunciamento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pois transcen<strong>de</strong> o direto<br />

subjetivo do recorrente).<br />

3 STF _ 2^T. - HC n 2 93.050-6/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 10-6-2008.<br />

4 STF _ 2* t . - RHC nQ90.376-3/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<strong>de</strong>cisão: 3-4-2007.


56 Direito Constitucional • Moraes<br />

exclusivida<strong>de</strong>, a qualquer título, inclusive profissionalmente,1 pois nessa relação entre<br />

pessoa e espaço preserva-se, mediatamente, a vida privada do sujeito.<br />

Como já pacificado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, domicílio, numa extensão conceituai<br />

mais larga,12 abrange até mesmo o local on<strong>de</strong> se exerce a profissão ou a ativida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que constitua um ambiente fechado ou <strong>de</strong> acesso restrito ao público, como é o caso<br />

típico dos escritórios profissionais.3 Como salientado por Gianpaolo Smanio, “aquiloque<br />

for <strong>de</strong>stinado especificamente para o exercício da profissão estará <strong>de</strong>ntro da disposição<br />

legal”.4<br />

Dessa forma, a proteção <strong>constitucional</strong> à inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar abrange todo<br />

local, <strong>de</strong>limitado e separado, que alguém ocupa com exclusivida<strong>de</strong>, a qualquer título,<br />

inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço preservaram-se,<br />

mediatamente, a intimida<strong>de</strong> e a vida privada do indivíduo.<br />

Os <strong>direito</strong>s à intimida<strong>de</strong> e à vida privada - consubstanciados em bens, pertences e<br />

documentos pessoais existentes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> “casa” - garantem uma salvaguarda ao espaço íntimo<br />

intransponível por intromissões ilícitas externas, e contra flagrantes arbitrarieda<strong>de</strong>s.<br />

O conteúdo <strong>de</strong> bens, pertences e documentos pessoais existentes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> “casa”, cuja<br />

proteção <strong>constitucional</strong> é histórica, se relaciona às relações subjetivas e <strong>de</strong> trato íntimo da<br />

pessoa humana, suas relações familiares e <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong> (intimida<strong>de</strong>), e também envolve<br />

todos os relacionamentos externos da pessoa, inclusive os objetivos, tais como relações<br />

sociais e culturais (vida privada).<br />

Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento <strong>constitucional</strong><br />

da Dignida<strong>de</strong> da Pessoa Humana (CF, art. I a, III), com o <strong>direito</strong> à honra, intimida<strong>de</strong> e<br />

vida privada (CF, art. 5a, X) utilizar-se, em <strong>de</strong>sobediência expressa à autorização judicial<br />

ou aos limites <strong>de</strong> sua atuação, <strong>de</strong> bens e documentos pessoais apreendidos ilicitamente<br />

acarretando injustificado dano à dignida<strong>de</strong> humana, autorizando a ocorrência<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por danos materiais e morais, além do respectivo <strong>direito</strong> à resposta e<br />

responsabilização penal. 5<br />

Os <strong>direito</strong>s à intimida<strong>de</strong> e vida privada, corolários da inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar, <strong>de</strong>vem<br />

ser interpretados <strong>de</strong> forma mais ampla, em face do Princípio da Dignida<strong>de</strong> da Pessoa<br />

Humana, levando em conta, como salienta Paolo Barile,6 as <strong>de</strong>licadas, sentimentais e<br />

importantes relações familiares, <strong>de</strong>vendo haver maior cuidado em qualquer intromissão<br />

1 Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do STF, Ementário nQ1.804-11.<br />

2 Conferir conceito <strong>de</strong> “casa” em caráter amplo (qualquer aposento ocupado mesmo sendo d e habitação coletiva):<br />

STF - 2â T. - RHC ne 90.376/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 3-4-2007 e Informativo STF n2 467<br />

e escritórios profissionais (STF - 2a T. - HC nQ82.788/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 2 jun. 2006, p. 43).<br />

3 STF - 2â T. - HC n2 82.788/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I, 2 jun. 2006, p. 43.<br />

4 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Direito penal: parte especial. São Paulo: Atlas, 1999. p. 67.<br />

5 STJ, PExtno HC 109.778/RJ, Rei. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado), 6a T.,DJe 24-8-2009);<br />

STJ, HC 149.250/SP, Rei. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado,DJe <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2011; TJ/SP, Revisãocriminal nQ9015719-93.2005.8.26.0000, 3QGrupo <strong>de</strong> Direito Criminal, Rei. Des. Sérgio<br />

Ribas, julgamento: 15-9-2011; TJ/SP - HC 0418722-71.2010.8.26.0000, Rei. Des. Almeida Toledo, julgamento:<br />

16-11-2010.<br />

6 BARILE, PAOLO, Diritti <strong>de</strong>lVuomo e libertáfondamentali. Bolonha: II M olino, 1984. p. 154.


Direitos e Garantias Fundamentais 5 7<br />

externa,1pois como nos ensina Antonio Magalhães Gomes Filho, “as intromissões na vida<br />

familiar não se justificam pelo interesse <strong>de</strong> obtenção da prova, pois, da mesma forma do<br />

que suce<strong>de</strong> em relação aos segredos profissionais, <strong>de</strong>ve ser igualmente reconhecida a<br />

função social <strong>de</strong> uma vivência conjugal e familiar à margem <strong>de</strong> restrições e intromissões”.12<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porém, estabelece exceções à inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar.<br />

Assim, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela po<strong>de</strong>ndo penetrar sem consentimento<br />

do morador, salvo em caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>sastre, ou para prestar<br />

socorro, ou, ainda, durante o dia, por <strong>de</strong>terminação judicial.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>cidiu que mesmo sendo a casa o asilo inviolável do<br />

indivíduo, não po<strong>de</strong> ser transformado em garantia <strong>de</strong> impunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crimes, que em seu<br />

interior se praticam.3<br />

Assim, violação <strong>de</strong> domicílio legal, sem consentimento do morador, é permitida,<br />

porém somente nas hipóteses constitucionais:4<br />

• Dia: flagrante <strong>de</strong>lito5 ou <strong>de</strong>sastre ou para prestar socorro, ou, ainda, por <strong>de</strong>terminação<br />

judicial. Somente durante o dia, a proteção <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong><br />

existir por <strong>de</strong>terminação judicial.<br />

• Noite: flagrante <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>sastre ou para prestar socorro.<br />

14.1 Questão do dia e da noite<br />

Para José Afonso da Silva, dia é o período das 6:00 horas da manhã às 18:00, ou<br />

seja, “sol alto, isto é, das seis às <strong>de</strong>zoito”, esclarecendo Aldno Pinto Falcão que durante o<br />

dia a tutela <strong>constitucional</strong> é menos ampla, visto que a lei ordinária po<strong>de</strong> ampliar os casos<br />

<strong>de</strong> entrada na casa durante aquele período, que se contrapõe ao período da noite.6 Para<br />

Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>ve ser levado em conta o critério físico-astronômico, como o intervalo<br />

<strong>de</strong> tempo situado entre a aurora e o crepúsculo.7<br />

E o mesmo entendimento <strong>de</strong> Guilherme <strong>de</strong> Souza Nucci, ao afirmar que noite “é o<br />

período que vai do anoitecer ao alvorecer, pouco importando o horário, bastando que o<br />

sol se ponha e <strong>de</strong>pois se levante no horizonte”.8<br />

1 Sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>nominados “mandados <strong>de</strong> busca e apreensão dom iciliar genéricos",<br />

conferir: STF - Pleno - HC 95.009 - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 5-11-2008.<br />

2 GOMES FILH O , A ntonio Magalhães. Direito à prova no processo penal São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1997. p. 128.<br />

3 KTJ, 74/88 e 84/302.<br />

4 STF, 2aT „ HC 97567, Rei. Min. EUen Gracie, DJE na 91, divulgado em 20-5-2010.<br />

5 RT, 670/273; TJSP, RT, 688/293.<br />

6 FALCÃO, Alcino Pinto. Comentários à constituição. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1990. p. 186. v. 1.<br />

7 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... O p .c it. p. 442.<br />

8 NUCCI, Guilherm e <strong>de</strong> Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 398.


58 Direito Constitucional • Moraes<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a aplicação conjunta <strong>de</strong> ambos os critérios alcança a finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as 18:00 horas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que,<br />

ainda, não seja noite (por exemplo: horário <strong>de</strong> verão).1<br />

14.2 Violação <strong>de</strong> domicílio por <strong>de</strong>cisão administrativa ou parlamentar.<br />

Impossibilida<strong>de</strong> - cláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão domiciliar, durante o dia, sujeita-se a <strong>de</strong>nominada cláusula<br />

<strong>de</strong> reserva jurisdicional,12 consistente na expressa previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> competência<br />

exclusiva dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, com total exclusão <strong>de</strong> qualquer outro órgão<br />

estatal, para a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados atos.3<br />

Como salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério<br />

Público, nem a administração tributária, nem a Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito<br />

ou seus representantes, agindo por autorida<strong>de</strong> própria, po<strong>de</strong>m invadir domicílio alheio<br />

com o objetivo <strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r, durante o período diurno, e sem or<strong>de</strong>m judicial, quaisquer<br />

objetos que possam interessar ao Po<strong>de</strong>r Público. Esse comportamento estatal representará<br />

inaceitável afronta a um <strong>direito</strong> essencial assegurado a qualquer pessoa, no âmbito <strong>de</strong> seu<br />

espaço privado, pela Constituição da República”.4<br />

Conforme <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,5<br />

“a essencialida<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m judicial para efeito <strong>de</strong> realização das medidas <strong>de</strong> busca<br />

e apreensão domiciliar nada mais representa, <strong>de</strong>ntro do novo contexto normativo<br />

emergente da Carta Política <strong>de</strong> 1988, senão a plena concretização da garantia<br />

<strong>constitucional</strong> pertinente à inviolabilida<strong>de</strong> do domicílio”.<br />

Daí a advertência - que cumpre ter presente - feita por Celso Ribeiro Bastos, no<br />

sentido <strong>de</strong> que<br />

“é forçoso reconhecer que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> existir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão por <strong>de</strong>cisão<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> administrativa, <strong>de</strong> natureza policial ou não. Per<strong>de</strong>u portanto a Administração<br />

a possibilida<strong>de</strong> da autoexecutorieda<strong>de</strong> administrativa”.<br />

1 Cf.: GROTTI, Dinorá A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Musetti. Inviolabilida<strong>de</strong> do domicílio na constituição. São Paulo: Malheiros,<br />

1993. p. 114, on<strong>de</strong> são citados os seguintes julgados: RT 555/357; JTACrim 46/155, 70/216.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu a existência <strong>constitucional</strong> dacláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional, afirmando:<br />

“As Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar a busca e apreensão domiciliar, por se<br />

tratar d ea to sujeito ao princípio <strong>constitucional</strong> da reserva <strong>de</strong> jurisdição, ou seja, atocuja prática a CF atribuicom<br />

exclusivida<strong>de</strong> aos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário” (STF - Pleno - MS n° 23.642/DF - Rei. Min. Néri da Silveira,<br />

<strong>de</strong>cisão: 29-11-2000 - Informativo STF n“ 212. Conferir transcrições nos Informativos STF nQ! 1 51,162,163).<br />

3 STF - 2‘ T. - HC n- 82.788/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 2 jun. 2006, p. 43.<br />

4 Trecho do voto proferido como relator: STF - Pleno - MS na 23.452-1/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

5 STF, A ção Penal 307-3-DF, trecho <strong>de</strong> vo to do M inistro Celso <strong>de</strong> M ello, Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do STF,<br />

Ementário n° 1.804-11, DJU, 13 out. 1995.


Direitos e Garantias Fundamentais 5 9<br />

Obviamente, em face da extensão da garantia <strong>constitucional</strong> da inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar,<br />

não se po<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar caracterizado o crime <strong>de</strong> resistência ou <strong>de</strong>sobediência,<br />

daquele que se recusa a permitir o acesso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s policiais ou administrativas em<br />

sua residência ou escritório profissional fora das hipóteses excepcionais previstas pelo<br />

texto <strong>constitucional</strong>.1<br />

14.3 Inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar e fisco<br />

Como <strong>de</strong>staca o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,12<br />

“esse amplo sentido conceituai da noção jurídica <strong>de</strong> ‘casa’ revela-se plenamente<br />

consentâneo com a exigência <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> proteção à esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

individual e <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong> pessoal (RT, 214/409; RT, 467/385; R T, 637/341). É<br />

por essa razão que a doutrina - ao <strong>de</strong>stacar o caráter abrangente <strong>de</strong>sse conceito<br />

jurídico - adverte que o princípio da inviolabilida<strong>de</strong> esten<strong>de</strong>-se ao espaço em que<br />

alguém exerce, com exclusão <strong>de</strong> terceiros, qualquer ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> índole profissional<br />

(Pontes <strong>de</strong> Miranda, Comentários à constituição <strong>de</strong> 1967 com a emenda nQ1<br />

<strong>de</strong> 1969, tomo V/187, 2- ed./2- tir., 1974, RT; José Cretella Júnior, Comentários<br />

à constituição <strong>de</strong> 1988, v. 1/261, item na 150,1989, Forense Universitária; Pinto<br />

Ferreira, Comentários à constituição brasileira, v. 1/82, 1989, Saraiva; Manoel<br />

Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à constituição brasileira <strong>de</strong> 1988, v. 1/36-<br />

37, 1990, Saraiva; Carlos Maximiliano, Comentários à constituição brasileira, v.<br />

III/91, 1948, Freitas Bastos; Dinorá A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Musetti Grotti, Inviolabilida<strong>de</strong> do<br />

domicílio na constituição, p. 70-78, 1993, Malheiros, v.g.). Sendo assim, nem a<br />

Polícia Judiciária e nem a administração tributária po<strong>de</strong>m, afrontando <strong>direito</strong>s<br />

assegurados pela Constituição da República, invadir domicilio alheio com o objetivo<br />

<strong>de</strong> apreen<strong>de</strong>r, durante o período diurno, e sem or<strong>de</strong>m judicial, quaisquer objetos<br />

que possam interessar ao Po<strong>de</strong>r Público. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prescreve, no art.<br />

145, § I a, que a administração tributária está sujeita, na efetivação das medidas e<br />

na adoção <strong>de</strong> providências que repute necessárias, ao respeito incondicional aos<br />

<strong>direito</strong>s individuais, <strong>de</strong>ntre os quais avulta, por sua indiscutível importância, o<br />

<strong>direito</strong> à inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar. Daí a observação <strong>de</strong> Ives Gandra Martins -<br />

reiterada por Sacha Calmon Navarro Coelho - no sentido <strong>de</strong> que os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong><br />

investigação do Fisco estão essencialmente limitados pelas cláusulas subordinantes<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral cujas prescrições proclamam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetiva submissão<br />

do Po<strong>de</strong>r estatal aos <strong>direito</strong>s individuais assegurados pela Lei Fundamental.<br />

Por isso mesmo, assinala Ives Gandra Martins (Comentários à Constituição do Brasil,<br />

v. 6a, tomo I, p. 64,1990, Saraiva). De início, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fiscalizar é um <strong>direito</strong> inerente<br />

à Administração <strong>de</strong>ntro das regras próprias do <strong>direito</strong> administrativo. E como<br />

a Constituição garante os <strong>direito</strong>s individuais, à evidência, garante a inviolabilida<strong>de</strong><br />

do domicílio nos termos do art. 5 a, XI, com o que o Fisco, pela nova Constituição,<br />

não tem mais <strong>direito</strong>s do que aqueles que tinha com a Constituição pretérita”.<br />

1 Cf. STF - RE na 460.880/RS - Rei. Min. Marco Aurélio, Informativo STF, na 496.<br />

2 S T F -A çã o Penal n“ 370-3-DF, Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do STF, Ementário n“ 1.804-11 e RTJ162/249-250.


60 Direito Constitucional * Moraes<br />

A exigência <strong>de</strong> absoluto respeito à garantia da inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar pelas autorida<strong>de</strong>s<br />

tributárias foi reiterada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que afirmou não serem<br />

“absolutos os po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> que se acham investidos os órgãos e agentes da administração<br />

tributária, pois o Estado, em tema <strong>de</strong> tributação, inclusive em matéria <strong>de</strong> fiscalização tributária,<br />

está sujeito à observância <strong>de</strong> um complexo <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e prerrogativas que assistem,<br />

<strong>constitucional</strong>mente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral”,1e, consequentemente,<br />

ilícitas as provas assim obtidas.12<br />

15 SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA E DE COMUNICAÇÃO (ART. 5a, XII)<br />

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, <strong>de</strong> dados e<br />

das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por or<strong>de</strong>m judicial, nas hipóteses e<br />

na forma que a lei estabelecer para fins <strong>de</strong> investigação criminal ou instrução processual<br />

penal. Ocorre, porém, que apesar <strong>de</strong> a exceção <strong>constitucional</strong> expressa referir-se somente<br />

à interceptação telefônica, enten<strong>de</strong>-se que nenhuma liberda<strong>de</strong> individual é absoluta,<br />

sendo possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências3 e<br />

comunicações telegráficas e <strong>de</strong> dados sempre que as liberda<strong>de</strong>s públicas estiverem sendo<br />

utilizadas como instrumento <strong>de</strong> salvaguarda <strong>de</strong> práticas ilícitas.4<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pela possibilida<strong>de</strong> excepcional <strong>de</strong><br />

interceptação <strong>de</strong> carta <strong>de</strong> presidiário pela administração penitenciária, enten<strong>de</strong>ndo que<br />

a “inviolabilida<strong>de</strong> do sigilo epistolar não po<strong>de</strong> constituir instrumento <strong>de</strong> salvaguarda <strong>de</strong><br />

práticas ilícitas”.5<br />

A análise do <strong>direito</strong> comparado reforça a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> relativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssas inviolabilida<strong>de</strong>s.<br />

O art. 72 da Constituição do Reino da Dinamarca, promulgada em 5-6-1953, expressamente<br />

prevê que qualquer violação do segredo <strong>de</strong> correspondência postal, telegráfica<br />

e telefônica somente po<strong>de</strong>rá ocorrer se nenhuma lei justificar exceção particular, após<br />

<strong>de</strong>cisão judicial.<br />

O art. 12 da Lei Constitucional da Finlândia prevê que será inviolável o segredo das<br />

comunicações postais, telegráficas e telefônicas, salvo as exceções estabelecidas em lei.<br />

Igualmente, o art. 15 da Constituição italiana prevê que a liberda<strong>de</strong> e o segredo da<br />

correspondência e <strong>de</strong> qualquer outra forma <strong>de</strong> comunicação são invioláveis. Sua limitação<br />

po<strong>de</strong> ocorrer somente por <strong>de</strong>terminação da autorida<strong>de</strong> judiciária, mantidas as garantias<br />

estabelecidas em lei.<br />

Importante <strong>de</strong>stacar que a previsão <strong>constitucional</strong>, além <strong>de</strong> estabelecer expressamente<br />

a inviolabilida<strong>de</strong> das correspondências e das comunicações em geral, implicitamente<br />

1 STF - 2a T. - HC n“ 82.788/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 2 jun. 2006, p. 43.<br />

2 STF - 2a T. - HC n° 93.050/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJE, 31-07-2008.<br />

3 STJ - Quinta Ttirma - HC 203.371/RJ - Rei. Min. Laurita Vaz, ju lgado em 3-5-2012.<br />

4 STF, I a H irm a, HC n“ 70.814-5/SP, Rei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 2 4 ju n . 1994, p.<br />

16.650 ~RT 709/418. S TF-C arta Rogatória n° 7.323-2-R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello-Presi<strong>de</strong>n te. DiáriodaJustiça,<br />

Seção I, 11 jun. 1999, p. 40; FTJ 157/44. Cf. a respeito neste capítulo, item 23.1.<br />

5 STF - I a T., H C n Q70.814-5/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DiáriodaJustiça, Seção 1,24jun. 1994, p. 16.650<br />

-R T 709/418.


Direitos e Garantias Fundamentais 6 1<br />

proíbe o conhecimento ilícito <strong>de</strong> seus conteúdos por parte <strong>de</strong> terceiros. O segredo das<br />

correspondências e das comunicações é verda<strong>de</strong>iro princípio corolário das inviolabilida<strong>de</strong>s<br />

previstas na Carta Maior.<br />

O preceito que garante o sigilo <strong>de</strong> dados engloba o uso <strong>de</strong> informações <strong>de</strong>correntes da<br />

informática. Essa nova garantia, necessária em virtu<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> uma nova forma<br />

<strong>de</strong> armazenamento e transmissão <strong>de</strong> informações, <strong>de</strong>ve coadunar-se com as garantias<br />

<strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, honra e dignida<strong>de</strong> humanas, <strong>de</strong> forma que se impeçam interceptações ou<br />

divulgações por meios ilícitos.<br />

15.1 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação telefônica<br />

Interceptação telefônica é a captação e gravação <strong>de</strong> conversa telefônica, no mesmo<br />

momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento <strong>de</strong> qualquer dos<br />

interlocutores. Essa conduta afronta o inciso XII do art. 5a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Nos casos <strong>de</strong> interceptações telefônicas, a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no citado<br />

inciso XII, do art. 5a, abriu uma exceção, qual seja, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> violação das comunicações<br />

telefônicas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes três requisitos:<br />

• or<strong>de</strong>m judicial;<br />

• para fins <strong>de</strong> investigação criminal ou instrução processual penal;<br />

• nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.<br />

A interceptação telefônica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m judicial (cláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional),<br />

que, nos termos do art. I a da Lei nQ9.296/96, <strong>de</strong>verá ser expedida pelo ju iz<br />

competente para a ação principal, em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>vidamente fundamentada que <strong>de</strong>monstre sua<br />

conveniência,1e indispensabilida<strong>de</strong>.2<br />

Essa regra, porém, <strong>de</strong>ve ser interpretada em consonância com as <strong>de</strong>mais normas <strong>de</strong><br />

competência, seja <strong>de</strong> natureza <strong>constitucional</strong>, seja <strong>de</strong> natureza infra<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong><br />

maneira a permitir - sem que possibilite qualquer violação ou frau<strong>de</strong> ao princípio do juízo<br />

natural - a aceitação das provas produzidas por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> juiz, que, futuramente e por fato<br />

superveniente, <strong>de</strong>monstrou-se incompetente para a ação principal.<br />

Portanto, o texto <strong>constitucional</strong> consagra a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito ao princípio<br />

do juízo natural nas <strong>de</strong>cretações <strong>de</strong> interceptação telefônica,3 sendo, porém, possível<br />

relativizar a regra <strong>de</strong> competência prevista no art. I a da Lei na 9.296/96, autorizando a<br />

interceptação telefônica por juiz diverso do juiz competente para a ação principal, tanto<br />

1 Enten<strong>de</strong>u nossa Corte Suprema não configurar <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>vidamente fundamentada aquela em que o Juiz não<br />

aponta fatos concretos que justifiquem sua real necessida<strong>de</strong>, optando, apenas por se “ reportar aos argumentos<br />

<strong>de</strong>duzidos pelo Ministério Público” (STF - 2“ T .- H C 96056/PE -Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011).<br />

2 STF - Pleno - Inq. 2.424 - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 26-11-2008; STF - 1‘ T. - HC 94.028 - Rei. Min.<br />

Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 22-4-2009; S T F -H C 103418/PE-Rel. Min. Dias TáífoU-Informativo STF n° 648; STF -<br />

2i T. - HC 96056/PE -R el. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011. No Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, conferir:<br />

STJ - 5ST. - HC 104005/RJ - Rei. Min. Jorge Mussi, <strong>de</strong>cisão: 8-11-2011.<br />

3 STJ - 5 “ T. - HC nü49.179/RS - Rei. Min. Laurita Vaz, Diário d a Justiça, Seção 1,30 out. 2006, p. 341.


6 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

na hipótese <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> medida cautelar,1 quanto na hipótese <strong>de</strong> alteração futura por<br />

<strong>de</strong>clinação <strong>de</strong> competência.12<br />

O segundo requisito <strong>constitucional</strong> exige que a produção <strong>de</strong>sse meio <strong>de</strong> prova seja dirigida<br />

para fins <strong>de</strong> investigação criminal ou instrução processual penal, não sendo, portanto,<br />

autorizada a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> interceptação telefônica em processos civis, administrativos,<br />

disciplinares, extradicionais3 ou político-administrativos.<br />

A exigência <strong>de</strong> investigação criminal não obriga a instauração prévia <strong>de</strong> inquérito policial,<br />

pois se trata <strong>de</strong> peça dispensável para o oferecimento da <strong>de</strong>núncia, e, posterior, início<br />

da ação penal, significando, conforme já <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que “basta,<br />

sim, que o órgão do Ministério Público julgue necessária a referida interceptação para a formação<br />

<strong>de</strong> seu convencimento durante procedimento <strong>de</strong> investigação criminal preliminar”.4<br />

Ressalte-se, ainda, que limitação <strong>constitucional</strong> à <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> interceptações telefônicas<br />

somente no curso <strong>de</strong> investigações criminais ou instruções processuais penais, não<br />

impe<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua utilização no processo civil,5 administrativo, disciplinar,6<br />

extradicional ou político-administrativo como prova emprestada, aproveitando-se os dados<br />

obtidos por meio <strong>de</strong> interceptação telefônica regularmente <strong>de</strong>terminada pela autorida<strong>de</strong><br />

judicial; uma vez que, conforme salientou o Ministro Cezar Peluso, “não é disparatado<br />

sustentar-se que nada impedia nem impe<strong>de</strong>, noutro procedimento <strong>de</strong> interesse substancial<br />

do mesmo Estado, agora na vertente da administração pública, o uso da prova assim<br />

produzida em processo criminal”.7<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>ssa prova emprestada somente será vedada, quando<br />

verificado o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, a simulação ou frau<strong>de</strong> no curso da investigação, no<br />

sentido <strong>de</strong> burlar a vedação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> interceptações telefônicas<br />

no processo civil ou administrativo.<br />

Em relação ao último requisito (nas hipóteses e na form a que a lei estabelecer), a doutrina<br />

dividia-se sobre a recepção e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização do Código <strong>de</strong> Telecomunicações,<br />

enquanto não fosse editada lei regulamentando as interceptações telefônicas,<br />

tendo porém o Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>cidindo a questão,8 afirmado a<br />

não recepção do art. 5 7, II, e, da Lei ne 4.117/62 (Código Brasileiro <strong>de</strong> Telecomunicações),<br />

1 STJ - 5a T. -R H C na 20.026/SP - Rei. M in. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção 1,26 fev. 2007, p. 616.<br />

2 STJ - 5aT. - RHC n° 19.789/RS - Rei. Min. Gilson Dipp, Diário da Justiça, Seção i, 5 fev. 2007, p. 263.<br />

3 STF - Pleno - Extr. n° 1.021-2/República Francesa - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 6-3-2007 e InformativoSTF<br />

nQ458.<br />

4 S T F - 2 a T. -RE-ED ns 449.206/PR- Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,25 nov. 2005, p. 33.<br />

5 Excepcionalmente, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong>u possível a <strong>de</strong>term inação judicial para interceptação<br />

telefônica dada por Juiz da Vara <strong>de</strong> Família, pois, em tese, havería a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong><br />

suposta prática da infração penal prevista no art. 237 do ECA (subtração <strong>de</strong> m enor): ST J - 3a T. - HC 203405/<br />

MS - Rei. Min. Sidnei Beneti, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011.<br />

6 STF - Pleno - Quest. Ord. Em Inq. 2.725/SP - Rei. Min. Carlos Britto.<br />

7 STF - MS n“ 26.249/D F-m edida ca u tela r-R ei. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 mar. 2007,<br />

p. 32. Conferir, ainda: S T F -P le n o -H C nQ91.207/RJ- medida ca u tela r-R ei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 6-6-<br />

2007; S T F -P le n o - Inq. n22.4 2 4 Q O / R J -R el. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 25-4-2007. Informativo STF n° 464.<br />

8 STF, HC 69.912-0-RS, Plenário, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, m aioria (10 x 1), j. 30-6-93, DJU, 26 nov.<br />

1993, p. 25.531/2.


Direitos e Garantias Fundamentais 63<br />

vedando-se qualquer espécie <strong>de</strong> interceptação telefônica, até edição da legislação exigida<br />

<strong>constitucional</strong>mente, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretar-se a ilicitu<strong>de</strong> da prova por esse meio obtida.<br />

Ressalte-se que o entendimento do Pretório Excelso sobre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação<br />

telefônica, mesmo com autorização judicial para, na investigação criminal<br />

ou instrução processual penal, ausente a edição da lei exigida <strong>constitucional</strong>mente, foi<br />

mantido até a edição da Lei n® 9.296, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1996, quando então a hipótese<br />

foi regulamentada.1<br />

15.2 Lei n° 9.296, <strong>de</strong> 24-7-1996 - Interceptações telefônicas<br />

A Lei n® 9.296, <strong>de</strong> 24-7-1996, foi editada para regulamentar o inciso XII, parte final<br />

do art. 5®, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>terminando que a interceptação <strong>de</strong> comunicações<br />

telefônicas, <strong>de</strong> qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução<br />

processual penal, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m do juiz competente da ação principal, sob segredo<br />

<strong>de</strong> justiça, aplicando-se, ainda, à interceptação do fluxo <strong>de</strong> comunicações em sistemas <strong>de</strong><br />

informática e telemática,12 cessando assim a discussão sobre a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong>ste<br />

meio <strong>de</strong> prova e, consequentemente, sobre sua licitu<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que realizado após a edição<br />

da lei, que não contém efeito retroativo.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral exige a comprovação da legitimida<strong>de</strong> das interceptações<br />

telefônicas, com a fiel observância <strong>de</strong> todos os requisitos legais,4 não enten<strong>de</strong>ndo, porém,<br />

que exista ofensa ao <strong>direito</strong> ao silêncio e ao <strong>direito</strong> a não autoincriminação nas gravações<br />

obtidas mediante os requisitos constitucionais e legais para a realização <strong>de</strong> interceptação<br />

telefônica.5<br />

1 Neste sentido, três acórdãos prolatados no período <strong>de</strong> dois meses antes da edição da citada lei que regulamentou<br />

a interceptação telefônica: HC 72.588-PB, Rei. Min. Maurício Corrêa, 12jun. 9 6 -InformativoSTF, Brasília,<br />

na3 5 ,10 a 14jun. 1996; HC 73351-SP - habeas corpus, Rei. Min. lim ar Galvão, m. v., j. 9 m aio 96, Informativo<br />

STF n° 30. No mesmo sentido: HC 73.461-SP, Rei. Min. Octávio Gallotti, 11 jun. 96. A transcrição das ementas<br />

encontra-se nos comentários sobre provas ilícitas.<br />

2 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral negou medida liminar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> proposta<br />

em face do art. I a da Lei na 9.296/96, que instituiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação do fluxo <strong>de</strong> comunicações<br />

em sistema <strong>de</strong> informática e telem ática (STF - Pleno - Adin na 1.488-9/DF - medida liminar - Rei. Min. Néri da<br />

Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1999. p. 63). Enten<strong>de</strong>mos inexistir qualquer in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

no citado artigo da lei (conform e salientado em MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Direitos h umanos fundamentais. 2. ed.<br />

São Paulo: Atlas, 1998. p. 150-152). Nesse mesmo sentido: GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação<br />

telefônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 171-176; STREK, Lenio Luiz. As interceptações telefônicas<br />

e os <strong>direito</strong>s fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 42; JESUS, Damásio E. Interceptação <strong>de</strong><br />

comunicações telefônicas: notas à Lei na 9.296, <strong>de</strong> 24-7-1996. R T 735/458.<br />

3 S T F -2 “ T .-H C n °7 4 .1 1 6 / S P -R el. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,14mar. 1997, p. 06.903. “É<br />

ilícita a prova induzida mediante escuta telefônica autorizada por magistrado, antes do advento da Lei na 9.296, <strong>de</strong><br />

24-7-96, que regulamentou o art. 5a, inc. XII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral; são igualmente ilícitas, por contaminação,<br />

as <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes: aplicação da doutrina norte-americana dos frutos da árvore venenosa." No mesmo sentido:<br />

STF - 2*T. - HC na 73.250-0/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, Didrio da Justiça, Seção 1 ,17 out. 1997, p. 52.490.<br />

4 STF - l aT . - HC 99646/RJ - Rei. Min. Marco Aurélio, DJe-055, 25 março <strong>de</strong> 2010. Conferir a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> com provação <strong>de</strong> todos os requisitos legais: STF - 2“ T. - HC 85360/SP - Rei. p/Acórdão Min. Eros Grau,<br />

D Je-176,17-9-2009.<br />

5 STF - 2 “ T .- H C 103236/ES - Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, DJe-164, 2-9-2010. Nesse mesm o sentido, conferir:<br />

STJ - 5a T. - Resp 1134455/RS - Rei. Min. Gilson Dipp, <strong>de</strong>cisão: 22-2-2011.


64 Direito Constitucional • Moraes<br />

O afastamento da inviolabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> em relação às comunicações telefônicas<br />

exige a presença da imprescindibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse meio <strong>de</strong> prova,1pois a citada lei vedou<br />

a realização <strong>de</strong> interceptação <strong>de</strong> comunicações telefônicas quando não houver indícios<br />

razoáveis da autoria ou participação em infração penal ou a prova pu<strong>de</strong>r ser feita por<br />

outros meios disponíveis, não po<strong>de</strong>ndo, portanto, em regra, ser a primeira providência<br />

investigatória realizada pela autorida<strong>de</strong> policial,12 consagrando a necessida<strong>de</strong> da presença<br />

do fumus boni iuris, pressuposto exigível para todas as medidas <strong>de</strong> caráter cautelar,3 afirmando<br />

Antonio Magalhães Gomes Füho que <strong>de</strong>ve ser perquirida a exclusivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste meio<br />

<strong>de</strong> prova, “diante da forma <strong>de</strong> execução do crime, da urgência na sua apuração, ou então<br />

da excepcional gravida<strong>de</strong> da conduta investigada, a ponto <strong>de</strong> justificar-se a intromissão”.4<br />

Importante ressaltar, ainda, que somente será possível a autorização para a interceptação<br />

quando o fato investigado constituir infração penal punida com reclusão,5 o que,<br />

enten<strong>de</strong>mos, não <strong>de</strong>sautoriza a utilização, como meio <strong>de</strong> prova, <strong>de</strong> eventuais gravações<br />

relacionadas com crimes apenados com <strong>de</strong>tenção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conexos como o objeto principal<br />

da investigação e obtidas no mesmo procedimento.6<br />

Nesse sentido, importante lição do Ministro Nelson Jobim, que, ao questionar - “Não<br />

é possível a utilização <strong>de</strong> procedimento legal e legítimo <strong>de</strong> interceptação telefônica já<br />

executada para <strong>de</strong>monstrar a presença <strong>de</strong> novos crimes conexos aos primeiros? - , conclui<br />

que “se a escuta telefônica - repito, executada <strong>de</strong> forma legal - acabou por trazer novos<br />

elementos probatórios <strong>de</strong> outros crimes que não geraram o pleito das gravações, especialmente<br />

quando são conexos, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem ser levados em consi<strong>de</strong>ração. De outra forma,<br />

nunca seria possível a interceptação telefônica para a investigação <strong>de</strong> crimes apenados<br />

com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com <strong>de</strong>tenção”.7<br />

Assim, a partir da edição da citada lei, fixando as hipóteses e a forma para a interceptação<br />

das comunicações telefônicas, a mesma po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>terminada pelo juiz, <strong>de</strong><br />

ofício ou a requerimento da autorida<strong>de</strong> policial (somente na investigação criminal) ou do<br />

representante do Ministério Público (tanto na investigação criminal, quanto na instrução<br />

processual penal), sempre <strong>de</strong>screvendo-se com clareza a situação objeto da investigação,<br />

1 STF - 2a T. - HC na 105.527/DF - Rei. Min. EUen Gracie, DJe <strong>de</strong> 13-5-11; STF - I a T. - HC 94.028 - Rei. Min.<br />

Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 22-4-2009; STF - Pleno - Inq. 2 .4 2 4 - Rei. Min. CezarPeluso, <strong>de</strong>cisão: 26-11-2008.<br />

2 STJ - 6a T. - HC 130.054-PE, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 7-2-2012.<br />

3 FERNANDES, Antonio Scarance. Interceptações telefônicas: aspectos processuais da lei. Boletim IBCCRIM,<br />

na 45, p. 15, São Paulo, ago. 1996.<br />

4 GOMES FILH O , Antonio Magalhães. A violação do princípio da proporcionalida<strong>de</strong> pela Lei n“ 9.296/96.<br />

Boletim IBCCRIM, São Paulo, n° 45, p. 14. São Paulo, ago. 1996.<br />

5 Conforme <strong>de</strong>cidiu o STF, a “autorização para interceptação telefônica abrange a participação <strong>de</strong> qualquer<br />

interlocutor nos fatos objeto da apuração, não havendo, portanto, limitação subjetiva quanto à utilização da<br />

prova obtida mediante tal procedim ento” (STF - MS nQ24.464/DF - Rei. Min. Ellen Gra<strong>de</strong>, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,5 mar. 2003, p. 27).<br />

6 Nesse mesmo sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que: “a interceptação teria sido realizada <strong>de</strong> forma<br />

legal e legítima para apuração <strong>de</strong> crimes puníveis com reclusão. Dessa forma, os elementos probatórios levantados<br />

a partir <strong>de</strong>sse procedimento em relação a outros crimes conexos puníveis com <strong>de</strong>tenção po<strong>de</strong>ríam e <strong>de</strong>veríam ser<br />

levados em consi<strong>de</strong>ração para fundamentar <strong>de</strong>núncia quanto a estes, sob pena <strong>de</strong> se inviabilizar a interceptação<br />

telefônica para a investigação <strong>de</strong> crimes apenados com reclusão quando estes forem conexos com crimes punidos<br />

com <strong>de</strong>tenção” (STF - Pleno - HC na 83515/RS - Rei. Min. Nelson Jobim, Informativo STF na 361, p. 2).<br />

7 STF - Pleno - HC n“ 83515/RS - Rei. Min. Nelson Jobim, Informativo STF n“ 365; STF - 2a T. - HC n“ 84.388/<br />

SP - Rei. Min. Joaquim Barbosa - Informativo STF nQ367, p. 4.


Direitos e Garantias Fundam entais 65<br />

inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilida<strong>de</strong> manifesta,<br />

<strong>de</strong>vidamente justificada.1<br />

Feito o pedido <strong>de</strong> interceptação <strong>de</strong> comunicação telefônica, que conterá a <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> que sua realização é necessária à apuração <strong>de</strong> infração penal e a indicação dos<br />

meios a serem empregados, o juiz terá o prazo máximo <strong>de</strong> 24 horas para <strong>de</strong>cidir, indicando<br />

também a form a <strong>de</strong> execução da diligência, que não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r o prazo <strong>de</strong> 15 dias,<br />

renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilida<strong>de</strong> do meio <strong>de</strong> prova.12<br />

Adotamos novo posicionamento, diverso das três primeiras edições <strong>de</strong>sta obra on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fendíam os a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma única renovação da medida.3 Enten<strong>de</strong>mos, melhor<br />

refletindo sobre o tema, que há circunstâncias on<strong>de</strong> a indispensabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse meio <strong>de</strong><br />

prova possibilitará sucessivas renovações (por exemplo: combate ao tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes),<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, a cada nova renovação o magistrado analise <strong>de</strong>talhadamente a<br />

presença dos requisitos e a razoabilida<strong>de</strong> da manutenção <strong>de</strong>ssa medida <strong>de</strong>vastadora da<br />

intimida<strong>de</strong> e privacida<strong>de</strong>,4 sob pena <strong>de</strong> inversão dos valores constitucionais.5 6<br />

Haverá autuação em autos apartados, preservando-se o sigilo das diligências, gravações<br />

e transcrições respectivas.<br />

1 STJ - 5aT.-RHC n° 19.789/RS - Rei. Min. Gilson Dipp, Diário da Justiça, Seção I, 5 fev. 2007, p. 263; STJ<br />

- 6a T. - HC nQ50.365/SP - Rei. Min. Hamilton Carvalhido, Diário da Justiça, Seção I, 19 mar. 2007, p. 395;<br />

STJ - 6aT. - HC nQ49.682/SP, Rei. Min. Hélio Quaglia Barbosa; STJ - 6aT. - HC na 34.008/SP, ReL Min. José<br />

Arnaldo da Fonseca, Diário da Justiça, Seção I, 25 abr. 2004; STJ-5a T. -H C n Q60.776/RJ-Rel. Min. Laurita<br />

Vaz, Diário daJustiça, Seção 1,12 mar. 2007, p. 278; STJ - 6âT. -HC na50.319/SP, Rei. Min. FelixFischer, Diário<br />

da Justiça, Seção I, Ia ago. 2006; STJ - 6a T. - HC na 34.008/SP, Rei. Min. José Arnaldo da Fonseca, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 25 abr. 2004.<br />

2 Sobre o termo inicial para a interceptação telefônica, conferir STJ - 6a T. - HC 113.477-DF, Rei. Min. Maria<br />

Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, julgado em 20-3-2012.<br />

3 Nesse sentido, não admitindo renovações sucessivas, mas tão-somente uma única renovação, <strong>de</strong>cidiu a 6a<br />

Túrma do STJ: “Foi por meio da Lei nQ9.296, <strong>de</strong> 1996, que o legislador regulamentou o texto <strong>constitucional</strong>;<br />

é explícito o texto infra<strong>constitucional</strong> - e bem explícito - em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo <strong>de</strong> quinze<br />

dias; segundo, quanto à renovação - “renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilida<strong>de</strong> do<br />

meio <strong>de</strong> prova”. Inexistindo, na Lei na 9.296/96, previsão <strong>de</strong> renovações sucessivas, não há como admiti-las.<br />

(...) Se não <strong>de</strong> trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo <strong>de</strong> lei (Lei na 9.296/96, art. 5a),<br />

que sejam, então, os sessenta dias do estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (Constituição, art. 136, § 2a), ou razoável prazo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que, é claro, na última hipótese, haja <strong>de</strong>cisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita<br />

ou implícita violação do art. 5a da Lei ne 9.296/96, evi<strong>de</strong>nte violação do princípio da razoabilida<strong>de</strong>” (STJ - 6a<br />

T. -H CnQ76686/PR-Rei. Min. Nilson Naves, DJe 10-11-2008).<br />

4 Foi esse o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: STF - Pleno - HC na 83515/RS - ReL<br />

Min. Nelson Jobim, Informativo STF na 361, p. 2; STF - 2- T. - HCna 84.301/SP- Rei. Min. Joaquim Barbosa,<br />

Diário daJustiça, Seção I, 24 mar. 2006, p. 167; STF - 2a T. - HC n° 84.388/SP - ReL Min. Joaquim Barbosa,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,19 maio 2006, p. 33. Igualmente, no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: STJ - 6a T. - HC n°<br />

50.193/ES - ReL Min. Nilson Naves, Diário da Justiça, Seção 1,21 ago. 2006, p. 279; STJ-5a T. -H C n°43.958/<br />

SP - ReL Min. Laurita Vaz, Diário da Justiça, Seção I, 12 jun. 2006, p. 507; STJ - 5a T. - HC nQ42220/SP - ReL<br />

Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção 1,10 abr. 2006, p. 238.<br />

5 Cf. <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral permitindo diversas renovações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, razoáveis, necessárias<br />

e fundamentadas (STF - I a T. - HC 102.601/MS - Rei. Min. DiasToffoli, <strong>de</strong>cisão: 4-10-2011; STF-Pleno-Inq.<br />

2424/RJ-Rel. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão 19 e 20-11-2008); assim como o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: STJ-<br />

6a T. - HC 135771-PE - Rei. Min. Og Fernan<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 4-8-2011.


6 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como observado pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, a lei adotou o sistema <strong>de</strong><br />

verificação prévia da legalida<strong>de</strong> condicionando a interceptação à autorização judicial,<br />

ressaltando, porém, como nossa posição que<br />

“melhor seria se a lei houvesse optado, como exceção, pelo sistema da verificação<br />

posterior da legalida<strong>de</strong>. Em outras palavras, a autorida<strong>de</strong> policial e o representante<br />

do Ministério Público po<strong>de</strong>ríam tomar a iniciativa; concluída a diligência<br />

encaminhariam-na ao magistrado; se não contivessevícioe fosse pertinente, seria<br />

anexada aos autos. Caso contrário, <strong>de</strong>struída, implicando eventual responsabilida<strong>de</strong><br />

criminal. Nessa direção, o mo<strong>de</strong>rno Código <strong>de</strong> Processo Penal da Itália (art.<br />

267.2). Com efeito a prova é caracterização <strong>de</strong> um fato; po<strong>de</strong>rá ser passageiro.<br />

O crime não tem hora marcada. Acontece a qualquer momento, mesmo fora do<br />

expediente Judiciário. Se não for tomada medida imediata, per<strong>de</strong>rá importância.<br />

Não creio que a autorização verbal (art. 4a, § I a) possa cobrir todas as hipóteses”.1<br />

A diligência será conduzida pela autorida<strong>de</strong> policial, que po<strong>de</strong>rá requisitar auxílio<br />

aos serviços e técnicos especializados às concessionárias <strong>de</strong> serviço público, sempre com<br />

prévia ciência do Ministério Público,12 que po<strong>de</strong>rá acompanhá-la, se enten<strong>de</strong>r necessário.<br />

Se houver possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gravação da comunicação interceptada, será <strong>de</strong>terminada<br />

sua transcrição, encaminhando-se ao juiz competente, acompanhada com o <strong>de</strong>vido auto<br />

circunstanciado, que <strong>de</strong>verá conter o resumo das operações realizadas.3<br />

Após o término da diligência, a prova colhida permanecerá em segredo <strong>de</strong> Justiça,<br />

<strong>de</strong>vendo então, caso já haja ação penal, ser possibilitado ao <strong>de</strong>fensor sua análise, em<br />

respeito aos princípios do <strong>de</strong>vido processo legal, contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa. Ressalte-<br />

-se que a natureza da diligência impe<strong>de</strong> o conhecimento anterior do investigado e <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>fensor, pois, como ressalta Antonio Scarance Fernan<strong>de</strong>s,<br />

“obviamente, se informado o réu ou o investigado, nunca iria ele efetuar qualquer<br />

comunicação comprometedora. O contraditório será diferido, garantindo-se, após<br />

a gravação e transcrição, ao investigado e ao acusado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> impugnar a prova<br />

obtida e oferecer contraprova”.4<br />

1 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Lei n° 9.296/96 - Interceptação telefônica. Boletim IBCCRIM, n° 45, p. 14,<br />

São Paulo, ago. 1996.<br />

2 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “ N a linha do art. 6a, caput, da L. 9.296/96, a obrigação <strong>de</strong><br />

cientificar o M inistério Público das diligências efetuadas é prioritariam ente da polícia. O argum ento da falta<br />

<strong>de</strong> ciência do M P é superado pelo fato <strong>de</strong> que a <strong>de</strong>núncia não sugere surpresa, novida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>sconhecimento<br />

do procurador, mas sim envolvim ento próxim o com as investigações e conhecim ento pleno das providências<br />

tomadas” (STF - Pleno - HC n° 83.515/RS - Rei. Min. Nelson Jobim, Diário da Justiça, Seção 1,4 mar. 2005, p.<br />

11). Em sentido diverso, anteriormente, havia <strong>de</strong>cidido a Procuradoria-Geral <strong>de</strong> Justiça, confirm ando arquivamento<br />

<strong>de</strong> inquérito policial (CPP, art. 28) baseado em interceptação telefônica, enten<strong>de</strong>u que “ o procedimento<br />

prescrito pela Lei n° 9.296/96, que prevê - <strong>de</strong> maneira cogente e im postergável - a ciência dos procedimentos<br />

<strong>de</strong> interceptação ao Ministério Público, uma vez <strong>de</strong>scumprido, acarreta a invalida<strong>de</strong> da prova, p or caracterizar<br />

omissão <strong>de</strong> form alida<strong>de</strong> que constitui elem ento essencial do ato (CPP, art. 564, inc. IV )” (PGJ/SP - Protocolo na<br />

36.386/98 - art. 28 do CPP - 1. P. na 79/98 (Comarca <strong>de</strong> Bragança Paulista) - JUSTTTIA - Órgão do Ministério<br />

Público do Estado <strong>de</strong> São Paulo - jan./<strong>de</strong>z. 1999 (n os 185/186/187/188).<br />

3 Conferir sobre procedimento: STF - Pleno - HC na 83515/RS - R ei Min. Nelson Jobim, Informativo STF na<br />

361, p. 2.<br />

4 FERNANDES, Antonio Scarance. Op. cit. p. 16.


Direitos e Garantias Fundamentais 6 7<br />

Dessa forma, a produção <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> prova em juízo está em plena consonância<br />

com o princípio do contraditório e da ampla <strong>de</strong>fesa, permitindo-se à <strong>de</strong>fesa impugná-la<br />

amplamente,1em respeito ao contraditório <strong>de</strong>ferido.12<br />

Ressalte-se, por fim, que não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação da comunicação<br />

telefônica entre o acusado e seu <strong>de</strong>fensor, pois o sigilo profissional do advogado, no exercício<br />

da profissão, é garantia do próprio <strong>de</strong>vido processo legal. A interceptação somente<br />

será possível se o advogado estiver envolvido na ativida<strong>de</strong> criminosa, pois nesta hipótese<br />

não estará atuando como <strong>de</strong>fensor, mas como participante da infração penal.3<br />

Em relação à possibilida<strong>de</strong> da utilização das gravações obtidas licitamente também<br />

para os <strong>de</strong>nominados “crime-achado”, ou como prova emprestada em outro procedimento,<br />

conferir item 15.4.<br />

A Resolução na 59, <strong>de</strong> 9-9-2008, editada pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça disciplinou<br />

e uniformizou as rotinas visando ao aperfeiçoamento do procedimento <strong>de</strong> interceptação<br />

<strong>de</strong> comunicações telefônicas e <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> informática e telemática nos órgãos jurisdicionais<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

15.3 Gravação clan<strong>de</strong>stina<br />

Diferentemente da gravação resultante <strong>de</strong> interceptação telefônica, as gravações<br />

clan<strong>de</strong>stinas são aquelas em que a captação e gravação da conversa pessoal, ambiental<br />

ou telefônica se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos<br />

interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento<br />

dos <strong>de</strong>mais interlocutores. Dessa forma, não se confun<strong>de</strong> interceptação telefônica com<br />

gravação clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong> conversa telefônica, pois enquanto na primeira nenhum dos<br />

interlocutores tem ciência da invasão <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>, na segunda um <strong>de</strong>les tem pleno<br />

conhecimento <strong>de</strong> que a gravação se realiza. Essa conduta afronta o inciso X do art. 5a da<br />

1 Cf. MAII.I.O, Alfonso Serrano. Valor <strong>de</strong> las escuchas telefônicas co m o prueba en el sistema espanol. Nulidad<br />

<strong>de</strong> la prueba obtenida ilegalmente. Revista Brasileira <strong>de</strong> Ciências Criminais, n° 15, p. 13, São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1996. Contra o sentido do texto: Roberto Delm anto e Roberto Delmanto Junior afirmam que “apesar<br />

da nova lei estar em aparente consonância com o art. 5a, XII, da CF/88, que permite a violação das comunicações<br />

telefônicas para fins <strong>de</strong> investigação crim inal ou instrução processual penal, parece-nos que a interceptação<br />

telefônica durante a instrução judicial coli<strong>de</strong> com as garantias constitucionais da igualda<strong>de</strong> (art. 5°, caput), do<br />

contraditório e da am pla <strong>de</strong>fesa (art. 5a, LV ), do <strong>direito</strong> à lealda<strong>de</strong> processual (fairplay), abrangido pela garantia<br />

do <strong>de</strong>vido processo legal (art. 5a, LIV), e da própria inviolabilida<strong>de</strong> do exercício da advocacia (art. 133),<br />

esta última no caso <strong>de</strong> interceptação <strong>de</strong> comunicação telefônica entre o acusado e seu <strong>de</strong>fensor” ( A permissão<br />

<strong>constitucional</strong> e a nova lei <strong>de</strong> interceptação telefônica. Boletim IBCCrim, n° 47, p. 2, out. 1996).<br />

2 STF - I a T. - HC na 90.232/AM - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 2 mar. 2007, p.<br />

3 8; STF - HC na 89.930/PR - Rei. Min. Carmen Lúcia, Diário da Justiça, Seção 1 ,13 nov. 2006, p. 75; STF - HC<br />

nQ88.190/RJ - MC - Rei. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,3 ago. 2006, p. 29; STF - I a T. - HC nD<br />

87.827/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,23 jun. 2006, p. 53; S T F -H C n“ 86.058/<br />

P R - M C - R e i. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,30 jun. 2005, p. 145; S T F -H C n° 85.228/ES - MC<br />

- R e i. Min. Cezar Peluso,D iário da Justiça, Seção 1,10 fev. 2005, p. 1 e S T F - l aT .-H C n °8 2 .3 5 4 / P R -R e l. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,24 set. 2004, p. 42 e, também, no SuperiorTribunal <strong>de</strong> Justiça:<br />

5a T. - HC na 67.114/SP - Rei. Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção 1,26 fev. 2007, p. 627.<br />

3 STF - Pleno - agravo regimental -H C n- 83966 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 23.6.2004, Informativo STF<br />

n“ 353, p. 1; STF - Pleno - Ext. n° 855/República do Chile - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Informativo STF n“ 358, p. 2.


68 Direito Constitucional • Moraes<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, diferentemente das interceptações telefônicas que, conforme já<br />

analisado, afrontam o inciso XII do art. 5o da Carta Magna.<br />

Elimar Szaniawski, ao expor as diferenças entre as gravações lícitas e ilícitas, afirma<br />

que<br />

“as primeiras (gravações lícitas) consistem na realização do registro <strong>de</strong> conversações,<br />

<strong>de</strong>poimentos, conferências ou narrativas dos mais diversos fatos como a<br />

ocorrência <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>sabamentos, homicídios, fenômenos naturais etc Nesta<br />

espécie <strong>de</strong> gravação, as lícitas, verificamos que sua principal característica é que,<br />

no momento em que foi realizada a captação do som, voz ou imagem do indivíduo,<br />

tinha este o pleno conhecimento da feitura das gravações ou dos interlocutores,<br />

tratando-se <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> uma conversação. Po<strong>de</strong>, ainda, a gravação ser realizada<br />

perante autorida<strong>de</strong> policial ou administrativa on<strong>de</strong> se assegurem todas as garantias<br />

constitucionais <strong>de</strong> respeito à liberda<strong>de</strong> da pessoa humana, <strong>de</strong> sua dignida<strong>de</strong> e o<br />

respeito à sua pessoa. Já o segundo grupo, o das gravações ilícitas, se caracteriza<br />

pelo fato do <strong>de</strong>sconhecimento por parte do indivíduo, interlocutores, ou grupos <strong>de</strong><br />

pessoas, <strong>de</strong> que sua voz ou imagem estejam sendo captadas e registradas por intermédio<br />

<strong>de</strong> algum aparelho em fitas para po<strong>de</strong>r ser reproduzida. Inclui-se na espécie a<br />

captação da imagem por meio <strong>de</strong> fotografias do tipo chapa fotográfica, filme negativo,<br />

dispositivos (sli<strong>de</strong>s) ou outros meios <strong>de</strong> fixação da imagem. As gravações ilícitas<br />

po<strong>de</strong>m ser classificadas em: interpolações, montagens e gravações sub-reptícias”.1<br />

Em relação à gravação sub-reptícia, continua dizendo ser aquela<br />

“que se dá clan<strong>de</strong>stinamente, isto é, quando a voz, a imagem ou a imagem e a voz,<br />

simultaneamente, são fixadas p>or aparelhos sem o conhecimento da pessoa que<br />

fala e cuja imagem aparece. São captações clan<strong>de</strong>stinas geralmente realizadas por<br />

aparelhos ocultos ou disfarçados. A maioria dos autores <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> gravações<br />

ilícitas aquelas que são realizadas às ocultas sem conhecimento p>or parte daquele<br />

cuja voz ou imagem estejam sendo gravadas. Para nós, qualquer <strong>de</strong>sses meios <strong>de</strong><br />

se captar a voz ou a imagem, clan<strong>de</strong>stinamente, bem como qualquer tipo <strong>de</strong> distorção<br />

<strong>de</strong> uma gravação, constitui-se em gravação ilícita, nesta última, mesmo que a<br />

gravação original tenha sido realizada com o conhecimento e expressa autorização<br />

da pessoa cuja voz ou imagem tenham sido captadas, qualquer esp>écie <strong>de</strong> corte ou<br />

outro tipo <strong>de</strong> distorção ou alteração caracterizam sua ilicitu<strong>de</strong>”.<br />

Assim, a tutela <strong>constitucional</strong> das comunicações preten<strong>de</strong> tornar inviolável a manifestação<br />

<strong>de</strong> pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoa, ou pessoas<br />

<strong>de</strong>terminadas. Consiste, pois, no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> escolher o <strong>de</strong>stinatário da transmissão.<br />

NelsonNery Júnior relata que no tocante ao processo civil, houve caso lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidido<br />

pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não admitindo prova <strong>de</strong> adultério obtida por gravação<br />

clan<strong>de</strong>stina em fita magnética, em ação <strong>de</strong> antigo <strong>de</strong>squite.12<br />

1 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> e sua tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 188.<br />

2 KTJ, 84/609. N o mesmo sentido: KTJ110/798, RT603/178. In: NERYJR., Nelson. Princípios do processo civil<br />

na constituição fe<strong>de</strong>ral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 143.


Direitos e Garantias Fundamentais 6 9<br />

A posição anterior do plenário da Corte Suprema, era pela inadmissibilida<strong>de</strong>, como<br />

prova, <strong>de</strong> laudo <strong>de</strong> gravação <strong>de</strong> conversa telefônica obtido por meios ilícitos (art. 5e, LVI,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral), por se tratar <strong>de</strong> gravação realizada por um dos interlocutores,<br />

sem conhecimento do outro, havendo a gravação sido feita com inobservância do princípio<br />

do contraditório, e utilizada com violação à privacida<strong>de</strong> alheia (art. 5a, X, da CF) ) Como<br />

salientou o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“a gravação <strong>de</strong> conversação com terceiros, feita através <strong>de</strong> fita magnética, sem o<br />

conhecimento <strong>de</strong> um dos sujeitos da relação dialógica, não po<strong>de</strong> ser contra este<br />

utilizada pelo Estado em juízo, uma vez que esse procedimento - precisamente por<br />

realizar-se <strong>de</strong> modo sub-reptício - envolve quebra evi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>, sendo,<br />

em consequência, nula a eficácia jurídica da prova coligida por esse meio. O fato<br />

<strong>de</strong> um dos interlocutores <strong>de</strong>sconhecer a circunstância <strong>de</strong> que a conversação que<br />

mantém com outrem está sendo objeto <strong>de</strong> gravação atua, em juízo, como causa<br />

obstativa <strong>de</strong>sse meio <strong>de</strong> prova. O reconhecimento <strong>constitucional</strong> do <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong><br />

(CF, art 5e, X) <strong>de</strong>sautoriza o valor probante do conteúdo <strong>de</strong> fita magnética<br />

que registra, <strong>de</strong> forma clan<strong>de</strong>stina, o diálogo mantido com alguém que venha a<br />

sofrer a persecução penal do Estado. A gravação <strong>de</strong> diálogos privados, quando executada<br />

com total <strong>de</strong>sconhecimento <strong>de</strong> um dos seus partícipes, apresenta-se eivada<br />

<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong>svalia, especialmente quando o órgão da acusação penal postula,<br />

com base nela, a prolação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto con<strong>de</strong>natório”.12<br />

A atual composição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, porém, reconheceu a repercussão<br />

geral <strong>de</strong>ssa matéria e, em hipótese excepcional, alterando esse posicionamento passou a<br />

admitir a gravação telefônica clan<strong>de</strong>stina realizada por um dos interlocutores, esten<strong>de</strong>ndo<br />

essa permissão, inclusive, no tocante a gravações ambientais.3<br />

Essa nova posição, com a qual guardamos reservas, amplia a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidados<br />

na utilização <strong>de</strong>sse meio <strong>de</strong> prova, pois não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer que toda gravação<br />

apresenta gran<strong>de</strong>s possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> manipulações, através <strong>de</strong> sofisticados meios<br />

eletrônicos e computadorizados, pelos quais se po<strong>de</strong>m suprimir trechos da gravação,<br />

efetuar montagens com textos diversos, alterar completamente o sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

conversas ou, ainda, utilizando-se <strong>de</strong> aparelhos mo<strong>de</strong>rníssimos, realizar montagens <strong>de</strong><br />

frases utilizando-se <strong>de</strong> padrões vocais <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada pessoa, motivos pelos quais, como<br />

regra geral, <strong>de</strong>vem ser inadmitidas como prova.<br />

1 STF, Ação Penal 307-3-DF, Plenário, Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1,13 out. 1995, vencidos<br />

os Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira. Nesse mesmo sentido: RE 100,094-5, Rei.<br />

Min, R afael M a yer,K T J 110/798; HC 63.834-1, Rei. Min. Aldir Passarinho, DJU, 5 jun. 1987, p. 11.112; STF,<br />

P T J 122/47.<br />

2 STF, voto proferido na Ação Penal 307-3-DF, Serviço <strong>de</strong> jurisprudência do STF, Ementário n° 1.804-11. No<br />

mesmo sentido: STF - I a T. - HC nD69.818-2 - SP - Rei. Min. Sepúlveda Pertence - v.u. - Diário da Justiça,<br />

27 nov. 1992 - p. 22.302/3 e STJ - 6a T. - RMS nD5.352/60 - Rei. p/Acordão Min. Adhemar Maciel, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 25 nov. 1996, p. 46.227; S T J -4 a T.-R esp n °2 .1 9 4 -0 1 R J - Rei. Min. Fontes <strong>de</strong> Alencar,Diário<br />

da Justiça, l ajul. 1996,<br />

3 STF - Pleno - RE 583937 - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m/RJ - Rei. M in. Cezar Peluso, DJe, 17-12-1009; STF - 2a T. - A I<br />

560223 AgR/SP - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 12-4-2011.


70 Direito Constitucional • Moraes<br />

Além <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação probatória, também é mister reconhecer<br />

que a gravação clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong> conversas acaba por atentar frontalmente com diversos<br />

<strong>direito</strong>s <strong>constitucional</strong>mente garantidos e, principalmente, contra a inviolabilida<strong>de</strong> da<br />

vida privada e da intimida<strong>de</strong>.1Devendo, mesmo em face <strong>de</strong>sse novo posicionamento do<br />

STF, ser aplicada excepcionalmente.<br />

Excepcionalmente enten<strong>de</strong>mos que se admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gravação clan<strong>de</strong>stina<br />

com autorização judicial,12 mesmo ausente lei específica que regulamente o assunto,3<br />

observado o princípio da razoabilida<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

que não se exige a cláusula <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> jurisdição nessas hipóteses4 (cf.,<br />

sobre o tema, neste mesmo capítulo, item 23.1).<br />

15.4 Excepcionalida<strong>de</strong> na utilização dos dados obtidos mediante interceptação<br />

telefônica fora das hipóteses restritas <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cretação: limitação<br />

subjetiva (<strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> novos partícipes), limitações objetivas (“crimeachado”<br />

e investigações diversas) e prova emprestada<br />

Não raras vezes, são <strong>de</strong>cretadas interceptações telefônicas pela autorida<strong>de</strong> judicial<br />

competente para a investigação <strong>de</strong> fato certo, tipificado pela lei penal como crime apenado<br />

com reclusão, e, no curso <strong>de</strong> sua efetivação, outras infrações penais são <strong>de</strong>scobertas<br />

C“crime-achado”), inclusive em relação a outros autores e partícipes, ou mesmo, acabam<br />

sendo produzidas provas em relação a outras investigações já em andamento.<br />

A interpretação das limitações subjetivas e objetivas na obtenção <strong>de</strong> provas mediante<br />

a autorização judicial para interceptações telefônicas <strong>de</strong>ve visar garantir a efetivida<strong>de</strong> da<br />

proteção aos <strong>direito</strong>s f undamentais consagrados no texto <strong>constitucional</strong>, em especial à<br />

intimida<strong>de</strong>, vida privada, sigilo das comunicações telefônicas; além da inadmissibilida<strong>de</strong><br />

das provas obtidas por meios ilícitos.<br />

Enquanto, entendo inexistir obstáculos à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização das provas obtidas<br />

em relação às pessoas diversas dos investigados, porém que participaram da ação<br />

criminosa, mesmo que, em face <strong>de</strong>ssa participação haja <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> competência<br />

(como, por exemplo, na hipótese da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> participação criminosa <strong>de</strong> <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong><br />

foro especial em razão da função);<br />

Em relação ao <strong>de</strong>nominado “crime-achado”, ou seja, àquela infração penal <strong>de</strong>sconhecida<br />

e, portanto, até aquele momento não investigada, entendo que <strong>de</strong>va existir maiores<br />

cuidados na aceitação da prova obtida, sob pena <strong>de</strong> excessiva relativização do inciso XII<br />

1 S T F - I a T. - H C na84.417/R J-R el. Min. Sepúl veda Pertence, Diário da Justiça, Seção L 17 ago. 2004, p. 13;<br />

STF -In q . n 2 1.996/PR~R el. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,2 5 jun. 2003, p. 70.<br />

2 STF -R I6 9 2 / 3 7 0 : “Gravação magnética <strong>de</strong> conversação mantida entre vítim a e réu. Ilegalida<strong>de</strong> inexistente<br />

Realização, a<strong>de</strong>mais, com autorização judicial. Habeas corpus <strong>de</strong>negado”; STF - l aT .- H C na74.6 7 8 -l/ S P -R el.<br />

Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,15 ago. 1997 - Ementário STF n2 1.878-02.<br />

3 Conforme afirmou o Ministro Moreira Alves: “Penso que o sistema brasileiro é similar ao italiano, on<strong>de</strong> a tutela<br />

do sigilo das comunicações não abrange a gravação, <strong>de</strong>scabe cogitar da exigência da interposição <strong>de</strong> qualquer<br />

outro provimento legislativo regulamentador” - voto-relator no HC na 74.678-1/SP - Ementário STFn21.878-02.<br />

4 STF - 2a T. - A I 560223 AgR/SP - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 12-4-2011


Direitos e Garantias Fundamentais 7 1<br />

do art. 5Ddo texto <strong>constitucional</strong>, e, consequentemente, <strong>de</strong> afastamento da proteção<br />

prevista no inciso LVI do art. 5e (inadmissibilida<strong>de</strong> das provas obtidas por meios ilícitos).<br />

Na hipótese <strong>de</strong> o “crime-achado” ser conexo com o crime objeto principal da investigação,<br />

<strong>de</strong>scabível seria a <strong>de</strong>cretação da ilicitu<strong>de</strong> da prova, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> o mesmo<br />

ser apenado com reclusão ou <strong>de</strong>tenção,1por encontrar-se no âmbito da investigação<br />

inicial.12<br />

Nas <strong>de</strong>mais hipóteses, como regra, para a preservação das liberda<strong>de</strong>s públicas<br />

consagradas <strong>constitucional</strong>mente, a prova obtida mediante interceptação telefônica em<br />

relação à infração penal diversa daquela investigada, somente <strong>de</strong>verá ser consi<strong>de</strong>rada<br />

lícita se, além <strong>de</strong> presentes todos os requisitos constitucionais e legais na <strong>de</strong>cretação da<br />

interceptação telefônica original, não se verificar nenhuma hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong><br />

ou mesmo simulação ou frau<strong>de</strong> para obtenção da mesma, como, por exemplo, a<br />

realização <strong>de</strong> um simulacro <strong>de</strong> investigação em crime apenado com reclusão somente<br />

para obtenção <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m judicial <strong>de</strong>cretando interceptação telefônica, porém, com o<br />

claro objetivo <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir e produzir provas em crimes apenados com <strong>de</strong>tenção, ou,<br />

ainda, para produção <strong>de</strong> provas a serem, posteriormente, utilizadas em processos civil<br />

ou administrativo-disciplinar.3<br />

A mesma interpretação <strong>de</strong>ve ser dada à obtenção <strong>de</strong> prova - via interceptação telefônica-em<br />

relação à infração penal investigada em outro procedimento. Presentes todos os<br />

requisitos <strong>constitucional</strong> e legalmente exigidos e ausentes <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, simulação<br />

ou frau<strong>de</strong> para obtenção da prova (como por exemplo: mediante negativa da autorida<strong>de</strong><br />

judicial competente para <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> interceptação telefônica em <strong>de</strong>terminada investigação;<br />

simula-se outra investigação perante outro juízo e contra outras pessoas, com o<br />

claro propósito <strong>de</strong> obter aprova anteriormente negada pelo juiz competente), plenamente<br />

aceitável sua utilização no processo, pois inexistente a intenção <strong>de</strong> ferimento aos <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais consagrados <strong>constitucional</strong>mente.4<br />

Esse mesmo raciocínio <strong>de</strong>verá ser utilizado no tocante à possibüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização<br />

dos dados obtidos mediante interceptação telefônica como prova emprestada.5<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu pela ampla possibüida<strong>de</strong> da utilização da prova<br />

emprestada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, garantidos o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.6 A Corte, inclusive,<br />

<strong>de</strong>cidiu pela “possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compartilhamento dos dados obtidos mediante intercep-<br />

1 Adm itindo essa hipótese em crimes apenados com <strong>de</strong>tenção: STF - 2a T. - A I 626214 AgR/M G - Rei. Min.<br />

Joaquim Barbosa, DJe-190, 8-10-2010; STF - I a T. - A I 761706 AgR/SP - Rei. Min. Carm en Lúcia, DJe-076,<br />

29-4-2010; S T F - l aT. - RMS 24.956 - R e i. M in. Marco Aurélio, DJ, 18-11-2005.<br />

2 STJ - 5a T. - RHC n° 19.789/RS - Rei. Min. Gilson Dipp, Diário da Justiça, Seção I, 5 fev. 2007, p. 263.<br />

3 STJ - C orte Especial - A pn n° 425/ES - Ação Penal - Rei. Min. José A rnaldo da Fonseca, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,15 maio 2006, p. 141.<br />

4 STF - MS n 224.464/DF - Rei. Min. Ellen Gracie, Diário da Justiça, Seção I, 5 mar. 2003, p. 27.<br />

5 STF - Pleno - Inq. 2.424 - Q O - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 20-6-2007; STF - Pleno - Pet. 3.683 - QO<br />

- Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-8-2008; STF - Pleno - Inq. 2424 - Q O - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão:<br />

20-6-2007.<br />

6 STF - l aT. - HC n° 95.186 - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 26-5-2009.


7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

tação telefônica, judicialmente autorizada, para o fim <strong>de</strong> subsidiar apurações <strong>de</strong> cunho<br />

disciplinar”.1<br />

16 INVIOLABILIDADE DE DADOS (ART. 5o, X E XII): SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL<br />

16.1 Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> da privacida<strong>de</strong> e do sigilo <strong>de</strong> dados<br />

A garantia do sigilo <strong>de</strong> dados como norma <strong>constitucional</strong> é previsão recente, pois foi<br />

trazida com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Com a inovação vieram inúmeras dúvidas e<br />

consequências jurídicas.12<br />

A inviolabilida<strong>de</strong> do sigilo <strong>de</strong> dados (art. 5a, X II)3 complementa a previsão ao <strong>direito</strong><br />

à intimida<strong>de</strong> e vida privada (art. 5a, X), sendo ambas as previsões <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da privacida<strong>de</strong><br />

regidas pelo princípio da exclusivida<strong>de</strong>, que preten<strong>de</strong> assegurar ao indivíduo, como<br />

ressalta Tercio Ferraz a<br />

“sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> diante dos riscos proporcionados pela niveladora pressão social<br />

e pela incontrastável impositivida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r político. Aquilo que é exclusivo é o<br />

que passa pelas opções pessoais, afetadas pela subjetivida<strong>de</strong> do indivíduo e que<br />

não é guiada nem por normas nem por padrões objetivos. No recôndito da privacida<strong>de</strong><br />

se escon<strong>de</strong> pois a intimida<strong>de</strong>. A intimida<strong>de</strong> não exige publicida<strong>de</strong> porque<br />

não envolve <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceiros. No âmbito da privacida<strong>de</strong>, a intimida<strong>de</strong> é o mais<br />

exclusivo dos seus <strong>direito</strong>s”.4<br />

Desta forma, a <strong>de</strong>fesa da privacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve proteger o homem contra: (a) a interferência<br />

em sua vida privada, familiar e doméstica; (b) a ingerência em sua integrida<strong>de</strong><br />

física ou mental, ou em sua liberda<strong>de</strong> intelectual e moral; (c) os ataques à sua honra e<br />

reputação; (d) sua colocação em perspectiva falsa; (e) a comunicação <strong>de</strong> fatos relevantes<br />

e embaraçosos relativos à sua intimida<strong>de</strong>; (f) o uso <strong>de</strong> seu nome, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e retrato; (g)<br />

a espionagem e a espreita; (h) a intervenção na correspondência; (i) a má utilização <strong>de</strong><br />

informações escritas e orais; (j) a transmissão <strong>de</strong> informes dados ou recebidos em razão<br />

<strong>de</strong> segredo profissional.<br />

1 STF - Pleno - Inq. 2.725/SP - Rei. Min. Cezar Peluso.<br />

2 A Lei Complementar nD105, <strong>de</strong> 10-1-2001, dispõe sobre o sig ilo das operações <strong>de</strong> instituições financeiras.<br />

Essa lei complementar foi regulamentada pelo Decreto n° 3.724, <strong>de</strong> 10-1-2001, relativam ente à aquisição, acesso<br />

e uso, pela Secretaria da Receita Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> informações referentes a operações e serviços das instituições<br />

financeiras e das entida<strong>de</strong>s a elas equiparadas. Conferir a respeito: STF - 2a T. - HC n“ 87167/BA - Rei. Min.<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 29-8-2006-Inform ativoSTFns 438.<br />

3 TSE - Plen o - Agravo Regim ental no Recurso Especial Eleitoral 7875839-60/DF - Rei. Min. M arcelo Ribeiro,<br />

<strong>de</strong>cisão: 3-2-2011, on<strong>de</strong> se afirmou que: “O <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong> - nele incluídos os sigilo fiscal e bancário<br />

- previstos no inciso X, do art. 5“ da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve ser preservado, m ediante a observância do<br />

procedim ento acima <strong>de</strong>scrito (or<strong>de</strong>m ju dicial)” . Conferir, ainda: TSE - Pleno - A gravo Regim ental no Recurso<br />

Especial Eleitoral 13166-43/B A -Rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe 23-2-2011.<br />

4 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Sigilo d e dados: o <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong> e os limites à função fiscalizadora do<br />

Estado. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, n° 1, 1992.


Direitos e Garantias Fundamentais 7 3<br />

Com relação a esta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção à privacida<strong>de</strong> humana, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar que as informações fiscais e bancárias, sejam as constantes nas próprias<br />

instituições financeiras, sejam as constantes na Receita Fe<strong>de</strong>ral ou organismos congêneres<br />

do Po<strong>de</strong>r Público, constituem parte da vida privada da pessoa física ou jurídica.<br />

Como salienta Celso Bastos,<br />

“não é possível aten<strong>de</strong>r-se tal proteção (intimida<strong>de</strong>) com a simultânea vigilância<br />

exercida sobre a conta bancária ou as <strong>de</strong>spesas efetuadas com cartões <strong>de</strong> crédito<br />

pelo cidadão”, pois “a doação feita a um partido político ou a uma seita religiosa (...)<br />

po<strong>de</strong>ria ser i<strong>de</strong>ntificada pelos órgãos fazendários que estariam <strong>de</strong>svendando uma<br />

vonta<strong>de</strong> secreta do benemérito”, e continua sua exposição dizendo “do atraso <strong>de</strong><br />

pagamento da fatura <strong>de</strong> um cartão <strong>de</strong> crédito, ou <strong>de</strong> uma duplicata por dificulda<strong>de</strong>s<br />

financeiras, ou da existência <strong>de</strong> saldo bancário <strong>de</strong>sfavorável po<strong>de</strong>ria ter ciência a<br />

União se houvesse a quebra do sigilo bancário e creditício, implicando, senão a<br />

comunicação a outros órgãos ou a adoção <strong>de</strong> medidas, ao menos o conhecimento<br />

<strong>de</strong> fatos relevantes e embaraçosos relativos à intimida<strong>de</strong>”.5<br />

Lembremo-nos, ainda, que inúmeras informações bancárias são fornecidas pelos<br />

Correios (extratos, contas a pagar, comprovante <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósitos etc.), bem como dados relativos<br />

à Receita Fe<strong>de</strong>ral (confirmação da restituição ou saldo <strong>de</strong>vedor ao Fisco), e caso não<br />

estivessem protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, respectivamente, estar-se-ia, sobretudo,<br />

<strong>de</strong>srespeitando-se a inviolabilida<strong>de</strong> das correspondências.<br />

Igualmente ao sigilo bancário, as informações relativas ao sigilo fiscal somente po<strong>de</strong>rão<br />

ser <strong>de</strong>vassadas em caráter excepcional e nos estritos limites legais, pois as <strong>de</strong>clarações<br />

prestadas para fins <strong>de</strong> imposto <strong>de</strong> renda revestem-se <strong>de</strong> caráter sigiloso, e somente motivos<br />

excepcionais justificam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso por terceiros,6 havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

autorização judicial, <strong>de</strong>vidamente motivada7 no interesse da Justiça.8<br />

Como ressaltou a Ministra Ellen Gracie, há necessida<strong>de</strong> do endosso do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

para a quebra do sigilo bancário em procedimentos administrativos na esfera tributária.9<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o STF, afastando <strong>de</strong>terminação do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, o sigilo<br />

dos contribuintes somente po<strong>de</strong>rá ser quebrado nas hipóteses <strong>constitucional</strong>mente<br />

autorizadas ao Po<strong>de</strong>r Legislativo (CPI) ou por or<strong>de</strong>m judiciária,10 uma vez que, conforme<br />

<strong>de</strong>stacado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a transgressão, pelo Po<strong>de</strong>r Público, ainda que<br />

em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização tributária, das restrições e das garantias <strong>constitucional</strong>mente<br />

5 BASTOS, Celso. Estudos e pareceres <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 63.<br />

6 Antigo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, A I n° 49.479/SP, ReL M in. Eduardo Ribeiro, Diário da Justiça. 2 1 out.<br />

1986, p. 14.442; A I n° 49.641/PR, R ei. Min. Eduardo Ribeiro, Diário da Justiça, 2 out. 1986, p. 18.198.<br />

7 STJ - 3a T . - Resp 1028315/B A -R el.M in .N an cyA n drigh i, <strong>de</strong>cisão: 14-6-2011. Conferir, ainda: T S E -P len o<br />

- A gravo Regim ental no Recurso Especial Eleitoral 7875839-60/DF - ReL Min. M arcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 3-2-<br />

2011; Antigo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, A I nD49.312/SP, R ei. Min. lim a r Gal vão, Diário da Justiça, 29 maio<br />

1986, p. 9.161; A I nD59.766/SP, ReL Min. lim ar G alvão, D iário da Justiça, 25 abr. 1989, p. 6.063.<br />

8 S T F -2 a T. -RExtr. n s 92.377-2/SP-R eL Min, Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, l°ju n . 1984, p. 8.729.<br />

9 STF - 2 “ T, - H C ns 85.088/ES - Rei. Min. Ellen Gracie, Diário da Justiça, Seção I, 30 set. 2005, p. 50.<br />

10 STF - MS 27091/DF - ReL Min Gilm ar Men<strong>de</strong>s.


74 Direito Constitucional • Moraes<br />

estabelecidas em favor dos contribuintes (e <strong>de</strong> terceiros) culmina por gerar a ilicitu<strong>de</strong> da<br />

prova eventualmente obtida no curso das diligências estatais, o que provoca, como direta<br />

consequência <strong>de</strong>sse gesto <strong>de</strong> infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> às limitações impostas pela Lei Fundamental, a<br />

própria inadmissibilida<strong>de</strong> processual dos elementos probatórios assim coligidos.”1<br />

Importante observar que o Po<strong>de</strong>r Público, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> rendas anuais<br />

enviadas à Receita Fe<strong>de</strong>ral, obtém dados relativos à vida privada e aos negócios <strong>de</strong> todos<br />

os contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Informações essas, como lembra<br />

Antonio Vital Ramos Vasconcelos,12 que a princípio <strong>de</strong>veríam contar com rigorosa e exata<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> rendas e patrimônio, e que contam com a garantia <strong>de</strong> guarda <strong>de</strong> rigoroso<br />

sigilo sobre a situação <strong>de</strong> riqueza dos contribuintes.<br />

Não há dúvida, portanto, <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>srespeito ao sigilo <strong>constitucional</strong>mente protegido<br />

acarretaria violação a diversas garantias constitucionais.<br />

16.2 Características básicas das garantias dos sigilos bancário e fiscal<br />

Os sigilos bancário e fiscal, consagrados como <strong>direito</strong>s individuais <strong>constitucional</strong>mente<br />

protegidos, somente po<strong>de</strong>rão ser excepcionados por or<strong>de</strong>m judicial fundamentada3 ou<br />

<strong>de</strong> Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito,4 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes requisitos razoáveis, que<br />

<strong>de</strong>monstrem, em caráter restrito e nos estritos limites legais, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento<br />

dos dados sigilosos.5<br />

As características básicas dos sigilos bancário e fiscal são:<br />

• indispensabilida<strong>de</strong> dos dados constantes em <strong>de</strong>terminada instituição financeira.<br />

Assim, a quebra do sigilo bancário ou fiscal só <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cretada, e sempre em<br />

caráter <strong>de</strong> absoluta excepcionalida<strong>de</strong>,6 quando existentes fundados elementos<br />

<strong>de</strong> suspeita que se apoiem em indícios idôneos, reveladores <strong>de</strong> possível autoria<br />

<strong>de</strong> prática ilícita por parte daquele que sofre a investigação;7<br />

1 STF - 2a T. - HC 93.050-6/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 10-6-2008.<br />

2 VASCONCELOS, Vital Ramos. Proteção <strong>constitucional</strong> ao sigilo. Revista FMU-Direito, na 6, p. 17.<br />

3 STJ, Habeas Corpus na 2.019-7-RJ, 5a T., Rei. M in Flaquer Scartezzini, j. 13-4-94, RSTJ 60/119; STJ, REsp. na<br />

37.566-5-RS, l aT„ Rei. M in Demócrito Reinaldo, j. 2-2-94,DJU, 28 mar. 1994.RT710/184,1994; TJSP, MS 21.933-<br />

0/1, Sessão Plenária, Rei. Des. Viseu Júnior, j. 22-3-95, R I7 1 9 / 9 7 ,1995; TJRS, A I 594.11906.7, I a Câmara, Rei. Des.<br />

Araken <strong>de</strong> Assis, j. 1-11-94, RT 716/261,1995.<br />

4 Ressalte-se, que o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível, <strong>de</strong>n tro do âmbito <strong>de</strong> suas competências<br />

estaduais, a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo bancário por CPI <strong>de</strong> Assembléia Legislativa Estadual: STF - Pleno<br />

- ACO na 730/RJ - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Informativo STF n" 362, p. 3.<br />

5 Ressalte-se, inclusive, que o STF negoua o BACEN a possibilida<strong>de</strong> d e quebra d esigilo bancário sem autorização<br />

judicial, afirmando que o mesmo “confundira o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fiscalização com o <strong>de</strong> afastar sigilo <strong>de</strong> dados” ( S T F - I a<br />

T. - RE 461366/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 3-8-2007. Informativo nq474).<br />

6 STF - Inq. na 2.245 AgR/M G - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Rei. p/ acórdão Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 29-<br />

11-2006-Informativo STF n3450, Seção I, p. 1.<br />

7 STF - Inquérito n D899-1 - Distrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,23 set.<br />

1994, p. 25.341.


Direitos e Garantias Fundamentais 75<br />

• individualização do investigado e do objeto da investigação;<br />

• obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manutenção do sigilo em relação às pessoas estranhas ao<br />

procedimento investigatório;1<br />

• utilização dos dados obtidos <strong>de</strong> maneira restrita, somente para a investigação<br />

que lhe <strong>de</strong>u causa;12<br />

• os sigilos bancário e fiscal são relativos e apresentam limites, po<strong>de</strong>ndo ser<br />

<strong>de</strong>vassados pela Justiça Penal ou Civil,3 pelas Comissões Parlamentares <strong>de</strong><br />

Inquérito e, excepcionalmente, pelo Ministério Público, em hipóteses restritas<br />

<strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> recursos públicos,4 uma vez que a proteção <strong>constitucional</strong> do<br />

sigilo não <strong>de</strong>ve servir para <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> cargos públicos que realizam negócios<br />

escusos e não transparentes ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>vedores que tiram proveito <strong>de</strong>les para não<br />

honrar seus compromissos;5<br />

• impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “compartilhamento com a Receita Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> informações<br />

obtidas por meio <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo bancário do investigado”, tendo o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral entendido que “tais dados <strong>de</strong>veríam permanecer adstritos ao<br />

objeto da investigação”, concluindo a Suprema Corte que “o compartilhamento<br />

requerido para compor a instrução <strong>de</strong> procedimento administrativo fiscal feriria<br />

a cláusula <strong>constitucional</strong> do <strong>de</strong>vido processo legal, que po<strong>de</strong>ría implicar<br />

nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eventual crédito tributário que viesse a ser constituído”.6 Eventual<br />

prova emprestada, nessas hipóteses, seria absolutamente ilícita;<br />

1 STJ - 5a T. - RMS 27180/RJ - Rei. Min. Adilson V ieira Macabu (D esem bargador convocado do TJ-RJ),<br />

<strong>de</strong>cisão: 19-5-2011.<br />

2 O Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral in <strong>de</strong>feriu pedido d e au torida<strong>de</strong> fiscal form ulado em inquérito em que se<br />

apuravam fatos relacionados com o chamado “ escândalo do orçamento”, n o sentido d e que fosse autorizada a<br />

extração <strong>de</strong> cópia <strong>de</strong> documentos que chegaram aos autos em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo bancário do indiciado,<br />

e que po<strong>de</strong>riam ser úteis à fiscalização tributária (Inq. na 923/DF - Rei. Min. M oreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 18-4-96.<br />

Informativo STF, Brasüia, na 27, 15a 19abr. 1996).<br />

3 STF - MS na 2.172, I a T., Rei. Nelson Hungria, Diário da Justiça, 7 jun. 1954, p. 1 .8 05;; STJ - 3a T. - HC<br />

203405/MS - Rei. Min. Sidnei Beneti, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011; Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, A gravo <strong>de</strong> Instrumento<br />

na 203.152-1 - J a ú -R ela to r Des. Donaldo Arm elin; Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, Apelação C ível na<br />

258.031-2 -Jundiaí, 4* Câmara Cível, Relator Des. Ribeiro Machado; I a Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil <strong>de</strong> São Paulo,<br />

Agr. Inst. na 566706, São José do Rio Preto, 9a Câmara, Rei. Juiz Lobo Junior, Diário da Justiça do Estado, 10<br />

maio 1994.<br />

4 STF - MS na 21.729-4/DF, Rei. Min. Presi<strong>de</strong>nte Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, 13 ago. 1993. Em<br />

sentido contrário: S T J -5 a T. - H C 160646/S P-R el. Min. Jorge Mussi, <strong>de</strong>cisão: 1-9-2011 (o n d eseex igiu a u to -<br />

rização ju dicial) e TSE - Pleno - Agravo Regim ental no Recurso Especial Eleitoral 7875839-60/DF - Rei. Min.<br />

M arcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 3-2-201 l e TSE - Pleno - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 13166-43/<br />

B A - R e i. Min. M arcelo Ribeiro, DJe 23-2-2011 (salvo a possibilida<strong>de</strong> da requisição <strong>de</strong> dados à Receita Fe<strong>de</strong>ral<br />

que confirmem as doações feitas pela pessoa física ou jurídica à campanha eleitoral paraverificaçãose obe<strong>de</strong>cem<br />

ou não os limites legais).<br />

5 1° Tribunal <strong>de</strong> Alçada Civil <strong>de</strong> São Paulo, Agr. Inst. na 596655, 3a Câmara, Rei. Juiz A loísio Toledo; JTA-LEX<br />

1 5 1 /3 9 .<br />

6 STF - Inq. 2593 AgR/DF, Rei. M in. Ricardo Lewandowski, 9-12-2010. Com essa <strong>de</strong>cisão, o STF reafirmou<br />

sua posição histórica em <strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s públicas, analisando o m érito da questão e afastando qualquer<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação equivocada, em sentido contrário que o julgam ento da AC 33 MC/PR, Rei. p/<br />

Acórdão Min. Joaquim Barbosa, em 24-11-2010, pu<strong>de</strong>sse induzir, pelo fato do Plenário ter negado referendo a<br />

medida cautelar em ação cautelar em que se objetivava a concessão <strong>de</strong> efeito suspensivo a recurso extraordinário<br />

admitido pela Corte, sob a fundamentação da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do dispositivo legal que autoriza a requi-


76 Direito Constitucional • Moraes<br />

• o mandado <strong>de</strong> segurança, e, segundo novo entendimento do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, o habeas corpus, quando houver “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes (quebra<br />

<strong>de</strong> sigilos bancário e fiscal) resultarem em constrangimento à liberda<strong>de</strong> do<br />

investigado”,1são as ações constitucionais a<strong>de</strong>quadas para resguardar <strong>direito</strong><br />

líquido e certo, portanto idôneo para o Judiciário reconhecer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não<br />

quebrar os sigilos bancário e fiscal, salvo em hipóteses excepcionais;*12<br />

• impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo bancário por requisição fiscal <strong>de</strong> informações<br />

bancárias, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção judicial.3 O STF enten<strong>de</strong>u,<br />

inclusive, que a LC ne 105/01, que dispôs sobre o sigilo das operações <strong>de</strong><br />

instituições financeiras, não confere po<strong>de</strong>res ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

para <strong>de</strong>terminar a quebra <strong>de</strong> sigilo bancário, mesmo dos dados constantes no<br />

Banco Central do Brasil;4 da mesma forma, não é possível, por <strong>de</strong>srespeito à<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a requisição da Receita Fe<strong>de</strong>ral, diretamente às instituições<br />

financeiras e bancárias <strong>de</strong> informações protegidas pelo sigilo, com base na<br />

citada LC ne 105/01,uma vez que, conforme <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, “a <strong>de</strong>cretação da quebra do sigilo bancário não po<strong>de</strong>ria converter-se<br />

em instrumento <strong>de</strong> indiscriminada e ordinária <strong>de</strong>vassa da vida financeira das<br />

pessoas em geral e que inexistiria embaraço resultante do controle judicial<br />

prévio <strong>de</strong> tais pedidos”, para concluir que a garantia <strong>constitucional</strong> do sigilo<br />

bancário “seria o <strong>de</strong> resguardar o cidadão <strong>de</strong> atos extravagantes que pu<strong>de</strong>ssem,<br />

<strong>de</strong> alguma forma, alcançá-lo na dignida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que o afastamento do sigilo<br />

apenas seria permitido mediante ato <strong>de</strong> órgão equidistante (Estado-juiz)”.5<br />

• a quebra do sigilo bancário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes os requisitos já estudados, não<br />

afronta o art. 5S, incisos X e XII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;6<br />

sição e a utilização d e informações bancárias pela Receita Fe<strong>de</strong>ral. Nesse julgamento, a questão foi processual,<br />

diferentem ente do Inq. 2.593, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>cidiu diretam ente sobre a extensão da quebra do sigilo, proibindo-a.<br />

1 STF - 2â T. - AI 573623/RJ - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. G ilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 31 out. 2006, Informativo<br />

STF nQ447.<br />

2 STJ - RMS nQ0002265/92-PB, 6a T., Diário da Justiça, 12 abr. 1993, p. 6.084.<br />

3 Nesse sentido: STF - 2a T. - HC nB85.088/ES - Rei. Min. Ellen Gracie, Diário da Justiça, Seção I, 23 set.<br />

2005, p. 50 e KTJ 195/978. C o n form e <strong>de</strong>stacou a M in istra Ellen G racie, “o acesso às informações <strong>de</strong>rivadas<br />

da quebra do sigilo bancário do paciente, que serviram <strong>de</strong> justa causa à ação penal ora em trâmite, foi logrado<br />

a partir do requerimento do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral perante o Judiciário. Tal autorização foi baseada em<br />

indícios constantes <strong>de</strong> um dossiê remetido pela Receita Fe<strong>de</strong>ral e não <strong>de</strong> procedimento administrativo tributário.<br />

Sem respaldo, portanto, a alegação do impetrante <strong>de</strong> que esse procedim ento teria sido irregular” . Conforme<br />

<strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “o sigilo bancário do contribuinte não po<strong>de</strong> ser quebrado com base em<br />

procedimento administrativo-fiscal, por implicar in<strong>de</strong>vida intromissão na privacida<strong>de</strong> do cidadão, garantia esta<br />

expressamente amparada pela Constituição F e d era l-a rt. 52, inciso X” (STJ - l âT. -R esp. n2 121.642/D F-Rel.<br />

Min. Demócrito Reinaldo, Diário da Justiça, Seção I, 22 set. 1997, p. 46.337). No mesmo sentido: Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Apelação Cível n° 263.121-2 - São José do R io Preto - 15â Câmara Civil - Rei.<br />

Des. Maurício Vidigal - 3-10-95 - v.u.<br />

4 STF - Pleno - MS n2 22.801/DF - Rei. Min. M enezes Direito, <strong>de</strong>cisão: 17-12-2007.<br />

5 S T F -P le n o - RE 3 8 9 808/PR-R el. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 15-12-2010.<br />

6 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, PET. 577. No mesmo sentido, <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que “A or<strong>de</strong>m<br />

jurídica autoriza a quebra do sigilo bancário, em situações excepcionais. Implicando, entretanto, na restrição do<br />

<strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong> do cidadão, garantida pelo princípio <strong>constitucional</strong>, é imprescindível <strong>de</strong>monstrar a necessida<strong>de</strong>


Direitos e Garantias Fundamentais 7 7<br />

• o princípio do contraditório não prevalece na fase inquisitorial, permitindo-se<br />

a quebra do sigilo sem oitiva do investigado;1<br />

• o próprio Código Tributário Nacional, ao estabelecer o sigilo, não o faz<strong>de</strong>form a<br />

absoluta. Dessa forma, não há qualquer ofensa à Constituição Fe<strong>de</strong>ral, nem ao<br />

art. 229 do atual Código Civil, antigo art. 144 do Código <strong>de</strong> 1916, na quebra<br />

<strong>de</strong>sta inviolabilida<strong>de</strong> por <strong>de</strong>cisões judiciais;*12<br />

• a Justiça competente para a <strong>de</strong>cretação da quebra do sigilo bancário será estabelecida<br />

pelasregras normais previstas tanto pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, quanto<br />

pelas leis infraconstitucionais, não tendo sido fixada como critério a natureza<br />

do estabelecimento que <strong>de</strong>verá fornecer os dados, pois o pedido não se reveste,<br />

em relação a estes, <strong>de</strong> caráter contencioso, não se enquadrando nos casos<br />

previstos no art. 109, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Assim, ora será competente a<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>ral, ora a Comum.3<br />

Em respeito ao princípio do juiz natural, somente a autorida<strong>de</strong> judiciária competente<br />

po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>cretar a quebra <strong>de</strong> sigilo bancário ou fiscal do investigado. Dessa forma, nos<br />

casos <strong>de</strong> competências originárias dos tribunais, o juiz <strong>de</strong> I a instância não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>terminar<br />

a medida. Neste sentido orientou-se o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>cidiu pela<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo bancário <strong>de</strong> parlamentar por parte <strong>de</strong><br />

Tribunal Regional Eleitoral em investigação criminal, uma vez que a competência originária<br />

é do próprio Pretório Excelso4 e pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer outra modalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> medida cautelar <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> que possua foro privilegiado (por exemplo: medida<br />

cautelar <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado estadual <strong>de</strong>cidida por juiz <strong>de</strong> <strong>direito</strong>), salvo pelo Juízo<br />

Natural Constitucional.5<br />

16.3 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo por parte do Ministério Público<br />

A Lei Complementar ne 75, <strong>de</strong> 20-5-1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições<br />

e o estatuto do Ministério Público da União, prevê no a rt 8e, § 2B,6 *que nenhuma<br />

das informações solicitadas, com o estrito cumprimento das condições legais autorizadoras” (STJ - 2a T. - Resp. nQ<br />

124.272-O/RO - Rei. Min. Hélio Mosimann, Diário da Justiça, Seção I, 2 fev. 1998).<br />

1 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral habeas corpus nQS 55.447 e 59.372; RE 136.239; STF - Tribunal Pleno, Agravo<br />

regim ental em Inquérito nQ897, Rei. Ministro Francisco Rezek, Diário da Justiça, 24 mar. 1995, p. 6.806.<br />

2 S T F -R E x tn 9 71.640/BA - 13T .- R e l. Min. Djaci Falcão, Diário da Justiça, 12nov. 1971.<br />

3 STJ - Conflito <strong>de</strong> Competência n9 3923/92/MG, l 3 T., Rei. M in. Peçanha Martins, Diário da Justiça, 15 ago.<br />

1994, p. 20.272.<br />

4 STF - Reclamação n9 511-9; Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; j. 9-2-1995; v.u.; DJU, S eçãol, 15 set. 1995, p. 29.506,<br />

ementa.<br />

5 STF - I a T. - HC 95485/AL - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2011.<br />

6 L C n Q75/93 - art. 8°, II, IV, V III e § 2C: “Para o exercício <strong>de</strong> suas atribuições, o Ministério Público da União<br />

po<strong>de</strong>rá, nos procedimentos <strong>de</strong> sua competência: II - requisitar informações, exames, perícias e documentos <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>s da Administração Pública direta ou indireta; IV - requisitar informações e diligência investigatórias;<br />

V III - ter acesso incondicional a qualquer banco <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> caráter público ou relativo a serviço <strong>de</strong> relevância<br />

pública; § 2° Nenhuma autorida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá opor ao M inistério Público, sob qualquer pretexto, a exceção <strong>de</strong>


7 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

autorida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção <strong>de</strong> sigilo,<br />

sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do<br />

documento que lhe seja fornecido.<br />

Igualmente, com base no art. 80 da Lei n° 8.625/93,1 Lei Orgânica Nacional do<br />

Ministério Público, que dispõe a aplicabilida<strong>de</strong> subsidiária aos Ministérios Públicos dos<br />

Estados às normas da Lei Complementar nQ75, não se po<strong>de</strong> alegar sigilo às requisições<br />

dos Ministérios Públicos Estaduais.<br />

Devemos nos lembrar que as requisições do Ministério Público têm fulcro <strong>constitucional</strong><br />

(CF, art. 129), como afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Nery:<br />

“Em nenhuma hipótese a requisição po<strong>de</strong> ser negada, sendo que o <strong>de</strong>satendimento<br />

po<strong>de</strong> caracterizar crime <strong>de</strong> prevaricação ou <strong>de</strong>sobediência (R T 499/304), conforme<br />

o caso.”*12<br />

Dessa forma, conclui-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao dispor no art. 129, VI, que é<br />

função institucional do Ministério Público expedir notificações nos procedimentos administrativos<br />

<strong>de</strong> sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los,<br />

somente limitou esta possibilida<strong>de</strong> a eventuais formas estabelecidas na lei complementar<br />

respectiva.<br />

A citada Lei Complementar na 75/93 e, consequentemente, a Lei na 8.625/93 (em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu art. 80), aten<strong>de</strong>ndo ao permissivo <strong>constitucional</strong>, conce<strong>de</strong>ram tanto ao<br />

Ministério Público da União, quanto aos Ministérios Públicos Estaduais, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> requisitarem informações bancárias e fiscais que importassem quebra <strong>de</strong> sigilo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que para instruir procedimentos administrativos no âmbito <strong>de</strong> sua atribuição, bem como<br />

resguardando o necessário sigilo.<br />

Devemos nos lembrar <strong>de</strong> que a única limitação proposta pelo legislador constituinte<br />

ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> requisição do Ministério Público foi regulamentá-lo na “forma da respectiva<br />

lei complementar". O Congresso Nacional regulamentou tal dispositivo, impedindo que<br />

se alegue ao Ministério Público a exceção do sigilo, para que se negue o fornecimento <strong>de</strong><br />

informações necessárias aos procedimentos <strong>de</strong> sua área <strong>de</strong> atribuição.<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral da 2a Região, afimando que<br />

“o artigo 8a, parágrafos I a e 2a, da Lei Complementar na 75/93, confere ao Ministério<br />

Público o acesso a informes bancários, atribuindo-lhe, porém, o <strong>de</strong>ver legal <strong>de</strong><br />

utilizar os dados obtidos, apenas, para os fins a que se <strong>de</strong>stinam. Assim, não há que<br />

se falar em violação à intimida<strong>de</strong> e à vida privada, posto que, está resguardado o<br />

caráter sigiloso das informações, garantindo-se, inclusive a responsabilização civil<br />

sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento<br />

que lhe seja fornecido.”<br />

1 Lei nQ8.625/93 - art. 80. Aplicam-se aos Ministérios Públicos dos Estados, subsidiariamente, as normas da<br />

Lei Orgânica do Ministério Público da União.<br />

2 Código <strong>de</strong> processo civil e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1994. p. 1.032.


Direitos e Garantias Fundamentais 7 9<br />

e penal, do órgão do Ministério Público, no caso <strong>de</strong> uso in<strong>de</strong>vido das informações<br />

requeridas”.1<br />

Veja-se, ainda, que os incisos X e XI, do art 5Q, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, como todas<br />

as <strong>de</strong>mais liberda<strong>de</strong>s públicas, não são absolutos, po<strong>de</strong>ndo, em virtu<strong>de</strong> do critério da<br />

proporcionalida<strong>de</strong> (Verhaltnismassigkeitsprinzip), ser atenuados. A própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral acaba por permitir não só aquebrado sigilo pela autorida<strong>de</strong> judicial, como também<br />

pelo Ministério Público (CF, art 129, VI) e pelas Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito<br />

(CF, art. 58, § 3a). 12<br />

Este assunto, porém, ainda não se encontra pacífico na jurisprudência, em relação<br />

à possibilida<strong>de</strong> do Ministério Público requisitar diretamente informações acobertadas<br />

pelos sigilos bancários.<br />

O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça já <strong>de</strong>cidiu pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo<br />

por requisição do Ministério Público,3 cumprindo, porém, anotar que, apesar da data do<br />

julgado, o julgamento refere-se à vigência da antiga Lei Complementar nQ40/81 (Lei<br />

Orgânica do Ministério Público), que, diferentemente da atual, fazia ressalva ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

requisição, em relação ao sigilo.<br />

16.4 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: sigiio/Ministério Público<br />

A questão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra do sigilo bancário diretamente por parte<br />

do Ministério Público foi posta no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a partir <strong>de</strong> requisição feita<br />

pela Procuradoria-Geral da República ao Banco do Brasil S.A., que ajuizou mandado<br />

<strong>de</strong> segurança4 arguindo como ato <strong>de</strong> constrangimento o referido oficio, que requisitava<br />

o atendimento a pedidos da Coor<strong>de</strong>nadoria da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana<br />

da Procuradoria da República no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, visando ao fornecimento da lista dos<br />

beneficiários <strong>de</strong> liberação <strong>de</strong> recursos, em caráter emergencial, ao setor sucroalcooleiro,<br />

bem como dados sobre eventuais débitos para com o banco.<br />

O Banco do Brasil sustentava que o art. 38 da Lei na 4.595, <strong>de</strong> 31-12-1964, obriga-o<br />

a guardar sigilo <strong>de</strong> suas operações ativas e passivas, bem como dos serviços prestados,<br />

impondo, inclusive, sanções criminais ao eventual <strong>de</strong>srespeito. Alegava, ainda, que a Lei<br />

Complementar nfi 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), em seu art. 8e,<br />

§ 2a, não <strong>de</strong>rrogou aquela <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> guarda do sigilo, pois, ao prever a impossi­<br />

1 TR F - 2a Região - I a T. - HC na 96.02.98460-9/RJ, Rei. Des. Chalu Barbosa, Diário da Justiça, Seção II, 19<br />

jun. 1997, p. 45.735.<br />

2 Conform e salientado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “ É certo que a proteção ao sigilo bancário constitui<br />

espécie do <strong>direito</strong> à intim ida<strong>de</strong> consagrado no art. 5 a, X, da Constituição, <strong>direito</strong> esse qu erevelaum a das garantias<br />

do indivíduo contra o arbítrio do Estado. Todavia, não consubstancia ele <strong>direito</strong> absoluto, ce<strong>de</strong>ndo passo<br />

quando presentes circunstâncias que <strong>de</strong>notem a existência <strong>de</strong> um interesse público superior. Sua relativida<strong>de</strong>,<br />

no entanto, <strong>de</strong>ve guardar contornos na própria lei, sob pena <strong>de</strong> se abrir caminho para o <strong>de</strong>scumprimento da<br />

garantia à intim ida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>mente assegurada” CSTJ - Corte Especial - AgReg no IP na 187/DF - Rei.<br />

Min. Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira - Diário da Justiça, Seção I, 16 set. 1996).<br />

3 STJ - I a T., Rec. Esp. na 37.566-5-RS; Rei. Min. Dem ócrito Reinaldo, j. 2-2-94; v.u.<br />

4 STF - MS nn 21.729-4/DF, Rei. M in. Presi<strong>de</strong>nte Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, 13 ago. 1993.


80 Direito Constitucional • Moraes<br />

bilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opor-se a exceção do sigilo, refere-se somente às autorida<strong>de</strong>s, enquanto o<br />

Banco do Brasil tem personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado, atuando como gestor.<br />

O Ministro Marco Aurélio, em 6-8-1993, <strong>de</strong>feriu a liminar no citado mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

solicitando informações à autorida<strong>de</strong> coatora (Procurador-Geral da República).<br />

No julgamento do mérito,1os Ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa, limar Galvão<br />

e Celso <strong>de</strong> Mello votaram pela inviolabilida<strong>de</strong> do sigilo bancário, com exceção <strong>de</strong> autorização<br />

judicial. O Ministro Francisco Rezek votou pela inexistência <strong>de</strong> previsão do sigilo<br />

bancário <strong>de</strong>ntro do art. 5a, ou seja, <strong>de</strong>ntre os <strong>direito</strong>s e garantias individuais.<br />

A maioria dos Ministros do Pretório Excelso, Sepúlveda Pertence, Néri da Silveira,<br />

Moreira Alves, Octávio Gallotti, Sidney Sanches, Carlos Velloso, votou pela possibilida<strong>de</strong><br />

do Ministério Público requisitar diretamente as informações às instituições financeiras<br />

quando se tratar <strong>de</strong> envolvimento <strong>de</strong> dinheiro ou verbas públicas, com base no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

requisição e na publicida<strong>de</strong> dos atos governamentais (art. 37, CF).12<br />

Dessa forma, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no julgamento do referido mandado <strong>de</strong><br />

segurança impetrado pelo Banco do Brasil contra requisição <strong>de</strong> informações sobre empréstimos<br />

concedidos a usineiros, formulada pelo Procurador-Geral da República, com<br />

base no art. 8a, § 2a, da LC 75/93, enten<strong>de</strong>u ser inoponível, na espécie, a exceção <strong>de</strong> sigilo<br />

bancário pela instituição financeira, tendo em vista a origem pública <strong>de</strong> parte do dinheiro<br />

envolvido nas questionadas operações e o princípio da publicida<strong>de</strong> inscrito no art. 37,<br />

caput, da CF. Com esse fundamento, in<strong>de</strong>feriu-se a or<strong>de</strong>m.3<br />

16.5 Inviolabilida<strong>de</strong> à intimida<strong>de</strong> e sigilo <strong>de</strong> dados como cláusulas pétreas da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

A interpretação da maioria do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral consi<strong>de</strong>rando o sigilo bancário<br />

<strong>direito</strong> individual coloca-o na condição <strong>de</strong> “cláusula pétrea” (CF, art. 60, § 4a, IV),<br />

impedindo, <strong>de</strong>ssa forma, a aprovação <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> ten<strong>de</strong>nte a aboli-lo ou<br />

mesmo modificá-lo estruturalmente<br />

1 STF - MS na 21.729-4/DF, Rei. Ministro-Presi<strong>de</strong>nte Sepúlveda Pertence, impetrante: Banco do Brasil, impetrado:<br />

Procurador-Geral da República, Diário daJustiça, 16 out. 1995, p. 34.571 (acórdão ainda não publicado).<br />

2 Informativo STF, na 8 ,2 a 6ou t. 1995, e Informativo STF, Brasília, na 27, 1 5 a l9 a b r . 1996. N o mesmo sentido<br />

<strong>de</strong>cisão da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, para quem o Pretório Excelso “outorgou ao Ministério Público o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pedir<br />

quebra do mesmo, quando o indicado ou réu estiver sendo acusado <strong>de</strong> apropriação <strong>de</strong> bens públicos” (TR F - I a<br />

Região - 4 a T.; Ap. em MS na 92.01.20115-0-RO; ReL Juíza Eliana Calmon; j 18-12-1995; v.u.; em enta -A A S P<br />

n° 1979 - 27-11 a 3-12-96, p. 95-e) e, ainda, “ o a rtigo 8a, parágrafos I a e 2a, da Lei Com plem entar na 75/93,<br />

confere ao M inistério Público o acesso a inform es bancários, atribuindo-lhe, porém, o d ever legal <strong>de</strong> utilizar os<br />

dados obtidos, apenas, para os fins a que se <strong>de</strong>stinam. Assim, não há que se falar em violação à intim ida<strong>de</strong> e à<br />

vida privada, posto que, está resguardado o caráter sigiloso das informações, garantindo-se, inclusive, a responsabilização<br />

civil e penal, do órgã o do Ministério Público, no caso <strong>de</strong> uso in<strong>de</strong>vido das informações requeridas”<br />

(T R F - 2 a R e g i ã o - I a T .- H C na 96.02.984609/RJ, Rei. Des. Chalu Barbosa, Diário da Justiça, Seção II, 19jun.<br />

1997, p. 45.735).<br />

3 MS n " 21.729-DF, Rei. orig. Min. M arco Aurélio; Rei. p/ ac. M in. Francisco Rezek, 5-10-95. Conferir na<br />

íntegra: R T J 179/225.


Direitos e Garantias Fundamentais 8 1<br />

16.6 Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito e sigilo<br />

Nos termos do art. 58, § 3fl, as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>cretar<br />

a quebra <strong>de</strong> sigilo bancário ou fiscal <strong>de</strong> seus investigados (conferir Capítulo 10, item<br />

2.5 - Função típica - fiscalização. Comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito).<br />

“Art. 58...<br />

§ 3° As comissões parlamentares d e inquérito, que terão po<strong>de</strong>res d e investigação<br />

próprios das autorida<strong>de</strong>s judiciais, além <strong>de</strong> outros previstos nos regimentos<br />

das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento <strong>de</strong> um terço <strong>de</strong><br />

seus membros, para a apuração <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>terminado e por prazo certo, sendo suas<br />

conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova<br />

a responsabilida<strong>de</strong> civil ou criminal dos infratores.”<br />

A L ein a 1.579/52 dispõe sobre as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito e prevê que<br />

terão ampla ação nas pesquisas <strong>de</strong>stinadas a apurar os fatos <strong>de</strong>terminados que <strong>de</strong>ram<br />

origem a sua formação.<br />

Dessa forma, não resta dúvidas <strong>de</strong> que as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito po<strong>de</strong>rão<br />

<strong>de</strong>cretar o afastamento do sigilo bancário <strong>de</strong> seus investigados, conforme inclusive<br />

ocorreu na CPI da Privatização da Vasp, ocorrida no âmbito do Congresso Nacional<br />

Convém, porém, notar que essas provas somente serão lícitas quando a Comissão<br />

Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito estiver <strong>de</strong> acordo com seus limites constitucionais:<br />

• Os inquéritos parlamentares só po<strong>de</strong>m existir para a apuração <strong>de</strong> fatos <strong>de</strong>terminados,<br />

pois somente os “fatos <strong>de</strong>terminados, concretos e individuais, ainda<br />

que múltiplos, que sejam <strong>de</strong> relevante interesse para a vida política, econômica,<br />

jurídica e social do Estado, são passíveis <strong>de</strong> investigação parlamentar. Constitui<br />

verda<strong>de</strong>iro abuso instaurar-se inquérito legislativo com o fito <strong>de</strong> investigar fatos<br />

genericamente enunciados, vagos ou in<strong>de</strong>finidos”.1<br />

• A ativida<strong>de</strong> fiscal ou investigatória das comissões <strong>de</strong> inquérito há <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-<br />

-se no estrito âmbito <strong>de</strong> competência do órgão <strong>de</strong>ntro do qual elas são criadas.<br />

• As Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito são criadas com prazo fixo (CF, art.<br />

58, §3 °).<br />

• Em relação ao conteúdo, não po<strong>de</strong> haver inquérito parlamentar para a apuração<br />

<strong>de</strong> questões que não sejam <strong>de</strong> interesse público, ou que careçam <strong>de</strong> suficiente<br />

precisão material, sob pena <strong>de</strong> usurpação das funções do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

• Absoluta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fundamentação na <strong>de</strong>cisão que <strong>de</strong>cretar a quebra do<br />

sigilo.12<br />

1 MELLO FILHO, José Celso <strong>de</strong>. Investigação parlamentar estadual: as comissões especiais <strong>de</strong> inquérito. Justitia<br />

- Revista do Ministério Público <strong>de</strong> São Paulo, na 121/150.<br />

2 STF - Pleno - MS nD25890/DF - R ei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 23-3-2006 - Informativo STF n“ 420,<br />

Seção I, p. 2.


8 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

17 DIREITO DE REUNIÃO (ART. 5a, XVI)<br />

O art. 16 da Declaração <strong>de</strong> Pensilvânia, <strong>de</strong> 1776, já previa o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, afirmando<br />

que O povo tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> se reunir, <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar para o bem comum, <strong>de</strong> dar instruções<br />

a seus representantes e <strong>de</strong> solicitar à legislatura, por meio <strong>de</strong> mensagens, <strong>de</strong> petições ou <strong>de</strong><br />

representações, a emenda dos erros que consi<strong>de</strong>re por ela praticados.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral garante que todos po<strong>de</strong>m reunir-se pacificamente, sem armas,<br />

em locais abertos ao público, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não frustrem<br />

outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio<br />

aviso à autorida<strong>de</strong> competente, tratando-se, pois, <strong>de</strong> <strong>direito</strong> individual o coligar-se com<br />

outras pessoas, para fim lícito.<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião é um <strong>direito</strong> público subjetivo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> abrangência, pois não<br />

se compreen<strong>de</strong>ría a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reuniões sem que os participantes pu<strong>de</strong>ssem discutir,<br />

tendo que se limitar apenas ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ouvir, quando se sabe que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião<br />

compreen<strong>de</strong> não só o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> organizá-la e convocá-la, como o <strong>de</strong> total participação<br />

ativa. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ato normativo que limitava a participação popular nas reuniões, vedando a utilização <strong>de</strong><br />

carros, aparelhos e objetos sonoros.1<br />

Paolo Barile bem qualifica o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião como, simultaneamente, um <strong>direito</strong><br />

individual e uma garantia coletiva, uma vez que consiste tanto na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados<br />

agrupamentos <strong>de</strong> pessoas reunirem-se para livre manifestação <strong>de</strong> seus pensamentos,<br />

concretizando a titularida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> inclusive para as minorias, quanto na<br />

livre opção do indivíduo <strong>de</strong> participar ou não <strong>de</strong>ssa reunião.12<br />

Alcino Pinto Falcão lembra que a doutrina norte-americana, após a Emenda Constitucional<br />

ns 1, passou a admitir que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião é um <strong>de</strong>sdobramento do antigo<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição, tendo inclusive a Suprema Corte afirmado que<br />

“a verda<strong>de</strong>ira i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> governo na forma republicana implica no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> se reunirem<br />

pacificamente os cidadãos para se consultarem sobre os negócios públicos<br />

e requererem reparação <strong>de</strong> agravos”.3<br />

São elementos da reunião: pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participantes, tempo, finalida<strong>de</strong> e lugar:<br />

■<br />

Pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participantes: a reunião é consi<strong>de</strong>rada forma <strong>de</strong> ação coletiva.<br />

• Tempo: toda reunião <strong>de</strong>ve ter duração limitada, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu caráter<br />

temporário e episódico.<br />

• Finalida<strong>de</strong>: a reunião pressupõe a organização <strong>de</strong> um encontro com propósito<br />

<strong>de</strong>terminado, finalida<strong>de</strong> lícita, pacífica e sem armas. Anote-se, porém, como<br />

lembra Celso <strong>de</strong> Mello, que não será motivo para dissolução da reunião o fato<br />

<strong>de</strong> alguma pessoa estar portando arma. Nesses casos, <strong>de</strong>verá a polícia <strong>de</strong>sarmar<br />

1 STF - Pleno - AD I 1969/DF - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2007. Informativo STF nD473.<br />

2 BARILE, Paolo. O p .c it.p . 182-183.<br />

3 FALCÃO, Alcino Pinto. Op. cit. p. 121.


Direitos e Garantias Fundamentais 83<br />

ou afastar tal pessoa, prosseguindo-se a reunião, normalmente, com os <strong>de</strong>mais<br />

participantes que não estejam armados.<br />

• Lugar: a reunião <strong>de</strong>verá ser realizada em local <strong>de</strong>limitado, em área certa, mesmo<br />

que seja um percurso móvel, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que pre<strong>de</strong>terminada. Assim, as passeatas,<br />

os comícios, os <strong>de</strong>sfiles estão englobados no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, sujeitando-se,<br />

tão somente, aos requisitos constitucionais, da mesma forma que os cortejos e<br />

banquetes com índole política.<br />

Nossa Suprema Corte, na ADPF 187/DF,1consagrando maior efetivida<strong>de</strong> ao Direito<br />

<strong>de</strong> Reunião, fez clara diferenciação entre as manifestações coletivas e públicas com<br />

finalida<strong>de</strong> à <strong>de</strong>scriminalização <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados tipos penais e o <strong>de</strong>lito <strong>de</strong> apologia ao<br />

crime, previsto no art. 287 do Código Penal, ao autorizar a realização da <strong>de</strong>nominada<br />

“Marcha da Maconha”, afirmando que o exercício dos <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong> reunião<br />

e <strong>de</strong> livre manifestação do pensamento <strong>de</strong>vem ser garantidos a todas as pessoas”,<br />

salientando, “que a lliberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunião, enquanto <strong>direito</strong>-meio, seria instrumento<br />

viabilizador da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e qualificar-se-ia como elemento apto a propiciar<br />

a ativa participação da socieda<strong>de</strong> civil na vida política do Estado. A praça pública,<br />

<strong>de</strong>sse modo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que respeitado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, passaria a ser o espaço, por<br />

excelência, para o <strong>de</strong>bate”.<br />

17.1 Desnecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização da autorida<strong>de</strong> pública e interferência da<br />

polícia<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião <strong>de</strong>verá ser exercido in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> autorização; assim, veda atribuição às autorida<strong>de</strong>s públicas para<br />

análise da conveniência ou não <strong>de</strong> sua realização, impedindo as interferências nas reuniões<br />

pacíficas e lícitas em que não haja lesão ou perturbação da or<strong>de</strong>m pública.<br />

Isto não exclui, por óbvio, a necessida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> comunicação prévia às<br />

autorida<strong>de</strong>s a fim <strong>de</strong> que exercitem as condutas a elas exigíveis, tais como a regularização<br />

do trânsito, a garantia da segurança e da or<strong>de</strong>m pública, o impedimento <strong>de</strong> realização <strong>de</strong><br />

outra reunião.12<br />

Como ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho, se a intenção policial for a <strong>de</strong> frustrar<br />

a reunião, seu comportamento é até criminoso.3<br />

Por fim, anote-se que nas hipóteses excepcionais do Estado <strong>de</strong> Defesa (CF, art. 136,<br />

§ 1B, I, á) e do Estado <strong>de</strong> Sítio (CF, art. 139, IV) po<strong>de</strong>rá haver restrições ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

reunião, ainda que exercida no seio da associação, permitindo-se inclusive, neste último<br />

caso, a própria suspensão temporária <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong> individual.<br />

1 C onferirAD PF 187/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011. No mesmo sentido: STF - Pleno - AD I<br />

427/DF - ReL Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 23-11-2011.<br />

2 RT258/511,<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Curso... O p. cit. p. 259.


84 Direito Constitucional • Moraes<br />

17.2 Tutela do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião<br />

A tutela jurídica do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião se efetiva pelo mandado <strong>de</strong> segurança, e não<br />

pelo habeas corpus,1 pois nesses casos a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, eventualmente atingida,<br />

é simples <strong>direito</strong>-meio para o pleno exercício <strong>de</strong> outro <strong>direito</strong> individual, o <strong>de</strong> reunião.<br />

18 DIREITO DE ASSOCIAÇÃO (ART. 5o, XVII, XVIII, XIX, XX E XXI)<br />

É plena a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação, <strong>de</strong> tal forma que ninguém po<strong>de</strong>rá ser compelido<br />

a associar-se ou mesmo permanecer associado,12 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que para fins lícitos, vedada a <strong>de</strong><br />

caráter paramilitar, sendo que sua criação e, na forma da lei, a <strong>de</strong> cooperativas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> autorização, vedada a interferência estatal em seu funcionamento, constituindo-se<br />

um <strong>direito</strong> que, embora atribuído a cada pessoa (titular), somente po<strong>de</strong>rá ser exercido <strong>de</strong><br />

forma coletiva, com várias pessoas.<br />

18.1 Finalida<strong>de</strong> lícita<br />

Observe-se que a ilicitu<strong>de</strong> não está ligada somente às normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> penal, pois<br />

a or<strong>de</strong>m jurídica po<strong>de</strong> reprovar dados comportamentos sem chegar ao ponto <strong>de</strong> cominar-<br />

-lhes uma sanção <strong>de</strong> natureza penal.3<br />

18.2 Caráter paramilitar<br />

Deverá ser analisado, para o fiel cumprimento <strong>de</strong>ste requisito <strong>constitucional</strong>, se as<br />

associações, com ou sem armas, se <strong>de</strong>stinam ao treinamento <strong>de</strong> seus membros a finalida<strong>de</strong>s<br />

bélicas. Anote-se, porém, que a nomenclatura <strong>de</strong> seus postos, a utilização ou não <strong>de</strong><br />

uniformes, por si só n ão afasta <strong>de</strong> forma absoluta o caráter paramilitar <strong>de</strong> uma associação,<br />

<strong>de</strong>vendo-se observar a existência <strong>de</strong> organização hierárquica e o princípio da obediência.<br />

18.3 Vedação <strong>de</strong> interferência estatal<br />

A interferência arbitrária do Po<strong>de</strong>r Público no exercício <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong> individual po<strong>de</strong><br />

acarretar responsabilida<strong>de</strong> tríplice: (a) <strong>de</strong> natureza penal, constituindo, eventualmente,<br />

crime <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, tipificado na Lei n2 4.898/65; (b) <strong>de</strong> natureza político-<br />

-administrativa, caracterizando-se, em tese, crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>finido na Lei n2<br />

1.079/50 e (c) <strong>de</strong> natureza civil, possibilitando aos prejudicados in<strong>de</strong>nizações por danos<br />

materiais e morais.<br />

1 RTJ 107/331; RT 423/327.<br />

2 STF - I a T. - RE 432.106/RJ - Rei. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 20-9-2011 (ao <strong>de</strong>clarar in<strong>constitucional</strong> a<br />

exigência <strong>de</strong> cobrança compulsória <strong>de</strong> associação <strong>de</strong> moradores que não se confun<strong>de</strong> com condom ínio).<br />

3 RDA 141/76.


Direitos e Garantias Fundamentais 8 5<br />

18.4 Conteúdo do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> associação<br />

Ensina Jorge Miranda que:<br />

“I - O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> associação apresenta-se como um <strong>direito</strong> complexo, com múltiplas<br />

dimensões - individual e institucional, positiva e negativa, interna e externa<br />

- cada qual com a sua lógica própria, complementares umas das outras e que<br />

um sistema jurídico-<strong>constitucional</strong> coerente com princípios <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>senvolver e harmonizar. II - Antes <strong>de</strong> mais, é um <strong>direito</strong> individual, positivo e<br />

negativo: ( I a) O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> constituir com outrem associações para qualquer fim<br />

não contrário à lei penal e o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rir a associações existentes, verificados<br />

os pressupostos legais e estatutários e em condições <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>; (2°) O <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> não ser coagido a inscrever-se ou a permanecer em qualquer associação, ou<br />

pagar quotizações para associação em que se não esteja inscrito, e, no limite, o<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar a dissolução <strong>de</strong> associação a que se pertença. Este <strong>direito</strong> tem<br />

a natureza <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> enquanto não implica, para nenhum efeito, a <strong>de</strong>pendência<br />

<strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> qualquer tipo ou <strong>de</strong> qualquer intervenção administrativa;<br />

III - Revela-se <strong>de</strong>pois um <strong>direito</strong> institucional, a liberda<strong>de</strong> das associações constituídas:<br />

( I a) Internamente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> auto-organização, <strong>de</strong> livre formação dos<br />

seus órgãos e da respectiva vonta<strong>de</strong> e <strong>de</strong> acção em relação aos seus membros;<br />

(2a) Externamente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> livre prossecução dos seus fins, incluindo o <strong>de</strong><br />

filiação ou participação em uniões, fe<strong>de</strong>rações ou outras organizações <strong>de</strong> âmbito mais<br />

vasto; (3a) Como corolário, a susceptibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> personificação - se a atribuição<br />

<strong>de</strong> subjectivida<strong>de</strong> jurídica, sem condicionalismos arbitrários ou excessivos, for<br />

meio mais idôneo para tal prossecução <strong>de</strong> fins; (4a) como garantias, por um lado,<br />

a vedação <strong>de</strong> intervenções arbitrárias do po<strong>de</strong>r político e, por outro lado, a proibição<br />

<strong>de</strong> associações secretas. A liberda<strong>de</strong> ou autonomia interna das associações<br />

acarreta a existência <strong>de</strong> uma vonta<strong>de</strong> geral ou colectiva, o confronto <strong>de</strong> opiniões<br />

para a sua <strong>de</strong>terminação, a distinção <strong>de</strong> maiorias e minorias. Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

observância do método <strong>de</strong>mocrático e das regras em que se consubstancia, ao lado<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantia dos <strong>direito</strong>s dos associados. À lei e aos estatutos cabe<br />

prescrever essas regras e essas garantias, circunscrevendo, assim, a actuação dos<br />

órgãos associativos, mas não a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação (<strong>de</strong>vidamente entendida).”1<br />

18.5 Dissolução das associações<br />

As associações só po<strong>de</strong>rão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas ativida<strong>de</strong>s<br />

suspensas por <strong>de</strong>cisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado.<br />

Dessa forma, qualquer ato normativo editado pelos po<strong>de</strong>res Executivo ou Legislativo, no<br />

sentido <strong>de</strong> dissolução compulsória, será in<strong>constitucional</strong>. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral limita a<br />

atuação do Po<strong>de</strong>r Judiciário, autorizando-o à dissolução somente quando a finalida<strong>de</strong><br />

buscada pela associação for ilícita.<br />

1 M IRANDA, Jorge. Op. cit. p. 420.


8 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

18.6 Representação dos associados<br />

As entida<strong>de</strong>s associativas <strong>de</strong>vidamente constituídas, quando expressamente autorizadas,<br />

têm legitimida<strong>de</strong> para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente,<br />

possuindo legitimida<strong>de</strong> ad causam para, em substituição processual, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r em juízo<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> seus associados, nos termos do art. 512, XXI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,1sendo<br />

<strong>de</strong>snecessária a expressa e específica autorização,2 <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus integrantes,3<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a abrangência dos <strong>direito</strong>s <strong>de</strong>fendidos seja suficiente para assumir a condição<br />

<strong>de</strong> interesses coletivos.4 Dessa forma, não haverá sempre necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prévia autorização,<br />

no caso concreto, dos associados para que as associações represente-os judicial ou<br />

extrajudicialmente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a mesma exista <strong>de</strong> forma genérica na própria lei que criou<br />

a entida<strong>de</strong>, ou em seus atos constitutivos <strong>de</strong> pessoa jurídica.5<br />

19 APRECIAÇÃO DE LESÃO OU AMEAÇA DE DIREITO PELO PODER JUDICIÁRIO<br />

(ART. 5®, XXXV)<br />

O princípio da legalida<strong>de</strong> é basilar na existência do Estado <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>terminando<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral sua garantia, sempre que houver violação do <strong>direito</strong>, mediante<br />

lesão ou ameaça (art. 5a, XXXV). Dessa forma, será chamado a interviro Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

que, no exercício da jurisdição, <strong>de</strong>verá aplicar o <strong>direito</strong> ao caso concreto. Assim, conforme<br />

salienta Nelson Nery Júnior,6<br />

“po<strong>de</strong>mos verificar que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação é um <strong>direito</strong> cívico e abstrato, vale dizer, é<br />

um <strong>direito</strong> subjetivo à sentença tout court, seja essa <strong>de</strong> acolhimento ou <strong>de</strong> rejeição<br />

da pretensão, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que preenchidas as condições da ação”.<br />

Importante, igualmente, salientar que o Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja plausibilida<strong>de</strong><br />

da ameaça ao <strong>direito</strong>, é obrigado a efetivar o pedido <strong>de</strong> prestação judicial requerido<br />

pela parte <strong>de</strong> forma regular, pois a in<strong>de</strong>clinabilida<strong>de</strong> da prestação judicial é princípio<br />

básico que rege a jurisdição,7 uma vez que a toda violação <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> respon<strong>de</strong> uma<br />

ação correlativa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> lei especial que a outorgue.<br />

1 S T F - R O M S n a 21.514-3, Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, S eçã ol, 19jun. 1993, p. 12.111 e STJ<br />

- REsp. 9.857 - RJ - 4a T. - Rei. Min. Athos Carneiro, Diário da Justiça, Seção I, 8 jun. 1992.<br />

2 Em sentido contrário, exigindo-se prévia autorização: S T J -M S 1.0 43-D F - I a S. - Rei. Min. Garcia Vieira,<br />

DJU, 9 mar. 1992; T R T 10a R. - RO 1010/89 - Ac. 2a T. - Rei. Juiz Sebastião Machado Filho - j. 14-8-90-D JV , 6<br />

set. 1990; ST 18/59; eT R T 10aR .- R O 4461/89- A c . l aT. 2454/90-R e i. JuizH erácitoPena Jr.-D JU, 6fev.91.<br />

3 TJMT - MS 884 - TP - Rela Desa Shelma Lombardi <strong>de</strong> Kato - j. 10-8-89; R T 660/157.<br />

4 T J S P -M S 10.503-0 - TP - Rei. Des. Yussef Cahali - j . 18-4-89; RT 657/74.<br />

5 T J S P -A p . 120.142-1- 8a C. - Rei. Des. José O s ó rio -j. 28-3-90; RT 654/81.<br />

6 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição fe<strong>de</strong>rai São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.<br />

p. 91.<br />

7 RTJ 99/790.


Direitos e Garantias Fund amentais 8 7<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando seu posicionamento anterior, afastou verda<strong>de</strong>ira<br />

“barreira ao acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário”, como <strong>de</strong>finido pelo Ministro Eros Grau,1 ao<br />

<strong>de</strong>clarar in<strong>constitucional</strong> “toda a exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito prévio ou arrolamento prévios <strong>de</strong><br />

dinheiro ou bens, para admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso administrativo”.12<br />

19.1 Inexistência da jurisdição condicionada ou instância administrativa <strong>de</strong><br />

curso forçado<br />

Inexiste a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> esgotamento da instância administrativa para que a parte<br />

possa acessar o Judiciário. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, diferentemente da anterior,<br />

afastou a necessida<strong>de</strong> da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa <strong>de</strong><br />

curso forçado, pois já se <strong>de</strong>cidiu pela inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exaurimento das vias administrativas<br />

para obter-se o provimento judicial,3 uma vez que excluiu a permissão, que a Emenda<br />

Constitucional ne 7 à Constituição anterior estabelecera, <strong>de</strong> que a lei condicionasse o ingresso<br />

em juízo à exaustão das vias administrativas, verda<strong>de</strong>iro obstáculo ao princípio do<br />

livre acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

19.2 Acesso ao Judiciário e à justiça <strong>de</strong>sportiva<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige, excepcionalmente, o prévio acesso às instâncias<br />

da justiça <strong>de</strong>sportiva, nos casos <strong>de</strong> ações relativas à disciplina e às competições <strong>de</strong>sportivas,<br />

reguladas em lei (CF, art. 217, § 1°), sem porém condicionar o acesso ao Judiciário<br />

ao término do processo administrativo, pois a justiça <strong>de</strong>sportiva terá o prazo máximo <strong>de</strong><br />

sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir <strong>de</strong>cisão final (CF, art.<br />

217, § 2a).<br />

19.3 Inexistência da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> duplo grau <strong>de</strong> jurisdição<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra como regra a importância <strong>de</strong> os julgamentos ocorrerem,<br />

ordinariamente, em duas instâncias. Aprimeira, monocrática e a segunda, colegiada.<br />

Esse tradicional sistema judiciário brasileiro prevê a existência <strong>de</strong> juízos e tribunais estaduais,<br />

fe<strong>de</strong>rais, trabalhistas, eleitorais e militares como garantia <strong>de</strong> segurança jurídica<br />

e diminuição da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> erros judiciários. Portanto, o importante princípio do<br />

duplo grau <strong>de</strong> jurisdição é indicado por nosso texto <strong>constitucional</strong>, sem, contudo, ser<br />

taxativamente obrigatório.<br />

1 STF - P le n o - A D I 1.074/ES - R e i. Min. ErosG rau, Diário da Justiça, Seção 1,25 m aio2007, p. 63.<br />

2 STF - 2a T. - RREE 546.375/RJ e 546.385/RJ - Rei. M in. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,15 jun. 2007.<br />

Conferir, ainda: S T F - P le n o - A D I nD1.976/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção 1,18 maio<br />

2007, p. 64; STF - P le n o - R E nD388.359/PE - Rei. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 28-3-2007, Informativos STF<br />

naa 461 e 462; STF - 2a T. - AC n° 1.566-9/M G - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,23 fev. 2007, p. 41 e Informativo STF I a 456; STF - Pleno - AI n2 398.933 AgR/RJ e AI n2 408.914 AgR/<br />

RJ - ReL Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 28-3-2007.<br />

3 RP 60/224.


88 Direito Constitucional • Moraes<br />

Menciona a Constituição Fe<strong>de</strong>ral a existência <strong>de</strong> juizes e tribunais, bem como prevê<br />

a existência <strong>de</strong> alguns recursos (ordinários constitucionais, especial, extraordinário), porém<br />

não existe a obrigatorieda<strong>de</strong> do duplo grau <strong>de</strong> jurisdição. Dessa forma, há competências<br />

originárias em que não haverá o chamado duplo gr au <strong>de</strong> jurisdição, por exemplo, nas ações<br />

<strong>de</strong> competência originária dos Tribunais. Como observa Nelson Nery Júnior,<br />

“as constituições que se lhe seguiram (à <strong>de</strong> 1824), limitaram-se a apenas mencionar<br />

a existência <strong>de</strong> tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente,<br />

portanto, havia previsão para a existência do recurso. Mas, frise-se, não garantia<br />

absoluta ao duplo grau <strong>de</strong> jurisdição”. 1<br />

O mesmo ocorre, por exemplo, no <strong>direito</strong> português, como salientado por Canotilho,<br />

on<strong>de</strong><br />

“o Tribunal Constitucional tem entendido que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso aos tribunais<br />

não garante, necessariamente, e em todos os casos, o <strong>direito</strong> a um duplo grau <strong>de</strong><br />

jurisdição (cf. Ac 38/87, in D RI, na 63 <strong>de</strong> 17-3-87; Ac 65/88, in DRII, ns 192 <strong>de</strong><br />

20-8-88; Ac 359/86, in DR II, na 85 <strong>de</strong> 11-4-87; Ac 358/86, in DR 1na 85 <strong>de</strong> 11-<br />

4-87. Outros acórdãos no mesmo sentido: Ac TC, na 219/89, in DR II, na 148 <strong>de</strong><br />

30-06-89; Ac TC, na 124/90, in DRII, na33 <strong>de</strong> 8-2-91; Ac. TC, na 340/90). O <strong>direito</strong><br />

a um duplo grau <strong>de</strong> jurisdição não é, prima facie, um <strong>direito</strong> fundamental, mas a<br />

regra - que não po<strong>de</strong>rá ser subvertida pelo legislador, não obstante a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conformação <strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo quanto ao valor das alçadas, é a da existência <strong>de</strong><br />

duas instâncias quanto a ‘matéria <strong>de</strong> fato’ e <strong>de</strong> uma instância <strong>de</strong> revisão quanto a<br />

‘questões <strong>de</strong> <strong>direito</strong>’,”12<br />

e no <strong>direito</strong> alemão, como analisado por Alcino Pinto Falcão, que <strong>de</strong>ixa consignado que<br />

“a cláusula não obriga por si só a que para todas as hipóteses tenha que haver duplo<br />

grau <strong>de</strong> jurisdição; é o que realça o juiz <strong>constitucional</strong> alemão Benhard Wolff,<br />

em estudo sobre a jurisprudência do Tribunal Constitucional, citando acórdão do<br />

mesmo (estudo monográfko vindo a lume no referido Jahrbuch, ano <strong>de</strong> 1958,<br />

vol. II, p. 127)”.3<br />

Essa é a orientação do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral afastando qualquer in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das <strong>de</strong>cisões em que não haja recurso para nenhum tribunal, afirmando, ao analisar<br />

a inexistência <strong>de</strong> recursos <strong>de</strong> mérito na <strong>de</strong>cisão do Senado Fe<strong>de</strong>ral no julgamento <strong>de</strong><br />

crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 52,1), que “isto nada tem <strong>de</strong> inaudito. Da <strong>de</strong>cisão do<br />

STF nas infrações penais comuns em que figure como acusado o Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

(bem como o Vice-presi<strong>de</strong>nte, os membros do Congresso, os seus próprios Ministros e o<br />

Procurador-Geral da República), art. 102,1, a, da CF, também não há recurso algum, nem<br />

para outro tribunal, nem para o Senado” .4<br />

1 NERY JR., Nelson. Princípios... Op. cit. p. 152.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes .Direito... O p .c it.p . 553.<br />

3 FALCÃO, Alcino Pinto. Op. cit. p. 255.<br />

4 STF - Pleno - Mandado <strong>de</strong> Segurança n- 21.589-1 - Rei. M in. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 7<br />

abr. 1995, p. 18.871.


Direitos e Garantias Fund amentais 8 9<br />

Assim, proclamou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “o duplo grau <strong>de</strong> jurisdição, no<br />

âmbito da recorribilida<strong>de</strong> ordinária, não consubstancia garantia <strong>constitucional</strong>”.1<br />

20 DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍDICO PERFEITO E COISA JULGADA (ART. 5°,<br />

XXXVI)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral afirma que a lei não prejudicará o <strong>direito</strong> adquirido, o ato<br />

jurídico perfeito e a coisa julgada.12<br />

Não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>sconhecer, porém, que em nosso or<strong>de</strong>namento positivo inexiste <strong>de</strong>finição<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido. Na realida<strong>de</strong>, o conceito <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido ajusta-se à<br />

concepção que lhe dá o próprio legislador ordinário, a quem assiste a prerrogativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir,<br />

normativamente, o conteúdo evi<strong>de</strong>nciador da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> situação jurídica <strong>de</strong>finitivamente<br />

consolidada.3 Em nível doutrinário, o <strong>direito</strong> adquirido, segundo Celso Bastos,4<br />

“constitui-se num dos recursos <strong>de</strong> que se vale a Constituição para limitar a retroativida<strong>de</strong><br />

da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o<br />

seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a<br />

utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações<br />

jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes<br />

principais da segurança do homem na terra”.<br />

O ato jurídico perfeito:<br />

“E aquele que se aperfeiçoou, que reuniu todos os elementos necessários a sua formação,<br />

<strong>de</strong>baixo da lei velha. Isto não quer dizer, por si só, que ele encerre em seu<br />

bojo um <strong>direito</strong> adquirido. Do que está o seu beneficiário imunizado é <strong>de</strong> oscilações<br />

<strong>de</strong> forma aportadas pela lei nova.”<br />

O princípio <strong>constitucional</strong> do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica às leis <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m pública, pois,<br />

“em linha <strong>de</strong> princípio, o conteúdo da convenção que as partes julgaram conveniente,<br />

ao contratar, é <strong>de</strong>finitivo. Unilateralmente, não é jurídico enten<strong>de</strong>r que uma das<br />

partes possa modificá-lo. Questão melindrosa, todavia, se põe, quando a alteração<br />

<strong>de</strong> cláusulas do ajuste se opera pela superveniência <strong>de</strong> disposição normativa. Não<br />

possui o or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro preceito semelhante ao do art. 1.339, do<br />

Código Civil italiano, ao estabelecer: As cláusulas, os preços <strong>de</strong> bens ou <strong>de</strong> serviços,<br />

1 STF - 2a T. - Agravo Reg. em agravos <strong>de</strong> Instrumento nM 209.954-1/SP e 210.048-0/SP - Rei. Min. Marco<br />

Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 4 <strong>de</strong>z. 1998, p. 15.<br />

2 Conferir <strong>de</strong>talhado estudo sobre a “coisa julgada” no voto do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello, no RE 649154/MG<br />

CInformativo STF ns 663).<br />

3 STF, A I 135.632-4, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,24 maio 1995, p. 14.753.<br />

4 BASTOS, Celso. Dicionário <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> São Paulo: Saraiva, 1994. p. 43.


90 Direito Constitucional • Moraes<br />

impostos pela lei, são insertos <strong>de</strong> pleno <strong>direito</strong> no contrato, ainda que em substituição<br />

das cláusulas diversas estipuladas pelas partes. A inserção <strong>de</strong> cláusulas legais, assim<br />

autorizadas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da vonta<strong>de</strong> das partes, reduz, inequivocamente,<br />

a autonomia privada e a liberda<strong>de</strong> contratual. Decerto, nos países cuja legislação<br />

consagra regra da extensão do preceito transcrito do <strong>direito</strong> italiano, as modificações<br />

dos contratos em cujo conteúdo se introduzam, por via da lei, cláusulas novas<br />

em substituição às estipuladas pelas partes contratantes, a aplicação imediata das<br />

<strong>de</strong>nominadas leis interventivas aos contratos em curso há <strong>de</strong> ser admitida, como<br />

mera consequência do caráter estatutário da disciplina a presidir essas relações<br />

jurídicas, postas sob imediata inspiração do interesse geral, enfraquecido, pois, o<br />

equilíbrio <strong>de</strong>corrente do acordo das partes, modo privato, da autonomia da vonta<strong>de</strong>.<br />

Essa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> o legislador dispor sobre a sorte dos negócios jurídicos, <strong>de</strong><br />

índole contratual, neles intervindo, com modificações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> disposições<br />

legais novas não po<strong>de</strong> ser visualizada, com idêntica <strong>de</strong>senvoltura, quando o sistema<br />

jurídico prevê, em norma <strong>de</strong> hierarquia <strong>constitucional</strong>, limite à ação do legislador,<br />

<strong>de</strong> referência aos atos jurídicos perfeitos. Ora, no Brasil, estipulando o sistema<br />

<strong>constitucional</strong>, no art. 5a, XXXVI, da Carta Política <strong>de</strong> 1988, que a lei não prejudicará<br />

o <strong>direito</strong> adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, não logra assento,<br />

assim, na or<strong>de</strong>m jurídica, a assertiva segundo a qual certas leis estão excluídas da<br />

incidência do preceito maior mencionado”.1<br />

Por fim, coisa julgada “é a <strong>de</strong>cisão judicial transitada em julgado”, ou seja, “a <strong>de</strong>cisão<br />

judicial <strong>de</strong>quejá não caiba recurso” (LiCC, art. 6a, § 3a). Na coisa julgada,<br />

“o <strong>direito</strong> incorpora-se ao patrimônio <strong>de</strong> seu titular por força da proteção que<br />

recebe da imutabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão judicial. Daí falar-se em coisa julgada formal<br />

e material. Coisa julgada formal é aquela que se dá no âmbito do próprio processo.<br />

Seus efeitos restringem-se, pois, a este, não o extrapolando. A coisa julgada<br />

material, ou substancial, existe, nas palavras <strong>de</strong> Couture, quando à condição <strong>de</strong><br />

inimpugnável no mesmo processo, a sentença reúne a imutabilida<strong>de</strong> até mesmo<br />

em processo posterior (Fundamentos do <strong>direito</strong> processual civil). Já para Wilson <strong>de</strong><br />

Souza Campos Batalha, coisa julgada formal significa sentença transitada em julgado,<br />

isto é, preclusão <strong>de</strong> todas as impugnações, e coisa julgada material significa<br />

o bem da vida, reconhecido ou <strong>de</strong>negado pela sentença irrecorrível. O problema<br />

que se põe, do ângulo <strong>constitucional</strong>, é o <strong>de</strong> saber se a proteção assegurada pela<br />

Lei Maior é atribuída tão somente à coisa julgada material ou também à formal. O<br />

art. 5a, XXXIV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não faz qualquer discriminação; a distinção<br />

mencionada é feita pelos processualistas. A nosso ver, a Constituição assegura uma<br />

proteção integral das situações <strong>de</strong> coisa julgada”.12<br />

1 S T F -R E x trn D198.993-9/RS, Rei. M ia Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, Diário da Justiça, 22ago.<br />

1996, p. 29.102. N o mesmo sentido: STF - Agravos Regimentais em Recursos Extraordinários nos 193.569-4,<br />

194.098-1,198.294-3,199.335-0,199.370-8,199.409-7,199.636-7, julgados na sessão <strong>de</strong> 10-6-96 da Segunda<br />

H irm a, <strong>de</strong> todos relator o M inistro M aurício Corrêa; nos Recursos Extraordinários n05 193.789-1,195.985-1,<br />

198.985-8,199.015-5,199.185-2,199.249-2,201.017-1, julgados na sessão <strong>de</strong> 18-6-96 da Segunda Tlirma, <strong>de</strong><br />

todos relator o Ministro Carlos Velloso; e no Agravo Regimental em Agravo <strong>de</strong> Instrumento n 2147.924-9, julgado<br />

na sessão <strong>de</strong> 27-9-94 da Primeira TUrma, publicado no DJU, 2-6-95, Rei. Min. lim ar Galvão.<br />

2 BASTOS, Celso. Dicionário... Op. cit. p. 20.


Direitos e Garantias Fundamentais 9 1<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Luiz Fux, a coisa julgada é uma <strong>de</strong>corrência dos<br />

princípios da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica.1<br />

21 PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL (ART. 5°, XXXVII E Llll)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, em dois incisos do art. 5fi, o princípio do juiz natural:<br />

“Art. 5°<br />

(-0<br />

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal <strong>de</strong> exceção;<br />

(...)<br />

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autorida<strong>de</strong> competente.”<br />

A imparcialida<strong>de</strong> do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram<br />

no princípio do juiz natural uma <strong>de</strong> suas garantias indispensáveis. Boddo Dennewitz<br />

afirma que a instituição <strong>de</strong> um tribunal <strong>de</strong> exceção implica em uma ferida mortal<br />

ao Estado <strong>de</strong> Direito, visto que sua proibição revelao status conferido ao Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

na <strong>de</strong>mocracia.12<br />

O juiz natural é somente aquele integrado no Po<strong>de</strong>r Judiciário, com todas as garantias<br />

institucionais e pessoais previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3 Assim, afirma Celso <strong>de</strong> Mello<br />

que somente os juizes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se i<strong>de</strong>ntificam<br />

ao juiz natural, princípio que se esten<strong>de</strong> ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> julgar também previsto em<br />

outros órgãos, como o Senado nos casos <strong>de</strong> impedimento <strong>de</strong> agentes do Po<strong>de</strong>r Executivo.4<br />

O Princípio do Juiz Natural é vetor <strong>constitucional</strong> consagrador da in<strong>de</strong>pendência<br />

e imparcialida<strong>de</strong> do órgão julgador, pois como <strong>de</strong>stacado pelo Tribunal Constitucional<br />

Fe<strong>de</strong>ral Alemão, “protege a confiança dos postulantes e da socieda<strong>de</strong> na imparcialida<strong>de</strong><br />

e objetivida<strong>de</strong> dos tribunais”.5<br />

O referido princípio <strong>de</strong>ve ser interpretado em sua plenitu<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma a proibir-se, não<br />

só a criação <strong>de</strong> tribunais ou juízos <strong>de</strong> exceção, mas também <strong>de</strong> respeito absoluto às regras<br />

1 Conferir <strong>de</strong>stacado Voto-Vista do Ministro Luiz Fux, em que relativiza a coisa julgada em relação à ação <strong>de</strong><br />

investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> (S T F -R E 363889/DF, Rei. Min. Dias T ó ffo li).<br />

2 DENNEW ITZ, Boddo. Kommentar zum Bonner Grundgesetz: Bonner Kommeratar. Hamburgo: Joachin Hestmann,<br />

1950. art. 101.<br />

3 Em relação ao Princípio do Juiz Natural e a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> le i estadual <strong>de</strong> organização judiciária<br />

que criou órgão colegiado <strong>de</strong> juizes <strong>de</strong> I a grau para processo e julgam ento <strong>de</strong> infrações penais praticadas por<br />

organizações criminosas (5 Magistrados), em substituição ao ju iz monocrático, conferir S T F - Pleno - ADI 4414/<br />

AL - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 30 e 31-5-2012.<br />

4 MELLO FILHO, José Celso. A tutela judicial da liberda<strong>de</strong>. RT 526/291.<br />

5 Decisão - U rte il-d o Primeiro Senado<strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> m arço<strong>de</strong> 1 9 5 6 -1 BvR479/55- Cinquenta anos <strong>de</strong> Jurisprudência<br />

do Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral Alemão. Coletânea Original: Jürgem Schawabe. Organização e introdução:<br />

Leonardo Martins. Konrad A<strong>de</strong>nauer - Stiffung - Programa Estado <strong>de</strong> Derecho para Sudamérica, p. 900-901.


9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

objetivas <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> competência, para que não seja afetada a in<strong>de</strong>pendência e<br />

imparcialida<strong>de</strong> do órgão julgador.<br />

21.1 Justiças especializadas e tribunais <strong>de</strong> exceção<br />

As justiças especializadas no Brasil não po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>radas justiças <strong>de</strong> exceção,<br />

pois são <strong>de</strong>vidamente constituídas e organizadas pela própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral e<br />

<strong>de</strong>mais leis <strong>de</strong> organização judiciária. Portanto, a proibição <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> tribunais<br />

<strong>de</strong> exceção não abrange a justiça especializada, que é atribuição e divisão da ativida<strong>de</strong><br />

jurisdicional do Estado entre vários órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

21.2 Tribunais <strong>de</strong> ética e tribunais <strong>de</strong> exceção<br />

Os tribunais <strong>de</strong> ética instituídos em <strong>de</strong>terminadas or<strong>de</strong>ns profissionais, como a OAB,<br />

não são tribunais <strong>de</strong> exceção, pois constituem-se em organismos disciplinares cujas <strong>de</strong>cisões<br />

estão sujeitas no País a uma revisão judicial.<br />

22 TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 5“, XXXVIII)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral reconhece, no art. 5B, XXXVIII, a instituição do júri, com a<br />

organização que lhe <strong>de</strong>r a lei, assegurados a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, o sigilo das votações, a<br />

soberania dos veredictos1e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra<br />

a vida.<br />

Ainstituiçãodojúri,<strong>de</strong>origem anglo-saxônica, é vista como uma prerrogativa <strong>de</strong>mocrática<br />

do cidadão, que <strong>de</strong>verá ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu caráter<br />

místico e religioso, pois tradicionalmente constituído <strong>de</strong> doze membros em lembrança dos<br />

doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo.<br />

O júri é um tribunal popular, <strong>de</strong> essência e obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, regulamentado<br />

na forma da legislação ordinária, e, atualmente, composto por um juiz togado,<br />

seu presi<strong>de</strong>nte e por 25 jurados que serão sorteados <strong>de</strong>ntre os alistados, sete dos quais<br />

constituirão o Conselho <strong>de</strong> Sentença em cada sessão <strong>de</strong> julgamento.<br />

22.1 Plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

Logicamente, a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa encontra-se <strong>de</strong>ntro do princípio maior da ampla<br />

<strong>de</strong>fesa, previsto no art. 5S, LV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Além disso, conforme salienta<br />

Pontes <strong>de</strong> Miranda,12 na plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, inclui-se o fato <strong>de</strong> serem os jurados tirados<br />

<strong>de</strong> todas as classes sociais e não apenas <strong>de</strong> uma ou <strong>de</strong> algumas.<br />

1 STF - HC 69.412-8/RJ e HC 70.193-1/RS - , ambos da I a Turma e relatados pelo Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 6nov. 2006, p. 37; STJ - 6â T. - HC 134742/SP - Rei. Min. Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, <strong>de</strong>cisão:<br />

20-9-2011<br />

2 M IRANDA, Pontes. Comentários... Op. cit. p. 270.


Direitos e Garantias Fundamentais 93<br />

22.2 Sigilo <strong>de</strong> votações<br />

Este preceito <strong>constitucional</strong> significa que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convicção e opinião dos jurados<br />

<strong>de</strong>verá sempre ser resguardada, <strong>de</strong>vendo a legislação ordinária prever mecanismos<br />

para que não se frustre o mandamento <strong>constitucional</strong>.<br />

22.3 Soberania dos veredictos e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelação<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso <strong>de</strong> apelação, prevista no Código <strong>de</strong> Processo Penal, quando<br />

a <strong>de</strong>cisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos, não afeta a soberania<br />

dos veredictos, uma vez que a nova <strong>de</strong>cisão também será dada pelo Tribunal do Júri.1<br />

Assim enten<strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>clarou que a garantia <strong>constitucional</strong><br />

da soberania do veredicto do júri não exclui a recorribilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões. Assegura-se<br />

tal soberania com o retorno dos autos ao Tribunal do J úri para novo julgamento.12<br />

O mesmo entendimento prevalecia em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> protesto por novo<br />

júri.3<br />

Em relação à revisão criminal, enten<strong>de</strong>-se que, pelo já citado princípio da proporcionalida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ve prevalecer o princípio da inocência em relação à soberania dos veredictos,<br />

sendo, pois, plenamente possível seu ajuizamento para rescindiruma con<strong>de</strong>nação imposta<br />

pelo Conselho <strong>de</strong> Sentença, pelo próprio Judiciário.4<br />

22.4 Competência <strong>constitucional</strong> do Tribunal <strong>de</strong> Júri<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê regra mínima e inafastável <strong>de</strong> competência do Tribunal<br />

do Júri, não impedindo, contudo, que o legislador infra<strong>constitucional</strong> lhe atribua outras<br />

e diversas competências.5<br />

1 STF - l aT. - H C n “ 69.412-8/R J-Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,6nov. 2006, p. 37; STF<br />

- I a T. - HC n“ 70.193-1/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 6 nov. 2006, p. 37. Conferir:<br />

S T J - 6 a T. - HC 134742/SP - Rei. Min. Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, <strong>de</strong>cisão 20-9-2011.<br />

2 STF, HC 71.617-2,2 »T „ Rei. Min. Francisco Rezek, DJU, Seção 1,1 9 maio 1995, p. 13.995; STF, RE 176.726-<br />

0, I a T „ Rei. Min. lim ar Galvão, DJU, Seção 1, 26 m aio 1995, p. 15.165; STF - l aT. - HC 70.193-1/RS - Rei.<br />

Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D iário da Justiça, Seção I, 6 nov. 2006, p. 37.<br />

3 S T F - R T 5 10/461; STJ-Resp. n 2136.109/D F-Rel. Min. José Dantas, Diário da Justiça, Seção 1,3 nov. 1997,<br />

p. 56.357; Ementário STJ, 01/516; 11/685; 14/622; TJ/S P-R T444/334.<br />

4 RT548/330; 677/341. Contra esse entendimento, salienta Guilherme <strong>de</strong> Souza Nucci: “ em que pese o fato <strong>de</strong> ser<br />

maciça a doutrina e a posiçãojurispru<strong>de</strong>ncial em franco apoio à revisão criminal contra a soberana <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>na-<br />

tória do júri, os argumentos mencionados po<strong>de</strong>m ser afastados um a um, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não prevaleça o critério emotivo,<br />

nem tampouco o preconceito e o temor que existem contra a instituição do júri. A magistratura togada <strong>de</strong>ve ce<strong>de</strong>r à<br />

vonta<strong>de</strong> do constituinte e perceber que não é, efetivamente, a última instância para julgar casos <strong>de</strong> crimes dolosos contraa<br />

vida” CNUCCI, Guilherme <strong>de</strong> Souza./úri: princípios constitucionais. São Paulo: Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 1999. p. 113).<br />

5 Nesse sentido: BASTOS, Celso. Comentários... O p .c it.p . 208, e MIRANDA, Pontes. Comentários... Op. cit. p.<br />

268, t. 5. Como salienta Guilherme <strong>de</strong> Souza Nucci, “ eventualmente, sua competência po<strong>de</strong>rá ser ampliada pela<br />

lei ordinária, o que parece muito pouco provável, em bora continue a instituição em manifesta e permanente<br />

ativida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo ser, <strong>de</strong> fato, assimilada por todos, especialmente pelos tribunais togados” (Júri: princípios<br />

constitucionais. São Paulo: Juarez <strong>de</strong> O liveira, 1999. p. 175). Contra, porém, na égi<strong>de</strong> da Constituição anterior:<br />

MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit.


9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se que o art 5a, XXXVIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não <strong>de</strong>ve ser entendido <strong>de</strong><br />

forma absoluta, uma vez que existirão hipóteses, sempre excepcionais, em que os crimes<br />

dolosos contra a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri.1 Estas hipóteses referem-<br />

-se, basicamente, às competências especiais por prerrogativa <strong>de</strong> função.<br />

Assim, todas as autorida<strong>de</strong>s com foro <strong>de</strong> processo e julgamento previsto diretamente<br />

pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, mesmo que cometam crimes dolosos contra a vida, estarão<br />

excluídas da competência do Tribunal do Júri, pois, no conflito aparente <strong>de</strong> normas da<br />

mesma hierarquia, a <strong>de</strong> natureza especial prevalecerá sobre a <strong>de</strong> caráter geral <strong>de</strong>finida<br />

no art. 5a, XXXVIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Esta regra se aplica nas infrações penais comuns cometidas pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

Vice-Presi<strong>de</strong>nte, membros do Congresso Nacional, Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, Procurador-Geral da República, Ministros <strong>de</strong> Estado, membros dos Tribunais Superiores,<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União e pelos chefes <strong>de</strong> missão diplomática <strong>de</strong> caráter<br />

permanente, conforme jurisprudência pacífica, pois já se firmou posição no sentido <strong>de</strong> que<br />

a locução <strong>constitucional</strong> “crimes comuns”, prevista nos art 102,1, b e c, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral abrange todas as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infrações penais, inclusive os crimes dolosos<br />

contra a vida, que serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Igualmente, aplica-se nos <strong>de</strong>nominados “crimes comuns” praticados por governadores<br />

dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>sembargadores dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos Estados e<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, membros do Tribunal <strong>de</strong> Contas dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, dos<br />

Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, membros<br />

dos Conselhos ou Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Municípios e do Ministério Público da União que<br />

oficiem perante tribunais, que sempre serão, nos termos do art. 105,1, a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, processados e julgados pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.3<br />

Ainda, no caso <strong>de</strong> crimes dolosos contra a vida praticados por Prefeito Municipal, em<br />

face da maior especialida<strong>de</strong>, aplica-se o art 29, X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, competindo<br />

o processo e julgamento ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça.4<br />

Ressalte-se, por fim, que o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida<br />

praticados pelos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e pelos membros do Ministério Público, em<br />

razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminação do foro competente por norma direta da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não<br />

serão julgados pelo Tribunal do Júri, mas sim pelo Tribunal competente, por prevalência<br />

da norma <strong>de</strong> caráter especial.5<br />

1 Com a promulgação da Lei n2 9.299, <strong>de</strong> 1996, os crimes dolosos contra a vida praticados por militar contra civil<br />

passam a ser julgados pelo Tribunal do Júri, e não mais pela Justiça Militar. Como <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, essa regra é <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> imediata, a teor do disposto do art. 2° do CPP (STJ - Recurso <strong>de</strong> habeas<br />

corpus n“ 5.660/SP, Rei. Min. W illiam Patterson, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1996, p. 3 5. 156 - “ EMENTA:<br />

COMPETÊNCIA. CRIME MILITAR. POLICIAL. APLICAÇÃO IMEDIATA DA LEI N D9.299, DE 1996 - Ao <strong>de</strong>finir a<br />

competência da Justiça Comum para os crimes contra a vida, com etidos por m ilitar contra civil, a Lei nD9.299,<br />

<strong>de</strong> 1996, é <strong>de</strong> aplicação imediata, a teor do disposto no art. 2° do CPP.”<br />

2 KTJ 33/590, HC 69.344-RJ, Rei. Min. Néri da Silveira.<br />

3 STF, Plenário, C Jn2 7.000-4 - P E , Rei. Min. Néri da Silveira, DJU, 7 a go . 1992, p. 11.779.<br />

4 STJ, 5a T., HC 2.259-9-MT, R ei. Min. Jesus Costa Lima, v.u., j. 2-2-94, DJU, 28 fev. 1994, p. 2.900.<br />

5 STF, HC 68.935-3-RJ, l aT „ Rei. M in. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1,25 out. 1991, RJ, 172/134; STF<br />

-H C 71654-7, l aT., Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1 ,3 0 a g a 1996, p. 30.605, on<strong>de</strong> se afirma a<br />

competência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça para o julgam ento <strong>de</strong> crime praticado por Prom otor <strong>de</strong> Justiça, no exercício


Direitos e Garantias Fundamentais 9 5<br />

Em conclusão, a competência do Tribunal do Júri não é absoluta, afastando-a a própria<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no que prevê, em face da dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certos cargos e da relevância<br />

<strong>de</strong>stes para o Estado, a competência <strong>de</strong> Tribunais, conforme <strong>de</strong>terminamos arts. 29, inciso<br />

X, 96, inciso III, 108, inciso I, alínea a, 105, inciso I, alínea a e 102, inciso I, alíneas b e c .1<br />

Também nas hipóteses <strong>de</strong> conexão ou continência entre duas infrações penais, um<br />

crime doloso contra a vida e outro com foro por prerrogativa <strong>de</strong> função, inexistirá atração,<br />

prevalecendo a regra do juiz natural, havendo, necessariamente, a separação dos processos.<br />

Assim, enten<strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que o<br />

“envolvimento <strong>de</strong> corréus em crime doloso contra a vida, havendo em relação a<br />

um <strong>de</strong>les a prerrogativa <strong>de</strong> foro como tal <strong>de</strong>finida <strong>constitucional</strong>mente, não afasta,<br />

quanto ao outro, o juiz natural revelado pela alínea d do inciso XXXVIII do art 5a<br />

da Carta Fe<strong>de</strong>ral. A continência, porque disciplinada mediante normas <strong>de</strong> índole<br />

instrumental comum, não é conducente, no caso, à reunião dos processos. A atuação<br />

<strong>de</strong> órgãos diversos integrantes do Judiciário, com duplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgamento,<br />

<strong>de</strong>corre do próprio texto <strong>constitucional</strong>, isto por não se lhe po<strong>de</strong>r sobrepor preceito<br />

<strong>de</strong> natureza estritamente legal”.*12<br />

As respectivas Constituições Estaduais, também, com base no exercício do po<strong>de</strong>r<br />

constituinte <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> auto-organização, corolário da autonomia fe<strong>de</strong>ral<br />

prevista no art. 18 da Carta Fe<strong>de</strong>ral, po<strong>de</strong>rão atribuir aos seus agentes políticos as mesmas<br />

prerrogativas <strong>de</strong> função <strong>de</strong> natureza processual penal, que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

conce<strong>de</strong>u aos seus, que lhe são correspon<strong>de</strong>ntes.3 Assim, po<strong>de</strong>rão estabelecer para o processo<br />

e julgamento <strong>de</strong> todos os crimes, inclusive os dolosos contra a vida praticados pelos<br />

membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo e dos Secretários <strong>de</strong> Estado, a mais alta Corte <strong>de</strong> Justiça<br />

estadual, da mesma forma que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral o fez em relação aos congressistas<br />

e Ministros <strong>de</strong> Estado.<br />

Portanto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que expressamente previsto na Constituição Estadual, os <strong>de</strong>putados<br />

estaduais e Secretários <strong>de</strong> Estado serão processados e julgados nos crimes dolosos contra<br />

a vida pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> seu respectivo Estado.4<br />

Ressalte-se, porém, que as Constituições estaduais não po<strong>de</strong>rão suprimir a competência<br />

<strong>constitucional</strong> do Tribunal do Júri, quando não existir paradigma na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, ou seja, quando essa não trouxer expressamente a prerrogativa <strong>de</strong> foro a seus<br />

agentes públicos fe<strong>de</strong>rais, aquelas não po<strong>de</strong>rão afastar os agentes públicos estaduais<br />

do cargo, ainda que ocorrido antes do advento da nova Carta, tratando-se <strong>de</strong> foro especial, por prerrogativa <strong>de</strong><br />

função, instituído pelo art. 96, III, da CF/88, norma que, não apenas por sua natureza <strong>constitucional</strong> e processual,<br />

mas também por contemplar, não o ocupante do cargo, mas a dignida<strong>de</strong> da função, é <strong>de</strong> aplicação imediata. No<br />

mesmo sentido: STF - I a T. - HC nD73.112-1/MG - Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 31 maio<br />

1996, p. 18.801. Neste mesmo sentido, <strong>de</strong>cidindo pela competência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça para o processo e<br />

julgam ento <strong>de</strong> crime doloso contra a vida praticado por Prom otor <strong>de</strong> Justiça, conferir Ementário STJ, 18/443.<br />

1 STF _ 2*1. - HC 70.581-AL, RTJ 150/832-3.<br />

2 STF _ 2i T. - HC 70.581-AL, F T J 150/832-3; STF - Pleno - HC n e 69.325-3/GO - Rei. Min. Néri da Silveira<br />

-D JU , 4 <strong>de</strong>z. 1992, p. 23.058.<br />

3 STF -R TJ 102/54.<br />

4 STF - HC 65.132, Diário da Justiça, Seção I, 4set. 1987, p. 18.286.


96 Direito Constitucional • Moraes<br />

correspon<strong>de</strong>ntes do julgamento pelo Júri.1Nesse sentido, o STF editou a Súmula 721: “A<br />

competência <strong>constitucional</strong> do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa<br />

<strong>de</strong> função estabelecida exclusivamente pela Constituição estadual.”<br />

23 EXTRADIÇÃO (ART. 5a, LI E Lll)<br />

Extradição, conforme <strong>de</strong>fine Hil<strong>de</strong>brando Accioly,<br />

“é o ato pelo qual um Estado entrega um indivíduo, acusado <strong>de</strong> um <strong>de</strong>lito ou já<br />

con<strong>de</strong>nado como criminoso, à justiça do outro, que o reclama, e que é competente<br />

para julgá-lo e puni-lo”.12<br />

A natureza jurídica do pedido extradicional perante o Estado brasileiro, conforme<br />

enten<strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“constitui -quando instaurada a fase judicial <strong>de</strong> seu procedimento- ação <strong>de</strong> índole<br />

especial, <strong>de</strong> caráter constitutivo, que objetiva a formação <strong>de</strong> título jurídico apto a<br />

legitimar o Po<strong>de</strong>r Executivo da União a efetivar, com fundamento em tratado internacional<br />

ou em compromisso <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, a entrega do súdito reclamado”.3<br />

Quanto à extradição, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê tratamento diferenciado aos brasileiros<br />

natos, naturalizados e aos estrangeiros, dispondo nos incisos LI e LII, do art. 5®,<br />

da seguinte forma:<br />

“LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso <strong>de</strong> crime<br />

comum, praticado antes da naturalização, ou <strong>de</strong> comprovado envolvimento em<br />

tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;<br />

LII - não será concedida extradição <strong>de</strong> estrangeiro por crime político ou <strong>de</strong> opinião.”<br />

1 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, afirm ando que, “ em bora seja perm itido à Constituição<br />

<strong>de</strong> Estado-membro instituir foro especial por prerrogativa <strong>de</strong> função (CF, art. 125, § 1°), ela não po<strong>de</strong> excluir<br />

a competência <strong>constitucional</strong> do Tribunal do Júri para o julgam ento <strong>de</strong> crimes dolosos contra a vida (CF, art.<br />

5°, XXXVIII, d ), a não ser em relação aos agentes políticos correspon<strong>de</strong>ntes àqueles que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

outorga tal privilégio. Com esse fundam ento, o Tribunal, em fa ce <strong>de</strong> habeas corpus im petrado em favor <strong>de</strong><br />

procurador do Estado da Paraíba que fora con<strong>de</strong>nado por crim e <strong>de</strong> h om icídio perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

estadual em virtu <strong>de</strong> <strong>de</strong> privilégio <strong>de</strong> fo ro , <strong>de</strong>feriu o pedido para anular o acórdão con<strong>de</strong>natório e o processo<br />

penal em que ele fo i proferido, ab initio, <strong>de</strong>term inando a <strong>de</strong>volu ção dos autos da ação penal à comarca <strong>de</strong> origem,<br />

por enten<strong>de</strong>r inaplicável, aos crimes dolosos contra a vida atribuídos aos procuradores do Estado, a regra<br />

inscrita no art. 136, XII, da Constituição do Estado da Paraíba (STF - Pleno - HC n2 78.168/PB - Rei. Min. Néri<br />

da Silveira, <strong>de</strong>cisão: 18-11-98 - Informativo STF n2 132). N o mesmo sentido, em relação à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

a Constituição estadual prever a competência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça para processar e ju lgar os crim es dolosos<br />

contra a vid a praticados pelos m em bros da Defensor ia Pública: STF - Pleno - AD In n2 469/DF - Rei. Min. M arco<br />

Aurélio, 5-4-2001 - Informativo STF na 223, 2 a 13 abr. 2001, p. 2.<br />

2 ACCIOLY, Hil<strong>de</strong>brando. Manual<strong>de</strong><strong>direito</strong> internacional público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 105.<br />

3 STF - Extradição 667-3-República italiana, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, j. 25-9-95, DJU. 29set. 1995, p. 31.998-<br />

31.999.


Direitos e Garantias Fundamentais 9 7<br />

Dessa forma, somente nas hipóteses constitucionais será possível a concessão da<br />

extradição, po<strong>de</strong>ndo, porém, a legislação fe<strong>de</strong>ral infra<strong>constitucional</strong> (CF, art. 22, XV)<br />

<strong>de</strong>terminar outros requisitos formais.<br />

Há duas espécies <strong>de</strong> extradição:<br />

• ativa: é requerida pelo Brasil a outros Estados soberanos;<br />

• passiva: é a que se requer ao Brasil, por parte dos Estados soberanos.<br />

As restrições constitucionais e legais pátrias inci<strong>de</strong>m sobre os pedidos <strong>de</strong> extradição<br />

passiva, requeridos por Estados soberanos à República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, sendo, pois,<br />

objeto <strong>de</strong> nosso estudo.1<br />

23.1 Hipóteses constitucionais para a extradição<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê nos incisos LI e LII do art. 5S tratamento diferenciado<br />

aos brasileiros natos, naturalizados e aos estrangeiros, da seguinte forma:<br />

1. O brasileiro nato nunca será extraditado.12<br />

2. O brasileiro naturalizado somente será extraditado em dois casos:3<br />

a. por crime comum, praticado antes da naturalização;<br />

b. quando da participação comprovada em tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e<br />

drogas afins, na forma da lei, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do momento do fato, ou<br />

seja, não importa se foi antes ou <strong>de</strong>pois da naturalização.4<br />

Saliente-se que, em relação à disciplina <strong>constitucional</strong> sobre a extradição <strong>de</strong><br />

brasileiro naturalizado e momento da obtenção da nacionalida<strong>de</strong> brasileira,<br />

reafirmou o STF que “ a jurisprudência da Corte a respeito da aquisição da<br />

condição <strong>de</strong> brasileiro naturalizado, a qual, não obstante já <strong>de</strong>ferida pelo M i­<br />

nistério da Justiça, só ganha eficácia jurídica, inclusive para fins extradicionais,<br />

após a entrega solene, pela Justiça Fe<strong>de</strong>ral, do certificado <strong>de</strong> naturalização ao<br />

estrangeiro naturalizado (Estatuto do Estrangeiro, art. 122).<br />

3. O português equiparado, nos termos do § 1Ddo art. 12 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

tem todos os <strong>direito</strong>s do brasileiro naturalizado; assim, po<strong>de</strong>rá ser extradita­<br />

1 STF - Ext. 955/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M e llo -Informativo STFna374, p. 4, eDiário da Justiça, Seção I, l a fev.<br />

2005, p. 2. Conferir excelente estudo sobre “Extradição e respeito aos Direitos Humanos”, no voto-vista do Ministro<br />

Gilm ar Men<strong>de</strong>s: STF - Pleno - Ext 986/República da Bolívia - Rei. Min. Eros Grau. Informativo STFnQ476.<br />

2 STF - Pleno - HC 83113/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 29<br />

ago. 2003, p. 20.<br />

3 STF - 2a T .- E x t ./ 1223 - República do Equador - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 22-11-2011 - Informativo<br />

STF n° 649.<br />

4 Verificar importante discussão jurídica em obter dictum, no STF, sobre a possibilida<strong>de</strong> do brasileiro naturalizado<br />

po<strong>de</strong>r ou não ser processado no Brasil, em bora já con<strong>de</strong>nado pela Justiça estrangeira, em fa ce da garantia<br />

<strong>constitucional</strong> contra a dupla persecução penai fundada na mesma infração penal (Ext. 1223/República do<br />

Equador - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 22-11-2011).


98 Direito Constitucional • Moraes<br />

do nas hipóteses <strong>de</strong>scritas no item 2. Porém, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratado bilateral<br />

assinado com Portugal, convertido no Decreto Legislativo ne 70.391/72 pelo<br />

Congresso Nacional, posteriorm ente substituído pelo Decreto nfi 3.927, <strong>de</strong><br />

19-9-2001, que promulgou o Tratado <strong>de</strong> Cooperação, Am iza<strong>de</strong> e Consulta<br />

Brasil/Portugal, somente po<strong>de</strong>rá ser extraditado para Portugal.1<br />

4. O estrangeiro po<strong>de</strong>rá, em regra, ser extraditado, havendo vedação apenas nos<br />

crimes políticos12 ou <strong>de</strong> opinião.3 Observe-se que o caráter político do crime <strong>de</strong>verá<br />

ser analisado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, inexistindo prévia <strong>de</strong>finição<br />

<strong>constitucional</strong> ou legal sobre a matéria.<br />

Em relação à conceituação <strong>de</strong> crime político, importante salientar o entendimento do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> “repelir-se, no caso concreto, a existência <strong>de</strong> crime político,<br />

dado que não <strong>de</strong>monstrada a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> atentar, efetiva ou potencialmente, contra a<br />

soberania nacional e a estrutura política”.4<br />

Igualmente, enten<strong>de</strong> o STF que<br />

“os atos <strong>de</strong>lituosos <strong>de</strong> natureza terrorista, consi<strong>de</strong>rados os parâmetros consagrados<br />

pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong><br />

política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como<br />

um dos princípios essenciais que <strong>de</strong>vem reger o Estado brasileiro em suas relações<br />

internacionais”.5<br />

Dessa forma, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê duas regras básicas para <strong>de</strong>finir as hipóteses<br />

constitucionais para a extradição.<br />

A primeira regra refere-se aos brasileiros, que não po<strong>de</strong>rão ser extraditados. Para os<br />

brasileiros natos, essa regra é absoluta, não admitindo nenhuma exceção.<br />

Em relação aos brasileiros naturalizados, porém, essa regra é relativa, admitindo<br />

duas exceções:<br />

• exceção em relação à espécie <strong>de</strong> crime: o brasileiro naturalizado po<strong>de</strong>rá ser extraditado<br />

por comprovada participação em tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> o momento da prática <strong>de</strong>sse crime ter sido antes ou <strong>de</strong>pois<br />

da naturalização. Nessa hipótese, conforme <strong>de</strong>cidiu o STF, “é imprescindível a<br />

comprovação <strong>de</strong> seu efetivo envolvimento no <strong>de</strong>lito”.6<br />

• exceção em relação ao momento da prática do crime: excluída a comprovada<br />

participação em tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes, e, consequentemente, tratando-<br />

1 Conferir a respeito: BOHNENBERGER, Alan. Expulsão <strong>de</strong> estrangeiros no Brasil. Monografia <strong>de</strong> láurea acadêmica.<br />

Porto Alegre: UFRGS, 2002.<br />

2 STF - Pleno - Ext. 1150/República Argentina - Rei. Min. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011.<br />

3 BARILE, Paolo (Op. cit. p. 339) aponta-nos que, também na Itália, é vedada a extradição por crime político,<br />

excluído o genocídio e po<strong>de</strong>ndo ser excluídos os crimes <strong>de</strong> terrorismo.<br />

4 STF - 2ãT .- H C n e 73.452/RJ-R el. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 27jun. 1997, p. 30.226.<br />

5 STF-Pleno-Extradição ns 855-2, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M e llo - Informativo STF na394, p. 4.<br />

6 STF - Pleno - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Ext. nD934/República Oriental do Uruguai - Rei. Min. Eros Grau, Informativo<br />

STF n° 360, p. 2.


Direitos e Garantias Fundamentais 9 9<br />

-se <strong>de</strong> qualquer outra espécie <strong>de</strong> crime, o brasileiro naturalizado po<strong>de</strong>rá ser<br />

extraditado se o crime tiver sido praticado antes da naturalização.<br />

Portanto, tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes é o único crime praticado após a naturalização<br />

que possibilita a extradição do brasileiro naturalizado. Nas <strong>de</strong>mais hipóteses, o<br />

brasileiro naturalizado somente po<strong>de</strong>rá ser extraditado se o crime houver sido praticado<br />

antes da naturalização.<br />

A segunda regra diz respeito aos estrangeiros, que somente excepcionalmente não<br />

po<strong>de</strong>rão ser extraditados.<br />

23.2 Requisitos infraconstitucionais para a extradição<br />

O Estado estrangeiro que preten<strong>de</strong>r obter a extradição <strong>de</strong>verá fundar seu pedido nas<br />

hipóteses constitucionais e nos requisitos formais legais,1ou seja:<br />

• hipóteses materiais: incisos LI e LII da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988;<br />

• requisitos formais: Estatuto do Estrangeiro (Lei ns 6.815/80, arts. 91 ss), Lei<br />

Fe<strong>de</strong>ral nE 6.964/81 e Regimento Interno do STF (arts. 207 a 214), entre eles:<br />

1. reciprocida<strong>de</strong> :12 o pedido extradicional somente po<strong>de</strong>rá ser atendido quando<br />

o Estado estrangeiro requerente se fundamentar em tratado internacional ou<br />

quando, inexistente este, promete reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento ao Brasil.3<br />

Ressalte-se, porém, conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que “os<br />

tratados <strong>de</strong> extradição têm aplicação imediata, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> o crime<br />

em que se funda a extradição ser anterior a ele, salvo disposição expressa<br />

em contrário”.4 A promessa <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser integral, ou seja, não<br />

po<strong>de</strong>rá encontrar óbice na Constituição ou legislação do país estrangeiro,<br />

que acabará impedindo seu cumprimento futuro.5<br />

2. competência exclusiva da Justiça do Estado requerente para processar e<br />

julgar o extraditando, da qual <strong>de</strong>corre incompetência do Brasil para tanto;<br />

1 Conferir pedido <strong>de</strong> extradição in<strong>de</strong>ferido em virtu<strong>de</strong> da ausência dos requisitos formais: STF - Pleno - Ext.<br />

na 9 3 3 /R ein o da Espanha - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 13-9-2006, Informativo STF n° 440<br />

2 Em relação à p ro m e s s a <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>, conferir: STF - I a T - E x t. n° 1206/República da P o lô n ia -R e i. Min.<br />

Ricardo Lew andow iski,<strong>de</strong>cisão: 28-06-2011; S T F - Pleno - Ext. na 1.120 - República Fe<strong>de</strong>ral da A lem anha- Rei.<br />

Min. M enezes Direito e STF - Plen o-E xt. na 1.122/Estado <strong>de</strong> Israel -R e i. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 28-8-2009<br />

3 P T J 9 7 /1 . No m esm o sentido, afirm ou o STF que “ Fundando-se o pedido em prom essa <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tratam ento p ara casos an álogos, está assim atendido o requisito autorizativo da medida, previsto no art. 76 da<br />

Lei na 6 .8 1 5 /8 0 , alterad a pela Lei na 6.964/81“ (RTJ162/452).<br />

4 STF - Pleno - Extradição nD759-Itália (Edcl) - Rei. Min. M oreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 9-12-99. Informativo STF,<br />

nD174.<br />

5 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral n egou a extradição em virtu<strong>de</strong> da promessa <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong><br />

feita pelo G overno alem ão <strong>de</strong> incluir hipótese <strong>de</strong> brasileiro naturalizado, apesar <strong>de</strong> a Lei Fundamental alemã<br />

não perm itir extradição <strong>de</strong> alem ão naturalizado (STF - Pleno - Extr. n° 1010 - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - República<br />

Fe<strong>de</strong>ral Alem ã - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2006, Informativo STFn° 428). No mesmo sentido:<br />

STF - Pleno - Ext. 1003 - Alemanha - Rei. M in. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 18-10-2006.


1 0 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

3. existência <strong>de</strong> título penal con<strong>de</strong>natório ou <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> prisão emanados<br />

<strong>de</strong> juiz, tribunal ou autorida<strong>de</strong> competente do Estado estrangeiro;<br />

4. ocorrência <strong>de</strong> dupla tipicida<strong>de</strong>. Como <strong>de</strong>fine o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“revela-se essencial, para a exata aferição do respeito ao postulado da dupla<br />

incriminação, que os fatos atribuídos ao extraditando - não obstante a<br />

incoincidência <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>signação formal - revistam-se <strong>de</strong> tipicida<strong>de</strong> penal<br />

e sejam igualmente puníveis tanto pelo or<strong>de</strong>namento jurídico doméstico<br />

quanto pelo sistema <strong>de</strong> <strong>direito</strong> positivo do Estado requerente. Prece<strong>de</strong>nte:<br />

RTJ 133/1075”.1<br />

Assim, não será possível a concessão da extradição se o fato, apesar <strong>de</strong> crime<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico estrangeiro, for tipificado como contravenção no<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro,12 ou fato atípico.3<br />

5. inocorrência <strong>de</strong> prescrição da pretensão punitiva ou executória, seja pelas<br />

leis brasileiras, seja pela lei do Estado estrangeiro;4<br />

6. ausência <strong>de</strong> caráter político da infração atribuída ao extraditado;<br />

7. não sujeição do extraditando a julgamento, no Estado requerente, perante<br />

tribunal ou juízo <strong>de</strong> exceção;5<br />

8. não cominar a lei brasileira, ao crime, pena igual ou inferior a um ano <strong>de</strong><br />

prisão;6<br />

9. compromisso formal do Estado requerente em:<br />

a. efetuar a <strong>de</strong>tração penal, computando o tempo <strong>de</strong> prisão que, no Brasil,<br />

foi cumprido por força da extradição;7<br />

b. comutar a pena <strong>de</strong> morte, ressalvados os casos em que a lei brasileira<br />

permite a sua aplicação (art. 5®, XLVÜ - "... salvo em caso <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada,<br />

nos termos do art. 84, XIX”), em pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>;<br />

c. não agravar a pena ou a situação do sentenciado por motivos políticos;<br />

1 STF - Pleno - Extradição n“ 669/EUA - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello - Diário da Justiça, Seção 1,29 mar. 1996,<br />

p. 9.343. Conferir, ainda: S T F - P le n o - E x t. 1150/República Argentina - Rei. Min. Cárm enLúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-<br />

5-2011; STF - I a T. - Ext. n“ 1206/República da Polônia - Rei. M in. Ricardo Lewandowski,<strong>de</strong>cisão: 28-6-2011;<br />

STF - Ext 1196/Reino da Espanha - Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2011.<br />

2 RTJ 161/411 e 405.<br />

3 STF - Pleno - Extradição n a 753-0 - Estados Unidos da Am érica - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,26 nov. 1999, p. 83; STF - Pleno - Extradição n° 1029/República Portuguesa - Rei. Min. Cezar Peluso,<br />

<strong>de</strong>cisão: 13-9-2006. Informativo STF nQ440.<br />

4 STF - Pleno - Ext. 1140/República Italiana, Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, 21-10-2010; STF - Pleno - Ext. 1150/<br />

República Argentina - ReL Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011; S T F -E x t. 1196/Reino da E span h a-R ei.<br />

Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2011; STF - I a T. - Ext. n° 1206/República da Polônia - Rei. Min. Ricardo Lew<br />

andowski, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011.<br />

5 STF - Pleno - Ext. 1150/República A rg en tin a -R ei. Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011.<br />

6 RTJ 162/452. STF - Pleno - Extradição n “ 753-0 - Estados Unidos da Am érica - Rei. Min. M oreira Alves,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1999, p. 83.<br />

7 STF -P le n o -E x t. 1150/República A rgen tin a -R ei. M in. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011; S TF-E xt. 1196/<br />

Reino da Espanha - Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2011. Os julgados também se referem a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> comutar a pena <strong>de</strong> morte.


Direitos e Garantias Fundamentais 101<br />

d. não efetuar nem conce<strong>de</strong>r a reextradição (entrega do extraditando, sem<br />

consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame).<br />

Desta forma, o Estado estrangeiro <strong>de</strong>verá indicar, em síntese objetiva e articulada, os<br />

fatos subjacentes à extradição, limitando o âmbito temático <strong>de</strong> sua pretensão.<br />

O ônus jurídico <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir o alcance do pedido extradicional, como afirma o Pretório<br />

Excelso,<br />

“com a necessária síntese <strong>de</strong>scritiva dos fatos, inci<strong>de</strong> sobre o Estado requerente, não<br />

se justificando queeste, mediante sumária nota verbal, transfira o encargo em causa<br />

a esta Suprema Corte, que se veria na contingência <strong>de</strong> extrair, das peças documentais<br />

- com inadmissível substituição da ativida<strong>de</strong> processual que compete, inicialmente,<br />

ao autor da ação <strong>de</strong> extradição passiva -, os elementos à própria <strong>de</strong>limitação material<br />

da presente extradição. O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> expor, ainda que sucintamente, mas sempre <strong>de</strong><br />

modo daro e objetivo, os episódios motivadores da postulação extradicional pertence<br />

ao Estado requerente, até mesmo em função da exigência legal que impõe, em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> extradição, a observância do princípio da dupla tipicida<strong>de</strong>”.1<br />

23.3 Procedimento e <strong>de</strong>cisão<br />

O pedido <strong>de</strong>verá ser feito pelo governo do Estado estrangeiro soberano por via<br />

diplomática,12 nunca por mera carta rogatória,3 e en<strong>de</strong>reçado ao Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

autorida<strong>de</strong> autorizada <strong>constitucional</strong>mente a manter relações com Estados estrangeiros<br />

(art. 84, V II). Uma vez feito o pedido, ele será encaminhado ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

pois não se conce<strong>de</strong>rá extradição sem seu prévio pronunciamento sobre a legalida<strong>de</strong> e a<br />

procedência do pedido,4 que somente dará prosseguimento ao pedido se o extraditando<br />

estiver preso e à disposição do Tribunal,5 salvo raras excepcionalida<strong>de</strong>s.6<br />

Note-se que a prisão administrativa <strong>de</strong>cretada pelo Ministro da Justiça, prevista no<br />

procedimento <strong>de</strong> extradição, não foi recepcionada pela nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>. A<br />

hipótese da prisão do extraditando permanece no or<strong>de</strong>namento jurídico, com a <strong>de</strong>nominação<br />

<strong>de</strong> prisão preventiva para extradição,7 porém a competência para sua <strong>de</strong>cretação<br />

1 STF,Extradição 667-3-República Italiana, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, j. 25-9-95, DJU, 29set. 1995, p. 31.998-<br />

31.999.<br />

2 STF - “A Lei nD6.815, <strong>de</strong> 19-8-1980, m odificada pela Lei nD6.964, <strong>de</strong> 9-12-1981, exige que o Pedido <strong>de</strong> Extradição<br />

seja apresentado por via diplomática, sendo da tradição brasileira e internacional, que se faça mediante<br />

Nota Verbal, que se reproduz em documento escrito autenticado, com o no caso” (STF - Pleno - HC n2 72.998-3/<br />

S P -R e i. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1,16 fev. 2001, p. 90).<br />

3 FTJ 64/22; KTJ 99/1003.<br />

4 CF, art. 1 0 2 ,1, g, e RiSTF, art. 207.<br />

5 S T F - E x t 1196/Reino da Espanha - Rei. Min. D iasTóffoli, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2011.<br />

6 STF - Pleno - Ext 974 QO/República Argentina, rei. Min. Marco Aurélio, 19.12.2008, Informativo STF n2<br />

533 - prisão domiciliar em razão <strong>de</strong> grave doença cardiovascular e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção cirúrgica.<br />

7 STF - Prisão Preventiva para extradição n° 81-89, Diário da Justiça, Seção I, 2 set. 1996, p. 30.995.


1 0 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

será do Ministro-relator sorteado, que ficará prevento para a condução do processo<br />

extradicional.1<br />

Uma vez preso o extraditando, dar-se-á início ao processo extradicional, que é <strong>de</strong> caráter<br />

especial, sem dilação probatória, pois incumbe ao Estado requerente o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> subsidiar a<br />

ativida<strong>de</strong> extradicional do governo brasileiro, apresentando-lhe, ex ante, os elementos <strong>de</strong><br />

instrução documental consi<strong>de</strong>rados essenciais em função <strong>de</strong> exigências <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong><br />

legal ou <strong>de</strong> índole convencional. Assim, salienta o Supremo Tribunal que<br />

“o processo <strong>de</strong> extradição passiva ostenta, em nosso sistema jurídico, o caráter <strong>de</strong><br />

processo documental, pois ao Estado requerente é exigível a obrigação <strong>de</strong> produzir,<br />

<strong>de</strong>ntre outros elementos, aqueles que constituem os documentos indispensáveis<br />

à própria instauração do juízo extradicional. A exigência estabelecida pelo art.<br />

80, caput, da Lei ns 6.815/80 - que reclama indicações precisas sobre os diversos<br />

aspectos concernentes ao fato <strong>de</strong>lituoso - não se tem por satisfeita quando, embora<br />

<strong>de</strong>satendida pelo mandado <strong>de</strong> prisão provisória, revela-se passível <strong>de</strong> suprimento<br />

por outros elementos <strong>de</strong> caráter informativo existentes aliun<strong>de</strong>. A indicação precisa<br />

e minuciosa <strong>de</strong> todos os dados concernentes ao fato <strong>de</strong>lituoso há <strong>de</strong> conter-se,<br />

exclusivamente - como requer e or<strong>de</strong>na a lei brasileira -, nas peças, que são <strong>de</strong><br />

produção necessária, referidas no caput do art. 80 do Estatuto do Estrangeiro. As<br />

imprecisões e omissões concernentes ao local, data, natureza e circunstâncias do<br />

fato <strong>de</strong>lituoso impe<strong>de</strong>m o exercício, pelo STF, do seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> controle sobre a<br />

legalida<strong>de</strong> do pedido extradicional. A insuficiência instrutória do pedido e o <strong>de</strong>satendimento<br />

das exigências impostas pelo art. 80, caput, do Estatuto do Estrangeiro<br />

justificam o in<strong>de</strong>ferimento liminar da postulação extradicional formulada por<br />

Estado estrangeiro (RTJ, 147/894, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello)”.12<br />

Não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o extraditando renunciar ao procedimento extradicional, pois<br />

mesmo sua concordância em retornar a seu país não dispensa o controle da legalida<strong>de</strong><br />

do pedido.3<br />

Findo o procedimento extradicional, se a <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, após<br />

a análise das hipóteses materiais e requisitos formais, for contrária à extradição, vinculará<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República, ficando vedada a extradição. Se, no entanto, a <strong>de</strong>cisão for<br />

favorável, o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, discricionariamente, <strong>de</strong>terminará ou não a extradição,<br />

pois não po<strong>de</strong> ser obrigado a concordar com o pedido <strong>de</strong> extradição, mesmo que,<br />

legalmente, correto e <strong>de</strong>ferido pelo STF, uma vez que o <strong>de</strong>ferimento ou recusa do pedido<br />

<strong>de</strong> extradição é <strong>direito</strong> inerente à soberania.4<br />

1 Neste sentido: STF, Extradição n2 478, Pleno, Rei. Min. M oreira Alves, RT 638/335.<br />

2 STF, Extradição 667-3-República Italiana, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, j. 25-9-95, DJU, 29 set. 1995, p. 31.998-99.<br />

3 Ac. un. do STF-Pleno-Ext 643-6-República da Áustria - Rei. Min. Francisco Rezek - j. 19-12-94 - Reqte.: Governo<br />

da Áustria; Extraditando: W ilh elm Papst-D J U - 1, 10 ago. 95, p. 23.554-em en ta oficial; STF - Pleno - Extr.<br />

n° 786-6/República Fe<strong>de</strong>ral da Alem anha- Rei. Min. Nelson Jobim -D iário da Justiça, Seção 1,4 maio 2001, p. 3.<br />

4 STF, RF221/275; S T F - P le n o - E x t 1085/Governo da Itália - R e i. M in. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 19-11-2009.<br />

Ressalte-se, porém , q u en a R c l 11243/República Italiana, Rei. orig. Min. G ilm ar Men<strong>de</strong>s, red. p/Acórdão Min.<br />

Luiz Fux (<strong>de</strong>cisão: 8-6-2011), os M inistros G ilm ar Men<strong>de</strong>s, E llen G racie e Cezar Peluso ficaram vencidos, enten<strong>de</strong>ndo<br />

tratar-se <strong>de</strong> ato vinculado do Presi<strong>de</strong>nte da República.


Direitos e Garantias Fundamentais 1 0 3<br />

Ressalte-se, ainda, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência do pedido extradicional pelo país<br />

estrangeiro, seja expressamente, seja tacitamente, quando <strong>de</strong>monstra <strong>de</strong>sinteresse em<br />

retirar o extraditando do território nacional.1<br />

PR = Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

23.4 Prisão preventiva por extradição12<br />

O Estatuto do Estrangeiro, ao dispor sobre a prisão do extraditando, <strong>de</strong>termina que<br />

esta perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não sendo admitida<br />

a liberda<strong>de</strong> vigiada, a prisão domiciliar,3 nem a prisão-albergue (art. 84, parágrafo<br />

único).4 Posicionamento que vem sendo relativizado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.5<br />

Ressalte-se que a Súmula nfi 2/STF6 já não prevalece em nosso sistema <strong>de</strong> <strong>direito</strong> positivo<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a revogação, pelo Decreto-lei nfi 941/69 (art. 95, § 1B), do art. 9B do Decreto-lei<br />

ne 394/38, sob cuja égi<strong>de</strong> foi editada a formulação sumular em questão.7<br />

1 S T F - Pleno - A d in n D2 .4 5 3 -l/ P R -R ei. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,24ago. 2001, p. 42.<br />

2 Em relação à discussão sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância do art. 36, 1 (b ) da Convenção <strong>de</strong> Viena (o b rigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> in f ormação à autorida<strong>de</strong> consultar competente sobre a prisão do extraditando) procedim ento<br />

extradicional, conferir: STF - Pleno - Ext. 1126/República Fe<strong>de</strong>ral da Alemanha - Rei. Min. Joaquim Barbosa,<br />

22-10-2009.<br />

3 Excepcionalmente, porém, a Corte <strong>de</strong>feriu p ed id od e prisão domiciliar, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inform ação do extraditando<br />

sofrer <strong>de</strong> grave doença cardiovascular e que seria im postergável a intervenção cirúrgica, bem como, pela<br />

inexistência <strong>de</strong> condições indispensáveis para sua recuperação pós-operatória na carceragem (S T F -P le n o -E x t<br />

974 QO/República Argentina, rei. Min. Marco Aurélio, 19.12.2008, Informativo STF n° 533).<br />

4 STF - Habeas Corpus 73.552-5/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,14fev. 1995, p. 2.730.<br />

5 STF - 2aT .- E x t 1 2 5 4 - QO/Romênia - Rei. M in. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 6-9-2011; STF - Pleno - HC 91657/<br />

SP - Rei. Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão 13-9-2007. Informativo STF n2 479.<br />

6 Súmula n“ 2/STF - Conce<strong>de</strong>-se liberda<strong>de</strong> vigiada ao extraditando que estiver preso por prazo superior a<br />

sessenta dias.<br />

7 Neste sentido: STF - Extradição n° 332, Rei. Min. Thom pson Flores, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 jun. 1975,<br />

p. 4.251 (ROSAS, Roberto. Direito sumular. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 9).


104 Direito Constitucional • Moraes<br />

A prisão cautelar do extraditando reveste-se <strong>de</strong> eficácia temporal limitada, não po<strong>de</strong>ndo<br />

exce<strong>de</strong>r ao prazo <strong>de</strong> noventa (90) dias (Lei na 6.815/80, art. 82, § 2a), ressalvada<br />

disposição convencional em contrário, eis que a existência <strong>de</strong> Tratado, regulando a extradição,<br />

quando em conflito com a lei, sobre ela prevalece, porque contém normas específicas.1<br />

Entretanto, “com a instauração do processo extradicional, opera-se a novação do título<br />

jurídico legitimador da prisão do extraditando, <strong>de</strong>scaracterizando-se, em consequência,<br />

eventual excesso <strong>de</strong> prazo, pois é da natureza da ação <strong>de</strong> extradição passiva a preservação<br />

da anterior custódia que tenha sido cautelarmente <strong>de</strong>cretada contra o extraditando.12<br />

Excepcionalmente, porém, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível a concessão<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> ao extraditando, <strong>de</strong>stacando que “a prisão preventiva para fins <strong>de</strong> extradição<br />

haveria <strong>de</strong> ser analisada caso a caso, sendo, ainda, a ela atribuído limite temporal, compatível<br />

com o princípio da proporcionalida<strong>de</strong>, quando seriam avaliadas sua necessida<strong>de</strong>,<br />

sua a<strong>de</strong>quação e sua proporcionalida<strong>de</strong> em sentido estrito”, para concluir que “em nosso<br />

Estado <strong>de</strong> Direito, a prisão seria uma medida excepcional e, por isso, não po<strong>de</strong>ria ser utilizada<br />

como meio generalizado <strong>de</strong> limitação das liberda<strong>de</strong>s dos cidadãos, não havendo<br />

razão, tanto com base na CF quanto nos tratados internacionais com relação ao respeito<br />

aos <strong>direito</strong>s humanos e a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, para que tal entendimento não<br />

fosse aplicado no que tange às prisões preventivas para fins <strong>de</strong> extradição”.3 Igualmente,<br />

enten<strong>de</strong>u nossa Corte Suprema conce<strong>de</strong>r liberda<strong>de</strong> provisória quando a prisão <strong>de</strong>monstrouse<br />

ina<strong>de</strong>quada, <strong>de</strong>snecessária e <strong>de</strong>sproporcional,4 5e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão domiciliar<br />

em razão <strong>de</strong> grave doença cardiovascular e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção cirúrgica.3<br />

23.5 Atuação do judiciário na extradição<br />

O sistema extradicional vigente no <strong>direito</strong> brasileiro qualifica-se como sistema <strong>de</strong><br />

controle limitado, com predominância da ativida<strong>de</strong> jurisdicional, que permite ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral exercer fiscalização concernente à legalida<strong>de</strong> extrínseca do<br />

pedido <strong>de</strong> extradição formulado pelo Estado estrangeiro, mas não no tocante ao mérito,<br />

salvo, excepcionalmente, na análise da ocorrência <strong>de</strong> prescrição penal, da observância<br />

do princípio da dupla tipicida<strong>de</strong> ou da configuração eventualmente política do<br />

<strong>de</strong>lito imputado ao extraditando,6 ou ainda, na possibilida<strong>de</strong> excepcional <strong>de</strong> análise<br />

1 S TF-Habeas Corpus 73.552-5/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,14fev. 1995, p. 2.730.<br />

2 S TF-H abeas Corpus 73.552-5/SP, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,14 fev. 1995, p. 2.730.<br />

E, ainda, S T F - Pleno -Habeas Corpus 71.402-RJ, R ei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , e RI.! 118/126.<br />

3 STF - Pleno - HC 91657/SP - Rei. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão 13-9-2007. Informativo STF n° 479<br />

4 STF - 2* T. - Ext. 1254 - QO/Romênia - Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 6-9-2011<br />

5 S T F -P le n o -E x t. 974 QO/República Argentina, rei. Min. Marco Aurélio, 19.12.2008,Informativo STF n° 533.<br />

6 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “ no sistema belga - ao qu al filiada a le i extradicional<br />

brasileira, não afetada pelo Tratado com a Itália - o papel da autorida<strong>de</strong> judiciária do Estado requerido se limita<br />

a um ju ízo <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> extrínseca do pedido, sem penetrar no exame <strong>de</strong> m érito sobre a procedência, à luz das<br />

provas, da acusação form ulada no Estado requerente contra o extraditando: a rara e eventual <strong>de</strong>liberação acerca<br />

da substância da imputação faz-se na estrita necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> questões como a dúplice incriminação, da


Direitos e Garantias Fundamentais 105<br />

da comprovada participação do brasileiro naturalizado em tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes.1<br />

Como salientado pela jurisprudência pacífica da Corte, mesmo nesses casos, a apreciação<br />

jurisdicional do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>verá ter em consi<strong>de</strong>ração a versão emergente<br />

da <strong>de</strong>núncia ou da <strong>de</strong>cisão emanadas <strong>de</strong> órgãos competentes no Estado estrangeiro.*12<br />

Se o pedido formulado preenche os requisitos impostos pela legislação brasileira,<br />

impõe-se o <strong>de</strong>ferimento da extradição;3 caso contrário, não, pois nem a aquiescência<br />

do extraditando é suficiente, por si só, à colocação, em plano secundário, do exame da<br />

legalida<strong>de</strong> do pedido.4<br />

23.6 Extradição, princípio da especialida<strong>de</strong> e pedido <strong>de</strong> extensão (extradição<br />

supletiva)<br />

Aplica-se na extradição o princípio da especialida<strong>de</strong>, ou seja, o extraditado somente<br />

po<strong>de</strong>rá ser processado e julgado pelo país estrangeiro pelo <strong>de</strong>lito objeto do pedido <strong>de</strong><br />

extradição, conforme o art. 9 1 ,1, da Lei ns 6.815/80. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, porém,<br />

permite o chamado “pedido <strong>de</strong> extensão” ou “extradição supletiva”, que consiste<br />

na permissão, solicitada pelo país estrangeiro, <strong>de</strong> processar pessoa já extraditada por<br />

qualquer <strong>de</strong>lito praticado antes da extradição e diverso daquele que motivou o pedido<br />

extradicional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o Estado requerido expressamente autorize. Nestas hipóteses,<br />

<strong>de</strong>verá ser realizado, igualmente, o estrito controle jurisdicional da legalida<strong>de</strong>, mesmo já<br />

se encontrando o indivíduo sob domínio territorial <strong>de</strong> um país soberano.5<br />

Como <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Eros Grau, “o princípio da especialida<strong>de</strong> não é obstáculo<br />

ao <strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> extensão. A regra que se extrai do texto normativo<br />

visa a impedir, em benefício do extraditando, que o Estado requerente instaure contra<br />

ele - sem o controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - ação penal ou execute<br />

pena por con<strong>de</strong>nação referente a fatos anteriores àqueles pelos quais foi <strong>de</strong>ferido o pleito<br />

extradicional”.6 *<br />

qualificação política do crime ou <strong>de</strong> prescrição, sempre, porém, a partir da versão dos fatos escolhidos, no Estado<br />

requerente, conform e a peça <strong>de</strong> acusação ou a <strong>de</strong>cisão judicial que suportar o pedido” (STF - Pleno - Extradição<br />

n9 703-3 - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 20 fev. 1998, p. 14).<br />

1 STF - Pleno - Ext. 1.082 - República Oriental do Uruguai - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello.<br />

2 STF - Pleno - Extradição nQ669-0 - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> Mello, D iá r io d a J u s tiç a , Seção 1,29 mar. 1996, p. 9.343.<br />

3 STF - Extradição n9 639-8; Rei. Min. M arco Aurélio, v.u.; D J U , Seção 1,15 set. 1995, p. 29.507.<br />

4 STF - Extradição n9 509-0, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, l 9 jun. 1990; STF - Pleno -<br />

Extradição n9 643/ 6 - República da Áustria, Rei. Min. Francisco Rezek, D iário d a J u s tiç a , Seção I, 10 ago. 1995,<br />

p. 23.554.<br />

5 STF - Extradição n2 571-5, Confe<strong>de</strong>ração Helvética, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> Mello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,1Q<br />

ago. 1994, p. 18.504.<br />

6 STF - Pleno - Extensão na Extr. n° 787 - República Portuguesa, Rei. M in. Eros Grau, I n f o r m a t iv o S T F nc 424;<br />

STF - Pleno - Ext. 1052 - Reino dos Países Baixos - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 9-10-2008.


1 0 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

23.7 Extradição e expulsão<br />

A extradição não se confun<strong>de</strong> comas hipóteses <strong>de</strong> expulsão e <strong>de</strong>portação. A extradição<br />

é o modo <strong>de</strong> entregar o estrangeiro, ou excepcionalmente, o brasileiro naturalizado ao<br />

outro Estado por <strong>de</strong>lito nele praticado.<br />

A expulsão é uma medida tomada pelo Estado que consiste em retirar força damente<br />

<strong>de</strong> seu território um estrangeiro que nele entrou ou permanece irregularmente ou, ainda,<br />

que praticou atentados à or<strong>de</strong>m jurídica do país em que se encontra.1<br />

Portanto, as hipóteses (extradição e expulsão) são diferentes. A extradição é pedido<br />

formulado por Estado estrangeiro, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> crime cometido no exterior. Já a expulsão<br />

<strong>de</strong>corre <strong>de</strong> atentado à segurança nacional, or<strong>de</strong>m política ou social ou nocivida<strong>de</strong> aos<br />

interesses nacionais. Na primeira hipótese, o fato motivador ocorreu no exterior, sendo<br />

necessária provocação do país estrangeiro. Na segunda, o motivo ocorreu no Brasil, e<br />

proce<strong>de</strong>-se ex officio da autorida<strong>de</strong> nacional.<br />

A expulsão não exige requerimento <strong>de</strong> país estrangeiro algum e tampouco que o<br />

atentado à or<strong>de</strong>m jurídica tenha sido praticado no estrangeiro, mas no próprio território<br />

do país que preten<strong>de</strong> expulsar o estrangeiro.<br />

O Ministério da Justiça instaurará inquérito para a expulsão do estrangeiro. Caberá<br />

exclusivamente ao Presi<strong>de</strong>nte da República resolver sobre a conveniência e a oportunida<strong>de</strong><br />

da expulsão ou <strong>de</strong> sua revogação (art. 66 da Lei nQ6.815/80).12<br />

A inobservância da estrita legalida<strong>de</strong> no <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> expulsão po<strong>de</strong>rá ser controlada por<br />

meio <strong>de</strong> habeas corpus a ser ajuizado perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,3 em virtu<strong>de</strong> da<br />

discricionarieda<strong>de</strong> mitigada do Presi<strong>de</strong>nte da República, pois, apesar <strong>de</strong> a expulsão ser ato<br />

discricionário do Po<strong>de</strong>r Executivo, não se admite ofensa à lei e falta <strong>de</strong> fundamentação.4<br />

Assim, contra o ato expulsório são possíveis recurso administrativo (pedido <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração)<br />

e apelo ao Po<strong>de</strong>r Judiciário. Quanto a este, o escopo <strong>de</strong> intervenção é muito<br />

estreito. Cuida o judiciário apenas do exame da conformida<strong>de</strong> do ato com a legislação<br />

vigente. Não examina a conveniência e a oportunida<strong>de</strong> da medida, circunscrevendo-se na<br />

matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>: observância dos preceitos constitucionais e legais.5<br />

1 A o estrangeiro expulso do país não será concedido visto, salvo se a expulsão tiver sido revogada (art. 7-, III,<br />

da Lei nfi 6.815/80).<br />

2 S T F -Habeas Corpus 72.726-3, Rei. Min. limar Galvão, D iá r io d a J u s tiç a , Seção I, 16 ago. 1996, p. 28.108.<br />

3 S T F - Pleno - HC n“ 83.113/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I,<br />

29 ago. 2003, p. 20; STF - H a b e a s Corpus 73.940-7/SP - medida liminar - Rei. Min. Maurício Corrêa, D i á r i o d a<br />

Justiça, Seção I, 29 nov. 1996, p. 47.157.<br />

4 STF -Habeas Corpus 72.082-0/RJ - Rei. M in . Francisco Rezek, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,1“ mar. 1996, p.<br />

5.010. Trata-se, porém, <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>legável do Presi<strong>de</strong>nte da República. Caso ocorra a <strong>de</strong>lega çã o-com o,<br />

atualm ente, se verifica (D ecreto nD3.447, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2000) - ao M inistro da Justiça, a com petência para<br />

processo e julgam ento do h a b e a s c o r p u s será <strong>de</strong>finida pela autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong>legada, ou seja, do Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça. Nesse sentido: STF - l aT .-H C n281.865-0/RJ, Rei. Min. Moreira Alves. Conferir, na doutrina: BOHNEN-<br />

BERGER, Man. Expulsão d e e s tra n g e iro s no Brasil. Monografia <strong>de</strong> láurea acadêmica. Porto Alegre: UFRGS, 2002.<br />

5 FTJ 98/1045; R T J110/650.


Direitos e Garantias Fundamentais 107<br />

O fato <strong>de</strong> a expulsão qualificar-se como medida <strong>de</strong> caráter político-administrativo,<br />

sujeita à avaliação discricionária do Presi<strong>de</strong>nte da República,1não confere total discricionarieda<strong>de</strong><br />

ao mesmo na edição do ato expulsório, que estará sempre sujeito ao controle<br />

jurisdicional para efeito <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> sua regularida<strong>de</strong> formal e <strong>de</strong> aferição <strong>de</strong> sua<br />

legitimida<strong>de</strong> jurídico-<strong>constitucional</strong> ?<br />

A expulsão, conforme dispõe o art. 67 do Estatuto do Estrangeiro, po<strong>de</strong>rá efetivar-se<br />

ainda que haja processo ou tenha ocorrido con<strong>de</strong>nação. Neste caso, só o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República po<strong>de</strong> precipitar a efetivação da medida.3<br />

O Estatuto do estrangeiro prevê, ainda, uma função aos órgãos do Ministério Público,<br />

que <strong>de</strong>verão remeter ao Ministério da Justiça, <strong>de</strong> ofício, até 30 dias após o trânsito<br />

em julgado, cópia da sentença con<strong>de</strong>natória <strong>de</strong> estrangeiro autor <strong>de</strong> crime doloso ou <strong>de</strong><br />

qualquer crime contra a segurança nacional, a or<strong>de</strong>m política ou social, a economia popular,<br />

a moralida<strong>de</strong> ou a saú<strong>de</strong> pública, assim como cópia da folha <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes penais<br />

constantes dos autos, para instauração <strong>de</strong> procedimento administrativo no âmbito daquele<br />

Ministério e análise <strong>de</strong> eventual expulsão.<br />

Não se proce<strong>de</strong>rá à expulsão se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira,<br />

ou, ainda, quando o estrangeiro tiver cônjuge brasileiro, do qual não esteja divorciado ou<br />

separado, <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o casamento tenha sido celebrado há mais <strong>de</strong><br />

cinco anos; ou, ainda, setiverfilho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda<br />

e <strong>de</strong>le <strong>de</strong>penda economicamente. Esse último fato impeditivo da expulsão resultará da<br />

comprovação da <strong>de</strong>pendência e efetiva assistência proporcionada pelo estrangeiro à prole<br />

brasileira,4 uma vez que a proteção é dada à família do expulsando e não a ele.<br />

A adoção ou reconhecimento da filiação superveniente aos fatos que motivaram o<br />

<strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial expulsório não a impe<strong>de</strong>, em virtu<strong>de</strong> do disposto no art. 75, § I a, do<br />

Estatuto dos Estrangeiros,5 bem como o nascimento <strong>de</strong> filho brasileiro posterior à prática<br />

da infração penal geradora da expulsão não a impe<strong>de</strong>.6<br />

Ainda, como ressalta Roberto Rosas, “inaplicável a Súmula 1 quando os filhos brasileiros<br />

não resi<strong>de</strong>m no Brasil e não vivem às expensas do pai (HC 55.556, Rei. Min. Xavier <strong>de</strong><br />

Albuquerque, R TJ 83/761); com reconhecimento da filiação posterior ao ato <strong>de</strong> expulsão<br />

(HC 55.687, Rei. Min. Soares Munoz, RTJ 84/835); a expulsão será efetuada se o filho<br />

não vier a sofrer consequências econômicas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>ste ato (HC 54.785, Rei. Min.<br />

Moreira Alves, R T J 85/86)”.7<br />

1 R T J 34/438; RTJ 60/398; RTJ 78/362; RTJ 110/650. Cf. ainda: STF - Pleno - HC n1285.203/S P- Rei. Min.<br />

Eros G rau , <strong>de</strong>cisão: 6-8-2009. Informativo STF n2 554.<br />

2 R T J 95/589. Administrativamente, porém, não se permite pedido <strong>de</strong> reconsi<strong>de</strong>ração na expulsão (STF - Pleno<br />

- HC na 85.203/S P- Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 6-8-2009. Informativo STF na 554).<br />

3 R T J 107/169.<br />

4 ST F - Habeas Corpus 72.082-0/RJ, Rei. M in. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção 1 ,1° mar. 1996, p.<br />

5.010, R T J 160/921; STJ - 1* Seção - HC 180536/DF - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 13-12-2010<br />

5 R T J 138/785.<br />

6 STF - Pleno - HC n 28 5.203/S P- Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 6-8-2009. Informativo STF n 2554.<br />

7 Súm ula n a 1/ST F - É vedada a expulsão <strong>de</strong> estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filh o brasileiro<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da econom ia paterna.


1 0 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

O estrangeiro que tenha filho brasileiro, cujo reconhecimento da paternida<strong>de</strong>, todavia,<br />

foi superveniente ao fato que motivou a expulsão, não está impedido legalmente <strong>de</strong><br />

vê-la efetivada.1<br />

E tampouco tal reconhecimento também não é motivo legal para revogação da expulsão,<br />

que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> sempre do juízo <strong>de</strong> conveniência do Presi<strong>de</strong>nte da República.12<br />

O casamento - para constituir requisito <strong>de</strong> inexpulsabilida<strong>de</strong> - <strong>de</strong>ve qualificar-se como<br />

ato revestido <strong>de</strong> eficácia civil (CF/88, art. 226, §§ I a e 2a). Mais do que isso, impõe-se<br />

que, preservada a sua constância, tenha sido celebrado há mais <strong>de</strong> cinco anos (Lei na<br />

6.815/80, art. 75, II, a).3<br />

23.8 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extradição ou expulsão <strong>de</strong> pessoa casada com brasileiros<br />

ou com filhos brasileiros<br />

Extradição: não impe<strong>de</strong> a extradição o fato <strong>de</strong> o extraditando ser casado com cônjuge<br />

brasileiro ou possuir filho brasileiro,4 inclusive encontrando-se esta posição sumulada<br />

pelo STF (Súmula 421),5 pois, conforme entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o<br />

art. 84 da Lei 6.815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) foi recepcionado.6<br />

Expulsão: não se proce<strong>de</strong>rá a expulsão quando o estrangeiro tiver cônjuge brasileiro,<br />

do qual não esteja divorciado ou separado, <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o casamento<br />

tenha sido celebrado há mais <strong>de</strong> cinco anos; ou, ainda, se tiver filho brasileiro que, compro<br />

vadamente, esteja sob sua guarda e <strong>de</strong>le <strong>de</strong>penda economicamente (ver item anterior).<br />

O STF já <strong>de</strong>cidiu que a referida vedação à expulsão “há <strong>de</strong> ter interpretação consentânea<br />

com o fim visado. O fato <strong>de</strong> o nascimento do filho haver ocorrido após os motivos que<br />

alicerçaram a expulsão é inidôneo a fulminá-la, quando não comprovada a existência do<br />

convívio fam iliar em data pretérita e o citado nascimento exsurge como resultado <strong>de</strong> busca à<br />

criação <strong>de</strong> obstáculo suficiente à expulsão”.7<br />

1 STF - H a b e a s C o r p u s 72.726-3, Rei. Min. limar Galvão, D iá r io d a J u s tiç a , Seção I, 16 ago. 1996, p. 28.108;<br />

STF- H a b e a s C o r p u s 74.244-1/SP, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , 2 ago. 1996, p. 25.802/25.803.<br />

2 R T J 138/785.<br />

3 STF - H a b e a s C o r p u s 74.244-1/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário da J u s tiç a , 2 ago. 1986, p. 25.802/25.803.<br />

4 K T J 112/493; STF - Extradição na 560-0/Bélgica, Rei. Min. M oreira Alves, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 17<br />

m aio 1996, p. 16.319; STF - Pleno - HC n a 71.402-RJ, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; R T J 129/30, STF - Extradição<br />

na 571, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 17 set. 1993; STF - I a T. - Ext 967-2/BE - Rei. Min.<br />

Ricardo Lewandowski, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 7 <strong>de</strong>z. 2006, p. 35.<br />

5 Súmula 421 - Não impe<strong>de</strong> a extradição a circunstância d es er o extraditando casado com brasileira ou ter filho<br />

brasileiro. Conforme <strong>de</strong>cidiu o STF: “O fato <strong>de</strong> o alienígena haver contraído matrim ônio com cidadã brasileira<br />

não obsta o conhecimento e o <strong>de</strong>ferim ento do pedido, tendo em vista tratar-se <strong>de</strong> extradição e não <strong>de</strong> expulsão”<br />

CR T J 162/452). O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reiterou esse posicionamento, reafirmando o enunciado <strong>de</strong> sua<br />

Súmula 421: STF - Pleno - Extr. na 839/República Italiana - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 13-11-2003.<br />

I n f o r m a t iv o S T F n a 329.<br />

6 STF -E x t 1196/Reino da Espanha - Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2011.<br />

7 STF - HC 71.568-1, Plenário, v. u., Rei. Min. Marco Aurélio, DJU, n“ 40, 24 fev. 1995, p. 3.676.


Direitos e Garantias Fundamentais 1 0 9<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Luiz Fux, então no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

“assim, o fato <strong>de</strong> o paciente ter reconhecido a paternida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brasileiro, comprovada mediante<br />

certidão <strong>de</strong> nascimento juntada aos autos, não é suficiente, por si só, para configurar<br />

a condição <strong>de</strong> inexpulsabilida<strong>de</strong> do estrangeiro, porquanto, além <strong>de</strong> o nascimento da<br />

criança e o seu reconhecimento serem posteriores ao <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> expulsão, não há nos autos<br />

provas do cumprimento dos <strong>de</strong>veres inerentes ao pátrio po<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> convivência familiar”.1<br />

23.9 Extradição e <strong>de</strong>portação<br />

A <strong>de</strong>portação consiste em <strong>de</strong>volver o estrangeiro ao exterior, ou seja, é a saída compulsória<br />

do estrangeiro. Fundamenta-se no fato <strong>de</strong> o estrangeiro entrar ou permanecer<br />

irregularmente no território nacional (CF, art. 5°, XV}, não <strong>de</strong>correndo da prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito<br />

em qualquer território, mas do não cumprimento dos requisitos para entrar ou permanecer<br />

no território, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o estrangeiro não se retire voluntariamente no prazo <strong>de</strong>terminado.<br />

Far-se-á a <strong>de</strong>portação para o país <strong>de</strong> origem ou <strong>de</strong> procedência no estrangeiro, ou para<br />

outro que consinta recebê-lo. Não sendo ela exequível, ou existindo indícios sérios <strong>de</strong> periculosida<strong>de</strong><br />

ou in<strong>de</strong>sejabilida<strong>de</strong> do estrangeiro, proce<strong>de</strong>r-se-á a sua expulsão. Mas não se<br />

dará a <strong>de</strong>portação se esta implicar extradição vedada pela lei brasileira.<br />

23.9-A Extradição e entrega (surren<strong>de</strong>r)<br />

A extradição não se confun<strong>de</strong> com o instituto da entrega (surren<strong>de</strong>r), previsto no art<br />

102 do Estatuto <strong>de</strong> Roma, pois enquanto a extradição é o modo <strong>de</strong> entregar o indivíduo<br />

ao outro Estado por <strong>de</strong>lito nele praticado, o segundo instituto é <strong>de</strong>finido como “ a entrega<br />

<strong>de</strong> uma pessoa por um Estado ao Tribunal”, nos termos do referido estatuto.12<br />

23.10 Expulsão e <strong>de</strong>portação <strong>de</strong> brasileiros<br />

Não há <strong>de</strong>portação nem expulsão <strong>de</strong> brasileiro. O envio compulsório <strong>de</strong> brasileiro<br />

para o exterior constitui banimento, que é pena excepcional, proibida <strong>constitucional</strong>mente<br />

(CF, art. 5a, XLVII, d).<br />

23.11 Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comutação da pena <strong>de</strong> prisão perpétua em pena privativa<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> com prazo máximo<br />

A legislação brasileira exige para a concessão da extradição, a comutação da pena<br />

<strong>de</strong> morte, ressalvados os casos em que a lei brasileira permite sua aplicação,3 em pena<br />

1 S T J - I a S e ç ã o -H C 180 536/D F -R ei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 13-12-2010.<br />

2 Conferir excelente estudo sobre o Tribunal Penal Internacional e o instituto da entrega, em <strong>de</strong>cisão monocrática<br />

do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello (Pet. 4625/República do Sudão, DJE, <strong>de</strong> 4-8-2009).<br />

3<br />

CF, art. 5°, XLVII - “.. .salvo em caso <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada, nos termos do art. 84, XIX’’.


1 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Em relação à pena <strong>de</strong> prisão perpétua, porém, reiterada jurisprudência<br />

da Corte Suprema entendia ser <strong>de</strong>snecessária sua comutação em pena privativa<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> sem prazo máximo <strong>de</strong> cumprimento.1Esse posicionamento foi alterado pela<br />

nova composição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que, por maioria <strong>de</strong> votos, “condicionou<br />

a entrega do extraditando à comutação das penas <strong>de</strong> prisão perpétua em pena <strong>de</strong> prisão<br />

temporária <strong>de</strong> no máximo 30 anos”.12<br />

Por fim, não se exige a comutação <strong>de</strong> eventual pena <strong>de</strong> prisão com trabalhos forçados<br />

(RTJ, 132/1.083).<br />

24 DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E CELERIDADE<br />

PROCESSUAL (ART. 5a, LIV, LV E LXXVIII E LEI N“ 11.419/06)3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 incorporou o princípio do <strong>de</strong>vido processo legal, que<br />

remonta kMagnaChartaLibertatum <strong>de</strong> 1215, <strong>de</strong> vital importância no <strong>direito</strong> anglo-saxão.<br />

Igualmente, o art. XI, ns 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, garante que<br />

“todo homem acusado <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong>lituoso tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ser presumido inocente<br />

até que a sua culpabilida<strong>de</strong> tenha sido provada <strong>de</strong> acordo com a lei, em julgamento<br />

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à<br />

sua <strong>de</strong>fesa”.<br />

Inovando em relação às antigas Cartas, a Constituição atual referiu-se expressamente<br />

ao <strong>de</strong>vido processo legal, além <strong>de</strong> fazer-se referência explícita à privação <strong>de</strong> bens como<br />

matéria a beneficiar-se também dos princípios próprios do <strong>direito</strong> processual penal.<br />

O <strong>de</strong>vido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito<br />

material <strong>de</strong> proteção ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, quanto no âmbito formal, ao assegurar-<br />

-lhe parida<strong>de</strong> total <strong>de</strong> condições com o Estado-persecutor e plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa (<strong>direito</strong><br />

a <strong>de</strong>fesa técnica, à publicida<strong>de</strong> do processo, à citação, <strong>de</strong> produção ampla <strong>de</strong> provas, <strong>de</strong><br />

ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à <strong>de</strong>cisão imutável, à revisão<br />

criminal).<br />

O <strong>de</strong>vido processo legal tem como corolários a ampla <strong>de</strong>fesa e o contraditório, que<br />

<strong>de</strong>verão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos<br />

acusados em geral,4 conforme o texto <strong>constitucional</strong> expresso (art. 5o, LV). Assim, em­<br />

1 Nestesentido, STF, Tribunal Pleno, Extradição n2 507, República Argentina, Relatorp/o acórdão Min. lim ar<br />

G alvão, RTJ 150/391.<br />

2 STF - Pleno - Extradição 1150/República Argentina - Rei. Min. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011; STF -<br />

Pleno - Extradição n2 855-2/DF - ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,3 set. 2004, p. 9.<br />

3 A EC nD45/04 incluiu no rol dos Direitos e Garantias Individuais e Coletivos a razoável duração do processo<br />

e a celerida<strong>de</strong> processual.<br />

4 Aplicando-se inclusive ao “processo administrativo, para a apuração <strong>de</strong> ato infracional cometido por criança<br />

ou adolescente (art. 103 ss, E C A ), é inform ado pelo contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa, pois seu objetivo é a aplicação<br />

<strong>de</strong> m edida sócio-educativa pela conduta infracional, que se assemelha à imposição <strong>de</strong> sanção administrativa”<br />

(NERYJR., Nelson. Princípios... Op. cit. p. 127).


Direitos e Garantias Fundamentais 111<br />

bora no campo administrativo, não exista necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipificação estrita que subsuma<br />

rigorosamente a conduta à norma, a capitulação do ilícito administrativo não po<strong>de</strong> ser<br />

tão aberta a ponto <strong>de</strong> impossibilitar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, pois nenhuma penalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá<br />

ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares,<br />

sem a necessária amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.1<br />

Por ampla <strong>de</strong>fesa enten<strong>de</strong>-se o asseguramento que é dado ao réu <strong>de</strong> condições que lhe<br />

possibilitem trazer para o processo todos os elementos ten<strong>de</strong>ntes a esclarecer a verda<strong>de</strong><br />

ou mesmo <strong>de</strong> omitir-se ou calar-se, se enten<strong>de</strong>r necessário,12 enquanto o contraditório<br />

é a própria exteriorização da ampla <strong>de</strong>fesa, impondo a condução dialética do processo<br />

(par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual <strong>direito</strong> da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

opor-se-lhe ou <strong>de</strong> dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, <strong>de</strong> fornecer uma<br />

interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. Salienta Nelson Nery Júnior que<br />

“o princípio do contraditório, além <strong>de</strong> fundamentalmente constituir-se em manifestação<br />

do princípio do Estado <strong>de</strong> Direito, tem íntima ligação com o da igualda<strong>de</strong> das<br />

partes e o do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação, pois o texto <strong>constitucional</strong>, ao garantir aos litigantes o<br />

contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa,3 quer significar que tanto o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação, quanto<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa são manifestação do princípio do contraditório”.4<br />

Em <strong>de</strong>fesa da efetivida<strong>de</strong> do princípio <strong>constitucional</strong> da ampla <strong>de</strong>fesa, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou a Súmula Vinculante 14, estabelecendo que: “É <strong>direito</strong> do <strong>de</strong>fensor,<br />

no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos <strong>de</strong> prova que, já<br />

documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência <strong>de</strong><br />

polícia judiciária, digam respeito ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.”<br />

No sentido <strong>de</strong> reforçar essa proteção, o Tribunal <strong>de</strong>liberou pela possibilida<strong>de</strong> dos<br />

Ministros relatores julgarem individualmente o mérito dos habeas corpus que versem<br />

sobre esse assunto, uma vez que é a posição pacificada na Corte (<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 12-2-2009) .5<br />

A EC na 45/04 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo,<br />

a razoável duração do processo e os meios que garantam a celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

1 R T J 83/385; R J T J S P 14/219.<br />

2 STF - l aT. - HC nD68.929-9/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M e llo -D iá rio da Justiça, 2 8 a g o . 1992, p. 13.453.<br />

3 Defesa técnica insuficiente: “ Se houver <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>sidiosa, incorreta, insuficiente tecnicamente, por parte<br />

do advogado do réu no processo penal, o feito <strong>de</strong>ve ser anulado e nom eado outro <strong>de</strong>fensor, tudo em nom e<br />

do princípio do contraditório conjugado ao da ampla <strong>de</strong>fesa, ambos garantidos pela Constituição” CNERY<br />

JR., Nelson. P r in c íp io s . . . Op. cit. p. 124-125). N elson Nery Júnior fundamenta sua posição em MARQUES,<br />

José Fre<strong>de</strong>rico. E le m e n to s d e d ir e it o p r o c e s s u a l p e n a l. 2 . ed. R io <strong>de</strong> Janeiro-São Paulo, 1965, v. 2, nQ563, p.<br />

422-424. No m esm o sentido, R T 405/77; TACrimSP, Ap. 288545, <strong>de</strong> Marüia, Rei. Silva Franco, j. 15-12-1981.<br />

In: O processo <strong>constitucional</strong> em marcha. São Paulo: [s.n.], 1985, p. 149-151 (coor<strong>de</strong>nado por Ada Pellegri-<br />

n iG rin over, Op. cit., p. 46-49 e 168-170). Igualm ente, é este o entendim ento do STF, consubstanciado na<br />

Súmula 523: “No processo penal, falta da <strong>de</strong>fesa constitui nulida<strong>de</strong> absoluta, mas a sua <strong>de</strong>ficiência só o anulará<br />

se houver prova <strong>de</strong> prejuízo para o réu.”<br />

4 NERY JR., Nelson.Pnhcípios... Op. cit. p. 122.<br />

5 Conferir a m edida cautelar em Reclamação 8225/SC, concedida pelo Ministro Celso <strong>de</strong> M ello para garantir<br />

efetivo cumprimento da Súmula Vinculante 14 (Segredo <strong>de</strong> Justiça - Investigação Penal - Acesso aos Autos -<br />

<strong>de</strong>cisão: 26-5-2009). No mesmo sentido, Rcl 9324/SP - Rei. Min. Carmen Lúcia, 24-11-2011.


112 Direito Constitucional • Moraes<br />

sua tramitação, pois, “o <strong>direito</strong> ao julgamento, semdilações in<strong>de</strong>vidas, qualifica-se como<br />

prerrogativa fundamental que <strong>de</strong>corre da garantia <strong>constitucional</strong> do ‘dueprocess oflaw"’.'1<br />

Essas previsões - razoável duração do processo e celerida<strong>de</strong> processual em nosso enten<strong>de</strong>r,<br />

já estavam contempladas no texto <strong>constitucional</strong>, seja na consagração do princípio<br />

do <strong>de</strong>vido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração<br />

Pública (CF, art. 37, caput). Conforme lembrou o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “cumpre<br />

registrar, finalmente, que já existem, em nosso sistema <strong>de</strong> <strong>direito</strong> positivo, ainda que <strong>de</strong><br />

forma difusa, diversos mecanismos legais <strong>de</strong>stinados a acelerar a prestação jurisdicional<br />

(CPC, art. 133, II e art. 198; LOMAN, art. 35, incisos II, III e VI, art. 39, art. 44 e art. 49,<br />

II), <strong>de</strong> modo a neutralizar, por parte <strong>de</strong> magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos<br />

ou dilações in<strong>de</strong>vidas na resolução dos litígios”.12<br />

Os processos administrativos e judiciais <strong>de</strong>vem garantir todos os <strong>direito</strong>s às partes,<br />

sem, contudo, esquecer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sburocratização <strong>de</strong> seus procedimentos e na<br />

busca <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e máxima eficácia <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões.<br />

Na tentativa <strong>de</strong> alcançar esses objetivos, a EC n° 45/04 trouxe diversos mecanismos<br />

<strong>de</strong> celerida<strong>de</strong>, transparência e controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> jurisdicional.<br />

Como mecanismos <strong>de</strong> celerida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>sburocratização po<strong>de</strong>m ser citados: a vedação<br />

<strong>de</strong> férias coletivas nos juízos e tribunais <strong>de</strong> segundo grau, a proporcionalida<strong>de</strong> do número<br />

<strong>de</strong> juizes à efetiva <strong>de</strong>manda judicial e à respectiva população, a distribuição imediata dos<br />

processos, em todos os graus <strong>de</strong> jurisdição, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação aos servidores do<br />

Judiciário, para a prática <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> administração e atos <strong>de</strong> mero expediente sem caráter<br />

<strong>de</strong>cisório, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> repercussão geral das questões constitucionais<br />

discutidas no caso para fins <strong>de</strong> conhecimento do recurso extraordinário, a instalação da<br />

justiça itinerante, as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A EC nE 45/04, porém, trouxe poucos mecanismos processuais que possibilitem<br />

maior celerida<strong>de</strong> na tramitação dos processos e redução na morosida<strong>de</strong> da Justiça brasileira.<br />

O sistema processual judiciário necessita <strong>de</strong> alterações infraconstitucionais, que<br />

privilegiem a solução dos conflitos, a distribuição <strong>de</strong> Justiça e maior segurança jurídica,<br />

afastando-se tecnicismos exagerados.<br />

Como salientado pelo Ministro Nelson Jobim, a EC n° 45/04, “é só o início <strong>de</strong> um<br />

processo, <strong>de</strong> uma caminhada. Ela avançou muito em termos institucionais e têm alguns<br />

pontos, como a súmula vinculante e a repercussão geral, que ajudam, sim, a dar mais<br />

celerida<strong>de</strong>. Mas apenas em alguns casos isolados. Para reduzir a tão falada morosida<strong>de</strong>,<br />

já estamos trabalhando numa outra reforma, <strong>de</strong> natureza infra<strong>constitucional</strong> e que vai<br />

trazer modificações processuais”.3 Nesse mesmo sentido, analisando a convocação <strong>de</strong> uma<br />

Reforma do Judiciário francês pelo Presi<strong>de</strong>nte Jacques Chirac, em 21 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1997,<br />

José Renato Nalini observou que “a priorida<strong>de</strong> máxima é <strong>de</strong> ser concedida à aceleração dos<br />

1 STF - 2a T. - HC n2 89.751-7/RO - Rei. Min. G ilm ar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção I, 5 <strong>de</strong>z. 2006, p. 33.<br />

Nesse sentido, o STF conce<strong>de</strong>u habeas corpus para <strong>de</strong>terminar que o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça julgasse no<br />

prazo m áxim o <strong>de</strong> 2 sessões conflito <strong>de</strong> competência, afirm ando que “ o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir se marcaria por tônus<br />

<strong>de</strong> presteza máxima” (HC 110022/PR- Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 8-11-2011).<br />

2 STF - Mandado <strong>de</strong> injunção n 2 715/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

3 JOBIM, Nelson. Entrevista sobre Reform a do Judiciário no site do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (dia 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem<br />

bro <strong>de</strong> 2004). Disponível em: < www.stf.gov.br/noticias/imprensa/>.


Direitos e Garantias Fundamentais 113<br />

trâmites <strong>de</strong> procedimento e <strong>de</strong>julgamento. É uma aspiração <strong>de</strong> 76% das pessoas interrogadas.<br />

Também para eles o problema primordial é a lentidão com que a justiça respon<strong>de</strong><br />

às <strong>de</strong>mandas, institucionalizando os conflitos em lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidi-los com presteza”.1<br />

Em relação à maior transparência, a Reforma do Po<strong>de</strong>r Judiciário previu a publicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> todos os julgamentos dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, inclusive as <strong>de</strong>cisões administrativas<br />

<strong>de</strong> seus órgãos, a criação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça e do Conselho Nacional<br />

do Ministério Publico.<br />

Finalmente, em busca <strong>de</strong> um maior controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> jurisdicional,<br />

temos a criação da Escola Nacional <strong>de</strong> Formação e Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Magistrados, com<br />

a consequente previsão <strong>de</strong> cursos oficiais <strong>de</strong> preparação, aperfeiçoamento e promoção <strong>de</strong><br />

magistrados.12<br />

24.1 Inquérito policial e contraditório<br />

O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a<br />

fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo,<br />

pois, mero procedimento administrativo, <strong>de</strong> caráter investigatório, <strong>de</strong>stinado a subsidiar<br />

a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.3<br />

24.2 Celerida<strong>de</strong> processual e informatização do processo judicial (Lei n®<br />

11.419/2006)<br />

No contexto da Reforma do Judiciário e buscando efetivar a celerida<strong>de</strong> processual,<br />

a Lei na 11.419, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, regulamenta a informatização do processo<br />

judicial ( autos virtuais), estabelecendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização do meio eletrônico na<br />

tramitação <strong>de</strong> processos judiciais, comunicação <strong>de</strong> atos e transmissão <strong>de</strong> peças processuais,<br />

indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais,<br />

em qualquer grau <strong>de</strong> jurisdição.<br />

A própria lei <strong>de</strong>fine os principais termos para a implementação da informatização<br />

do processo judicial.<br />

Assim, meio eletrônico é <strong>de</strong>finido como qualquer forma <strong>de</strong> armazenamento ou tráfego<br />

<strong>de</strong> documentos e arquivos digitais e transmissão eletrônica como toda forma <strong>de</strong> comuni­<br />

1 NALINI, José Renato. Lições <strong>de</strong> uma pesquisa. R e v is ta d a E s c o la P a u lis t a d e M a g is t r a t u r a , ano 1, nD3, m aio/<br />

out. 1997, p. 171.<br />

2 Em relação à importância na seleção dos magistrados e da necessida<strong>de</strong> da criação da Escola d e aperfeiçoamento<br />

da magistratura: VELLOSO, Carlos M ário da Silva. Do po<strong>de</strong>r judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico<br />

- efeito vinculante em outros temas. R e v is ta d o s T r ib u n a is , ano 6, nD25, out./<strong>de</strong>z. 1998. p. 19; DALLARI,<br />

Dalmo <strong>de</strong> Abreu. O p o d e r d o s ju iz e s . São Paulo: Saraiva, 1996, p. 21; TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo. O juiz.<br />

Belo H orizonte: Del Rey, 1999.<br />

3 Neste sentido, jurisprudência pacífica do STF, R T J 143/306, RE 136.239-SP, I a T., Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

e do STJ, 5aT., Rei. Min. Edson Vidigal, D J U , 24 out. 1994, p. 28.768; STJ, 6a T., Rei. Ministro Pedro A cio li,D J U ,<br />

18 abr. 1994, p. 8.525; STJ, Rei. Min. Anselmo Santiago, D J U , 5 jun. 1995, p. 16.688, in: GARCINDO FILHO,<br />

A lfredo <strong>de</strong> O. J u r is p r u d ê n c ia c r i m i n a l d o S T F e d o S u p e r io r T r ib u n a l d e J u s tiç a . 2. ed. p. 133.


114 Direito Constitucional • Moraes<br />

cação a distância com a utilização <strong>de</strong> re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação, preferencialmente a re<strong>de</strong><br />

mundial <strong>de</strong> computadores.<br />

A lei regulamentou a maior utilização <strong>de</strong> tecnologia no acesso e distribuição <strong>de</strong> justiça,<br />

permitindo o envio <strong>de</strong> petições, <strong>de</strong> recursos e a prática <strong>de</strong> atos processuais em geral por<br />

meio eletrônico, mediante o uso <strong>de</strong> assinatura eletrônica, sendo obrigatório o cre<strong>de</strong>nciamento<br />

prévio no Po<strong>de</strong>r Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos, que<br />

<strong>de</strong>verá, porém, ser realizado mediante procedimento que assegure a a<strong>de</strong>quada i<strong>de</strong>ntificação<br />

presencial do interessado, bem como, mediante atribuição <strong>de</strong> registro e meio <strong>de</strong><br />

acesso ao sistema, preserve o sigilo, a i<strong>de</strong>ntificação e a autenticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas comunicações.<br />

Em relação à assinatura eletrônica, a lei estabelece como formas <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação<br />

inequívoca do signatário a assinatura digital baseada em certificado digital emitido por<br />

autorida<strong>de</strong> certificadora cre<strong>de</strong>nciada, na forma <strong>de</strong> lei específica, ou mediante cadastro <strong>de</strong><br />

usuário no Po<strong>de</strong>r Judiciário, conforme disciplinado pelos respectivos órgãos. A lei autoriza,<br />

ainda, a adoção <strong>de</strong> um cadastro único por todos os órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

25 PROVAS ILÍCITAS (ART. 5a, LVI)<br />

São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, garante o art.<br />

5a, LVI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,1enten<strong>de</strong>ndo-as como aquelas colhidas em infringência<br />

às normas do <strong>direito</strong> material12 (por exemplo, por meio <strong>de</strong> tortura psíquica, quebra dos<br />

sigilos fiscal, bancário e telefônico sem or<strong>de</strong>m judicial <strong>de</strong>vidamente fundamentada3),<br />

configurando-se importante garantia em relação à ação persecutória do Estado.4<br />

As provas ilícitas não se confun<strong>de</strong>m com as provas ilegais e as ilegítimas.5 Enquanto,<br />

conforme já analisado, as provas üícitas são aquelas obtidas com infringência ao <strong>direito</strong><br />

material, as provas üegítimas são as obtidas com <strong>de</strong>srespeito ao <strong>direito</strong> processual.6 Por<br />

sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as<br />

1 S T F - 2 a T. - HC n2 82.788/R J-R el. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,2 jun. 2006, p. 43; STF<br />

- 1- T. - HC ne 84.417/R J- Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 17 ago. 2004, p. 13; STF<br />

- Inq. ne 1.996/PR - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 25 jun. 2003, p. 70; STF - Pleno - Pet<br />

ne 2.702/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 20 set. 2002, p. 117; STF - Pleno - RE<br />

n° 418.416/SC - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 10-5-2006. Conferir, ainda, no Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça: 5a Turma - HC 149.250/SP - Rei. Min. Adilson Vieira Macabu (<strong>de</strong>sem bargador convocado o TJ-RJ),<br />

<strong>de</strong>cisão: 7-6-2011.<br />

2 Por exemplo, por m eio d e tortura física e/ou psicológica - STJ - 6 âT. - RHC n - 2.132-2 - B A - Rei. Min.<br />

Vicente Cernicchiaro - v.u. -DJU, 21 set. 1992 - p. 15.706.<br />

3 STF - 2ãT. - HC 96056/PE - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011.<br />

4 STF - 2a T. - HC n° 82.788/RJ - Rei. Min. Celso d e M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,2 jun. 2006, p. 43; STF<br />

- I a T. - HC nQ84.417/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 17 ago. 2004, p. 13; STF<br />

- Inq. ne 1.996/PR - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 25 jun. 2003, p. 70; STF - Pleno - Pet<br />

na 2.702/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 20 set. 2002, p. 117; STF - Pleno - RE<br />

418416/SC- Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 10-5-2006.<br />

5 STF - 2a T. - HC nQ87.167/BA - Rei. Min. Gilm ar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 29-8-2006 - I n f o r m a t iv o S T F nQ438,<br />

Seção I, p. 3.<br />

6 Em relação às provas ilegítimas, enten<strong>de</strong>u o STF que “ as provas obtidas mediante <strong>de</strong>creto não fundamentado<br />

<strong>de</strong> quebra dos sigilos bancário e fiscal constituem provas ilegítim as e, em consequência, po<strong>de</strong>m ser reproduzidas


Direitos e Garantias Fundamentais 115<br />

ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação <strong>de</strong> natureza material ou processual<br />

ao or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneida<strong>de</strong><br />

jurídica como meio <strong>de</strong> formação do convencimento do julgador, razão pela<br />

qual <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>sprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verda<strong>de</strong>, no prol<br />

do i<strong>de</strong>al maior <strong>de</strong> um processo justo, condizente com o respeito <strong>de</strong>vido a <strong>direito</strong>s<br />

e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito,<br />

ao que é representado pelo interesse que tem a socieda<strong>de</strong> numa eficaz repressão<br />

aos <strong>de</strong>litos. É um pequeno preço que se paga por viver se em Estado <strong>de</strong> Direito<br />

<strong>de</strong>mocrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da<br />

verda<strong>de</strong>, limitações impostas por valores mais altos que não po<strong>de</strong>m ser violados,<br />

ensina Heleno Fragoso, em trecho <strong>de</strong> sua obra Jurisprudência Criminal, transcrita<br />

pela <strong>de</strong>fesa. A Constituição brasileira, no art. 5S, inc. LVI, com efeito, dispõe, a todas<br />

as letras, que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.1<br />

No julgamento da AP 307-3-DF, em lapidar voto, o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello ensina que<br />

“a norma inscrita no art. 5S, LVI, da Lei Fundamental promulgada em 1988,<br />

consagrou, entre nós, com fundamento em sólido magistério doutrinário (Ada<br />

Pellegrini Grinover, Novas tendências do <strong>direito</strong> processual, p. 60/82,1990, Forense<br />

Universitária; Mauro Cappelletti, Efficacia di prove illegittimamente ammesse<br />

e comportamento <strong>de</strong>lia parte, em Rivista di Diritto Civile, p. 112, 1961; Vicenzo<br />

Vigoriti, Prove illecite e costituzione, in Rivista di Diritto Processuale, p. 64 e 70,<br />

1968), o postulado <strong>de</strong> que a prova obtida por meios ilícitos <strong>de</strong>ve ser repudiada -<br />

e repudiada sempre - pelos juizes e Tribunais, por mais relevantes que sejam os<br />

fatos por ela apurados, uma vezque se subsume ela ao conceito <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

(Ada Pellegrini Grinover, op. cit., p. 62,1990, Forense Universitária). A<br />

cláusula <strong>constitucional</strong> do due process oflaw - que se <strong>de</strong>stina a garantir a pessoa do<br />

acusado contra ações eventualmente abusivas do Po<strong>de</strong>r Público - tem, no dogma<br />

da inadmissibilida<strong>de</strong> das provas ilícitas, uma <strong>de</strong> suas projeções concretizadoras<br />

mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não ser<br />

<strong>de</strong>nunciado, <strong>de</strong> não ser julgado e <strong>de</strong> não ser con<strong>de</strong>nado com apoio em elementos<br />

instrutórios obtidos ou produzidos <strong>de</strong> forma incompatível com os limites impostos,<br />

pelo or<strong>de</strong>namento jurídico, ao po<strong>de</strong>r persecutório e ao po<strong>de</strong>r investigatório do Estado.<br />

A absoluta invalida<strong>de</strong> da prova ilícita infirma-lhe, <strong>de</strong> modo radical, a eficácia<br />

<strong>de</strong>monstrativa dos fatos e eventos cuja realida<strong>de</strong> material ela preten<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>nciar.<br />

Trata-se <strong>de</strong> consequência que <strong>de</strong>riva, necessariamente, da garantia <strong>constitucional</strong><br />

que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, <strong>de</strong> modo<br />

peremptório, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uso, em se<strong>de</strong> processual, da prova - <strong>de</strong> qualquer<br />

prova - cuja ilicitu<strong>de</strong> venha a ser reconhecida pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. A prova ilícita<br />

é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que observada a formalida<strong>de</strong> processual que <strong>de</strong>u causa à anulação do ato” (STF - Pleno - HC n2 80.724/<br />

SP - Rei. Min. Ellen Gracie, 20-3-2001 - Informativo STF n2221, 19 a 23 abr. 2001, p. 2).<br />

1 STF, Ação Penal 307-3-D F, Plenário, Rei. Min. limar Galvão, D JU , 13 out. 19 9 5 ; R T J 16 2 /0 3-3 4 0 .


116 Direito Constitucional • Moraes<br />

por essa explícita razão, <strong>de</strong> qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo<br />

providência instrutória eivada <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, apresenta-se <strong>de</strong>stituída <strong>de</strong><br />

qualquer grau, por mínimo que seja, <strong>de</strong> eficácia jurídica. Tenho tido a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> enfatizar, neste Tribunal, que a Exclusionary Rule, consi<strong>de</strong>rada essencial pela<br />

jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América na <strong>de</strong>finição dos<br />

limites da ativida<strong>de</strong> probatória <strong>de</strong>senvolvida pelo Estado, <strong>de</strong>stina-se, na abrangência<br />

<strong>de</strong> seu conteúdo, e pelo banimento processual <strong>de</strong> evidência ilicitamente coligidas, a<br />

proteger os réus criminais contra a ilegítima produção ou a ilegal colheita <strong>de</strong> prova<br />

incriminadora (Garrityv. NewJersey, 385U.S. 493,1967; Mappv. Ohio, 367U.S.<br />

643,1961; WongSun v. United States, 371 U.S. 471,1962, v.g.)” .<br />

Saliente-se, porém, que a doutrina <strong>constitucional</strong> passou a atenuar a vedação das<br />

provas üícitas, visando corrigir distorções a que a rigi<strong>de</strong>z da exclusão po<strong>de</strong>ria levar em<br />

casos <strong>de</strong> excepcional gravida<strong>de</strong>. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da Proporcionalida<strong>de</strong>,<br />

hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos<br />

extremamente graves, po<strong>de</strong>rão ser utilizadas, pois nenhuma liberda<strong>de</strong> pública é absoluta,<br />

havendo possibilida<strong>de</strong>, em casos <strong>de</strong>licados, em que se percebe que o <strong>direito</strong> tutelado é mais<br />

importante que o <strong>direito</strong> à intimida<strong>de</strong>, segredo, liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação, por exemplo,<br />

<strong>de</strong> permitir-se sua utilização.<br />

A concepção atual da teoria da proporcionalida<strong>de</strong>, conforme aponta Luiz Francisco<br />

Torquato Avolio,<br />

“é, pois, dotada <strong>de</strong> um sentido técnico no <strong>direito</strong> público a teoria do <strong>direito</strong> germânico,<br />

correspon<strong>de</strong>nte a uma limitação do po<strong>de</strong>r estatal embenef ício da garantia <strong>de</strong><br />

integrida<strong>de</strong> física e moral dos que lhe estão sub-rogados (...). Para que o Estado,<br />

em sua ativida<strong>de</strong>, atenda aos interesses da maioria, respeitando os <strong>direito</strong>s individuais<br />

f undamentais, se faz necessário não só a existência <strong>de</strong> normas para pautar<br />

essa ativida<strong>de</strong> e que, em certos casos, nem mesmo a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma maioria po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>rrogar (Estado <strong>de</strong> Direito), como também há <strong>de</strong> se reconhecer e lançar mão <strong>de</strong><br />

um princípio regulativo para se pon<strong>de</strong>rar até que ponto se vai dar preferência ao<br />

todo ou às partes (Princípio da Proporcionalida<strong>de</strong>), o que também não po<strong>de</strong> ir além<br />

<strong>de</strong> um certo limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana<br />

digna <strong>de</strong> ser chamada assim”.1<br />

Na jurisprudência pátria,12 somente se aplica o princípio da proporcionalida<strong>de</strong> pro<br />

reo, enten<strong>de</strong>ndo-se que a ilicitu<strong>de</strong> é eliminada por causas exclu<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong>, em prol<br />

do princípio da inocência.3<br />

Desta forma, repita-se que a regra <strong>de</strong>ve ser a inadmissibilida<strong>de</strong> das provas obtidas<br />

por meios ilícitos, que só excepcionalmente <strong>de</strong>verão ser admitidas em juízo, em respeito<br />

às liberda<strong>de</strong>s públicas e ao princípio da dignida<strong>de</strong> humana na colheita <strong>de</strong> provas e na<br />

própria persecução penal do Estado.4<br />

1 AVOLIO, Luiz Torquato. Provas ilícitas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 53.<br />

2 RJTJSP, Lex, 138/526.<br />

3 STF - I a T. - HC n2 74.678-DF - Rei. Min. M oreira Alves - Informativo STF, n2 75.<br />

4 Cf. ampla análise sobre a Teoria das Provas Ilícitas na <strong>de</strong>cisão do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello (STF - Rextr. n D<br />

251.445-4/GO). Conferir, ainda: S T J - 5 aT .- H C 104005/RJ - Rei. Min. Jorge Mussi, <strong>de</strong>cisão: 8-11-2011.


Direitos e Garantias Fundamentais 117<br />

25.1 Provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas<br />

O importante julgamento pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> um ex-Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

voltou a analisar a questão importantíssima sobre a inadmissibilida<strong>de</strong> das provas<br />

ilícitas e sobre possível contaminação das chamadas provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas.<br />

A Constituição, em seu art. 5°, LVI, consagra a inadmissibilida<strong>de</strong> da utilização das provas<br />

ilícitas que, conforme já <strong>de</strong>finidas, são aquelas colhidas em infringência às normas do<br />

<strong>direito</strong> material (por exemplo: inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar, telefônica, <strong>direito</strong> à intimida<strong>de</strong>,<br />

ao sigilo etc.). Ocorre que o fato <strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não admitir, <strong>de</strong> longa<br />

data, as provas ilícitas1 não tem o condão <strong>de</strong> gerar a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo o processo, pois,<br />

como ressalta o Ministro Moreira Alves, a previsão <strong>constitucional</strong> não afirma serem nulos<br />

os processos em que haja prova obtida por meios ilícitos.12<br />

Não havendo nulida<strong>de</strong> processual, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>limitar a consequência da inadmissibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma prova ilícita, <strong>de</strong>finindo se haverá contaminação <strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>mais provas<br />

<strong>de</strong>la resultantes ou somente <strong>de</strong>squalificação <strong>de</strong>sta para o julgamento da causa.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em duas <strong>de</strong>cisões plenárias e importantíssimas, havia<br />

<strong>de</strong>cidido pela inaplicabilida<strong>de</strong> da doutrina do fruits of the poisonous tree (fruto da árvore<br />

envenenada), optando pela prevalência da incomunicabilida<strong>de</strong> da ilicitu<strong>de</strong> das provas.4<br />

No referido julgamento, envolvendo o ex-Presi<strong>de</strong>nte, o tribunal rejeitou a tese da<br />

<strong>de</strong>fesa, relativamente à repercussão da prova inadmissível sobre as <strong>de</strong>mais, vencido o<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello e, em menor extensão, os Ministros Carlos Velloso, Sepúlveda<br />

Pertence e Néri da Silveira, <strong>de</strong>terminando, pois, que continuam válidas as eventuais provas<br />

<strong>de</strong>correntes das provas consi<strong>de</strong>radas ilícitas. Confirmou essa <strong>de</strong>cisão plenária posição<br />

anterior, em que participaram todos os ministros, que, igualmente, admitiu a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas.5 Nesta <strong>de</strong>cisão, votaram pela licitu<strong>de</strong> das provas <strong>de</strong>correntes<br />

das provas ilícitas os Ministros Carlos Velloso, Paulo Brossard, Sidney Sanches,<br />

Néri da Silveira, Octávio Gallotti e Moreira Alves.<br />

Importante ressaltar que esse julgamento do HC 69.912-0-RS, que primeiramente<br />

in<strong>de</strong>feriu a or<strong>de</strong>m, por seis votos a cinco, enten<strong>de</strong>ndo pela incomunicabilida<strong>de</strong> da ilicitu<strong>de</strong><br />

da prova ilícita às provas <strong>de</strong>rivadas, acabou sendo anulado pela <strong>de</strong>claração posterior <strong>de</strong><br />

impedimento <strong>de</strong> um dos ministros.6 7Em novo julgamento, <strong>de</strong>feriu-se a or<strong>de</strong>m pela prevalência<br />

dos cinco votos vencidos no anterior, uma vez que o empate favorece o paciente7 no<br />

sentido <strong>de</strong> que a ilicitu<strong>de</strong> da interceptação telefônica - à falta <strong>de</strong> lei que, nos termos cons­<br />

1 RE85.439, Rei. Min. Xavier <strong>de</strong> Albuquerque, R T J, 84/609; RE 100.094-5, Rei. Min. Rafael Mayer, R T J 110/798;<br />

HC 63.834-1 - Rei. Min. Aldir Passarinho, D J U , 5jun. 1987, p. 11.112.<br />

2 Voto do Min. M oreira Alves, no HC-69.912-0/RS, DJU, 25 mar. 1994.<br />

3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral afasta a nulida<strong>de</strong> processual quando, apesar <strong>de</strong> a prova ilícita ter facilitado as<br />

investigações, não terem sido estas indispensáveis para o contexto probatório. Assim enten<strong>de</strong>u o HC 74.152/<br />

SP, Rei. Min. Sydney Sanches, 20-8-96 - Informativo STF, Brasília, nQ41, 28 ago. 1996.<br />

4 STF, Ação Penal 307-3-DF, Plenário, Rei. Min. lim ar Galvão, DJU, 13 out. 1995.<br />

5 HC 69.912-0/RS, Tribunal Pleno, Rei. Ministro Sepúlveda Pertence, 16 <strong>de</strong>z. 1993, publicado no D J U , 25<br />

mar. 1994.<br />

6 STF - MS 21.750, <strong>de</strong> 24 nov. 1993, Rei. Min. Carlos Velloso.<br />

7 R IS T F , art. 150, § 3°.


118 Direito Constitucional • Moraes<br />

titucionais, venha a discipliná-la e viabilizá-la - contaminou, no caso, as <strong>de</strong>mais provas,<br />

todas oriundas, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta (fruits ofthe<br />

poisonous tree), nas quais se fundou a con<strong>de</strong>nação do paciente. O fato <strong>de</strong> ter sido concedida<br />

a or<strong>de</strong>m, naquele momento, não alterou aposição da maioria (6 votos a 5) da Corte, pela<br />

admissibihda<strong>de</strong> da prova <strong>de</strong>rivada da ilícita, uma vez que não haveria sua contaminação<br />

pela comunicabibda<strong>de</strong> da ilicitu<strong>de</strong>, afastando-se a fruits ofthe poisonous tree.<br />

O que po<strong>de</strong>ria ser uma <strong>de</strong>finição jurispru<strong>de</strong>ncial (6 votos a 5), novamente transformou-se<br />

em dúvida, pois, com a aposentadoria do Ministro Paulo Brossard, a<strong>de</strong>pto da<br />

incomunicabilida<strong>de</strong> da prova ilícita (“...não me parece seguro concluir que, quando a<br />

escuta tivesse sido ilegal e, por consequência, ilícita a prova obtida por seu intermédio,<br />

toda a prova ficasse contaminada e imprestável...” - voto no HC 69.912-0-RS), a questão<br />

tornou-se pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> futuro pronunciamento, já com a participação do Ministro Maurício<br />

Corrêa, para <strong>de</strong>finir-se a posição da mais alta Corte Judiciária brasileira na questão da<br />

teoria do fruits of the poisonous tree.<br />

Essa <strong>de</strong>finição foi tomada pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, invertendo<br />

a antiga maioria (6 x 5), adotou em relação às provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas a<br />

teoria do fruits ofthe poisonous tree, ou seja, pela comunicabibda<strong>de</strong> da ilicitu<strong>de</strong> das provas<br />

ilícitas a todas aquelas que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivarem.<br />

Nos julgamentos dos HCs 72.588/PB1 e HC 73.351/SP,12 essa <strong>de</strong>finição foi tomada<br />

pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, invertendo a antiga maioria (6 x 5),<br />

adotou em relação às provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas a teoria do fruits ofthe poionous<br />

tree, ou seja, pela comunicabibda<strong>de</strong> da ibcitu<strong>de</strong> das provas ilícitas a todas aquelas que<br />

<strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivarem.<br />

A Corte, posteriormente, consolidou o entendimento <strong>de</strong> que a prova ilícita originária<br />

contamina as <strong>de</strong>mais provas <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes, <strong>de</strong> acordo com a teoria dos frutos da árvore<br />

envenenada,3 posição essa que se mantém,4 afirmando que “qualquer novo dado probatório,<br />

ainda que produzido, <strong>de</strong> modo válido, em momento subsequente, não po<strong>de</strong> apoiar-se,<br />

não po<strong>de</strong> ter fundamento causai nem <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> prova comprometida pela mácula da<br />

ibcitu<strong>de</strong> originária”, para concluir que “a exclusão da prova originariamente ilícita - ou<br />

daquela afetada pelo vício da ibcitu<strong>de</strong> por <strong>de</strong>rivação - representa um dos meios mais expressivos<br />

<strong>de</strong>stinados a conferir efetivida<strong>de</strong> à garantia do “due process o f law” e a tornar<br />

mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela <strong>constitucional</strong> que<br />

preserva os <strong>direito</strong>s e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em se<strong>de</strong> processual<br />

penal”,5 mantendo-se, porém, válidos “os <strong>de</strong>mais elementos do acervo probatório, que<br />

são autônomos”.6<br />

1 STF - Pleno - HC na 72.588-PB, Rei. Ministro Maurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 12-6-96.<br />

2 STF - Pleno - HC n° 73.351-SP -Rei. Min. lim a r Galvão, <strong>de</strong>cisão: 9-5-96.<br />

3 Nesse sentido: HC n° 73.461-SP, Rei. Min. Octávio Gallotti, 11-6-96; STF - Habeas Corpus n° 73.510-0/SP-<br />

Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 12 <strong>de</strong>z. 1997, p. 65.565.<br />

4 S T F - 2 aT . - HC na 90.298/RS - Rei. M in. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 8-9-2009. I n f o r m a t iv o S T F n a 558.<br />

5 STF - 2a T. - HC na 93.050/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJE-142, 31-7-2008. Conferir, ainda: S T F - 2 a<br />

T. - RHC na90.376/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D JE-018,17-5-2007.<br />

6 STF - I a T. - HC na89.032/SP - Rei. Min. Menezes Direito, D JE 147, 22-11-2007; STF - I a T. - HC na 83.921/<br />

R J - R e i. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção I, 27-8-2004, p. 70.


Direitos e Garantias Fundamentais 119<br />

Em conclu são, a s p rovas ilícitas, b e m com o todas aquelas d e la s d e riv a d a s ,1 são<br />

<strong>constitucional</strong>m ente inadm issíveis, m esm o q u an d o re c o n d u zid a s aos autos <strong>de</strong> fo rm a<br />

indireta,12 <strong>de</strong>vendo, pois, serem <strong>de</strong>sentranhadas do processo, n ão tendo, porém , o con ­<br />

d ão <strong>de</strong> anulá-lo, perm anecendo válidas as <strong>de</strong>m ais provas lícitas e autônom as d e la s não<br />

<strong>de</strong>correntes,3 ou ainda, que tam bém <strong>de</strong>correram <strong>de</strong> outras fontes, além d a p rópria prova<br />

ilícita;4 garantindo-se, pois, a licitu<strong>de</strong> d a p ro va d e riv ad a da ilícita, q u an d o, conform e<br />

salien tado pelo M inistro Eros G rau , “a rrim ad a em elem entos probatórios coligidos antes<br />

<strong>de</strong> sua ju n tad a aos autos”.5<br />

Provas Ilícitas,<br />

sendo B e C por Derivação<br />

QUEBRA SIGILO<br />

BANCÁRIO DE CONTAS<br />

APONTADAS N A PROVA ©<br />

DOCUMENTO APREENDIDO MEDIANTE<br />

. ORDEM JUDICIAL EM LOCAL INDICADO<br />

N A PROVA (A)<br />

TESTEMUNHAS OUVIDAS POR TEREM<br />

SIDO CITADAS NA PROVA ® E POR<br />

TEREM SIDO ENCONTRADAS PELA<br />

INVESTIGAÇÃO AUTÔNOMA (X)<br />

PROVA INDEPENDENTE<br />

E VÁLIDA<br />

PROVA ABSOLUTAMENTE<br />

INDEPENDENTE E VÁLIDA<br />

1 STF - I a T. - HC na 84.417/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,17ago.2004, p. 13.<br />

2 STF - 2aT. - HC n° 82.862/SP - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 19-2-2008.<br />

3 STF - 2a T. - RHC n° 74.807-4/MT - Rei. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 20 jun. 1997,<br />

p. 28.507. Ainda nesse sentido: “Descabe concluir pela nulida<strong>de</strong> do processo quando o <strong>de</strong>creto con<strong>de</strong>natório<br />

repousa em outras provas que exsurgem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, ou seja, não vinculadas à que se aponta como ilícita”<br />

(S T F -2 a T. - HC n° 75.8926/RJ -R ei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,17 abr. 1998); e “A existência<br />

nos autos <strong>de</strong> prova obtida ilicitamente (escuta telefônica autorizada por juiz antes do advento da Lei n°<br />

9.296/96) não basta a invalidação do processo, se há outras provas consi<strong>de</strong>radas autônomas, isto é, colhidas<br />

sem necessida<strong>de</strong> dos elementos informativos revelados pela prova ilícita. Prece<strong>de</strong>nte citado: RHC na 72.463/<br />

SP {DJU <strong>de</strong> 29995).” (STF - 2a T.- HC na 76.231/RJ- Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 16 jun. 1998 - Informativo<br />

STF, na 115, jun. 1998). Conferir, igualmente, STF - 2a T. - HC na 76.1711/SP-ReL Min. Nelson Jobim,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 27 fev. 1998, p. 3; STF - 2a T. - HC na 75.6115/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,17 abr. 1998.<br />

4 STF - 2a T. - HC na 87.654/PR - ReL Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 7-3-2006. Informativo STFna 418.<br />

5<br />

STF - l aT. - HC n° 87.341-3/PR- Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 7-2-2006.


1 2 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

25.2 Convalidação <strong>de</strong> provas obtidas por meios ilícitos com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa das liberda<strong>de</strong>s públicas fundamentais (legítima <strong>de</strong>fesa)<br />

Conforme estudado anteriormente, as liberda<strong>de</strong>s públicas não po<strong>de</strong>m ser utilizadas<br />

como um verda<strong>de</strong>iro escudo protetivo da prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, nem tampouco<br />

como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilida<strong>de</strong> civil ou penal por<br />

atos criminosos, sob pena <strong>de</strong> total consagração ao <strong>de</strong>srespeito a um verda<strong>de</strong>iro Estado <strong>de</strong><br />

Direito. Dessa forma, aqueles que ao praticarem atos ilícitos inobservarem as liberda<strong>de</strong>s<br />

públicas <strong>de</strong> terceiras pessoas e da própria socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>srespeitando a própria dignida<strong>de</strong><br />

da pessoa humana, não po<strong>de</strong>rão invocar, posteriormente, a ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

provas para afastar suas responsabilida<strong>de</strong>s civil e criminal perante o Estado.<br />

Exemplificando, po<strong>de</strong>riamos apontar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> uma gravação<br />

realizada pela vítima, sem o conhecimento <strong>de</strong> um dos interlocutores, que comprovasse a<br />

prática <strong>de</strong> um crime <strong>de</strong> extorsão, pois o próprio agente do ato criminoso, primeiramente,<br />

invadiu a esfera <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s públicas da vítima, ao ameaçá-la e coagi-la. Essa, por sua<br />

vez, em legítima <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> suas liberda<strong>de</strong>s públicas, obteve uma prova necessária para<br />

responsabilizar o agente. Po<strong>de</strong>riamos, também, apontar a hipótese <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> uma<br />

gravação <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o realizada pelo filho, <strong>de</strong> forma clan<strong>de</strong>stina e sem conhecimento <strong>de</strong> seu<br />

pai, agressor, para comprovação <strong>de</strong> maus-tratos e sevícias. Não se po<strong>de</strong>ria argumentar<br />

que houve <strong>de</strong>srespeito à inviolabilida<strong>de</strong>, à intimida<strong>de</strong> e à imagem do pai-agressor, pois<br />

sua conduta inicial <strong>de</strong>srespeitou a incolumida<strong>de</strong> física e a dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu filho, que,<br />

em legítima <strong>de</strong>fesa, acabou por produzir a referida prova. Ainda, po<strong>de</strong>riamos apontar a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> uma “carta confi<strong>de</strong>ncial” remetida pelo sequestrador aos<br />

familiares do sequestrado. Certamente essa carta po<strong>de</strong>ria ser utilizada em juízo, sem que<br />

se falasse em <strong>de</strong>srespeito ao sigilo das correspondências, pois o sequestrador foi quem,<br />

primeiramente, <strong>de</strong>srespeitou os <strong>direito</strong>s fundamentais do sequestrado e <strong>de</strong> seus familiares<br />

que, em legítima <strong>de</strong>fesa, produziram tal prova.<br />

Note-se que não se trata do acolhimento <strong>de</strong> provas ilícitas em <strong>de</strong>sfavor dos acusados<br />

e, consequentemente, em <strong>de</strong>srespeito ao art. 5fi, inciso LVI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O<br />

que ocorre na hipótese é a ausência <strong>de</strong> ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa prova, vez que aqueles que a produziram<br />

agiram em legítima <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s humanos fundamentais, que estavam<br />

sendo ameaçados ou lesionados em face <strong>de</strong> condutas anteriormente ilícitas. Assim agindo -<br />

em legítima <strong>de</strong>fesa - a ilicitu<strong>de</strong> na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto,<br />

o inciso LVI, do art. 52, da Carta Magna.1<br />

Como observado pelo Ministro Moreira Alves, em lapidar voto-relator no Habeas<br />

Corpus n2 74.6781/SP,<br />

“evi<strong>de</strong>ntemente, seria uma aberração consi<strong>de</strong>rar como violação do <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong><br />

a gravação pela própria vítima, ou por ela autorizada, <strong>de</strong> atos criminosos,<br />

como o diálogo com sequestradores, estelionatários e todo tipo <strong>de</strong> achacadores.<br />

1 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Captação, p or m eio <strong>de</strong>fitam agnética, <strong>de</strong> conversa entre<br />

presentes, ou seja, a chamada gravação ambiental, autorizada por um dos interlocutores, vítim a <strong>de</strong> concussão,<br />

sem o conhecimento dos <strong>de</strong>mais. Ilicitu<strong>de</strong> da prova excluída por caracterizar-se o exercício <strong>de</strong> legítim a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

quem a produziu. Prece<strong>de</strong>ntes do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral HC 74.678, DJ <strong>de</strong> 15-8-97 eH C 75.261, sessão <strong>de</strong><br />

24-6-97, ambos da Prim eira H irm a” (STF - I a T. - Rextr. nD212.081-2/RO - Rei. Min. Octávio Gallotti, Diário<br />

da Justiça, 27 mar. 1998, p. 23). No mesmo sentido: STF - Pleno - HC nQ75.338/RJ - Rei. Min. Nelson Jobim,<br />

11-3-98 - Informativo STF, nD102, março <strong>de</strong> 1998.


Direitos e Garantias Fundamentais 1 2 1<br />

No caso, o s impetrantes esquecem que a conduta do réu apresentou, antes <strong>de</strong> tudo,<br />

uma intromissão ilícita na vida privada do ofendido, esta sim merecedora <strong>de</strong> tutela.<br />

Quem se dispõe a enviar correspondência ou a telefonar paraoutrem, ameaçando-o<br />

ou extorquindo-o, não po<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r abrigar-se em uma obrigação <strong>de</strong> reserva por<br />

parte do <strong>de</strong>stinatário, o que significaria o absurdo <strong>de</strong> qualificar como confi<strong>de</strong>ncial<br />

a missiva ou a conversa”.1<br />

Nesse mesmo sentido e no referido julgamento, assinalou o Ministro Sepúlveda Pertence<br />

a existência <strong>de</strong> exclusão da ilicitu<strong>de</strong> da gravação obtida por um dos interlocutores,<br />

vítima <strong>de</strong> corrupção passiva ou concussão já consumada, apesar do <strong>de</strong>sconhecimento do<br />

outro interlocutor, e, consequentemente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua utilização.<br />

Nesse mesmo sentido, reiterando esse posicionamento, <strong>de</strong>cidiu o STF que “é lícita a<br />

gravação <strong>de</strong> conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização,<br />

sem ciência do outro, quando há investida criminosa <strong>de</strong>ste último. É inconsistente e fere<br />

o senso comum falar-se em violação do <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong> quando interlocutor grava<br />

diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo <strong>de</strong> chantagista”.12<br />

25.3 Princípios da publicida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> administrativa e provas ilícitas<br />

A inadmissibilida<strong>de</strong> das provas ilícitas no processo, conforme anteriormente analisado,<br />

<strong>de</strong>riva da posição preferente dos <strong>direito</strong>s fundamentais no or<strong>de</strong>namento jurídico,<br />

tornando impossível a violação <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> pública para obtenção <strong>de</strong> qualquer prova.<br />

Em <strong>de</strong>fesa, porém, da probida<strong>de</strong> na administração, a inadmissibilida<strong>de</strong> das provas ilícitas,<br />

por ferimento às inviolabilida<strong>de</strong>s constitucionais, <strong>de</strong>ve ser compatibilizada aos <strong>de</strong>mais princípios<br />

constitucionais, entre eles o princípio da moralida<strong>de</strong> e publicida<strong>de</strong>, consagrados<br />

no caput do art. 37 da Carta Magna.<br />

Assim, exige-se do administrador, no exercício <strong>de</strong> sua função pública, fiel cumprimento<br />

aos princípios da administração e, em especial, à legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>,<br />

publicida<strong>de</strong> e eficiência, <strong>de</strong>vendo respeito aos princípios éticos <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong>e justiça.<br />

Como lembrado pelo Ministro Marco Aurélio, ao analisar o princípio da moralida<strong>de</strong>,<br />

“o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui<br />

tal qualida<strong>de</strong>. Como a mulher <strong>de</strong> César” .3<br />

O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> mostrar honestida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre do princípio da publicida<strong>de</strong>, pelo qual todos<br />

os atos públicos <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong> conhecimento geral, para que a socieda<strong>de</strong> possa fiscalizá-los.<br />

1 STF - I a T. - HC nD74.678-1/SP - Rei. Min. M oreira Alves, votação unânime, Diário da Justiça, Seção 1,15<br />

ago. 1997. Serviço d e Jurisprudência d o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral-E m en tário n“ 1.878-02.<br />

2 S T F -P le n o - HC nD75.3388/RJ - Rei. M in. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 11 mar. 1998. N o mesmo sentido: S T F - 2 a<br />

T. - HC nD84.169/SP - Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção I, 17 set. 2004, p. 85. N o mesmo sentido o<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: STJ - 5a T. - RMS 19785/RO - Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 30 out. 2006, p. 335; STJ - 5a T. - HC n“ 52.989/AC - Rei. Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção<br />

I, l 2ago. 2006, p. 484; STJ - 6a T. - HC n228.467/SP - R e i. Min. Hamilton Carvalhido, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 2 maio 2006, p. 391.<br />

3 STF - 2aT . - Rextr. n " 160.381-SP - Rei. Min. Marco Aurélio. FTJ 153/1.030.


1 2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Dessa forma, a conjugação dos princípios da moralida<strong>de</strong> e publicida<strong>de</strong> impe<strong>de</strong> que o<br />

agente público utilize-se das inviolabilida<strong>de</strong>s à intimida<strong>de</strong> e à vida privada para prática<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s ilícitas, pois, na interpretação das diversas normas constitucionais, <strong>de</strong>ve<br />

ser concedido o sentido que assegure sua maior eficácia, sendo absolutamente vedada a<br />

interpretação que diminua sua finalida<strong>de</strong>, no caso, a transparência dos negócios públicos.<br />

Portanto, <strong>de</strong>verá ser permitida a utilização <strong>de</strong> gravações clan<strong>de</strong>stinas por um dos<br />

interlocutores, realizadas sem o conhecimento do agente público, que comprovem sua<br />

participação, utilizando-se <strong>de</strong> seu cargo, função ou emprego público, na prática <strong>de</strong> atos<br />

ilícitos (por exemplo: concussão, tráfico <strong>de</strong> influência, ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa),<br />

não lhe sendo possível alegar as inviolabilida<strong>de</strong>s à intimida<strong>de</strong> ou à vida privada no trato<br />

da res pública; pois, na administração pública, em regra, não vigora o sigilo na condução<br />

dos negócios políticos do Estado, mas o princípio da publicida<strong>de</strong>.<br />

Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese <strong>de</strong> gravação<br />

clan<strong>de</strong>stina <strong>de</strong> conversa <strong>de</strong> servidor público com particular, “não é o simples fato <strong>de</strong> a<br />

conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, a confiabilida<strong>de</strong><br />

na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio<br />

<strong>constitucional</strong> da inviolabilida<strong>de</strong> do círculo <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>, assim como da vida privada”.1<br />

Portanto, as condutas dos agentes públicos <strong>de</strong>vem pautar-se pela transparência e<br />

publicida<strong>de</strong>, não po<strong>de</strong>ndo a invocação <strong>de</strong> inviolabilida<strong>de</strong>s constitucionais constituir instrumento<br />

<strong>de</strong> salvaguarda <strong>de</strong> práticas ilícitas,12 que permitam a utilização <strong>de</strong> seus cargos,<br />

f unções ou empregos públicos como verda<strong>de</strong>ira cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> por seus<br />

atos ilícitos, pois, conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, inexiste proteção à intimida<strong>de</strong><br />

na hipótese <strong>de</strong> “uma corrupção passiva praticada em repartição pública”.3<br />

Nesse sentido, o STF afirmou a licitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> “gravação ambiental <strong>de</strong> diálogo realizada<br />

por um <strong>de</strong> seus interlocutores”, envolvendo agentes públicos e crimes contra administração<br />

pública.4 Da mesma forma, enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “a produção e<br />

divulgação <strong>de</strong> imagem <strong>de</strong> ví<strong>de</strong>o quando da abordagem policial em ‘local público’ não viola<br />

o art. 5S, inc. X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, posto preservar o referido cânone da ‘intimida<strong>de</strong>’,<br />

<strong>de</strong>scaracterizando a ilicitu<strong>de</strong> da prova”.3 Inclusive, a Corte reconheceu repercussão geral<br />

em matéria <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gravação ambiental por um dos interlocutores como<br />

meio lícito <strong>de</strong> prova.6<br />

1 STF - Pleno - Ação Penal n“ 307-3/DF - Rei. Min. lim ar Galvão - Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência -Em entário<br />

STF n° 1.804-11.<br />

2 Cf. S T F -l-T .,H C n - 70.814-5/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello,Diário da Justiça, Seção 1,24jun. 1994,p. 16650-R T<br />

709/418; STF - I a T. - HC n“ 87.341-3/PR- Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 7-2-2006.<br />

3 Trecho do voto do M inistro Sepúlveda Pertence (STF - I a T. - HC n2 87.341-3/PR - Rei. Min. Eros Grau,<br />

<strong>de</strong>cisão: 7-2-2006).<br />

4 Observe-se que a hipótese tratava <strong>de</strong> gravação am bien tal <strong>de</strong> diálogo entre servidores públicos (Secretária<br />

Municipal <strong>de</strong> Transportes e fiscal <strong>de</strong> tran sportes - STF - Pleno - AP 447/RS, Rei. Min. Carlos Britto, 18-2-2009,<br />

Informativo STF n2 536). Trata-se do m esm o entendim ento da Corte Especial do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

(A Pn 644/B A -R el. Min. Eliana Calm on, <strong>de</strong>cisão: 30-11-2011), on<strong>de</strong> o Tribunal enten<strong>de</strong>u não existir violação aos<br />

<strong>direito</strong>s à intim ida<strong>de</strong> ou à p rivacida<strong>de</strong> na gravação am biental f eita no interior do prédio da prefeitura municipal.<br />

5 STF - I a T. - RHC n2 108.156/SP - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011.<br />

6 STF - Pleno - RE 583937 QO/RJ - Rei. Min. Cesar Peluzo, <strong>de</strong>cisão: 19-11-2009.


Direitos e Garantias Fundamentais 123<br />

26 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5o, LVII)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que ninguém será consi<strong>de</strong>rado culpado até o trânsito<br />

em julgado <strong>de</strong> sentença penal con<strong>de</strong>natória, consagrando a presunção <strong>de</strong> inocência, um<br />

dos princípios basilares do Estado <strong>de</strong> Direito como garantia processual penal, visando à<br />

tutela da liberda<strong>de</strong> pessoal.<br />

Dessa forma, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado comprovar a culpabilida<strong>de</strong> do indivíduo,<br />

que é <strong>constitucional</strong>mente presumido inocente, sob pena <strong>de</strong> voltarmos ao total arbítrio<br />

estatal, permitindo-se o odioso afastamento <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias individuais e a imposição<br />

<strong>de</strong> sanções sem o <strong>de</strong>vido processo legal e a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do órgão competente.1<br />

A consagração do princípio da inocência, porém, não afasta a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das espécies <strong>de</strong> prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela<br />

jurisprudência, por consi<strong>de</strong>rar a legitimida<strong>de</strong> jurídico-<strong>constitucional</strong> da prisão cautelar,<br />

que, não obstante a presunção juris tantum <strong>de</strong> não culpabilida<strong>de</strong> dos réus, po<strong>de</strong> validamente<br />

incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as prisões<br />

temporárias,12 em flagrante, preventivas,3 por pronúncia4 e por sentenças con<strong>de</strong>natórias<br />

sem trânsitos em julgado.5<br />

Observe-se, porém, que o STF posicionou-se pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vedação<br />

legal compulsória à concessão <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> provisória, pois conforme <strong>de</strong>stacado pelo<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, essa vedação legal causa “ofensa aos postulados constitucionais<br />

da presunção <strong>de</strong> inocência, do due process oflaw, da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e da<br />

proporcionalida<strong>de</strong>, visto sob a perspectiva da proibição do excesso”,6 inclusive em relação<br />

a tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes.7<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, da mesma forma e alterando seu tradicional entendimento<br />

ao interpretar o princípio da não culpabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidiu pela não recepção do art.<br />

599 do CPP ( “Se o réu con<strong>de</strong>nado fugir <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver apelado, será <strong>de</strong>clarada <strong>de</strong>serta a<br />

apelação”).8 Igualmente, <strong>de</strong>clarou a impossibilida<strong>de</strong> da execução provisória da pena em<br />

face do mesmo princípio, tendo inclusive, a Corte <strong>de</strong>liberado pela possibilida<strong>de</strong> dos Mi­<br />

1 STF - 2a T. - HC 89.501 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 12-12-2006.<br />

2 STJ - 5a T. -R H C nD1.576 - SC - Rei. Min. José Dantas - v.u. -D iá rio da Justiça, 9 mar. 199 2- p . 2.588.<br />

3 TJSP, HC 79.434-3, I a Câm. Crim., Rei. Des. Jarbas M azzoni, j. 12-6-89, RJTJSP 121/352; TACrimSP, HC<br />

184.636-0, 9a Câm., Rei. Juiz M arrey Neto, j. 23-8-89,R T 649/275.<br />

4 STF, HC 69.696-SP, Tribunal Pleno, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, F T J 148/741; STF - I a T. - HC n2 69.026-2 -<br />

DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello - m.v .-D iá rio da Justiça, 4set. 1992, p. 14.091. No mesmo sentido: TJS C - Rec.<br />

8.715, I a Câm. - Rei. Des. Ernani Ribeiro, j. 1-6-89, R T 644/312.<br />

5 STF, HC 72.171-1-SP, I a T „ Rei. M in. Sydney Sanches, j. 22-8-95, DJU, 27 out. 1995, p. 36.332; STF - 2a<br />

T. - HC n;: 71.401-3/MS, Rei. M in. M aurício Corrêa, v . u Diário da Justiça, S eçã o I,8 set. 1995, p. 28.355.<br />

6 STF - HC n 2 100.362-MC/SP - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: l 2-9-2009.<br />

7 STF - P len o - HC 104339/SP - Rei. Min. Gilm ar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 10-5-2012 (in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do<br />

artigo 44 da Lei n D11. 343/06).<br />

8 STF - Pleno - HC n° 85961/SP, rei. Min. Marco Aurélio, 5.3.2009, Informativo STF n° 537. Conferir, ainda:<br />

HC nD84.078/MG, rei. Min. ErosGrau, 5 -2-2009, Informativo STF n° 534. Em sentido contrário, posicionamento<br />

anterior do STF já por apertada m aioria (6 x 5, tendo ficado vencidos os Ministros Maurício Corrêa, Francisco<br />

Rezek, Marco Aurélio, lim ar G alvão e Sepúlveda Pertence): STF - HC n° 72.366/S P-R el. Min. N éri da Silveira,<br />

<strong>de</strong>cisão: 13-9-95. Tam bém em sentido contrário ao atual entendimento do STF, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça


1 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

nistros relatores julgarem individualmente o mérito dos habeas corpus que versem sobre<br />

esse assunto, uma vez que é a posição pacificada na Corte.1<br />

O lançamento do nome do acusadono rol dos culpados viola o princípio <strong>constitucional</strong><br />

que, proclamado pelo art. 5S, inciso LVII, da Carta Política, consagra, em nosso sistema<br />

jurídico, a presunção ju ris tantum <strong>de</strong> não culpabilida<strong>de</strong> daqueles que figurem como réus<br />

nos processos penais con<strong>de</strong>natórios.<br />

27 AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA (ART. 5 1, LIX)<br />

No sistema jurídico brasileiro, por força da Constituição (art. 129,1), o processo<br />

criminal somente po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>flagrado por <strong>de</strong>núncia ou por queixa, sendo a ação penal<br />

pública privativa do Ministério Público. Não subsistem a portaria ou o auto <strong>de</strong> prisão em<br />

flagrante como procedimentos instauradores da ação penal.*12 Assim, tendo o Ministério<br />

Público requerido o arquivamento no prazo legal, não cabe ação privada subsidiária, ou<br />

a título originário (CPP, art. 29; CF, art. 5°, LIX),3 sendo essa manifestação irretratável,<br />

salvo no surgimento <strong>de</strong> novas provas.4<br />

O princípio é absoluto, tendo inclusive o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidido pela<br />

incompatibilida<strong>de</strong> do art 129, inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com os procedimentos<br />

especiais por crime <strong>de</strong> <strong>de</strong>serção, no ponto em que prescindiam da <strong>de</strong>núncia (Código <strong>de</strong><br />

Processo Penal, art. 451 ss) .s Desta forma, o referido procedimento não foi recepcionado<br />

pela nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>, sendo inaplicável sua previsão que permitia a instauração<br />

<strong>de</strong> procedimento, em ação penal pública, sem a intervenção do Ministério Público.6<br />

O mesmo se diga em relação ao procedimento por crime <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, em<br />

que somente a inércia do Parquet, ou seja, ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, promoção <strong>de</strong> arquivamento<br />

ou mesmo requisição <strong>de</strong> diligências, possibilitará a queixa-crime <strong>de</strong> que trata o<br />

art. 16 da Lei ns 4.898/65.7<br />

Como ressaltou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a admissibilida<strong>de</strong> da ação penal privada<br />

subsidiária da pública pressupõe, nos termos do art 5D, LIX, da CF a inércia do Ministério<br />

havia editado a Súmula 9: “ A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofen<strong>de</strong> a garantia <strong>constitucional</strong><br />

da presunção <strong>de</strong> inocência.”<br />

1 STF - Pleno - HCs nas91676/RJ, 92578/SP, 92691/SP, 92933/RJ, Rei. Min. RicardoLewandowski, 12.2.2009<br />

e RHC na93172/SP, Rei. Min. Cármen Lúcia, 12.2.2009. Informativo STF na 535.<br />

2 STJ, RHC 2363-0-DF.<br />

3 Prece<strong>de</strong>ntes do STF: A I 38.208; Inq. 215; HC 67.502; HC 68.540-DF, I a T „ Rei. Min. O ctávioG allotti, DJU,<br />

28 jun. 1991; R S T J 26/160, Rei. Min. José Dantas.<br />

4 STF - 2a T. - HC na 84.253/RO - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello - STF na 374, p. 4. Conferir, ainda: R T J 91/831;<br />

RTJ 106/1108; KTJ 134/720; STF - Pleno - Inquérito nE2028/BA - Rei. Min. Ellen Gracie - Rei. p/ o acórdão<br />

Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 28.4.2004, Informativo S T F na 345, p. 1. Nesse último julgamento, ressalte-se o<br />

entendimento da Ministra Ellen Gracie e do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello, pela possibilida<strong>de</strong> do juízo <strong>de</strong> retratabilida<strong>de</strong>,<br />

sem a exigência do surgimento <strong>de</strong> novas provas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que formulado antes da superveniência <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

judicial do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

5 KTJ, 149/825 - Rei. Min. Sepúlveda Pertence.<br />

6 STF - HC na 67.931/RS- Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 31 ago. 1990.<br />

7 STF - HC na 71.282-7 - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 18 nov. 1994, p. 31.392.


Direitos e Garantias Fundamentais 1 2 5<br />

Público em adotar, no prazo legal (CPP, art. 46), uma das seguintes providências: oferecer<br />

a <strong>de</strong>núncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou requisitar diligências.1<br />

Portanto, o art. 5B, UX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não constitui exceção ao art. 129,<br />

1, mas tão somente um mecanismo <strong>de</strong> freios e contrapesos <strong>constitucional</strong> ao exercício,<br />

por parte do Ministério Público, <strong>de</strong>ssa função <strong>constitucional</strong> que constitui ato <strong>de</strong> soberania,<br />

nunca permitido se o titular da ação penal pública manifestar-se, ou propondo a<br />

respectiva <strong>de</strong>núncia, ou ainda, promovendo o arquivamento ou requisitando diligências<br />

à autorida<strong>de</strong> policial, ou, nas infrações penais <strong>de</strong> menor potencial ofensivo, oferecendo<br />

a transação penal.<br />

28 PRISÃO CIVIL<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê no inciso LXVII, do art 5S, a disciplina e aplicabilida<strong>de</strong><br />

da prisão civil em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico. Em regra, não haverá prisão civil por<br />

dívida. Excepcionalmente, porém, em dois casos o texto permite a prisão civil <strong>de</strong>cretada<br />

pela autorida<strong>de</strong> judicial competente: inadimplemento voluntário e inescusável <strong>de</strong> obrigação<br />

alimentícia e <strong>de</strong>positário infiel.<br />

Na hipótese da prisão civü do <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong> alimentos, conforme <strong>de</strong>cidiu o Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, não se “exige o trânsito em julgado da <strong>de</strong>cisão que a <strong>de</strong>creta, tendo<br />

em vista seu caráter coercitivo - e não punitivo, como na prisão penal -, não havendo falar<br />

em aplicação, na espécie, do art. 5S, LVII, da CF/1988”, pois “tal exigência contrariaria<br />

a própria finalida<strong>de</strong> da constrição civil, que é compelir o executado a adimplir imediatamente<br />

a obrigação alimentícia”.12<br />

Hipóteses essas taxativas, impossibilitando seu alargamento por <strong>de</strong>terminação do<br />

legislador ordinário, uma vez que, qualquer equiparação legal à uma <strong>de</strong>ssas possibilida<strong>de</strong>s<br />

não retirará seu substrato <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> diretamente da Constituição e, consequentemente,<br />

será in<strong>constitucional</strong>, como ocorria com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão civü por falta <strong>de</strong><br />

pagamento <strong>de</strong> prestação alimentícia <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> ex <strong>de</strong>licto,<br />

ou ainda, a prisão civil do <strong>de</strong>vedor consi<strong>de</strong>rado por ficção legal, como <strong>de</strong>positário infiel<br />

em alienação fiduciária (Decreto-lei na 911/69) ;3 ou mesmo, na hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>positário<br />

consi<strong>de</strong>rada a cédula rural pignoratícia.4<br />

Especificamente em relação à possibüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão do <strong>de</strong>positário infiel, após quase<br />

20 anos <strong>de</strong> interpretação do texto <strong>constitucional</strong>, on<strong>de</strong> manteve sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

salientando que “ o <strong>de</strong>pósito judicial, enquanto obrigação legal que estabelece relação<br />

1 Informativo STF n2 43, STF - Habeas Corpus n2 74.276-RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, 3-9-95. Prece<strong>de</strong>ntes<br />

citados: Inq. 172-SP (R T J 112/474), HC 67.502-RJ (RTJ130/1084). Com base nesse entendimento, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong>feriuhabeas corpus im petrado contra acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do RioG ran<strong>de</strong><br />

do Sul que <strong>de</strong>terminara o prosseguimento <strong>de</strong> ação penal privada ajuizada contra o paciente após o arquivamento<br />

do inquérito policial or<strong>de</strong>nado em primeira instância a requerim ento do Ministério Público form ulado <strong>de</strong>ntro<br />

do prazo legal. Em consequência julgou-se extinta a ação penal privada m ovida contra o paciente.<br />

2 S T J - 3 a T. - HC 161217/SP - Rei. Min. Paulo <strong>de</strong> Tarso Sanseverino, <strong>de</strong>cisão: 8-2-2011.<br />

3 STF - Pleno - RE - 466.343/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, 3-12-2008.<br />

4 STF - Plen o - HC n° 92.566/SP - Rei. Min. M arco Aurélio, D /F-104,5-5-2009.


1 2 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

típica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público e <strong>de</strong> caráter processual entre o juízo da execução e o <strong>de</strong>positário<br />

judicial dos bens penhorados, permite a prisão civil. Nesse sentido, a instrumentalida<strong>de</strong><br />

do <strong>de</strong>pósito judicial não se faz em função <strong>de</strong> obrigação jurídica <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> contrato<br />

ou <strong>de</strong> interpretação extensiva, mas como <strong>de</strong>pósito necessário no qual a guarda dos bens<br />

penhorados objetiva garantir a opção futura do exequente quanto à adjudicação ou<br />

hasta pública, o que afastaria a aplicação do citado Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica”,1o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral passou a consi<strong>de</strong>rar, em face da EC n° 45/04 (§ 3a, art 5o),<br />

inconstitucionais todas as hipóteses <strong>de</strong> prisão civil <strong>de</strong> <strong>de</strong>positário infiel,12 qualquer que<br />

seja a modalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>pósito3 e, inclusive, <strong>de</strong>liberado o Tribunal pela possibilida<strong>de</strong> dos<br />

Ministros relatores julgarem individualmente o mérito dos habeas corpus que versem sobre<br />

esse assunto, uma vez que é a posição pacificada na Corte.4<br />

No Recurso Extraordinário n° 349.073/RS, o Plenário do STF <strong>de</strong>cidiu pela insubsistência<br />

da prisão civil do <strong>de</strong>positário infiel em face dos tratados internacionais <strong>de</strong> Direitos<br />

Humanos. Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Carlos Britto, “não há mais base legal para<br />

prisão civil do <strong>de</strong>positário infiel, pois o caráter especial <strong>de</strong>sses diplomas internacionais<br />

sobre <strong>direito</strong>s humanos lhes reserva lugar específico no or<strong>de</strong>namento jurídico, estando<br />

abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal<br />

dos tratados internacionais <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos subscritos pelo Brasil toma inaplicável<br />

a legislação infra<strong>constitucional</strong> com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato<br />

<strong>de</strong> a<strong>de</strong>são”.5<br />

Portanto, conforme salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “não mais subsiste, no<br />

sistema normativo brasileiro, a prisão civil por infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>positária, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito, trate-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito voluntário (convencional) ou<br />

cui<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito necessário, como o é o <strong>de</strong>pósito judicial”,6 uma vez que, conforme<br />

<strong>de</strong>stacado pelo Ministro Marco Aurélio, “a subscrição pelo Brasil do Pacto <strong>de</strong> São José da<br />

Costa Rica, limitando a prisão civil por dívida ao <strong>de</strong>scumprimento inescusável <strong>de</strong> prestação<br />

alimentícia, implicou a <strong>de</strong>rrogação das normas estritamente legais referentes à prisão<br />

do <strong>de</strong>positário infiel”,7 em razão, como ensinado pelo Ministro Cezar Peluso, “do status<br />

supralegal” do referido Pacto.8<br />

Nesses termos, nossa Corte Suprema editou a Súmula Vinculante n°25, afirmando<br />

que “é ilícita a prisão civil <strong>de</strong> <strong>de</strong>positário infiel, qualquer que seja a modalida<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>pósito”.<br />

1 STF - l aT. -R H C nQ90.759-R e i. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 15-5-2007 e Informativo STFnD457.<br />

2 S T F -P le n o -R E 349.703/RS - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 3-12-2008, DJE-104, publicado em 5-5-2009.<br />

Conferir, ainda: STF - Pleno - HC na 94.307/RS - Rei. Min. Cezar Peluso, DJE-084, 8-5-2009.<br />

3 Em posicionamentos anteriores, o STF <strong>de</strong>clarou constitucionais as prisões do <strong>de</strong>positário infiel (STF - l 8<br />

T .- R H C na 90.759 - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 15-5-2007) e do <strong>de</strong>positário infiel em alienação<br />

fiduciária (STF - RE 206.482-3/SP - Rei. Min. Maurício Corrêa, DJ, 5-9-2003).<br />

4 STF - Pleno - H C n a94.307/RS, Rei. Min. Cezar Peluso, 19-2-2009, Informativo STFn a536.<br />

5 STF - Pleno - RE 349.703/RS - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 3-12-2008, DJE-104, publicado em 5-5-2009.<br />

6 STF - 2a T. - HC n° 96.772/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJE-157, 21-8-2009.<br />

7 STF - l aT. - HC n a 89.634/SP - Rei. Min. M arco Aurélio, DJE-079,30-4-2009.<br />

8 STF - 2a T. - RE 404.275 AgR/M G - Rei. Min. Cezar Peluzo, DJE-071, 17-4-2009.


Direitos e Garantias Fundamentais 127<br />

29 ROL EXEMPLIFICATIVO<br />

Os <strong>direito</strong>s e garantias expressos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral não excluem outros <strong>de</strong> caráter<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>correntes do regime e dos princípios por ela adotados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

expressamente previstos no texto <strong>constitucional</strong>, mesmo que difusamente. Neste sentido,<br />

<strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (Adin nB 939-7/DF) ao consi<strong>de</strong>rar cláusula pétrea, e<br />

consequentemente imodiffcável, a garantia <strong>constitucional</strong> assegurada ao cidadão no art.<br />

150, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária), enten<strong>de</strong>ndo<br />

que ao visar subtraí-la <strong>de</strong> sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional nQ3, <strong>de</strong><br />

1993, <strong>de</strong>parando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4a, IV, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois,<br />

“admitir que a União, no exercício <strong>de</strong> sua competência residual, ainda que por<br />

emenda <strong>constitucional</strong>, pu<strong>de</strong>sse excepcionar a aplicação <strong>de</strong>sta garantia individual<br />

do contribuinte, implica em conce<strong>de</strong>r ao ente tributante po<strong>de</strong>r que o constituinte<br />

expressamente lhe subtraiu ao vedar a <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> emenda à constituição<br />

ten<strong>de</strong>nte a abolir os <strong>direito</strong>s e garantias individuais <strong>constitucional</strong>mente<br />

assegurados”.1<br />

Importante, também, ressaltar que, na citada Adin 939-07/DF, o Ministro Carlos Velloso12<br />

referiu-se aos <strong>direito</strong>s e garantias sociais, <strong>direito</strong>s atinentes à nacionalida<strong>de</strong> e <strong>direito</strong>s<br />

políticos como pertencentes à categoria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias individuais, logo, imodificáveis,<br />

enquanto o Ministro Marco Aurélio afirmou a relação <strong>de</strong> continência dos <strong>direito</strong>s<br />

sociais <strong>de</strong>ntre os <strong>direito</strong>s individuais previstos no art. 60, § 4a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3 *<br />

Além disso, a enumeração do art. 5S da Constituição não exclui a existência <strong>de</strong> outros<br />

<strong>direito</strong>s e garantias individuais, <strong>de</strong> caráter infra<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>corrente dos tratados<br />

internacionais em que a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil seja parte, como será analisado<br />

no capítulo <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

30 DIREITOS FUNDAMENTAIS E TRATADOS INTERNACIONAIS<br />

O § 2° do art. 5° da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que os <strong>direito</strong>s e as garantias expressos<br />

no texto <strong>constitucional</strong> não excluem outros <strong>de</strong>correntes dos tratados <strong>de</strong> que seja parte a<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil.<br />

A EC nE 45/04 estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s<br />

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,<br />

por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.<br />

1 Trecho do voto do Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Ementário<br />

ne 1.730-10/STF.<br />

2 Trecho do voto, no já citado Ementário na 1.730-10.<br />

3 Voto do M in. Marco Aurélio, no já citado Ementário nD1.730-10. N a doutrina, no mesmo sentido: DANTAS,<br />

Ivo. Op. cit. p. 308.


1 2 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Nesses termos, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo<br />

Facultativo, assinados em Nova York, em 30 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2007, que foi <strong>de</strong>vidamente<br />

incorporada ao nosso or<strong>de</strong>namento jurídico interno com status <strong>constitucional</strong> pelo Decreto<br />

Presi<strong>de</strong>ncial na 6.949, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2009.<br />

Em relação à incorporação e ao status dos tratados internacionais que versem sobre<br />

<strong>direito</strong>s humanos, conferir Capítulo 11, item 4.5.3 (Decreto legislativo e tratados e<br />

atos internacionais), e Capítulo 12, item 10.2.8 (Tratados internacionais e controle <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>) ,l<br />

<strong>de</strong> ATOS, TRATADOS<br />

Internacionais<br />

(CF, art. 84, VIII)<br />

Em <strong>de</strong>fesa da maior eficácia dos Direitos Humanos Fundamentais, a EC nQ45/04<br />

consagrou a submissão do Brasil à jurisdição <strong>de</strong> Tribunal Penal Internacional12 a cuja<br />

criação tenha manifestado a<strong>de</strong>são,3 bem como, no âmbito interno, previu, nas hipóteses<br />

<strong>de</strong> grave violação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos, a possibilida<strong>de</strong> do Procurador-Geral da República,<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar o cumprimento <strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> tratados internacionais<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos dos quais o Brasil seja parte, suscitar, perante o Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento<br />

<strong>de</strong> competência para a Justiça Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 109, § 5fi).4<br />

1 Em relação às dúvidas sobre a recepção <strong>de</strong> tratados internacionais em fa ce do § 4a, do art. 5a, da CF, conferir<br />

excelente estudo sobre o Tribunal Pen al Internacional, em <strong>de</strong>cisão m onocrática do M inistro Celso <strong>de</strong> M ello (Pet.<br />

4625/República do Sudão, DJE <strong>de</strong> 4-8-2009).<br />

2 O Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ainda não se m anifestou sobre a existência <strong>de</strong> sua com petência <strong>constitucional</strong><br />

para execu tar or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Estado Estrangeiro p o r <strong>de</strong>term inação do Tribunal Penal Internacional<br />

(Estatuto <strong>de</strong> R o m a ). O assunto perm anece em discussão (S T F - Pet nQ4.625/República do Sudão, R ei. Min.<br />

Ellen G racie - D ecisão proferid a p elo M in. Celso <strong>de</strong> M ello , j. 17-7-2009, DJE nQ145 <strong>de</strong> 4-8-2 009).<br />

3 D efen d en d o a n ecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m aior p roteção a o s D ireitos H um anos Fundam entais: D A LLA R I, D alm o <strong>de</strong><br />

Abreu. O po<strong>de</strong>r dos juizes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 36.<br />

4 Em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssa alteração, O scar V ilh ena V ieira aponta qu e “ mais constrangedor do qu e os atos <strong>de</strong> violên cia<br />

praticados nos massacres do Carandiru, Can<strong>de</strong>lária, Carajás ou Corum biara, som ente a im punida<strong>de</strong> com que


Direitos e Garantias Fundamentais 1 2 9<br />

Em grave ocorrência, envolvendo homicídio <strong>de</strong> vereador, reconhecido como <strong>de</strong>fensor<br />

dos Direitos Humanos e autor <strong>de</strong> inúmeras <strong>de</strong>núncias contra a atuação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> exter<br />

mínio na fronteira dos Estados da Paraíba e Pernambuco, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a<br />

pedido do Procurador-Geral da República e nos termos da previsão <strong>constitucional</strong> trazida<br />

pela EC 45/04, <strong>de</strong>slocou a competência para apuração dos fatos para a Justiça Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelaMinistra-relatoraLauritaVaz, “o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento<br />

<strong>de</strong> competência para a Justiça Fe<strong>de</strong>ral fundamenta-se, essencialmente, em três pressupostos:<br />

a existência <strong>de</strong> grave violação a <strong>direito</strong>s humanos; o risco <strong>de</strong> responsabilização<br />

internacional <strong>de</strong>corrente do <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> obrigações jurídicas assumidas em<br />

tratados internacionais; e a incapacida<strong>de</strong> das instâncias e autorida<strong>de</strong>s locais em oferecer<br />

respostas efetivas”.<br />

Reconhecendo a “notória a incapacida<strong>de</strong> das instâncias e autorida<strong>de</strong>s locais em<br />

oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precarieda<strong>de</strong> dos meios por elas<br />

próprias” e apontando que as circunstâncias exigem “a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações estatais<br />

firmes e eficientes, as quais, por muito tempo, as autorida<strong>de</strong>s locais não foram capazes<br />

<strong>de</strong> adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nação entre<br />

os órgãos dos dois Estados”, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça concluiu ser “oportuno e conveniente<br />

a imediata entrega das investigações e do processamento da ação penal em tela<br />

aos órgãos fe<strong>de</strong>rais”.*1<br />

têm sido agraciados seus responsáveis. A omissão das autorida<strong>de</strong>s estaduais em punir aqueles que violam os<br />

<strong>direito</strong>s humanos, não apenas constitui uma afronta moral às vítimas e a seus familiares, como coloca o governo<br />

brasileiro numa posição extrem am ente <strong>de</strong>licada frente à comunida<strong>de</strong> internacional” (VIEIRA, Oscar Vilhena.<br />

Que Reforma? U S P - Estudos avançados, v. 18, nB51, p. 205, maio/ago. 2004).<br />

1 STJ - 3a Seção - IDC (Instituto <strong>de</strong> Deslocamento <strong>de</strong> Competência) 2009/0121262-6 - Rei. Min. Laurita Vaz,<br />

DJe 22-11-2010.


Tutela Constitucional<br />

das Liberda<strong>de</strong>s -----<br />

1 H A B E A S C O R P U S<br />

1.1 Origem<br />

O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito Romano,1 pelo qual<br />

todo cidadão podia reclamar a exibição do homem livre <strong>de</strong>tido ilegalmente por meio <strong>de</strong><br />

uma ação privilegiada que se chamava interdictum <strong>de</strong> libero homine exhibendo. Ocorre,<br />

porém, que a noção <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da Antiguida<strong>de</strong> e mesmo da Ida<strong>de</strong> Média em nada se<br />

assemelhava com os i<strong>de</strong>ais mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>, pois, como salientado por Pontes <strong>de</strong><br />

Miranda, naquela época, “os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar-<br />

lhes serviços”.12<br />

A origem mais apontada pelos diversos autores é a Magna Carta, em seu capítulo<br />

XXIX, on<strong>de</strong>, por pressão dos barões, foi outorgada pelo Rei João Sem Terra em 19 <strong>de</strong><br />

junho <strong>de</strong> 1215 nos campos <strong>de</strong>Runnymed, na Inglaterra. Por fim, outros autores apontam<br />

a origem do habeas corpus no reinado <strong>de</strong> Carlos II, sendo editada a Petition ofRights, que<br />

culminou com o Habeas Corpus Act <strong>de</strong> 1679. Mas a configuração plena do habeas corpus<br />

não havia, ainda, terminado, pois até então somente era utilizado quando se tratasse <strong>de</strong><br />

pessoa acusada <strong>de</strong> crime, não sendo utilizável em outras hipóteses. Em 1816, o novo H a­<br />

beas Corpus Act inglês ampliou o campo <strong>de</strong> atuação e incidência do instituto, para colher<br />

a <strong>de</strong>fesa rápida e eficaz da liberda<strong>de</strong> individual.<br />

No Brasil, embora introduzido com a vinda <strong>de</strong> D. João VI, quando expedido o Decreto<br />

<strong>de</strong> 23-5-1821, referendado pelo Con<strong>de</strong> dos Arcos, e implícito na Constituição Imperial <strong>de</strong><br />

1824, que proibia as prisões arbitrárias, e nas codificações portuguesas, o habeas corpus<br />

surgiu expressamente no <strong>direito</strong> pátrio no Código <strong>de</strong> Processo Criminal <strong>de</strong> 29-11-1832,<br />

e elevou-se a regra <strong>constitucional</strong> na Carta <strong>de</strong> 1891, introduzindo, pela primeira vez, o<br />

instituto do habeas corpus.<br />

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada em 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

1948, estabeleceu no seu art. 8a:<br />

1 PACHECO, J. E. <strong>de</strong> Carvalho. Habeas corpus. Curitiba: Juruá, 1983. p. 16.<br />

2 M IRAND A, Pomes. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1946. R io <strong>de</strong> Janeiro: Henrique Cahem, 1946. p. 303.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 3 1<br />

“Toda pessoa tem <strong>direito</strong> a um recurso efetivo ante os tribunais competentes que a<br />

ampare contra atos violatórios <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s fundamentais, reconhecidos pela<br />

Constituição e pelas leis.”<br />

Como anota Alcino Pinto Falcão,<br />

“a garantia do habeas corpus tem um característico que a distingue das <strong>de</strong>mais: é<br />

bem antiga mas não envelhece. Continua sempre atual e os povos que a não possuem,<br />

a rigor não são livres, não gozam <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> individual, que fica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo e não da apreciação obrigatória, nos casos <strong>de</strong> prisão, por parte<br />

do juiz competente”.1<br />

1.2 Conceito e finalida<strong>de</strong><br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê no art. 5a, LXVIII, que conce<strong>de</strong>r-se-á habeas corpus<br />

sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado <strong>de</strong> sofrer violência ou coação em sua<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

O sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão somente à pessoa física,<br />

seja brasileiro ou estrangeiro em território nacional12<br />

Habeas corpus eram as palavras iniciais da fórmula do mandado que o Tribunal concedia<br />

e era en<strong>de</strong>reçado a quantos tivessem em seu po<strong>de</strong>r ou guarda o corpo do <strong>de</strong>tido, da<br />

seguinte maneira: “Tomai o corpo <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>tido e vin<strong>de</strong> submeter ao Tribunal o homem e<br />

o caso.” Também se utiliza, genericamente, a terminologia writ, para se referir ao habeas<br />

corpus. O termo writ é mais amplo e significa, em linguagem jurídica, mandado ou or<strong>de</strong>m<br />

a ser cumprida.3<br />

Portanto, o habeas corpus é uma garantia individual ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> locomoção, consubstanciada<br />

em uma or<strong>de</strong>m dada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou<br />

coação à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção em sentido amplo - o <strong>direito</strong> do indivíduo <strong>de</strong> ir, vir e ficar.<br />

Ressalte-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, expressamente, prevê a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção<br />

no território nacional em tempo <strong>de</strong> paz, po<strong>de</strong>ndo qualquer pessoa, nos termos da lei,<br />

nele entrar, permanecer ou <strong>de</strong>le sair com seus bens (CF, art. S2, XV). A lei exigida pelo<br />

referido inciso <strong>de</strong>verá regulamentar tanto as restrições ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> locomoção interna,<br />

em tempo <strong>de</strong> guerra, quanto ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> locomoção através das fronteiras nacionais em<br />

tempo <strong>de</strong> guerra ou paz, uma vez que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> migrar é sujeito a maiores limitações.<br />

Como ressalta porém Pontes <strong>de</strong> Miranda no tocante à abrangência do instituto, “a<br />

ilegalida<strong>de</strong> da prisão po<strong>de</strong> não consistir na prisão mesma, porém no processo do acusado,<br />

que corra, por exemplo, perante juiz incompetente”, e conclui que o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral “conce<strong>de</strong>ra a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> habeas corpus, não para que se soltasse o réu, e sim para<br />

1 FALCÃO, Alcino Pinto. Op. cit. p. 295.<br />

2 STF, 2a T „ HC 102041/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, 20-4-2010.<br />

3 M IRANDA, Pontes <strong>de</strong>. História e prática do habeas corpus. 4. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Borsoi, 1962. p. 74.


1 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

que fosse processado por juiz competente, anulando-se a sentença con<strong>de</strong>natória, se houvesse,<br />

e todo o processado”.1<br />

Essa é a tendência atual do habeas corpus, que é meio idôneo para garantir todos<br />

os <strong>direito</strong>s do acusado e do sentenciado relacionados com sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção,12<br />

ainda que pu<strong>de</strong>sse, como salienta Celso <strong>de</strong> Mello, “na simples condição <strong>de</strong> <strong>direito</strong>-meio,<br />

ser afetado apenas <strong>de</strong> modo reflexo, indireto ou oblíquo”.3<br />

O habeas corpus não po<strong>de</strong>rá ser utilizado para a correção <strong>de</strong> qualquer inidoneida<strong>de</strong><br />

que não implique coação ou iminência direta <strong>de</strong> coação à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e vir,4 assim,<br />

por exemplo, não caberá habeas corpus para questionar pena pecuniária (Súmula STF<br />

693)5 ou quando já extinta a pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> (Súmula STF 695),6 ou ainda<br />

o habeas corpus não é a medida cabível para trancamento <strong>de</strong> processo administrativo7<br />

ou para sustar <strong>de</strong>cisão judicial que <strong>de</strong>terminou afastamento liminar <strong>de</strong> cargo público.8<br />

Igualmente, não será cabível à pessoa jurídica figurar como paciente na impetração <strong>de</strong><br />

habeas corpus, pois não há possibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> proteção a uma inexistente liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> locomoção.9<br />

Na apreciação <strong>de</strong> habeas corpus, o órgão competente para seu julgamento não está<br />

vinculado à causa <strong>de</strong> pedir e pedido formulados. Havendo, pois, a convicção sobre a existência<br />

<strong>de</strong> ato ilegal não veiculado pelo impetrante, cumpre-lhe afastá-lo, ainda que isto<br />

implique concessão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m em sentido diverso do pleiteado, conforme <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>-se<br />

do art. 654, § 2a, do Código <strong>de</strong> Processo Penal.10<br />

Assim, na <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, cabe ao Po<strong>de</strong>r Judiciário consi<strong>de</strong>rar<br />

ato <strong>de</strong> constrangimento que não tenha sido apontado na petição inicial, inclusive com a<br />

1 MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Comentários... Op. dt. p. 323.<br />

2 STF, I a T., HC 116472/SP, Rei. M in. Marco Aurélio, julgam ento: 5-11-2013; STF, 2aT .,A I 856301 ED-AgR/<br />

RS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgam ento: 26-11-2013; STF, 2a T., HC 118287/PR, Rei. Min. Ricardo<br />

Lewandowski, 24-9-2013; STJ, RHC n“ 2.238-7 RS, 6a T., Rei. Org. Min. José Cândido, Rei. Des. Min. Vicente<br />

Cernicchiaro, maioria, j. 30-11-92, Diário da Justiça, Seção I, <strong>de</strong> 29-3-93, p. 5.267.<br />

3 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 459.<br />

4 STF, I a T., HC 119060/RS, Rei. M in. Dias Toffoli, 22-10-2013; STF, 2a T., RE 597365 AgR-AgR/ES, Rei.<br />

Min. Ricardo Lewandowski, julgamento: 6-11-2013; STF - I a T. - HC n2 69.419-5 - MS - Rei. Min. Sepúlveda<br />

Pertence - v.u. -D iá rio da Justiça, Seção 1,28-8-92 - p . 13.455; STF - 2a T. - HC na 69.185-4 - PR - Rei. Min.<br />

Célio B o rja -v.u . - Diário da Justiça, Seção 1,8-5-92- p . 6.267.<br />

5 STF, 2a T., HC 110946/RS, Rei. M in. Ayres Britto, 29-11-2011; STF - HC na 74.002-2/SP, l a T., Rei. Min.<br />

lim ar G alvão, Diário da Justiça, Seção I, 30 ago. 1996, p. 30.606.<br />

6 STF, I aT , RH C 107855 AgR/DF, R ei. M in. Luiz Fux, 5-11-2013.<br />

7 STF - I a T. - HC 100.664/DF - Re!. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 2-12-2010.<br />

8 STF, I a T., HC 110537 AgR/DF, Rei. M in. Roberto Barroso, 22-10-2013.<br />

9 STF - Pleno - HC n292.921/BA - Rei. M in. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 19-8-2008.<br />

10 STF - 2a T. - HC n ° 69.421-SP - Rei. M in. Marco Aurélio - v.u.-D iário da Justiça, Seção 1,28-8-92 - p. 13.455.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 3 3<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão d e habeas corpus <strong>de</strong> ofício.1Da mesma forma, po<strong>de</strong> atuar no<br />

tocante à extensão da or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong>ferindo-a aquém ou além do que pleiteado.12<br />

Ainda em <strong>de</strong>fesa da garantia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locom oção, concedida or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

habeas corpus com base em motivos que não sejam exclusivamente <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pessoal,<br />

<strong>de</strong>ve ser estendida aos corréus na conformida<strong>de</strong> do disposto no art. 580 do Código <strong>de</strong><br />

Processo Penal.3<br />

Em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus inexiste a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reexame da análise probatória4<br />

ou mesmo <strong>de</strong> dilação probatória visando reparar-se erro judiciário,5 em face <strong>de</strong> seu caráter<br />

sumaríssimo.6 Desta maneira, o habeas corpus mostra-se inidôneo para anular sentença<br />

com trânsito em julgado, ao argumento <strong>de</strong> que seria contrária à evidência dos autos,<br />

pois implica no reexame <strong>de</strong> toda a prova. A via indicada é a revisão criminal.7 Excepcionalmente,<br />

porém, o habeas corpus presta-se para corrigir erro manifesto da sentença na<br />

fixação da pena.8<br />

Não se conhece, em regra, <strong>de</strong> habeas corpus cujos fundamentos sejam mera repetição<br />

das razões utilizadas em impetração anterior, já in<strong>de</strong>ferida.9 Tendo, porém,<br />

o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em caráter excepcional, concedido liminar negada em<br />

1 C on form e enten<strong>de</strong>u o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “ aju rispru dên cia <strong>de</strong>sta C orte tem adm itido que se conceda<br />

h a b e a s c o r p u s <strong>de</strong> o fíc io , ainda quando o p ed id o o rig in á rio não possa ser conhecido” (R T 6 5 0 / 3 31). Con ferir,<br />

nesse sentido: STF, 1* T „ H C 114464/SP, Rei. M in. M arco A u rélio, 8-10-2013; STJ, 6a T „ H C 217226/PE, R ei.<br />

M in. O g Fern an <strong>de</strong>s, D J e 27-2-2012.<br />

2 STF - 2aT , - H C n a 69.172-2/RJ - R e i. M in . M arco A u rélio - D iário da Justiça, Seção 1 ,14-8-92, p. 12.226;<br />

S TF - 2a Turm a - H C na 69.342-3/SP - R e i . M in . M arco A u rélio - Diário da Justiça, Seção 1,21-8-92, p. 12.784-<br />

12.785; STF - 2a T. - H C na 69.421/SP - Rei. M in . M arco A u ré lio -D iá rio da Justiça, Seção 1,28-8-92, p. 13455.<br />

3 STJ, 5a T .,H C 147903/BA, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 10-10-2011; STJ, 6a T „ PExtDe no HC 159 952/SP,R el.<br />

M in. Celso L im o n g i (D esem bargador convocado d o TJ/S P), DJe 1-2-2011; STJ - 6 a T. - H C na 1.005 - RJ - R ei.<br />

M in . Costa Leite - v.u. - Diário da Justiça, Seção 1,9-3-92 - p. 2.592.<br />

4 STF, 2a T., R H C 118381/SP, R ei. M in . Ricardo Lew andow ski, 12-11-2013; STF, I a T „ H C 114889 AgR/SP,<br />

Rei. M in . Luiz Fux, 10-9-2013; STF - Plen ário - HC na 68.987-6 - S P - R ei. M in . M arco A u rélio - v.u. - Diário da<br />

Justiça, S eção 1 ,13-3-92 - p. 2.924; STF - 2a T . - HC na 69.534 - S P - R ei. M in. N é ri da S ilveira - v .u .-D iá rio da<br />

Justiça, Seção 1,2-10-92 - p. 16.845; STJ, 6a T „ H C 169404/SP, R ei. M in. M a rilza M a yn a rd (D ESEM BARGAD O RA<br />

C O N V O C A D A D O TJ/SE), DJe 12-12-2013; STJ, 5a T „ H C 241664/RJ, R ei. M in . Laurita V az, DJe 12-12-2013;<br />

STJ - 6 aT. - R H C n ° 2.315-0 - D F - Rei. M in. Pedro A cio li - v.u. - Diário da Justiça, Seção 1,23-11-92 - p. 21.902;<br />

S T J - 5 a T .- R H C nQ 1 .7 6 7 - 0 - S P - R e i. M in . Edson V id ig a l- v .u .-D iá rio da Justiça, Seção I,5 - 1 0 - 9 2 - p . 17.111;<br />

STJ - 5a T. - RH C 1.987-0-M G - R ei. M in . Assis T o led o - Diário da Justiça, Seção 1,29-6-92, p. 10.331; STJ, HC<br />

nQ 1 6 1 9 -0 - S P , 5a T , R ei. M in . Costa L im a , v.u., j . 16-12-92, D iário da Justiça, Seção I, <strong>de</strong> 15-2-93, p. 1.690.<br />

5 STJ, 6a T., H C 153670/M G , R ei. M in . Sebastião Reis Junior, DJe 24-9-2012. N a doutrina, c o n fe r ir GRECCO<br />

FILH O , V icen te. Manual <strong>de</strong> processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 394.<br />

6 STF - I a T. - HC 68.397-5-D F - R ei. M in . Celso d e M ello -D iá rio da Justiça, Seção 1 ,26-6-92, p. 10.105. No<br />

caso em questão, o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, excepcionalm ente, au torizou a realização d e com paração pericial<br />

das individuais dactiloscópicas, para co m provação d e hom oním ia.<br />

7 STJ, 5a T., H C 122094/SP, R ei. M in. M arco A u rélio B ellizze, D J e 14-12-2011; S T J - 5a T. - HC 936-SP - Rei.<br />

M in. C osta Lim a, D i á r i o d a J u s t i ç a , Seção I, 9-3-92, p. 2.587.<br />

8 STJ, 5a T ., H C 138190/SP, R e i. M in . Felix Fischer, D J e 3-5-2010; STJ - 5aT . - R H C 1.712-M G - R e i. M in .<br />

Costa Lim a - D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 9-3-92, p. 2.589.<br />

9 STJ - 6a T. - RHC nQ1.422 - M G - Rei. M in . Carlos Thibau - v.u . - D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1,6-4-92 - p . 4.506.


1 3 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

outro habeas corpus quando o ato coator apresente manifesta ilegalida<strong>de</strong>, com efeitos<br />

danosos irreparáveis.1<br />

1.3 Natureza jurídica<br />

O habeas corpus é uma ação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> caráter penal e <strong>de</strong> procedimento especial,<br />

isenta <strong>de</strong> custas12 e que visa evitar ou cessar violência ou ameaça na liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

locomoção, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Não se trata, portanto, <strong>de</strong> uma espécie <strong>de</strong><br />

recurso, apesar <strong>de</strong> regulamentado no capítulo a eles <strong>de</strong>stinado no Código <strong>de</strong> Processo<br />

Penal.3<br />

1.4 Garantia <strong>constitucional</strong> da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra o <strong>direito</strong> à livre locomoção no território nacional em<br />

tempo <strong>de</strong> paz, autorizando diretamente a qualquer pessoa o ingresso, a saída e a permanência,<br />

inclusive com os próprios bens (CF, art. 52, XV)-4<br />

Em caso <strong>de</strong> guerra, contrario sensu do próprio texto <strong>constitucional</strong>, haverá possibilida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> maior restrição legal que, visando à segurança nacional e à integrida<strong>de</strong> do<br />

território nacional, po<strong>de</strong>rá prever hipóteses e requisitos menos flexíveis.<br />

O <strong>direito</strong> à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção resulta da própria natureza humana, como já salientado<br />

por Pimenta Bueno, em comentário à Constituição do Império, no qual ensinava<br />

que, “posto que o homem seja membro <strong>de</strong> uma nacionalida<strong>de</strong>, ele não renuncia por isso<br />

suas condições <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, nem os meios racionais <strong>de</strong> satisfazer a suas necessida<strong>de</strong>s ou<br />

gozos. Não se obriga ou reduz à vid a vegetativa, não tem raízes, nem se pren<strong>de</strong> à terra<br />

como escravo do solo. A faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> levar consigo seus bens é um respeito <strong>de</strong>vido ao<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>”.5<br />

Esse raciocínio é com plem entado por Canotilho e Moreira, ao afirmarem que “ a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação interna e <strong>de</strong> residência e a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocação transfrontei-<br />

1 STJ - 5 -T . - HC n 5 1.507-0/PB - R ei. M in . Assis Toled o - Diário da Justiça, Seção 1 ,16-11-92, p. 21.151.<br />

2 CF, art. 5°, L X X V I I- “ são gratuitas as ações <strong>de</strong> habeas cor puse habeas data, e, n a form a da lei, os atos necessários<br />

ao exercício da cidadania” .<br />

3 C R E TE LLA JR., José. Os "W rits” na Constituição <strong>de</strong> 1988. 2. ed. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1996,<br />

p. 144; BASTOS, Celso; M A R TIN S , Iv es G a n d ra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva,<br />

1988. v. 2, p. 316; A M A R A L SAN TO S, M oacyr. R D P 17/11; M IRABETE , J u lio Fabrinni. Processo Penal.<br />

São Paulo: A tlas, 1991. p. 677; LÚ CIO N O G U EIRA, Pau lo. Instrumentos <strong>de</strong> tutela e <strong>direito</strong>s constitucionais. São<br />

Paulo: Saraiva, 1994, p. 9; GRECCO FILH O , V icente. Manual <strong>de</strong>... O p .c it.p . 391. TO U R IN H O FILH O , Fernando<br />

da Costa. Processo penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 424. v. 4.<br />

4 Cf. leg isla çã o ord in á ria : L e i n Q6.8 15/80 (E statu to dos E stra n geiro s), re g u la m en ta d o p e lo D ecreto n Q<br />

86.715/81 (d e fin e a situação ju ríd ica do estran geiro no Brasil e cria o Conselho N a cio n al <strong>de</strong> Im ig ra ç ã o ); Lei nQ<br />

7.685/88 (d isp õe sobre o registro provisório para o estrangeiro em situação ilegal em território n acion a l); Lei<br />

n a 9.076/95 (a ltera dispositivos do Estatuto dos Estrangeiros).<br />

5 BUENO, Pim enta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. R io <strong>de</strong> Janeiro: M in istério da<br />

Justiça e N egócios Interiores, 1958. p. 388.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 135<br />

ras constituem, em certa medida, simples corolários do <strong>direito</strong> à liberda<strong>de</strong>”,1e por Paolo<br />

Barile, que relaciona esse <strong>direito</strong> com a própria dignida<strong>de</strong> e personalida<strong>de</strong> humanas.12<br />

Dessa forma, po<strong>de</strong>mos concluir que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção engloba quatro situações:<br />

• <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso e ingresso no território nacional;<br />

• <strong>direito</strong> <strong>de</strong> saída do território nacional;<br />

• <strong>direito</strong> <strong>de</strong> permanência no território nacional;<br />

• <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong>ntro do território nacional.<br />

A <strong>de</strong>stinação <strong>constitucional</strong> do <strong>direito</strong> à livre locomoção abrange tanto os brasileiros<br />

quanto os estrangeiros, sejam ou não resi<strong>de</strong>ntes no território nacional, conforme já estudado<br />

no item 4 do Capítulo 3, sobre os <strong>de</strong>stinatários dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais<br />

consagrados no art. 5S da CF.<br />

Trata-se, porém, <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia contida, cuja lei ordinária po<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>limitar a amplitu<strong>de</strong>, por meio <strong>de</strong> requisitos <strong>de</strong> forma e fundo, nunca, obviamente, <strong>de</strong><br />

previsões arbitrárias. Assim, po<strong>de</strong>rá o legislador ordinário estabelecer restrições referentes<br />

a ingresso, saída, circulação interna <strong>de</strong> pessoas e patrimônio.<br />

Conforme proclamou o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “a liberda<strong>de</strong> é indisponível no<br />

Estado <strong>de</strong> Direito Democrático”;3 não cabendo a nenhuma autorida<strong>de</strong>, inclusive do Executivo<br />

e Judiciário, “assenhorar-se das prerrogativas do Legislativo, criando novas formas<br />

inibidoras ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ir e vir, sem a <strong>de</strong>vida fundamentação e forma prescrita em lei”.4<br />

Além disso, o próprio texto <strong>constitucional</strong>, em hipótese excepcional, limita o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

locomoção, ao prever no art. 139 a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, na vigência do estado <strong>de</strong> sítio <strong>de</strong>cretado,<br />

ser fixada obrigação <strong>de</strong> as pessoas permanecerem em localida<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada.<br />

1.5 Legitimida<strong>de</strong> ativa<br />

A legitimida<strong>de</strong> para ajuizamento do habeas corpus é um atributo <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>,<br />

não se exigindo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estar em juízo, nem a capacida<strong>de</strong> postulatória, sendo<br />

uma verda<strong>de</strong>ira ação penal popular.<br />

Assim, qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong><br />

civil, política, profissional, <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, sexo, profissão, estado mental, po<strong>de</strong> fazer uso do<br />

habeas corpus, em benefício próprio ou alheio (habeas corpus <strong>de</strong> terceiro). Não há impedimento<br />

para que <strong>de</strong>le se utilize pessoa menor <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, insana mental, mesmo sem estarem<br />

1 CANOTILH O , J. J. Gomes, M O REIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra:<br />

Coimbra Editora, 1993. p. 251.<br />

2 BARILE, Paolo. D i r i t t i <strong>de</strong>Wuomo e lib e r t à f o n d a m e n t a li. Bolonha: II M olino, 1984. p. 172.<br />

3 E m e n t á r io S T J n° 13/212 -H C n° 3.287-0 - RJ. Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. 6aT. Unânime. D J 19-6-<br />

95. Conferir, ainda: STJ - 6aT. -R H C n ° 2.107-3/PI - Rei. Min. Vicente Cernicchiaro-Em entário STJ, 06/664;<br />

STJ - 6a T. - HC n2 1.527-6/RS - Rei. Min. Vicente Cernicchiaro - E m e n t á r io S T J , 07/296.<br />

4 STJ - 6a T. - RHC n° 1.944/SP - Rei. Min. Pedro Acioli, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 24 ago. 1992, p. 13.001.


136 Direito Constitucional • Moraes<br />

representados ou assistidos por outrem. O analfabeto, também, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que alguém assine<br />

a petição a rogo, po<strong>de</strong>rá ajuizar a ação <strong>de</strong> habeas corpus.<br />

A impetração <strong>de</strong> habeas corpus, pela própria parte, a seu favor ou <strong>de</strong> terceiro,1conforme<br />

possibilita o or<strong>de</strong>namento processual penal, não fere o disposto no art. 133 da Carta<br />

Magna, posto que esse dispositivo não obriga o patrocínio judicial por advogado, pois<br />

sua interposição há que ser feita à luz do princípio do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa assegurada <strong>constitucional</strong>mente<br />

(art. 5e, LVj, que inclui, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, o <strong>direito</strong> à auto<strong>de</strong>fesa.12<br />

A impetração <strong>de</strong> habeas corpus por pessoajurídica divi<strong>de</strong> a doutrina e jurisprudência,<br />

ora incluindo-as3 como legitimadas, ora excluindo-as4 por ausência <strong>de</strong> previsão <strong>constitucional</strong>.<br />

Conforme já salientamos ao analisar o caput do art. 5Cda Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

a pessoajurídica <strong>de</strong>verá usufruir <strong>de</strong> todos os <strong>direito</strong>s e garantias individuais compatíveis<br />

com sua condição. Dessa forma, nada impe<strong>de</strong> que ela ajuize habeas corpus em favor <strong>de</strong><br />

terceira pessoa ameaçada ou coagida em sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção.<br />

Assim, concluímos com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o habeas corpus ser impetrado por pessoa<br />

jurídica, em favor <strong>de</strong> pessoa física. Obviamente, não será cabível à pessoajurídica figurar<br />

como paciente na impetração <strong>de</strong> habeas corpus, por inexistência fática <strong>de</strong> ameaça ou lesão<br />

à uma inexistência liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção.5<br />

Nesse sentido, nossa Suprema Corte <strong>de</strong>cidiu pelo não cabimento <strong>de</strong> habeas corpus em<br />

favor <strong>de</strong> pessoajurídica acusada da prática <strong>de</strong> crime ambiental, uma vez que, “segundo<br />

o or<strong>de</strong>namento jurídico pátrio e a partir da Constituição, não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa<br />

jurídica que se encontre no polo passivo <strong>de</strong> ação penal valer-se do habeas corpus porque<br />

o bem jurídico por ele tutelado é a liberda<strong>de</strong> corporal, própria das pessoas naturais”.6<br />

O promotor <strong>de</strong> justiça po<strong>de</strong>, igualmente, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão do Ministério Público,<br />

impetrar habeas corpus, tanto perante o juízo <strong>de</strong> primeiro grau, quanto perante os<br />

tribunais locais,7 conforme expressamente prevê o art. 32 da Lei Orgânica Nacional do<br />

Ministério Público (Lei ne 8.625, <strong>de</strong> 12-2-1993);8 e, inclusive, perante o Supremo Tribunal<br />

1 STF - R T 631/389.<br />

2 STJ - 5aT. - RHC n° 1.701 - C E -R e i. Min. Flaquer Scartezzini - v.u. - D i á r i o d a Justiça, Seção I, 4-5-92 - p.<br />

5.895.<br />

3 STJ - 5a T. - RHC n“ 3.716-41PR- Rei. Min. Jesus da Costa Lima, E m e n t á r io , 10/680; R T 598/322; R J T J S P<br />

126/519. E ainda, R T 655/288, que assim se manifestou: “não há dúvida <strong>de</strong> que a pessoa jurídica po<strong>de</strong> impetrar<br />

h a b e a s corpus, mas aquele que a representa legalmente <strong>de</strong>ve, <strong>de</strong> plano ou no prazo assinado, comprovar isto.<br />

Se o signatário da inicial não comprova a condição invocada, <strong>de</strong> rigor o não conhecim ento do writ". No mesmo<br />

sentido: JESUS, Damásio E. Código d e p r o c e s s o ... Op. cit. p. 451; FERREIRA, Pinto. Comentários... Op. cit. v. 1,<br />

p. 201; MIRABETE, Julio Fabbrini. P ro c e s s o p e n a l... Op. cit. p. 678.<br />

4 RT 591/369.<br />

5 STF - Pleno - HC n° 92.921/BA - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 19-8-2008.<br />

6 STF - I a T. - HC na 88.747Agr/ES - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2009. Informativo STF ns 559.<br />

7 JESUS, Damásio E. Código <strong>de</strong> p r o c e s s o ... Op. cit. p. 451; TO U RINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo<br />

p e n a l... Op. cit. p. 427. Ainda nesse sentido: R T 603/432; 608/301; 552/284.<br />

8 Lei nD8.625/93 - art. 32 - Além <strong>de</strong> outras funções cometidas nas Constituições Fe<strong>de</strong>ral e Estadual, na Lei O r­<br />

gânica e <strong>de</strong>mais leis, compete aos Promotores <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas esferas <strong>de</strong> atribuições: I - impetrar h a b e a s<br />

c o r p u s e mandado <strong>de</strong> segurança e requerer correição parcial, inclusive perante os Tribunais locais competentes.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 137<br />

Fe<strong>de</strong>ral.1 Diferente é o caso do magistrado, que, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Juiz, po<strong>de</strong>rá concedê-lo<br />

<strong>de</strong>ofício, não po<strong>de</strong>rá jamais impetrar habeas corpus.12<br />

Em relação aos membros do Ministério Público, importante ressaltar que, apesar <strong>de</strong><br />

disporem genericamente <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> ativa ad causam para o ajuizamento da ação<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> habeas corpus em favor <strong>de</strong> terceiros,3 no caso concreto <strong>de</strong>verá ser analisada<br />

a finalida<strong>de</strong> buscada pelo Parquet. Assim, o citado writ nunca po<strong>de</strong>rá ser utilizado<br />

para tutela dos <strong>direito</strong>s estatais na persecução penal, em prejuízo do paciente, com claro<br />

<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> sua finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tutelar a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção do paciente, sob pena <strong>de</strong><br />

não conhecimento do pedido. Desta forma, para certificar-se da fiel observância finalística<br />

do habeas corpus impetrado pelo Ministério Público, <strong>de</strong>verá o paciente manifestar-se<br />

previamente, para que esclareça se está ou não <strong>de</strong> acordo com a impetração. Conforme<br />

<strong>de</strong>cidiu o Pretório Excelso, “a impetração do habeas corpus, com <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> sua finalida<strong>de</strong><br />

jurídico-<strong>constitucional</strong>, objetivando satisfazer, ainda que por via reflexa, porém <strong>de</strong> modo<br />

ilegítimo, os interesses da acusação, <strong>de</strong>scaracteriza a essência <strong>de</strong>sse instrumento exclusivamente<br />

vocacionado a proteção da liberda<strong>de</strong> individual”.4<br />

A impetração <strong>de</strong> habeas corpus por estrangeiros em causa própria é inquestionável,<br />

uma vez que essa ação <strong>constitucional</strong> po<strong>de</strong> ser utilizada por qualquer pessoa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da condição jurídica resultante <strong>de</strong> sua origem nacional, porém, exige-se que a petição<br />

esteja redigida em português, sob pena <strong>de</strong> n ão conhecimento do writ <strong>constitucional</strong>.5<br />

Ainda em relação à impetração do habeas corpus, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite-a<br />

mediante fax, condicionando seu conhecimento a que seja ele ratificado pelo impetrante<br />

no prazo concedido pelo Ministro-relator.6 O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, com base em<br />

sua orientação predominante, editou a Resolução na 43, <strong>de</strong> 23-10-1991, do Tribunal Pleno<br />

(.Diário da Justiça, 24 out. 1991), autorizando a recusa do peticionamento formulado via<br />

fax, sem a <strong>de</strong>vida autenticação dos originais.7<br />

Enten<strong>de</strong>-se, também, que não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impetração apócrifa, não assinada<br />

pelo impetrante e que não contenha qualquer autenticação.<br />

1 Em relação à legitim ida<strong>de</strong> do Ministério Público <strong>de</strong> prim eira instância para ajuizar HC diretam ente no STF<br />

no interesse da acusação: STF - 2 a T. - HC n“ 91.5 0 9 / R N - Rei. Min. ErosGrau, <strong>de</strong>cisão: 27-10-2009.<br />

2 RT262/60; 527/455.<br />

3 Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “ o M P estadual é parte legítim a para impetrar habeas<br />

c o r p u s . Evi<strong>de</strong>nte a inocência do paciente, é <strong>de</strong> se trancar a ação penal por falta <strong>de</strong> justa causa” (S TJ - 5a T. - RHC<br />

n“ 4.620/RS - Rei. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 6 out. 1997, p. 50.010).<br />

4 STF - HC na 75.347-7/MG - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 5 nov. 1997. No mesmo<br />

sentido, cf.: RTJ 147/233 e 161/475.<br />

5 STF - HC n“ 72.391-8, Plenário, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, v.u., DJU, 17 mar. 1995, p. 5.791; STF - HC n°<br />

94.404 MC/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Informativo STF n° 516.<br />

6 I n f o r m a t i v o STF n " 45: STF - Habeas Corpus n " 74.221-AL, Rei. M in . lim ar G alvão, 17-9-96. Prece<strong>de</strong>nte<br />

citado: HC 71084-RS (DJ, <strong>de</strong> 10-6-94).<br />

7 STJ - 5a T. - HC n° 1.172-0 - SC - Rei. Min. José D antas- v.u. -D iá rio da Justiça, Seção 1,4-5-92- p . 5.894.<br />

Há, porém , <strong>de</strong>cisão an terior afirm ando que, “ <strong>de</strong>sfrutando <strong>de</strong> apreciável prestígio na Constituição vigente, o<br />

Habeas Corpus po<strong>de</strong> ser impetrado através <strong>de</strong> telex, mesmo sem autenticação” (STJ - 6a T. - HC 521 - SP - Rei.<br />

Min. José Cândido -D iá rio da Justiça, Seção I, 22-4-91, p. 4.797).


1 3 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Por fim, saliente-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconhece a<br />

possibilida<strong>de</strong> jurídico processual do impetrante <strong>de</strong>sistir da ação <strong>de</strong> habeas corpus.1<br />

1.6 Legitimida<strong>de</strong> passiva<br />

O habeas corpus <strong>de</strong>verá ser impetrado contra o ato do coator, que po<strong>de</strong>rá ser tanto<br />

autorida<strong>de</strong> (<strong>de</strong>legado <strong>de</strong> polícia, promotor <strong>de</strong> justiça, juiz <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, tribunal etc.) como<br />

particular.12 No primeiro caso, nas hipóteses <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> e abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, enquanto<br />

no segundo caso, somente nas hipóteses <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong>.<br />

Por óbvio, na maior parte das vezes, a ameaça ou coação à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção por<br />

parte do particular constituirá crime previsto na legislação penal, bastando a intervenção<br />

policial para fazê-la cessar. Isso, porém, não impe<strong>de</strong> a impetração do habeas corpus, mesmo<br />

porque existirão casos em que será difícil ou impossível a intervenção da polícia para fazer<br />

cessar a coação ilegal (internações em hospitais,3 clínicas psiquiátricas).4<br />

1.7 Hipóteses e espécies<br />

1.7.1 Habeas corpus preventivo (salvo-conduto)<br />

Quando alguém se achar ameaçado <strong>de</strong> sofrer violência ou coação em sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

locomoção por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Assim, bastará, pois, a ameaça <strong>de</strong> coação à<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção,5 para a obtenção <strong>de</strong> um salvo-conduto ao paciente, conce<strong>de</strong>ndo-<br />

-lhe livre trânsito, <strong>de</strong> forma a impedir sua prisão ou <strong>de</strong>tenção pelo mesmo motivo que<br />

ensejou o habeas corpus. Preten<strong>de</strong> evitar o <strong>de</strong>srespeito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção.<br />

1.7.2 Habeas corpus liberatório ou repressivo<br />

Quando alguém estiver sofrendo violência ou coação em sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção<br />

por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Preten<strong>de</strong> fazer cessar o <strong>de</strong>srespeito à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

locomoção.<br />

1.7.3 Liminar em habeas corpus<br />

Em ambas as espécies haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> medida liminar, para<br />

se evitar possível constrangimento à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção irreparável. Julio Fabbrini<br />

Mirabete lembra que,<br />

1 STF - Habeas Corpus nD74504-1/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 10 out. 1996, p.<br />

38.293; atan do várias <strong>de</strong>cisões: KTJ 117/1.084; 150/765; HC 71.217-MG, Rei. Min. Néri da Silveira.<br />

2 JSTJ 5/183.<br />

3 RT 509/336.<br />

4 RT 584/339.<br />

5 STJ, 6a T „ A gR g no HC 179375/MG, Rei. M in. O g Fernan<strong>de</strong>s, DJe 21-6-2013; STJ - 6aT. - HC n ° 1.288-3 -<br />

PB - Rei. Min. José C â n d id o -v.u . - Diário da Justiça, Seção 1,1 6 -1 1 -9 2 -p . 21.163.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 139<br />

“embora <strong>de</strong>sconhecida na legislação referente ao habeas corpus, foi introduzida<br />

nesse remédio jurídico, pela jurisprudência, afigura da ‘liminar’, que visa aten<strong>de</strong>r<br />

casos em que a cassação da coação ilegal exige pronta intervenção do Judiciário.<br />

Passou, assim, a ser mencionada nos regimentos internos dos tribunais a possibi<br />

lida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> liminar pelo relator, ou seja, a expedição do salvo conduto<br />

ou a or<strong>de</strong>m liberatória provisória antes do processamento do pedido, em caso <strong>de</strong><br />

urgência”,<br />

concluindo que<br />

“como medida cautelar excepcional, a liminar em habeas corpus exige requisitos: o<br />

periculum iti mora (probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dano irreparável) e ofumus boni iuris (elementos<br />

da impetração que indiquem a existência <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> no constrangimento)”.1<br />

1.8 Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão<br />

Por tratar-se <strong>de</strong> cláusula pétrea (art. 60, § 4fi, IV), o habeas corpus não po<strong>de</strong>rá ser suprimido<br />

do or<strong>de</strong>namento jurídico, em nenhuma hipótese. Porém, em virtu<strong>de</strong> das medidas<br />

<strong>de</strong> exceção previstas pelos arts. 136 (Estado <strong>de</strong> Defesa) e 139 (Estado <strong>de</strong> Sítio), o âmbito<br />

<strong>de</strong> atuação do habeas corpus po<strong>de</strong>rá ser diminuído, inclusive com a permissão <strong>de</strong> prisões<br />

<strong>de</strong>cretadas pela autorida<strong>de</strong> administrativa. Nunca, porém, suprimido.12<br />

Assim, o Estado <strong>de</strong> Defesa e o Estado <strong>de</strong> Sítio não suspen<strong>de</strong>m a garantia fundamental<br />

do habeas corpus, mas diminuem sua abrangência, pois as medidas excepcionais permitem<br />

uma maior restrição legal à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, inclusive, repita-se, por or<strong>de</strong>m da<br />

autorida<strong>de</strong> administrativa.<br />

1.9 H abeas corpus e assistente<br />

A doutrina não permite a intervenção do assistente da acusação no processo <strong>de</strong> habeas<br />

corpus,3 tendo, porém, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por votação majoritária, resolvendo<br />

questão preliminar, entendido legítima a intervenção na ação penal <strong>de</strong> habeas corpus,<br />

inclusive para fazer sustentação oral, do credor fiduciário, autor da ação civil <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito,<br />

quando à época era possível a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong>ssa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão civil.4<br />

1 MIRABETE, Julio FabbrinL Código <strong>de</strong> processo penal interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1996. p. 765. N o<br />

mesmo sentido: RTJ 33/590; R T 548/417; RSTJ 64/69.<br />

2 Ver capítulo sobre Estado <strong>de</strong> Defesa e Estado <strong>de</strong> Sítio.<br />

3 JESUS, Damásio E. Código <strong>de</strong>processo... Op. dt. p. 452. Nesse sentido: S T J -5 aT. - REn° 17.039-0- G O - R e i.<br />

Min. José Adalto Duarte - v.u .-D iá rio da Justiça, Seção 1,16-11-92 - p . 21.153/4.<br />

4 STF - Habeas Corpus nD72.131-1/RJ - Rei. Min. M arco A u rélio, Diário da Justiça, Seção 1, 28 nov. 1995, p.<br />

41.010.


1 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

1.10 Excesso <strong>de</strong> prazo<br />

O habeas corpus po<strong>de</strong>rá ser utilizado como meio processual a<strong>de</strong>quado para cessar<br />

constrangimento ilegal à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção do acusado-preso, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> abusivo<br />

excesso <strong>de</strong> prazo para o encerramento da instrução processual penal.1<br />

Não constitui constrangimento ilegal, sanável por meio <strong>de</strong> habeas corpus, o razoável<br />

excesso <strong>de</strong> prazo ocorrido na instrução processual penal pela complexida<strong>de</strong> e gravida<strong>de</strong><br />

do feito,12 por exigência da própria <strong>de</strong>fesa em arrolar testemunhas resi<strong>de</strong>ntes em comarcas<br />

diversas,3 ou em virtu<strong>de</strong> do gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> acusados,4 inci<strong>de</strong>ntes justificáveis,5 ou<br />

ainda mais quando a instrução teve curso regular.6<br />

Igualmente, não haverá excesso <strong>de</strong> prazo, sanável pelo referido writ, quando a dúvida<br />

sobre a competência para o processo e julgamento já houver sido dirimida.7<br />

Também a greve <strong>de</strong> serventuários da justiça configura força maior, não ensejando<br />

alegação <strong>de</strong> excesso <strong>de</strong> prazo8 em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, <strong>de</strong>vendo os prazos recomeçarem<br />

a fluir na data em que é publicado o ato pelo qual o tribunal comunica às partes e aos<br />

procuradores a cessação da situação <strong>de</strong> anormalida<strong>de</strong> e a retomada do andamento dos<br />

processos.9<br />

1.11 Habeas corpus impetrado contra coação ilegal atribuída à Turma do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

As <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> qualquer das Turmas do Pretório Excelso são inatacáveis por habeas<br />

corpus, uma vez que a Turma, quando profere julgamento, em matéria <strong>de</strong> sua competência,<br />

representa o próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.10 Dessa forma, a circunstância <strong>de</strong> o objeto<br />

1 STJ - H a b e a s C o rp u s n“ 3.833-PE - 5a T. - Rei. Min. Edson Vidigal; j. 13-12-95; ementa - AASP n° 1966 -<br />

Ementário, p. 69-e.<br />

2 STJ, 5a T „ RHC 42307/MG, Rei. Min. M oura Ribeiro, DJe 25-11-2013; STJ, 6a T „ HC 272234/SP, Rei. Min.<br />

Rogério Schietti Cruz, D J e 10-12-2013; STJ, 5a T., RHC 40000/PI, Rei. M in.LauritaVaz, DJe4-12-2013.<br />

3 STJ - RHC n a 2.434-7 - PB, 5a T. - Rei. Min. Flaquer Scartezzini, v.u., j. 16-12-92, Diário da Justiça, Seção<br />

I, <strong>de</strong> 15-2-93, p. 1693/4.<br />

4 STJ - 5a T. - RHC na 1.818- P A - R e i. Min. Assis Toledo -v.u . -D iá rio da Justiça, Seção 1,30-3-92- p . 3.997.<br />

5 STJ, 5aT.,H C 264693/PA, Rei. M oura Ribeiro, D J e 29-11-2013.<br />

6 STF - Habeas C o rp u s n “ 71.371-8/PE-Rel. M in. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,8 mar. 1996, p.<br />

6.239; S T J -R H C n° 2.364-1/PR, 6a T. - Rei. M in. José Cândido, 1-12-92, Diário da Justiça, S e ç ã o l.d e l “-2-<br />

9 3 - p . 476.<br />

7 STJ - RHC nD2.424-4/RJ, 5a T. - Rei. Min. Costa Lima, v.u., j. 9-12-92, Diário da Justiça, Seção I, <strong>de</strong> 1-2-<br />

9 3 - p . 470.<br />

8 STJ - 5a T. - H a b e a s C o r p u s na 736 - RJ - Rei. Min. Edson Vidigal - Diário da Justiça, Seção I, 1-7-91, p.<br />

9.203; STJ - 6a T. - HC 617 -R J - Rei. M in. W illiam Patterson - Diário da Justiça, Seção I, 29-4-91, p. 5.278.<br />

9 S T J - 4 aT. -REsp. 17.6 4 9 -S P -R el. Min. Athos Carneiro - Diário da Justiça, Seção 1 ,13-4-92, p. 5.002.<br />

10 RTJ99/1.064; 126/175; 141/226.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 4 1<br />

impugnado ser <strong>de</strong>cisão emanada da própria Corte - órgão fracionário ou não - inviabiliza<br />

o ajuizamento do w rit.1<br />

1.12 Habeas corpus contra ato único ou colegiado <strong>de</strong> tribunais regionais<br />

fe<strong>de</strong>rais ou estaduais<br />

A disciplina <strong>constitucional</strong> sobre a competência para o ajuizamento <strong>de</strong> habeas corpus<br />

contra ato único ou colegiado <strong>de</strong> tribunais regionais fe<strong>de</strong>rais ou tribunais estaduais foi<br />

alterada pela Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999,12 que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> fazer<br />

diferenciação entre essas duas hipóteses.<br />

Na vigência do texto original da Constituição, competia ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

conhecer, originariamente, <strong>de</strong> habeas corpus quando coator ou paciente fosse Desembargador<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça ou Juiz <strong>de</strong> Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral.3 Igualmente, ap>esar da<br />

ausência <strong>de</strong> previsão <strong>constitucional</strong> em relação aos juizes dos tribunais <strong>de</strong> alçada, uma vez<br />

que não estão arrolados entre as autorida<strong>de</strong>s a que alu<strong>de</strong> o art. 105,1, a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, analogicamente, seria competente para processar e julgar os habeas corpus contra<br />

atos monocráticos daquelas autorida<strong>de</strong>s o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.4<br />

Tratando-se, entretanto, <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> órgão colegiado ou do próprio Plenário <strong>de</strong> Tribunal<br />

Regional Fe<strong>de</strong>ral ou Tribunais Estaduais, a competência p»ara o habeas corpus, entendia a<br />

jurisprudência,5 era do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.6<br />

Esse mesmo entendimento fixava a competência do STF para o julgamento <strong>de</strong> habeas<br />

corpus contra <strong>de</strong>cisão que o presi<strong>de</strong>nte da câmara do Tribunal <strong>de</strong> Justiça houvesse tomado<br />

em nome do órgão colegiado por ele presidido.7<br />

Dessa forma, o entendimento anterior à Emenda Constitucional ns 22/99 <strong>de</strong>terminava<br />

ser competência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça o julgamento <strong>de</strong> habeas corpus imp>etrado<br />

contra <strong>de</strong>cisão do relator ou ato único <strong>de</strong> Desembargador ou Juiz <strong>de</strong> Alçada, em tribunal<br />

1 STF - Habeas Corpus n2 74.507-5/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 14 out. 1996,<br />

p. 38.881.<br />

2 Publicada no Diário Oficialda União, 19 mar. 1999.<br />

3 STF - 2a T. - HC n s 69.473/RS - Rei. Min. Néri da Silveira - Diário da Justiça, Seção I, 28-8-92, p. 13455;<br />

RSTJ 03/787.<br />

4 STF-fíabeasCorpus n2 7 1 .0 1 7 -4 -Rei. M in. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seçãol, lO jun. 1994, p. 14.766;<br />

STF -Habeas Corpus n2 71.050-6 - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, S eçã ol, lO ju n. 1994, p. 14.766.<br />

5 Esse entendimento <strong>de</strong>rivava da interpretação do STF da redação original do art. 102,1, i, da CF: “Compete<br />

ao Supremo T ribunal Fe<strong>de</strong>ral, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe o habeas cor pus, quando<br />

o coator ou o paciente for tribunal, autorida<strong>de</strong> ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretam ente à jurisdição<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ou se trate <strong>de</strong> crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância.”<br />

6 STJ -Habeas Corpus n2 4.580 - SP, Rei. Min. Lu iz Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, S eçã o l, 15 ago.<br />

96, p. 28.044; STJ-Habeas Corpus n2 4.5 88- R S (96.0021784-0) - R e i. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Diário<br />

da Justiça, Seção 1 ,15 ago. 1996, p. 28.044.<br />

7 HC 73.968-RS, Rei. Min. Sydney Sanches, 14-5-96. Publicado no Informativo STF n2 31, 22 m aio 1996.


1 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

local, ou <strong>de</strong> juiz do Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral, somente competindo ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar os habeas corpus dirigidos contra ato <strong>de</strong> Colegiado.1<br />

As novas redações dos arts. 102,1, i (“Compete a o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (...) processar<br />

e julgar originariamente o habeas corpus, quando o coator ou o paciente for Tribunal<br />

Superior ou quando o coator ou o paciente for autorida<strong>de</strong> ou funcionário cujos atos estejam<br />

sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ou se trate <strong>de</strong> crime sujeito à<br />

mesma jurisdição em uma única instância”), e 105,1, c (“Compete ao Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça processar e julgar, originariamente, os habeas corpus, quando o coator ou paciente<br />

for qualquer das pessoas mencionadas na alínea a, quando coator f o r tribunal sujeito à<br />

sua jurisdição, ou Ministro <strong>de</strong> Estado, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”), dadas<br />

pela Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1999, alteraram esse posicionamento,<br />

pois unificaram a competência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça para processar e<br />

julgar originariamente o habeas corpus direcionado contra ato ou <strong>de</strong>cisão provenientes dos<br />

Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais ou dos Tribunais estaduais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> tratar-se<br />

<strong>de</strong> atos únicos ou <strong>de</strong> atos colegiados.<br />

Portanto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não mais possui competência para processar<br />

e julgar originariamente os habeas corpus dirigidos contra atos colegiados dos Tribunais<br />

Regionais Fe<strong>de</strong>rais ou dos Tribunais estaduais. Essa competência passou a ser do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso ordinário <strong>constitucional</strong> dirigido ao<br />

STF, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão seja <strong>de</strong>negatória (CF, art. 102, II, a ).12<br />

Ao STF permanece a competência originária para os habeas corpus ajuizados em face<br />

dos Tribunais Superiores.<br />

Nesse sentido, ambas as turmas do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já pacificaram o assunto.<br />

Em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m, <strong>de</strong>cidiu a 2aTurma do STF que: “O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

é competente para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus quando o ato <strong>de</strong><br />

coação emana <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão colegiada <strong>de</strong> Tribunal Superior (art. 102,1, i, da Constituição,<br />

com a redação dada pelo art. 2a da Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 1999). O Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça é competente para processar e julgar, originariamente, o habeas corpus<br />

quando o ato <strong>de</strong> coação emana <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão colegiada dos <strong>de</strong>mais tribunais do País,<br />

ressalvada a competência do Tribunal Superior Eleitoral (art. 105,1, c, da Constituição,<br />

com a redação dada pelo art. 3a da Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 1999) e a do Superior<br />

Tribunal Militar (art. 124, parágrafo único, da Constituição). Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m resolvida<br />

no sentido <strong>de</strong> proclamar a eficácia imediata das normas que dispõem sobre a competência<br />

(Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 1999) e <strong>de</strong>clarar, em consequência, a incompetência<br />

1 KTJ 152/889; STF - 2a T. - Habeas corpus n° 71.605-9 - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 9 fev. 1996, Seção I, p. 2.074; RT 648/355; 651/370; 652/373. Anote-se que a jurisprudência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral nesse sentido fo i firm ada por seis votos a favor e cinco contra.<br />

2 Observe-se, porém, conform e <strong>de</strong>cidiu a l aH irm a doS TF , que, “ tratando-se <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> extensão <strong>de</strong> habeas<br />

corpus concedido pelo STF antes da prom ulgação da EC 22/99, esta Corte continua competente para examinar<br />

tal pedido” (STF - I a T .- HC n° 77.760-SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 23-3-99 -<br />

Informativo STF n° 143, 7 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1999)


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 143<br />

superveniente do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, visto que passou a ser competente o Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>terminando-se a remessa dos autos.”1<br />

Igualmente <strong>de</strong>cidiu a I a Turma do Pretório Excelso que: “A EC 22, <strong>de</strong> 18-3-99, <strong>de</strong>u<br />

nova redação aos arts. 1 0 2 ,1, i, e 1 0 5 ,1, c, da Constituição, <strong>de</strong> m odo a transferir do Supremo<br />

Tribunal para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a competência originária para conhecer<br />

<strong>de</strong> habeas corpus contra coação imputada aos tribunais <strong>de</strong> segundo grau sujeitos<br />

à sua jurisdição. Essa a espécie e sendo a emenda <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> imediata<br />

aos processos em curso, <strong>de</strong>clino da competência do STF para o Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, ao qual se remeterão os autos.”12<br />

1.13 H a beas co rp u s contra ato ilegal imputado a promotor <strong>de</strong> justiça<br />

Segundo entendimento pacífico no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compete ao Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, em face dos arts. 96, III, e 125, § 1®, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, processare julgar<br />

habeas corpus contra ato ilegal imputado a promotor <strong>de</strong> justiça.3 *Da mesma forma, se a<br />

coação for <strong>de</strong> membro do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral que atue perante a I a instância da<br />

1 STF - 2 a T. - HC n ° 78.418/RJ - questão d e o rd em - ReL Min. M a u rício C orrêa , <strong>de</strong>cisão: 22 mar. 1999.<br />

Conferir, ainda, diversos ju lga d o s da 2 a Turma n esse m esm o sentido: H Cs nfl 72.3829/PB; nfl 77.5735/SP; n °<br />

78.3210/SP; n 9 78.3351/RS; n9 78.4214/RO; n9 78.7454/D F; n9 78,774-6/RS; n 9 78.7959/M G ; n9 78.8173/<br />

SP; n9 78.9935/S P; n 9 79.0313/R J; n 9 7 9 .0607/S P; n 9 7 9.113-1/S P - R ei. M in . M a u rício C orrêa; HCs n9<br />

77.8231/G O ; n9 78.1115/ES; n9 78.3953/PB - R eL M in . N é ri da S ilveira; HCs n9 78.1049/SC; n9 78.2913/SP;<br />

n9 78.5923/SP; n ° 78.9749/RS - R eL M in . N e ls o n Jobim . Todos pu blicados n o D iá rio da Justiça, Seção I, 30<br />

mar. 1999, p. 3 e segs. E, ainda, H C n ° 79.0798/M G - R eL M in . Carlos V elloso, publicado no D iário da Justiça,<br />

Seção 1 ,29 mar. 1999, p. 21.<br />

2 S T F - l a T . - H C n 9 7 8 .7 5 6 6 / S P -R e L M in . Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1 ,2 9 mar. 1 9 9 9 ,p.<br />

21. Con ferir, ainda, diversos ju lga dos d a I a Turm a nesse m esm o sen tido: H C s n fi78.7797/M G e n9 79.0283/SP<br />

- R eL M in . Sepú lveda Pertence; HCs n9 78.8238/SP; n9 78.918-8/SP; n ° 78.9951/SP; n ° 79.0216/SP; 79.0747/<br />

R J - ReL Min. S ydn ey Sanches. Todos publicados no Diário da Justiça, S eção 1 ,29 mar. 1999, p. 21. E, ainda,<br />

HCs n ° 78.8181/RJ; n ° 78.9064/RJ - R eL M in. lim a r G a lvã o; H C nfl 78.7827/SP - R eL M in . Sydn ey Sanches,<br />

pu blicados n o D iário da Justiça, Seção 1 ,30 m ar. 1999, p. S.<br />

3 STF - I a T. R e x n 9 1 4 1 .2 0 9 -7 - R eL M in . S epú lveda Pertence, Diário d a Justiça, Seção 1,20 mar. 1992, em en ­<br />

tá rio STF nQ 1.654-3; S T F - 2 a T .R e x n 0 141.311-5 - S P - R e L M in . M arco A u ré lio -v .u .-D iá r io da Justiça, Seção<br />

1 ,11-12-92 - p. 23.665; STF - 2a Turm a - RE n9 141.211-9/SP - R eL Min. N éri da Silveira - Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,28-8-92, p. 13.456. A E grégia Procuradoria-G eral d e Justiça do Estado d e São Paulo editou a Tese nQ<br />

282, <strong>de</strong> seguinte teor: “HABEAS-CORPUS-Habeas corpus im petrado contra ato do Prom otor <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>verá ser<br />

apreciado p elo Tribunal d e Justiça do E stado com petente rationepersonae, p a ra processo e ju lga m en to daqu ela<br />

a u torid ad e nos crim es comuns e <strong>de</strong> responsabilid ad e” (C on stitu ição Estadual, art. 74, IV ). E, ainda, STF - 2a<br />

T .- R e x t r . N 9 1 8 7 .7 2 5 - l/ R J - R e l.M in .N é r id a Silveira, diário da Justiça, S eção 1 ,1 7 o u t. 1997, p. 52.506. N o<br />

m e s m o sen tid o : O S uperior Tribu nal <strong>de</strong> Justiça afirm ou que “ o te o r d o a rt. 74, IV, da Constituição do Estado<br />

d e São Paulo com bin ado com o art. 96, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a com petência o rigin á ria para ju lg a r habeas<br />

corpus, em sendo a au torid ad e c o a to ra P ro m o to r Público, é d o Tribunal <strong>de</strong> Justiça Estadual” (S T J - 5a T. - Resp.<br />

n9 7 8 .8 6 4 / S P - ReL Min. Flaqu er Scartezzini, Diário da Justiça, Seção 1,2 2 set. 1997, p. 4 6 .514). E, ainda, STJ<br />

- 5a T. - Resp. nQ 67.757/PR - R eL M in . Flaqu er S cartezzini, Diário da Justiça, S eção I, 22 set. 1997, p. 46.514.<br />

E m c o n tr á r io : posicionam ento n o S uperior Tribunal <strong>de</strong> Justiça q u e en ten d e aplicável à esp écie a distribuição<br />

d o habeas corpus ao Tribu nal com petente em razão da m atéria (T rib u n a l <strong>de</strong> Justiça ou Tribu n al <strong>de</strong> A lç a d a ) -<br />

STJ - 5a T. - R H C n ° 2.444-0-SP- Rei. Min. Costa Lim a - v.u. - DJU, 15-2-93, p. 1.694.


144 Direito Constitucional • Moraes<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>ral, a competência para o processo e julgamento do habeas corpus será do<br />

Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

1.14 Habeas corpus contra ato da Turma Recursal nos Juizados Especiais Criminais<br />

As novas redações dos arts. 102,1, i, e 105,1, c, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, dadas pela<br />

Emenda Constitucional ne 22/99, <strong>de</strong>veríam ter alterado o posicionamento pacífico da<br />

jurisprudência <strong>de</strong> competir ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral12 o processo e julgamento do<br />

habeas corpus contra ato da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais estaduais<br />

ou fe<strong>de</strong>rais, previstos no art. 98,1, e parágrafo único,3 da CF, e na Lei n® 9.099/95.<br />

Tal entendimento baseia-se na unificação <strong>de</strong> competência originária para processar e<br />

julgar os habeas corpus dirigidos contra atos ou <strong>de</strong>cisões dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais<br />

ou Tribunais estaduais, sejam únicos ou colegiados, no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (cf.<br />

nesse capítulo, item 1.11).<br />

Dessa forma, <strong>de</strong> igual maneira, caberia ao STJ o processo e julgamento do habeas<br />

corpus ajuizado contra atos ou <strong>de</strong>cisões colegiados proferidos pela 2- instância dos Juizados<br />

Especiais Criminais.<br />

Não foi, porém, o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que enten<strong>de</strong>u continuar<br />

“competente para julgar o habeas corpus contra <strong>de</strong>cisão emanada <strong>de</strong> Turma do Conselho<br />

Recursal dos Juizados Especiais Criminais, em face da promulgação da EC 22/99”, uma<br />

vez que “consi<strong>de</strong>rou que, mesmo com a nova redação da EC n® 22/99, permaneceu o<br />

silêncio da CF a respeito do habeas corpus contra ato das turmas recursais, subsistindo,<br />

portanto, o entendimento proferido pelo STF no julgamento do HC 71.713-PB (julgado<br />

em 26-10-94, acórdão pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> publicação), em que se <strong>de</strong>cidiu que a brevida<strong>de</strong> dos<br />

juizados especiais não dispensa o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas, estando as<br />

<strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> turmas recursais exclusivamente sujeitas à jurisdição do STF”.4<br />

Nesse sentido, o STF editou a Súmula 690: “Compete originariamente ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o julgamento <strong>de</strong> habeas corpus contra <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> turma recursal <strong>de</strong> juizados<br />

especiais criminais.”<br />

Ocorre, porém, que a nova composição da Corte Suprema alterou o posicionamento<br />

consagrado na referida súmula, passando a consagrar os Tribunais <strong>de</strong> Justiça estaduais<br />

como órgãos competentes para processar e julgar habeas corpus contra ato <strong>de</strong> turma recursal<br />

<strong>de</strong> Juizado Especial Criminal.5<br />

1 STF - 2a T. - RE n 2 377.356/SP - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 7-10-2008; STJ - 5a T. - HC n 2 5.750/RJ<br />

- Rei. Min. Cid Flaquer Scartezzini, Diário da Justiça, Seção I, 29 set. 1997, p. 48.231.<br />

2 STF - Habeas Corpus n 2 71.713-6 - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, v.m., Diário da Justiça, 4 nov.<br />

1994, p. 29.827; S T F -H C 72.582-1,15T „ relatado pelo Ministro limar Galvão, Diário da Justiça, 20 out. 1995,<br />

p. 35.258.<br />

3 A EC n 2 22/99 criou o parágrafo único do art. 98, dando-lhe a seguinte redação: “Lei fe<strong>de</strong>ral disporá sobre<br />

a criação <strong>de</strong> juizados especiais no âmbito da Justiça Fe<strong>de</strong>ral.”<br />

4 STF - I a T. - H C nD78.317/R J-R el. Min. Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 21-5-99 - Informativo STF nn 149.<br />

5 STF - Pleno - HC n2 86.834/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 23-8-2006 - Informativo STF na 437; STF<br />

- I a T. - HC n2 86.009/QO/DF - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 29-8-2006 - I n f o r m a t iv o STF n2 438; STF - I a<br />

T. - HC n2 86.974-2/SP - Rei. Min. Carlos Britto, D iá r io da J u s tiç a , Seção I, 6 set. 2006, p. 29; STF - I a T. - HC<br />

n2 87.530-1/SP - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, D iá r io da J u s tiç a , Seção 1,6 set. 2006, p. 29; STF - I a T. - HC


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 4 5<br />

1.15 Habeas corpus contra ato do juiz especial nos Juizados Especiais Criminais<br />

O Tribunal local será competente para processar e julgar os habeas corpus contra<br />

ato do juiz, nos Juizados Especiais Criminais, uma vez que o art. 98, I, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral prevê somente a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgamento <strong>de</strong> recursos por turmas <strong>de</strong> juizes <strong>de</strong><br />

primeiro grau.1<br />

Igualmente, os Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais serão competentes para o processo e<br />

julgamento <strong>de</strong> habeas corpus contra ato do juiz fe<strong>de</strong>ral que atue nos Juizados Especiais<br />

Fe<strong>de</strong>rais, nos termos do art. 108,1, d, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.*12 Nessa hipótese, não houve<br />

qualquer previsão específica da EC na 22/99, que somente <strong>de</strong>terminou que a lei fe<strong>de</strong>ral<br />

po<strong>de</strong>rá dispor sobre a criação <strong>de</strong> juizados especiais no âmbito da Justiça Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

1.16 Habeas corpus e recursos ordinários - concomitância<br />

A impetração <strong>de</strong> habeas corpus e a interposição do respectivo recurso ordinário, referentes<br />

ao mesmo ato, são condliáveis, ainda que articulem os mesmos fatos e busquem a<br />

mesma situação jurídica, pois essa ação <strong>constitucional</strong> não encontra obstáculo na legislação<br />

ordinária, em homenagem à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, proclamada <strong>constitucional</strong>mente.<br />

Dessa forma, tanto habeas corpus quanto o recurso <strong>de</strong>vem ser apreciados, embora, eventualmente,<br />

um julgamento possa repercutir no outro.4<br />

Não cabe, porém, valer-se o impetrante do habeas corpus, para fazer subir recurso<br />

interposto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> tribunal a quo, quando ainda não publicado o acórdão recorrido,<br />

oportunida<strong>de</strong> em que se permite o processamento do recurso e a viabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu<br />

recebimento.5<br />

Portanto, por ser o habeas corpus uma ação <strong>constitucional</strong> que visa impedir lesão ou<br />

restaurar o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, nada impedirá a concomitância com qualquer<br />

recurso, pois prevenir ou fazer cessar a violência ou coação não encontra obstáculo por<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> rito ou encerramento do processo,6 sendo, porém, lícito ao Tribunal renn87.674-9/S<br />

P-R el. Min. Sepúl veda Pertence, D iário da Justiça, Seção I, 6set. 2005, p. 30; S T F - 2 a T .- H C<br />

na 8 8 .9 5 3 -l/ S P -R el. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,6 set. 2005, p. 30.<br />

1 Ver a esse respeito <strong>de</strong>ste autor Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei na 9.099/95, em conjunto<br />

com Pazzaglini, Smanio e Vaggione. São Paulo: Atlas, 1995, p. 78.<br />

2 CF, art. 1 0 8 ,1, d: “ Compete aos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais processar e ju lga r originariam ente os habeas<br />

corpus quando a autorida<strong>de</strong> coatora for juiz fe<strong>de</strong>ral.”<br />

3 CF, art. 98, parágrafo único.<br />

4 STJ - Habeas Corpus na 1.527-6-R S , 5a T , Rei. Min. Vicente Cernicchiaro, v.u., j. 27-10-92, Diário da Justiça,<br />

Seção I, <strong>de</strong> 5-4-93, p. 5.859.<br />

s<br />

STJ - 5a T. -Habeas Corpus n“ 1.388-7 - DF - Rei. M in. Flaquer Scartezzini - v.u. - Diário da Justiça, Seção<br />

1, 31-8-92- p . 13.551.<br />

6 STJ - 5 a T. - Habeas Corpus n ° 1.053 - PE - Rei. Min. Vicente Cernicchiaro - v.u. -D iá rio da Justiça, Seção<br />

I, 9-3-92 - p. 2.592; STJ - 5a Túrma - RHC 1.951-0-SP - Rei. Min. Costa Lima - Diário da Justiça, Seção I, 29-<br />

5-92, p. 10.331.


1 4 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

meter o exame da pretensão para o julgamento do recurso, <strong>de</strong> maior abrangência, quando<br />

o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> da matéria <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do exame <strong>de</strong> fatos ou do conjunto probatório.1<br />

1.17 Habeas corpus - substituição <strong>de</strong> recurso ordinário <strong>constitucional</strong> prevista<br />

para <strong>de</strong>negação da or<strong>de</strong>m - viabilida<strong>de</strong><br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral admite que o interessado possa substituir o recurso ordinário<br />

<strong>constitucional</strong> contra a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>negatória do habeas corpus, dada em única ou última<br />

instância pelos tribunais regionais fe<strong>de</strong>rais ou pelos tribunais estaduais, pelo habeas corpus<br />

originário perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, ficando, porém, a análise <strong>de</strong> eventual<br />

recurso apresentado prejudicada.12<br />

Desta forma, <strong>de</strong>verá ser conhecido o pedido originário <strong>de</strong> habeas corpus, ainda que<br />

formulado em substituição ao recurso ordinário cabível da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>negatória <strong>de</strong> habeas<br />

corpus, posto que a vedação existente na antiga or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> (art 119, c, da Constituição<br />

revogada) não foi reproduzida pelo legislador constituinte <strong>de</strong> 1988.3<br />

Ressalte-se que, a partir da EC ne22/99, não mais se discute a questão <strong>de</strong> competência,<br />

pois o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça possui competência tanto para o julgamento originário<br />

do habeas corpus (CF, art. 105,1, c) quanto para o julgamento do recurso ordinário <strong>constitucional</strong><br />

(CF, art. 105, II, a )4 em relação às <strong>de</strong>cisões dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e<br />

dos Tribunais Estaduais.<br />

Por fim, será cabível, em tese, pedido <strong>de</strong> habeas corpus contra acórdão do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>negatório <strong>de</strong> outro habeas corpus, competindo, originariamente,<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processá-lo e julgá-lo,5 não sendo obstáculo para tanto a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> recurso ordinário para o próprio Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, contra a <strong>de</strong>negação do writ,6 pois sua simples interposição não propicia,<br />

<strong>de</strong> imediato, a tutela ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> locomoção.7<br />

1 STJ - 5a T. - Habeas C o r p u s n 21.938-8 - RJ - Rei. Min. Assis Toledo - Diário d a Justiça, Seção 1 ,29-6-92, p.<br />

10.331; STJ - 5a T. - HC 1.811-SP- Rei. Min. Assis Toledo -D iá rio da Justiça, Seção 1 ,6-4-92, p. 4.505.<br />

2 S T J -5 a T. -R H C n 21.729 - S P -R e i. Min. Costa L im a -v .u .-D iá rio da Justiça, Seção 1,9-3-92 - p . 2.589/90.<br />

3 RSTJ 03/810.<br />

4 Antes da EC na 22/99, apesar da competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgam ento<br />

<strong>de</strong> habeas corpus contra <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e Tribunais estaduais (c f. neste capítulo, item<br />

1.11), nessa hipótese, por tratar-se <strong>de</strong> substituição do recurso ordinário <strong>constitucional</strong> previsto no art. 105, II,<br />

a, mantinha-se, excepcionalmente, a competência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Nesse sentido: STF -H abeas<br />

Corpus nD073.701-3/130/PR-Rei. Min. N érid a Silveira, Ciário da Justiça, Seção I, p. 5.295; RTJ 152/519.<br />

5 CF, art. 1 0 2 ,1, i.<br />

6 CF, art. 102, II, a.<br />

7 S T F - I a T. -Habeas C o r p u s n D73.605-0 - v.u. - Rei. Min. N é rid a Silveira, D iário da Justiça, Seção 1 ,21 jun.<br />

1996, p. 22.293.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 147<br />

1.18 Habeas corpus e punições disciplinares militares<br />

O art. 142, § 2°, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que não caberá habeas corpus<br />

em relação a punições disciplinares militares. Essa previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ve ser interpretada<br />

no sentido <strong>de</strong> que não haverá habeas corpus em relação ao m érito das punições<br />

disciplinares militares.<br />

Dessa forma, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não impe<strong>de</strong> o exame pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário dos<br />

pressupostos <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> a saber: hierarquia, po<strong>de</strong>r disciplinar, ato ligado à função e<br />

pena susceptível <strong>de</strong> ser aplicada disciplinarmente.1<br />

Pontes <strong>de</strong> Miranda, na vigência da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946, já admitia a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> habeas corpus para a presente hipótese e explicava que<br />

“quem diz transgressão disciplinar refere-se, necessariamente a (a) hierarquia,<br />

através da qual flui o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> obediência e <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> com instruções, regulamentos<br />

internos e recebimentos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns, (b ) po<strong>de</strong>r disciplinar, que supõe: a<br />

atribuição <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> punir, disciplinarmente, cujo caráter subjetivo o localiza<br />

em todos, ou em alguns, ou somente em algum dos superiores hierárquicos; (c) ato<br />

ligado à função; (d) pena, suscetível <strong>de</strong> ser aplicada disciplinarmente, portanto,<br />

sem ser pela Justiça como Justiça”,<br />

para concluir<br />

“ora <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que há hierarquia, há po<strong>de</strong>r disciplinar, há ato e há pena disciplinar,<br />

qualquer ingerência da Justiça na economia moral do enca<strong>de</strong>amento administrativo<br />

seria perturbadora da finalida<strong>de</strong> mesma das regras que estabelecem o <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> obediência e o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> mandar”.12<br />

Ressalte-se que a Emenda Constitucional n2 18, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, passou a<br />

prever expressamente matéria pacificada na doutrina e jurisprudência, sobre o não cabimento<br />

<strong>de</strong> habeas corpus também em relação ao mérito das punições disciplinares aplicadas<br />

aos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios.<br />

1.19 Empate no habeas corpus<br />

Ocorrido o empate na <strong>de</strong>cisão em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> habeas corpus, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

tratar-se <strong>de</strong> ação originária, recurso ordinário <strong>constitucional</strong>, recurso especial ou recurso<br />

extraordinário, cumpre proclamar a <strong>de</strong>cisão mais favorável ao paciente.3<br />

1 S TF-H abeas Corpus n a 70.648-7/R J-D iário da Justiça, 4 mar. 1994, p. 3.289; JSTJ, 4/452; 34/94.<br />

2 MIRANDA, Pontes <strong>de</strong>. História e prática... Op. cit. p. 479.<br />

3 STF, 2a T., HC 113518/GO, rei. Min. Teori Zavascki, 26-2-2013; STF - I a T .-H a b e a s Corpus n° 72.445-1/<br />

DF - Rei. M in. Marco Aurélio, D iário da Justiça, Seção I, 22set. 1995, p. 30.592. S T F - 2 a T. - HC nD74.750-7/<br />

PB - ReL Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1999. p. 84. Ver com entário sobre o voto <strong>de</strong><br />

Minerva no Habeas corpus, PINTO FALCÃO, Alcino. Op. cit. p. 301.


1 4 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

1.20 Tutela da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção - habeas corpus - recurso ordinário<br />

<strong>constitucional</strong> STJ<br />

(■ i<br />

RECURSO ORDINÁRIO<br />

CONSTITUCIONAL<br />

CR art. 105, II, “a”<br />

2 H ABEAS DATA<br />

2.1 Conceito<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê em seu art. 5a, LXXII, que será concedido habeas data: (a)<br />

para assegurar o conhecimento <strong>de</strong> informações relativas à pessoa do impetrante, constantes<br />

<strong>de</strong> registros ou bancos <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s governamentais ou <strong>de</strong> caráter público;1 (b)<br />

para a retificação <strong>de</strong> dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou<br />

administrativo. Aponta-se sua origem remota na legislação ordinária nos Estados Unidos,<br />

por meio do Freedom of Information Act <strong>de</strong> 1974, alterado pelo Freedom of Information<br />

ReformAct <strong>de</strong> 1978, visando possibilitar o acesso do particular às informações constantes<br />

<strong>de</strong> registros públicos ou particulares permitidos ao público.<br />

Assim, po<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>finir o habeas data como o <strong>direito</strong> que assiste a todas as pessoas <strong>de</strong><br />

solicitar judicialmente a exibição dos registros públicos ou privados, nos quais estejam<br />

incluídos seus dados pessoais, para que <strong>de</strong>les se tome conhecimento e, se necessário for,<br />

sejam retificados os dados inexatos ou obsoletos ou que impliquem discriminação.12<br />

1 A Lei n° 9.507, <strong>de</strong> 12-11-1997, <strong>de</strong>term inou qu e se consi<strong>de</strong>ra <strong>de</strong> caráter público tod o registro ou banco <strong>de</strong><br />

dados contendo inform ações que sejam ou que possam ser transm itidas a terceiros ou que não sejam <strong>de</strong> uso<br />

privativo do órgã o ou entida<strong>de</strong> produtora ou <strong>de</strong>positária das informações. Habeas data: a Lei n2 8.159, <strong>de</strong> 8-1-<br />

1991, dispõe sobre a política nacional <strong>de</strong> arquivos públicos e privados e dá outras providências.<br />

2 EKMEKDJIAN, M iguel Ángel; PIZZOLO, Calogero. Op. cit. p. 2.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 149<br />

2.2 Natureza jurídica<br />

O habeas data é um a ação <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> caráter civil, conteúdo e rito sum ário,<br />

que tem p o r objeto a proteção d o <strong>direito</strong> líquido e certo d o im petrante em conhecer todas<br />

as inform ações e registros relativos à sua pessoa e constantes <strong>de</strong> repartições públicas ou<br />

particulares acessíveis ao público, p ara eventual retificação <strong>de</strong> seus dados pessoais.1<br />

2.3 Finalida<strong>de</strong><br />

P or m eio d o habeas data objetiva-se fazer com que todos tenham acesso às inform a­<br />

ções que o P o<strong>de</strong>r Público ou entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter público (exem plo: serviço <strong>de</strong> proteção<br />

ao crédito) possuam a seu respeito.12 C om o relem bra M ichel Temer, acentuando o caráter<br />

<strong>de</strong>m ocrático <strong>de</strong>sse instrum ento<br />

“é fruto <strong>de</strong> um a experiência <strong>constitucional</strong> anterior em que o governo arquivava,<br />

a seu critério e sigilosam ente, dad os referentes a convicção filosófica, política,<br />

religiosa e <strong>de</strong> con duta pessoal dos indivíduos”.<br />

Para <strong>de</strong>lim itarm os o âm bito <strong>de</strong> atuação d o habeas data, im portante analisarm os a<br />

experiência p ortuguesa,3 on<strong>de</strong> os arts. 264 e 355 da Constituição da R epública preveem<br />

proteção sem elhante à nossa.6<br />

1 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong> segurança, Op. cit. p. 147; PACHECO, José da Silva. O mandado <strong>de</strong><br />

segurança e outras ações constitucionais típicas. 2. ed. São Paulo: RT, 1995. p. 274; CRETELLA JR., José. Os<br />

“Writs” na... Op. cit. p. 122; GRECCO FILHO, Vicente. Tutela <strong>constitucional</strong> das liberda<strong>de</strong>s. São Paulo: Saraiva,<br />

1989. p. 175; FALCÃO, Alcino Pinto. Op. cit. p. 312. Conferir, ainda: STF - Pleno - HD n° 70/DF - Rei. Min.<br />

Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,1° ago. 2005, p. 115.<br />

2 STF - Tbtela antecipada em Habeas Data n® 75-9/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 11-10-2006.<br />

3 RIBEIRO, Vinício. Constituição da república portuguesa. Coimbra: Almedina, 1993. p. 62-65, faz extensa<br />

indicação sobre legislação, pareceres, jurisprudência e doutrina sobre o assunto.<br />

4 Constituição Portuguesa - art. 26: 1. A todos são reconhecidos os <strong>direito</strong>s à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal, à capacida<strong>de</strong><br />

civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra e à reserva da intimida<strong>de</strong> da vida privada e<br />

familiar; Z A lei estabelecerá garantias efetivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignida<strong>de</strong> humana,<br />

<strong>de</strong> informações relativas às pessoas e famílias; 3. A privação da cidadania e as restrições à capacida<strong>de</strong> civil só<br />

po<strong>de</strong>m efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não po<strong>de</strong>ndo ter como fundamento motivos políticos.<br />

5 Constituição Portuguesa - art. 35: 1. Todos os cidadãos têm o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> tomar conhecimento dos dados<br />

constantes <strong>de</strong> ficheiros ou registros informáticos a seu respeito e do f im a que se <strong>de</strong>stinam, po<strong>de</strong>ndo exigir a sua<br />

rectif icação e actualização, sem prejuízo do disposto na lei sobre o segredo <strong>de</strong> Estado e segredo <strong>de</strong> justiça; 2. É<br />

proibido o acesso a ficheiros e registros informáticos para conhecimento <strong>de</strong> dados pessoais relativos a terceiros<br />

e respectiva interconexão, salvo em casos excepcionais previstos na lei; 3. A inf ormática não po<strong>de</strong> ser utilizada<br />

para tratamento <strong>de</strong> dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé<br />

religiosa ou vida privada, salvo quando se trate do processamento <strong>de</strong> dados estatísticos não individualmente<br />

i<strong>de</strong>ntificáveis; 4. A lei <strong>de</strong>fine o conceito <strong>de</strong> dados pessoais para efeitos <strong>de</strong> registro informático, bem como <strong>de</strong><br />

bases e bancos <strong>de</strong> dados e respectivas condições <strong>de</strong> acesso, constituição e utilização por entida<strong>de</strong>s públicas e<br />

privadas; 5. É proibida a atribuição <strong>de</strong> um número nacional único aos cidadãos; 6. A lei <strong>de</strong>fine o regime aplicável<br />

aos fluxos <strong>de</strong> dados transfronteiras, estabelecendo formas a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> protecção <strong>de</strong> dados pessoais e <strong>de</strong> outros<br />

cuja salvaguarda se justifique por razões <strong>de</strong> interesse nacional.<br />

6 AConstituição da Espanha <strong>de</strong> 1978 igualmente estabelece em seu art. 18, item 4, que“ laley limitará el uso <strong>de</strong><br />

la inf ormática para garantizar el honor y la intimidad personal y familiar <strong>de</strong> los ciudadanos y el pleno ejercicio <strong>de</strong>


1 5 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Canotilho e Vital Moreira ensinam que<br />

“no âmbito normativo do <strong>direito</strong> à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pessoal inclui-se o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso à<br />

informação sobre a i<strong>de</strong>ntificação civil a fim <strong>de</strong> o titular do <strong>direito</strong> tomar conhecimento<br />

dos dados <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação e po<strong>de</strong>r exigir a sua rectiffcação ou actualização - através<br />

<strong>de</strong> informação escrita, certidão, fotocópia, microfilme, registro informático,<br />

consulta do processo individual, acesso directo ao ficheiro central”.1<br />

Ressalte-se, como o faz José da Silva Pacheco, que várias <strong>de</strong>cisões judiciais pré-Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988já admitiam a utilização do mandado <strong>de</strong> segurança, com a finalida<strong>de</strong> hoje<br />

estabelecida para o habeas data.*12<br />

2.4 Cabimento<br />

As jurisprudências do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral3 e do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça4<br />

firmaram-se no sentido da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negativa da via administrativa para justificar<br />

o ajuizamento do habeas data, <strong>de</strong> maneira que inexistirá interesse <strong>de</strong> agir a essa ação<br />

<strong>constitucional</strong> se não houver relutância do <strong>de</strong>tentor das informações em fornecê-las ao<br />

interessado. Tendo o habeas data natureza jurídica <strong>de</strong> ação <strong>constitucional</strong>, submetem-se<br />

às condições da ação, entre as quais o interesse <strong>de</strong> agir, que nessa hipótese configura-se,<br />

processualmente, pela resistência oferecida pela entida<strong>de</strong> governamental ou <strong>de</strong> caráter<br />

público, <strong>de</strong>tentora das informações pleiteadas.5 Faltará, portanto, essa condição da ação<br />

se não houver solicitação administrativa, e consequentemente negativa no referido fornecimento.6<br />

Nesse mesmo sentido <strong>de</strong>cidiu o Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, enten<strong>de</strong>ndo<br />

que<br />

“o acesso ao habeas data pressupõe, <strong>de</strong>ntre outras condições <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>,<br />

a existência do interesse <strong>de</strong> agir. Ausente o interesse legitimador da ação, torna-se<br />

inviável o exercício <strong>de</strong>sse remédio <strong>constitucional</strong>. A prova do anterior in<strong>de</strong>ferimento<br />

do pedido <strong>de</strong> informação <strong>de</strong> dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui<br />

requisito indispensável para que se concretize o interesse <strong>de</strong> agir no habeas data.<br />

sus <strong>de</strong>rechos”, e no art. 105, b , garante “el acceso <strong>de</strong> los ciudadanos a los archivosy registros administrativos, salvo<br />

en lo que afecte a la seguridad y <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong>i Estado, la averiguación <strong>de</strong> los <strong>de</strong>litos y la intimidad <strong>de</strong> la persona”.<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, Vital. C o n s t it u iç ã o ... Op. cit. p. 179/80.<br />

2 PACHECO, José da Silva. O m a n d a d o d e s e g u r a n ç a e ... Op. cit. p. 276.<br />

3 STF -H itela antecipada em H a b e a s D a t a n° 75-9/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 11-10-2006.<br />

4 Súmula 2 - “Não cabe o h a b e a s d a t a (CF, art. 5e, LXXII, a) se não houve recusa <strong>de</strong> informações por parte da<br />

autorida<strong>de</strong> administrativa”. No mesmo sentido: CRETELLA JR., José. O s “ W r it s ” n a ... Op. cit. p. 119. Contra:<br />

GRECCO F., Vicente. T h te la ... Op. cit. p. 177.<br />

5 STJ - 3â Seção; HD ns 0025-5-DF - Rei. Min. Anselmo Santiago; j. 1^-12-1994; v.u; STJ - HD n^ 02-DF, Rei.<br />

Min. Pedro Acioli.RSTJ 3/901.<br />

6 STJ - H a b e a s D a ta nQ4/DF - Rei. Min. Vicente Cernicchiaro, RSTJ 2/463.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 151<br />

Sem que se configure situação prévia <strong>de</strong> pretensão resistida, há carência da ação<br />

<strong>constitucional</strong> do habeas data”.1<br />

Desta forma, para exercer judicialmente o <strong>direito</strong> postulativo, enten<strong>de</strong> a jurisprudência<br />

ser indispensável a prova <strong>de</strong> ter o impetrante requerido, na via administrativa, as<br />

informações pretendidas.12<br />

Esse entendimento foi adotado pela Lei na 9.507/97, que em seu art 8a prevê que<br />

a petição inicial <strong>de</strong>verá ser instruída da recusa ao acesso às informações ou do <strong>de</strong>curso<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias sem <strong>de</strong>cisão; da recusa em fazer-se a retificação ou do <strong>de</strong>curso <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> quinze dias, sem <strong>de</strong>cisão; da recusa em fazer-se a anotação sobre a explicação ou<br />

contestação sobre <strong>de</strong>terminado dado, mesmo que não seja inexato, justificando possível<br />

pendência sobre o mesmo ou do <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze dias sem <strong>de</strong>cisão. Certo, porém,<br />

que a citada lei diminuiu a discricionarieda<strong>de</strong> do <strong>de</strong>tentor das informações, pois permitiu<br />

o acesso ao Judiciário após <strong>de</strong>terminado lapso <strong>de</strong> tempo sem resposta ao impetrante.<br />

Apesar da jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e do Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, enten<strong>de</strong>mos contrária à Constituição Fe<strong>de</strong>ral a exigência do prévio esgotamento<br />

da via administrativa para ter-se acesso ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, via habeas data. Em momento<br />

algum, o legislador constituinte restringiu a utilização <strong>de</strong>ssa ação <strong>constitucional</strong>, não<br />

po<strong>de</strong>ndo o intérprete restringi-la.3<br />

Enten<strong>de</strong>mos por esses motivos que o parágrafo único do art. 8a da Lei na 9.507/97<br />

<strong>de</strong>ve ser interpretado conforme a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no sentido <strong>de</strong> não se exigir em<br />

todas as hipóteses a prova <strong>de</strong> recusa do órgão competente ao acesso às informações ou<br />

da recusa em fazer-se a retificação, ou ainda, da recusa em fazer-se a anotação, mas tão<br />

só nas hipóteses em que o impetrante, primeiramente, optou pelo acesso às instâncias<br />

administrativas. Nessas hipóteses, bastaria ao impetrante essa prova, sem que houvesse<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esgotamento <strong>de</strong> toda a via administrativa. Se, porém, o impetrante optasse<br />

diretamente pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, a prova exigida pelo citado parágrafo único não se lhe<br />

aplicaria, por impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restringir-se a utilização <strong>de</strong> uma ação <strong>constitucional</strong>, sem<br />

expressa previsão no texto maior.<br />

2.5 Legitimação ativa<br />

O habeas data po<strong>de</strong>rá ser ajuizado tanto por pessoa física, brasileira ou estrangeira,<br />

quanto por pessoa jurídica,4 pois em relação a essas, como explica Pedro Henrique Távo<br />

1 STF - Pleno - Recurso em Habeas Data n° 22/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello - RTJ162/807.<br />

2 Ac. da I a S do STJ - m v - HD 05-DF - Rei. Min. Am érico Luz, Diário da Justiça, Seção 1,28 ago. 1989, p. 13.672.<br />

3 Cf. Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, Habeas Data n° 1, Rei. Min. M ilton Pereira, Diário da Justiça, Seção I, 2<br />

maio 1989 - Voto vencido do Min. limar Galvão.<br />

4 MEIRELLES, H ely Lopes. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 150; EKMEKDJIAN, M iguel Ángel, PIZZOLO,<br />

Calogero. Op. cit. p. 98 e 106, inclusive citando jurisprudência argentina. GOZAÍN1, Osvaldo A lfredo. El <strong>de</strong>recho<br />

<strong>de</strong> amparo. Buenos Aires: Depalma, 1995. p. 169. C on tra, enten<strong>de</strong>ndo possível a legitim ação somente para<br />

pessoa física: BASTOS, Celso, M ARTINS, ives Gandra da Silva. Op. cit. v. 2, p. 363; LÚCIO NOGUEIRA, Paulo.<br />

Instrumentos <strong>de</strong>... Op. cit. p. 36.


1 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

ra Niess, “por terem existência diversa das pessoas físicas que as integram, têm <strong>direito</strong> à<br />

correta i<strong>de</strong>ntificação própria no mundo social” .1<br />

Miguel Ángel Ekmekdjian e Calogero Pizzolo observam que o art. 25.1 da Convenção<br />

Européia <strong>de</strong> Direitos Humanos habilita tanto as pessoas físicas como as jurídicas a reclamar<br />

a proteção <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos, citando exemplo em que o Tribunal das Comunida<strong>de</strong>s<br />

Européias reconheceu às pessoas jurídicas o respeito a vida privada e à intimida<strong>de</strong> como<br />

<strong>direito</strong>s inerentes a elas, afirmando que necessariamente <strong>de</strong>veríam estar protegidas pelo<br />

mesmo corpo normativo das pessoas físicas.<br />

Através <strong>de</strong> habeas data só se po<strong>de</strong>m pleitear informações relativas ao próprio impetrante,<br />

nunca <strong>de</strong> terceiros. O caráter personalíssimo <strong>de</strong>ssa ação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>riva da<br />

própria amplitu<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong>fendido, pois o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> saber os próprios dados e registros<br />

constantes nas entida<strong>de</strong>s governamentais ou <strong>de</strong> caráter público compreen<strong>de</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

que esses dados não sejam <strong>de</strong>vassados ou difundidos a terceiros.<br />

Excepcionalmente, o extinto Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, em sessão plenária, admitiu<br />

a legitimação para o habeas data para os her<strong>de</strong>iros do morto ou seu cônjuge supérstite,<br />

salientando, porém, tratar-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão.<br />

“que supera o entendimento meramente literal do texto, com justiça, pois não seria<br />

razoável que se continuasse a fazer uso ilegítimo e in<strong>de</strong>vido dos dados do morto,<br />

afrontando sua memória, sem que houvesse meio <strong>de</strong> corrigenda a<strong>de</strong>quada”.12<br />

2.6 Legitimação passiva<br />

Po<strong>de</strong>rão ser sujeitos passivos do habeas data as entida<strong>de</strong>s governamentais, da administração<br />

pública direta e indireta, bem como as instituições, entida<strong>de</strong>s e pessoas jurídicas<br />

privadas que prestem serviços para o público ou <strong>de</strong> interesse público, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>tenham<br />

dados referentes às pessoas físicas ou jurídicas.3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral traz um rol exemplificativo <strong>de</strong> algumas autorida<strong>de</strong>s que po<strong>de</strong>m<br />

ser sujeitos passivos do habeas data (CF, art. 102,1, d; art. 105,1, b), as quais terão que<br />

justificar a razão <strong>de</strong> possuírem registros e dados íntimos sobre <strong>de</strong>terminados indivíduos,<br />

1 Pedro Henrique Távora Niess, FMUDIREITO na 04/35, apontando, também, a legitim ida<strong>de</strong> das chamadas<br />

pessoas formais: massa falida, herança jacente ou vacente, espólio, as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> fato, o condom ínio que<br />

tenha administrador ou síndico (Cód. Processo Civil, art. 12) e, em certos casos, as Mesas do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

da Câmara e da Assembléia Legislativa, bem com o as comunida<strong>de</strong>s indígenas (CF, arts. 103 e 232).<br />

2 Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, habeas data n2 1, Rei. Min. M ilton Pereira, Diário da Justiça, Seção I, 2 maio<br />

1989. Contra, in ad m itin d o ex ceçõ es: Vicente Grecco Filho afirm a que “a ação, portanto, é personalíssima,<br />

não adm ite pedido <strong>de</strong> terceiros e, sequer, sucessão no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pedir. A vida privada <strong>de</strong>ve ser muito respeitada,<br />

a ponto <strong>de</strong> se preservar a intim ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um, inclusive no âmbito familiar. Adm itir-se que outra pessoa,<br />

ainda que seja cônjuge ou filho, obtenha dados <strong>de</strong> alguém seria admitir a <strong>de</strong>vassa na vid a íntima do indivíduo,<br />

incompatível exatamente com o princípio que o novo instituto visou resguardar” (Tutela... Op. cit. p. 176).<br />

3 O Supremo Dribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u que Banco do Brasilnão tem legitim ida<strong>de</strong> passivaad causam para respon<strong>de</strong>r<br />

ao habeas data, pois “não figura como entida<strong>de</strong> governam ental - mas sim com o explorador <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

econôm ica -, nem se enquadra no conceito <strong>de</strong> registros <strong>de</strong> caráter público a que se refere o art. 5°, LXXII, a, da<br />

C F ’ (STF - Pleno - RE nD165.304/MG - Rei. Min. O ctávioGallotti. Decisão: 19-10-2000. Informativo STF n° 208).


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 5 3<br />

sob pena <strong>de</strong> responsabilização política, administrativa, civil e penal. Como bem observa<br />

Celso Bastos,<br />

“se não houver uma séria justificativa a legitimar a posse pela administração <strong>de</strong>stes<br />

dados, eles serão lesivos ao <strong>direito</strong> à intimida<strong>de</strong> assegurado no inc. X, do art. 5a,<br />

da Constituição. Em princípio, portanto, não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro público<br />

<strong>de</strong> dados relativos à intimida<strong>de</strong> da pessoa. Seria um manifesto contrassenso que<br />

houvesse o asseguramento <strong>constitucional</strong> do <strong>direito</strong> à intimida<strong>de</strong>, mas que concomitantemente<br />

o próprio texto <strong>constitucional</strong> estivesse a permitir o arquivamento<br />

<strong>de</strong> dados relativos à vida íntima do indivíduo”.1<br />

2.7 Procedimento (Lei nB9.507/97)<br />

O procedimento do habeas data, assim como o do mandado <strong>de</strong> injunção, não foram<br />

regulamentados imediatamente com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Assim, a<br />

doutrina e a jurisprudência passaram a aplicar-lhe o mesmo procedimento do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança.12 Com a edição da Lei ne 8.038/90, que institui normas procedimentais para<br />

os processos que especifica, perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, ficou expressamente estipulado que no mandado <strong>de</strong> injunção e no habeas data<br />

seriam observadas, no que coubesse, as normas do mandado <strong>de</strong> segurança, enquanto não<br />

editada legislação específica (art. 24, parágrafo único).<br />

Em relação aos habeas data, porém, foi editada a Lei na 9.507, <strong>de</strong> 12-11-1997, cuja<br />

ementa prevê: regula o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso à informação e disciplina o rito processual do habeas<br />

data.3 Anote-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que a citada lei ao disciplinar o procedimento do habeas<br />

data, guarda profunda semelhança com a Lei nB 1.533, <strong>de</strong> 31-12-1951, que regulamenta<br />

o procedimento do mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

Os processos <strong>de</strong> habeas data terão priorida<strong>de</strong> sobre todos os atos judiciais, exceto em<br />

relação ao habeas corpus e mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

O art. 8a da citada lei estipula que a petição inicial, que <strong>de</strong>verá preencher os requisitos<br />

dos arts. 282 a 285 do Código <strong>de</strong> Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os<br />

documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Além<br />

disso, seu parágrafo único prevê que a petição inicial <strong>de</strong>verá ser instruída com prova <strong>de</strong><br />

uma das três situações seguintes:<br />

• da recusa ao acesso às informações ou do <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias sem<br />

<strong>de</strong>cisão;<br />

• da recusa em fazer-se a retificação ou do <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze dias, sem<br />

<strong>de</strong>cisão;<br />

1 BASTOS, Celso; M ARTINS, IvesG andra da Silva. Op. cit. v. 2, p. 363.<br />

- SANCHES, Sydney Sanches. Inovações processuais na Constituição <strong>de</strong> 1988, R T 635/48-55, nD44.<br />

3 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O habeas data brasileiro e sua lei regulamentadora. Revista <strong>de</strong> Informação<br />

Legislativa n° 138, p. 89, abr./jun. 1998; WALD, Arnold; FONSECA, Rodrigo Garcia. O habeas data na Lei n°<br />

9.507/97. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, nD137, p. 303, fev./mar. 1998.


154 Direito Constitucional • Moraes<br />

• da recusa em fazer-se a anotação sobre a explicação ou contestação sobre <strong>de</strong>terminado<br />

dado, mesmo que não seja inexato, justificando possível pendência<br />

sobre o mesmo; ou o <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinze dias, sem <strong>de</strong>cisão.<br />

Enten<strong>de</strong>ndo a autorida<strong>de</strong> judicial ser caso <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferimento da petição inicial, seja<br />

por não ser caso <strong>de</strong> habeas data, seja por lhe faltar algum dos requisitos previstos na lei,<br />

po<strong>de</strong>rá o fazer <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, cabendo <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão o recurso <strong>de</strong> apelação (art. 15 da Lei<br />

ns 9.507/97).<br />

Não se tratando <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> in<strong>de</strong>ferimento, o juiz, ao <strong>de</strong>spachar a petição inicial,<br />

<strong>de</strong>terminará a notificação do coator, para que no prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias preste as informações<br />

que julgar necessárias. Juntamente com a notificação, seguirá a segunda via do habeas<br />

data instruída com a documentação inicial. Após o término <strong>de</strong>sse prazo, será ouvido o<br />

Ministério Público, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cinco dias, e os autos serão conclusos ao juiz para <strong>de</strong>cisão<br />

a ser proferida também em cinco dias.<br />

Da sentença que conce<strong>de</strong>r ou negar o habeas data caberá o recurso <strong>de</strong> apelação.<br />

Ressalte-se que no procedimento previsto para o habeas data só há lugar para recursos<br />

voluntários, não se repetindo a previsão do art. 12 da Lei nfi 1.533/51, que prevê o duplo<br />

grau <strong>de</strong> jurisdição obrigatório (reexame necessário) das <strong>de</strong>cisões concessivas do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança.<br />

Os prazos dos recursos no procedimento do habeas data, por ausência <strong>de</strong> expressa<br />

previsão na referida lei, são os mesmos previstos no Código <strong>de</strong> Processo Civil, contando-se<br />

em dobro para a Fazenda Pública e para o Ministério Público (CPC, art. 188).<br />

São legitimados para interposição do recurso <strong>de</strong> apelação: o impetrante; o Ministério<br />

Público; o coator e as entida<strong>de</strong>s governamentais, da administração pública direta e<br />

indireta, bem como as instituições, entida<strong>de</strong>s e pessoas jurídicas privadas que prestem<br />

serviços para o público ou <strong>de</strong> interesse público, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>tenham dados referentes às<br />

pessoas físicas ou jurídicas, a que pertencer o coator.<br />

A lei expressamente <strong>de</strong>termina no parágrafo único do art. 15 que: Quando a sentença<br />

conce<strong>de</strong>r o habeas data, o recurso terá efeito meramente <strong>de</strong>volutivo. Dessa forma, a execução<br />

da sentença concessiva <strong>de</strong> habeas data é imediata, mediante o específico cumprimento da<br />

<strong>de</strong>terminação da autorida<strong>de</strong> judiciária.<br />

Ressalte-se que apesar <strong>de</strong> a lei excluir o efeito suspensivo da sentença que conce<strong>de</strong>r<br />

o habeas data, existirá a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal ao qual competir o<br />

conhecimento do recurso or<strong>de</strong>nar ao juiz a suspensão da execução da sentença.<br />

Dessa forma, como regra geral, o juiz <strong>de</strong> I a grau está impossibilitado <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r<br />

efeito suspensivo ao recurso <strong>de</strong> apelação da sentença que conce<strong>de</strong>u o habeas data, nada<br />

impedindo, porém, a suspensão dos efeitos do habeas data por ato do Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal<br />

que <strong>de</strong>verá motivar seu <strong>de</strong>spacho, cabendo agravo para o Tribunal que o presida. Sendo<br />

assim, a suspensão da execução provisória da sentença concessiva <strong>de</strong> habeas data não<br />

po<strong>de</strong>rá ser obtida por meio do recurso <strong>de</strong> apelação, <strong>de</strong> qualquer outro recurso ou ação<br />

genérica, nem mesmo por mandado <strong>de</strong> segurança, vez que a própria lei estipula, <strong>de</strong> forma<br />

taxativa e expressa, a medida possível - <strong>de</strong>spacho do Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal.1<br />

1 Note-se que essa previsão, arL 16 da Lei n° 9.507, <strong>de</strong> 12-11-1997, tem redação sem elhante a o art. 13 da<br />

Lei n° 1.533, <strong>de</strong> 31-12-1951 (m andado <strong>de</strong> segurança), que foi analisado por H ely Lopes M eireles da seguinte


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 155<br />

A lei prevê, especificamente, que nos casos <strong>de</strong> competência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral e dos <strong>de</strong>mais Tribunais caberá ao relator a instrução do processo.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral isentou <strong>de</strong> custas e <strong>de</strong>spesas judiciais o processo <strong>de</strong> habeas<br />

data (CF, art. 5o, LXXVII), por tratar-se <strong>de</strong> mecanismo <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> soberania popular,<br />

através do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> conhecimento que é universal em um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.<br />

Essa previsão foi repetida no art 21 da citada lei.<br />

2.8 Direito ao conhecimento e à retificação<br />

Há dupla finalida<strong>de</strong> no habeas data.1 A primeira refere-se à obtenção <strong>de</strong> informações<br />

existentes na entida<strong>de</strong> governamental ou daquelas <strong>de</strong> caráter público. A segunda, consistente<br />

em eventual retificação dos dados nelas constantes. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> retificar eventuais<br />

informações errôneas, obsoletas ou discriminatórias constitui um complemento inseparável<br />

ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso às informações.<br />

Dessa forma, o habeas data tem natureza mista, pois se <strong>de</strong>senvolve em duas etapas.<br />

Primeiramente, será concedido ao impetrante o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso às informações (natureza<br />

mandamental); para, posteriormente, se necessário e <strong>de</strong>vidamente comprovada a<br />

necessida<strong>de</strong>, serem as mesmas retificadas (natureza constitutiva), salvo se o impetrante<br />

já tiver conhecimento dos dados e registros, quando então será possível a utilização <strong>de</strong>sse<br />

remédio <strong>constitucional</strong> somente para corrigi-las ou atualizá-las.<br />

Como ressaltam Canotílho e Vital Moreira,<br />

“o <strong>direito</strong> ao conhecimento dos dados pessoais existentes em registros informáticos<br />

é uma espécie <strong>de</strong> <strong>direito</strong> básico nesta matéria (habeas data já lhe chamaram)<br />

e <strong>de</strong>sdobra-se, por sua vez, em vários <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong>signadamente: (a) o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

acesso, ou seja, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> conhecer os dados constantes <strong>de</strong> registros informáticos,<br />

quaisquer que eles sejam (públicos ou privados); (b) o <strong>direito</strong> ao conhecimento da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos responsáveis bem como o <strong>direito</strong> ao esclarecimento sobre a finalida<strong>de</strong><br />

dos dados; (c) o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> contestação, ou seja, <strong>direito</strong> à rectificação dos dados e<br />

sobre i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e en<strong>de</strong>reço do responsável; (d) o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> actualização (cujo<br />

escopo fundamental é a correção do conteúdo dos dados em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sactualização);<br />

(e) finalmente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> eliminação dos dados cujo registro é interdito”.*12<br />

Ressalte-se que no habeas data bastará ao impetrante o simples <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhecer<br />

as informações relativas à sua pessoa, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> revelação das causas do<br />

requerimento ou da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que elas se prestarão à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, pois o<br />

form a: “Aprovisorieda<strong>de</strong> da sentença não transitada em julgado só se manifesta nos aspectos que não tolhem a or<strong>de</strong>m<br />

contida na notifícação do julgado. Sem esta presteza na execução ficaria invalidada a garantia <strong>constitucional</strong><br />

da segurança. Além disso, é <strong>de</strong> se recordar que para a sus pensão dos efeitos da sentença concessiva da segurança há<br />

recurso específico ao Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal (Lei ns 1.533/51, art. 13), o que está a indicar que essa suspensão não<br />

po<strong>de</strong> ser obtida por via <strong>de</strong> apelação ou <strong>de</strong> qualquer outro recurso genérico” ( Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 88).<br />

1 Diomar Ackel Filho, com base nessas finalida<strong>de</strong>s, classifica-os <strong>de</strong> habeas data preventivo (obter as inform a­<br />

ções) e habeas data repressivo (corrigi-las). “Writs” constitucionais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 152,<br />

2 CANOTÍLHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Comentários... Op. cit. p. 216.


1 5 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso é universal, não po<strong>de</strong>ndo ficar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> condições que restrinja seu<br />

exercício, nem mesmo em relação a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> um prazo <strong>de</strong> carência.<br />

A Lei na 9.507, <strong>de</strong> 12-11-1997, que regulamentou o rito processual do habeas data,<br />

trouxe uma terceira finalida<strong>de</strong> para esse remédio <strong>constitucional</strong>. Assim, além das duas<br />

finalida<strong>de</strong>s constitucionais já analisadas, prevê o inciso III do art. 7- da citada lei que<br />

conce<strong>de</strong>r-se-á habeas data para a anotação nos assentamentos do interessado, <strong>de</strong> contestação<br />

ou explicação sobre dado verda<strong>de</strong>iro, mas justificável, e que esteja sob pendência<br />

judicial ou amigável. Vislumbra-se nessa ampliação legislativa da incidência do habeas<br />

data a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> evitar-se ou remediar-se possíveis humilhações que possa sofrer o indivíduo<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados constantes que, apesar <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iros, seriam insuficientes para<br />

uma correta e ampla análise, possibilitando uma interpretação dúbia ou errônea, se não<br />

houvesse a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maiores esclarecimentos.1<br />

A lei, ainda, <strong>de</strong>terminou que n a <strong>de</strong>cisão que julgar proce<strong>de</strong>nte o pedido, o juiz marcará<br />

data e horário para que o coator apresente ao impetrante as informações a seu respeito,<br />

constantes <strong>de</strong> registros ou bancos <strong>de</strong> dados ou apresente em juízo a prova da retificação<br />

ou da anotação feita nos assentamentos do impetrante. A <strong>de</strong>cisão será comunicada ao<br />

coator, por correio, com aviso <strong>de</strong> recebimento, ou por telegrama, radiograma ou telefonema,<br />

conforme o requerer o impetrante, sendo que os originais, no caso <strong>de</strong> transmissão<br />

telegráfica, radiofônica ou telefônica, <strong>de</strong>verão ser apresentados à agência expedidora,<br />

com a firma do juiz <strong>de</strong>vidamente reconhecida.<br />

Anote-se que no caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>negatória, o pedido <strong>de</strong> habeas data po<strong>de</strong>rá ser<br />

renovado se não houver sido apreciado o mérito.<br />

2.9 Competência<br />

Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar originariamente o habeas<br />

data contra atos do Presi<strong>de</strong>nte da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, do Procurador-Geral da República e do<br />

próprio Tribunal.<br />

Além disso, o art. 102, II, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece competir ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral julgar em recurso ordinário os habeas data <strong>de</strong>cididos em única instância<br />

pelos Tribunais Superiores, se <strong>de</strong>negatória a <strong>de</strong>cisão.<br />

O art. 105,1, b, da Constituição <strong>de</strong>termina competir ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

julgar os habeas data contra atos <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, dos Comandantes da Marinha,<br />

do Exército e da Aeronáutica, ou do próprio Tribunal.12<br />

A Constituição estabelece, ainda, outras regras <strong>de</strong> competência sobre habeas data,<br />

competindo ao Tribunal Superior Eleitoral julgar em recurso ordinário o habeas data <strong>de</strong>negado<br />

pelos Tribunais Regionais Eleitorais (CF, art. 121, § 4a, Vj; aos Tribunais Regionais<br />

Fe<strong>de</strong>rais processar e julgar originariamente o habeas data contra ato do próprio Tribunal<br />

1 Sobre o alcance do habeas data, consultar: GOZAÍN1, Osvaldo A. El <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> amparo. Buenos Aires: De-<br />

palma, 1995. p. 167.<br />

2 Redação d a d a p ela EC n“ 23/99, promulgada em 2-9-1999.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 157<br />

ou <strong>de</strong> Juiz Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 108,1, c) e aos juizes fe<strong>de</strong>rais processar e julgar o habeas data<br />

contra ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, excetuados os casos anteriormente <strong>de</strong>scritos (CF, art.<br />

109, VIII).<br />

A EC na 45/04 trouxe como competência da Justiça do Trabalho os habeas data quando<br />

o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição (CF, art. 114, IV). Além<br />

disso, nos termos da citada emenda <strong>constitucional</strong>, o STF será competente para processar<br />

e julgar habeas data ajuizado em face dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério<br />

Público (CF, art. 102,1, r ).<br />

Por fim, com base no art 125, § I a, da Carta Magna, cada Estado-membro estabelecerá<br />

no âmbito da justiça estadual a competência para processo e julgamento do habeas data.1<br />

A Lei na 9.507/97, em seu art 20, preten<strong>de</strong>ndo regulamentar as competências originárias<br />

e recursais do julgamento do habeas data, simplesmente repetiu as previsões<br />

constitucionais já analisadas.<br />

2.10 H a b ea s data e dados sigilosos<br />

Outra questão difícil e importante em relação ao habeas data diz respeito ao seu<br />

cabimento em relação a dados e registros acobertados pelo sigilo da <strong>de</strong>fesa nacional.<br />

A doutrina diverge sobre o assunto, ora enten<strong>de</strong>ndo a amplitu<strong>de</strong> geral do habeas data,<br />

fundamentando-se na ausência <strong>de</strong> informações sigilosas em relação ao próprio informado;12<br />

ora a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua restrição a fatos relacionados com a <strong>de</strong>fesa nacional,3 aplicando-<br />

-se a ressalva do art. 5a, XXXIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4<br />

A Constituição da República Portuguesa, diferentemente da nossa, expressamente<br />

ressalva a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sigilo <strong>de</strong> dados sobre “o segredo <strong>de</strong> Estado e segredo <strong>de</strong> justiça”<br />

(art. 35, n° 1), na forma estabelecida em lei. Apesar da ressalva expressa, Canotilho<br />

1 A título <strong>de</strong> exemplo, a Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong>termina no art. 74 que compete ao Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça processar e ju lgar originariam ente os habeas data contra atos do Governador, da Mesa e da Presidência<br />

da Assembléia, do próprio Tribunal ou <strong>de</strong> algum <strong>de</strong> seus membros, dos Presi<strong>de</strong>ntes dos Tribunais <strong>de</strong> Contas<br />

do Estado e do Município <strong>de</strong> São Paulo, do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, do Prefeito e do Presi<strong>de</strong>nte da Câmara<br />

Municipal da Capital. De maneira semelhante, a Constituição do Estado <strong>de</strong> Tocantins, em seu art. 48, VII,<br />

com redação dada pela Emenda nQ4, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1992, estabelece competir ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça o<br />

habeas data contra atos do Governador do Estado, da Mesa da Assembléia Legislativa, do Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

do Estado, do Procurador-Geral do Estado, do Comandante-Geral da Polícia Militar, do titular da Defensoria<br />

Pública e do próprio Tribunal <strong>de</strong> Justiça e do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça. Em termos semelhantes o art. 108,<br />

V II, b, da Constituição do Estado do Ceará; o art. 46, VIII, g, da Constituição do Estado <strong>de</strong> Goiás; o art. 83, XI, c,<br />

da Constituição do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina e o art. 1 2 3 ,1,/, da Constituição do Estado da Bahia.<br />

2 TEMER, Michel. Elementos... Op. cit. p. 204; PACHECO, José da Silva. O mandado <strong>de</strong> segurança e... Op. cit.<br />

p. 282; GRECCO FILHO, Vicente. Tutela... Op. cit. p. 176; LÚCIO NOGUEIRA, Paulo. Instrumentos <strong>de</strong>... Op. cit.<br />

p. 33; M O TA , Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso. Op. cit. p. 304.<br />

3 MEIRELLES, H ely Lopes. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 152; ACKELFILHO, Diomar. “Writs"constitucionais.<br />

2. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 145; CRETELLAJR., José. Os“writs” na... Op. cit. p. 119.<br />

4 Art. 5o, XXXIII - todos têm <strong>direito</strong> a receber dos órgãos públicos informações <strong>de</strong> seu interesse particular, ou<br />

<strong>de</strong> interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, ressalvadas<br />

aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da socieda<strong>de</strong> e do Estado.


158 Direito Constitucional • Moraes<br />

e Vital Moreira afirmam que essa restrição ao conhecimento <strong>de</strong> dados está submetida aos<br />

limites constitucionais, impedindo-se que<br />

“a pretexto do segredo do Estado, ou do segredo <strong>de</strong> justiça, os dados pessoais sejam<br />

aqui remetidos para um simples domínio interno da administração secreta, livre da<br />

lei com inobservância dos princípios fundamentais <strong>de</strong> transparência, finalida<strong>de</strong>,<br />

proporcionalida<strong>de</strong>, actualida<strong>de</strong>e reserva da vida privada e familiar” .1<br />

Não obstante as diferenças entre ambas as constituições, parece ter sido essa a interpretação<br />

do antigo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, cujos ministros atualmente compõem<br />

o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça permitindo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que plenamente justificado, o sigilo da<br />

<strong>de</strong>fesa do Estado e da socieda<strong>de</strong>, ao proclamar<br />

“Vai daí que as disposições contidas no parágrafo único, art. 412, do Decreto na<br />

96.876/88 - Regulamento do SNI - quando aplicadas sem justificação objetiva, apenas<br />

com o sopro do subjetivismo da prevenção i<strong>de</strong>ológico-política, con<strong>de</strong>nsará ato<br />

<strong>de</strong>safiador à or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> atraindo a conveniente reparação pelo Judiciário.<br />

Nesse caso, o juiz examinará o bmite da atuação administrativa, <strong>de</strong>frontada com<br />

o princípio da exigibüida<strong>de</strong> do acesso às informações, quando for o caso, fazendo<br />

recuar os abusos e <strong>de</strong>svios da autorida<strong>de</strong> Ccompelling power justice).”2<br />

Enten<strong>de</strong>mos contrariamente a <strong>de</strong>cisão do antigo TFR, ou seja, pela impossibilida<strong>de</strong> da<br />

aplicação analógica da restrição existente no art 5fi, XXX111, em relação ao habeas data, pois<br />

estaríamos restringindo um <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> arbitrariamente, sem qualquer previsão<br />

do legislador constituinte. Nesse sentido, importante transcrevermos, parcialmente, voto<br />

vencido do então Ministro do extinto Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos no citado HD na 01,<br />

limar Galvão, hoje no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:<br />

“Por isso mesmo, a atual CF, ao instituir o habeas data, no art. 5Q, LXXII, para<br />

assegurar o conhecimento <strong>de</strong> informações relativas à pessoa do impetrante, ou a<br />

retificação dos respectivos dados, fê-lo sem qualquer restrição, residindo o mal-<br />

-entendido no fato <strong>de</strong> haver a Consultoria-geral da República conjugado o mencionado<br />

dispositivo com o inc. XXXIII, que não trata <strong>de</strong> informes pessoais, mas <strong>de</strong><br />

dados objetivos, acerca <strong>de</strong> outros assuntos porventura <strong>de</strong> interesse particular ou<br />

<strong>de</strong> interesse coletivo, coisa inteiramente diversa” (<strong>de</strong>staque nosso).<br />

Assim, inaplicável a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negar-se ao próprio impetrante todas ou algumas<br />

<strong>de</strong> suas informações pessoais, alegando-se sigilo em virtu<strong>de</strong> da imprescindibilida<strong>de</strong> à<br />

segurança da Socieda<strong>de</strong> ou do Estado. Essa conclusão alcança-se pela constatação <strong>de</strong> que<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> manter <strong>de</strong>terminados dados sigilosos direciona-se a terceiros que estariam,<br />

em virtu<strong>de</strong> da segurança social ou do Estado, impedidos <strong>de</strong> conhecê-los, e não ao próprio<br />

impetrante, que é o verda<strong>de</strong>iro objeto <strong>de</strong>ssas informações, pois se as informações forem<br />

verda<strong>de</strong>iras, certamente já eram <strong>de</strong> conhecimento do próprio impetrante, e se forem falsas,<br />

sua retificação não causará nenhum dano à segurança social ou nacional.<br />

1 CANOTILH O , J. J. Gomes; M O REIRA, Vital. Constitmção... Op. cit. p. 217.<br />

2 Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, Habeas Data nD1, Rei. Min. M ilton Pereira, Diário da Justiça, Seção 1,2 maio<br />

1989.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 5 9<br />

3 MANDADO DE SEGURANÇA<br />

3.1 Conceito e finalida<strong>de</strong><br />

O art. 5S, inciso LXIX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou novamente o mandado <strong>de</strong><br />

segurança, introduzido no <strong>direito</strong> brasileiro na Constituição <strong>de</strong> 1934 e que não encontra<br />

instrumento absolutamente similar no <strong>direito</strong> estrangeiro. Assim, a Carta Magna prevê a<br />

concessão <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança para proteger <strong>direito</strong> líquido e certo, não amparado<br />

por habeas corpus ou habeas data quando o responsável pela ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r for autorida<strong>de</strong> pública ou agente <strong>de</strong> pessoa jurídica no exercício <strong>de</strong> atribuições do<br />

Po<strong>de</strong>r Público.1<br />

Conforme <strong>de</strong>finido pela Lei ne 12.016/09, conce<strong>de</strong>r-se-á mandado <strong>de</strong> segurança para<br />

proteger <strong>direito</strong> líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre<br />

que, ilegalmente ou com abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer viola<br />

ção ou houver justo receio <strong>de</strong> sofrê-la por parte <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong> que categoria for<br />

e sejam quais forem as funções que exerça.<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles, é<br />

“o meio <strong>constitucional</strong> posto à disposição <strong>de</strong> toda pessoa física ou jurídica, órgão<br />

com capacida<strong>de</strong> processual, ou universalida<strong>de</strong> reconhecida por lei, para proteção<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> individual ou coletivo, líquido e certo, não amparado por habeas corpus<br />

ou habeas data, lesado ou ameaçado <strong>de</strong> lesão, por ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, seja <strong>de</strong> que<br />

categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.12<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança é conferido aos indivíduos para que eles se <strong>de</strong>fendam <strong>de</strong><br />

atos ilegais ou praticados com abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, constituindo-se verda<strong>de</strong>iro instrumento<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> civil e liberda<strong>de</strong> política.3 Desta forma, importante ressaltar que o mandado<br />

<strong>de</strong> segurança caberá contra os atos discricionários e os atos vinculados, pois nos primeiros,<br />

apesar <strong>de</strong> não se po<strong>de</strong>r examinar o mérito do ato, <strong>de</strong>ve-se verificar se ocorreram os<br />

pressupostos autorizadores <strong>de</strong> sua edição e, nos últimos, as hipóteses vinculadoras da<br />

expedição do ato.<br />

3.2 Espécies<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança po<strong>de</strong>rá ser repressivo <strong>de</strong> uma ilegalida<strong>de</strong> já cometida, ou<br />

preventivo quando o impetrante <strong>de</strong>monstrar justo receio <strong>de</strong> sofreruma violação <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

líquido e certo por parte da autorida<strong>de</strong> impetrada.4 Nesse caso, porém, sempre haverá a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovação <strong>de</strong> um ato ou uma omissão concreta que esteja pondo em<br />

1 Conferir Lei n“ 12.016, <strong>de</strong> 7-8-2009. Anteriormente, Lei n° 1.533, <strong>de</strong> 31-12-1951 e Lei n° 4.348, <strong>de</strong> 26-6-1964.<br />

2 MEIRELLES, H elyLopes. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 03.<br />

3 GUIMARÃES, A ry Florêncio. O mandado <strong>de</strong> segurança como instrumento <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> civil e <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

política. Estudos <strong>de</strong><strong>direito</strong>processualem homenagem aJoséFre<strong>de</strong>ricoMarques. São Paulo: Saraiva, 1982. Vários<br />

autores, p. 139.<br />

RT 661/112.


160 Direito Constitucional • Moraes<br />

risco o <strong>direito</strong> do impetrante, ou no dizer <strong>de</strong> Caio Tácito, “atos preparatórios ou indícios<br />

razoáveis, a tendência <strong>de</strong> praticar atos, ou omitir-se a fazê-lo, <strong>de</strong> tal forma que, a conservar-<br />

-se esse propósito, a lesão <strong>de</strong> <strong>direito</strong> se torne efetiva”.1<br />

3.3 Natureza jurídica<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança é uma ação <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> natureza civil, cujo objeto<br />

é a proteção <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e certo, lesado ou ameaçado <strong>de</strong> lesão, por ato ou omissão<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> pública ou agente <strong>de</strong> pessoa jurídica no exercício <strong>de</strong> atribuições do Po<strong>de</strong>r<br />

Público. Como afirmado por Castro Nunes,<br />

“garantia <strong>constitucional</strong> que se <strong>de</strong>fine por meio <strong>de</strong> pedir em juízo é garantia<br />

judiciária e, portanto, ação no mais amplo sentido, ainda que <strong>de</strong> rito especial e<br />

sumaríssimo”.12<br />

A natureza civil não se altera, nem tampouco impe<strong>de</strong> o ajuizamento <strong>de</strong> mandado<br />

<strong>de</strong> segurança em matéria criminal, inclusive contra ato <strong>de</strong> juiz criminal, praticado no<br />

processo penal.3<br />

3.4 Cabimento do mandado <strong>de</strong> segurança<br />

O cabimento do mandado <strong>de</strong> segurança, em regra, será contra todo ato comissivo ou<br />

omissivo <strong>de</strong> qualquer autorida<strong>de</strong> no âmbito dos Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado e do Ministério Público.<br />

Como salienta Ary Florêncio Guimarães,<br />

“<strong>de</strong>corre o instituto, em última análise, daquilo que os publicistas chamam <strong>de</strong> obrigações<br />

negativas do Estado. O Estado como organização sociojurídica do po<strong>de</strong>r não<br />

<strong>de</strong>ve lesar os <strong>direito</strong>s dos que se acham sob a sua tutela, respeitando, consequentemente,<br />

a lídima expressão <strong>de</strong>sses mesmos <strong>direito</strong>s, por via da ativida<strong>de</strong> equilibrada<br />

e sensata dos seus agentes, quer na administração direta, quer no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do serviço público indireto”.4<br />

O âmbito <strong>de</strong> incidência do mandado <strong>de</strong> segurança é <strong>de</strong>finido residualmente, pois<br />

somente caberá seu ajuizamento quando o <strong>direito</strong> líquido e certo a ser protegido não for<br />

amparado por habeascorpus ou habeas data.<br />

Po<strong>de</strong>mos assim apontar os quatro requisitos i<strong>de</strong>ntificadores do mandado <strong>de</strong> segurança:<br />

1 TÁCITO, Caio. RDA 61/220.<br />

2 NUNES, Castro. Do mandado <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong>outros meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contraatos do po<strong>de</strong>r público. 7. ed.<br />

(atualizada por José <strong>de</strong> Aguiar Dias). Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1967. p. 54.<br />

3 RTJ 83/255; R T 505/287. A respeito v e r preciosa lição <strong>de</strong> A d a Pellegrini Grinover. Mandado <strong>de</strong> segurança<br />

contra ato jurisdicional penal. Mandado <strong>de</strong> segurança (Coord. A roldo Plínio G onçalves). Belo H orizonte: Del<br />

Rey, 1996. p. 9-37, vários autores, p. 9-37.<br />

4 GUIMARÃES, A r y Florêncio. Op. cit. p. 141.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 6 1<br />

• ato comissivo ou omissivo <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> praticado pelo Po<strong>de</strong>r Público ou por<br />

particular <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação do Po<strong>de</strong>r Público; e, ainda, os representantes<br />

ou órgãos <strong>de</strong> partidos políticos e os administradores <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s autárquicas,<br />

bem como os dirigentes <strong>de</strong> pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercido<br />

<strong>de</strong> atribuições do po<strong>de</strong>r público, somente no que disser respeito a essas<br />

atribuições;<br />

• ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;<br />

• lesão ou ameaça <strong>de</strong> lesão;<br />

• caráter subsidiário: proteção ao <strong>direito</strong> líquido e certo não amparado por habeas<br />

corpus ou habeas data. Anote-se, nesse sentido, que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> obter certidões<br />

sobre situações relativas a terceiros, mas <strong>de</strong> interesse do solicitante (CF, art.<br />

5a, XXXTV) ou o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> receber certidões objetivas sobre si mesmo, não se<br />

confun<strong>de</strong> com o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> obter informações pessoais constantes em entida<strong>de</strong>s<br />

governamentais ou <strong>de</strong> caráter público, sendo o mandado <strong>de</strong> segurança, portanto,<br />

a ação <strong>constitucional</strong> cabível. Portanto, a negativa estatal ao fornecimento<br />

das informações englobadas pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> certidão configura o <strong>de</strong>srespeito a<br />

um <strong>direito</strong> líquido e certo, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r passível <strong>de</strong> correção<br />

por meio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança.1<br />

A Lei ne 1.533/51, em seu art. 5a, excluía o cabimento do mandado <strong>de</strong> segurança<br />

em três hipóteses: quando houvesse recurso administrativo com efeito suspensivo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> caução; contra <strong>de</strong>cisão judicial ou <strong>de</strong>spacho judicial para o qual haja<br />

recurso processual eficaz, ou possa ser corrigido prontamente por via <strong>de</strong> correição;12 contra<br />

ato disciplinar, a menos que praticado por autorida<strong>de</strong> incompetente ou com inobservância<br />

<strong>de</strong> formalida<strong>de</strong> essencial.<br />

Ocorre que a referida lei <strong>de</strong>via, por óbvio, ser interpretada <strong>de</strong> acordo com a garantia<br />

<strong>constitucional</strong>mente <strong>de</strong>ferida à proteção do <strong>direito</strong> líquido e certo. Portanto, sempre seria<br />

cabível o mandado <strong>de</strong> segurança se as três exceções previstas não forem suficientes para<br />

proteger o <strong>direito</strong> líquido e certo do impetrante. Assim, o particular não estava obrigado<br />

a exaurir a via administrativa para utilizar-se do mandado <strong>de</strong> segurança, pois esse não<br />

estava condicionado ao uso prévio <strong>de</strong> todos os recursos administrativos, uma vez que ao<br />

Judiciário não se po<strong>de</strong> furtar o exame <strong>de</strong> qualquer lesão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.3 Da mesma maneira,<br />

se o recurso administrativo com efeito suspensivo não bastasse para a tutela integral do<br />

<strong>direito</strong> líquido e certo, plenamente cabível o mandado <strong>de</strong> segurança.4 Igualmente, cabia<br />

mandado <strong>de</strong> segurança se o recurso judicial existente não possuísse efeito suspensivo que<br />

1 STJ - 6a T. - RMS ns 5.1951/SP; STJ - 6a T. - RMS n= 3.7355/MG - Rei. Min. Vicente Leal - Nesse sentido:<br />

Ementário STJ, 01/30; 05/35; 05/272; 09/13; 15/203;R T 614/185; 607/280,630/186 629/126. JTJ122/410;<br />

134/538; 148/106. C f. ainda estudo sob re o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> certidão: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Direitos humanos<br />

fundamentais. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 192; 117294/454.<br />

2 Súmula 267 - Não cabe m andado <strong>de</strong> segurança contra ato ju dicial passível <strong>de</strong> recurso ou correição.<br />

3 STF - Rextr. n2 22.212, Rei. Min. Lafayete <strong>de</strong> Andrada, ju lgado 12-5-53.<br />

4 Súmula 429: A Existência <strong>de</strong> recurso administrativo com efeito suspensivo não im pe<strong>de</strong> o uso do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança contra omissão da autorida<strong>de</strong>.


162 Direito Constitucional • Moraes<br />

possibilitasse a correção imediata da ilegalida<strong>de</strong>, colocando em risco o <strong>direito</strong> líquido e<br />

certo.1<br />

Em relação ao ato disciplinar, sempre será possível ao Judiciário, inclusive através<br />

do mandado <strong>de</strong> segurança, analisar os elementos do ato administrativo: sujeito, objeto,<br />

forma, m otivo e finalida<strong>de</strong>.12<br />

0 substrato <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do mandado <strong>de</strong> segurança é retirado do próprio texto <strong>constitucional</strong><br />

com a clara e precípua finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção aos inúmeros <strong>direito</strong>s constitucionais<br />

não amparados pelo habeas corpus ou pelo habeas data; não havendo, portanto,<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> restrições legais que impeçam sua efetiva utilização.<br />

Dessa forma, o novo texto da Lei nQ12.016/09, ao repetir hipóteses <strong>de</strong> não concessão<br />

do mandado <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>ve ser interpretada da mesma maneira que a anterior,<br />

ou seja, como regra relativa possível <strong>de</strong> afastamento sempre que as previsões legais não<br />

forem suficientes para a proteção do <strong>direito</strong> líquido e certo do impetrante, garantidos <strong>constitucional</strong>mente.<br />

Prevê a referida lei a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão do mandado <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong><br />

(1 ) ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

caução; (2 ) <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo; (3 ) <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

judicial transitada em julgado.<br />

O texto legal confirmou o pacífico entendimento pelo não cabimento do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança contra <strong>de</strong>cisão judicial com trânsito em julgado;3 mantendo, ainda, o posicionamento<br />

jurispru<strong>de</strong>ncial, da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança contra lei ou<br />

ato normativo em tese,4 salvo se veicularem autênticos atos administrativos, produzindo<br />

efeitos concretos individualizados.5<br />

Igualmente, nos termos da Lei nQ12.016/09, não cabe mandado <strong>de</strong> segurança contra<br />

os atos <strong>de</strong> gestão comercial praticados pelos administradores <strong>de</strong> empresas públicas, <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista e <strong>de</strong> concessionárias <strong>de</strong> serviço público.<br />

1 STF - 2 a T. - Petição n ° 764/RJ - m edida lim in ar - R e i Min. Paulo Brossard, R T J 149/413.<br />

2 SILVA VELLOSO, Carlos M ário. Temas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. Belo H orizon te: D e l Rey, 1994. p. 154.<br />

3 Súm ula/STF n 5 268: N ão cabe m andado <strong>de</strong> segurança contra <strong>de</strong>cisão ju d icia l co m trânsito em ju lga d o .<br />

4 Nesse sentido, S T F -M a n d a d o <strong>de</strong> Segurança na 22.500-9/PR - Rei. M in .S yd n eyS a n ch es, j. 25-4-96, citando<br />

inúm eros prece<strong>de</strong>ntes: RM S 5.094, R elator M inistro H enriqu e U A vila , j. 16-5-58, Ementário - v. 00406, p.<br />

00371; M S 8.712, R elator M inistro Luis G allotti, KTJ 19/65; Reclam ação 691, R ela to r M inistro Carlos M e<strong>de</strong>iros,<br />

Diário da Justiça, 24-8-66; M S 21.551, R ela to r M in istro O ctá vio G allotti, Diário da Justiça 20-11-92, p. 21.612,<br />

Ementário 01685.01-PP-00199; M S 21.274, R elator M inistro Carlos V elloso, Diário da Justiça 8-4-94, p. 07241,<br />

Ementário 01739.04PP-00658; M S 21.126, Relator Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça 14-12-90, p. 15.109,<br />

Em entáriov. 01606.01, p. 00048; M S 21.125, R e la to r M in istro Carlos V ello so , D iário da Justiça 14-12-90, p.<br />

15.109, Ementário v . 01606.01, p-00040; M S 20.533, R elator M in istro D jaci Falcão, Diário da Justiça 22-11-85,<br />

p. 21.335, Ementáriov. 01401.01, p. 00058; M S 20.444, R elator M inistro M oreira A lves, R T J 110 (2 ) p. 542; MS<br />

20.398, R elator M inistro A ld ir Passarinho, D iário da Justiça 2-12-83, p. 19.032, Ementário 01319.01 p. 00100;<br />

M S 20.210, R ela to r M in istro M o reira A lves, RTJ 96/1004; A G RM S, R ela to r M in istro D jaci Falcão, D iário da<br />

Justiça 1-7-88, p. 16.899, Ementário 01508.02, p. 00269.<br />

5 STJ - REsp. 17.295-0-CE - I a T. - R ei. M in . H u m berto G om es <strong>de</strong> Barros, Diário da Justiça, 10 m aio 1993.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 163<br />

3.5 Conceito <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e certo1<br />

Direito líquido e certo é o que resulta <strong>de</strong> fato certo, ou seja, é aquele capaz <strong>de</strong> ser comprovado,<br />

<strong>de</strong> plano, por documentação inequívoca.12 Note-se que o <strong>direito</strong> é sempre líquido<br />

e certo. A caracterização <strong>de</strong> imprecisão e incerteza recai sobre os fatos, que necessitam <strong>de</strong><br />

comprovação. Importante notar que está englobado na conceituação <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e<br />

certo o fato que para tornar-se incontroverso necessite somente <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada interpretação<br />

do <strong>direito</strong>,3 não havendo possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> o juiz <strong>de</strong>negá-lo, sob o pretexto <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong><br />

questão <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> complexida<strong>de</strong> jurídica.4<br />

Assim, a impetração do mandado <strong>de</strong> segurança não po<strong>de</strong> fundamentar-se em simples<br />

conjecturas ou em alegações que <strong>de</strong>pendam <strong>de</strong> dilação probatória incompatível com o<br />

procedimento do mandado <strong>de</strong> segurança.5<br />

3.6 Legitimação ativa - impetrante<br />

Sujeito ativo é o titular do <strong>direito</strong> líquido e certo, não amparado por habeas corpus<br />

ou habeas data. Tanto po<strong>de</strong> ser pessoa física como jurídica, nacional ou estrangeira, domiciliada<br />

ou não em nosso País, além das universalida<strong>de</strong>s reconhecidas por lei (espólio,<br />

massa falida, por exemplo) e também os órgãos públicos <strong>de</strong>spersonalizados, mas dotados<br />

<strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> processual (chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo, Mesas do Congresso, Senado, Câmara,<br />

Assembléias, Ministério Público, por exemplo). O que se exige é que o impetrante<br />

tenha o <strong>direito</strong> invocado, e que este <strong>direito</strong> esteja sob a jurisdição da Justiça brasileira.<br />

Dessa forma, possuem legitimação ad causam para requerer segurança contra ato<br />

ten<strong>de</strong>nte a obstar ou usurpar o exercício da integralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res ou competências<br />

as autorida<strong>de</strong>s públicas, titulares dos chamados <strong>direito</strong>s-função, que têm por objeto<br />

aposse e o exercício da função pública pelo titular que a <strong>de</strong>tenha, em toda a extensão das<br />

competências, atribuições e prerrogativas a elas inerentes.6 Assim, os órgãos públicos<br />

<strong>de</strong>spersonalizados, como, por exemplo, Mesas das Casas Legislativas, Presidências dos<br />

Tribunais, chefias do Ministério Público e do Tribunal <strong>de</strong> Contas, são legitimados para o<br />

ajuizamento <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança em relação a sua área <strong>de</strong> atuação funcional e em<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> suas atribuições institucionais.7<br />

1 Sérgio Ferraz elabora extenso e proveitoso estudo sobre as diversas correntes <strong>de</strong> pensamento sobre a expressão<br />

<strong>direito</strong> líquido e certo (.Mandado <strong>de</strong> segurança. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 12-22).<br />

2 RTJ 83/130. Conferir, ainda: STF - “A noção <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e certo, para efeito <strong>de</strong> impetração <strong>de</strong> mandado<br />

<strong>de</strong> segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito <strong>de</strong> situação que <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> fa to incontestável,<br />

vale dizer, <strong>de</strong> fato passível <strong>de</strong> comprovação documental imediata e inequívoca” (STF - Pleno - MS na<br />

21.865-7/RJ -R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,1a <strong>de</strong>z. 2006, p. 66).<br />

3 RTJ 150/104.<br />

4 NUNES, Castro. Do mandado <strong>de</strong> segurança e... Op. cit. p. 73.<br />

5 KTJ 70/437.<br />

6 RTJ 69/475;RDA45/319; R T 301/590; 321/529,339/370; 357/373; 371/120; 478/181.<br />

7 STF - MS n “ 21.239/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence; RTJ 147/104.


164 Direito Constitucional • Moraes<br />

A Lei nQ12.016/09 expressamente admitiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuizamento do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança pelo titular <strong>de</strong> <strong>direito</strong> líquido e certo <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, em condições<br />

idênticas, <strong>de</strong> terceiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o seu titular não ajuize o <strong>de</strong>vido writ no prazo <strong>de</strong> 30 dias,<br />

quando notificado judicialmente.<br />

Em relação ao Ministério Público, conforme o art 32 da Lei na 8.625/93 (Lei Orgânica<br />

Nacional do Ministério Público),1os Promotores <strong>de</strong> Justiça que atuam na primeira<br />

instância judicial po<strong>de</strong>m ajuizar mandado <strong>de</strong> segurança inclusive perante os tribunais<br />

locais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o ato ou a omissão ilegais advenham <strong>de</strong> juízo <strong>de</strong> primeira instância em<br />

processo que funcione, o que significa <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua esfera <strong>de</strong> atribuições, <strong>de</strong>terminadas<br />

pela lei. Conforme já tivemos a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar, em nossa obra conjunta com<br />

Pazzaglini, Smanio e Vaggione,<br />

“a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impetração <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança pelo Promotor <strong>de</strong> Justiça<br />

que atua em primeiro grau <strong>de</strong> jurisdição tem a mesma natureza da interposição<br />

<strong>de</strong> recurso aos Tribunais, que está distanciada da atribuição do Ministério Público<br />

junto aos Tribunais”.12<br />

É esse o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

exposto já na vigência da atual Lei Orgânica Nacional, afirmando que como o Ministério<br />

Público é parte na relação jurídica processual, po<strong>de</strong> utilizar-se do mandado <strong>de</strong> segurança<br />

quando enten<strong>de</strong> violado <strong>direito</strong> líquido e certo, competindo a impetração, perante os<br />

Tribunais locais, ao Promotor <strong>de</strong> Justiça quando o ato atacado emana <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> primeiro<br />

grau <strong>de</strong> jurisdição.3<br />

3.7 Legitimação passiva - impetrado<br />

Sujeito passivo é a autorida<strong>de</strong> coatora que pratica ou or<strong>de</strong>na concreta e especificamente<br />

a execução ou inexecução do ato impugnado, respon<strong>de</strong> pelas suas consequências<br />

administrativas e <strong>de</strong>tenha competência para corrigir a ilegalida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo a pessoa<br />

jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público, da qual faça parte, ingressar como litisconsorte.4 E firme e<br />

1 No Estado <strong>de</strong> São Paulo, a Lei Complementar Estadual nD 734, <strong>de</strong> 26-11-1993 (Lei Orgânica Estadual do<br />

Ministério Público) dispõe em seu art. 121, expressamente, a faculda<strong>de</strong> dos Prom otores <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> impetrar<br />

mandado <strong>de</strong> segurança perante os Tribunais.<br />

2 PAZZAGLINI FILHO, M arino; MORAES, A lexandre <strong>de</strong>, SMANIO, G ianpaolo Poggio, VAGGIONE, Luiz Fernando.<br />

Op. cit. p. 80.<br />

3 STF - 2g T. - Habeas Corpus ne 69.802-6 - Rei. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção 1,2 abr. 1993; STF -<br />

KTJ128/1199; S T J - Recurso em Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 5.370-9 - Rei. Min. Barros Monteiro, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 29 maio 1995; STJ - Recurso em mandado <strong>de</strong> segurança nQ1.447-0-SP - Rei. Min. Vicente Cernicchiaro,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 14 mar. 1994, p. 4.533. Para conferir a ín tegra das em entas, ver nosso Juizado especial<br />

criminal: aspectos práticos da Lei nD9.099/95, em conjunto com Pazzaglini, Smanio e Vaggione, São Paulo: Atlas,<br />

1996, p. 80-82.<br />

4 Conform e <strong>de</strong>stacou o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “ em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, <strong>de</strong>ve figurar no<br />

polo passivo a autorida<strong>de</strong> que, por ação ou omissão, <strong>de</strong>u causa à lesão jurídica <strong>de</strong>nunciada e é <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong><br />

atribuições funcionais próprias para fazer cessar a ilegalida<strong>de</strong>” (STJ - 3a Seção - MS nQ3.864-6/DF - Rei. Min.<br />

Vicente Leal ,Diário da Justiça, Seção I, 22 set. 1997, p. 46.321).


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 165<br />

dominante a jurisprudência no sentido <strong>de</strong> que a indicação errônea da autorida<strong>de</strong> coatora<br />

afetará uma das condições da ação (legitimado ad causam), acarretando, portanto, a extinção<br />

do processo, sem julgamento <strong>de</strong> mérito,1salvo “se aquela pertence à mesma pessoa<br />

jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público; porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual,<br />

o que preserva a condição da ação”.12<br />

A Lei na 12.016/09 consi<strong>de</strong>ra autorida<strong>de</strong> coatora aquela que tenha praticado o ato<br />

impugnado ou da qual emane a or<strong>de</strong>m para a sua prática.<br />

Reafirme-se que a pessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público sempre será parte legítima para<br />

integrar a li<strong>de</strong> em qualquer fase, pois suportará o ônus da <strong>de</strong>cisão proferida em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mandado <strong>de</strong> segurança.3<br />

A doutrina, porém, não é unânime em relação ao posicionamento jurispru<strong>de</strong>ncial,<br />

ora também enten<strong>de</strong>ndo que sujeito passivo seria a pessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público que<br />

suportará os efeitos da possível concessão do writ,4 ora que os sujeitos passivos, em litisconsórcio<br />

necessário, seriam a autorida<strong>de</strong> coatora e a pessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público.5<br />

Po<strong>de</strong>rão ser sujeitos passivos do mandado <strong>de</strong> segurança os praticantes <strong>de</strong> atos ou<br />

omissões revestidos <strong>de</strong> força jurídica especial e componentes <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res<br />

da União, Estados e Municípios, <strong>de</strong> autarquias, <strong>de</strong> empresas públicas e socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

economia mista exercentes <strong>de</strong> serviços públicos e, ainda, <strong>de</strong> pessoas naturais ou jurídicas<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado com funções <strong>de</strong>legadas do Po<strong>de</strong>r Público,6 como ocorre em relação às<br />

concessionárias <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> utilida<strong>de</strong> pública.7<br />

Nesse sentido, expressamente a Lei n2 12.016/09 equiparou às autorida<strong>de</strong>s, para<br />

fins <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, os representantes ou órgãos <strong>de</strong> partidos políticos e os administradores<br />

<strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s autárquicas, bem como os dirigentes <strong>de</strong> pessoas jurídicas ou<br />

as pessoas naturais no exercício <strong>de</strong> atribuições do po<strong>de</strong>r público, somente no que disser<br />

respeito a essas atribuições.<br />

1 STJ, 2a T., A gR g no REsp 1400114/PB, Rei. Min. Humberto M artins,DJe 25-10-2013; STJ, 1“ T , RM S30561/<br />

G O , R ei. M in. Teori Zavascki, DJe 20-9-2012; STJ - I a T. - Rec. Esp. nD55.947-2-DF - R ei. M in. M ilton Luiz<br />

Pereira;j. 30-8-95; v.u., ementa - Ementário A A S P n ° 1971, 2 a 8 out. 1995, p. 79-e.<br />

2 STJ, 2a T., AgR g no RM S 39688/PB, Rei. M in. Mauro Campbell, DJe 27-9-2013; STJ, 2 » T., A gR g no RM S n«<br />

35.638/ M A, ReL Min. Herman Benjamim, D J 12-4-2012.<br />

3 S TJ-R esp . n a 135.988/CE - Rei. M in. José Delgado, Diário da Justiça, Seção I, 6 out. 1997, p. 49.904.<br />

4 FERRAZ, Sérgio. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 42; BASTOS, Celso; M ARTINS, Ives Gandra da Silva.<br />

Op. cit. p. 340. v. 2.<br />

5 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. A autorida<strong>de</strong> coatora e osujeito passivo do mandado <strong>de</strong> segurança. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1991. p. 33.<br />

6 Súmula/STF n ° 510: Praticado o ato p o r autorida<strong>de</strong>, no exercício <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>legada, contra ela cabe<br />

o mandado <strong>de</strong> segurança ou m edida judicial.<br />

7 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “A lei po<strong>de</strong> atribuir a pessoa ju rídica <strong>de</strong> D ireito Privado<br />

certas funções próprias do Po<strong>de</strong>r Público. Foi o que se <strong>de</strong>u quando a CLT atribuiu à Caixa Econômica Fe<strong>de</strong>ral<br />

a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arrecadação e distribuição da Contribuição Sindical. A gin do como Po<strong>de</strong>r Público, a CEF é parte<br />

passiva legítim a no mandado <strong>de</strong> segurança” (STJ - I a T. Resp. n° 63.580/DF - Rei. Min. César Asfor Rocha, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 6 out. 1997, p. 49.879). Nesse mesmo sentido: S T J - I a Seção; Confl. <strong>de</strong> Comp. nQ14.974-<br />

PE; Rei. Min. M ilton Luiz Pereira; j. 10-10-1995; v.u.; em enta -Ementário AASPn0 1971, p. 78-e. Na doutrina:<br />

MEIRELLES, H e ly Lopes. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 11; TEMER, M ich el.Elementos... Op. cit. p. 177.


166 Direito Constitucional • Moraes<br />

Anote-se que em relação ao mandado <strong>de</strong> segurança ajuizado contra ato <strong>de</strong> Promotor<br />

<strong>de</strong> Justiça, a jurisprudência enten<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma pacífica pela competência do juízo<br />

monocrático,1diferentemente, portanto, do que ocorre com o já estudado habeas corpus.<br />

Saliente-se, por fim, que na hipótese <strong>de</strong> ajuizamento <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança criminal,<br />

por parte do Ministério Publico e em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial favorável ao réu, esse<br />

<strong>de</strong>verá ser chamado ao processo para intervir como litisconsorte passivo necessário, uma<br />

vez que a concessão da segurança certamente afetará sua situação jurídica. Conforme<br />

<strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, concluindo pela obrigatorieda<strong>de</strong> da citação do réu,<br />

na condição <strong>de</strong> litisconsorte passivo necessário,<br />

“o mandado <strong>de</strong> segurança não po<strong>de</strong> ser uma via transversa para afastar as garantias<br />

constitucionais da ampla <strong>de</strong>fesa, do contraditório e do <strong>de</strong>vido processo legal”.12<br />

3.8 Prazo para impetração do mandado <strong>de</strong> segurança<br />

O prazo para impetração do mandado <strong>de</strong> segurança é <strong>de</strong> cento e vinte dias, a contar da<br />

data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado.3 Esteprazo<br />

é <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial do <strong>direito</strong> à impetração, e, como tal, não se suspen<strong>de</strong> nem se interrompe<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que iniciado. Dentro do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial, o pedido <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança<br />

po<strong>de</strong>rá ser renovado, se a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>negatória não lhe houver apreciado o mérito.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>cidiu que não ofen<strong>de</strong> a Constituição a norma que<br />

estipula prazo para impetração do mandado <strong>de</strong> segurança,4 tendo reiteradas vezes proclamado<br />

a plena compatibilida<strong>de</strong> vertical do art. 18 da Lei n2 1.533/51 com o vigente texto<br />

da Constituição da República.5 Igualmente ressalta o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que,<br />

1 Ementário da Jurisprudência STJ15/172 - Ementa n2 363 - CC n2 14.396-0/DF - Rei. Min. Cesar Asfor R o­<br />

cha, Segunda Seção; S T J - CC nc 0012282-0/DF - Rei. Min. A ntonioTorreão Braz, Segunda Seção. v.u.Diário<br />

da Justiça, Seção I, 8 maio 1995, p. 12.281. E, ainda, TJ/SP - RMS nQ12520-0, Rei. Des. Odyr Porto, j. 9 maio<br />

1991; TJ/PR - HC nD57696 - Rei. Eli <strong>de</strong> Souza. Contra esse entendimento, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong> competência do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça o mandado <strong>de</strong> segurança contra ato do Prom otor <strong>de</strong> Justiça: NERY JUNIOR, Nelson; NERY,<br />

Rosa Maria Andra<strong>de</strong>. Código... Op, cit. p 2.199.<br />

2 Informativo STF - Brasília, 8 a 12 set. 1997: HC 75.853-SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, 9-9-97. Ementa:<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança do MP contra <strong>de</strong>cisão judicial penal: litisconsórcio passivo necessário do réu beneficiado<br />

(HC 75.853-SP - DJ, 17 out. 1997, p. 52.492) e ainda, STF - I a T. - HC nD75.025-7/SP - Rei. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 5 <strong>de</strong>z. 1997, p. 63.904.<br />

3 STF - Plen o - ROMS nD24.602-6/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 27 fev. 2004,<br />

p. 27; STF - 2a T. - MC em MS nQ26.089-1/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 14 set.<br />

2006, p. 28.<br />

4 STF - I a T., RMS nQ21.476-7/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, j. 16-6-92, v.u., Diário da Justiça, Seção I, 4 set.<br />

1992, p. 14.090; S T F -M a n d a d o <strong>de</strong> SegurançanQ22.460-6/DF (m edida liminar) - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, j.<br />

4-3-96; STF - Pleno - AgR g (M S ) n Q23.795-3/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 2 mar.<br />

2001, p. 3. Conferir Súmula STF 632: “ É <strong>constitucional</strong> lei que fixa o prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência para a impetração<br />

<strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança.”<br />

5 KTJ145/186. Nesse sentido: MEIRELLES, H ely Lopes. Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 28-30; ACKEL FI­<br />

LHO, Diomar. Op. cit. p. 105. Contra, sustentando a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do referido prazo: FERRAZ, Sérgio.<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança... Op. cit. p. 100.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 6 7<br />

“muito embora a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não estabeleça prazo para impetração do<br />

writ, nada impe<strong>de</strong> que a legislação ordinária o faça. Por isso o art. 18, da Lei ne<br />

1.533 foi recepcionado pela nova Carta. Portanto, ocorre a <strong>de</strong>cadência quando a<br />

propositura da ação mandamental ultrapassar o prazo limite <strong>de</strong> 120 dias estabelecido<br />

na norma infra<strong>constitucional</strong>”.1<br />

Alfredo Buzaid salientava que<br />

“o prazo para impetrar mandado <strong>de</strong> segurança, que é <strong>de</strong> cento e vinte dias, começa<br />

a fluir da ciência, pelo interessado, do ato a ser impugnado (Lei na 1.533/51, art.<br />

18). Geralmente conta-se o prazo a partir da publicação no Diário Oficial ou pela<br />

notificação individual do ato a ser impugnado, que lesa ou ameaça violar <strong>direito</strong><br />

líquido e certo. Estas são as duas formas conhecidas <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> do ato administrativo.<br />

A comunicação pessoal, feita ao titular do <strong>direito</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>corrido<br />

o prazo <strong>de</strong> cento e vinte dias, não tem a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> reabrir o prazo já esgotado.<br />

Tal prazo extintivo, uma vez iniciado, flui continuamente; não se suspen<strong>de</strong> nem<br />

se interrompe”.12<br />

Essa é a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça3 e do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, cujos julgados assinalaram que o termo inicial do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial para<br />

impetração do mandado <strong>de</strong> segurança tem início com a publicação do ato impugnado no<br />

Diário Oficial,4<br />

Ressalte-se, por fim, que, em se tratando <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança preventivo, inexiste<br />

a aplicação do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 120 (cento e vinte) dias previsto na legislação<br />

infra<strong>constitucional</strong>.5 *<br />

3.9 Competência<br />

A competência para processar e julgar o mandado <strong>de</strong> segurança é <strong>de</strong>finida em função<br />

da hierarquia da autorida<strong>de</strong> legitimada a praticar a conduta, comissiva ou omissiva, que<br />

1 STJ - RMS n2 710-0/RS - 2a T. - j. 18-8-93 - Rei. Min. Am érico Luz, Diário da justiça, Seção I, 20 set. 1993.<br />

No mesmo sentido os seguintes julgados do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: MS n 95 806, 1.221,1.222, o RMS n9<br />

764-O/GO e o RMS 255-0/SP. Conferir, ainda, STJ - 6à T. - MS n9 5.969/ES - Rei. Min. Vicente Leal, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 22 set. 1997, p. 46.559.<br />

2 BUZAID, Alfredo. O mandado <strong>de</strong>segurança. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1. p. 160.<br />

3 STJ - 2a T . - Resp 123 0048/PR -R ei. Min. Castro Meira, <strong>de</strong>cisão: 17-5-2011.<br />

4 RTJ 110/71; RTJ 103/965; RTJ 126/945; R TJ142/161. Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF: “A publicação do ato<br />

impugnado no ‘Diário O ficial’ constitui o term o inicial do prazo <strong>de</strong> cento e vinte dias para impetrar mandado<br />

<strong>de</strong> segurança (Lei 1.533/51, art. 18), contando-se a partir do prim eiro dia útil seguinte à publicação” (STF -<br />

Pleno - MS na2 2 .3 0 3 -l/ R J -R el. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 3 set. 1999. p. 26). Cf., ainda:<br />

STF - Pleno - MS n9 21.356 (AgRg)/D F - Rei. Min. Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 12-9-91; RTJ 140/73.<br />

5 S T J -2 aT. -v.u . - Agr. Reg. no Agr. Instr. nD104.566-SC (96.0016446-0), Rei. Min. Antônio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 25 nov. 1996, p. 46.195.


168 Direito Constitucional • Moraes<br />

possa resultar em lesão ao <strong>direito</strong> subjetivo da parte1e não será alterada pela posterior<br />

elevação funcional da mesma.12<br />

A Lei ne 12.016/09 consi<strong>de</strong>ra fe<strong>de</strong>ral a autorida<strong>de</strong> coatora se as consequências <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem <strong>de</strong> ser suportadas<br />

pela União ou entida<strong>de</strong> por ela controlada.<br />

3.10 Competência do mandado <strong>de</strong> segurança contra atos e omissões <strong>de</strong><br />

tribunais<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral carece <strong>de</strong> competência <strong>constitucional</strong> originária para<br />

processar e julgar mandado <strong>de</strong> segurança impetrado contra qualquer ato ou omissão <strong>de</strong><br />

Tribunal judiciário, tendo sido o art. 21, VI, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional<br />

(Loman) inteiramente recepcionado.3 Por essa razão, a jurisprudência do Supremo é<br />

pacífica em reafirmar a competência dos próprios Tribunais para processarem e julgarem<br />

os mandados <strong>de</strong> segurança impetrados contra seus atos e omissões.4<br />

Assim sendo, não se encontra no âmbito das atribuições jurisdicionais da Suprema<br />

Corte a apreciação do writ mandamental, quando ajuizado, p>or exemplo, em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberações<br />

emanadas do Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Sup>erior do Trabalho, do<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, do Sup>erior Tribunal Militar, dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos<br />

Estados, dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e, ainda, dos Tribunais <strong>de</strong> Alçada.5<br />

O mesmo ocorre em relação ao STJ, cuja Súmula n° 41 proclama: “O Sup>erior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça não tem competência para processar e julgar, originariamente, mandado <strong>de</strong><br />

segurança contra ato <strong>de</strong> outros Tribunais ou dos respectivos órgãos.”<br />

Anote-se, ainda, que não se encontra no rol <strong>de</strong> competências do Pretório Excelso o<br />

julgamento <strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> segurança ajuizados contra <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> suas turmas, visto que<br />

essas, quando julgam feitos <strong>de</strong> sua competência, representam o próprio Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (RTJ160/480).<br />

A mesma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impetração <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança ocorre contra<br />

atos <strong>de</strong> conteúdo jurisdicional emanados pelo Plenário do STF, uma vez que a revisão <strong>de</strong><br />

1 STF - M an dado <strong>de</strong> Segurança ns 2 2 .6 0 6 -4 /R J - Rei. M in. lim a r G alvão, Diário da Justiça, S eção 1 ,1 out.<br />

1996, p. 36.757.<br />

2 STJ - 3a S eção - Mandado <strong>de</strong> Segurança n ° 3.244/D F, relator origin ário M in. Vicente Leal, relatorp ara o<br />

acórdão Min. José Dantas, Diário da Justiça, S eção 1 ,23 set. 1996, p. 35.046.<br />

3 Súmula 3 30: “O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral n ão é com petente p a ra conhecer <strong>de</strong> m an dado <strong>de</strong> segurança contra<br />

atos dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos E stados.” Conferir, ain da, a S ú m u la 624: “N ão com pete ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral conhecer originariam ente <strong>de</strong> m an dado d e segu ran ça contra atos <strong>de</strong> outros tribunais.”<br />

4 STF - Mandado <strong>de</strong> Segurança nn 2 2 .4 8 5 -1 /R S (m edida lim in ar) - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 2 7 mar. 1996, p. 8 .9 2 0 ; STF - M andado <strong>de</strong> Segurança n ° 21.4 4 7 /P E , Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; STF -<br />

Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 22.041 (A gR g),R el. Min. C elso <strong>de</strong> M ello; KTJ 7 0 /6 4 5 ; KTJ 7 8 /8 7 ; RTJ 1 1 7 /6 5 ; RTJ<br />

1 2 0 /7 3 ; RTJ 1 2 8 /1 0 1 ; RTJ 1 2 9 /1 0 7 0 ; RTJ 1 3 2 /7 0 6 ;RTJ 1 3 2 /7 3 8 ; RTJ 1 4 1 /1 0 2 5 ; RTJ 1 5 1 /4 8 2 .<br />

5 STF - A gR eg em MS n“ 22.427-5/PA (m edida lim inar) - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I,<br />

2 fe v. 1996, p. 1.893; S T J - 3 a Seção; MS nü 3.595-9/DF; ReL M in. Jesus Costa L im a ;j. 6-4-95; v.u.; DJV, Seção<br />

1 ,15-5-95, p. 13.355.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 6 9<br />

suas <strong>de</strong>cisões somente será possível pela via da ação rescisória (R T J 53/345; R TJ 61/308;<br />

R T J 90/27).<br />

Em relação aos Juizados Especiais, compete à própria Turma Recursal o julgamento<br />

<strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança impetrado contra seus atos;1 também, sendo competência da<br />

Turma Recursal quando utilizado como medida substitutiva <strong>de</strong> recurso cabível contra<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> Juiz do Juizados Especiais.12<br />

3.11 Mandado <strong>de</strong> segurança individual e coletivo e liminares<br />

A concessão da liminar em mandado <strong>de</strong> segurança encontra assento no próprio<br />

texto <strong>constitucional</strong>. Assim, presentes os requisitos necessários à liminar, os seus efeitos<br />

imediatos e imperativos não po<strong>de</strong>m ser obstados.3<br />

Ocorre que a doutrina e a jurisprudência discutem importante questão sobre a<br />

disciplina das medidas liminares no mandado <strong>de</strong> segurança retirar sua força do próprio<br />

texto <strong>constitucional</strong> ou da legislação processual. As consequências da opção são amplas,<br />

principalmente porque no primeiro caso não será possível a edição <strong>de</strong> lei ou ato normativo<br />

impedindo a concessão <strong>de</strong> medida liminar em mandado <strong>de</strong> segurança, enquanto, pela<br />

segunda hipótese, nada obstará tal norma.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral teve oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discutir amplamente essa questão<br />

no julgamento da Ação Direta <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n° 223-6/DF, ajuizada contra a<br />

Medida Provisória nfi 173, que proibia a concessão <strong>de</strong> liminares em ações contra o Plano<br />

Econômico Collor I.<br />

A <strong>de</strong>cisão majoritária da Suprema Corte, com base no voto do Ministro Sepúlveda<br />

Pertence, enten<strong>de</strong>u que a restrição à concessão <strong>de</strong> liminares não acarretaria automaticamente<br />

lesão ao <strong>direito</strong> do indivíduo, pois “as medidas cautelares servem, na verda<strong>de</strong>, ao<br />

processo, e não ao <strong>direito</strong> da parte”, pois “visam dar eficácia e utilida<strong>de</strong> ao instrumento<br />

que o Estado engendrou para solucionar os conflitos <strong>de</strong> interesse dos cidadãos”. Desta<br />

forma, não se <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da previsão normativa, ressaltando-se<br />

porém no voto do citado Ministro que<br />

“a solução estará no maneio do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto,<br />

nenhuma medida provisória po<strong>de</strong> subtrair ao juiz da causa um exame da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

inclusive sob o prisma da razoabilida<strong>de</strong>, das restrições impostas ao<br />

po<strong>de</strong>r cautelar, para, se enten<strong>de</strong>r abusiva essa restrição, se a enten<strong>de</strong>r in<strong>constitucional</strong>,<br />

conce<strong>de</strong>r a liminar, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> dar aplicação, no caso concreto, à medida<br />

provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue in<strong>constitucional</strong>,<br />

porque abusiva”.<br />

1 STF - Pleno - MS na 24.691 - Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL p/ acórdão M in. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 4-12-<br />

2003. Informativo STF nü 332.<br />

2 STF - Plen o - RE 586789/PR - R ei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 16-11-2011.<br />

3 S T J - l aT. - Rec. E sp .n °5 2 .8 8 1 -R J -R el. Min. M ilton I.uiz Pereira;j. 9-8-95; v.u.; Diárioda Justiça, Seção I,<br />

25 set. 1995, p. 31.077; T R F - l aR egião, 4a T.; A g. <strong>de</strong>In str.n 0 93.01.11982-0-DF; ReL JuizEustáquio Silveira,<br />

Diário da Justiça, Seção n, 30 mar. 1995, p. 17.143.


170 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, apesar <strong>de</strong> não <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da referida medida provisória,<br />

por reconhecer que a liminar não é um <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, mas uma garantia legal<br />

do juízo, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral expressamente autorizou que cada juiz, perante o<br />

caso concreto, realizasse o controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, e conce<strong>de</strong>sse ou não a<br />

liminar, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da proibição da medida provisória.1<br />

Os Ministros Paulo Brossard e Celso <strong>de</strong> Mello enten<strong>de</strong>ram que a medida provisória<br />

estaria eivada <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, inclusive em relação à supressão das liminares<br />

do mandado <strong>de</strong> segurança, pois que retiram sua força do próprio texto <strong>constitucional</strong>.<br />

Posteriormente, em novo julgamento o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u limi<br />

narmente diversos artigos da Medida Provisória n° 375, em face <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

afirmando que a limitação à concessão <strong>de</strong> medidas liminares pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário é<br />

incompatível com a Constituição.12<br />

Nesse julgamento, o Pleno do Pretório Excelso concluiu que a vedação à concessão<br />

<strong>de</strong> liminares “obstrui o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação<br />

jurisdicional e atentando contra a separação dos po<strong>de</strong>res, porque sujeita o Judiciário ao<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo”.3<br />

Enten<strong>de</strong>mos que, presentes os requisitos ensejadores da medida liminar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mandado <strong>de</strong> segurança, a concessão da medida liminar será ínsita à finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> proteção ao <strong>direito</strong> líquido e certo, sendo qualquer proibição por ato normativo<br />

eivada <strong>de</strong> absoluta in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, uma vez que se restringiría a eficácia do remédio<br />

<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong>sprotegido o <strong>direito</strong> líquido e certo do impetrante.<br />

Dessa forma, na eventualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> leis ou atos normativos que proíbam ou<br />

reduzam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> liminares em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

po<strong>de</strong>rá o juiz afastar, difusamente, a incidência daquelas espécies normativas por in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

e conce<strong>de</strong>r a necessária medida.4<br />

Nesses mesmos termos o Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>verá nos mandados <strong>de</strong> segurança coletivos,<br />

nas hipóteses em que a redução na concessão <strong>de</strong> medida liminar inaudita altera partes pelo<br />

§ 2Qdo art. 22 da Lei nQ12.016/09 (art. 22, § 2Q- “no mandado <strong>de</strong> segurança coletivo,<br />

a liminar só po<strong>de</strong>rá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa<br />

jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público, que <strong>de</strong>verá se pronunciar no prazo <strong>de</strong> 72 (setenta e duas)<br />

horas”) criar obstáculo à prestação jurisdicional e à <strong>de</strong>fesa do <strong>direito</strong> líquido e certo do<br />

impetrante, afastar, difusamente, a incidência da norma para o caso concreto, <strong>de</strong>clarando<br />

sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.5<br />

1 VIEIRA, O scar Vilhena. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: jurisprudência política. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1994. p. 144.<br />

2 RAMOS, Elival Silva. A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis. São Paulo: Saraiva, 1994.<br />

3 STF - Pleno - Adin n ° 975-3- m e d id a lim inar - Rei. Min. Carlos Velloso, D iário da Justiça, Seção I, 20 jun.<br />

1997, p. 28.467.<br />

4 Enten<strong>de</strong>m os q u e isso se rá p ossível em relação ao § 2a, do art. 7°, da L ei nc 12.016/09, que estabelece: “Não<br />

será concedida m edida lim inar que tenha p or objeto a compensação <strong>de</strong> créditos tributários, a entrega <strong>de</strong> m ercadorias<br />

e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação <strong>de</strong> servidores públicos e a concessão<br />

d e aum ento ou a exten são d e v an tagen s ou pagam ento <strong>de</strong> qualquer natureza.”<br />

5 Conferir n esse sentido: T J/S P - Ó rgão Especial - Agravo Regim ental em Suspensão <strong>de</strong> Segurança n ° 0162636-<br />

3 0 .2 0 1 1 .8 .2 6 .0 0 0 0 - Rei. p / Acórdão Des. R enato N alin i, <strong>de</strong>cisão: l°-9-2011. Cf., ainda: STF - Suspensão <strong>de</strong><br />

Segu ran ça n ° 4 5 0 0 /S P - Rei. Min. Presi<strong>de</strong>nte Cezar Peluso.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 171<br />

3.12 Tutela dos <strong>direito</strong>s líquidos e certos -mandado <strong>de</strong> segurança - recurso<br />

ordinário <strong>constitucional</strong> STJ<br />

STJ<br />

.1<br />

PJEVF50 ÜRIWNMUO<br />

rçfJSTTr.inomí<br />

fcíó ccsiÍeí-sT^ü- |<br />

■ CF, art. 105, II, “b"<br />

|_ COJlãã'^<br />

HAHQADO DL SKU H AN Ç A<br />

— r—<br />

JUIZ - AUTORIDADE COATORA<br />

4 MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO<br />

4.1 Conceito<br />

O art. 5a, inciso LXX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral criou o mandado <strong>de</strong> segurança coletivo,<br />

tratando-se <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> no âmbito <strong>de</strong> proteção aos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais, e que po<strong>de</strong>rá ser impetrado por partido político com representação no<br />

Congresso Nacional e organização sindical, entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe ou associação legalmente<br />

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em <strong>de</strong>fesa dos interesses <strong>de</strong> seus<br />

membros ou associados.<br />

4.2 Finalida<strong>de</strong><br />

O legislador constituinte quis facilitar o acesso a juízo, permitindo que pessoas<br />

jurídicas <strong>de</strong>fendam o interesse <strong>de</strong> seus membros ou associados, ou ainda da socieda<strong>de</strong><br />

como um todo, no caso dos partidos políticos, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um mandato especial,<br />

evitando-se a multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas idênticas e consequente <strong>de</strong>mora na prestação<br />

jurisdicional e fortalecendo as organizações classistas.<br />

4.3 Objeto<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança coletivo terá por objeto a <strong>de</strong>fesa dos mesmos <strong>direito</strong>s que<br />

po<strong>de</strong>m ser objeto do mandado <strong>de</strong> segurança individual,1porém direcionado à <strong>de</strong>fesa dos<br />

interesses coletivos em sentido amplo, englobando os <strong>direito</strong>s coletivos em sentido estri­<br />

1 PASSOS, Calmon. Mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, mandado <strong>de</strong> in junção e habeas data. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense,<br />

1991. p. 8.


172 Direito Constitucional • Moraes<br />

to, os interesses individuais homogêneos e os interesses difusos,1contra ato ou omissão<br />

ilegais ou com abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes os atributos da liqui<strong>de</strong>z<br />

e certeza.<br />

Por interesse coletivo, conforme <strong>de</strong>fine Mancuso, <strong>de</strong>vemos enten<strong>de</strong>r<br />

“aquele concernente a uma realida<strong>de</strong> coletiva (v.g., a profissão, a categoria, a família),<br />

ou seja, o exercício coletivo <strong>de</strong> interesses coletivos; e não, simplesmente,<br />

aqueles interesses que apenas são coletivos na forma, permanecendo individuais<br />

quanto à finalida<strong>de</strong> perseguida, o que configuraria um exercício coletivo <strong>de</strong> interesses<br />

individuais”.12<br />

Para efeito <strong>de</strong> proteção através do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo estão englobados<br />

os interesses individuais homogêneos, que são espécie dos interesses coletivos, eis que os<br />

titulares são plenamente <strong>de</strong>termináveis.3<br />

Em relação aos interesses ãfusos, Mauro Cappellettí e Bryant Garth ensinam que são os<br />

“interesses fragmentados ou coletivos, tais como o <strong>direito</strong> ao ambiente saudável,<br />

ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam - a razão <strong>de</strong><br />

sua natureza difusa - é que ninguém tem o <strong>direito</strong> a corrigir a lesão a um interesse<br />

coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno<br />

<strong>de</strong>mais para induzi-lo a tentar uma ação”.4<br />

Nesta mesma linha <strong>de</strong> raciocínio, Mancuso <strong>de</strong>fine-os como<br />

“interesses metaindividuais que, não tendo atingido o grau <strong>de</strong> agregação e organização<br />

necessário à sua afetação institucional junto a certas entida<strong>de</strong>s ou órgãos<br />

representativos dos interesses já socialmente <strong>de</strong>finidos, restam em estado fluido,<br />

dispersos pela socieda<strong>de</strong> civil como um todo (v.g., o interesse à pureza do ar atmosférico),<br />

po<strong>de</strong>ndo, por vezes, concernir a certas coletivida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conteúdo numérico<br />

in<strong>de</strong>finido (v.g.,os consumidores). Caracterizam-se: pelain<strong>de</strong>terminação<br />

dos sujeitos, pela indivisibilida<strong>de</strong> do objeto, por sua intensa litigiosida<strong>de</strong> interna<br />

e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.5<br />

ALei na 12.016/09 estabeleceu que os <strong>direito</strong>s protegidos pelo mandado <strong>de</strong> segurança<br />

coletivo po<strong>de</strong>m ser:<br />

1 Nesse sentido: Celso Agrícola Barbi, Ministro Carlos M ário Velloso, José da Silva Pacheco, Lourival Gonçalves<br />

<strong>de</strong> Oliveira, A da Pellegrini Grinover, Kazuo W atanabe e Calm on <strong>de</strong> Passos, Diomar Ackel Filho, Paulo Lúcio Nogueira,<br />

Francisco Antonio <strong>de</strong> Oliveira. Contra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuizam ento <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança coletivo<br />

para <strong>de</strong>fesa d e interesses difusos: Ministro Athos Gusmão Carneiro, Ernani Fidélis e Celso Neves.<br />

2 MANCUSO, R odolfo <strong>de</strong> Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 2. ed. São Paulo: Revista<br />

dos Tribunais, 1991. p. 65.<br />

3 M AZZILLI, H ugo N igro. A <strong>de</strong>fesa dos interesses difusos em juízo. 7. ed. S ão Paulo: Saraiva, 1995. p. 10.<br />

4 CAPPELLETTÍ, M auro; G ARTH, Bryant. Access to justice: th e w orldw i<strong>de</strong> movem ent to make rights effective:<br />

a general report. M ilão: G iuffrè, 1978. p. 26. (Traduzido para o português por Ellen Gracie North fleet.)<br />

5 M ANCUSO ,Rodolfo<strong>de</strong>Cam argo./nteresses... Op. cit. p. 114.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 7 3<br />

• Coletivos: os transindividuais, <strong>de</strong> natureza indivisível, <strong>de</strong> que seja titular grupo<br />

ou categoria <strong>de</strong> pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma<br />

relação jurídica básica.<br />

• Individuais homogêneos: os <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> origem comum e da ativida<strong>de</strong> ou<br />

situação específica da totalida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> parte dos associados ou membros do<br />

impetrante.<br />

Em relação à ampla possibüida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão, <strong>de</strong> medida liminar, inaudita altera<br />

partes em mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, conferir item 3.11, neste Capítulo.<br />

4.4 Legitimação ativa e passiva<br />

São legitimados para a propositura do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, em substituição<br />

processual:<br />

• partido político com representação no Congresso Nacional, exigindo-se somente<br />

a existência <strong>de</strong>, no mínimo, um parlamentar, em qualquer das Casas Legislativas,<br />

filiado a <strong>de</strong>terminado partido político.<br />

• organização sindical, entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe ou associação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que preencham<br />

três requisitos: estejam legalmente constituídos, em funcionamento há pelo menos<br />

um ano e pleiteiem a <strong>de</strong>fesa dos interesses <strong>de</strong> seus membros ou associados.1<br />

Anote-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong> que, “tratando-se <strong>de</strong><br />

mandado <strong>de</strong> segurança coletivo impetrado por sindicato, é in<strong>de</strong>vida a exigência<br />

<strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> constituição e funcionamento, porquanto esta restrição <strong>de</strong>stina-se<br />

apenas às associações, nos termos do art. 5 a, LXX, b, infine, da CF”.12<br />

Nessa hipótese, o objeto do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo será um <strong>direito</strong> dos<br />

associados, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> guardar vínculo com os fins próprios da entida<strong>de</strong><br />

impetrante.3 Ressalte-se, porém, que se exige estar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>fendido compreendido<br />

na titularida<strong>de</strong> dos associados e que exista ele em razão das ativida<strong>de</strong>s exercidas pelos<br />

associados, mas não se exigindo que o <strong>direito</strong> seja peculiar, próprio, da classe.4<br />

1 Quanto a necessida<strong>de</strong> da análise da legitimida<strong>de</strong> das associações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contexto sistemático e do<br />

cenário em que foram supostas pelo legislador, conferir: STJ - 13T .-R M S 34270/MS -R el.M in . Teori Albino<br />

Zavascki, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2011.<br />

2 STF - 1 a T. - Rextr. nc 198.919-DF - Rei. Min. limar Galvão, <strong>de</strong>cisão: 15-6-1999 - Inform ativo S T F nQ154.<br />

Não me parece haver motivos para alteração <strong>de</strong>sse posicionamento, apesar do art. 21 da Lei nQ12.016/09 que,<br />

repete, genericamente, a exigência temporal para organizações sindicais, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe e associações.<br />

3 Conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “O objeto do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo será um <strong>direito</strong><br />

dos associados, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> guardar vínculo com os fins próprios da entida<strong>de</strong> impetrante do writ,<br />

exigindo-se, entretanto, que o <strong>direito</strong> esteja compreendido na titularida<strong>de</strong> dos associados e que exista ele em<br />

razão das ativida<strong>de</strong>s exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o <strong>direito</strong> seja peculiar, próprio, da<br />

classe” (STF - Pleno - Rext. n2 181.438-1/SP- Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 28-6-1996).<br />

4 K T J162/ 1108.


174 Direito Constitucional • Moraes<br />

Os partidos políticos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que representados no Congresso Nacional, têm legitimação<br />

ampla, po<strong>de</strong>ndo proteger quaisquer interesses coletivos ou difusos ligados à<br />

socieda<strong>de</strong>.1Como salientado pela Ministra Ellen Gracie, “se o legislador <strong>constitucional</strong><br />

dividiu os legitimados para a impetração do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo em duas<br />

alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe e<br />

à associação legalmente constituída a expressão em <strong>de</strong>fesa dos interesses <strong>de</strong> seus membros<br />

ou associados é porque não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa<br />

dizer que está reconhecendo na Constituição o <strong>de</strong>ver do partido político <strong>de</strong> zelar pelos<br />

interesses coletivos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> estarem relacionados a seus filiados”, além disso,<br />

afirma “não haver limitações materiais ao uso <strong>de</strong>ste instituto por agremiações partidárias,<br />

à semelhança do que ocorre na legitimação para propor ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>” e conclui que “tudo o que foi dito a respeito da legitimação dos<br />

partidos políticos na ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser aplicado ao mandado<br />

<strong>de</strong> segurança coletivo”.12<br />

Anote-se, porém, que não foi esse o entendimento do legislador, ao estabelecer no art.<br />

21 da Lei nB12.016/09, que o mandado <strong>de</strong> segurança coletivo po<strong>de</strong>rá ser impetrado por<br />

partido político com representação no Congresso Nacional, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus interesses<br />

legítimos relativos a (1) seus integrantes ou (2) à finalida<strong>de</strong> partidária.<br />

Não nos parece a melhor solução refutamo-as, inclusive, in<strong>constitucional</strong>. Ora, se todo<br />

o po<strong>de</strong>r emana do povo, que o exerce por meio <strong>de</strong> representantes eleitos ou diretamente,<br />

nos termos da Constituição (CF, art. I a, parágrafo único), sendo indispensável para o<br />

exercício da capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva (elegibilida<strong>de</strong>) o alistamento eleitoral (CF, art.<br />

14, § 3a, III), a razão <strong>de</strong> existência dos partidos políticos é a própria subsistência do Estado<br />

Democrático <strong>de</strong> Direito e da preservação dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais (CF, art.<br />

I a, V - consagra o pluralismo político como um dos fundamentos da República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil). Nesta esteira <strong>de</strong> raciocínio, o legislador constituinte preten<strong>de</strong> fortalecê-los<br />

conce<strong>de</strong>ndo-lhes legitimação para o mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, para a <strong>de</strong>fesa da<br />

própria socieda<strong>de</strong> contra atos ilegais ou abusivos por parte da autorida<strong>de</strong> pública. Cercear<br />

essa legitimação somente para seus próprios interesses ou <strong>de</strong> seus filiados é retirar<br />

dos partidos políticos a característica <strong>de</strong> essencialida<strong>de</strong> em um Estado Democrático <strong>de</strong><br />

Direito e transformá-lo em mera associação privada, o que, certamente, não foi a intenção<br />

do legislador constituinte.<br />

Em relação aos sindicatos ou associações legitimadas, o ajuizamento do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança coletivo exige a existência <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> subjetivo comum aos integrantes<br />

da categoria, não necessariamente com exclusivida<strong>de</strong>, mas que <strong>de</strong>monstre manifesta<br />

1 Nesse sentido: OLIVEIRA, Francisco Antonio <strong>de</strong>. Mandado <strong>de</strong> segurança e controle jurisdicional. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1992. p. 212. BARBI, Celso Agrícola. Mandado. Op. c it p. 67.<br />

2 STF - 2a T. - Rextr. n° 196.184/AM - Rei. M in . Ellen Gracie, Informativo STF n° 372,8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro d e 2004.<br />

Conferir, ainda: STF - Pleno - MS n ° 24.394-5/DF - Rei. M in. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I,<br />

6set. 2004, p . 47.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 175<br />

pertinência temática com os seus objetivos institucionais.1Presentes esses requisitos, o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já afirmou reiteradas vezes que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não<br />

exige das associações prévia e específica autorização dos associados para o ajuizamen-<br />

to do mandado <strong>de</strong> segurança, bastando uma autorização genérica constante em seus<br />

estatutos sociais.12 A Lei na 12.016/09, em seu art. 21, seguiu esse entendimento, estabelecendo<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuizamento do mandado <strong>de</strong> segurança por organização<br />

sindical, entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe ou associação legalmente constituída em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

líquidos e certos da totalida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong> parte, dos seus membros ou associados, na forma<br />

dos seus estatutos e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que pertinentes às suas finalida<strong>de</strong>s, dispensada, para tanto,<br />

autorização especial.<br />

Desta forma, em relação à legitimida<strong>de</strong> ativa no mandado <strong>de</strong> segurança coletivo<br />

importante concluir que:3<br />

• a legitimação é extraordinária, ocorrendo, e m tal caso, substituição processual;<br />

• não se exige, tratando-se <strong>de</strong> segurança coletiva, da autorização expressa aludida<br />

no inc. XXI do art. 5a da CF, que contempla hipótese <strong>de</strong> representação e não <strong>de</strong><br />

substituição processual. Ressalte-se que, diversamente do ocorrido em relação<br />

ao mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, a legitimida<strong>de</strong> ativa das entida<strong>de</strong>s associativas<br />

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente, prevista<br />

no art. 5a, XXI, da CF, exige autorização expressa para o caso concreto. Nesse<br />

sentido, diferenciando as hipóteses, <strong>de</strong>cidiu o STF que<br />

“Interpretação do art. 5a, XXI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Reza o art. 5a, XXI, da<br />

Constituição que as entida<strong>de</strong>s associativas, quando expressamente autorizadas,<br />

1 Informativo STF nQ45 - Rextr. n ° 175.401-0, Rei. M in. limar Galvão; STF - Pleno - Rextr. nQ 181.438-1/<br />

SP - R ei. M in. Carlos V elloso, <strong>de</strong>cisão: 28-6-1996; KTJ 142/446; KTJ 142/456. Conferir Súm ula STF 630: “A<br />

entida<strong>de</strong> d e classe tem legitim ação para o mandado <strong>de</strong> segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse<br />

apenas a uma parte da respectiva categoria.”<br />

2 STF - Rec. ordinário em Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 21.514-3/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,18ju n. 1993, p. 12.111 \Informativo STF nD45 - Rextr. n2 175.401-0, Rei. Min. lim ar Galvão; STF - I a<br />

T. - Rextr. n2 223.151-9/DF - ReL Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,6 ago. 1999, p. 49; STF - 2a<br />

T . - Rextr. n2 182.543/SP - Rei. M in. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,7 abr. 1995; KTJ 150/104. Ainda<br />

nesse sentido: “ A legitim ação das organizações sindicais, entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe ou associações, para a segurança<br />

coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. C.F., artigo 52, LXX. N ão se exige,<br />

tratando-se <strong>de</strong> segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do artigo 52 da Constituição,<br />

que contempla hipóteses <strong>de</strong> representação” (STF - Pleno - Rextr. n2 181.438-1/SP - Rei. Min. Carlos Velloso,<br />

<strong>de</strong>cisão: 28-6-1996). Conferir, ainda, Súmula STF 629: “A impetração <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança coletivo por<br />

en tida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe em favor dos associados in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da autorização <strong>de</strong>stes.”<br />

3 S T F -P le n o - MS na22.132-l/RJ-Rel. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,18 out. 1996, p. 39.848;<br />

STF - Rextr. n ° 193.382-8 - Rei. M in. Carlos Velloso-/n/orm ativo n2 45; STJ - Resp. n2 70.417/SE -M in. Vicente<br />

Leal, Diário da Justiça, Seção 1,13 out. 1997, p. 5 1 .6 5 1 ;S T J -R e c.em M S n 23.2 9 8 / P R -R ei. Min. José Arnaldo,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 24 fev. 1997, p. 3.347; STF - I a T. - Rextr. n° 348.973 AgR/DF - Distrito Fe<strong>de</strong>ral -<br />

ReL Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção I, 28 maio 2004, p. 38; STJ - I a T. - Resp. n2 624.340/PE - ReL<br />

M in. José Delgado, Diário da Justiça, Seção I, 27 set. 2004, p. 260; STJ - I a T. - RMS n2 16.137/RJ - ReL Min.<br />

Humberto Gomes <strong>de</strong>B arros,Diário da Justiça, Seção I, lO n o v. 2003, p. 155; S T J - 5aT. - RMS nü 14.849/SP -<br />

ReL Min. Jorge Scartezzini, Diário da Justiça, Seção I, 4 ago. 2003, p. 333.


1 7 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

têm legitimida<strong>de</strong> para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. É<br />

esse dispositivo que está em causa, porquanto, na espécie, se trata <strong>de</strong> entida<strong>de</strong><br />

associativa e <strong>de</strong> ação ordinária, o que afasta a aplicação do disposto no art. 5 a,<br />

LXX, b, e no art. 8a, III, ambos da Carta Magna. A questão que aqui se coloca<br />

é a <strong>de</strong> saber se os termos quando expressamente autorizadas dizem respeito à<br />

previsão genérica, constante dos estatutos <strong>de</strong>ssas entida<strong>de</strong>s, da representação<br />

<strong>de</strong> seus associados em ações coletivas, ou se, ao contrário, exigem que haja autorização<br />

específica <strong>de</strong>les dada em assembléia geral ou individualmente. Ora,<br />

tratando-se, como se trata <strong>de</strong> representação que não se limita sequer ao âmbito<br />

judicial pois alcança também a esfera extrajudicial, essa autorização tem <strong>de</strong> ser<br />

dada expressamente pelos associados para o caso concreto, e a norma se justifica<br />

porque, por ela basta uma autorização expressa individual ou coletiva, inclusive,<br />

quanto a esta, por meio <strong>de</strong> assembléia geral, sem necessida<strong>de</strong>, portanto, <strong>de</strong><br />

instrumento <strong>de</strong> procuração outorgada individual ou coletivamente, nem que<br />

se trate <strong>de</strong> interesse ou <strong>direito</strong>s ligados a seus fins associativos.”1<br />

Em relação à legitimida<strong>de</strong> passiva, aplicam-se todas as regras já estudadas no tocante<br />

ao mandado <strong>de</strong> segurança individual, observando-se, porém, que se os eventuais beneficiários<br />

da or<strong>de</strong>m estiverem em áreas <strong>de</strong> atuaçãodiversas, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada autorida<strong>de</strong><br />

coa tora aquela que tiver atribuição sobre todas as <strong>de</strong>mais, ainda que não tenha praticado<br />

específica e concretamente o ato impugnado.12<br />

4.5 Beneficiários<br />

No mandado <strong>de</strong> segurança coletivo não haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constar na petição inicial<br />

os nomes <strong>de</strong> todos os associados ou filiados, uma vez que não se trata <strong>de</strong> litisconsórcio<br />

ativo em mandado <strong>de</strong> segurança individual. A situação individual <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>verá ser<br />

analisada no momento <strong>de</strong> execução da sentença, <strong>de</strong>vendo a autorida<strong>de</strong> impetrada, ao<br />

cumprir a <strong>de</strong>cisão judicial, exigir que cada beneficiário comprove pertencer à entida<strong>de</strong><br />

beneficiária, bem como que se encontra na situação fática <strong>de</strong>scrita no mandado <strong>de</strong> segurança<br />

coletivo.<br />

No tocante à abrangência da <strong>de</strong>cisão judicial, concordamos inteiramente com Celso<br />

Agrícola Barbi, no sentido <strong>de</strong> que serão beneficiários todos os associados que se encon­<br />

1 STF - I a T. - Rextr. n ° 223.151-9/DF - Rei. Min. M oreira A lves, Diário da Justiça, Seção I, 6 ago. 1999, p.<br />

49. Nesse mesmo sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF que “Tratando-se <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, dispensável é a<br />

juntada <strong>de</strong> documento comprovando a autorização para a impetração dos titulares do <strong>direito</strong> substancial em<br />

jogo. Distingue-se a substituição processual do inciso LXX da representação prevista no inciso XXI, ambos do<br />

artigo 5a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral” (STF - 2a T. - Rextr. n ° 219.873-3/PB - Rei. Min. M arco Aurélio, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,4 jun. 1999, p. 20).<br />

2 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “Os princípios básicos que regem o m andado <strong>de</strong> segurança<br />

individual inform am e condicionam, no plano jurídico-processual, a utilização do writ mandamental coletivo”<br />

(STF - Pleno - MS nn 21.615-8/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1 ,13 mar. 1998, p. 4 ).


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 7 7<br />

trarem na situação <strong>de</strong>scrita na inicial, pouco importando que tenham ingressado na Associação<br />

antes ou <strong>de</strong>pois do ajuizamento do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, ou mesmo<br />

durante a execução <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão, afinal o Po<strong>de</strong>r Judiciário já <strong>de</strong>cidiu pela ilegalida<strong>de</strong><br />

do ato e consequente proteção ao <strong>direito</strong> líquido e certo.1<br />

4.6 Mandado <strong>de</strong> segurança coletivo e individual<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 ampliou os instrumentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa contra as condutas,<br />

omissivas ou comissivas, do Po<strong>de</strong>r Público que ameacem ou lesionem <strong>direito</strong>s, e caracterizadas<br />

pela ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Assim, além dos já tradicionais mandado<br />

<strong>de</strong> segurança, ação popular, <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição e habeas corpus, previu novos institutos:<br />

mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, mandado <strong>de</strong> injunção e habeas data. A ratio do legislador<br />

constituinte foi aperfeiçoar a <strong>de</strong>fesa da legalida<strong>de</strong> e não restringi-la.<br />

Desta maneira, o ajuizamento do mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, por um dos legitimados<br />

<strong>constitucional</strong>mente, não impedirá a utilização do mandado <strong>de</strong> segurança individual,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes os requisitos constitucionais.<br />

Nesse sentido, posiciona-se Am oldo Wald afirmando que,<br />

“<strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 120 dias, o indivíduo inserido no âmbito <strong>de</strong> uma<br />

possível impetração coletiva po<strong>de</strong> optar por impetrar o seu próprio mandado <strong>de</strong><br />

segurança individual; ajuizado também o mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, ele<br />

po<strong>de</strong>rá prosseguir com a sua ação individual (e aí a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito no seu processo,<br />

em relação a ele, prevalece sobre aquela do coletivo), ou pedir a suspensão<br />

do processo até o julgamento do outro”.12<br />

5 MANDADO DE INJUNÇÃO<br />

5.1 Histórico<br />

Alguns autores apontam a origem <strong>de</strong>ssa ação <strong>constitucional</strong> no writ ofinjunction do<br />

<strong>direito</strong> norte-americano, que consiste em remédio <strong>de</strong> uso frequente, com base na chamada<br />

jurisdição <strong>de</strong> equida<strong>de</strong>, aplicando-se sempre quando a norma legal se mostra insuficiente ou<br />

incompleta para solucionar, com Justiça, <strong>de</strong>terminado caso concreto.3 Outros autores apontam<br />

suas raízes nos instrumentos existentes no velho Direito português, com a única finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

advertência do Po<strong>de</strong>r competente omisso. Apesar das raízes históricas do <strong>direito</strong> anglo-saxão,<br />

o conceito, estrutura e finalida<strong>de</strong>s da injunção norte-americana ou dos antigos instrumentos<br />

1 BARBI, Celso Agrícola. Mandado. Op. cit. p. 70.<br />

2 MEIRELLES, H elyLopes. Mandado... 18. ed. O p .c it.p . 96.<br />

3 BACHA, Sérgio Reginaldo. M andado d e Injunção. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, nc<br />

11, p. 224-228.


178 Direito Constitucional • Moraes<br />

lusitanos não correspon<strong>de</strong>m à criação do mandado <strong>de</strong> injunção pelo legislador constituinte<br />

<strong>de</strong> 1988, cabendo portanto à doutrina e à jurisprudência pátrias a <strong>de</strong>finição dos contornos e<br />

objetivos <strong>de</strong>sse importante instrumento <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> combate à inefetivida<strong>de</strong> das normas<br />

constitucionais que não possuam aplicabilida<strong>de</strong> imediata.1<br />

5.2 Conceito<br />

O art. 5a, inciso LXXI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, <strong>de</strong> maneira inédita, que conce<strong>de</strong>r-<br />

-se-á mandado <strong>de</strong> injunção sempre que a falta <strong>de</strong> norma regulamentadora torne inviável o<br />

exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalida<strong>de</strong>,<br />

à soberania e à cidadania. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu <strong>de</strong> forma unânime<br />

pela autoaplicabilida<strong>de</strong> do mandado <strong>de</strong> injunção, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei<br />

regulamentando-o, em face do art. 5a, § I a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>termina que<br />

as normas <strong>de</strong>finidoras dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais têm aplicação imediata.12<br />

O mandado <strong>de</strong> injunção consiste em uma ação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> caráter civil e <strong>de</strong> procedimento<br />

especial, que visa suprir uma omissão do Po<strong>de</strong>r Público, no intuito <strong>de</strong> viabilizar<br />

o exercício <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>, uma liberda<strong>de</strong> ou uma prerrogativa prevista na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Juntamente com a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, visa ao<br />

combate à síndrome <strong>de</strong> inefetivida<strong>de</strong>3 das normas constitucionais.<br />

Canotilho, ao discorrer sobre as perspectivas do mandado <strong>de</strong> injunção e da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão no Direito brasileiro, fez a seguinte observação:<br />

“Resta perguntar como o mandado <strong>de</strong> injunção ou a ação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

perante omissões normativas é um passo significativo no contexto da jurisdição<br />

<strong>constitucional</strong> das liberda<strong>de</strong>s. Se um mandado <strong>de</strong> injunção pu<strong>de</strong>r, mesmo mo<strong>de</strong>stamente,<br />

limitar a arrogante discricionarieda<strong>de</strong> dos órgãos normativos, que<br />

ficam calados quando a sua obrigação jurídico-<strong>constitucional</strong> era vazar em mol<strong>de</strong>s<br />

normativos regras atuativas <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s constitucionais; se, por outro<br />

lado, através <strong>de</strong> uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se<br />

conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através <strong>de</strong> pressões jurídicas<br />

e políticas, se começar a <strong>de</strong>struir o ‘rochedo <strong>de</strong> bronze’ da incensurabilida<strong>de</strong><br />

do silêncio, então o mandado <strong>de</strong> injunção logrará os seus objetivos.”4<br />

1 Cf. sobre injunção no <strong>direito</strong> comparado e origem do instituto: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado<br />

<strong>de</strong> injunção. São Paulo: Atlas, 2000. p. 44.<br />

2 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção 107 (fo i o prim eiro a ser analisado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) - Rei. Min.<br />

M oreira A lves, Diário da Justiça, Seção 1,21 set. 1990, p. 9.782.<br />

3 Como salienta Aricê Moacy r Amaral Santos, tanto o mandado d e injunção quanto a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão “cuidam <strong>de</strong> um assunto comum: inércia d e norma <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> omissão<br />

normativa” , concluindo mais adiante que “a questão da inércia <strong>constitucional</strong> não constitui fenôm eno caboclo,<br />

pois atinge fronteiras as mais distantes” (Mandado <strong>de</strong> injunção. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 31).<br />

4 CANOTILHO, J. J. Gomes (coord. Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixera). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo:<br />

Saraiva, 1993, p. 367.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 7 9<br />

5.3 Objeto do mandado <strong>de</strong> injunção<br />

As normas constitucionais que permitem o ajuizamento do mandado <strong>de</strong> injunção<br />

assemelham-se às da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão e não <strong>de</strong>correm<br />

<strong>de</strong> todas as espécies <strong>de</strong> omissões do Po<strong>de</strong>r Público,1mas tão só em relação às<br />

normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia limitada <strong>de</strong> princípio institutivo12 <strong>de</strong> caráter imposi<br />

tivo3 e das normas programáticas vinculadas ao princípio da legalida<strong>de</strong>,4 por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem<br />

<strong>de</strong> atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilida<strong>de</strong>. Assim, sempre haverá a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lacunas na estrutura normativa,5 que necessitarem ser colmatadas por leis<br />

ou atos normativos (por exemplo: ausência <strong>de</strong> resolução do Senado Fe<strong>de</strong>ral no caso <strong>de</strong><br />

estabelecimento <strong>de</strong> alíquota às operações interestaduais. CF, art. 155, § 2Q).<br />

Não caberá, portanto, mandado <strong>de</strong> injunção para, sob a alegação <strong>de</strong> reclamar a edição<br />

<strong>de</strong> norma regulamentadora <strong>de</strong> dispositivo <strong>constitucional</strong>, preten<strong>de</strong>r-se a alteração <strong>de</strong> lei<br />

ou ato normativo já existente, supostamente incompatível com a Constituição6 ou para<br />

exigir-se uma certa interpretação à aplicação da legislação infra<strong>constitucional</strong>,7 ou ainda<br />

para pleitear uma aplicação “mais justa” da lei existente.8<br />

Da mesma forma, não cabe mandado <strong>de</strong> injunção contra norma <strong>constitucional</strong> auto-<br />

-aplicável, ou norma <strong>constitucional</strong> que configure “autorização para o legislador, em op>ção<br />

político-legislativa, criar exceções” a <strong>de</strong>terminadas regras previstas e autoaplicáveis.9<br />

1 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves,Estado... Op. cit. p. lOl.lem braadistm çãoentreasnorm asself-execufing<br />

e as normas que não o são (non self-executing), para com preen<strong>de</strong>r esta distinção.<br />

2 P o r exem plo, as normas sobre sistema financeiro nacional, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m d e regulamentação p o r leis com ­<br />

plementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram ,<br />

nos termos do art. 192 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, cuja redação fo i dada pela EC na 40, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2003.<br />

Conferir, em relação à aplicabilida<strong>de</strong> lim itada do anterior § 3a, do art. 192, portanto <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> edição <strong>de</strong><br />

lei complementar (M andado <strong>de</strong> Injunção n° 372-6, Rei. Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção 1,23 set.<br />

1994, p. 25.325; STF - l aT. - Rextr. n ° 160.960/RS - Rei. Celso d e M ello, Brasíüa, 28 set. 1993; STF - Mandado<br />

<strong>de</strong> Injunção na 362-9/RJ - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção 1,3 m aio 1996, p. 13.897).<br />

3 Por exem plo, art. 128, § 5°, que estabelece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei com plem entar para estabelecer a<br />

organização, as atribuições e o estatuto <strong>de</strong> cada M inistério Público.<br />

4 Por exem plo, o art. 7a, XI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral p revê a participação dos em pregados nos lucros, ou resultados<br />

da empresa, conform e <strong>de</strong>finido em lei.<br />

5 Ac. da Corte Especial do STJ - m v - M I 15-DF - Rei. M in . Pedro A cioli - Diário da Justiça, Seção 1,4 set.<br />

1989, p. 14.029/14.030.<br />

6 STF - M andado <strong>de</strong> Injunção na 79-4/DF - Rei. M in. O ctávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I, 24 mar.<br />

1995, p. 6.802.<br />

7 Ac. un. da Corte Especial do S T J -M I 0 0 3 -R J -R el. M in. Geraldo Sobral - Diário da Justiça, S eção 1,28 ago.<br />

1989, p. 13.671; Ac. un. do STF - Pleno - AgRg em M I 152-9-D F-R el. Min. C élioB orja, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 20 abr. 1990, p. 3.047.<br />

8 PORTO, Odyr. M andado <strong>de</strong> injunção. RJTJESP, Lex 115/8.<br />

9 Trata-se, na hipótese, das exceções possíveis <strong>de</strong> criação legislativa com base no § I a, do art. 40 d o texto<br />

<strong>constitucional</strong> (STF - M I 672-5/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 set. 2006, p. 28; STF<br />

- Pleno - M I 5 9 2 -A g R - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 30 abril 2004).


1 8 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

O mandado <strong>de</strong> injunção somente se refere à omissão <strong>de</strong> regulamentação <strong>de</strong> norma<br />

<strong>constitucional</strong>. Como já <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ação<br />

injuncional, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compelir o Congresso Nacional a colmatar omissões normativas<br />

alegadamente existentes na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em<br />

or<strong>de</strong>m a viabilizar a instituição <strong>de</strong> um sistema articulado <strong>de</strong> recursos judiciais, <strong>de</strong>stinado<br />

a dar concreção ao que prescreve o Artigo 25 do Pacto <strong>de</strong> S. José da Costa Rica”.1<br />

Nesse sentido, posiciona-se Carlos Augusto Alcântara Machado, afirmando que “preferimos<br />

acolher a tese <strong>de</strong>fendida por aqueles que sustentam que os <strong>direito</strong>s tutelados pela<br />

injunção são todos os enunciados na Constituição que reclamam a interposição legislatoris<br />

como condição <strong>de</strong> fruição do <strong>direito</strong> ou da liberda<strong>de</strong> agasalhada”.12<br />

5.4 Requisitos<br />

Os requisitos para o mandado <strong>de</strong> injunção são:<br />

• falta <strong>de</strong> norma reguladora <strong>de</strong> uma previsão <strong>constitucional</strong> (omissão total ou parcial<br />

do Po<strong>de</strong>r Público);<br />

• inviabilização do exercício dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s constitucionais e das prerrogativas<br />

inerentes à nacionalida<strong>de</strong>, à soberania e à cidadania - o mandado <strong>de</strong><br />

injunção pressupõe a existência <strong>de</strong> nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre a omissão normativa<br />

do Po<strong>de</strong>r Público e a inviabilida<strong>de</strong> do exercício do <strong>direito</strong>, liberda<strong>de</strong> ou<br />

prerrogativa.3<br />

5.5 Legitimida<strong>de</strong> ativa<br />

O mandado <strong>de</strong> injunção po<strong>de</strong>rá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício <strong>de</strong> um<br />

<strong>direito</strong>, liberda<strong>de</strong> ou prerrogativa <strong>constitucional</strong> esteja sendo inviabilizado em virtu<strong>de</strong> da<br />

falta <strong>de</strong> norma reguladora da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4 Anote-se que apesar da ausência <strong>de</strong><br />

previsão expressa da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é plenamente possível o mandado <strong>de</strong> injunção<br />

coletivo,5 tendo sido reconhecida a legitimida<strong>de</strong> para as associações <strong>de</strong> classe <strong>de</strong>vidamente<br />

constituídas.<br />

1 STF - Mandado <strong>de</strong> Segurança na 22.483-5/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,9 abr. 1996.<br />

2 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado <strong>de</strong> injunção. São Paulo: Atlas, 2000. p. 70.<br />

3 STF ~RT 659/213.<br />

4 PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 126.<br />

5 STF -M a n d a d o <strong>de</strong> Injunção ns 361-1 -D iá rio da Justiça, Seção 1,17jun. 1994, p. 15.707. Ementa: “Mandado<br />

<strong>de</strong> injunção coletivo; admissibilida<strong>de</strong>, por aplicação analógica do art. 5a, LXX, da Constituição; legitim ida<strong>de</strong>,<br />

no caso, <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> sindical <strong>de</strong> pequenas e médias empresas, as quais, notoriamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do crédito<br />

bancário, têm interesse comum na eficácia do art. 192 § 3a, da Constituição, que fix ou limites aos juros reais”<br />

(ressalte-se que a previsão do § 3a, do art. 192, fo i revogada pela EC nn 40, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2003).


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 181<br />

5.6 Legitimida<strong>de</strong> passiva<br />

O sujeito passivo será somente a pessoa estatal, uma vez que no polo passivo da relação<br />

processual instaurada com o ajuizamento do mandado <strong>de</strong> injunção só aquelas po<strong>de</strong>m<br />

estar presentes, pois somente aos entes estatais po<strong>de</strong> ser imputável o <strong>de</strong>ver jurídico <strong>de</strong><br />

emanação <strong>de</strong> provimentos normativos.1<br />

Os particulares não se revestem <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> passiva ad causam para o processo<br />

injuncional, pois não lhes compete o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> emanar as normas reputadas essenciais ao<br />

exercício do <strong>direito</strong> vindicado pelos impetrantes.12 Somente ao Po<strong>de</strong>r Público é imputável<br />

o encargo <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> emanação <strong>de</strong> provimento normativo para dar aplicabilida<strong>de</strong><br />

à norma <strong>constitucional</strong>.<br />

Em conclusão, somente pessoas estatais po<strong>de</strong>m figurar no polo passivo da relação<br />

processual instaurada com a impetração do mandado <strong>de</strong> injunção.3<br />

Dessa forma, a natureza jurídico-processual do instituto não permite a formação <strong>de</strong><br />

litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entre estatais.4<br />

Ressalte-se que se a omissão for legislativa fe<strong>de</strong>ral, o mandado <strong>de</strong> injunção <strong>de</strong>verá<br />

ser ajuizado em face do Congresso Nacional, salvo se a iniciativa da lei for privativa do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, 61, § I a), quando então o mandado <strong>de</strong> injunção <strong>de</strong>verá ser<br />

ajuizado em face do Presi<strong>de</strong>nte da República, nunca do Congresso Nacional.5<br />

5.7 Procedimento<br />

No mandado <strong>de</strong> injunção, serão observadas, no que couber, as normas do mandado<br />

<strong>de</strong> segurança, enquanto não editada legislação específica, conforme <strong>de</strong>termina o art. 24,<br />

parágrafo único, da Lei ne 8.038/90. Importante ressaltar, porém, que a jurisprudência<br />

1 STF - A gravo Regim ental nfl 335-1 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 jun. 1994, p.<br />

15.720; STF - Mandado d e Injunção nfl 502-8 - Rei. M in. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, p. 12.211.<br />

2 STF - Mandado d e Injunção n°288-6/DF - Rei. Min. C elsod e M ello, DiáriodaJustiça, S eçãol, 3 m aio 1995,<br />

p. 11.629.<br />

3 STF - M andado <strong>de</strong> Injunção nn 335 (A g R g ) - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M e llo ,D iário da Justiça, Seção 1, 19 <strong>de</strong>z.<br />

1994. No mesmo sentido: DANTAS, Iv o .Mandado <strong>de</strong> injunção. 2. ed. R io <strong>de</strong> Janeiro: A id e, 1994; TEM ER, Mi-<br />

chel. RPCESP 30/13. Contra esse posicionamento, en ten<strong>de</strong>ndo que o sujeito passivo <strong>de</strong>ve ser a pessoa pública<br />

ou privada, a qual com pete tornar viá v e l a pretensão: PIOVESAN, Flávia. Op. ciL p. 128; BERMUDES, Sérgio.<br />

O Mandado <strong>de</strong> Injunção. RT 642/24; M ACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado <strong>de</strong> injunção. São Paulo:<br />

Atlas, 2000. p. 99.<br />

4 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n ° 288-6/DF - Rei, M in. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, Seção 1,3 m aio 1995,<br />

p. 11.629; STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n ° 335 (A gR g ) - R ei. M in. C elsod e M ello, Diário da Justiça, S eçã ol, 19<br />

<strong>de</strong>z. 1994.<br />

5 STF - Pleno - A gR g em M I 153-7/DF - R ei. M in . Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção I, 30 mar. 1990,<br />

p. 2.339.


182 Direito Constitucional • Moraes<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já se pacificou pela impossibilida<strong>de</strong> da concessão <strong>de</strong> medida<br />

liminar por ser imprópria ao instituto do mandado <strong>de</strong> injunção.1<br />

Regimentalmente, no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o mandado <strong>de</strong> injunção terá<br />

priorida<strong>de</strong> sobre os <strong>de</strong>mais atos judiciais, salvo o habeas corpus, mandado <strong>de</strong> segurança<br />

e o habeas data.<br />

5.8 Competência<br />

O art. 102,1, q, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que compete ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar, originariamente, o mandado <strong>de</strong> injunção, quando a elaboração<br />

da norma regulamentadora for atribuição do Presi<strong>de</strong>nte da República, do Congresso<br />

Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Fe<strong>de</strong>ral, da Mesa <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas Casas<br />

Legislativas, do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, <strong>de</strong> um dos Tribunais Superiores, ou do<br />

próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, ainda, no art. 105,1, h, que compete ao Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça processar e julgar, originariamente, o mandado <strong>de</strong> injunção, quando a<br />

elaboração da norma regulamentadora for atribuição <strong>de</strong> órgão, entida<strong>de</strong> ou autorida<strong>de</strong><br />

fe<strong>de</strong>ral, da administração direta ou indireta, excetuados os casos <strong>de</strong> competência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do<br />

Trabalho e da Justiça Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Por fim, o art. 121, § 4a, V, da Carta Magna prevê a competência do Tribunal Superior<br />

Eleitoral para julgar, em grau <strong>de</strong> recurso, o mandado <strong>de</strong> injunção que tiver sido <strong>de</strong>negado<br />

pelo Tribunal Regional Eleitoral.<br />

A lei po<strong>de</strong>rá, respeitadas as hipóteses previamente <strong>de</strong>finidas na constituição, regulamentar<br />

a competência remanescente para outros casos <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> injunção.<br />

No âmbito estadual, será permitido aos Estados-membros, no exercício do po<strong>de</strong>r<br />

constituinte <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong>corrente, estabelecerem em suas constituições estaduais o órgão<br />

competente para processo e julgamento <strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> injunção contra a omissão do<br />

Po<strong>de</strong>r Público estadual em relação às normas constitucionais estaduais.3<br />

1 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n ° 536-2/MG - Rei. M in . lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 abr. 1996;<br />

STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção nD530-3/SP - R ei. M in. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 8 mar. 1996,<br />

p. 6.246/7; STF - M andado <strong>de</strong> Injunção n° 342-SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, Seção 1 ,1 ago.<br />

1991; STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n° 53S-4/SP - Rei. Min. lim ar G alvão, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 mar.<br />

1996, p. 7.085. C on tra, adm itindo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lim in arem m andado <strong>de</strong> injunção: SILVA, Paulo Napoleão<br />

Nogueira. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 279.<br />

2 S T F - P le n o - M I 2 0 6 -D F -R ei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1,24 fev. 1989,p. 1.890.<br />

3 O art. 74, V, da Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo estabeleceu que com pete ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça processar<br />

e ju lgar o mandado <strong>de</strong> injunção quando a inexistência da norma regulam entadora estadual ou municipal<br />

<strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res inclusive da Administração indireta, torne inviável o exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s assegurados<br />

nesta Constituição.


5.9 Decisão e efeitos do mandado <strong>de</strong> injunção<br />

QUADRO GERAL<br />

G eral1<br />

Posições<br />

Concretista<br />

N ã o concretista5<br />

Individual3<br />

i<br />

Direta12<br />

Interm ediária4<br />

1 Atualmente, a posição concretista geral é adotada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, Celso <strong>de</strong> Mello, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Menezes Direito, Carmen Lúcia, Carlos Britto,<br />

Joaquim Barbosa.<br />

2 Posição também adotada atualmente pela composição integral do STF. Ocorre, porém, que os Ministros Gilmar<br />

Men<strong>de</strong>s, Celso <strong>de</strong> Mello, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Menezes Direito, CarmenLúcia, Carlos Britto, Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da hipótese, também aplicam a posição concretista geral, enquanto os Ministros Ricardo<br />

Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio somente adotam a posição concretista individual (STF - Pleno<br />

- MI 708/DF e MI 670/ES - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2007; STF - Pleno - MI 712/PA - ReL<br />

Min. Eros Grau; STF - Pleno - MI 758/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 1°-7-2008). Anteriormente no<br />

STF: Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio. Na doutrina: TEMER, Michel. Elementos... Op. cit. p. 198-199;<br />

CARRAZA, Roque. Curso... Op. cit., p. 225; SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 394; PIOVESAN, Flávia C.<br />

Proteção... Op. cit. p. 138; BERMUDES, Sérgio. R T 642/24; DANTAS, Ivo. Mandado... Op. cit. p. 97; SANTOS,<br />

Moacyr Amaral. Mandado <strong>de</strong> injunção. Op. cit. p. 29; GOMES, Luiz Flávio. Anotações sobre o mandado <strong>de</strong> injunção.<br />

RT, 647/43; ACKEL FILHO, Diomar. Op. cit. p. 126; BARBI, Celso Agrícola. Mandado. Op. cit. p. 391;<br />

FIGUEIREDO, Marcelo. O mandado <strong>de</strong> injunção e a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1991. p. 58; SIDOU, J. M. Othon. Habeas data, mandado <strong>de</strong> injunção, habeas corpus, mandado <strong>de</strong><br />

segurança e ação popular. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1989. p. 455.<br />

3 PACHECO, José da Silva. O mandado <strong>de</strong> segurança e... Op. cit. p. 290-291.0 referido autor afirma que ambas<br />

as hipóteses são satisfatórias. Tanto a que vê o “mandado <strong>de</strong> injunção como instrumento para obter do juiz a<br />

<strong>de</strong>cisão no sentido <strong>de</strong>, aten<strong>de</strong>ndo ao pedido, proteger o <strong>direito</strong> reclamado, levando em conta os fins sociais, as<br />

exigências do bem comum e os princípios constitucionais e gerais do Direito”, quanto a que <strong>de</strong>termina que “o<br />

órgão competente, que não se resume no Legislativo, baixe a norma em certo prazo, ciente <strong>de</strong> que se não o fizer,<br />

o juiz julgará o caso concreto submetido à sua apreciação”.<br />

4 No Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: Ministro Néri da Silveira.<br />

5 Inicial e antiga orientação predominante no Supremo IIibunal Fe<strong>de</strong>ral: Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira<br />

Alves, Celso <strong>de</strong> Mello, limar Galvão, Octávio Galloti, Sydney Sanches, Maurício Corrêa e Nelson Jobim (cf. em<br />

relação à esse o MI na 535-4/SP - Rei. Min. limar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1,26 set. 1997, p. 47.478) e,<br />

também, o MI na 586-5/RJ, Diário da Justiça, Seção I, 27 ago. 1998, p. 13, on<strong>de</strong> afirmou que: “O Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> obrigar o legislativo a legislar, mas apontar a mora e recomendar que a supra. Também<br />

não po<strong>de</strong> assegurar ao impetrante o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, porquanto esse exercício está a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

lei Complementar que lhe estabeleça os termos e limites” e, também, dos ex-Ministros Francisco Rezek e Paulo<br />

Brossard. Na doutrina: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso... Op. cit. p. 277; MEIRELLES, Hely Lopes.


184 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em relação ao histórico sobre a natureza jurídica da <strong>de</strong>cisão judicial no mandado <strong>de</strong><br />

injunção e seus efeitos, necessário transcrevermos parcialmente o pronunciamento do<br />

Ministro Néri da Silveira, que com absoluta clareza resumiu as posições iniciais existentes<br />

no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em relação ao mandado <strong>de</strong> injunção:1<br />

“Há, como sabemos, na Corte, no julgamento dos mandados <strong>de</strong> injunção, três<br />

correntes: a majoritária, que se formou a partir do Mandado <strong>de</strong> Injunção na 107,<br />

que enten<strong>de</strong> <strong>de</strong>va o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em reconhecendo a existência da<br />

mora do Congresso Nacional, comunicar a existência <strong>de</strong>ssa omissão, para que o<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo elabore a lei. Outra corrente, minoritária, reconhecendo também<br />

a mora do Congresso Nacional, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, o pedido do requerente<br />

do mandado <strong>de</strong> injunção e provê sobre o exercício do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>mente<br />

previsto. Por último, registro minha posição, que é isolada: partilho do entendimento<br />

<strong>de</strong> que o Congresso Nacional é que <strong>de</strong>ve elaborar a lei, mas também tenho<br />

presente que a Constituição, por via do mandado <strong>de</strong> injunção, quer assegurar aos<br />

cidadãos o exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s, contemplados na Carta Política, mas<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> regulamentação. Adoto posição que consi<strong>de</strong>ro intermediária. Entendo<br />

que se <strong>de</strong>va, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional<br />

a omissão in<strong>constitucional</strong>, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei<br />

indispensável ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>mente assegurado aos cidadãos.<br />

Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em<br />

certo prazo que se estabelecería na <strong>de</strong>cisão, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong> tomar<br />

conhecimento <strong>de</strong> reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e,<br />

a seguir, dispor a respeito do <strong>direito</strong> in concreto. E, p>or isso mesmo, uma posição<br />

que me parece concilia a prerrogativa do Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong> fazer a lei, como o<br />

órgão competente para a criação da norma, e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei. Esse tem<br />

sido o sentido <strong>de</strong> meus votos, em tal matéria. De qualquer maneira, porque voto<br />

isolado e vencido, não po<strong>de</strong>ria representar uma or<strong>de</strong>m ao Congresso Nacional, eis<br />

que ineficaz. De outra parte, em se cuidando <strong>de</strong> voto, no julgamento <strong>de</strong> processo<br />

judicial, é o exercício, precisamente, da comp>etência e in<strong>de</strong>pendência que cada<br />

membro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem, e necessariamente há <strong>de</strong> ter, <strong>de</strong>corrente<br />

da Constituição, <strong>de</strong> interpretar o sistema da Lei Maior e <strong>de</strong>cidir os pleitos que<br />

lhe sejam submetidos, nos limites da autorida<strong>de</strong> conferida à Corte Suprema p>ela<br />

Constituição” (<strong>de</strong>staque nosso).<br />

Dessa forma, a doutrina e a jurisprudência do STF permitiram classificar as diversas<br />

posições em relação aos efeitos do mandado <strong>de</strong> injunção a partir <strong>de</strong> dois gran<strong>de</strong>s grupos:<br />

concretista e não concretista.12<br />

Pela posição concretista, presentes os requisitos constitucionais exigidos para o<br />

mandado <strong>de</strong> injunção, o Po<strong>de</strong>r Judiciário através <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão constitutiva, <strong>de</strong>clara a<br />

1 Pronunciamento do Ministro Néri da S ilveira Ata da 7a (sétim a) sessão extraordinária do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, realizada em 16 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1995 e publicada no Diário da Justiça, 4 abr. 1995, Seção I, p. 8.265.<br />

2 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n ° 107 (fo i o prim eiro a ser analisado p e lo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) - Rei.<br />

M in . Moreira Alves, Diário da Justiça, S eção 1,21 set. 1990, p. 9.782.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 185<br />

existência da omissão administrativa ou legislativa, e implementa o exercício do <strong>direito</strong>,<br />

da liberda<strong>de</strong> ou da prerrogativa <strong>constitucional</strong> até que sobrevenha regulamentação do<br />

po<strong>de</strong>r competente. Essa posição divi<strong>de</strong>-se em duas espécies: concretistageral e concretista<br />

individual, conforme a abrangência <strong>de</strong> seus efeitos.<br />

Pela concretista geral, a <strong>de</strong>cisão do Po<strong>de</strong>r Judiciário terá efeitos erga omnes, implementando<br />

o exercício da norma <strong>constitucional</strong> através <strong>de</strong> uma normativida<strong>de</strong> geral, até<br />

que a omissão seja suprida pelo po<strong>de</strong>r competente. Essa posição sempre foi pouco aceita<br />

na doutrina, pois como ressalvado pelo Ministro Moreira Alves, ao proclamar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

mandado <strong>de</strong> injunção, uma <strong>de</strong>cisão com efeitos erga omnes estaria “o Supremo, juiz ou<br />

tribunal que <strong>de</strong>cidisse a injunção, ocupando a função do Po<strong>de</strong>r Legislativo, o que seria<br />

claramente incompatível com o sistema <strong>de</strong> separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res”.1<br />

Ocorre, porém, que em virtu<strong>de</strong> da inércia do legislador em colmatar as lacunas constitucionais,<br />

após 20 anos do texto <strong>constitucional</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral alterou seu<br />

posicionamento e adotando claro ativismo judicial passou a adotar aposição concretista,<br />

tanto geral, quanto individual.<br />

Em histórica <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, salientando a “evolução do tema<br />

na jurisprudência”, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s apontou o novo posicionamento da Corte:<br />

“No julgamento do MI n° 107/DF, Rei. Min. Moreira Alves, D J 21.9.1990, o Plenário<br />

do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado <strong>de</strong> injunção os<br />

seguintes elementos operacionais: i) os <strong>direito</strong>s <strong>constitucional</strong>mente garantidos por<br />

meio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> injunção apresentam-se como <strong>direito</strong>s à expedição <strong>de</strong> um ato<br />

normativo, os quais, via <strong>de</strong> regra, não po<strong>de</strong>ríam ser diretamente satisfeitos por meio<br />

<strong>de</strong> provimento jurisdicional do STF; ii) a <strong>de</strong>cisão judicial que <strong>de</strong>clara a existência<br />

<strong>de</strong> uma omissão in<strong>constitucional</strong> constata, igualmente, a mora do órgão ou po<strong>de</strong>r<br />

legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão in<strong>constitucional</strong> tanto<br />

po<strong>de</strong> referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv)<br />

a <strong>de</strong>cisão proferida em se<strong>de</strong> do controle abstrato <strong>de</strong> normas acerca da existência,<br />

ou não, <strong>de</strong> omissão é dotada <strong>de</strong> eficácia erga omnes, e não apresenta diferença<br />

significativa em relação a atos <strong>de</strong>cisórios proferidos no contexto <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong><br />

injunção; v ) o STF possui competência <strong>constitucional</strong> para, na ação <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong><br />

injunção, <strong>de</strong>terminar a suspensão <strong>de</strong> processos administrativos ou judiciais, com o<br />

intuito <strong>de</strong> assegurar ao interessado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser contemplado por norma<br />

mais benéfica, ou que lhe assegure o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> invocado; vi) por fim,<br />

esse plexo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res institucionais legitima que o STF <strong>de</strong>termine a edição <strong>de</strong> outras<br />

medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição <strong>de</strong> normas<br />

pelo legislador. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurispru<strong>de</strong>ncial<br />

inicial, o STF flexibilizou a interpretação <strong>constitucional</strong> primeiramente<br />

fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental<br />

do mandado <strong>de</strong> injunção. A partir <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes, o Tribunal passou<br />

a admitir soluções “normativas” para a <strong>de</strong>cisão judicial como alternativa legítima<br />

<strong>de</strong> tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5a, XXXV)”,<br />

1 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n° 107-3 (fo i o prim eiro a ser analisado pelo Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) - Rei.<br />

M in. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1 ,21 set. 1990, p. 9.782.


186 Direito Constitucional • Moraes<br />

Para, a seguir, concluir que:<br />

“Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que <strong>de</strong>mandam a concretização<br />

do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve a todos os trabalhadores, o STF não po<strong>de</strong> se abster <strong>de</strong><br />

reconhecer que, assim como o controle judicial <strong>de</strong>ve incidir sobre a ativida<strong>de</strong> do legislador,<br />

é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos <strong>de</strong> inativida<strong>de</strong><br />

ou omissão do Legislativo. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes,<br />

<strong>de</strong>clarada na or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> brasileira. Por esse motivo, a permanência <strong>de</strong>ssa<br />

situação <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> regulamentação do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve dos servidores públicos<br />

civis passa a invocar, para si, os riscos <strong>de</strong> consolidação <strong>de</strong> uma típica omissão<br />

judicial (...) Diante da singularida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>bate <strong>constitucional</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve<br />

dos servidores públicos civis, sob pena <strong>de</strong> injustificada e inadmissível negativa <strong>de</strong><br />

prestação jurisdicional nos âmbitos fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, <strong>de</strong>vem-se fixar<br />

também os parâmetros institucionais e constitucionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> competência,<br />

provisória e ampliativa, para a apreciação <strong>de</strong> dissídios <strong>de</strong> greve instaurados entre o<br />

Po<strong>de</strong>r Público e os servidores públicos civis (...) Nessa extensão do <strong>de</strong>ferimento do<br />

mandado <strong>de</strong> injunção, aplicação da Lei na 7.701/1988, no que tange à competência<br />

para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve <strong>de</strong> servidores<br />

públicos que sejam suscitados até o momento <strong>de</strong> colmatação legislativa específica<br />

da lacuna ora <strong>de</strong>clarada, nos termos do inciso VII do art. 37 da CF.” 1<br />

Excepcionalmente, antes <strong>de</strong>ssa alteração jurispru<strong>de</strong>ncial, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

adotando parcialmente a posição concretista, em face da manutenção da inércia<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo, havia <strong>de</strong>cidido em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> injunção em relação à norma<br />

prevista no art. 8a, § 3a do ADCT <strong>de</strong> 1988,*2 autorizar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ajuizarem os beneficiários <strong>de</strong>ssa norma transitória, com fundamento no <strong>direito</strong> comum,<br />

a pertinente ação <strong>de</strong> reparação econômica do prejuízo, caso o tenham sofrido.3<br />

Ressalte-se, porém, que esta <strong>de</strong>cisão baseou-se no fato <strong>de</strong> o Po<strong>de</strong>r Legislativo ter<br />

<strong>de</strong>scumprido um prazo <strong>constitucional</strong>mente estabelecido para a edição <strong>de</strong> norma, pela<br />

própria constituição, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, não po<strong>de</strong>ndo<br />

<strong>de</strong>sta maneira restar dúvida quanto à mora do parlamento.4<br />

Também, <strong>de</strong> maneira excepcional, o STF adotou a posição concretista, para proteger<br />

o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> previsto no art. 195, § 7- (“são isentas <strong>de</strong> contribuição para<br />

a segurida<strong>de</strong> social as entida<strong>de</strong>s beneficentes <strong>de</strong> assistência social que atendam às exi-<br />

’ S T F -P le n o -M I7 0 8 / D F e M I6 7 0 / E S - Rei. Min. G ilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2007. Conferir, n o mesmo<br />

sentido: STF - Pleno - M I 712/PA - ReL Min. Eros Grau.<br />

2 Art. 8°, § 3C Aos cidadãos que foram im pedidos <strong>de</strong> exercer, na vida civil, ativida<strong>de</strong> profissional específica, em<br />

<strong>de</strong>corrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n° S-50-GM5, <strong>de</strong> 19-6-64, e nQS-285-GM5<br />

será concedida reparação <strong>de</strong> natureza econôm ica, na form a que dispuser lei <strong>de</strong> iniciativa do Congresso Nacional<br />

e a entrar em vigor no prazo <strong>de</strong> doze meses a contar da promulgação da constituição.<br />

3 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção nc 439-1/RJ, Rei. M in. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 <strong>de</strong>z. 1994;<br />

KTJ158/387. Nesse m esm o sentido: STF - Plen o - M I nQ543/DF - Rei. Min. Octávio Gallotti. Decisão: 26-10-<br />

2000. Informativo STF n° 208.<br />

4 STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção nc 232-1, Rei. Min., Diário da Justiça, Seção 1,27 mar. 1992, JSTF, Lex 167, nov.<br />

1992, p. 105-128. A presente hipótese foi regulamentada pela Lei n° 10.559/02, não havendo, pois, possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> novos ajuizamentos <strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> injunção (STF - I a T. - MI nQ555-9/SP - Rei. Min. Ricardo Lewandowski,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 7 jun. 2006, p. 11).


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 8 7<br />

gências estabelecidas em lei”) e <strong>de</strong>srespeitado pela inércia estatal, proclamando que “o<br />

Tribunal, por maioria, conheceu em parte o mandado <strong>de</strong> injunção e nessa parte o <strong>de</strong>feriu<br />

para <strong>de</strong>clarar o estado <strong>de</strong> mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim <strong>de</strong> que,<br />

no prazo <strong>de</strong> seis meses, adote as providências legislativas, <strong>de</strong>correntes do art. 195, § 7a,<br />

da Constituição, sob pena <strong>de</strong>, vencido esse prazo, sem legislar, passe a requerente a gozar<br />

a imunida<strong>de</strong> requerida”.1<br />

Atualmente, portanto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando seu antigo posicionamento,<br />

julgou proce<strong>de</strong>nte mandado <strong>de</strong> injunção adotando a posição concretista geral.<br />

Dessa forma, a Corte conheceu do mandado <strong>de</strong> injunção relativo à efetivida<strong>de</strong> da norma<br />

prevista no art. 37, VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve do servidor público) e<br />

<strong>de</strong>cidiu no sentido <strong>de</strong> suprir a lacuna legislativa, <strong>de</strong>terminando, em regra, a aplicação<br />

<strong>de</strong> legislação existente para o setor privado; porém, possibilitando, quando tratar-se <strong>de</strong><br />

serviços ou ativida<strong>de</strong>s essenciais, <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> regime <strong>de</strong> greve mais severo.12<br />

Pela concretista individual, a <strong>de</strong>cisão do Po<strong>de</strong>r Judiciário só produzirá efeitos para o<br />

autor do mandado <strong>de</strong> injunção, que po<strong>de</strong>rá exercitar plenamente o <strong>direito</strong>, liberda<strong>de</strong> ou<br />

prerrogativa prevista na norma <strong>constitucional</strong>. Como salienta Canotilho<br />

“o mandado <strong>de</strong> injunção não tem por objecto uma pretensão a uma emanação, a<br />

cargo do juiz, <strong>de</strong> uma regulação legal complementadora com eficácia ‘erga omnes’.<br />

O mandado <strong>de</strong> injunção ap>enas viabiliza, num caso concreto, o exercício <strong>de</strong> um<br />

<strong>direito</strong> ou liberda<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> perturbado pela falta parcial <strong>de</strong> lei regulamentadora.<br />

Se a sentença judicial preten<strong>de</strong>sse ser uma normação com valor <strong>de</strong> lei ela<br />

seria nula (inexistente) por usurpação <strong>de</strong> p>o<strong>de</strong>res”.3<br />

Essa espécie, no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, se subdivi<strong>de</strong> em duas: direta e intermediária.<br />

Pela primeira, concretista individualdireta, o Po<strong>de</strong>r Judiciário, imediatamente ao julgar<br />

proce<strong>de</strong>nte o mandado <strong>de</strong> injunção, implementa a eficácia da norma <strong>constitucional</strong> ao<br />

autor. Assim, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início os Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio enten<strong>de</strong>ram que<br />

a constituição criou mecanismos distintos voltados a controlar as omissões inconstitucionais,<br />

que são a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, inscrita no art. 103 da CF, e o mandado<br />

<strong>de</strong> injunção, estabelecido pelo inc. LXXI, art. 5 a, da mesma Carta.4 Como afirmado pelo<br />

Ministro Marco Aurélio:<br />

“sob a minha ótica, o mandado <strong>de</strong> injunção tem, no tocante ao provimento judicial,<br />

efeitos concretos, beneficiando apenas a parte envolvida, a impetrante”.<br />

1 STF - Pleno - M I na 232/R J- Rei. Min. M oreira Alves, KTJ137/965.<br />

2 STF - Pleno - M I 708/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 19-9-2007. Informativo STF n° 480. Nesse<br />

mesmo sentido, em face da mora legislativa, o STF <strong>de</strong>cidiu pela supressão da lacuna legislativa ao caso concreto<br />

(STF - Pleno - M I 795/DF, Rei. Min. Cármen Lúcia, 15-4-2009).<br />

3 CANOTILHO, J. J. Gomes (Coord. Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixera). As garantias... Op. cit. p. 88.<br />

4 STF - M andado <strong>de</strong> Injunção n ° 321-1 - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 30 jul. 1994, p.<br />

26.164; STF - Mandado <strong>de</strong> Injunção n ° 232-1, Rei. Min., Diário da Justiça, Seção I, 27 mar. 1992, JSTF, LEX<br />

167, nov. 1992, p . 105-128; STF - M andado <strong>de</strong> Injunção nn 431-5, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 23 set. 1994, p . 25.325.


1 8 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em novo posicionamento, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral passou a adotar, juntamente<br />

com a posição concretista geral, a posição concretista individual em <strong>de</strong>terminados casos,<br />

para que a Corte possa efetivamente combater a síndrome <strong>de</strong> inefetivida<strong>de</strong> das normas<br />

constitucionais. O STF julgou proce<strong>de</strong>nte pedido formulado em mandado <strong>de</strong> injunção para<br />

garantir ao impetrante “à contagem diferenciada do tempo <strong>de</strong> serviço em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> em trabalho insalubre, após a égi<strong>de</strong> do regime estatutário, para fins <strong>de</strong> aposentadoria<br />

especial <strong>de</strong> que cogita o § 4a do art. 40 da CF’, proclamando, portanto, “seu <strong>direito</strong><br />

à aposentadoria especial, em razão do trabalho, por 25 anos, em ativida<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rada<br />

insalubre, ante o contato com agentes nocivos, portadores <strong>de</strong> moléstias humanas e com<br />

materiais e objetos contaminados”,1e, também, para concretizar o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong><br />

do servidor público portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência à aposentadoria especial, nos termos do art.<br />

40, § 4^1, da CF.12<br />

Pela segunda, concretista individual intermediária, posição i<strong>de</strong>alizada pelo Ministro<br />

Néri da Silveira, após julgar a procedência do mandado <strong>de</strong> injunção, fixa ao Congresso<br />

Nacional o prazo <strong>de</strong> 120 dias para a elaboração da norma regulamentadora. A o término<br />

<strong>de</strong>sse prazo, se a inércia permanecer o Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>ve fixar as condições necessárias<br />

ao exercício do <strong>direito</strong> por parte do autor.3<br />

Parece-nos que inexiste incompatibilida<strong>de</strong> entre a adoção da posição concretista<br />

individual e a teoria da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res consagrada expressamente pelo art. 2a da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A constituição, ao <strong>de</strong>terminar que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são Po<strong>de</strong>res<br />

da República, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos, adotou a doutrina <strong>constitucional</strong> norteamericana<br />

do check and balances, pois ao mesmo tempo que previu diversas e diferentes<br />

funções estatais para cada um dos Po<strong>de</strong>res, garantindo-lhes prerrogativas para o bom<br />

exercício <strong>de</strong>las, estabeleceu um sistema complexo <strong>de</strong> freios e contrapesos paraharmonizá-<br />

-los em prol da socieda<strong>de</strong>. Assim, po<strong>de</strong>rá o Po<strong>de</strong>r Legislativo sustar a executorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

lei <strong>de</strong>legada editada pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo que exorbite os limites constitucionais<br />

(CF, art. 49, V ); o Senado Fe<strong>de</strong>ral processará e julgará o Presi<strong>de</strong>nte da República e os<br />

Ministros do SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral em crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 52,1e II)<br />

e igualmente <strong>de</strong>verá aprovar por maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros a indicação presi<strong>de</strong>ncial<br />

para o cargo <strong>de</strong> Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 52, III). Todos esses<br />

instrumentos encontram-se previstos no sistema <strong>de</strong> freios e contrapesos constitucionais,<br />

visando impedir o arbítrio estatal.4<br />

1 STF - Pleno - MI 7 58/D F - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: l 2-7-2008; STF - Pleno - M I 3718/DF - Rei.<br />

M in. Marco A urélio,DJe 7-10-2011.<br />

2 STF - M I 1 9 67/D F - Rei. Min. Celso d e M ello, <strong>de</strong>cisão: 24-05-2011.<br />

3 STF - M an dado d e Injunção n n 335-1, Rei. Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 out. 1994, p.<br />

2 7 .8 0 7 ; ST F - M an dado d e Injunção n Q431 -5, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,23 set. 1994,<br />

p. 2 5 .3 2 5 .<br />

4 Ver a respeito com pletíssim a obra <strong>de</strong> FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre po<strong>de</strong>res. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1994. Conferir, ainda, na doutrina portuguesa: PIÇARRA, Nuno. A separação dos po<strong>de</strong>res<br />

como doutrina e princípio <strong>constitucional</strong>. Coimbra: Coimbra, 1989.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 8 9<br />

Dessa forma, plenamente condliável o art. 5Q, LXXI (conce<strong>de</strong>r-se-á mandado <strong>de</strong> injunção<br />

sempre que a falta <strong>de</strong> norma regulamentadora torne inviável o exercício dos <strong>direito</strong>s<br />

e liberda<strong>de</strong>s constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalida<strong>de</strong>, à soberania e<br />

à cidadania) e o art 5a, XXXV (a lei não excluirá da apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário lesão<br />

ou ameaça a <strong>direito</strong>), com o art. 2- (são po<strong>de</strong>res da União, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos<br />

entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), todos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois o<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, no exercício da ativida<strong>de</strong> jurisdicional, <strong>de</strong>verá evitar a ameaça ou a lesão<br />

a <strong>direito</strong>s, liberda<strong>de</strong>s ou prerrogativas inerentes à nacionalida<strong>de</strong>, à soberania e à cidadania,<br />

<strong>de</strong>correntes da omissão do Po<strong>de</strong>r competente, <strong>de</strong>clarando a existência da omissão e<br />

permitindo que o prejudicado usufrua da norma <strong>constitucional</strong>, nos mol<strong>de</strong>s previstos na<br />

<strong>de</strong>cisão, enquanto não for colmatada a lacuna legislativa ou administrativa.<br />

Assim agindo, não estará o Judiciário regulamentando abstratamente a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, com efeitos erga omnes, pois não é sua função; mas ao mesmo tempo, não estará<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> exercer uma <strong>de</strong> suas funções precípuas, o resguardo dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais. Como <strong>de</strong>staca Carlos Augusto Alcântara Machado, “não se trata <strong>de</strong> pretensa<br />

usurpação da função legislativa pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário e, sim, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> uma<br />

atribuição conferida <strong>constitucional</strong>mente”.1<br />

Em conclusão, filiamo-nos à posição concretista individual intermediária, criada pelo<br />

Ministro Néri da Silveira, parecendo-nos, com a <strong>de</strong>vida venia, que a i<strong>de</strong>ia do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

após julgar proce<strong>de</strong>nte o mandado <strong>de</strong> injunção estabelecer um prazo para que a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral seja regulamentada, antes <strong>de</strong> efetivamente colmatá-la, a<strong>de</strong>qua-se perfeitamente<br />

à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res. Assim, a partir da <strong>de</strong>cisão do Judiciário, o po<strong>de</strong>r<br />

competente estaria oficialmente <strong>de</strong>clarado omisso, <strong>de</strong>vendo atuar. Esse prazo, no âmbito<br />

legislativo, enten<strong>de</strong>mos, nunca po<strong>de</strong>ría ser inferior ao processo legislativo sumário.12<br />

Por fim, temos a posição não concretista, adotada por muito tempo - até o julgamento<br />

do MI 708 (greve no serviço público) - pela jurisprudência dominante no Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que se firmou no sentido <strong>de</strong> atribuir ao mandado <strong>de</strong> injunção a finalida<strong>de</strong><br />

específica <strong>de</strong> ensejar o reconhecimento formal da inércia do Po<strong>de</strong>r Público, “em dar concreção<br />

à norma <strong>constitucional</strong> positivadora do <strong>direito</strong> postulado, buscando-se, com essa<br />

exortação ao legislador, a plena integração normativa do preceito fundamental invocado<br />

pelo impetrante do writ como fundamento da prerrogativa que lhe foi outorgada pela<br />

Carta Política”.3 Sendo esse o conteúdo possível da <strong>de</strong>cisão injuncional, não há falar em<br />

medidas jurisdicionais que estabeleçam, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, condições viabilizadoras do exercício<br />

do <strong>direito</strong>, da liberda<strong>de</strong> ou da prerrogativa <strong>constitucional</strong>mente prevista,4 mas, tão<br />

somente, <strong>de</strong>verá ser dado ciência ao po<strong>de</strong>r competente para que edite a norma faltante.<br />

Critica-se essa posição por tornar os efeitos do mandado <strong>de</strong> injunção idênticos aos<br />

da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão (CF, art. 103, § 2a), apesar <strong>de</strong> serem<br />

institutos diversos.<br />

1 MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Mandado... Op. cit. p. 122.<br />

2 Processo legislativo sumário po<strong>de</strong>rá alcançar no m áximo 100 dias (ver capítulo sobre processo legisla tivo).<br />

3 RTJ133/11.<br />

4 STF - Mandado d e Injunção n°288-6/D F - Rei. Min. C elsod e M ello, Diário da Justiça, Seção I, 3 m aio 1995,<br />

p. 11.629.


1 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

6 DIREITO DE CERTIDÃO<br />

Tradicional previsão <strong>constitucional</strong>, o chamado <strong>direito</strong> <strong>de</strong> certidão, novamente, foi<br />

consagrado como o <strong>direito</strong> líquido e certo <strong>de</strong> qualquer pessoa à obtenção <strong>de</strong> certidão para<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> um <strong>direito</strong>,1<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>monstrado seu legítimo interesse.12<br />

A esse <strong>direito</strong> correspon<strong>de</strong> a obrigatorieda<strong>de</strong> do Estado, salvo nas hipóteses constitucionais<br />

<strong>de</strong> sigilo, em fornecer as informações solicitadas, sob pena <strong>de</strong> responsabilização<br />

política, civil e criminal.3<br />

Ressalte-se que o <strong>direito</strong> à expedição <strong>de</strong> certidão engloba o esclarecimento <strong>de</strong> situações<br />

já ocorridas, jamais sob hipóteses ou conjecturas relacionadas a situações ainda a<br />

serem esclarecidas.4<br />

A negativa estatal ao fornecimento das informações englobadas pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> certidão<br />

configura o <strong>de</strong>srespeito a um <strong>direito</strong> líquido e certo, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r, passível, portanto, <strong>de</strong> correção por meio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança.<br />

Celso <strong>de</strong> Mello aponta os pressupostos necessários para a utilização do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

certidão: legítimo interesse (existência <strong>de</strong> <strong>direito</strong> individual ou da coletivida<strong>de</strong> a ser <strong>de</strong>fendido);<br />

ausência <strong>de</strong> sigilo; res habilis (atos administrativos e atos judiciais são objetos<br />

certificáveis). Como salienta o autor, “é evi<strong>de</strong>nte que a administração pública não po<strong>de</strong><br />

certificar sobre documentos inexistentes em seus registros” e indicação <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>.5<br />

O art. 5a, XXXIV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura a obtenção <strong>de</strong> certidões em repartições<br />

públicas, para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e esclarecimento <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> interesse pessoal,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pagamento <strong>de</strong> taxas.<br />

Em regra, não po<strong>de</strong>rá o Po<strong>de</strong>r Público negar-se a fornecer as informações solicitadas,<br />

sob pena <strong>de</strong> sua responsabilização civil, bem como <strong>de</strong> responsabilização pessoal <strong>de</strong> seus<br />

servidores inertes, pois, como <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

“a garantia <strong>constitucional</strong> que assegura a todos a obtenção <strong>de</strong> certidões em repartições<br />

públicas é <strong>de</strong> natureza individual, sendo obrigatória a sua expedição quando<br />

se <strong>de</strong>stina à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e esclarecimento <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> interesse pessoal<br />

do requerente”.6<br />

A exceção ocorrerá na hipótese <strong>de</strong> sigilo imposto pela segurança da socieda<strong>de</strong> e do<br />

Estado.7 Nesse sentido, a Lei n° 11.111, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005, <strong>de</strong>termina que o acesso<br />

1 KTJ18/77.<br />

2 KTJ 109/1200.<br />

3 Cf. L e i n- 9.051/95 - “Art. I a As certidões p a ra a <strong>de</strong>fesa e esclarecimentos <strong>de</strong> situações, requeridas aos órgãos<br />

da administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> econom ia mista e às<br />

fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, <strong>de</strong>verão ser expedidas no prazo<br />

im prorrogável <strong>de</strong> quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor. - Art. 2a Nos requerimentos<br />

que objetivam a obtenção das certidões a que se refere esta Lei, <strong>de</strong>verão os interessados fazer constar esclarecim<br />

entos relativos aos fin s e razões do pedido.”<br />

4 KTJ 128/627.<br />

5 M ELLO FILH O , José Celso. Constituição Fe<strong>de</strong>ral anotada. 2 .e d . São Paulo: Saraiva, 1985, p. 488.<br />

6 STJ - 6*>T. - RMS na 3.735-5-MG - R ei. Min. V icente Leal - Ementário STJ, 15/203.<br />

7 TJ/SP - “ Exceção feita às ressalvas legais referentes à segurança da socieda<strong>de</strong> e do Estado, ao que se im põe<br />

sigilo, não po<strong>de</strong> a Administração Pública recusar-se a fornecer as inform ações solicitadas, sob nenhum pretexto.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 9 1<br />

aos documentos públicos <strong>de</strong> interesse particular ou <strong>de</strong> interesse coletivo ou geral será<br />

ressalvado exclusivamente nas hipóteses em que o sigilo seja ou permaneça imprescindível<br />

à segurança da socieda<strong>de</strong> e do Estado.1<br />

A citada lei estabelece ainda que os documentos públicos que contenham informações<br />

relacionadas à intimida<strong>de</strong>, vida privada, honra e imagem <strong>de</strong> pessoas, e que sejam<br />

ou venham a ser <strong>de</strong> livre acesso, po<strong>de</strong>rão ser franqueadas por meio <strong>de</strong> certidão ou cópia<br />

do documento, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se proteja o preceito <strong>constitucional</strong> do art. 5a, inciso X, não<br />

apresentando esses dados.<br />

7 DIREITO DE PETIÇÃO<br />

7.1 Histórico e conceito<br />

Historicamente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição nasceu na Inglaterra, durante a Ida<strong>de</strong> Média,<br />

através do right ofpetition, consolidando-se no Bill ofRights <strong>de</strong> 1689, que permitiu aos<br />

súditos que dirigissem petições ao rei. Igualmente foi previsto nas clássicas Declarações<br />

<strong>de</strong> Direitos, como a da Pensilvânia <strong>de</strong> 1776 (art. 16), e também na Constituição francesa<br />

<strong>de</strong> 1791 (art. 3a).<br />

Po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como o <strong>direito</strong> que pertence a uma pessoa <strong>de</strong> invocar a atenção dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos sobre uma questão ou uma situação.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra no art. 5a, XXXIV, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição aos Po<strong>de</strong>res<br />

Públicos, assegurando-o a todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pagamento <strong>de</strong> taxas, em <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s ou contra ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 não<br />

obsta o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição coletiva ou conjunta, através da interposição <strong>de</strong> petições,<br />

representações ou reclamações efetuadas conjuntamente por mais <strong>de</strong> uma pessoa.<br />

Observe-se que essa modalida<strong>de</strong> não se confun<strong>de</strong> com as petições em nome coletivo que são<br />

aquelas apresentadas por uma pessoa jurídica em representação dos respectivos membros.2<br />

7.2 Natureza<br />

O <strong>direito</strong> em análise constitui uma prerrogativa <strong>de</strong>mocrática, <strong>de</strong> caráter essencialmente<br />

informal, apesar <strong>de</strong> sua forma escrita, e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> pagamento <strong>de</strong> taxas. Dessa forma,<br />

como instrumento <strong>de</strong> participação político-fiscalizatório dos negócios do Es tado que tem por<br />

finalida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>fesa da legalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> e do interesse público geral, seu exercício<br />

está <strong>de</strong>svinculado da comprovação da existência <strong>de</strong> qualquer lesão a interesses próprios do<br />

peticionário.3<br />

Não fosse assim, estaria aquela exercitando conduta à margem da lei e assim violando <strong>direito</strong> líquido e certo”<br />

(14a CCível - Ap. Cível ns 271.054-2-6/SP - Rei. Des. FranklinNeiva; j. 5-9-1995).<br />

1 O art. 32 da Lei n s 11.111, <strong>de</strong> 5 d e m aio d e 2005, estabelece a possibilida<strong>de</strong> d e classificação regulamentar<br />

- no mais alto grau <strong>de</strong> sigilo - <strong>de</strong> documentos públicos que contenham informações sigilosas e imprescindíveis<br />

à segurança da socieda<strong>de</strong> e do Estado.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição... O p .cit. p. 279.<br />

3 T R F 1 aR. - REO 90.01.03175-7- DF - 2a T. - Rei. Juiz Hércules Quasímodo - Diário da Justiça, Seção II, 15 abr.<br />

199,TRF l aR .-A M S 89.01.24751-8 - MG - 2aT. - Rei. Juiz Souza Pru<strong>de</strong>nte-D iário da Justiça, Seção II, 5 nov. 1990.


1 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Acentue-se que, pela Constituição brasileira, apesar <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> representação possuir<br />

objeto distinto do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição, instrumentaliza-se por meio <strong>de</strong>ste.<br />

7.3 Legitim ida<strong>de</strong> ativa e passiva<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura a qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira,<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> apresentar reclamações aos Po<strong>de</strong>res Públicos, Legislativo, Executivo<br />

e Judiciário, bem como ao Ministério Público, contra ilegalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r.<br />

7.4 Finalida<strong>de</strong><br />

A finalida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição é dar-se notícia do fato ilegal ou abusivo ao Po<strong>de</strong>r<br />

Público, para que provi<strong>de</strong>ncie as medidas a<strong>de</strong>quadas. O exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição não<br />

exige seu en<strong>de</strong>reçamento ao órgão competente para tomada <strong>de</strong> providências, <strong>de</strong>vendo,<br />

pois, quem a receber, encaminhá-la à autorida<strong>de</strong> competente.1<br />

Na legislação ordinária, exemplo <strong>de</strong> exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição vem expresso na<br />

Lei na 4.898/65 (Lei <strong>de</strong> Abuso <strong>de</strong> Autorida<strong>de</strong>), que prevê em seu art. I 12:<br />

“O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> representação e o processo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> administrativa, civil e<br />

penal, contra as autorida<strong>de</strong>s que, no exercício <strong>de</strong> suas funções, cometerem abusos,<br />

são regulados pela presente Lei.”<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição possui eficácia <strong>constitucional</strong>, obrigando as autorida<strong>de</strong>s públicas<br />

en<strong>de</strong>reçadas ao recebimento, ao exame e, se necessário for, à resposta em prazo razoável,<br />

sob pena <strong>de</strong> configurar se violação ao <strong>direito</strong> líquido e certo do peticionário, sanável por<br />

intermédio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança. Note-se que, apesar da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obrigar-<br />

-se o Po<strong>de</strong>r Público competente a adoção <strong>de</strong> medidas para sanar eventuais ilegalida<strong>de</strong>s<br />

ou abusos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, haverá possibilida<strong>de</strong>, posterior, <strong>de</strong> responsabilizar o servidor público<br />

omisso, civil, administrativa e penalmente.<br />

O Direito <strong>de</strong> Petição não po<strong>de</strong>rá ser utilizado como sucedâneo da ação penal, <strong>de</strong> forma<br />

a oferecer-se, diretamente em juízo criminal, acusação formal em substituição ao Ministério<br />

Público. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê uma única e excepcional norma sobre ação<br />

penal privada subsidiária da pública (CF, art. 5Q, LIX), que somente po<strong>de</strong>rá ser utilizada<br />

quando da inércia do Ministério Público, ou seja, quando esgotado o prazo legal nãotivero<br />

Parquet oferecido <strong>de</strong>núncia, requisitado diligências ou proposto o arquivamento, ou ainda<br />

nas infrações <strong>de</strong> menor potencial ofensivo, oferecido a transação penal.2<br />

1 RDA 30/142. No mesmo sentido: CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, Vital. Constituição... Op. cit. p. 280.<br />

2 STF - Inquérito nn 1.111-8/B A- Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça. Seção 1,1 5 a go . 1996, p. 27.941;<br />

S T F -In q u érito n “ 1.158-4/D F-Rei. M in . Octávio Gallotti, Diário da Justiça. Seção 1,5 mar. 1996, p. 5.514; STF<br />

- Pleno - Inquérito nn 726 (AgRg)/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, R TJ154/410; STF - Inquérito n ° 929-6/<br />

M G - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 21 m aio 1996, p. 16.877.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 1 9 3<br />

8 AÇÃO POPULAR<br />

8.1 Conceito<br />

O art. 5a, LXXIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral proclama que qualquer cidadão é parte<br />

legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou<br />

<strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o Estado participe, à moralida<strong>de</strong> administrativa, ao meio ambiente<br />

e ao patrimônio histórico e cultural. No conceito <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles, ação popular<br />

“é o meio <strong>constitucional</strong> posto à disposição <strong>de</strong> qualquer cidadão para obter a invalidação<br />

<strong>de</strong> atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais<br />

e lesivos do patrimônio fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, ou <strong>de</strong> suas autarquias, entida<strong>de</strong>s<br />

paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos”.1<br />

8.2 Finalida<strong>de</strong><br />

A ação popular, juntamente com o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto em eleições,<br />

plebiscitos e referendos, e ainda a iniciativa popular <strong>de</strong> lei e o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> organização e<br />

participação <strong>de</strong> partidos políticos, constituem formas <strong>de</strong> exercício da soberania popular<br />

(CF, arts. I a e 14), pela qual, na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente,<br />

exercer a função fiscalizatória do Po<strong>de</strong>r Público, com base no princípio da legalida<strong>de</strong> dos<br />

atos administrativos e no conceito <strong>de</strong> que a res pública (República) é patrimônio do povo.<br />

A ação popular po<strong>de</strong>rá ser utilizada <strong>de</strong> forma preventiva (ajuizamento da ação antes da<br />

consumação dos efeitos lesivos) ou repressiva (ajuizamento da ação buscando o ressarcimento<br />

do dano causado).<br />

Assim sendo, a finalida<strong>de</strong> da ação popular é a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses difusos, reconhecendo-se<br />

aos cidadãos uti eives e não uti singuli, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> promover a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> tais<br />

interesses.<br />

8 .3 Requisitos<br />

São dois os requisitos para o ajuizamento da ação popular:<br />

• requisito subjetivo: somente tem legitimida<strong>de</strong> para a propositura da ação popular<br />

o cidadão;<br />

• requisito objetivo refere-se à natureza do ato ou da omissão do Po<strong>de</strong>r Público<br />

a ser impugnado, que <strong>de</strong>ve ser, obrigatoriamente, lesivo ao patrimônio público,<br />

seja por ilegalida<strong>de</strong>, seja por imoralida<strong>de</strong>.2 Conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a ação popular é <strong>de</strong>stinada “a preservar, em função <strong>de</strong> seu<br />

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado <strong>de</strong>segurança... Op. cit. p. 87.<br />

RTJ 96/1370, 95/1121; RDA 63/237; 110/260; 112/299.


1 9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

amplo espectro <strong>de</strong> atuação jurídico-processual, a intangibilida<strong>de</strong> do patrimônio<br />

público e a integrida<strong>de</strong> da moralida<strong>de</strong> administrativa (CF, art. 5a, LXXIII)”.1<br />

8 .4 Objeto<br />

O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio<br />

público, sem contudo configurar-se a ultima ratio, ou seja, não se exige o esgotamento <strong>de</strong><br />

todos os meios administrativos e jurídicos <strong>de</strong> prevenção ou repressão aos atos ilegais ou<br />

imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento.<br />

A Lei da Ação Popular (Lei na 4.717/65), em seu art. 4a, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir exemplificativamente<br />

os atos com presunção legal <strong>de</strong> ilegitimida<strong>de</strong> e lesivida<strong>de</strong>, passíveis, portanto,<br />

<strong>de</strong> ação popular, não excluiu <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> todos os atos que contenham vício <strong>de</strong><br />

forma, ilegalida<strong>de</strong> do objeto, inexistência dos motivos, <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> ou tenham<br />

sido praticados por autorida<strong>de</strong> incompetente (Lei na 4.717/65, art. I a).<br />

Ainda em relação ao objeto, Hely Lopes Meirelles aponta que “hoje é ponto pacífico<br />

na doutrina e na jurisprudência que não cabe ação popular para invalidar lei em tese, ou<br />

seja, a norma geral, abstrata, que apenas estabelece regras <strong>de</strong> conduta para sua aplicação.<br />

Em tais casos, é necessário que a lei renda ensejo a algum ato concreto <strong>de</strong> execução,<br />

para ser atacado pela via popular e <strong>de</strong>clarado ilegítimo e lesivo ao patrimônio público,<br />

se assim o for”.12<br />

8.5 Legitim ação ativa<br />

Somente o cidadão, seja o brasileiro nato ou naturalizado, inclusive aquele entre 16 e<br />

18 anos, e ainda, o português equiparado, no gozo <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos, possuem legitimação<br />

<strong>constitucional</strong> para a propositura da ação popular. A comprovação da legitimida<strong>de</strong><br />

será feita com a juntada do título <strong>de</strong> eleitor (brasileiros) ou do certificado <strong>de</strong> equiparação e<br />

gozo dos <strong>direito</strong>s civis e políticos e título <strong>de</strong> eleitor (português equiparado).<br />

Dessa forma, não po<strong>de</strong>rão ingressar em juízo os estrangeiros, as pessoas jurídicas e<br />

aqueles que tiverem suspensos ou <strong>de</strong>clarados perdidos seus <strong>direito</strong>s políticos (CF, art. 15).<br />

Porém, se a privação for posterior ao ajuizamento da ação popular, não será obstáculo<br />

para seu prosseguimento.3<br />

Ressalte-se que, no caso do cidadão menor <strong>de</strong> 18 anos, por tratar-se <strong>de</strong> um <strong>direito</strong><br />

político, tal qual o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto, não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência.4<br />

1 STF - Pleno - Adin n- 769/MA - M edida Cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 8<br />

abr. 1994, p. 7.224.<br />

2 MEIRELLES, H ely Lopes Meirelles. Estudos e pareceres <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1986. p. 369. v. 9.<br />

3 RT 416/131.<br />

4 Nesse sentido: SOARES, M ário Bento Martins. RDP, 13/187; SILVA, José Afonso da .Enciclopédia Saraiva do<br />

Direito. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 402. Exigindo assistência em relação ao cidadão entre 16 e 21 anos: MAN-<br />

CUSO, Rodolfo <strong>de</strong> Camargo. Ação... Op. ciL p. 109.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 195<br />

A legitimação do cidadão é ampla, tendo o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ajuizar a ação popular, mesmo<br />

que o litígio se verifique em Município ou comarca on<strong>de</strong> ele não possua domicílio eleitoral,<br />

sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunida<strong>de</strong> a que diga respeito o<br />

litígio, pois esse pressuposto não está na lei nem se assenta em razoáveis fundamentos.1<br />

A jurisprudência e a doutrina majoritária enten<strong>de</strong>m que o cidadão, autor da ação<br />

popular, age como substituto processual, pois <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> em juízo, em nome próprio, um<br />

interesse difuso, pertencente à coletivida<strong>de</strong>,12 pois como ensina Hely Lopes Meirelles,<br />

“tal ação é um instrumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos interesses da coletivida<strong>de</strong>, utilizável por<br />

qualquer <strong>de</strong> seus membros. Por ela não se amparam <strong>direito</strong>s individuais próprios,<br />

mas sim interesses da comunida<strong>de</strong>. O beneficiário direto e imediato <strong>de</strong>sta ação não<br />

é o autor; é o povo, titular do <strong>direito</strong> subjetivo ao governo honesto. O cidadão<br />

promove em nome da coletivida<strong>de</strong>, no uso <strong>de</strong> uma prerrogativa cívica que a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral lhe outorga”.3<br />

Discordamos <strong>de</strong>ssa posição, pois a ação popular, enquanto instrumento <strong>de</strong> exercício<br />

da soberania popular (CF, arts. I a e 14), pertence ao cidadão, que em face <strong>de</strong> expressa<br />

previsão <strong>constitucional</strong> teve sua legitimação ordinária ampliada, e, em nome próprio e<br />

na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seu próprio <strong>direito</strong> - participação na vida política do Estado e fiscalização<br />

da gerência do patrimônio público -, po<strong>de</strong>rá ingressar em juízo.4 Canotilho e Moreira,<br />

em análise ao mesmo instituto previsto na Constituição da República Portuguesa,5 prelecionam<br />

que<br />

“a acção popular traduz-se, por <strong>de</strong>finição, num alargamento da legitimida<strong>de</strong> processual<br />

activa a todos os cidadãos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do seu interesse individual<br />

ou da sua relação específica com os bens ou interesses em causa”.6<br />

Assim enten<strong>de</strong> José Afonso da Silva, para quem<br />

“a ação popular consiste num instituto <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia direta, e o cidadão, que a<br />

intenta, fá-lo em nome próprio, por <strong>direito</strong> próprio, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> próprio,<br />

que é o <strong>de</strong> sua participação na vida p>olítica do Estado, fiscalizando a gestão do<br />

1 P J T J S P 84/148; S T J -2 aA irm a -R e s p 1242800/M S-R ei. M in. Mauro Campbell Marques, <strong>de</strong>cisão: 7-6-2011.<br />

2 R F 235/167; MELLO FILHO, José Celso. C o n s t it u iç ã o ... O p .c it. p. 481; MARQUES, José Fre<strong>de</strong>rico. A s ações<br />

populares no <strong>direito</strong> brasileiro. R T 266/11; CINTRA, Antonio Carlos Araújo. Estudo sobre a substituição processual<br />

no <strong>direito</strong> brasileiro. R T 438/35.<br />

3 MEIRELLES, H ely Lopes. E s tu d o s e p a re c e re s ... Op. cit. p. 369.<br />

4 Nesse sentido: TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. C o n s t it u iç ã o d e 1 9 8 8 e p r o c e s s o . São Paulo:<br />

Saraiva, 1989. p. 185; MANCUSO, Rodolfo <strong>de</strong> Camargo. A ç ã o p o p u la r . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996;<br />

BASTOS, Celso; M ARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. cit. p. 369. v. 2.<br />

5 Constituição da República Portuguesa, art. 52, § 3°. “É conferido a tod os, pessoalm ente ou através <strong>de</strong><br />

associações <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos interesses em causa, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acção popular nos casos e term os previstos na lei,<br />

nom eadamente o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> prom over a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das in ff acções contra a<br />

saú<strong>de</strong> pública, a <strong>de</strong>gradação do ambiente e da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida ou a <strong>de</strong>gradação do patrim ônio cultural, bem<br />

com o <strong>de</strong> requerer para o lesado ou lesados a correspon<strong>de</strong>nte in<strong>de</strong>nização.”<br />

6 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. C o n s t it u iç ã o ... Op. cit. p. 281.


19 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

patrimônio público, a fim <strong>de</strong> que esta se conforme com os princípios da legalida<strong>de</strong><br />

e da moralida<strong>de</strong>”.1<br />

O Ministério Público, enquanto instituição, não possui legitimação para o ingresso <strong>de</strong><br />

ação popular, porém como parte pública autônoma é incumbido <strong>de</strong> zelar pela regularida<strong>de</strong><br />

do processo e <strong>de</strong> promover a responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelo ato<br />

ilegal e lesivo ao patrimônio público, manifestando-se, em relação ao mérito, com total<br />

in<strong>de</strong>pendência funcional (CF, art. 127, § I a).<br />

8.6 Legitimação passiva<br />

Os sujeitos passivos da ação popular são diversos, prevendo a Lei nQ4.717/65, em seu<br />

art. 6a, § 2a, a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> citação das pessoas jurídicas públicas, tanto da Administração<br />

direta quanto da indireta, inclusive das empresas públicas e das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

economia mista, ou privadas, em nome das quais foi praticado o ato a ser anulado, e mais<br />

as autorida<strong>de</strong>s, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado,<br />

ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmado o contrato impugnado, ou que,<br />

por omissos, tiverem dado oportunida<strong>de</strong> à lesão, como também, os beneficiários diretos<br />

do mesmo ato ou contrato.<br />

8.7 Natureza da <strong>de</strong>cisão<br />

A natureza da <strong>de</strong>cisão na ação popular é <strong>de</strong>sconstitutiva-con<strong>de</strong>natória, visando tanto<br />

à anulação do ato impugnado quanto à con<strong>de</strong>nação dos responsáveis e beneficiários em<br />

perdas e danos.12<br />

8.8 Competência<br />

A competência para processar e julgar a ação popular será <strong>de</strong>terminada pela origem do<br />

ato a ser anulado, aplicando-se as normais regras constitucionais e legais <strong>de</strong> competência.<br />

Importante ressaltar que seguindo uma tradição <strong>de</strong> nosso <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, não<br />

há previsão na Constituição <strong>de</strong> 1988, <strong>de</strong> competência originária do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, para o processo e julgamento <strong>de</strong> ações populares, mesmo que propostas em face<br />

do Congresso Nacional, <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong> Estado ou do próprio Presi<strong>de</strong>nte da República,3<br />

ou das <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s que, em mandado <strong>de</strong> segurança, estão sob sua jurisdição.4<br />

1 SILVA, José Afonso. A ç ã o p o p u la r c o n s t it u c io n a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 195.<br />

2 VASCONCELOS, Edson Aguiar. In s t r u m e n t o d e d e fe s a d a c id a d a n ia n a n o v a o r d e m c o n s t it u c io n a l. R io <strong>de</strong><br />

Janeiro: Forense, 1993. p. 120.<br />

3 S T F -P e tiç ã o n° 1.0 26-4/D F-Rel. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 31 m aio 1995, p. 15.855;<br />

tendo citado vasta e conclusiva jurisprudência do Pretório Excelso: P et2 9 6 -2 , Rei. M in . Célio Borja, D J U , 10<br />

nov. 1988; Pet 352-7, Rei. Min. Sidney Sanches, D J U , 9jun. 1989; Pet 431-1, Rei. M in. N é rid a Silveira, D J U , 10<br />

ago. 1990; Pet 487-6, Rei. Min. Marco Aurélio, D J U , 20 jun. 1991; Pet 546-5, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D J U , 16<br />

<strong>de</strong>z. 19 91: Pet 626-7, Rei. Min. Celso d e M ello, D J U , 28set. 1992; Pet 682-MS, Rei. M in. Celso d e M ello, D J U ,<br />

9 fev. 1993; Pet 129-0, Rei. Min. M oreira A lves,D J U , 25 fev. 1985.<br />

K T J 121/17.


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 197<br />

8.9 Sentença e coisa julgada<br />

As consequências da procedência da ação popular são:<br />

• invalida<strong>de</strong> do ato impugnado;<br />

• con<strong>de</strong>nação dos responsáveis e beneficiários em perdas e danos;<br />

• con<strong>de</strong>nação dos réus às custas e <strong>de</strong>spesas com a ação, bem como honorários<br />

advocatícios;<br />

• produção <strong>de</strong> efeitos <strong>de</strong> coisa julgada erga omnes.<br />

Por outro lado, quando a ação popular é julgada improce<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>ve-se perquirir a<br />

razão da improcedência, para se analisarem seus efeitos. Se a ação popular for julgada<br />

improce<strong>de</strong>nte por ser infundada, a sentença produzirá efeitos <strong>de</strong> coisa julgada erga omnes,<br />

permanecendo válido o ato. Porém, se a improcedência <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência probatória,<br />

apesar da manutenção da valida<strong>de</strong> do ato impugnado, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito não terá<br />

eficácia <strong>de</strong> coisa julgada erga omnes, havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ajuizamento <strong>de</strong> nova ação<br />

popular com o mesmo objeto e fundamento, por prevalecer o interesse público <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

da legalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong> administrativas, em busca da verda<strong>de</strong> real.<br />

Em ambas as hipóteses <strong>de</strong> improcedência, ficará o autor, salvo comprovada má-fé,<br />

isento <strong>de</strong> custas judiciais e do ônus da sucumbência.1<br />

A ratio <strong>de</strong>ssa previsão <strong>constitucional</strong> é impedir a utilização eleitoreira da ação popular,<br />

com objetivos político-partidários <strong>de</strong> <strong>de</strong>smoralização dos adversários políticos,<br />

levianamente.<br />

9 TEXTO INTEGRAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DA<br />

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988<br />

CAPÍTULO I<br />

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS<br />

Art. 5“ Todos são iguais perante a lei, sem distinção <strong>de</strong> qualquer natureza, garantindo-<br />

-se aos brasileiros e aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no País a inviolabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> à vida,<br />

à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong>, à segurança e à proprieda<strong>de</strong>, nos termos seguintes:<br />

I - homens e mulheres são iguais em <strong>direito</strong>s e obrigações, nos termos <strong>de</strong>sta Constituição;<br />

II - ninguém será obrigado a fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei;<br />

III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento <strong>de</strong>sumano ou <strong>de</strong>gradante;<br />

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;<br />

RDA 107/180; 113/213; 129/290.


198 Direito Constitucional • Moraes<br />

V - é assegurado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta, proporcional ao agravo, além da in<strong>de</strong>nização<br />

por dano material, moral ou à imagem;<br />

VI - é inviolável a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciência e <strong>de</strong> crença, sendo assegurado o livre<br />

exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais <strong>de</strong> culto<br />

e a suas liturgias;<br />

VH - é assegurada, nos termos da lei, a prestação <strong>de</strong> assistência religiosa nas entida<strong>de</strong>s<br />

civis e militares <strong>de</strong> internação coletiva;<br />

VIII - ninguém será privado <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s por motivo <strong>de</strong> crença religiosa ou <strong>de</strong> convicção<br />

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se <strong>de</strong> obrigação legal a todos imposta<br />

e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;<br />

IX - é livre a expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística, científica e <strong>de</strong> comunicação,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> censura ou licença;<br />

X - são invioláveis a intimida<strong>de</strong>, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado<br />

o <strong>direito</strong> a in<strong>de</strong>nização pelo dano material ou moral <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> sua violação;<br />

XI - A casa é o asilo inviolável do indivíduo; ninguém nela po<strong>de</strong>ndo penetrar sem o<br />

consentimento do morador, salvo em caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong>lito ou <strong>de</strong>sastre, ou para prestar<br />

socorro, ou, durante o dia, por <strong>de</strong>terminação judicial;<br />

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, <strong>de</strong><br />

dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por or<strong>de</strong>m judicial, nas<br />

hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins <strong>de</strong> investigação criminal ou instrução<br />

processual penal;<br />

XIII - é livre o exercício <strong>de</strong> qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações<br />

profissionais que a lei estabelecer;<br />

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,<br />

quando necessário ao exercício profissional;<br />

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo <strong>de</strong> paz, po<strong>de</strong>ndo qualquer<br />

pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou <strong>de</strong>le sair com seus bens;<br />

XVI - todos po<strong>de</strong>m reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não frustrem outra reunião anteriormente<br />

convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autorida<strong>de</strong> competente;<br />

XVII<br />

militar;<br />

é plena a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associações para fins lícitos, vedada a <strong>de</strong> caráter para-<br />

XVIII - a criação <strong>de</strong> associações e, na forma da lei, a <strong>de</strong> cooperativas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;<br />

XIX - as associações só po<strong>de</strong>rão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas ativida<strong>de</strong>s<br />

suspensas por <strong>de</strong>cisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;<br />

XX - ninguém po<strong>de</strong>rá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;<br />

XXI - as entida<strong>de</strong>s associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimida<strong>de</strong><br />

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;<br />

XXII - é garantido o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>;


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 199<br />

XXIII - a proprieda<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>rá a sua função social;<br />

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para <strong>de</strong>sapropriação por necessida<strong>de</strong> ou<br />

utilida<strong>de</strong> pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia in<strong>de</strong>nização em dinheiro,<br />

ressalvados os casos previstos nesta Constituição;<br />

XXV - no caso <strong>de</strong> iminente perigo público, a autorida<strong>de</strong> competente po<strong>de</strong>rá usar <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> particular, assegurada ao proprietário in<strong>de</strong>nização ulterior, se houver dano;<br />

XXVI - a pequena proprieda<strong>de</strong> rural, assim <strong>de</strong>finida em lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que trabalhada<br />

pela família, não será objeto <strong>de</strong> penhora para pagamento <strong>de</strong> débitos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> sua<br />

ativida<strong>de</strong> produtiva, dispondo a lei sobre os meios <strong>de</strong> financiar o seu <strong>de</strong>senvolvimento;<br />

XXVII - aos autores pertence o <strong>direito</strong> exclusivo <strong>de</strong> utilização, publicação ou reprodução<br />

<strong>de</strong> suas obras, transmissível aos her<strong>de</strong>iros pelo tempo que a lei fixar;<br />

XXVIII - são assegurados nos termos da lei:<br />

aj a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem<br />

e voz humanas, inclusive nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas;<br />

b) o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou <strong>de</strong><br />

que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais<br />

e associativas;<br />

XXIX - a lei assegurará aos autores <strong>de</strong> inventos industriais privilégio temporário para<br />

sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à proprieda<strong>de</strong> das marcas,<br />

aos nomes <strong>de</strong> empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento tecnológico e econômico do País;<br />

XXX - é garantido o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> herança;<br />

XXXI - a sucessão <strong>de</strong> bens <strong>de</strong> estrangeiros situados no País será regulada pela lei<br />

brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais<br />

favorável a lei pessoal do <strong>de</strong> cujus\<br />

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a <strong>de</strong>fesa do consumidor;<br />

XXXIII - todos têm <strong>direito</strong> a receber dos órgãos públicos informações <strong>de</strong> seu interesse<br />

particular, ou <strong>de</strong> interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da<br />

socieda<strong>de</strong> e do Estado;<br />

XXXIV- são a todos assegurados, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pagamento <strong>de</strong> taxas:<br />

a) o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição aos Po<strong>de</strong>res Públicos em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s ou contra ilegalida<strong>de</strong><br />

ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;<br />

b) a obtenção <strong>de</strong> certidões em repartições públicas, para <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e esclarecimento<br />

<strong>de</strong> situações <strong>de</strong> interesse pessoal;<br />

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário lesão ou ameaça;<br />

XXXVT - a lei não prejudicará o <strong>direito</strong> adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa<br />

julgada;<br />

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal <strong>de</strong> exceção;<br />

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe <strong>de</strong>r a lei,<br />

assegurados:


2 0 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

a) a plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa;<br />

b) o sigilo das votações;<br />

c) a soberania dos veredictos;<br />

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;<br />

XXXIX<br />

legal;<br />

- não há crime sem lei anterior que o <strong>de</strong>fina, nem pena sem prévia cominação<br />

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;<br />

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s fundamentais;<br />

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena<br />

<strong>de</strong> reclusão, nos termos da lei;<br />

XLIII - a lei consi<strong>de</strong>rará crimes inafiançáveis e insuscetíveis <strong>de</strong> graça ou anistia a<br />

prática da tortura, o tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os <strong>de</strong>finidos<br />

como crimes hediondos, por eles respon<strong>de</strong>ndo os mandantes, os executores e os<br />

que, po<strong>de</strong>ndo evitá-los, se omitirem;<br />

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação <strong>de</strong> grupos armados, civis<br />

e militares, contra a or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> e o Estado Democrático;<br />

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do con<strong>de</strong>nado, po<strong>de</strong>ndo a obrigação <strong>de</strong><br />

reparar o dano e a <strong>de</strong>cretação do perdimento <strong>de</strong> bens ser, nos termos da lei, estendidas<br />

aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;<br />

XLV1 - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:<br />

a) privação ou restrição da liberda<strong>de</strong>;<br />

b) perda <strong>de</strong> bens;<br />

c) multa;<br />

d) prestação social alternativa;<br />

e) suspensão ou interdição <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s;<br />

XLVII - não haverá penas:<br />

a) <strong>de</strong> morte, salvo em caso <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong>clarada, nos termos do art. 84, XIX;<br />

b) <strong>de</strong> caráter perpétuo;<br />

c) <strong>de</strong> trabalhos forçados;<br />

d) <strong>de</strong> banimento;<br />

e) cruéis;<br />

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, <strong>de</strong> acordo com a natureza<br />

do <strong>de</strong>lito, a ida<strong>de</strong> e o sexo do apenado;<br />

X LIX - é assegurado aos presos o respeito à integrida<strong>de</strong> física e moral;<br />

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com<br />

seus filhos durante o período <strong>de</strong> amamentação;


Tutela Constitucional das Liberda<strong>de</strong>s 2 0 1<br />

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso <strong>de</strong> crime comum,<br />

praticado antes da naturalização, ou <strong>de</strong> comprovado envolvimento em tráfico ilícito<br />

<strong>de</strong> entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;<br />

LII - não será concedida extradição <strong>de</strong> estrangeiro por crime político ou <strong>de</strong> opinião;<br />

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autorida<strong>de</strong> competente;<br />

LIV - ninguém será privado da liberda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> seus bens sem o <strong>de</strong>vido processo<br />

legal;<br />

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral<br />

são assegurados o contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa, com os meios e recursos a ela inerentes;<br />

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;<br />

LVH - ninguém será consi<strong>de</strong>rado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal<br />

con<strong>de</strong>natória;<br />

LVIII - o civilmente i<strong>de</strong>ntificado não será submetido a i<strong>de</strong>ntificação criminal, salvo<br />

nas hipóteses previstas em lei;<br />

LIX - será admitida ação privada nos crimes <strong>de</strong> ação pública, se esta não for intentada<br />

no prazo legal;<br />

LX - a lei só po<strong>de</strong>rá restringir a publicida<strong>de</strong> dos atos processuais quando a <strong>de</strong>fesa da<br />

intimida<strong>de</strong> ou interesse social o exigirem;<br />

LXI - ninguém será preso senão em flagrante <strong>de</strong>lito ou por or<strong>de</strong>m escrita e fundamentada<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> judiciária competente, salvo nos casos <strong>de</strong> transgressão militar ou<br />

crime propriamente militar, <strong>de</strong>finidos em lei;<br />

LXII - a prisão <strong>de</strong> qualquer pessoa e o local on<strong>de</strong> se encontre serão comunicados<br />

imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;<br />

LXIII - o preso será informado <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s, entre os quais o <strong>de</strong> permanecer calado,<br />

sendo-lhe assegurada a assistência da família e <strong>de</strong> advogado;<br />

LXIV - o preso tem <strong>direito</strong> à i<strong>de</strong>ntificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu<br />

interrogatório policial;<br />

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autorida<strong>de</strong> judiciária;<br />

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberda<strong>de</strong><br />

provisória, com ou sem fiança;<br />

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento<br />

voluntário e inescusável <strong>de</strong> obrigação alimentícia e a do <strong>de</strong>positário infiel;<br />

LXVIII - conce<strong>de</strong>r-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado<br />

<strong>de</strong> sofrer violência ou coação em sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, por ilegalida<strong>de</strong> ou abuso<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r;<br />

LXIX - conce<strong>de</strong>r-se-á mandado <strong>de</strong> segurança para proteger <strong>direito</strong> líquido e certo,<br />

não amparado em habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalida<strong>de</strong><br />

ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r for autorida<strong>de</strong> pública ou agente <strong>de</strong> pessoa jurídica no exercício <strong>de</strong><br />

atribuições do Po<strong>de</strong>r Público;<br />

LXX - o mandado <strong>de</strong> segurança coletivo po<strong>de</strong> ser impetrado por:


2 0 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

a) partido político com representação no Congresso Nacional;<br />

b) organização sindical, entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe ou associação legalmente constituída e<br />

em funcionamento há pelo menos um ano, em <strong>de</strong>fesa dos interesses <strong>de</strong> seus membros ou<br />

associados;<br />

LXXI - conce<strong>de</strong>r-se-á mandado <strong>de</strong> injunção sempre que a falta <strong>de</strong> norma regulamentadora<br />

tome inviável o exercício dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s constitucionais e das prerrogativas<br />

inerentes à nacionalida<strong>de</strong>, à soberania e à cidadania;<br />

LXXII - conce<strong>de</strong>r-se-á habeas data:<br />

a) para assegurar o conhecimento <strong>de</strong> informações relativas à pessoa do impetrante,<br />

constantes <strong>de</strong> registros ou bancos <strong>de</strong> dados <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s governamentais ou <strong>de</strong> caráter<br />

público;<br />

b) para a retificação <strong>de</strong> dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,<br />

judicial ou administrativo;<br />

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular<br />

ato lesivo ao patrimônio público ou <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que o Estado participa, à moralida<strong>de</strong><br />

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,<br />

salvo comprovada má-fé, isento <strong>de</strong> custas judiciais e do ônus da sucumbência;<br />

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem<br />

insuficiência <strong>de</strong> recursos;<br />

LXXV - o Estado in<strong>de</strong>nizará o con<strong>de</strong>nado por erro judiciário, assim como o que ficar<br />

preso além do tempo fixado na sentença;<br />

LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:<br />

a) o registro civil <strong>de</strong> nascimento;<br />

b) a certidão <strong>de</strong> óbito;<br />

LXXVII - são gratuitas as ações <strong>de</strong> habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os<br />

atos necessários ao exercício da cidadania.<br />

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável<br />

duração do processo e os meios que garantam a celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua tramitação.1<br />

§ I a As normas <strong>de</strong>finidoras dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais têm aplicação<br />

imediata.<br />

§ 2a Os <strong>direito</strong>s e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros <strong>de</strong>correntes<br />

do regime e dos princípios p>or ela adotados, ou dos tratados internacionais em que<br />

a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil seja parte.<br />

§ 3° Os tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s humanos que forem aprovados,<br />

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos<br />

dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.12<br />

§ 4° O Brasil se submete à jurisdição <strong>de</strong> Tribunal Pleno Internacional a cuja criação<br />

tenha manifestado a<strong>de</strong>são.3<br />

1 N ovo inciso incluído pela EC ne 45/04.<br />

2 N ovo parágrafo incluído pela EC nQ45/04.<br />

3 N ovo parágrafo incluído pela EC nc 45/04.


■^ Direitos Sociais<br />

5<br />

1 CONCEITO E ABRANGÊNCIA<br />

Direitos sociais são <strong>direito</strong>s fundamentais do homem, caracterizando-se como verda<strong>de</strong>iras<br />

liberda<strong>de</strong>s positivas, <strong>de</strong> observância obrigatória em um Estado Social <strong>de</strong> Direito,<br />

tendo por finalida<strong>de</strong> a melhoria <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> vida aos hipossuficientes, visando à<br />

concretização da igualda<strong>de</strong> social, e são consagrados como fundamentos do Estado <strong>de</strong>mocrático,<br />

pelo art. I a, IV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Como ressaltam Canotilho e Vital Moreira,<br />

“a individualização <strong>de</strong> uma categoria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias dos trabalhadores, ao<br />

lado dos <strong>de</strong> caráter pessoal e político, reveste um particular significado <strong>constitucional</strong>,<br />

do ponto em que ela traduz o abandono <strong>de</strong> uma concepção tradicional dos<br />

<strong>direito</strong>s, liberda<strong>de</strong>s e garantias como <strong>direito</strong>s do homem ou do cidadão genéricos e<br />

abstractos, fazendo intervir também o trabalhador (exactamente: o trabalhador<br />

subordinado) como titular <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> igual dignida<strong>de</strong>”.1<br />

O trabalhador subordinado será, para efeitos constitucionais <strong>de</strong> proteção do art. 7-, o<br />

empregado, ou seja, aquele que mantiver algum vínculo <strong>de</strong> emprego.<br />

Por ausência <strong>de</strong> um conceito <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> trabalhador,12 para <strong>de</strong>terminação<br />

dos beneficiários dos <strong>direito</strong>s sociais constitucionais, <strong>de</strong>vemos nos socorrer ao conceito<br />

infra<strong>constitucional</strong> do termo, consi<strong>de</strong>rando para efeitos constitucionais o trabalhador<br />

subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços p>or conta e sob direção da<br />

autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> outrem, pessoa física ou jurídica, entida<strong>de</strong> privada ou pública, adaptando-o,<br />

p>orém, ao texto <strong>constitucional</strong>, como ressaltado p>or Amauri Mascaro do Nascimento,<br />

para quem<br />

“a Constituição é aplicável ao empregado e aos <strong>de</strong>mais trabalhadores nela expressamente<br />

indicados, e nos termos que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e<br />

ao servidor público. Não mencionando outros trabalhadores, como o eventual, o<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, VitaL Constituição... Op. d t p. 285.<br />

2 Marcus V inídus Am ericano da Costa conceitua em pregador e em pregado, com farta d tação doutrinária e<br />

jurispru<strong>de</strong>ncial (0 <strong>direito</strong> do trabalho na Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 15-32).


2 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

autônomo e o temporário, os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong>stes ficam <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> alteração da lei<br />

ordinária, à qual se restringem”.1<br />

Os <strong>direito</strong>s sociais previstos <strong>constitucional</strong>mente são normas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, com<br />

a característica <strong>de</strong> imperativas, invioláveis, portanto, pela vonta<strong>de</strong> das partes contraentes<br />

da relação trabalhista. Como conclui Arnaldo Süssekind,<br />

“essas regras cogentes formam a base do contrato <strong>de</strong> trabalho, uma linha divisória<br />

entre a vonta<strong>de</strong> do Estado, manifestada pelos po<strong>de</strong>res competentes, e a dos contratantes.<br />

Estes po<strong>de</strong>m complementar ou suplementar o mínimo <strong>de</strong> proteção legal;<br />

mas sem violar as respectivas normas. Daí <strong>de</strong>corre o princípio da irrentmciabilida<strong>de</strong>,<br />

atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação <strong>de</strong> emprego<br />

e que se não confun<strong>de</strong> com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa<br />

no momento ou após a cessação do contrato <strong>de</strong> trabalho”.2<br />

A <strong>de</strong>finição dos <strong>direito</strong>s sociais no título <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>stinado aos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais acarreta duas consequências imediatas: subordinação à regra da auto-<br />

-aplicabilida<strong>de</strong> prevista, no § 1Q, do art. 5S e suscetibilida<strong>de</strong> do ajuizamento do mandado<br />

<strong>de</strong> injunção, sempre que houver a omissão do po<strong>de</strong>r público na regulamentação <strong>de</strong> alguma<br />

norma que preveja um <strong>direito</strong> social e, consequentemente, inviabilize seu exercício.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, portanto, consagrou diversas regras garantidoras da socialida<strong>de</strong><br />

e corresponsabilida<strong>de</strong>, entre as pessoas, os diversos grupos e camadas socioeconômicas.3<br />

2 DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO<br />

Consagra a Constituição Fe<strong>de</strong>ral o <strong>direito</strong> à segurança no emprego, que compreen<strong>de</strong> a<br />

proteção da relação <strong>de</strong> emprego contra <strong>de</strong>spedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos<br />

<strong>de</strong> lei complementar, que preverá in<strong>de</strong>nização compensatória, entre outros <strong>direito</strong>s,<br />

impedindo-se, <strong>de</strong>ssa forma, a dispensa injustificada, sem motivo socialmente relevante.<br />

O conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>spedida arbitrária funda-se na motivação disciplinar, técnica, econômica<br />

ou financeira. Dessa forma, por motivo disciplinar <strong>de</strong>ve ser entendida a relação<br />

do empregado, no cumprimento <strong>de</strong> suas obrigações, com o empregador, estando compreendidas<br />

as figuras da justa causa previstas na legislação ordinária e não apenas o <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>ns gerais <strong>de</strong> serviço.<br />

Por sua vez, motivo técnico é aquele que se relaciona com a organização e a ativida<strong>de</strong><br />

empresarial, como a supressão necessária <strong>de</strong> seção ou <strong>de</strong> estabelecimento, e motivo<br />

econômico ou financeiro coinci<strong>de</strong> com a ocorrência <strong>de</strong> força maior que atinge a empresa,<br />

tornando-a insolvente em suas obrigações negociais.<br />

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito do trabalho na Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 34.<br />

SÜSSEKIND, Arnaldo. Comentários... Op. cit. v. 1, p. 332.<br />

CARVALHO, Virgílio <strong>de</strong> Jesus Miranda. Os valores constitucionais... Op. cit. p. 26.


Direitos Sociais 205<br />

3 ROL DOS DIREITOS SOCIAIS<br />

Os <strong>direito</strong>s sociais enumerados exemplifi.cativamen.te no Capítulo II do Título II do<br />

texto <strong>constitucional</strong> não esgotam os <strong>direito</strong>s fundamentais constitucionais dos trabalhadores,<br />

que se encontram também difusamente previstos na própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1948,<br />

pela Organização das Nações Unidas, em Assembléia Geral, consagra em seu art. XXII, que<br />

“todo homem, como membro da socieda<strong>de</strong>, tem <strong>direito</strong> à segurança social e à realização,<br />

pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e <strong>de</strong> acordo com a<br />

organização e recursos <strong>de</strong> cada Estado, dos <strong>direito</strong>s econômicos, sociais e culturais<br />

indispensáveis à sua dignida<strong>de</strong> e ao livre <strong>de</strong>senvolvimento da sua personalida<strong>de</strong>”.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral proclama serem <strong>direito</strong>s sociais a educação, a saú<strong>de</strong>, a<br />

alimentação,1 o trabalho, a moradia,12 o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção<br />

à maternida<strong>de</strong> e à infância, a assistência aos <strong>de</strong>samparados (CF, art. 62).3<br />

Observe-se que, para garantir maior efetivida<strong>de</strong> aos <strong>direito</strong>s sociais, a Emenda Constitucional<br />

nfi 31, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000,4 atenta a um dos objetivos fundamentais<br />

da República - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s sociais e<br />

regionais -, criou o Fundo <strong>de</strong> Combate e Erradicação da Pobreza, instituído no âmbito do<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral, para vigorar até 2010, e tendo por objetivo viabilizar a todos os<br />

brasileiros acesso a níveis dignos <strong>de</strong> subsistência, <strong>de</strong>vendo a aplicação <strong>de</strong> seus recursos<br />

direcionar-se às ações suplementares <strong>de</strong> nutrição, habitação, educação, saú<strong>de</strong>, reforço <strong>de</strong><br />

renda familiar e outros programas <strong>de</strong> relevante interesse social voltados para melhoria<br />

da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

No art. 7e, o legislador constituinte <strong>de</strong>finiu alguns <strong>direito</strong>s constitucionais dos trabalhadores<br />

urbanos e rurais, além <strong>de</strong> outros que visem à melhoria <strong>de</strong> sua condição social:<br />

I - relação <strong>de</strong> emprego protegida contra <strong>de</strong>spedida arbitrária ou sem justa causa,<br />

nos termos <strong>de</strong> lei complementar, que preverá in<strong>de</strong>nização compensatória, <strong>de</strong>ntre<br />

outros <strong>direito</strong>s;5<br />

II - seguro-<strong>de</strong>semprego, em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego involuntário;<br />

III - fundo <strong>de</strong> garantia do tempo <strong>de</strong> serviço;<br />

1 A Emenda Constitucional nü 64, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010, <strong>de</strong>u nova redação ao art. 6a, incluindo na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral o d ir e it o à a lim e n ta ç ã o .<br />

2 Em relação à proteção do bem <strong>de</strong> família, em face do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> moradia, conferir: STF - 2* T. - Rextr. nQ<br />

352.940/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 25-4-2005, I n f o r m a t iv o S T F na 385.<br />

3 A Emenda Constitucional na 26, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2000, <strong>de</strong>u nova redação ao art. 6a, incluindo na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral o d ir e it o à m o r a d ia .<br />

4 Publicada no D O U , 18-12-2000.<br />

5 E s ta b ilid a d e d e c e n a l: O inciso I, do art. 7°, da CF/88, não repetiu o in c.X III, do art. 165, da E C 1/69, restando<br />

suprimida a e s ta b ilid a d e d e c e n a l, mas garantindo o <strong>direito</strong> do em pregado não optante pelo FGTS <strong>de</strong> pleitear, na<br />

rescisão contratual sem culpa <strong>de</strong> sua parte, o pagamento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização em dobro (TR T 15a R. - R E O 11.695/90-<br />

5 - Ac. 4a T. 1.279/92 - Rei. Juiz Luiz Carlos Diehi Paolieri - D O E , 25-2-92) (ST 36/61).


2 0 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

IV - salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às<br />

suas necessida<strong>de</strong>s vitais básicas e às <strong>de</strong> sua família com moradia, alimentação,<br />

educação, saú<strong>de</strong>, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes<br />

periódicos que lhe preservem o po<strong>de</strong>r aquisitivo, sendo vedada sua vinculação<br />

para qualquer fim. Assim, conforme ressaltado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o<br />

legislador constituinte brasileiro <strong>de</strong>lineou, no preceito consubstanciado no art. 7-,<br />

IV, da Carta Política, um nítido programa social <strong>de</strong>stinado a ser <strong>de</strong>senvolvido pelo<br />

Estado, mediante ativida<strong>de</strong> legislativa vinculada. Ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> legislar imposto ao<br />

Po<strong>de</strong>r Público - e <strong>de</strong> legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais<br />

<strong>de</strong> índole jurídico-social e <strong>de</strong> caráter econômico-financeiro - correspon<strong>de</strong> o <strong>direito</strong><br />

público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente,<br />

as necessida<strong>de</strong>s vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão<br />

periódica do valor salarial mínimo, em or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> preservar, em caráter permanente,<br />

o po<strong>de</strong>r aquisitivo <strong>de</strong>sse piso remuneratório”.10 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, respeitado<br />

o princípio da reserva legal, enten<strong>de</strong>u <strong>constitucional</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição<br />

<strong>de</strong> lei que fixe critérios objetivos para a correção do salário-mínimo para período<br />

certo (na hipótese, para o período <strong>de</strong> 2011 a 2015), não havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

edição específica <strong>de</strong> lei todos os anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, a lei contenha “a <strong>de</strong>finição legal<br />

e formal do salário-mínimo, a fixação do seu montante em 2011 e a forma <strong>de</strong> sua<br />

valorização, no sentido <strong>de</strong> sua quantificação para períodos subsequentes (até<br />

2015)”, concluindo, portanto, que “essa avaliação não seria arbitrária, ao revés,<br />

conforme os parâmetros <strong>de</strong>finidos (...) haveria mera aplicação aritmética, nos<br />

termos legalmente previstos, dos índices, fórmulas e periodicida<strong>de</strong> fixados pelo<br />

Congresso Nacional, a serem expostos por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial, que não inovaria a<br />

or<strong>de</strong>m jurídica, sob pena <strong>de</strong> abuso do po<strong>de</strong>r regulamentar, passível <strong>de</strong> fiscalização<br />

e controle pela via legislativa ou judicial”.12<br />

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexida<strong>de</strong> do trabalho;<br />

VI - irredutibilida<strong>de</strong> do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;<br />

VII - garantia <strong>de</strong> salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração<br />

variável;<br />

VIII - décimo-terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da<br />

aposentadoria;<br />

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;<br />

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;<br />

XI - participação nos lucros, ou resultados, <strong>de</strong>svinculada da remuneração, e,<br />

excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme <strong>de</strong>finido em lei;<br />

XII - salário-família pago em razão do <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do trabalhador <strong>de</strong> baixa renda<br />

nos termos da lei.3 *A Emenda Constitucional nQ20/98 estabelece em seu artigo<br />

13 que até que a lei discipline o acesso ao salário-família para os servidores, segu-<br />

1 STF - 28T. - A I n2 206.570-7/RS - Rei. Min. N éri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,20 set. 1996, p. 34.531.<br />

2 STF - Pleno - AD I 4568/DF - Rei. Min. Carmen Lúcia, 3-11-2011.<br />

3 Redação dada pelo art. l 2d a Emenda Constitucional n 220/98. A antiga redação dizia: “salário-família para<br />

os seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes” .


Direitos Sociais 207<br />

rados e seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que<br />

tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta<br />

reais), corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral<br />

<strong>de</strong> previdência social;1<br />

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e<br />

quatro semanais, facultada a compensação <strong>de</strong> horários e a redução da jornada,<br />

mediante acordo ou convenção coletiva <strong>de</strong> trabalho;<br />

XIV - jornada <strong>de</strong> seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos <strong>de</strong><br />

revezamento, salvo negociação coletiva;<br />

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;<br />

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta<br />

por cento à do normal;<br />

XVII - gozo <strong>de</strong> férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do<br />

que o salário normal;<br />

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração<br />

<strong>de</strong> cento e vinte dias;12<br />

XIX - licença-paternida<strong>de</strong>, nos termos fixados em lei;<br />

XX - proteção do mercado <strong>de</strong> trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,<br />

nos termos da lei;<br />

XXI - aviso prévio proporcional ao tempo <strong>de</strong> serviço, sendo no mínimo <strong>de</strong> trinta<br />

dias, nos termos da lei;<br />

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

higiene e segurança;<br />

XXIII - adicional <strong>de</strong> remuneração para as ativida<strong>de</strong>s penosas, insalubres ou perigosas,<br />

na forma da lei;<br />

XXIV - aposentadoria;<br />

XXV - assistência gratuita aos filhos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até 5 (cinco)<br />

anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em creches e pré-escolas;3<br />

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos <strong>de</strong> trabalho;<br />

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;<br />

XXVIII - seguro contra aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, a cargo do empregador, sem excluir<br />

a in<strong>de</strong>nização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;<br />

XXIX - ação, quanto a créditos resultantes das relações <strong>de</strong> trabalho, com prazo<br />

prescricional <strong>de</strong> cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite <strong>de</strong><br />

dois anos após a extinção do contrato <strong>de</strong> trabalho;4<br />

1 E C n 2 20/98, a rt. 13.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> licença à gestante com o cláusula pétrea (STF - Pleno -<br />

Adin nfl 1.946/DF - M edida Lim in a r- R e t M in. Sydney Sanches, Informativo STF n2 241).<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucionalnfi5 3 ,d e l9 d e d e z e m b r o d e 2 0 0 6 (DOU d e 20-12-2006).<br />

4 Nova redação dada pela Emenda Constitucional n2 28, d e 25 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2000. A redação anterior previa:<br />

“ação, quanto a créditos resultantes das relações d e trabalho, com prazo prescricional <strong>de</strong>: (a ) cinco anos para o


208 Direito Constitucional • Moraes<br />

XXX - proibição <strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> salários, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> critério <strong>de</strong><br />

admissão por motivo <strong>de</strong> sexo, ida<strong>de</strong>, cor ou estado civil;<br />

XXXI - proibição <strong>de</strong> qualquer discriminação no tocante a salário e critérios <strong>de</strong><br />

admissão do trabalhador portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;<br />

XXXII - proibição <strong>de</strong> distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre<br />

os profissionais respectivos;<br />

XXXIII - proibição <strong>de</strong> trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zoito e <strong>de</strong> qualquer trabalho a menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos, salvo na condição<br />

<strong>de</strong> aprendiz, a partir <strong>de</strong> quatorze anos;*1<br />

XXXIV - igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente<br />

e o trabalhador avulso.<br />

No parágrafo único do citado art. 7a, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral criou uma regra <strong>de</strong><br />

extensão dos <strong>direito</strong>s sociais, assegurando à categoria dos trabalhadores domésticos os<br />

<strong>direito</strong>s previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua<br />

integração à previdência social.<br />

Importante ampliação no gozo dos <strong>direito</strong>s sociais aos trabalhadores domésticos<br />

ocorreu com a aprovação da histórica EC na 72, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2013, que lhes assegurou<br />

os <strong>direito</strong>s previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII,<br />

XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII do artigo 7Qdo texto <strong>constitucional</strong> e, atendidas as condições<br />

estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações<br />

tributárias, principais e acessórias, <strong>de</strong>correntes da relação <strong>de</strong> trabalho e suas peculiarida<strong>de</strong>s,<br />

os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração<br />

à previdência social.<br />

Dessa forma, aos trabalhadores domésticos está assegurada a plena efetivida<strong>de</strong> dos<br />

seguintes <strong>direito</strong>s sociais:<br />

• salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às<br />

suas necessida<strong>de</strong>s vitais básicas e às <strong>de</strong> sua família com moradia, alimentação,<br />

educação, saú<strong>de</strong>, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com<br />

reajustes periódicos que lhes preservem o po<strong>de</strong>r aquisitivo, sendo vedada sua<br />

vinculação para qualquer fim;<br />

• irredutibilida<strong>de</strong> do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;<br />

• garantia <strong>de</strong> salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração<br />

variável;<br />

• décimo-terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da<br />

aposentadoria;<br />

trabalhador urbano, até o lim ite <strong>de</strong> dois anos após a extinção do contrato; (b ) até dois anos após a extinção do<br />

contrato, para o trabalhador rural”.<br />

1 Redação dada pelo art. I o da Emenda Constitucional n° 20/98. A antiga redação dizia: “proibição <strong>de</strong> trabalho<br />

noturno, perigoso ou insalubre aos menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos e <strong>de</strong> qualquer trabalho a menores <strong>de</strong> quatorze,<br />

salvo na condição <strong>de</strong> aprendiz” .


Direitos Sociais 209<br />

• proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;<br />

• duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro<br />

semanais, facultadas a compensação <strong>de</strong> horários e a redução da jornada,<br />

mediante acordo ou convenção coletiva <strong>de</strong> trabalho;<br />

• repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;<br />

• remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por<br />

cento à do normal;<br />

• gozo <strong>de</strong> férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que<br />

o salário normal;<br />

• licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração <strong>de</strong><br />

cento e vinte dias;<br />

• licença-patemida<strong>de</strong>, nos termos fixados em lei;<br />

• aviso prévio proporcional ao tempo <strong>de</strong> serviço, sendo no mínimo <strong>de</strong> trinta dias,<br />

nos termos da lei;<br />

• redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, higiene<br />

e segurança;<br />

• aposentadoria;<br />

• reconhecimento das convenções e acordos coletivos <strong>de</strong> trabalho;<br />

• proibição <strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> salários, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> critério <strong>de</strong> admissão<br />

por motivo <strong>de</strong> sexo, ida<strong>de</strong>, cor ou estado civil;<br />

• proibição <strong>de</strong> qualquer discriminação no tocante a salário e critérios <strong>de</strong> admissão<br />

do trabalhador portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;<br />

• proibição <strong>de</strong> trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito e<br />

<strong>de</strong> qualquer trabalho a menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis anos, salvo na condição <strong>de</strong> aprendiz,<br />

a partir <strong>de</strong> quatorze anos.<br />

No tocante à relação <strong>de</strong> emprego protegida contra <strong>de</strong>spedida arbitrária ou sem justa<br />

causa, nos termos <strong>de</strong> lei complementar, que preverá in<strong>de</strong>nização compensatória, <strong>de</strong>ntre<br />

outros <strong>direito</strong>s; seguro-<strong>de</strong>semprego, em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego involuntário; fundo <strong>de</strong> garantia<br />

do tempo <strong>de</strong> serviço; remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; salário-<br />

-família pago em razão do <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do trabalhador <strong>de</strong> baixa renda nos termos da lei e<br />

seguro contra aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a in<strong>de</strong>nização<br />

a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong><br />

lei, que estabelecerá as condições necessárias para sua efetiva fruição.<br />

4 LIBERDADE DEASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL OU SINDICAL<br />

4.1 Conceituação<br />

A liberda<strong>de</strong> sindical é uma forma específica <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação (CF, art. 5e,<br />

XVII), com regras próprias, <strong>de</strong>monstrando, portanto, sua posição <strong>de</strong> tipo autônomo.


2 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Canotilho e Vital Moreira <strong>de</strong>finem a abrangência da liberda<strong>de</strong> sindical, afirmando que<br />

“é hoje mais que uma simples liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação perante o Estado. Verda<strong>de</strong>iramente,<br />

o acento tônico coloca-se no <strong>direito</strong> à activida<strong>de</strong> sindical, perante o Estado<br />

e perante o patronato, o que implica, por um lado, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não ser prejudicado<br />

pelo exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s sindicais e, por outro lado, o <strong>direito</strong> a condições <strong>de</strong><br />

activida<strong>de</strong> sindical (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> informação e <strong>de</strong> assembléia nos locais <strong>de</strong> trabalho,<br />

dispensa <strong>de</strong> trabalho para dirigentes e <strong>de</strong>legados sindicais). Finalmente, dada a<br />

sua natureza <strong>de</strong> organizações <strong>de</strong> classe, os sindicatos possuem uma importante<br />

dimensão política que se alarga muito para além dos interesses profissionais dos<br />

sindicalizados, fazendo com que a liberda<strong>de</strong> sindical consista também no <strong>direito</strong><br />

dos sindicatos a exercer <strong>de</strong>terminadas funções políticas”.1<br />

4.2 Classificação dos <strong>direito</strong>s sindicais<br />

Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição<br />

Direito <strong>de</strong> proteção especial dos<br />

dirigentes eleitos do trabalhador<br />

SINDICAIS<br />

Direito <strong>de</strong> relacionamento ou filiação'<br />

• Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição: é livre a associação profissional ou sindical, não<br />

po<strong>de</strong>ndo a lei exigir autorização do Estado para a fundação <strong>de</strong> sindicato.2<br />

Ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Po<strong>de</strong>r Público a interferência<br />

e a intervenção na organização sindical (CF, art. 8o, I). A constituição<br />

estabelece somente uma restrição, quando veda criação <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

uma organização sindical, em qualquer grau, representativa <strong>de</strong> categoria<br />

profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será <strong>de</strong>finida pelos<br />

trabalhadores ou empregadores interessados, não po<strong>de</strong>ndo ser inferior à área<br />

<strong>de</strong> um Município.3 Conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o ato <strong>de</strong><br />

CANOTILHO, J. J. G om es, M O REIRA, Vital. Constituição... Op. cit. p. 300.<br />

RTJ159/661; TJ/SP-A p. 151.754-2 e 151.753-2- 10a C. - Rei. Des. BorelliMachado - j. 30-11-89. RT650/97.<br />

STF - Pleno - Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 20.829-5/DF - Rei. Min. Célio Borja; RT 644/174.


Direitos Sociais 211<br />

fiscalização estatal se restringe à observância da norma <strong>constitucional</strong> no que<br />

diz respeito à vedação da sobreposição, na mesma base territorial, <strong>de</strong> orga<br />

nização sindical do mesmo grau. Interferência estatal na liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização<br />

sindical. Inexistência. O Po<strong>de</strong>r Público, tendo em vista o preceito <strong>constitucional</strong><br />

proibitivo, exerce mera fiscalização”.1<br />

• Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inscrição: ninguém po<strong>de</strong>rá ser obrigado a filiar-se ou a manter-se<br />

filiado a qualquer sindicato.<br />

• Direito <strong>de</strong> auto-organização: implica a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da forma <strong>de</strong> governo<br />

da associação ou do sindicato, bem como as formas <strong>de</strong> expressão <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />

(assembléias, eleições, plebiscitos, referendos etc.), nos termos constitucionais.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral refere-se expressamente ao <strong>direito</strong> do aposentado filiado<br />

a votar e ser votado nas organizações sindicais (CF, art. 8a, V II).<br />

• Direito <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> sindical na empresa: correspon<strong>de</strong> ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

ação sindical nos locais <strong>de</strong> trabalho, bem como ao <strong>de</strong> organização através <strong>de</strong><br />

representantes e comissões sindicais. A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> da participação dos sindicatos nas negociações coletivas <strong>de</strong><br />

trabalho (CF, art. 84, VI); a participação dos trabalhadores e empregadores nos<br />

colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previ<strong>de</strong>nciários<br />

sejam objeto <strong>de</strong> discussão e <strong>de</strong>liberação (CF, art. 10); e a eleição<br />

<strong>de</strong> um representante, nas empresas <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> duzentos empregados, com a<br />

finalida<strong>de</strong> exclusiva <strong>de</strong> promover-lhes o entendimento direto com os empregadores<br />

(CF, art. 11). Além disso, autoriza ao sindicato a <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s e<br />

interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais<br />

ou administrativas (CF, art. 8a, III), na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substituto processual.12 *<br />

• Direito <strong>de</strong>mocrático: impõem-se aos sindicatos diversos requisitos que coadunem-se<br />

com os princípios constitucionais. Entre eles, <strong>de</strong>verão os estatutos<br />

estabelecer eleições periódicas e por escrutínio secreto para seus órgãos dirigentes,<br />

quorum <strong>de</strong> votações para assembléias gerais, inclusive para <strong>de</strong>flagração<br />

<strong>de</strong> greves; controle e responsabilização dos órgãos dirigentes.<br />

• Direito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia: inclusive com a existência <strong>de</strong> fontes <strong>de</strong><br />

renda in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do patronato ou do próprio Po<strong>de</strong>r Público. A constituição,<br />

portanto, estabelece que a assembléia geral fixará a contribuição que, em se<br />

tratando <strong>de</strong> categoria profissional, será <strong>de</strong>scontada em folha, para custeio do<br />

sistema confe<strong>de</strong>rativo da representação sindical respectiva, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da contribuição prevista em lei.<br />

• Direito <strong>de</strong> relacionamento ou <strong>de</strong> filiação em organizações sindicais internacionais:<br />

é manifestação do princípio da solidarieda<strong>de</strong> internacional dos interesses dos<br />

trabalhadores.<br />

1 STF - Rextr. n° 157.940 - Rei. Min. M aurício Corrêa - Informativo STF n° 104, p. 4.<br />

2 STF - Pleno - RE n » 193503/SP, RE 193579/SP, RE 208983/SC, RE 210029/RS, RE 211874/RS, RE 213111/<br />

SP, RE 214668/ES - ReL Orig. Min. Carlos Velloso, Rei. para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 12-6-<br />

2006 - Informativo STF n° 431.


2 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

• Direito <strong>de</strong> proteção especial dos dirigentes eleitos dos trabalhadores: é vedada a<br />

dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo<br />

<strong>de</strong> direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano<br />

após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei (CF, art.<br />

8a, V III). Esse <strong>direito</strong>, <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> sindical, manifesta-se sob uma<br />

dupla ótica, pois tanto é a consagração <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos representantes<br />

eleitos dos trabalhadores perante o patronato, para o fiel cumprimento<br />

<strong>de</strong> suas funções (dimensão subjetiva), quanto uma imposição <strong>constitucional</strong><br />

dirigida ao legislador ordinário, que <strong>de</strong>verá estabelecer a<strong>de</strong>quadas normas<br />

protetivas aos referidos representantes (dimensão objetiva).<br />

4.3 Contribuições confe<strong>de</strong>rativa e sindical - diferenças e exigibilida<strong>de</strong><br />

É certo que ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato (CF,<br />

art. 8a, V), não po<strong>de</strong>ndo o sindicato compelir os não filiados para obrigá-los a pagar-lhe<br />

contribuição assistencial nem obrigar aos filiados a permanecerem no sindicato.1 Porém,<br />

não se po<strong>de</strong> confundir a chamada contribuição assistencial ou confe<strong>de</strong>rativa com a contribuição<br />

sindical. A primeira é prevista no início do inciso IV, art. 8a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (“a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando <strong>de</strong> categoria profissional,<br />

será <strong>de</strong>scontada em folha, para custeio do sistema confe<strong>de</strong>rativo da representação<br />

sindical respectiva”);12 enquanto a segunda é prevista no final do citado inciso (“in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da contribuição prevista em lei”).<br />

Pinto Ferreira <strong>de</strong>fine a contribuição sindical, antes <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> imposto sindical,<br />

como uma contribuição parafiscal, afirmando que “na verda<strong>de</strong> é uma norma <strong>de</strong> tributo”;<br />

e citando Amauri Mascaro Nascimento, diz que a contribuição sindical é<br />

“um pagamento compulsório, <strong>de</strong>vido por todo trabalhador ou empregado, em<br />

benefício do respectivo sindicato, pelo fato <strong>de</strong> pertencerem à categoria econômica<br />

ou profissional ou a uma profissão liberal”.3<br />

Assim, nenhuma entida<strong>de</strong> sindical po<strong>de</strong>rá cobrar a contribuição assistencial daquele<br />

que se recusou a filiar-se ou permanecer filiado, porém, a contribuição sindical, que a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que prevista em lei, é obrigatória e <strong>de</strong>vida pelos que<br />

participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas<br />

pelas referidas entida<strong>de</strong>s.4<br />

1 Súmula 666/STF - “A contribuição confe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> que trata o art. 8a, IV, da Constituição, só é exigível dos<br />

filiados ao sindicato respectivo.” Conferir, ainda: STF - AI n° 567.964-3/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 7 fev. 2006, p. 28; RTJ 166/355; R T J 174/287; RTJ 175/1195; RTJ 170/648.<br />

2 Nesse sentido, a Súmula 666 do STF: “A contribuição confe<strong>de</strong>rativa d e que trata o art. 82, IV, da Constituição,<br />

só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.”<br />

3 FERREIRA, Pinto. Comentários... Op. cit. p. 265. v. 1.<br />

4 STJ - I a T. - Rec. Esp. n 0 58.428-0-SP - Rei. Min. Garcia Vieira; j. 22-2-95; v.u.


Direitos Sociais 2 1 3<br />

Desta forma, a contribuição sindical <strong>de</strong>finida em lei é obrigatória, mesmo para os<br />

profissionais liberais não filiados,1enquanto qualquer outra contribuição assistencial/<br />

confe<strong>de</strong>rativa é facultativa, somente po<strong>de</strong>ndo ser cobrada com autorização por parte do<br />

empregado ou trabalhador.12<br />

Portanto, inobstante a separação dos sindicatos da esfera <strong>de</strong> intervenção do Ministério<br />

do Trabalho, a contribuição sindical foi preservada pela nova Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

pelo que remanesce seu disciplinamento pela CLT,3 sendo os recursos da “conta especial<br />

emprego e salário” <strong>de</strong>scontados a título <strong>de</strong> contribuição sindical, para finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida<br />

em lei,4 entre elas apropria subsistência e in<strong>de</strong>pendência sindical, conforme entendimento<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.5 Esse é o mesmo posicionamento do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo, que se posiciona, nos termos constitucionais, pela não obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> contribuições assistenciais/confe<strong>de</strong>rativas para os não filiados, mas da exigibilida<strong>de</strong><br />

da contribuição sindical prevista em Lei.<br />

Ressalte-se, por fim, que, apesar <strong>de</strong> o art. 86,1, da CF, garantir a liberda<strong>de</strong> sindical, é<br />

admissível o controle jurisdicional sobre a legalida<strong>de</strong> da contribuição assistencial cobrada<br />

dos sindicalizados, em face do art. 5®, XXXV, pois nenhuma alegação <strong>de</strong> lesão ou ameaça<br />

a <strong>direito</strong> será excluída <strong>de</strong> apreciação do Po<strong>de</strong>r Judiciário.6<br />

5 DIREITO DE GREVE<br />

A doutrina indica que o surgimento da palavra greve <strong>de</strong>ve-se a uma praça <strong>de</strong> Paris,<br />

<strong>de</strong>nominada Place <strong>de</strong> Grève, na qual os operários se reuniam quando paralisavam seus<br />

serviços com finalida<strong>de</strong>s reivindicatórias.<br />

1 STF - RMS n2 21.758/DF - Rei. M ia Sepúlveda Pertence (RTJ161/460): “A CF, à vista d o art. 82, IV, infine,<br />

recebeu o instituto da contribuição sindical compulsória, exigível, nos term os dos arts. 578 ss, CLT, <strong>de</strong> todos<br />

os integrantes da categoria, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntem ente <strong>de</strong> sua filia çã o ao sindicato (cf. AD In 1.076, m ed. cautelar,<br />

Pertencem 1 5 - 6 - 9 4 ) Cf., ainda: STF - 2a T. - Rextr. n2 187.537-2/SP - Rei. p/Acórdão M i a Carlos Velloso,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 31 out. 1997, p. 55.562; STF - 2a T. - Rextr. n2 184.266-1/SP- Rei. Min. Carlos V elloso;<br />

j. 27-8-1996; Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Apelação C ível n2 211.783 - Rei. Des. Borelli<br />

Machado, 1° jul. 1993; Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Apelação C ível n2 207.299-2 - Rei. Des.<br />

Ralpho Oliveira, 30 set. 1993.<br />

2 Informativo STFn2 48 - RExtr n2 198092-3, Rei. Min. Carlos Velloso. STJ - 2a T „ Resp. n2 36.880/93/RJ, ReL<br />

Min. José <strong>de</strong> Jesus Filho, Diário da Justiça, 19 <strong>de</strong>z. 1994, p. 35.298.<br />

3 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “ Consi<strong>de</strong>rando recepcionada pela CF/88 a contribuição<br />

sindical compulsória prevista no art. 578, da C L T - e x ig ív e ld e todos os integrantes d e categoria econôm ica ou<br />

profissional, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> filiação ao sindicato (...) Prece<strong>de</strong>nte citado: M I 14-SP (K T J 147/8684). RE<br />

180.745, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, 24-3-98 (Informativo STFn° 104, p. 2).<br />

4 STJ - I a T. - MS n2 228/89/DF, Diário da Justiça, 15 maio 1990, p. 04141; STJ - I a T., MS n2 242/89/DF,<br />

Diário da Justiça, 15 m aio 1990, p. 4.142.<br />

5 S T F - RMS n2 21.758/DF, l aT .- R e i. Min. Sepúlveda Pertence, D idrio da Justiça, 4 nov. 1994, p. 29.831.<br />

6 STF - I a T - A gravo Regim ental n 2974-7/SP- ReL M in. SydneySanches,DiáriodaJustiça, Seção 1,17 m aio<br />

1996, p. 16.329.


2 1 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A greve po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida como um <strong>direito</strong> <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa que consiste na abstenção<br />

coletiva e simultânea do trabalho, organizadamente, pelos trabalhadores <strong>de</strong> um ou vários<br />

<strong>de</strong>partamentos ou estabelecimentos, com o fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r interesses <strong>de</strong>terminados.<br />

Po<strong>de</strong>mos concluir, como Cassio Mesquita Barros, para quem<br />

“o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, sob o p>onto <strong>de</strong> vista da teoria jurídica, se configura como <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> do trabalhador face às consequências normais <strong>de</strong> não trabalhar. Seu<br />

reconhecimento como <strong>direito</strong> implica uma permissão <strong>de</strong> não cumprimento <strong>de</strong> uma<br />

obrigação”.1<br />

Incluem-se no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve diversas situações <strong>de</strong> índole instrumental, além do<br />

fato <strong>de</strong> o empregado não trabalhar; tais como a atuação <strong>de</strong> piquetes pacíficos, passeatas,<br />

reivindicações em geral, a propaganda, coleta <strong>de</strong> fundos, “op>eração tartaruga”, “cumprimento<br />

estrito do <strong>de</strong>ver”, “não colaboração” etc<br />

O art. 9a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, comp>etindo aos trabalhadores<br />

<strong>de</strong>cidir sobre a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercê-lo e sobre os interesses que <strong>de</strong>vam por<br />

meio <strong>de</strong>le <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e <strong>de</strong>termina que a lei <strong>de</strong>finirá os serviços ou ativida<strong>de</strong>s essenciais e<br />

disporá sobre o atendimento das necessida<strong>de</strong>s inadiáveis da comunida<strong>de</strong>, inclusive responsabilizando<br />

os abusos cometidos.<br />

A disciplina do art. 9a refere-se aos empregados <strong>de</strong> empresas privadas, entre as quais<br />

se incluem as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista e as <strong>de</strong>nominadas empresas públicas, uma<br />

vez que, em relação a essas, se aplica o art. 173, § I a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>termina<br />

sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às<br />

obrigações trabalhistas e tributárias.<br />

Em relação às diversas espécies <strong>de</strong> greves permissíveis pelo texto <strong>constitucional</strong>, os<br />

trabalhadores po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cretar greves reivindicativas, objetivando a melhoria das condições<br />

<strong>de</strong> trabalho, ou greves <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos,<br />

ou greves políticas, visando conseguir as transformações econômico-sociais que a<br />

socieda<strong>de</strong> requeira, ou, ainda, greves <strong>de</strong> protesto. Contra esse posicionamento, Arnaldo<br />

Süssekind afirma<br />

“O <strong>direito</strong> do Trabalho, <strong>de</strong> um modo geral, só admite a greve <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>s profissionais,<br />

objetivando pressionar o empregador a adotar ou rever condições contratuais<br />

ou ambientais <strong>de</strong> trabalho. Por conseguinte, as greves políticas, <strong>de</strong> consumidores,<br />

<strong>de</strong> estudantes etc., precisamente por que o atendimento da respectiva postulação<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos polos da relação <strong>de</strong> emprego, escapam às fronteiras do<br />

Direito do Trabalho. A <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong>ssas greves não correspon<strong>de</strong> ao exercício <strong>de</strong><br />

um <strong>direito</strong>, mesmo quando as <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>s políticas tiverem sido <strong>de</strong>liberadas por<br />

assembléias <strong>de</strong> sindicatos.”12<br />

As características principais do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve são:<br />

1 Op. cit. p. 39.<br />

2 SÜSSEKIND, Arnaldo. Comentários... Op. cit. p. 71. v . 2.


Direitos Sociais 215<br />

• <strong>direito</strong> coletivo, cujo titular é um grupo organizado <strong>de</strong> trabalhadores;<br />

• <strong>direito</strong> trabalhista irrenunciável no âmbito do contrato individual do trabalho;<br />

• <strong>direito</strong> relativo, po<strong>de</strong>ndo sofrer limitações, inclusive em relação às ativida<strong>de</strong>s<br />

consi<strong>de</strong>radas essenciais (CF, art. 9a, § I a);<br />

• instrumento <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>fesa, que consiste na abstenção simultânea do trabalho;<br />

• procedimento <strong>de</strong> pressão;<br />

• finalida<strong>de</strong> primordial: <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os interesses da profissão (greves reivindicativas);<br />

• outras finalida<strong>de</strong>s: greves políticas, greves <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, greves <strong>de</strong> protesto;<br />

• caráter pacífico.<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve é autoaplicável, não po<strong>de</strong>ndo ser restringido ou impedido pela<br />

legislação infra<strong>constitucional</strong>. Não está vedada, porém, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação<br />

<strong>de</strong> seu procedimento, como, por exemplo, a exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado quorum na<br />

assembléia geral, para que ela se instale.<br />

Nas ativida<strong>de</strong>s públicas o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve não entra em vigor imediatamente, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

seu exercício <strong>de</strong> lei ordinária específica.1<br />

Sobre o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve dos servidores públicos civis, conferir capítulo <strong>de</strong>dicado à<br />

Administração Pública - Servidores Públicos.<br />

A greve dos empregadores é <strong>de</strong>nominada lock-out (locaute), e ocorre quando aqueles<br />

fecham as portas <strong>de</strong> seus estabelecimentos, impossibilitando a prestação <strong>de</strong> serviços pelos<br />

empregados, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pressionar os próprios trabalhadores ou setores do Po<strong>de</strong>r<br />

Público, para que atendam a suas reivindicações.<br />

1 Redação dada pela EC n“ 19/98. N a vigência da redação anterior, que exigia a regulamentação por lei complementar,<br />

o STF já havia <strong>de</strong>cidido pela não autoaplicabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve nas ativida<strong>de</strong>s públicas: STF<br />

- 2 aT. — Rextr. n“ 208.278-3/RS - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,13 out. 1997, p. 51.487.


Direito <strong>de</strong><br />

Nacionalida<strong>de</strong><br />

6<br />

1 CONCEITO<br />

Nacionalida<strong>de</strong> é o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e <strong>de</strong>terminado<br />

Estado, fazendo <strong>de</strong>ste indivíduo um componente do povo, da dimensão pessoal<br />

<strong>de</strong>ste Estado,1 capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao cumprimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>veres impostos.<br />

Aluísio Dar<strong>de</strong>au <strong>de</strong> Carvalho aponta a falta <strong>de</strong> juridicida<strong>de</strong> do termo nacionalida<strong>de</strong>,<br />

que, partindo da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> nação, englobaria somente os indivíduos que pertencessem à <strong>de</strong>terminado<br />

grupoligado pela raça, religião, hábitos e costumes.Porém, igualmente, aponta<br />

que essa terminologia encontra-se generalizada em diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos.<br />

2 DEFINIÇÕES RELACIONADAS À MATÉRIA<br />

Alguns conceitos estão relacionados com o estudo do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>. São<br />

os conceitos <strong>de</strong> povo, população, nação e cidadão.<br />

Povo: é o conjunto <strong>de</strong> pessoas que fazem parte <strong>de</strong> um Estado - é seu elemento humano.<br />

O povo está unido ao Estado pelo vínculo jurídico da nacionalida<strong>de</strong>.<br />

População: é conjunto <strong>de</strong> habitantes <strong>de</strong> um território, <strong>de</strong> um país, <strong>de</strong> uma região, <strong>de</strong><br />

uma cida<strong>de</strong>. Esse conceito é mais extenso que o anterior - povo -, pois engloba os nacionais<br />

e os estrangeiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que habitantes <strong>de</strong> um mesmo território. Como salientado por<br />

Marcelo Caetano,<br />

“o termo população tem um significado econômico, que correspon<strong>de</strong> ao sentido<br />

vulgar, e que abrange o conjunto <strong>de</strong> pessoas resi<strong>de</strong>ntes num território, quer se trate<br />

<strong>de</strong> nacionais quer <strong>de</strong> estrangeiros. Ora o elemento humano do Estado é constituído<br />

unicamente pelos que a ele estão ligados pelo vínculo jurídico que hoje chamamos<br />

<strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>”.2<br />

CARVALHO, Aluísio Dar<strong>de</strong>au <strong>de</strong>. Nacionalida<strong>de</strong> e cidadania. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1956. p. 11.<br />

CARTANO, M arcelo. Direito <strong>constitucional</strong>. 2. e d . Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 1987. v. 2, p. 159.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 217<br />

Nação: agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros, fixados num território,<br />

são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e linguísticos. Conforme<br />

ensina A. Dar<strong>de</strong>au <strong>de</strong> Carvalho,<br />

“a complexida<strong>de</strong> do fenômeno nação, sem dúvida, resulta da multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fatores que entram na sua composição, uns <strong>de</strong> natureza objetiva, outros <strong>de</strong> natureza<br />

subjetiva. A raça, a religião, a língua, os hábitos e costumes, são os fatores objetivos<br />

que permitem distinguir as nações entre si. A consciência coletiva, o sentimento<br />

da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem, é o fator subjetivo da distinção”.1<br />

Cidadão: é o nacional (brasileiro nato ou naturalizado) no gozo dos <strong>direito</strong>s políticos<br />

e participantes da vida do Estado.<br />

3 ESPÉCIES DE NACIONALIDADE<br />

A competência para legislar sobre nacionalida<strong>de</strong> é exclusiva do próprio Estado, sendo<br />

incontroversa a total impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingerência normativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> estrangeiro.<br />

Doutrinariamente, distinguem-se duas espécies <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, a primária e a<br />

secundária.<br />

A nacionalida<strong>de</strong> primária, também conhecida por originária, ou <strong>de</strong> origem, resulta do<br />

nascimento a partir do qual, através <strong>de</strong> critérios sanguíneos, territoriais ou mistos será<br />

estabelecida.<br />

A nacionalida<strong>de</strong> secundária ou adquirida é a que se adquire por vonta<strong>de</strong> própria, após<br />

o nascimento e, em regra, pela naturalização.<br />

1 CARVALHO, Aluísio Dar<strong>de</strong>au <strong>de</strong>. Nacionalida<strong>de</strong> e... Op. cit. p. 7.


2 1 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral manteve o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> enunciar separadamente quais os casos<br />

<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária e quais as hipóteses <strong>de</strong> aquisição secundária, como<br />

fora feito pela Constituição anterior, em rompimento com a tradição <strong>constitucional</strong> brasileira,<br />

que enumerava todas as formas <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> em uma só sequência.<br />

4 BRASILEIROS NATOS<br />

4.1 Critérios <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária<br />

Os critérios <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária são, basicamente, dois: o ius<br />

sanguinis e o ius soli, aplicando-se ambos a partir <strong>de</strong> um fato natural: o nascimento.<br />

a. IUS SANGUINIS (origem sanguínea) - por esse critério será nacional todo o <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> nacionais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do local <strong>de</strong> nascimento.<br />

Importante observar que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 não adotou esse critério puro,<br />

exigindo-se sempre algum outro requisito, como veremos a seguir. Sempre, porém, <strong>de</strong>ve<br />

estar presente uma relação <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> entre a condição jurídica do ascen<strong>de</strong>nte<br />

e o momento do nascimento, ou seja, aquele <strong>de</strong>verá ser brasileiro nato ou naturalizado à<br />

época do nascimento <strong>de</strong>ste.<br />

b. IU S SO LI (origem territorial) - por esse critério será nacional o nascido no território<br />

do Estado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua ascendência. A Constituição<br />

brasileira adotou-o em regra.<br />

O Brasil não adotou o critério do jure matrimonii, ou seja, não é possível a aquisição<br />

<strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong>corrente tão somente <strong>de</strong> casamento civil com brasileiro.1<br />

5 HIPÓTESES DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê exaustiva e taxativamente as hipóteses <strong>de</strong> aquisição da<br />

nacionalida<strong>de</strong> originária, ou seja, somente serão brasileiros natos aqueles que preencherem<br />

os requisitos constitucionais das hipóteses únicas do art. 12, inciso I.12 Como ressalta<br />

Francisco Rezek, analisando hipótese semelhante, “seria flagrante, na lei, o vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

quando ali <strong>de</strong>tectássemos o intento <strong>de</strong> criar, à margem da Lei Maior,<br />

um novo caso <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária”.3<br />

A regra adotada, como já visto, foi ius soli, mitigada pela adoção do ius sanguinis<br />

somado a <strong>de</strong>terminados requisitos. Assim são brasileiros natos:<br />

1 S T F -E x t. 1.121, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, julgam ento em 18-12-2009, Plenário, DJE<strong>de</strong> 25-6-2010.<br />

2 S T F - Pleno - H C n °83113/D F-qu estão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção 1,29<br />

a go .2 0 0 3 ,p . 20.<br />

3 REZEK, Francisco. Nacionalida<strong>de</strong> em lei ordinária: um a questão <strong>constitucional</strong>. Revista <strong>de</strong> Direito Público, n °<br />

65/86, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 19<br />

• os nascidos na República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, ainda que <strong>de</strong> pais estrangeiros,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estes não estejam a serviço <strong>de</strong> seu país (ius soZi);<br />

• os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que qualquer<br />

<strong>de</strong>les esteja a serviço da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil (ius sanguinis +<br />

critério funcional);<br />

• os nascidos no estrangeiro <strong>de</strong> pai brasileiro ou <strong>de</strong> mãe brasüeira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

sejam registrados em repartição brasüeira competente (ius sanguinis + registro<br />

-E C n ° 54/07);<br />

• os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou <strong>de</strong> mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

venham a residir na República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasü e optem, em qualquer tempo,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingida a maiorida<strong>de</strong> (EC na 54/07), p>ela nacionalida<strong>de</strong> brasüeira<br />

(ius sanguinis + critério resi<strong>de</strong>ncial + opção confirmativa).<br />

5.1 Os nascidos na República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, ainda que <strong>de</strong> pais<br />

estrangeiros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estes não estejam a serviço <strong>de</strong> seu país<br />

O legislador constituinte adotou critério já tradicional em nosso or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>:<br />

IUS SOLI.<br />

Dessa forma, em regra, basta ter nascido no território brasileiro, para ser consi<strong>de</strong>rado<br />

brasileiro nato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da nacionalida<strong>de</strong> dos pais ou ascen<strong>de</strong>ntes.<br />

O território nacional <strong>de</strong>ve ser entendido como as terras <strong>de</strong>limitadas pelas fronteiras<br />

geográficas, com rios, lagos, baías, golfos, ilhas, bem como o espaço aéreo e o mar<br />

territorial, formando o território propriamente dito; os navios e as aeronaves <strong>de</strong> guerra<br />

brasileiros, on<strong>de</strong> quer que se encontrem; os navios mercantes brasileiros em alto mar ou<br />

<strong>de</strong> passagem em mar territorial estrangeiro; as aeronaves civis brasileiras em voo sobre o<br />

alto mar ou <strong>de</strong> passagem sobre águas territoriais ou espaços aéreos estrangeiros.1<br />

A constituição, porém, traz uma única exceção à aplicabilida<strong>de</strong> do critério do ius soli,<br />

excluindo-se da nacionalida<strong>de</strong> brasileira os filhos <strong>de</strong> estrangeiros, que estejam a serviço <strong>de</strong><br />

seu país.<br />

Não se trata da adoção pura e simples do critério ius sanguinis para exclusão da nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira, mas da conjugação <strong>de</strong> dois requisitos:<br />

• ambos os pais estrangeiros;<br />

• um dos pais, no mínimo, <strong>de</strong>ve estar no território brasileiro, a serviço do seu país<br />

<strong>de</strong> origem. Frise-se que não bastará outra espécie <strong>de</strong> serviço particular ou para<br />

terceiro país, pois a exceção ao critério do ius soli refere-se a uma tendência<br />

natural do <strong>direito</strong> internacional, inexistente na hipótese <strong>de</strong> pais estrangeiros a<br />

serviço <strong>de</strong> um terceiro país, que não o seu próprio.12<br />

1 Cf. nesse sentido: NUCCI, Guilherme <strong>de</strong> Souza. Código penal comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

2000. p. 45.<br />

2 REZEK, Francisco. A nacionalida<strong>de</strong> à lu z d a o b r a d e Pontes <strong>de</strong> Miranda. RF 263/7.


2 2 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

5.2 Os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

qualquer <strong>de</strong>les esteja a serviço da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil<br />

Nesta hipótese o legislador constituinte adotou o úts sanguinis somado, porém, a um<br />

requisito específico {critério funcional), qual seja, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pai ou <strong>de</strong> mãe brasileiros,<br />

sejam natos ou naturalizados, estarem a serviço do Brasil. Assim, são requisitos:<br />

• ser filho <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira {ius sanguinis);<br />

• o pai ou a mãe <strong>de</strong>vem estar a serviço da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil (critério<br />

funcional), abrangendo-se o serviço diplomático; o serviço consular; serviço<br />

público <strong>de</strong> outra natureza prestado aos órgãos da administração centralizada<br />

ou <strong>de</strong>scentralizada (autarquias, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista e empresas públicas)<br />

da União, dos Estados-membros, dos Municípios, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

ou dos Territórios.<br />

5.3 Nacionalida<strong>de</strong> potestativa: os nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro<br />

ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que venham a residir na República Fe<strong>de</strong>rativa do<br />

Brasil e optem, em qualquer tempo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingida a maiorida<strong>de</strong> (EC<br />

n° 54/07), pela nacionalida<strong>de</strong> brasileira<br />

Esta hipótese <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária sofreu importantes alterações<br />

com a Constituição <strong>de</strong> 1988 e, posteriormente, com a ECR na 3, <strong>de</strong> 7-6-1994 e a EC na<br />

54, <strong>de</strong> 20-9-2007.<br />

Na vigência da constituição passada, o art. 145, c, previa a aquisição da nacionalida<strong>de</strong><br />

aos nascidos no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, embora não a serviço<br />

do país, e não fossem registrados, que viessem a residir no território nacional antes <strong>de</strong><br />

atingir a maiorida<strong>de</strong>; e neste caso, alcançada esta, fizessem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> quatro anos opção<br />

pela nacionalida<strong>de</strong> brasileira.<br />

Assim, previa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cinco requisitos:<br />

• nascidos <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira;<br />

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;<br />

• inocorrência do registro na repartição competente;<br />

• fixação <strong>de</strong> residência antes da maiorida<strong>de</strong>;<br />

• realização da opção até quatro anos após a aquisição da maiorida<strong>de</strong>.1<br />

O legislador constituinte d e 8 8 alterou u m dos requisitos, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> fixar prazo para<br />

realização da opção. Dessa forma, essa hipótese <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> originária<br />

passou a ficar condicionada aos seguintes requisitos:<br />

1 RODAS, João Grandino. A nacionalida<strong>de</strong> da pessoa física. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 40-47,1991.<br />

Citando, inclusive, farta jurisprudência sobre a opção na vigência da constituição anterior.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 2 1<br />

• nascidos <strong>de</strong>pai brasileiro ou mãe brasileira;<br />

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;<br />

• inocorrência do registro na repartição competente;<br />

• fixação <strong>de</strong> residência antes da maiorida<strong>de</strong>;<br />

realização da opção a qualquer tempo.<br />

Com a Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão nQ3, essa hipótese <strong>de</strong> aquisição foi novamente<br />

alterada, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> exigir-se prazo para a fixação <strong>de</strong> residência no Brasil.<br />

Requisitos:<br />

• nascidos <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira;<br />

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;<br />

• fixação <strong>de</strong> residência a qualquer tempo;<br />

• realização da opção a qualquer tempo.<br />

Finalmente, com a EC nQ54, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007, o texto <strong>constitucional</strong> passou<br />

afixar o termo inicial para a realização da opção conforme já consagrado na jurisprudência<br />

do STF: atingida a maiorida<strong>de</strong>.<br />

5.4 Opção<br />

A opção prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral consiste na <strong>de</strong>claração unilateral <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conservar a nacionalida<strong>de</strong> brasileira primária, na já analisada hipótese <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong><br />

potestativa. A aquisição, apesar <strong>de</strong> provisória, dá-se com a fixação <strong>de</strong> residência, sendo a<br />

opção uma condição confirmativa e não formativa <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>verá ocorrer<br />

a partir da maiorida<strong>de</strong>.<br />

Dessa forma, no momento em que o filho <strong>de</strong> pai brasileiro e/ou mãe brasileira, que<br />

não estivessem a serviço do Brasil, nascido no estrangeiro, fixasse residência no Brasil,<br />

adquiriría a nacionalida<strong>de</strong> provisória, que seria confirmada com a opção feita perante a<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>ral, a partir da maiorida<strong>de</strong>.1<br />

O momento da fixação da residência no País constitui o fator gerador da nacionalida<strong>de</strong>,<br />

que fica sujeita a uma condição confirmativa, a opção. Ocorre que, pela inexistência <strong>de</strong><br />

prazo para essa opção, apesar da aquisição temporária da nacionalida<strong>de</strong> com a fixação <strong>de</strong><br />

residência, seus efeitos ficarão suspensos até que haja a referida condição confirmativa.<br />

Pela constituição anterior, a pessoa nascida nas condições mencionadas, enquanto<br />

não atingisse o prazo <strong>de</strong> quatro anos após a maiorida<strong>de</strong>, era consi<strong>de</strong>rada, para todos os<br />

efeitos, brasileira nata, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a fixação da residência, inclusive po<strong>de</strong>ndo requerer abertura<br />

1 “Compete à Justiça Fe<strong>de</strong>ral a apreciação <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> transcrição do term o <strong>de</strong> nascimento <strong>de</strong> m enor nascida<br />

no estrangeiro, filh a <strong>de</strong> mãe brasileira que não estava a serviço do Brasil, por consubstanciar opção provisória<br />

<strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> a ser ratificada após alcançada a maiorida<strong>de</strong> (arts. 1 2 ,1, c e 109, X, da CF)” (STJ Conflito <strong>de</strong><br />

competência nD18.074/D F- Rei. Min. César A sfor Rocha, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 nov. 1997, p. 59.399).


2 2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> assento <strong>de</strong> nascimento provisório, que seria cancelado se, <strong>de</strong>corrido o prazo <strong>de</strong> quatro<br />

anos mencionado no texto <strong>constitucional</strong>, não tivesse havido a opção pela nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira (Lei Fe<strong>de</strong>ral na 6.015/73, art. 32, §§ 2a a 5a). Feita, no entanto, a opção, a<br />

pessoa conservaria sua condição jurídica <strong>de</strong> brasileira nata. Não a fazendo, per<strong>de</strong>ría a<br />

citada condição.<br />

Agora, nos termos da constituição atual, em virtu<strong>de</strong> da inexistência <strong>de</strong> prazo para a<br />

realização da opção, que po<strong>de</strong>rá ser a qualquer tempo, parece-nos mais sensato que, apesar<br />

<strong>de</strong> o momento da fixação da residência no país constituir o fator gerador da nacionalida<strong>de</strong>,<br />

seus efeitos fiquem suspensos até que sobrevenha a condição confirmativa - opção (que<br />

terá efeitos retroativos).1Como, porém, a realização da opção exige plena capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, se a fixação <strong>de</strong> residência em território nacional ocorrer antes<br />

<strong>de</strong> o nascido no estrangeiro adquirir a maiorida<strong>de</strong>, passará a ser consi<strong>de</strong>rado brasileiro<br />

nato, porém, como ressaltado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “sujeita essa nacionalida<strong>de</strong><br />

a manifestação da vonta<strong>de</strong> do interessado, mediante a opção, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> atingida a maiorida<strong>de</strong>.<br />

Atingida a maiorida<strong>de</strong>, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se<br />

em condição suspensiva da nacionalida<strong>de</strong> brasileira”.12<br />

Portanto, o filho <strong>de</strong> pai brasileiro e/oumãe brasileira nascido no estrangeiro adquire<br />

a nacionalida<strong>de</strong> originária no momento da fixação <strong>de</strong> sua residência no Brasil, <strong>de</strong>vendo<br />

confirmar sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> conservar a nacionalida<strong>de</strong> brasileira a partir da aquisição da<br />

maiorida<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong> maneira personalíssima. Durante o período <strong>de</strong> fixação da residência<br />

até atingir a maiorida<strong>de</strong> civil, por não po<strong>de</strong>r validamente realizar a opção, todos os <strong>direito</strong>s<br />

inerentes à nacionalida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rão ser exercidos, pois a “aludida condição suspensiva só<br />

vigora a partir da maiorida<strong>de</strong>, haja vista que, antes, o menor, por intermédio do registro<br />

provisório (Lei na 6.015/73, art. 3a, § 2a), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que resi<strong>de</strong>nte no país, é consi<strong>de</strong>rado<br />

brasileiro nato para todos os efeitos”.3<br />

Não foi outro o entendimento da Relatoria da Revisão Constitucional a cargo do<br />

então <strong>de</strong>putado Nelson Jobim, que assim se manifestou: “A opção po<strong>de</strong> agora ser feita a<br />

qualquer tempo. Tal como nos regimes anteriores, até a maiorida<strong>de</strong>, são brasileiros esses<br />

indivíduos. Entretanto, como a norma não estabelece mais prazo, po<strong>de</strong>ndo a opção ser<br />

efetuada a qualquer tempo, alcançada a maiorida<strong>de</strong> essas pessoas passam a ser brasileiras<br />

sob condição suspensiva, isto é, <strong>de</strong>p>ois <strong>de</strong> alcançada a maiorida<strong>de</strong>, até que optem p>ela<br />

nacionalida<strong>de</strong> brasileira, sua condição <strong>de</strong> brasileiro nato fica suspensa. Nesse período<br />

o Brasil os reconhece como nacionais, mas a manifestação volitiva do Estado torna-se<br />

inoperante até a realização do acontecimento previsto, a opção. É lícito consi<strong>de</strong>rá-los<br />

1 Nesse sentido, enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por unanimida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>ferir o ped ido <strong>de</strong> extradição<br />

em face <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> opção perante a Justiça Fe<strong>de</strong>ral, durante sua tramitação: “Sustentação d e fato novo<br />

consistente na sua opção pela nacionalida<strong>de</strong> originária brasileira, <strong>de</strong>duzida na Justiça Fe<strong>de</strong>ral da Seção Judiciária<br />

do Estado da Bahia, tendo sido <strong>de</strong>ferida por sentença... Sentença, na opção <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, transitada em<br />

julgado. 8. Inviável, diante do preceito <strong>constitucional</strong> (art. 5a, L I), aten<strong>de</strong>r à súplica d o G overno requ eren te 9.<br />

Pedido <strong>de</strong> extradição in<strong>de</strong>ferido” (STF - Pleno - Extradição n fl 778-5/República Argentina - Rei. M in. N éri da<br />

Silveira -D iá rio da Justiça, Seção 1 ,2 0 abr. 2001, p. 105).<br />

2 STF - 2a T. - Rextr. n ° 418.096/RS - ReL M in. Carlos V elloso, Diário da Justiça, Seção I, 22 abr. 2005, e<br />

Informativo STFnfi 384.<br />

3 STF - I aT . - Rextr. n° 415.957/RS,Rel. M in. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 23-8-2005 - Informativo STF n°<br />

398, p. 2.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 2 3<br />

nacionais no espaço <strong>de</strong> tempo entre a maiorida<strong>de</strong> e a opção, mas não po<strong>de</strong>m invocar tal<br />

atributo porque pen<strong>de</strong>nte da verificação da condição”.1<br />

Em face disso, a EC na 54/07 passou a prever expressamente que o momento inicial<br />

para a realização da opção é a aquisição da maiorida<strong>de</strong>.<br />

5.5 Os nascidos no estrangeiro <strong>de</strong> pai brasileiro ou <strong>de</strong> mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que sejam registrados em repartição brasileira competente (iu s sanguinis<br />

+ registro - EC n° 54/07)<br />

A EC na 54, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007, alterou, novamente, a redação do art. 12,1,<br />

“c”, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>terminando o retomo <strong>de</strong> uma tradicional hipótese <strong>de</strong> aquisição<br />

<strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária, consistente da conjugação da adoção do critério do ius<br />

sanguinis com requisitos específicos, prevista na redação original do texto <strong>constitucional</strong><br />

e afastada pela ECR na 3, <strong>de</strong> 7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1994.<br />

A referida ECR na 3/94 suprimiu, erroneamente, hipótese prevista pelo texto original<br />

da Constituição <strong>de</strong> 1988 (ius sanguinis + registro), uma vez que, a análise das propostas<br />

apresentadas durante a revisão <strong>constitucional</strong> comprova que em momento algum o Congresso<br />

Nacional Revisor pretendia suprimir essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira. Conforme salientou o então <strong>de</strong>putado Nelson Jobim, relator da Revisão<br />

Constitucional, “a análise das propostas apresentadas durante a revisão <strong>constitucional</strong>,<br />

bem como as emendas, substitutivos e pareceres ofertados, mostra que em momento<br />

algum o legislador constituinte-revisor preten<strong>de</strong>u retirar do texto <strong>constitucional</strong> a hipótese<br />

<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, do filho <strong>de</strong> brasileiros que nascendo no estrangeiro<br />

fosse registrado na repartição pública competente. Assim, mesmo tendo o ilustre relator<br />

Deputado Nelson Jobim apresentado a proposta <strong>de</strong> Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na<br />

3-A, <strong>de</strong> 1994, como emenda aglutinativa relativa à alínea c, do inciso I, do art. 12, com a<br />

redação atual, em seu parecer somente discute-se as alterações da nacionalida<strong>de</strong> potes<br />

tativa, não se referindo em nenhum momento à hipótese do registro, ou mesmo quais os<br />

motivos para sua supressão”.12<br />

Apesar <strong>de</strong>ssas consi<strong>de</strong>rações, o texto <strong>constitucional</strong> havia sido alterado, suprimindo-<br />

-se uma das tradicionais hipóteses <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> originária. A ECR na 3,<br />

<strong>de</strong> 7-6-1994, suprimiu essa hipótese <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária.3 Com essa alteração,<br />

não havia mais possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> filho <strong>de</strong> brasileiros, nascido no estrangeiro, viesse a ser<br />

registrado em repartição brasileira competente, para fins <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>.<br />

Portanto, para que pu<strong>de</strong>sse adquirir a nacionalida<strong>de</strong> brasileira, <strong>de</strong>veria fixar residência<br />

no país e realizar a <strong>de</strong>vida opção (nacionalida<strong>de</strong> potestativa).<br />

1 Deputado Nelson Jobim, Congresso Revisor - R elatoria da Revisão Constitucional - Pareceres produzidos<br />

(históricoX Senado Fe<strong>de</strong>ral, Tom o I, Brasília -1 9 9 4 , p. 36.<br />

2 Deputado Nelson Jobim, Congresso Revisor - Relatoria da Revisão Constitucional - Pareceres produzidos<br />

(histórico), Senado Fe<strong>de</strong>ral, Tom o I, Brasília - 1994. p. 28-37,<br />

3 N este sentido: BAS TOS, Celso. Emendas à Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 67.


2 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Essa hipótese, também repetida por dispositivos da Lei <strong>de</strong> Registros Púbicos, que<br />

regulamentou a ocorrência do registro como fator aquisitivo <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária,<br />

não havia sido recepcionada pela ECR na 3/94, pois a lei ordinária não po<strong>de</strong> criar novas<br />

hipóteses <strong>de</strong> brasileiros natos.1<br />

Relembremos que o <strong>direito</strong> pátrio, anteriormente, já havia se encontrado nessa<br />

mesma situação, quando a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967 <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> prever como forma<br />

<strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> originária a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção pela nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira feita pelo filho <strong>de</strong> pais estrangeiros, que estivessem a serviço <strong>de</strong> seu governo,<br />

cujo nascimento se <strong>de</strong>ra no território nacional, que era prevista pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> 1946. Apesar da supressão <strong>constitucional</strong>, essa hipótese constava no texto do art. 2a da<br />

Lei nQ818/49. À época, apontou-se a não recepção <strong>de</strong>ssa norma, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> somente<br />

a norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>terminar as hipóteses <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> originária.<br />

A EC nQ54/07 trouxe novamente a mesma redação do texto original do art. 12,1, c,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, possibilitando a aquisição da nacionalida<strong>de</strong> originária aos nascidos<br />

no estrangeiro, <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam registrados em<br />

repartição brasileira competente.<br />

Assim, voltou a ser adotado o critério do ius sanguinis somado a um requisito específico<br />

(registro'), qual seja, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> registro em repartição brasileira competente<br />

(Embaixada ou Consulado), in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer outro procedimento subsequente,<br />

além do registro, para confirmar a nacionalida<strong>de</strong> O assento <strong>de</strong> nascimento lavrado<br />

no exterior por agente consular possui a mesma eficácia jurídica daqueles formalizados<br />

no Brasil por oficiais do registro civil das pessoas naturais, não havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

qualquer opção, nesta hipótese (RDA 116/230).<br />

Com a alteração <strong>constitucional</strong> trazida pela EC na 54/07, houve a repristinação dos<br />

dispositivos da Lei <strong>de</strong> Registros Públicos, que voltou a disciplinar situação <strong>constitucional</strong>mente<br />

permitida.<br />

A EC na54/07, ainda em relação à matéria, trouxe norma temporária para regulamentar<br />

as situações ocorridas entre 7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1994 e 20 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007, acrescentando<br />

o art. 95 ao ADCT, <strong>de</strong> maneira que os nascidos no estrangeiro nesse período, filhos<br />

<strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira, po<strong>de</strong>rão ser registrados em repartição diplomática ou<br />

consultar brasileira competente ou em ofício <strong>de</strong> registro, se vierem a residir na República<br />

Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil.<br />

Em relação àqueles nascidos nesse período e que vierem a residir no Brasil, trata-se<br />

<strong>de</strong> hipótese excepcional e temporária diferente da nacionalida<strong>de</strong> potestativa, por não exigir<br />

opção.<br />

Dessa forma, essa hipótese exige os seguintes requisitos:<br />

• nascidos no estrangeiro <strong>de</strong> pai brasileiro ou mãe brasileira (ius sanguinis);<br />

1 N o sentido da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> hipótese aquisitiva <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária pela lei: DOLIN-<br />

GER, Jacob. Comentários... Op. cit. p. 141; BASTOS, Celso; M ARTINS, Ives Gandra da Silva. Op. cit. v. 2, p. 550;<br />

SILVA José Afonso. Curso... Op. cit. p. 290; C O S TA A . Mesquita da. Parecer. RDA 82/350. Contra o sentido do<br />

texto, Georgette N azo (Folha <strong>de</strong>S. Paulo, 23 abr. 1995, p. 3-2) afirmou, em relação à supressão <strong>de</strong>terminada pela<br />

ECR nc 3/94, que: “Se não foi proibido, é permitido ... <strong>de</strong>pois quando a pessoa atingir a maiorida<strong>de</strong> faz a opção.”


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 225<br />

• pai brasileiro ou mãe brasileira que não estivessem a serviço do Brasil;<br />

• período <strong>de</strong> nascimento compreendido entre 7 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1994 e 20 <strong>de</strong> setembro<br />

<strong>de</strong> 2007;<br />

• fixação <strong>de</strong> residência a qualquer tempo;<br />

• registro em ofício <strong>de</strong> registro, não havendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção.<br />

6 BRASILEIRO NATURALIZADO<br />

O brasileiro naturalizado é aquele que adquire a nacionalida<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong> forma<br />

secundária, ou seja, não pela ocorrência <strong>de</strong> um fato natural, mas por um ato voluntário.<br />

A naturalização é o único meio <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, permitindo-se<br />

ao estrangeiro, que <strong>de</strong>tém outra nacionalida<strong>de</strong>, ou ao apátrida (também <strong>de</strong>nominado<br />

heimatlos), que não possui nenhuma, assumir a nacionalida<strong>de</strong> do país em que se encontra,<br />

mediante a satisfação <strong>de</strong> requisitos constitucionais e legais.<br />

Não existe <strong>direito</strong> público subjetivo à obtenção da naturalização, que se configura ato<br />

<strong>de</strong> soberania estatal, sendo, portanto, ato discricionário do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, já<br />

tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidido que “não há in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

no preceito que atribui exclusivamente ao Po<strong>de</strong>r Executivo a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r<br />

naturalização”.1<br />

Como bem observa Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“a concessão da naturalização é faculda<strong>de</strong> exclusiva do Po<strong>de</strong>r Executivo. A satisfa<br />

ção das condições, exigências e requisitos legais não assegura ao estrangeiro <strong>direito</strong><br />

à naturalização. A outorga da nacionalida<strong>de</strong> brasileira secundária a um estrangeiro<br />

constitui manifestação <strong>de</strong> soberania nacional, sendo faculda<strong>de</strong> discricionária do<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo”.12<br />

6.1 Espécies <strong>de</strong> naturalização<br />

A naturalização, doutrinariamente, po<strong>de</strong>rá ser tácita ou expressa, dividindo-se esta<br />

última em ordinária ou extraordinária.<br />

6.1.1 Naturalização tácita ou gran<strong>de</strong> naturalização3<br />

O art. 69, § 4o, da Constituição <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891, previa serem<br />

1 RDA 20/313.<br />

2 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 404.<br />

3 CHAVES, A ntonio. G ran<strong>de</strong> naturalização. Revista <strong>de</strong> Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, n °<br />

14/77,1970. O autor, nesta obra, elabora minucioso estudo sobre naturalização tácita (gran<strong>de</strong> naturalização).


226 Direito Constitucional • Moraes<br />

“cidadãos brazileiros os estrangeiros que, achando-se no Brazil aos 15 <strong>de</strong> novembro<br />

<strong>de</strong> 1889, não <strong>de</strong>clararem, <strong>de</strong>ntro em seis mezes <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> entrar em vigor a<br />

Constituição, o animo <strong>de</strong> conservar a nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> origem”.<br />

Obviamente, essa hipótese <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> foi prevista com um prazo<br />

fatal - seis meses da promulgação da Constituição <strong>de</strong> 1891 - ao término do qual <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong><br />

produzir efeitos jurídicos. Por tradição <strong>constitucional</strong> foi sendo mantida nas sucessivas<br />

constituições, porém sem qualquer relevância jurídica. Fez bem o legislador constituinte<br />

<strong>de</strong> 1988 ao suprimir sua menção.<br />

Anote-se que citado dispositivo da naturalização tácita quando aplicado aos pais,<br />

igualmente, acarretava a naturalização dos filhos menores em sua companhia.<br />

6.1.2 Naturalização expressa<br />

É aquela que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> requerimento do interessado, <strong>de</strong>monstrando sua manifestação<br />

<strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> em adquirir a nacionalida<strong>de</strong> brasileira. Divi<strong>de</strong>-se em ordinária e<br />

extraordinária.<br />

1. Naturalização ordinária<br />

O processo <strong>de</strong> naturalização <strong>de</strong>ve respeitar os requisitos legais,1 bem como apresenta<br />

características administrativas, uma vez que todo o procedimento até <strong>de</strong>cisão final do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República ocorre perante o Ministério da Justiça, porém com uma formalida<strong>de</strong><br />

final <strong>de</strong> caráter jurisdicional, uma vez que<br />

“a entrega do certificado <strong>de</strong> naturalização ao estrangeiro que preten<strong>de</strong> naturalizar-<br />

-se brasileiro constitui o momento <strong>de</strong> efetiva aquisição da nacionalida<strong>de</strong> brasileira.<br />

Este certificado <strong>de</strong>ve ser entregue pelo magistrado competente.12<br />

Enquanto não ocorrer tal entrega, o estrangeiro ainda não é brasileiro, po<strong>de</strong>ndo,<br />

inclusive, ser excluído no território nacional”.3<br />

Assim, serão consi<strong>de</strong>rados brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram<br />

a nacionalida<strong>de</strong> brasileira, sendo exigidas aos originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa<br />

apenas residência por um ano ininterrupto e idoneida<strong>de</strong> moral.<br />

Devemos subdividir o estudo da aquisição da nacionalida<strong>de</strong> ordinária, para melhor<br />

compreensão, em três partes:<br />

• estrangeiros, excluídos os originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa;<br />

1 Estatuto do estrangeiro - L ei Fe<strong>de</strong>ral na 6.815, <strong>de</strong> 19-8-1980.<br />

2 C F,art. 109, X - Justiça Fe<strong>de</strong>ral.<br />

3 STF, Pleno, HC 62.795-1-SP, Rei. Min. R afaelM ayer, v.u,,DJU, 22 mar. 1985, p. 3.623. C onform e ressaltado<br />

pelo M inistro da Justiça, ao analisar o art. 119 da Lei nn 6.815/80, “im portante é registrar que a aquisição da<br />

nacionalida<strong>de</strong> só se com pleta com a entrega do certificado, quando começará a produzir efeito s” (Guia prático<br />

para orientação a estrangeiros no Brasil. Brasília: Imprensa Nacional, 1997. p. 27).


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 2 7<br />

• estrangeiros originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa,1exceto portugueses<br />

resi<strong>de</strong>ntes no Brasil (Angola, Açores, Cabo Ver<strong>de</strong>, Goa, Guiné-Bissau, Macau,<br />

Moçambique, Portugal, Príncipe e Timor Leste);<br />

• os portugueses resi<strong>de</strong>ntes no Brasil.<br />

A. Estrangeiros, excluídos os originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa<br />

Requisitos: o Estatuto dos Estrangeiros (Lei na 6.815, <strong>de</strong> 19-8-1980), em seu art. 112<br />

prevê os seguintes requisitos:<br />

1. capacida<strong>de</strong> civil segundo a lei brasileira;<br />

2. ser registrado como permanente no Brasil (visto permanente);<br />

3. residência contínua pelo prazo <strong>de</strong> quatro anos;<br />

4. ler e escrever em português;<br />

5. boa conduta e boa saú<strong>de</strong>;<br />

6. exercício <strong>de</strong> profissão ou posse <strong>de</strong> bens suficientes à manutenção própria e da<br />

família;<br />

7. bom procedimento;<br />

8. inexistência <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia, pronúncia ou con<strong>de</strong>nação no Brasil ou no exterior<br />

por crime doloso a que seja cominada pena mínima <strong>de</strong> prisão, abstratamente<br />

consi<strong>de</strong>rada superior a um ano.<br />

A simples satisfação dos requisitos não assegura a nacionalização do estrangeiro, uma<br />

vez que a concessão da nacionalida<strong>de</strong> é ato discricionário do Po<strong>de</strong>r Executivo, conforme<br />

já visto.<br />

B. Para os originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa, exceto portugueses resi<strong>de</strong>ntes<br />

no Brasil<br />

A constituição prevê somente dois requisitos para que os originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong><br />

língua portuguesa adquiram a nacionalida<strong>de</strong> brasileira, quais sejam:<br />

1. residência por um ano ininterrupto;<br />

2. idoneida<strong>de</strong> moral.<br />

O fato <strong>de</strong> os requisitos serem previstos <strong>constitucional</strong>mente não afasta a natureza<br />

discricionária do Po<strong>de</strong>r Executivo em conce<strong>de</strong>r ou não a nacionalida<strong>de</strong> nestes casos.<br />

Além disso, enten<strong>de</strong>-se necessário o requisito da capacida<strong>de</strong> civil, pois a aquisição da<br />

nacionalida<strong>de</strong> secundária <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> um ato <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>.<br />

TEM ER, M ichel. Constituição epolítica. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 16.


228 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

C. Para os portugueses resi<strong>de</strong>ntes no Brasil<br />

A constituição, além <strong>de</strong> garantir aos portugueses, na forma da lei, a aquisição da<br />

nacionalida<strong>de</strong> brasileira, exigindo apenas os requisitos <strong>de</strong> residência por um ano ininterrupto<br />

e idoneida<strong>de</strong> moral, prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aos portugueses com residência<br />

permanente no país, se houver reciprocida<strong>de</strong> em favor <strong>de</strong> brasileiros, serem atribuídos os<br />

<strong>direito</strong>s inerentes ao brasileiro naturalizado.<br />

São, portanto, duas hipóteses previstas aos portugueses:<br />

• I a- aquisição da nacionalida<strong>de</strong> brasileira <strong>de</strong>rivada: neste caso seguirá todos os<br />

requisitos da naturalização para os originários <strong>de</strong> países <strong>de</strong> língua portuguesa<br />

(ver item anterior);<br />

• 2a - aquisição da equiparação com brasileiro naturalizado, sem contudo per<strong>de</strong>r a<br />

nacionalida<strong>de</strong> portuguesa (quase nacionalida<strong>de</strong>): o art. 12, § I a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, com nova redação dada pela Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na 3, <strong>de</strong><br />

7-6-1994, prevê aos portugueses que preencham os requisitos constitucionais,<br />

a possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja reciprocida<strong>de</strong> em favor dos brasileiros (cláusula<br />

do ut <strong>de</strong>s, ou seja, cláusula <strong>de</strong> admissão <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong>j, 1<strong>de</strong> atribuição dos<br />

<strong>direito</strong>s inerentes ao brasileiro naturalizado, salvo os previstos na Constituição.<br />

O Ministério da Justiça é o órgão com atribuição para o reconhecimento da<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres entre os portugueses equiparados e os brasileiros<br />

naturalizados. Ressalte-se que, para o exercício dos <strong>direito</strong>s políticos, há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> requerimento à Justiça Eleitoral e permanência, no mínimo, <strong>de</strong><br />

três anos <strong>de</strong> residência no País. Como ressalta Jorge Miranda,<br />

“com esse regime não se estabelece uma dupla cidadania ou uma cidadania<br />

comum luso-brasileira. Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os<br />

brasileiros em Portugal, brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à<br />

margem ou para além da condição comum <strong>de</strong> estrangeiro, <strong>direito</strong>s que a priori<br />

po<strong>de</strong>ríam ser apenas conferidos aos cidadãos do país”.12<br />

2. Naturalização extraordinária ou qulnzenárla<br />

A previsão <strong>de</strong> uma hipótese <strong>de</strong> naturalização extraordinária foi uma inovação na<br />

or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> 1988.0 texto original da CF/88 previa que seriam consi<strong>de</strong>rados<br />

brasileiros naturalizados os estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes no país há mais <strong>de</strong> 30 anos (trintenária),<br />

sem con<strong>de</strong>nação penal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fizessem o requerimento.<br />

Somente se exigiam estes três requisitos, não po<strong>de</strong>ndo a lei infra<strong>constitucional</strong><br />

ampliá-los:<br />

1. residência fixa no país há mais <strong>de</strong> trinta anos;<br />

1 V. Convenção sobre Igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinadaem 7-9-1971 e<br />

ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n2 82, <strong>de</strong> 24-11-1971, tendo sido promulgada pelo Decreto nD70.391,<br />

<strong>de</strong> 12-4-1972. Posteriorm ente substituído pelo Decreto n° 3.927, <strong>de</strong> 19-9-2001, que prom ulgou o Tratado <strong>de</strong><br />

Cooperação, Am iza<strong>de</strong> e Consulta Brasil/PortugaL Em Portugal fo i ratificada p elo Decreto Legislativo n2126/72.<br />

2 M IR A N D A ,Jorge. Op. cit. p. 144-145. t. IIL


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 2 9<br />

2. ausência <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação penal;<br />

3. requerimento do interessado.<br />

A Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na 3/94 alterou o prazo <strong>de</strong> residência fixa no<br />

Brasil exigida, diminuindo-o para 15 (quinze) anos ininterruptos (quinzenária). Exigem-<br />

-se, atualmente, os seguintes requisitos:<br />

1. residência fixa no país há mais <strong>de</strong> 15 anos;<br />

2. ausência <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação penal;<br />

3. requerimento do interessado.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral respeitou a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> do interessado, exigindo,<br />

expressamente, seu requerimento <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>.<br />

Discute-se se, excepcionalmente, nessa hipótese inexistiria discricionarieda<strong>de</strong> por parte<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, estando o mesmo vinculado ao requerimento feito pelo interessado.<br />

A expressa previsão <strong>constitucional</strong> afirmando a aquisição, presentes todos os requisitos,<br />

“... <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que requeiram...”, parece não <strong>de</strong>ixar dúvidas sobre a existência <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

subjetivo por parte daquele que cumprir com as exigências constitucionais, mesmo porque,<br />

diferentemente da hipótese <strong>de</strong> naturalização ordinária, não há referência alguma à lei.<br />

É esse o entendimento da doutrina. Celso Bastos diz:<br />

“A hipótese não comporta discussão administrativa. A utilização do verbo ‘requerer’<br />

oferece bem a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que se trata do exercício <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> vinculado a certos<br />

pressupostos. Em outras palavras, a incorporação <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong> no patrimônio do<br />

naturalizado é automática. Falta-lhes, é certo, o requerimento. Mas sobrevindo<br />

este, não po<strong>de</strong>m as autorida<strong>de</strong>s negar-lhe a naturalização sob fundamento <strong>de</strong> ser<br />

necessário cumprir qualquer outro pressuposto.”1<br />

Da mesma forma se manifesta José Afonso da Silva, para quem essa hipótese “é uma<br />

prerrogativa à qual o interessado tem <strong>direito</strong> subjetivo, preenchidos os pressupostos”.12 João<br />

Grandino Rodas3 e Jacob Dolinger afirmam a criação <strong>de</strong> “uma nova figura <strong>de</strong> naturalização<br />

<strong>constitucional</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do po<strong>de</strong>r discricionário do Estado”.4<br />

Por fim, ressalte-se, em relação ao prazo <strong>de</strong> 15 anos, que a ausência temporária do<br />

estrangeiro do território brasileiro “não significa que a residência não foi contínua, pois<br />

há que distinguir entre residência contínua e permanência contínua” .5<br />

1 BASTOS, Celso; MARTINS, Ives Gandra da S ilva Op. cit. v. 2, p. 558.<br />

2 SILVA, José Afonso. Curso... Op. d t p . 2 9 4 .N o mesmo sentido: M O TA, Leda Pereira; SPITZCOVSKY, Celso.<br />

Op. cit. p. 331.<br />

1 RODAS, João Grandino. A nacionalida<strong>de</strong> da... Op. cit. p. 51.<br />

4 DOLINGER, Jacob. Comentários... Op. cit. p. 146.<br />

5 STF - Plen o - A gravo n° 32.074-DF, Rei. Min. H erm esLim a, Diário da Justiça, Seção 1,6 m aio 1965, p. 933.


2 3 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

6.2 Radicação precoce e curso superior<br />

A constituição anterior (CF/67, art. 145, II, b, 1 e 2) previa expressamente outras<br />

duas hipóteses <strong>de</strong> aquisição da nacionalida<strong>de</strong> secundária: radicação precoce e conclusão<br />

<strong>de</strong> curso superior.<br />

Assim, também eram consi<strong>de</strong>rados brasileiros naturalizados os nascidos no estrangeiro,<br />

que hajam sido admitidos no Brasil durante os primeiros cinco anos <strong>de</strong> vida,<br />

estabelecidos <strong>de</strong>finitivamente no território nacional, que para preservar a nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira <strong>de</strong>veríam manifestar-se por ela, inequivocadamente, até dois anos após atingir<br />

a maiorida<strong>de</strong> (radicação precoce); e os nascidos no estrangeiro que, vindo a residir no país<br />

antes <strong>de</strong> atingida a maiorida<strong>de</strong>, fizessem curso superior em estabelecimento nacional e<br />

tivessem requerido a nacionalida<strong>de</strong> até um ano <strong>de</strong>pois da formatura (conclusão <strong>de</strong> curso<br />

superior).<br />

As hipóteses da radicação precoce e conclusão <strong>de</strong> curso superior <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> constar<br />

no texto <strong>constitucional</strong> em virtu<strong>de</strong> da <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> especificar hipóteses casuísticas,<br />

que <strong>de</strong>vem ficar a cargo do legislador ordinário. O fato <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> figurar no Texto<br />

Maior, porém, não impe<strong>de</strong> que continuem a existir como hipóteses legais <strong>de</strong> aquisição da<br />

nacionalida<strong>de</strong> secundária, uma vez que a Lei nD6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), nesse<br />

aspecto, foi recepcionada pelo art. 12, II, a (são brasileiros naturalizados os que na forma<br />

da lei...) e pelo art. 22, XIII (compete privativamente à União legislar sobre nacionalida<strong>de</strong>,<br />

cidadania e naturalização) ambos da Carta Magna.1<br />

7 TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE BRASILEIRO NATO E NATURALIZADO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em virtu<strong>de</strong> do princípio da igualda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>termina que a lei não<br />

po<strong>de</strong>rá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados. Portanto, as únicas<br />

hipóteses <strong>de</strong> tratamento diferenciado são as quatro constitucionais: cargos, função, extradição<br />

e pro prieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa jornalística e <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens.<br />

As exceções constitucionais têm natureza histórica, como salienta limar Penna Marinho:<br />

“... <strong>de</strong>vido, entretanto, aos abusos cometidos por indivíduos naturalizados, com a<br />

espantosa facilida<strong>de</strong> das antigas leis sobre a nacionalida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>vido, sobretudo,<br />

à ativida<strong>de</strong> nociva e subversiva <strong>de</strong>sses elementos, os Estados, em suas legislações<br />

mo<strong>de</strong>rnas, não só dificultaram a outorga da naturalização, exigindo uma série<br />

<strong>de</strong> requisitos e um estágio <strong>de</strong> residência mais longo, porém, tornaram, ainda,<br />

1 Conform e se verifica em publicação oficial do M in istério da Justiça, a hipótese <strong>de</strong> radicação precoce continua<br />

com plena eficácia e “se d irige a estrangeiro adm itido no Brasil, durante os prim eiros 5 (cin co) anos <strong>de</strong><br />

vida, estabelecido <strong>de</strong>finitivam ente no território nacional, se a requerer, enquanto menor, por interm édio d e seu<br />

representante legal. Essa naturalização se tornará <strong>de</strong>finitiva se o titular do certificado provisório, até 2 (dois)<br />

anos após atin gir a m aiorida<strong>de</strong>, confirm ar expressamente, perante o Ministro da Justiça, a intenção <strong>de</strong> continuar<br />

brasileiro (Guia prático para orientação a estrangeiros no Brasil. Brasília: Imprensa Nacional, 1997. p. 25).


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 3 1<br />

exclusivo dos nacionais natos o gozo <strong>de</strong> certas prerrogativas, outrora concedidas<br />

indistintamente”.1<br />

7.1 Brasileiro nato e naturalizado - diferenças<br />

Cargos art. 12, § 36<br />

Função<br />

Extradição<br />

art. 89, VII<br />

art. 5®, LI<br />

Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> art. 222<br />

7.2 Cargos<br />

Como salienta Pontes <strong>de</strong> Miranda,<br />

“alguns cargos a Constituição consi<strong>de</strong>rou privativos <strong>de</strong> brasileiros natos. A ratio<br />

legis está em que seria perigoso que interesses estranhos ao Brasil fizessem alguém<br />

naturalizar-se brasileiro, para que, em verda<strong>de</strong>, os representasse”.12<br />

Nesta esteira, o legislador constituinte fixou dois critérios para a <strong>de</strong>finição dos cargos<br />

privativos aos brasileiros natos: a chamada linha sucessória e a segurança nacional.<br />

Assim, em relação à linha sucessória, temos que o art. 79 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

prevê que substituirá o Presi<strong>de</strong>nte, no caso <strong>de</strong> impedimento, e suce<strong>de</strong>r-lhe-á, na vaga, o<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte. Da mesma forma, no art. 80, temos a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que em caso <strong>de</strong><br />

impedimento do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte, ou vacância dos respectivos cargos,<br />

serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos<br />

Deputados; o do Senado Fe<strong>de</strong>ral e o do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (cuja presidência po<strong>de</strong><br />

ser ocupada por qualquer dos Ministros).<br />

No tocante à segurança nacional, <strong>de</strong>vemos ter em mente as funções exercidas pelos<br />

diplomatas e oficiais das Forças Armadas, que em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas posições estratégicas<br />

nos negócios do Estado, mereceram maior atenção por parte do legislador constituinte.<br />

Assim, são privativos <strong>de</strong> brasileiro nato os cargos: <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da<br />

República; <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados; <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong> Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral; da carreira diplomática; <strong>de</strong> oficial das Forças<br />

Armadas e <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado da Defesa.3<br />

1 M ARINH O , limar Penna. Tratamento sobre a nacionalida<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Imprensa Nacional, 1956. v. 1,<br />

p. 70.<br />

2 M IRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Comentários... Op. cit. p. 509. t. 4.<br />

3 Este último cargo privativo <strong>de</strong> brasileiros natos fo i acrescentado pela EC n° 23, prom ulgada em 2-9-1999.


2 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Apesar <strong>de</strong>sta previsão <strong>constitucional</strong> em relação à carreira diplomática, ressalte-se<br />

que não há impedimento em relação ao brasileiro naturalizado ocupar o cargo <strong>de</strong> Ministro<br />

das Relações Exteriores, uma vez que o art. 87 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral não exige a condição<br />

<strong>de</strong> brasileiro nato aos ocupantes <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong> ministros <strong>de</strong> Estado, salvo em relação<br />

ao titular do Ministério <strong>de</strong> Estado da Defesa, em virtu<strong>de</strong> da redação dada pela EC na 23,<br />

promulgada em 2-9-1999.<br />

Houve, portanto, redução dos cargos privativos <strong>de</strong> brasileiros natos, em relação à<br />

constituição anterior, que exigia essa condição aos cargos <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte e Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, ministros <strong>de</strong> Estado, ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, do Superior<br />

Tribunal Militar, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho, do<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, Procurador-Geral da<br />

República, senador e <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, Governador do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Governador e<br />

Vice-governador <strong>de</strong> Estado e Território e seus substitutos, os <strong>de</strong> Embaixador e os das<br />

carreiras diplomáticas, <strong>de</strong> oficial da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (CF/67, art.<br />

145, parágrafo único).<br />

A enumeração do texto é taxativa, não permitindo qualquer ampliação, por meio <strong>de</strong><br />

legislação ordinária.<br />

7.3 Função<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, igualmente diferenciando o brasileiro nato do naturalizado,<br />

reserva aos primeiros (natos), seis assentos no Conselho da República.<br />

O Conselho da República é órgão superior <strong>de</strong> consulta do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

e <strong>de</strong>le participam: o Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República; o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados;<br />

o Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral; os lí<strong>de</strong>res da maioria e da minoria na Câmara dos<br />

Deputados, os lí<strong>de</strong>res da maioria e da minoria no Senado Fe<strong>de</strong>ral; o Ministro da Justiça;<br />

seis cidadãos brasileiros natos, com mais <strong>de</strong> 35 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, sendo dois nomeados pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, dois eleitos pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral e dois eleitos pela Câmara dos<br />

Deputados, todos com mandato <strong>de</strong> três anos, vedada a recondução.<br />

Note-se que tanto o brasileiro nato quanto o naturalizado têm acesso ao Conselho<br />

da República, porém esse sofre algumas restrições, pois, além das funções previstas para<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> cargos exclusivos do brasileiro nato (Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República, Presi<strong>de</strong>nte<br />

da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral), a Constituição, reitere-se, reserva<br />

seis lugares nesse Conselho para cidadãos brasileiros natos.<br />

O brasileiro naturalizado, porém, po<strong>de</strong>rá fazer parte do Conselho da República, como<br />

lí<strong>de</strong>r da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Fe<strong>de</strong>ral ou como<br />

Ministro da Justiça.<br />

7.4 Extradição<br />

O tema referente à extradição, inclusive sob o aspecto diferenciador entre brasileiro<br />

nato e naturalizado, foi exaustivamente tratado no capítulo <strong>de</strong>stinado aos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 3 3<br />

7.5 Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>/manifestação <strong>de</strong> pensamento/informação<br />

A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa jornalística e <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens é<br />

privativa <strong>de</strong> brasileiros natos ou naturalizados há mais <strong>de</strong> 10 anos, ou <strong>de</strong> pessoas jurídicas<br />

constituídas sob as leis brasileiras e que tenham se<strong>de</strong> no país.1<br />

Dessa forma, a Constituição não exclui o brasileiro naturalizado <strong>de</strong>ssa hipótese, tão<br />

somente lhe exige contar com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> naturalização.<br />

BRASILEIROS<br />

Cargos - art. 12, § 3a<br />

Função - art. 89, VII<br />

Extradição - art. 5a, LI<br />

Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> - art. 222<br />

8 PERDA D0 DIREITO DE NACIONALIDADE<br />

A perda da nacionalida<strong>de</strong> só po<strong>de</strong> ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sendo absolutamente vedada a ampliação <strong>de</strong> tais hipóteses pelo<br />

legislador ordinário, e será <strong>de</strong>clarada quando o brasileiro:<br />

• tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

nociva ao interesse nacional (ação <strong>de</strong> cancelamento <strong>de</strong> naturalização);<br />

• adquirir outra nacionalida<strong>de</strong> (naturalização voluntária), salvo nos casos:12<br />

a. <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária pela lei estrangeira;<br />

1 A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a pessoa jurídica ser proprietária fo i introduzida pela EC n ° 36, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2002,<br />

que, porém , exige que pelo menos 70% do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e <strong>de</strong><br />

radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens <strong>de</strong>verão pertencer, direta ou indiretam ente, a brasileiros natos ou<br />

naturalizados há mais <strong>de</strong> 10 anos, que exercerão obrigatoriam ente a gestão das ativida<strong>de</strong>s e estabelecerão o<br />

conteúdo da programação.<br />

2 Redação dada pela Em enda Constitucional <strong>de</strong> Revisão nn 3, <strong>de</strong> 7-6-1994.


234 Direito Constitucional • Moraes<br />

b. <strong>de</strong> imposição <strong>de</strong> naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro resi<strong>de</strong>nte<br />

em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu<br />

território ou para o exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s civis.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988 suprimiu uma terceira hipótese prevista anteriormente<br />

(CF/67-69, art. 146, II), pela qual per<strong>de</strong>ría a nacionalida<strong>de</strong> o brasileiro que sem licença do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, aceitasse comissão, emprego ou pensão <strong>de</strong> governo estrangeiro.<br />

Aqueles que tiverem perdido a nacionalida<strong>de</strong> brasileira em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong>ste fato terão<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> readquiri-la com efeitos retroativos (ex tuncj.<br />

Por fim, apesar da ausência <strong>de</strong> previsão expressa da constituição, também haverá<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perda da nacionalida<strong>de</strong>, quando essa foi adquirida com frau<strong>de</strong> à lei, nos<br />

termos da legislação civil ordinária. Verifica-se essa possibilida<strong>de</strong>, por exemplo, quando<br />

a aquisição da nacionalida<strong>de</strong> incidir em um dos vícios <strong>de</strong> consentimento previstos pela<br />

legislação civil.1Como <strong>de</strong>staca Jacob Dolinger:<br />

“O Constituinte <strong>de</strong> 1988 enten<strong>de</strong>u que a frau<strong>de</strong> às leis sobre aquisição da nacionalida<strong>de</strong><br />

equivale a qualquer outra frau<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo ficar sob a égi<strong>de</strong> da lei ordinária,<br />

dizendo o Constituinte João Hermann Neto, em seu Relatório dos Trabalhos da<br />

Subcomissão Temática, que “não mencionou o parágrafo único do art. 146 que se<br />

refere à anulação por <strong>de</strong>creto do Chefe do Estado <strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong><br />

obtida em frau<strong>de</strong> à lei, que certamente virá a constar da legislação ordinária.”12<br />

8.1 Ação <strong>de</strong> cancelamento <strong>de</strong> naturalização<br />

Esta hipótese <strong>de</strong> perda da nacionalida<strong>de</strong>,3 também conhecida como perda-punição,<br />

somente se aplica, obviamente, aos brasileiros naturalizados.<br />

São previstos dois requisitos para que o brasileiro naturalizado perca sua nacionalida<strong>de</strong>,<br />

por meio <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> cancelamento:<br />

• prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva ao interesse nacional;<br />

• cancelamento por sentença judicial com trânsito em julgado.<br />

A ação é proposta pelo Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, que imputará ao brasileiro naturalizado<br />

a prática <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva ao interesse nacional. Não há, porém, uma tipici<br />

da<strong>de</strong> específica na lei que preveja quais são as hipóteses <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva ao interesse<br />

nacional, <strong>de</strong>vendo haver uma interpretação por parte do Ministério Público no momento<br />

da propositura da ação e do Po<strong>de</strong>r Judiciário ao julgá-la.<br />

1 Verifica-se essa possibilida<strong>de</strong>, por exem plo, quando a aquisição da nacionalida<strong>de</strong> in cidir em um dos vícios<br />

<strong>de</strong> consentimento previstos pela legislação civil. Cf. a respeito das características dos vícios <strong>de</strong> consentimento:<br />

SOUZA NETO, João Baptista <strong>de</strong> Mello e. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 67 ss.<br />

2 DOLINGER, Jacob. Comentários... Op. cit. p. 163. v. 2.<br />

3 V. L ei n° 818/49, arts. 24 a 34.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 235<br />

Os efeitos da sentença judicial que <strong>de</strong>creta a perda da nacionalida<strong>de</strong> são exnunc, ou<br />

seja, não são retroativos, somente atingindo a relação jurídica indivíduo-Estado, após seu<br />

trânsito em julgado.<br />

Por fim, ressalte-se que uma vez perdida a nacionalida<strong>de</strong> somente será possível<br />

readquiri-la por meio <strong>de</strong> ação rescisória e nunca pornovoprocedimento <strong>de</strong> naturalização,<br />

pois estaria-se burlando a previsão <strong>constitucional</strong>.<br />

8.2 Naturalização voluntária<br />

8.2.1 Regra <strong>constitucional</strong><br />

A segunda hipótese <strong>de</strong> perda da nacionalida<strong>de</strong>, também conhecida como perda-mudança,<br />

é aplicável tanto aos brasileiros natos quanto aos naturalizados. O brasileiro, em<br />

regra, per<strong>de</strong>rá sua nacionalida<strong>de</strong> quando, voluntariamente, adquirir outra nacionalida<strong>de</strong>.<br />

Diferentemente da previsão anterior, nesta hipótese não haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processo<br />

judicial, pois a perda da nacionalida<strong>de</strong> será <strong>de</strong>cretada por meio <strong>de</strong> processo administrativo<br />

e oficializada mediante Decreto do Presi<strong>de</strong>nte da República, garantida a ampla <strong>de</strong>fesa.1<br />

São necessários três requisitos para que a previsão <strong>constitucional</strong> seja levada a<br />

termo:<br />

• voluntarieda<strong>de</strong> da conduta;<br />

• capacida<strong>de</strong> civil do interessado;<br />

• aquisição da nacionalida<strong>de</strong> estrangeira.<br />

A mera formalização, perante o Estado estrangeiro, <strong>de</strong> pedido que vise à obtenção<br />

<strong>de</strong> sua nacionalização, não gera, por si só, a perda da nacionalida<strong>de</strong>, que supõe efetiva<br />

aquisição da nacionalida<strong>de</strong> estrangeira.<br />

A perda será efetivada por meio <strong>de</strong> um procedimento administrativo no Ministério<br />

da Justiça.<br />

Os efeitos do Decreto Presi<strong>de</strong>ncial que estabelece a perda da nacionalida<strong>de</strong> são ex<br />

nunc, ou seja, não são retroativos, atingindo somente a relação jurídica indivíduo-Estado,<br />

após sua edição.<br />

O brasileiro nato ou naturalizado, que per<strong>de</strong> esta condição, em virtu<strong>de</strong> do art. 12,<br />

§ 4a, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, po<strong>de</strong>rá readquiri-la, por meio dos procedimentos previstos<br />

<strong>de</strong> naturalização. *10<br />

1 Após a <strong>de</strong>cretação da perda da nacionalida<strong>de</strong>, a Justiça Eleitoral será comunicada para efeito <strong>de</strong> efetivação<br />

da automática perda dos <strong>direito</strong>s políticos. Cf. TSE - Pleno - Processo DP nQ2.410/01 - CGE/DF - Protocolo:<br />

14.921/01, Rei. Min. Garcia Vieira, Diário da Justiça, Seção 1 ,10 out. 2001, p. 95; TSE - Pleno - Processo DP<br />

n::: 2.418/01 - CGE/DF - Protocolo: 14.920/01, Diário da Justiça, Seção 1 ,10 out. 2001, p. 95; TSE - Pleno -<br />

Processo DP nn 2.397/01 - CGE/DF - Protocolo: 14.939/01, ReL M in. Garcia Vieira, Diário da Justiça, Seção I,<br />

10 out. 2001, p. 95.


236 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

Mesmo na hipótese do brasileiro nato que se vê privado da nacionalida<strong>de</strong> originária,<br />

tornando-se, pois, estrangeiro, somente po<strong>de</strong>rá haver a reaquisição sob forma <strong>de</strong>rivada,<br />

mediante processo <strong>de</strong> naturalização, tornando-se brasileiro naturalizado.1<br />

8.2.2 Exceções constitucionais<br />

A Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão nB 3, <strong>de</strong> 7-6-1994, expressamente, passou a admitir<br />

duas hipóteses <strong>de</strong> dupla ou múltipla nacionalida<strong>de</strong>. Dessa forma, não será <strong>de</strong>clarada<br />

a perda da nacionalida<strong>de</strong> do brasileiro que, apesar <strong>de</strong> adquirir outra nacionalida<strong>de</strong>, incidir<br />

em uma das seguintes hipóteses constitucionais:<br />

Reconhecimento <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária pela lei estrangeira. Assim, não per<strong>de</strong>rá a<br />

nacionalida<strong>de</strong> o brasileiro que teve reconhecida outra nacionalida<strong>de</strong> por Estado estrangeiro,<br />

originariamente, em virtu<strong>de</strong> do ius sanguinis. Por exemplo: é o caso da Itália que<br />

reconhece aos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> seus nacionais a cidadania italiana. Os brasileiros <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> italianos que adquirem aquela nacionalida<strong>de</strong>, por meio do simples processo<br />

administrativo, não per<strong>de</strong>rão a nacionalida<strong>de</strong> brasileira, uma vez que se trata <strong>de</strong> mero<br />

reconhecimento <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> originária italiana, em virtu<strong>de</strong> do vínculo sanguíneo.<br />

Ostentarão, pois, dupla nacionalida<strong>de</strong>.<br />

Imposição <strong>de</strong> naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro resi<strong>de</strong>nte em Estado<br />

estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercido <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

civis. Em relação à interpretação do art. 12, § 4°, II, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é importante<br />

citar a <strong>de</strong>cisão do Ministro da Justiça Nelson Jobim, que adota integralmente o parecer<br />

da Dr4 Sandra Valle, Secretária <strong>de</strong> Justiça, “no sentido <strong>de</strong> que a perda da nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira não <strong>de</strong>ve ocorrer quando a aquisição da outra nacionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> imposição<br />

da norma estrangeira” .12 *Trata-se <strong>de</strong> hipótese em que uma brasileira adquiriu, por<br />

naturalização, a nacionalida<strong>de</strong> norte-americana, tendo sido instaurada contra a mesma<br />

processo <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong> brasileira, pelo Consulado Geral do Brasil em New<br />

York. Ocorre que a brasileira trabalhava nos Estados Unidos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o ano <strong>de</strong> 1975, tendo<br />

concluído curso <strong>de</strong> mestrado jurídico naquele país, além <strong>de</strong> ter contraído casamento com<br />

nacional americano, e necessitou adquirir a nacionalida<strong>de</strong> americana para seguir a carreira<br />

<strong>de</strong> promotora assistente da Promotoria <strong>de</strong> Justiça Fe<strong>de</strong>ral dos Estados Unidos. Além<br />

disso, sua condição <strong>de</strong> estrangeira inviabilizaria eventual herança <strong>de</strong>ixada por seu marido<br />

norte-americano, em face da excessiva tributação. Enten<strong>de</strong>u-se que a norma <strong>constitucional</strong><br />

procura, “assim, preservar a nacionalida<strong>de</strong> brasileira daquele que, por motivos <strong>de</strong> traba-<br />

1 N o sentido d o texto: CARVALHO, Aluísio Dar<strong>de</strong>au <strong>de</strong>. Nacionalida<strong>de</strong> e... Op. cit. p. 288; MELLO FILHO, José<br />

Celso. Constituição... Op. c it p. 406; M IR A N D A , Pontes <strong>de</strong>. Comentários... Op. cit. p. 541; FERREIRA, Pinto.<br />

Comentários... Op. c it v. 1, p. 282; REZEK, Francisco. A nacionalida<strong>de</strong> à luz da obra <strong>de</strong> Pontes <strong>de</strong> Miranda. RF,<br />

263/7; DOLINGER, Jacob. Comentários... Op. cit. p. 164. Contra, enten<strong>de</strong>ndo que a reaquisição da nacionalida<strong>de</strong><br />

(ex nunc) po<strong>de</strong>rá ocorrer p or <strong>de</strong>creto do Presi<strong>de</strong>nte da República (art. 36 da Lei nc 818/49), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o<br />

ex-brasileiro esteja dom iciliado no território nacional. Assim, se a condição originária era <strong>de</strong> brasileiro nato,<br />

voltará a ostentá-la, se p or contrário, fosse brasileiro naturalizado, retom ará a esta situação: SILVA, José Afonso.<br />

Curso... Op. c it p. 297; VAI.I.ADÁO, í laroldo. Direito internacional privado. R io <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1980.<br />

p. 160; M ARINH O , lim ar Penna. Tratado do estrangeiro no Brasil. R io d e Janeiro: Francisco Alves, 1909. p. 867.<br />

2 D espacho d o M inistro da Justiça N elson Jobim, 4-8-1995, processo nc 08000.009836/93-08, adotando<br />

integralm ente o parecer da Dr“ Sandra Valle, Secretária <strong>de</strong> Justiça.


Direito <strong>de</strong> Nacionalida<strong>de</strong> 2 3 7<br />

Iho, acesso aos serviços públicos, fixação <strong>de</strong> residência etc., praticamente se vê obrigado<br />

a adquirir a nacionalida<strong>de</strong> estrangeira, mas que, na realida<strong>de</strong>, jamais teve a intenção ou<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> abdicar <strong>de</strong> cidadania originária”, concluindo que “a perda só <strong>de</strong>ve ocorrer<br />

nos casos em que a vonta<strong>de</strong> do indivíduo é <strong>de</strong>, efetivamente, mudar <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>,<br />

expressamente <strong>de</strong>monstrada” .


Direitos Políticos<br />

7<br />

1 CONCEITO<br />

É o conjunto <strong>de</strong> regras que disciplina as formas <strong>de</strong> atuação da soberania popular,<br />

conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. São <strong>direito</strong>s públicos<br />

subjetivos que investem o indivíduo no status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício<br />

concreto da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação nos negócios políticos do Estado, <strong>de</strong> maneira a<br />

conferir os atributos da cidadania. Tradicional a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Pimenta Bueno:<br />

“...prerrogativas, atributos, faculda<strong>de</strong>s, ou po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> intervenção dos cidadãos ativos<br />

no governo <strong>de</strong> seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo<br />

a intensida<strong>de</strong> do gozo <strong>de</strong>sses <strong>direito</strong>s. São o Jus Civitatis, os <strong>direito</strong>s cívicos, que se<br />

referem ao Po<strong>de</strong>r Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou<br />

exercício da autorida<strong>de</strong> nacional, a exercer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> ou eleitor, o <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>putado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre<br />

o governo do Estado”.1<br />

Tais normas constituem um <strong>de</strong>sdobramento do princípio <strong>de</strong>mocrático inscrito no art.<br />

I o, parágrafo único, que afirma todo o po<strong>de</strong>r emanar do povo, que o exerce por meio <strong>de</strong><br />

representantes eleitos ou diretamente.12<br />

2 DIREITOS POLÍTICOS<br />

A soberania popular, conforme prescreve o art. 14, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para<br />

todos e, nos termos da lei,3 mediante: plebiscito; referendo; iniciativa popular. Po<strong>de</strong>mos,<br />

1 BUENO, Pim enta.Direito público brasileiro e análise da constituição do império. R io <strong>de</strong> Janeiro: N ova Edição,<br />

1958. p. 459.<br />

2 BARACHO, José A lfredo <strong>de</strong> Oliveira. Teoria geral da cidadania. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 3.<br />

3 Cf. Lei n2 9.709, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, qu e regulamentou o disposto nos incisos I, II e III do a rt. 14<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.


Direitos Políticos 239<br />

igualmente, incluir como exercício da soberania e pertencente aos <strong>direito</strong>s políticos do<br />

cidadão: ajuizamento <strong>de</strong> ação popular e organização e participação <strong>de</strong> partidos políticos.<br />

Assim, são <strong>direito</strong>s políticos:<br />

■<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio;<br />

• alistabilida<strong>de</strong> (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> votar em eleições, plebiscitos e referendos);<br />

• elegibilida<strong>de</strong>;<br />

• iniciativa popular <strong>de</strong> lei;<br />

• ação popular;<br />

• organização e participação <strong>de</strong> partidos políticos.<br />

3 NÚCLEO DOS DIREITOS POLÍTICOS - DIREITO DE SUFRÁGIO<br />

3.1 Conceituação<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio é a essência do <strong>direito</strong> político, expressando-se pela capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> eleger e <strong>de</strong> ser eleito. Assim, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio apresenta-se em seus dois aspectos:<br />

• capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> votar - alistabilida<strong>de</strong>)<br />

• capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> ser votado - elegibilida<strong>de</strong>).<br />

É importante ressaltar que os <strong>direito</strong>s políticos compreen<strong>de</strong>m o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio,<br />

como seu núcleo, e este, por sua vez, compreen<strong>de</strong> o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto.<br />

Como explica José Afonso da Silva,


2 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

“as palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimos. A Constituição,<br />

no entanto, dá-lhes sentidos diferentes, especialmente, no seu artigo 14,<br />

por on<strong>de</strong> se vê que o sufrágio é universal e o voto é direto e secreto e tem valor igual.<br />

A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo a vonta<strong>de</strong> num<br />

processo <strong>de</strong>cisório. Escrutínio é outro termo com que se confun<strong>de</strong>m as palavras<br />

sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo <strong>de</strong> participação do povo no<br />

governo, expressando: um, o <strong>direito</strong> (sufrágio), outro, o seu exercício (o voto), e<br />

o outro, o modo <strong>de</strong> exercício (escrutínio)”.1<br />

O s iífrágio “ é um <strong>direito</strong> público subjetivo <strong>de</strong> natureza política, que tem o cidadão <strong>de</strong><br />

eleger, ser eleito e <strong>de</strong> participar da organização e da ativida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r estatal”.<br />

Dessa forma, por meio do sufrágio o conjunto <strong>de</strong> cidadãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado Estado<br />

escolherá as pessoas que irão exercer as funções estatais, mediante o sistema representativo<br />

existente em um regime <strong>de</strong>mocrático.<br />

3.2 Classificação<br />

A doutrina classifica o sufrágio, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua abrangência, em universal ou<br />

restrito (qualificativo).<br />

O sufrágio é universal quando o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> votar é concedido a todos os nacionais,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> nascimento, econômicas, culturais12 ou<br />

outras condições especiais, não pa<strong>de</strong>cendo, como relembra Pedro Henrique Távora Niess,<br />

“do mal da discriminação, pois é conferido pela Constituição brasileira in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> solicitação econômica, qualificação pessoal ou qualquer outra exigência,<br />

não obstante condicionado ao preenchimento <strong>de</strong> certos requisitos, como<br />

é necessário”.<br />

Ressalte-se que a existência <strong>de</strong> requisitos <strong>de</strong> forma (necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alistamento eleitoral)<br />

e fundo (nacionalida<strong>de</strong>, ida<strong>de</strong> mínima, por exemplo), não retiram a universalida<strong>de</strong><br />

do sufrágio.<br />

O sufrágio, por outro lado, será restrito quando o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto é concedido em<br />

virtu<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas condições especiais possuídas por alguns nacionais.<br />

O sufrágio restrito po<strong>de</strong>rá ser censitário, quando o nacional tiver que preencher qualificação<br />

econômica3 (renda, bens etc.), ou capacitário, quando necessitar apresentar alguma<br />

característica especial (natureza intelectual, por exemplo).<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso... O p. d t p. 309.<br />

2 N ã o foi com a CF/88 q u e os analfabetos adquiriram o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> eleger seus representantes. Com a Emenda<br />

Constitucional nQ25, <strong>de</strong> 15-5-1985, os analfabetos passaram a ter acesso, em bora lim itado, à cidadania. Pu<strong>de</strong>ram<br />

alistar-se com o eleitores em qualquer eleição, e, nessa condição, passaram a exercer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, através<br />

do voto. Os analfabetos, contudo, permaneceram privados da capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva, o que significa que<br />

não po<strong>de</strong>ríam disputar qualquer cargo eletivo.<br />

3 Por exemplo: CF/1891, art. 70, § 1°, item 1; CF/1934, art. 108, parágrafo único, c: expressamente excluíam<br />

os mendigos do <strong>direito</strong> d e sufrágio.


Direitos Políticos 2 4 1<br />

4 CAPACIDADE ELEITORAL ATIVA<br />

A capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa consiste em forma <strong>de</strong> participação da pessoa na <strong>de</strong>mocracia<br />

representativa, por meio da escolha <strong>de</strong> seus mandatários.<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto é o ato fundamental para o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio e manifesta-se<br />

tanto em eleições quanto em plebiscitos e referendos.<br />

A aquisição dos <strong>direito</strong>s políticos faz-se mediante alistamento, que é condição <strong>de</strong><br />

elegibilida<strong>de</strong>, assim, a qualificação <strong>de</strong> uma pessoa, perante o órgão da Justiça Eleitoral,<br />

inscrevendo-se como eleitor, garante-lhe o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> votar.<br />

No Brasil, o alistamento eleitoral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da iniciativa do nacional que preencha<br />

os requisitos, não havendo inscrição ex officio por parte da autorida<strong>de</strong> judicial eleitoral.<br />

O alistamento eleitoral consiste em procedimento administrativo, instaurado perante<br />

os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, visando à verificação do cumprimento dos<br />

requisitos constitucionais e das condições legais necessárias à inscrição como eleitor.<br />

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores <strong>de</strong> 18 anos; e facultativos<br />

para os analfabetos, os maiores <strong>de</strong> 70 anos e os maiores <strong>de</strong> 16 e menores <strong>de</strong> 18 anos.<br />

Apesar da obrigatorieda<strong>de</strong> do alistamento eleitoral nessas hipóteses, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, apontando “aparente ofensa aos postulados da proporcionalida<strong>de</strong> e da razoabilida<strong>de</strong>”,<br />

enten<strong>de</strong>u a <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> da apresentação do título <strong>de</strong> eleitor no dia da votação,<br />

afirmando que “somente a ausência <strong>de</strong> documento oficial <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com fotografia<br />

trará obstáculo ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto”, ou seja, “que a apresentação do título <strong>de</strong><br />

eleitor, nos mol<strong>de</strong>s estabelecidos hoje, não oferecería garantia <strong>de</strong> lisura nesse momento<br />

crucial <strong>de</strong> revelação da vonta<strong>de</strong> do eleitorado e que as experiências das últimas eleições<br />

<strong>de</strong>monstrariam maior confiabilida<strong>de</strong> na i<strong>de</strong>ntificação aferida com base em documentos<br />

oficiais <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com foto”.1<br />

Observe-se que nossa Corte Suprema manteve a obrigatorieda<strong>de</strong> do alistamento eleitoral<br />

como requisito para o exercício do voto, porém, dispensou seu porte obrigatório no dia<br />

da eleição, po<strong>de</strong>ndo ser substituído por documento oficial <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> com fotografia.<br />

Além disso, a constituição <strong>de</strong>termina que não po<strong>de</strong>m alistar-se como eleitores os<br />

estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos.<br />

O conceito <strong>de</strong> conscrito esten<strong>de</strong>-se aos médicos, <strong>de</strong>ntistas, farmacêuticos e veterinários<br />

que prestam serviço militar obrigatório a teor da Lei na 5.292/67, com as alterações<br />

das Leis n“ 7.264, <strong>de</strong> 1984, e 12.336, <strong>de</strong> 2010. Também aos que prestam serviço militar<br />

na condição <strong>de</strong> prorrogação <strong>de</strong> engajamento inci<strong>de</strong>m restrições da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

com base no art. 14, § 2a.12<br />

Em relação aos índios, <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral que<br />

“a atual or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>, ao ampliar o <strong>direito</strong> à participação política dos<br />

cidadãos, restringindo o alistamento somente aos estrangeiros e aos conscritos,<br />

enquanto no serviço militar obrigatório, e o exercício do voto àqueles que tenham<br />

suspensos seus <strong>direito</strong>s políticos, assegurou-os, em caráter facultativo, a todos os<br />

1 STF - P l e n o - ADI 446 7M C / D F - R ei. M in . Ellen G ra<strong>de</strong>, 29 e 30-9-2010.<br />

2 Resolução TSE n ° 15.850, R ei.M in . Roberto Rosas.


2 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

indígenas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da categorização estabelecida na legislação especial<br />

infran<strong>constitucional</strong> anterior, observadas as exigências <strong>de</strong> natureza <strong>constitucional</strong><br />

e eleitoral pertinentes à matéria, como a nacionalida<strong>de</strong> brasileira e a ida<strong>de</strong><br />

mínima”, exigindo que “para o ato <strong>de</strong> alistamento, faculta-se aos indígenas que<br />

não disponham do documento <strong>de</strong> registro civil <strong>de</strong> nascimento a apresentação do<br />

congênere administrativo expedido pela Fundação Nacional do índio (FUNAI)” .1<br />

5 D IR ETO DEVOTO<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, no tocante ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> eleger (capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa) é<br />

exercido por meio do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto, ou seja, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto é o instrumento <strong>de</strong> exercício<br />

do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio.<br />

5.1 Natureza do voto<br />

O voto é um <strong>direito</strong> público subjetivo, sem, contudo, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser uma função política<br />

e social <strong>de</strong> soberania popular na <strong>de</strong>mocracia representativa. Além disso, aos maiores <strong>de</strong><br />

18 e menores <strong>de</strong> 70 anos é um <strong>de</strong>ver, portanto, obrigatório.<br />

Assim, a natureza do voto também se caracteriza por ser um <strong>de</strong>ver sociopolítico, pois<br />

o cidadão tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> manifestar sua vonta<strong>de</strong>, por meio do voto, para a escolha <strong>de</strong><br />

governantes em um regime representativo.<br />

5.2 Caracteres do voto<br />

O voto, que será exercido <strong>de</strong> forma direta, apresenta diversas características constitucionais:<br />

personalida<strong>de</strong>, obrigatorieda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>, sigüosida<strong>de</strong>, igualda<strong>de</strong>, periodicida<strong>de</strong>.<br />

PERSONALIDADE: o voto só po<strong>de</strong> ser exercido pessoalmente. Não há possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se outorgar procuração para votar. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do eleitor é verificada pela exibição<br />

do título <strong>de</strong> eleitor, ou qualquer documento oficial com fotografia.12<br />

A personalida<strong>de</strong> é essencial para se verificar a sincerida<strong>de</strong> e autenticida<strong>de</strong> do voto.<br />

OBRIGATORIEDADE FORMAL DO COMPARECIMENTO: em regra, existe a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

do voto, salvo aos maiores <strong>de</strong> 70 anos e aos menores <strong>de</strong> 18 e maiores <strong>de</strong> 16.<br />

Consiste em obrigar o cidadão ao comparecimento às eleições, assinando uma folha <strong>de</strong><br />

presença e <strong>de</strong>positando seu voto na urna, havendo inclusive uma sanção (multa) para<br />

sua ausência. Em virtu<strong>de</strong>, porém, <strong>de</strong> sua característica <strong>de</strong> secreto, não se po<strong>de</strong> exigir que<br />

o cidadão, efetivamente, vote.<br />

LIBERDADE: manifesta-se não apenas pela preferência a um candidato entre os<br />

que se apresentam, mas também pela faculda<strong>de</strong> até mesmo <strong>de</strong> <strong>de</strong>positar uma cédula em<br />

branco na urna ou em anular o voto. Essa liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser garantida, e, por esta razão,<br />

1 TSE, PA - Processo Administrativo nfi 180681 - Curitiba/PR, Acórdão <strong>de</strong> 6-12-2011, Rei. Min. Fátima Nancy<br />

Andrigui, DJe 8-3-2012.<br />

2 S T F - A D I 4.467-MC, Rei. Min. Ellen Gracie, julgam ento em 30-9-2010, Plenário, DJE <strong>de</strong> 1 u-6-2011


Direitos Políticos 2 4 3<br />

a obrigatorieda<strong>de</strong> já analisada não po<strong>de</strong> significar senão o comparecimento do eleitor, o<br />

<strong>de</strong>pósito da cédula na urna e a assinatura da folha individual <strong>de</strong> votação. Como salienta<br />

Pedro Henrique Távora Niess,<br />

“em <strong>de</strong>fesa da prevalência <strong>de</strong>ssa liberda<strong>de</strong>, não passível <strong>de</strong> elisão pela renúncia<br />

- que a afetaria na essência, tornando-a extremamente vulnerável -, é que o Judiciário<br />

inadmite a valida<strong>de</strong> do voto i<strong>de</strong>ntificável”.1<br />

SIGILOSIDADE: o Código Eleitoral exige cabine in<strong>de</strong>vassável, para garantir o sigilo<br />

do voto. O segredo do voto consiste em que não <strong>de</strong>ve ser revelado nem por seu autor nem<br />

por terceiro fraudulentamente.<br />

O sigilo do voto <strong>de</strong>verá ser garantido mediante algumas providências legais, tais como:<br />

uso <strong>de</strong> cédulas oficiais, que impossibilitam o reconhecimento do eleitor; isolamento do<br />

eleitor em cabine in<strong>de</strong>vassável, para assinalar, em segredo, o candidato <strong>de</strong> sua preferência;<br />

verificação da autenticida<strong>de</strong> da cédula oficial, à vista das rubricas dos mesários emprego<br />

<strong>de</strong> urna que assegure a inviolabilida<strong>de</strong> do sufrágio e seja suficientemente ampla para que<br />

não se acumulem as cédulas na or<strong>de</strong>m em que forem introduzidas pelo próprio eleitor,<br />

não se admitindo que outro o faça (Código Eleitoral, art. 103 do Código Eleitoral).<br />

As Constituições brasileiras <strong>de</strong> 1824 (art. 91 ss), 1891 (art. 70), 1934 (art. 109),<br />

1937 (art. 117),nãopreviamemseustextos o voto secreto, que passou a ser consagrado<br />

no texto <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> 1946 (art. 134).<br />

Ressalte-se, ainda, que na hipótese d e votação por meio <strong>de</strong> umas eletrônicas, sempre<br />

haverá a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir-se, por meio <strong>de</strong> correto programa computadorizado, não<br />

só o total sigilo do voto como também a possibilida<strong>de</strong> do eleitor optar pelo voto em branco<br />

ou pelo voto nulo, a fim <strong>de</strong> resguardar-se a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em proteção à sigilosida<strong>de</strong> do voto, enten<strong>de</strong>u in<strong>constitucional</strong><br />

o art. 5a da Lei na 12.034/02, que permitia a impressão no processo <strong>de</strong> votação,<br />

afirmando que<br />

“a exigência legal do voto impresso no processo <strong>de</strong> votação, contendo número<br />

<strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação associado à assinatura digital do eleitor, vulnera o segredo do<br />

voto, garantia <strong>constitucional</strong> expressa. A garantia da inviolabilida<strong>de</strong> do voto põe<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se garantir ser impessoal o voto para garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

manifestação, evitando-se qualquer forma <strong>de</strong> coação sobre o eleitor. A manutenção<br />

da uma em aberto põe em risco a segurança do sistema, possibilitando frau<strong>de</strong>s,<br />

impossíveis no atual sistema, o qual se harmoniza com as normas constitucionais<br />

<strong>de</strong> garantia do eleitor.”12<br />

No julgamento <strong>de</strong> mérito, ao <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o<br />

voto digital ser impresso e <strong>de</strong>positado em urna lacrada, o STF <strong>de</strong>stacou que “a inviolabilida<strong>de</strong><br />

e o segredo do voto suporiam a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter, no exercício do voto ou<br />

no próprio voto, qualquer forma <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificação pessoal.”3<br />

1 NIESS, P ed ro Henrique Távora. Direitos políticos: condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> e inelegibilida<strong>de</strong>. São Paulo:<br />

Saraiva, 1994. p. 3.<br />

2 S T F -A D I 4.543-MC, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgam ento em 3-11-2011, Plenário. D.IF, <strong>de</strong> 2-3-2012.<br />

3 STF, Pleno, A D I 4543/DF, Rei. M in. Cármen Lúcia, 6-11-2013.


2 4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

DIRETO: os eleitores elegerão, no exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, por meio do voto<br />

(instrumento), por si, sem intermediários, seus representantes e governantes. Discordamos<br />

<strong>de</strong> José Afonso da Silva que afirma que essa é uma regra sem exceções,1 pois a própria<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, excepcionalmente, no art. 81, § 2a, uma espécie <strong>de</strong> eleição<br />

indireta para o cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República. Assim, vagando os cargos <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

e Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República, nos últimos dois anos do período presi<strong>de</strong>ncial, far-se-á<br />

nova eleição para ambos os cargos, em 30 dias <strong>de</strong>pois da última vaga, pelo Congresso Nacional,<br />

na forma da lei. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão da<br />

Constituição estadual <strong>de</strong> eleições indiretas para o provimento dos cargos <strong>de</strong> Governador<br />

e Vice-Govemador, nos mesmos mol<strong>de</strong>s da previsão da Carta Magna, ap>esar do <strong>de</strong>staque<br />

feito p>elo relator da inaplicabilida<strong>de</strong> obrigatória do princípio da simetria.12<br />

PERIODICIDADE: o art. 60, § 4a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é garantia da temporarieda<strong>de</strong><br />

dos mandatos, uma vez que a <strong>de</strong>mocracia representativa prevê e exige existência <strong>de</strong><br />

mandatos com prazo <strong>de</strong>terminado.<br />

IGUALDADE: todos os cidadãos têm o mesmo valor no processo eleitoral, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> sexo, cor, credo, ida<strong>de</strong>, p>osição intelectual, social ou situação econômica.<br />

ONE MAN, ONE VOTE.<br />

6 PLEBISCITO E REFERENDO: EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê expressamente que uma das formas <strong>de</strong> exercício da<br />

soberania popular será por meio da realização direta <strong>de</strong> consultas populares, mediante<br />

plebiscitos e referendos (CF, art. 14, caput), disciplinando, ainda, que caberá privativamente<br />

ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscitos (CF, art. 49),<br />

salvo, por óbvio, quando a própria Constituição expressamente <strong>de</strong>terminar (por exemplo:<br />

art. 18, §§ 3a e 4a; art. 2a, Ato Constitucional das Disposições Transitórias).<br />

Em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico-<strong>constitucional</strong> essas duas formas <strong>de</strong> participação<br />

popular nos negócios do Estado divergem, basicamente, em virtu<strong>de</strong> do momento <strong>de</strong> suas<br />

realizações.<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 319.<br />

2 STF - Pleno - AD I 4298-MC/TO e ADI 4309-MC/TO - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 7-10-2009.<br />

3 A Lei nQ9.709, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, regulamentou a execução dos plebiscitos e referendos. Em 11 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2011, foram realizados dois plebiscitos no Estado do Pará com consultas sobre a hipótese <strong>de</strong> “<strong>de</strong>smembram<br />

ento formação” , para que os eleitores paraenses <strong>de</strong>cidissem sobre a criação ou não dos novos Estados<br />

<strong>de</strong> Carajás e Tapajós, a serem formados a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>smembramento territorial do Estado do Pará. Ampla maioria<br />

(2/3) <strong>de</strong>cidiu pela manutenção do Estado do Pará com sua atual conformação. Sobre a organização do Plebiscito,<br />

consultar: Resolução TSE na 23.347 (organização), Resolução na 23.348 (sobre a arrecadação e a aplicação <strong>de</strong><br />

recursos e sobre prestações <strong>de</strong> contas nos plebiscitos do Estado do Pará), Resolução na 23.350 (sobre pesquisas<br />

eleitorais), Resolução n° 23.351 (sobre os formulários a serem utilizados), Resolução na 23.352 (sobre representações,<br />

reclamações e pedidos <strong>de</strong> resposta relativos aos plebiscitos no Estado do Pará), Resolução n° 2 3.35 5 (sobre<br />

cerimônia <strong>de</strong> assinatura digital e fiscalização do sistema eletrônico <strong>de</strong> votação), todas relatadas pelo Ministro<br />

Arnaldo Versiani.


Direitos Políticos 245<br />

Enquanto o plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no g o zo <strong>de</strong> seus<br />

<strong>direito</strong>s políticos, sobre <strong>de</strong>terminada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso<br />

Nacional,1 o referendo consiste em uma consulta posterior sobre <strong>de</strong>terminado ato<br />

governamental para ratificá-lo, ou no sentido <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r-lhe eficácia (condição suspensiva),<br />

ou, ainda, para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva).12<br />

Saliente-se, novamente, que p or se tratar <strong>de</strong> exercício da soberania, somente àqueles<br />

que <strong>de</strong>tiverem capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa será permitido participar <strong>de</strong> ambas as consultas.<br />

7 ELEGIBILIDADE<br />

7.1 Conceito<br />

Elegibilida<strong>de</strong> é a capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva consistente na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o cidadão<br />

pleitear <strong>de</strong>terminados mandatos políticos, mediante eleição popular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

preenchidos certos requisitos.<br />

7.2 Condições<br />

Não basta possuir capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa (ser eleitor) para adquirir a capacida<strong>de</strong><br />

eleitoral passiva (po<strong>de</strong>r ser eleito). A elegibilida<strong>de</strong> adquire-se por etapas segundo faixas<br />

etárias (art. 14, § 3a, VI, a até d).<br />

1 O art. 2D, § 1D, da Lei n ° 9.709/98 <strong>de</strong>finiu que “ o plebiscito é convocado com anteriorida<strong>de</strong> a ato legislativo<br />

ou adm inistrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou <strong>de</strong>n egar o que lhe tenha sido subm etido” .<br />

2 O art. 2D, § 2D, da Lei n ° 9.709/98 <strong>de</strong>fin iu que “ o referen do é convocado com posteriorida<strong>de</strong> a ato legislativo<br />

ou adm inistrativo, cum prindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeiçã o”. Em relação à regu lam en tação do<br />

referendo sobre o <strong>de</strong>sarmamento: TSE - Consulta nQ1 .1 7 2 / D F -R el. M in. Luiz Carlos M a<strong>de</strong>ira, D iário da Justiça,<br />

Seção I, 20 set. 2005, p. 96.


2 4 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, para que alguém possa concorrer a um mandato eletivo, torna-se necessário<br />

que preencha certos requisitos gerais, <strong>de</strong>nominados condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>, e não incida<br />

numa das inelegibilida<strong>de</strong>s, que consistem em impedimentos à capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva.<br />

São condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> (Cf, art. 14, § 3a) : 1<br />

■<br />

Nacionalida<strong>de</strong> brasileira o u condição <strong>de</strong> português equiparado: só o nacional<br />

e o português equiparado têm acesso ao alistamento, que é pressuposto<br />

necessário para a capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva. A constituição, p>orém, reservou<br />

para alguns cargos (CF, art. 12, § 3a) a exigência da nacionalida<strong>de</strong> originária.<br />

• Pleno exercício dos <strong>direito</strong>s políticos: aquele que teve suspenso ou p>er<strong>de</strong>u<br />

seus <strong>direito</strong>s polí ticos não exercerá a capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva.<br />

• Alistamento eleitoral: comprovado p>ela inscrição eleitoral obtida no juízo<br />

eleitoral do domicílio do alistando, e p>or parte do candidato, com o seu título<br />

<strong>de</strong> eleitor.<br />

• Domicílio eleitoral na circunscrição: o eleitor <strong>de</strong>ve ser domiciliado no local<br />

pelo qual se candidata, por p>eríodo que será estabelecido pela legislação infra<strong>constitucional</strong>.<br />

■<br />

Filiação partidária: ninguém po<strong>de</strong> concorrer avidso sem partido político (CF,<br />

art. 17). A capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva exige prévia filiação partidária, uma<br />

vez que a <strong>de</strong>mocracia representativa consagrada pela Constituição <strong>de</strong> 1988<br />

inadmite candidaturas que não apresentem a intermediação <strong>de</strong> agremiações<br />

políticas constituídas na forma do art. 17 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Saliente-se<br />

que, em face da exigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> filiação partidária para o exercício <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong><br />

político (elegibilida<strong>de</strong>), há <strong>de</strong> ser assegurado a todos o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> livre acesso<br />

aos partidos, sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> requisitos discriminatórios e<br />

arbitrários. Conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, “a prova<br />

<strong>de</strong> filiação partidária dá-se pelo cadastro eleitoral, não se sobrepondo, a este,<br />

o ato unilateral da parte interessada. Cumpre ao Partido Político encaminhar<br />

à Justiça Eleitoral para arquivamento, publicação e cumprimento dos prazos<br />

<strong>de</strong> filiação, objetivando a candidatura - a relação dos filiados na respectiva<br />

zona eleitoral”.12<br />

Alguns países possibilitam a apresentação <strong>de</strong> candidaturas presi<strong>de</strong>nciais diretamente<br />

aos cidadãos e não aos partidos (por exemplo: Constituição da República<br />

Portuguesa, art. 127).<br />

E m relação aos partidos políticos, o art. 17 d a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece<br />

que é livre a criação, fusão, incorporação e extinção <strong>de</strong> partidos políticos, resguardados<br />

a soberania nacional, o regime <strong>de</strong>mocrático, o pluripartidarismo, os<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais da pessoa e observados os seguintes preceitos: caráter<br />

nacional; proibição <strong>de</strong> recebimento <strong>de</strong> recursos financeiros <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> ou<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o TSE, “as condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> e as causas <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser aferidas ao<br />

tempo da eleição. Prece<strong>de</strong>ntes: Acórdãos nS518.847 e 647” (TSE - AgR egA I ne 4.598/PI - Rei. Min. Fernando<br />

Neves, Diário da Justiça, Seção 1 ,13-8-2004, p. 401).<br />

2 TS E - P le n o - R ec u rso E sp ecia l E le ito ra l 3 0 9 1 -2 3 / S P - R e i. M in . M a rc o A u ré lio , DJe, 1 3-9 -2011.


Direitos Políticos 247<br />

governo estrangeiros ou <strong>de</strong> subordinação a estes; prestação <strong>de</strong> contas à Justiça<br />

Eleitoral; funcionamento parlamentar <strong>de</strong> acordo com a lei.<br />

A lei ordinária fixará o prazo <strong>de</strong> filiação partidária antes do pleito eleitoral,1a<br />

fim <strong>de</strong> que o cidadão torne-se elegível.12<br />

Além disso, assegura-se aos partidos políticos autonomia para <strong>de</strong>finir sua estrutura<br />

interna, organização e funcionamento, <strong>de</strong>vendo seus estatutos estabelecer<br />

normas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e disciplina partidárias.<br />

Os partidos políticos, após adquirirem personalida<strong>de</strong> jurídica, na forma da lei<br />

civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral, tendo <strong>direito</strong> a<br />

recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma<br />

da lei.<br />

Por fim, a constituição veda a utilização pelos partidos políticos <strong>de</strong> organização<br />

paramilitar.<br />

• Ida<strong>de</strong> mínima: Enten<strong>de</strong>mos que a ida<strong>de</strong> mínima, por ser condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>verá ser preenchida na data do certame eleitoral e não do alistamento,<br />

do registro ou da posse.3 Ocorre, porém, que o § 2o, do art. 11, da Lei no<br />

9.504/97, estabeleceu como prazo fatal para completar a ida<strong>de</strong> mínima a data<br />

<strong>de</strong> posse, e não o momento da eleição,4 passando a ser o posicionamento do<br />

Tribunal Superior Eleitoral.5 Em que pese, portanto, o atual entendimento <strong>de</strong><br />

que esse requisito <strong>de</strong>ve ser atendido até a data da posse, posicionamo-nos pela<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do dispositivo legal, pois as condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vem ser verificadas no dia do pleito eleitoral, quando o eleitor escolherá seu<br />

candidato. A Constituição estabelece, claramente, o requisito da ida<strong>de</strong> mínima<br />

como condição para que o candidato possa ser escolhido pelo eleitorado - fato<br />

esse que ocorre na data do pleito eleitoral -, e não como condição <strong>de</strong> posse.6<br />

35 anos para presi<strong>de</strong>nte e vice-presi<strong>de</strong>nte da República e senador;<br />

30 anos para governador e vice-governador <strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral;<br />

1 Atualm ente, “d e acordo com a lei e a jurisprudência <strong>de</strong>ste Tribunal, d eve ser observado o prazo m ínim o <strong>de</strong><br />

um ano <strong>de</strong> filiação ao partido pelo qual se preten<strong>de</strong> concorrer a cargo eletivo” (TSE - Pleno - C T n2 1.197/DF<br />

- Rei. Min. Cesar A sfor Rocha, Diário du Justiça, Seção 1,22jun. 2006, p. 52).<br />

2 C onform e <strong>de</strong>cidiu o Tribunal S uperior E leitoral: “M agistrados e membros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas, por<br />

estarem submetidos à vedação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> filiação partidária, estão dispensados <strong>de</strong> cumprir o prazo <strong>de</strong><br />

filiação fixado em lei ordinária, <strong>de</strong>vendo satisfazer tal condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> até.seis meses antes das eleições,<br />

prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização estabelecido pela Lei Complementar n2 64/90” (TSE - Pleno - Consulta n2 353/<br />

DF - ReL Min. Costa Leite, Diário da Justiça, Seção I, 21 out. 1997, p. 53.430).<br />

3 Nesse sentido, Resolução/TSE n2 14.371, <strong>de</strong> 1994 (R ei. Ministro Marco A u rélio): “ Relativam ente à elegibilida<strong>de</strong>,<br />

os prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte assentam que a ida<strong>de</strong> mínima há que estar atendida na data do certam e<br />

eleitoral e não do alistamento ou mesmo na do registro” - Resolução n2 16.468, <strong>de</strong> 10-5-90, Rei. Min. Bueno <strong>de</strong><br />

Souza, Diário da Justiça, 7ju n. 1990 e A córdão n2 4.617, prolatado no Recurso n° 3.420-GO, Rei. Min. Antonio<br />

Ne<strong>de</strong>r, d e 2 out. 1970, BE n° 231, p. 219.<br />

4 Nesse sentido: CÂNDIDO, Joel J.Inelegibilida<strong>de</strong>s no <strong>direito</strong> brasileiro. Bauru: Edipro, 1999. p. 95.<br />

5 T S E -A g R e g A I ns 4.598/PI - Rei. M in. Fernando Neves, Diário da Justiça, Seção 1 ,1 3ago. 2004, p. 401.<br />

6 Cf. nesse mesmo sentido: NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos. 2. ed. Bauru: Edipro, 2000. p.<br />

95; NASCIM ENTO, Tupinambá M iguel Castro. Lineamentos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> eleitoral. São Paulo: Síntese, 1996. p. 63.


2 4 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

21 anos para <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>putado estadual ou distrital, prefeito, vice-<br />

-prefeito e juiz <strong>de</strong> paz;<br />

18 anos para vereador.<br />

8 DIREITOS POLÍTICOS NEGATIVOS<br />

8.1 Conceito<br />

Os <strong>direito</strong>s políticos negativos correspon<strong>de</strong>m às previsões constitucionais que restringem<br />

o acesso do cidadão à participação nos órgãos governamentais, por meio <strong>de</strong><br />

impedimentos às candidaturas.<br />

Divi<strong>de</strong>m-se em regras sobre inelegibilida.<strong>de</strong> e normas sobre perda e suspensão dos<br />

<strong>direito</strong>s políticos.<br />

8.2 Inelegibilida<strong>de</strong>s<br />

A inelegibilida<strong>de</strong> consiste na ausência <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva, ou seja, da<br />

condição <strong>de</strong> ser candidato e, consequentemente, po<strong>de</strong>r ser votado, constituindo-se, portanto,<br />

em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania. Sua finalida<strong>de</strong> é proteger<br />

a normalida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong> das eleições contra a influência do po<strong>de</strong>r econômico ou<br />

do abuso do exercício <strong>de</strong> função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta,<br />

conforme expressa previsão <strong>constitucional</strong> (art. 14, § 9a).<br />

A Constituição estabelece, diretamente, vários casos <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s no art. 14,<br />

§§ 4a a 7-, normas estas <strong>de</strong> eficácia plena e aplicabilida<strong>de</strong> imediata, além <strong>de</strong> permitir que<br />

lei complementar estabeleça outros casos (CF, art. 14, § 9a), pois, conforme afirmado pelo<br />

Tribunal Superior Eleitoral, “as restrições que geram inelegibilida<strong>de</strong>s são <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong><br />

estrita, vedada interpretação extensiva”.1A lei complementar correspon<strong>de</strong>nte é a LC na<br />

64/90, com a mesma finalida<strong>de</strong> acima <strong>de</strong>scrita.<br />

TSE - Pleno - Recurso Ordinário 2514-57/AM - ReL Min. Gilson Dipp, D J e <strong>de</strong> 28-10 -20 11.


Direitos Políticos 2 4 9<br />

8.3 Quadro <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s<br />

Absoluta<br />

Inalistáveis<br />

Analfabetos<br />

Estrangeiros<br />

Conscritos<br />

Inelegibilida<strong>de</strong><br />

Motivos funcionais<br />

para o mesmo cargo (reeleição)<br />

para outros cargos<br />

(<strong>de</strong>sincompatibilização)<br />

Relativa<br />

Cônjuge/parentesco/<br />

afinida<strong>de</strong><br />

Militares<br />

Inelegibilida<strong>de</strong> reflexa<br />

Menos <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> serviço<br />

Mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> serviço<br />

Legais<br />

Lei Complementar n“ 64/90<br />

8.4 Inelegibilida<strong>de</strong> absoluta<br />

A inelegibilida<strong>de</strong> absoluta consiste em impedimento eleitoral para qualquer cargo<br />

eletivo. O indivíduo que se encontrar em uma das situações <strong>de</strong>scritas pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral como <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> absoluta não po<strong>de</strong>rá concorrer a eleição alguma, ou seja,<br />

não po<strong>de</strong>rá pleitear nenhum mandato eletivo. Refere-se, pois, à <strong>de</strong>terminada característica<br />

da pessoa que preten<strong>de</strong> candidatar-se, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido.<br />

A inelegibilida<strong>de</strong> absoluta é excepcional e somente po<strong>de</strong> ser estabelecida, taxativ amente,<br />

pela própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

São os seguintes casos:<br />

• Inalistáveis: a elegibilida<strong>de</strong> tem como pressuposto a alistabilida<strong>de</strong> (capacida<strong>de</strong><br />

eleitoral ativa); assim, todos aqueles que não po<strong>de</strong>m ser eleitores, não po<strong>de</strong>rão<br />

ser candidatos.<br />

• Analfabetos: apesar da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alistamento eleitoral e do exercício do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto, o analfabeto não possui capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva.1<br />

1 Conforme <strong>de</strong>cidiu o TSE, “a Carteira Nacional <strong>de</strong> Habilitação para dirigir gera presunção <strong>de</strong><br />

escolarida<strong>de</strong> necessária ao <strong>de</strong>ferimento do registro da candidatura” (Agravo Regimental no Recurso<br />

Ordinário 4459-25/CE, Rei. Min. Marco Aurélio, D J e , 13-9 -20 11).


2 5 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

8.5 Inelegibilida<strong>de</strong> relativa<br />

As inelegibilida<strong>de</strong>s relativas, diferentemente das anteriores, não estão relacionadas<br />

com <strong>de</strong>terminada característica pessoal daquele que preten<strong>de</strong> candidatar-se, mas constituem<br />

restrições à elegibilida<strong>de</strong> para certos pleitos eleitorais e <strong>de</strong>terminados mandatos,<br />

em razão <strong>de</strong> situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão.<br />

O relativamente inelegível possui elegibilida<strong>de</strong> genérica, porém, especificamente em<br />

relação a algum cargo oufunção eletiva, no momento da eleição, não po<strong>de</strong>rá candidatar-se.<br />

A inelegibilida<strong>de</strong> relativa po<strong>de</strong> ser dividida em:<br />

• por motivos funcionais;<br />

• por motivos <strong>de</strong> casamento, parentesco ou afinida<strong>de</strong>;<br />

• dos militares;<br />

• previsões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal.<br />

8.5.1 Por motivos funcionais<br />

A. Para o m esm o cargo (CF, art. 14, § 5® - com redação dada pela Emenda<br />

Constitucional n° 16, <strong>de</strong> 4-6-1997)<br />

A Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, alterou tradição histórica do <strong>direito</strong><br />

<strong>constitucional</strong> brasileiro instituindo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição para o chefe do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo fe<strong>de</strong>ral, estadual, distrital e municipal.<br />

Des<strong>de</strong> a primeira Constituição republicana, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891, até a atual<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> 1988, o sistema político-<strong>constitucional</strong> brasileiro jamais admitiu<br />

a possibilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandado executivo se candidatar a reeleição.<br />

O art. 43 da Constituição <strong>de</strong> 1891 estabelecia que “o Presi<strong>de</strong>nte exercerá o cargo por<br />

quatro annos, não po<strong>de</strong>ndo ser reeleito para o período presi<strong>de</strong>ncial immediato”. Comentando<br />

esse dispositivo, e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo o posicionamento do constituinte da época, Rui<br />

Barbosa colocava-se contra o instituto da reeleição e ensinava que “<strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos mais<br />

longínquos da evolução política da humanida<strong>de</strong>, uma das características da forma republicana<br />

começou a ser, com poucas excepções explicadas pela contingência acci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong><br />

certos factos ou meios sociaes, a limitação, rigorosamente temporária, do po<strong>de</strong>r do Chefe<br />

da Nação, contraposta a duração, ordinariamente por toda a vidahumana, da supremacia<br />

do sobernado nas Monarchias”, para concluir que “<strong>de</strong>sta noção tem resultado, não somente<br />

ser restricto a um curto prazo o termo <strong>de</strong> exercício da primeira magistratura, senão também<br />

vedar-se a reeleição do que ocupa, receiando-se que a faculda<strong>de</strong> contrária importe<br />

em <strong>de</strong>ixar ao Chefe do Estado aberta a porta à perpetuida<strong>de</strong> no gozo da soberania”.1<br />

Esse posicionamento foi seguindo por todas as <strong>de</strong>mais previsões constitucionais.<br />

A previsão da Constituição <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1934, em seu art. 52, estabelecia que<br />

“o período presi<strong>de</strong>ncial durará um quadriennio, não po<strong>de</strong>ndo o Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

1 BARBOSA, Ruy. Commentários à constituição fe<strong>de</strong>ral brasileira. São Paulo: Saraiva, 1933. p. 162. v. 3.


Direitos Políticos 251<br />

ser reeleito senão quatro annos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cessada a sua função, qualquer que tenha sido<br />

a duração <strong>de</strong>sta”.<br />

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1937, apesar <strong>de</strong><br />

não se referir expressamente a possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> reeleição do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

regulamentava nos arts. 82 ss a sucessão presi<strong>de</strong>ncial, estabelecendo que a única<br />

prerrogativa do Presi<strong>de</strong>nte em exercício seria indicar um candidato à eleição.<br />

A vedação à reeleição do Presi<strong>de</strong>nte da República foi prevista, ainda, no art 139,1, a,<br />

da Constituição <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1946 (“ São também inelegíveis para Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República o Presi<strong>de</strong>nte que tenha exercido o cargo por qualquer tempo, no período imediatamente<br />

anterior, e bem assim o Vice-presi<strong>de</strong>nte que lhe tenha sucedido ou quem <strong>de</strong>ntro<br />

dos seis meses anteriores ao pleito, o haja substituído”), no art. 146,1, a, da Constituição<br />

<strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1967 (“São também inelegíveis para Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da<br />

República o Presi<strong>de</strong>nte que tenha exercido o cargo por qualquer tempo, no período imediatamente<br />

anterior, ou quem, <strong>de</strong>ntro dos seis meses anteriores ao pleito, lhe haja sucedido<br />

ou o tenha substituído”) e no art. 151, parágrafo único, da Emenda Constitucional na 01,<br />

<strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1969, posteriormente transformado em § I a, a, pela Emenda Constitucional<br />

na 19, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1981 (“ ... inelegibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem haja exercido cargo<br />

<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong> Governador e <strong>de</strong> Vice-govemador,<br />

<strong>de</strong> Prefeito e <strong>de</strong> Vice-prefeito, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior”) .<br />

Mesmo com a reabertura <strong>de</strong>mocrática, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> reeleição dos mandatos executivos<br />

continuou sendo repelida pela doutrina <strong>constitucional</strong> brasileira, como percebe-se pelo<br />

texto do Anteprojeto Constitucional elaborado pela Comissão Provisória <strong>de</strong> Estudos Constitucionais<br />

- Comissão Afonso Arinos (“Comissão dos Notáveis”), entregue ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República em 18-9-1986, que previa em seu art. 221 a seguinte redação: “O mandato<br />

do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte da República é <strong>de</strong> seis anos, vedada a reeleição.”1<br />

Dessa forma, a vedação à reeleição foi novamente consagrada pela Constituição da<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988, que proibia expressamente a<br />

reeleição em seus arts. 14, § 5Q(“São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente,<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República, os Governadores <strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, os<br />

Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”)<br />

e 82 (“O mandato do Presi<strong>de</strong>nte da República é <strong>de</strong> quatro anos, vedada a reeleição para<br />

o período subsequente, e terá início em I a <strong>de</strong> janeiro do ano seguinte ao <strong>de</strong> sua eleição”<br />

- redação dada pela Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na 5, <strong>de</strong> 7-6-1994).<br />

Tal tradição em nosso or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> visava não só afastar o perigo da<br />

perpetuida<strong>de</strong> da mesma pessoa na chefia da Nação, por meio <strong>de</strong> sucessivos mandatos,<br />

mas também evitar o uso da máquina administrativa por parte do Chefe do Executivo, na<br />

busca <strong>de</strong> novos mandatos.<br />

Esse entendimento é seguido por inúmeros países, que vedam taxativamente a possibilida<strong>de</strong><br />

da reeleição do Chefe do Executivo para o período seguinte, como, por exemplo,<br />

o art. 25 da Constituição Política da República do Chile, com a atual redação dada pelo<br />

artigo único da Lei <strong>de</strong> Reforma Constitucional na 19.295, <strong>de</strong> 4-3-1994, que expressamente<br />

veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição, <strong>de</strong>terminando que o mandato do Presi<strong>de</strong>nte da Repú­<br />

1 Constituição fe<strong>de</strong>ral e anteprojeto da comissão Afonso Arinos: índice analítico com parativo. R io <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Forense, 1987.


2 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

blica terá a duração <strong>de</strong> seis anos, não po<strong>de</strong>ndo ser reeleito para o período seguinte;1e o<br />

art. 70 da Constituição da República da Coréia, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1948, emendada em<br />

outubro <strong>de</strong> 1987, estabelecendo que o mandato do Presi<strong>de</strong>nte da República será <strong>de</strong> cinco<br />

anos, sem <strong>direito</strong> à reeleição.12<br />

Outras constituições são ainda mais severas, preten<strong>de</strong>ndo impedir drasticamente a<br />

perpetuida<strong>de</strong> no po<strong>de</strong>r, como, por exemplo, a Constituição da República das Filipinas,<br />

<strong>de</strong> 15-10-1986, em seu art. VII, seção 4, estabelece que o Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da<br />

República serão eleitos para um mandato <strong>de</strong> seis anos, proibindo-se não só a reeleição,<br />

mas também que o Presi<strong>de</strong>nte ou qualquer pessoa que o houver sucedido por mais <strong>de</strong><br />

quatro anos possam concorrer à qualquer eleição para o mesmo cargo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />

sucessivida<strong>de</strong> ou não dos mandatos.3<br />

Criticando a opção do legislador constituinte <strong>de</strong> 1988, que vedava a reeleição do<br />

chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo para o período sucessivo, Michel Temer salientava, em <strong>de</strong>fesa da<br />

reeleição, que “a possibilida<strong>de</strong> da reeleição privilegia, assim, o princípio da participação<br />

popular porque confere ao povo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um duplo julgamento: o do programa<br />

partidário e do agente executor <strong>de</strong>sse programa (chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo). Talvez por<br />

essa razão o sistema jurídico norte-americano autorize a reeleição. E ninguém po<strong>de</strong> dizer<br />

q ue ali não se pratica a <strong>de</strong>mocracia”, e concluía fazendo um pedido: “Reeleição, portanto,<br />

e por um período, para Presi<strong>de</strong>nte, governadores e prefeitos.”4<br />

Igualmente, salientávamos na I a edição <strong>de</strong>ssa obra que realmente não havia o que<br />

justificasse a vedação à reeleição, por um único período, para os cargos <strong>de</strong> Chefe do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo Fe<strong>de</strong>ral, Estadual, Distrital e Municipal, e afirmávamos que “não seduzindo o<br />

argumento da utilização da máquina administrativa a seu próprio favor, quando o mesmo<br />

po<strong>de</strong> ocorrer e, costumeira e lamentavelmente ocorre, a favor do candidato <strong>de</strong> seu partido<br />

político”, para concluirmos que “a reeleição é <strong>de</strong>mocrática, e <strong>de</strong>ve ser implementada, juntamente<br />

com a concessão <strong>de</strong> maiores mecanismos e instrumentos para a Justiça eleitoral<br />

e o Ministério Público coibirem o uso da máquina administrativa”.<br />

A Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, portanto, veio alterar a disciplina histórica<br />

<strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s relativas, alterando o art. 14, § 5°, que passou a ter a seguinte<br />

redação: “O presi<strong>de</strong>nte da República, os Governadores <strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, os<br />

Prefeitos e quem os houver sucedido ou substituído no curso dos mandatos po<strong>de</strong>rão ser<br />

reeleitos para um único período subsequente.”<br />

Importante ressaltar a espécie <strong>de</strong> reeleição adotada pela EC nQ16/97, <strong>de</strong>ntre as <strong>de</strong>mais<br />

existentes em or<strong>de</strong>namentos jurídicos comparados. O legislador reformador brasileiro, ao<br />

permitir a reeleição para um único período subsequente, manteve na Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

uma inelegibilida<strong>de</strong> relativapor motivos funcionais para o mesmo cargo, p>ois os chefes do<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo, Fe<strong>de</strong>ral, Estadual, Distrital e Municipal, não p>o<strong>de</strong>rão ser candidatos a<br />

um terceiro mandato sucessivo.<br />

1 Cf. Constitucion política <strong>de</strong> la republica <strong>de</strong> Chile. San tiago: Ju rid ic a <strong>de</strong> Chile, 1996.<br />

2 C f. Constituições estrangeiras. Brasília: S e n a d o Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 6.<br />

3 I<strong>de</strong>m .<br />

TEM ER, M ichel. Constituição e... Op. cit. p. 27.


Direitos Políticos 2 5 3<br />

Note-se que não se proíbe <strong>constitucional</strong>mente que uma mesma pessoa possa exercer<br />

três ou mais mandatos presi<strong>de</strong>nciais, mas se proíbe a sucessivida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>terminada <strong>de</strong> mandatos.<br />

Assim, após o exercício <strong>de</strong> dois mandatos sucessivos, o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

não po<strong>de</strong>rá ser candidato ao mesmo cargo, na eleição imediatamente posterior, incidindo<br />

sobre ele a inele gibilida<strong>de</strong> relativa por motivos funcionais para o mesmo cargo.<br />

O or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> brasileiro não adotou a fórmula norte-americana sobre<br />

reeleição. O art. II, Seção 1, item 1 da Constituição dos Estados Unidos da América, <strong>de</strong><br />

1787, não fazia qualquer restrição à reeleição do Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

consagrando-se a plena e ilimitada possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandatos sucessivos. Posteriormente,<br />

a Emenda Constitucional na 22, <strong>de</strong> 1951, introduziu a limitação à reeleição em uma<br />

única vez, prevendo que ninguém po<strong>de</strong>rá ser eleito mais <strong>de</strong> duas vezes para o cargo <strong>de</strong><br />

Presi<strong>de</strong>nte.1Perceba-se que a vedação aplica-se a mandatos sucessivos ou não, proibindose<br />

que uma mesma pessoa possa ser Presi<strong>de</strong>nte da República por mais <strong>de</strong> dois mandatos.<br />

Essa previsão visa possibilitar uma maior e necessária alternância no po<strong>de</strong>r. É o mesmo<br />

entendimento da Constituição austríaca, promulgada em 1B-10-1920 e atualizada até a<br />

Lei Constitucional Fe<strong>de</strong>ral nfi491, <strong>de</strong> 27-11-1984, que estabelece em seu art 60, item 5, a<br />

duração do mandato presi<strong>de</strong>ncial em seis anos, admitindo-se somente uma reeleição para<br />

o período presi<strong>de</strong>ncial seguinte.12<br />

A fórmula adotada pela Emenda Constitucional na 16, promulgada em 4-6-1997,<br />

assemelha-se com as previsões constitucionais argentina, portuguesa e chinesa, ao vedar-se<br />

mais <strong>de</strong> dois mandatos sucessivos. Note-se, somente, que enquanto a argentina autoriza,<br />

expressamente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um terceiro mandato não sucessivo, as constituições<br />

portuguesa e chinesa, assim como a brasileira, simplesmente nãoproíbemque isso ocorra.<br />

Dessa forma, o art. 90 da Constituição da Nação Argentina, com a nova redação<br />

dada pelas reformas <strong>de</strong> 24-8-1994 e segundo a versão publicada em 10-1-1995, prevê a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição por um só período consecutivo. Expressamente, porém, admite<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um terceiro mandato presi<strong>de</strong>ncial, após o intervalo <strong>de</strong> um período.3<br />

Quiroga Lavié, ao comentar o citado art. 90 da Constituição da Nação Argentina, aponta<br />

a não adoção do sistema norte-americano, on<strong>de</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma reeleição o presi<strong>de</strong>nte não<br />

po<strong>de</strong> jamais ser reeleito, para a seguir concluir que no sistema argentino, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />

intervalo <strong>de</strong> um período, po<strong>de</strong>rá haver um terceiro mandato.4<br />

A Constituição da República Portuguesa, aprovada em 2-4-1976, estabelece, em seu<br />

art. 126, item 1, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição para um segundo mandato consecutivo,<br />

prevendo, expressamente, sua inadmissibilida<strong>de</strong> para um terceiro mandato consecutivo,<br />

ou ainda, durante o quinquênio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato<br />

consecutivo. Como salientam Canotilho e Moreira, “a proibição <strong>de</strong> reeleição para um terceiro<br />

mandato consecutivo visa evitar a permanência <strong>de</strong>masiado longa no cargo, com os<br />

riscos da pessoalização do po<strong>de</strong>r, inerentes à eleição directa”.5<br />

1 Cf. Constituição dos Estados Unidos da América. Bauru: Jalovi, 1987.<br />

2 C f. Constituições estrangeiras. Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 5.<br />

3 C f. Constituição <strong>de</strong> la Nacián Argentina. Buenos Aires: Depalma, 1995.<br />

4 LAVIÉ, Humberto Quiroga. Estúdio analítico <strong>de</strong>la reforma <strong>constitucional</strong>. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 40.<br />

5 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA. Vital. Constituição da Re pública Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra:<br />

Coimbra Editora, 1993. p. 561.


2 5 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Igualmente, o art. 79 da Constituição da República Popular da China, <strong>de</strong> 4-12-1982,<br />

prevê que o presi<strong>de</strong>nte e vice-presi<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong>m cumprir mais <strong>de</strong> dois mandatos<br />

consecutivos, não havendo, porém, qualquer vedação expressa impedindo um terceiro<br />

mandato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não consecutivo.1<br />

Parece-nos que essa foi a regra adotada pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira a partir<br />

da Emenda Constitucional nQ16, <strong>de</strong> 4-6-1997, diferenciando-se da já estudada norma<br />

norte-americana, mesmo porque, se a Constituição brasileira preten<strong>de</strong>sse impedir que uma<br />

mesma pessoa exercesse mais <strong>de</strong> dois mandatos na Chefia do Executivo, utilizar-se-ia da<br />

fórmula: .. po<strong>de</strong>rão ser reeleitos par a um único período”, pois, <strong>de</strong>ssa maneira, irrelevante<br />

seria a sucessivida<strong>de</strong> ou não dos mandatos, e não da adotada pela EC na 16/ 97: “... po<strong>de</strong>rão<br />

ser reeleitos para um único período subsequente".<br />

Em conclusão, po<strong>de</strong>mos apontar as seguintes características da introdução da reeleição<br />

à Chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo no or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> brasileiro:<br />

• Possibilida<strong>de</strong> expressa <strong>de</strong> reeleição para o Presi<strong>de</strong>nte da República, os Governadores<br />

<strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, os Prefeitos e quem os houver sucedido<br />

ou substituído no curso dos mandatos para um único período subsequente. O<br />

TSE esten<strong>de</strong>u essa inelegibilida<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>nominado “Prefeito Itinerante”, ou seja,<br />

aquele que, após exercer dois mandatos em <strong>de</strong>terminado Município, renuncia<br />

seis meses antes da eleição e preten<strong>de</strong> se candidatar a Prefeito em Município<br />

da região. Conforme afirmou o Tribunal Superior Eleitoral, “o exercício <strong>de</strong> dois<br />

mandatos consecutivos no cargo <strong>de</strong> Prefeito toma o candidato inelegível para o<br />

mesmo cargo, ainda que em município diverso. As condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong> e<br />

as causas <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ser aferidas a cada eleição, na conformida<strong>de</strong><br />

das regras aplicáveis ao pleito, não cabendo cogitar-se <strong>de</strong> coisa julgada, <strong>direito</strong><br />

adquirido ou segurança jurídica”.12 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reafirmou a<br />

impossibilida<strong>de</strong> do “Prefeito Itinerante”, vedando-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terceira<br />

eleição sucessiva ao cargo <strong>de</strong> Prefeito não apenas no mesmo município, mas<br />

em qualquer outra municipalida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração, em face <strong>de</strong> ferimento ao<br />

Princípio Republicano, tendo o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s ressaltado que figura<br />

do <strong>de</strong>nominado “prefeito itinerante” ou “prefeito profissional” é “claramente<br />

incompatível com esse princípio republicano, que também traduziría postulado<br />

<strong>de</strong> temporarieda<strong>de</strong>/alternância do exercício do po<strong>de</strong>r. Inferiu que a reeleição,<br />

1 Cf. C o n s t it u iç ã o d a R e p ú b lic a P o p u l a r d a C h in a . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Trabalhistas, 1987.<br />

2 TSE - Pleno - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nQ35880/PI -R ei. Min. Arnaldo<br />

Versiani, D J e , 25-3-2011. Ressalte-se, que o Ministro Marco Aurélio, no julgamento no TSE, foi voto<br />

vencido, alegando que “preceito da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que limita algo ligado à cidadania somente<br />

po<strong>de</strong> ser interpretado <strong>de</strong> forma estrita. O que a Constituição veda é a reeleição. Não impe<strong>de</strong> que o<br />

cidadão concorra a mandato em Município diverso”, no que foi seguido pelo Ministro Marcelo Ribeiro,<br />

que alegou enten<strong>de</strong>r que “a Constituição Fe<strong>de</strong>ral proíbe a eleição para o mesmo cargo, e no tocante<br />

ao município vizinho, não é o mesmo cargo”. Essa questão, <strong>de</strong>cidida por maioria no TSE, porém,<br />

encontra-se pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral após voto do Ministro-relator Luiz<br />

Fux que, confirmando posicionamento do TSE, enten<strong>de</strong>u que a conduta do “Prefeito Itinerante”<br />

preten<strong>de</strong> burlar a <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong> e pedido <strong>de</strong> vista do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s (AC<br />

2821 MC-AgR/AM - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 25-8-2011).


Direitos Políticos 2 5 5<br />

como condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>, somente estaria presente nas hipóteses em que<br />

esses princípios fossem igualmente contemplados e concretizados”.1<br />

• Permanência da inelegibilida.<strong>de</strong> relativa por motivos funcionais para o mesmo<br />

cargo, na medida em que o art. 14, § 5a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral proíbe a possibilida<strong>de</strong><br />

dos chefes do Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral, Estadual, Distrital e Municipal<br />

candidatarem-se a um terceiro mandato sucessivo.<br />

• Possibilida<strong>de</strong> implícita <strong>de</strong> uma mesma pessoa candidatar-se e, eventualmente,<br />

exercer por mais <strong>de</strong> três mandatos a Chefia do Executivo Fe<strong>de</strong>ral, Estadual,<br />

Distrital e Municipal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não sejam sucessivos. Assim, após o exercício <strong>de</strong><br />

dois mandatos <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, Governador <strong>de</strong> Estado ou do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral ou Prefeito Municipal, haverá a obrigatorieda<strong>de</strong> do intervalo <strong>de</strong> um<br />

período, para que possa haver nova candidatura ao mesmo cargo.<br />

• Plena elegibilida<strong>de</strong> do Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, dos Vice-governadores<br />

dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Vice-prefeitos aos mesmos cargos, para<br />

um único período subsequente.12<br />

É importante ressaltar, a fim <strong>de</strong> evitar-se futuras frau<strong>de</strong>s e in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>s,<br />

as seguintes regras:<br />

• Impossibilida<strong>de</strong> do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, que esteja exercendo seu segundo<br />

mandato sucessivo, renunciar antes do término <strong>de</strong>sse, no intuito <strong>de</strong> pleitear<br />

nova recondução para o período subsequente. A renúncia, por óbvio, seria válida,<br />

porém, não afastaria a inelegibilida<strong>de</strong>relativapor motivos funcionais para<br />

o mesmo cargo, prevista no art. 14, § 5a, da CF, e que impediría um terceiro<br />

mandato consecutivo.3<br />

• Impossibilida<strong>de</strong> daquele que foi titular <strong>de</strong> dois mandatos sucessivos na chefia<br />

do Executivo, vir a candidatar-se, no período imediatamente subsequente, à<br />

vice-chefia. Tal vedação <strong>de</strong>corre do próprio texto <strong>constitucional</strong>, pois o art. 79<br />

prevê que o Vice-presi<strong>de</strong>nte substituirá o Presi<strong>de</strong>nte, no caso <strong>de</strong> impedimento,<br />

e suce<strong>de</strong>r-lhe-á, no <strong>de</strong> vaga; regra essa que é seguida em nível estadual, distrital<br />

e municipal. Desta forma, havería clara frau<strong>de</strong> à Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

permitindo-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma mesma pessoa exercer três mandatos<br />

presi<strong>de</strong>nciais sucessivos.<br />

Na vigência do texto <strong>constitucional</strong> anterior à EC na 16/97 o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ra] confirmou <strong>de</strong>cisão da Justiça Eleitora], que consi<strong>de</strong>rou inelegível,<br />

1 STF - Pleno - RE 637485/RJ - Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: l°-8-2012.<br />

2 TSE - Resolução nQ19.952, <strong>de</strong> 2-9-1997 - Consulta n° 327/D F- Rei. Mm. Néri da Silveira, Diário da Justiça,<br />

Seção 1, 21 out. 1997, p. 53.428.<br />

3 Ressaltando a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> três mandatos sucessivos, <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral que: “O<br />

titular do mandato executivo que renuncia, se eleito para o mesmo cargo, vin do assim, a exercê-lo no período<br />

im ediatam ente subsequente, não po<strong>de</strong>rá, entretanto, ao térm ino <strong>de</strong>sse n ovo mandato, pleitear reeleição, porque<br />

do contrário, seria admitir-se, contra a letra do art. 14, § 5°, da Constituição, o exercício do cargo em três<br />

períodos consecutivos” (TSE - Resolução n ° 20.114, <strong>de</strong> 10-3-98 - Consulta n° 366 - Classe 5a-D istrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

- Rei. M in. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 3 jun. 1998, p. 63).


256 Direito Constitucional • Moraes<br />

para o cargo <strong>de</strong> vice-prefeito, quem exerceu o cargo <strong>de</strong> prefeito, no período<br />

imediatamente anterior, ainda que <strong>de</strong>sincompatibilizado no prazo do art. 14,<br />

§ 5a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Conforme ressaltado, não há o que se falar na<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretar-se extensivamente norma restritiva <strong>de</strong> <strong>direito</strong>,<br />

mas na aplicação correta <strong>de</strong> regra <strong>de</strong> hermenêutica, a revelar e <strong>de</strong>finir o exato<br />

sentido da norma, <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a impedir que, por via indireta, viesse ele a frustrar-<br />

-se,1pois se acaso o novo Prefeito renunciasse e o vice assumisse a titularida<strong>de</strong><br />

do Executivo, estar-se-ia burlando a regra que vedava a reeleição, pois estaria<br />

exercendo dois mandatos <strong>de</strong> Prefeito sucessivamente12<br />

Certamente, com a alteração proposta pela Emenda Constitucional na 16/97,<br />

essa regra interpretativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral somente teria aplicação<br />

se aquele que preten<strong>de</strong>sse candidatar-se a Vice-prefeito já houvesse exercido<br />

dois mandatos sucessivos3 como Prefeito municipal, pois, conforme já analisado,<br />

haveria dara frau<strong>de</strong> à Constituição Fe<strong>de</strong>ral, permitindo-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma mesma pessoa exercer três mandatos executivos sucessivos;<br />

• Impossibilida<strong>de</strong> daquele que foi titular <strong>de</strong> dois mandatos sucessivos na chefia do<br />

Executivo v ira candidatar-se, durante o período imediatamente subsequente à<br />

eleição prevista no art. 81 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>termina que vagando<br />

os cargos <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, far-se-á eleição direta,<br />

noventa dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aberta a última vaga, ou eleição indireta pelo Congresso<br />

Nacional, trinta dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aberta a última vaga, se a vacância ocorrer nos últimos<br />

dois anos do mandato presi<strong>de</strong>ncial.4 Essa vedação <strong>de</strong>corre da proibição <strong>de</strong><br />

uma mesma pessoa exercer a chefia do Executivo por três mandatos sucessivos,<br />

pois, se eventualmente fosse eleito, estaria exercendo o terceiro mandato, sem<br />

que houvesse respeitado um período integral afastado da Chefia do Executivo.<br />

Note-se, portanto, que apesar <strong>de</strong> inexistir regra expressa na Emenda Constitucional ne<br />

16, <strong>de</strong> 4-6-1997, semelhante ao art. 126 da Constituição da República portuguesa (“Não<br />

é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquênio<br />

imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo. Se o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República renunciar ao cargo, não po<strong>de</strong>rá candidatar-se nas eleições imediatas nem nas que<br />

se realizem no quinquênio imediatamente subsequente à renúncia”), será absolutamente<br />

in<strong>constitucional</strong> qualquer tentativa daquele que foi titular <strong>de</strong> dois mandatos sucessivos <strong>de</strong><br />

chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, pleiteá-lo novamente no período imediatamente subsequente<br />

(atualmente <strong>de</strong> quatro anos em virtu<strong>de</strong> da duração dos mandatos), seja ao preten<strong>de</strong>r<br />

candidatar-se às eleições normais, seja ao preten<strong>de</strong>r suce<strong>de</strong>r o novo chefe do Executivo<br />

durante o exercício <strong>de</strong> seu mandato (CF, art. 81).<br />

1 KTJ153/298, R ec Extr. n° 157.959/RJ, ReL Min. limar Galvão.<br />

2 TSE - Cons. 18.082 - DF - Classe 10a - Rei. Min. Am érico Luz - DJU, 28 m aio 1992.<br />

3 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o TSE: “Ex-prefeito reeleito qu e renuncia ao cargo não po<strong>de</strong>rá candidatar-se a vice-<br />

-prefeito do mesmo município na eleição subsequente” (TSE - Resolução n° 21.438 - Consulta n° 900 - Classe<br />

5a - D istrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Carlos V elloso).<br />

4 Cf. Capítulo 10 - Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público - item 3.1.3 - Vacância da Presidência<br />

da República.


Direitos Políticos 257<br />

A .l. Reeleição e <strong>de</strong>sincompatibilização<br />

Importante opção adotada pela Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, foi no<br />

tocante a inexigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo que pretenda<br />

candidatar-se à reeleição. A citada Emenda não exigiu ao titular <strong>de</strong> mandato executivo a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> renunciar, ou mesmo <strong>de</strong> afastar-se temporariamente do cargo, para que<br />

pu<strong>de</strong>sse concorrer a sua própria reeleição, <strong>de</strong>monstrando a nítida escolha pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> administrativa.<br />

O texto da Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, guarda muita relação com o<br />

texto do substitutivo apresentado pelo relator da Revisão Constitucional <strong>de</strong> 1994, o então<br />

<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, e ex-Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Nelson Jobim, que afastando<br />

diversos textos que exigiam a prévia renúncia dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> cargo executivo,<br />

concluiu pela redação que permitia ao chefe do Executivo concorrer à reeleição no exercício<br />

do cargo. Salientava o então relator da Revisão Constitucional que “ora, admitindose<br />

a reeleição para cargos executivos, seria inconsistente manter-se a exigência <strong>de</strong> renúncia<br />

prévia... a exigência <strong>de</strong> renúncia prévia po<strong>de</strong>ria originar uma perturbação <strong>de</strong>snecessária na<br />

continuida<strong>de</strong> administrativa... Em realida<strong>de</strong>, o instituto da reeleição éprática constante na<br />

maioria dos países <strong>de</strong>mocráticos, tais como os Estados Unidos e a França, sendo um prova<br />

da crença na maturida<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> da maioria, quando esta <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> pela manutenção <strong>de</strong><br />

uma administração bem-sucedida”, para então concluir pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição,<br />

por um período subsequente, dos titulares <strong>de</strong> cargos do Po<strong>de</strong>r Executivo, permitindo-lhes<br />

concorrer no exercício do cargo.1<br />

Enten<strong>de</strong>mos que essa opção do legislador reformador foi clara e consciente, não havendo<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação do § 6a do art. 14 da CF à presente hipótese, uma vez que se<br />

trata <strong>de</strong> outra espécie <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> relativa, aplicável somente ao chefe do Executivo<br />

que pretenda candidatar-se a outros cargos.12 Nem tampouco nos parece correto qualquer<br />

interpretação no sentido <strong>de</strong> possibilitar-se, com fulcro no art. 14, § 9a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, a edição <strong>de</strong> lei complementar que preveja a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização<br />

do Chefe do Executivo para candidatar-se à reeleição. O citado § 9a, assim, com o § 6a,<br />

ambos do art. 14, estabelecem outras hipóteses <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s relativas, que não se<br />

confun<strong>de</strong>m e nem po<strong>de</strong>m ser confundidas com a hipótese <strong>de</strong>scrita no § 5a do citado artigo.<br />

Ressalte-se que a própria redação do § 9a do art. 14 <strong>de</strong>ixa isso claro, ao afirmar que:<br />

“Lei complementar estabelecerá outros casos <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>...". Obviamente, essa lei<br />

complementar <strong>de</strong>ve estabelecer novas hipóteses, a fim <strong>de</strong> proteger a probida<strong>de</strong> administrativa,<br />

a moralida<strong>de</strong> para o exercício do mandato e a normalida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong><br />

das eleições contra a influência do po<strong>de</strong>r econômico ou o abuso do exercício <strong>de</strong> função,<br />

cargo ou emprego na administração direta ou indireta, e não regulamentar as hipóteses<br />

1 JOBIM, Nelson. Relatório da revisão <strong>constitucional</strong>: pareceres produzidos. Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1994.<br />

p. 57-5 8.1.1.<br />

2 Logicamente, nada obsta o chefe d o Executivo a solicitar a o Po<strong>de</strong>r Legislativo uma licença para po<strong>de</strong>r concorrer<br />

à reeleição, ou mesmo, renunciar para esse fim Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral: “ A renúncia<br />

d o Presi<strong>de</strong>nte da República, dos Governadores d e Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Prefeitos, a o respectivo<br />

mandato, seis meses antes do pleito, não os torna inelegíveis ao mesmo cargo, para o período imediatamente<br />

subsequente. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não p revê com o causa <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> a renúncia ao mandato executivo”<br />

(TSE - Resolução nQ2(J. 114, <strong>de</strong> 10-3-98-C on su lta n° 3 66-C lasse 5a-D istrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. Min. Néri da<br />

Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 3 jun. 1998, p. 63).


2 5 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

já previstas pelo próprio legislador constituinte nos parágrafos antecessores e que tratam <strong>de</strong><br />

normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia plena.<br />

Importante, ainda, consi<strong>de</strong>rar a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer interpretação que restrinja<br />

o exercício <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> político expressamente previsto pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no<br />

caso a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição do Chefe do Executivo para um único mandato sucessivo,<br />

sem que haja expressa limitação pelo próprio texto <strong>constitucional</strong>.<br />

Nesse sentido enten<strong>de</strong>u o Tribunal Superior Eleitoral, ao <strong>de</strong>cidir:<br />

“Não se tratando, no § 5a do art. 14 da Constituição, na redação da Emenda<br />

Constitucional na 16/1997, <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>, mas, sim <strong>de</strong> hipótese em<br />

que se garante a elegibilida<strong>de</strong> dos Chefes dos Po<strong>de</strong>res Executivos fe<strong>de</strong>ral, estadual,<br />

distrital, municipal e dos que os hajam sucedido/substituído no curso dos<br />

mandatos, para o mesmo cargo, para um período subsequente, bem <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r<br />

é que não cabe exigir-lhe <strong>de</strong>sincompatibilização para concorrer ao segundo mandato,<br />

assim <strong>constitucional</strong>mente autorizado. Cuidando-se <strong>de</strong> caso <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>,<br />

somente a Constituição po<strong>de</strong>ria, <strong>de</strong> expresso, estabelecer o af astamento no<br />

prazo por ela estipulado, como condição para concorrer à reeleição prevista no<br />

§ 5a do art. 14 da Lei Magna, na redação atual”,<br />

concluindo mais adiante que:<br />

“Consulta que se respon<strong>de</strong>, negativamente, quanto à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização<br />

dos titulares dos Po<strong>de</strong>res Executivos fe<strong>de</strong>ral, estadual, distrital ou<br />

municipal, para disputarem a reeleição, solução que se esten<strong>de</strong> aos Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, Vice-governador <strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Vice-prefeito.” 1<br />

Da mesma forma, enten<strong>de</strong>ndo pela <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização dos<br />

Chefes do Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral, Estadual, Distrital e Municipal, <strong>de</strong>cidiu o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ao in<strong>de</strong>ferir medida<br />

liminar em que se requeria a interpretação conforme a Constituição Fe<strong>de</strong>ral do art. 14,<br />

§ 5a (redação dada pela Emenda Constitucional nQ16/97), no sentido <strong>de</strong> que lhe fosse<br />

aplicado a necessária <strong>de</strong>sincompatibilização prevista no § 6°, do citado art. 14. Enten<strong>de</strong>u<br />

o Pretório Excelso “não ser possível interpretar a CF <strong>de</strong> modo a criar cláusula restritiva <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s políticos não prevista, expressamente, no texto <strong>constitucional</strong>”.12<br />

Reforça-se, pois, a i<strong>de</strong>ia exposta supra, <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dotação da Justiça Eleitoral<br />

e do Ministério Público <strong>de</strong> instrumentos e mecanismos céleres e eficazes no combate<br />

ao uso da máquina administrativa, para que não vejamos consagrados métodos ilegais e<br />

imorais <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> dinheiro, funcionários, locais e maquinário públicos pelo Chefe<br />

do Executivo, no intuito <strong>de</strong> manter-se no cargo.<br />

1 T S E - Resolução n° 19.952, <strong>de</strong> 2-9-1997 - Consulta n° 327/DF - Rei. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 21 out. 1997, p. 53.428.<br />

2 STF - P le n o - ADInMC 1.805-DF, Rei. Min. N éri da Silveira. 26-3-98 - Informativo STFnn 104 - Capa, abril<br />

<strong>de</strong> 1998.


Direitos Políticos 2 5 9<br />

A.2. Vacância do cargo <strong>de</strong> chefe do po<strong>de</strong>r executivo. Sucessão do vice e<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> candidatura à reeleição para um único período subsequente<br />

O art. 14, § 5a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição para<br />

aquele que houver sucedido ou substituído o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo no curso dos mandatos,<br />

para um único período subsequente.<br />

Essa norma <strong>de</strong>ve ser interpretada <strong>de</strong> forma lógica e coerente com os <strong>de</strong>mais preceitos<br />

constitucionais, bem como com o próprio instituto jurídico da reeleição.<br />

Assim, tanto sob o prisma lógico quanto sob o prisma jurídico-<strong>constitucional</strong>, enten<strong>de</strong>mos<br />

inexistir dúvida quanto à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vice-Presi<strong>de</strong>ntes, vice-Governadores e vice-<br />

-Prefeitos candidatarem-se ao cargo <strong>de</strong> Chefe do Executivo, para o período subsequente,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> terem ou não substituído ou sucedido o Presi<strong>de</strong>nte, Governador<br />

ou Prefeito, no curso <strong>de</strong> seus mandatos.1<br />

Essa solução aten<strong>de</strong> à lógica interpretativa <strong>constitucional</strong>, pois sendo função <strong>constitucional</strong><br />

precípua do vice-Presi<strong>de</strong>nte substituir o Presi<strong>de</strong>nte, no caso <strong>de</strong> impedimento,<br />

e suce<strong>de</strong>r-lhe, no <strong>de</strong> vacância (CF, art. 79), não havería lógica no sistema eleitoral, disciplinado<br />

pela Carta Magna, em acarretar punição ao vice-Presi<strong>de</strong>nte, vice-Governador<br />

ou vice-Prefeito pelo exercício <strong>de</strong> sua missão <strong>constitucional</strong>, impedindo-o <strong>de</strong> disputar, no<br />

mandato subsequente, a chefia do Executivo. Tal consequência tornaria a figura da vice-<br />

-presidência meramente <strong>de</strong>corativa e substitutiva, sem qualquer aspiração política <strong>de</strong><br />

continuida<strong>de</strong> do programa da chapa eleita, para os próximos mandatos.<br />

Dessa forma, por exemplo, o vice-Presi<strong>de</strong>nte q u e - no exercício <strong>de</strong> sua missão <strong>constitucional</strong><br />

- substituir o Presi<strong>de</strong>nte da República, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do momento <strong>de</strong><br />

seu mandato, po<strong>de</strong>rá candidatar-se à Chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo normalmente, inclusive<br />

po<strong>de</strong>ndo, posteriormente se eleito for, disputar sua própria reeleição à Chefia do Executivo.<br />

Diversa, porém, será a hipótese do vice-Presi<strong>de</strong>nte, vice-Governadores e vice-Prefeitos<br />

que assumirem efetivamente o cargo <strong>de</strong> titular do Po<strong>de</strong>r Executivo, em face <strong>de</strong> sua vacância<br />

<strong>de</strong>finitiva.<br />

Nesse caso, para fins <strong>de</strong> reeleição, <strong>de</strong>verão ser consi<strong>de</strong>rados como exercentes - <strong>de</strong><br />

forma efetiva e <strong>de</strong>finitiva - do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte, Governador ou Prefeito, po<strong>de</strong>ndo somente<br />

candidatar-se a um único período subsequente.<br />

A interpretação da norma <strong>constitucional</strong> leva-nos à seguinte conclusão: veda-se o<br />

exercício efetivo e <strong>de</strong>finitivo do cargo <strong>de</strong> Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo por mais <strong>de</strong> dois mandatos<br />

sucessivos.12<br />

1 Conferir, nesse sentido: TSE - “Consulta. V ice candidato ao cargo <strong>de</strong> titular. 1. Vice-presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

vice-governador <strong>de</strong> Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou vice-prefeito, reeleito ou não, po<strong>de</strong> se candidatar ao cargo<br />

do titular, mesmo tendo substituído aquele no curso do mandato. 2. Se a substituição ocorrer nos seis meses<br />

anteriores ao pleito, o vice, caso eleito para o cargo do titular, não po<strong>de</strong>rá concorrer à reeleição. 3. O mesmo<br />

ocorrerá se houver sucessão, em qualquer tempo do mandato. 4. Na hipótese <strong>de</strong> o vice preten<strong>de</strong>r disputar outro<br />

cargo que não o do titular, incidirá a regra do art. I o, § 2o, da Lei Com plem entam 0 64, <strong>de</strong> 1990.5. Caso o sucessor<br />

postule concorrer a cargo diverso, <strong>de</strong>verá obe<strong>de</strong>cer ao disposto no art. 14, § 6o, da Constituição da República”<br />

(TSE - Resolução n° 20.889 - Consulta n° 689 - Classe 5a - Distrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. Min. Fernando Neves, Diário<br />

da Justiça, Seção 1 ,14 <strong>de</strong>z. 2001, p. 205). N o mesmo sentido: TSE - Consulta n° 749 /D F- Rei. M in. Fernando<br />

Neves, Diário da Justiça, Seção 1,22 mar. 2002, p. 157; T S E - Pleno - Consulta n- 707 - Classe 5-/DF - Rei. Min.<br />

EUen Gracie, Diário da Justiça, Seção 1, 7 fev. 2003, p. 133.<br />

2 T S E - Consulta n ° 1.577 - Rei. Min. Caputo Bastos, <strong>de</strong>cisão: 15-5-2008.


2 6 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Portanto, se o vice-Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo somente substituiu o titular, não houve<br />

exercício efetivo e <strong>de</strong>finitivo do cargo para fins <strong>de</strong> reeleição, po<strong>de</strong>ndo ser candidato à chefia<br />

do Executivo e, se eventualmente eleito, po<strong>de</strong>rá disputar sua própria reeleição.1<br />

Se, porém, o vice-Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, em face da vacância <strong>de</strong>finitiva do titular,<br />

assumiu o cargo <strong>de</strong> forma efetiva e <strong>de</strong>finitiva, para fins <strong>de</strong> reeleição, esse mandato <strong>de</strong>ve<br />

ser computado como o primeiro, permitindo-se somente que dispute um único período<br />

subsequente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do tempo em que exerceu <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva o primeiro<br />

mandato. Não po<strong>de</strong>rá, em consequência, se for eleito para o mandato subsequente,<br />

disputar sua própria reeleição, pois se eventualmente fosse vitorioso, estaria a exercer<br />

seu terceiro mandato efetivo e <strong>de</strong>finitivo como Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, o que é vedado<br />

pela Constituição.12<br />

B. Para outros cargos (CF, art. 14, § 6°)<br />

São inelegíveis para concorrerem a outros cargos, o Presi<strong>de</strong>nte da República, os governadores<br />

<strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os prefeitos que não renunciarem aos respectivos<br />

mandatos até seis meses antes do pleito.3<br />

Trata-se <strong>de</strong> norma disciplinadora da <strong>de</strong>sincompatibilização dos chefes do Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Conforme salienta Celso <strong>de</strong> Mello:<br />

“A exigência da <strong>de</strong>sincompatibilização, que se aten<strong>de</strong> pelo afastamento do cargo<br />

ou função, só existe para aqueles que, por força <strong>de</strong> preceito <strong>constitucional</strong> ou legal,<br />

forem consi<strong>de</strong>rados inelegíveis. Inexistindo a inelegibilida<strong>de</strong>, não há que se cogitar<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização.”4<br />

Assim, para que possam candidatar-se a outros cargos, <strong>de</strong>verá o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

afastar-se <strong>de</strong>finitivamente, por meio da renúncia.5<br />

1 TSE - Consulta nQ1.604 - Rei. M in A ri Pargendler, <strong>de</strong>cisão: 3-6-2008.<br />

2 O S uprem o Tribu nal Fe<strong>de</strong>ral co n firm o u esse en ten d im en to: STF - “Constitucional. E leitoral Vice-Go-<br />

vernador eleito duas vezes consecutivas: exercício d o cargo d e governador por sucessão do titular. Reeleição.<br />

Possibilida<strong>de</strong>. CF, art. 14, § 5°, I. - Vice-govem ador eleito duas vezes para o ca rgod e vice-governador. N o segundo<br />

mandato <strong>de</strong> vice, suce<strong>de</strong>u o titular. Certo que, no seu prim eiro mandato <strong>de</strong> vice, teria substituído o governador.<br />

Possibilida<strong>de</strong> d e reeleger-se ao cargo <strong>de</strong> governador, porque o ex ercid o da titularida<strong>de</strong> d o cargo dá-se mediante<br />

eleição ou por sucessão. Somente quando suce<strong>de</strong>u o titular é que passou a exercer o seu prim eiro mandato com o<br />

titular do cargo, n - In teligênda do disposto no § 5Qd o art. 14 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral” (STF - 2a T. - Rextr. n °<br />

366.488/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, Diana da Justiça, Seção 1,28 out.2005, p. 6 1 ). Conferir, nesse sentido:<br />

STF - 2 *T . - Rextr. nfl 366.488 - Rei. M in. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 4-10-2005. I n f o r m a t iv o S T F n ° 404, p. 4.<br />

3 Essa inelegibilida<strong>de</strong> aplica-se a qualquer cargo eletivo, in du sive a suplente d e Senador, conform e d ed d iu o<br />

TSE: “EMENTA -In elegibilida<strong>de</strong>. Prefeito candidato a suplente <strong>de</strong> Senador. É inelegível para suplente <strong>de</strong> Senador<br />

o p re fe ito que não tiv e r renundado ao mandato ‘até seis meses antes d o p ld to ’. Aplicação d o disposto aos arts.<br />

14, § 6o, da Constituição e I a, § l s da L ei Com plem entar na64/90” (TSE - Consulta na 364 - Classe 5S - D istrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - ReL Min. Nilson N a ves- D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1,4m ar. 1998. p. 26).<br />

4 MELLO FILHO, José Celso. C o n s t it u iç ã o ... Op. rit. p. 4 1 5 .0 autor d ta , indusive, os Boletins Eldtorais do<br />

TSE: 369/242;370/266;231/213.<br />

5 T S E -R esolu çã o n " 21.053 - Consulta n ° 771 - Classe 5a- Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Barros M onteiro,<br />

D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1,26 abril 2002, p. 183; T S E -R esolu ção nQ18.019-C o n su lta n 0 12.499-D istrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - ReL Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 abril 1992,


Direitos Políticos 261<br />

O Tribunal Superior Eleitoral enten<strong>de</strong> que o Vice-Presi<strong>de</strong>nte, o Vice-Governador e<br />

o Vice-Prefeito po<strong>de</strong>rão candidatar-se a outros cargos preservando os seus mandatos<br />

respectivos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, nos seis meses anteriores ao pleito não tenham sucedido ou substituído<br />

o titular.1<br />

Outras duas hipóteses tornaram-se importantes, face à Emenda da Reeleição, em se<br />

tratando <strong>de</strong> assunção da chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo pelo vice-presi<strong>de</strong>nte, vice-governadores<br />

ouvice-prefeitos, seis meses antes da eleição: sucessão <strong>de</strong>finitiva ou substituição temporária.<br />

Na primeira hipótese - sucessão <strong>de</strong>finitiva - , por vacância <strong>de</strong>finitiva da chefia do<br />

executivo, o vice assumirá e passará ao exercício efetivo e <strong>de</strong>finitivo do cargo para todos os<br />

fins, inclusive <strong>de</strong> reeleição, conforme já analisado. Dessa forma, todas as inelegibilida<strong>de</strong>s<br />

aplicáveis ao Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>vem ser inteiramente observadas,12 ou seja,<br />

po<strong>de</strong>rá o novo mandatário candidatar-se à reeleição ao cargo <strong>de</strong> Chefe do Executivo, por<br />

uma única vez consecutiva, porém, não po<strong>de</strong>rá candidatar-se à reeleição ao seu antigo<br />

cargo <strong>de</strong> vice-chefe do Executivo, pois estaria infringindo texto <strong>constitucional</strong> expresso.3<br />

Na segunda hipótese, por afastamento provisório do chefe do Executivo, o vice po<strong>de</strong>rá<br />

substituí-lo - substituição temporária -, e tanto será possível candidatar-se ao cargo <strong>de</strong><br />

Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, conforme visto no item anterior, como também se candidatar,<br />

novamente, ao cargo <strong>de</strong> vice-chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização.4<br />

Essa conclusão é necessária, para que haja compatibilização das normas constitucionais<br />

que obrigam ao vice-chefe do Executivo substituir o Chefe do Executivo, ao mesmo<br />

tempo em que permitem sua reeleição por uma única vez. Caso entendéssemos diferentemente,<br />

o vice-presi<strong>de</strong>nte, por exemplo, po<strong>de</strong>ria recusar-se a assumir temporariamente<br />

a Chefia da Nação, por viagem presi<strong>de</strong>ncial, nos seis meses anteriores ao pleito5 eleitoral,<br />

1 T S E -C o n s u lta n° 1 1 2 - D istrito F e d e ra l-B ra s ília -R e s o lu ç ã o n2 19.491 (2 8 -3 -9 6 )- R e i. M in . Ilm a rG a lvã o,<br />

D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 26 abr. 1996, p. 13.170. N o mesmo sentido: “Em enta: Consulta. V ice-Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, Vice-G overnadores dos Estados e do D istrito Fe<strong>de</strong>ral e Vice-Prefeitos M unicipais po<strong>de</strong>m candidatar-<br />

-se a outros cargos estando no pleno exercício <strong>de</strong> seus m andatos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não venham a substituir ou suce<strong>de</strong>r<br />

os titulares nos seis meses anteriores ao p leito (§ 2Q, do art. I o da LC 6 4/9 0)” - (TS E - Consulta n° 397 - Classe<br />

5a - D istrito Fe<strong>de</strong>ral (B rasília) - Resolução nQ20.144 - Rei. M in. E duardo A lckim , D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 9<br />

abr. 1998, p. 4 ). E, ainda, “ O V ice-P refeito que não substituiu o Prefeito nos seis m eses anteriores ao pleito po<strong>de</strong><br />

candidatar-se a Prefeito sem perda do m andato ex ercido. Se o suce<strong>de</strong>u, em q u alq u er tem po, é in elegível para o<br />

m esm o cargo” (TS E - Consulta n2 115 - D istrito Fe<strong>de</strong>ral - Brasília - Resolução na 19.507 (1 6-4 -96) - Rei. M in.<br />

Ilm a rG a lv ã o ,D iá rio da Justiça, Seção I, lO m a io 1 9 9 6 ,p. 15.167).<br />

2 Inclusive para fins <strong>de</strong> in elegib ilida<strong>de</strong>s reflexas, com o <strong>de</strong>cidiu o TSE - “É in elegív el o filh o <strong>de</strong> vice-govern ador<br />

que substitui o titular nos seis meses anteriores ao pleito (CF/88, art. 14, § 72). 2. N ão há que se fa la r em im ­<br />

pedim en to àquele eleito, mas ainda não empossado, para assumir o cargo <strong>de</strong> p refeito, caso seu gen itor assuma<br />

a titularida<strong>de</strong> do govern o nesse p eríod o” (T S E - Consulta na 1.053/DF - Rei. M in. Fernando N eves, D i á r i o d a<br />

J u s t iç a , Seção I, 21 ju n. 2004, p. 90).<br />

3 Conferir, nesse sentido: TSE - “ O vice que não substituiu o titular <strong>de</strong>n tro dos seis meses anteriores ao pleito<br />

po<strong>de</strong>rá concorrer ao cargo <strong>de</strong>ste, sendo-lhe facultada, ainda, a reeleição, p or um único período. - Na hipótese<br />

<strong>de</strong> havê-lo substituído, o vice po<strong>de</strong>rá concorrer ao cargo do titular, ved ad a a reeleição e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrer<br />

ao cargo <strong>de</strong> v ic e ” (T S E - Consulta n2 1.0 5 8 / D F - Rei. M in. H u m berto G om es <strong>de</strong> Barros, D i á r i o d a J u s t iç a ,<br />

Seção I, 5 jul. 2004, p. 1).<br />

4 C onferir nesse sentido: TSE - Consulta n 2953 - D istrito Fe<strong>de</strong>ral (B rasília) - Rei. Luiz Carlos M a<strong>de</strong>ira.<br />

5 TSE - Consulta n2 1.586 - Rei. M in. Caputo Bastos, <strong>de</strong>cisão: 20-5-2008.


262 Direito Constitucional • Moraes<br />

pois tomar-se-ia inelegível, per<strong>de</strong>ndo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> candidatar-se à sua própria reeleição<br />

como vice-presi<strong>de</strong>nte.1<br />

A diferenciação <strong>de</strong> tratamento nessas duas hipóteses é importantíssima, pois no Brasil<br />

não há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repetição obrigatória da chapa <strong>de</strong> candidatos à Presidência da<br />

República (CF, art. 77), e, consequentemente, para os Governos estaduais e Prefeituras<br />

Municipais, o que po<strong>de</strong> vir a gerar, em algumas eleições, a não possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição<br />

do chefe do Executivo com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição do vice-chefe, e ambos <strong>de</strong>vem<br />

ter seus <strong>direito</strong>s garantidos, tanto no tocante à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> substituição temporária,<br />

quanto no tocante à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição.<br />

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admitiu a elegibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exprefeito<br />

municipal do município-mãe que, renunciando seis meses antes do pleito eleitoral,<br />

candidatou-se a prefeito do município-<strong>de</strong>smembrado.12<br />

8 .5 .2 P o r m otivos <strong>de</strong> casam ento, p a re n te sco ou afinida<strong>de</strong>3<br />

São inelegíveis, no território <strong>de</strong> circunscrição (a Constituição Fe<strong>de</strong>ral usa a terminologia<br />

jurisdição) do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo<br />

grau ou por adoção, do Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong> governador <strong>de</strong> Estado ou Território,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> prefeito ou <strong>de</strong> quem os haja substituído <strong>de</strong>ntro dos seis meses<br />

anteriores ao pleito,4 salvo se já titular <strong>de</strong> mandato eletivo e candidato à reeleição. É<br />

a <strong>de</strong>nominada inelegibilida.<strong>de</strong> reflexa, cuja finalida<strong>de</strong> é “impedir o monopólio do po<strong>de</strong>r<br />

político por grupos hegemônicos ligados por laços familiares”.5<br />

Como o próprio texto <strong>constitucional</strong> expressamente prevê, a inelegibilida<strong>de</strong> reflexa<br />

inci<strong>de</strong> sobre os cônjuges, parentes e afins dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandatos eletivos da chefia<br />

do executivo, e não sobre seus vices6 ou auxiliares (Ministros, Secretários <strong>de</strong> Estado ou<br />

do Município). Assim, já <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral que a norma <strong>constitucional</strong><br />

1 TSE: “Vice-prefeito. Primeiro mandato. Substituição. Prefeito. Segundo mandato. Reeleição no cargo <strong>de</strong><br />

vice-prefeito. Sucessão. Titular. Candidatura. Pleito subsequente. 1. É admitido que o vice-prefeito que substituiu<br />

o prefeito no exercício do primeiro mandato, sendo reeleito para o mesmo cargo <strong>de</strong> vice-prefeito e vindo a<br />

assumir <strong>de</strong>finitivamente a chefia <strong>de</strong>sse Po<strong>de</strong>r Executivo no exercício do segundo mandato, candidate-se ao cargo<br />

<strong>de</strong> prefeito no pleito subsequente. 2. A candidatura somente lhe é vedada para o próprio cargo <strong>de</strong> vice-prefeito,<br />

por caracterizar um terceiro mandato consecutivo, o que é vedado pelo art. 14, § 5Q, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral”<br />

(TSE - Consulta nQ1.047/DF - Rei. Min. Fernando Neves, Diário da Justiça, Seção I, 21 jun. 2004, p. 90).<br />

2 KTJ, 112/791. No mesmo sentido: TSE - Consulta ns 899/DF - Rei. Min. Humberto Gomes <strong>de</strong> Barros, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 5 jun. 2004, p. 1<br />

3 Ressalte-se que a EC ne 16/97 (reeleição) não alterou em nada a disciplina jurídico-<strong>constitucional</strong> das inelegibilida<strong>de</strong>s<br />

reflexas, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> casamento, parentesco ou afinida<strong>de</strong> (TSE - Pleno - Consultas nos 341/<br />

DF e 347/DF - Rei. Min. Costa Leite,D iário da Justiça, Seção I, 23 out. 1997, p. 53.880). Conferir, ainda: TSE<br />

- Pleno - Consulta no 398 - Classe 5a - Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Costa Porto, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,4 maio 1998, p. 66.<br />

4 TSE - Consulta ne 1.586 - Rei. Min. Caputo Bastos, <strong>de</strong>cisão: 20-5-2008.<br />

5 STF - 2aT. - Rextr. n° 446.999/PE, Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2005 - Informativo STF na 394, p.<br />

3. Conferir, também: Informativo STF nQ392, p. 2.<br />

6 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o TSE que “não há impedimento para que um filho lance sua candidatura a prefeito<br />

municipal tendo como candidato a vice-prefeito seu pai, vice-prefeito em primeiro mandato” (Consulta n° 1.530/<br />

DF, Rei. Min. Caputo Bastos, <strong>de</strong>cisão: 15-5-2008).


Direitos Políticos 2 6 3<br />

não inclui a inelegibilida<strong>de</strong> dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou<br />

por adoção, <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong> Estado.1<br />

A norma <strong>constitucional</strong> traz duas regras para a inelegibilida<strong>de</strong> reflexa: uma como<br />

norma geral e proibitiva e outra como norma excepcional e permissiva.<br />

• Norma ger ale proibitiva:12 a expressão <strong>constitucional</strong> no território da jurisdição<br />

significa que o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do prefeito municipal<br />

não po<strong>de</strong>rão candidatar-se a vereador e/ou prefeito do mesmo município;<br />

o mesmo ocorrendo no caso do cônjuge, parentes ou afins até segundo grau<br />

do governador, que não po<strong>de</strong>rão candidatar-se a qualquer cargo no Estado<br />

(vereador ou prefeito <strong>de</strong> qualquer município do respectivo Estado; <strong>de</strong>putado<br />

estadual e governador do mesmo Estado; e ainda, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral e senador<br />

nas vagas do próprio Estado, pois conforme entendimento do Tribunal Superior<br />

Eleitoral, “em se tratando <strong>de</strong> eleição para <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral ou senador, cada<br />

Estado e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral constituem uma circunscrição eleitoral”);3 por sua<br />

vez, o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presi<strong>de</strong>nte não po<strong>de</strong>rão<br />

candidatar-se a qualquercargono país. Aplicando-se as mesmas regras àqueles<br />

que os tenham substituído <strong>de</strong>ntro dos seis meses anteriores ao pleito.<br />

O Tribunal Superior Eleitoral enten<strong>de</strong> que “se em algum momento do mandato houve<br />

a relação <strong>de</strong> parentesco, haverá a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização do chefe do<br />

Executivo seis meses antes do pleito”,4 inclusive no caso <strong>de</strong> dissolução do casamento5 ou<br />

do falecimento do titular da chefia do Executivo durante o exercício do mandato executivo.6<br />

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou a Súmula Vinculante na 18, com o<br />

seguinte teor: “A dissolução da socieda<strong>de</strong> ou do vínculo conjugal, no curso do mandato,<br />

não afasta a inelegibilida<strong>de</strong> prevista no § 7- do artigo 14 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral”.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u ainda inexistir inelegibilida<strong>de</strong> presente com<br />

provada separação <strong>de</strong> fato antes <strong>de</strong> iniciado o mandato executivo, mesmo que o divórcio<br />

seja posterior, uma vez que não havería risco <strong>de</strong> caracterização <strong>de</strong> monopólio político<br />

pelo mesmo grupo familiar.7<br />

1 T S E - Consulta n° 3 9 3 - Classe 5a-D istrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Maurício C orrêa - D i á r i o d a J u s tiç a ,<br />

Seção I, 4 mar. 1998, p. 26.<br />

2 TS E -C on su lta n° 1.458 - Brasília - Distrito F e d e ra l-R e i. M in. M arcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 27-5-2008.<br />

3 TS E -R esolu ção n - 19.970, <strong>de</strong> 18-9-1997 - Consulta nü 346/DF - Rei. M in. Costa P o rto - Relator <strong>de</strong>signado:<br />

Min. N é rid a Silveira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 21 out. 1997, p. 53.430.<br />

4 TSE - Consulta nü 924/DF - Rei. M in. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,20 abr. 2004, p. 122.<br />

5 STF - Pleno - RE 568596/MG - Rei. Min. Ricardo Lewandowisk, <strong>de</strong>cisão: l°-10-2008.<br />

6 TSE - Resolução n ° 21.495 - Consulta n° 939 - Classe 5 a- DF - Rei. Min. Fernando Neves, <strong>de</strong>cisão: 9-9-2003;<br />

TSE - Consulta nQ1.5 73 - Brasília - Distrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. Min. Félix Fischer, <strong>de</strong>cisão: 5-5-2008.0 anterior posicionamento<br />

do TSE, que havia sido ratificado pelo STF (Pleno - RE 344.882/B A - Rei. Min. Carlos Velloso, In f o r m a t iv o<br />

STF n° 311) proclamava que a inelegibilida<strong>de</strong> não se aplicava à viúva do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, pois, com a<br />

morte, a socieda<strong>de</strong> conjugal dissolvia-se, não mais se po<strong>de</strong>ndo consi<strong>de</strong>rar cônjuge a viúva (TSE - Rec. 10.245/<br />

AL - Rei. Min. Am érico Luiz, DJU, 15-2-1993; TSE - Rec. 9.747/ES - Rei. Min. A m éricoLuiz,M / 2 1 -9 -1 9 9 2 ).<br />

7 STF - 2a T. - Rextr. n ° 446.999/PE, Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2005 - I n f o r m a t iv o S T F n ° 394, p.<br />

3. Conferir, também: I n f o r m a t iv o STF n Q392, p. 2.


2 6 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Com base na inelegibilida<strong>de</strong> reflexa, no caso <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> Município<br />

por <strong>de</strong>smembramento (CF, art. 18, § 4a) , o irmão do prefeito do Município-mãe não po<strong>de</strong>rá<br />

candidatar-se a Chefe do Executivo do Município recém-criado,1pois como salientou o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“o regime jurídico das inelegibilida<strong>de</strong>s comporta interpretação construtiva dos<br />

preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena valida<strong>de</strong><br />

da exegese que, sorteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria<br />

Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias<br />

políticas locais. O primado da i<strong>de</strong>ia republicana - cujo fundamento ético-político<br />

repousa no exercício do regime <strong>de</strong>mocrático e no postulado da igualda<strong>de</strong> - rejeita<br />

qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar<br />

o po<strong>de</strong>r governamental, comprometendo, <strong>de</strong>sse modo, a legitimida<strong>de</strong><br />

do processo eleitoral”.12<br />

Da mesma forma, será inelegível para o mandato <strong>de</strong> Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo alguém<br />

que vive maritalmente3 ou em união estável,4 inclusive na hipótese <strong>de</strong> união estável homoafetiva,<br />

com o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim <strong>de</strong> 2a grau), pois a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral esten<strong>de</strong> o conceito <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> familiar, nos termos do art 226, § 3a,5<br />

e também, no caso da filiação socioafetiva, pois como <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral,<br />

“ao se admitirem os <strong>direito</strong>s oriundos da filiação socioafetiva, reconhecem-se também, no<br />

âmbito do Direito Eleitoral, todos os <strong>de</strong>veres inerentes ao parentesco, inclusive para as<br />

hipóteses <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s”.6 O mesmo ocorrendo no caso <strong>de</strong> casamento religioso, pois<br />

“no casamento eclesiástico há circunstâncias especiais, com características <strong>de</strong> matrimônio<br />

<strong>de</strong> fato, no campo das relações pessoais e, às vezes, patrimoniais, que têm<br />

relevância na esfera da or<strong>de</strong>m política, a justificar a incidência da inelegibilida<strong>de</strong>”.7<br />

• Norma excepcional e permissiva: no caso do cônjuge, parente ou afim já possuir<br />

mandato eletivo, não haverá qualquer impedimento para que pleiteie a<br />

reeleição, ou seja, candidate-se ao mesmo cargo, mesmo que <strong>de</strong>ntro da cir-<br />

1 Não há inelegibilida<strong>de</strong>, porém , na hipótese d e <strong>de</strong>smem bramento há dois ou mais pleitos (TSE - Consulta n°<br />

926/DF - ReL Min. Fernando Neves, D iá r io d a J u s tiç a , Seção I, 2 set. 2003, p. 59; TSE - Resolução n- 21.465 -<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - ReL Min. Fernando Neves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,14 out. 2003).<br />

2 STF - RE 158.314-2 - PR - I a T. - ReL Min. Celso <strong>de</strong> Mello - D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, 12 fev. 1993. Nesse<br />

mesm o sentido: Súmula 12 do TSE. N o mesmo sentido: TSE - Pleno - Consulta n° 997/DF - Rei. Min. Carlos<br />

Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,26 mar. 2004, p. 119.<br />

3 TSE-Pleno-C onsulta 1212-82/D F - Rei. Min. Marcelo Ribeiro, DJe, 23-9-2011.<br />

4 TSE - Pleno - Recurso Especial Eleitoral 36038/AL - Rei. Min. Arnaldo Versiani, Relator para<br />

Acórdão Min. Henrique Neves, <strong>de</strong>cisão: 16 -8 -20 11; TSE - Pleno - Consulta 1212-82/D F-R ei. Min.<br />

Marcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2011.<br />

5 T S E -C o n s. 12.626-D F - C la s s e 10a - R e i. Min. Marco A u rélio - D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,12 jun. 1992.<br />

6 TSE - Pleno - Recurso Especial Eleitoral 54101-03/PI - Rei. Min. Arnaldo Versiani, <strong>de</strong>cisão:<br />

15 -2 -20 11.<br />

7 R T J 148/844-845. Prece<strong>de</strong>ntes d o Supremo Dribunal Fe<strong>de</strong>ral - RE n “ 106.043-BA; RE n” 98.935-8-PI e RE<br />

nQ 98.968-PB.


Direitos Políticos 265<br />

cunscrição <strong>de</strong> atuação do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo. Note-se que a exceção<br />

<strong>constitucional</strong> refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma circunscrição<br />

eleitoral. A título exemplificativo, o cônjuge, parente ou afim até segundo<br />

grau <strong>de</strong> Governador <strong>de</strong> Estado somente po<strong>de</strong>rá disputar a reeleição para<br />

Deputado Fe<strong>de</strong>ral ou Senador por esse Estado se já for titular <strong>de</strong>sse mandato<br />

nessa mesma circunscrição. Caso, porém, seja titular do mandato <strong>de</strong> Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral ou Senador por outro Estado e pretenda, após transferir seu domicílio<br />

eleitoral, disputar novamente as eleições à Câmara dos Deputados ou ao<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral pelo Estado on<strong>de</strong> seu cônjuge, parente ou afim até segundo<br />

grau seja Governador do Estado, incidirá a inelegibilida<strong>de</strong> reflexa (CF, art. 14,<br />

§ 7a), uma vez que não se tratará juridicamente <strong>de</strong> reeleição, mas <strong>de</strong> uma nova<br />

e primeira eleição para o Congresso Nacional por uma nova circunscrição eleitoral<br />

Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, afirmando que<br />

“O conceito <strong>de</strong> reeleição <strong>de</strong> Deputado Fe<strong>de</strong>ral ou <strong>de</strong> Senador implica renovação do<br />

mandato para o mesmo cargo, p>or mais um período subsequente, no mesmo Estado<br />

ou no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por on<strong>de</strong> se elegeu. Se o parlamentar fe<strong>de</strong>ral transferir o<br />

domicílio eleitoral para outra Unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração e, aí, concorrer, não cabe falar<br />

em reeleição, que pressupõe pronunciamento do corpo <strong>de</strong> eleitores da mesma circunscrição,<br />

na qual, no pleito imediatamente anterior se elegeu. Se o parlamentar<br />

fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato por uma Unida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>rativa, transferir o domicílio<br />

eleitoral para Estado diverso ou para o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong> cônjuge ou parente,<br />

consanguíneo ou afim, até o segundo grau, ou p>or adoção, seja Governador, torna-<br />

-se inelegível, no território da respectiva jurisdição, por não se encontrar, nessas<br />

circunstâncias, em situação jurídica <strong>de</strong> reeleição, embora titular <strong>de</strong> mandato.” 1<br />

8.5.2.1 INELEGIBILIDADE REFLEXA E RENÚNCIA DO DETENTOR DE MANDATO<br />

EXECUTIVO<br />

A Súmula 6 do Tribunal Superior Eleitoral (“É inelegível para o cargo <strong>de</strong> Prefeito, o<br />

cônjuge e os parentes indicados no § 7a do art. 14 da Constituição, do titular do mandato,<br />

ainda, que este haja renunciado ao cargo há mais <strong>de</strong> seis meses do pleito”), não conce<strong>de</strong>ndo<br />

qualquer efeito a renúncia do titular do mandato Executivo para fins <strong>de</strong> afastamento<br />

da inelegibilida<strong>de</strong> reflexa, mantinha a impossibilida<strong>de</strong> da candidatura <strong>de</strong> seu cônjuge e<br />

parentes ou afins até segundo grau para o idêntico cargo <strong>de</strong> Chefe do Executivo.12<br />

Essa previsão não se aplicava para todas as candidaturas a outros mandatos eletivos,<br />

mas somente ao mesmo cargo <strong>de</strong> Chefe do Executivo.<br />

1 T S E - Resolução n° 19.970, <strong>de</strong> 18-9-1997 - Consulta nn 346/DF - Rei. Min. Costa P o rto - Relator <strong>de</strong>signado:<br />

M in .N é rid a Silveira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, 21 out. 1997, p. 53.430.<br />

2 TSE - Resolução n° 20.114, <strong>de</strong> 10-3-98 - Consulta n° 366 - Classe 5“ - Distrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. Min. N é ri da<br />

Silveira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 3jun. 1996, p. 63; TSE - Acórdão n” 192, <strong>de</strong> 3-9-98 - Recurso ordinário n ”<br />

192 - Classe 27a - Tocantins - Palmas - Rei. Min. Edson Vidigal.


2 6 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

A nova interpretação do Tribunal Superior Eleitoral, porém, afastou a incidência da<br />

Súmula 6, igualando a situação da renúncia do Chefe do Executivo seis meses antes do<br />

término do mandato para todas as eventuais candidaturas <strong>de</strong> seu cônjuge, parentes ou<br />

afins até segundo grau.<br />

Dessa forma, se o chefe do Executivo renunciar seis meses antes da eleição, seu cônjuge<br />

e parente ou afins até segundo grau po<strong>de</strong>rão candidatar-se a todos os cargos eletivos,1 inclusive<br />

à chefia do Executivo até então por ele ocupada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esse pu<strong>de</strong>sse concorrer<br />

a sua própria reeleição, afastando-se totalmente a inelegibilida<strong>de</strong> reflexa.12<br />

Caso, porém, o Chefe do Executivo estiver exercendo o 2a mandato consecutivo, a renúncia<br />

não terá nenhum efeito para a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastar a inelegibilida<strong>de</strong> reflexa quanto<br />

a disputa para a chefia do Executivo.3 Nessa hipótese, se ao próprio chefe do Executivo<br />

está vedada a tentativa <strong>de</strong> perpetuação no cargo por mais <strong>de</strong> dois mandatos, igualmente,<br />

não se permitirá essa continuida<strong>de</strong> via reflexa.4<br />

Assim, ampliou-se o entendimento anterior do Tribunal Superior Eleitoral ao afirmar<br />

que, “somente com o afastamento do titular do cargo eletivo do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

seis meses antes do pleito, ficam elegíveis o cônjuge e os parentes, consanguíneos ou<br />

afins”,5 pois a renúncia do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, nos seis meses anteriores à eleição,<br />

somente produzirá efeitos <strong>de</strong> afastamento da inelegibilida<strong>de</strong> reflexa, para a disputa <strong>de</strong><br />

cargos eletivos diversos daquele renunciado pelo titular do mandato.6 Assim, por exemplo,<br />

irmão do Governador do Estado po<strong>de</strong>rá candidatar-se a Deputado Fe<strong>de</strong>ral,7 Senador da<br />

República8 ou Prefeito <strong>de</strong> município,9 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja renúncia do Governador nos seis<br />

meses anteriores ao pleito eleitoral.<br />

O<br />

mesmo, segundo o TSE, ocorre na hipótese <strong>de</strong> separação judicial no curso do I a<br />

mandato. Porém, se isso ocorrer no curso do 2a mandato, será “inelegível, no território<br />

<strong>de</strong> jurisdição do titular, o ex-cônjuge do chefe do Executivo reeleito, visto que em algum<br />

1 TSE - Consulta n 916/DF - Rei. M in. Luiz Carlos M a<strong>de</strong>ira, D iário da Justiça, Seção I, 2 set. 2003, p. 59; TSE<br />

- Consulta ne 918/DF - Rei. M in. Carlos V elloso, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 2 set. 2003, p. 60.<br />

2 TSE - “ E legibilida<strong>de</strong>. Cônjuge. Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo. A rt. 14, § 7- da Constituição. O cônjuge do chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo é elegível para o m esm o cargo do titular, quando este fo r e le g ível e tiver renunciado até<br />

seis meses antes do p leito ” (T S E - A córdão nB 19.442, <strong>de</strong>cisão: 21-8-01). Conferir, ainda: TSE - Consulta nQ<br />

939 -C la ss e 5 - - D istrito Fe<strong>de</strong>ral - B r a s ília - R e i. M in. Fernando N e v e s , D i á r i o d a J u s t i ç a , Seção I, 11 nov. 2003.<br />

3 TSE - Consulta nQ920/DF - Rei. Min. Fernando Neves, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 2 set. 2003, p. 59; TSE -<br />

Consulta ns 922/DF - Rei. M in. Luiz Carlos M a<strong>de</strong>ira, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 2 set. 2003, p. 60.<br />

4 TSE: “ O cônjuge e os parentes, consanguíneos ou afins, até o segu n d o gra u , são elegíveis no território <strong>de</strong><br />

ju risdição do titular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que este não esteja no exercício <strong>de</strong> m an dato fru to <strong>de</strong> reeleiçã o ” (T S E - Consulta nQ<br />

990/D F - Rei. M in. H um berto Gomes <strong>de</strong> Barros, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 5 jul. 2004, p. 1 ). Conferir, ainda:<br />

TSE - Consulta n e 1.035/DF - Rei. Min. Luiz Carlos M a<strong>de</strong>ira, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 21 jun. 2004, p. 904.<br />

5 Prece<strong>de</strong>ntes: Consultas n05 327, 328 e 366 (C onsu lta nQ428 - Classe 5a - D istrito Fe<strong>de</strong>ral - Rei. M in . N é ri da<br />

Silveira, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 24 <strong>de</strong>z. 1998, capa).<br />

6 T S E - Resoluções nQS 15.120/89 e 15.284/89.<br />

7 TSE - Resolução n p 14.130/94.<br />

8 T S E -R e s o lu ç ã o ne 18.804/92.<br />

9 TSE - Resolução nQ19.492/96.


Direitos Políticos 267<br />

momento do mandato existiu o parentesco, po<strong>de</strong>ndo comprometer a lisura eleitoral”,1<br />

inclusive ao cargo <strong>de</strong> vice-chefe do Executivo.12<br />

Da mesma forma, enten<strong>de</strong> o Tribunal Superior Eleitoral ser “inelegível o cônjuge <strong>de</strong><br />

chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo em primeiro mandato que não exerceu o mandato para o qual<br />

foi reeleito, por ter tido o seu diploma cassado”, uma vez que, “o objetivo do § 7a do art.<br />

14 da CF é impedir o continuísmo familiar na chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo, em benefício da<br />

garantia da lisura e higi<strong>de</strong>z do processo eleitoral”.3<br />

8.5.3 Militar<br />

O militar é alistável, po<strong>de</strong>ndo ser eleito, conforme <strong>de</strong>termina o art. 14, § 8®. Ocorre,<br />

porém, que o art. 142, § 3a, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral proíbe aos membros das Forças<br />

Armadas, enquanto em serviço ativo, estarem filiados a partidos políticos. Essa proibição,<br />

igualmente, se aplica aos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, em face<br />

do art. 42, § I a.4<br />

Como solucionar este aparente conflito <strong>constitucional</strong>: a necessida<strong>de</strong> do militar<br />

estar filiado a partido político para exercer sua capacida<strong>de</strong> eleitoral passiva (CF, art. 14,<br />

§ 3a, V), garantida pelo art. 14, § 8a, da CF e a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> filiar-se a partidos políticos<br />

enquanto em serviço ativo?<br />

O assunto já foi reiteradamente julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral, na vigência<br />

da antiga redação do art. 42, § 6a, substituído pela EC na 18/98, por semelhante redação<br />

pelos atuais arts. 42, § I a e 142, § 3a, V, on<strong>de</strong> se indica “como suprimento da prévia<br />

filiação partidária, o registro da candidatura apresentada pelo partido e autorizada pelo<br />

candidato”.5 Assim, do registro da candidatura até a diplomação do candidato ou seu<br />

regresso às Forças Armadas, o candidato é mantido na condição <strong>de</strong> agregado,6 ou seja,<br />

afastado temporariamente, caso conte com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> serviço, ou ainda, será<br />

afastado <strong>de</strong>finitivamente, se contar com menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos.<br />

Fixada esta premissa, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que o militar alistável é elegível,<br />

atendidas as seguintes condições:<br />

1 TSE - Resolução n ° 21.441 - Consulta n ° 888 - Classe 5a - D istrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. M in. Carlos<br />

Velloso, <strong>de</strong>cisão: 12-8-03.<br />

2 TSE - Resolução na 21.475 - Consulta na 923 - Classe 5 a- Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Barros M on ­<br />

teiro, <strong>de</strong>cisão: 26-8-03. Conferir, ainda: TSE - Pleno - Consulta na 1006/DF - Rei. M in. E llen G ra cie,D i á r i o da<br />

J u s tiç a , Seção I, 16 mar. 2004, p. 78. O mesmo entendimento aplica-se ao divórcio. Conferir: TSE - Resolução<br />

n ° 21.567-C la sse 5a-D istrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Rei. Min. Fernando Neves, <strong>de</strong>cisão: 20-11-2003.<br />

3 TSE - Pleno - REsp Eleitoral na 25.275/SP - Rei. Min. José Delgado, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 9 jun. 2006,<br />

p. 134.<br />

4 Ambos os artigos com a redação dada pela Em enda Constitucional na 18, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998.<br />

5 Acórdão TSE n ° 11.314. Conferir, ainda: TSE - “A filiação partidária contida no art. 14, § 3a, V, Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral não é exigível ao m ilitar da ativa que pretenda concorrer a cargo eletivo, bastando o pedido <strong>de</strong> registro<br />

<strong>de</strong> candidatura após prévia escolha em convenção partidária (Res.-TSE na 21.608/2004, art. 14, § I a) ” (TSE<br />

- Consulta na 1.0 14/D F-R ei. Min. Hum berto Gomes <strong>de</strong> Barros, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 5 jul. 2004, p. 1).<br />

6 Resolução n ° 17.904-TSE, d e 10-3-92, Rei. M in. Am érico Luz.


2 6 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

• se contar menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> serviço, <strong>de</strong>verá afastar-se da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma<br />

<strong>de</strong>finitiva;1<br />

• se contar mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, será agregado pela autorida<strong>de</strong> superior e, se eleito,<br />

passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inativida<strong>de</strong>.<br />

8 .5 .4 Previsões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no § 9a, do art. 14, autorizou a edição <strong>de</strong> lei complementar (LC<br />

na 64/90 e LC na 81/94) para dispor sobre outros casos <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s e os prazos <strong>de</strong><br />

sua cessação, a fim <strong>de</strong> proteger a probida<strong>de</strong> administrativa, a moralida<strong>de</strong> para o exercício<br />

do mandato, consi<strong>de</strong>rada a vida pregressa do candidato, e a normalida<strong>de</strong> e legitimida<strong>de</strong><br />

das eleições contra a influência do po<strong>de</strong>r econômico ou do abuso do exercício <strong>de</strong> função,<br />

cargo ou emprego na administração direta ou indireta.<br />

A lei complementar é a única espécie normativa autorizada <strong>constitucional</strong>mente a<br />

disciplinar a criação e estabelecer os prazos <strong>de</strong> duração <strong>de</strong> outras inelegibilida<strong>de</strong>s relativas,<br />

sendo-lhe vedada a criação <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> absoluta, pois estas são previstas taxativa -<br />

mente pela própria Constituição.<br />

Existe, portanto, uma autêntica reserva <strong>de</strong> Lei Complementar, e, consequentemente,<br />

qualquer outra lei, regulamento, regimento, portaria ou resolução que verse o assunto será<br />

in<strong>constitucional</strong>, por invasão <strong>de</strong> matéria própria e exclusiva daquela espécie normativa.12<br />

Nesse sentido, em relação ao pedido da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB)<br />

para que fossem inelegíveis os candidatos que estivessem sendo processados por improbida<strong>de</strong><br />

administrativa - mesmo sem o respectivo trânsito em julgado - “O Plenário do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao julgar a ADPF 144/DF, <strong>de</strong>clarou-a improce<strong>de</strong>nte, em <strong>de</strong>cisão<br />

impregnada <strong>de</strong> efeito vinculante e que estabeleceu conclusões assim proclamadas<br />

por esta Corte: (1) a regra inscrita no § 9a do art. 14 da Constituição, na redação dada<br />

pela Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na 4/94, não é autoaplicável, pois a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

novos casos <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> e a estipulação dos prazos <strong>de</strong> sua cessação, a fim <strong>de</strong> proteger<br />

a probida<strong>de</strong> administrativa e a moralida<strong>de</strong> para o exercício do mandato, consi<strong>de</strong>rada a<br />

vida pregressa do candidato, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m, exclusivamente, da edição <strong>de</strong> lei complementar,<br />

cuja ausência não po<strong>de</strong> ser suprida mediante interpretação judicial; (2) a mera existência<br />

<strong>de</strong> inquéritos policiais em curso ou <strong>de</strong> processos judiciais em andamento ou <strong>de</strong> sentença<br />

penal con<strong>de</strong>natória ainda não transitada em julgado, além <strong>de</strong> não configurar, por si só,<br />

hipótese <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>, também não impe<strong>de</strong> o registro <strong>de</strong> candidatura <strong>de</strong> qualquer<br />

cidadão; (3) a exigência <strong>de</strong> coisa julgada a que se referem as alíneas d, e e h do inciso I do<br />

art. I a e o art. 15, todos da Lei Complementar na 64/90, não transgri<strong>de</strong> nem <strong>de</strong>scumpre<br />

os preceitos fundamentais concernentes à probida<strong>de</strong> administrativa e à moralida<strong>de</strong> para o<br />

exercício <strong>de</strong> mandato eletivo; (4) a ressalva a que alu<strong>de</strong> a alíneag do inciso I do art. Ia da<br />

1 STF - Pleno - RE 279469/RS - Rei. Min. Maurício Corrêa, Red. p/ Acórdão Min. Cezar Peluso,<br />

<strong>de</strong>cisão: 16 -3-20 11.<br />

2 Conform e ensina o Tribunal Superior Eleitoral: “ Legislar sobre matéria <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> é da competência<br />

privativa da União Fe<strong>de</strong>ral e somente po<strong>de</strong> ser regulada por lei complementar fe<strong>de</strong>ral (Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

art. 14, § 9“ c/c art. 22, I)” - (TSE - Consulta n° 397 - Classe 5a - Distrito Fe<strong>de</strong>ral (Brasília) - Resolução n°<br />

20.144 - Rei. Min. Eduardo Alckim, D iá r io d a J u s tiç a , Seção I, 9 abr. 1998, p. 4).


Direitos Políticos 269<br />

Lei Complementar nQ64/90, mostra-se compatível com o § 9a do art. 14 da Constituição,<br />

na redação dada pela Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão na 4/94.”1<br />

A Lei Complementar na 135, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2010 (Lei da “Ficha-Limpa”), que<br />

altera a LC n° 64/90, estabeleceu outros casos <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s, prazos <strong>de</strong> cessação,<br />

<strong>de</strong>terminando outras providências, para incluir hipóteses <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> que visam<br />

proteger a probida<strong>de</strong> administrativa e a moralida<strong>de</strong> no exercício do mandato. Sobre sua<br />

aplicabilida<strong>de</strong> imediata, em virtu<strong>de</strong> do art. 16 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, conferir discussão<br />

importantíssima no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, em uma <strong>de</strong> suas hipóteses (renúncia<br />

a mandato eletivo), terminou seu julgamento empatado em 5 x 5, e, por fim, <strong>de</strong>ixando<br />

seu Presi<strong>de</strong>nte exercer o “Voto <strong>de</strong> Minerva”, o Colegiado, por maioria, optou pela aplicação<br />

da regra regimental <strong>de</strong> manutenção da <strong>de</strong>cisão do Tribunal Superior Eleitoral, que havia<br />

<strong>de</strong>cretado a inelegibilida<strong>de</strong>.12<br />

9 PRIVAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS<br />

O cidadão po<strong>de</strong> ser privado, <strong>de</strong>finitiva ou temporariamente, <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos,<br />

em face <strong>de</strong> hipóteses taxativamente previstas no texto <strong>constitucional</strong>.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não aponta as hipóteses <strong>de</strong> perda ou suspensão dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos, porém a natureza, forma e, principalmente, efeitos das mesmas possibilitam a<br />

diferenciação entre os casos <strong>de</strong> perda e suspensão.<br />

O art. 15 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece ser vedada a cassação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos,<br />

cuja perda ou suspensão só se dará nos casos <strong>de</strong> cancelamento da naturalização por sentença<br />

transitada em julgado; incapacida<strong>de</strong> civil absoluta; con<strong>de</strong>nação criminal transitada<br />

em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa <strong>de</strong> cumprir obrigação a todos imposta<br />

ou prestação alternativa, nos termos do art. 5°, inc. VIII, e improbida<strong>de</strong> administrativa,<br />

nos termos do art. 37, § 4a.<br />

Ocorrendo uma das hipóteses previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o fato <strong>de</strong>verá ser<br />

comunicado ao Juiz Eleitoral competente, que <strong>de</strong>terminará sua inclusão no sistema <strong>de</strong><br />

dados, para que aquele que estiver privado <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos seja <strong>de</strong>finitivamente<br />

(perda), seja temporariamente (suspensão), não figure na folha <strong>de</strong> votação.<br />

A privação dos <strong>direito</strong>s políticos, seja nas hipóteses <strong>de</strong> perda seja nas <strong>de</strong> suspensão,<br />

engloba a perda do mandato eletivo, <strong>de</strong>terminando, portanto, imediata cessação <strong>de</strong> seu<br />

exercício.3 Note-se que, no caso <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> parlamentares fe<strong>de</strong>rais, a própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral regulamenta o mecanismo da perda do mandato, afirmando em seu art.<br />

55, § 3a, que per<strong>de</strong>rá o mandato o Deputado ou Senador que per<strong>de</strong>r ou tiver suspensos os<br />

1 Conferir: STF - Ag.Reg. Rcl. 6.534/MA - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 25-9-2008.<br />

2 STF - Pleno - RE 631.102/PA - Rei. M in. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 27-10-2010 e STF - Pleno - R E - 630.147/<br />

DF, Rei. Min. Ayres Britto.<br />

3 STF - I a T. - Embs. Decl. em Embs. Decl. em Agr. Reg. em Ag. <strong>de</strong> inst. ou <strong>de</strong> pet. nQ177.313/MG - Rei. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 5 nov. 1996, p. 44.488 - Ementário STF, 1.850/1.900. No mesmo<br />

sentido <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF - Pleno - Rextr. nQ225.019/GO - Rei. Min. Nelson Jobim,<br />

<strong>de</strong>cisão: 8-8-99 -Inform ativo STF nQ161. Conferir, ainda, Informativo STF nQ162).


2 7 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>direito</strong>s políticos, por <strong>de</strong>claração da Mesa da Casa respectiva, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação<br />

<strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong> seus membros, ou <strong>de</strong> partido político representado no Congresso<br />

Nacional, assegurada a ampla <strong>de</strong>fesa. Essa previsão somente não é aplicável na hipótese<br />

<strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos por con<strong>de</strong>nação criminal em sentença transitada em<br />

julgado, enquanto durarem seus efeitos, como será analisado no item 9.2.2.<br />

Aquele que estiver com sua inscrição cancelada, por ter perdido seus <strong>direito</strong>s políticos,<br />

ou suspensa, por estar com seus <strong>direito</strong>s políticos suspensos, cessado o motivo ensejador<br />

da privação, po<strong>de</strong>rá regularizar sua situação junto à Justiça Eleitoral.1<br />

9.1 Perda<br />

A perda dos <strong>direito</strong>s políticos configura a privação <strong>de</strong>finitiva dos mesmos e ocorre nos<br />

casos <strong>de</strong> cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado e recusa <strong>de</strong><br />

cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5o, VIII,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

9 .1 .1 Cancelam ento da naturalização por sen ten ça transitada em Julgado,<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> nociva ao in teresse nacional (CF, art. 12, § 4 a)<br />

A hipótese <strong>de</strong> perda da nacionalida<strong>de</strong> brasileira por esse motivo já foi estudada anteriormente.<br />

Como consequência <strong>de</strong>sta perda, o indivíduo retoma à situação <strong>de</strong> estrangeiro<br />

per<strong>de</strong>ndo os <strong>direito</strong>s políticos, pois o atributo da cidadania é próprio dos que possuem<br />

nacionalida<strong>de</strong>. Somente o Po<strong>de</strong>r Judiciário (Justiça Fe<strong>de</strong>ral, art. 109, X, da CF) po<strong>de</strong>rá<br />

<strong>de</strong>cretar a perda dos <strong>direito</strong>s políticos nessa hipótese.<br />

9 .1 .2 E scu sa <strong>de</strong> co n sciê n cia<br />

O art. 5a, inciso VIII, prevê que ninguém será privado <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s por motivo <strong>de</strong> crença<br />

religiosa ou <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se <strong>de</strong> obrigação<br />

legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.<br />

A Lei na 8.239, <strong>de</strong> 4-10-1991, com alterações da Lei na 12.608, <strong>de</strong> 2012, regulamentada<br />

pela Portaria na 2.681, <strong>de</strong> 28-7-1992 (fundamentada no § I a do art. 143 da CF):<br />

“Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que,<br />

em tempo <strong>de</strong> paz, após alistados, alegarem imperativo <strong>de</strong> consciência, entendo-se<br />

como tal o <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> crença religiosa e <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, para<br />

se eximirem <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> caráter essencialmente militar”,<br />

previu as obrigações alternativas para o caso <strong>de</strong> serviço militar obrigatório.<br />

1 Cf. Título III - D a perda e da suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos - Tribunal Superior Eleitoral Resolução n ° 19.875,<br />

<strong>de</strong> 12-6-1997, modificada pela Resolução n° 19.975, <strong>de</strong> 23-9-1997.


Direitos Políticos 2 7 1<br />

Assim, para que haja perda dos <strong>direito</strong>s políticos <strong>de</strong>verão estar presentes os dois<br />

requisitos:<br />

• <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> uma obrigação a todos imposta;<br />

• recusa à realização <strong>de</strong> uma prestação alternativa fixada em lei: caso não tenha<br />

sido editada a lei regulamentando a prestação alternativa, não há possibilida<strong>de</strong><br />

do cidadão ser afetado em seus <strong>direito</strong>s políticos por inércia estatal. Dessa<br />

forma, ficará aguardando a edição legislativa.<br />

Diferentemente da constituição anterior, on<strong>de</strong> havia expressa previsão da competência<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República para <strong>de</strong>cretar a perda dos <strong>direito</strong>s políticos nessa hipótese<br />

(CF/67-69, art. 144, § 20), 1a atual silenciou a respeito.<br />

Analisando a questão, José Afonso da Silva enten<strong>de</strong> que se a Constituição não autorizou<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República a fazê-lo,<br />

“só resta ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, único que tem po<strong>de</strong>r para dirimir a questão, em<br />

processo suscitado pelas autorida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rais em face <strong>de</strong> caso concreto” ,12 esta<br />

competência.<br />

Datavenia <strong>de</strong>sse entendimento, concordamos comFávila Ribeiro, para quem<br />

“o legislador constituinte <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> estabelecer, ce<strong>de</strong>u à lei fe<strong>de</strong>ral, com<br />

base no art. 22, XIII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a competência para regular esse<br />

procedimento”.3<br />

Mesmo porque, lembre-se que no caso <strong>de</strong> perda da nacionalida<strong>de</strong> por naturalização<br />

voluntária (CF, art. 12, § 4Q, II), e consequente perda dos <strong>direito</strong>s políticos, é competente<br />

a autorida<strong>de</strong> administrativa, como já visto.<br />

A Lei ne 8.239, <strong>de</strong> 4-10-1991, que regulamentou o art. 143, § 1£, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

acolhendo esse entendimento, <strong>de</strong>termina que a recusa ou cumprimento incompleto<br />

do serviço alternativo, sob qualquer pretexto, por motivo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pessoal do<br />

convocado, implicará o não fornecimento do certificado correspon<strong>de</strong>nte, pelo prazo <strong>de</strong><br />

dois anos após o vencimento do período estabelecido. Findo o prazo previsto no parágrafo<br />

anterior, o certificado só será emitido após a <strong>de</strong>cretação, pela autorida<strong>de</strong> administrativa<br />

competente, da suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos do inadimplente, que po<strong>de</strong>rá, a qualquer<br />

tempo, regularizar sua situação mediante cumprimento das obrigações <strong>de</strong>vidas. Apesar<br />

da lei referir-se à suspensão, trata-se <strong>de</strong> perda, pois não configura uma sanção com prazo<br />

<strong>de</strong>terminado para terminar. O que a lei possibilita é a reaquisição dos <strong>direito</strong>s políticos, a<br />

qualquer tempo, mediante o cumprimento das obrigações <strong>de</strong>vidas J4<br />

1 CF/67-69, art. 144, § 2".<br />

2 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 338.<br />

3 RIBEIRO, Fávila. Comentários... O p.cit. v.2 . p. 268.<br />

4 Nesse sentido, conferir <strong>de</strong>dsão d o Tribunal Superior Eleitoral: “O nominado eximiu-se d e prestar o serviço<br />

militar obrigatório em razão <strong>de</strong> convicção religiosa (Atestado - fls. 10), pelo que a regularização <strong>de</strong> sua situação<br />

eleitoral somente po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>ferida após ser promovida a quitação <strong>de</strong> suas obrigações para com o serviço


2 7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

9.1.3 Outros ca so s <strong>de</strong> perda<br />

Tanto a perda quanto a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, como já ressaltado, somente<br />

po<strong>de</strong>rão ocorrer nos casos taxativamente previstos na Constituição. Logicamente, não<br />

necessariamente nas previsões do art. 15, como é o caso da hipótese prevista no art. 12,<br />

§ 4Q, II. Assim, <strong>de</strong>termina essa norma legal que será <strong>de</strong>clarada a perda da nacionalida<strong>de</strong><br />

brasileira administrativamente, quando a pessoa adquirir outra nacionalida<strong>de</strong> por naturalização<br />

voluntária. Como consequência <strong>de</strong>sta alteração em sua condição jurídica,<br />

tornando-se estrangeiro, por óbvio não mais terá <strong>direito</strong>s políticos no Brasil.1<br />

O mesmo ocorrerá nas hipóteses em que o procedimento <strong>de</strong> naturalização vier a ser<br />

anulado judicialmente por vício <strong>de</strong> consentimento no ato jurídico (erro, dolo, coação,<br />

frau<strong>de</strong> ou simulação). A pessoa retornará à condição <strong>de</strong> estrangeiro, <strong>de</strong>ixando, pois, <strong>de</strong><br />

ostentar <strong>direito</strong>s políticos perante o or<strong>de</strong>namento brasileiro.<br />

9.2 Suspensão<br />

A suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos caracteriza-se pela temporarieda<strong>de</strong> da privação<br />

dos <strong>direito</strong>s políticos e ocorre nas seguintes hipóteses: incapacida<strong>de</strong> civil absoluta; con<strong>de</strong>nação<br />

criminal com trânsito em julgado, enquanto durarem seus efeitos; improbida<strong>de</strong><br />

administrativa.<br />

9 .2 .1 In capacida<strong>de</strong> civ il absoluta<br />

Um dos efeitos secundários da sentença judicial que <strong>de</strong>creta a interdição é a suspensão<br />

dos <strong>direito</strong>s políticos. Assim, basta a <strong>de</strong>cretação da interdição do incapaz, nos termos do<br />

Código Civil, para que <strong>de</strong>corra, como efeito secundário e específico da sentença judicial,<br />

a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, enquanto durarem os efeitos da interdição.<br />

9.2.2 Con<strong>de</strong>nação crim inal com trânsito em julgado enquanto durarem<br />

se u s efeito s<br />

Todos os sentenciados que sof rerem con<strong>de</strong>nação criminal com trânsito em julgado<br />

estarão com seus <strong>direito</strong>s políticos suspensos até que ocorra a extinção da punibilida<strong>de</strong>,<br />

como consequência automática e inafastável da sentença con<strong>de</strong>natória.*12 A duração<br />

m ilitar e requerida ao Ministério da Justiça a reaquisição <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos” (TSE - Plen o - Processo<br />

DP nQ2.420/01 - CGE/RJ - Protocolo: 14.012/01, Rei. Min. Garcia V ieira, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 10 out.<br />

2001, p. 95).<br />

1 Cf. TSE -P le n o -Processo DP nQ2.410/01 -C G E / D F - Protocolo: 14.921/01, Rei. Min. Garcia Vieira, D i á r i o<br />

d a J u s tiç a , Seção 1,10 out. 2001, p. 95; T S E -P len o - Processo DP nQ2.418/01 - CGE/DF - Protocolo: 14.920/01,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 10 out. 2001, p. 95; TSE - Pleno - Processo DP nQ2.397/01 - CGE/DF - Protocolo:<br />

14.939/01, Rei. Min. Garcia Vieira, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 10 out. 2001, p. 95.<br />

2 ROLLO, Alberto, BRAGA, Enir. In e le g ib ilid a d e à l u z d a ju r is p r u d ê n c ia . São Paulo: Fiúza, 1995. p. 73-77.<br />

Citação <strong>de</strong> vários prece<strong>de</strong>ntes jurispru<strong>de</strong>nciais.


Direitos Políticos 273<br />

<strong>de</strong>ssa suspensão cessa com a já citada ocorrência da extinção da punibilida<strong>de</strong>, seja pelo<br />

cumprimento da pena, seja por qualquer outra das espécies previstas no Código Penal,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> reabilitação ou <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> reparação <strong>de</strong> danos (Súmula 9 do<br />

TSE: “A suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação criminal transitada em<br />

julgado cessa com o cumprimento ou a extinção da pena, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> reabilitação<br />

ou <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> reparação dos danos”) .<br />

Os requisitos para a ocorrência <strong>de</strong>ssa hipótese <strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos são:<br />

• con<strong>de</strong>nação crim inal com trânsito em julgado: O art. 15, inciso III, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral é autoaplicável, sendo consequência direta e imediata da <strong>de</strong>cisão<br />

con<strong>de</strong>natória transitada em julgado,1 não havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação<br />

expressa a respeito <strong>de</strong> sua incidência na <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória e prescindindo-<br />

-se <strong>de</strong> quaisquer formalida<strong>de</strong>s.12 Assim, a con<strong>de</strong>nação criminal transitada em<br />

julgado acarreta a suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos pelo tempo em que durarem<br />

seus efeitos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> estar em curso ação <strong>de</strong> revisão criminal.3<br />

Não transitada em julgado a sentença con<strong>de</strong>natória, po<strong>de</strong> ser concedido o<br />

registro do candidato, uma vez que a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos prevista<br />

pelo inciso III, do art. 15, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ainda não terá incidência.4 O<br />

disposto no art. 15, inciso III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao referir-se ao termo<br />

“con<strong>de</strong>nação crim inal transitada em julgado” não distingue quanto ao tipo <strong>de</strong><br />

infração penal cometida,5 abrangendo não só aquelas <strong>de</strong>correntes da prática<br />

<strong>de</strong> crimes dolosos ou culposos,6 mas também as <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> contravenção<br />

penal,7 in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da aplicação <strong>de</strong> pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,8 pois<br />

1 TSE, Pleno, Recurso Especial Eleitoral nQ114-50, Selvíria/MS, Rei. Min. Laurita Vaz,<strong>de</strong>cisão: 6-8-2013.<br />

2 STF, Pleno, AP 396 QO/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgamento: 26-6-2013; STF, Pleno, AP 470/MG, Rei.<br />

Min. Joaquim Barbosa, julgamento: 17-12-2012; STF, Pleno, AP 565/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, 7 e 8-8-<br />

2013; STF - Pleno -R e x tr. n2 179.5 02/SP - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1995, p.<br />

28.389; STF - l 3T. - Rextr. n2 418.876-7/M T- Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, 4 junho 2004<br />

- Ementário n° 2154-4.<br />

3 T S E -P le n o -R e s p . n2 0013924/PB - Rei. Min. Eduardo Andra<strong>de</strong> Ribeiro <strong>de</strong> Oliveira, d. l Qout. 1996.<br />

4 TSE - Pleno - Resp. nQ0001368/SP - Rei. Min. Haroldo Teixeira Valladão, d. 2 out. 1958; TSE - Pleno - Resp.<br />

ne 0000129/SP -61. Min. Antônio Vieira Braga, d. 30 set. 1958. No mesmo sentido <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (STF - Pleno - Rextr. n2 225.019/GO - Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 8-8-99 - Informativo STF n2<br />

161), tendo <strong>de</strong>stacado o relator, que “a inelegibilida<strong>de</strong> só se configura com o trânsito em julgado” (Informativo<br />

STF n2 162).<br />

5 TSE - Pleno -M S n2 2.471/PR - Acórdão n22.471 (11-9-96) - Rei. Min. Eduardo Ribeiro.<br />

6 STF -P le n o - Rextr. nQ179.502-6/SP- Rei. Min. Moreira Alves -E m entário nQ1.799-09; T S E - P le n o - Recurso<br />

nQ9.900/RS-Acórdão nQ12.731 - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, d. 24 set. 1992. Na hipótese tratava-se <strong>de</strong><br />

suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação transitada em julgado por lesões corporais culposas.<br />

7 TSE - Pleno - Resp. nQ0013293/MG - Rei. Min. Eduardo Andra<strong>de</strong> Ribeiro <strong>de</strong> Oliveira, d. 7 nov. 1996.<br />

8 Importante salientar o posicionamento mais restritivo do Tribunal Regional Eleitoral <strong>de</strong> São Paulo, para o qual<br />

“utilizando-se da técnica finalística <strong>de</strong> interpretação <strong>constitucional</strong>, po<strong>de</strong>r-se-ia concluir que os crimes culposos<br />

são insuscetíveis <strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos e os crimes dolosos <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong>ssa mesma suspensão<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da existência ou cumprimento da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>” (Acórdão nQ112.985 - Rei. Juiz<br />

Mathias Coltro), que porém não encontra respaldo no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, como salientado pelo Min.<br />

limar Galvão ao analisar o art. 15, inciso III: “Também estou com S. Exa. em i<strong>de</strong>ntificar na ética o fundamento


274 Direito Constitucional • Moraes<br />

a ratio do citado dispositivo é permitir que os cargos públicos eletivos sejam<br />

reservados somente para os cidadãos insuspeitos, preservando-se a dignida<strong>de</strong><br />

da representação <strong>de</strong>mocrática. Importante, portanto, relembrar a lição do<br />

Ministro Carlos Velloso que, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a aplicabilida<strong>de</strong> do art. 15, inciso III,<br />

tanto aos crimes dolosos quanto aos crimes culposos, afirma que<br />

“sou daqueles que enten<strong>de</strong>m que os cargos públicos <strong>de</strong>veríam ser reservados<br />

para os cidadãos insuspeitos. Não posso enten<strong>de</strong>r que a administração pública<br />

possa impedir que, para cargos menores, sejam empossados cidadãos com maus<br />

antece<strong>de</strong>ntes e que os altos cargos eletivos possam ser exercidos por cidadãos<br />

que estão sendo processados e por cidadão até con<strong>de</strong>nados”.1<br />

Igualmente, a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos é aplicável, segundo o TSE, na<br />

hipótese <strong>de</strong> sentença absolutória imprópria, uma vez que “a <strong>de</strong>cisão que impõe<br />

medida <strong>de</strong> segurança ostenta natureza con<strong>de</strong>natória, atribuindo sanção penal,<br />

razão por que enseja suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos nos termos do art. 15, III,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral”.*12<br />

• Efeitos da con<strong>de</strong>nação criminal: a suspensão dos <strong>direito</strong>s persistirá enquanto<br />

durarem as sanções impostas ao con<strong>de</strong>nado, tendo total incidência durante o<br />

período <strong>de</strong> livramento condicional, e ainda, nas hipóteses <strong>de</strong> prisão albergue<br />

ou domiciliar,3 pois somente a execução da pena afasta a suspensão dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos com base no art. 15, inc. III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4 Em relação ao<br />

período <strong>de</strong> prova do sursis, por tratar-se <strong>de</strong> forma <strong>de</strong> cumprimento da pena,<br />

o sentenciado igualmente ficará privado temporariamente <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s<br />

políticos.5 Anote-se que, diferentemente da Constituição anterior, não se trata<br />

atualmente <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada à edição <strong>de</strong> uma futura<br />

lei complementar, o que impediría a aplicação imediata da suspensão dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos como ocorria. O art. 149, § 2Q, c, com a redação dada pela Emenda<br />

Constitucional na 01, <strong>de</strong> 1969, <strong>de</strong>terminava que: “Assegurada ao paciente ampla<br />

<strong>de</strong>fesa, po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>clarada a perda ou a suspensão dos seus <strong>direito</strong>s políticos<br />

por motivo <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação criminal, enquanto durarem seus efeitos.” Porém, o §<br />

3a <strong>de</strong>sse mesmo artigo estipulava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei complementar<br />

para dispor sobre a especificação dos <strong>direito</strong>s políticos, o gozo, o exercício, a<br />

perda ou suspensão <strong>de</strong> todos ou <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>les e os casos e as condições <strong>de</strong><br />

sua reaquisição. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa redação, entendia o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

da norma, embora extremamente rigorosa, como é <strong>de</strong> se reconhecer, porque não discrimina a natureza nem a<br />

espécie <strong>de</strong> crimes” (Rextr. nQ179.502-6/SP - E m e n t á r io nQ1.799-09).<br />

1 Citação no voto do M in Ceiso <strong>de</strong> M ello - STF - Pleno - Rextr. nQ179.502-6/SP - Rei. Min. Moreira Alves -<br />

E m e n t á r io nQ 1.799-09.<br />

2 TSE - Pleno - PA nQ19.297/PR - Rei. Min. Francisco Peçanha M artins, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 9 jun.<br />

2006, p. 133.<br />

3 Tribunal Regional Eleitoral Estado <strong>de</strong> São Paulo - Tribunal Pleno - Acórdão nQ112.985 - Processo nQ9.477<br />

-C la s s e s é tim a -R e l. Juiz A C . Mathias Coltro, d . 2 jul 1992.<br />

4 TSE - Pleno - Recurso n- 9 .760/PI - Acórdão ne 12.877 - Rei. Min. Eduardo Alckmin, d . 29 set. 1992; TSE -<br />

Pleno - Recurso nQ10.797/RS - Acórdão nQ12.926 - Rei. Min. Carios Velloso, d . 1 out. 1992.<br />

5 TSE - Pleno - Recurso especial eleitoral nQ14.231/SP - Acórdão nQ14.231 (l°-1 0 -9 6 ) - Min. Eduardo Ribeiro.


Direitos Políticos 275<br />

que a con<strong>de</strong>nação criminal transitada em julgado não importava na automática<br />

suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, em face da inexistência da lei complementar<br />

exigida pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.1A partir da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, a<br />

suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação criminal transitada<br />

em julgado se dá ainda que em curso o período <strong>de</strong> prova do sursis, conforme<br />

<strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Em face do disposto no artigo 15,<br />

III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos se dá ainda quando,<br />

com referência ao con<strong>de</strong>nado por sentença criminal transitada em julgado,<br />

esteja em curso o período da suspensão condicional da pena.”12<br />

A. Con<strong>de</strong>nação crim inal com trânsito em Julgado e perda <strong>de</strong> mandato eletivo<br />

Lembremo-nos que, como regra geral, a privação dos <strong>direito</strong>s políticos, inclusive na<br />

hipótese <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos,<br />

engloba a perda do mandato eletivo, <strong>de</strong>terminando, portanto, imediata cessação <strong>de</strong> seu<br />

exercício.3<br />

Porém, os parlamentares fe<strong>de</strong>rais no exercício do mandato que forem con<strong>de</strong>nados<br />

criminalmente inci<strong>de</strong>m na hipótese do art. 55, inciso VI e § 2a, da CF, não per<strong>de</strong>ndo automaticamente<br />

o mandato, mas não po<strong>de</strong>ndo disputar novas eleições enquanto durarem<br />

os efeitos da <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória.4 Isso ocorre pois a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece<br />

que per<strong>de</strong>rá o mandato o Deputado ou Senador que sofrer con<strong>de</strong>nação criminal<br />

em sentença transitada em julgado, sendo que a perda será <strong>de</strong>cidida pela Câmara dos<br />

Deputados ou pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação<br />

da respectiva Mesa ou <strong>de</strong> partido político representado no Congresso Nacional,<br />

assegurada ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

Assim, em face <strong>de</strong> duas normas constitucionais aparentemente conflitantes (CF,<br />

arts. 15, III, e 55, VI) <strong>de</strong>ve-se procurar <strong>de</strong>limitar o âmbito normativo <strong>de</strong> cada uma,<br />

vislumbrando-se sua razão <strong>de</strong> existência, finalida<strong>de</strong> e extensão, para então interpretá-<br />

1 S T F -R T J 61/581, 82/647.<br />

2 STF - Pleno - Rextr. n° 179.502/SP - Rei. M in. M oreira Alves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, 8 set. 1995, p.<br />

28.389; STF - l aT .-R e x tr . nfi418.8 7 6 -7 / M T -R ei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , 4 junho 2004<br />

- E m e n t á r io n® 2154-4.<br />

3 STF - I a T. -E m bs. Decl. emEmbs. Decl. em Agr. Reg. em Ag. <strong>de</strong>inst. o u d ep et. n° 177 .313/M G -R el. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 5 nov. 1996, p. 44 488 ■■E m e n t á r io S T F , 1.850/1.900, TSE - Pleno -<br />

A gravo regim ental na m edida cautelar n2 33/RO - Acórdão n2 33 (26-8-96) - Rei. Min. Marco Aurélio; Tribunal<br />

Regional Eleitoral Estado <strong>de</strong> São Paulo - Tribunal Pleno - Acórdão na 112.985 - Processo na 9.477 - Classe<br />

sétima - Rei. Juiz A. C. Mathias Coltro, d. 2 jul. 1992. C on form e <strong>de</strong>stacado no A córdão n2 116.444/TRE-SP,<br />

“ impõe-se o cancelamento do alistamento e da filiação partidária dos con<strong>de</strong>nados, e x v i do a rt 71, inc. II, do<br />

C ódigo Eleitoral eartigo69, inc. II, da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, por período igual ao da pena aplicada,<br />

aqui incluído o prazo do s u rs is , per<strong>de</strong>ndo os eleitos, por igual razão, os respectivos mandatos’’ (Tribunal Pleno<br />

-A có rd ã o n° 116.444 - processo nQ2 2 / 8 9 - Classe quarta - Rei. Juiz Sebastião Oscar Feltrin, d. 29 o u t 1992).<br />

4 TSE - Pleno - A gravo Regim ento em M edida Cautelar 193-26/MG - ReL Min. Arnaldo Versiani, <strong>de</strong>cisão:<br />

12-5-2011: “A suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, prevista no inciso III, do art. 15 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é efeito<br />

automático da con<strong>de</strong>nação criminal transitada em ju lgado”; TSE - Pleno - Recurso especial eleitoral n° 13.324/<br />

B A -A có rd ã o n° 13.324 (11-3-97) - Min. lim ar Gal vão. Ementa: “ Registro <strong>de</strong> candidatura. Inelegibilida<strong>de</strong>. A r t<br />

15, inciso III, da Constituição. Térm ino do cumprimento da pena posterior ao pedido <strong>de</strong> registro e anterior as<br />

eleições. É in elegível o candidato que à época do pedido <strong>de</strong> sua candidatura encontrava-se com seus <strong>direito</strong>s p o ­<br />

líticos suspensos, não importando que a causa da inelegibilida<strong>de</strong> tenha cessado antes da realização das eleições.”


276 Direito Constitucional • Moraes<br />

las no sentido <strong>de</strong> garantir-se a unida<strong>de</strong> da constituição e a máxima efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />

previsões. A partir <strong>de</strong>ssa análise, percebe-se que a razão <strong>de</strong> existência do art. 55, inciso<br />

VI, e § 2o, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é <strong>de</strong> garantir ao Congresso Nacional a durabilida<strong>de</strong><br />

dos mandatos <strong>de</strong> seus membros (<strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e senadores da República), com a<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar a in<strong>de</strong>pendência do Legislativo perante os <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res, tendo<br />

sua extensão <strong>de</strong>limitada, tão somente, aos próprios parlamentares fe<strong>de</strong>rais, por expressa<br />

e taxativa previsão <strong>constitucional</strong>. Trata-se, pois, <strong>de</strong> uma norma <strong>constitucional</strong> especial<br />

e excepcional em relação à previsão genérica do art. 15, inciso III.<br />

Dessa forma, em relação aos Congressistas con<strong>de</strong>nados criminalmente, com trânsito<br />

em julgado, não será automática a perda do mandato, pois a própria Constituição, estabelecendo<br />

que “a perda será <strong>de</strong>cidida”, exigiu a ocorrência <strong>de</strong> um ato político e discricionário<br />

da respectiva Casa Legislativa Fe<strong>de</strong>ral, absolutamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da <strong>de</strong>cisão judicial.<br />

Como <strong>de</strong>stacou o Ministro Nelson Jobim, no caso <strong>de</strong> parlamentares fe<strong>de</strong>rais, “a perda do<br />

mandato, por con<strong>de</strong>nação criminal, não é automática: <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> um juízo político do<br />

plenário da casa parlamentar. A Constituição outorga ao Parlamento a possibilida<strong>de</strong> da<br />

emissão <strong>de</strong> um juízo político <strong>de</strong> conveniência sobre a perda do mandato. Desta forma, a<br />

rigor, a con<strong>de</strong>nação criminal, transitada em julgado, não causará a suspensão dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos, tudo porque a perda do mandato <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão da Casa parlamentar<br />

respectiva e não da con<strong>de</strong>nação criminal”.1<br />

Nesse sentido, importante <strong>de</strong>stacar a lição trazida pelo Ministro Moreira Alves, relator<br />

do Rextr. n° 179.502-6/SP, em cuja <strong>de</strong>cisão o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral havia pacificado<br />

o assunto:<br />

“Assim sendo, tem-se que, por esse critério da especialida<strong>de</strong> - sem retirar a eficácia<br />

<strong>de</strong> qualquer das normas em choque, o que só se faz em último caso, pelo princípio<br />

dominante no <strong>direito</strong> mo<strong>de</strong>rno, <strong>de</strong> que se <strong>de</strong>ve dar a máxima eficácia possível às<br />

normas constitucionais o problema se resolve excepcionando-se da abrangência<br />

da generalida<strong>de</strong> do art. 15, III, os parlamentares referidos no art. 55, para os quais,<br />

enquanto no exercício do mandato, a con<strong>de</strong>nação criminal por si só, e ainda quando<br />

transitada em julgado, não implica a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, só ocorrendo<br />

tal se a perda do mandato vier a ser <strong>de</strong>cretada pela Casa a que ele pertencer.”12<br />

Ressalte-se, porém, que alterando seu anterior posicionamento, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, na Ação Penal 470 (“mensalão”), por maioria <strong>de</strong> votos (5 x 4), <strong>de</strong>u nova interpretação<br />

<strong>constitucional</strong> aos citados dispositivos, enten<strong>de</strong>ndo pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perda<br />

automática do mandato, a partir do trânsito em julgado, <strong>de</strong> parlamentares fe<strong>de</strong>rais con<strong>de</strong>nados<br />

criminalmente, em especial pela prática <strong>de</strong> crimes contra a administração pública,<br />

em virtu<strong>de</strong> da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manterem o mandato parlamentar face a suspensão dos<br />

<strong>direito</strong>s políticos <strong>de</strong>rivados da sentença con<strong>de</strong>natória transitada em julgado.<br />

1 Trecho do voto do Ministro-relator: STF - Pleno - Rextr. n° 225.019/GO - Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão:<br />

8-8-99 - Informativo STF nD162.<br />

2 Trecho do voto do Min. Moreira Alves - STF - Pleno - Rextr. n ° 179.502-6/SP -Ementário n ° 1.799-09. No<br />

mesmo sentido: “ Da suspensão <strong>de</strong> d ireitos políticos - efeito da con<strong>de</strong>nação criminal transitada em ju lgado -<br />

ressalvada a hipótese excepcional do art. 55, § 2a, da Constituição -resu lta, por si mesma a perda do mandato<br />

eletivo ou do cargo do agente p o lítico ’’ (STF - I a T. - R extr. n - 418.876-7/MT - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

Diário da Justiça, 4 jun. 2004 - Ementário n“ 2154-4).


Direitos Políticos 2 7 7<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado no julgamento, “ é ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que compete a<br />

aplicação das penas cominadas em lei, em caso <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação. A perda do mandato eletivo<br />

é uma pena acessória da pena principal (privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> ou restritiva <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s),<br />

e <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>cretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos<br />

da con<strong>de</strong>nação, quando presentes os requisitos legais para tanto”.1<br />

A mesma situação <strong>de</strong>ve ser estendida em relação aos <strong>de</strong>putados estaduais e distritais,12<br />

por força dos arts. 27, § l e e 32, § 3Ô, que <strong>de</strong>terminam a aplicação das mesmas regras<br />

referentes à perda do mandato do <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral.3<br />

Diversa, porém, é a hipótese em relação aos parlamentares municipais ou <strong>de</strong>tentores<br />

<strong>de</strong> mandatos no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo,4 uma vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não os<br />

excepcionou da total incidência do referido inciso III, do art. 15, não havendo, portanto,<br />

em relação aos vereadores, presi<strong>de</strong>nte,5 governadores e prefeitos, o que justifique o<br />

afastamento da regra geral aplicável na hipótese <strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, qual<br />

seja, imediata cessação do exercício do mandato.6 Dessa forma, uma vez transitada em<br />

julgado a sentença con<strong>de</strong>natória por infração penal praticada por <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato<br />

eletivo, serão remetidas certidões à Justiça Eleitoral, que as encaminhará ao Juiz Eleitoral<br />

competente, que oficiará no caso <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> parlamentares o Presi<strong>de</strong>nte da respectiva<br />

Casa Legislativa, para que <strong>de</strong>clare a extinção do mandato e, consequentemente, efetive<br />

o preenchimento da vaga. Trata-se <strong>de</strong> ato vinculado do Po<strong>de</strong>r Legislativo municipal que<br />

<strong>de</strong>verá, obrigatoriamente, aplicar aefeitos <strong>de</strong>correntes do art. 15, inciso III, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>liberação política.7<br />

1 STF, Pleno, AP 470/MG, Rei. Min. Joaquim Barbosa, julgamento: 17-12-2012; Conferir, ainda, STF, Pleno,<br />

AP 396 QO/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, DJe 3-10-2013 e STF, Pleno, AP 565/RO, Rei. Min. Cármen Lúcia, 7<br />

e 8-8-2013.<br />

2 Conferir voto do Ministro-relator Nelson Jobim: STF - Pleno - Rextr. nQ225.019/GO - <strong>de</strong>cisão: 8-8-99 -<br />

Informativo STF nQ162.<br />

3 Alteramos nosso posicionamento <strong>de</strong>fendido até a 6a edição da presente obra.<br />

4 STF - I a T. - Rext. n2 418.876/MT - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 30-3-2004, Informativo STF n2<br />

342, p. 3.<br />

5 Em relação ao Presi<strong>de</strong>nte, conferir Capítulo 10, item 3.2.2-A.<br />

6 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>. Cassação <strong>de</strong> diploma <strong>de</strong><br />

candidato eleito vereador, porque fora ele con<strong>de</strong>nado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra,<br />

estando em curso a suspensão condicional da pena. Interpretação do art. 15, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Em face<br />

do disposto no art. 15, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos se dá ainda quando, com<br />

referência ao con<strong>de</strong>nado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão<br />

condicional da pena” (STF - Pleno - Rextr. ns 179.502-6/SP - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, 8 set.<br />

1995, p. 28.389). Em sentido contrário: Pedro Henrique Távora Niess enten<strong>de</strong> que essa regra se aplica por<br />

igual aos <strong>de</strong>putados estaduais e aos vereadores, que, portanto, somente po<strong>de</strong>ríam per<strong>de</strong>r seus mandatos em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória transitada em julgado, após voto secreto da maioria absoluta dos membros da<br />

respectiva casa, garantida a ampla <strong>de</strong>fesa (Direitospolíticos: condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>s e inelegibilida<strong>de</strong>s. São<br />

Paulo: Saraiva, 1994. p. 21).<br />

7 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tendo <strong>de</strong>stacado o Ministro-relator que “vereador, con<strong>de</strong>nado<br />

criminalmente, per<strong>de</strong> o mandato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação da Câmara, como consequência da<br />

suspensão <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos... A perda do mandato não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação da Casa. É consequência<br />

da suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos que, por sua vez, é <strong>de</strong>corrência da con<strong>de</strong>nação criminal transitada em julgado”.<br />

Igualmente, em relação aos Prefeitos Municipais, expôs o Ministro Nelson Jobim que “o ato <strong>de</strong>claratório é obrigatório.<br />

Constitui-se em mera formalização da extinção do mandato e da vacância do cargo. Não cabe ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da Câmara <strong>de</strong> Vereadores outra conduta senão a <strong>de</strong>claração da extinção do mandato” (trecho do voto do Ministro-


278 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

B. Diferenciação entre suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos por con<strong>de</strong>nação crim i­<br />

nal transitada em Julgado (CF, art. 15, Inciso III) e Ineleglblllda<strong>de</strong> legal em<br />

face <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação crim inal por <strong>de</strong>terminadas Infrações penais (Lei com plementar<br />

n° 64/90, art. 1®, Inciso I, e)<br />

Por fim, a presente hipótese <strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação<br />

criminal transitada em julgado enquanto durarem seus efeitos não se confun<strong>de</strong><br />

com a previsão <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> do art. I a, inciso I, e, da Lei Complementar na 64/90,<br />

que prevê serem inelegíveis para qualquer cargo os que forem con<strong>de</strong>nados criminalmente,<br />

com sentença transitada em julgado, pela prática <strong>de</strong> crimes contra a economia popular,<br />

a fé pública, a administração púbbca, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo<br />

tráfico <strong>de</strong> entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo prazo <strong>de</strong> 3 (três) anos, após o cumprimento<br />

da pena.<br />

Enquanto a primeira hipótese tem seu fundamento no art. 15, inciso III, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (suspensão), a segunda tem seu fundamento no § 9a do art. 14 (inelegibilida<strong>de</strong><br />

legal) e somente abrange uma situação <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>, posterior ao término da<br />

suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, aos con<strong>de</strong>nados pela prática dos crimes previstos no já<br />

citado art. I a, da LC na 64/90.1<br />

Ressalte-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumulação <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong>s e suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

políticos, pois conforme <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a inelegibibda<strong>de</strong> tem<br />

as suas causas previstas nos §§ 4a a 9a do art. 14 da Carta Magna <strong>de</strong> 1988, que se traduzem<br />

em condições objetivas cuja verificação impe<strong>de</strong> o indivíduo <strong>de</strong> concorrer a cargos eletivos<br />

ou, acaso eleito, <strong>de</strong> os exercer, e não se confun<strong>de</strong> com a suspensão ou perda dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos, cujas hipóteses são previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa<br />

restrição não apenas ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> concorrer a cargos eletivos (ius honor um), mas<br />

também ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto (ius sufragii). Por essa razão, não há in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> na<br />

cumulação entre a inelegibilida<strong>de</strong> e a suspensão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s políticos”.*12<br />

9 .2 .3 Im probida<strong>de</strong> adm inistrativa<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no art. 37, § 4a, prevê que os atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa<br />

importarão a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, a perda da função pública, a indisponibilida<strong>de</strong><br />

dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei,<br />

sem prejuízo da sanção penal cabível, reforçando a previsão <strong>de</strong> suspensão dos <strong>direito</strong>s<br />

políticos do art. 15, V.3 *<br />

-relator: STF - Pleno - Rextr. n - 225.019/G O -R ei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 8-8-99- I n f o r m a t i v o S T F n9 162).<br />

No Estado <strong>de</strong> São Paulo, conferir a Circulam 2 166, do Tribunal Regional Eleitoral, <strong>de</strong> 26-10-1992 que estabelece:<br />

“recebidas as certidões pelo Juízo Eleitoral <strong>de</strong>verá ser instaurado procedim ento administrativo <strong>de</strong> suspensão<br />

da inscrição eleitoral, não havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expedição <strong>de</strong> edital e nem tampouco <strong>de</strong> n ovo contraditório,<br />

uma vez que a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos <strong>de</strong>corre no próprio texto <strong>constitucional</strong>” (cf. TRE/SP - MS n°<br />

1.266 - Angatuba - Acórdão nQ124.734, Rei. Juiz Souza José, d. 14 maio 1992).<br />

1 Cf. ROLLO, Alberto; BRAGA, Enir. In e le g ib ilid a d e à lu z d a ju r is p r u d ê n c ia . São Paulo: Fiúza, 1995. p. 20.<br />

2 STF, ADC 29; ADC 30 e ADI 4.578, Rei. Min. Luiz Fux, julgam ento em 16-2-2012, Plenário, D J E <strong>de</strong> 29-6-2012.<br />

3 STF - Pleno - MS nQ25.461/DF - medida liminar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção<br />

1 ,10 ago. 2005, p. 19.


Direitos Políticos 2 7 9<br />

A questão da improbida<strong>de</strong> administrativa será amplamente analisada no capítulo da<br />

Administração Pública, somente anotando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já que a competência para essahipótese<br />

será do próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário, nas ações envolvendo atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>.<br />

Ressalte-se, ainda, inexistir previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> foro privilegiado para a<br />

propositura <strong>de</strong> ações por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa movidas contra quaisquer<br />

autorida<strong>de</strong>s.1<br />

10 PARTIDOS POLÍTICOS<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral regulamentou os partidos políticos, como instrumentos necessários<br />

e importantes para preservação do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito,12 afirmando a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, fusão, incorporação e extinção <strong>de</strong> partidos políticos, resguardados a<br />

soberania nacional, o regime <strong>de</strong>mocrático, o pluripartidarismo, os <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

da pessoa humana e observados os preceitos <strong>de</strong> caráter nacional; proibição <strong>de</strong> recebimento<br />

<strong>de</strong> recursos financeiros <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> ou governo estrangeiros ou <strong>de</strong> subordinação a estes;<br />

prestação <strong>de</strong> contas à Justiça Eleitoral e funcionamento parlamentar <strong>de</strong> acordo com a lei.<br />

Em relação ao funcionamento parlamentar, a lei não po<strong>de</strong>rá estabelecer “cláusula<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho”, que configure <strong>de</strong>snaturamento da própria sobrevivência dos partidos<br />

políticos, pois, conforme enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a previsão quanto à<br />

competência do legislador ordinário para tratar do funcionamento parlamentar não <strong>de</strong>ve<br />

ser tomada a ponto <strong>de</strong> esvaziar-se os princípios constitucionais, notadamente o revelador<br />

do pluripartidarismo, e inviabilizar, por completo, esse funcionamento, acabando com as<br />

bancadas dos partidos minoritários e impedindo os respectivos <strong>de</strong>putados <strong>de</strong> comporem<br />

a Mesa Diretiva e as comissões”.3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral assegura aos partidos políticos autonomia4 para <strong>de</strong>finir sua<br />

estrutura interna, organização e funcionamento, <strong>de</strong>vendo seus estatutos estabelecer<br />

normas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e disciplina partidárias, sendo vedada a utilização pelos partidos<br />

políticos <strong>de</strong> organização paramilitar.<br />

Em relação à fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que<br />

os mandatos pertencem aos Partidos Políticos que, consequentemente, tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

preservá-los se ocorrer cancelamento da filiação partidária ou transferência <strong>de</strong> legenda,5<br />

1 Conferir Capítulo 10, item 4.7/A4 (Competências do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral).<br />

2 CHIMENTI, Cario. Manuale di dirittopubblico... Op. cit. p. 286.<br />

3 STF - ADI na 1.351/DF e AD I na 1.354/DF, Rei. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 7-12-2006 - Informativo STF<br />

nQ451, Seção I, p. 1.<br />

4 A autonomia dos Partidos Políticos torna incom petente a Justiça Eleitoral para julgar m atéria interna dos<br />

mesmos (T S E - Pleno - C T n“ 1.251/D F-R ei. Min. Carlos Ayres Britto, D ídrío da Justiça, Seção 1,20jun. 2006,<br />

p. 58). Em relação à autonom ia <strong>de</strong> partidos políticos, conferir: STRASSER, Carlos. Teoria <strong>de</strong>i estado. Buenos<br />

Aires: Abeledo-Perrot, 1986. p. 34.<br />

5 TSE - Pleno - Consulta n° 1,398/DF - Rei. Min. Cezar Peluso.


280 Direito Constitucional • Moraes<br />

ou seja, po<strong>de</strong>m requerer à Justiça Eleitoral a cassação do mandato do parlamentar infiel<br />

e a imediata <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> posse do suplente.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral confirmou esse entendimento, tendo o Ministro Celso<br />

<strong>de</strong> Mello <strong>de</strong>stacado que essa possibilida<strong>de</strong> surge <strong>de</strong> “emanação direta do próprio texto da<br />

Constituição, que a esse mesmo <strong>direito</strong> confere realida<strong>de</strong> e dá suporte legitímador, especialmente<br />

em face dos fundamentos e dos princípios estruturantes em que se apoia o Estado<br />

Democrático <strong>de</strong> Direito, como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo político (CF,<br />

art. I a, I, II e V ). Não se trata, portanto, <strong>de</strong> impor, ao parlamentar infiel, a sanção da perda<br />

<strong>de</strong> mandato”, para concluir que “O ato <strong>de</strong> infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, seja ao Partido Político, seja, com<br />

maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um <strong>de</strong>svio ético-político, representa um<br />

inadmissível ultraje ao princípio <strong>de</strong>mocrático e ao exercício legítimo do po<strong>de</strong>r, na medida<br />

em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por razões justas, não só surpreen<strong>de</strong>m<br />

o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias <strong>de</strong> origem - <strong>de</strong>sfalcando-as da<br />

representativida<strong>de</strong> por elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um arbitrário<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> forças no Parlamento, vindo, até, em clara frau<strong>de</strong> à vonta<strong>de</strong> popular, e em<br />

frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face <strong>de</strong> súbita redução<br />

numérica, o exercício pleno da oposição política”.12<br />

Posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução nQ22.610/DF, <strong>de</strong><br />

25 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007, relatada pelo Ministro Cezar Peluso, disciplinando o processo<br />

<strong>de</strong> perda <strong>de</strong> cargo eletivo, bem como <strong>de</strong> justificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiliação partidária,3 sendo<br />

o Tribunal Superior Eleitoral competente para processar e julgar os pedidos relativos a<br />

mandatos fe<strong>de</strong>rais e os Tribunais Regionais Eleitorais competentes para os <strong>de</strong>mais casos.<br />

A resolução estabeleceu que o partido político interessado possa pedir, perante a<br />

Justiça Eleitoral, a <strong>de</strong>cretação da perda <strong>de</strong> cargo eletivo em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiliação<br />

partidária sem justa causa.<br />

O Tribunal Superior Eleitoral, na citada resolução, optou por não <strong>de</strong>finir o conceito<br />

<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> justa causa, preferindo, contrario sensu, estabelecer como justa causa as<br />

seguintes hipóteses: incorporação ou fusão do partido; criação <strong>de</strong> novo partido; mudança<br />

substancial ou <strong>de</strong>svio reiterado do programa partidário; grave discriminação pessoal.4<br />

A Resolução na 22.610/DF estabeleceu, ainda, como primeiro legitimado para o<br />

pedido perante a Justiça Eleitoral o próprio partido político pelo qual foi eleito o político<br />

que se <strong>de</strong>sfiliou, permitindo, porém, na hipótese <strong>de</strong> sua inércia no período <strong>de</strong> 30 dias, que<br />

o pedido seja feito por quem tenha interesse jurídico ou pelo Ministério Público eleitoral.<br />

Os partidos políticos, após adquirirem personalida<strong>de</strong> jurídica, na forma da lei civil,<br />

registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral e terão <strong>direito</strong> a recursos do fundo<br />

partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei.<br />

1 Conferir, nesse sentido, inclusive garantindo ao suplente do Partido e não da Coligação o mandato na hipótese<br />

<strong>de</strong> renúncia: STF - Pleno - MS 29.999 MC/DF, Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 9-12-2010.<br />

2 Voto (STF - Pleno - MS 26.603-1/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 4-10-2007).<br />

3 Nos termos <strong>de</strong> seu art. 13: “Esta Resolução entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, aplicando-se apenas às<br />

<strong>de</strong>sfiliações consumadas após 27 (vin te e sete) <strong>de</strong> março <strong>de</strong>ste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema<br />

proporcional, e, após 16 (<strong>de</strong>zesseis) <strong>de</strong> outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema m ajoritário.’’<br />

4 O § 3°, do art. l Qda Resolução nQ22.610/DF, perm itequ e“ 0 mandatário que se <strong>de</strong>sfiliou ou pretenda <strong>de</strong>sfiliar-<br />

-se po<strong>de</strong> pedir a <strong>de</strong>claração da existência <strong>de</strong> justa causa, fazendo citar o partido na forma <strong>de</strong>sta Resolução.”


Direitos Políticos 281<br />

Conforme salienta Miguel Reale Junior,<br />

“enquanto na Europa vive-se a crise da <strong>de</strong>mocracia dos partidos, partidos <strong>de</strong> massa<br />

que se revelam incapazes <strong>de</strong> satisfatoriamente aglutinar os segmentos sociais, <strong>de</strong><br />

se fazerem intérpretes das aspirações concretas, veículos impróprios para efetiva<br />

participação política, no Brasil é mister iniciar a obra da ligação entre a Socieda<strong>de</strong><br />

Civil e o Estado pelo fortalecimento dos partidos políticos”.1<br />

Com esse intuito, o legislador constituinte fortaleceu a autonomia dos partidos políticos,<br />

diminuindo extraordinariamente o controle do Po<strong>de</strong>r Público sobre eles, visando,<br />

como ressaltado por Michel Temer,<br />

“tentar criar (ou fortalecer) partidos políticos sólidos, comprometidos com <strong>de</strong>terminada<br />

i<strong>de</strong>ologia político-administrativa, uma vez que o partido há <strong>de</strong> ser o<br />

canal condutor a ser percorrido por certa parcela da opinião pública para chegar<br />

ao governo e aplicar o seu programa”,12<br />

uma vez que é essencial lembrar a lição <strong>de</strong> Raul Machado Horta <strong>de</strong> que<br />

“o sistema <strong>de</strong> partidos repercute <strong>de</strong> igual modo no funcionamento do regime presi<strong>de</strong>ncial,<br />

tornando mais flexíveis as relações entre o Presi<strong>de</strong>nte e o Congresso,<br />

ou concorrendo para abrandar as dimensões imperiais do po<strong>de</strong>r presi<strong>de</strong>ncial, em<br />

regime <strong>de</strong> pluripartidarismo”.3<br />

Por fim, importante lembrarmos que, apesar <strong>de</strong> serem os principais operadores políticos<br />

em um regime <strong>de</strong>mocrático, os partidos não são os únicos, havendo a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> tutela <strong>de</strong> interesses setoriais (grupos ecológicos, feministas, pacifistas), através <strong>de</strong><br />

associações e grupos <strong>de</strong> pressão.<br />

10.1 Princípio da anualida<strong>de</strong> eleitoral e fim da verticalização<br />

O § I a do art. 17 do texto <strong>constitucional</strong>, com a nova redação dada pela EC na 52,<br />

<strong>de</strong> 8-3-2006, seguindo a lógica constituinte <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição dos partidos políticos como<br />

entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado, cuja institucionalização jurídica permite sua atuação como<br />

entes <strong>de</strong> intermediação representativa com a socieda<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rá-los<br />

órgãos estatais, como no regime anterior, e, consequentemente, vedou a ingerência in<strong>de</strong>vida<br />

do Po<strong>de</strong>r Público nas agremiações partidárias, consagrando plena autonomia a<br />

todos os partidos políticos, para que possam <strong>de</strong>finir sua estrutura interna, organização e<br />

funcionamento - obviamente, com absoluto respeito aos princípios constitucionais, em<br />

especial, a regra da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana -, e previu, como norma programática,<br />

a necessida<strong>de</strong> dos mesmos instituírem em seus estatutos normas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e disciplina<br />

1 REALE JR., Miguel. Casos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 113.<br />

2 TEMER, Michel. Constituição e... Op. cit. p. 24.<br />

3 HORTA, Raul Machado. Estudos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. Belo H orizonte: Del Rey, 1995. p. 707.


2 8 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

partidárias, a fim <strong>de</strong> se garantir maior coesão nos diversos partidos e, por conseguinte,<br />

um maior amadurecimento partidário no país.<br />

Analisando o caráter nacional das agremiações partidárias, o Tribunal Superior<br />

Eleitoral enten<strong>de</strong>u que, para as eleições gerais - iniciando-se em 2002 -, “os partidos<br />

políticos que ajustarem coligação para eleição <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte da República não po<strong>de</strong>rão<br />

formar coligações para eleição <strong>de</strong> governador <strong>de</strong> estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, senador,<br />

<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral e <strong>de</strong>putado estadual ou distrital com outros partidos políticos que tenham,<br />

isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato à eleição presi<strong>de</strong>ncial”,<br />

criando a <strong>de</strong>nominada regra da verticalização, <strong>de</strong> maneira a impedir que partidos políticos<br />

com candidatos opostos à Presidência da República pu<strong>de</strong>ssem - regionalmente - apoiar<br />

o mesmo candidato ao governo do Estado. Foi o que o TSE enunciou como aplicação do<br />

“Princípio da coerência na formação <strong>de</strong> coligações”.1<br />

O princípio da coerência na formação <strong>de</strong> coligações, segundo entendimento do TSE,<br />

não se aplicava às eleições municipais, pois, nessas, “o eleitor vota somente em cargos da<br />

mesma circunscrição, razão pela qual não incidirá o princípio da coerência na formação <strong>de</strong><br />

coligações, que impe<strong>de</strong> que partidos adversários na circunscrição nacional sejam aliados<br />

nas circunscrições estaduais”, concluindo que, “no pleito municipal, é permitido realizar<br />

coligações partidárias diferenciadas nos municípios do mesmo Estado Fe<strong>de</strong>rativo. Questão<br />

respondida afirmativamente”.12<br />

A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 4°, § I a, da Resolução na 20.993, do TSE, que veiculou<br />

a Instrução na 55, normatizando essa nova interpretação e a consagração do princípio<br />

da coerência na formação <strong>de</strong> coligações, foi afastada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

enten<strong>de</strong>u tratar-se <strong>de</strong> ato normativo secundário regulamentador da Lei ns 9.504/97.3<br />

Em nova consulta sobre o tema, para as eleições presi<strong>de</strong>nciais <strong>de</strong> 2006, o Tribunal<br />

Superior Eleitoral negou o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> insubsistência do princípio da verticalização,<br />

mantendo, <strong>de</strong>ssa forma, as mesmas regras da eleição passada,4 e, posteriormente,<br />

em março <strong>de</strong> 2006, por 5 X 2, o TSE manteve - com base na segurança jurídica e no art.<br />

16 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral - o princípio da verticalização para as próximas eleições gerais.<br />

Ocorre, porém, que após a reiteração do posicionamento do TSE, sobre a aplicação do<br />

princípio da verticalização par a as eleições gerais <strong>de</strong> 2006, o Congresso N acionai promulgou<br />

a EC na 52, em 8-3-2006, que expressamente prevê - como componente <strong>de</strong> autonomia<br />

dos Partidos Políticos - a inexistência <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> vinculação entre as candidaturas<br />

em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, ou seja, a referida emenda<br />

<strong>constitucional</strong> transferiu para o âmbito interno <strong>de</strong> cada uma das agremiações partidárias<br />

a escolha discricionária e política <strong>de</strong> aplicação ou não do princípio da verticalização, sem<br />

que houvesse a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer obrigatorieda<strong>de</strong> nesse sentido.<br />

1 T S E -P le n o -R e s o lu ç ã o n 2 21.002/02-B ra sília / D F - Rei. M in . Garcia Vieira, <strong>de</strong>cisão: 26-2-2002.Diário da<br />

Justiça, Seção 1,15 março 2002, p. 183. Cf, ainda, RJTSE -R evista <strong>de</strong> Jurisprudência do TSE, vol. 13, t. 2, p. 389.<br />

2 TSE - Pleno - Resolução n2 21.474-B ra sília / D F - Rei. M in. Fernando Neves, <strong>de</strong>cisão: 26-8-2003,Diário da<br />

Justiça, Seção I, 3 out. 2003, p. 103. Cf. TJTSE - Revista <strong>de</strong> Jurisprudência do TSE, vol. 14, t. 4, p. 272.<br />

3 STF - Pleno - Adin n2 2.626/DF e 2.628/DF - Rei. p/acórdão Min. EllenG racie, <strong>de</strong>cisão: 18-4-2002. Informativo<br />

STF, n2 264.<br />

4 TSE - Pleno - Resolução n° 21.986 - Brasília/DF - Rei. Min. Carlos M a<strong>de</strong>ira, Diário da Justiça, Seção I, 30-<br />

5-2005, p. 139.


Direitos Políticos 2 8 3<br />

A EC nQ52/06, em seu art. 2°, expressamente previu suaentrada em vigor na data <strong>de</strong><br />

sua publicação, e <strong>de</strong>terminou sua aplicação nas eleições que “ocorrerão no ano <strong>de</strong> 2002".<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do claro erro <strong>de</strong> redação - pelo aproveitamento <strong>de</strong> texto antigo<br />

sobre a verticalização -, a finalida<strong>de</strong> do art. 2° da EC n° 52/06 foi permitir o afastamento<br />

do princípio da verticalização para as eleições gerais <strong>de</strong> 2006, ou seja, para as próximas<br />

eleições, em claro antagonismo com a <strong>de</strong>cisão do Tribunal Superior Eleitoral.<br />

Trata-se <strong>de</strong>, em última análise, <strong>de</strong>terminar a amplitu<strong>de</strong> da incidência do art. 16 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que estabelece que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em<br />

vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da<br />

data <strong>de</strong> sua vigência”.<br />

Da mesma forma que em diversos dispositivos legais o legislador constituinte referiu-<br />

-se à lei como sinônimo <strong>de</strong> espécie normativa primária (por ex.: art. 5Q, II; art. 150,1), o<br />

art. 16 preten<strong>de</strong> consagrar a segurança jurídica nos pleitos eleitorais, permitindo que as<br />

regras do jogo <strong>de</strong>mocrático sejam conhecidas antecipadamente por todos aqueles que <strong>de</strong>le<br />

participam, sejam eleitores e candidatos, sem as autorida<strong>de</strong>s responsáveis pela fiscalização<br />

do pleito eleitoral (Ministério Público e Po<strong>de</strong>r Judiciário).<br />

A subtração implícita da incidência do art. 16 em relação à EC ns 52/06, permitindo<br />

que as regras eleitorais sejam alteradas 6 meses antes da eleição, com o afastamento do<br />

princípio da verticalização, afronta claramente com a ratio da referida norma <strong>constitucional</strong><br />

e atenta contra o princípio da segurança jurídica consagrado no caput do art. 5a da<br />

Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, e, consequentemente, <strong>de</strong>srespeita uma<br />

das cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4a, IV).<br />

Note-se que não s e revogou o art. 16, nem tampouco s e diminuiu sua incidência genérica,<br />

mas, sim, tão somente a EC na 52/06 excluiu sua aplicação para um caso específico,<br />

qual seja, o princípio da verticalização para as próximas eleições.<br />

Dessa forma, mesmo permanecendo no or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> a proteção do<br />

art. 16 à segurança jurídica das eleições, o art. 2a da EC na 52/06 diminuiu sua eficácia,<br />

tornando-o inaplicável para o ano <strong>de</strong> 2006, o que constitui afastamento <strong>de</strong> um princípio<br />

jurídico consubstanciado em cláusula pétrea, e, consequentemente, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>clarado<br />

in<strong>constitucional</strong>.<br />

Nesse sentido, salientou Cármem Lúcia, em relação às alterações da legislação eleitoral<br />

com <strong>de</strong>srespeito ao art. 16 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que: “as modificações no período”<br />

- no período <strong>de</strong> 12 meses que antece<strong>de</strong>m a abertura do processo - “agri<strong>de</strong>m assim: a) à<br />

segurança jurídica do cidadão que não tem ciência das normas que prevalecem no processo;<br />

b) à segurança jurídica do interessado em se candidatar, que não sabe a que normas <strong>de</strong>ve se<br />

submeter; c) à certeza dos órgãos judiciários que cuidam especificamente da legislação eleitoral,<br />

que po<strong>de</strong> se ver às voltas com novas normas para as quais haverão <strong>de</strong> emitir resoluções<br />

que as <strong>de</strong>nsijtquem e esclareçam a sua forma <strong>de</strong> aplicação”.1<br />

1 Petição inicial na ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> proposta pelo Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos A dvogados<br />

do Brasil em face do a rt 2o da EC n“ 52/06 (protocolada no dia 9-3-2006).


284 Direito Constitucional • Moraes<br />

Esse foi o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao proclamar que “o princípio<br />

eleitoral extraído norma inscrita no art. 16 da CF, consubstancia garantia individual do<br />

cidadão-eleitor - <strong>de</strong>tentor originário do po<strong>de</strong>r exercido por seus representantes eleitos (CF,<br />

art. I a, parágrafo único) - e protege o processo eleitoral”, para concluir que “a temática das<br />

coligações está ligada ao processo eleitoral e que a alteração a ela concernente interfere<br />

na correlação das forças políticas e no equilíbrio das posições <strong>de</strong> partidos e candidatos e,<br />

portanto, da própria competição, enten<strong>de</strong>u-se que a norma impugnada afronta o art. 60,<br />

§ 4a, IV, c/c art. 5a, LIV e § 2a, todos da CF. Por essa razão, <strong>de</strong>u-se interpretação conforme<br />

à Constituição, no sentido <strong>de</strong> que o § I a do art. 17 da CF, com a redação dada pela EC<br />

52/2006, não se aplica às eleições <strong>de</strong> 2006, remanescendo aplicável a estas a redação<br />

original do mesmo artigo”.1<br />

11 LÍNGUA E SÍMBOLOS OFICIAIS<br />

O art. 13 da Constituição proclama a língua portuguesa como idioma oficial da República<br />

Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil e estabelece a ban<strong>de</strong>ira, o hino, as armas e o selo nacionais como<br />

símbolos da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil. Igualmente, autoriza os Estados, o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios a estabelecerem símbolos próprios.<br />

Em relação à importância do idioma oficial, ressaltava Miguel Reale, no período<br />

anterior à Assembléia Nacional Constituinte, que<br />

“a questão da língua é essencial, sugerindo eu se <strong>de</strong>clare que ‘o Português é a língua<br />

oficial do Brasil’, porque há uma gran<strong>de</strong> luta para saber se é o Português. Há quem<br />

diga que não, que a língua oficial é ‘o Brasileiro’, e outros que é o ‘Português falado<br />

no Brasil’. Ainda recentemente os Estados Unidos da América aprovaram emenda<br />

<strong>constitucional</strong> dizendo que ‘o Inglês é a língua oficial’, porque havia quem quisesse<br />

que fosse o Espanhol e outras línguas. Essa experiência parece-me necessária,<br />

porque a língua é o solo da cultura, é o ponto <strong>de</strong> partida da cultura. Toda cultura<br />

está fundamentada na linguagem. É a razão pela qual os filósofos neopositivistas<br />

dizem, com exagero, que ‘quem diz Ciência, diz Linguagem’, pois, na realida<strong>de</strong>,<br />

cada Ciência correspon<strong>de</strong> a um sistema <strong>de</strong> signos, a um conjunto próprio <strong>de</strong> termos<br />

específicos, isto é, à sua linguagem”.12<br />

Em complementação à regra prevista no citado art. 13, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê<br />

em seu art. 210, § 2a, que o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,<br />

assegurada, porém, às comunida<strong>de</strong>s indígenas também a utilização <strong>de</strong> suas línguas<br />

maternas e processos próprios <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Ressalte-se, portanto, que nas comunida<strong>de</strong>s indígenas ambas as línguas serão ministradas,<br />

permanecendo, porém, o caráter <strong>de</strong> idioma oficial à língua portuguesa.<br />

1 S T F - P le n o - A D I n° 3685/D F-R el. Min. EllenGracie, <strong>de</strong>cisão: 22-3-2006-Inform ativo STF n“ 420, Seção I,<br />

p. 1. Conferir, ainda, em relação à aplicação do art. 16 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral: S T F -P le n o - AD I na 3741/DF,<br />

ADI ns 3742/DF e ADI n° 3743/DF - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 6-9-2006-Informativo STF n° 439).<br />

2 REALE, Miguel. Por uma constituição brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 137.


Direitos Políticos 2 8 5<br />

Conforme salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a imprescindibilida<strong>de</strong> do uso do<br />

idioma nacional nos atos processuais, além <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r a uma exigência que <strong>de</strong>corre<br />

<strong>de</strong> razões vinculadas à própria soberania nacional, constitui projeção concretizadora da<br />

norma inscrita no art. 13, caput, da Carta Fe<strong>de</strong>ral, que proclama ser a língua portuguesa<br />

o idioma oficial da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil”.1<br />

1 STF - Ext. n° 1.057-3/República do Paraguai - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M elio, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 nov.<br />

2006, p. 66.


■Organização 3<br />

Político-Administrativa _________<br />

1 REGRAS DE ORGANIZAÇÃO<br />

1.1 Adoção da fe<strong>de</strong>ração<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988 adotou como forma <strong>de</strong> Estado o fe<strong>de</strong>ralismo, que na conceituação<br />

<strong>de</strong> Dalmo <strong>de</strong> Abreu Dallari é uma “aliança ou união <strong>de</strong> Estados”, baseada em uma<br />

Constituição e on<strong>de</strong><br />

“os Estados que ingressam na fe<strong>de</strong>ração per<strong>de</strong>m sua soberania no momento mesmo<br />

do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada”.1<br />

Dessa forma, difere o Estado Unitário, que<br />

“é, por conseguinte, rigorosamente centralizado, no seu limiar, e i<strong>de</strong>ntifica um<br />

mesmo po<strong>de</strong>r, para um mesmo povo, num mesmo território”,12<br />

caracterizando-se pela centralização político-administrativa em um só centro produtor <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisões. Igualmente, difere da Confe<strong>de</strong>ração, que consiste na união <strong>de</strong> Estados-soberanos<br />

por meio <strong>de</strong> um tratado internacional dissolúvel.<br />

A adoção da espécie fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Estado gravita em torno do princípio da autonomia<br />

e da participação política e pressupõe a consagração <strong>de</strong> certas regras constitucionais,<br />

ten<strong>de</strong>ntes não somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e indissolubilida<strong>de</strong>,<br />

pois como aponta José Roberto Dromi, analisando a fe<strong>de</strong>ração argentina, “a<br />

simples fe<strong>de</strong>ração pura é tão irrealizável quanto um sistema unitário, pois é uma aliança<br />

e as alianças não perduram”.3<br />

Como ressaltado por Geraldo Ataliba, “exsurge a Fe<strong>de</strong>ração como a associação <strong>de</strong><br />

Estados (foedus,foe<strong>de</strong>ris) para formação <strong>de</strong> novo Estado (o fe<strong>de</strong>ral) com repartição rígida<br />

<strong>de</strong> atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela ‘autonomia<br />

recíproca da União e dos Estados, sob a égi<strong>de</strong> da Constituição Fe<strong>de</strong>ral’ (Sampaio Dória),<br />

1 DALLARI, Dalmo <strong>de</strong> Abreu. Elementos <strong>de</strong> teoria geral do estado. 11. e d São Paulo: Saraiva: 1985. p. 227.<br />

2 SARAIVA, Paulo Lopo. Fe<strong>de</strong>ralismo regional. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 11.<br />

3 DROMI, José Roberto. Fe<strong>de</strong>ralismoy dialogo institucional. Tucumán: Unsta, 1981. p. 20.


Organização Político-Administrativa 2 8 7<br />

caracterizadora <strong>de</strong>ssa igualda<strong>de</strong> jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambos extraem suas<br />

competências da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal<br />

como disposto no Pacto Fe<strong>de</strong>ral (Victor Nunes)”.1<br />

O mínimo necessário para a caracterização da organização <strong>constitucional</strong> fe<strong>de</strong>ralista<br />

exige, inicialmente, a <strong>de</strong>cisão do legislador constituinte, por meio da edição <strong>de</strong> uma constituição,<br />

em criar o Estado Fe<strong>de</strong>ral e suas partes indissociáveis, a Fe<strong>de</strong>ração ou União, e<br />

os Estados-membros, pois a criação <strong>de</strong> um governo geral supõe a renúncia e o abandono<br />

<strong>de</strong> certas porções <strong>de</strong> competências administrativas, legislativas e tributárias por parte<br />

dos governos locais.12 Essa <strong>de</strong>cisão está consubstanciada nos arts. I a e 18 da Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988.3<br />

Além disso, a Constituição <strong>de</strong>ve estabelecer os seguintes princípios:<br />

• os cidadãos dos diversos Estados-membros a<strong>de</strong>rentes à Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>vem possuir<br />

a nacionalida<strong>de</strong> única <strong>de</strong>ssa;<br />

• repartição <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> competências entre a União, Estados-membros,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e município;<br />

• necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que cada ente fe<strong>de</strong>rativo possua uma esfera <strong>de</strong> competência<br />

tributária que lhe garanta renda própria;<br />

• po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> auto-organização dos Estados-membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e municípios,<br />

atribuindo-lhes autonomia <strong>constitucional</strong>;<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> excepcional e taxativa <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral, para<br />

manutenção do equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo;<br />

• participação dos Estados no Po<strong>de</strong>r Legislativo Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> forma a permitir-se<br />

a ingerência <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> na formação da legislação fe<strong>de</strong>ral;<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novo Estado ou modificação territorial <strong>de</strong> Estado<br />

existente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da aquiescência da população do Estado afetado;<br />

• a existência <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> cúpula do Po<strong>de</strong>r Judiciário para interpretação e<br />

proteção da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Note-se que, expressamente, o legislador constituinte <strong>de</strong>terminou a impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> qualquer proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> ten<strong>de</strong>nte a abolir a Fe<strong>de</strong>ração (CF, art.<br />

60, § 4a, I).<br />

1 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 10.<br />

2 BADIA, Juan Ferrando. El estado unitário: ei fed era ly ei estado regional. Madri: Tecnos, 1978. p. 77.<br />

3 Cf.: FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. O Estado fe<strong>de</strong>ral brasileiro na Constituição <strong>de</strong> 1988. Revista <strong>de</strong><br />

Direito Administrativo, n ° 179, p. 1; HORTA, Raul Machado. Tendências atuais da fe<strong>de</strong>ração brasileira. Ca<strong>de</strong>rnos<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> e ciência política, n° 16, p. 17; e, do mesmo autor: Estruturação da fe<strong>de</strong>ração. Revista <strong>de</strong><br />

Direito Público, n° 81, p. 53; VELLOSO, Caio Mário. Estado fe<strong>de</strong>ral e estados fe<strong>de</strong>rados na Constituição brasileira<br />

<strong>de</strong> 1988: do equilíbrio fe<strong>de</strong>rativo. Revista <strong>de</strong> D ireito Administrativo, n° 187, p. 1; M ARINH O , Josaphat. Rui<br />

Barbosa e a fe<strong>de</strong>ração. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, n“ 130, p. 40; FAGUNDES, Seabra. Novas perspectivas<br />

do fe<strong>de</strong>ralism o brasileiro. Revista <strong>de</strong> Direito Administrativo, n° 99, p. 1.


2 8 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

1.2 Princípio da indissolubilida<strong>de</strong> do vínculo fe<strong>de</strong>rativo<br />

O princípio da indissolubilida<strong>de</strong> em nosso Estado Fe<strong>de</strong>ral foi consagrado em nossas<br />

constituições republicanas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1891 (art. I a) e tem duas finalida<strong>de</strong>s básicas: a unida<strong>de</strong><br />

nacional e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizadora.<br />

O art. I a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral afirmaque a República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil é formada<br />

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral; sendo completado<br />

pelo art. 18, que prevê que a organização político-administrativa da República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil compreen<strong>de</strong> a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios, todos autônomos<br />

e possuidores da tríplice capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-organização e normatização própria,<br />

autogoverno e autoadministração.<br />

Dessa forma, inadmissível qualquer pretensão <strong>de</strong> separação <strong>de</strong> um Estado-membro,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou <strong>de</strong> qualquer Município da Fe<strong>de</strong>ração, inexistindo em nosso or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico o <strong>de</strong>nominado <strong>direito</strong> <strong>de</strong> secessão. A mera tentativa <strong>de</strong> secessão do<br />

Estado-membro permitirá a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 3 4 ,1), <strong>de</strong>vendo<br />

sempre a Constituição ser interpretada <strong>de</strong> sorte que não ameace a organização fe<strong>de</strong>ral<br />

por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União,<br />

Estados e Municípios.1<br />

1.3 Capital Fe<strong>de</strong>ral<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que Brasília é a Capital Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 18, § 1°),<br />

tratando-se <strong>de</strong> inovação do legislador constituinte <strong>de</strong> 1988, que não mais <strong>de</strong>finiu o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral como a Capital,12 pois esse é o ente fe<strong>de</strong>rativo que engloba aquela, ao qual é vedado<br />

dividir-se em municípios (CF, art. 32, caput). Assim ficam diferenciadas a Capital Fe<strong>de</strong>ral<br />

do País da circunscrição territorial representada na Fe<strong>de</strong>ração pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Ressalte-se que foi a I a Constituição da República, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891, em seu<br />

art. 3a, que expressamente <strong>de</strong>terminou que “fica pertencendo à União, no planalto central da<br />

República, uma zona <strong>de</strong> 14.400 kilometros quadrados, que será opportunamente <strong>de</strong>marcada,<br />

para nella estabelecer-se a futura Capital Fe<strong>de</strong>ral Effectuada a mudança da capital, o actual<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral passará a constituir um Estado”.<br />

Em lição preciosa, José Afonso da Silva expõe que<br />

“Brasília, assim, assume uma posição jurídica específica no conceito brasileiro <strong>de</strong><br />

cida<strong>de</strong>. Brasília é civitas civitatum, na medida em que é cida<strong>de</strong>-centro, polo irradiante,<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> partem, aos governados, as <strong>de</strong>cisões mais graves, e on<strong>de</strong> acontecem<br />

os fatos <strong>de</strong>cisivos para os <strong>de</strong>stinos do País. Mas não se encaixa no conceito geral <strong>de</strong><br />

cida<strong>de</strong>s, porque não é se<strong>de</strong> <strong>de</strong> município. É civitas e polis, enquanto modo <strong>de</strong> habitar<br />

1 STF - Rextr. n° 193.712-2/MG - Rei. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 16 m aio 1996, p.<br />

16.124-16.125.<br />

2 EC n ° 01/69 - art. 2o - O Distrito Fe<strong>de</strong>ral é a Capital da União. CF/67 -a rt. 2“ - “ O Distrito Fe<strong>de</strong>ral é a Capital<br />

da União.” CF/46 - art. I o, § 2° - “ O Distrito Fe<strong>de</strong>ral é a Capital da União." CF/37 - art. 7° - “O atual Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, enquanto se<strong>de</strong> do Governo da República, será administrado pela União.”


Organização Político-Administrativa 2 8 9<br />

<strong>de</strong> se<strong>de</strong> do Governo Fe<strong>de</strong>ral... Brasília tem como função servir <strong>de</strong> Capital da União,<br />

Capital Fe<strong>de</strong>ral e, pois, Capital do Brasil, como entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacional”.1<br />

I . 4<br />

União<br />

A União é entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa autônoma em relação aos Estados-membros e municípios,<br />

constituindo pessoa jurídica <strong>de</strong> Direito Público Interno, cabendo-lhe exercer as atri<br />

buições da soberania do Estado brasileiro. Não se confundindo com o Estado Fe<strong>de</strong>ral, este<br />

sim pessoa jurídica <strong>de</strong> Direito Internacional e formado pelo conjunto <strong>de</strong> União, Estadosmembros,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e municípios. Ressalte-se, porém, que a União po<strong>de</strong>rá agir em<br />

nome próprio, ou em nome <strong>de</strong> toda Fe<strong>de</strong>ração, quando, neste último caso, relaciona-se<br />

internacionalmente com os <strong>de</strong>mais países.<br />

As regras relacionadas diretamente à União serão estudadas em pertinentes capítulos.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral enumera os bens da União (CF, art. 20): as terras <strong>de</strong>volutas<br />

indispensáveis à <strong>de</strong>fesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias<br />

fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> comunicação e à preservação ambiental, <strong>de</strong>finidas em lei; os lagos, rios e<br />

quaisquer correntes <strong>de</strong> água em terrenos <strong>de</strong> seu domínio, ou que banhem mais <strong>de</strong> um<br />

Estado, sirvam <strong>de</strong> limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou<br />

<strong>de</strong>le provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; as ilhas fluviais e<br />

lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas;12 as ilhas oceânicas<br />

e as costeiras, excluídas, <strong>de</strong>stas, as que contenham a se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Municípios, exceto aquelas<br />

áreas afetadas ao serviço público e a unida<strong>de</strong> ambiental fe<strong>de</strong>ral, e as referidas no art. 26,<br />

II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no<br />

domínio do Estado) ;3 os recursos naturais da plataforma continentale da zona econômica<br />

exclusiva; o mar territorial; os terrenos <strong>de</strong> marinha e seus acrescidos; os potenciais <strong>de</strong><br />

energia hidráulica; os recursos minerais, inclusive os do subsolo; as cavida<strong>de</strong>s naturais<br />

subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos; as terras tradicionalmente ocupadas<br />

pelos índios.<br />

Saliente-se que o legislador constituinte permitiu à União, somente para efeitos administrativos,<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> regiões <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento (CF, art. 43), mediante<br />

a articulação <strong>de</strong> sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento e à redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais, por meio <strong>de</strong> lei complementar,<br />

que disporá sobre as condições para integração <strong>de</strong> regiões em <strong>de</strong>senvolvimento; a composição<br />

dos organismos regionais que executarão, na forma da lei, os planos regionais,<br />

integrantes dos planos nacionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social (CF, art. 174, §<br />

l e),4 aprovados juntamente com estes.<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 412.<br />

2 Conferir sobre ilhas marítimas e dom ínio insular da União: STF -R extr. nfl285.615/SC - Rei. Ministro Celso<br />

<strong>de</strong> M ello - Informativo na 376, p. 4.<br />

3 Nova redação dada pela EC n° 46, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2005.<br />

4 CF, art. 174 - “Como agente norm ativo e regulador da ativida<strong>de</strong> econôm ica, o Estado exercerá, na form a<br />

da lei, as funções <strong>de</strong> fiscalização, incentivo e planejam ento, sendo este <strong>de</strong>term inante para o setor público e<br />

indicativo para o setor privado.”


2 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Além disso, po<strong>de</strong>rão ser estabelecidos incentivos regionais, que compreen<strong>de</strong>rão, além<br />

<strong>de</strong> outros, na forma da lei, <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tarifas, fretes, seguros e outros itens <strong>de</strong> custos<br />

e preços <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r público; juros favorecidos para financiamento <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong>s prioritárias; isenções, reduções ou diferimento temporário <strong>de</strong> tributos fe<strong>de</strong>rais<br />

<strong>de</strong>vidos por pessoas físicas ou jurídicas; priorida<strong>de</strong> para o aproveitamento econômico e<br />

social dos rios e das massas <strong>de</strong> água represadas ou represáveis nas regiões <strong>de</strong> baixa renda,<br />

sujeitas a secas periódicas.<br />

1.5 Estados-membros<br />

1.5 .1 Autonom ia estadual<br />

A autonomia dos Estados-membros caracteriza-se pela <strong>de</strong>nominada tríplice capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> auto-organização e normatização própria, autogoverno e autoadministração.<br />

A. Auto-organização e normatização própria<br />

Os Estados-membros se auto-organizam por meio do exercício <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado-<strong>de</strong>corrente, consubstanciando-se na edição das respectivas Constituições<br />

Estaduais1e, posteriormente, através <strong>de</strong> sua própria legislação (CF, art. 25, caput),12<br />

sempre, porém, respeitando os princípios constitucionais sensíveis, princípios fe<strong>de</strong>rais<br />

extensíveis e princípios constitucionais estabelecidos.3<br />

Como já <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“se é certo que a nova Carta Política contempla um elenco menos abrangente <strong>de</strong><br />

princípios constitucionais sensíveis, a <strong>de</strong>notar, com isso, a expansão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />

jurídicos na esfera das coletivida<strong>de</strong>s autônomas locais, o mesmo não se po<strong>de</strong><br />

afirmar quanto aos princípios fe<strong>de</strong>rais extensíveis e aos princípios constitucionais<br />

estabelecidos, os quais, embora disseminados pelo texto <strong>constitucional</strong>, posto que<br />

não é tópica a sua localização, configuram acervo expressivo <strong>de</strong> limitações <strong>de</strong>ssa<br />

autonomia local, cuja i<strong>de</strong>ntificação - até mesmo pelos efeitos restritivos que <strong>de</strong>les<br />

<strong>de</strong>correm - impõe-se realizar”.4<br />

Os princípios constitucionais sensíveis5 são assim <strong>de</strong>nominados, pois a sua inobservância<br />

pelos Estados-membros no exercício <strong>de</strong> suas competências legislativas, administrativas<br />

1 Observe-se que o processo <strong>de</strong> reforma das Constituições estaduais <strong>de</strong>vem, obrigatoriamente, seguir o m o<strong>de</strong>lo<br />

previsto pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 60), não sendo possível, por exemplo, exigir o quorum qualificado<br />

<strong>de</strong> 4/5 em contraste com os 3/5 exigíveis para alteração da Carta Magna (STF - Pleno - ADI nQ486-7/DF - Rei.<br />

Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I, 10 nov. 2006, p. 48).<br />

2 CF, art. 25, caput: Os Estados organizam-se e regem-se pelas constituições e leis que adotarem, observados<br />

os princípios <strong>de</strong>sta constituição. V er ADCT, art. 11.<br />

3 SILVA, José Afonso. O Estado-membro na Constituição Fe<strong>de</strong>ral. RDP 16/15.<br />

4 STF - Pleno - Adin n e 216/PB - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; K TJ146/388.<br />

5 A term inologia é <strong>de</strong> Pontes <strong>de</strong> Miranda. Comentários... Op. cit.


Organização Político-Administrativa 291<br />

ou tributárias, po<strong>de</strong> acarretar a sanção politicamente mais grave existente em um Estado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, a intervenção na autonomia política. Estão previstos no art. 34, VII, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral:<br />

• forma republicana, sistema representativo e regime <strong>de</strong>mocrático;<br />

• <strong>direito</strong>s da pessoa humana;<br />

• autonomia municipal;<br />

• prestação <strong>de</strong> contas da administração pública, direta e indireta;<br />

• aplicação do mínimo exigido da receita resultante <strong>de</strong> impostos estaduais,<br />

compreendida a proveniente <strong>de</strong> transferências, na manutenção e no <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do ensino e nas ações e serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.1<br />

Os princípios fe<strong>de</strong>rais extensíveis são as normas centrais comuns à União, Estados, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e municípios, portanto, <strong>de</strong> observância obrigatória no po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> organização<br />

do Estado. Po<strong>de</strong>r-se-iam colocar nessa classificação os chamados por Raul Machado Horta<br />

<strong>de</strong> “Princípios <strong>de</strong>sta Constituição”.12<br />

Por fim, os princípios constitucionais estabelecidos consistem em <strong>de</strong>terminadas normas<br />

que se encontram espalhadas pelo texto da Constituição, e, além <strong>de</strong> organizarem a<br />

própria fe<strong>de</strong>ração, estabelecem preceitos centrais <strong>de</strong> observância obrigatória aos Estados-<br />

-membros em sua auto-organização. Subdivi<strong>de</strong>m-se em normas <strong>de</strong> competência3 e normas<br />

<strong>de</strong> preor<strong>de</strong>nação.4<br />

B .<br />

A u to gove rn o<br />

A autonomia estadual também se caracteriza pelo autogoverno, uma vez que é o próprio<br />

povo do Estado quem escolhe diretamente seus representantes nos Po<strong>de</strong>res Legislativo<br />

e Executivo locais, sem que haja qualquer vínculo <strong>de</strong> subordinação ou tutela por parte da<br />

União.5 A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê expressamente a existência dos Po<strong>de</strong>res Legislativo<br />

(CF, art. 27),6 Executivo (CF, art. 28) e Judiciário (CF, art. 125) estaduais.7<br />

1 Redação dada pela E C n “ 29, d e 13 d e setembro d e 2000. A redação anterior, acrescentada pela E C n D14,<br />

d e i 2-9-96, previa: “aplicação do mínim o ex igid o da receita resultante <strong>de</strong> impostos estaduais, compreendida a<br />

proveniente <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong> transferência, na manutenção e <strong>de</strong>senvolvim ento do ensino’’.<br />

2 Por exemplo: arts. 1°, I a V; 3°, I a IV; 4o, I a X; 2o; 5o, I, II, III, VI, VIII, IX, XI, XII, XX, XXII, XXIII, XXXVI,<br />

LIV e LV1I; 6° a 11; 9 3 ,1 a X I; 95, I, II e IIL In: MACHADO, Horta. Estudos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, p. 391-392.<br />

3 P or exemplo: arts. 23; 24; 25, 27, § 3a; 75; 9 6 ,1, a - f; 96, II, a-d, III; 9 8 ,1 e II; 125, § 4fl; 144, § 4fl, 5fl e 6fl;<br />

145,1, II e III; 155,1, a,b, c, II. In: MACHADO, Horta. Op. cit., p. 392-393.<br />

4 Por exemplo: arts. 27; 28; 3 7 ,1 a XXI, § § l fl a 6a; 39 a 41; 42, § § I a a 11; 75; 9 5 ,1,II e III; 95, parágrafo; 235,<br />

I a XI. In: MACHADO, Horta. Op. cit. p. 393.<br />

5 CLÉVE, Clèmerson Merlin. Temas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Acadêmica, 1993. p. 62-63.<br />

6 SILVA José Afonso. O estado-mem bro na constituição fe<strong>de</strong>ral; RDP, 16/15.<br />

7 N a vigência da Constituição anterior, Paulo Lopo Saraiva, analisando a correlação entre autonom ia dos<br />

Estados-membros e Fe<strong>de</strong>ração, advertia que “a indicação dos governadores dos Estados, a nom eação <strong>de</strong> um<br />

Senador (CF, art. 41, § 2a, alterado pela EC n° 15, <strong>de</strong> 19-11-1980) e a <strong>de</strong>signação dos prefeitos das Capitais e<br />

<strong>de</strong> outras cida<strong>de</strong>s brasileiras atestam a falência do nosso Fe<strong>de</strong>ralism o e a ascensão <strong>de</strong> um Unitarismo, <strong>de</strong>spido<br />

<strong>de</strong> qualquer form ulação jurídica” (Fe<strong>de</strong>ralismo regional. Op. cit. p. 55).


2 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral (art. 27) estabelece regras na composição do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo Estadual, <strong>de</strong>terminando sua unicameralida<strong>de</strong>, sua <strong>de</strong>nominação - Assembléia<br />

Legislativa a duração do mandato dos <strong>de</strong>putados (quatro anos),1as regras sobre sistema<br />

eleitoral, inviolabilida<strong>de</strong>, imunida<strong>de</strong>s,12 remuneração, perda <strong>de</strong> mandato, licença,<br />

impedimentos e incorporação às Forças Armadas; as regras sobre remuneração e previsão<br />

sobre iniciativa popular <strong>de</strong> lei; bem como duas regras para fixação do número <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados<br />

estaduais.<br />

Até a data da promulgação da Emenda Constitucional na 19, em 4-6-1998, a própria<br />

Assembléia Legislativa, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo, fixava seus vencimentos em cada<br />

legislatura para a subsequente. A nova redação do § 2a do art. 27 exige a edição <strong>de</strong> lei <strong>de</strong><br />

iniciativa da Assembléia Legislativa, fixando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo o teto máximo <strong>de</strong> remuneração,<br />

qual seja, 75% do estabelecido, em espécie, para os <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, observado o que<br />

dispõem os arts. 39, § 4a, 57, § 7a, 150, II, 153,111, e 153, § 2a, I. A novida<strong>de</strong> está na necessida<strong>de</strong><br />

da aprovação <strong>de</strong> lei ordinária, cuja iniciativa será da Mesa da Assembléia Legislativa,<br />

<strong>de</strong>vendo ser aprovada por maioria simples e exigindo-se, portanto, a participação do Governador<br />

do Estado no processo legislativo, permitindo-se sua sanção ou veto. Em relação<br />

ao teto máximo fixado, lembremo-nos não tratar <strong>de</strong> novida<strong>de</strong>, uma vez que a Emenda<br />

Constitucional na 01, <strong>de</strong> 31-3-1992, já havia dado redação semelhante ao citado § 2a.<br />

Observe-se, ainda, que nos termos da EC nQ41/03, os subsídios dos <strong>de</strong>putados estaduais<br />

serão o limite remuneratório no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo estadual (CF, art. 37,<br />

XI), ressalvada a possibilida<strong>de</strong> criada pela EC na 47/05, adiante analisada.<br />

O número <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados estaduais, no geral, correspon<strong>de</strong>rá ao triplo da representação<br />

do Estado na Câmara dos Deputados (Regra: na<strong>de</strong> <strong>de</strong>putados estaduais = 3 x na <strong>de</strong>putados<br />

fe<strong>de</strong>rais) que é fixada em lei complementar (CF, art. 45, § I a).3 Excepcionalmente, porém,<br />

se atingido o número <strong>de</strong> trinta e seis <strong>de</strong>putados estaduais, serão acrescidos tantos<br />

<strong>de</strong>putados quantos forem os Deputados Fe<strong>de</strong>rais acima <strong>de</strong> doze (Exceção: na <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados<br />

estaduais = 36 + na <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais - 12).<br />

Assim, por exemplo, o Estado <strong>de</strong> São Paulo tem 70 (setenta) <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais,<br />

portanto, encaixa-se na exceção prevista no art. 27, aplicando-se a regra: nQ<strong>de</strong>putados<br />

estaduais = 36 + na <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais - 12; logo, teremos: 36 + 7 0 - 1 2 = 94 <strong>de</strong>putados<br />

estaduais.<br />

Em relação ao Po<strong>de</strong>r Executivo estadual, o art. 28 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral com a nova<br />

redação dada pela Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, estabelece que a eleição do<br />

Governador e do Vice-governador <strong>de</strong> Estado, para mandato <strong>de</strong> quatro anos, permitindo-se<br />

a reeleição para um único período subsequente, realizar-se-á no primeiro domingo <strong>de</strong> ou­<br />

1 É in<strong>constitucional</strong> norma da Constituição do Estado que amplia a duração do mandato <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado estadual:<br />

S T F - A D In D3.8 25/R O -R el. Min. Carmem Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 13 <strong>de</strong>z. 2006 - Informativo STF na 452, Seção I, p. 1.<br />

2 Conferir em relação às imunida<strong>de</strong>s e inviolabilida<strong>de</strong> após a E C n D35/01: Capítulo 10, item 2.7. Importante<br />

salientar que as imunida<strong>de</strong>s dos parlamentares estaduais não se restringem somente à Justiça do Estado, estando<br />

superada a Súmula n°3/STF (RE 456.679/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo STF nD413).<br />

3 “Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se <strong>de</strong> representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em<br />

cada Estado, em cada Território e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral. § 1“ O número total <strong>de</strong> Deputados, bem como a representação<br />

por Estado e pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população,<br />

proce<strong>de</strong>ndo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unida<strong>de</strong>s da<br />

Fe<strong>de</strong>ração tenha menos <strong>de</strong> oito ou mais <strong>de</strong> setenta Deputados. § 2“ Cada Território elegerá quatro Deputados.”


Organização Político-Administrai iva 2 9 3<br />

tubro, em primeiro turno, e no último domingo <strong>de</strong> outubro, em segundo turno, se houver,<br />

do ano anterior ao do término do mandato <strong>de</strong> seus antecessores, e a posse ocorrerá em<br />

primeiro <strong>de</strong> janeiro do ano subsequente. Além disso, expressamente, <strong>de</strong>termina a aplicação<br />

das regras previstas para a eleição e posse do Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 77).1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão da Constituição estadual<br />

<strong>de</strong> eleições indiretas para o provimento dos cargos <strong>de</strong> Governador e Vice-Governador,<br />

nos mesmos mol<strong>de</strong>s da previsão da Carta Magna (art. 81, § I a), apesar do <strong>de</strong>staque feito<br />

pelo relator da inaplicabilida<strong>de</strong> obrigatória do princípio da simetria.12<br />

Determina, também, que per<strong>de</strong>rá o mandato o governador que assumir outro cargo<br />

ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a posse em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

concurso público e observado o disposto no art. 38,1, IV e V da própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Além disso, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que os subsídios do Governador, do Vice-<br />

-governador e dos Secretários <strong>de</strong> Estado serão fixados por lei <strong>de</strong> iniciativa da Assembléia<br />

Legislativa, observando o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4a, 150, II, 153, III, e 153,<br />

§ 2a, I.3<br />

No âmbito estadual, o subsídio mensal do Governador do Estado será o limite remuneratório<br />

para todo o Po<strong>de</strong>r Executivo estadual, exceptuando-se os Procuradores e<br />

Defensores Públicos, cujo teto salarial será idêntico ao dos magistrados e membros do<br />

Ministério Público, ou seja, 90,25% do subsídio <strong>de</strong> Ministro do STF.4 Essa norma geral<br />

para a aplicação do subteto salarial no âmbito dos estados-membros po<strong>de</strong>rá, porém, ser<br />

substituída se houver expressa fixação em contrário - <strong>de</strong> novo subteto - nas respectivas<br />

Constituições estaduais, como permitido pela EC na 47, promulgada em 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong><br />

2005,5 que facultou aos Estados a fixação do subsídio mensal dos Desembargadores do<br />

respectivo Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado aos já citados 90,25% do subsídio <strong>de</strong> Ministro do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para todos os seus servidores, excluídos somente os subsídios<br />

dos Deputados estaduais, cuja regra remuneratória foi anteriormente analisada. Essa<br />

mesma possibilida<strong>de</strong> foi prevista para o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> alteração em sua<br />

Lei Orgânica Distrital.<br />

Dessa forma, a conjugação da EC na 41/03 com a EC nQ47/05 permite a seguinte<br />

conclusão em relação ao subteto salarial no âmbito estadual e distrital:<br />

• Autogovemo dos entes fe<strong>de</strong>rativos para fixação do subteto sa la ria l estadual,<br />

com expressa permissão <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> regra específica nas respec-<br />

1 O texto original do art. 28 da CF/88 previa que: “ A eleição do Governador e do Vice-governador <strong>de</strong> Estado,<br />

para mandato <strong>de</strong> quatro anos, realizar-se-á noventa dias antes do térm ino do mandato <strong>de</strong> seus antecessores, e<br />

a posse ocorrerá no dia I o <strong>de</strong> janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77.”<br />

2 STF - Pleno - ADI 4298-MC/TO e AD I 4309-MC/TO - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 7-10-2009, mesmo<br />

que, nessa hipótese, a Assembléia Legislativa tenha previsto a “votação aberta”.<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucional n“ 19, promulgada em 4-6-1998 e publicada no D i á r i o O f ic ia l d a<br />

U n iã o em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação. No caso do art. 37, XI, sua redação atual foi dada pela EC ns 41/03.<br />

Conferir a respeito: MORAES, Alexandre. R e f o r m a A d m in is t r a t iv a - E C n s 1 9 / 9 8 . São Paulo: Atlas, 1998.<br />

4 Conferir nova redação do art. 37, XI, dada pela EC n a 41/03.<br />

5 Publicada no D i á r i o O f ic ia l d a U n iã o , <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005.


294 Direito Constitucional • Moraes<br />

tivas Constituições estaduais ou na Lei Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (EC<br />

n° 47/05, § 12, art. 37): cada estado-membro ou o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão<br />

alterar suas respectivas Constituições estaduais ou sua Lei Orgânica, no sentido<br />

<strong>de</strong> estabelecer um limite único para todos os servidores estaduais ou distritais,<br />

excetuando-se os parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Assim, da mesma forma que em âmbito fe<strong>de</strong>ral há<br />

um único teto salarial piara os três Po<strong>de</strong>res da União, correspxm<strong>de</strong>nte ao subsídio<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 37, XI), em âmbito estadual/distrital,<br />

as Assembléias Legislativas e a Câmara Legislativa do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão estabelecer um único subteto salarial para todos os servidores<br />

locais, salvo os parlamentares, correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio dos membros da<br />

mais alta Corte <strong>de</strong> Justiça local (90,25% dos subsídios dos ministros do STF).<br />

Trata-se <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> do estado-membro/Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que analisará<br />

politicamente a conveniência e a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar alterações em<br />

suas Cartas locais, para esten<strong>de</strong>r as outras carreiras públicas, o que o art. 37,<br />

XI, excepcionou somente aos membros do Ministério Público, aos Procuradores<br />

e Defensores Públicos.<br />

• Regra geral e subsidiária para todos os Estados-membros e Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

na ausência <strong>de</strong> previsão específica das respectivas Constituições estaduais<br />

ou Lei Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral: na ausência <strong>de</strong> previsões específicas,<br />

permanecerá, no âmbito estadual e distrital, o subsídio mensal dos respectivos<br />

Governadores como limite remuneratório para todo o Po<strong>de</strong>r Executivo, salvo<br />

as carreiras do Ministério Público, dos Procuradores e Defensores Públicos.<br />

Em relação à responsabilida<strong>de</strong> político-administrativa dos Governadores dos Estados-<br />

-membros e às regras básicas do impeachment, conferir Capítulo 10, item 4.8.<br />

O art. 125 da Carta <strong>de</strong> 1988 rege que os Estados-membros organizarão seu Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, observados os princípios estabelecidos na Constituição, <strong>de</strong>terminando a competência<br />

dos tribunais na Constituição do Estado e instituindo representação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição<br />

estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. Faculta-se, ainda,<br />

à lei estadual, <strong>de</strong> iniciativa do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, a criação da Justiça Militar estadual,<br />

constituída, em primeiro grau, pelos juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e pelos Conselhos <strong>de</strong> Justiça e, em<br />

segundo grau, pelo próprio Tribunal <strong>de</strong> Justiça, ou por Tribunal <strong>de</strong> Justiça Militar nos<br />

Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. A competência da<br />

Justiça Militar estadual será para processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes<br />

militares <strong>de</strong>finidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada<br />

a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente, ainda,<br />

<strong>de</strong>cidir a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação dos praças.1<br />

A EC ns 45/04 inovou, pois permitiu aos juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> do juízo militar atuarem <strong>de</strong><br />

maneira singular, nos processos e julgamentos <strong>de</strong> crimes militares cometidos contra civis<br />

e em ações judiciais contra atos disciplinares, reservando ao órgão colegiado - Conselho<br />

<strong>de</strong> Justiça, sob a presidência do juiz <strong>de</strong> <strong>direito</strong> , o processo e julgamento dos <strong>de</strong>mais<br />

crimes militares.<br />

Redação dada pela EC n °4 5 , d e 8 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro d e 2 00 4 (publicada em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2004).


Organização Político-Administrativa 295<br />

C. A u to a d m ln lstra çã o<br />

Por fim, completando a tríplice capacida<strong>de</strong> garantidora da autonomia dos entes<br />

fe<strong>de</strong>rados, os Estados-membros se autoadministram no exercício <strong>de</strong> suas competências<br />

administrativas, legislativas e tributárias <strong>de</strong>finidas <strong>constitucional</strong>mente. Saliente-se que<br />

está implícito no exercício da competência tributária a existência <strong>de</strong> um mínimo <strong>de</strong> recursos<br />

financeiros, obtidos diretamente através <strong>de</strong> sua própria competência tributária.<br />

1 .5 .2 R e g iõ e s m etropolitanas, aglom erações urbanas e m icrorregiões<br />

Os Estados po<strong>de</strong>rão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,<br />

aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos <strong>de</strong> Municípios<br />

limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução <strong>de</strong> funções públicas<br />

<strong>de</strong> interesse comum (CF, art. 25, § 3Q), com o objetivo <strong>de</strong> oferecer soluções para problemas<br />

ou carências localizadas nos Estados.<br />

As regiões metropolitanas são conjuntos <strong>de</strong> Municípios limítrofes, com certa continuida<strong>de</strong><br />

urbana, que se reúnem em torno <strong>de</strong> um município-polo, também <strong>de</strong>nominado<br />

município-mãe. Microrregiões também constituem-se por municípios limítrofes, que apresentam<br />

características homogêneas e problemas em comum, mas que não se encontram<br />

ligados por certa continuida<strong>de</strong> urbana. Será estabelecido um município-se<strong>de</strong>. Por fim,<br />

aglomerados urbanos são áreas urbanas <strong>de</strong> municípios limítrofes, sem um polo, ou mesmo<br />

uma se<strong>de</strong>. Caracterizam-se pela gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica e continuida<strong>de</strong> urbana.<br />

São, portanto, requisitos constitucionais comuns às três hipóteses:1<br />

• lei complementar estadual;<br />

• tratar-se <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> municípios limítrofes;<br />

• finalida<strong>de</strong>: organização, planejamento e execução <strong>de</strong> funções públicas <strong>de</strong> interesse<br />

comum.<br />

1.6 M unicípios<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou o Município como entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa indispensável<br />

ao nosso sistema fe<strong>de</strong>rativo, integrando-o na organização político-administrativa<br />

e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota na análise dos arts. I a, 18, 29, 30 e 34,<br />

VII, c, todos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Ressalta Paulo Bonavi<strong>de</strong>s, que<br />

“não conhecemos uma única forma <strong>de</strong> união fe<strong>de</strong>rativa contemporânea on<strong>de</strong> o<br />

princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau <strong>de</strong> caracterização política e<br />

jurídica tão alto e expressivo quanto aquele que consta da <strong>de</strong>finição <strong>constitucional</strong><br />

do novo mo<strong>de</strong>lo implantado no País com a Carta <strong>de</strong> 1988”.12<br />

1 Ressalte-se que o STF <strong>de</strong>clarou liminarm ente a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preceito da Constituição do Estado<br />

do Rio <strong>de</strong> Janeiro que exigia, para a participação do M unicípio em região metropolitana, aglom eração urbana<br />

ou m icrorregião, aprovação prévia da Câmara Municipal (STF - Pleno - Adin n2 1.841-9/R J-m edida liminar<br />

- Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,28 ago. 1998, p. 02).<br />

2 BONAVIDES, Paulo. Op. cit p. 314.


296 Direito Constitucional • Moraes<br />

A autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-<br />

-se pela tríplice capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-organização e normatização própria, autogovemo e<br />

autoadministração.<br />

Dessa forma, o município auto-organiza-se através <strong>de</strong> sua Lei Orgânica Municipal e,<br />

posteriormente, por meio da edição <strong>de</strong> leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição<br />

direta <strong>de</strong> seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Estadual; e, finalmente, autoadministra-se, no exercício <strong>de</strong> suas competências administrativas,<br />

tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1.6.1 Lei orgânica municipal<br />

Os municípios reger-se-ão por leis orgânicas municipais, votadas em dois turnos, com<br />

o interstício mínimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias, e aprovadas por dois terços dos membros da Câmara<br />

Municipal, que as promulgará. A Lei Orgânica organizará os órgãos da Administração, a<br />

relação entre os órgãos do Executivo e Legislativo, disciplinando a competência legislativa<br />

do Município, observadas as peculiarida<strong>de</strong>s locais, bem como sua competência comum,<br />

disposta no art. 23, e sua competência suplementar, disposta no art. 30, II; além <strong>de</strong> estabelecer<br />

as regras <strong>de</strong> processo legislativo municipal e toda regulamentação orçamentária,<br />

em consonância com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a Constituição do respectivo Estado e os<br />

seguintes preceitos (CF, art. 29):<br />

• eleição do Prefeito, do Vice-prefeito e dos vereadores, para mandato <strong>de</strong> quatro<br />

anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o país. Ressalte-se<br />

que a partir da Emenda Constitucional n1216, <strong>de</strong> 4-6-1997, permite-se a reeleição<br />

do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo municipal para um único período subsequente.<br />

Observe-se, ainda, que a competência para disciplinar matéria referente à<br />

substituição e sucessão na chefia do Executivo municipal é reservada à Lei Orgânica<br />

Municipal, tendo <strong>de</strong>cidido o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “não cabe, ao<br />

Estado-membro, sob pena <strong>de</strong> frontal transgressão à autonomia <strong>constitucional</strong> do<br />

Município, disciplinar, ainda que no âmbito da própria Carta Política estadual,<br />

a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> vocação das autorida<strong>de</strong>s municipais, quando configuradas situações<br />

<strong>de</strong> vacância ou <strong>de</strong> impedimento cuja ocorrência justifique a sucessão ou a substituição<br />

nos cargos <strong>de</strong> Prefeito e/ou <strong>de</strong> Vice-Pref eito do Município”.1Na hipótese<br />

<strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva dos cargos <strong>de</strong> Prefeito e Vice-Prefeito, pelo princípio da<br />

simetria, <strong>de</strong>ve ser aplicado o art. 81 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, conforme <strong>de</strong>cidiu<br />

o Tribunal Superior Eleitoral: “a teor do disposto no art 81, caput, da CF, aqui<br />

empregado pelo princípio da simetria, em ocorrendo a vacância do cargo <strong>de</strong><br />

prefeito e <strong>de</strong> vice nos dois primeiros anos <strong>de</strong> mandato, realizar-se-á nova eleição<br />

direta, em noventa dias, contados da abertura da vaga”.2<br />

• eleição do Prefeito e do Vice-prefeito3 realizada no primeiro domingo <strong>de</strong><br />

outubro do ano anterior ao término do mandato dos que <strong>de</strong>vam suce<strong>de</strong>r, apli-<br />

1 S T F -P le n o -A d in n2 687-8/PA - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,2 mar. 2006, p. 2.<br />

2 TSE - Pleno - CT n2 1.140/DF- Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção], 10out.2005, p. 151.<br />

3 “Segundo entendimento do TSE, ‘ a nulida<strong>de</strong> da votação do prefeito implica a nulida<strong>de</strong> da votação do vice-<br />

-prefeito” (TSE - A I n° 6.462/AL-Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Diário da Justiça, Seção], 29 ago. 2006, p. 78).


Organização Político-Administrativa 297<br />

cadas as regras do art. 77 no caso <strong>de</strong> Municípios com mais <strong>de</strong> duzentos mil<br />

eleitores;1<br />

• posse do prefeito e do Vice-prefeito no dia I o <strong>de</strong> janeiro do ano subsequente ao<br />

da eleição. A substituição e sucessão na chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo Municipal<br />

<strong>de</strong>vem ser regulamentadas pela Lei Orgânica Municipal, que <strong>de</strong>verá, em relação<br />

à vacância <strong>de</strong>finitiva dos cargos <strong>de</strong> Prefeito e Vice-Prefeito, observar o princípio<br />

da simetria no tocante ao art. 81 do texto <strong>constitucional</strong>;12<br />

• composição das Câmaras Municipais, cuja fixação dos número <strong>de</strong> Vereadores é<br />

<strong>de</strong> competência da Lei Orgânica Municipal,3 que terá o término das convenções<br />

partidárias como prazo final para fixação,4 observando o limite máximo <strong>de</strong>5<br />

(a) 9 (nove) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> até 15.000 (quinze mil) habitantes;<br />

(b) 11 (onze) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 15.000 (quinze mil)<br />

habitantes e <strong>de</strong> até 30.000 (trinta mil) habitantes; (c) 13 (treze) Vereadores,<br />

nos Municípios com mais <strong>de</strong> 30.000 (trinta m il) habitantes e <strong>de</strong> até 50.000<br />

(cinquenta mil) habitantes; (d ) 15 (quinze) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> 50.000 (cinquenta mil) habitantes e <strong>de</strong> até 80.000 (oitenta mil) habitantes;<br />

(e) 17 (<strong>de</strong>zessete) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 80.000 (oitenta mil)<br />

habitantes e <strong>de</strong> até 120.000 (cento e vinte mil) habitantes; (0 19 (<strong>de</strong>zenove)<br />

Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 120.000 (cento e vinte mil) habitantes<br />

e <strong>de</strong> até 160.000 (cento sessenta mil) habitantes; (g) 21 (vinte e um) Vereadores,<br />

nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 160.000 (cento e sessenta mil) habitantes e <strong>de</strong><br />

até 300.000 (trezentos mil) habitantes; (h) 23 (vinte e três) Vereadores, nos<br />

Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 300.000 (trezentos mil) habitantes e <strong>de</strong> até 450.000<br />

(quatrocentos e cinquenta m il) habitantes; (i) 25 (vinte e cinco) Vereadores,<br />

nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) habitantes<br />

e <strong>de</strong> até 600.000 (seiscentos mil) habitantes; (j) 27 (vinte e sete) Vereadores,<br />

nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 600.000 (seiscentos mil) habitantes e <strong>de</strong> até 750.000<br />

(setecentos e cinquenta mil) habitantes; (k) 29 (vinte e nove) Vereadores, nos<br />

Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 750.000 (setecentos e cinquenta mil) habitantes e <strong>de</strong><br />

até 900.000 (novecentos mil) habitantes; (1) 31 (trintae um) Vereadores, nos<br />

Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 900.000 (novecentos mil) habitantes e <strong>de</strong> até 1.050.000<br />

1 O texto original da CF/88 previa: “art. 28, II - eleição do Prefeito e do Vice-prefeito até noventa dias antes<br />

do término do mandato dos que <strong>de</strong>vam suce<strong>de</strong>r, aplicadas as regras do art. 77 no caso <strong>de</strong> Municípios com mais<br />

<strong>de</strong> duzentos mil eleitores”.<br />

2 T S E -P le n o - CT n° 1.1 40/D F-R ei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 10 out. 2005, p. 151.<br />

3 TS E - Pleno - A gravo Regim ental em A gravo d e Instrum ento 11.248/MG - Rei. Min. Arnaldo Versiani,<br />

<strong>de</strong>cisão: 17-5-2011; TSE - Pleno - Consulta n° 1273-25/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 11-10-2011.<br />

4 TSE - Pleno - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 30.521/MG - Rei. Min. Arnaldo Versiani,<br />

D J e , l Q-8-2011.<br />

5 Redação dada pelaEC nQ58, d e 23 d e setembro d e 2009. A EC n° 58/09 previu n o inciso I, do art. 32a aplicação<br />

retroativa <strong>de</strong>ssa regra ao pleito eleitoral <strong>de</strong> 2008. A eficácia <strong>de</strong>sse dispositivo foi suspensa pela concessão<br />

<strong>de</strong> medida cautelar pela Ministra Carmen Lúcia, que, <strong>de</strong>ssa forma, impediu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> posse imediata<br />

daqueles que não obtiveram os votos necessários nas últimas eleições e, consequentemente, ficaram nas s u p lê n cia s<br />

dos respectivos Partidos ou Coligações (STF - ADI 4307/DF - Rei. Min. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 2-10-2009). A<br />

<strong>de</strong>cisão monocrática foi confirm ada pelo Plenário do STF (STF - Pleno - ADI 4307/DF - medida cautelar - Rei.<br />

Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 11-11-2009).


2 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

(um milhão e cinquenta mil) habitantes; (m ) 33 (trinta e três) Vereadores, nos<br />

Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1.050.000 (um milhão e cinquenta mil) habitantes e <strong>de</strong><br />

até 1.200.000 (um milhão e duzentos mil) habitantes; (n) 35 (trinta e cinco)<br />

Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1.200.000 (um milhão e duzentos mil)<br />

habitantes e <strong>de</strong> até 1.350.000 (um milhão e trezentos e cinquenta mil) habitantes;<br />

(o ) 37 (trinta e sete) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> 1.350.000 (um<br />

milhão e trezentos e cinquenta m il) habitantes e <strong>de</strong> até 1.500.000 (um milhão<br />

e quinhentos mil) habitantes; (p) 39 (trinta e nove) Vereadores, nos Municípios<br />

<strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil) habitantes e <strong>de</strong> até<br />

1.800.000 (um milhão e oitocentos mil) habitantes; (q) 41 (quarenta e um)<br />

Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1.800.000 (um milhão e oitocentos mil)<br />

habitantes e <strong>de</strong> até 2.400.000 (dois milhões e quatrocentos mil) habitantes; (r)<br />

43 (quarenta e três) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 2.400.000 (dois<br />

milhões e quatrocentos m il) habitantes e <strong>de</strong> até 3.000.000 (três milhões) <strong>de</strong><br />

habitantes; (s) 45 (quarenta e cinco) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

3.000. 000 (três milhões) <strong>de</strong> habitantes e <strong>de</strong> até 4.000.000 (quatro milhões)<br />

<strong>de</strong> habitantes; (t) 47 (quarenta e sete) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

4.000. 000 (quatro milhões) <strong>de</strong> habitantes e <strong>de</strong> até 5.000.000 (cinco milhões)<br />

<strong>de</strong> habitantes; (u) 49 (quarenta e nove) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

5.000. 000 (cinco milhões) <strong>de</strong> habitantes e <strong>de</strong> até 6.000.000 (seis milhões) <strong>de</strong><br />

habitantes; (v ) 51 (cinquenta e um) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong><br />

6.000. 000 (seis milhões) <strong>de</strong> habitantes e <strong>de</strong> até 7.000.000 (sete milhões)<br />

<strong>de</strong> habitantes; (w ) 53 (cinquenta e três) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong> mais<br />

<strong>de</strong> 7.000.000 (sete milhões) <strong>de</strong> habitantes e <strong>de</strong> até 8.000.000 (oito milhões)<br />

<strong>de</strong> habitantes; e (x) 55 (cinquenta e cinco) Vereadores, nos Municípios <strong>de</strong><br />

mais <strong>de</strong> 8.000.000 (oito milhões) <strong>de</strong> habitantes. Importante ressaltar que, na<br />

vigência do texto anterior,1o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u necessário<br />

o efetivo respeito;<br />

• a Emenda Constitucional n° 25, <strong>de</strong> 14-2-2000, cuja entrada em vigor ocorreu<br />

em l a-l-2001, alterou os limites para a fixação dos subsídios dos Vereadores,<br />

prevendo sua fixação pelas respectivas Câmaras Municipais12 em cada legislatura<br />

para a subsequente, observados os critérios estabelecidos na respectiva<br />

Lei Orgânica e os seguintes limites máximos: (a) em Municípios <strong>de</strong> até <strong>de</strong>z mil<br />

habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores correspon<strong>de</strong>rá a vinte por cento<br />

do subsídio dos Deputados Estaduais; (b) em Municípios <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil e um a cinquenta<br />

mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores correspon<strong>de</strong>rá a trinta<br />

por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; (c) em Municípios <strong>de</strong> cinquenta<br />

mil e um a cem mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores correspon<strong>de</strong>rá<br />

1 O texto original da CF/88 previa: “Art. 29, I V - número <strong>de</strong> vereadores proporcional à população do Município,<br />

observados os seguintes limites: (a ) mínimo <strong>de</strong> 9 (n o ve ) e m áxim o <strong>de</strong> 21 (vinte e um ) nos Municípios<br />

<strong>de</strong> até 1.000.000 (um m ilhão) <strong>de</strong> habitantes; (b ) m ínim o <strong>de</strong> 33 (trin ta e três) e m áxim o <strong>de</strong> 41 (quarenta e<br />

um) nos Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 1.000.000 (um m ilhão) e menos <strong>de</strong> 5.000.000 (cinco milhões) <strong>de</strong> habitantes;<br />

(c) mínimo <strong>de</strong> 42 (quarenta e dois) e m áxim o <strong>de</strong> 55 (cinquenta e cinco) nos M unicípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 5.000.000<br />

(cinco m ilhões) <strong>de</strong> habitantes.<br />

2 STF - RE 494.253-AgR, Rei. Min. EUen Gracie, julgam ento em 22-2-2011, Segunda Turma, DJE <strong>de</strong> 15-3-<br />

2011; S T F - A D I 2.112, Rei. M in. Sepúlveda Pertence, julgam ento em 15-5-2002, Plenário, DJ <strong>de</strong> 28-6-2002.


Organização Político-Administrativa 2 9 9<br />

a quarenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; (d ) em Municípios<br />

<strong>de</strong> cem mil e um a trezentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores<br />

correspon<strong>de</strong>rá a cinquenta por cento do subsídio dos Deputados Estaduais; (e)<br />

em Municípios <strong>de</strong> trezentos mil e um a quinhentos mil habitantes, o subsídio<br />

máximo dos Vereadores correspon<strong>de</strong>rá a sessenta por cento do subsídio dos<br />

Deputados Estaduais; (f) em Municípios <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> quinhentos mil habitantes,<br />

o subsídio máximo dos Vereadores correspon<strong>de</strong>rá a setenta e cinco por cento<br />

do subsídio dos Deputados Estaduais. Com a citada Emenda Constitucional<br />

na 25/2000, houve o retorno, em nível municipal, da regra da legislatura,1ou<br />

seja, da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Câmara Municipal aumentar seus subsídios para<br />

a própria legislatura.12 Nos termos do art. 37, XI, com a nova redação dada pela<br />

EC n° 41/03, o teto remuneratório em âmbito municipal, inclusive para os vereadores,<br />

<strong>de</strong>verá ser o subsídio do Prefeito Municipal, constitudonalizando-se,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.3 O texto é autoaplicável,<br />

pois conforme o art. 8°, da referida EC ne 41/03, até que seja fixado<br />

o teto remuneratório geral, correspon<strong>de</strong>nte ao valor do subsídio dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, será consi<strong>de</strong>rado, para os fins <strong>de</strong> limite remuneratório,<br />

o valor da maior remuneração atribuída por lei na data da publicação<br />

da emenda <strong>constitucional</strong> a Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se<br />

como limite, nos Municípios, o subsídio atual dos prefeitos municipais.4 A EC na<br />

47/05 em nada alterou esse entendimento, pois o § 12 do art. 37 da Carta Magna<br />

expressamente excluiu os vereadores da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong><br />

subteto local;<br />

• a Câmara Municipal não po<strong>de</strong>rá gastar mais <strong>de</strong> setenta por cento <strong>de</strong> sua receita<br />

com folha <strong>de</strong> pagamento, incluído o gasto com o subsídio <strong>de</strong> seus vereadores.<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a remuneração do Prefeito, do Vice-prefeito e dos Vereadores<br />

será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subsequente”, concluindo que a fixação para<br />

viger na própria legislatura é “ato lesivo não só ao patrim ônio material do Po<strong>de</strong>r Público, com o à moralida<strong>de</strong><br />

administrativa, patrim ônio m oral da socieda<strong>de</strong>” (STF - 2a T. - Rextr. na 172.212-6/SP - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 27 mar. 1998, p. 19).<br />

2 Essa regra, que constava d o texto original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, havia sido suprimida com a EC n° 19/98.<br />

3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já havia <strong>de</strong>cidido que: “ a remuneração dos vereadores está sujeita ao teto,<br />

consi<strong>de</strong>rada a do prefeito” (STF - Pleno - Rextr. n“ 181.715- R e i. Min. Marco Aurélio, D iário da Justiça, Seção<br />

I, 7 fe v. 1997). No mesmo sentido: STF - 2a T. - Rextr. n“ 220.006-8/SP- Rei. Min. Néri da Silveira, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 2 abr. 1998, p. 27; STF - 2a T. - RE n“ 215612/SP - Rei. p/ o acórdão Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão:<br />

14-3-2006-Inform ativo STFna 419; STF - 2a T. - RE na 199540/S P-R ei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão:<br />

14-3-2006-Inform a tivoS TFna 419, Seção I, p. 3.<br />

4 Com a EC n “ 41/03, enten<strong>de</strong>mos que <strong>de</strong>ve ficar afastado o entendimento, até então existente, da não autoapli-<br />

cabilida<strong>de</strong> da nova fixação dos subsídios dos agentes políticos municipais, por tratar-se, em face da EC nD19/98,<br />

<strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ría da edição <strong>de</strong> lei ordinária <strong>de</strong> iniciativa conjunta<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, dos Presi<strong>de</strong>ntes da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Presi<strong>de</strong>nte do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Esse entendimento, inclusive, havia sido consagrado pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo, que resolveu “ baixar <strong>de</strong>liberação para consi<strong>de</strong>rar que a modificação da sistemática remuneratória<br />

<strong>de</strong> agentes políticos municipais só será possível a contar da vigência da lei prevista no inciso XV do art. 48 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, tendo em conta que as vinculações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão da prévia fixação do subsídio<br />

consi<strong>de</strong>rado teto salarial” (TC - A - 23423/026/98, D i á r i o O f ic ia l d o Estado <strong>de</strong> São Paulo, Po<strong>de</strong>r Executivo, Seção<br />

1 ,15 ago. 1998, p. 31). Ressalte-se, ainda, que o art. 48, XV, da CF teve sua redação alterada pela citada emenda,<br />

<strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> existir a <strong>de</strong>nominada in ic ia t iv a c o n ju n t a para fixação do lim ite remuneratório do serviço público.


3 0 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Além disso, o total da <strong>de</strong>spesa do Po<strong>de</strong>r Legislativo Municipal, incluídos os subsídios<br />

dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, nãopo<strong>de</strong>rá ultrapassar<br />

(a) 7% (sete por cento) para Municípios com população <strong>de</strong> até 100.000 (cem<br />

mil) habitantes; (b) 6% (seis por cento) para Municípios com população entre<br />

100.000 (cem mil) e 300.000 (trezentos mil) habitantes; (c) 5% (cinco por<br />

cento) para Municípios com população entre 300.001 (trezentos mil e um) e<br />

500.000 (quinhentos mil) habitantes; (d) 4,5% (quatro inteiros e cinco décimos<br />

por cento) para Municípios com população entre 500.001 (quinhentos mil e um)<br />

e 3.000.000 (três milhões) <strong>de</strong> habitantes; (e) 4% (quatro por cento) para Municípios<br />

com população entre 3.000.001 (três milhões e um) e 8.000.000 (oito<br />

milhões) <strong>de</strong> habitantes; (f) 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) para<br />

Municípios com população acima <strong>de</strong> 8.000.001 (oito milhões e um) habitantes.1<br />

• fixação dos subsídios do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais.<br />

Observe-se a total incidência do princípio da reserva legal em relação à iniciativa<br />

da Câmara Municipal para fixação dos subsídios do Prefeito Municipal, com<br />

respeito à regra da legislatura. Conforme <strong>de</strong>cidido pelo STF, “os subsídios do<br />

prefeito e do vice-prefeito <strong>de</strong>vem ser fixados, <strong>de</strong> forma clara e invariável, mediante<br />

lei <strong>de</strong> iniciativa da Câmara Municipal”.12<br />

• inviolabilida<strong>de</strong> dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício<br />

do mandato e na circunscrição do município. Assim como em relação aos<br />

parlamentares fe<strong>de</strong>rais, a garantia <strong>constitucional</strong> da imunida<strong>de</strong> parlamentar<br />

em sentido material é exclu<strong>de</strong>nte tanto <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> penal, quanto <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>rivadas do exercício do mandato (in officio)<br />

ou em razão <strong>de</strong>ste (propter officium).3 A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não prevê prerrogativa<br />

<strong>de</strong> foro nas hipóteses <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> infrações penais por vereadores,<br />

nem é possível essa previsão por meio da Lei Orgânica Municipal. Porém, nos<br />

termos do art. 125, § 1D, do texto <strong>constitucional</strong>, é possível essa previsão no<br />

texto da respectiva Constituição do Estado.4<br />

• proibições e incompatibilida<strong>de</strong>s, no exercício da vereança, similares, no que couber,<br />

ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na<br />

Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembléia Legislativa;<br />

1 Redação dada pela EC n° 58, <strong>de</strong> 23 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2009.<br />

2 STF - RE 434.278, Rei. Min. Marco Aurélio, julgam ento em 12-6-2012, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 28-6-2012;<br />

STF - RE 204.889, Rei. M in. M enezes Direito, julgam ento em 26-2-2008, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 16-5-2008;<br />

STF - A I 843.758-AgR, Rei. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, julgam ento em 28-2-2012, Segunda Turma, DJE <strong>de</strong> 13-3-<br />

2012; A I 776.230-AgR-segundo, Rei. M in. Ricardo Lewandowski, julgam ento em 9-11-2010, Primeira Turma,<br />

DJE <strong>de</strong> 26-11-2010.<br />

3 STF - AI 631.276, Rei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão monocrática, julgam ento em l Q-2-2011, DJE <strong>de</strong> 15-<br />

2-2011; STF - A I 818.693, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão monocrática, julgam ento em l°-8-2011, DJE <strong>de</strong><br />

4-8-2011; A I 739.840-AgR, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgam ento em 15-2-2011, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 17-3-<br />

2011; HC 74.201, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, julgam ento em 12-11-2006, Primeira Turm a,D J<strong>de</strong> 13-12-1996; AI<br />

698.921-AgR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgam ento em 23-6-2009, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 14-8-2009.<br />

4 STF - 21 T. - HC n° 74.125 8/PI - Rei. Min. Francisco Rezek, j. 3-9-1996. Ementário STF, n° 1864-04; STF,<br />

AD I 541-PB.DJ 6/9/2007; STJ - Terceira Seção - CC 116.771-MG, Rei. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em<br />

29-2-2012.


Organização Político-Adrainistrativa 301<br />

• julgamento do prefeito perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça;<br />

• organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal;<br />

• cooperação das associações representativas no planejamento municipal;<br />

• iniciativa popular <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> interesse específico do município, da<br />

cida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> bairros, através <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong>, pelo menos, cinco por cento<br />

do eleitorado;<br />

• perda do mandato do prefeito, nos termos do art. 28, § I a. Ressalte-se a integral<br />

aplicabilida<strong>de</strong> das normas previstas no art. 28 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral relativas<br />

à perda do mandato <strong>de</strong> Governador <strong>de</strong> Estado também para a hipótese <strong>de</strong> perda<br />

<strong>de</strong> mandato do Chefe do Executivo Municipal, pois conforme <strong>de</strong>cidido pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “as prescrições do art. 28 relativas à perda do mandato<br />

<strong>de</strong> governador aplicam-se ao prefeito, qualificando-se, assim, como preceito<br />

<strong>de</strong> reprodução obrigatória por parte dos Estados-membros e Municípios. Não<br />

é permitido a esses entes da fe<strong>de</strong>ração modificar ou ampliar esses critérios.”1<br />

1.6.2 Prefeito m unicipal - responsabilida<strong>de</strong> crim inal e política<br />

O prefeito é o chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, cabendo-lhe a direção administrativa e política<br />

do município. Conforme a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, será eleito, juntamente<br />

com o Vice-prefeito, para um mandato <strong>de</strong> quatro anos, permitindo-se a reeleição para um<br />

único período subsequente, nos termos da Emenda Constitucional n12 16, <strong>de</strong> 4-6-1997.<br />

Importante previsão <strong>constitucional</strong> é a disposição, originariamente, prevista no art.<br />

29, VIII, e atualmente, em virtu<strong>de</strong> da Emenda Constitucional na 1, <strong>de</strong> 31-3-1992, no<br />

art. 29, X.<br />

O inciso X do art. 29 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral inovou a competência para processo e<br />

julgamento das infrações penais cometidas pior prefeitos municipais, conce<strong>de</strong>ndo-lhes foro<br />

privilegiado, ao dispor que somente serão julgados pielo Tribunal <strong>de</strong> Justiça respectivo,<br />

ou seja, sempre do Estado da Fe<strong>de</strong>ração on<strong>de</strong> estiver seu Município,2 seja pielo Plenário<br />

ou por órgão fracionário competente.3<br />

No entanto, o legislador constituinte nãofoi claro quanto à fixação <strong>de</strong>ssa compietênda,<br />

ao não se referir, expressamente, ao tipo <strong>de</strong> infração penal cometida (comum, eleitoral,<br />

dolosa contra a vida e fe<strong>de</strong>ral), cabendo à Jurisprudência essa <strong>de</strong>finição.<br />

Assim, as atribuições jurisdidonais originárias do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>constitucional</strong>mente<br />

<strong>de</strong>finido como juízo natural dos prefeitos municipais, restringem-se, no que<br />

concerne aos processos penais, unicamente às hipióteses pertinentes aos <strong>de</strong>litos sujeitos à<br />

compietência da Justiça local, havendo compietência, nos crimes praticados contra bens,<br />

1 STF - ADI 336, voto do Rei. Min. ErosGrau, julgamento em 10-2-2010, Plenário, DJE <strong>de</strong> 17-9-2010.<br />

2 S TJ- Terceira S eçã o-C C 120.848-PE, Rei. Min. Laurita Vaz, julgado em 14-3-2012.<br />

3 STF - I a T. - Habeas Corpus n“ 71.429-3/SC - ReL M in. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 14 set.<br />

1995, p. 29.364; STF - I a T -Habeas Corpus n° 73.429-4/RO - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,13 set. 1996, p. 33.232.


3 0 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

serviços ou interesse da União, <strong>de</strong> suas autarquias ou <strong>de</strong> empresas públicas fe<strong>de</strong>rais, do<br />

Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

Há competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgamento <strong>de</strong> prefeito Municipal<br />

por <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> verbas recebidas em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> convênio firmado com a União Fe<strong>de</strong>ral,12 nos<br />

termos da Súmula 208, pois “compete a justiça fe<strong>de</strong>ral processar e julgar prefeito municipal<br />

por <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> verba sujeita a prestação <strong>de</strong> contas perante órgão fe<strong>de</strong>ral”. Porém, nas hipóteses<br />

<strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> verbas pela União ao município, com consequente incorporação<br />

ao patrimônio municipal, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça manteve antigo entendimento do<br />

enunciado da Súmula 133 do extinto Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos,3 que entendia nessas<br />

hipóteses ser <strong>de</strong> competência da Justiça Estadual o processo e julgamento originário <strong>de</strong><br />

ação penal contra prefeito municipal por má aplicação <strong>de</strong> verbas fe<strong>de</strong>rais repassadas ao<br />

patrimônio da municipalida<strong>de</strong>, pois seu <strong>de</strong>svio ou emprego irregular seria crime contra o<br />

Município, em cujo patrimônio as verbas já se haviam incorporado; tendo o STJ editado<br />

a Súmula 209, que estabelece que “compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito<br />

por <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”.4<br />

Entretanto, tratando-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>litos eleitorais, o prefeito Municipal <strong>de</strong>verá ser processado<br />

e julgado, originariamente, pelo Tribunal Regional Eleitoral.5<br />

No tocante aos <strong>de</strong>litos dolosos contra a vida, face a maior especialida<strong>de</strong>, aplica-se,<br />

aos prefeitos municipais, o art. 29, X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, afastando-se, pois, o art.<br />

5a, XXXVIII, recaindo a competência nos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, e não no Tribunal do Júri.6<br />

Tais normas, previstas na constituição, por serem regras processuais <strong>de</strong> competência,<br />

têm aplicabilida<strong>de</strong> imediata, alcançando, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, todos os processos penais em<br />

curso no momento da vigência da nova Constituição, conforme reconheceu o Plenário do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.7<br />

1 TRF, HC 68.967-PR; STF, RE 141.021-SP; STF, Inq. 406-Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ; STF, HC 72.506-6/MG.<br />

2 STJ, Primeira Seção, CC 110869/DF, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 17-9-2013; STJ, Terceira Seção,<br />

CC 113913/TO, Rei. Min. Gilson Dipp, DJe 23-2-2012; STJ, 6» T „ RHC 40611/SP, Rei. Min. M aria Thereza <strong>de</strong><br />

Assis Moura, DJe 29-10-2013; STJ, Terceira Seção, A g R g no CC 92791/RR, Rei. Min. Rogério Schietti Cruz, DJe<br />

19-11-2013; STJ, 6a T„ HC 185342/AM, Rei. Maria Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, DJe 19-3-2013; STJ, 5a T., REsp<br />

1085120/RS, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe 19-9-2012.<br />

3 Plenário do TRF, da I a Região - Brasília, Inq. 94.01.07209-4, Rei. Juiz Fernando Gonçalves, j. 9-3-95, v. u.,<br />

DJU, 23 Seção, 27 mar. 1995, p. 15.919.<br />

4 STJ, Primeira Seção, AgR g no CC 113826/MG, Rei. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29-8-2012. Conferir,<br />

ainda: STF, RE 205.773, Rei. Min. Octávio Galloti, <strong>de</strong>cisão, 29-4-97.<br />

5 STJ, Terceira Seção, CC 38348/ES, Rei. Min. M aria Th ereza <strong>de</strong> Assis Moura, DJ 25-3-2007, p. 195; STJ,<br />

Primeira Seção, CC 36533/MG, Rei. Min. Luiz Fux, DJ 10-5-2004 p. 159; STJ, DJU, 17 ago. 1992, 3a Seção, p.<br />

12.480; STJ, DJU, 25 maio 1992, 3a Seção, p. 7.353, ambos relatados pelo Ministro José Dantas; STJ, CC 6.812-<br />

6, AM , Rei. M in. Pedro Acioli, v. u., j. 7 abr. 1994, DJU, 25 abr. 94, 3a Seção, p. 9.191.<br />

6 STJ, 6 aT., HC 185176/PI, Rei. Min. OgFernan<strong>de</strong>s,DJe 23-4-2013; STJ, 6 aT „ H C269043/ PA, Rei. Min. Maria<br />

Thereza <strong>de</strong> Assis Moura, DJe 22-10-2013; STJ, 5a T„ HC 207469/SP, Rei. Min. Laurita Vaz, DJe, 26-8-2013; STJ,<br />

5a T „ HC 2.259-9-MT, Rei. Min. Jesus Costa Lima, v. u.,j. 2-2-94, DJU, 28fev. 1994, p. 2.900.<br />

7 HC 67.480-RS, Rei. M in. Octávio Gallotti, RTJ, 129/257.


Organização Político-Administrativa 3 0 3<br />

Assim ocorre porque os preceitos <strong>de</strong> uma nova constituição aplicam-se imediatamente<br />

com eficácia ex nunc.1<br />

A ação penal contra prefeito municipal, por crimes comuns, tipificados inclusive no<br />

art. I o do Decreto-lei n° 201/67, po<strong>de</strong> ser instaurada mesmo após a extinção do mandato,<br />

conforme atual e pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça (Súmula 164 - “O prefeito municipal após a extinção do mandato,<br />

continua sujeito do processo por crime previsto no art. I a, DL na 201/67”).12 Porém, se a<br />

<strong>de</strong>núncia for recebida, durante o exercício do mandato, o Tribunal ou seu órgão fracionário<br />

<strong>de</strong>cidirão pelo afastamento temporário ou permanência nas funções do prefeito durante<br />

a instrução processual penal.3<br />

Dessa forma, imprescindível observarmos, quer seja competência da Justiça comum,<br />

quer seja da Justiça fe<strong>de</strong>ral ou eleitoral, a partir da nova Constituição, a 2a instância é o<br />

juízo natural para processo e julgamento das infrações penais cometidas pelo prefeito municipal.<br />

Nesse sentido, editou o STF a Súmula 702: “Acompetência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

para julgar Prefeitos restringe-se aos crimes <strong>de</strong> competência da Justiça comum estadual;<br />

nos <strong>de</strong>mais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal <strong>de</strong> segundo grau.”<br />

Em relação, entretanto, aos chamados crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> cometidos pelo prefeito<br />

Municipal, primeiramente há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classificá-los em próprios e impróprios.<br />

Enquanto os primeiros são infrações político-administrativas, cuja sanção correspon<strong>de</strong> à<br />

perda do mandato e suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos previstos no art. 4a do Decreto-lei ne<br />

201, <strong>de</strong> 1967, os segundos são verda<strong>de</strong>iras infrações penais, apenados com penas privativas<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e previstos no artigo I a do mesmo <strong>de</strong>creto-lei.<br />

Os crimes <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, tipificados no art. I a do Decreto-lei<br />

na 201, <strong>de</strong> 1967, são crimes comuns, que <strong>de</strong>verão ser julgados pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do pronunciamento da Câmara <strong>de</strong> Vereadores (art. I a), são <strong>de</strong> ação<br />

pública e punidos com pena <strong>de</strong> reclusão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>tenção (art. I a, § I a) e o processo é o<br />

comum, do Código <strong>de</strong> Processo Penal, com pequenas modificações (art. 2a), cujo estudo<br />

foi feito anteriormente. No art. 4a, o Decreto-lei na 201, <strong>de</strong> 1967, cuida das infrações<br />

político-administrativas dos prefeitos sujeitas ao julgamento pela Câmara <strong>de</strong> Vereadores<br />

e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que po<strong>de</strong>m, na tradição do<br />

<strong>direito</strong> brasileiro, ser <strong>de</strong>nominadas crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Assim, compete ao Po<strong>de</strong>r Judiciário processar e julgar os crimes (comuns e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />

impróprios) praticados pelos prefeitos municipais (art. 29, X, da CF).4<br />

1 Ag. 139.647-SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, I a T „ D J U , 11 jun. 1993.<br />

2 STF, HC 71.991-1, l aT „ Rei. Min. Sydney Sanches,D J U , 2 mar. 1995, p. 4.020; STF, HC 70.671-1-Piauí, Rei.<br />

Min. Carlos Velloso. E, ainda, STF - I a T. - H a b e a s C o r p u s nD72.033-1/A M - Rei. Min. Octávio Gallotti, D iá r io<br />

d a J u s t iç a , Seção I, 27 out. 1995, p. 35.332; S T F -H C 72.033-1-AM, l aT., Rei. Min. O ctávio Gallotti, j. 22-8-95,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , 27 out. 1995, p. 35.332.<br />

3 STF - I a T. - H a b e a s C o r p u s n° 71.429-3/SC - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 14 set.<br />

1995, p. 29.354; STF - I a T. - H a b e a s C o r p u s n° 73.429-4/RO - Rei. Min. Sydney Sanches, D i á r i o d a J u s tiç a ,<br />

Seção I, 13 set. 1996, p. 33.232.<br />

4 STJ, 5aT „ HC 107036/SP, Rei.M in. Jorge Mussi,D J e 15-11-2010; STJ, 5 aT „ HC 139149/RS, Rei. Min. Marco<br />

Aurélio B ellizze,D J e 13-9-2012; STJ, HC 14.183-AL, 5a T., Rei. Min. Adhem ar Maciel, v. u., j. 15-12-92, D J U ,<br />

1° mar. 1993, p. 2.5 3 6 ; R T J 160/668.


3 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

No tocante, porém, às infrações político-administrativas (crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

próprios), a competência para julgamento é da Câmara Municipal,1uma vez que se trata <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> política do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo local, a ser <strong>de</strong>vida e politicamente<br />

apurada pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo MunicipaL A partir <strong>de</strong> l e-l-2001, entra em vigor a Emenda<br />

Constitucional ne 25, <strong>de</strong> 14-2-2000, que estabelece como crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do<br />

Prefeito Municipal: efetuar repasse que supere os limites <strong>de</strong>finidos no art. 29-A da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral; não enviar o repasse até o dia vinte <strong>de</strong> cada mês; enviá-lo a menor em<br />

relação à proporção fixada na Lei Orçamentária.<br />

Obviamente, apesar da previsão <strong>constitucional</strong> exemplificativa, haverá necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> previsão legal tipificando essas hipóteses, pois, o brocardo nullum crimen sine tipo tem<br />

plena incidência no campo dos ilícitos administrativos, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a<br />

previsão <strong>de</strong> tais infrações emane <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral, pois enten<strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

que a <strong>de</strong>finição formal dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> insere-se, por seu conteúdo penal,<br />

na competência exclusiva da União.12<br />

Por fim, saliente-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a competência originária do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, salvo as exceções acima analisadas, somente para o processo e julgamento<br />

das infrações penais comuns ajuizadas contra o Prefeito Municipal,3 não se admitindo<br />

ampliação interpretativa no sentido <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se a existência <strong>de</strong> foro privilegiado para<br />

as ações populares,4 ações civis públicas, e <strong>de</strong>mais ações <strong>de</strong> natureza cível.<br />

Da mesma forma, inexiste foro privilegiado para o ajuizamento <strong>de</strong> ações por prática <strong>de</strong><br />

atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa em face <strong>de</strong> Prefeitos Municipais, por ausência <strong>de</strong> previsão<br />

<strong>constitucional</strong> específica,5 <strong>de</strong>vendo, portanto, ser ajuizadas perante a I a instância.6<br />

1 STF - 1“ T - Habeas Corpus n° 71.991-1/MG - Rei. M in. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 2 mar.<br />

1995, p. 4.022. Conferir, nesse sentido: STF - “ com base no princípio da simetria (CF, art. 86, § I o), enten<strong>de</strong>u<br />

constitucionais o dispositivo que conferia à Câmara Municipal com petência para julgar o prefeito nas práticas<br />

<strong>de</strong> infrações político-administrativas <strong>de</strong>finidas no DL 201/67 (afastados os crimes comuns previstos no art. I o<br />

do referid o Decreto-lei, cuja com petência é do Tribunal <strong>de</strong> Justiça) e a norma que prevê o afastamento, por até<br />

90 dias, do prefeito quando recebida <strong>de</strong>núncia por crime político-adm inistrativo pela Câmara Municipal” (STF<br />

- Pleno - Rextr. n° 192.527-P R - Rei. Min. Marco Aurélio, 25-4-2001 - Informativo STF n2 226, p. 1, Brasília,<br />

9 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2001).<br />

2 RTJ 166/147; STF - Pleno - Adin n °834-0/M T - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I,<br />

9 abr. 1999. p. 2.<br />

3 STF - I a T. - A gravo <strong>de</strong> Instrumento n ° 177.313-8/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção<br />

1,5 fev. 1996, p. 1.283. Não se adm itindo contra ex-Prefeito: STF - 2a T. - HC n ° 86398/RJ - Rei. Min. Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 7-3-2006-Inform ativoSTFna418, Seção I, p. 3.<br />

4 S T F -Petição Avulsa n °2-2/R J-R el. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,3 set. 1997, p. 41.343.<br />

5 Consultar a respeito: Capítulo 10 - item 4.7.1 - A4, on<strong>de</strong> se analisa a inexistência <strong>de</strong> fo ro privilegiado para<br />

ações populares, ações civis públicas e por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> em relação ao Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

6 STF, Pleno, R cln a2.138, Rei. Min. Nelson Jobim, DJe <strong>de</strong> 18-4-2008, Ementário na2 3 1 5 -l; Cf., STF - Inquérito<br />

n2 1202 5/CE - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,4 mar. 1997, p. 4.800, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>cidiu pela<br />

incompetência do STF para processo e julgamento <strong>de</strong> ação civil por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa contra<br />

ex-Prefeito Municipal, atualmente, <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, por consi<strong>de</strong>rar-se a I a instância da Justiça Comum como<br />

foro competente. Observe-se, porém , que em 31-8-2012, o Plenário do STF reconheceu repercussão geral da<br />

questão <strong>constitucional</strong> sobre com petência para processo e julgam ento <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong> contra prefeito<br />

municiai na apreciação do ARE 683235 (Rei. Min. Cezar Peluso, redistribuído ao Min. Teori Zavascki), pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> julgam ento.


Organização Político-Administrativa 305<br />

A Lei nQ10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, alterando a redação do art. 84 do Código<br />

<strong>de</strong> Processo Penal, estabeleceu em seu § 2o que a ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verá ser proposta<br />

perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou<br />

autorida<strong>de</strong> na hipótese <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro em razão do exercício <strong>de</strong> função pública.<br />

Observe-se, porém, que essa extensão <strong>de</strong> competência ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça para as<br />

ações <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa ajuizadas contra Prefeitos Municipais fere frontalmente<br />

o inciso X, do art. 29 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sendo in<strong>constitucional</strong>, conforme<br />

análise <strong>de</strong>talhada do item 4.7.1 (A.5), no Capítulo 10.<br />

A citada le i estabeleceu, ainda, que essa competência especial por prerrogativa <strong>de</strong><br />

função <strong>de</strong>verá prevalecer ainda que o inquérito ou a ação judicial se iniciem após a cessação<br />

do exercício da função pública, revigorando, no campo penal e civil, a antiga regra<br />

da contemporaneida<strong>de</strong>fato/mandato prevista na Súmula 394 do STF, hoje cancelada. Essa<br />

perpetuação <strong>de</strong> competência, igualmente, fere a interpretação dada pelo STF à questão<br />

dos foros especiais e foi <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

1 .6.3 Vereadores - im unida<strong>de</strong> m aterial12<br />

Seguindo a tradição <strong>de</strong> nosso <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, não houve previsão <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s<br />

formais aos vereadores;3 porém, em relação às imunida<strong>de</strong>s materiais o legislador<br />

constituinte inovou, garantindo-lhe a inviolabilida<strong>de</strong> por suas opiniões, palavras e votos<br />

no exercício do mandato e na circunscrição do Município.4<br />

Conforme será amplamente estudado no Capítulo 10 (Da organização dos Po<strong>de</strong>res),<br />

item 2.7.5, a imunida<strong>de</strong> material dos membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo abrange a responsabilida<strong>de</strong><br />

penal, civil,5 disciplinar e política, pois trata-se <strong>de</strong> cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong><br />

geral <strong>de</strong> Direito Constitucional material. Assim como em relação aos Parlamentares Fe<strong>de</strong>rais,<br />

a garantia <strong>constitucional</strong> da imunida<strong>de</strong> parlamentar em sentido material é exclu<strong>de</strong>nte<br />

1 STF - Pleno - Adin n“ 2797/DF e Adin nu 2860/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2005 - I n ­<br />

formativo STF n°401, p. 1. Conferir, a respeito, o julgam ento da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que cancelou a Súmula 394:<br />

STF - Pleno - Inquérito nú 687/SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. M in. Sydney Sanches, Informativo STF nú 159.<br />

2 Sobre o assunto ver capítulo sobre Po<strong>de</strong>r Legislativo - Imunida<strong>de</strong>s Parlamentares.<br />

3 STF - 1* T. - RHC n° 62.303 - Rei. Min. Oscar Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1 ,1 fev. 1985, p. 10.471;<br />

STF - Pleno - Apelação Criminal nfl 1.494 - Rei. Min. Luis Gallotti, Diário da Justiça, 10 out. 1955, p. 3.614;<br />

STF - Pleno - Apelação Criminal nD11.494 - Rei. M in. Luis Gallotti, Diário da Justiça, 27ju n. 1969; STF - I a T.<br />

- RHC n° 31.472 - Rei. Min. José Linhares, Diário da Justiça, Seção I, 23 fev. 1953, p 00665; STF - 2a T. - RHC<br />

nD31.647 - R e i. Min. Orosim bo Nonato, Diário da Justiça, Seção 1,20 jun. 1953, p. 1.723; STF - Pleno - A D I n°<br />

89.984-6/SC -m ed ida ca u tela r-R ei. Min. Carlos Britto, Diário daJustiça, Seção I, 30nov. 2006, p. 38.<br />

4 STF - AI 8 18693/MT - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJe 4-8-2001, STF - A I 631276/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, <strong>de</strong>cisão: P -2-2 011. Nesse sentido: “PENAL. VEREADOR IMUNIDADE PARLAM ENTAR CRIM E CO NTRA<br />

A H O N R A - Tratando-se <strong>de</strong> expressões consi<strong>de</strong>radas ofensivas, porém pronunciadas no recinto da Câmara<br />

Municipal, forçoso é reconhecer que o Edil goza <strong>de</strong> prerrogativa da imunida<strong>de</strong> parlamentar (art. 29, VI, da CF),<br />

não po<strong>de</strong>ndo ser processado” (STJ - 6a T. - RHC nD6.688/SP - Rei. Min. W illiam Patterson, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,2 fev. 1998, p. 132).<br />

5 STF - Pleno - Rextr. n L2 10.9Ü7/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 12ago. 1998 -Inform ativo STF<br />

n“ 118, ago./98 - Conferir Ementa no item 2.7.5 do Capítulo 10.


306 Direito Constitucional • Moraes<br />

tanto <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> penal, quanto <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>rivadas<br />

do exercício do mandato (in officio) ou em razão <strong>de</strong>ste (propterofficium).1<br />

Dessa forma, em conclusão, são requisitos constitucionais exigíveis para a caracterização<br />

da inviolabilida<strong>de</strong> do vereador:12<br />

• manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, através <strong>de</strong> opiniões, palavras e votos;<br />

• relação <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre a manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> e o exercício do mandato,<br />

entendida globalmente <strong>de</strong>ntro da função legislativa e fiscalizatória do<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do local;3<br />

• abrangência na circunscrição do Município.<br />

Ressalte-se que não existe qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação pelas Constituições Estaduais,<br />

nem pelas respectivas leis orgânicas dos Municípios, <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s formais em<br />

relação aos vereadores,4 e tampouco <strong>de</strong> ampliação da imunida<strong>de</strong> material, uma vez que<br />

a competência para legislar sobre <strong>direito</strong> civil, penal e processual é privativa da União,<br />

nos termos do art. 2 2 ,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.5<br />

Diversa, porém, é a hipótese <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong> foro privilegiado para o processo e julgamento<br />

dos vereadores. Em face do art. 125, § 1Q, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não existirá<br />

óbice à Constituição estadual em prever o Tribunal <strong>de</strong> Justiça como o juízo competente<br />

para os processos e julgamentos dos vereadores nas infrações penais comuns, se assim o<br />

legislador constituinte estadual preferir.6<br />

1 STF - A I 631.276, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão monocrática, julgam ento em l 2-2-2011, DJE <strong>de</strong> 15-<br />

2-2011; STF - A I 818.693, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão monocrática, julgam ento em l 2-8-2011, DJE <strong>de</strong><br />

4-8-2011; A I 739.840-AgR, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgam ento em 15-2-2011, Primeira Dirm a, DJE <strong>de</strong> 17-3-<br />

2011; HC 74.201, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, julgam ento em 12-11-2006, Primeira H irm a.D J <strong>de</strong> 13-12-1996; A I<br />

698.921-AgR, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, julgam ento em 23-6-2009, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 14-8-2009.<br />

2 STF - 1 “ T. - HC n° 67.04 7 - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,5 m aio 1989; FTJ, 141/119. N o<br />

mesmo sentido: Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo - Recurso em sentido estrito n° 136.916-3-Itú-Rel.<br />

Des. Fortes Barbosa, j. 13-12-93; TACrim/SP - RSE 581.869-2 - 8a C. - Rei. Juiz Fábio <strong>de</strong> Araújo; R T 648/309.<br />

3 STF - 2» T. - HC n° 7 4 .125-8/ P I - R e i. M in. Francisco Rezek, j. 3 set. 1 9 9 6 - Em entário n2 1 8 6 4 -0 4 ; STF - I a<br />

T. - HC n° 74.2 0 1 -7 / M G - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, j. 12 nov. 1 9 9 6 - Ementário n° 1 8 5 4 -0 4 ; STF - I a T. - HC<br />

n° 7 5 .6 2 1 - Rei. M in. M oreira A lves, I n f o r m a t iv o STF n° 1 0 4 , p. 3.<br />

4 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> d e várias Constituições Estaduais que previam<br />

imunida<strong>de</strong>s processuais aos vereadores: STF - Pleno - Adin n2 371/SE (m edida cautelar) - Rei. Min. Paulo<br />

Brossard, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 fev. 1993, p. 2.030; STF - Pleno - Adin n° 685/PA (m edida cautelar) -<br />

Rei. Min. Célio Borja, Diário da Justiça, Seção 1,8 maio 1992, p. 6.265; STF - Pleno - Adin n° 558/RJ (m edida<br />

cautelar) - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 26 mar. 1993, p. 5.001.<br />

5 STF - P len o-Habeas Corpus n ° 70.352/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DiáriodaJustiça, Seção 1,3 <strong>de</strong>z. 1993,<br />

p. 26.357. No m esm o sentido o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: STJ - 5a T. - Habeas Corpus n° 660/MG -R e l.M in .<br />

José Dantas, RSTJ, 24/109; S T J - 5aT. - R H C n ° 1.661/GO - Rei. Min. Edson Vidigal, DiáriodaJustiça, Seção I,<br />

15 mar. 1993, p. 3.822; S T J -R H C nD3.3 4 8 / M A -R el. Min. Luiz V icente Cernicchiaro, RSTJ, 057/118; S T J - 6a<br />

T. -R H C n° 3.387/S P- Rei. Min. Pedro Acioli, DiáriodaJustiça, Seção I, 16 maio 1995, p. 11.787; STJ - 5a T. -<br />

RHC n° 3.490/MT - Rei. Min. Jesus Costa Lima, Diário da Justiça, Seção I, 30 maio 1994, p. 13.493.<br />

6 Nesse sentido já <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em face do art. 123, III, d - 4 da Constituição do Estado<br />

do Piauí que prevê foro privilegiado aos vereadores (STF - 2a T. - HC n° 74.125-8/PI - Rei. Min. Francisco Rezek,<br />

j. 3 set. 1996 - Serviço <strong>de</strong> jurisprudência - Ementário na 1864-04).


Organização Político-Administrativa 3 0 7<br />

1.7 Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

A nova Constituição Fe<strong>de</strong>ral garante ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral a natureza <strong>de</strong> ente fe<strong>de</strong>rativo<br />

autônomo, em virtu<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> sua tríplice capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-organização, autogoverno<br />

e autoadministração (CF, arts. I a, 18, 32, 34), vedando-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

subdividir-se em Municípios. Dessa forma, não é Estado-membro, tampouco Município,<br />

tendo, porém, em regra, todas as competências legislativas e tributárias reservadas aos<br />

Estados e Municípios (CF, arts. 32 e 147), excetuando-se somente a regra prevista no art.<br />

22, XVII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (“Compete privativamente à União legislar sobre XVII -<br />

organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Territórios, bem como organização administrativa <strong>de</strong>stes”).<br />

O Distrito Fe<strong>de</strong>ral se auto-organizará por lei orgânica, votada em dois turnos com<br />

interstício mínimo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a<br />

promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição. Igualmente, reger-se-á,<br />

pelas suas leis distritais, editadas no exercício <strong>de</strong> sua competência legislativa (CF, art. 32).<br />

A capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autogoverno consubstancia-se na eleição do governador e do Vice-<br />

-governador, somente pelo próprio povo do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, observadas as regras do art.<br />

77 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, bem como <strong>de</strong> seus próprios Deputados Distritais, componentes<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo Local (Câmara Legislativa), todos para um mandato <strong>de</strong> quatro anos.<br />

Em relação ao Po<strong>de</strong>r Judiciário do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, permanece a previsão <strong>de</strong> que competirá,<br />

privativamente, à União organizar e mantê-lo, afetando, parcialmente, a autonomia<br />

<strong>de</strong>sse ente fe<strong>de</strong>rado.<br />

Por fim, a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autoadministração <strong>de</strong>corre da possibilida<strong>de</strong> do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral exercer suas competências administrativas, legislativas e tributárias <strong>constitucional</strong>mente<br />

<strong>de</strong>feridas, sem qualquer ingerência da União (CF, art. 25, § I a) .<br />

1.8 Territórios<br />

Os Territórios Fe<strong>de</strong>rais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou<br />

reintegração ao Estado <strong>de</strong> origem serão reguladas em lei complementar (CF, art. 18, § 2a).<br />

Dessa forma, não são componentes do Estado Fe<strong>de</strong>ral, pois constituem simples <strong>de</strong>scentralizações<br />

administrativas-territoriais da própriaUnião, e consequentemente receberam<br />

da Constituição tratamento compatível com sua natureza.1<br />

Observe-se que, na data <strong>de</strong> promulgação da Constituição, existiam três territórios:<br />

Fernando <strong>de</strong> Noronha, Amapá e Roraima. Essa situação foi resolvida pelo Ato das Disposições<br />

Constitucionais Transitórias. Assim, os Territórios Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong> Roraima e do Amapá<br />

foram transformados em Estados Fe<strong>de</strong>rados, mantidos seus atuais limites geográficos e<br />

instalados com aposse dos governadores eleitos em 1990 (CF-ADCT, art. 14).<br />

Por sua vez, o Território Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Fernando <strong>de</strong> Noronha fo iextinto, sendo sua área<br />

reincorporada ao Estado <strong>de</strong> Pernambuco (CF - ADCT, art. 15).<br />

1 A EC n° 38, promulgada em 12-6-2002, <strong>de</strong>terminou a incorporação dos Policiais Militares do extinto território<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rondônia aos quadros da União, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, comprovadamente, se encontrassem no exercício<br />

regular <strong>de</strong> suas funções prestando serviços àquele ex-território na data em que foi transformado em Estado.


3 0 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se, por fim, que, apesar da inexistência atual, a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

permite a criação <strong>de</strong> novos territórios (CF, art. 18, § 3a), tendo inclusive, com esse intuito,<br />

no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, previsto a criação, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> noventa<br />

dias da promulgação da Constituição, <strong>de</strong> uma comissão <strong>de</strong> estudos territoriais, com 10<br />

membros indicados pelo Congresso Nacional e cinco pelo Po<strong>de</strong>r Executivo, com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> apresentar estudos sobre o território nacional e anteprojetos relativos a novas<br />

unida<strong>de</strong>s territoriais, notadamente na Amazônia Legal e em áreas pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> solução.<br />

Igualmente, estabeleceu prazo <strong>de</strong> um ano para que a referida comissão submetesse ao<br />

Congresso Nacional os resultados <strong>de</strong> seus estudos para apreciação nos doze meses subsequentes<br />

(CF - ADCT, art. 12).<br />

1.9 Formação dos Estados<br />

Os Estados-membros, como já salientado, são tradicionalmente instituições estruturais<br />

<strong>de</strong> um Estado Fe<strong>de</strong>ral, caracterizando-se pela autonomia organizacional, governamental<br />

e político-administrativa. Porém, diferentemente do território da República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil, a divisão político-administrativa interna da Fe<strong>de</strong>ração brasileira não é imutável<br />

(CF, art. 18, § 3a). Dessa forma, não há como se formar novos Estados partindo-se <strong>de</strong><br />

territórios ainda não existentes. A divisão político-administrativa interna, porém, po<strong>de</strong>rá<br />

ser alterada com a constituição <strong>de</strong> novos Estados-membros, pois a estrutura territorial<br />

interna não é perpétua.<br />

A Constituição prevê esta possibilida<strong>de</strong> no § 3a, do art. 18, ao estabelecer que os<br />

Estados po<strong>de</strong>m incorporar-se entre si, subdividir-se ou <strong>de</strong>smembrar-se para se anexarem<br />

a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Fe<strong>de</strong>rais, mediante aprovação da<br />

população diretamente interessada, através <strong>de</strong> plebiscito, e do Congresso Nacional, por<br />

lei complementar.<br />

Portanto, são quatro as hipóteses <strong>de</strong> alterabilida<strong>de</strong> divisional interna do território<br />

brasileiro:<br />

• incorporação;<br />

• subdivisão;<br />

• <strong>de</strong>smembramento - anexação;<br />

• <strong>de</strong>smembramento-formação.1<br />

1 Em 11 d e <strong>de</strong>zem bro d e 2011, foram realizados dois plebiscitos n o Estado d o Pará com consultas sobre a<br />

hipótese <strong>de</strong> “<strong>de</strong>smem bramento formação”, para que os eleitores paraenses <strong>de</strong>cidissem sobre a criação ou não<br />

dos novos Estados <strong>de</strong> Carajás e Tapajós, a serem form ados a partir <strong>de</strong> <strong>de</strong>smembramento territorial do Estado<br />

do Pará. Am pla maioria (2/3) <strong>de</strong>cidiu pela manutenção do Estado do Pará com sua atual conformação. Sobre<br />

a organização do Plebiscito, consultar: Resolução TSE n2 23.347 (organização), Resolução n2 23.348 (sobre a<br />

arrecadação e a aplicação <strong>de</strong> recursos e sobre prestações <strong>de</strong> contas nos plebiscitos do Estado do Pará), Resolução<br />

n5 23.350 (sobre pesquisas eleitorais), Resolução n2 23.351 (sobre os form ulários a serem utilizados), Resolução<br />

n2 23.352 (sobre representações, reclamações e pedidos <strong>de</strong> resposta relativos aos plebiscitos no Estado do<br />

Pará), Resolução n2 23.352 (sobre representações, reclamações e pedidos <strong>de</strong> resposta relativos aos plebiscitos no<br />

Estado do Pará), Resolução n2 2 3.355 (sobre cerim ônia <strong>de</strong> assinatura digital e fiscalização do sistema eletrônico<br />

<strong>de</strong> votação), todas relatadas pelo Ministro Arnaldo Versiani.


Organização Político-Administrativa 309<br />

Para todas essas hipóteses, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige três requisitos:<br />

• consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio <strong>de</strong> plebiscito1-<br />

A terminologia utilizada pela Constituição é incorreta, pois em verda<strong>de</strong> serão<br />

consultados os eleitores diretamente interessados, consi<strong>de</strong>rados como tais<br />

todos os eleitores do Estado,12 vedada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização posterior<br />

<strong>de</strong> consulta das populações diretamente interessadas, por meio <strong>de</strong> referendo,<br />

mesmo que haja previsão da Constituição Estadual nesse sentido;3<br />

• oitiva das respectivas Assembléias Legislativas dos Estados interessados (CF, art.<br />

48, VI). É uma função meramente opinativa;<br />

• Lei Complementar Fe<strong>de</strong>ral específica aprovando a incorporação, subdivisão ou o<br />

<strong>de</strong>smembramento.<br />

Note-se que, se o plebiscito for <strong>de</strong>sfavorável, o procedimento estará encerrado, constituindo,<br />

pois, a aprovação das populações diretamente interessadas, verda<strong>de</strong>ira condição<br />

<strong>de</strong> procedibilida<strong>de</strong> do processo legislativo da lei complementar. Caso, porém, haja aprovação<br />

plebiscitária, o Congresso Nacional soberanamente <strong>de</strong>cidirá pela aprovação ou não da lei<br />

complementar. Em síntese, a negativa no plebiscito impe<strong>de</strong> o processo legislativo, enquanto<br />

a concordância dos interessados permite que o projeto <strong>de</strong> lei complementar seja discutido<br />

no Congresso Nacional, sem contudo vinculá-lo, pois esse <strong>de</strong>verá zelar pelo interesse geral<br />

da República Fe<strong>de</strong>rativa e não somente pelo das populações diretamente interessadas.<br />

Os Estados<br />

, originais<br />

<strong>de</strong>ixam <strong>de</strong><br />

existir<br />

CF<br />

CISÃO “SUBDIVIDIR-SE” -► f A 1= 0 0<br />

art. 18, § 3a<br />

DESMEMBRAMENTO<br />

FORMAÇÃO T-H A h fÃlfBl<br />

XX<br />

ANEXAÇÃO ] - »<br />

Os Estados<br />

originais<br />

continuam<br />

existindo<br />

com alteração<br />

em seus<br />

territórios<br />

1 O art. 4Qda Lei ne 9.709, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, regulamentou essa hipótese plebiscitária.<br />

2 STF - Pleno - ADI 2650/D F- Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 24-8-2011.<br />

3 STF - Pleno - Adin n Q1.373-4 - medida liminar - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário d a Justiça, Seção I, 31<br />

mar. 1996, p. 18.799.


3 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

1 .9 .1 Fusão (in co rporação entre si)<br />

Dois ou mais Estados se unem com outro nome. Portanto, consiste na reunião <strong>de</strong><br />

um Estado a outro, per<strong>de</strong>ndo ambos os Estados incorporados sua personalida<strong>de</strong>, por se<br />

integrarem a um novo Estado. A fusão po<strong>de</strong> ser entre dois, três, ou mais Estados, com a<br />

consequência lógica da perda das primitivas personalida<strong>de</strong>s e surgimento <strong>de</strong> um novo Estado.<br />

Nessa hipótese, <strong>de</strong>verá ocorrer um plebiscito em cada um dos Estados que pretenda se<br />

incorporar, separadamente.<br />

1 .9 .2 Subdivisão<br />

Ocorre quando um Estado divi<strong>de</strong>-se em vários novos Estados-membros, todos com<br />

personalida<strong>de</strong>s diferentes, <strong>de</strong>saparecendo por completo o Estado-originário. Assim,<br />

subdivisão significa separar um todo em várias partes, formando cada qual uma unida<strong>de</strong><br />

nova e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das <strong>de</strong>mais. Nessa hipótese, todos os eleitores do Estado <strong>de</strong>verão<br />

participar do plebiscito.<br />

1.9.3 Desm em bram ento<br />

Consiste em separar uma ou mais partes <strong>de</strong> um Estado-membro, sem que ocorra a<br />

perda da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> do ente fe<strong>de</strong>rativo primitivo. Assim, significa separação <strong>de</strong> parte do<br />

Estado-originário, sem que ele <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> existir juridicamente com sua própria personalida<strong>de</strong><br />

primitiva. O Estado-originário será <strong>de</strong>sfalcado <strong>de</strong> parte <strong>de</strong> seu território, per<strong>de</strong>ndo,<br />

igualmente, parcela <strong>de</strong> sua população. A parte <strong>de</strong>smembrada po<strong>de</strong>rá anexar-se a um outro<br />

Estado-membro (<strong>de</strong>smembramento-anexação), quando então não haverá criação <strong>de</strong> um<br />

novo ente fe<strong>de</strong>rativo, mas tão somente alteração <strong>de</strong> limites territoriais. Nessa hipótese,<br />

todos os eleitores dos Estados <strong>de</strong>verão participar do plebiscito, havendo dois plebiscitos<br />

autônomos.<br />

Há, porém, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a parte <strong>de</strong>smembrada constituir novo Estado,1ou,<br />

ainda, formar um Território Fe<strong>de</strong>ral (<strong>de</strong>smembramento-formação).<br />

1 A criação do Estado <strong>de</strong> Tocantins pelo legislador constituinte exemplifica essa hipótese, conforme <strong>de</strong>termina<br />

o art. 13 do ADCT: “É criado o Estado do Tocantins, pelo <strong>de</strong>smembramento da área <strong>de</strong>scrita neste artigo, dando-<br />

-se sua instalação no quadragésimo sexto dia após a eleição prevista no § 3e, mas não antes <strong>de</strong> l 2 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />

1989. § I a O Estado do Tocantins integra a Região N orte e limita-se com o Estado <strong>de</strong> Goiás pelas divisas norte<br />

dos municípios <strong>de</strong> São M iguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minaçu, Cavalcante, M onte A legre <strong>de</strong> Goiás<br />

e Campos Belos, conservando a leste, norte e oeste as divisas atuais <strong>de</strong> Goiás com os Estados da Bahia, Piauí,<br />

Maranhão, Pará e Mato Grosso. § 2QO Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>signará uma das cida<strong>de</strong>s do Estado para sua capital<br />

provisória até a aprovação da se<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva do governo pela Assembléia Constituinte. §§ 3°, 4Q, 5Q, 6Q... § 7Q<br />

Fica o Estado <strong>de</strong> Goiás liberado dos débitos e encargos <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> empreendimentos no território do novo<br />

Estado, e autorizada a União, a seu critério, a assumir os referidos débitos.”


Organização Político-Administrativa 3 1 1<br />

1.10 Form ação d e m unicípios<br />

A Emenda Constitucional n° 15, <strong>de</strong> 12-9-1996,1trouxe nova redação ao art. 18 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral,12 alterando os requisitos <strong>de</strong> observância obrigatória para todos os<br />

Estados-membros,3 para criação, incorporação, fusão e <strong>de</strong>smembramento <strong>de</strong> municípios,<br />

que passaram a ser:<br />

• lei complementar fe<strong>de</strong>ral estabelecendo genericamente o período possível para<br />

a criação, incorporação, fusão ou <strong>de</strong>smembramento <strong>de</strong> municípios;4<br />

• lei ordinária fe<strong>de</strong>ral prevendo os requisitos genéricos exigíveis, bem como a<br />

apresentação e publicação dos Estudos <strong>de</strong> Viabilida<strong>de</strong> Municipal;<br />

• consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios diretamente<br />

interessados5 - A alteração <strong>constitucional</strong> - “populações dos municípios envolvidos”<br />

significa “populações dos municípios diretamente interessados” e afasta a<br />

interpretação até então pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido <strong>de</strong><br />

que, no caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>smembramento <strong>de</strong> um distrito <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado município,<br />

estariam aptos a votar somente os eleitores inscritos no distrito emancipando,<br />

que se expressam como legítimos representantes da população diretamente<br />

interessada e não <strong>de</strong> todo o município.6<br />

• Corroborando a interpretação do texto, contrária à anterior jurisprudência do<br />

TSE, fo i editada a Lei nfl 9.709, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1998, que em seu artigo<br />

7o prevê que nas consultas plebisdtárias enten<strong>de</strong>-se por população diretamente<br />

1 O STF afirm ou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da n ova redaçã o do art. 18, § 4- (EC n ° 15/96): STF - P len o - A D I n°<br />

2.395/DF - R e l. M in . G ilm a r M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 9-S-2007. informativo STFn° 466.<br />

2 O tex to anterior dizia: “ art. 18, § 4a A criação, a in corporação, a fu sã o e o <strong>de</strong>sm em bram ento <strong>de</strong> m unicípios<br />

preserva rã o a contin u ida<strong>de</strong> e a unida<strong>de</strong> h istórico-cu ltu ral d o am biente urbano, far-se-ão p o r le i estadual,<br />

obe<strong>de</strong>cidos os requisitos previstos em lei com plem en tar estadu al, e d ep en d erã o d e consulta prévia, m ediante<br />

plebiscito, às populações diretam en te interessadas” .<br />

3 STF - P len o - A d in na 262-7/RO- Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , D i á r i o da Justiça, S eção I, 25 m aio 1990.<br />

4 Trata-se, pois, d e n orm a <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia lim ita da. Nesse sen tid o d ecid iu o TSE, afirm ando que “é<br />

pú blico e notório que essa lei com plem entar fed era l não existe, ainda, na or<strong>de</strong>m ju rídica d o País (...). N ão se<br />

viabiliza o procedim en to, ten<strong>de</strong>nte à criação d e m unicípio, enquanto não editada a lei com plem entar a que se<br />

refere o artigo 18, § 4a, da Constituição” (TSE - M S na 2.812 - Bahia - Rei. M in. Edson V idigal, D i á r i o da Justiça,<br />

Seção I, 23 mar. 2000. p. 4 3 ).<br />

5 O art. 5a da Lei na 9.709, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> n ovem bro <strong>de</strong> 1998, regu lam en tou essa hipótese plebiscitária.<br />

6 T S E - M S n“ 1.511/DF, R ei. M in. José Cândido, Diário da Justiça, Seção I, 5 ju n. 1992. N o sentido d o texto,<br />

em análise à nova redação ao texto d o art. 1 8 , § 4°, <strong>de</strong>cidiu o Tribunal S uperior E leitoral que “ Criação <strong>de</strong> M u ­<br />

n icípio - Lei estadual e resoluções da Justiça E leitoral visan do a realização <strong>de</strong> Plebiscito entre a popu lação da<br />

área territorial a ser elevad a a categoria <strong>de</strong> m u nicípio - S up erveniên cia <strong>de</strong> em enda Constitucional preven do<br />

consulta às populações dos municípios envolvidos - O texto <strong>constitucional</strong> tem im ediata vigên cia, in cidin do sobre<br />

processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sm em bram ento <strong>de</strong> m unicípios ainda não concluído” (TSE - Plen o - M andado <strong>de</strong> Segurança na<br />

2.664 - Classe 14a - R io d e Janeiro - Rei. M in. Nilson Naves, Diário da Justiça, Seção I, 24 abr. 1998, p. 5 7 ).<br />

Nesse m esm o sentido: “estrangeira aqui a in v o c a ç ã o d e prece<strong>de</strong>nte do Suprem o Tribunal F e<strong>de</strong>ral, consi<strong>de</strong>rando<br />

necessária a consulta plebiscitária apenas na região em que se preten<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> n ovo M unicípio. Essa <strong>de</strong>cisão<br />

é anterior ao texto vigente da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. 1 8 , § 4°, alterado pela Em enda 15/96” (TS E - A gra vo<br />

regim en ta l interposto nos autos do M a n d a d o d e S egurança n° 2 .8 1 2 - B a h ia - R e i. M in. Edson V id ig a l, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 23 mar. 2 0 0 0 . p. 43).


3 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

interessada tanto a do território que se preten<strong>de</strong> <strong>de</strong>smembrar, quanto a do que<br />

sofrerá <strong>de</strong>smembramento.<br />

Ressalte-se que o STF afirmou que “não parece compatível com a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral o diploma legislativo que cria município ad referendum <strong>de</strong> consulta plebiscitária”<br />

(KTJ, 159/775). Por fim, “anote-se que, proclamado pelo TRE o resultado<br />

negativo da consulta, a <strong>de</strong>cisão - preclusa no âmbito da Justiça Eleitoral -, tem<br />

eficácia <strong>de</strong>finitiva e vinculante da Assembléia Legislativa, impedindo a criação<br />

do Município projetado, sob pena <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por usurpação da<br />

competência judiciária” (RTJ, 158/36). Importante, ainda, <strong>de</strong>stacar <strong>de</strong>cisão do<br />

Pretório Excelso que julgou parcialmente in<strong>constitucional</strong> a Lei ns 498 do Estado<br />

<strong>de</strong> Tocantins no tocante à modificação da área, limites e confrontações do Município<br />

<strong>de</strong> Cariri do Tocantins, sem prévia consulta plebiscitária. Dessa forma, enten<strong>de</strong>u<br />

o STF que, mesmo para a edição <strong>de</strong> leis estaduais que prevejam alterações<br />

geográficas entre municípios, haverá a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consulta plebiscitária;1<br />

• lei ordinária estadual criando especificamente <strong>de</strong>terminado município.12<br />

Observe-se, que, em face à ausência <strong>de</strong> regulamentação da EC na 15/96, o STF <strong>de</strong>clarou<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem pronúncia <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversas leis criadoras <strong>de</strong><br />

Municípios, <strong>de</strong>vidamente instituídos há alguns anos, reconhecendo a mora do Congresso<br />

Nacional e estipulando o prazo, ora <strong>de</strong> 18, ora <strong>de</strong> 24 meses para que “adote todas as providências<br />

legislativas ao cumprimento da referida norma <strong>constitucional</strong>”, preservando,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, a segurança jurídica.3<br />

Em face da manutenção da inércia legislativa para regulamentar o dispositivo <strong>constitucional</strong>,<br />

o Congresso Nacional editou a Emenda Constitucional na 57, <strong>de</strong> 18-12-2008,<br />

estabelecendo que “ficam convalidados os atos <strong>de</strong> criação, fusão, incorporação e <strong>de</strong>smembramento<br />

<strong>de</strong> Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, atendidos<br />

os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época <strong>de</strong> sua criação”.<br />

A convalidação, porém, não afastou a necessida<strong>de</strong> da edição da legislação pertinente<br />

para que haja possibilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> novos municípios.4<br />

Ocorrendo a criação <strong>de</strong> novo Município, em virtu<strong>de</strong> do art. 29,1, da Constituição da<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, que <strong>de</strong>termina a simultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleições para Prefeito<br />

e Vice-Prefeito em todo o País, a instituição política do novo ente fe<strong>de</strong>rativo <strong>de</strong>verá aguardar<br />

o próximo pleito eleitoral, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleições extemporâneas, pois<br />

conforme enten<strong>de</strong> o Tribunal Superior Eleitoral, “nem a Constituição, nem a legislação<br />

1 Nessesentido: S T F -P le n o -A d in n a 1.262/TO -R el. Min. Sydney Sanches, <strong>de</strong>cisão: 11-9-97 - Informativo n*<br />

83; STF - Pleno - Adin na 3.149-0/SC-Rel. Min. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, l aabr. 2005, p. 5.<br />

2 STJ - “É in<strong>constitucional</strong> a lei que cria município, antes d e realizado plebiscito; n o entanto, a revogação<br />

<strong>de</strong>sta lei prematura faz convalescer os atos praticados no sentido <strong>de</strong> preparar-se a fundação da nova comuna”<br />

(RMS na 8.2 9 2 / P R -R el. Min. Humberto Gomes <strong>de</strong> Barros, Diário da Justiça, Seção 1 ,13 out. 1997, p. 51.520).<br />

3 STF - Pleno - A D I n“ 3.682/MT - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão; 9-5-2007. Informativo STF nú 466. No<br />

mesmo sentido: STF - Pleno - AD I na 3.489-9/SC. Conferir íntegra do voto no Informativo STF na 467; STF -<br />

Pleno - AD I na 2.240/BA - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 9-5-2007. Informativo STF na 466; STF - Pleno - ADI<br />

na 3.316/MT e A D In a 3 .6 8 9 / P A -R el. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisões: 9-5-2007.<br />

4 STF, Pleno, A D I 4992 MC/RO, Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, 26-6-2013.


Organização Político-Administrativa 3 1 3<br />

infra<strong>constitucional</strong> tratam <strong>de</strong> situação privilegiada dos municípios recém-criados e ainda<br />

não instalados que enseje a promoção <strong>de</strong> eleições extemporâneas”, concluindo que “à<br />

míngua <strong>de</strong> previsão específica sobre o tema, prevalece a simultaneida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>.<br />

A<strong>de</strong>mais, a criação <strong>de</strong> novo município não está vinculada a sua imediata estruturação e seu<br />

funcionamento, <strong>de</strong>vendo ser observado o regramento <strong>constitucional</strong>. Assim, conquanto<br />

o município recém-criado possua personalida<strong>de</strong> jurídica e possa compor seu governo, a<br />

ausência <strong>de</strong> norma que disponha sobre a realização das primeiras eleições no município<br />

implica a observância do inciso I, do artigo 29, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Nesse caso, não<br />

haverá prejuízo algum ao município, uma vez que seu patrimônio e rendas continuarão<br />

a ser administrados pelo município-mãe”.1<br />

1.11 Vedações constitucionais <strong>de</strong> natureza fe<strong>de</strong>rativa<br />

A constituição <strong>de</strong>termina ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos<br />

municípios (CF, art. 19):<br />

• estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento<br />

ou manter com eles ou seus representantes relações <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência ou<br />

aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração <strong>de</strong> interesse público. A República<br />

Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil é leiga ou laica, uma vez que há separação total entre<br />

Estado e Igreja, inexistindo religião oficial Observe-se, porém, que o fato <strong>de</strong><br />

ser uma Fe<strong>de</strong>ração-leiga não nos confun<strong>de</strong> com os Estados-ateus, pois o Brasil,<br />

expressamente, afirma acreditar em Deus, quando no preâmbulo <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong>clara:<br />

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional<br />

Constituinte para instituir um Estado <strong>de</strong>mocrático, <strong>de</strong>stinado a assegurar o<br />

exercício dos <strong>direito</strong>s sociais e individuais, a liberda<strong>de</strong>, a segurança, o bemestar,<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento, a igualda<strong>de</strong> e a justiça como valores supremos <strong>de</strong> uma<br />

socieda<strong>de</strong> fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social<br />

e comprometida, na or<strong>de</strong>m interna e internacional, com a solução pacífica das<br />

controvérsias, promulgamos, sob aproteção <strong>de</strong> Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO<br />

DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”<br />

Surge como verda<strong>de</strong>iro corolário <strong>de</strong>sse princípio a vedação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong><br />

instituição <strong>de</strong> impostos por parte da União, Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e municípios,<br />

sobre templos <strong>de</strong> qualquer culto (CF, art. 150, VI, b);<br />

• recusar fé aos documentos públicos;<br />

• criar distinções entre brasileiros - preconiza mais uma vez o consagrado princípio<br />

da igualda<strong>de</strong> (CF, art. 5a, caput e inciso I). É o <strong>de</strong>nominado princípio da<br />

isonomia fe<strong>de</strong>rativa;<br />

• criar preferências entre si - como corolário <strong>de</strong>sse princípio, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

estabelece que, sem prejuízo <strong>de</strong> outras garantias asseguradas ao contribuinte, é<br />

TS E - Pleno - MS 39691-03/MS - Rei. Min. Aldir Passarinho Junior, <strong>de</strong>cisão: l Q-3-2011.


314 Direito Constitucional • Moraes<br />

vedado à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos municípios a instituição<br />

<strong>de</strong> impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (CF, art. 150,<br />

VI, a), pois é da própria essência do pacto fe<strong>de</strong>ral a imunida<strong>de</strong> recíproca dos<br />

entes que o compõem, porque, sendo a fe<strong>de</strong>ração uma associação <strong>de</strong> Estados,<br />

que se encontram no mesmo plano, não há que se falar em relação <strong>de</strong> súdito para<br />

soberano, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r reciprocamente. Como salienta o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:<br />

“o fundamento político da imunida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> recíproca - e a Constituição<br />

é documento político - dos entes públicos foi in<strong>de</strong>strutível, à base da concórdia,<br />

do respeito e da solidarieda<strong>de</strong> recíproca” abrangendo, inclusive, a proibição<br />

<strong>de</strong> exigibilida<strong>de</strong>, por parte da União, do imposto sobre operações <strong>de</strong> crédito,<br />

câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários consi<strong>de</strong>rados<br />

rendimentos auferidos pelos Estados ou município em aplicações no mercado<br />

financeiro, não importando se esses entes fe<strong>de</strong>rativos auferem ganhos a partir da<br />

ciranda financeira, uma vez que a Constituição não estipula nenhuma restrição<br />

em relação à imunida<strong>de</strong> recíproca.1<br />

A imunida<strong>de</strong> tributária recíproca reforça a i<strong>de</strong>ia central da Fe<strong>de</strong>ração, baseada na<br />

divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e partilha <strong>de</strong> competências entre os diversos entes fe<strong>de</strong>rativos, todos<br />

autônomos, e tem sido consagrada no <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> brasileiro como um dos dogmas<br />

básicos <strong>de</strong> nosso Estado Fe<strong>de</strong>ral, intangível em face da expressa previsão do art. 60,<br />

§ 4a, inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

2 REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS<br />

2.1 Conceito<br />

A autonomia das entida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>rativas pressupõe repartição <strong>de</strong> competências legislativas,<br />

administrativas e tributárias, sendo, pois, um dos pontos caracterizadores e<br />

asseguradores do convívio no Estado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> José Afonso da Silva, competência é a<br />

“faculda<strong>de</strong> juridicamente atribuída a uma entida<strong>de</strong>, órgão ou agente do Po<strong>de</strong>r<br />

Público para emitir <strong>de</strong>cisões. Competências são as diversas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> que se servem os órgãos ou entida<strong>de</strong>s estatais para realizar suas funções”.3<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelecerá as matérias próprias <strong>de</strong> cada um dos entes<br />

fe<strong>de</strong>rativos, União, Estados-membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e municípios, e a partir disso po<strong>de</strong>rá<br />

acentuar a centralização <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, ora na própria Fe<strong>de</strong>ração, ora nos Estados-membros.<br />

1 STF - Rextr. n2 198.973-4/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 6 mar. 1996, p. 5.756.<br />

Informativo S T F -Brasília, 15 a 19 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1996 - N° 27 - A g n s 172890-7 (A gR g ) - Rei. M in. Marco Aurélio.<br />

2 KTJ 152/85; STF - A gravo <strong>de</strong> instrumento n° 180133-6/PR - Rei. Min. N éri da Silveira, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 20 nov. 1996, p. 45.277; STF - A gravo <strong>de</strong> instrumento n° 180133-6/PR - Rei. Min. Néri da Silveira,<br />

Diário da Justiça, Seção 1, 20 nov. 1996, p. 45.277.<br />

3 SILVA José Afonso. Curso... Op. cit. p. 419.


Organização Político-Administrativa 3 1 5<br />

2.2 Princípio básico para a distribuição <strong>de</strong> competências - predominância do<br />

interesse<br />

O princípio geral que norteia a repartição <strong>de</strong> competência entre as entida<strong>de</strong>s componentes<br />

do Estado Fe<strong>de</strong>ral é o da predom inância do interesse, que assim se manifesta:<br />

ENTE FEDERATIVO<br />

União<br />

Estados-membros<br />

Municípios<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

INTERESSE<br />

Geral<br />

Regional<br />

Local<br />

Regional + Local1<br />

Assim, pelo princípio da predominância do interesse, à União caberá aquelas matérias<br />

e questões <strong>de</strong> predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se<br />

as matérias <strong>de</strong> predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos<br />

<strong>de</strong> interesse local. Em relação ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por expressa disposição <strong>constitucional</strong><br />

(CF, art. 32, § I a), acumulam-se, em regra, as competências estaduais e municipais, com<br />

a exceção prevista no art. 22, XVII, da Constituição.<br />

O legislador constituinte, adotando o referido princípio, estabeleceu quatro pontos<br />

básicos no regramento <strong>constitucional</strong> para a divisão <strong>de</strong> competências administrativas e<br />

legislativas:<br />

1. Reserva <strong>de</strong> campos específicos <strong>de</strong> competência administrativa e legislativa:<br />

União - Po<strong>de</strong>res enumerados (CF, arts. 21 e 22)<br />

Estados - Po<strong>de</strong>res remanescentes (CF, art. 25, § I a)<br />

Município - Po<strong>de</strong>res enumerados (CF, art. 30)<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral - Estados + Municípios (CF, art. 32, § I a) 12<br />

2. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação (CF, art 22, parágrafo único) - Lei complementar<br />

fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das<br />

matérias <strong>de</strong> competência privativa da União.<br />

3. Áreas comuns <strong>de</strong> atuação administrativa paralela (CF, art. 23)<br />

4. Áreas <strong>de</strong> atuação legislativa concorrentes (CF, art. 24)<br />

1 A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê uma exceção: art. 22, XVII - Compete, privativam ente, à União: organização<br />

judiciária, do Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios e da Def ensoria Pública dos Territórios,<br />

bem com o organização adm inistrativa <strong>de</strong>stes (redação dada pela Emenda Constitucional n2 69, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> março<br />

<strong>de</strong> 2012).<br />

2 Relembrar a exceção do art. 22, XVII, da CF.


3 1 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

2.3 Repartição em matéria administrativa<br />

2 .3 .1 Quadro geral<br />

Exclusiva<br />

Po<strong>de</strong>res enumerados<br />

{União (art. 21)<br />

Municípios (art. 30)<br />

Competência<br />

administrativa<br />

Po<strong>de</strong>res reservados<br />

J Estados (art. 25, § l s)<br />

Comum<br />

T Cumulativa ou<br />

t paralela (art. 23)<br />

{União/Estados/Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral/Municípios<br />

2.3.2 C o m petên cias adm inistrativas da União<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong> à União, em relação à competência administrativa,<br />

as seguintes matérias, competindo-lhe:<br />

• manter relações com Estados estrangeiros e participar <strong>de</strong> organizações internacionais;<br />

• <strong>de</strong>clarar a guerra e celebrar a paz;<br />

• assegurar a <strong>de</strong>fesa nacional;<br />

• permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras<br />

transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;<br />

• <strong>de</strong>cretar o estado <strong>de</strong> sítio, o estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e a intervenção fe<strong>de</strong>ral;<br />

• autorizar e fiscalizar a produção e o comércio <strong>de</strong> material bélico;<br />

• emitir moeda;<br />

• administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as operações <strong>de</strong> natureza<br />

financeira, especialmente as <strong>de</strong> crédito, câmbio e capitalização, bem como as<br />

<strong>de</strong> seguros e <strong>de</strong> previdência privada;<br />

• elaborar e executar planos nacionais e regionais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação do território e<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento econômico e social;<br />

• manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;<br />

• explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os<br />

serviços <strong>de</strong> telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização<br />

dos serviços, a criação <strong>de</strong> um órgão regulador e outros aspectos institucionais;<br />

• explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: os<br />

serviços <strong>de</strong> radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens; os serviços e instalações<br />

<strong>de</strong> energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos <strong>de</strong> água, em<br />

articulação com os Estados on<strong>de</strong> se situam os potenciais hidroenergéticos; a<br />

navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária; os serviços


Organização Político-Administrativa 3 1 7<br />

<strong>de</strong> transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais,<br />

ou que transponham os limites <strong>de</strong> Estado ou Território; os serviços <strong>de</strong><br />

transporte rodoviário interestadual e internacional <strong>de</strong> passageiros; os portos<br />

marítimos, fluviais e lacustres;<br />

• organizar e manter o Po<strong>de</strong>r Judiciário, o Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Territórios e a Defensoria Pública dos Territórios;1<br />

• organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo <strong>de</strong> bombeiros militar<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

para a execução <strong>de</strong> serviços públicos, por meio <strong>de</strong> fundo próprio;12<br />

• organizar e manter os serviços oficiais <strong>de</strong> estatística, geografia, geologia e cartografia<br />

<strong>de</strong> âmbito nacional;<br />

• exercer a classificação, para efeito indicativo, <strong>de</strong> diversões públicas e <strong>de</strong> programas<br />

<strong>de</strong> rádio e televisão;<br />

• conce<strong>de</strong>r anistia;<br />

• planejar e promover a <strong>de</strong>fesa permanente contra as calamida<strong>de</strong>s públicas, especialmente<br />

as secas e as inundações;<br />

• instituir sistema nacional <strong>de</strong> gerenciamento <strong>de</strong> recursos hídricos e <strong>de</strong>finir critérios<br />

<strong>de</strong> outorga <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> seu uso;<br />

• instituir diretrizes para o <strong>de</strong>senvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento<br />

básico e transportes urbanos;<br />

• estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional <strong>de</strong> viação;<br />

• executar os serviços <strong>de</strong> polícia marítima, aeroportuária e <strong>de</strong> fronteiras;3<br />

• explorar os serviços e instalações nucleares <strong>de</strong> qualquer natureza e exercer monopólio<br />

estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento,<br />

a industrialização e o comércio <strong>de</strong> minérios nucleares e seus <strong>de</strong>rivados, atendidos<br />

os seguintes princípios e condições: toda ativida<strong>de</strong> nuclear em território<br />

nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do<br />

Congresso Nacional; sob regime <strong>de</strong> concessão ou permissão, é autorizada a utilização<br />

<strong>de</strong> radioisótopos para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais<br />

e ativida<strong>de</strong>s análogas; a responsabilida<strong>de</strong> civil por danos nucleares in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

da existência <strong>de</strong> culpa;<br />

• organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;<br />

1 Redação dada pela EC nQ69, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2012. Trata-se <strong>de</strong> exceção à autonomia administrativa do<br />

D istrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

2 Redação dada pela Emenda Constitucional nQ19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucional nQ19, promulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.


318 Direito Constitucional • Moraes<br />

• estabelecer as áreas e as condições para o exercício da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garimpagem,<br />

em forma associativa.<br />

2 .3 .3 C o m petên cias adm inistrativas dos Estados-m em bros<br />

Aos Estados-membros são reservadas as competências administrativas que não lhes<br />

sejam vedadas pela Constituição, ou seja, cabem na área administrativa privativamente<br />

ao Estado todas as competências que não forem da União (CF, art. 21), dos municípios<br />

(CF, art. 30) e comuns (CF, art. 23). É a chamada competência remanescente dos Estadosmembros,<br />

técnica clássica adotada originariamente pela Constituição norte-americana<br />

e por todas as Constituições brasileiras, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a República, e que presumia o benefício e<br />

a preservação <strong>de</strong> autonomia <strong>de</strong>stes em relação à União, uma vez que a regra é o governo<br />

dos Estados, a exceção o Governo Fe<strong>de</strong>ral, pois o po<strong>de</strong>r reservado ao governo local é mais<br />

extenso, por ser in<strong>de</strong>finido e <strong>de</strong>correr da soberania do povo, enquanto o po<strong>de</strong>r geral é<br />

limitado e se compõe <strong>de</strong> certo modo <strong>de</strong> exceções taxativas.<br />

2 .3 .4 C o m petên cias adm inistrativas dos m unicíp io s<br />

O art. 30 <strong>de</strong>termina competir aos municípios, além da fórmula genérica do interesse<br />

local, as seguintes matérias:<br />

• instituir e arrecadar os tributos <strong>de</strong> sua competência, bem como aplicar suas<br />

rendas, sem prejuízo da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar contas e publicar balancetes<br />

nos prazos fixados em lei;<br />

• criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;<br />

• organizar e prestar, diretamente ou sob regime <strong>de</strong> concessão ou permissão, os<br />

serviços públicos <strong>de</strong> interesse local, incluído o <strong>de</strong> transporte coletivo, que tem<br />

caráter essencial. Em relação aos serviços públicos <strong>de</strong> interesse local, a EC nQ39,<br />

<strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, expressamente referiu-se ao serviço <strong>de</strong> iluminação<br />

pública (CF, art. 149-A), permitindo aos Municípios a instituição <strong>de</strong> contribuição<br />

para seu custeio, observado o art. 150,1e III, da CF, que, inclusive, po<strong>de</strong>rá ser<br />

cobrada na fatura <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> energia elétrica;<br />

• manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas<br />

<strong>de</strong> educação infantil e <strong>de</strong> ensino fundamental;1<br />

• prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços<br />

<strong>de</strong> atendimento à saú<strong>de</strong> da população;<br />

• promover, no que couber, a<strong>de</strong>quado or<strong>de</strong>namento territorial, mediante planejamento<br />

e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;<br />

• promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação<br />

e a ação fiscalizadora fe<strong>de</strong>ral e estadual.<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional nQ53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2005 {DOU <strong>de</strong> 20-12-2005).


Organização Político-Administrativa 3 1 9<br />

2.3.5 C o m p etên cia s adm inistrativas d o D istrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no rol <strong>de</strong> competências administrativas comuns a todos os entes<br />

fe<strong>de</strong>rativos, também inclui o Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 23). Além disso, em regra, po<strong>de</strong>rá<br />

administrativamente reger-se pela somatória das competências estaduais e municipais.<br />

2.3.6 Com petência adm inistrativa com um<br />

É <strong>de</strong> competência comum da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos municípios:<br />

• zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições <strong>de</strong>mocráticas e<br />

conservar o patrimônio público;<br />

• cuidar da saú<strong>de</strong> e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;<br />

• proteger os documentos, as obras e outros bens <strong>de</strong> valor histórico, artístico e cul<br />

tural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;<br />

• impedir a evasão, a <strong>de</strong>struição e a <strong>de</strong>scaracterização <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> arte e <strong>de</strong> outros<br />

bens <strong>de</strong> valor histórico, artístico ou cultural;<br />

• proporcionar os meios <strong>de</strong> acesso à cultura, à educação e à ciência;<br />

• proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer <strong>de</strong> suas formas;<br />

• preservar as florestas, a fauna e a flora;<br />

• fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;<br />

• promover programas <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> moradias e a melhoria das condições<br />

habitacionais e <strong>de</strong> saneamento básico;<br />

• combater as causas da pobreza e os fatores <strong>de</strong> marginalização, promovendo a<br />

integração social dos setores <strong>de</strong>sfavorecidos;<br />

• registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e exploração<br />

<strong>de</strong> recursos hídricos e minerais em seus territórios;<br />

• estabelecer e implantar política <strong>de</strong> educação para a segurança do trânsito.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a edição <strong>de</strong> leis complementares que fixarão normas<br />

para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os municípios, tendo<br />

em vista o equilíbrio do <strong>de</strong>senvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.1<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2005 (D O U <strong>de</strong> 20-12-2006).


320 Direito Constitucional • Moraes<br />

2.4 Repartição em matéria legislativa<br />

2.4.1 Quadro geral <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong> com petência legislativa<br />

COMPETÊNCIAS PRIVATIVAS (ART. 22)<br />

POSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO (ART. 22. p. u.)<br />

COMPETÊNCIA CONCORRENTE U/E/DF (ART. 24)<br />

COMPETÊNCIA REMANESCENTE (ART. 25. § l s)<br />

D ISTR IBUIÇ ÃO<br />

DE<br />

CO M PETÊNCIAS<br />

LEGISLATIVAS<br />

COMPETÊNCIA DELEGADA (ART. 22. p. u.)<br />

COMPETÊNCIA CONCORRENTE U/E/DF (ART. 24)<br />

@ ------ ► COMPETÊNCIA RESERVADA (ART. 32. § I o)<br />

COMPETÊNCIA EXCLUSIVA (ART. 30. I)<br />

COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR (ART. 30. II)<br />

a. Competência privativa da União (CF, art 22)<br />

b. Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> competência da União para os Estados (CF, art.<br />

22, parágrafo único)<br />

c. Competência concorrente União/Estado/Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 24)<br />

d. Competência remanescente (reservada) do Estado (CF, art 25, § l e)<br />

e. Competência exclusiva do município (CF, art 30,1)<br />

f. Competência suplementar do município (CF, art 30, II)<br />

g. Competência reservada do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 32, § l fi)<br />

A. Com petência privativa da União (CF, art. 22)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê nos 29 incisos do art 22 as matérias <strong>de</strong> competência<br />

privativa da União, <strong>de</strong>finindo preceitos <strong>de</strong>claratórios e autorizativos da competência geral<br />

na legislação fe<strong>de</strong>ral e <strong>de</strong>monstrando clara supremacia em relação aos <strong>de</strong>mais entes<br />

fe<strong>de</strong>rativos, em virtu<strong>de</strong> da relevância das disposições.1<br />

Anote-se que a característica <strong>de</strong> privativida<strong>de</strong>12 permite a <strong>de</strong>legação, <strong>de</strong> acordo com<br />

as regras do parágrafo único do citado artigo.<br />

1 STRASSER, Carlos. Teoria <strong>de</strong>i... Op. ciL p. 51. A respeito da matéria, ver crítica <strong>de</strong>ssa concentração excessiva<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r nas mãos do governo central<br />

2 Competência privativa e exclusiva: José Afonso daSilva afirma que “ a diferença que se faz entre competência<br />

exclusiva e privativa é que aquela é in<strong>de</strong>legável e esta é <strong>de</strong>legáveL Então, quando se quer atribuir competência


Organização Político-Administrativa 3 2 1<br />

Assim, compete privativamente à União, semprejuízo <strong>de</strong> outras previsões constitucionais<br />

Cpor exemplo: CF, arts. 48, 149, 164,178,184), legislar sobre:<br />

■<br />

■<br />

■<br />

■<br />

■<br />

<strong>direito</strong> civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico,<br />

espacial e do trabalho;<br />

<strong>de</strong>sapropriação;<br />

requisições dvis e militares, em caso <strong>de</strong> iminente perigo e em tempo <strong>de</strong> guerra;<br />

águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;<br />

serviço postal;<br />

- sistema monetário e <strong>de</strong> medidas, títulos e garantias dos metais;<br />

• política <strong>de</strong> crédito, câmbio, seguros e transferência <strong>de</strong> valores;<br />

■<br />

■<br />

■<br />

comércio exterior e interestadual;<br />

diretrizes da política nacional <strong>de</strong> transportes;<br />

regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;<br />

■<br />

trânsito e transporte;<br />

• jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;<br />

• nacionalida<strong>de</strong>, cidadania e naturalização;<br />

• populações indígenas;<br />

• emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão <strong>de</strong> estrangeiros;<br />

■* organização do sistema nacional <strong>de</strong> emprego e condições para o exercício <strong>de</strong><br />

profissões;<br />

■<br />

■<br />

■<br />

organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios, bem como organização administrativa <strong>de</strong>stes;<br />

sistema estatístico, sistema cartográfico e <strong>de</strong> geologia nacionais;<br />

sistemas <strong>de</strong> poupança, captação e garantia da poupança popular;<br />

■<br />

sistemas <strong>de</strong> consórcios e sorteios;<br />

■* normas gerais <strong>de</strong> organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação<br />

e mobilização das polícias militares e corpos <strong>de</strong> bombeiros militares;<br />

■* competência da polícia fe<strong>de</strong>ral e das polícias rodoviária e ferroviária fe<strong>de</strong>rais;<br />

• segurida<strong>de</strong> social;<br />

■* diretrizes e bases da educação nacional;<br />

'<br />

registros públicos;<br />

própria a uma entida<strong>de</strong> ou órgão com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>de</strong> tudo ou <strong>de</strong> parte, <strong>de</strong>clara-se que compete<br />

privativamente a ele a matéria indicada.... Mas a Constituição não é rigorosam ente técnica neste assunto” (Op.<br />

cit. p. 419). Diferentemente, Fernanda Dias M enezes <strong>de</strong> A lm eid a aponta que “o que não nos parece apropriado,<br />

no entanto, é extrem ar mediante o uso dos termos ‘privativo’ e ‘exclusivo’ as competência próprias que po<strong>de</strong>m e as<br />

que não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>legadas, como se ‘privativo’ não exprimisse, tanto quanto ‘exclusivo’, a i<strong>de</strong>ia do que é <strong>de</strong>ferido<br />

a um titular com exclusão <strong>de</strong> outros” (Competências na Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 86).


3 2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

• ativida<strong>de</strong>s nucleares <strong>de</strong> qualquer natureza;<br />

• normas gerais <strong>de</strong> licitação e contratação, em todas as modalida<strong>de</strong>s, para as<br />

administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, obe<strong>de</strong>cido o disposto no art. 37, XXI, e para as<br />

empresas públicas e socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista, nos termos do art. 173, §<br />

I a, III;1<br />

• <strong>de</strong>fesa territorial, <strong>de</strong>fesa aeroespacial, <strong>de</strong>fesa marítima, <strong>de</strong>fesa civil e mobilização<br />

nacional;<br />

• propaganda comercial.<br />

1. Competência privativa da União - trânsito e transporte<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, alterando a disciplina anterior (CF/69, art. 8°, XVII,<br />

n, c/c o seu parágrafo único - competência concorrente União/Estados), previu a competência<br />

privativa da União para legislar sobre as regras <strong>de</strong> trânsito e o transporte (CF, art.<br />

22, XI) } Essa alteração <strong>constitucional</strong> fez com que a jurisprudência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, pronunciando-se sobre o preceito inscrito no art. 22, XI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong>clarasse competir privativamente à União legislar sobre trânsito e transporte, proibindo-<br />

-se, via <strong>de</strong> consequência, aos Estados-membros, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editar normas peculiares<br />

a essa mesma matéria, por não se encontrar tal hipótese contemplada no rol exaustivo<br />

das competências comuns (CF, art. 23) e concorrentes (CF, art 24) atribuídas.123<br />

Assim, por exemplo, será in<strong>constitucional</strong> a lei estadual, por invasão da competência<br />

legislativa da União (CF, art. 22, XI), que habilita menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos à condução<br />

<strong>de</strong> veículo automotores.4<br />

Atualmente, portanto, a única possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado-membro legislar sobre questões<br />

relativas a trânsito e transporte, será mediante <strong>de</strong>legação da própria União, por meio<br />

<strong>de</strong> lei complementar, <strong>de</strong> um ponto específico da citada matéria.5<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional nQ19, promulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua prom ulgação. Conferir: MORAES, Alexandre. Reforma Administrativa - EC nQ<br />

19/98. São Paulo: Atlas, 1998.<br />

2 STF - Pleno - ADI 3269/DF - Rei. M in. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão l Q-8-2011; STF - Pleno - AD I 3121/SP - Rei.<br />

Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 17-3-2011; STF - Pleno - ADI nQ3 .135-0/PA - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 8 set. 2006, p. 33.<br />

3 STF - Pleno - Adin n Q1.479-0/RS - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, 2 ago. 1996, p. 25.790-92.<br />

citando inclusive que “ Em função <strong>de</strong>sse entendimento, o Plen ário do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u,<br />

cautelarmente, a eficácia <strong>de</strong> diplomas legislativos estaduais que obrigavam a instalação <strong>de</strong> cinto <strong>de</strong> segurança<br />

em veículos <strong>de</strong> transporte coletivo <strong>de</strong> passageiros (Adin 874-BA, Rei. Min. Néri da Silveira), ou que autorizavam<br />

a condução <strong>de</strong> veículos automotores <strong>de</strong> passeio por maiores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis e menores <strong>de</strong> <strong>de</strong>zoito anos (RTJ136/41,<br />

R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; RTJ 137/575, Rei. M in. Octavio Gallotti; RTJ, 140/29, Rei. Min. Octavio Gallotti; RTJ<br />

153/801, Rei. Min. Francisco R ezek )” .<br />

4 STF - Pleno - Adin ne 476.0/ DF - (m edida lim inar) - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello -D iá rio da Justiça, Seção I,<br />

28jun. 1991; STF - Pleno - Adin ne 474-3/RJ - Rei. Min. Octávio Gattotti.<br />

5 STF - Pleno - Adin nQ1.479-0/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 2 ago. 1996, p. 25.790-92.


Organização Político-Administrativa 3 2 3<br />

2. Transporte interestadual e intermunicipal<br />

A competência para legislar sobre comércio interestadual e transporte é privativa da<br />

União (CF, art. 22, VIII e XI),1diferentemente da hipótese da regulamentação do transporte<br />

intermunicipal.<br />

Uma rápida análise sobre a divisão <strong>de</strong> competências prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> 1988, nos mostra que a União não <strong>de</strong>tém outras competências senão aquelas<br />

que lhe são <strong>de</strong>feridas expressamente pelo texto <strong>constitucional</strong>. No tocante, porém, aos<br />

Estados-membros, apesar <strong>de</strong> possuírem algumas competências <strong>de</strong>scritas explidtamente,<br />

encontram no art. 25, § I a, a gran<strong>de</strong> fonte <strong>de</strong> sua competência, pois lhes são reservadas<br />

as competências que não lhes sejam vedadas pela constituição.<br />

Por outro lado, em relação aos municípios, a constituição adota a técnica <strong>de</strong> enunciar<br />

competências explícitas, além <strong>de</strong> fornecer um critério para a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> competência,<br />

por meio da cláusula assuntos <strong>de</strong> interesse local.<br />

Neste contexto, necessário i<strong>de</strong>ntificar a pessoa política competente para disciplinar<br />

regras sobre trânsito e transporte intermunicipal.<br />

O art. 8a, inc. XVII, n e parágrafo único da Constituição anterior, disciplinava a competência<br />

concorrente da União para legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres.<br />

Nesse contexto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, analisando a questão <strong>de</strong> transporte intermunicipal<br />

<strong>de</strong> passageiros, <strong>de</strong>cidiu que o Estado não se exce<strong>de</strong>u ao legislar sobre transporte<br />

intermunicipal <strong>de</strong> passageiros, pois permaneceu <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> sua competência, prevista no<br />

parágrafo único do art. 8a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao fazê-lo em caráter apenas supletivo.12<br />

Ocorre, porém, que a atual Constituição, no art 22, inc IX e XI, confere à União,<br />

privativamente, competência para legislar sobre as diretrizes da política nacional<strong>de</strong> transportes<br />

e sobre trânsito e transporte Além disto, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no art. 21, inc. XII,<br />

e, afirma competir àUnião explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou<br />

permissão serviço <strong>de</strong> transporte rodoviário, interestadual e internacional <strong>de</strong> passageiros.<br />

Ainda, no campo específico do transporte coletivo municipal, o art. 30, V, faz referência<br />

expressa à competência municipal para organizar e prestar, diretamente ou sob regime <strong>de</strong><br />

concessão ou permissão, os serviços públicos <strong>de</strong> interesse local, incluído o <strong>de</strong> transporte<br />

coletivo, que tem caráter essencial.<br />

Esta norma garante ao município a competência para prestar serviços <strong>de</strong> transporte<br />

coletivo, que se limitem a transitar pelo próprio território municipal, reafirmando o princípio<br />

da predominância do interesse local, conforme o art. 30,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Consequentemente, se à União caberá a organização das diretrizes básicas sobre a<br />

política nacional <strong>de</strong> transporte (trânsito e transporte) e ao município as regras <strong>de</strong> interesse<br />

local, resta saber a abrangência da competência remanescente dos Estados-membros.<br />

Ao analisar a questão, Celso Bastos afirma que a<br />

1 STF - Pleno - Adin n° 280/MT - ReL Min. Francisco Rezek, RTJ154/381 (M edida liminar - KTJ132/1062).<br />

2 STF - 2a T. - Recurso Extraordinário n“ 94.582/PR, Rei. Min. Aldir Passarinho; RTJ 108/234.


3 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

“partilha <strong>de</strong> competências <strong>de</strong>semboca num mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> repartição que se incumbe<br />

<strong>de</strong> entregar a cada um <strong>de</strong>sses níveis <strong>de</strong> governo a competência para organizar o<br />

transporte na esfera da sua jurisdição; cabe, portanto, à União o transporte Fe<strong>de</strong>ral,<br />

aos estados o transporte estadual ou intermunicipal, chegando-se, por este<br />

mesmo caminho à mesma conclusão: ao município cabe a organização e prestação<br />

do transporte <strong>de</strong> interesse local, ou municipal”.1<br />

Conclui-se, portanto, que não compete à União, nem tampouco aos municípios, legislarem<br />

sobre normas <strong>de</strong> trânsito e transporte intermunicipal, sob pena <strong>de</strong> invasão da esfera<br />

<strong>de</strong> atuação do Estado-membro. Trata-se, por conseguinte, <strong>de</strong> competência remanescente<br />

dos Estados-membros,12 aos quais competirão gerirem, administrarem, serem responsáveis<br />

e autorizarem qualquer modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transporte coletivo intermunicipal.<br />

Importante ressaltar, por fim, que, no exercício da competência <strong>de</strong> legislar sobre<br />

transporte intermunicipal, o Estado não po<strong>de</strong>rá impor limitações ao tráfego <strong>de</strong> pessoas<br />

ou mercadorias, por meio <strong>de</strong> tributos intermunicipais.3<br />

B. Delegação <strong>de</strong> com petência da União para os Estados (CF, art. 22, parágrafo<br />

único)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral faculta à União, no art. 22, parágrafo único, a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong><br />

assuntos <strong>de</strong> sua competência legislativa privativa aos Estados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que satisfeitos três<br />

requisitos:<br />

• requisito formal: a <strong>de</strong>legação <strong>de</strong>ve ser objeto <strong>de</strong> lei complementar <strong>de</strong>vidamente<br />

aprovada pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta dos membros da<br />

Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• requisito material: somente po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>legado um ponto específico <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

uma das matérias <strong>de</strong>scritas nos vinte e nove incisos do art. 22 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, pois a <strong>de</strong>legação não se reveste <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, mas <strong>de</strong> particulariza-<br />

ção <strong>de</strong> questões específicas, do elenco das matérias incluídas na privativida<strong>de</strong><br />

legislativa da União. Assim, nunca se po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar toda a matéria existente<br />

em um dos citados incisos;<br />

• requisito implícito: o art. 19 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral veda a criação por parte<br />

<strong>de</strong> qualquer dos entes fe<strong>de</strong>rativos <strong>de</strong> preferências entre si. Dessa forma, a Lei<br />

Complementar editada pela União <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>legar um ponto específico <strong>de</strong> sua<br />

competência a todos os Estados, sob pena <strong>de</strong> ferimento do princípio da igualda<strong>de</strong><br />

fe<strong>de</strong>rativa. Como ressalta Anna Cândida da Cunha Ferraz,<br />

1 BASTOS, Celso. Transporte rodoviário coletivo (linhas intermunicipais). C a d e r n o s d e D i r e i t o C o n s t it u c io n a l<br />

e C iê n c ia P o lít ic a , n2 5, p. 169.<br />

2 STF - Pleno - Adin n° 1.191-0/PI (m edida liminar) - Rei. Min. limar Galvão, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 26<br />

maio 1995, p. 15.154. S T F -P le n o -A d in nD860/AP (m edida cautelar) - Rei. M in. Francisco Rezek; B T J 147/85.<br />

3 AL VIM, Arruda. Competência dos Estados-membros para legislar sobre comércio interestadual. C a d e r n o s d e<br />

D ir e it o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , nQ7, Revista dos Tribunais, p. 190-191, inclusive citando jurisprudência<br />

do Supremo Tribunal F e<strong>de</strong>ral- B T J 94/496-550.


Organização Político-Administrativa 3 2 5<br />

“finalmente, a transferência <strong>de</strong> competência privativa para os Estados, mesmo<br />

para as questões específicas, não po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>sigual em número, profundida<strong>de</strong><br />

ou complexida<strong>de</strong>, sequer para aten<strong>de</strong>r à diversida<strong>de</strong> entre os Estados, em<br />

face do princípio <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento tradicionalmente assegurado às<br />

entida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas no Brasil e não suprimindo ou excepcionado pelo texto<br />

vigente”.1<br />

C. Competência concorrente Unlão/Estado/Dlstrlto Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 24)<br />

O art. 24 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê as regras <strong>de</strong> competência concorrente entre<br />

União, Estados e Distrito Fe<strong>de</strong>ral, estabelecendo quais as matérias que <strong>de</strong>verão ser regulamentadas<br />

<strong>de</strong> forma geral por aquela e específica por esses.<br />

Determina a Constituição competir à União, aos Estados e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral legislar<br />

concorrentemente sobre:<br />

• <strong>direito</strong> tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico. É pacífico<br />

que o Estado-membro possui competência concorrente para legislar sobre <strong>direito</strong><br />

tributário, financeiro e econômico, nos termos do art. 24, I, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não viole as normas gerais do sistema monetário fe<strong>de</strong>ral,<br />

inclusive para legislar sobre atualização do valor do ICMS;12<br />

• orçamento;<br />

• juntas comerciais;<br />

• custas dos serviços forenses;<br />

• produção e consumo;<br />

• florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, <strong>de</strong>fesa do solo e dos<br />

recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;<br />

• proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;<br />

• responsabilida<strong>de</strong> por dano ao meio ambiente,3 ao consumidor, a bens e <strong>direito</strong>s<br />

<strong>de</strong> valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;<br />

• educação, cultura, ensino e <strong>de</strong>sporto;<br />

1 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes <strong>de</strong>. Competências... Op. dt. p. 119.<br />

2 S T F -R E na 143.871 (R ei. Min. Marco Aurélio, D iário da Justiça, 29set. 1995) e A grag n 3 151.793(R el.M in .<br />

Moreira Alves, Diário da Justiça, 20 out. 1995).<br />

3 STF - Agravo d e Instrumento n a 0149742-0/040-RJ - Rei. Min. Néri da Silveira, j. 20-3-95 - Compete aos<br />

Estados, em relação ao controle ambiental, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus limites territoriais, estabelecer os índices <strong>de</strong> poluição<br />

toleráveis. À Conama, Órgão Fe<strong>de</strong>ral especializado, compete estipular os índices máximos <strong>de</strong> poluição suportáveis,<br />

fixando, em consequência, um mínimo a ser exigido, o que não im pe<strong>de</strong> aos Estados formular exigências<br />

maiores a respeito, <strong>de</strong>ntro dos limites <strong>de</strong> seus territórios. Igualmente, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong>u<br />

que multa aplicada por excessiva emissão <strong>de</strong> fumaça dos veículos, compatibiliza-se com típico po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia,<br />

inserindo-se na legítim a competência supletiva do Estado-membro (S T J - I a T. - Rec. Esp. n“ 4.161-0-RJ - Rei.<br />

Min. Milton Luiz Pereira; j. 19-4-95; v.u.; DJU, Seção I, 15 maio 1995, p. 13.355, em enta). No mesmo sentido:<br />

STF - 2aT. - A gR gA g 147.111-5, Rei. Min. Carlos Velloso, D iário da Justiça, 13ago. 1993.


326 Direito Constitucional • Moraes<br />

• criação, funcionamento e processo do juizado <strong>de</strong> pequenas causas;<br />

• procedimentos em matéria processual;<br />

• previdência social, proteção e <strong>de</strong>fesa da saú<strong>de</strong>;<br />

• assistência jurídica e <strong>de</strong>fensoria pública;<br />

• proteção e integração social das pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;1<br />

• proteção à infância e à juventu<strong>de</strong>;<br />

• organização, garantias, <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres das polícias civis.<br />

No âmbito da legislação concorrente, a doutrina tradicionalmente classifica-a em<br />

cumulativa sempre que inexistirem limites prévios para o exercício da competência, por<br />

parte <strong>de</strong> um ente, seja a União, seja o Estado-membro, e em não cumulativa, que propriamente<br />

estabelece a chamada repartição vertical, pois, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mesmo campo<br />

material (concorrência material <strong>de</strong> competência), reserva-se um nível superior ao ente<br />

fe<strong>de</strong>rativo União, que fixa os princípios e normas gerais, <strong>de</strong>ixando-se ao Estado-membro<br />

a complementação.<br />

A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não cumulativa ou vertical,<br />

<strong>de</strong> forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento <strong>de</strong> normas<br />

gerais, <strong>de</strong>vendo os Estados e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral especificá-las, através <strong>de</strong> suas respectivas<br />

leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF,<br />

art. 24, § 2o).<br />

Essa orientação, <strong>de</strong>rivada da Constituição <strong>de</strong> Weimar (art. 10), consiste em permitir<br />

ao governo fe<strong>de</strong>ral a fixação das normas gerais, sem <strong>de</strong>scer a pormenores, cabendo aos<br />

Estados-membros a a<strong>de</strong>quação da legislação às peculiarida<strong>de</strong>s locais.12<br />

Note-se que, doutrinariamente, po<strong>de</strong>mos dividir a competência suplementar dos<br />

Estados-membros e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral em duas espécies: competência complementar e<br />

competência supletiva. A primeira <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> prévia existência <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral a ser especificada<br />

pelos Estados-membros e Distrito Fe<strong>de</strong>ral. Por sua vez, a segunda aparecerá em<br />

virtu<strong>de</strong> da inércia da União em editar a lei fe<strong>de</strong>ral, quando então os Estados e o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, temporariamente, adquirirão competência plena tanto para edição das normas <strong>de</strong><br />

caráter geral, quanto para normas específicas (CF, art. 24, §§ 3a e 4a).3<br />

Sobre o tema, indispensável a lição <strong>de</strong> Raul Machado Horta:<br />

1 STF - “ Ementa: Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - Lei n° 10.820/92 do Estado <strong>de</strong> Minas Gerais - Pessoas<br />

portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência - Transporte coletivo intermunicipal - Exigência <strong>de</strong> adaptação dos veículos - Matéria<br />

sujeita ao dom ínio da legislação concorrente - Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado-membro exercer competência legislativa<br />

plena - Medida cautelar <strong>de</strong>ferida por <strong>de</strong>spacho - referendo recusado pelo Plenário” (Plen o - Adin. nQ903-6 -<br />

m edida lim inar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 24 out. 1997, p. 54.155).<br />

2 STF, Pleno, MI 1571 AgR/DF, Rei. Min. Dias Toffoli, julgam ento: 19-9-2013; STF, 2a T., RE 756536 AgR/<br />

SC, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgam ento: 24-9-2013; STF - A gravo <strong>de</strong> Instrumento nQ0149742-0/040-RJ - Rei.<br />

Min. Néri da Silveira, j. 20-3-96. No mesmo sentido, na doutrina: FERREIRA, Pinto. C o m e n t á r io s à c o n s t it u iç ã o<br />

b r a s ile ir a . Op. cit. p. 96. v. 2.<br />

3 Conferir: STF - Pleno - Adin n ü 3.098-1/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 24 mar.<br />

2006, p. 6.


Organização Político-Administrativa 3 2 7<br />

“As Constituições fe<strong>de</strong>rais passaram a explorar, com maior amplitu<strong>de</strong>, a repartição<br />

vertical <strong>de</strong> competências, que realiza a distribuição <strong>de</strong> idêntica matéria legislativa<br />

entre a União Fe<strong>de</strong>ral e os Estados-membros, estabelecendo verda<strong>de</strong>iro condomínio<br />

legislativo, consoante regras constitucionais <strong>de</strong> convivência. A repartição vertical<br />

<strong>de</strong> competências conduziu à técnica da legislação fe<strong>de</strong>ral fundamental, <strong>de</strong> normas<br />

gerais e <strong>de</strong> diretrizes essenciais, que recai sobre <strong>de</strong>terminada matéria legislativa<br />

<strong>de</strong> eleição do constituinte fe<strong>de</strong>ral. A legislação fe<strong>de</strong>ral é reveladora das linhas<br />

essenciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro que lhe ficou,<br />

afeiçoando a matéria revelada na legislação <strong>de</strong> normas gerais às peculiarida<strong>de</strong>s<br />

e às exigências estaduais. A Lei Fundamental ou <strong>de</strong> princípios servirá <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> à<br />

legislação local. É a Rahmengesetz, dos alemães; a Legge-cornice, dos italianos; a Loi<br />

<strong>de</strong> cadre, dos franceses; são as normas gerais do Direito Constitucional Brasileiro”.1<br />

Dessa forma é possível o estabelecimento <strong>de</strong> algumas regras <strong>de</strong>finidoras da competência<br />

legislativa concorrente:<br />

• a competência da União é direcionada somente às normas gerais, sendo <strong>de</strong><br />

flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> aquilo que <strong>de</strong>las extrapolar;<br />

• a competência do Estado-membro ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral refere-se às normas<br />

específicas, <strong>de</strong>talhes, minúcias (.competência suplementar). Assim, uma vez editadas<br />

as normas gerais pela União, as normas estaduais <strong>de</strong>verão ser particularizantes,<br />

no sentido <strong>de</strong> adaptação <strong>de</strong> princípios, bases, diretrizes a peculiarida<strong>de</strong>s<br />

regionais (competência complementar);12<br />

• não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação por parte da União, aos Estados-membros<br />

e Distrito Fe<strong>de</strong>ral das matérias elencadas no art. 24 da Constituição;<br />

• o rol dos incisos <strong>de</strong>stinados à competência concorrente é taxativo, portanto<br />

não haverá essa possibilida<strong>de</strong> em matéria <strong>de</strong>stinada a lei complementar, por<br />

ausência <strong>de</strong> previsão do art. 24 da CF;<br />

• a inércia da União em regulamentar as matérias constantes no art. 24 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral não impedirá ao Estado-membro ou ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral a<br />

regulamentação da disciplina <strong>constitucional</strong> (competência supletiva). Note-se<br />

que, em virtu<strong>de</strong> da ausência <strong>de</strong> Lei Fe<strong>de</strong>ral, o Estado-membro ou o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral adquirirão competência plena para a edição tanto <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> caráter<br />

geral, quanto específico. Em relação à inércia legislativa da União, em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> competência concorrente, <strong>de</strong>cidiu o STF que, “enquanto não sobrevier a<br />

legislação <strong>de</strong> caráter nacional, é <strong>de</strong> admitir a existência <strong>de</strong> um espaço aberto à<br />

livre atuação normativa do Estado-membro, do que <strong>de</strong>corre a legitimida<strong>de</strong> do<br />

1 MACHADO HORTA, Raul. Estudos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. Belo H orizonte: Del Rey, 1995. p. 366.<br />

2 STF - Pleno - A D I nú 3645/PR - Rei. M in. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 31-5-2006 - Informativo STF nú 429, Seção<br />

I.p .1 .


328 Direito Constitucional • Moraes<br />

exercício, por essa unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rada, da faculda<strong>de</strong> jurídica que lhe outorga o<br />

art. 24, § 3°, da Carta Política”.1<br />

• a competência plena adquirida pelos Estados ou Distrito Fe<strong>de</strong>ral é temporária,<br />

uma vez que, a qualquer tempo, po<strong>de</strong>rá a União exercer sua competência editando<br />

lei fe<strong>de</strong>ral sobre as normas gerais;<br />

• a superveniência <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral sobre normas gerais suspen<strong>de</strong> a eficácia da lei<br />

estadual, no que lhe for contrário.<br />

D. Com petência rem anescente (reservada) do Estado (CF, art. 25, § 1°)<br />

O Estado-membro, legislativamente, tem três espécies <strong>de</strong> competências:<br />

• remanescente ou reservada (CF, art. 25, § I a);<br />

• <strong>de</strong>legada pela União (CF, art. 22, parágrafo único);<br />

• concorrente-suplementar (CF, art. 24).<br />

1. Competência remanescente ou reservada<br />

A regra prevista em relação à competência administrativa dos Estados-membros tem<br />

plena aplicabilida<strong>de</strong>, uma vez que são reservadas aos Estados as competências legislativas<br />

que não lhes sejam vedadas pela Constituição.<br />

Assim, os Estados-membros po<strong>de</strong>rão legislar sobre todas as matérias que não lhes<br />

estiverem vedadas implícita ou explicitamente.<br />

São vedações implícitas as competências legislativas reservadas pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral à União (CF, art. 22) e aos municípios (CF, art. 30).<br />

São vedações explícitas as normas <strong>de</strong> observância obrigatória pelos Estados-membros<br />

na sua auto-organização e normatização própria, consistentes, conforme já estudado, nos<br />

princípios sensíveis, estabelecidos e fe<strong>de</strong>rais extensíveis.<br />

Excepcionalmente, porém, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabeleceu algumas competências<br />

enumeradas aos Estados-membros, como a criação, a incorporação, a fusão e o <strong>de</strong>smembramento<br />

<strong>de</strong> municípios, por meio <strong>de</strong> lei estadual (CF, art. 18, § 4a); a exploração direta,<br />

ou mediante concessão, dos serviços locais <strong>de</strong> gás canalizado, na forma da lei, vedada a<br />

edição <strong>de</strong> medida provisória para sua regulamentação (CF, art. 25, § 2°); a instituição,<br />

mediante lei complementar estadual, das regiões metropolitanas, aglomerados urbanos<br />

e microrregiões (CF, art. 25, § 3a).<br />

2. Competência por <strong>de</strong>legação da União<br />

A competência estadual oriunda da <strong>de</strong>legação pela União foi analisada quando do estudo<br />

do art. 22 (Competência Privativa da União). Relembre-se somente <strong>de</strong> que a União,<br />

por meio <strong>de</strong> lei complementar, po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>legar ao Estado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legislar sobre<br />

um ponto específico <strong>de</strong> um dos 29 incisos do art. 22. *24<br />

1 STF - Pleno - Adin. n° 903-6/MG - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,<br />

24 out. 1997, p. 54.155.


Organização Político-Administrativa 3 2 9<br />

3. Competência concorrente-suplementar<br />

Por fim, o Estado-membro possui competência concorrente-suplementar já analisada<br />

anteriormente e que engloba a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado-membro atuar <strong>de</strong> forma<br />

complementar ou supletiva no tocante à União, nas matérias discriminadas no art. 24 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

E. Com petência exclusiva e suplem entar do m unicípio (CF, art. 30,<br />

I e II)<br />

A função legislativa é exercida pela Câmara dos Vereadores, que é o órgão legislativo<br />

do município, em colaboração com o prefeito, a quem cabe também o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iniciativa<br />

das leis, assim como o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> sancioná-las e promulgá-las, nos termos propostos como<br />

mo<strong>de</strong>lo, pelo processo legislativo fe<strong>de</strong>ral.1Dessa forma, a ativida<strong>de</strong> legislativa municipal<br />

submete-se aos princípios da Constituição Fe<strong>de</strong>ral com estrita obediência à Lei Orgânica<br />

dos municípios, à qual cabe o importante papel <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir as matérias <strong>de</strong> competência legislativa<br />

da Câmara, uma vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não a exaure, pois usa a expressão<br />

interesse local como catalisador dos assuntos <strong>de</strong> competência municipal.12<br />

A primordial e essencial competência legislativa do município é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

auto-organizar-se através da edição <strong>de</strong> sua Lei Orgânica do município, diferentemente<br />

do que ocorria na vigência da Constituição anterior, que afirmava competir aos Estados-<br />

-membros essa organização. A edição <strong>de</strong> sua própria Lei Orgânica caracteriza um dos aspectos<br />

<strong>de</strong> maior relevância da autonomia municipal, já tendo sido estudado anteriormente.<br />

As competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância<br />

do interesse local, consubstanciando-se em:<br />

• competência genérica em virtu<strong>de</strong> da predominância do interesse local (CF, art.<br />

30,1);<br />

• competência para estabelecimento <strong>de</strong> um Plano Diretor (CF, art. 182);<br />

• hipóteses já <strong>de</strong>scritas, presumindo-se <strong>constitucional</strong>mente o interesse local (CF,<br />

arts. 30, III a IX, e 144, § 8e);<br />

• competência suplementar (CF, art. 30, II).<br />

1. Competência genérica em virtu<strong>de</strong> da predominância do interesse local (CF, art.<br />

3 0 ,1)<br />

Apesar <strong>de</strong> difícil conceituação, interesse local refere-se àquelesinteressesque disserem<br />

respeito mais diretamente às necessida<strong>de</strong>s imediatas do município, mesmo que acabem<br />

gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União),3 pois, como afirmado<br />

por Fernanda Dias Menezes,<br />

1 V er capítulo sobreprocesso legislativo.<br />

2 Nesse sentido: BASTOS, Celso Bastos. O m u n ic íp io : sua evolução histórica e suas atuais competências, p.<br />

54-76; NERY, Regina Macedo. Competência legislativa do município, p. 258-265, ambos em C a d e r n o s d e D ir e it o<br />

C o n s titu c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , São Paulo: Revista dos Tribunais, nl 1.<br />

3 FERREIRA, Pinto. O município e sua iei orgânica. C a d e rn o s d e D ir e it o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , São<br />

Paulo: Revista dos Tribunais, nú 10, p. 64.


330 Direito Constitucional • Moraes<br />

“é inegável que mesmo ativida<strong>de</strong>s e serviços tradicionalmente <strong>de</strong>sempenhados<br />

pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das<br />

condições <strong>de</strong> higiene <strong>de</strong> restaurantes e similares, coleta <strong>de</strong> lixo, or<strong>de</strong>nação do uso<br />

do solo urbano, etc., dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional”.1<br />

Dessa forma, salvo as tradicionais e conhecidas hipóteses <strong>de</strong> interesse local, as <strong>de</strong>mais<br />

<strong>de</strong>verão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante<br />

(princípio da predominância do interesse).12<br />

Assim, por exemplo, é <strong>de</strong> competência da municipalida<strong>de</strong> a disciplina a respeito da<br />

exploração da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecimento comercial, expedindo alvarás ou licenças<br />

para regular seu funcionamento.<br />

Igualmente, o horário <strong>de</strong> funcionamento do comércio local (lojas, shopping centers<br />

etc.) <strong>de</strong>verá ser fixado pelo próprio município, no exercício <strong>de</strong> sua competência (Súmula<br />

645 do STF). Da mesma forma, a fixação <strong>de</strong> horário para funcionamento <strong>de</strong> farmácias<br />

e drogarias3 e <strong>de</strong> plantões obrigatórios,4 por tratar-se <strong>de</strong> patente interesse local <strong>de</strong> cada<br />

município.<br />

Diversamente, no entanto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral consolidou entendimento no<br />

sentido <strong>de</strong> que a matéria referente à <strong>de</strong>terminação do horário <strong>de</strong> funcionamento bancário<br />

é <strong>de</strong> competência exclusiva da União porque transcen<strong>de</strong> ao interesse local do município.5<br />

No mesmo sentido, a Súmula nfi 19 do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que afirma: “A fixação<br />

do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União.” Isso não<br />

impe<strong>de</strong>, porém, que os Municípios possam estabelecer obrigações às instituições financeiras,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presente o interesse local,6 inclusive sendo competentes para dispor sobre<br />

o tempo <strong>de</strong> atendimento ao público nas agências bancárias localizadas no seu respectivo<br />

território,7 sobre segurança e conforto nesses estabelecimentos,8 inclusive <strong>de</strong>terminando<br />

a instalação <strong>de</strong> bebedouros e sanitários em bancos.9<br />

1 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes <strong>de</strong>. C o m p e tê n c ia s ... Op. cit. p. 124.<br />

2 DALLARI, Sueli Gandolfi. Competência municipal em matéria <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. RDP 92/174.<br />

3 STF - I a T. -R e x tr. n° 191.031-3/SP - Rei. Min. lim ar Galvão, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 19 set. 1997, p.<br />

45.549. Conform e salientado, “o estabelecimento <strong>de</strong> horário <strong>de</strong> funcionamento do comércio local é inerente à<br />

autonomia municipal conferida pela Constituição ao município para tratar <strong>de</strong> assunto <strong>de</strong> seu peculiar interesse<br />

(art. 3 0 ,1). Inocorrência <strong>de</strong> afronta aos princípios constitucionais da isonomia, da livre concorrência e iniciativa<br />

e da <strong>de</strong>fesa do consumidor” . No mesmo sentido: STF - 2âT. - Rextr. ns 178.034-7/SP - Rei. Min. Carlos Velloso,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 27 fev. 1998, p. 18.<br />

4 STF - I a T. - Rextr. n° 171.630-4/SP, Rei. Min. Sydney Sanches, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 24 nov. 1997, p.<br />

61.067.<br />

5 STF - Rextr. n° 121.623-9 - Rei. M in. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, p. 24.280; STF - Rextr. n Q<br />

130.202-0/SP - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,25 ago. 1995, p. 26.026, e TRF 4a R. -<br />

RE O 90.04.06.014-6 - RS - 3a T. - Rei. Juiz Fábio Bitencourt da Rosa - D J U , 9 maio 1990.<br />

6 Nesse sentido, o STF enten<strong>de</strong>u <strong>constitucional</strong> a previsão <strong>de</strong> lei municipal que obriga instituições financeiras<br />

a instalarem equipamentos <strong>de</strong>stinados à melhoria <strong>de</strong> segurança ou melhores condições sanitárias e <strong>de</strong> conforto<br />

(STF - Pleno - Rextr. nQ1.542 /SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello - I n f o r m a t iv o S T F nQ394, p. 8).<br />

7 STF - I a T. - Rextr. nQ432.789/SC, Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 14-6-2005 - I n f o r m a t i v o S T F nQ392, p. 2.<br />

8 STF - Pleno - A I ne 600.329-1/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 19 set. 2006, p. 56.<br />

9 STF - 2a T. - A gí n° 614.510-1/SC - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 22 fev. 2007, p. 53.


Organização Político-Administrativa 3 3 1<br />

2. Plano diretor (CF, art. 182)<br />

O legislador constituinte previu uma competência legislativa especial aos municípios,<br />

relacionada à política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, que será executada pelo po<strong>de</strong>r público<br />

municipal. Conforme diretrizes gerais lixadas em lei, tendo por objetivo or<strong>de</strong>nar o pleno<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das funções sociais da cida<strong>de</strong> e garantir o bem-estar <strong>de</strong> seus habitantes<br />

(CF, art. 182), possibilitando verda<strong>de</strong>ira reforma urbana.<br />

O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cida<strong>de</strong>s com mais <strong>de</strong><br />

vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> expansão<br />

urbana, sendo que, por expressa previsão <strong>constitucional</strong>, a proprieda<strong>de</strong> urbana cumpre<br />

sua função social quando aten<strong>de</strong> às exigências fundamentais <strong>de</strong> or<strong>de</strong>nação da cida<strong>de</strong><br />

expressas no plano diretor.<br />

Importante <strong>de</strong>stacar o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pelo qual essa<br />

norma prevista no artigo 182 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> ser alterada pelas Constituições<br />

Estaduais, <strong>de</strong> forma a esten<strong>de</strong>r a obrigatorieda<strong>de</strong> do plano diretor para municípios<br />

que não possuam mais do que vinte mil habitantes, pois haveria violação ao princípio da<br />

autonomia dos municípios.1<br />

Ressalte-se que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral facultou a o po<strong>de</strong>r público municipal, mediante<br />

lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei fe<strong>de</strong>ral, do<br />

proprietário do solo urbano não edificado, subutilizadoou não utilizado que promova seu<br />

a<strong>de</strong>quado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, <strong>de</strong>:<br />

• parcelamento ou edificação compulsórios;<br />

• imposto sobre a proprieda<strong>de</strong> predial e territorial urbana progressivo no tempo;<br />

• <strong>de</strong>sapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública <strong>de</strong> emissão<br />

previamente aprovada pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, com prazo <strong>de</strong> resgate <strong>de</strong> até <strong>de</strong>z<br />

anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da in<strong>de</strong>nização<br />

e os juros legais.<br />

3. Hipóteses ]á <strong>de</strong>scritas, presumindo-se <strong>constitucional</strong>mente o interesse local<br />

(CF, arts. 30, III a IX e 144, § 8”)<br />

A Constituição enumera as seguintes hipóteses, <strong>de</strong> competência municipal, que po<strong>de</strong>rão<br />

inclusive ser disciplinadas por meio da legislação própria:<br />

• instituir e arrecadar os tributos <strong>de</strong> sua competência, bem como aplicar suas<br />

rendas, sem prejuízo da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> prestar contas e publicar balancetes<br />

nos prazos fixados em lei;<br />

• criar, organizar e suprimir Distritos, observada a legislação estadual;<br />

1 Nesse sentido foiju lgado in<strong>constitucional</strong> o art. 195, caput, da Constituição do Estado do Amapá, que esten<strong>de</strong>u<br />

a imposição do plano diretor aos municípios com mais <strong>de</strong> cinco m il habitantes (STF - Pleno - Adin nQ826-9/<br />

AP - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 12 mar. 1999, p. 2).


332 Direito Constitucional • Moraes<br />

• organizar e prestar, diretamente ou sob regime <strong>de</strong> concessão ou permissão, os<br />

serviços públicos <strong>de</strong> interesse local, incluído o <strong>de</strong> transporte coletivo, que tem<br />

caráter essencial;<br />

• manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas<br />

<strong>de</strong> educação pré-escolar e <strong>de</strong> ensino fundamental;<br />

• prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços<br />

<strong>de</strong> atendimento à saú<strong>de</strong> da população;<br />

• promover, no que couber, a<strong>de</strong>quado or<strong>de</strong>namento territorial, mediante pia<br />

nejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;<br />

• promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação<br />

e a ação fiscalizadora fe<strong>de</strong>ral e estadual;<br />

• os municípios po<strong>de</strong>rão, facultativamente, manter guardas municipais <strong>de</strong>stinadas<br />

à proteção das instalações e dos serviços municipais (CF, art. 144, § 8a);<br />

• contribuição para o custeio do serviço <strong>de</strong> iluminação pública (EC ns 39/02).<br />

4. Competência suplementar (CF, art. 30, II)<br />

O art. 30, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral preceitua caber ao município suplementar a<br />

legislação fe<strong>de</strong>ral e estadual, no que couber, o que não ocorria na Constituição anterior,<br />

po<strong>de</strong>ndo o município suprir as omissões e lacunas da legislação fe<strong>de</strong>ral e estadual, embora<br />

não po<strong>de</strong>ndo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas do art. 24 da Constituição<br />

<strong>de</strong> 1988. Assim, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a chamada competência suplementar dos<br />

municípios, consistente na autorização <strong>de</strong> regulamentar as normas legislativas fe<strong>de</strong>rais<br />

ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiarida<strong>de</strong>s locais, sempre em concordância<br />

com aquelas e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presente o requisito primordial <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> competência <strong>de</strong>sse<br />

ente fe<strong>de</strong>rativo: interesse local.1<br />

F. Competência reservada do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 32, § 1°)<br />

Ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, conforme preceitua o art. 32, § I a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, são<br />

atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e municípios, excetuada a<br />

competência para organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios, bem como organização administrativa <strong>de</strong>stes, que é<br />

privativa da União, nos termos do art. 22, XVII, da Constituição.<br />

Dessa forma, compete ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, através <strong>de</strong> sua Câmara Legislativa:12<br />

• competência para edição <strong>de</strong> sua própria Lei Orgânica (CF, art. 32, caput);<br />

• competência remanescente dos Estados-membros (CF, art. 25, § I a);<br />

• competência <strong>de</strong>legada pela União (CF, art. 22, parágrafo único);<br />

1 STJ, Prim eira Seção, A R 756/PR, Rei. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 14-4-2008; STJ - I a T. - REsp. nD<br />

29.299-6/R S-R ei. Min. Demócrito Reinaldo, Diário da Justiça, 17 out. 1994.<br />

2 O art. 16, § 1“, do A to das Disposições Constitucionais Transitórias <strong>de</strong>term inava que: “a competência da<br />

Câmara Legislativa do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, até que se instale, será exercida pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral” .


Organização Político-Administrativa 3 3 3<br />

• competência concorrente-suplementar dos Estados-membros (CF, art. 24,<br />

§§ 2s e 3S);<br />

• competência enumerada do município (CF, art. 3 0 ,1, III a IX);<br />

• competência suplementar do município (CF, art. 30, II).<br />

3 INTERVENÇÃO<br />

3.1 Parte geral<br />

Após a análise das normas que regem o Estado Fe<strong>de</strong>ral, percebe-se que a regra é a<br />

autonomia dos entes fe<strong>de</strong>rativos (União/Estados/Distrito Fe<strong>de</strong>ral e municípios), caracterizada<br />

pela tríplice capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-organização e normatização, autogoverno e autoadministração.<br />

Excepcionalmente, porém, será admitido o afastamento <strong>de</strong>sta autonomia<br />

política, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação da existência e unida<strong>de</strong> da própria Fe<strong>de</strong>ração,<br />

através da intervenção.1<br />

A intervenção consiste em medida excepcional <strong>de</strong> supressão temporária da autonomia<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ente fe<strong>de</strong>rativo, fundada em hipóteses taxativamente previstas no texto<br />

<strong>constitucional</strong>, e que visa à unida<strong>de</strong> e preservação da soberania do Estado Fe<strong>de</strong>ral e das<br />

autonomias da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.12<br />

A União, em regra, somente po<strong>de</strong>rá intervir nos Estados-membros e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

enquanto os Estados somente po<strong>de</strong>rão intervir nos Municípios integrantes <strong>de</strong> seu<br />

território.<br />

Note-se, portanto, que a União não po<strong>de</strong>rá intervir diretamente nos municípios, salvo<br />

se existentes <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Território Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 35, caput). Como ressaltado pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “os Municípios situados no âmbito territorial dos Estados-membros<br />

não se expõem à possibilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> sofrerem intervenção <strong>de</strong>cretada pela União<br />

Fe<strong>de</strong>ral, eis que, relativamente aos entes municipais, a única pessoa política ativamente<br />

legitimada a neles intervir é o Estado-membro”.3<br />

Esse ato extremado e excepcional <strong>de</strong> intervenção na autonomia política dos Estados-<br />

-membros/Distrito Fe<strong>de</strong>ral, pela União, somente po<strong>de</strong>rá ser consubstanciado por <strong>de</strong>creto<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 84, X ); e no caso da intervenção municipal, pelos<br />

governadores <strong>de</strong> Estado. É, pois, ato privativo do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Portanto, para que ocorra a possibilida<strong>de</strong> excepcional <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação da intervenção -<br />

como um <strong>direito</strong>/<strong>de</strong>ver da União ou do Estado, respectivamente nos casos <strong>de</strong> intervenção<br />

fe<strong>de</strong>ral e municipal - necessária a presença dos seguintes requisitos:<br />

1 DROMI, José Roberto. Fe<strong>de</strong>ralismoy... Op. cit. p. 49.<br />

2 STF - Pleno - MS na 25.295/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 20-4-2005, Informativo STF na 384.<br />

5 STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral n° 5 9 1 -9 / B A -R el. Ministro-Presi<strong>de</strong>nte Celso <strong>de</strong> M ello, D iário da Justiça, Seção<br />

I, 16 set. 1998, p. 42.


334 Direito Constitucional • Moraes<br />

• uma das hipóteses taxativamente <strong>de</strong>scritas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art.<br />

34 - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral; CF, art. 35 - Intervenção Estadual), pois constitui<br />

uma excepcionalida<strong>de</strong> no Estado Fe<strong>de</strong>ral;1<br />

• Regra: intervenção d o ente político mais amplo, no ente político, imediatamente<br />

menos amplo (União nos Estados e Distrito Fe<strong>de</strong>ral; Estados nos municípios);12<br />

• ato político - <strong>de</strong>cretação exclusiva - <strong>de</strong> form a discricionária ou vinculada<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da hipótese - do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral (Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República - intervenção fe<strong>de</strong>ral; governador <strong>de</strong> Estado - intervenção municipal),<br />

a quem caberá, igualmente, a execução das medidas interventivas.3<br />

3.2 Intervenção fe<strong>de</strong>ral<br />

3.2.1 Quadro geral<br />

Espontânea<br />

Defesa da unida<strong>de</strong> nacional,<br />

Defesa da or<strong>de</strong>m pública,<br />

CF, art. 34, I e II<br />

CF, art. 34, III<br />

Defesa das finanças públicas,<br />

CF, art. 34, V<br />

Intervenção Fe<strong>de</strong>ral<br />

Provocada<br />

Por solicitação - <strong>de</strong>fesa dos<br />

Po<strong>de</strong>res Executivo ou Legislativo<br />

locais,<br />

Por requisição<br />

CF, art. 34, IV<br />

STF (CF, art. 34, IV -<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário)<br />

STF, STJou TSE (CF,<br />

art. 34, VI - or<strong>de</strong>m ou<br />

<strong>de</strong>cisão judicial)<br />

STF (CF, art 34, VI e<br />

VII - execução <strong>de</strong> lei<br />

fe<strong>de</strong>ral e ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

interventiva)3<br />

1 C o n form e salien tad o p e lo M in istro C elso d e M e llo , “ o m ecanism o d e in terven çã o constitui instru m ento<br />

essencial à via b iliza çã o d o p róp rio sistem a fed era tivo , e, não obstante o caráter excepcional <strong>de</strong> sua utilização<br />

- necessariamente limitada às hipóteses taxativamente <strong>de</strong>finidas na Carta Política m ostra-se im p regn a d o <strong>de</strong><br />

múltiplas funções d e o rd em político-ju rídica, <strong>de</strong>stinadas (a ) a tornar efetiva a in tan gibilid ad e d o vín cu lo fe ­<br />

<strong>de</strong>ra tivo; (b ) a fa zer respeitar a in tegrida<strong>de</strong> territorial das unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas; (c ) a p rom over a unida<strong>de</strong> do<br />

Estado Fe<strong>de</strong>ral e (d ) a preservar a incolum ida<strong>de</strong> dos princípios fundam entais proclam ados pela Constituição<br />

d a República” (S T F - In terven ção Fe<strong>de</strong>ral na 591-9/BA - R ei. M in istro-Presi<strong>de</strong>n te Celso d e M e llo , D iário da<br />

Justiça, Seção 1 ,16 set. 1998, p. 4 2 ).<br />

2 Em relação à im possibilida<strong>de</strong> d e in terven ção fed era l em m u n icípio com ponente d e Estado-m em bro da Fe<strong>de</strong>ração,<br />

co n ferir: STF P len o - M S n“ 2 5 .295/DF - Rei. M in. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 20-4-2005, In form ativo<br />

STF n® 384.<br />

3 LEW ANDOW SKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais eformais da intervenção fe<strong>de</strong>ral no Brasil. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1994. p. 122.


Organização Político-Administrativa 335<br />

3.2.2 H ipóteses<br />

A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, exceto para:1<br />

I - manter a integrida<strong>de</strong> nacional;<br />

II - repelir invasão estrangeira ou <strong>de</strong> uma unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração em outra;<br />

III - pôr termo a grave comprometimento da or<strong>de</strong>m pública;<br />

IV - garantir o livre exercício <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res nas unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração;<br />

V - reorganizar as finanças da unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração que:<br />

a) suspen<strong>de</strong>r o pagamento da dívida fundada12 por mais <strong>de</strong> dois anos consecutivos,<br />

salvo motivo <strong>de</strong> força maior;<br />

b) <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> entregar aos municípios receitas tributárias fixadas nesta constituição<br />

<strong>de</strong>ntro dos prazos estabelecidos em lei;<br />

VI - prover a execução <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral, or<strong>de</strong>m ou <strong>de</strong>cisão judicial;3<br />

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:<br />

a) forma republicana, sistema representativo e regime <strong>de</strong>mocrático;<br />

b) <strong>direito</strong>s da pessoa humana;<br />

c) autonomia municipal;<br />

d) prestação <strong>de</strong> contas da administração pública, direta e indireta;<br />

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante <strong>de</strong> impostos estaduais, compreendida<br />

a proveniente <strong>de</strong> transferências, na manutenção e <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

ensino e nas ações e serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.4<br />

3.2.3 Procedimento <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral<br />

O procedimento <strong>de</strong> intervenção da União na autonomia política do Estado-membro<br />

ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong> ser explicado em quatro fases, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar<br />

a hipertrofia do Po<strong>de</strong>r Executivo, observando-se, porém, que nenhuma das hipóteses<br />

1 Assim, salienta o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “que o tratamento restritivo, <strong>constitucional</strong>mente dispensado ao<br />

mecanismo da intervenção fe<strong>de</strong>ral impõe q u en ã o se am pliem as hipóteses <strong>de</strong> sua incidência, cabendo ao intérprete<br />

i<strong>de</strong>ntificar, no rol exaustivo do art. 34 da Carta Política, os casos únicos que legitim am, em nosso sistema<br />

jurídico, a <strong>de</strong>cretação da intervenção fed eral nos Estados-membros” (STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral n2 591-9/BA<br />

- Rei. Ministro-Presi<strong>de</strong>nte Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1 ,16 set. 1998, p. 42).<br />

2 O conceito <strong>de</strong> dívida fundada é jurídico-legal, conforme o disposto no art. 98 da Lei nú 4.320/67: “A dívida<br />

fundada compreen<strong>de</strong> os compromissos <strong>de</strong> exigibilida<strong>de</strong> superior a doze meses, contraídos para aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

orçamentário ou financiamentos <strong>de</strong> obras eserviços públicos.”<br />

3 g j p „g e^em |,ora tardiamente, a <strong>de</strong>cisão judicial veio a ser cumprida, com a <strong>de</strong>socupação do imóvel, pelos<br />

esbulhadores, os autos da in terven çãofe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong>vem ser arquivados” (Intervenção fe<strong>de</strong>ral n“ 103-0/PR -Pleno<br />

- Rei. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 5 <strong>de</strong>z. 1997, p. 63.907).<br />

4 Redação dada pela Emenda Constitucional nú 29, <strong>de</strong> 13-9-2000. A redação anterior, acrescentada pela Emenda<br />

Constitucional n“ 14, <strong>de</strong> 12-9-96, previa: “aplicação do mínim o exigido da receita resultante <strong>de</strong> impostos estaduais,<br />

compreendida a proveniente <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong> transferência, na manutenção e <strong>de</strong>senvolvim ento do ensino".


336 Direito Constitucional • Moraes<br />

constitucionais permissivas da intervenção fe<strong>de</strong>ral apresentará mais do que três fases<br />

conjuntamente:<br />

• iniciativa;<br />

• fase judicial (somente presente em duas das hipóteses <strong>de</strong> intervenção-CF, art.<br />

34, VI e VII);<br />

• <strong>de</strong>creto interventivo;<br />

• controle político (não ocorrerá em duas das hipóteses <strong>de</strong> intervenção - CF, art.<br />

34, VI e VII).<br />

A. Iniciativa<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da hipótese prevista paia a intervenção fe<strong>de</strong>ral,<br />

indica quem po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>flagrar o procedimento interventivo:<br />

a. Presi<strong>de</strong>nte da República: nas hipóteses previstas nos incisos I, n, ÜI, V ex officio<br />

po<strong>de</strong>rá tomar a iniciativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretar a intervenção fe<strong>de</strong>ral;<br />

b. solicitação dos Po<strong>de</strong>res locais (CF, art. 34, IV): os Po<strong>de</strong>res Legislativo (Assembléia<br />

Legislativa ou Câmara Legislativa) e Executivo (Governador do Estado ou do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral) locais solicitarão ao Presi<strong>de</strong>nte da República a <strong>de</strong>cretação da<br />

intervenção no caso <strong>de</strong> estarem sofrendo coação no exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário local, diferentemente, solicitará ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

que, se enten<strong>de</strong>r ser o caso, requisitará a intervenção ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República;<br />

c. requisição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça ou do Tribunal<br />

Superior Eleitoral, na hipótese prevista no art. 34, VI, segunda parte, ou<br />

seja, <strong>de</strong>sobediência a or<strong>de</strong>m ou <strong>de</strong>cisão judiciária.1Assim, o Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça e o Tribunal Superior Eleitoral po<strong>de</strong>rão requisitar, diretamente ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, a <strong>de</strong>cretação da intervenção, quando a or<strong>de</strong>m ou <strong>de</strong>cisão<br />

judiciária <strong>de</strong>scumprida for sua mesma. Ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, porém,<br />

além da hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> suas próprias <strong>de</strong>cisões ou or<strong>de</strong>ns judiciais,<br />

cabe-lhe, exclusivamente, a requisição <strong>de</strong> intervenção para assegurar<br />

a execução <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, Estadual, do Trabalho ou da Justiça<br />

Militar, ainda quando fundadas em <strong>direito</strong> inffa<strong>constitucional</strong>.12 A iniciativa<br />

<strong>de</strong>verá ser en<strong>de</strong>reçada ao próprio Presi<strong>de</strong>nte da República. Observe-se que somente<br />

o Tribunal <strong>de</strong> Justiça local tem legitimida<strong>de</strong> para encaminhar ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o pedido <strong>de</strong> intervenção baseado em <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> suas<br />

próprias <strong>de</strong>cisões.3 Assim, a parte interessada na causa somente po<strong>de</strong> se dirigir<br />

1 Em relação à intervenção em virtu<strong>de</strong> do não pagamento <strong>de</strong> precatórios, conferir Capítulo 10, item 4.9.<br />

2 STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral nQ230-3/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,1 jul. 1996, p. 23.860.<br />

3 STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral nQ234-6/SP - Rei. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,14 jun. 1996,<br />

p. 21.036. Citando diversos prece<strong>de</strong>ntes: AgRIF 81, Moreira Alves, RTJ114/443 e I F 135-8, Pertence, 18-10-95<br />

e, sob or<strong>de</strong>ns constitucionais anteriores das IF 61, 16-12-70, Barros M onteiro, KTJ 57/156; IF 64,16-10-75,<br />

Thompson, IF 68,12-12-79, N e<strong>de</strong>re IF 94,19-12-86, M. Alves.


Organização Político-Administrativa 3 3 7<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, com pedido <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral, para prover<br />

a execução <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da própria Corte Maior. Quando se tratar <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong><br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o requerimento <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong>ve ser dirigido ao respectivo<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal Local, a quem incumbe, se for o caso, encaminhá-lo<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,1sempre <strong>de</strong> maneira fundamentada;12<br />

d. Ações propostas pelo Procurador-Geral da República nas hipóteses previstas no<br />

art. 34, inciso VI, “início” (ação <strong>de</strong> executorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral), e VII (ação<br />

direta <strong>de</strong> inconstitucionálida<strong>de</strong> interventiva), ambas en<strong>de</strong>reçadas ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

B. Fase Judicial<br />

Essa fase apresenta-se somente nos dois casos previstos <strong>de</strong> iniciativa do Procurador-<br />

Geral da República (CF, art. 34, VI, “execução <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral", e VII, “ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

interventiva’7), uma vez que se trata <strong>de</strong> ações en<strong>de</strong>reçadas ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A iniciativa do Procurador-Geral da República nada mais é do que a legitimação para<br />

propositura <strong>de</strong> Ação <strong>de</strong> executorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral e Ação <strong>de</strong> Inconstitucionálida<strong>de</strong><br />

interventiva.<br />

Em ambos os casos o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para o prosseguimento da medida <strong>de</strong><br />

exceção, <strong>de</strong>verá julgar proce<strong>de</strong>ntes as ações propostas, encaminhando-se ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, para os fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto interventivo. Nessas hipóteses, a <strong>de</strong>cretação da intervenção<br />

é vinculada, cabendo ao Presi<strong>de</strong>nte a mera formalização <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão tomada por<br />

órgão judiciário.<br />

C. Decreto Interventivo - procedimento<br />

A intervenção será formalizada através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial (CF, art. 84, X), que,<br />

uma vez publicado, tornar-se-á imediatamente eficaz, legitimando a prática dos <strong>de</strong>mais<br />

atos consequentes à intervenção. O art. 36, § I a, <strong>de</strong>termina que o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> intervenção<br />

especifique a amplitu<strong>de</strong>, o prazo e as condições <strong>de</strong> execução e, se necessário for, af aste as<br />

autorida<strong>de</strong> locais e nomeie temporariamente um interventor, submetendo essa <strong>de</strong>cisão à<br />

apreciação do Congresso Nacional no prazo <strong>de</strong> 24 horas. A intervenção, portanto, há <strong>de</strong><br />

efetivar-se por <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial, embora vinculado o Presi<strong>de</strong>nte da República a sua<br />

edição, quando ocorrem as hipóteses <strong>de</strong> provocação por requisição,4 *sempre temporariamente,<br />

pois é exceção ao princípio fe<strong>de</strong>rativo.<br />

1 STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral na 135-8/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 24 nov.<br />

1995, p. 40.375; K TJ142/371.<br />

2 STF - Intervenção Fe<strong>de</strong>ral n2 230-3/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,1 jul. 1996, p. 23.860.<br />

3 A EC n° 45/04 alterou a competência para o processo e julgam ento <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> executorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral,<br />

transferindo-a do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

4 STF - A ção O riginária n° 311-3/A L - Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 20 ago. 1996, p.<br />

28643/28645. V er Informativo S T F - Brasília 12 a 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1 99 6- n 2 40.


3 3 8 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

Nas hipóteses <strong>de</strong> intervenções espontâneas, em que o Presi<strong>de</strong>nte da República verifica a<br />

ocorrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas hipóteses constitucionais permissivas da intervenção fe<strong>de</strong>ral<br />

(CF, art. 3 4 ,1, II, III, V), ouvirá os Conselhos da República (CF, art. 90, I) e o <strong>de</strong> Defesa<br />

Nacional (CF, art. 91, § I a, II), que opinarão a respeito. Após isso, po<strong>de</strong>rá discricionariamente<br />

<strong>de</strong>cretar a intervenção no Estado-membro.1<br />

O interventor nomeado pelo Decreto presi<strong>de</strong>ncial será consi<strong>de</strong>rado para todos os<br />

efeitos como servidor público fe<strong>de</strong>ral, e a amplitu<strong>de</strong> e executorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas funções<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá dos limites estabelecidos no <strong>de</strong>creto interventivo.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não discriminou os meios e as providências possíveis <strong>de</strong> ser<br />

tomadas pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, por meio do <strong>de</strong>creto interventivo, enten<strong>de</strong>ndo-se,<br />

porém, que esses <strong>de</strong>verão a<strong>de</strong>quar-se aos critérios da necessida<strong>de</strong> e proporcionalida<strong>de</strong> à<br />

lesão institucional.<br />

D. Controle político<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a existência <strong>de</strong> um controle político sobre o ato interventivo,<br />

que <strong>de</strong>ve ser realizado pelos representantes do Povo (Câmara dos Deputados) e<br />

dos próprios Estados-membros (Senado Fe<strong>de</strong>ral), a fim <strong>de</strong> garantir a excepcionalida<strong>de</strong><br />

da medida; submetendo-se, pois, o <strong>de</strong>creto à apreciação do Congresso Nacional, no prazo<br />

<strong>de</strong> vinte e quatro horas, que <strong>de</strong>verá rejeitá-la ou, mediante <strong>de</strong>creto legislativo, aprovar a<br />

intervenção fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 49, IV). Caso o Congresso Nacional não aprove a <strong>de</strong>cretação<br />

da intervenção, o Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>verá cessá-la imediatamente, sob pena <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

(CF, art. 85, II).<br />

Nas hipóteses previstas no art. 34, VI e VII, o controle político será dispensado,12 conforme<br />

expressa previsão <strong>constitucional</strong>, e o <strong>de</strong>creto limitar-se-á a suspen<strong>de</strong>r a execução<br />

do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalida<strong>de</strong> (CF, art.<br />

36, § 3a). Importante ressalva é feita por Lewandowski, apontando que<br />

“tratando-se <strong>de</strong> requisição judicial, não po<strong>de</strong>ria o Legislativo obstá-la, sob pena<br />

<strong>de</strong> vulnerar o princípio da separação dos po<strong>de</strong>res. Entretanto, existindo qualquer<br />

vício <strong>de</strong> forma ou eventual <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>cretação da intervenção, o<br />

Congresso Nacional po<strong>de</strong>rá suspendê-la, a qualquer tempo, com fundamento no<br />

art. 49, IV, da Constituição em vigor”.3<br />

3.3 Intervenção estadual nos municípios<br />

Como já estudado na parte geral <strong>de</strong> intervenção, somente os Estados-membros po<strong>de</strong>rão<br />

intervir nos municípios, salvo nos casos <strong>de</strong> municípios existentes nos territórios<br />

fe<strong>de</strong>rais, quando então será a própria União quem concretizará a hipótese interventiva.<br />

1 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos... Op. cit. 128.<br />

2 RTJ 87/716.<br />

3 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos... Op. cit. p. 162.


Organização Político-Administrativa 339<br />

A intervenção estadual nos municípios tem a mesma característica <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong><br />

já estudada na intervenção fe<strong>de</strong>ral, pois a regra é a autonomia do município e a exceção<br />

a intervenção em sua autonomia política, somente nos casos taxativamente previstos na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 35), sem qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ampliação pelo legislador<br />

constituinte estadual.1Por ser um ato político, somente o governador do Estado po<strong>de</strong>rá<br />

<strong>de</strong>cretá-la, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo na hipótese do art. 35, IV, <strong>de</strong> ação julgada proce<strong>de</strong>nte pelo Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça. Igualmente à intervenção fe<strong>de</strong>ral, existirá um controle político exercido pela<br />

Assembléia Legislativa, que no prazo <strong>de</strong> 24 horas apreciará o <strong>de</strong>creto interventivo, salvo<br />

na hipótese já referida do art. 35, IV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim, o Estado não intervirá em seus municípios, nem a União nos municípios loca<br />

lizados em Território Fe<strong>de</strong>ral, exceto quando:<br />

• <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser paga, sem motivo <strong>de</strong> força maior, por dois anos consecutivos, a<br />

dívida fundada;<br />

• não forem prestadas contas <strong>de</strong>vidas, na forma da lei;12<br />

• não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e<br />

no <strong>de</strong>senvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;3<br />

• o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>r provimento a representação para assegurar a observância<br />

<strong>de</strong> princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução<br />

<strong>de</strong> lei, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial.4<br />

Ressalte-se que para fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> intervenção do Estado no Município, é<br />

absolutamente irrelevante o fato <strong>de</strong> já ter sido <strong>de</strong>clarada a intervenção <strong>de</strong>sse mesmo<br />

Município em outro processo, por diverso motivo.5<br />

1 STF - Pleno - Adin na 558/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 26 mar. 1993, p.<br />

05001. No mesmo sentido: SILVA, José Afonso da. C u r s o d e d ir e it o <strong>constitucional</strong> positivo. Op. cit., p. 428.<br />

2 A intervenção estadual em município por falta <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> contas p elo prefeito cessa se efetivada a intervenção,<br />

protocolou no Tribunal <strong>de</strong> Contas o que seriam as contas não prestadas no tempo <strong>de</strong>vido (STF - Agravo<br />

Regim ental em Suspensão <strong>de</strong> Segurança na 840-5/TO - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da J u s tiç a , Seção<br />

I, 22 mar. 1996, p. 8.209).<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucional na 29, <strong>de</strong> 13-9-2000. A redação anterior previa: “ não tiver sido<br />

aplicado o m ínim o exigido da receita municipal na manutenção e <strong>de</strong>senvolvim ento do ensino” .<br />

4 C f. em relação ao não pagamento integral do precatório implicar <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m judicial ensejador<br />

<strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> intervenção do Estado no Município: TJ/SP - Órgão Especial - Intervenção Estadual na 29.103-<br />

0/2 - São Paulo - Rei. Des. N igro Conceição, <strong>de</strong>cisão: 15-10-1997.<br />

5 TJSP -R T 646/49.


Administração Pública<br />

9<br />

1 CONCEITO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, inovando em relação às anteriores, regulamenta, no Título III,<br />

um capítulo específico para a organização da administração pública, pormenorizando-a<br />

enquanto estrutura governamental e enquanto função, e <strong>de</strong>terminando no art. 37 que a<br />

administração pública direta e indireta <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios obe<strong>de</strong>ça, além <strong>de</strong> diversos preceitos expressos, aos<br />

princípios <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong> e eficiência.1Sérgio <strong>de</strong><br />

Andréa Ferreira ainda lembra que, no art. 70, a Constituição se refere aos princípios da<br />

legalida<strong>de</strong>, legitimida<strong>de</strong> e economicida<strong>de</strong>; e no art. 74, II, aos princípios da legalida<strong>de</strong>,<br />

eficácia e eficiência; e Pinto Ferreira recorda os princípios da proporcionalida<strong>de</strong> dos meios<br />

aos fins, da indisponibilida<strong>de</strong> do interesse público, da especialida<strong>de</strong> administrativa e da<br />

igualda<strong>de</strong> dos administrados.<br />

A administração pública po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida objetivamente como a ativida<strong>de</strong> concreta e<br />

imediata que o Estado <strong>de</strong>senvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente<br />

como o conjunto <strong>de</strong> órgãos e <strong>de</strong> pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício<br />

da função administrativa do Estado. Concluímos com José Tavares, para quem administração<br />

pública é “o conjunto das pessoas colectivas públicas, seus órgãos e serviços que<br />

<strong>de</strong>senvolvem a activida<strong>de</strong> ou função administrativa”.12<br />

A administração fe<strong>de</strong>ral compreen<strong>de</strong> a administração direta, que se constitui dos<br />

serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios;<br />

e a administração indireta, que compreen<strong>de</strong> as seguintes categorias <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s,<br />

dotadas <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> jurídica própria: autarquias; empresas públicas; socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

economia mista; fundações públicas.3 Anote-se, como relembra Roberto Bazilli, que essa<br />

regra <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição da amplitu<strong>de</strong> da administração pública (CF, art. 37) contém princípios<br />

1 O princípio da eficiência foi acrescentado pela Emenda Constitucional n° 19, publicada no Diário Oficial da<br />

União <strong>de</strong> 5 jun. 1998.<br />

2 TAVARES, José Tavares. Administração pública e <strong>direito</strong> administrativo. Coimbra: Almedina, 1992. p. 21.<br />

3 Art. 4 2 do Decreto-lei n “ 200, <strong>de</strong> 25-2-1967 (com a redação da Lei n ° 7.596, <strong>de</strong> 10-4-1987). cf. GUERZONI<br />

FILHO, Gilberto. Burocracia, tecnocracia, pseudoburocracia e a Constituição <strong>de</strong> 1988: tentativas e perspectiva<br />

d e form ação <strong>de</strong> uma burocracia pública no Brasil. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, n° 128, p. 43, Brasília:<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1996.


Administ ração Pública 3 4 1<br />

norteadores a serem aplicados obrigatoriamente1à administração dos Estados, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios.12<br />

Como ensinado por Hauriou, “o regime administrativo consiste em um po<strong>de</strong>r político-<br />

-jurídico, que é o po<strong>de</strong>r executivo e administrativo, que se introduz como intermediário<br />

entre a lei e o juiz, a fim <strong>de</strong> assumir a aplicação das leis em todos os procedimentos que<br />

não sejam contenciosos, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> facilitar e, se for necessário, impor aos cidadãos<br />

a execução das leis por meio <strong>de</strong> uma regulamentação própria, pela organização dos<br />

serviços públicos e por <strong>de</strong>cisões executórias particulares”.3<br />

2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA<br />

São princípios constitucionais da administração pública:4<br />

• princípio da legalida<strong>de</strong>;<br />

• princípio da impessoalida<strong>de</strong>;<br />

• princípio da moralida<strong>de</strong>;<br />

• princípio da publicida<strong>de</strong>;<br />

• princípio da eficiência.<br />

2.1 Princípio da legalida<strong>de</strong><br />

O tradicional princípio da legalida<strong>de</strong>, previsto no art. 5e, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

e anteriormente estudado, aplica-se normalmente na Administração Pública, porém<br />

<strong>de</strong> forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente po<strong>de</strong>rá fazer<br />

o que estiver expressamente autorizado em lei e nas <strong>de</strong>mais espécies normativas, inexistindo,<br />

pois, incidência <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> subjetiva, pois na Administração Pública só<br />

é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, on<strong>de</strong> será<br />

permitida a realização <strong>de</strong> tudo que a lei não proíba. Esse princípio coaduna-se com a<br />

própria função administrativa, <strong>de</strong> executor do <strong>direito</strong>, que atua sem finalida<strong>de</strong> própria,<br />

mas sim em respeito à finalida<strong>de</strong> imposta pela lei, e com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar-se<br />

a or<strong>de</strong>m jurídica.<br />

1 STF - Pleno - Adin na 248-I/ R J -R el. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário d a J u s tiç a , 8 abr. 1994.<br />

2 STF - Pleno - Adin na 248-I/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário d a J u s tiç a , 8 abr. 1994; R D A , 197/20.<br />

3 HAURIOU, Maurice. D e re c h o p ú b l i c o y c o n s t it u c io n a l. 2. ed. Madri: Reus, 1927. p. 141.<br />

4 José Tavares enumera-nos os princípios constitucionais da administração em Portugal: le g a lid a d e , p ro s s e c u ç ã o<br />

d o in te re s s e p ú b lic o , r e s p e ito p e lo s d ir e it o s e interesses legalmente p r o t e g id o s d o s c id a d ã o s , ig u a ld a d e , p r o p o r c io ­<br />

n a lid a d e , ju s t iç a , im p a r c ia lid a d e (Constituição da República Portuguesa, respectivamente, arts. 268, n“ 4; 266,<br />

na 1; 266, na 1; 266, n05 02 e 13; 266 n° 2 e 272; 266, n °2 ; 266 n° 2). A lém <strong>de</strong>sses princípios expressos, cita o<br />

p r i n c í p i o d a b o a a d m in is t r a ç ã o o u d o m é r it o , assinalando existir controvérsia doutrinária (O p. cit. p. 21).


3 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

2.2 Princípio da impessoalida<strong>de</strong><br />

Importante inclusão feita pelo legislador constituinte, o princípio da impessoalida<strong>de</strong><br />

encontra-se, por vezes, no mesmo campo <strong>de</strong> incidência dos princípios da igualda<strong>de</strong> e da<br />

legalida<strong>de</strong>, e não raramente é chamado <strong>de</strong> princípio da finalida<strong>de</strong> administrativa. Conforme<br />

afirmado por Hely Lopes Meirelles,<br />

“o princípio da impessoalida<strong>de</strong>, referido na Constituição <strong>de</strong> 1988 (art. 37, caput),<br />

nada mais é que o clássico princípio da finalida<strong>de</strong>, o qual impõe ao administrador<br />

público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele<br />

que a norma <strong>de</strong> <strong>direito</strong> indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, <strong>de</strong><br />

forma impessoal”.1<br />

Esse princípio completa a i<strong>de</strong>ia já estudada <strong>de</strong> que o administrador é um executor do<br />

ato, que serve <strong>de</strong> veículo <strong>de</strong> manifestação da vonta<strong>de</strong> estatal, e, portanto, as realizações<br />

administrativo-governamentais não são do agente político, mas sim da entida<strong>de</strong> pública<br />

em nome da qual atuou.<br />

2.3 Princípio da moralida<strong>de</strong><br />

Pelo princípio da moralida<strong>de</strong> administrativa, não bastará ao administrador o estrito<br />

cumprimento da estrita legalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vendo ele, no exercício <strong>de</strong> sua função pública, respeitar<br />

os princípios éticos <strong>de</strong> razoabilida<strong>de</strong> e justiça, pois a moralida<strong>de</strong> constitui, a partir<br />

da Constituição <strong>de</strong> 1988, pressuposto <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todo ato da administração pública.<br />

Como ressalta Hely Lopes Meirelles,<br />

“não se trata - diz Hauriou, o sistematizador <strong>de</strong> tal conceito - da moral comum,<br />

mas sim <strong>de</strong> uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> conduta<br />

tiradas da disciplina interior da Administração’”.12<br />

Ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro:<br />

“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta<br />

a imoralida<strong>de</strong>. Isto ocorre quando o conteúdo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ato contrariar o<br />

senso comum <strong>de</strong> honestida<strong>de</strong>, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignida<strong>de</strong><br />

do ser humano, àboa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralida<strong>de</strong> exige<br />

proporcionalida<strong>de</strong> entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à<br />

coletivida<strong>de</strong> e os benef ícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas<br />

autorida<strong>de</strong>s públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo,<br />

a imoralida<strong>de</strong> salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em<br />

<strong>de</strong>spesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população<br />

precisa <strong>de</strong> assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso<br />

sem falar no mínimo indispensável à existência digna. Não é preciso, para invalidar<br />

1 MEIRELLES, H ely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 21, ed, São Paulo: Malheiros, 1995. p. 82.<br />

2 Id em .p . 79.


Administ ração Pública 3 4 3<br />

<strong>de</strong>spesas <strong>de</strong>sse tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autorida<strong>de</strong>;<br />

o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a<br />

norma <strong>de</strong> conduta aceita como legítima pela coletivida<strong>de</strong> administrada. Na aferição<br />

da imoralida<strong>de</strong> administrativa, é essencial o princípio da razoabilida<strong>de</strong>.”1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, analisando o princípio da moralida<strong>de</strong> administrativa,<br />

manifestou-se afirmando:<br />

“Po<strong>de</strong>r-se-á dizer que apenas agora a Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou a moralida<strong>de</strong><br />

como princípio <strong>de</strong> administração pública (art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

Isso não é verda<strong>de</strong>. Os princípios po<strong>de</strong>m estar ou não explicitados em normas.<br />

Normalmente, sequer constam <strong>de</strong> texto regrado. Defluem no todo do or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas<br />

normas regedoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada matéria. O só fato <strong>de</strong> um princípio não figurar<br />

no texto <strong>constitucional</strong>, não significa que nunca teve relevância <strong>de</strong> princípio.<br />

A circunstância <strong>de</strong>, no texto <strong>constitucional</strong> anterior, não figurar o princípio da<br />

moralida<strong>de</strong> não significa que o administrador po<strong>de</strong>ria agir <strong>de</strong> forma imoral ou<br />

mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez ‘el hecho <strong>de</strong> su consagración<br />

en una norma legal no supone que con anterioridad no existiera, ni que por tal<br />

consagración legislativa haya perdido tal carácter’ (El princípio <strong>de</strong> buenafe en el<br />

<strong>de</strong>recho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais <strong>de</strong> <strong>direito</strong> existem<br />

por força própria, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> figurarem em texto legislativo. E o fato<br />

<strong>de</strong> passarem a figurar em texto <strong>constitucional</strong> ou legal não lhes retira o caráter <strong>de</strong><br />

princípio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar<br />

que possui tal qualida<strong>de</strong>. Como a mulher <strong>de</strong> César.”12<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao consagrar o princípio da moralida<strong>de</strong> administrativa como<br />

vetor da atuação da administração pública, igualmente consagrou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção<br />

à moralida<strong>de</strong> e responsabilização do administrador público amoral ou imoral. Anota<br />

Manoel <strong>de</strong> Oliveira Franco Sobrinho,<br />

“Difícil <strong>de</strong> saber por que o princípio da moralida<strong>de</strong> no <strong>direito</strong> encontra tantos<br />

adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal.<br />

As concepções na base natural são analógicas. Porque somente a proteção da legalida<strong>de</strong><br />

e não da moralida<strong>de</strong> também? A resposta negativa só po<strong>de</strong> interessar aos<br />

administradores ímprobos. Não à Administração, nem à or<strong>de</strong>m jurídica. O contrário<br />

seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar<br />

a exação no cumprimento do <strong>de</strong>ver funcional.”3<br />

Dessa forma, <strong>de</strong>ve o Po<strong>de</strong>r Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se<br />

restringir ao exame estrito da legalida<strong>de</strong> do ato administrativo, mas, sim, enten<strong>de</strong>r por<br />

1 DI PIETRO, M aria Sylvia Zanella. Discricionarieda<strong>de</strong> administrativa na Constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo:<br />

Atlas, 1991. p. 111.<br />

2 STF - 2 a T. - RExtr n a 160.381- SP, Rei. Min. Marco Aurélio, v. u ,;PTJ 153/1.030.<br />

3 FRANCO SOBRINHO, M an oel <strong>de</strong> Oliveira. O princípio <strong>constitucional</strong> da moralida<strong>de</strong> administrativa. 2. ed.<br />

Curitiba: Genesis, 1993. p. 157.


3 4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

legalida<strong>de</strong> ou legitimida<strong>de</strong> não só a conformação do ato com a lei, como também com a<br />

moral administrativa e com o interesse coletivo.1<br />

O princípio da moralida<strong>de</strong> está intimamente ligado com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> probida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ver<br />

inerente do administrador público. Como recorda Maurício Ribeiro Lopes,<br />

“o velho e esquecido conceito do probus e do improbus administrador público está<br />

presente na Constituição da República, que pune a improbida<strong>de</strong> na Administração<br />

com sanções políticas, administrativas e penais”.2<br />

A conduta do administrador público em <strong>de</strong>srespeito ao princípio da moralida<strong>de</strong> administrativa<br />

enquadra-se nos <strong>de</strong>nominados atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, previstos pelo art. 37,<br />

§ 4a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e sancionados com a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, a<br />

perda da função pública, a indisponibilida<strong>de</strong> dos bens e o ressarcimento ao erário, na<br />

forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível, permitindo ao Ministério<br />

Público a propositura <strong>de</strong> ação civil pública por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, com base na<br />

Lei ne 8.429/92 para que o Po<strong>de</strong>r Judiciário exerça o controle jurisdicional sobre lesão ou<br />

ameaça <strong>de</strong> lesão ao patrimônio público.<br />

2.4 Princípio da publicida<strong>de</strong><br />

A publicida<strong>de</strong> se faz pela inserção do ato no Diário Oficial ou por edital afixado no<br />

lugar próprio para divulgação <strong>de</strong> atos públicos, para conhecimento do público em geral<br />

e, consequentemente, início da produção <strong>de</strong> seus efeitos, pois somente a publicida<strong>de</strong><br />

evita os dissabores existentes em processos arbitrariamente sigilosos, permitindo-se os<br />

competentes recursos administrativos e as ações judiciais próprias.<br />

O princípio da publicida<strong>de</strong> tem absoluta primazia na Administração Pública, garantindo<br />

o acesso às informações a toda a Socieda<strong>de</strong>, pois como bem salientado pelo Ministro<br />

Marco Aurélio, “o princípio da publicida<strong>de</strong> no que <strong>de</strong>ságua na busca da eficiência, ante o<br />

acompanhamento pela socieda<strong>de</strong>. Estando em jogo valores, há <strong>de</strong> ser observado o coletivo<br />

em <strong>de</strong>trimento, até mesmo, do individual”.3<br />

A regra, pois, é que a publicida<strong>de</strong> somente po<strong>de</strong>rá ser excepcionada quando o interesse<br />

público assim <strong>de</strong>terminar, prevalecendo esse em <strong>de</strong>trimento do princípio da publicida<strong>de</strong>.<br />

2.5 Princípio d a eficiência<br />

2.5.1 Introdução<br />

A Emenda Constitucional na 19/98 acrescentou expressamente aos princípios constitucionais<br />

da administração pública o princípio da eficiência, findando com as discussões<br />

RDA 89/134 (TJ/SP, Rei. Des. Cardoso Rolim), apud MEIRELLES,Hely Lopes. Op. cit.<br />

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Ética e administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 57.<br />

S TF-H C 102.819, Rei. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-4-2011, Primeira Turma, DJE <strong>de</strong> 30-5-2011.


Administração Pública 345<br />

doutrinárias e com as jurisprudências sobre sua existência implícita na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e aplicabilida<strong>de</strong> integral.<br />

Na doutrina, Sérgio <strong>de</strong> Andréa Ferreira já apontava aexistência do princípio da eficiência<br />

em relação à administração pública, pois a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que os Po<strong>de</strong>res<br />

Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, <strong>de</strong> forma integrada, sistema <strong>de</strong> controle<br />

interno com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovar a legalida<strong>de</strong> e avaliar os resultados, quanto à eficácia<br />

e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entida<strong>de</strong>s<br />

da administração fe<strong>de</strong>ral, bem como da aplicação <strong>de</strong> recursos públicos por entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> privado (CF, art. 74, II).1<br />

Da mesma forma, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça reconhecia a existência do princípio<br />

da eficiência como um dos regentes da administração, afirmando que “a Administração<br />

Pública é regida por vários princípios: legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong> e publicida<strong>de</strong><br />

(Const. art. 37). Outros também evi<strong>de</strong>nciam-se na Carta Política. Dentre eles, o<br />

princípio da eficiência. A ativida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong>ve orientar-se para alcançar resultado<br />

<strong>de</strong> interesse público”.12<br />

Dessa forma, a EC 19/98, seguindo os passos <strong>de</strong> algumas legislações estrangeiras,<br />

no sentido <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r garantir maior qualida<strong>de</strong> na ativida<strong>de</strong> pública e na prestação<br />

dos serviços públicos, passou a proclamar que a administração pública direta, indireta<br />

ou fundacional, <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />

Municípios, <strong>de</strong>verá obe<strong>de</strong>cer, além dos tradicionais princípios <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>,<br />

moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>, também ao princípio da eficiência.<br />

2.5.2 Princípio da eficiência e <strong>direito</strong> comparado<br />

A Constituição Espanhola, promulgada em 27-12-1978, prevê expressamente, em<br />

seu art. 103, o princípio da eficácia, ao consagrar que “A administração pública serve<br />

com objetivida<strong>de</strong> aos interesses gerais e atua <strong>de</strong> acordo com os princípios <strong>de</strong> eficácia,<br />

hierarquia, <strong>de</strong>scentralização, <strong>de</strong>sconcentração e coor<strong>de</strong>nação, com obediência plena à<br />

lei e ao Direito.”3<br />

Igualmente, a Constituição da República das Filipinas, <strong>de</strong> 15-10-1986, prevê em seu<br />

art. IX, B, seção 3, que “A Comissão do Serviço Público, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgão central<br />

1 Em sentido contrário, criticando a adoção do princípio da eficiência, M aurício Ribeiro Lopes afirm a que<br />

“inicialmente cabe referir que e fic iê n c ia , ao contrário do que são capazes <strong>de</strong> supor os próceres do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

fe<strong>de</strong>ral, jam ais s e r á p r i n c í p i o da Administração Pública, mas sempre terá sido - salvo se <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser em<br />

recente gestão política - f i n a l i d a d e da mesma Administração Pública” ( C o m e n t á r io s à r e f o r m a a d m in is tr a tiv a .<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 108).<br />

2 STJ - 6a T. - RMS n° 5.590/95-DF - Rei. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 10 jun.<br />

1996, p. 20.395. Em outras oportunida<strong>de</strong>s, a jurisprudência já se manifestara à respeito da existência do p r in c íp io<br />

o u o b je t iv o d a e f ic iê n c ia na administração pública: STJ - 6a T. - RMS n° 5.590/95-DF - Rei. Min. Luiz Vicente<br />

Cernicchiaro, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,10 jun. 1996, p. 20.395; STJ - I a T. - RMS n° 7.730/96-RS - Rei. Min.<br />

José Delgado, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 27 out. 1997, p. 54.720; STJ - I a T. - RMS n° 628-0/RS - Rei. Min.<br />

M ilton Luiz Pereira. D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,18 out. 1993 - E m e n t á r i o STJ, 8/13; STJ - 5a T. - n° 1.912-3/MG<br />

- Rei. Min. Jesus Costa Lima, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,14 nov. 1994 - E m e n t á r io STJ 11/43; S T J - 6a T. - RMS<br />

n° 5.306-7/ES - Rei. Min. V icente Leal, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 4 nov. 1996 - E m e n t á r io STJ 17/51.<br />

3 C o n s t it u c ió n e s p a n o la . Barcelona: Rio Nuevo, 1990.


346 Direito Constitucional • Moraes<br />

do Governo encarregado do funcionalismo público, estabelecerá um plano <strong>de</strong> carreira e<br />

adotará medidas <strong>de</strong>stinadas a promover a disposição <strong>de</strong> ânimo, a eficiência, a integrida<strong>de</strong>,<br />

a pronta colaboração, o dinamismo e a cortesia no serviço público”, e em seu art. XI,<br />

Seção 1, que “O serviço público é um compromisso com a causa pública. Os servidores<br />

públicos <strong>de</strong>verão estar sempre prontos a prestar contas ao povo, servi-lo da forma mais<br />

responsável, integra, leal e eficiente possível.”1<br />

A Constituição da República do Suriname, <strong>de</strong> 31-10-1987, estabelece, em seu art.<br />

122, competir ao Conselho <strong>de</strong> Ministros “preparar e executar uma política eficiente”.12<br />

Note-se que apesar da inexistência expressa do princípio da eficiência, <strong>de</strong>ntre os princípios<br />

fundamentais da Administração Pública, a Constituição portuguesa3 consagra em<br />

seu art. 267 (“AAdministração Pública será estruturada <strong>de</strong> modo a evitar a burocratização,<br />

a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua<br />

gestão efectiva, <strong>de</strong>signadamente por intermédio <strong>de</strong> associações públicas, organizações <strong>de</strong><br />

moradores e outras formas <strong>de</strong> representação <strong>de</strong>mocrática”) a estrutura da Administração,<br />

cujos objetivos assemelham-se integralmente àqueles inerentes ao princípio da eficiência.<br />

Ao comentarem esse artigo da Constituição da República Portuguesa, Canotilho e<br />

Moreira salientam que “aqueles princípios <strong>de</strong>vem ser conjugados com o princípio da boa<br />

administração (ou princípio do bom andamento da administração), que exige o exercício<br />

da função administrativa <strong>de</strong> forma eficiente e congruente”.4<br />

Percebe-se, também, na Constituição da República <strong>de</strong> Cuba, <strong>de</strong> 24-2-1976, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

eficiência <strong>de</strong>ntro dos princípios <strong>de</strong> organização e funcionamento dos órgãos estatais, ao se<br />

proclamar no art. 66, c, que “cada órgão estatal <strong>de</strong>senvolve amplamente, <strong>de</strong>ntro dos limites<br />

<strong>de</strong> sua competência, a iniciativa dirigida ao aproveitamento dos recursos e possibilida<strong>de</strong>s<br />

locais e à incorporação das organizações sociais e <strong>de</strong> massa a sua ativida<strong>de</strong>”.5<br />

No Direito Constitucional estadual, po<strong>de</strong>mos citar a Constituição do Estado do Tocantins<br />

que prevê em seu art. 9o serem princípios da Administração Pública: legalida<strong>de</strong>,<br />

impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>, razoabilida<strong>de</strong> e eficiência; e o art. 19 da Constituição<br />

do Estado <strong>de</strong> Rondônia que <strong>de</strong>termina incumbir ao Po<strong>de</strong>r Público assegurar, na<br />

prestação direta ou indireta dos serviços públicos, a efetivida<strong>de</strong> dos requisitos, entre<br />

outros, <strong>de</strong> eficiência, segurança, continuida<strong>de</strong> dos serviços públicos.<br />

2 .5 .3 C o n c e ito<br />

A ativida<strong>de</strong> estatal produz <strong>de</strong> modo direto ou indireto consequências jurídicas que<br />

instituem, reciprocamente, <strong>direito</strong> ou prerrogativas, <strong>de</strong>veres ou obrigações para a popula­<br />

1 C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s . Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 6, p. 120 e 136.<br />

2 C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s . Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 6, p. 224.<br />

3 CRP (quarta revisão/1997), art. 266 - 2: Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição<br />

e à lei e <strong>de</strong>vem actuar, no ex ercid o <strong>de</strong> suas funções, com respeito pelos princípios da igualda<strong>de</strong>, da<br />

proporcionalida<strong>de</strong>, da justiça, da im parcialida<strong>de</strong> e da boa-fé (Constituição da r e p ú b lic a p o r t u g u e s a . Lisboa:<br />

Q u id Juris, 1997).<br />

4 CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, VitaL C o n s t it u iç ã o ... Op. cit. p. 928.<br />

5 C o n s t it u iç ã o d a r e p ú b lic a d e C u b a . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Edições Trabalhistas, 1987.


Administração Pública 347<br />

ção, traduzindo uma relação jurídica entre a Administração e os administrados. Portanto,<br />

existirão <strong>direito</strong>s e obrigações recíprocos entre o Estado-administração e o indivíduo-<br />

-administrado e, consequentemente, esse, no exercício <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s subjetivos, po<strong>de</strong>rá<br />

exigir da Administração Pública o cumprimento <strong>de</strong> suas obrigações da forma mais eficiente<br />

possível. Como salienta Roberto Dromi, o reconhecimento <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s subjetivos públicos<br />

não significa que o indivíduo exerça um po<strong>de</strong>r sobre o Estado, nem que tenha parte do<br />

imperium jurídico, mas que possui esses <strong>direito</strong>s como correlatos <strong>de</strong> uma obrigação do<br />

Estado em respeitar o or<strong>de</strong>namento jurídico.1<br />

O administrador público precisa ser eficiente, ou seja, <strong>de</strong>ve ser aquele que produz o<br />

efeito <strong>de</strong>sejado, que dá bom resultado, exercendo suas ativida<strong>de</strong>s sob o manto da igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> todos perante a lei, velando pela objetivida<strong>de</strong> e imparcialida<strong>de</strong>.12<br />

Assim, princípio da eficiência3 é aquele que impõe à Administração Pública direta e<br />

indireta4 e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício <strong>de</strong> suas<br />

competências <strong>de</strong> forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia<br />

e sempre em busca da qualida<strong>de</strong>, primando pela adoção dos critérios legais e morais<br />

necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, <strong>de</strong> maneira a evitar-<br />

-se <strong>de</strong>sperdícios e garantir-se uma maior rentabilida<strong>de</strong> social. Note-se que não se trata da<br />

consagração da tecnocracia, muito pelo contrário, o princípio da eficiência dirige-se para a<br />

razão e fim maior do Estado, a prestação dos serviços sociais essenciais à população, visan<br />

do a adoção <strong>de</strong> todos os meios legais e morais possíveis para satisfação do bem comum.5<br />

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que o princípio da eficiência “impõe ao agente<br />

público um modo <strong>de</strong> atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que<br />

cabem ao Estado alcançar”, advertindo, porém, que “a eficiência é princípio que se soma<br />

aos <strong>de</strong>mais princípios impostos à Administração, não po<strong>de</strong>ndo sobrepor-se a nenhum<br />

<strong>de</strong>les, especialmente ao da legalida<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> sérios riscos à segurança jurídica e ao<br />

próprio Estado <strong>de</strong> Direito”.6<br />

1 DROMI, José Roberto. D e r e c h o a d m in is t r a t iv o . 6. ed. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1997. p. 464.<br />

2 Note-se que, nesse sentido, a Lei Fundamental da Suécia, em seu art. 9°, prevê que “Os tribunais e as autorida<strong>de</strong>s<br />

públicas, além <strong>de</strong> outros executores <strong>de</strong> funções no âmbito da administração pública, <strong>de</strong>verão observar em<br />

suas ativida<strong>de</strong>s a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos perante a lei e manter-se objetivos e imparciais” (C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s .<br />

Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1987, v. 4, p. 121).<br />

3 Cláudia Fernanda <strong>de</strong> Oliveira Pereira critica a inclusão d o p r in c íp io d a e fic iê n c ia , afirm ando que a substituição<br />

do p r i n c í p i o d a q u a lid a d e d o s e r v iç o p ú b lic o , aprovado no 2a turno da Câmara dos Deputados, “parece não ter<br />

sido a melhor escolha, já que esta tem sentido bem mais restrito que aquela” (R e f o r m a a d m in is t r a t iv a : o Estado,<br />

o serviço público e o servidor. Brasília: Brasília Jurídica, 1998, p. 157).<br />

4 Administração pública, n a <strong>de</strong>finição d e Marcello Caetano, é “o conjunto d e pessoas jurídicas, cuja vonta<strong>de</strong><br />

se exprim e mediante órgãos e cuja ativida<strong>de</strong> se processa através <strong>de</strong> serviços” (P r in c íp io s f u n d a m e n t a is d o d ir e it o<br />

a d m in is t r a t iv o . Coimbra: Almedina, 1996. p. 63).<br />

5 Canotilho e Moreira, igualmente, fazem essa advertência, afirm ando que “ não se trata <strong>de</strong> uma perspectiva<br />

meramente tecnocrática, pois, como resulta do princípio da gestão participativa, à Constituição interessam não<br />

apenas os meios tecnológicos <strong>de</strong> organização, mas também as condicionantes sócio-políticas em que se m ove a<br />

Administração pública” (Constituição... Op. cit. p. 931).<br />

6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. D i r e i t o a d m in is t r a t iv o . 10. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 73-74.


348 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se a interligação do princípio da eficiência com os princípios da razoabilida<strong>de</strong><br />

e da moralida<strong>de</strong>,1pois o administrador <strong>de</strong>ve utilizar-se <strong>de</strong> critérios razoáveis na<br />

realização <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> discricionária e, como salientado por Diogo <strong>de</strong> Figueiredo,<br />

<strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar como imoralida<strong>de</strong> administrativa ineficiência grosseira da ação da<br />

administração pública.12<br />

A Mensagem Presi<strong>de</strong>ncial n°- 886/95, convertida em Proposta <strong>de</strong> Emenda Constitucional<br />

na 173/95 e, posteriormente, aprovada como Emenda Constitucional na 19, trazia<br />

em sua exposição <strong>de</strong> motivos suas pretensões, <strong>de</strong>ntre elas “incorporar a dimensão <strong>de</strong> eficiência<br />

na administração pública: o aparelho <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong>verá se revelar apto a gerar mais<br />

benefícios, na forma <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços à socieda<strong>de</strong>, com os recursos disponíveis, em<br />

respeito ao cidadão contribuinte” e “enfatizar a qualida<strong>de</strong> e o <strong>de</strong>sempenho nos serviços<br />

públicos: a assimilação, pelo serviço público, da centralida<strong>de</strong> do cidadão e da importância<br />

da contínua superação <strong>de</strong> metas <strong>de</strong>sempenhadas, conjugada com a retirada <strong>de</strong> controles<br />

e obstruções legais <strong>de</strong>snecessários, repercutirá na melhoria dos serviços públicos”.3<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do bem comum enquanto finalida<strong>de</strong> básica da atuação da administração<br />

pública <strong>de</strong>corre da própria razão <strong>de</strong> existência do Estado e está prevista implicitamente<br />

em todos os or<strong>de</strong>namentos jurídicos. Exemplificativamente, po<strong>de</strong>riamos citar como previsões<br />

expressas o art. 19 da Constituição da Noruega, estabelecida em 17-5-1814, com as<br />

alterações até 5-5-1980, em que se verifica que o Rei velará pela utilização e administração<br />

das proprieda<strong>de</strong>s e prerrogativas do Estado conforme convenha ao bem comum,4 e o art.<br />

100 da Constituição Política da República do Chile, em que a administração superior <strong>de</strong><br />

cada região terá por objetivo o <strong>de</strong>senvolvimento social, cultural e econômico da região.5<br />

Buscando a eficiência no serviço público realizado, a Emenda Constitucional na<br />

19/98 alterou a redação do art. 241, permitindo que a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e os Municípios disciplinem por meio <strong>de</strong> lei os consórcios públicos e os convênios <strong>de</strong><br />

cooperação entre os entes fe<strong>de</strong>rados, autorizando a gestão associada <strong>de</strong> serviços públicos,<br />

bem como a transferência total ou parcial <strong>de</strong> encargos, serviços, pessoal e bens essenciais<br />

à continuida<strong>de</strong> dos serviços transferidos.<br />

2 .5 .4 C a r a c t e r ís t ic a s d o p rin c íp io da e fic iê n c ia<br />

O princípio da eficiência compõe-se, portanto, das seguintes características básicas:<br />

direcionamento da ativida<strong>de</strong> e dos serviços públicos à efetivida<strong>de</strong> do bem comum, impar­<br />

1 Po<strong>de</strong>ria-se recorrer a lição <strong>de</strong> Tércio Sampaio Ferraz Jr., que ao analisar as novas funções da administração<br />

pública afirm a que “o fundamento ético <strong>de</strong>ssa administração intervencionista não é mais a s it t lic h e G e s e tz m ü s -<br />

s ig k e it, n o sentido <strong>de</strong> uma ética <strong>de</strong> convicção, mas a moral da conveniência e da a<strong>de</strong>quação, no sentido <strong>de</strong> um<br />

ética <strong>de</strong> resultados” (Ética administrativa num país em <strong>de</strong>senvolvim ento. C a d e r n o s d e D i r e i t o C o n s t it u c io n a l e<br />

C iê n c ia P o lít ic a n“ 22, p. 38).<br />

2 M OREIRA NETO, Diogo <strong>de</strong> Figueiredo. C u rs o d e d ir e ito a d m in is t r a t iv o . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1995. p. 70.<br />

3 Essa finalida<strong>de</strong> não parece afastar-se muito do princípio da boa administração ou do mérito, previsto implicitamente<br />

pela Constituição portuguesa (Cf. TAVARES, José. A a d m in is t r a ç ã o p ú b lic a e d ir e it o a d m in is t r a t iv o .<br />

Coimbra: Almedina, 1992, p. 45).<br />

4 C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s . Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1987. v. 4 , p. 82.<br />

5 C o n s t it u c io n p o lít ic a d e l a r e p u b lic a d e C h ile . Santiago: Editorial Jurídica a <strong>de</strong>i Chile, 1996.


Administração Pública 3 4 9<br />

cialida<strong>de</strong>, neutralida<strong>de</strong>, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da<br />

população, eficácia, <strong>de</strong>sburocratização e busca da qualida<strong>de</strong>:<br />

• direcionamento da ativida<strong>de</strong> e dos serviços públicos à efetivida<strong>de</strong> do bem comum:<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê no inciso IV do art. 3a que constitui um<br />

dos objetivos fundamentais da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil promover o<br />

bem <strong>de</strong> todos, sem preconceitos <strong>de</strong> origem, raça, sexo, cor, ida<strong>de</strong> e quaisquer<br />

outras formas <strong>de</strong> discriminação. Ressalte-se que ao legislador ordinário e<br />

ao intérprete, em especial às autorida<strong>de</strong>s públicas dos Po<strong>de</strong>res Judiciário,<br />

Executivo e Legislativo e da Instituição do Ministério Público, esse objetivo<br />

fundamental <strong>de</strong>verá servir como vetor <strong>de</strong> interpretação, seja na edição <strong>de</strong> leis<br />

ou atos normativos, seja em suas aplicações. Mesmo antes da promulgação<br />

da EC ne 19/98, a Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo afirmava em seu art.<br />

111 que a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, <strong>de</strong> qualquer<br />

dos po<strong>de</strong>res, <strong>de</strong>verá obe<strong>de</strong>cer ao principio do interesse público. De maneira<br />

semelhante, a Constituição do Estado do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, promulgada aos 3<br />

<strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1989 prevê expressamente em seu art. 19 que a Administração<br />

Pública, direta e indireta <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res do Estado, visa à promoção<br />

do bem comum; enquanto a Constituição do Estado da Bahia, em seu art.<br />

13, estipula <strong>de</strong>stinar-se a Administração Pública à servir a socieda<strong>de</strong> que lhe<br />

custeia.<br />

• imparcialida<strong>de</strong>: como ressalta Maria Teresa <strong>de</strong> Melo Ribeiro, “a afirmação do<br />

princípio da imparcialida<strong>de</strong> na Administração Pública surgiu, historicamente,<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, por um lado, salvaguardar o exercício da função administrativa<br />

e, consequentemente, a prossecução do interesse público da influência <strong>de</strong><br />

interesses alheios ao interesse público em concreto prosseguido, qualquer que<br />

fosse a sua natureza, e, por outro, da interferência in<strong>de</strong>vida, no procedimento<br />

administrativo, em especial, na fase <strong>de</strong>cisória, <strong>de</strong> outros sujeitos ou entida<strong>de</strong>s,<br />

exteriores à Administração Pública”, concluindo que a atuação eficiente da<br />

Administração Pública exige uma atuação imparcial e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e que imparcialida<strong>de</strong><br />

“é in<strong>de</strong>pendência: in<strong>de</strong>pendência perante os interesses privados,<br />

individuais ou <strong>de</strong> grupo; in<strong>de</strong>pendência perante os interesses partidários; in<strong>de</strong>pendência,<br />

por último, perante os concretos interesses políticos do Governo”.1<br />

• neu tralida<strong>de</strong>: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eficiência está ligada à neutralida<strong>de</strong>, no sentido empregado<br />

por João Baptista Machado <strong>de</strong> que “há um outro plano <strong>de</strong> sentido em que<br />

se fala <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> do Estado: o <strong>de</strong> Justiça Nesse sentido o Estado é<br />

neutro se, na resolução <strong>de</strong> qualquer conflito <strong>de</strong> interesse, assume uma posição<br />

valorativa <strong>de</strong> simultânea e igual consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> todos os interesses em presença.<br />

A neutralida<strong>de</strong> não impõe aqui ao Estado atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> abstenção, mas mais<br />

propriamente atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> isenção na valoração <strong>de</strong> interesses em conflito. O<br />

Estado é neutro quando faz vingar a Justiça e estabelece regras do jogo justas”.12<br />

1 RIBEIRO, Maria Teresa <strong>de</strong> M elo. O princípio da imparcialida<strong>de</strong> da administração pública. Coim bra: Almedina,<br />

1996. p. 170.<br />

2 MACHADO, João Baptista. Participação e <strong>de</strong>scentralização: <strong>de</strong>m ocratização e neutralida<strong>de</strong> na Constituição<br />

<strong>de</strong> 1967. Coimbra: Almedina, 1982. p. 145.


350 Direito Constitucional • Moraes<br />

• transparência: <strong>de</strong>ntro da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> eficiência formal da administração pública<br />

encontra-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transparência das ativida<strong>de</strong>s dos órgãos e agentes<br />

públicos.1 O princípio da eficiência da administração pública preten<strong>de</strong> o combate<br />

à ineficiência formal, inclusive com condutas positivas contra a prática<br />

<strong>de</strong> subornos, corrupção e tráfico <strong>de</strong> influência.12 Essa transparência, no intuito<br />

<strong>de</strong> garantir maior eficiência à administração pública,3 <strong>de</strong>ve ser observada na<br />

indicação, nomeação e manutenção <strong>de</strong> cargos e funções públicas, exigindo-se,<br />

portanto, a observância tão somente <strong>de</strong> fatores objetivos como mérito funcional<br />

e competência,4 vislumbrando-se a eficiência da prestação <strong>de</strong> serviços,5 e,<br />

consequentemente, afastando-se qualquer favorecimento ou discriminação.<br />

• participação e aproximação dos serviços públicos da população: <strong>de</strong>verá existir<br />

participação e aproximação dos serviços públicos da população dos interessados<br />

na gestão efetiva dos serviços administrativos, <strong>de</strong> acordo com o princípio da<br />

gestão participativa, como verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>smembramento do princípio da soberania<br />

popular e da <strong>de</strong>mocracia representativa, previstos no parágrafo único do<br />

art. I a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois como salientam Canotilho e Moreira, esse<br />

requisito “assume aqui um claro e concreto valor jurídico-<strong>constitucional</strong>, que<br />

se traduz fundamentalmente no seguinte: intervenção nos órgãos <strong>de</strong> gestão dos<br />

serviços não apenas <strong>de</strong> profissionais burocratas, mas também <strong>de</strong> representantes<br />

das comunida<strong>de</strong>s em que os serviços estão inseridos (cogestão <strong>de</strong> serviços<br />

administrativos).6 Não <strong>de</strong>vemos nos esquecer, porém, da advertência <strong>de</strong> Paulo<br />

Otero, para quem “uma excessiva participação e aproximação dos serviços<br />

1 Nesse sen tid o a C onstitu ição da República das Filipinas, <strong>de</strong> 15-10 1986: “ Seção 2 8 . O Estado, observadas<br />

condições razo áv eis d eterm in ad as por lei, adota e implementa uma política <strong>de</strong> plena transparência em relação a<br />

todas as suas tran saçõ es que envolvam o interesse público” (C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s . Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

1988, v. 6, p. 74).<br />

2 Nesse sentido a Constituição da República das Filipinas, <strong>de</strong> 15-10-1986: “ Seção 27. O Estado manterá a<br />

honestida<strong>de</strong> e a integrida<strong>de</strong> no serviço público e tom ará medidas positivas e eficazes contra o suborno e a<br />

corrupção” (.C o n s titu iç õ e s e s tra n g e ira s . Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 6, p. 73).<br />

3 Reconheceu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que ao Estado cabe o po<strong>de</strong>r in<strong>de</strong>clinável <strong>de</strong> regulam entar e<br />

controlar os serviços públicos, exigindo sempre sua atualização e eficiência, <strong>de</strong> par com o exato cumprimento<br />

das condições impostas para sua prestação ao público (STJ - 1 * T. - RMS n° 7 .730/96-RS - Rei. Min. José Delgado,<br />

D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 27 out. 1997, p. 54.720). Da mesma maneira, afirm ou o Tribunal <strong>de</strong> Justiçado<br />

Espírito Santo que “atenta-se, ainda, para a circunstância <strong>de</strong> que habilitado ao concurso público, o impetrante<br />

aceitou as condições impostas no edital. Desse modo, fica autorizada a Administração a prescrever requisitos,<br />

exigências e pontuação que enten<strong>de</strong>r conveniente, com o condições <strong>de</strong> eficiência, moralida<strong>de</strong> e aperfeiçoam ento<br />

do serviço público, ou seja, a bem do interesse público” (M S nu 950001014 - Rei. Des. M aurilio Alm eida <strong>de</strong><br />

Abreu, <strong>de</strong>cisão: 10 out. 1996).<br />

4 Nesse sentido, o art. 9° do Capítulo 11 da Lei Fundamental da Suécia (C o n s t it u iç õ e s estrangeiras. Brasília:<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1987. v. 4, p. 161).<br />

5 O Superior Tribunal d e Justiça já entendia a eficiência com o objetivo precípuo da Administração n o preenchimento<br />

<strong>de</strong> cargos públicos: “Servidora pública em estágio probatório po<strong>de</strong> ser dispensada por não convir à<br />

Administração a sua permanência, após ter sido apurado em sindicância regular, com a ampla <strong>de</strong>fesa assegurada,<br />

que praticou atos incom patíveis com a função do cargo em que se encontrava investida. O estágio tem por<br />

escopo verificar se a pessoa habilitada no concurso preenche os requisitos legais exigidos, sua idoneida<strong>de</strong> moral,<br />

a disciplina, a e f ic iê n c ia , a aptidão, a assiduida<strong>de</strong>” (STJ - 5a T. - RMS n- 1.912-3/MG - Rei. Min. Jesus Costa<br />

Lima, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,14 nov. 1 99 4 - E m e n t á r i o S T J 11/43).<br />

6 C o n s t it u iç ã o ... Op. cit. p. 927.


Administração Pública 3 5 1<br />

públicos da população colectiva dos cidadãos na Administração po<strong>de</strong> <strong>de</strong>slocar<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão para grupos <strong>de</strong> interesse fortes, com <strong>de</strong>svalorização prática<br />

dos grupos <strong>de</strong> fraco po<strong>de</strong>r associativo e mesmo conduzir as formas não <strong>de</strong>mocráticas<br />

<strong>de</strong> comportamento”.1A Emenda Constitucional n° 19/98 trouxe na<br />

nova redação do § 3a do art. 37 a previsão <strong>de</strong> que a lei disciplinará as formas <strong>de</strong><br />

participação do usuário na administração pública direta e indireta.<br />

• eficácia: a eficácia material da administração se traduz no adimplemento <strong>de</strong><br />

suas competências ordinárias e na execução e cumprimento dos entes administrativos<br />

dos objetivos que lhes são próprios, enquanto a eficácia formal da<br />

administração é a que se verifica no curso <strong>de</strong> um procedimento administrativo,<br />

ante a obrigatorieda<strong>de</strong> do impulso ou resposta do ente administrativo a uma<br />

petição formulada por um dos administrados.12 Assim, <strong>de</strong>verá a lei, como nos<br />

ensina Tomás-Ramón Fernán<strong>de</strong>z, conce<strong>de</strong>r à administração - nos limites casuisticamente<br />

permitidos pela Constituição - tanta liberda<strong>de</strong> quanto necessite<br />

para o eficaz cumprimento <strong>de</strong> suas complexas tarefas.3<br />

• <strong>de</strong>sburocratização: uma das características básicas do princípio da eficiência<br />

é evitar a burocratização da administração pública, no sentido apontado<br />

por Canotilho e Moreira, <strong>de</strong> “burocracia administrativa, consi<strong>de</strong>rada como<br />

entida<strong>de</strong> substancial, impessoal e hierarquizada, com interesses próprios,<br />

alheios à legitimação <strong>de</strong>mocrática, divorciados dos interesses da população,<br />

geradora dos vícios imanentes às estruturas burocráticas, como mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

especialistas, rotina e <strong>de</strong>mora na resolução dos assuntos dos cidadãos, compadrio<br />

na selecção <strong>de</strong> pessoal”.4<br />

• busca da qualida<strong>de</strong>: ressalte-se a <strong>de</strong>finição dada pela Secretaria Geral da Presidência,<br />

<strong>de</strong> que “qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviço público é, antes <strong>de</strong> tudo, qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um<br />

serviço, sem distinção se prestado por instituição <strong>de</strong> caráter público ou privado;<br />

busca-se a otimização dos resultados pela aplicação <strong>de</strong> certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

recursos e esforços, incluída, no resultado a ser otimizado, primordialmente,<br />

a satisfação proporcionada ao consumidor, cliente ou usuário. (...) Outra característica<br />

básica da qualida<strong>de</strong> total é a melhoria permanente, ou seja, no dia<br />

seguinte, a qualida<strong>de</strong> será ainda melhor”.5 Estabeleceu o art. 27 da EC 19/98<br />

que o Congresso Nacional, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 120 dias <strong>de</strong> sua promulgação, elaborará<br />

lei <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do usuário <strong>de</strong> serviços públicos. Na esteira <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia, a Emenda<br />

Constitucional na 19/98 proclamou, ainda, que lei da União, dos Estados, do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios disciplinarão a aplicação <strong>de</strong> recursos orçamentários<br />

provenientes da economia com <strong>de</strong>spesas correntes em cada órgão,<br />

1 OTERO, Paulo. C o n c e ito e f u n d a m e n t o d a h ie r a r q u ia a d m in is tr a tiv a . Coimbra: Coimbra Editora, 1992. p. 268.<br />

2 Conferir a respeito: VITA, Eduardo Coca. Revisión jurisdiccional <strong>de</strong> la inactividad material <strong>de</strong> ia administración.<br />

R e v is ta E s p a n h o la d e D e r e c h o A d m in is t r a t iv o , Madri, nD17, p. 290; JACAS, Joaquin Ferret. E l c o n t r o l<br />

ju r is d ic c io n a l d e la in a c t iv id a d a d m in is t r a t iv a . Barcelona: Escuela <strong>de</strong> administración pública, 1985. p. 75.<br />

3 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. A r b it r a r ie d a d y d is c r e c io n a lid a d . Madri: Civitas, 1991, p. 117.<br />

4 CANOTILHO, J. J. Gomes, MOREIRA, Vital. C o n s t it u iç ã o ... O p . cit. p. 927.<br />

5 D efinição constante na Portaria n° 05, <strong>de</strong> 14-11-1991, do presi<strong>de</strong>nte do Comitê Nacional da Qualida<strong>de</strong> e<br />

Produtivida<strong>de</strong>, secretário geral da Presidência da República.


3 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

autarquia e fundação, para aplicação no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />

qualida<strong>de</strong> e produtivida<strong>de</strong>, treinamento e <strong>de</strong>senvolvimento, mo<strong>de</strong>rnização,<br />

reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma <strong>de</strong><br />

adicional <strong>de</strong> prêmio <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong>.<br />

2.5.5 Aplicabilida<strong>de</strong> e fiscalização<br />

A Emenda Constitucional na 19/98 não só introduziu expressamente na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral o princípio da eficiência, como também trouxe alterações no sentido <strong>de</strong> garantir-<br />

-lhe plena aplicabilida<strong>de</strong> e efetivida<strong>de</strong>.<br />

Assim, estabeleceu nova redação ao § 3a do art. 37, que prevê que a lei disciplinará as<br />

formas <strong>de</strong> participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando<br />

especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas<br />

a manutenção <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> atendimento ao usuário e a avaliação periódica,<br />

externa e interna, da qualida<strong>de</strong> dos serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos<br />

e a informações sobre atos <strong>de</strong> governo, observado o disposto no art. 5°, X e XXXIII; e<br />

a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo <strong>de</strong> cargo, emprego<br />

ou função na administração pública.<br />

No § 2a do art. 39, a Emenda Constitucional na 19/98 passou a estabelecer que a<br />

União, os Estados e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral manterão escolas <strong>de</strong> governo para a formação e o<br />

aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um<br />

dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração <strong>de</strong> convênios<br />

ou contratos entre os entes fe<strong>de</strong>rados; enquanto, no § 4a do art. 41, previu-se como<br />

condição obrigatória para a aquisição da estabilida<strong>de</strong> a avaliação especial <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

por comissão instituída para essa finalida<strong>de</strong>. Apesar da inexistência <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong> dos Municípios instituírem e manterem escolas <strong>de</strong> governo, nos mol<strong>de</strong>s<br />

já citados, nada impe<strong>de</strong> que legislativamente adiram à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> aumentar a eficiência da<br />

administração pública.<br />

Por fim, o princípio da eficiência veio reforçado pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perda do cargo<br />

pelo servidor público, mediante procedimento <strong>de</strong> avaliação periódica <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, na<br />

forma <strong>de</strong> lei complementar, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

Lembremo-nos <strong>de</strong> que o princípio da eficiência, enquanto norma <strong>constitucional</strong>,<br />

apresenta-se como o contexto necessário para todas as leis, atos normativos e condutas<br />

positivas ou omissivas do Po<strong>de</strong>r Público,1servindo <strong>de</strong> fonte para a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> qualquer manifestação da Administração contrária a sua plena e total<br />

aplicabilida<strong>de</strong>.12<br />

Importante salientar que a proclamação <strong>constitucional</strong> do princípio da eficiência preten<strong>de</strong><br />

solucionar, principalmente, o clássico <strong>de</strong>feito da administração pública na prestação<br />

dos serviços públicos e do Po<strong>de</strong>r Judiciário em analisar a eficiência da administração.3<br />

1 Alexan<strong>de</strong>r Hamilton, in T h e f e d e r a lis t, <strong>de</strong>nominava essa supremacia <strong>constitucional</strong> como s u p e r io r o b lig a t io n<br />

a n d v a lid it y ( “vinculação mais forte” ).<br />

2 Cf. nesse sentido: QUEIROZ, Cristina M. M. O s a c t o s p o lít ic o s n o e s ta d o d e d ir e it o . Coimbra: Almedina, 1990.<br />

p. 201.<br />

3 Tal dificulda<strong>de</strong>, que a nosso ver não mais se justifica em virtu<strong>de</strong> da alteração <strong>constitucional</strong>, verifica-se na<br />

seguinte <strong>de</strong>cisão do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “ Restrito ao exame da legalida<strong>de</strong> do ato, não é permitida a<br />

perquirição judicial sobre a conveniência, oportunida<strong>de</strong>, eficiência ou justiça do ato, nessas hipóteses, emitindo-se


Administração Pública 353<br />

Guido Santiago Tawil adverte para a gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Judiciário em colmatar a<br />

omissão administrativa na prestação <strong>de</strong> serviços públicos, observando a tendência ineficaz<br />

dos tribunais argentinos em substituir a inércia da administração por uma con<strong>de</strong>nação a<br />

pagamento <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização, pois, como afirma o citado autor, “quem acu<strong>de</strong> ante os Tribunais<br />

para conseguir que a administração implemente sua moradia <strong>de</strong> energia elétrica, gás<br />

ou água corrente, pouco estaria interessado em in<strong>de</strong>nização em dinheiro. Persegue, pelo<br />

contrário, ter luz e calefação, possibilida<strong>de</strong>s que não constituem luxo, mas sim serviços<br />

essenciais <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rna”.1<br />

O princípio da eficiência vem reforçar a possibilida<strong>de</strong> do Ministério Público,*12 com<br />

base em sua função <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> zelar pelo efetivo respeito dos po<strong>de</strong>res públicos e<br />

dos serviços <strong>de</strong> relevância pública aos <strong>direito</strong>s assegurados nesta Constituição, promover<br />

as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, a sua garantia (CF, art. 129, II).3<br />

Vislumbra-se, portanto, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa nova ótica <strong>constitucional</strong>, um reforço à plena<br />

possibilida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Judiciário (CF, art. 5a, XXXV), em <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

e serviços essenciais previstos pela Carta Magna, garantir a eficiência dos serviços presta<br />

dos pela Administração Pública, inclusive responsabilizando as autorida<strong>de</strong>s omissas, pois,<br />

conforme salienta Alejandro Nieto, analisando a realida<strong>de</strong> espanhola, quando o cidadão<br />

se sente maltratado pela inativida<strong>de</strong> da administração e não tem um remédio jurídico<br />

para socorrer-se, irá acudir-se inevitavelmente <strong>de</strong> pressões políticas, corrupção, tráfico <strong>de</strong><br />

influência, violências individual e institucionalizada, acabando por gerar intranquilida<strong>de</strong><br />

social, questionando-se a própria utilida<strong>de</strong> do Estado.4<br />

3 PRECEITOS DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DA<br />

UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em seu art. 37, prevê os princípios gerais da administração<br />

pública: legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong> e eficiência. Além disso<br />

<strong>de</strong>termina que todos os entes fe<strong>de</strong>rativos respeitem alguns preceitos genéricos.<br />

Em relação ao regime jurídico único dos servidores públicos, importante ressaltar, que<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u liminarmente a vigência do caput do art. 39 do<br />

manifestação <strong>de</strong> administração e não <strong>de</strong> jurisdição reservada ao Po<strong>de</strong>r Judiciário” (S T J - I a T. - RMS n2 628-0/<br />

RS - Rei. Min. Milton Luiz Pereira, Diário da Justiça, Seção 1 ,18 out. 1993).<br />

1 TAWIL, Guido Santiago. Administrado nyjusticia. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 306.<br />

2 Essa previsão implícita do princípio da eficiência, <strong>de</strong>corrente da existência <strong>de</strong> órgãos fiscalizadores da ativida<strong>de</strong><br />

administrativa, como o Ministério Público na Constituição brasileira, também é indicada na Constituição<br />

da República da Coréia, <strong>de</strong> 12-9-1948, emendada em outubro <strong>de</strong> 1987, que em seu art. 97 prevê a existência<br />

<strong>de</strong> uma Junta <strong>de</strong> Auditoria e Inspeção que avaliará o <strong>de</strong>sempenho dos órgãos executivos e autorida<strong>de</strong>s públicas<br />

(Constituições estrangeiras. Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1988. v. 6, p. 45).<br />

3 Ressalte-se que função semelhante possui o ombudsman sueco, quando o art. 6Qdo Capítulo 12 da Lei Fundamental<br />

Sueca prevê que “ O Riksdag elegerá um ou mais <strong>de</strong> um ombudsman para o fim <strong>de</strong> supervisionar, conform e<br />

instruções <strong>de</strong>terminadas pelo Riksdag, a aplicação das leis e <strong>de</strong> outras normas do serviço público (Constituições<br />

estrangeiras. Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1987. v. 4, p 160).<br />

4 NIETO, Alejandro. La inactividad material <strong>de</strong> la administración: veintecinco anos <strong>de</strong>spués. Documentación<br />

Administrativa. Madri, nQ208, p. 16,1986.


3 5 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

texto <strong>constitucional</strong>, com a redação dada pela EC 19/98, repristinando, ainda que não<br />

<strong>de</strong>finitivamente, sua redação original, salientando, porém, que “a <strong>de</strong>cisão terá efeitos ex<br />

nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda <strong>de</strong>clarada suspensa” .1<br />

Dessa forma, a administração pública direta, indireta ou fundacional, <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, obe<strong>de</strong>cerá aos<br />

seguintes preceitos:12<br />

• os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham<br />

os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma<br />

da lei;3<br />

• a investidura em cargo ou emprego público <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação prévia em<br />

concurso público <strong>de</strong> provas ou provas e títulos, <strong>de</strong> acordo com a natureza e<br />

a complexida<strong>de</strong> do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas<br />

as nomeações para cargo em comissão <strong>de</strong>clarado em lei <strong>de</strong> livre nomeação e<br />

exoneração;4<br />

• o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do concurso público será <strong>de</strong> até dois anos, prorrogável uma<br />

vez, por igual período;5<br />

• durante o prazo improrrogável previsto no edital <strong>de</strong> convocação, aquele aprovado<br />

em concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos será convocado com<br />

priorida<strong>de</strong> sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;<br />

• as funções <strong>de</strong> confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes <strong>de</strong><br />

cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores <strong>de</strong><br />

carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, <strong>de</strong>stinamse<br />

apenas às atribuições <strong>de</strong> direção, chefia e assessoramento.6 Observe-se,<br />

porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em relação ao provimento dos cargos<br />

em comissão e das funções <strong>de</strong> confiança - vedou a prática <strong>de</strong> nepotismo no<br />

âmbito dos três Po<strong>de</strong>res,7 editando a Súmula Vinculante 13: “A nomeação <strong>de</strong><br />

cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinida<strong>de</strong>, até<br />

o 3a grau, inclusive, da autorida<strong>de</strong> nomeante ou <strong>de</strong> servidor da mesma pessoa<br />

jurídica, investido em cargo <strong>de</strong> direção, chefia ou assessoramento, para o exercício<br />

<strong>de</strong> cargo em comissão ou <strong>de</strong> confiança, ou, ainda, <strong>de</strong> função gratificada na<br />

Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos<br />

1 STF - Pleno - A D I 2135/DF - medida cautelar - Rei. p/ acórdão Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 2-8-2006. Informativo<br />

STF n5 474.<br />

2 C on ferir os comentários sobre as introduções trazidas em comparação com o texto anterior in MORAES,<br />

Alexandre. Reforma administrativa (EC 19/98). São Paulo: Atlas, 1998.<br />

3 Nova redação dada p ela EC n° 19/98. Conferir: STF - 2a T. - RE 346180 AgR/RS - Rei. Min. Joaquim Barbosa,<br />

<strong>de</strong>cisão: 14-6-2011<br />

4 Nova redação dada pela EC n“ 19/98.<br />

5 Art. 12, Lei nc 8.112/90.<br />

6 Nova redação dada pela EC n5 19/98.<br />

7 Conferir <strong>de</strong>talhado estudo em relação à vedação do nepotism o no âm bito do Po<strong>de</strong>r Judiciário em artigo<br />

presente no CD-ROM em anexo.


Administ ração Pública 3 5 5<br />

Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante<br />

<strong>de</strong>signações recíprocas, viola a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.”1O STF somente excluiu<br />

da incidência da citada súmula, a nomeação <strong>de</strong> parentes para cargos políticos<br />

(Ministros, Secretários <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> Municípios).12<br />

• é garantido ao servidor público civil o <strong>direito</strong> à livre associação sindical;<br />

• o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve será exercido nos termos e nos limites <strong>de</strong>finidos em lei<br />

específica;3<br />

• a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e <strong>de</strong>finirá os critérios <strong>de</strong> sua admissão;<br />

• a lei estabelecerá os casos <strong>de</strong> contratação por tempo <strong>de</strong>terminado para aten<strong>de</strong>r<br />

a necessida<strong>de</strong> temporária <strong>de</strong> excepcional interesse público;<br />

• a remuneração dos servidores públicos e o subsídio <strong>de</strong> que trata o § 4a do art.<br />

39 somente po<strong>de</strong>rão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a<br />

iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na<br />

mesma data e sem distinção <strong>de</strong> índices.4 Observe-se que somente lei ordinária<br />

po<strong>de</strong>rá fixar o teto <strong>de</strong> remuneração bruta do funcionalismo público, sendo incabível<br />

a edição <strong>de</strong> Decreto do Executivo, ou mesmo Resoluções do Legislativo<br />

ou Judiciário, sob pena <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal.5<br />

• a remuneração e o subsídio dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos públicos<br />

da administração direta, autárquicae fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos e os proventos,<br />

pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,<br />

incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não po<strong>de</strong>rão<br />

exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e<br />

nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio<br />

mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público,<br />

aos Procuradores e aos Defensores Públicos.6 Em respeito ao autogoverno dos<br />

1 A edição da Súmula Vinculante 13 ocorreu após o julgam ento do RE 579.951/RN - Rei. Min. Ricardo Le-<br />

wandowski, <strong>de</strong>cisão: 20-8-2008. Foram citados os seguintes prece<strong>de</strong>ntes: ADI 1521/RS (D JU <strong>de</strong> 17-3-2000);<br />

ADC 12 MC/DF (DJU <strong>de</strong> l«-9 -2 0 0 6 ); MS 23.780/MA (DJU <strong>de</strong> 3-3-2005); RE 579.951/RN (j. em 20-8-2008).<br />

2 STF - Pleno - Rcl 6650 MC AgR/PR - Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 16-10-2008.<br />

3 Nova redação dada pela EC n° 19/98.<br />

4 Nova redação dada pela EC n2 19/98.<br />

5 Nesse sentido: FTJ157/460, STF - P le n o -A d in n 2 1.396/SC - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 8jun. 1998<br />

- I n f o r m a t iv o STF n2 114, jun. 1998. O bserve-sequeapesar <strong>de</strong>sses prece<strong>de</strong>ntes referirem-se a antiga redação do<br />

inciso XI do art. 37 da CF, parecem-nos totalm ente aplicáveis na situação atual.<br />

6 Nova redação dada pela EC n2 41/03.


356 Direito Constitucional • Moraes<br />

entes fe<strong>de</strong>rativos, a EC nQ47/05 permitiu a fixação <strong>de</strong> subteto salarial estadual/<br />

distrital, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com edição <strong>de</strong> regra específica nas respectivas Constituições<br />

estaduais ou na Lei Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, § 12, art. 37). Assim, os<br />

estados-membros ou o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão alterar suas respectivas Constituições<br />

estaduais ou sua Lei Orgânica, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único<br />

para todos os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os parlamentares.<br />

Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça;<br />

• para efeitos dos limites estabelecidos no item anterior, a EC na 47/05 (CF, art.<br />

37, § 11), expressamente, excluiu as parcelas <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório previstas<br />

em lei. Trata-se <strong>de</strong> norma autoaplicável, uma vez que a citada emenda <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong>terminou, ainda, como regra <strong>de</strong> transição (art. 4a, EC ne 47/05), a<br />

aplicação <strong>de</strong> toda legislação em vigor, na data da publicação da EC nQ41/03,<br />

<strong>de</strong>finidora <strong>de</strong> parcelas <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório, enquanto o Congresso Nacional<br />

não editar lei específica sobre o assunto;<br />

• os vencimentos dos cargos do Po<strong>de</strong>r Legislativo e do Po<strong>de</strong>r Judiciário não po<strong>de</strong>rão<br />

ser superiores aos pagos pelo Po<strong>de</strong>r Executivo;<br />

• é vedada a vinculação ou equiparação <strong>de</strong> quaisquer espécies remuneratórias<br />

para o efeito <strong>de</strong> remuneração pessoal do serviço público;1<br />

• os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados<br />

nem acumulados, para fins <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> acréscimos ulteriores,12 sob<br />

o mesmo título ou idêntico fundamento; a Constituição em vigor veda o <strong>de</strong>nominado<br />

efeito-repicão, isto é, que uma mesma vantagem seja repetitivamente<br />

computada, alcançando a proibição os proventos da aposentadoria;3<br />

• o subsídio e os vencimentos dos ocupantes <strong>de</strong> cargos e empregos públicos são<br />

irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV <strong>de</strong>ste artigo e nos arts.<br />

39 § 4a, 150, II, 153, III, e 153, § 2a, I;4<br />

• a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> suas áreas<br />

<strong>de</strong> competência e jurisdição, precedência sobre os <strong>de</strong>mais setores administrativos,<br />

na forma da lei;<br />

• somente por lei específica po<strong>de</strong>rá ser criada autarquia e autorizada a instituição<br />

<strong>de</strong> empresa pública, <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista e <strong>de</strong> fundação, cabendo à<br />

lei complementar, neste último caso, <strong>de</strong>finir as áreas <strong>de</strong> atuação;5<br />

• <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização legislativa, em cada caso, a criação <strong>de</strong> subsidiárias<br />

das entida<strong>de</strong>s mencionadas no inciso anterior, assim como a participação <strong>de</strong><br />

qualquer <strong>de</strong>las em empresa privada;<br />

1 N ova redação dada pela EC n° 19/98.<br />

2 Nova redação da da pela EC n° 19/98.<br />

3 S T J - 2 aT. -R M S n " 771/ B A -R el. Min. Antonio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro, Diário da Justiça, Seção 1 ,21 out. 1991.<br />

4 Nova redação d a d a p ela E C n“ 19/98.<br />

5 Redação dada pela Emenda Constitucional nD19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu qu e sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.


Administ ração Pública 3 5 7<br />

• ressalvados os casos especificados na legislação, obras, serviços, compras e alienações<br />

serão contratados mediante processo <strong>de</strong> licitação pública que assegure<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam<br />

obrigações <strong>de</strong> pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos<br />

termos da lei, o qual somente permitirá as exigências <strong>de</strong> qualificação técnica e<br />

econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações;<br />

• as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />

Municípios, ativida<strong>de</strong>s essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por<br />

servidores <strong>de</strong> carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização<br />

<strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s e atuarão <strong>de</strong> forma integrada, inclusive com o compartilha<br />

mento <strong>de</strong> cadastros e <strong>de</strong> informações fiscais, na forma da lei ou convênio.1Nos<br />

termos da EC n° 42/03, compete, privativamente, ao Senado Fe<strong>de</strong>ral avaliar<br />

periodicamente a funcionalida<strong>de</strong> do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura<br />

e seus componentes, e o <strong>de</strong>sempenho das administrações tributárias da<br />

União, dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;<br />

• a publicida<strong>de</strong> dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos<br />

públicos <strong>de</strong>verá ter carátereducativo, informativo ou <strong>de</strong> orientação social, <strong>de</strong>la<br />

não po<strong>de</strong>ndo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção<br />

pessoal <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou servidores públicos;<br />

• a lei disciplinará as formas <strong>de</strong> participação do usuário na administração pública<br />

direta e indireta, regulando especialmente: as reclamações relativas a prestação<br />

dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong><br />

atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualida<strong>de</strong><br />

dos serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações<br />

sobre atos <strong>de</strong> governo, observado o disposto no art. 5Q, X e XXXIII; a disciplina<br />

da representação contra o exercício negligente ou abusivo <strong>de</strong> cargo, emprego<br />

ou função na administração pública;<br />

• a lei disporá sobre os requisitos e as restrições ao ocupante <strong>de</strong> cargo ou emprego<br />

da administração direta e indireta que possibilite o acesso a informações<br />

privilegiadas;<br />

• a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entida<strong>de</strong>s da<br />

administração direta e indireta po<strong>de</strong>rá ser ampliada mediante contrato, a ser<br />

firmado entre seus administradores e o po<strong>de</strong>r público, que tenha por objeto a<br />

fixação <strong>de</strong> metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho para o órgão ou entida<strong>de</strong>, cabendo à lei dispor<br />

sobre: o prazo <strong>de</strong> duração do contrato; os controles e critérios <strong>de</strong> avaliação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sempenho, <strong>direito</strong>s, obrigações e responsabilida<strong>de</strong>s dos dirigentes; a remuneração<br />

do pessoal;<br />

• é vedada a acumulação remunerada <strong>de</strong> cargos públicos, exceto quando houver<br />

compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso<br />

XI, do art. 37 (teto remuneratório);12<br />

a. a <strong>de</strong> dois cargos <strong>de</strong> professor;<br />

1 Redação dada pela EC nB42, prom ulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2003 e publicada no D OU <strong>de</strong> 31-12-2003.<br />

2 Nova redação dada pela EC n° 19/98.


3 5 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

b. a <strong>de</strong> um cargo <strong>de</strong> professor com outro, técnico ou científico;<br />

c. a <strong>de</strong> dois cargos ou empregos privativos <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, com<br />

profissões regulamentadas. (EC n° 34/01)<br />

• a proibição <strong>de</strong> acumular esten<strong>de</strong>-se a empregos e funções e abrange autarquias,<br />

fundações, empresas públicas, socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista, suas subsidiárias<br />

e socieda<strong>de</strong>s controladas, direta ou indiretamente, pelo po<strong>de</strong>r público.1<br />

3.1 Fixação do teto salarial do funcionalism o<br />

Conforme a Emenda Constitucional n° 41/03, a remuneração e o subsídio dos ocupantes<br />

<strong>de</strong> cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e<br />

fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos<br />

e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou<br />

não, incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r<br />

o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se<br />

como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o<br />

subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo,12 o subsídio dos Deputados<br />

Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio dos Desembargadores<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento<br />

do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores<br />

e aos Defensores Públicos (CF, art. 37, XI).3<br />

Em respeito, porém, ao autogoverno dos entes fe<strong>de</strong>rativos, a EC n° 47/05 permitiu a<br />

fixação <strong>de</strong> específico subteto salarial estadual/distrital, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com edição <strong>de</strong> emendas<br />

às respectivas Constituições estaduais ou à Lei Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, § 12,<br />

art. 37). Assim, os estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão alterar suas respectivas<br />

legislações, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único para todos os servidores estaduais<br />

ou distritais, exceptuando-se os parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros do STF). Trata-se<br />

<strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> do estado-membro/Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que analisará politicamente a<br />

conveniência e a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar alterações em suas Cartas locais, para esten<strong>de</strong>r<br />

a outras carreiras públicas o que o art. 37, XI, excepcionou somente aos membros do<br />

Ministério Público, aos Procuradores e Defensores Públicos. Não há obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tratamento uniforme por todos os estados-membros, pois na ausência <strong>de</strong> previsão específica<br />

nas respectivas Constituições estaduais/Lei Orgânica permanecerá como subteto<br />

1 Nova redação dada pela EC n“ 19/98.<br />

2 Em relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação dos subsídios <strong>de</strong> Governador e Vice-Governador <strong>de</strong> Estado em parcela<br />

única, conferir: STF - Pleno - AD I n“ 3.771-4/RO - MC - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 10-8-2006.<br />

3 Conferir em relação ao teto salarial: STF - Pleno - MS n° 24875/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão:<br />

11-5-2006, Informativo STF nos 418 e 419. Nesse julgam ento, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por unanimida<strong>de</strong>,<br />

rejeitou o pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das palavras “pessoais ou”, contidas no<br />

inciso XI do art. 37 da Constituição, e da expressão “e da parcela a título <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> serviço”, do artigo 8“ da<br />

Emenda Constitucional n° 41/2003.


Administ ração Pública 3 5 9<br />

salarial estadual/distrital, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, os subsídios do Governador<br />

(CF, art.37, X I).1<br />

O texto do incisoXI, do art. 37 é autoaplicável, pois conforme o art. 8a, dareferidaEC<br />

na 41/03, até que seja fixado o teto remuneratório geral, correspon<strong>de</strong>nte ao valor do subsídio<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, será consi<strong>de</strong>rado, para os fins <strong>de</strong> limite<br />

remuneratório, o valor da maior remuneração atribuída por lei na data da publicação da<br />

emenda <strong>constitucional</strong> a Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a título <strong>de</strong> vencimento,<br />

<strong>de</strong> representação mensal e da parcela recebida em razão <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> serviço.<br />

Dessa forma, <strong>de</strong>cidiu o STF que, enquanto não fosse editada lei sobre o assunto, o<br />

teto salarial seria a maior remuneração concedida aos seus Ministros, correspon<strong>de</strong>nte aos<br />

vencimentos do Ministro-Presi<strong>de</strong>nte, no quantum <strong>de</strong> R$ 19.115,19.12 O Congresso Nacional,<br />

posteriormente, aprovou projeto <strong>de</strong> lei, estabelecendo o subsídio - em parcela única - dos<br />

Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em R$ 21.500,00, até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005,<br />

passando para R$ 24.500,00, a partir <strong>de</strong> I a <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.<br />

A EC na 41/03, portanto, afastou o entendimento da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei<br />

ordinária, <strong>de</strong> iniciativa conjunta do Presi<strong>de</strong>nte da República, dos Presi<strong>de</strong>ntes da Câmara<br />

dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para a<br />

fixação do teto salarial, e, consequentemente, para concessão <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> ao texto<br />

<strong>constitucional</strong>. A citada emenda <strong>constitucional</strong> afastou, também, a própria iniciativa<br />

conjunta para fixação do subsídio <strong>de</strong> Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, dando nova<br />

redação ao inciso XV do art. 48 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3*<br />

Observe-se que esse dispositivo aplica-se às empresas públicas e às socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou dos Municípios para pagamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> pessoal ou <strong>de</strong> custeio<br />

1 Conferir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> subteto no âm bito estadual, mesmo antes <strong>de</strong> expressa previsão <strong>constitucional</strong><br />

fe<strong>de</strong>ral: STF - RE 491.529-4/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,14nov. 2006,<br />

p. 105; STF - RE 472.039-6 / M G -R ei. Min. ErosGrau, Diário da Justiça, Seção I, 14 nov. 2006, p. 101.<br />

2 Ata da Primeira Sessão Administrativa d o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral do Ano <strong>de</strong> 2004, realizada em 5 <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 2004 (Diário da Justiça, Seção 1,17 fev. 2004, p. 1).<br />

3 Em relação à ausência <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> da antiga redação do inciso XI, do art. 37, dada pela EC n a 19/98 e<br />

revogada pela EC na 41/02, conferir Ata da 3S Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> 24-6-98,<br />

no seguinte sentido: “ O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, reunido em Sessão Administrativa, <strong>de</strong>liberou, por 7votosa 4,<br />

vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e lim ar Galvão, que não é autoaplicável<br />

a norma constante do art. 29 da Emenda Constitucional n 19/98, por enten<strong>de</strong>r que essa regra <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, para<br />

efeito <strong>de</strong> sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição <strong>de</strong> lei, pelo Congresso Nacional, lei essa<br />

que <strong>de</strong>verá resultar <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> iniciativa conjunta do Presi<strong>de</strong>nte da República, do Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos<br />

Deputados, do Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. O Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, nessa mesma Sessão Administrativa, enten<strong>de</strong>u que, até que se edite a lei <strong>de</strong>finidora do subsídio mensal<br />

a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, prevalecerão os três (3 ) tetos estabelecidos para os Três<br />

Po<strong>de</strong>res da República, no art. 37, XI, da Constituição, na redação anterior a que lhe fo i dada pela EC na 19/98,<br />

vale dizer: no Po<strong>de</strong>r Executivo da União, o teto correspon<strong>de</strong>rá à remuneração paga a Ministro <strong>de</strong> Estado; no Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo da União, o teto correspon<strong>de</strong>rá à remuneração paga aos Membros do Congresso Nacional; e no Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, o teto correspon<strong>de</strong>rá à remuneração paga, atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. O<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na Sessão Administrativa hoje realizada, <strong>de</strong>clarou que não dispõe <strong>de</strong> competência,<br />

para, mediante ato <strong>de</strong>claratório próprio, <strong>de</strong>finir o valor do subsídio mensal. Essa é matéria expressamente sujeita<br />

a reserva <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> lei em sentido form al.”


3 6 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

em geral (CF, art. 37, § 90). 1As duas Turmas do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já haviam fumado<br />

jurisprudência no sentido <strong>de</strong> que as vantagens <strong>de</strong> caráter pessoal não <strong>de</strong>veríam ser<br />

computadas em virtu<strong>de</strong> do teto original previsto no inciso XI, do art. 37, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral.12 Com a promulgação da EC na 19/98, passamos a enten<strong>de</strong>r que não haveria mais<br />

dúvidas sobre a inclusão das vantagens pessoais para fins <strong>de</strong> teto salarial, para a fixação<br />

<strong>de</strong> subsídios futuros. Esse entendimento foi reforçado pela atual redação do inciso XI, do<br />

art. 37, dada pela EC na 41/03.<br />

Para efeito do teto salarial do funcionalismo, a EC na 47/05, expressamente, excluiu<br />

as parcelas <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório previsto em lei. Trata-se <strong>de</strong> norma autoaplicável,<br />

uma vez que a citada emenda <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>terminou, ainda, como regra <strong>de</strong> transição<br />

a aplicação <strong>de</strong> toda legislação em vigor, na data da publicação da EC na 41/03, <strong>de</strong>finidora<br />

<strong>de</strong> parcelas <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório, enquanto o Congresso Nacional não editar lei específica<br />

sobre o assunto.<br />

Interpretando o novo texto <strong>constitucional</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral excluiu do<br />

limite previsto para o teto salarial a cumulação remunerada dos vencimentos dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral com a verba remuneratória pela prestação <strong>de</strong> serviços<br />

eleitorais no TSE, por tratar-se <strong>de</strong> munus <strong>constitucional</strong>.3<br />

A EC na 47/05 permitiu, ainda, a fixação <strong>de</strong> específico subteto salarial estadual/distrital,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que com edição <strong>de</strong> emendas às respectivas Constituições estaduais ou à Lei<br />

Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, § 12, art. 37). Assim, os Estados-membros e o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão alterar suas respectivas legislações, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite<br />

único para todos os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os parlamentares.<br />

Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio<br />

dos Ministros do STF), conforme anteriormente analisado.4<br />

3.2 A plicação do teto remuneratório <strong>constitucional</strong> e do subsídio m ensal dos<br />

membros e servidores do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, nos termos do art. 103-B, § 4a, II, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e em respeito ao art. 37, XI, da citada Lei Fundamental, editou as Resoluções n—<br />

13 e 14, ambas <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, dispondo, respectivamente, sobre a aplicação do<br />

teto remuneratório <strong>constitucional</strong> e do subsídio dos membros da magistratura e sobre a<br />

aplicação do teto remuneratório <strong>constitucional</strong> para os servidores do Po<strong>de</strong>r Judiciário e<br />

para a magistratura dos Estados que ainda não adotem o regime <strong>de</strong> subsídios.<br />

1 Nova redação d a d a p ela E C n 2 19/98.<br />

2 STF - 2a T. - Rextr. nú 220.006-8/SP - Rei. Min. Néri da Silveira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,2 abr. 1998, p.<br />

27; STF - 2 - T . - RMS n- 21.966 - R ei. M in. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 14 nov. 1996; STF - 1-<br />

T. -R M S n® 21.839 - Rei. M in. Sydney Sanches, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,18 abr. 1997.<br />

3 A ta da Primeira Sessão Administrativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral do A n o <strong>de</strong> 2004, realizada em 5 <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 2004, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,17 fev. 2004, p. 1. Conferir, ainda: STF - Pleno - MS 24527/SP, Rei.<br />

Min. Marco Aurélio, Rei. p/ acórdão Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 25-5-2005- I n f o r m a t i v o STF n2 389, p. 2.<br />

4 Em relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprimento do subteto estadual: STF - SS n° 2773/RJ - Rei. Ministro-Presi<strong>de</strong>nte<br />

Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 18-8-2005.


Administração Pública 3 6 1<br />

A Resolução n° 13/2006 estabeleceu, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário da União, o valor<br />

do teto remuneratório, correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio do Ministro do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral em R$ 24.500,00, e, a partir <strong>de</strong>ssa fixação, aplicou os dispositivos constitucionais<br />

para enumerar, nos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, o subteto remuneratório em 90,25%.<br />

Conforme preceitua a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal dos magistrados<br />

constitui-se exclusivamente <strong>de</strong> parcela única, vedado o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação,<br />

adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong> representação ou espécie remuneratória, <strong>de</strong> qualquer<br />

origem, inclusive, nos termos da <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, do adicional por<br />

tempo <strong>de</strong> serviço.1<br />

A Resolução CN J n Q13/2006 estabeleceu a seguinte classificação no tocante a relação<br />

entre subsídios e verbas remuneratórias: verbas remuneratórias extintas; verbas remuneratórias<br />

mantidas, cuja somatória com o subsídio <strong>de</strong>ve respeito ao teto <strong>constitucional</strong><br />

{incidência do teto <strong>constitucional</strong> para a soma final); verbas remuneratórias mantidas e<br />

limitadas per si pelo teto <strong>constitucional</strong> ( incidência individualizada do teto <strong>constitucional</strong>,<br />

excluída a somatória); verbas remuneratórias excluídas do subsídio e da incidência do teto<br />

remuneratório (conferir arts. 4a até 8a da citada resolução).<br />

Em relação à classificação <strong>de</strong> verbas remuneratórias mantidas e limitadas per si pelo<br />

teto <strong>constitucional</strong> ( incidência individualizada do teto <strong>constitucional</strong>, excluída a somatória),<br />

importante <strong>de</strong>stacar que não po<strong>de</strong>m exce<strong>de</strong>r o valor do teto remuneratório, embora não<br />

se somem entre si e nem com a remuneração do mês em que se <strong>de</strong>r o pagamento: adiantamento<br />

<strong>de</strong> férias, décimo-terceiro salário e terço <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> férias.<br />

No tocante a verbas excluídas da incidência do teto remuneratório <strong>constitucional</strong>, o<br />

art. 8a da Resolução na 13/2006 enumera:<br />

• <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório, prevista em lei: ajuda <strong>de</strong> custo para mudança e transporte;<br />

auxílio-moradia; diárias; auxílio-funeral; in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> férias não gozadas;<br />

in<strong>de</strong>nização <strong>de</strong> transporte; outras parcelas in<strong>de</strong>nizatórias previstas na Lei Orgânica<br />

da Magistratura Nacional <strong>de</strong> que trata o art. 93 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• <strong>de</strong> caráter permanente: remuneração ou provento <strong>de</strong>corrente do exercício do<br />

magistério, nos termos do art. 95, parágrafo único, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

(acumulação remunerada <strong>de</strong> cargo <strong>de</strong> magistrado e professor); benefícios<br />

percebidos <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> previdência instituídos por entida<strong>de</strong>s fechadas, ainda<br />

que extintas;<br />

• <strong>de</strong> caráter eventual ou temporário: auxílio pré-escolar; benefícios <strong>de</strong> plano <strong>de</strong><br />

assistência médico-social; <strong>de</strong>volução <strong>de</strong> valores tributários e/ou contribuições<br />

previ<strong>de</strong>nciárias in<strong>de</strong>vidamente recolhidos; gratificação pelo exercício <strong>de</strong> função<br />

eleitoral; gratificação <strong>de</strong> magistério por hora-aula proferida no âmbito do Po<strong>de</strong>r<br />

Público; bolsa <strong>de</strong> estudo que tenha caráter remuneratório;<br />

• abono <strong>de</strong> permanência em serviço, no mesmo valor da contribuição previ<strong>de</strong>nciária<br />

(art. 40, § 19 - EC na 41/03).<br />

Em relação aos servidores do Po<strong>de</strong>r Judiciário e para os membros da magistratura<br />

dos Estados que ainda não tenham adotado o subsídio, a Resolução na 14, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> março<br />

STF - Pleno - MS nQ24.875/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2006.


3 6 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> 2006, estabeleceu a autoaplicabilida<strong>de</strong> do teto remuneratório estadual, em 90,25% do<br />

subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (art. I a, parágrafo único).<br />

Além disso, no intuito <strong>de</strong> garantir a plena efetivida<strong>de</strong> das normas constitucionais<br />

referentes ao sistema remuneratório do Po<strong>de</strong>r Judiciário, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

editou duas importantes medidas (art. 5° da Resolução nQ14/2006):<br />

• vedação ao Po<strong>de</strong>r Judiciário dos Estados em propor alteração nas leis que dispõem<br />

sobre verbas remuneratórias dos magistrados, salvo para reestruturação<br />

das carreiras com fixação do subsídio;<br />

• vedação na concessão, após a vigência do teto remuneratório <strong>constitucional</strong><br />

fixado (90,25% do subsídio dos Ministros do STF), vantagens pecuniárias automáticas<br />

em razão da alteração do subsídio <strong>de</strong> Ministro do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Ficou, ainda, vedada a concessão <strong>de</strong> adicionais ou vantagens pecuniárias não previstas<br />

na LOMAN (LC 35/79), bem como em bases e limites superiores aos nela fixados.<br />

4 CONCURSO PÚBLICO<br />

Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros, natos ou naturalizados,<br />

aos portugueses equiparados que preencham os requisitos estabelecidos em lei<br />

e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a promulgação da Emenda Constitucional n° 19, em 4-6-1998, aos, estrangeiros,<br />

na forma da lei,1 sendo vedada qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> discriminação abusiva, que<br />

<strong>de</strong>srespeite o princípio da igualda<strong>de</strong>,12 por flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Aos brasileiros naturalizados e aos portugueses equiparados somente não são acessíveis<br />

os cargos previstos no art. 12, § 3a (Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, Presi<strong>de</strong>nte<br />

da Câmara dos Deputados, Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, Ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, carreira diplomática, oficiais das Forças Armadas e Ministro <strong>de</strong> Estado<br />

da Defesa), da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e os seis assentos no Conselho da República, previstos<br />

no art. 89, VII, da CF.<br />

Em relação aos estrangeiros, trata-se <strong>de</strong> alteração saudável em nossa legislação<br />

<strong>constitucional</strong>, uma vez que o acesso aos cargos e empregos públicos está englobado em<br />

uma previsão fundamental maior, a do inciso XIII do art. 5a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

consagra o <strong>direito</strong> fundamental <strong>de</strong> profissão, arte e ofício, aplicável tanto a brasileiros<br />

1 N ova redação dada pela EC na 19/98. Conferir: REALE, Miguel. Acesso <strong>de</strong> estrangeiros aos cargos públicos<br />

- sentido do art. 37, inciso I, da Constituição. R D A 188/379. Observe-se, porém, que “a norma do inciso I do<br />

art. 37, CF, relativam ente ao estrangeiro, é <strong>de</strong> eficácia limitada, porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> normatização ulterior,<br />

assim não autoaplicável” (STF - RE n° 4 3 9 .754/R R - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 12<br />

<strong>de</strong>z. 2005, p. 130).<br />

2 S T F - P le n o - R e x tr . na 141.864-8/RS, Rei. Min. Marco Aurélio, n idrio da J u s tiç a , Seção I, 23 mar. 1995, p.<br />

5.721; STF - Pleno - Rextr. na 157.863-7/DF, Rei. Min. M oreira Alves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,1 out. 1993 -<br />

E m e n t á r io ne 1.719-5; S TF-R extr. n° 148.065-3-RS, Rei. Min. Marco Aurélio, D i á r i o d a J u s tiç a , 21 set. 1995, p.<br />

30.415; S T F - P le n o - R M S n " 21.045, Rei. Min. SepúlvedaPertence; STF, 2a T „ RE 120.305-6, Rei. Min. Marco<br />

Aurélio, D iá r io d a J u s tiç a , Seção I, 9 jun. 1995, p. 17.236; STJ - RMS n“ 1.086, I a T., Rei. Min. Garcia Vieira,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , 9 mar. 199 2-S T , 38/115.


Administração Pública 3 6 3<br />

quanto a estrangeiros, não se justificando uma vedação absoluta do estrangeiro ao acesso<br />

aos cargos e empregos públicos. Ressalte-se que essa vedação absoluta não existia na<br />

vigência das duas Constituições anteriores. Pontes <strong>de</strong> Miranda, ao comentar o art. 184 da<br />

Constituição <strong>de</strong> 1946 (“Os cargos públicos são acessíveis, a todos os brasileiros, observados<br />

os requisitos que a lei estabelecef’) , observava que “o princípio <strong>de</strong> igual acessibilida<strong>de</strong> dos<br />

cargos públicos aos Brasileiros não excluiria, por si só, a lei que permitisse entrada no<br />

serviço público a estrangeiros; porém há princípio <strong>de</strong> privilégio dos Brasileiros natos e<br />

princípio <strong>de</strong> privilégio dos Brasileiros em geral, conforme ressalta em textos expressos<br />

da Constituição”.1Analisando a situação na vigência da Constituição anterior (CF, art.<br />

97), Celso <strong>de</strong> Mello afirmava que “os estrangeiros, aí incluídos os portugueses que não<br />

requererem os benefícios da equiparação, não po<strong>de</strong>m titularizar cargos públicos entre<br />

nós. Po<strong>de</strong>m, no entanto, ser contratados pela Administração Pública”.12<br />

Seguiu-se, portanto, a tendência iniciada com a Emenda Constitucional nQ11/96,<br />

que facultou as universida<strong>de</strong>s admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na<br />

forma da lei.<br />

O acesso <strong>de</strong> estrangeiros aos cargos, empregos e funções públicas não ocorrerá imediatamente<br />

a partir da Emenda Constitucional na 19/98, por tratar-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> eficácia limitada à edição <strong>de</strong> lei, que estabelecerá a necessária forma.3 Essa lei<br />

não po<strong>de</strong>rá, logicamente, estabelecer diferenciações arbitrárias e abusivas, privilegiando<br />

<strong>de</strong>terminados estrangeiros em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> outros, tão somente em razão do país <strong>de</strong><br />

origem. Ressalte-se, por fim, que essa nova previsão <strong>constitucional</strong> aplica-se igualmente<br />

aos estrangeiros resi<strong>de</strong>ntes ou não no país, uma vez que a norma <strong>constitucional</strong> po<strong>de</strong>rá ser<br />

utilizada, a partir da edição da necessária lei, para permitir a acesso a cargos, empregos<br />

ou funções públicas em repartições brasileiras no exterior (como por exemplo: tradutor<br />

oficial, contínuos, motoristas, recepcionistas <strong>de</strong> consulados etc.).4<br />

Existe, assim, um verda<strong>de</strong>iro <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso aos cargos, empregos e funções públicas,<br />

sendo o cidadão e o estrangeiro, na forma da lei, verda<strong>de</strong>iros agentes do po<strong>de</strong>r, no sentido<br />

<strong>de</strong> ampla possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação da administração pública.<br />

A investidura em cargo ou emprego público5 <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação prévia em concurso<br />

público <strong>de</strong> provas ou provas e títulos, <strong>de</strong> acordo com a natureza e a complexida<strong>de</strong><br />

1 C o m e n t á r io s à C o n s t it u iç ã o d e 1 9 4 6 ... Op. cit. p. 148.<br />

2 C o n s titu iç ã o ... Op. cit. p. 302.<br />

3 STF - P le n o - RE n“ 439754/RR - R ei. M in. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,12 <strong>de</strong>z, 2005, p, 130.<br />

C onform e <strong>de</strong>cidiu o STF, “A té o advento das Emendas 11/1996 e 19/1998, o núcleo essencial dos <strong>direito</strong>s<br />

atribuídos aos estrangeiros, em bora certam ente compreen<strong>de</strong>sse as prerrogativas necessárias ao resguardo da<br />

dignida<strong>de</strong> humana, não abrangia um <strong>direito</strong> à ocupação <strong>de</strong> cargos públicos efetivos na estrutura administrativa<br />

brasileira, consoante a redação prim itiva do artigo 37, inciso i, da Lei Maior. Portanto, o arL 243, § 6a, da Lei<br />

8.112/90 estava em consonância com a Lei Maior e permanece em vigor até que surja o diploma exigido pelo novo<br />

art. 3 7 ,1, da Constituição” (STF - 2* T. - RE 346180 AgR/RS - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 14-6-2011).<br />

4 Discordamos, portanto, daafirm ação<strong>de</strong> Maurício Antonio Ribeiro Lopes quando dizqu e “nãosecom preen<strong>de</strong><br />

com o possa um estrangeiro exercer cargo ou função pública sem residir no país” ( C o m e n t á r io s à r e f o r m a a d m i­<br />

n is t r a t iv a . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 110).<br />

5 Nova redação dada pela E C n ° 19/98.


364 Direito Constitucional • Moraes<br />

do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em<br />

comissão <strong>de</strong>clarado em lei <strong>de</strong> livre nomeação e exoneração.1<br />

Nesse sentido, o STF editou a Súmula 685: “ É in<strong>constitucional</strong> toda modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público<br />

<strong>de</strong>stinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente<br />

investido.”<br />

A primeira exceção <strong>constitucional</strong> exige que a lei <strong>de</strong>termine expressamente quais<br />

os cargos <strong>de</strong> confiança que po<strong>de</strong>rão ser providos por pessoas estranhas ao funcionalismo<br />

público e sem a necessida<strong>de</strong> do concurso público.<br />

Ressalte-se que a alteração da redação do inciso V, do art. 37, pela EC na 19/98, <strong>de</strong>terminando<br />

que as funções <strong>de</strong> confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes<br />

<strong>de</strong> cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores <strong>de</strong> carreira, nos<br />

casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, <strong>de</strong>stinam-se apenas às atribuições<br />

<strong>de</strong> direção, chefia e assessoramento, não alterou esse quadro, permitindo-se, ainda, a <strong>de</strong>legação<br />

do exercício <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> confiança a pessoas que não pertençam aos quadros da<br />

Administração, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essas funções não sejam <strong>de</strong> direção, chefia e assessoramento.12<br />

Outra exceção prevista <strong>constitucional</strong>mente, permitindo-se a contratação temporária<br />

sem concurso público, encontra-se no art. 37, IX, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O legislador<br />

constituinte manteve disposição relativa à contratação para serviço temporário e <strong>de</strong> excepcional<br />

interesse público, somente nas hipóteses previstas em lei.<br />

Dessa forma, três são os requisitos obrigatórios para a utilização <strong>de</strong>ssa exceção,<br />

muito perigosa, como diz Pinto Ferreira,3 por tratar-se <strong>de</strong> uma válvula <strong>de</strong> escape para fugir<br />

à obrigatorieda<strong>de</strong> dos concursos públicos, sob pena <strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>:<br />

• excepcional interesse público;<br />

• temporarieda<strong>de</strong> da contratação;<br />

• hipóteses expressamente previstas em lei.4<br />

A lei mencionada no inciso IX do art. 37 da Constituição é a lei editada pela entida<strong>de</strong><br />

contratadora,5 ou seja, lei fe<strong>de</strong>ral, estadual, distrital ou municipal, conforme a respectiva<br />

competência legislativa <strong>constitucional</strong>.<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado por nossa Corte Suprema, não será possível a contratação temporária<br />

por lei que fixa “hipóteses abrangentes e genéricas <strong>de</strong> contratação, sem <strong>de</strong>finir<br />

qual a contingência fática emergencial apta a ensejá-la”, bem como “para o exercício <strong>de</strong><br />

1 KTJ161/831.<br />

2 Nesse sentido: MORAES, Alexandre. Re/orma adm inistrativa-EC n° 19/98. São Paulo: Atlas, 1998eLO PES,<br />

M aurício Ribeiro. C o m e n t á r io s à r e f o r m a a d m in is t r a t iv a . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 117.<br />

3 FERREIRA, Pinto. C o m e n t á r io s ... Op. cit. v. 2, p. 374.<br />

4 0 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratação com base em m edida provisória, uma<br />

vez que possui f o r ç a d e le i (Cf. S T F -A d in ns 1.567-2/DF - medida liminar - Rei. Min. SydneySanches, D iário<br />

d a J u s t iç a , Seção I, 7nov. 1997, p. 57.231).<br />

5 SANTOS, Alvacir Corrêa. C o n t r a t a ç ã o t e m p o r á r ia n a a d m in is tr a ç ã o p ú b lic a . Curitiba: Genesis, 1996. p. 53.


Administração Pública 365<br />

serviços típicos <strong>de</strong> carreira e <strong>de</strong> cargos permanentes <strong>de</strong> Estado, sem concurso público ou<br />

motivação <strong>de</strong> excepcional relevância que a justificasse”.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ressalvadas as exceções constitucionais, é intransigente<br />

em relação à imposição à efetivida<strong>de</strong> do princípio <strong>constitucional</strong> do concurso público,12 como<br />

regra a todas as admissões da administração pública, vedando expressamente tanto a ausência<br />

<strong>de</strong>ste postulado, quanto seu afastamento fraudulento, através <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> servidores<br />

públicos para outros cargos diversos daquele para o qual foioriginariamente admitido.3<br />

Dessa forma, as autarquias, empresas públicas ou socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista estão<br />

sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, <strong>de</strong> qualquer<br />

dos po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios. Socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

economia mista <strong>de</strong>stinada a explorar ativida<strong>de</strong> econômica está igualmente sujeita a esse<br />

princípio, que não coli<strong>de</strong> com o expresso no art. 173, § I a. Exceções ao princípio, se existem,<br />

estão previstas na própria Constituição.4 Assim, apesar <strong>de</strong> o regime <strong>de</strong> pessoal das<br />

entida<strong>de</strong>s paraestatais ser o mesmo dos empregados <strong>de</strong> empresas privadas, sujeitos à CLT,<br />

às normas aci<strong>de</strong>ntárias e à justiça trabalhista (CF, art. 114), permanece a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

do postulado do concurso público, mesmo para as empresas que exerçam ativida<strong>de</strong>s econômicas,<br />

salvo, obviamente, para os cargos ou funções <strong>de</strong> confiança, por serem instrumento<br />

<strong>de</strong> realização concreta dos princípios constitucionais da isonomia e da impessoalida<strong>de</strong>.<br />

Os Estados-membros, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, igualmente, encontram-se<br />

vinculados, em face <strong>de</strong> explícita previsão <strong>constitucional</strong> (art. 37, caput), aos princípios<br />

que regem a administração pública, entre os quais ressalta, como vetor condicionante da<br />

ativida<strong>de</strong> estatal, a exigência <strong>de</strong> observância do postulado do concurso público (art. 37,<br />

II). Além disso, quando contratarem servidores sob o regime da legislação trabalhista,<br />

sujeitar-se-ão às regras <strong>de</strong> reajuste salarial estabelecidas pela própria União.5<br />

Importante, também, ressaltar que, a partir da Constituição <strong>de</strong> 1988, a absoluta im<br />

prescindibilida<strong>de</strong> do concurso público não mais se limita à hipótese singular da primeira<br />

investidura em cargos, funções ou empregos públicos, impondo-se às pessoas estatais como<br />

regrageral<strong>de</strong> observância compulsória, inclusive às hipóteses <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> cargos<br />

e a transferência <strong>de</strong> servidores para outros cargos ou para categorias funcionais diversas<br />

das iniciais, que, quando <strong>de</strong>sacompanhadas da prévia realização do concurso público<br />

<strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos, constituem formas inconstitucionais <strong>de</strong> provimento no<br />

serviço público, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos<br />

quais foi ele legitimamente admitido. Dessa forma, claro o <strong>de</strong>srespeito <strong>constitucional</strong> para<br />

investiduras <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> prova <strong>de</strong> títulos e da realização <strong>de</strong> concurso interno, por óbvia<br />

ofensa ao princípio isonômico.6<br />

1 S T F - P le n o - A D I3 1 1 6 / A P - R e l. Min. CarmenLúcia, <strong>de</strong>cisão: 14-2-2011.<br />

2 STF-Suspensão d e Segurançan“ 1.081-6/ES,.DiáriociaJustifa, Seção 1,3set. 1996, p. 31.187; Suspensão <strong>de</strong><br />

Segurança n“ 1.082-4/ES, Diário d a J u s tiç a , Seção I, 3set. 1996, p. 31.189; Suspensão <strong>de</strong> Segurança nD1.085-9/<br />

ES, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1,3 set. 1996, p. 31.193, em todos relator o Ministro-presi<strong>de</strong>nte Sepúlveda Pertence.<br />

3 S T F - Adin n“ 1.3 29-7/A L-R el. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 20 set. 1996, p. 34.531.<br />

4 STF - Pleno - Mandado <strong>de</strong> Segurança n a 21.322-1/DF, Rei. Min. Paulo Brossard, j. 3-12-92.<br />

5 Prece<strong>de</strong>nte citado: RE 164.715-MG (Pleno, 13-6-96). RE 201.724-PR, Rei. Min. lim ar Galvão, 1-10-96. No<br />

m esm o sentido: RE nQ162.873-1, Rei. Min. M aurício Corrêa - I n f o r m a t iv o S T F n“ 47.<br />

6 S T F - P le n o - Adin n“ 248-I/RJ-Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D iá r io d a J u s tiç a , 8 abr. 1994.


366 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em conclusão, a investidura em cargos ou empregos públicos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação<br />

prévia em concurso público <strong>de</strong> provas ou provas e títulos, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

edição <strong>de</strong> lei que, mediante agrupamento <strong>de</strong> carreiras, opere transformações em cargos,<br />

permitindo que os ocupantes dos cargos originários fossem investidos nos cargos<br />

emergentes, <strong>de</strong> carreira diversa daquela para a qual ingressaram no serviço público, sem<br />

concurso público.1<br />

O princípio <strong>constitucional</strong> que exige concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos,<br />

<strong>de</strong> acordo com a natureza e a complexida<strong>de</strong> do cargo ou emprego, na forma prevista em<br />

lei, para a investidura em cargo ou emprego público, aplica-se integralmente ao caso do<br />

titular <strong>de</strong> serventias judiciais (art. 37, II, da CF), e também para o ingresso na ativida<strong>de</strong><br />

notarial e <strong>de</strong> registro (art. 236, § 3Q, da CF).12<br />

O prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do concurso público será <strong>de</strong> até dois anos, prorrogável uma vez,<br />

por igual período. Durante esse prazo improrrogável previsto no edital <strong>de</strong> convocação,<br />

aquele aprovado em concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos será convocado<br />

com priorida<strong>de</strong> sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira.3<br />

Uma vez expirado o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do concurso, entretanto, a expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

dos aprovados <strong>de</strong>sfaz-se.4<br />

Inexiste, portanto, <strong>direito</strong> subjetivo do candidato aprovado em concurso público<br />

à nomeação, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> política e discricionária da Administração, pois,<br />

conforme <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o <strong>direito</strong> do candidato aprovado em<br />

concurso público <strong>de</strong> provas, ou <strong>de</strong> provas e títulos, ostenta duas dimensões: (1) o implícito<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> ser recrutado segundo a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> classificação <strong>de</strong> todos os aprovados<br />

(concurso é sistema <strong>de</strong> mérito pessoal) e durante o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do respectivo<br />

edital <strong>de</strong> convocação (que é <strong>de</strong> dois anos, prorrogável, apenas uma vez, por igual período);<br />

(2) o explícito <strong>direito</strong> <strong>de</strong> precedência que os candidatos aprovados em concurso anterior<br />

têm sobre os candidatos aprovados em concurso imediatamente posterior, contanto que<br />

não-escoado o prazo daquele primeiro certame; ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ainda vigente o prazo<br />

inicial ou o prazo <strong>de</strong> prorrogação da primeira competição pública <strong>de</strong> provas, ou <strong>de</strong> provas<br />

e títulos. Mas ambos os <strong>direito</strong>s, acrescente-se, <strong>de</strong> existência condicionada ao querer discricionário<br />

da administração estatal quanto à conveniência e oportunida<strong>de</strong> do chamamento<br />

daqueles candidatos tidos por aprovados”.5<br />

Observe-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u que, salvo a presença<br />

<strong>de</strong> excepcional justificativa, “a Administração Públicaestaria vinculada às normas do edital<br />

1 STF, AD I 917/MG, rei. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 6-11-2013; I n f o r ­<br />

m a t iv o S T F , Brasília 19 a 23 ago. 1996, n° 41: “Prece<strong>de</strong>nte citado: Adin 231-RJ (R T J 144/24). Adin 1.030-SC,<br />

Rei. M in. Carlos Velloso, 22-8-96.”<br />

2 STF - Tribunal Plen o - Adin n2 363-1-DF; Rei. Min. Sydney Sanches, j. 15-2-1996; v.u., em enta - AASP n e<br />

1987 - E m e n t á r io - 2 2 a 2 8 d e janeiro <strong>de</strong> 1997, p. 8-e.<br />

3 STF/Súmula 15: D entro do prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do concurso, o candidato aprovado tem <strong>direito</strong> à nomeação,<br />

quando o cargo for preenchido sem observância da classificação. Referência: Estat. dos Funcs. Púbis. Civ. da<br />

U nião (L ei ne 1.711, <strong>de</strong> 28-10-52), art. 13. Cód. Civ., artigo 1 .5 12-E m bs. A pelC iv. 7.387, <strong>de</strong> 9-8-44. Rec. em<br />

Mand. Segur. 8.724 <strong>de</strong> 9-8-61 e 8.578, <strong>de</strong> 27-9-61.<br />

4 STF - Pleno - MS n 220.864-3/DF - Rei. Min. Carlos Ma<strong>de</strong>ira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,4 ago. 1989.<br />

5 STF - P le n o -A D I n° 2.931-2/RJ - Rei. M in. Carlos Britto, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 29 set. 2006, p. 31.


Administração Pública 3 6 7<br />

e que seria, inclusive, obrigada a preencher as vagas previstas para o certame <strong>de</strong>ntro do<br />

prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> do concurso”, ou seja, relativizando seu tradicional posicionamento,<br />

<strong>de</strong>cidiu “no sentido <strong>de</strong> ha ver <strong>direito</strong> subjetivo à nomeação, caso as vagas estejam previstas<br />

no edital” .1<br />

Por fim, ressalte-se que a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos<br />

para as pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e <strong>de</strong>finirá os critérios <strong>de</strong> sua admissão, através<br />

<strong>de</strong> concurso público.<br />

5 DIREITOS SOCIAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (LIVRE ASSOCIAÇÃO<br />

SINDICAL E GREVE)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral ampliou os <strong>direito</strong>s sociais dos servidores públicos civis,<br />

permitindo-lhes tanto o <strong>direito</strong> à livre associação sindical quanto o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, este<br />

último exercido nos termos e nos limites <strong>de</strong>finidos em lei específica.12<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral expressamente proíbe a sindicalização e o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve<br />

ao servidor público militar (CF, art. 142, § 3o, IV - redação dada pela EC na 18, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong><br />

fevereiro <strong>de</strong> 1998).<br />

O legislador constituinte adotou tendência mo<strong>de</strong>rna em relação aos <strong>direito</strong>s sociais,<br />

consagrada na Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho, sobre Liberda<strong>de</strong><br />

Sindical e Proteção do Direito Sindical, e Convenção 151, <strong>de</strong> 1978, que trata da Proteção<br />

Especial ao Direito <strong>de</strong> Organização e aos Procedimentos <strong>de</strong> Determinação das Condições<br />

<strong>de</strong> Emprego na Função Pública, cujo art. 9a proclama que<br />

“os funcionários públicos <strong>de</strong>vem beneficiar-se, como os <strong>de</strong>mais trabalhadores, dos<br />

<strong>direito</strong>s civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberda<strong>de</strong> sindical,<br />

sob só a reserva das obrigações que lhe venham por seu estatuto e da natureza das<br />

funções que exercem”.<br />

No tocante ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, a jurisprudência firmou-se no sentido <strong>de</strong><br />

não ser autoaplicável, principalmente nos chamados serviços essenciais, inscritos no art. 37,<br />

VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, para seu amplo exercício, <strong>de</strong> regulamentação<br />

disciplinada em Lei.3 Dessa forma, enten<strong>de</strong>-se a legitimida<strong>de</strong> do ato da administração<br />

pública que promove o <strong>de</strong>sconto dos dias não trabalhados pelos servidores públicos-<br />

-grevistas.4<br />

1 STF -P le n á r io - RE 598099/M S- Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 10-8-2011. Conferir, no mesmo sentido:<br />

S T J - 2 a T. - Resp 1220684/A M - Rei. Min. Castro Meira, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2011.<br />

2 Nova redação dada pela E C n 2 19/98. A redação anterior dizia “...nos termos e nos limites <strong>de</strong>finidos em lei<br />

complementar” .<br />

3 A jurisprudência citada refere-se à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lei Complementar, nos term os da redação <strong>constitucional</strong><br />

anterior à prom ulgação da EC nD19/98: STF - Pleno - M I n“ 20/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 22 nov. 1996, p. 45.690.<br />

4 STJ, 2a T „ A gR gnoR E sp 1390467/RN, Rei. M in. Humberto Martins, DJe 25-9-2013; STJ, l aT.,ED clnoREsp<br />

1302179/PB, Rei. Min. Benedito Gonçalves,DJe 4-6-2013; STJ, 2a T „ A gR g no AREsp 244165/RJ, Rei. Min.


368 Direito Constitucional • Moraes<br />

Atualmente, porém, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando seu antigo posicionamento,<br />

julgou proce<strong>de</strong>nte mandado <strong>de</strong> injunção adotando a posição concretista geral. Dessa<br />

forma, a Corte conheceu do mandado <strong>de</strong> injunção relativo à efetivida<strong>de</strong> da norma prevista<br />

no art. 37, VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (<strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve do servidor público) e <strong>de</strong>cidiu no<br />

sentido <strong>de</strong> suprir a lacuna legislativa, <strong>de</strong>terminando, em regra, a aplicação <strong>de</strong> legislação<br />

existente para o setor privado; porém, possibilitando, quando tratar-se <strong>de</strong> serviços ou<br />

ativida<strong>de</strong>s essenciais, <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> regime <strong>de</strong> greve mais severo.1<br />

Observe-se, porém, que a Corte <strong>de</strong>cidiu pela inaplicabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve a<br />

<strong>de</strong>terminados servidores públicos (forças policiais, por exemplo), conforme salientado,<br />

“em razão da índole <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s públicas”, tendo salientado ainda, “Servidores<br />

públicos que exercem ativida<strong>de</strong>s relacionadas à manutenção da or<strong>de</strong>m pública e<br />

à segurança pública, à administração da Justiça - aí os integrados nas chamadas carreiras<br />

<strong>de</strong> Estado, que exercem ativida<strong>de</strong>s in<strong>de</strong>legáveis, inclusive as <strong>de</strong> exação tributária - e à<br />

saú<strong>de</strong> pública. A conservação do bem comum exige que certas categorias <strong>de</strong> servidores<br />

públicos sejam privadas do exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve. Defesa <strong>de</strong>ssa conservação e efetiva<br />

proteção <strong>de</strong> outros <strong>direito</strong>s igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil”. *12<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>finiu, ainda, a competência da Justiça Comum para<br />

conhecer e julgar o dissídio coletivo <strong>de</strong> greve <strong>de</strong> serviços ou ativida<strong>de</strong>s públicas essenciais.3<br />

Igualmente <strong>de</strong>termina o § 3a do art. 39, com a redação dada pela EC na 19/98, que<br />

se aplica aos servidores ocupantes <strong>de</strong> cargo público os seguintes <strong>direito</strong>s sociais (CF, art.<br />

7a, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX):<br />

• salário-mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r a<br />

suas necessida<strong>de</strong>s vitais básicas e às <strong>de</strong> sua família com moradia, alimentação,<br />

educação, saú<strong>de</strong>, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com<br />

reajustes periódicos que lhe preservem o po<strong>de</strong>r aquisitivo, sendo vedada a sua<br />

vinculação para qualquer fim;<br />

• garantia <strong>de</strong> salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração<br />

variável;<br />

• décimo-terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da<br />

aposentadoria;<br />

• remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;<br />

• salário-família pago em razão do <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do trabalhador <strong>de</strong> baixa renda<br />

nos termos da lei;4<br />

• salário-família para os seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes;<br />

Mauro Cam pbell Marques, DJe 17-12-2012. S TF - 2aT . - Rextr. n " 208.278-3/RS - Rei. Min. Carlos Velloso,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,13 out. 1997, p. 51.487.<br />

1 STF - Pleno - M I 708/DF - R ei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 19-9-2007. Informativo STF n° 480.<br />

2 STF - R c l. 6 .5 6 8 -S P -R eL Min. Eros Grau.<br />

3 STF - Rcl. 6 .5 6 8 -S P -R ei. Min. Eros Grau.<br />

4 Redação dada pelo art. 1° da Emenda Constitucional n° 20/98.


Administração Pública 369<br />

• duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e 44 semanais,<br />

facultada a compensação <strong>de</strong> horários e a redução da jornada, mediante acordo<br />

ou convenção coletiva <strong>de</strong> trabalho;<br />

• repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;<br />

• remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do<br />

normal;<br />

• gozo <strong>de</strong> férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que<br />

o salário normal;<br />

• licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração <strong>de</strong><br />

120 dias;<br />

• licença-paternida<strong>de</strong>, nos termos fixados em lei;<br />

• proteção do mercado <strong>de</strong> trabalho da mulher, mediante incentivos específicos,<br />

nos termos da lei;<br />

• redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, higiene<br />

e segurança;<br />

• proibição <strong>de</strong> diferença <strong>de</strong> salários, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> critério <strong>de</strong> admissão<br />

por motivo <strong>de</strong> sexo, ida<strong>de</strong>, cor ou estado civil.<br />

Ressalte-se que a EC ne 19/98, aparentemente, suprimiu dois <strong>direito</strong>s sociais dos servidores<br />

ocupantes <strong>de</strong> cargos públicos, anteriormente previstos pela redação originária da<br />

Constituição <strong>de</strong> 1988: irredutibilida<strong>de</strong> do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo<br />

coletivo (CF, art. 7a, VI) e adicional <strong>de</strong> remuneração para as ativida<strong>de</strong>s penosas, insalubres<br />

ou perigosas, naforma da lei (CF, art. 7°, XXIII). Em relação, porém, à garantia da irredu<br />

tibilida<strong>de</strong> do salário, permanece a garantia, conforme o inciso XV, do art. 37, com a nova<br />

redação que lhe <strong>de</strong>u a EC na 19/98 (“o subsídio e os vencimentos dos ocupantes <strong>de</strong> cargos<br />

e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV <strong>de</strong>ste artigo<br />

e nos arts. 39, § 4a, 150, II, 153, III, e 153, § 2a, I”).<br />

Ressalte-se, porém, que em relação a outra hipótese, a supressão da incidência <strong>de</strong><br />

um <strong>direito</strong> social (art. 7a, XXIII), aos servidores públicos gerará polêmica, pois, apesar<br />

<strong>de</strong> não haver manifestação conclusiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na fundamentação<br />

<strong>de</strong> seus votos, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (Adin na 93907/DF), o<br />

Ministro Carlos Velloso1referiu-se aos <strong>direito</strong>s e garantias sociais como cláusulas pétreas,12<br />

enquanto o Ministro Marco Aurélio3 afirmou a relação <strong>de</strong> continência dos <strong>direito</strong>s sociais<br />

<strong>de</strong>ntre os <strong>direito</strong>s individuais previstos no art. 60, § 4a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e, consequentemente,<br />

imutáveis.4 Igualmente, na doutrina, Ivo Dantas ao afirmar a aplicabilida<strong>de</strong><br />

1 Conferir extensa e completa análise sobre “Reform a <strong>constitucional</strong>, cláusulas pétreas, especialmente a dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais, e a reform a tributária”. VELLOSO, Carlos M ário da Silva. E s tu d o s e m h o m e n a g e m a<br />

G e ra ld o A t a lib a : <strong>direito</strong> administrativo e <strong>constitucional</strong>. Coord. Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> M ello. São Paulo:<br />

Malheiros, 1997. p. 162-178.<br />

2 Trecho do v o to - E m e n t á r i o STF nD1.730-10.<br />

3 Trecho do v o to - E m e n t á r i o STFn - 1.730-10.<br />

4 Conferir em realçam a n ã o taxativida<strong>de</strong> do ro l previsto no art. 5o: MORAES, Alexandre. D ir e it o s h u m a n o s<br />

f u n d a m e n t a is . 2. e d São Paulo: Atlas, 1998. p. 297.


3 7 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

imediata dos <strong>direito</strong>s sociais previstos no art. 7a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, fundamenta com<br />

o seguinte raciocínio: “sua imediata aplicabilida<strong>de</strong>, em obediência ao que está <strong>de</strong>terminado<br />

no parágrafo l 12 do art. 5e, sobretudo porque, os Direitos do Trabalhador são Direitos<br />

Individuais, e só encontrarão as barreiras do <strong>direito</strong> adquirido, do ato jurídico perfeito e da<br />

coisa julgada”.1Afirma, ainda, o citado autor que “alguns <strong>direito</strong>s dos servidores públicos<br />

que, embora topograficamente fora do art. 5e, são, materialmente, <strong>direito</strong>s individuais”.2<br />

Concordamos com as posições sustentadas acima, pois enten<strong>de</strong>mos que alguns <strong>direito</strong>s<br />

sociais, enquanto <strong>direito</strong>s fundamentais, são cláusulas pétreas, na medida em que refletem<br />

os <strong>direito</strong>s e garantias individuais do trabalhador, uma vez que, nossa Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong>terminou a imutabilida<strong>de</strong> aos <strong>direito</strong>s e garantias individuais, estejam ou não no rol<br />

exemplificativo do artigo 52.3 (CF, art. 60, § 4e, IV), pois os <strong>direito</strong>s sociais caracterizam-se<br />

como verda<strong>de</strong>iras liberda<strong>de</strong>s positivas, <strong>de</strong> observância obrigatória em um Estado Social<br />

<strong>de</strong> Direito, tendo por finalida<strong>de</strong> a melhoria das condições <strong>de</strong> vida aos hipossuficientes,<br />

visando à concretização da igualda<strong>de</strong> social, que configura um dos fundamentos <strong>de</strong> nosso<br />

Estado Democrático, conforme preleciona o art. I a, IV. Como um dos princípios fundamentais<br />

da República, os valores sociais <strong>de</strong>vem, no dizer <strong>de</strong> Raul Machado Horta, servir<br />

“à interpretação da Constituição, para extrair <strong>de</strong>ssa disposição formal a impregnação<br />

valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos<br />

do legislador, do administrador e do julgador”, motivo pelo qual o citado mestre classifica<br />

nossa constituição como Constituição Plástica.4<br />

Não foi outro o entendimento unânime do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao analisar o<br />

limite máximo para os valores dos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social previsto<br />

pela EC ne 20/98, afirmando que o mesmo “não se aplica à licença maternida<strong>de</strong> a<br />

que se refere o art. 7-, XVIII, da CF, respon<strong>de</strong>ndo a Previdência Social pela integrida<strong>de</strong> do<br />

pagamento da referida licença”, pois, “tendo em vista que não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a<br />

proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte a abolir os <strong>direito</strong>s e garantias individuais (CF, art. 60, § 42,<br />

IV)”, o Tribunal afastou “a exegese segundo a qual a norma impugnada imputaria o custeio<br />

da licença-maternida<strong>de</strong> ao empregador, concernente à diferença dos salários acima <strong>de</strong> R$<br />

1.200,00, porquanto esta propiciaria a discriminação por motivo <strong>de</strong> sexo, ofen<strong>de</strong>ndo ao<br />

art. 7-, XXX, que é um <strong>de</strong>sdobramento do princípio da igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres<br />

(CF, art. 5e, I). Levou-se em consi<strong>de</strong>ração também que, entre os objetivos fundamentais<br />

da República do Brasil, está o <strong>de</strong> promover o bem <strong>de</strong> todos, sem preconceito <strong>de</strong> origem,<br />

raça, sexo, cor, ida<strong>de</strong> e quaisquer outras formas <strong>de</strong> discriminação (CF, art. 32, IV)”.5<br />

1 DANTAS, Ivo. C o n s t it u iç ã o f e d e r a l: teoria e prática. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 1994, v. 1. p. 308.<br />

2 DANTAS, Ivo. C o n s t it u iç ã o f e d e r a l: teoria e prática. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Renovar, 1994, v. 1. p. 302.<br />

3 Relembre-se <strong>de</strong> qu e o ro l do art. 5S é exem plificativo, existindo outros <strong>direito</strong>s e garantias individuais espalhados<br />

pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral e, consequentemente, existindo outras cláusulas pétreas com base no art. 60,<br />

§ 4S, IV. Cf., em relação à fundamentação do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no tocante à exem plificativida<strong>de</strong> do rol<br />

do art. 5S: MORAES, Alexandre. D ir e it o s h u m a n o s fu n d a m e n ta is . 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998. p. 297.<br />

4 HORTA, Raul Machado. E s tu d o s d e d ir e it o c o n s t it u c io n a l. Belo H orizonte: Del Rey, 1995. p. 239-240.<br />

5 S T F -P le n o - Adin n° 1.946/DF - medida cau telar-R el. Min. Sydney Sanches, <strong>de</strong>cisão: 29-4-9 9 - In f o r m a t iv o<br />

S T F n° 147. Cf., ainda, I n f o r m a t iv o n° 144.


Administração Pública 3 7 1<br />

6 SERVIDOR PÚBLICO E DATA-BASE - PRINCÍPIO DA PERIODICIDADE<br />

A Emenda Constitucional ne 19/98 alterou a redação do inciso X do art. 37 <strong>de</strong>terminando<br />

que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio <strong>de</strong> que trata o § 42 do<br />

art. 39 somente po<strong>de</strong>rão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa<br />

privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem<br />

distinção <strong>de</strong> índices.<br />

Ressalte-se a gran<strong>de</strong> inovação <strong>de</strong>ssa alteração, uma vez que expressamente previu<br />

ao servidor público o princípio da periodicida<strong>de</strong>, ou seja, garantiu anualmente ao funcionalismo<br />

público, no mínimo, uma revisão geral, diferentemente da redação anterior<br />

do citado inciso X, do art. 37, que estipulava que “a revisão geral da remuneração dos<br />

servidores públicos, sem distinção <strong>de</strong> índices entre servidores públicos civis e militares<br />

far-se-á sempre na mesma data”, garantindo-se tão somente a simultaneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão,<br />

mas não a periodicida<strong>de</strong>.<br />

Em virtu<strong>de</strong> da redação anterior, entendia o STF que inexistia obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> envio<br />

do projeto <strong>de</strong> lei pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong>tentor da iniciativa privativa <strong>de</strong> leis<br />

que disponham sobre aumento da remuneração <strong>de</strong> servidores públicos (CF, art. 61, § l 2,<br />

II, a), em face da ausência do princípio da periodicida<strong>de</strong> para revisão do funcionalismo<br />

público, afirmando que:<br />

“não confere aos servidores públicos o <strong>direito</strong> a uma data-base. Sem estabelecer<br />

um princípio <strong>de</strong> periodicida<strong>de</strong>, esse dispositivo apenas garante a simultaneida<strong>de</strong>,<br />

generalida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong> da revisão da remuneração dos servidores públicos dvis<br />

e militares. Em consequência, o Presi<strong>de</strong>nte da República - a quem compete com<br />

exclusivida<strong>de</strong> a iniciativa <strong>de</strong> leis que disponham sobre aumento da remuneração<br />

<strong>de</strong> servidores públicos (CF, art. 61, § l 2, II, a) - não está obrigado a encaminhar ao<br />

Congresso Nacional projeto <strong>de</strong> lei com esse conteúdo. Baseado nesse entendimento,<br />

o Tribunal in<strong>de</strong>feriu mandando <strong>de</strong> segurança impetrado por partidos políticos,<br />

contra a alegada omissão do Presi<strong>de</strong>nte da República em propor ao Congresso o<br />

reajuste da remuneração dos servidores fe<strong>de</strong>rais”.1<br />

Com a nova redação, obviamente, a obrigatorieda<strong>de</strong> do envio <strong>de</strong> pelo menos um<br />

projeto <strong>de</strong> lei anual,2 tratando da reposição do po<strong>de</strong>r aquisitivo do subsídio do servidor<br />

público, <strong>de</strong>riva do próprio texto <strong>constitucional</strong>. 12<br />

1 I n f o r m a t iv o S T F - 13 a 17m aio 1996, n-31 -M S 22.439-DF,Rel. Min. Maurício Corrêa, 15-5 -9 6 -Vencidos os<br />

Ministros Marco Aurélio, lim ar G alvão e Carlos Velloso. N o mesmo sentido I n f o r m a t iv o S T F - 16 a 20 set. 1996,<br />

ns 45 - MS 22468-1, Rei. M in. Maurício Corrêa, afirm ando: “A le i q u e in s t it u iu a data-base ( L e i n° 7 .7 0 6 / 8 8 )<br />

e as o u t r a s q u e a re p e te m , não s ã o n o r m a s a u to a p lic á v e is n o s e n tid o <strong>de</strong> q u e o b r ig u e m o C h e fe d o P o d e r E x e c u t iv o<br />

F e d e r a l a e x p e d ir p r o p o s t a le g is la tiv a d e r e v is ã o d e v e n c im e n to s , f a c e a o p r i n c í p i o c o n s t it u c io n a l q u e lh e re s e rv a<br />

a p r iv a t iv id a d e d a in ic ia t iv a (C F , a r t ig o 6 1 , § I a, I I , a ) . D e p e n d e a in ic ia t iv a d a v o n ta d e p o lít ic a d o P r e s id e n te d a<br />

R e p ú b lic a e d a s c o n v e n iê n c ia s s u b je tiv a s <strong>de</strong> s u a a v a lia ç ã o . ” S T F - P le n o - M S n a 22.563-7/CE (em relação aos servidores<br />

públicos estaduais) e, ainda, STF - Pleno - MS n“ 22.464-9/DF (em relação aos servidores públicos do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral), ambos relatados pelo Min. M oreira Alves ( D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,31 out. 1997, p. 55.544).<br />

2 Concordamos com Maurício Ribeiro Lopes, quando afirma que “Po<strong>de</strong> a administração conce<strong>de</strong>r reajustes em<br />

periodicida<strong>de</strong> in ferior a um ano, jamais superar à data lim ite fixada como <strong>de</strong> interregno <strong>de</strong> doze meses para a<br />

revisão salarial” ( C o m e n t á r io s ... Op. cit. p. 122).


372 Direito Constitucional • Moraes<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão, tratar-se <strong>de</strong> “norma <strong>constitucional</strong> que impõe ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ar o processo <strong>de</strong> elaboração da lei anual <strong>de</strong> revisão<br />

geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo <strong>constitucional</strong> em<br />

<strong>de</strong>staque, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na<br />

forma prevista no art. 61, § l 12, II, a, da CF”; concluindo que “seu atraso configurou-se<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> junho/1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da<br />

referida EC n° 19/98”.1<br />

O <strong>de</strong>srespeito ao princípio da periodicida<strong>de</strong> pelo <strong>de</strong>tentor da iniciativa privativa <strong>de</strong><br />

lei, entretanto, não gera <strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização, pois como ensina o Ministro Cezar Peluzo,<br />

sendo “privativa do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo a iniciativa <strong>de</strong> lei concessiva <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong><br />

remuneração na administração direta e autárquica, sem que caiba sequer a imposição <strong>de</strong><br />

prazo para tanto pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, a fixação <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização com o fito <strong>de</strong> recompor,<br />

frente à inflação, o valor dos vencimentos <strong>de</strong> servidores, significaria, por via oblíqua,<br />

<strong>de</strong>ferir o que esta Corte tem reiteradamente negado, sob o argumento <strong>de</strong> que “Depen<strong>de</strong> a<br />

iniciativa da vonta<strong>de</strong> política do Presi<strong>de</strong>nte da República e das conveniências subjetivas<br />

<strong>de</strong> sua avaliação.” 2<br />

7 CUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS NO SETOR PÚBLICO<br />

A regra <strong>constitucional</strong> (CF, art. 37, XVI) é pela vedação <strong>de</strong> qualquer hipótese <strong>de</strong><br />

acumulação remunerada <strong>de</strong> cargos públicos, exceto quando houver compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

horários:<br />

• a <strong>de</strong> dois cargos <strong>de</strong> professor;3<br />

• a <strong>de</strong> um cargo <strong>de</strong> professor com outro técnico ou científico;<br />

• a <strong>de</strong> dois cargos ou empregos privativos <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, comprofissões<br />

regulamentadas.4 Inclusive em relação aos médicos militares.5<br />

O inciso XVI, do art. 37 aplica-se, conforme entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

às hipóteses <strong>de</strong> acumulação remunerada <strong>de</strong> cargos, empregos e funções públicas.6<br />

1 STF - Pleno - Adin. nQ2.061-7/DF - Rei. Min. lim ar G a lvã o - D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 29 jun. 2001, p. 33.<br />

2 STF - 23 T. - RE n2 503.122-5/RS - Rei. Min. Cezar Peluso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,12 set. 2006, p. 98.<br />

3 Conform e afirm ou o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “a incom patibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horários, na acumulação <strong>de</strong> cargos<br />

<strong>de</strong> professor, configura-se em hipótese diversa da prevista pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em seu art. 37, inciso XVI”<br />

(STJ 5- T. - RMS n2 4.503/RN - Rei. Min. Flaquer Scartezzini, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,6 out. 1997, p. 50.010).<br />

4 Nova previsão dada pela EC n2 34, <strong>de</strong> 13-12-2001. A redação anterior previa a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumulação<br />

remunerada <strong>de</strong> dois cargos privativos <strong>de</strong> médico.<br />

5 STF - 2a T. - Rext. n° 182.811/MG - Rei. Min. G ilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 30-5-06.<br />

6 Nesse sentido: “ Consi<strong>de</strong>rando que a CF/88, nas hipóteses em que admite a acumulação <strong>de</strong> cargos, empregos<br />

ou funções, veda a percepção remunerada resultante <strong>de</strong> três posições no serviço público, incluindo-se aquela<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> aposentadoria, a Tlirma <strong>de</strong>u provim ento a recurso extraordinário para reform ar acórdão do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro que reconhecera o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> servidor público a acumular os


Administração Pública 373<br />

Essa norma <strong>de</strong> proibição <strong>de</strong> acumular esten<strong>de</strong>-se, nos termos da EC n° 19/98, a<br />

empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

economia mista, suas subsidiárias e socieda<strong>de</strong>s controladas, direta ou indiretamente,<br />

pelo po<strong>de</strong>r público.1<br />

A Emenda Constitucional na 19/98 criou, para as hipóteses possíveis <strong>de</strong> cumulação<br />

<strong>de</strong> cargos públicos,*12 uma limitação salarial, ao <strong>de</strong>terminar que a remuneração e o subsídio,<br />

<strong>de</strong>correntes da cumulação dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos públicos da<br />

administração direta, autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res<br />

da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato<br />

eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória,<br />

incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r<br />

o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Essa previsão somente não gerou algumas distorções absurdas, como, por exemplo,<br />

a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rem acumular seus<br />

subsídios com a remuneração do cargo <strong>de</strong> professor universitário, gerando a hipótese<br />

<strong>de</strong> trabalho absolutamente gratuito, por não ser autoaplicável e ter ficado aguardando a<br />

edição da inexistente lei <strong>de</strong> iniciativa conjunta para fixação do teto salarial (antiga redação<br />

do art. 48, XV, da CF).<br />

Porém, essa regra - em relação ao teto salarial e cumulativida<strong>de</strong> - não só foi mantida<br />

pela atual redação do inciso XI, do art. 37, dada pela EC n2 41/03, como, também, ganhou<br />

maior complexida<strong>de</strong>, em virtu<strong>de</strong> do estabelecimento <strong>de</strong> subtetos salariais nos âmbitos dos<br />

Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios o que po<strong>de</strong>rá, se interpretado literalmente, gerar<br />

os abusos anteriormente citados, impedindo, inclusive, remuneração a vários servidores<br />

públicos no exercício da ativida<strong>de</strong> docente.3<br />

vencimentos do cargo <strong>de</strong> médico do Estado e do cargo <strong>de</strong> professor adjunto da Universida<strong>de</strong> Estadual do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro - UERJ, com os proventos <strong>de</strong> outro cargo <strong>de</strong> médico, sob o entendimento <strong>de</strong> que a vedação constante<br />

da CF não abrange os proventos <strong>de</strong> aposentadoria (CF, art. 37: ‘...XVI- é vedada a acumulação remunerada <strong>de</strong><br />

serviços públicos, exceto, quando houver compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horários,observado em qualquer caso o disposto<br />

no inciso XI: a) a <strong>de</strong> dois cargos <strong>de</strong> professor; b) a <strong>de</strong> um cargo <strong>de</strong> professor com outro, técnico ou científico;<br />

c) a <strong>de</strong> dois cargos privativos <strong>de</strong> médico; XVII - a proibição <strong>de</strong> acumular esten<strong>de</strong>-se a empregos e funções...’).<br />

Prece<strong>de</strong>ntes citados: RE 163.204-SP ( D J U 15-3-96) e RE 141.730-SP (DJU 3-5-96)” (STF - 2a T. - Rextr. n°<br />

141.376-RJ - Rei. Min. Néri da Silveira, <strong>de</strong>cisão: 2-10-2001. In f o r m a t iv o S T F nQ244).<br />

1 Em relação à opção e acumulação <strong>de</strong> empregos: “Quando o servidor acumula emprego ou cargos públicos e<br />

opta por um <strong>de</strong>les a fim <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r ao preceito do art. 37, XVI e XVII, da CF, combinado com o art. 17, §§ l 2 e<br />

2Qdo ADCT, tacitamente pediu <strong>de</strong>missão do outro, fazendo jus apenas aos salários e às verbas <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong><br />

sua iniciativa resilitória” (TRT - 10a Região - I a T. - RO nQ0517/90 - ReL Juiz Fernando Damasceno, D i á r i o<br />

da J u s t iç a , Seção II, 24 abr. 1991). No mesmo sentido: TRT - 10a Região - I a T. - RO n° 2.092/90 - Rei. Juiz<br />

Heráclito Pena Jr., D i á r i o d a J u s tiç a , Seção II, 21 ago. 1991.<br />

2 “A Vedação do artigo 37, XVI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral limita-se a acumulação <strong>de</strong> dois cargos públicos, nada<br />

opondo a que se ative o funcionário em outra ativida<strong>de</strong> no setor privado. Se, no caso do Policial Militar, houver<br />

proibição expressa da Corporação a que se subordina, terá ocorrido mera infração do Policial Militar com<br />

relação àquela entida<strong>de</strong>” (TRT - 2a Região - 7a T. - Recurso Ordinário nQ02970115713/SP - Rei. Juiz Gualdo<br />

Formica, <strong>de</strong>cisão: 24nov. 1997).<br />

3 Interpretando o texto <strong>constitucional</strong> da EC nQ41/03, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral excluiu do limite previsto<br />

para o te to s a la r ia l a cumulação remunerada dos vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral com<br />

a verba remuneratória pela prestação <strong>de</strong> serviços eleitorais no TSE ( Ata da Primeira Sessão Administrativa do


3 7 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

No âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário e em virtu<strong>de</strong> da regra específica do art. 95, parágrafo<br />

único, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça estabeleceu no art. 8a,<br />

II, a, da Resolução na 13, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, que ficam excluídas da incidência do<br />

teto remuneratório <strong>constitucional</strong> as verbas permanentes referentes a remuneração ou<br />

provento <strong>de</strong>corrente do exercício do magistério.<br />

Dessa forma, as hipóteses possíveis <strong>de</strong> cumulação <strong>de</strong> cargos públicos <strong>de</strong>vem obediência<br />

aos novos tetos salariais, cuja aplicação é imediata (EC nB41/03, art. 8a), não po<strong>de</strong>ndo a<br />

remuneração ou o subsídio, <strong>de</strong>correntes da cumulação, dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções<br />

e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong><br />

qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos, incluídas as vantagens pessoais<br />

ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do<br />

Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa<br />

inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos<br />

membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.<br />

A EC nE47/05 permitiu a fixação <strong>de</strong> especííicosubteto salarial estadual/distrital, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que com edição <strong>de</strong> emendas às respectivas Constituições estaduais ou à Lei Orgânica do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, § 12, art. 3 7). Assim, os estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão<br />

alterar suas respectivas legislações, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único para todos<br />

os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os parlamentares. Esse limite será o<br />

subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros<br />

do STF), conforme anteriormente analisado.<br />

As regras constitucionais <strong>de</strong> cumulação <strong>de</strong> vencimentos no setor público são <strong>de</strong> observância<br />

obrigatória aos Estados-membros e municípios que não po<strong>de</strong>rão afastar-se das<br />

hipóteses taxativamente previstas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.*1<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral, o momento inicial para a verificação<br />

da vedação <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> proventos e vencimentos, nos termos do art. 37, XVI,<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral do A no <strong>de</strong> 2004, realizada em 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004, Diário da Justiça, Seção 1 ,17<br />

fev. 2004, p. 1).<br />

1 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 145, § 7Q, c, da Constituição do Estado<br />

do Mato Grosso que admitia a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acumulação remunerada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que houvesse com patibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> horários, <strong>de</strong> dois cargos privativos <strong>de</strong> profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> (STF - Adin ne 281-MT, Rei. Min. lim ar Galvão,<br />

5-11-97. Informativo ns 91). Nesse mesmo sentido, enten<strong>de</strong>u o STF que “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> dois<br />

cargos privativos <strong>de</strong> médico é exceção que não se esten<strong>de</strong> a outros profissionais da saú<strong>de</strong> (CF, art. 37, XVI, redação<br />

anterior à EC 19/98). Com esse entendimento, a Turma m anteve acórdão que negara à impetrante o pretendido<br />

reconhecimento da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da acumulação <strong>de</strong> dois cargos públicos <strong>de</strong> odon tólogo” (STF - I a T. -<br />

Rextr. nQ222.423/RJ - Rei. Min. lim ar Galvão, <strong>de</strong>cisão: 31-8-99. Informativo STF n° 160). Em virtu<strong>de</strong> da EC n°<br />

34, <strong>de</strong> 13-12-2001, atualmente é possível a cumulação remunerada <strong>de</strong> dois cargos ou empregos privativos <strong>de</strong><br />

profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, com profissões regulamentadas.


Administração Pública 3 7 5<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral é a data da promulgação da Constituição <strong>de</strong> 1988 e não a data<br />

estabelecida pelo TCE, cujas <strong>de</strong>cisões não possuem caráter vinculante.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, interpretando a referida previsão <strong>constitucional</strong> concluiu<br />

que, igualmente, não se po<strong>de</strong>m acumular proventos com remuneração na ativida<strong>de</strong>,<br />

quando os cargos efetivos <strong>de</strong> que <strong>de</strong>correm ambas as remunerações não sejam acumuláveis<br />

na ativida<strong>de</strong>.12<br />

A Emenda Constitucional ne 20/98 havia reiterado esse posicionamento jurispru<strong>de</strong>ncial<br />

ao estabelecer ser vedada a percepção simultânea <strong>de</strong> proventos <strong>de</strong> aposentadoria<br />

com a remuneração <strong>de</strong> cargo, emprego ou função pública. Porém, ressalvou os cargos<br />

<strong>constitucional</strong>mente acumuláveis, os cargos eletivos e os cargos em comissão <strong>de</strong>clarados<br />

em lei <strong>de</strong> livre nomeação e exoneração.3<br />

Ressalte-se, porém, que a EC ne 20/984 trouxe uma regra <strong>de</strong> transição, inalterada pela<br />

EC na 41/03, estabelecendo que essa vedação não se aplica aos membros <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e aos<br />

inativos, servidores e militares, que até a sua publicação tenham ingressado novamente<br />

no serviço público por concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos, e pelas <strong>de</strong>mais<br />

formas previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Em ambas as hipóteses, previstas nos parágrafos anteriores, haverá a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> acumulação <strong>de</strong> proventos <strong>de</strong> aposentadoria com a remuneração <strong>de</strong> cargo, emprego ou<br />

função pública,5 respeitando-se, porém, o limite do teto salarial do funcionalismo público,<br />

previsto pelo inciso XI, do art. 37, cuja aplicabilida<strong>de</strong> é imediata, nos termos do art. 8®<br />

da EC nfi 41/03, ou seja, a cumulação não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie,<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o<br />

subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador<br />

no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado<br />

a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie,<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este<br />

limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos,<br />

ou o específico subteto estadual/distrital fixado pelas respectivas Constituições estaduais<br />

ou Lei Orgânica do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, nos termos já analisados e expressos no § 12 do art.<br />

37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (EC n2 47/05).<br />

1 TSE - Processo administrativo n 2 15.698/DF - Rei. M in. Eduardo Alckm in, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,21<br />

out. 1997, p. 53.430.<br />

2 STF - Pleno - Mandado <strong>de</strong> Segurança n2 22.182-8 - R ei. M in . M oreira Alves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,10<br />

ago. 199 5 ,p. 23.555. Conform e se referiu o Ministro-relator: “O Plenário <strong>de</strong>sta Corte, recentemente, a oju lgar<br />

o RE n2 163.204, firm ou o entendim ento <strong>de</strong> que, em face da atual Constituição, não se po<strong>de</strong>m acumular proventos<br />

com remuneração na ativida<strong>de</strong>, quando os cargos efetivos <strong>de</strong> que <strong>de</strong>correm ambas essas remunerações<br />

não sejam acumuláveis na ativida<strong>de</strong>.” Conferir, ainda: STF - Pleno - A din n2 1691-1/D F- m edida liminar - ReL<br />

Min. M oreira A lves, Diário d a J u s tiç a , Seção 1,28 nov. 1997 e 12 <strong>de</strong>z. 1997, S T F - 2 aT .-R extr. n°382.389/M G,<br />

Rei. Min. EllenG racie, <strong>de</strong>cisão: 14-2-2006.<br />

3 CF, art. 37, § 10, com a redação dada pela EC n2 20/98.<br />

4 E C n 220/98, art. 11.<br />

5 Conferir: STF - I a T. - RMS 24737/DF - Rei. M in. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: l 2-6-2004, I n f o r m a t iv o S T F n° 350,<br />

p. 2.


3 7 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, salvo as hipóteses acima, a acumulação <strong>de</strong> proventos e vencimentos somente é<br />

permitida quando se tratar <strong>de</strong> cargos, funções ou empregos acumuláveis na ativida<strong>de</strong>, na<br />

forma permitida pela Constituição,1inclusive proibindo a Constituição que o juiz exerça,<br />

ainda que em disponibilida<strong>de</strong> ou mesmo aposentado, outro cargo ou função pública, salvo<br />

uma <strong>de</strong> magistério (art. 95, parágrafo único, inciso I), pois:<br />

“O instituto <strong>de</strong> aposentadoria é, antes <strong>de</strong> tudo, uma conquista social, fundada em<br />

um princípio <strong>de</strong> justiça que não permite o abandono na miséria, <strong>de</strong>pois da velhice<br />

ou da invali<strong>de</strong>z, daquele que prestou o seu serviço ao Estado” (Themístocles Cavalcanti)<br />

“e não um meio <strong>de</strong> ganhar mais do Estado, num país em que o <strong>de</strong>semprego<br />

alcança taxas altíssimas.”12<br />

Além disso, a EC n° 20/98 estabeleceu, permanecendo inalterada pela EC n° 41/03,<br />

a vedação a percepção <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma aposentadoria à conta do regime previ<strong>de</strong>nciário<br />

do art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ressalvadas as aposentadorias <strong>de</strong>correntes dos cargos<br />

acumuláveis <strong>constitucional</strong>mente.3 Nesses casos, on<strong>de</strong> será permitida <strong>constitucional</strong>mente<br />

a acumulação <strong>de</strong> duas aposentadorias, não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se exce<strong>de</strong>r o valor<br />

referente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Note-se que, mesmo na hipótese excepcional on<strong>de</strong> a EC nQ20/98 permitiu a acumulação<br />

<strong>de</strong> proventos <strong>de</strong> aposentadoria com a remuneração <strong>de</strong> cargo, emprego ou função<br />

pública (CF, art. 37, § 10, cuja redação não foi alterada pela EC ne 41/03), não será<br />

possível a percepção <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma aposentadoria à conta do regime previ<strong>de</strong>nciário do<br />

art. 40 da CF.4<br />

8 LICITAÇÃO: INTERPRETAÇÃO DE ACORDO COM A FINALIDADE<br />

CONSTITUCIONAL<br />

8.1 Da necessida<strong>de</strong> da licitação<br />

O legislador constituinte, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação dos princípios da legalida<strong>de</strong>,<br />

igualda<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong>, probida<strong>de</strong> e da própria ilesivida<strong>de</strong> do<br />

patrimônio público <strong>de</strong>terminou no art. 37, XXI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a regra da obrigatorieda<strong>de</strong><br />

da licitação.<br />

1 STF - Adin n s 1.328-9/AL - Medida Liminar - Rei. M in. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,10<br />

ago. 1995, p. 23.556. Citando, inclusive, prece<strong>de</strong>ntes do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: RE 81.728-SP, ERE 68.480,<br />

MS 19.902, RE 77.237-SP, RE 76.241-RJ.<br />

2 Plenário d o T R F d a l s Região, Rei. Tourino Neto, por maioria, vencido o Juiz Luciano Amaral, 24 nov. 1994<br />

- Leite Soares, pres. - Tourinho Neto, relator. In: Publicado nos Ca<strong>de</strong>rnos d e D i r e i t o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia<br />

P o lít ic a , 11/363.<br />

3 CF, art. 40, § 6a, com a redação dada pela EC na 20/98.<br />

4 STF - 2a T. - RE 584388/SC - R ei. M in. Ricardo Lewandowiski, <strong>de</strong>cisão: 31-8-2011; STF - Pleno - MS n"<br />

24.742, voto do Min. M arco A u rélio, D J 11-3-05.


Administração Pública 3 7 7<br />

Enquanto os particulares <strong>de</strong>sfrutam <strong>de</strong> ampla liberda<strong>de</strong> na contratação <strong>de</strong> obras e<br />

serviços, a Administração Pública, em todos os seus níveis, para fazê-lo, precisa observar,<br />

como regra, um procedimento preliminar <strong>de</strong>terminado e balizado na conformida<strong>de</strong> da<br />

legislação. Em <strong>de</strong>corrência dos princípios constitucionais da legalida<strong>de</strong>, impessoalida<strong>de</strong>,<br />

moralida<strong>de</strong>, publicida<strong>de</strong>, eficiência e probida<strong>de</strong> administrativa, os contratos que envolvem<br />

responsabilida<strong>de</strong> do erário público necessitam adotar a licitação, sob pena <strong>de</strong> invalida<strong>de</strong>,<br />

ou seja, <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cê-la com rigorosa formalística como prece<strong>de</strong>nte necessário a todos<br />

os contratos da administração, visando proporcionar-lhe a proposta mais vantajosa e dar<br />

oportunida<strong>de</strong> a todos <strong>de</strong> oferecerem seus serviços ou mercadorias aos órgãos estatais, assegurando,<br />

assim, sua lieitu<strong>de</strong>. A participação da administração pública no pacto contratual<br />

compromete a res pública, <strong>de</strong>vendo, portanto, sua conduta pautar-se pelos imperativos<br />

constitucionais e legais, bem como pela mais absoluta e cristalina transparência.<br />

Como salienta Celso Antonio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello,<br />

“o acatamento aos princípios mencionados empece - ou ao menos forceja por empecer<br />

- conluios inadmissíveis entre agentes governamentais e terceiros, no que<br />

se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a ativida<strong>de</strong> administrativa contra negócios <strong>de</strong>sfavoráveis, levantando-<br />

-se, ainda, óbice a favoritismo ou perseguições, inconvenientes com o princípio<br />

da igualda<strong>de</strong>”.1<br />

Ora, o administrador público <strong>de</strong>ve pautar-se em suas condutas na Constituição e nas<br />

leis, para garantir o princípio da legalida<strong>de</strong> e o da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> contratar<br />

com o Po<strong>de</strong>r Público. Dessa forma, exigível sempre é a realização do procedimento<br />

licitatório, com o fim <strong>de</strong> afastar o arbítrio e o favorecimento.<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “o procedimento licitatório há<br />

<strong>de</strong> ser o mais abrangente possível, dando azo à participação do maior número possível<br />

<strong>de</strong> concorrentes. A escolha final há <strong>de</strong> recair sempre na proposta mais vantajosa para a<br />

Administração”.12<br />

Consoante esta interpretação, em regra, qualquer contratação, sem prévia e necessária<br />

licitação, não só <strong>de</strong>srespeita o princípio da legalida<strong>de</strong>, como vai mais além, pois <strong>de</strong>monstra<br />

favoritismo do Po<strong>de</strong>r Público em contratar com <strong>de</strong>terminada empresa, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong><br />

todas as <strong>de</strong>mais, que nem ao menos tiveram oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> oferecimento <strong>de</strong> propostas<br />

e verificação <strong>de</strong> condições, em frontal <strong>de</strong>srespeito ao princípio <strong>constitucional</strong> da igualda<strong>de</strong><br />

(art. 52, caput e inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

8.2 Das hipóteses excepcionais <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> licitação<br />

Como salienta José Afonso da Silva,<br />

“o princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como<br />

regras, ao procedimento <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> propostas mais vantajosas para a adminis­<br />

1 MELLO, Celso Antonio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>. Elementos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.<br />

p . 180.<br />

2 STJ - Pleno - MS n“ 5.602/DF - Rei. Min. Presi<strong>de</strong>nte A m érd o Luz, Diário da Justiça, Seção 1,4 fev. 1998, p . 4.


378 Direito Constitucional • Moraes<br />

tração pública. Constitui um princípio instrumental <strong>de</strong> realização dos princípios da<br />

moralida<strong>de</strong> administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes<br />

com o Po<strong>de</strong>r Público”.1<br />

Ora, se a Constituição exige como regra a licitação e, excepcionalmente, admite q ue a<br />

lei <strong>de</strong>fina os casos em que esta po<strong>de</strong>rá ser afastada, claro está que o legislador constituinte<br />

propugnou na norma <strong>constitucional</strong> uma interpretação absolutamente restrita e taxativa<br />

das hipóteses inffaconstitucionais <strong>de</strong> dispensa e inexigibilida<strong>de</strong> do certame licitatório,<br />

em respeito ao caráter finalístico da norma <strong>constitucional</strong>.12<br />

Este objetivo, em relação à norma existente no art. 37, inc. XXI, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, é obrigar o Po<strong>de</strong>r Público a licitar, sempre que houver possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrência<br />

e <strong>de</strong> escolha da melhor e mais vantajosa oferta ao Po<strong>de</strong>r Público, sem prejuízo ao<br />

interesse público.<br />

A exegese <strong>constitucional</strong> indica que havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrência, sem prejuízo<br />

ao interesse público, <strong>de</strong>verá haver licitação e somente, excepcionalmente, a dispensa<br />

ou a inexigibilida<strong>de</strong> previstas na legislação ordinária <strong>de</strong>verão ser aplicadas.<br />

O objetivo colimado pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral está na previsão <strong>de</strong> que a regra geral<br />

é a da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se realizar o procedimento licitatório. No entanto, o próprio<br />

dispositivo <strong>constitucional</strong> que estatui essa obrigatorieda<strong>de</strong> (art. 37, inc. XXI, anteriormente<br />

citado) reconhece a existência <strong>de</strong> exceções à regra <strong>de</strong> licitar ao efetuar a ressalva dos<br />

casos especificados na legislação. Dessa maneira, o legislador constituinte, ao fazer essa<br />

ressalva, admitiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existirem casos em que a licitação po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser realizada, autorizando, assim, a administração pública a celebrar contratações diretas.<br />

Tais situações, contudo, configuram-se em exceções à regra geral, sendo as hipóteses <strong>de</strong><br />

dispensa e inexigibilida<strong>de</strong>.<br />

Concordamos, portanto, com a conclusão <strong>de</strong> Sérgio Ferraz e Lúcia Valle Figueiredo<br />

<strong>de</strong> que a dispensabilida<strong>de</strong> não afasta, em princípio, e fatalmente, a incidência do requisito<br />

da licitação. Por quê? Para o homem do Direito, é muito importante que se tente sempre<br />

amarrar a construção doutrinária e a elaboração conceituai, num patamar irredutível...<br />

A licitação existe, em termos <strong>de</strong> embasamento <strong>constitucional</strong>, para a realização dos princípios<br />

vetoriais, dos princípios fundamentais, da Lei das Leis.3<br />

8.3 Da dispensa da licitação<br />

Ao legislador ordinário, portanto, não será possível, em <strong>de</strong>srespeito aos preceitos<br />

constitucionais, estabelecer arbitrariamente hipóteses <strong>de</strong> dispensa <strong>de</strong> licitação. Se não<br />

houver razoabilida<strong>de</strong> ou compatibilida<strong>de</strong> da dispensa legal com os princípios constitucionais<br />

que norteiam a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação, haverá flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

1 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 573.<br />

2 MELO, José Tardzio Alm eida. Direito <strong>constitucional</strong> brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 46.<br />

3 FERRAZ, Sérgio; FIGUEIREDO, Lúcia V a lle Dispensa e inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licitação. 3. ed. SãoPaulo: Malheiros,<br />

1995. p. 40-41.


Administração Pública 379<br />

A mesma obrigatorieda<strong>de</strong> exigida para o legislador, que <strong>de</strong>ve, no exercício da função<br />

legiferante, visar ao fim colimado pela constituição, é imposta e <strong>de</strong>verá ser obe<strong>de</strong>cida pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, no momento <strong>de</strong> analisar as hipóteses legais <strong>de</strong> dispensa da licitação<br />

perante o caso concreto, pois sempre a interpretação <strong>de</strong>ve estar <strong>de</strong> acordo com a previsão<br />

<strong>constitucional</strong> da exigibilida<strong>de</strong> do certame licitatório, não havendo, pois, possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> interpretações extensivas, que alarguem as hipóteses <strong>de</strong> dispensa.<br />

8.4 Da inexigibilida<strong>de</strong> da licitação<br />

Diferentemente da dispensa da licitação, ocorrerão as hipóteses <strong>de</strong> inexigibilida<strong>de</strong><br />

quando houver impossibilida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> competição entre os diversos contratantes,<br />

seja pela específica natureza do negócio, seja pelos objetivos visados pela administração<br />

pública.<br />

Como já exaustivamente analisado, a licitação é praxe exigida <strong>constitucional</strong>mente,<br />

e tanto o legislador quanto o intérprete <strong>de</strong>verão, sempre, procurar atingir o fim colimado<br />

pela constituição, em respeito, principalmente, aos princípios da igualda<strong>de</strong>, legalida<strong>de</strong><br />

e moralida<strong>de</strong> pública. Contudo, existirão situações em que os interesses da administração,<br />

e consequentemente, o interesse público, ficarão mais bem resguardados com a<br />

não-realização do certame licitatório. Na inexigibilida<strong>de</strong> há a inviabilida<strong>de</strong> da licitação<br />

por impossibilida<strong>de</strong> do processo <strong>de</strong> competição entre os participantes. Dessa forma, será<br />

inexigível a licitação quando houver inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> competição, que tomará impossível<br />

a comparação, necessária e indispensável ao certame licitatório.<br />

Da mesma forma, Eros Roberto Grau afirma que se houver possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> competição,<br />

a licitação será indispensável, pois<br />

“a competição <strong>de</strong> que se trata, objetivo visado pela licitação, impõe-se seja <strong>de</strong>senrolada<br />

<strong>de</strong> modo que reste assegurada a igualda<strong>de</strong> (isonomia) <strong>de</strong> todos quanto<br />

pretendam acesso a contratações da administração”.1<br />

8.5 Conclusão<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige a licitação na contratação <strong>de</strong> obras, serviços, compras<br />

e alienações da administração pública direta, indireta ou fundacional, <strong>de</strong> qualquer dos<br />

Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, pois o princípio da<br />

licitação representa exigência superior da própria moralida<strong>de</strong> administrativa e, como tal,<br />

a sua dispensa <strong>de</strong>verá ocorrer excepcionalmente em casos expressamente especificados<br />

em lei, respeitando sempre o interesse público.<br />

A função <strong>de</strong> administrador da coisa pública, além <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r a condução da<br />

unida<strong>de</strong> política, correspon<strong>de</strong> a realização <strong>de</strong> atos e contratos <strong>de</strong> natureza negociai, envolvendo<br />

bens e serviços <strong>de</strong> que necessita para o <strong>de</strong>senvolvimento das próprias ativida<strong>de</strong>s.<br />

1 R D P 100/ 30.


380 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, se <strong>de</strong> um lado haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>purar, tanto quanto possível, tais atos<br />

e contratos <strong>de</strong> toda possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> riscos e prejuízos afetos, geralmente, ao particular<br />

ou à empresa privada, <strong>de</strong> outro lado, da parte dos fornecedores <strong>de</strong>sses bens e serviços,<br />

ter-se-á <strong>de</strong> manter uma situação <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> e abrangência, diante da administração<br />

pública, mediante a observação do processo <strong>de</strong> concorrência <strong>de</strong> todos os interessados, que<br />

é o processo <strong>de</strong> licitação. A licitação representa, portanto, a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atendimento<br />

ao interesse público, pelos particulares, numa situação <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.<br />

Portanto, qualquer ativida<strong>de</strong> do legislador ordinário, ou mesmo qualquer análise<br />

interpretativa sobre as hipóteses <strong>de</strong> dispensa e inexigibilida<strong>de</strong> da licitação, <strong>de</strong>verá ser<br />

taxativa e restritiva, em obediência aos fins colimados pela norma <strong>constitucional</strong>.<br />

9 PUBLICIDADE DOS ATOS, PROGRAMAS, OBRAS, SERVIÇOS E CAMPANHAS<br />

DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS<br />

Por ausência <strong>de</strong> previsão <strong>constitucional</strong> anterior, que regulamentasse a publicida<strong>de</strong><br />

da atuação do Po<strong>de</strong>r Público, tornou-se generalizada a prática <strong>de</strong> grandiosas e complexas<br />

promoções pessoais <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s componentes da autorida<strong>de</strong> pública, em especial, dos<br />

próprios chefes do Po<strong>de</strong>r Executivo, nas três esferas da Fe<strong>de</strong>ração, realizadas às custas<br />

do erário público.<br />

Tais hipóteses, atualmente, estão expressamente vedadas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que <strong>de</strong>termina que a publicida<strong>de</strong> dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos<br />

órgãos públicos <strong>de</strong>verá ter caráter educativo, informativo ou <strong>de</strong> orientação social, <strong>de</strong>la<br />

não po<strong>de</strong>ndo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou servidores públicos (CF, art. 37, § 1Q).<br />

O legislador constituinte, ao <strong>de</strong>finir a presente regra, visou a finalida<strong>de</strong> moralizadora,<br />

vedando o <strong>de</strong>sgaste e o uso <strong>de</strong> dinheiro público em propagandas conducentes à<br />

promoção pessoal <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou servidores públicos, seja por meio da menção <strong>de</strong><br />

nomes, seja por meio <strong>de</strong> símbolos ou imagens que possam <strong>de</strong> qualquer forma estabelecer<br />

alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado, pois, como <strong>de</strong>stacado<br />

pelo Ministro Joaquim Barbosa, tal conduta “afronta aos princípios da impessoalida<strong>de</strong> e<br />

da moralida<strong>de</strong> administrativa (CF, art 37, § I a), em razão do uso <strong>de</strong> símbolo e <strong>de</strong> slogan<br />

político-pessoais nas diversas formas <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> e/ou divulgação <strong>de</strong> obras e eventos” 1<br />

do Po<strong>de</strong>r Público. E o móvel para esta <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong> foi a exorbitância <strong>de</strong><br />

verbas públicas gastas com publicida<strong>de</strong> in<strong>de</strong>vida.<br />

Como salienta Sérgio Andréa Ferreira,12 ao comentar o art. 37, § I a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“o dispositivo em exame tem por objetivo coibir a prática das mais comuns nas<br />

administrações brasileiras, a dos governantes e administradores especialmente o<br />

1 STF - 2a T. - RE 281012/PI, rei. orig. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, red p/ o acórdão, Min. Joaquim Barbosa, 20-<br />

3-2012.<br />

2 FERREIRA, Sérgio Andréa. Comentários... Op. cit. v. 3, p. 293.


Administração Pública 3 8 1<br />

chefe do po<strong>de</strong>r executivo, valerem-se dos dinheiros públicos para, a pretexto <strong>de</strong><br />

divulgar ou simplesmente i<strong>de</strong>ntificar obras e realizações governamentais, que nada<br />

mais são do que o cumprimento das obrigações administrativas, fazerem publicida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> seus nomes, e <strong>de</strong> seus partidos, com vistas a futuras eleições. Antigamente,<br />

o expediente consistia, tão somente, em apor, na placa <strong>de</strong> aviso <strong>de</strong> realização <strong>de</strong><br />

serviços, a menção a ‘Obra do Governo...’ Hoje em dia, com os meios sofisticados<br />

<strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> marketing, <strong>de</strong> merchandising, <strong>de</strong> uso dos midia eletrônicos, <strong>de</strong><br />

comunicação <strong>de</strong> ‘massa’, os gastos são colossais com a propaganda oficial. Diante<br />

do texto <strong>constitucional</strong> vigente, as formas são mais sutis, sem menção a nomes,<br />

mas constituindo, caracterizadamente, a promoção pessoal vedada pela CF. TUdo<br />

isso, é óbvio, <strong>constitucional</strong>mente está vedado, ainda que assuma a feição <strong>de</strong> frau<strong>de</strong><br />

à lei. Expediente igualmente utilizado consiste na propaganda através do Diário<br />

Oficial, inclusive <strong>de</strong> suplementos ao mesmo”.<br />

Note-se, portanto, que a publicida<strong>de</strong> não está vedada <strong>constitucional</strong>mente, pois o<br />

princípio da publicida<strong>de</strong> dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da administração,<br />

inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong><br />

à administração pública ou à atuação administrativa, visando o referido princípio,<br />

essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r os interesses<br />

da coletivida<strong>de</strong> mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos. Porém,<br />

está condicionada à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem<br />

<strong>de</strong>terminados fins: caráter educativo, informativo ou <strong>de</strong> orientação social; e, ausência<br />

<strong>de</strong> nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s ou<br />

servidores públicos.1<br />

Não po<strong>de</strong>rão as autorida<strong>de</strong>s públicas utilizar-se <strong>de</strong> seus nomes, <strong>de</strong> seus símbolos ou<br />

imagens para, no bojo <strong>de</strong> alguma ativida<strong>de</strong> publicitária, patrocinada por dinheiro público,<br />

obterem ou simplesmente preten<strong>de</strong>rem obter promoção pessoal, <strong>de</strong>vendo a matéria<br />

veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalida<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico<br />

marketing político.12<br />

Lembremo-nos da lição precisa <strong>de</strong> CelsoBastos e Ives Gandra, citando exemplos clássicos<br />

da vida política <strong>de</strong> nosso país, ao afirmarem que “a regra é bastante rigorosa. Proíbe<br />

a aparição <strong>de</strong> imagem da autorida<strong>de</strong> e mesmo a sua referência por meio da invocação do<br />

seu nome ou <strong>de</strong> qualquer símbolo que produza igual efeito. Lembre-se que alguns políticos<br />

ficaram conhecidos por certos objetos, por exemplo, vassoura (Jânio Quadros), marmita<br />

(Hugo Borgui). É uma lástima constatar que até agora não tenha havido uma aplicação<br />

drástica <strong>de</strong>ste preceito. Ainda é frequente ver-se nos órgãos <strong>de</strong> comunicação matérias que<br />

não aten<strong>de</strong>m aos pressupostos positivos ou negativos da ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>”.<br />

Importante ressaltar que o <strong>de</strong>srespeito aos requisitos constitucionais do art. 37, §<br />

l 2, em clara afronta aos princípios da impessoalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong> administrativa<br />

1 STF, 2a T „ RE 281012/PI, Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, DJe-113,11-6-2012; STF, I a T „ RE 191668/RS, Rei.<br />

Min. Menezes Direito, DJe-097,29-5-2008.<br />

2 STJ, 2a T „ A g R g no REsp 1368125/PR, Rei. Min. Hum berto Martins, DJe 28-5-2013; STJ, 2a T „ A g R g no<br />

AREsp 125375/MG, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 23-5-2012; STJ, 2a T., A gR g no AREsp 6693/RS,<br />

Rei. Min. Castro M eira,DJe 27-9-2011; STJ, 2a T., REsp765212/AC, Rei. Min. Herman Benjamin,DJe 23-6-2010.


3 8 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

e da proibição expressa do uso <strong>de</strong> nome, símbolo ou imagem que caracterize promoção<br />

pessoal da autorida<strong>de</strong>, havendo, pois aproveitamento do dinheiro público para realização<br />

<strong>de</strong> promoção pessoal, caracteriza ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, legitimando o Ministério Público, no<br />

exercício da competênciacontempiada no art. 129, II e III, a exercer a fiscalização do cumprimento<br />

<strong>constitucional</strong> e a aplicação das sanções previstas, <strong>constitucional</strong> e legalmente,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da utilização da ação popular para anulação do ato.<br />

Essa conduta <strong>de</strong>svirtuada do agente político, visando a sua autopromoção com a utilização<br />

<strong>de</strong> verbas públicas, afronta os princípios nucleares da or<strong>de</strong>m jurídica, com a obtenção<br />

<strong>de</strong> vantagens patrimoniais e políticas in<strong>de</strong>vidas às expensas do erário, através do exercício<br />

nocivo <strong>de</strong> seu mandato político, e acarreta a infringênda do art. 37, §§ 1° e 4a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> forma, como já citado, <strong>de</strong> configurar-se ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>,1cujas sanções<br />

constitucionais12 são previstas no próprio § 4a, do citado art. 37, da Carta Magna, dotado<br />

<strong>de</strong> eficácia e <strong>de</strong> sanção: os atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa importarão a suspensão dos<br />

<strong>direito</strong>s políticos, a perda da função pública, a indisponibilida<strong>de</strong> dos bens e o ressarcimento<br />

ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.<br />

Anote-se que a previsão das hipóteses configuradoras <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, bem como<br />

sua regulamentação e procedimento <strong>de</strong> responsabilização, foi dada pela Lei na 8.429/92.<br />

O <strong>de</strong>srespeito às regras constitucionais da publicida<strong>de</strong> enquadra-se nas previsões dos arts.<br />

9a (“Constitui-se ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa importando enriquecimento ilícito<br />

auferir qualquer tipo <strong>de</strong> vantagem patrimonial in<strong>de</strong>vida em razão do exercício <strong>de</strong> cargo,<br />

mandato, função, emprego ou ativida<strong>de</strong> nas entida<strong>de</strong>s mencionadas no art. I a <strong>de</strong>sta lei...”)<br />

e 11, I (“Constitui-se ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa que atenta contra os princípios<br />

da administração pública, qualquer ação ou omissão que viole os <strong>de</strong>veres da honestida<strong>de</strong>,<br />

legalida<strong>de</strong> às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou<br />

regulamento ou diverso daquele previsto, na regra <strong>de</strong> competência), da citada lei.3<br />

10 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA<br />

O art 37, § 4a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que os atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa<br />

importarão:<br />

• a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos;<br />

• a perda da função pública;<br />

• a indisponibilida<strong>de</strong> dos bens;<br />

• o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabíveL<br />

1 Neste sentido: PAZZAGT.TNT FILHO, ROSA e FAZZIO JR. Improbida<strong>de</strong> administrativa: aspectos jurídicos da<br />

<strong>de</strong>fesa do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1996. p. 35.<br />

2 A Lei n s 8.429/92 disciplina em seus arts. 5S, 6 S e 12 as sanções a serem aplicadas p o r prática d e atos <strong>de</strong><br />

improbida<strong>de</strong>.<br />

3 Conferir nosso Direito Constitucional Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006.


Administração Pública 383<br />

A Constituição estabelece que a forma e a gradação das sanções <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> ato<br />

<strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa serão previstas em lei (Lei na 8.429/92).<br />

Atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e<br />

<strong>de</strong>vidamente tipificados em lei fe<strong>de</strong>ral, ferem direta ou indiretamente os princípios<br />

constitucionais e legais da administração pública, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> importarem<br />

enriquecimento ilícito ou <strong>de</strong> causarem prejuízo material ao erário público.1<br />

A lei <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, portanto, não pune a mera ilegalida<strong>de</strong>, mas sim a conduta ilegal<br />

ou imoral do agente público, e <strong>de</strong> todo aquele que o auxilie, voltada para a corrupção.12<br />

A finalida<strong>de</strong> do combate <strong>constitucional</strong> à improbida<strong>de</strong> administrativa é evitar que<br />

os agentes públicos atuem em <strong>de</strong>trimento do Estado, pois, como já salientava Platão, a<br />

punição e afastamento da vida pública dos agentes corruptos preten<strong>de</strong>m fixar uma regra<br />

proibitiva, <strong>de</strong> que os servidores públicos não se <strong>de</strong>ixem “induzir por preço nenhum a agir<br />

em <strong>de</strong>trimento dos interesses do Estado”.3<br />

O ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa exige para sua consumação um <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> conduta<br />

do agente público, que, no exercício in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> suas funções, afaste-se dos padrões<br />

éticos e morais da socieda<strong>de</strong>, preten<strong>de</strong>ndo obter vantagens materiais in<strong>de</strong>vidas ou gerar<br />

prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como<br />

ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da Lei na 8.429/92.<br />

Assim, para que se evite o perigo <strong>de</strong> uma administração corrupta caracterizada pelo<br />

<strong>de</strong>scrédito e ineficiência, o legislador editou a Lei n° 8.429/92, com o intuito <strong>de</strong> prevenir<br />

a corrosão da máquina burocrática do Estado. No dizer <strong>de</strong> Wallace Paiva Martins Júnior,<br />

“a Lei fe<strong>de</strong>ral 8.429/92 instituiu no <strong>direito</strong> brasileiro um autêntico código da moralida<strong>de</strong><br />

administrativa”.4<br />

A Lei na 8.429/925 consagrou a responsabilida<strong>de</strong> subjetiva do servidor público, exigindo<br />

o dolo nas três espécies <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> (arts. 9a, 10 e 11) e permitindo, em<br />

uma única espécie - art. 10 - , também a responsabilida<strong>de</strong> a título <strong>de</strong> culpa. Nesse exato<br />

sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que<br />

1 No sentido do texto, em relação à natureza civil do ato <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong> adm inistrativa, conferir: SILVA,<br />

José Afonso da. C u r s o d e d ir e it o c o n s t it u c io n a l p o s it iv o . 29. ed. São Paulo. Malheiros, 1999. p 337; SM ANIO,<br />

G ianpaolo Poggio. In te r e s s e s d ifu s o s e c o le t iv o s . São Paulo: Atlas, 1998. p. 83; PAZZAG LINI FILHO, M arino;<br />

ROSA, Márcio Fernando Elias; FAZZIO JR., Waldo. Im p r o b id a d e a d m in is t r a t iv a . 3. ed. São Paulo: Atlas, 1998.<br />

p. 60 ss; MELLO, C láu dioA ri. Im probida<strong>de</strong> administrativa: consi<strong>de</strong>rações sobre a Lei na 8.426/92. C a d e rn o s d e<br />

D i r e i t o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 3, na 11, p. 49, abr./jun. 1995.<br />

2 STJ - I a T. - Resp 1038777/SP - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2011; STJ - I a T .-R E s p . na 758.639/PB -<br />

Rei. Min. José Delgado, D iá r io d a J u s tiç a , Seção 1 ,15 maio 2006, p. 171.<br />

3 PLATÃO. R e p ú b lic a . Bauru: Edipro, 1994. p. 117.<br />

4 M A R TIN S JÚ N IO R , W allace P a iva . Enriquecim ento ilícito <strong>de</strong> a gen tes públicos. Evolução patrim onial<br />

<strong>de</strong>sproporcional a renda ou patrim ônio. R T 755/94. Cf., ainda: PAZZAGLINI FILHO, M arino. A improbida<strong>de</strong><br />

administrativa e a reform a do Estado. R T 747/100; LIM A, Alci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mendonça. Princípio da probida<strong>de</strong> no<br />

Código <strong>de</strong> Processo C ivil Brasileiro. R e v is ta d e I n f o r m a ç ã o L e g is la tiv a , Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, ano 16, n ° 61,<br />

p. 189, jan./mar. 1979.<br />

5 O Supremo tribunal Fe<strong>de</strong>ral in<strong>de</strong>feriu m edida liminar em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> proposta em<br />

face da Lei n“ 8.429/92,afastando, inicialmente, a argum entação <strong>de</strong> v íc io f orm a lfS T F - Pleno - Adin n° 2.182/<br />

DF - Medida Cautelar - ReL Min. M aurício Corrêa. Decisão: 31-5-2000. I n f o r m a t iv o S T F na 191).


3 8 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

“o enquadramento da lei <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> exige culpa ou dolo por parte do sujeito<br />

ativo. Mesm o quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve<br />

culpa ou dolo, se houve um mínimo <strong>de</strong> má-fé que revele realmente a presença <strong>de</strong><br />

um comportamento <strong>de</strong>sonesto”.1<br />

Afastou-se, portanto, a responsabilização objetiva do servidor público,12 pois conforme<br />

salientado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “a má-fé, consoante cediço, é premissa do<br />

ato ilegal e ím probo e a ilegalida<strong>de</strong> só adquire o status <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, quando a conduta<br />

antijurídicafere os princípios constitucionais da Administração Pública, coadjuvados pela<br />

má-intenção do administrador”,3 inexistindo a possibilida<strong>de</strong> da atribuição da responsabilida<strong>de</strong><br />

objetiva na esfera da Lei 8.429/92”.4<br />

A Constituição estabelece que a form a e a gradação das sanções <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> ato<br />

<strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> serão previstas em lei.<br />

Importante <strong>de</strong>stacarmos duas características básicas dos atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> adm i­<br />

nistrativa- natureza civil e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tipificação em lei fe<strong>de</strong>ral.5<br />

A natureza civil dos atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong>corre da redação <strong>constitucional</strong>,<br />

que é bastante clara ao consagrar a in<strong>de</strong>pendência da responsabilida<strong>de</strong> civil por ato<br />

<strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa e a possível responsabilida<strong>de</strong> penal, <strong>de</strong>rivadas da mesma<br />

conduta, ao utilizar a fórm ula "... sem prejuízo da ação penal cabível”.6 *<br />

1 Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 675.<br />

2 STJ, REsp. n° 1.134.461/SP, Rei. Min. Eliana Calmon, STJ, I a T., Resp. 926772/MA, Rei. Min. Teori Albino<br />

Zavascki, <strong>de</strong>cisão: 28-4-2009; STJ, 2a T., Resp. 1042100/ES, Rei. Min. Mauro Campbell Marques, <strong>de</strong>cisão: 17-9-<br />

2010; STJ, Resp. 827455/SP, rei. p/Acórdão Min. TeoriAlbino Zavascki; STJ, I a T., AgRg no Resp. 1122474/PR,<br />

Rei. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 2-2-2011; STJ, Resp. 875.425/RJ, Rei. Min. Denise Arruda, DJe, 11-2-2009;<br />

STJ, I a T., Resp. 1130198/PR, Rei. Min. Luiz Fux, DJe 15-12-2010; STJ - I aT. - REsp. n° 213.994-0/MG - Rei.<br />

Min. Garcia Vieira, Diário da Justiça, Seção I, 27-9-1999. Conferir, ainda: STJ - ROMS n° 8.858/RJ - Rei. Min.<br />

Milton Luiz Pereira, Diário da Justiça, Seção 1,19-4-1999.<br />

3 STJ, I a T., Resp. 1130198/PR, Rei. Min. Luiz Fux, DJe 15-12-2010. Conferir, ainda: STJ - I a T. - Resp.<br />

1038777/SP - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2011.<br />

4 STJ, Resp. 875.425/RJ, Rei. Min. Denise Arruda, DJe, 11-02-2009. Nesse mesmo sentido, inúmeros julgados<br />

do referido Tribunal Superior: 2a T., Resp. 658.415/RS, Rei. Min. Eliana Calmon, D J <strong>de</strong> 3-8-2006, 2a T., Resp.<br />

626.034/RS, Rei. Min. João Otávio <strong>de</strong> Noronha, DJ, 5-6-2006; REsp. 734.984/SP, I a T., Min. Luiz Fux, DJe <strong>de</strong><br />

16-6-2008; AgRg no REsp. 479.812/SP, 2a T., Min. Humberto Martins, D J <strong>de</strong> 14-8-2007; REsp. 842.428/ES,<br />

2a T., Min. Eliana Calmon,D J <strong>de</strong> 21-5-2007; REsp. 841.421/MA, I a T., Min. LuizFux,D J <strong>de</strong> 4-10-2007; REsp.<br />

626.034/RS; REsp. 604.151/RS, Min. TeoriAlbino Zavascki,D J <strong>de</strong> 8-6-2006.<br />

5 FERNANDES, Flávio Sátiro. Improbida<strong>de</strong> administrativa. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, ano 34, n° 136, p. 101, out./<strong>de</strong>z. 1997; FIGUEIREDO, Marcelo. Responsabilida<strong>de</strong> por atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 5, n9 19, p.<br />

123, abr./jun. 1997.<br />

6 Esse foi o entendimento consagrado pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: STF - Pleno - Adin na<br />

2797/DF e Adin n° 2860/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2005 - Informativo STF nQ401, p. 1.<br />

Conferir, na doutrina: MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva; TEBET, Mário Antonio <strong>de</strong> Campos. Aspectos penais da<br />

improbida<strong>de</strong> administrativa: uma forma <strong>de</strong> crime organizado. RT 754/495; SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses...<br />

Op. cit. p. 82; COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. Ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>: Lei 8.429/92. Competência ao juízo<br />

do I a grau. Boletim dos Procuradores daRepública, ano 1, na 9, jan. 1999; SMANIO, Gianpaolo Poggio; JESUS,<br />

Damásio E. Responsabilida<strong>de</strong> penal e administrativa <strong>de</strong> prefeitos municipais. Boletim IBCCrim, n° 54, maio 1997.


Administração Pública 385<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização dos agentes públicos por improbida<strong>de</strong> administrativa<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> prévia previsão legal das condutas ilícitas, sob pena <strong>de</strong> ferimento aos<br />

princípios da reserva legal e anteriorida<strong>de</strong>.<br />

Dessa forma, os agentes públicos somente po<strong>de</strong>m ser responsabilizados pelo cometimento<br />

<strong>de</strong> atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> posteriores à edição da Lei nB8.429/92, sendo vedada a<br />

aplicação do referido diploma legal retroativamente.1<br />

Importante lembrar que os atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa já eram sancionados<br />

genericamente pelo or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro, conforme verificado nos preceitos<br />

da Lei da Ação Popular (Lei nB4.717/65) e no Decreto-lei Fe<strong>de</strong>ral nB201/67 (responsabilida<strong>de</strong><br />

criminal e político-administrativa dos Prefeitos e Vereadores), além das infrações<br />

penais previstas no Código Penal, no capítulo dos crimes contra Administração Pública,<br />

entre outros dispositivos.<br />

A Lei nB8.429/92 estabeleceu nova possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização do agente<br />

público corrupto, a responsabilida<strong>de</strong> civil por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa.<br />

Em relação à in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei ne 10.628/02, que previa foros especiais<br />

para ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, conferir item 4.7.1 (A.4), no Capítulo 10.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral adotou o posicionamento <strong>de</strong> excluir do polo passivo da<br />

ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa todos os agentes políticos passíveis <strong>de</strong> responsabilização<br />

por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>verão respon<strong>de</strong>r, especificamente, por esses<br />

atos.12<br />

Enten<strong>de</strong>mos que tal posicionamento não <strong>de</strong>va prevalecer, em que pese a excelência<br />

<strong>de</strong> seus <strong>de</strong>fensores, pois, além <strong>de</strong> distanciar-se da tradicional autonomia <strong>de</strong> instâncias,<br />

tradicionalmente consagrada no Direito brasileiro, enfraquecerá o combate à improbida<strong>de</strong><br />

administrativa e tornará mais ineficaz a luta contra a corrupção no Brasil. A CF/88, em seu<br />

art. 37, § 4a, <strong>de</strong>termina as consequências para a prática <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa,<br />

sem excluir qualquer agente polí tico <strong>de</strong> sua incidência. Não bastasse isso, a manutenção <strong>de</strong>ssa<br />

posição acarretará in<strong>de</strong>sejável concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r para o processo e julgamento das<br />

autorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> primeiro escalão (Ministros, Secretários <strong>de</strong> Estado etc.), pois, via reflexa,<br />

acabou por estabelecer foro privilegiado.<br />

Nesse sentido, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça enten<strong>de</strong> que não há foro por prerrogativa<br />

<strong>de</strong> função nas ações <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa movidas contra Conselheiros <strong>de</strong><br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas,3 bem como em relação aos Governadores <strong>de</strong> Estado.4<br />

1 Nesse sentido, Ives Gandra ensina: “ Sendo a Lei 8.429/92, <strong>de</strong> 2-6-92, po<strong>de</strong>ria ser aplicada retroativamente,<br />

ou seja, a fatos anteriores a sua prom ulgação? Entendo que não, muito em bora a matéria sobre improbida<strong>de</strong><br />

administrativa já tivesse tratamento penal pretérito” (M ARTINS, Ives Gandra da Silva. A s p e c to s p r o c e d im e n ta is ...<br />

O p.cit.j.N aju rispru dên cia, conferir: STJ - I a T. - REsp. n a196.932/S P-R el. Min. Garcia Vieira. Decisão: 19-3-<br />

99; TJSP - I a Câmara <strong>de</strong> Direito Público - Agravo <strong>de</strong> Instrumento n2 164.928-5/0-SP - Rei. Des. Luís Ganzerla.<br />

Decisão: 16-5-2000.<br />

2 STF - P le n o -R eclam ação na 2.138/DF - Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 12-6-2007; STF - Plen o - Reclamação<br />

na 2.138/DF - Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 12-6-2007. Nesse sentido: STF - R d 2.186/DF - Rei.<br />

Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 22-5-2008; STF - Pleno - PET 3211 - Rei. p/acórdão Min. Carlos A lberto Direito.<br />

D edsão: 13-3-2008.<br />

3 S T J ,C o rteE sp ecia l,A gR gn a R cll2 .5 1 4 -M T , Rei. Min. A ri Pargendler, ju lgado em 16-9-2013.<br />

4 STJ, 2 a T., ED d no A gR g no REsp 1.216.168-RS, Rei. M in . Humberto Martins, ju lgado em 24-9-2013.


386 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em relação a <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, porém, o STF manteve o entendimento da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> serem processados por improbida<strong>de</strong> administrativa na I a instância, uma vez<br />

que, diferentemente dos Ministros <strong>de</strong> Estado, não estão sujeitos a Lei 1.059/50 (crime <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>).1<br />

11 AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE<br />

A ação civil pública é o instrumento processual a<strong>de</strong>quado conferido ao Ministério<br />

Público para o exercício do controle popular sobre os atos dos po<strong>de</strong>res públicos, exigindo<br />

tanto a reparação do dano causado ao patrimônio público por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, quanto<br />

a aplicação das sanções do art. 37, § 4e, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, previstas ao agente<br />

público, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua conduta irregular.12<br />

O art. 129, III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, estabelece como uma das funções institucionais<br />

do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para<br />

proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difusos e<br />

coletivos.3<br />

Essa disposição <strong>constitucional</strong> ampliou o rol previsto no art. l e, inciso IV, da Lei<br />

Fe<strong>de</strong>ral n2 7.347/85, para incluir a <strong>de</strong>fesa, por meio <strong>de</strong> ação civil pública, <strong>de</strong> interesses<br />

transindividuais, possibilitando a fixação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s (ressarcimentos ao erário;<br />

perda do mandato; suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos; aplicação <strong>de</strong> multas) por prejuízos<br />

causados não só aos interesses expressamente nela previstos, mas também quaisquer outros<br />

<strong>de</strong> natureza difusa ou coletiva, sem prejuízo da ação popular. Entre estes outros interesses<br />

não previstos na lei citada, <strong>de</strong>stacam-se a <strong>de</strong>fesa do patrimônio público, da moralida<strong>de</strong><br />

administrativa, ambos <strong>de</strong> natureza indiscutivelmente difusa.<br />

A Lei Fe<strong>de</strong>ral n2 7.347/85 é norma processual geral para a tutela <strong>de</strong> interesses supra-<br />

-individuais, aplicando-se a todas as outras leis <strong>de</strong>stinadas a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>sses interesses, como a<br />

Lei Fe<strong>de</strong>ral n2 8.429/92, conforme artigos Í7e2i. Esta disposição integra-se ao art. 83 da<br />

Lei Fe<strong>de</strong>ral n2 8.078/90 (Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor), que <strong>de</strong>termina a admissão <strong>de</strong><br />

qualquer pedido para tornar a<strong>de</strong>quada e efetiva a tutela aos interesses transindividuais, ou<br />

seja, possibilita a formulação <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> provimento jurisdicional,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenha por objetivo resguardar <strong>de</strong>fesa do interesse em jogo.<br />

Note-se, igualmente, que os arts. 110 e 117, da referida Lei n2 8.078/90, inseriram na<br />

Lei da Ação Civil Pública (Lei n2 7.347/85) o inciso IV do art. I 2 e o art. 21, esten<strong>de</strong>ndo,<br />

<strong>de</strong>forma expressa, o que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral havia estendido <strong>de</strong> maneira implícita, ou<br />

seja, o alcance da ação civil pública à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> todos os interesses difusos.<br />

O referido inciso IV do art. I 2, introduzido no texto da Lei da Ação Civil Pública, cuida<br />

<strong>de</strong> uma norma <strong>de</strong> encerramento, exemplificativa, que se aplica a todo e qualquer <strong>direito</strong><br />

1 STF - Rcl 6254 - m edida liminar - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 15-7-2008; STF - Pleno - Quest. Ord.<br />

Em Pet. n2 3.923/DP - Rei. Min. Joaquim Barbosa.<br />

2 Cf. FREITAS, Juarez. Do princípio da probida<strong>de</strong> administrativa e <strong>de</strong> sua m áxim a efetivação. Revista <strong>de</strong> Informação<br />

Legislativa, n2 129, p 51, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1996.<br />

3 Cf. o art. 25, IV, b, da L ei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos Estaduais (L e i nü 8.625/93).


Administração Pública 3 8 7<br />

ou interesse difuso, coletivo ou individual tratado coletivamente, ao passo que o art. 21<br />

possibilita não apenas pedido con<strong>de</strong>natório ou cautelar, mas também qualquer pedido,<br />

<strong>de</strong> qualquer natureza.<br />

Torna-se, pois, indiscutível a a<strong>de</strong>quação dos pedidos <strong>de</strong> aplicação das sanções previstas<br />

para ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> à ação civil pública,1que constitui nada mais do que uma<br />

mera <strong>de</strong>nominação das ações coletivas, às quais por igual ten<strong>de</strong>m à <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> interesses<br />

metaindividuais.<br />

Assim, não se po<strong>de</strong> negar que a ação civil pública se trata da via processual a<strong>de</strong>quada<br />

para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da administração<br />

pública e para repressão <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, ou simplesmente atos<br />

lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressa previsão no art. 12 da Lei nQ8.429/92<br />

(<strong>de</strong> acordo com o art. 37, § 412, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) e no art. 32 da Lei Fe<strong>de</strong>ral ne<br />

7.347/85.2<br />

É esse o entendimento pacífico do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que afirmou que “o<br />

campo <strong>de</strong> atuação do MP foi ampliado pela Constituição <strong>de</strong> 1988, cabendo ao parquet a<br />

promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e<br />

social, do meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta<br />

pelo art. l e da Lei ne 7,347/85”.3 Reiterando esse posicionamento, <strong>de</strong>cidiu o STJ que “tem<br />

o Ministério Público legitimida<strong>de</strong> para propor ação civil pública visando ao ressarcimento<br />

<strong>de</strong> danos ao erário público”,4 concluindo no sentido <strong>de</strong> que “conforme alguns prece<strong>de</strong>ntes<br />

da Corte, é legítimo ao Ministério Público propor ação civil pública visando a proteção<br />

do patrimônio público, uma vez que o texto <strong>constitucional</strong>/88 (art. 129, III), ampliou o<br />

campo <strong>de</strong> atuação do MP, colocando-o como instituição <strong>de</strong> substancial importância na<br />

<strong>de</strong>fesa da cidadania”.5<br />

A Lei da Ação Civil Pública é <strong>de</strong> natureza essencialmente processual, limitando-se a<br />

disciplinar os aspectos processuais da tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais<br />

homogêneos. Alberga a lei material a relação <strong>de</strong> subordinação dos aspectos <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

material dos bens protegidos pela lei em questão.<br />

Ao escrever sobre a ação civil pública, Hely Lopes Meirelles confirmou sua natureza<br />

eminentemente processual, afirmando que<br />

1 Conferir: STJ - 2aT. - RMS n2 6.182/95-DF - Rei. P/Acórdão Min. Adhem ar M aciel, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção<br />

I, I a <strong>de</strong>z. 1997, p. 62.700; TJSP - A gravo <strong>de</strong> Instrumento na 048.796.5/0, São Paulo - vo to n2 10.157 - Rei.<br />

Des. Nelson Schiesari, <strong>de</strong>cisão em 6 nov. 1997; Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo - 2a Câmara <strong>de</strong> Direito Público<br />

- Apelação C ível na 272.996-1/8 - Guarulhos - Rei. Des. Passos <strong>de</strong> Freitas, <strong>de</strong>cisão: 11 mar. 1997.<br />

2 Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> S ão Paulo, I a Câmara Civil, A gravo <strong>de</strong> Instrumento 214.432-1/0, S ão Paulo,<br />

Relator Desembargador Alexan dre Germano, v.u., 27-9-1994. E, ainda, julgam ento p roferid o nos autos do<br />

já citado A gravo <strong>de</strong> Instrumento na 198.572-1/4, pelaC olen da 8a Câmara Civil, v.u., relator Desembargador<br />

Jorge Alm eida.<br />

3 STJ - 6aT. - Resp. na 67.148/S P- Rei. M in. Adhem ar M aciel, <strong>de</strong>cisão: 25-9-1995.<br />

4 STJ - I a T. - Resp. n° 142.707/SP - Rei, M in. Garcia Vieira, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,27 abr. 1998, p. 8 5.<br />

5 STJ - 5“ T .-R e s p . n° 98.648/MG -R e l.M in . José Arnaldo da Fonseca, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,28 abr. 1997,<br />

E m e n t á r io S T J 18/185. C on ferir, ainda, n esse sen tido: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, A gravo <strong>de</strong> Instrumento<br />

97.838-GO, Rei. Ministro Antônio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro, 19 mar. 1996, D J U , 28 mar. 1996, p. 9.234; e ainda, Resp.<br />

na 13.649, ReL Min. Eduardo Ribeiro, R S T J 27.493.


388 Direito Constitucional • Moraes<br />

“a ação e a con<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>vem fundar-se em disposição <strong>de</strong> alguma norma substantiva<br />

(da União, dos Estados ou Municípios) que tipifique a infração a ser reconhecida<br />

ou punida pelo Judiciário, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> qualquer outra sanção<br />

administrativa ou penal, em que incida o infrator” .1<br />

Conclui-se, portanto, que a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a<br />

hipótese motivadora da ação e possibilitadora da con<strong>de</strong>nação por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong><br />

administrativa se baseia nas disposições da Lei ne 8.429/92, norma substantiva, <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas <strong>constitucional</strong>mente no<br />

art. 37, § 412, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,2 corroborando-se a lição <strong>de</strong> Pazzaglini, Elias Rosa<br />

e Fazzio <strong>de</strong> que<br />

“ação civil pública, no caso da improbida<strong>de</strong> administrativa, é ação civil <strong>de</strong> interesse<br />

público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento<br />

para a proteção <strong>de</strong> um bem, cuja preservação interessa a toda a coletivida<strong>de</strong>”.3<br />

12 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que a s pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público e as <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

privado prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos respon<strong>de</strong>rão pelos danos que seus agentes, nessa<br />

qualida<strong>de</strong>, causarem a terceiros, assegurado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> regresso contra o responsável<br />

nos casos <strong>de</strong> dolo ou culpa.<br />

Assim, a responsabilida<strong>de</strong> civil das pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público e das pessoas<br />

jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado prestadoras <strong>de</strong> serviço público baseia-se no risco administrativo,<br />

sendo objetiva. Essa responsabilida<strong>de</strong> objetiva exige a ocorrência dos seguintes<br />

requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência <strong>de</strong> nexo causai<br />

entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência <strong>de</strong> causa exclu<strong>de</strong>nte da responsabilida<strong>de</strong><br />

estatal.4<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em relação à responsabilida<strong>de</strong> civil do Po<strong>de</strong>r Público,<br />

afirma:<br />

“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais<br />

brasileiros <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Carta Política <strong>de</strong> 1946, confere fundamento doutrinário<br />

1 MEIRELLES, Hely Lopes. M a n d a d o d e s e g u r a n ç a ... Op. cit. p. 122-123.<br />

2 Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Pau lo, A pelação Cível 250.191-1/3, Iguape, 2a Câm ara <strong>de</strong> D ireito<br />

Público, Relator Desembargador LineuPenteado, v.u., 21-5-1996; Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />

I a Câmara C ivil, A gravo <strong>de</strong> Instrumento 214.432-1/0, São Paulo, Relator Desembargador A lexan dre Germano,<br />

v.u., 27-9-1994; Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, A pelação Cível 201.861-1/8,2aCâmara Civil, Relator Desembargador<br />

Lino Machado, v.u., l 5-3-1994, R e id s ta <strong>de</strong> D i r e i t o A m b ie n t a l 00/229-RT; Tribunal <strong>de</strong> Justiça doEstado<br />

<strong>de</strong> São Paulo, A gravo <strong>de</strong> Instrumento n2 198.572-1/4,8S Câmara C ivil, v.u., Relator o insigne Desembargador<br />

Jorge Almeida.<br />

3 PAZZAGLINI FILHO, ROSA, FAZZIO JR. Im p r o b id a d e ... Op. cit. p. 181.<br />

4 Sobre as características da Teoria G eral da Responsabilida<strong>de</strong> C ivil, aplicáveis ao campo adm inistrativo,<br />

conferir; SAM PAIO, Rogério M arrone <strong>de</strong> Castro. D i r e i t o c i v i l : responsabilida<strong>de</strong> civiL São Paulo; Atlas, 2000.


Administração Pública 3 8 9<br />

à responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva do Po<strong>de</strong>r Público pelos danos a que os agentes<br />

públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica,<br />

que informa o princípio <strong>constitucional</strong> da responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva do Po<strong>de</strong>r<br />

Público, faz emergir, da mera ocorrência <strong>de</strong> ato lesivo causado à vítima pelo Estado,<br />

o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> caracterização <strong>de</strong> culpa dos agentes estatais ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> falta<br />

do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e <strong>de</strong>lineiam o perfil da<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva do Po<strong>de</strong>r Público compreen<strong>de</strong>m (a) a alterida<strong>de</strong> do<br />

dano, (b) a causalida<strong>de</strong> material entre o eventus damni e o comportamento positivo<br />

(ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong><br />

causai e lesiva, imputável a agente do Po<strong>de</strong>r Público, que tenha, nessa condição<br />

funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

licitu<strong>de</strong>, ou não, do comportamento funcional (R T J 140/636) e (d) a ausência<br />

<strong>de</strong> causa exclu<strong>de</strong>nte da responsabilida<strong>de</strong> estatal (RTJ 55/503 - R TJ 71/99 - RTJ<br />

91/377 - R T J 99/1155- R T J 131/417).<br />

O princípio da responsabilida<strong>de</strong> objetiva não se reveste <strong>de</strong> caráter absoluto, eis que<br />

admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilida<strong>de</strong> civil do<br />

Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras <strong>de</strong> situações liberatórias - como o caso<br />

fortuito e a força maior - ou evi<strong>de</strong>nciadoras <strong>de</strong> ocorrência <strong>de</strong> culpa atribuível à própria<br />

vítima (RDA 137/233- R T J 55/50).”1<br />

As características básicas do preceito <strong>constitucional</strong> consagrador da responsabilida<strong>de</strong><br />

civil objetiva do Po<strong>de</strong>r Público (CF, § 6a do art. 37) são:<br />

• as pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público e as <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado prestadoras <strong>de</strong><br />

serviços públicos respon<strong>de</strong>rão pelos danos que seus agentes, nessa qualida<strong>de</strong>,<br />

causarem a terceiros, assegurado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> regresso contrao responsável nos<br />

casos <strong>de</strong> dolo ou culpa;12<br />

• a obrigação <strong>de</strong> reparar danos patrimoniais <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil<br />

objetiva. Se o Estado, por suas pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público ou pelas <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> privado prestadoras <strong>de</strong> serviços públicos, causar danos ou prejuízos aos<br />

indivíduos, <strong>de</strong>verá reparar esses danos, in<strong>de</strong>nizando-os, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> ter agido com dolo ou culpa;3<br />

1 STF - I a T. - Rextr. n° 109.615-2/RJ, Rei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 2 ago. 1996, p.<br />

25.785. N o mesmo sentido: I n f o r m a t iv o S T F - Brasília, 15 a 19 abr. 1996 - n° 27. RE 140.270-MG, Rei. Min.<br />

M arco Aurélio, 15-4-96.<br />

2 A responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado abrange, inclusive, os atos dos agentes notariais, pois, conform e <strong>de</strong>cidiu<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “ Os cargos notariais são criados por lei, providos mediante concurso público e os<br />

atos <strong>de</strong> seus agentes, sujeitos à fiscalização estatal, são dotados <strong>de</strong> fé pública, prerrogativa esta inerente à i<strong>de</strong>ia<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>legado do Estado. 2. Legitim ida<strong>de</strong> passiva a d c a u s a m do Estado. Princípio da responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Aplicação. A to praticado p elo agente <strong>de</strong>legado. Legitim ida<strong>de</strong> passiva do Estado na relação jurídica processual,<br />

em fa ce da responsabilida<strong>de</strong> objetiva da Adm inistração” (STF - 2a T. - Rextr. n2 212.724-8/MG - Rei. Min.<br />

M aurício Corrêa, D i á r i o da J u s t iç a , Seção I, 6 ago. 1999, p. 48).<br />

3 STF - I a T. - RE n° 327.904-1/SP - Rei. Min. Carlos Britto, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 8 set. 2006, p. 43; STJ<br />

- 2 aT. -R esp. n° 38.792-0/SP-R el. Min. Peçanha Martins, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, 28 abr. 1997 - E m e n t á r i o


3 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

• os requisitos configuradores da responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado são: ocorrência<br />

do dano; nexo causai entre o eventus damni e a ação ou omissão1do agente<br />

público ou do prestador <strong>de</strong> serviço público; oficialida<strong>de</strong> da conduta lesiva;<br />

inexistência <strong>de</strong> causa exclu<strong>de</strong>nte da responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado;*12<br />

• no Direito brasileiro, a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado é objetiva, com base no<br />

risco administrativo, que, ao contrário do risco integral, admite abrandamentos.<br />

Assim, a responsabilida<strong>de</strong> do Estado po<strong>de</strong> ser afastada no caso <strong>de</strong> força maior,3<br />

caso fortuito, ou ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima;<br />

• havendo culpa exclusiva da vítima, ficará excluída a responsabilida<strong>de</strong> do Estado.<br />

Entretanto, se a culpa for concorrente, a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado <strong>de</strong>verá<br />

ser mitigada, repartindo-se o quantum da in<strong>de</strong>nização;<br />

• a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado não se confun<strong>de</strong> com as responsabilida<strong>de</strong>s<br />

criminal e administrativa dos agentes públicos, por tratar-se <strong>de</strong> instâncias<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.4 Assim, a absolvição do servidor no juízo criminal não afastará<br />

a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado, se não ficar comprovada culpa exclusiva da<br />

vítima;5<br />

• a in<strong>de</strong>nização do dano <strong>de</strong>ve abranger o que a vítima efetivamente per<strong>de</strong>u, o que<br />

<strong>de</strong>spen<strong>de</strong>u, o que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ganhar em consequência direta e imediata do ato<br />

lesivo do Po<strong>de</strong>r Público, ou seja, <strong>de</strong>verá ser in<strong>de</strong>nizada nos danos emergentes e<br />

nos lucros cessantes, bem como honorários advocatícios, correção monetária e<br />

juros <strong>de</strong> mora, se houver atraso no pagamento. Além disso, nos termos do art.<br />

5B, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, será possível a in<strong>de</strong>nização por danos morais;<br />

• a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê ação regressiva contra o responsável nos casos <strong>de</strong><br />

dolo ou culpa.6<br />

S T J , 18/282; STJ - 2 ãT. - Resp. n s 20.860-2/SP - Rei. M in . Peçanha Martins, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,29 nov.<br />

1993, E m e n t á r io S T J 09/627; STJ - 2a T. - Resp. n2 25.800-0/S P-R ei. Min. Adhemar Maciel - RSTJ 112/123.<br />

1 R T J 164/308; S T F - 13T. - Rextr. n2 109.615-2/R J-R el. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 2<br />

ago. 1996, p. 25.785.<br />

2 STF - I a T. - Rextr. nQ170.014-9/SP, Rei. Min. limar G alvão, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,13 fev. 1998, p. 12;<br />

STF - 2 aT. - Rextr. nQ179.147-1/SP, R ei. M in. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 27 fev. 1998, p. 18.<br />

3 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “a força m aior exclui a responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado,<br />

quando <strong>de</strong>scaracteriza o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> entre o evento danoso e o serviço público” (STJ - 2a T. - Resp. n°<br />

135.259-0/SP - Rei. Min. A ri Pargendler, RSTJ 105/190).<br />

4 A jurisprudência sedimentada do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é no sentido da “in<strong>de</strong>pendência das responsabilida<strong>de</strong>s<br />

administrativa e penal. A exceção ocorre à conta <strong>de</strong> situação concreta em que, no campo penal, hajam<br />

ficado patenteadas a inexistência da materialida<strong>de</strong> ou a negativa da autoria” (STF - Pleno - MS nQ22.476-2/AL<br />

- Rei. Min. Marco Aurélio, D i á r i o da J u s tiç a , Seção 1,3 out. 1997, p. 49.230). Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “ In<strong>de</strong>pendência da responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado em confronto com a criminal, salvo<br />

quando no juízo penal se reconhece, via <strong>de</strong>cisão transita em julgado, ausência <strong>de</strong> autoria e <strong>de</strong> m aterialida<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>lito. A absolvição no ju ízo criminal não impe<strong>de</strong> a propositura da ação civil, quando pessoa que não concorreu<br />

para o evento sobre dano não tiver culpa” (STJ - l ãT . - Resp. n2 111.843/PR-R el. Min. José Delgado, <strong>de</strong>cisão:<br />

24-4-1997).<br />

5 STJ - 1 1T. - Resp. n2 111.843-0/PR - Rei. Min. José Delgado, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 jun. 1997 - E m e n ­<br />

t á r io S T J 18/110.<br />

6 STJ - I a T. - Resp. nQ37.215-1/SP - Rei. Min. Demócrito Reinaldo, <strong>de</strong>cisão: 25-4-1994- E m e n t á r io S T J 09/628.


Administração Pública 3 9 1<br />

12.1 Responsabilida<strong>de</strong> civil do po<strong>de</strong>r público pordanos causados a alunos no<br />

recinto <strong>de</strong> estabelecimento oficial <strong>de</strong> ensino<br />

Decidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral:<br />

“O Po<strong>de</strong>r Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos<br />

da re<strong>de</strong> oficial <strong>de</strong> ensino, assume o grave compromisso <strong>de</strong> velar pela preservação<br />

<strong>de</strong> sua integrida<strong>de</strong> física, <strong>de</strong>vendo empregar todos os meios necessários ao integral<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>sse encargo jurídico, sob pena <strong>de</strong> incidir em responsabilida<strong>de</strong> civil<br />

pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno.<br />

A obrigação governamental <strong>de</strong> preservar a intangibilida<strong>de</strong> física dos alunos,<br />

enquanto estes se encontrarem no recinto do estabelecimento escolar, constitui<br />

encargo indissociável do <strong>de</strong>ver que incumbe ao Estado <strong>de</strong> dispensar proteção efetiva<br />

a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Po<strong>de</strong>r Público nos<br />

estabelecimentos oficiais <strong>de</strong> ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a<br />

integrida<strong>de</strong> corporal do aluno, emerge a responsabilida<strong>de</strong> civil do Po<strong>de</strong>r Público<br />

pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda,<br />

vigilância e proteção das autorida<strong>de</strong>s e dos funcionários escolares, ressalvadas<br />

as situações que <strong>de</strong>scaracterizam o nexo <strong>de</strong> causalida<strong>de</strong> material entre o evento<br />

danoso e a ativida<strong>de</strong> estatal imputável aos agentes públicos” .1<br />

13 SERVIDOR PÚBLICO E MANDATO ELETIVO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em seu art. 38, prevê regras especiais <strong>de</strong> tratamento ao servidor<br />

público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício <strong>de</strong> mandato<br />

eletivo:12<br />

• tratando-se <strong>de</strong> mandato eletivo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou distrital, ficará afastado <strong>de</strong><br />

seu cargo, emprego ou função;<br />

• investido no mandato <strong>de</strong> Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função,<br />

sendo-lhe facultado optar por sua remuneração;<br />

• investido no mandato <strong>de</strong> vereador, havendo compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horários,<br />

perceberá as vantagens <strong>de</strong> seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da<br />

remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilida<strong>de</strong>, será aplicada<br />

a norma anterior;<br />

• em qualquer caso que exija o afastamento para o exercício <strong>de</strong> mandato eletivo,<br />

seu tempo <strong>de</strong> serviço será contado para todos os efeitos legais, exceto para<br />

promoção por merecimento;<br />

1 S T F - l aT .-R extr. n° 109.615-2/RJ, Rei. M ia Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, S eçãoI,2ago. 1996, p. 25.785.<br />

2 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.


3 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

• para efeito <strong>de</strong> benefício previ<strong>de</strong>nciário, no caso <strong>de</strong> afastamento, os valores serão<br />

<strong>de</strong>terminados como se no exercício estivesse.<br />

14 SISTEMA REMUNERATÓRIO DO SERVIDOR PÚBLICO<br />

A redação originária do art. 39 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral previa que a União, os Estados,<br />

o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios instituiríam, no âmbito <strong>de</strong> sua competência, ou seja, em<br />

cada esfera governamental, regime jurídico único e planos <strong>de</strong> carreira para os servidores<br />

da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.<br />

Como salientado por Alvacir Corrêa dos Santos,<br />

“percebe-se, pela redação da norma, que o objetivo foi o <strong>de</strong> unificar, no âmbito <strong>de</strong><br />

cada esfera <strong>de</strong> governo (fe<strong>de</strong>ral, estadual, distrital e municipal), o regime jurídico<br />

dos servidores da Administração direta, autarquias e fundações públicas. O princípio<br />

da isonomia, por certo, inspirou o constituinte, no particular, já que referidos<br />

servidores estarão submetidos, entre si, aos mesmos <strong>direito</strong>s e obrigações perante<br />

a entida<strong>de</strong> política a que servem”.1<br />

A Emenda Constitucional ne 19, promulgada em 4-6-1998, extinguiu o regime jurídico<br />

único dos servidores públicos, substituindo-o pela obrigatorieda<strong>de</strong> da União, dos<br />

Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios <strong>de</strong> instituírem um conselho <strong>de</strong> política <strong>de</strong><br />

administração e remuneração <strong>de</strong> pessoal, integrado por servidores <strong>de</strong>signados pelos<br />

respectivos Po<strong>de</strong>res.<br />

Além disso, a fixação dos padrões <strong>de</strong> vencimento e dos <strong>de</strong>mais componentes do sistema<br />

remuneratório observará:<br />

• a natureza, o grau <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e a complexida<strong>de</strong> dos cargos componentes<br />

<strong>de</strong> cada carreira;<br />

• os requisitos para a investidura;<br />

• as peculiarida<strong>de</strong>s dos cargos.<br />

Ressalte-se, porém, que a conduta do conselho <strong>de</strong> política <strong>de</strong> administração e remuneração<br />

<strong>de</strong> pessoal <strong>de</strong>verá pautar-se <strong>de</strong>ntro do estrito respeito ao princípio da igualda<strong>de</strong>, não<br />

havendo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> padrões <strong>de</strong> vencimento e dos <strong>de</strong>mais componentes<br />

do sistema remuneratório com diferenciações em razão <strong>de</strong> sexo, religião, raça, convicções<br />

políticas, filosóficas ou classe social, pois como salientado pelo SupremoTribunalFe<strong>de</strong>ral,<br />

“O princípio da isonomia, que se reveste <strong>de</strong> autoaplicabilida<strong>de</strong>, não é - enquanto postulado<br />

fundamental <strong>de</strong> nossa or<strong>de</strong>m político-jurídica - suscetível <strong>de</strong> regulamentação ou <strong>de</strong> complementação<br />

normativa. Esse princípio - cuja observância vincula, incondicionalmente,<br />

todas as manifestações do Po<strong>de</strong>r Público - <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado, em sua precípua função<br />

<strong>de</strong> obstar discriminações e <strong>de</strong> extinguir privilégios (RDA55/114), sob duplo aspecto: (a) o<br />

da igualda<strong>de</strong> na lei e (b) o da igualda<strong>de</strong> perante a lei. A igualda<strong>de</strong> na lei - que opera numa<br />

1 SANTOS, Alvacir Corrêa dos. Contratação... Op. cit. p. 41.


Administração Pública 3 9 3<br />

fase <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong> puramente abstrata - constitui exigência <strong>de</strong>stinada ao legislador que,<br />

no processo <strong>de</strong> sua formação, nela não po<strong>de</strong>rá incluir fatores <strong>de</strong> discriminação, responsáveis<br />

pela ruptura da or<strong>de</strong>m isonômica. A igualda<strong>de</strong> perante a lei, contudo, pressupondo lei<br />

já elaborada, traduz imposição <strong>de</strong>stinada aos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res estatais, que, na aplicação<br />

da norma legal, não po<strong>de</strong>rão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou<br />

discriminatório. A eventual inobservância <strong>de</strong>sse postulado pelo legislador imporá ao ato<br />

estatal por ele elaborado e produzido a eiva <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.1<br />

Como bem salientado por Maurício Ribeiro Lopes, “trata-se <strong>de</strong> forma hábil imaginada<br />

pelo legislador reformista para, sem romper o p rincípio da igualda<strong>de</strong>, permitir a reconstrução<br />

<strong>de</strong> escalas <strong>de</strong> vencimentos e valorização <strong>de</strong> algumas carreiras técnicas, politicamente<br />

frágeis”.12<br />

A Emenda Constitucional na 19/98 <strong>de</strong>terminou, ainda, <strong>de</strong> forma obrigatória, para o<br />

membro <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r, o <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato eletivo, os Ministros <strong>de</strong> Estado e os Secretários<br />

Estaduais e Municipais e, <strong>de</strong> forma facultativa, para os servidores públicos organizados<br />

em carreira, que suas remunerações serão exclusivamente por subsídio fixado em parcela<br />

única, vedado o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong><br />

representação ou outra espécie remuneratória, obe<strong>de</strong>cidas, em qualquer caso, duas regras<br />

previstas nos incisos X e XI do art. 37, no caso <strong>de</strong>ste último, com a redação dada pela EC<br />

n° 41/03,3 e com a ressalva estabelecida pelos §§ 11 e 12 do referido art. 37, criados pela<br />

EC na 47/05:<br />

• a remuneração dos servidores públicos e o subsídio somente po<strong>de</strong>rão ser fixados<br />

ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada<br />

revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção <strong>de</strong> índices<br />

(CF, art. 37, X). Note-se que não há in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do Estado membro<br />

que estabelece em sua Constituição estadual data limite para o pagamento <strong>de</strong><br />

vencimentos, corrigindo-se monetariamente seus valores se pagos em atraso,<br />

pois a jurisprudência do STF já pacificou o entendimento <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong><br />

dívida <strong>de</strong> caráter alimentar, não ofen<strong>de</strong>ndo o princípio da in<strong>de</strong>pendência dos<br />

Po<strong>de</strong>res, pois não implicam a criação <strong>de</strong> cargos ou o aumento <strong>de</strong> remuneração,<br />

nem ferem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iniciativa exclusiva do Governador do Estado;4<br />

• a remuneração e o subsídio dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos públi<br />

cos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos e os proventos,<br />

pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,<br />

incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não po<strong>de</strong>rão<br />

exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e<br />

1 STF - Pleno - M I n° 58/DF - ReL p/ Acórdão Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 abr. 1991,<br />

p. 4.580.<br />

2 LOPES, M aurício Ribeiro. Comentários... O p. cit. p. 147.<br />

3 Conferir estudo <strong>de</strong>talhado in MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Reforma... Op. cit.<br />

4 S T F - l aT .-R extr. n° 223.454-1/RN - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,19 jun. 1998, p. 14.


3 9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio<br />

mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos<br />

Procuradores e aos Defensores Públicos;<br />

• os estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão alterar suas respectivas Constituições<br />

estaduais ou sua Lei Orgânica, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único<br />

para todos os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os parlamentares.<br />

Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

Assim, da mesma forma que em âmbito fe<strong>de</strong>ral há um único teto salarial para os<br />

três Po<strong>de</strong>res da União, correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio dos Ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 37, XI), em âmbito estadual/distrital, as Assembléias<br />

Legislativas e a Câmara Legislativa do Distrito Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rão estabelecer um<br />

único subteto salarial para todos os servidores locais, salvo os parlamentares,<br />

correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio dos membros da mais alta Corte <strong>de</strong> Justiça local<br />

(90,25% dos subsídios dos ministros do STF). Trata-se <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong><br />

do estado-membro/Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que analisará politicamente a conveniência<br />

e a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar alterações em suas Cartas locais, para esten<strong>de</strong>r a<br />

outras carreiras públicas o que o art. 37, XI, excepcionou somente aos membros<br />

do Ministério Público, aos Procuradores e Defensores Públicos;<br />

• para efeitos dos limites estabelecidos nos dois itens anteriores, a EC nQ47/05<br />

(CF, art. 37, § 11), expressamente, excluiu as parcelas <strong>de</strong> caráter in<strong>de</strong>nizatório<br />

previstas em lei. Determinou, ainda, como regra <strong>de</strong> transição (art. 4B, EC<br />

ne 47/05), a aplicação <strong>de</strong> toda legislação em vigor <strong>de</strong>finidora <strong>de</strong> parcelas <strong>de</strong><br />

caráter in<strong>de</strong>nizatório, enquanto o Congresso Nacional não editar lei específica<br />

sobre o assunto.<br />

Ressalte-se, ainda, que Lei da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios<br />

po<strong>de</strong>rá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos,<br />

obe<strong>de</strong>cido, em qualquer caso, o disposto no já citado art. 37, XI.<br />

15 REGRA GERAL DE APOSENTADORIA DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL<br />

O art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais<br />

n— 20/98, 41/03 e 47/05,1assegura aos servidores titulares <strong>de</strong> cargos efetivos da União,<br />

dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações,<br />

regime <strong>de</strong> previdência <strong>de</strong> caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do<br />

respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados<br />

1 Observe-se que o art. 6° da E C n a 47/05 expressamente afirm a que a em enda entra em vig o r na data <strong>de</strong> sua<br />

publicação, com efeitos retroativos à data <strong>de</strong> vigência da EC n° 41, <strong>de</strong> 2003.


Administração Pública 395<br />

critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e as seguintes regras gerais <strong>de</strong><br />

aposentadoria:<br />

• por invali<strong>de</strong>z permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo <strong>de</strong> contribuição,<br />

exceto se <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte em serviço, moléstia profissional<br />

ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;<br />

• compulsoriamente, aos 70 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, com proventos proporcionais ao<br />

tempo <strong>de</strong> contribuição, não sendo possível às Constituições estaduais estabelecerem<br />

previsões etárias diversas do texto da Carta Magna.1Ressalte-se que o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral alterou seu posicionamento anterior, pacificando a<br />

inaplicabilida<strong>de</strong> das regras da aposentadoria compulsória em virtu<strong>de</strong> da ida<strong>de</strong><br />

aos notários referidos no art. 236 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;12<br />

• voluntariamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cumprido tempo mínimo <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> efetivo<br />

exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a<br />

aposentadoria, observadas as seguintes condições:<br />

a. 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e 35 anos <strong>de</strong> contribuição, se homem, e 55 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

e 30 <strong>de</strong> contribuição, se mulher;<br />

b. 65 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher, com proventos<br />

proporcionais ao tempo <strong>de</strong> contribuição.<br />

A EC na 41/03, como não po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser, assegurou a concessão, a qualquer<br />

tempo, <strong>de</strong> aposentadoria aos servidores públicos que, até a data <strong>de</strong> sua publicação, tenham<br />

cumprido todos os requisitos para obtenção <strong>de</strong>sse benefício, com base nos critérios<br />

da legislação então vigente.<br />

O art. 4a da EC na 20/98 <strong>de</strong>termina que “o tempo <strong>de</strong> serviço consi<strong>de</strong>rado pela legislação<br />

vigente para efeito <strong>de</strong> aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria,<br />

será contado como tempo <strong>de</strong> contribuição”. Ressalte-se, ainda, que o § 10, do art. 40, com<br />

a redação dada pela EC na 20/98, prevê que “a lei não po<strong>de</strong>rá estabelecer qualquer forma<br />

<strong>de</strong> contagem <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> contribuição fictício”.<br />

Observe-se que a EC na 20/98 prevê em relação aos professores a redução dos requi<br />

sitos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e tempo <strong>de</strong> contribuição em cinco anos, <strong>de</strong> forma a po<strong>de</strong>rem aposentar-se<br />

voluntariamente aos 55 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e 30 <strong>de</strong> contribuição, se homem, e 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

e 25 <strong>de</strong> contribuição, se mulher.<br />

1 Nesse sentido, o STF <strong>de</strong>feriu medidas cautelares para suspen<strong>de</strong>r o art. 57, § I a, II, da Constituição do Estado<br />

do Piauí (ADI 4696/MC - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 1°-12-2011) e o art. 72, VIII, da Constituição<br />

do Estado do Maranhão (A D I 4698/MC - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 1,J-12-2011). Ambas haviam<br />

alterado a ida<strong>de</strong> para a aposentadoria compulsória <strong>de</strong> 70 para 75 anos<br />

2 Conferir novo posicionamento: STF - Pleno - Adin nQ2.602-0/MG - Rei. Min. Joaquim Barbosa, D iá r io d a<br />

J u s tiç a , Seção I, 31 mar. 2006, p. 6; STF - Pleno - medida cautelar - Adin na 2.602-0/MG - Rei. Min. M oreira<br />

A lv e s , D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,6jun. 2003, p. 30; STF - I a T. - Pet. (Q O ) 2.9 0 3 / S P -R el. Min. M oreira Alves,<br />

I n f o r m a t iv o S T F n°303, p. 2; S T F -P le n o - A D I n - m edida cautelar n°2.891/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

I n f o r m a t iv o S T F n° 311, p. 1. Em relação ao entendimento anterior: STF - 2a T -R e x tr. na 199.801-6/SP - Rei.<br />

Min. M arco Aurélio, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,29abr. 1996, p. 1.996.


396 Direito Constitucional • Moraes<br />

Essa redução, que não sofreu alteração pela EC n2 41/03, refere-se tão somente à<br />

previsão <strong>de</strong> aposentadoria integral e voluntária <strong>de</strong> professores que comprovem exclusivamente<br />

tempo <strong>de</strong> efetivo exercício das funções <strong>de</strong> magistério na educação infantil e no ensino<br />

fundamental e médio.1<br />

A EC ne 41/03 prevê (art. 62), ainda, regra específica para aposentadoria dos servidores<br />

públicos que tenham ingressado no serviço público até a data <strong>de</strong> sua publicação,<br />

ou seja, 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003, <strong>de</strong> maneira a garantir tanto a integralida<strong>de</strong>, quanto a<br />

parida<strong>de</strong> com os servidores em ativida<strong>de</strong>, expressamente <strong>de</strong>finido pela EC n2 47/05.<br />

Nessa hipótese, ressalvando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> opção pela regra geral do art. 40, acima<br />

analisada, e pela possibilida<strong>de</strong> da regra <strong>de</strong> transição, que será analisada em tópico posterior,<br />

o servidorpúblico po<strong>de</strong>rá aposentar-se com proventos integrais, que correspon<strong>de</strong>rão<br />

à totalida<strong>de</strong> da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se <strong>de</strong>r a aposentadoria,<br />

na forma da lei, previstos os seguintes requisitos cumulativos:<br />

• 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 55 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher. Em se tratando <strong>de</strong><br />

professor que comprove exclusivamente tempo <strong>de</strong> efetivo exercício das funções<br />

<strong>de</strong> magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, a ida<strong>de</strong><br />

será reduzida em cinco anos;<br />

• 35 anos <strong>de</strong> contribuição, se homem, e 30 anos <strong>de</strong> contribuição, se mulher. Em<br />

se tratando <strong>de</strong> professor que comprove exclusivamente tempo <strong>de</strong> efetivo exercício<br />

das funções <strong>de</strong> magistério na educação infantil e no ensino fundamental<br />

e médio, o tempo <strong>de</strong> contribuição será reduzida em cinco anos;<br />

• 20 anos <strong>de</strong> efetivo exercício no serviço público;<br />

• 10 anos <strong>de</strong> carreira e cinco anos <strong>de</strong> efetivo exercício no cargo em que se <strong>de</strong>r a<br />

aposentadoria.<br />

A vantagem <strong>de</strong>ssa hipótese, para o servidor público, apesar dos requisitos mais rígidos,<br />

é a garantia não só da integralida<strong>de</strong> dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria, mas também<br />

da parida<strong>de</strong> dos reajustes. A EC n2 47/05 <strong>de</strong>terminou que, nessa hipótese, os proventos<br />

<strong>de</strong> aposentadoria dos servidores e as pensões dos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes serão revistos na mesma<br />

proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em<br />

ativida<strong>de</strong>, sendo também estendidos aos aposentados e pensionaistas quaisquer benefícios<br />

ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em ativida<strong>de</strong>, inclusive quando<br />

<strong>de</strong>correntes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se <strong>de</strong>u a<br />

aposentadoria ou que serviu <strong>de</strong> referência para a concessão da pensão, na forma da lei.<br />

Tal conclusão <strong>de</strong>corre da expressa previsão do art. 22 da EC n2 47/05, que <strong>de</strong>terminou a<br />

aplicação do disposto no art. 72 da EC n2 41/03 ao seu art. 6°.<br />

A EC n2 47/05 estabeleceu, ainda, nova hipótese <strong>de</strong> aposentadoria integral, bem<br />

como os mesmos critérios <strong>de</strong> parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão, na mesma proporção e na mesma data<br />

dos servidores em ativida<strong>de</strong>s, nos termos analisados no parágrafo anterior, inclusive<br />

observando-se igual critério <strong>de</strong> revisão às pensões <strong>de</strong>rivadas dos proventos <strong>de</strong> servidores<br />

falecidos que tenham se aposentado na forma <strong>de</strong>ssa nova hipótese (art. 32, caput e parágrafo<br />

único da referida EC n2 47/05).<br />

CF, art. 40, § 5°, com a redação dada pela E C n ° 20/98.


Administração Pública 3 9 7<br />

Essa nova hipótese aplica-se aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenham ingressado no<br />

serviço público até 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 - data da publicação da EC na 20/98 (antiga<br />

Reforma da Previdência) -, e preten<strong>de</strong> estabelecer uma regra <strong>de</strong> compensação entre ida<strong>de</strong><br />

mínima para aposentadoria e tempo <strong>de</strong> contribuição. Para a aplicação <strong>de</strong>ssa hipótese são<br />

exigidos os seguintes critérios cumulativos:<br />

• trinta e cinco anos <strong>de</strong> contribuição, se homem, e trinta anos <strong>de</strong> contribuição<br />

se mulher;<br />

• vinte e cinco anos <strong>de</strong> efetivo exercício no serviço público, quinze anos <strong>de</strong> carreira<br />

e cinco anos no cargo em que se <strong>de</strong>r a aposentadoria;<br />

• ida<strong>de</strong> mínima resultante da redução <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> para cada ano que<br />

exce<strong>de</strong>r o limite mínimo previsto <strong>de</strong> contribuição nessa hipótese: 35 homem<br />

e 30 mulher. Essa redução será realizada em relação aos limites etários fixados<br />

pelo art. 40, § I a, inciso III, alínea a, do texto Constitucional (60 anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> se homem, e cinquenta e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> se mulher). Por exemplo:<br />

a mulher que possuir 35 anos <strong>de</strong> contribuição po<strong>de</strong>rá abater 5 anos na ida<strong>de</strong><br />

mínima para aposentadoria, ou seja, precisará completar 50 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, ao<br />

invés <strong>de</strong> 55 anos.<br />

A EC ne 47/05 ressalva ao servidor o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> opção pela regra geral <strong>de</strong> aposentadoria<br />

(CF, art. 40) ou pelas regras especiais anteriormente estabelecidas e já analisadas<br />

(ECna 41/03, arts. 2a e 6a).<br />

Ressalte-se, ainda, que ao servidor ocupante, exciusivamente, <strong>de</strong> cargo em comissão<br />

<strong>de</strong>clarado em lei <strong>de</strong> livre nomeação e exoneração, bem como <strong>de</strong> outro cargo temporário<br />

ou <strong>de</strong> emprego público aplica-se o regime geral da previdência.1<br />

15.1 Fixação e atualização dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria (ECs n—41/03 e<br />

47/05)<br />

A fixação dos proventos dos aposentados e as regras <strong>de</strong> reajuste e atualização <strong>de</strong> seus<br />

valores sofreram graves alterações pela EC nQ41/03, e, posteriormente, foram novamente<br />

alteradas pela EC nQ47/05, estabelecendo-se cinco hipóteses distintas para os servidores<br />

públicos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da situação jurídica à data <strong>de</strong> suas publicações:<br />

• servidores públicos aposentados ou em ativida<strong>de</strong>, porém com todos os requisitos<br />

cumpridos para obtenção da aposentadoria à data da publicação da EC na41/03:<br />

mantém a integralida<strong>de</strong> dos proventos, que correspon<strong>de</strong>rão à totalida<strong>de</strong> da<br />

remuneração do servidor em ativida<strong>de</strong> no cargo efetivo em que se <strong>de</strong>r a aposentadoria,<br />

garantindo-se, plenamente, a parida<strong>de</strong> com os servidores ativos, ou<br />

seja, os proventos <strong>de</strong> aposentadoria serão revistos na mesma proporção e na<br />

1 Nesse sentido, o STF <strong>de</strong>clarou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa previsão: STF - Pleno - AD I 2024/DF - Rei. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 3-5-2007.


3 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

mesma data, sempre que se modificar a remuneração do servidor em ativida<strong>de</strong>,<br />

sendo também estendidos aos aposentados quaisquer benefícios ou vantagens<br />

posteriormente concedidos aos servidores em ativida<strong>de</strong> - MANUTENÇÃO DE<br />

INTEGRALIDADE e PARIDADE;<br />

• servidores públicos em ativida<strong>de</strong> na data da publicação da E C na 41/03, que<br />

preencham, cumulativamente, as condições estabelecidas no art. 6ad a E C n a41/03<br />

(sessenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e cinquenta e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher;<br />

trinta e cinco anos <strong>de</strong> contribuição, se homem, e trinta anos <strong>de</strong> contribuição, se<br />

mulher; vinte anos <strong>de</strong> efetivo exercício no serviço público e <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> carreira e<br />

cinco <strong>de</strong> efetivo exercício no cargo em que se <strong>de</strong>r a aposentadoria): assim como na<br />

hipótese anterior, mantém-se a INTEGRALIDADE e a PARIDADE, agora <strong>de</strong>vidamente<br />

reconhecidas pelo art. 2- da EC ne 47/05, que <strong>de</strong>termina a aplicação<br />

do art. 7Qda EC nQ41/03 a essa hipótese;<br />

• servidores públicos em ativida<strong>de</strong>, que tenham ingressado no serviço público até 16<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998 (E C n a20/98) e preencham os requisitos já analisados (EC<br />

na 47/05): ressalvado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> opção à aposentadoria pelas regras do art.<br />

40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral ou pelas regras estabelecidas nos arts. 22 e 62 da EC<br />

n2 41/03, terão <strong>direito</strong> à MANUTENÇÃO DE INTEGRALIDADE e PARIDADE;<br />

• servidores públicos em ativida<strong>de</strong> na data da publicação d a E C n 2 41/03 que não<br />

optem pela regra <strong>de</strong> transição do art. 6° da EC na41/03: a EC n2 41/03 somente<br />

mantém a integralida<strong>de</strong> dos proventos, que correspon<strong>de</strong>rão à totalida<strong>de</strong> da<br />

remuneração do servidor em ativida<strong>de</strong> no cargo efetivo em que se <strong>de</strong>r a aposentadoria,<br />

caso seja feita a opção pelos requisitos do art. 62 da EC ne 41/03,<br />

anteriormente tratada. Sem essa opção, nãohouve manutenção da integralida<strong>de</strong><br />

nem da parida<strong>de</strong> com os servidores ativos. Dessa forma, a esses servidores será<br />

assegurado o reajustamento dos benefícios para lhes preservar, em caráter permanente,<br />

o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei (CF, art. 40, § 82<br />

e EC n2 41/03, art. 22, § 62) . A suplementação dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria,<br />

nessa hipótese, <strong>de</strong>verá ser feita pelo regime <strong>de</strong> previdência complementar. -<br />

TETO GERAL D A PREVIDÊNCIA (R$ 2.400,00), REAJUSTAMENTO NA FORMA<br />

D A L E IE PREVIDÊNCIA;<br />

• servidores públicos cujo ingresso na Administração Pública seja posterior a publicação<br />

da EC nQ41/03: não houve a manutenção nem da integralida<strong>de</strong>, nem da<br />

parida<strong>de</strong>. Os valores dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria dos servidores abrangidos<br />

pelo regime <strong>de</strong> previdência serão calculados por ocasião da sua concessão, levando-se<br />

em conta as remunerações utilizadas como base para as contribuições<br />

do servidor aos regimes <strong>de</strong> previdência, <strong>de</strong>vidamente atualizados, na forma da<br />

lei e respeitado o limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral <strong>de</strong><br />

previdência social (CF, art. 201 - R$ 2.400,00, <strong>de</strong>vidamente atualizado pelos<br />

mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social,<br />

<strong>de</strong> forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real). A suplementação<br />

dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria, nessa hipótese, <strong>de</strong>verá ser feita pelo regime <strong>de</strong><br />

previdência complementar, a ser instituído por lei <strong>de</strong> iniciativa do respectivo<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo - TETO GERAL DA PREVIDÊNCIA (R$ 2.400,00), REAJUSTA­<br />

MENTO NA FORMA DA LE I e PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR.


Administração Pública 3 9 9<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral também prevê que os proventos <strong>de</strong> aposentadoria e as pensões,<br />

por ocasião <strong>de</strong> sua concessão, não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r a remuneração do respectivo<br />

servidor, no cargo efetivo em que se <strong>de</strong>u a aposentadoria ou que serviu <strong>de</strong> referência para<br />

a concessão da pensão.<br />

O teto salarial e os subtetos estabelecidos para o funcionalismo público e previstos pelas<br />

ECs nQS41/03 e 47/05 são, integralmente, aplicáveis aos proventos <strong>de</strong> aposentadoria,1que,<br />

portanto, não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos<br />

Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o<br />

subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte<br />

e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do<br />

Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos (CF, art. 37, XI). Há, ainda,<br />

nos termos do § 12 do art. 37 (EC nfi 47/05), a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os estados-membros e do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> emendas às suas respectivas Constituições estaduais e Lei<br />

Orgânica Distrital, alterarem seus subtetos, no sentido do estabelecimento <strong>de</strong> um limite<br />

único para todos os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os parlamentares.<br />

Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio<br />

dos Ministros do STF).<br />

A EC nfi 47/05 veda a adoção <strong>de</strong> requisitos e critérios diferenciados para a concessão<br />

<strong>de</strong> aposentadoria aos servidores titulares <strong>de</strong> cargos efetivos da União, dos Estados, do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, inclusive em relação às suas autarquias e fundações,<br />

ressalvando somente - e nos termos <strong>de</strong> lei complementar -, os casos <strong>de</strong> servidores: portadores<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, que exerçam ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> risco e cujas ativida<strong>de</strong>s sejam exercidas sob<br />

condições especiais que prejudiquem a saú<strong>de</strong> ou a integrida<strong>de</strong> física.<br />

O tempo <strong>de</strong> contribuição fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal será contado para efeito<br />

<strong>de</strong> aposentadoria e o tempo <strong>de</strong> serviço correspon<strong>de</strong>nte, para efeito <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong>.<br />

Observe-se, ainda, que a lei não po<strong>de</strong>rá estabelecer qualquer forma <strong>de</strong> contagem <strong>de</strong> tempo<br />

<strong>de</strong> contribuição fictício.<br />

Aplicam-se, subsidiariamente no que couber, aos servidores públicos titulares <strong>de</strong><br />

cargo efetivo, os requisitos e critérios fixados para o regime geral <strong>de</strong> previdência social.<br />

15.2 Pensão por morte <strong>de</strong> servidor público<br />

A EC ne 41/03, posteriormente complementada pela EC ne 47/05, alterou o sistema <strong>de</strong><br />

pensão por morte do servidor, reiterando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei regulamentando a concessão<br />

do benefício, porém, diferentemente da previsão anterior da EC ne 20/98, não garantiu,<br />

em todas as hipóteses, a integralida<strong>de</strong> da pensão, em comparação aos valores recebidos<br />

pelo servidor falecido, à data do óbito.12<br />

1 E C n a 41/03, art. 7a.<br />

2 Na vigência da redação dada pela EC n° 20/98, a integralida<strong>de</strong> dos valores a serem percebidos tratava-se <strong>de</strong><br />

preceito autoaplicável, não necessitando <strong>de</strong> qualquer integração ordinária, bem como impedia a edição <strong>de</strong> qualquer


400 Direito Constitucional • Moraes<br />

A nova previsão <strong>constitucional</strong> (§ 7a, do art. 40) estabeleceu um teto para a concessão<br />

da integralida<strong>de</strong> do benefício <strong>de</strong> pensão por morte, correspon<strong>de</strong>nte ao valor da totalida<strong>de</strong><br />

dos proventos ou da remuneração recebidos pelo servidor falecido à data do óbito.<br />

O teto estabelecido para a concessão da integralida<strong>de</strong> do benef ício <strong>de</strong> pensão por morte<br />

passou a ser o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência<br />

social, ou seja, R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais), <strong>de</strong>vendo esse valor, a partir<br />

da data da publicação da EC na 41/03, ser reajustado <strong>de</strong> forma a preservar, em caráter<br />

permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do<br />

regime geral da previdência social.1<br />

Dessa forma, o benefício da pensão por morte somente correspon<strong>de</strong>rá à integralida<strong>de</strong><br />

da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se <strong>de</strong>u o falecimento, caso em<br />

ativida<strong>de</strong> na data do óbito; ou, à integralida<strong>de</strong> dos proventos do servidor falecido, caso<br />

aposentado àdata do óbito, até o limite <strong>de</strong>R$ 2.400,00, <strong>de</strong>vidamente corrigidos.<br />

A partir <strong>de</strong>sse limite máximo, será acrescida ao valor máximo estabelecido para os<br />

benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social a seguinte parcela:<br />

• 70% da diferença entre o valor da totalida<strong>de</strong> dos proventos do servidor falecido,<br />

caso aposentado à data do óbito, e o limite máximo;<br />

• 70% da diferença entre o valor da totalida<strong>de</strong> da remuneração do servidor no<br />

cargo efetivo em que se <strong>de</strong>u o falecimento, caso em ativida<strong>de</strong> na data do óbito,<br />

e o limite máximo.<br />

O benefício da pensão por morte passou, portanto, a ser constituído pela somatória<br />

<strong>de</strong> duas parcelas: parcela fixa e parcela complementar.<br />

Exemplificativamente, se a totalida<strong>de</strong> dos proventos do servidor aposentado correspondia<br />

a R$ 4.400,00, à data do óbito, o benefício da pensão por morte será calculado<br />

da seguinte forma:<br />

• parcela fixa: limite máximo <strong>de</strong> R$ 2.400,00 (<strong>de</strong>vidamente corrigidos);<br />

• parcela complementar: 70% da diferença entre o valor da totalida<strong>de</strong> dos proventosdo<br />

servidor falecido (R$ 4.400,00) e o limite máximo (R$ 2.400,00), ou<br />

seja, 70% <strong>de</strong> R$ 2.000,00 = R$ 1.400,00;<br />

• benefício dapensão = R$ 2.400,00 (parcela fixa) + R$ 1.400,00 (parcela complementar)<br />

= R$ 3.800,00.<br />

lei ou ato normativo que visasse restringir o benefício da integralida<strong>de</strong> da pensão. Apesar <strong>de</strong> referirem-se à redação<br />

original do § 5Qdo art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (“o benefício dapensãopor morte correspon<strong>de</strong>rá à totalida<strong>de</strong><br />

das vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo<br />

anterior”), eram inteiramente aplicáveis à regulamentação dada pela citada EC t f 20/98, revogada pela nova<br />

redação da EC nQ41/03, os seguintes julgados do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que garantiam a autoaplicabilida<strong>de</strong><br />

do benefício da pensão, bem como a proibição <strong>de</strong> sua restrição por espécie normativa infra<strong>constitucional</strong>: Rextr.<br />

na 215.261-7/RS; Rextr. na 21S.322-2/RS; Rextr. na 215.331-1/RS - todos S T F -2 aT. -R ei. M in Néri da Silveira,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,5 <strong>de</strong>z. 1997, p. 63.923-63.924.<br />

1 ECna 41/03, art. 5a.


Administração Pública 4 0 1<br />

O benefício da pensão por morte seja na hipótese <strong>de</strong> o servidor falecido estar em<br />

ativida<strong>de</strong> na data do óbito, seja na hipótese <strong>de</strong> estar aposentado na data do óbito, <strong>de</strong>verá<br />

ter assegurado seu reajustamento para preservar-lhe, em caráter permanente, o valor real,<br />

conforme critérios estabelecidos em lei, <strong>de</strong>ixando, pois, <strong>de</strong> existir a parida<strong>de</strong>.<br />

Essa nova disciplina para o estabelecimento dos valores dos benefícios <strong>de</strong> pensão por<br />

morte do servidor não se aplica retroativamente, garantindo-se a integralida<strong>de</strong> das pensões<br />

concedidas até a data da publicação da emenda <strong>constitucional</strong>. Além disso, fica assegurada<br />

a concessão, a qualquer tempo, da pensão integral aos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos servidores públicos<br />

que, até a data <strong>de</strong> publicação da EC nB41/03, tivessem cumprido todos os requisitos para<br />

obtenção <strong>de</strong>sses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.1<br />

Nessas hipóteses, o benefício da pensão por morte será igual ao valor dos proventos<br />

do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria <strong>direito</strong> o servidor em ativida<strong>de</strong><br />

na data <strong>de</strong> seu falecimento, não necessitando <strong>de</strong> qualquer integração ordinária para a sua<br />

percepção, bem como não sendo possível a edição <strong>de</strong> qualquer lei ou ato normativo que<br />

vise restringir o benefício da integralida<strong>de</strong> da pensão.12<br />

Ainda, para esses servidores, fica assegurada a parida<strong>de</strong>, pois os benefícios da pensão<br />

por morte serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar<br />

a remuneração dos servidores em ativida<strong>de</strong>, sendo também estendidos aos pensionistas<br />

quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em ativida<strong>de</strong>,<br />

inclusive quando <strong>de</strong>correntes da transformação ou reclassificação do cargo ou função que<br />

serviu <strong>de</strong> referência para a concessão da pensão, na forma da lei.3<br />

A EC ne 47/05, expressamente, <strong>de</strong>terminou a aplicação <strong>de</strong>sses critérios paritários<br />

também aos pensionistas <strong>de</strong> servidores públicos que, preenchidos os requisitos gerais,<br />

estivessem em ativida<strong>de</strong> na data da publicação da EC ne 41/03, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tivessem completado<br />

20 anos <strong>de</strong> efetivo serviço público, 10 anos <strong>de</strong> carreira e cinco anos <strong>de</strong> efetivo<br />

exercício no cargo, ao <strong>de</strong>terminar a aplicação do disposto no art. 7Qda EC na 41/03 a essas<br />

hipóteses, que estão <strong>de</strong>scritas no art. 6a da referida emenda e ao <strong>de</strong>terminar a revogação<br />

do parágrafo único do referido art. 6a, que previa a revisão dos proventos <strong>de</strong> aposentadoria<br />

nessa hipótese, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a<br />

remuneração dos servidores em ativida<strong>de</strong>, porém, na forma da lei.<br />

Essa exigência <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei prevendo requisitos para a revisão não mais existe,<br />

tendo a EC na 47/05 igualado as condições <strong>de</strong> integralida<strong>de</strong> e parida<strong>de</strong> dos proventos<br />

<strong>de</strong> aposentadoria e das pensões a ambas as hipóteses. O mesmo ocorreu em relação aos<br />

pensionistas dos servidores que tenham ingressado no serviço público até 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 1998 e preenchido todos os requisitos anteriormente analisados, por força do art. 3a<br />

da citada emenda.<br />

O teto salarial e os subtetos estabelecidos para o funcionalismo público e previstos<br />

pelas ECs nos 41/03 e 47/05 são, integralmente, aplicáveis aos benefícios <strong>de</strong> pensão por<br />

1 EC n2 41/03, art. 32, caput.<br />

2 Nesse sentido, enten<strong>de</strong>mos aplicável a EC n° 41/03, apesar <strong>de</strong> referir-se à redação original (p réE C n ° 20/98)<br />

d o § 52 d o art. 40 da CF: RTJ 167/411; STF - I a T . - Rextr. na 215.795-3/RS - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

Diário da Justiça, Seção I, lO o u t. 1997, p. 50.927.<br />

3 EC n° 41/03, art. 7°.


4 0 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

morte,1que, portanto, não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do<br />

Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa<br />

inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos<br />

membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos (CF, art. 37,<br />

XI). Existe, ainda, a possibilida<strong>de</strong> do § 12 do art. 37 (EC n° 47/05), que passou a permitir<br />

aos estados-membros e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> emendas às suas respectivas<br />

Constituições estaduais e Lei Orgânica Distrital, a alteração <strong>de</strong> seus subtetos, no sentido<br />

do estabelecimento <strong>de</strong> um limite único para todos os servidores estaduais ou distritais,<br />

exceptuando-se os parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros do STF).<br />

Aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios, diferentemente<br />

da previsão da EC na 20/98 - que <strong>de</strong>terminava a aplicação das mesmas regras<br />

estabelecidas aos servidores civis -, a nova redação do § 2-, do art. 42, dada pela EC ne<br />

41/03, prevê a aplicação <strong>de</strong> regras a serem fixadas em lei específica do respectivo ente estatal.<br />

15.3 Regra <strong>de</strong> transição <strong>de</strong> aposentadoria voluntária proporcional<br />

A EC na 41/03, em seu art. 2-, assegurou o <strong>direito</strong> à aposentadoria voluntária com<br />

proventos calculados <strong>de</strong> acordo com o art. 40, §§ 3a e 17, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, àquele<br />

que tenha ingressado regularmente em cargo efetivo na Administração Pública direta,<br />

autárquica e fundacional, até a data da publicação da EC na 20/98, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o servidor<br />

preenchesse cumulativamente os seguintes requisitos:<br />

• 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 48 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher;<br />

• cinco anos <strong>de</strong> efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria;<br />

• tempo <strong>de</strong> contribuição igual, no mínimo, à soma <strong>de</strong>:<br />

a. 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher; e<br />

b. um período adicional <strong>de</strong> contribuição equivalente a 20% do tempo que, na<br />

data da publicação da EC na 41/03, faltaria para atingir o limite <strong>de</strong> tempo<br />

constante da alínea anterior.<br />

Em razão da cumulativida<strong>de</strong> dos requisitos, a regra <strong>de</strong> transição fixou ida<strong>de</strong>s mínimas<br />

para a aposentadoria integral do homem (53 anos) e da mulher (48 anos).<br />

Pergunta-se, a título exemplificativo, quais seriam os requisitos para a aposentadoria<br />

integral do servidor público homem que contasse, à data da publicação da EC n° 41/03,<br />

com 20 anos <strong>de</strong> contribuição.<br />

1 EC n° 41/03, art. 7°.


Administração Pública 4 0 3<br />

A resposta, com base no novo mandamento <strong>constitucional</strong>, engloba os seguintes<br />

requisitos cumulativos:<br />

• ida<strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> 53 anos-,<br />

• cinco anos <strong>de</strong> efetivo exerdcio no cargo em que se dará a aposentadoria-,<br />

• 38 anos <strong>de</strong> contribuição, equivalentes à soma dos 35 anos mínimos, por ser homem,<br />

e ao acréscimo <strong>de</strong> três anos, correspon<strong>de</strong>nte ao percentual <strong>de</strong> 20% sobre<br />

15 anos (a diferença entre os 35 anos mínimos e os 20 já contribuídos]. Dessa<br />

forma faltariam 18 anos <strong>de</strong> contribuição.<br />

Diferentemente da EC n° 20/98, que previa regra <strong>de</strong> transição, porém sem alterar o<br />

quantum dos proventos da aposentadoria, a EC na 41/03 estabelece que o servidor que,<br />

cumprindo os requisitos exigidos por seu art. 2a, preten<strong>de</strong>r se aposentar terá os seus proventos<br />

<strong>de</strong> inativida<strong>de</strong> reduzidos para cada ano antecipado em relação aos limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

estabelecidos na regra geral, ou seja, sessenta anos para os homens e cinquenta e cinco anos<br />

para as mulheres.<br />

Essa redução será da seguinte forma, nos termos do § I a do art. 2a da EC na 41/03:<br />

• três inteiros e cinco décimos por cento, para aquele que completar as exigências<br />

para aposentadoria na regra <strong>de</strong> transição até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005;<br />

• cinco por cento, para aquele que completar as exigências para aposentadoria<br />

na regra <strong>de</strong> transição a partir <strong>de</strong> I a <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006.<br />

Dessa forma, o servidor que preten<strong>de</strong> utilizar-se da regra <strong>de</strong> transição para, preenchidos<br />

todos os requisitos, aposentar-se com 54 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong><br />

2005, terá uma redução <strong>de</strong> 21% no valor <strong>de</strong> seus proventos <strong>de</strong> aposentadoria, pois sofrerá<br />

um <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong> 3,5% para cada um dos seis anos em que antecipou a ida<strong>de</strong> prevista<br />

pela norma geral - 60 anos.<br />

Caso, nessa mesma hipótese, pretenda aposentar-se após I a <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2006, o<br />

servidor sofrerá um <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong> 36% no valor <strong>de</strong> seus proventos <strong>de</strong> aposentadoria, pois<br />

haverá redução <strong>de</strong> 5,0% para cada um dos seis anos antecipados.<br />

O servidor que, mesmo preenchendo os requisitos para aposentadoria pela regra <strong>de</strong><br />

transição, permanecer em ativida<strong>de</strong> fará jus a um abono <strong>de</strong> permanência equivalente ao<br />

valor da sua contribuição previ<strong>de</strong>nciária até completar as exigências para aposentadoria<br />

compulsória.<br />

Nessa hipótese <strong>de</strong> aposentadoria voluntária antecipada igualmente <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir<br />

a parida<strong>de</strong>, porém, será assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes,<br />

em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.<br />

1 5 .3 .1 Regra <strong>de</strong> tra n siçã o e m agistrados, m em bros do M in istério P ú b lico e<br />

Tribunal <strong>de</strong> Co n ta s<br />

As regras <strong>de</strong> transição analisadas aplicam-se, igualmente, ao magistrado e ao membro<br />

do Ministério Público e <strong>de</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas, conforme preceitua o § 2a do art. 2a<br />

da ECna 41/03.


4 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Porém, no caso <strong>de</strong> magistrado, membro do Ministério Público ou <strong>de</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

dosexo masculino, haverá, para efeito <strong>de</strong> contagem do tempo <strong>de</strong> contribuição, um acréscimo<br />

<strong>de</strong> 17% em relação ao tempo <strong>de</strong> serviço exercido até a publicação da EC n2 20/98.1<br />

A razão <strong>de</strong>ssa previsão <strong>constitucional</strong> está no fato <strong>de</strong> que até a publicação da EC n2<br />

20/98, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do sexo, todos os magistrados, membros do Ministério Público<br />

e <strong>de</strong> Tribunais <strong>de</strong> Contas aposentavam-se pelas mesmas regras especiais que exigiam 30<br />

anos <strong>de</strong> serviço para a aposentadoria integral facultativa.2Comas alterações constitucionais,<br />

a aposentadoria dos magistrados, membros do Ministério Público e <strong>de</strong> Tribunais <strong>de</strong><br />

Contas passou a ser regida pelas regras gerais do art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e pelas<br />

regras <strong>de</strong> transição, primeiro do art. 82 da EC n2 20/98, e, posteriormente, do art. 22, §<br />

32, da EC n2 41/03, que diferenciam o servidor em razão do sexo.<br />

Dessa forma, a previsão <strong>de</strong> um acréscimo <strong>de</strong> 17% em relação ao tempo <strong>de</strong> serviço exercido<br />

até a publicação da EC n-20/98 em relação aos magistrados, membros do Ministério Público e<br />

<strong>de</strong> Ibibunais <strong>de</strong> Contas do sexo masculino preten<strong>de</strong>, durante o período <strong>de</strong> transição, manter<br />

a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira a equilibrar as situações, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do sexo.<br />

15.3.2 Regra <strong>de</strong> transição para professor<br />

A EC n2 41/03 manteve a previsão da EC n2 20/98, que <strong>de</strong>terminou a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o professor, servidor da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios,<br />

incluídas suas autarquias e fundações, que, até a data <strong>de</strong> sua publicação, tivesse ingressado,<br />

regularmente, em cargo efetivo e magistério optar por aposentar-se na forma já<br />

<strong>de</strong>scrita no item 15.3. Caso haja essa opção, o professor terá o tempo <strong>de</strong> serviço exercido<br />

até a publicação da EC ne 20/98 contado com o acréscimo <strong>de</strong> 17%, se homem, e <strong>de</strong> 20%,<br />

se mulher, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se aposente, exclusivamente, com tempo <strong>de</strong> efetivo exercício das<br />

funções <strong>de</strong> magistério.<br />

15.4 Regime <strong>de</strong> previdência complementar no âmbito da União, dos Estados, do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios<br />

A Emenda Constitucional n2 20/98 autorizou a criação <strong>de</strong> regimes <strong>de</strong> previdência<br />

complementar para os servidores titulares <strong>de</strong> cargo efetivo pela União, Estados, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, cujas regras foram alteradas pela EC n2 41/03.<br />

O regime <strong>de</strong> previdência complementar, nos termos da EC n2 41/03, será instituído<br />

por lei <strong>de</strong> iniciativa do respectivo Po<strong>de</strong>r Executivo, observado o disposto no art. 202 e<br />

seus parágrafos, no que couber, por intermédio <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s fechadas <strong>de</strong> previdência<br />

complementar <strong>de</strong> natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos<br />

<strong>de</strong> benefícios na modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuição <strong>de</strong>finida (conferir Capítulo 15, item 1.3.3). 12<br />

1 E C n° 41/03, § 3 °, art. 2Q.<br />

2 Antiga redação do art. 93, VI, da CF: “a aposentadoria com proventos integrais é compulsória por invali<strong>de</strong>z<br />

ou aos setenta anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, e facultativa aos trinta anos <strong>de</strong> serviço, após cinco anos <strong>de</strong> exercício efetivo na<br />

judicatura”.


Administração Pública 4 0 5<br />

Após a implantação do regime <strong>de</strong> previdência complementar, será permitida à União,<br />

aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios a fixação <strong>de</strong> um limite máximo ao valor<br />

das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime previ<strong>de</strong>nciário do servidor<br />

público (CF, art. 40). Esse limite máximo será o mesmo estabelecido para os benefícios<br />

do regime geral da previdência social, correspon<strong>de</strong>nte ao valor <strong>de</strong> R$ 2.400,00 (dois mil<br />

e quatrocentos reais), reajustados, a partir da publicação da EC n12 41/03, <strong>de</strong> forma a preservar,<br />

em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados<br />

aos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social.1O restante <strong>de</strong>verá ser arcado pela<br />

previdência complementar.<br />

O regime <strong>de</strong> previdência complementar somente será obrigatório para os servidores<br />

titulares <strong>de</strong> cargo efetivo que ingressarem no serviço público após a data da publicação do<br />

ato <strong>de</strong> sua instituição. Em relação aos servidores titulares <strong>de</strong> cargo efetivo que já se encontravam<br />

no serviço público nessa data, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> optar<br />

ou não, <strong>de</strong> maneira prévia e expressa, pelo novo sistema.<br />

15.5 Servidores públicos e contribuição previ<strong>de</strong>nciária<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral autoriza a União a instituir contribuição previ<strong>de</strong>nciária, cobrada<br />

<strong>de</strong> seus servidores ativos e inativos, para o custeio, em benefício <strong>de</strong>stes, do regime<br />

previ<strong>de</strong>nciário, estabelecendo, ainda, nos termos do § l 2, do art. 149 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, com redação dada pela EC n2 41/03, que os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios<br />

instituirão contribuição, cobrada <strong>de</strong> seus servidores, para o custeio, em benefício<br />

<strong>de</strong>stes, do regime previ<strong>de</strong>nciário, cuja alíquota não po<strong>de</strong>rá ser inferior à da contribuição<br />

dos servidores titulares <strong>de</strong> cargos efetivos da União.2<br />

A EC ne 41/03 trouxe importante regra <strong>de</strong> abono <strong>de</strong> permanência aos servidores públicos<br />

que, po<strong>de</strong>ndo se aposentar, optem por permanecer em ativida<strong>de</strong>, prevendo a esses<br />

servidores, que tenham completado as exigências para aposentadoria voluntária e que<br />

optem por permanecer em ativida<strong>de</strong>, um abono <strong>de</strong> permanência equivalente ao valor da sua<br />

contribuição previ<strong>de</strong>nciária até completar as exigências para a aposentadoria compulsória.<br />

Em relação aos aposentados e pensionistas, na vigência do texto <strong>constitucional</strong>, alterado<br />

pela EC n2 20/98, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral havia fixado a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

incidência <strong>de</strong> contribuição previ<strong>de</strong>nciária,3 proclamando a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis<br />

ou atos normativos infraconstitucionais que trouxessem essa previsão.4<br />

1 EC na 20/98, art. 14.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou, por maioria <strong>de</strong> votos, a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da cobrança previ<strong>de</strong>nciária<br />

dos inativos (STF - Pleno - Adin n° 3.105/DF e Adin n° 3.128/DF - Rei. orig. Min. Ellen Gracie, Rei. p/Acórdão<br />

Min. Cezar Peluso, I n f o r m a t iv o S T F n° 357, p. 1). Conferir, ainda: STF - Pleno - ADI n° 3.128-7/DF - Rei. Min.<br />

Ellen G racie,D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,19 set. 2006, p. 28.<br />

3 STF - Pleno - Adin n° 2.176/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2000. I n f o r m a t iv o S T F n ° 188;<br />

STF -P le n o - Adin n ° 2.196-6/RJ -m e d id a liminar - Rei. M in. M oreira Alves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,18 ago.<br />

2000; STF P len o -A d in n“ 2.197-4/RJ-Rei. Min. M aurício Corrêa, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,15 maio 2000, p. 2.<br />

4 STF - Pleno - Reclamação - questão <strong>de</strong> o rd em -n °1 .5 0 7 / R J e Reclamação - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - n " 1.652/<br />

RJ - Rei. Min. Néri da Silveira, <strong>de</strong>cisão: 21-9-2000. I n f o r m a t iv o STF n° 203; STF - Pleno - Adin n° 2.189-3/PR<br />

-m e d id a lim in a r-R e i. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 jun. 2000, p. 22.


4 0 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

A EC nQ41/03, diferente e expressamente, previu a incidência <strong>de</strong> contribuição também<br />

sobre os proventos <strong>de</strong> aposentadorias e pensões.<br />

Essa nova possibilida<strong>de</strong> - incidência <strong>de</strong> contribuição previ<strong>de</strong>nciária sobre inativos e<br />

pensionistas - foi <strong>de</strong>clarada <strong>constitucional</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pois<br />

“o regime previ<strong>de</strong>nciário público visa garantir condições <strong>de</strong> subsistência, in<strong>de</strong>pendência<br />

e dignida<strong>de</strong> pessoais ao servidor idoso por meio do pagamento <strong>de</strong> proventos<br />

da aposentadoria durante a velhice e, nos termos do art. 195 da CF, <strong>de</strong>ve ser custeado<br />

por toda a socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma direta e indireta, o que se po<strong>de</strong>ría <strong>de</strong>nominar<br />

princípio estrutural da solidarieda<strong>de</strong>”,<br />

e, consequentemente, “o regime previ<strong>de</strong>nciário assumiu caráter contributivo para efeito<br />

<strong>de</strong> custeio equitativo e equilibrado dos benefícios, sem prejuízo da observância dos princípios<br />

do parágrafo único do art. 194 da CF: universalida<strong>de</strong>, uniformida<strong>de</strong>, seletivida<strong>de</strong> e<br />

distributivida<strong>de</strong>, irredutibilida<strong>de</strong>, equida<strong>de</strong> no custeio e diversida<strong>de</strong> da base <strong>de</strong> financiamento.<br />

Assim, os elementos sistêmicos figurados no “tempo <strong>de</strong> contribuição", no “equilíbrio<br />

financeiro e atuarial” e na “regra <strong>de</strong> contrapartida” <strong>de</strong>vem ser interpretados em conjunto<br />

com os princípios supracitados”, permitindo-se a citada cobrança.1<br />

Fixada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> contribuição previ<strong>de</strong>nciária sobre inativos e<br />

pensionistas, a EC na 41/03, inclusive, nos termos <strong>de</strong> seu art. 4a, em relação também aos<br />

atuais servidores inativos e aos pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que já estivessem no gozo <strong>de</strong> benefícios<br />

da data da publicação da emenda, -estabeleceu duas importantes regras para os servidores<br />

inativos e pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do momento do início do gozo do benefício:12<br />

• limite para imunida<strong>de</strong>: não incidirá contribuição sobre proventos <strong>de</strong> aposentadoria<br />

e pensões já concedidas pelo regime estabelecido pela EC n° 41/03 que não<br />

ultrapassem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral <strong>de</strong><br />

previdência social, estabelecido pelo art. 5a, da EC na 41/03 em R$ 2.400,00,<br />

reajustáveis a partir da publicação da referida emenda, <strong>de</strong> forma a preservar, em<br />

caráter permanente, seuvalorreal, atualizado pelos mesmos índices aplicados<br />

aos benefícios do regimegeral<strong>de</strong> previdência social. Esse limite maior <strong>de</strong> isenção<br />

é justificado, uma vez que as futuras aposentadorias ou não serão integrais, ou<br />

ainda, não guardarão parida<strong>de</strong> com os servidores da ativa, enquanto as futuras<br />

pensões sofrerão um redutor <strong>de</strong> 30% sobre o que exce<strong>de</strong>r o teto do INSS (R$<br />

1 STF -P le n o - Adin n2 3.105/DF e Adin n2 3.128/DF - Rei. orig. Min. Ellen Gracie, Rei. p/ acórdão Min. Cezar<br />

Peluso, Informativo STF nQ357, p. 1. C on ferir, ain d a: STF - Plen o - A D I n2 3.128-7/DF - Rei. Min. Ellen Gracie,<br />

Diário da Justiça, Seção 1 ,19 set. 2006, p. 28.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou inconstitucionais dois tratamentos diferenciados previstos pela EC n2<br />

41/03, relacionados aos servidores que já se encontrassem no gozo <strong>de</strong> benefício da data da publicação da emenda.<br />

Previa a em enda incidência diferenciada da contribuição aos servidores que já se encontrassem no go zo <strong>de</strong><br />

benefício na data <strong>de</strong> sua publicação, estabelecendo isenção m enor <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo d o en te fe<strong>de</strong>rativo (5 0 % do<br />

lim ite norm al para os servidores estaduais, distritais e municipais e 60% d o limite normal para os servidores<br />

fe<strong>de</strong>rais). Com essa <strong>de</strong>cisão, o STF fix ou regra única para todas as hipóteses (STF - P le n o - Adin n° 3.105/DFe<br />

Adin n23.128/D F-R ei. orig. Min. Ellen Gracie, Rei. p/ acórdão Min. Cezar Peluso, Informativo STF n°357, p. 1).


Administração Pública 4 0 7<br />

2.400,00). N a hipótese <strong>de</strong> o beneficiário ser portador <strong>de</strong> doença incapacitante,<br />

na form a da lei, haverá aumento no limite para a imunida<strong>de</strong>, pois a contribuição<br />

incidirá apenas sobre as parcelas <strong>de</strong> proventos <strong>de</strong> aposentadoria e <strong>de</strong> pensão que<br />

superem o dobro do limite m áximo estabelecido para os benefícios do regime<br />

geral <strong>de</strong> previdência social (EC ne 47/05 - CF, art. 40, § 21);<br />

• igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> percentuais: os percentuais <strong>de</strong> contribuição sobre os proventos <strong>de</strong><br />

aposentadorias e pensões serão idênticos aos estabelecidos para os servidores<br />

públicos titulares <strong>de</strong> cargos efetivos.<br />

15.6 Quadro geral sobre previdência dos servidores públicos civis<br />

QUADRO GERAL SOBRE PREVIDÊNCIA D O S SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS<br />

Servidores aposentados ou em<br />

Servidores em ativida<strong>de</strong> na data<br />

Servidores com ingresso na<br />

ativida<strong>de</strong>, porém com todos os<br />

da publicação da EC nc 41/03<br />

Administração Pública, após a<br />

requisitos para a aposentadoria<br />

publicação da EC ns 41/03<br />

cumpridos à data da publicação<br />

da EC n« 41/03<br />

Requisitos para<br />

aposentadoria<br />

voluntária<br />

Legislação vigente à época da<br />

publicação da EC nP 41/03 (EC n°<br />

41/03, art. 3°,oaput)<br />

REGRA GERAL: CF,<br />

art. 40<br />

REGRA ESPECIAL: EC nQ41/03,<br />

art. 6a<br />

OPÇÃO: EC nQ41/03, art. 2a<br />

CF, art. 40<br />

Proventos <strong>de</strong><br />

aposentadoria<br />

INTEGRALIDADE<br />

(EC nB41/03, art. 3S, § 2B)<br />

REGRA GERAL CF,art.40-TETD<br />

GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL<br />

-R$2.400,00<br />

+<br />

Previdência complementar<br />

REGRA ESPECIAL: EC n° 41/03, ait.<br />

^-INTEGRALIDADE (ECn947/05,<br />

art. 2°)<br />

OPÇÃO: EC n« 41/03, art. 2», § 1B<br />

-redutor (3,5%ou 5%, porano)<br />

TETO GERAL DA PREVIDÊNCIA<br />

SOCIAL - R$ 2.400,00<br />

+<br />

Previdência complementar<br />

Atualização dos<br />

proventos <strong>de</strong><br />

aposentadoria<br />

PARIDADE (EC n° 41/03,<br />

art. 7o)<br />

REGRA GERAL: Reajuste na<br />

forma da lei<br />

REGRA ESPECIAL (ECnB<br />

41/03, art. 6“, parágrafo único):<br />

PARIDADE (EC nB47/05, art. 2B)<br />

REAJUSTE NA FORMA DA LEI<br />

OPÇÃO: EC n° 41/03, art. 2", § 6“ -<br />

reajuste na forma da lei<br />

Pensão por morte<br />

Legislação vigente à época da<br />

publicação da EC na 41/03 (EC nQ<br />

41/03, art. 3a, caput)<br />

CF, art 40, § 7° - regulamentação<br />

por meio <strong>de</strong> lei<br />

CF, art. 40, § 7° - regulamentação<br />

por meio <strong>de</strong> lei<br />

Benefício da pensão<br />

por morte<br />

INTEGRALIDADE (EC n° 41/03,<br />

art. 3», § 2B)<br />

CF, art. 40, § 7a - p a rcd a fixa<br />

(limite máximo da previdência:<br />

R$ 2.400,00) + parcela complementar<br />

(70% da diferença entre o<br />

valor da totalida<strong>de</strong> da remuneração<br />

ou dos proventos do falecido e<br />

o limite máximo da previdência)<br />

CF, art. 40, § 7° -p a rc d a fix a<br />

(limite máximo da previdência:<br />

R$ 2.400,00) + parcda complem<br />

entar (70% da diferença entre o<br />

valor da totalida<strong>de</strong> da remuneração<br />

ou dos proventos do falecido e<br />

o limite máximo da previdência)<br />

Atualização do<br />

PARIDADE (ECnB41/03,<br />

REAJUSTE NA FORMA DA LEI<br />

REAJUSTE NA FORMA DA LEI<br />

benefício da pensão<br />

art. 7°)<br />

por morte


408 Direito Constitucional • Moraes<br />

15.7 Emenda Constitucional na 41/03 e o respeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos<br />

O art. 3a da EC ne 41/03 assegurou a concessão a qualquer tempo <strong>de</strong> aposentadoria<br />

aos servidores públicos, bem como pensão aos seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes, que, até a data <strong>de</strong> sua<br />

publicação tenham cumprido todos os requisitos para obtenção <strong>de</strong>sses benefícios, com<br />

base nos critérios da legislação então vigente.<br />

Ao <strong>de</strong>clarar expressamente o respeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos, preten<strong>de</strong>u a EC nB41/03<br />

evitar discussões jurídicas nos Tribunais e salvaguardar, <strong>de</strong> imediato, um dos pilares <strong>de</strong><br />

qualquer Estado <strong>de</strong> Direito. Assim, admirável a preocupação do legislador constituinte<br />

reformador.1<br />

Porém, a ausência <strong>de</strong>ssa norma expressa, por óbvio, não po<strong>de</strong>ria levar ao <strong>de</strong>srespeito<br />

aos <strong>direito</strong>s adquiridos, por constituírem cláusulas pétreas em nossa Constituição (CF, art.<br />

60, § 4a, IV c.c. art. 5a, XXXVI). Nesse sentido, consultar tópico seguinte e, neste capítulo,<br />

item 20 (Emendas Constitucionais n0519/98 e 41/03, teto salarial e respeito aos <strong>direito</strong>s<br />

adquiridos).<br />

A EC na 41/03 preten<strong>de</strong>u, ainda, evitar que houvesse um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> aposentadorias<br />

no setor público, prevendo ao servidor público que tenha cumprido todos os<br />

requisitos para obtenção da aposentadoria voluntária, antes <strong>de</strong> sua publicação, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> optar por permanecer em ativida<strong>de</strong>, fazendo jus a um abono <strong>de</strong> permanência<br />

equivalente ao valor da sua contribuição previ<strong>de</strong>nciária até completar as exigências<br />

constitucionais para aposentadoria compulsória e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que conte com, no mínimo, 25<br />

anos <strong>de</strong> contribuição, se mulher, ou 30 anos <strong>de</strong> contribuição, se homem.<br />

15.8 Previdência Social e <strong>direito</strong>s adquiridos12<br />

Como professa Benoit Jeanneau, da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito e Ciências Econômicas <strong>de</strong><br />

Poitiers, o objeto <strong>de</strong> uma constituição é duplo: <strong>de</strong> uma parte arranja, dispõe sobre o exercício<br />

do po<strong>de</strong>r; a este título é uma règíe dujeu; e, <strong>de</strong> outra parte, consagra os princípios<br />

que <strong>de</strong>vem guiar a ação dos po<strong>de</strong>res públicos; <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista é uma filosofia e tal é<br />

o significado das <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s. E o princípio do respeito ao <strong>direito</strong> adquirido<br />

constitui, sem dúvida, entre nós, uma das categorias integrantes da concepção filosófica<br />

que inspirou a constituição. O Congresso Nacional, no exercício do Po<strong>de</strong>r Constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado, po<strong>de</strong> reformar a norma <strong>constitucional</strong> por meio <strong>de</strong> emendas, porém respeitando<br />

as vedações impostas pelo po<strong>de</strong>r constituinte originário, este sim hierarquicamente inalcançável,<br />

pois manifestação da vonta<strong>de</strong> soberana do povo e consagrado pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Assim, a Lei Magna prevê, expressamente, seguindo tradição <strong>constitucional</strong>,<br />

a imutabilida<strong>de</strong> das cláusulas pétreas (art. 60, § 4a, IV), ou seja, a impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> prejudicar os <strong>direito</strong>s e as garantias individuais, entre eles, o<br />

1 É firm e a jurisprudência do STF, no sentido <strong>de</strong> que “ o aposentado tem <strong>direito</strong> adquirido ao quantum <strong>de</strong> seus<br />

proventos calculado com base na legislação vigen te ao tempo da aposentadoria, mas não aos critérios legais<br />

com base em que esse quantum foi estabelecido, pois não há <strong>direito</strong> adquirido a regim e ju rídico (RE 92.511,<br />

M oreira Alves, RTJ 99/1267)” (STF - I a T. -A gra v . Reg. em A g r. Inst. n a 145 .522-5 /PR -R el. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,26 mar. 1999).<br />

2 Nosso artigo: Previdência social e os <strong>direito</strong>s adquiridos. Revista <strong>de</strong> Previdência Social, n° 184, mar. 1996.


Administração Pública 4 0 9<br />

<strong>direito</strong> adquirido (art. 5Q, XXXVI). Todos os aposentados e pensionistas, portanto, possuem<br />

<strong>direito</strong> adquirido, não só em relação à existência da aposentadoria, como situação<br />

jurídica já concretizada, mas também em relação aos valores e regras <strong>de</strong> atualização dos<br />

proventos recebidos, regidos pela constituição e legislação atuais, inatacáveis por meio<br />

<strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong>, uma vez que, nas palavras <strong>de</strong> LimongiFrança, “a<br />

diferença entre expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e <strong>direito</strong> adquirido está na existência, em relação<br />

a este, <strong>de</strong> fato aquisitivo específico já configurado por completo”.1Igualmente, aqueles<br />

que já preencheram todos os requisitos exigidos para a aposentadoria, na vigência da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral e legislação atuais, porém continuam a exercer suas funções, têm a<br />

garantia do <strong>direito</strong> adquirido, não só, repetimos, em relação à aquisição da aposentadoria,<br />

como também <strong>de</strong> que seus proventos da inativida<strong>de</strong> regular-se-ão pelalegislaçãovigente ao<br />

tempo em que reuniram os requisitos necessários.12<br />

O Pretório Excelso, dando exato entendimento ao enunciado da Súmula 359, firmou<br />

em aresto da lavra do eminente Ministro Luiz Gallotti:<br />

“se, na vigência da lei anterior, o impetrante preenchera todos os requisitos exigidos,<br />

o fato <strong>de</strong>, na vigência, não haver requerido a aposentadoria, não o fez per<strong>de</strong>r o<br />

seu <strong>direito</strong>, que já estava adquirido. Um <strong>direito</strong> já adquirido não se po<strong>de</strong> transmudar<br />

em expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e<br />

não requereu a aposentadoria antes <strong>de</strong> revogada a lei em cuja vigência ocorrera a<br />

aquisição do <strong>direito</strong>. Expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> é algo que antece<strong>de</strong> a aquisição; e não<br />

po<strong>de</strong> ser posterior a esta”.3<br />

Ora, a intenção das regras da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e da legislação previ<strong>de</strong>nciária<br />

vigente, para as aposentadorias em geral, foi <strong>de</strong>finir a aquisição da aposentadoria,<br />

nos termos atuais propostos, como <strong>direito</strong> <strong>de</strong>finitivamente incorporado ao patrimônio <strong>de</strong><br />

seu beneficiário, tratando-se, pois, <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido.<br />

16 ESTABILIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL<br />

O art 41 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra a regra <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> do servidor público.<br />

Assim, nos termos da Emenda Constitucional ne 19/98, são requisitos para a aquisição <strong>de</strong><br />

estabilida<strong>de</strong> do servidor público:<br />

• nomeação para cargo <strong>de</strong> provimento efetivo em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> concurso público;<br />

• efetivo exercício por três anos4 (estágio probatório') - Ressalte-se, porém, que,<br />

nos termos do art. 28 da EC na 19/98, ficou assegurado o prazo <strong>de</strong> dois anos<br />

<strong>de</strong> efetivo exercício para aquisição da estabilida<strong>de</strong> aos servidores em estágio<br />

1 FRANÇA, Rubens Limongi. Direito adquirido e expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. Enciclopédia Saraiva <strong>de</strong> Direito, v. 2 5,<br />

p. 155-156.<br />

2 Súmula 359 do STF.<br />

3 RTJ 33/255. No mesmo sentido: RTJ 48/392, 54/486.<br />

4 A antiga redação doart. 41 previa “após dois anos <strong>de</strong> efetivo exercício... ”,


4 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

probatório à época da promulgação da Emenda Constitucional, sem prejuízo da<br />

avaliação especial e obrigatória prevista no próximo tópico. Conforme <strong>de</strong>cidido<br />

pelo STF, “os institutos da estabilida<strong>de</strong> e do estágio probatório estão necessariamente<br />

vinculados, <strong>de</strong> modo que se lhes aplica o prazo comum <strong>de</strong> 3 anos”;1<br />

• avaliação especial e obrigatória <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho por comissão instituída para<br />

essa finalida<strong>de</strong>.<br />

Em regra, os servidores estáveis somente po<strong>de</strong>rão per<strong>de</strong>r o cargo:<br />

• em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sentença judicial transitada em julgado;<br />

• mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla <strong>de</strong>fesa;12<br />

• mediante procedimento <strong>de</strong> avaliação periódica <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, na form a <strong>de</strong> lei<br />

complementar; assegurada ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

A Emenda Constitucional n2 19/98 trouxe outra possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o servidor estável<br />

per<strong>de</strong>r o cargo no art. 169,3 em norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada à edição <strong>de</strong> lei<br />

complementar.<br />

Assim, a <strong>de</strong>spesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Municípios não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r os limites estabelecidos em lei complementar. Para<br />

que esses limites sejam a<strong>de</strong>quados e cumpridos, a própria EC 19/98 previu que a União, os<br />

Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios adotarão as seguintes providências:<br />

• redução em pelo menos 20% das <strong>de</strong>spesas com cargos em comissão e funções<br />

<strong>de</strong> confiança;<br />

• exoneração dos servidores não estáveis: conforme o art. 33 da EC n2 19/98,<br />

consi<strong>de</strong>ram-se servidores não estáveis, para os fins do art. 169, § 32, II, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral aqueles admitidos na administração direta, autárquica e<br />

fundacional sem concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos após 5-10-<br />

1983. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu em hipótese análoga, referente à<br />

relação ao art. 19 do ADCT (“Os servidores públicos civis da União, dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das<br />

fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há<br />

pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma<br />

regulada no art. 37 da Constituição, são consi<strong>de</strong>rados estáveis no serviço público”),<br />

“o <strong>de</strong>stinatário do art. 19 do ADCT da Carta Magna, no tocante ao requisito<br />

do ‘exercício na data da promulgação da Constituição há pelo menos cinco anos<br />

1 S T F - A I 754802 E D -A gR /D F-R ei. Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 7-6-2011 (n o caso concreto, tratava-se da<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> do estágio probatório aos procuradores fed erais).<br />

2 Súmula 20/STF - “ É necessário processo administrativo, com ampla <strong>de</strong>fesa para <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> funcionário<br />

admitido por concurso. R eferên cia-R ecs. em M and.Segur. 9.291, <strong>de</strong> 21-562” (Diário da Justiça, 20 <strong>de</strong>z. 1962,<br />

p. 853); 9.331, d e 21-5-62; 9.483, d e 30-5-62; 9.495, <strong>de</strong> 30-5-62 e 9.780 d e 29-8-62 (Diário da Justiça, 16 nov.<br />

1962, p. 647). Agravos 26.618, <strong>de</strong> 23-10-62; 26.944, <strong>de</strong> 8-3-63, e 26.841, <strong>de</strong> 30-11-62.<br />

3 EC n ° 19/98 - Art. 33. Consi<strong>de</strong>ram-se servidores não estáveis, para os fins d o art. 169, § 3o, II, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral aqueles admitidos na administração direta, autárquica e fundacional sem concurso público <strong>de</strong> provas<br />

ou <strong>de</strong> provas e títulos após 5-10-1983.


Ad ministração Pública 4 1 1<br />

continuados', e aquele que esteja vinculado a uma das pessoas jurídicas <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> público ali relacionadas na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> servidor público, embora não<br />

admitido na forma regulada no art. 37 da Constituição, sem hiatos quanto a<br />

essa relação jurídica, ainda que a títulos diversos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se sucedam sem<br />

solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>”.1<br />

Ocorre, porém, que, se essas medidas não forem suficientes para assegurar o cumprimento<br />

da <strong>de</strong>terminação da citada lei complementar, o servidor estável po<strong>de</strong>rá per<strong>de</strong>r o<br />

cargo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ato normativo motivado <strong>de</strong> cada um dos Po<strong>de</strong>res especifique a ativida<strong>de</strong><br />

funcional, o órgão ou unida<strong>de</strong> administrativa objeto da redução <strong>de</strong> pessoal.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral resguardou ao servidor estável que per<strong>de</strong>r o cargo na hipótese<br />

<strong>de</strong>scrita o <strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização correspon<strong>de</strong>nte a um mês <strong>de</strong> remuneração por ano <strong>de</strong><br />

serviço, sendo que o cargo objeto da redução será consi<strong>de</strong>rado extinto, vedada a criação<br />

<strong>de</strong> cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo <strong>de</strong> quatro<br />

anos.<br />

As leis regulamentadoras <strong>de</strong>ssas duas hipóteses <strong>de</strong> perda do cargo pelo funcionário<br />

público (previstas no inciso III do § I a do art. 41 e no § 7a do art. 169) estabelecerão critérios<br />

e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em <strong>de</strong>corrência<br />

das atribuições <strong>de</strong> seu cargo efetivo, <strong>de</strong>senvolva ativida<strong>de</strong>s exclusivas <strong>de</strong> Estado.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> insuficiência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, a perda do cargo somente ocorrerá mediante<br />

processo administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

A administração pública, durante o estágio probatório, avalia a conveniência da confirmação<br />

efetiva do servidor concursado no funcionalismo público, aferindo requisitos<br />

objetivos que <strong>de</strong>monstrem sua idoneida<strong>de</strong> moral, sua eficiência, aptidão, assiduida<strong>de</strong>,<br />

moralida<strong>de</strong> etc. Mesmo durante o estágio probatório, o funcionário concursado não po<strong>de</strong><br />

ser exonerado nem <strong>de</strong>mitido sem inquérito ou sem as formalida<strong>de</strong>s legais <strong>de</strong> apuração<br />

<strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong>.12<br />

O or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro consagra a plena in<strong>de</strong>pendência das instâncias administrativa<br />

e penal em relação à apuração <strong>de</strong> fato ensejador da <strong>de</strong>missão do funcionário<br />

público. Assim, o funcionário estável po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>mitido após processo administrativo<br />

que tenha observado ampla <strong>de</strong>fesa, mesmo que ainda esteja pen<strong>de</strong>nte ação penal sobre o<br />

mesmo fato. Ressalte-se que somente haverá repercussão da instância penal na administrativa<br />

nas hipóteses em que aquela tenha concluído pela inexistência material do fato ou<br />

pela negativa <strong>de</strong> sua autoria.3<br />

1 STF - I a T. - Rextr. n° 162.621-6/SP- ReL Min. M oreira Alves, D iário d a J u s tiç a , Seção 1,22 maio 1998, p. 16.<br />

2 Súmula 21/STF - Funcionário em estágio probatório não po<strong>de</strong> ser exonerado nem <strong>de</strong>m itido sem inquérito<br />

ou sem as formalida<strong>de</strong>s legais <strong>de</strong> apuração <strong>de</strong> sua capacida<strong>de</strong>. Referência: R e c Extr. 45.967 <strong>de</strong> 24-1-61 ( D iá r io<br />

d a J u s tiç a , 3 jan. 1961, p. 46). A gra vo 25.031, <strong>de</strong> 16-1-62 ( D i á r i o d a J u s tiç a , 25 abr. 1963, p. 204). Rec. Extr.<br />

46.363, <strong>de</strong> 14-11-61. R e c em Mand. <strong>de</strong> Segur. 8.222, <strong>de</strong> 11-12-61. Embs. em R e c Extr. 45.518 <strong>de</strong> 4-12-61;<br />

45.517, d e 31-7-61; 46.967, d e 11-5-62 ( D i á r i o d a J u s tiç a , 31 mar. 1963, p. 4 6 ). Mand. Segur. 9.146, d e 7-5-62.<br />

Rec. Extr. 51.238, <strong>de</strong> 16-4-63 ( D i á r i o d a J u s tiç a , 8 ago. 1963, p. 664). Rec. em M and. Segur. 9.593, <strong>de</strong> 4-6-62.<br />

Conferir, ainda: STJ - 6a T . - RMS 22567/MT - R e i. Min. O g Fernan<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 28-4-2011.<br />

3 STF - Pleno - MS n° 22.476-2/A L-R el. Min. Marco Aurélio, D i á r i o d a J u s tiç a , S eçãol, 3 out. 1997, p. 49.230;<br />

STF - MS n° 22.076-7/DF - Rei. Min. M aurício Corrêa, D i á r i o d a J u s tiç a , S eçã ol, 7 nov. 1997, p. 57.237.


4 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Determina a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, após a EC nQ19/98, que, invalidada por sentença<br />

judicial a <strong>de</strong>missão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da<br />

vaga, se estável, reconduzido ao cargo <strong>de</strong> origem, sem <strong>direito</strong> a in<strong>de</strong>nização, aproveitado<br />

em outro cargo ou posto em disponibilida<strong>de</strong> com remuneração proporcional ao tempo<br />

<strong>de</strong> serviço. Ainda, há a previsão <strong>de</strong> que extinto o cargo ou <strong>de</strong>clarada sua <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong>,<br />

o servidor estável ficará em disponibilida<strong>de</strong>, com remuneração proporcional ao tempo <strong>de</strong><br />

serviço, até seu a<strong>de</strong>quado aproveitamento em outro cargo.<br />

17 MILITARES DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS<br />

A Emenda Constitucional na 18, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, alterou integralmente a<br />

redação da Seção III, do Capítulo VIII, do Título III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, passando a<br />

<strong>de</strong>nominá-la “Dos Militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios”; além <strong>de</strong><br />

alterar a redação <strong>de</strong> seu único artigo.<br />

Dessa forma, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral passou a tratar em capítulos diversos os Militares<br />

dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios (CF, art. 42) e as Forças Armadas (CF,<br />

art. 142). Como fora salientado em edições anteriores <strong>de</strong>sta obra, a organização e o regime<br />

único dos servidores públicos militares já diferiam entre si, até porque o ingresso nas<br />

Forças Armadas dá-se tanto pela via compulsória do recrutamento oficial, quanto pela via<br />

voluntária do concurso <strong>de</strong> ingresso nos cursos <strong>de</strong> formação oficiais; enquanto o ingresso<br />

dos servidores militares das polícias militares ocorre somente por vonta<strong>de</strong> própria do<br />

interessado, que se submeterá a obrigatório concurso público.<br />

A citada EC nQ18/98 preten<strong>de</strong>u equacionar essas diferenças, <strong>de</strong>slocando o tratamento<br />

jurídico-<strong>constitucional</strong> das Forças Armadas, somente para o art. 142 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim, são militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios os membros<br />

das Polícias Militares e Corpos <strong>de</strong> Bombeiros Militares, instituições organizadas com base<br />

na hierarquia e disciplina.<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porém, <strong>de</strong>termina a aplicação aos militares dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, das disposições<br />

previstas no art. 14, § 8a, no art. 40, § 9a, e no art. 142, §§ 2a e 3a.<br />

Caberá ainda à lei estadual especificar sobre o ingresso dos Militares dos Estados,<br />

os limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, a estabilida<strong>de</strong> e outras condições <strong>de</strong> transferência do militar para a<br />

inativida<strong>de</strong>, os <strong>direito</strong>s, os <strong>de</strong>veres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações<br />

especiais dos militares dos Estados, consi<strong>de</strong>radas as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s.<br />

As patentes dos militares dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral serão conferidas pelo<br />

Governador do Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Por fim, a Emenda Constitucional na 18/98 passou a prever expressamente matéria<br />

já pacificada na doutrina e jurisprudência, sobre o não cabimento <strong>de</strong> habeas corpus em<br />

relação ao mérito das punições disciplinares aplicadas aos policiais militares bombeiros<br />

dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios.1<br />

1 Cf. Capítulo4 , item 1.17. Habeas corpus e punições disciplinares militares.


Administração Pública 4 1 3<br />

18 MILITARES DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL ETERRITÓRIOS E CARGO<br />

PÚBLICO CIVIL<br />

18.1 Cargo público civil permanente<br />

A Emenda Constitucional ne 18, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, <strong>de</strong>termina a aplicação dos<br />

§§ 2a e 32, do art. 142 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral aos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Territórios.<br />

O art. 142, § 3Q, inciso II, da CF prevê que o militar em ativida<strong>de</strong> que tomar posse<br />

em cargo ou emprego civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei.<br />

Analisando a disciplina <strong>constitucional</strong> anterior, cuja redação do § 3a do art. 42,<br />

atualmente revogado pela EC ne 18/98, estipulava que o militar em ativida<strong>de</strong> que aceitasse<br />

cargo público civil permanente seria transferido para a reserva, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

enten<strong>de</strong>u que não estaria assegurada a passagem do militar para a reserva remunerada.<br />

Com base nesse entendimento, o Tribunal in<strong>de</strong>feriu mandado <strong>de</strong> segurança impetrado por<br />

oficial da Aeronáutica contra ato do Presi<strong>de</strong>nte da República que, fundado no art. 98, XIV,<br />

§ 3a, da Lei na 6.880/80 (Estatuto dos Militares], negara autorização para que o impetrante<br />

fosse transferido para a reserva remunerada a fim <strong>de</strong> tomar posse no cargo <strong>de</strong> professor em<br />

escola municipal, para o qual fora aprovado em concurso público.1Dessa forma, cabería<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da República, com base no Estatuto dos Militares, a <strong>de</strong>cisão discricionária<br />

sobre a possibilida<strong>de</strong> ou não da transferência remunerada para a reserva nessa hipótese.<br />

A nova redação <strong>constitucional</strong> transformou essa hipótese <strong>constitucional</strong> em norma<br />

<strong>de</strong> eficácia limitada, <strong>de</strong>vendo a lei estabelecer as condições da passagem para a reserva<br />

do militar em ativida<strong>de</strong> que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente.<br />

Enquanto não for editada nova norma exigida pela EC nQ18/98, permanece em pleno<br />

vigor, pois recepcionada, a Lei na 6.880/80 (Estatuto dos Militares],<br />

18.2 Cargo, emprego ou função pública temporária<br />

O militar dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios que, <strong>de</strong> acordo com a lei,<br />

tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda<br />

que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente po<strong>de</strong>rá,<br />

enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguida<strong>de</strong>, contando-se-lhe<br />

o tempo <strong>de</strong> serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos<br />

termos da lei.2 12<br />

1 Informativo STF, 7 ago. 1996, ns 38 - Pleno - MS 22.416-PA, ReL Min. Octávio Gallotti, l u 8-96, vencidos os<br />

Ministros Marco Aurélio e Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

2 CF, arts. 42, § 1°, e 142, §§ 2° e 3o, com redação dada pelas Emendas Constitucionais n“ 18/98 e 20/98.


414 Direito Constitucional • Moraes<br />

19 MILITARES DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS E DIREITOS<br />

SOCIAIS<br />

Aos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios são proibidas a sindicalização<br />

e a greve, em face das funções a eles cometidas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

relacionadas a tutela da liberda<strong>de</strong>, da integrida<strong>de</strong> física e da proprieda<strong>de</strong> dos cidadãos.1<br />

Entretanto, conforme dispõe o § I a do art. 42 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com redação<br />

dada pelas Emendas Constitucionais nos 18/98 e 20/98, aplicam-se aos militares dos<br />

Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral o § 3a do art. 142 da Carta Magna, e, consequentemente, os<br />

<strong>direito</strong>s sociais previstos no art. 7a, VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, a saber:<br />

• décimo-terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da<br />

aposentadoria;<br />

• salário-família pago em razão do <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do trabalhador <strong>de</strong> baixa renda<br />

nos termos da lei;12<br />

• gozo <strong>de</strong> férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que<br />

o salário normal;<br />

• licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração <strong>de</strong> 120<br />

dias;<br />

• licença-paternida<strong>de</strong>, nos termos fixados em lei;<br />

• assistência gratuita aos filhos e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até seis anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em creches e pré-escolas.3<br />

Além <strong>de</strong>sses <strong>direito</strong>s sociais, também estão garantidos aos militares dos Estados,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios e a seus pensionistas os seguintes <strong>direito</strong>s:4<br />

• aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios<br />

aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal;<br />

• o tempo <strong>de</strong> contribuição fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal será contado para<br />

efeito <strong>de</strong> aposentadoria e o tempo <strong>de</strong> serviço correspon<strong>de</strong>nte, para efeito <strong>de</strong><br />

disponibilida<strong>de</strong>.<br />

20 EMENDAS CONSTITUCIONAIS N0* 19/98,41/03 E 47/05, TETO SALARIAL E<br />

RESPEITO AOS DIREITOS ADQUIRIDOS<br />

O Congresso Nacional, no exercício do Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado, po<strong>de</strong> reformar<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral por meio <strong>de</strong> emendas, porém respeitando as vedações expressas e<br />

1 CF, arts. 42, § 1° e 142, § 3o, IV, ambos com redação dada pela EC n° 18/98.<br />

2 Redação dada pelo art. I 2 da Em enda Constitucional n2 20/98.<br />

3 A previsão <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> social aos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios é novida<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong> introduzida pela EC na 18/98.<br />

4 Redação dada pela EC n° 20/98 e pela EC n2 41/03.


Administração Pública 415<br />

implícitas impostas pelo po<strong>de</strong>r constituinte originário, pois somente esse é hierarquicamente<br />

inalcançável, enquanto manifestação da vonta<strong>de</strong> soberana do povo.<br />

Note-se que a alterabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, embora possa traduzir-se na alteração<br />

<strong>de</strong> muitas disposições da Constituição, sempre <strong>de</strong>verá conservar um valor integrativo, no<br />

sentido <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar substancialmente idêntico o sistema originário i<strong>de</strong>alizado pelo<br />

legislador constituinte originário. Nelson Sampaio, citando Cooley, afirma que “as emendas<br />

constitucionais não po<strong>de</strong>m ser revolucionárias; elas <strong>de</strong>vem estar em harmonia com o<br />

corpo do documento”.1Não é outro o entendimento exposto por Carl Schmitt, ao afirmar<br />

que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a Constituição ser reformada não “quer dizer que as <strong>de</strong>cisões políticas<br />

fundamentais que integram a substância da Constituição possam ser suprimidas e<br />

substituídas por outras quaisquer pelo Parlamento”.12<br />

A emenda <strong>constitucional</strong> somente ingressará no or<strong>de</strong>namento jurídico após sua<br />

aprovação, passando então a ser preceito <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> mesma hierarquia das normas<br />

constitucionais originárias, pois é produzida segundo uma forma e versando sobre<br />

conteúdo previamente limitado pelo legislador constituinte originário. Ressalte-se que a<br />

emenda <strong>constitucional</strong> somente permanecerá no or<strong>de</strong>namento jurídico se em sua edição<br />

tiver respeitado as limitações expressas e implícitas <strong>de</strong>correntes do art. 60 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (Cf. Capítulo 11, item 4.1).<br />

Dessa forma, reconhece o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a total e plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

incidência do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, difuso ou concentrado, sobre emendas<br />

constitucionais, a fim <strong>de</strong> verificar-se sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou não, a partir da análise<br />

do respeito aos parâmetros fixados expressa e implicitamente no art. 60,3 enten<strong>de</strong>ndo que<br />

“o Congresso Nacional, no exercício <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> constituinte <strong>de</strong>rivada e no<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> sua função reformadora, está juridicamente subordinado à <strong>de</strong>cisão<br />

do po<strong>de</strong>r constituinte originário, que, a par <strong>de</strong> restrições <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m circunstancial,<br />

inibitórias do po<strong>de</strong>r reformador (CF, art. 60, § 1°), i<strong>de</strong>ntificou, em nosso sistema<br />

<strong>constitucional</strong>, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição<br />

parlamentar. As limitações materiais explícitas, <strong>de</strong>finidas no § 4a do art. 60 da<br />

Constituição da República, inci<strong>de</strong>m diretamente sobre o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reforma conferido<br />

ao Po<strong>de</strong>r Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício quanto às categorias<br />

temáticas ali referidas”.4<br />

Analisando esses limites constitucionais ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alteração <strong>constitucional</strong>, salientou<br />

o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello que<br />

1 SAMPAIO, Nelson <strong>de</strong> S ou za. O p o d e r d e r e fo r m a c o n s tit u c io n a l. 3. ed. S alv ad o r: Nova A lvorada, 1 9 9 5 . p. 9 1 .<br />

2 SCH M ITT, Carl. V g -fa s s u n g s le h e r. Apud CUNHA, S érg io S érv u lo da. R evisão co n stitu cio n al: o c a so brasileiro .<br />

In : BATOCHIO, J o s é R o b erto (C o o rd .) ■R e v is ã o c o n s t it u c io n a l. P o rto A leg re: S érg io F abris, 1 9 9 3 . p. 9 6 .<br />

3 N esse s en tid o , co n ferir: STF - P len o -A d in n° 8 2 9 -3 / D F - R ei. M in . M o reira Alves - d ecisã o 1 4 -4 -9 3 . A citad a<br />

ação direta <strong>de</strong> in co n stitu cio n alid ad e refere-se à E m en da C onstitu cional n ° 0 2 , <strong>de</strong> 2 5 -8 -1 9 9 2 ; S T F - P len o - A din<br />

n ° 9 3 9 -7 / D F -R e l. M in. Sydney S a n ch es, E m e n t á r io S 7 F n ° 1 .7 3 0 -1 0 (m edida c a u te la rin K T J1 5 0 / 6 8 ),re fe r e n te<br />

à Em enda C o n stitu cio n al n ° 03, <strong>de</strong> 1 7 -3 -1 9 9 3 ; S T F - Pleno - A din n° 1 .8 0 5 / D F - m edida cau te la r - R ei. M in.<br />

N éri da S ilv eira, 2 6 -3 -9 8 -Inform ativo STF ns 1 0 4 , c a p a , re fere n te à E m en d a C o n stitu cio n al n a 1 6 , <strong>de</strong> 4 -6 -1 9 9 7 .<br />

4 STF - P len o - M S n ° 23.087-5/SP - m ed id a lim in ar - R ei. M in . C e lso <strong>de</strong> M ello , D iá r io d a J u s t iç a , S e ç ã o 1 , 3<br />

ago. 1 9 9 8 , p. 4 8 .


416 Direito Constitucional • Moraes<br />

“atos <strong>de</strong> revisão <strong>constitucional</strong> - tanto quanto as emendas à Constituição - po<strong>de</strong>m,<br />

assim também incidir no vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, configurando este<br />

pela inobservância <strong>de</strong> limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto<br />

da Carta Política por <strong>de</strong>liberação do órgão exercente das funções constituintes<br />

primárias ou originárias”.1<br />

Uma das regras obrigatórias para o Congresso Nacional no exercício do po<strong>de</strong>r constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado reformador é a observância das chamadas cláusulas pétreas, verda<strong>de</strong>iras<br />

limitações materiais ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> alteração <strong>constitucional</strong> e, <strong>de</strong>ntre elas, os chamados<br />

<strong>direito</strong>s e garantias individuais (CF, art. 60, § 4a, IV).12<br />

Os <strong>direito</strong>s e garantias individuais, portanto, constituem um núcleo intangível da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no sentido <strong>de</strong> preservação da própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> da Carta Magna,<br />

impedindo sua <strong>de</strong>struição ou enfraquecimento, pois, como ensinado por Konrad Hesse,<br />

“a Constituição jurídica está condicionada pela realida<strong>de</strong> histórica. Ela não po<strong>de</strong><br />

ser separada da realida<strong>de</strong> concreta <strong>de</strong> seu tempo. A pretensão <strong>de</strong> eficácia da<br />

Constituição somente po<strong>de</strong> ser realizada se se levar em conta essa realida<strong>de</strong>. (...)<br />

A Constituição jurídica logra conferir forma e modificação à realida<strong>de</strong>. Ela logra<br />

<strong>de</strong>spertar a força que resi<strong>de</strong> na natureza das coisas, tornando-a ativa. Ela própria<br />

converte-se em força ativa que influi e <strong>de</strong>termina a realida<strong>de</strong> política e social. Essa<br />

força impõe-se <strong>de</strong> forma tanto mais efetiva quanto mais ampla for a convicção sobre<br />

a inviolabilida<strong>de</strong> da Constituição”.3<br />

Assim, a supremacia da Constituição correspon<strong>de</strong> à vinculação irrestrita <strong>de</strong> todos<br />

os Po<strong>de</strong>res do Estado a suas normas,4 ou como <strong>de</strong>nominado por Canotilho, “a função<br />

promocional da constituição, radicalmente antagônica da tese da eficácia zero do <strong>direito</strong><br />

<strong>constitucional</strong>”.5<br />

Dentre os vários <strong>direito</strong>s e garantias individuais, encontram-se os <strong>direito</strong>s adquiridos<br />

(CF, art. 5a, XXXVI), consubstanciando-se, pois, em cláusulas pétreas.<br />

Como explicam Carlos Ayres Brito e Valmir Pontes Filho, “quer se trate <strong>de</strong> <strong>direito</strong> que<br />

se adquire em se<strong>de</strong> legal, quer se trate daquele que se obtém por virtu<strong>de</strong> da norma <strong>constitucional</strong>,<br />

tudo é matéria tabu para as leis e as emendas à Constituição, indistintamente.<br />

Um e outro <strong>direito</strong> subjetivo são alcançados pelo princípio <strong>constitucional</strong> da segurança<br />

jurídica e, nessa medida, garantidos pela petrealida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que trata o inciso IV do § 4a do<br />

1 R T J 1 5 3 / 7 8 6 .<br />

2 Im p o rtan te co n clu são e c rític a s o b re o te m a n o s fa z N e lso n S a m p a io , n a v ig ê n cia d a C o n stitu ição <strong>de</strong> 1 9 4 6 :<br />

“Em s u m a , a refo rm a c o n stitu cio n a l p o d e am pliar - c o m o tam b ém o p o d e a p rópria le i o rd in á ria - os d ireitos<br />

fundam en tais, m as n u n ca restrin gi-los e , m u ito m en o s, aboli-los. D evem os ap en as o b s e r v a r- e , do ângulo p o lítico<br />

la m e n ta r - que, a e sta atitu d e d o m in an te n a d o u trin a, n ã o co rresp o n d a, n a p rá tica re v iso ra , um efetiv o resp eito<br />

p elo s <strong>direito</strong>s fu n d am en tais, o q u e, sem dúvida, c o rre p or c o n ta da j á alud ida im p recisão n o c a ra cte riz a r esses<br />

d ireitos e fix a -lh e s o n ú m ero ” ( O p o d e r d e r e fo r m a c o n s tit u c io n a l. 3. ed. Salvad or: N o v aA lv o rad a, 1 9 9 5 . p. 9 7 ).<br />

3 H E SSE , K onrad. A f o r ç a n o r m a t iv a d a c o n s tit u iç ã o . Porto A leg re: S érg io Fabris, 1 9 9 1 . p. 2 4 .<br />

4 NOVAIS, J o r g e R eis. C o n t r ib u t o p a r a u m a t e o r i a d o e s t a d o d e d ir e it o . C o im b ra: C o im b ra E d ito ra, 1 9 8 7 . p. 4 4 .<br />

5 CANOTILH O, J o s é Jo a q u im G om es. C o n s t it u iç ã o d i r i g e n t e e v in c u la ç ã o d o le g is la d o r . C o im b ra : C o im b ra<br />

E d ito ra , 1 9 9 4 . p. 4 7 4 .


Administração Pública 4 1 7<br />

art. 60 da Carta <strong>de</strong> Outubro”, para <strong>de</strong>pois concluírem que, “em síntese, a norma <strong>constitucional</strong><br />

veiculadora da intocabilida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> adquirido é norma <strong>de</strong> bloqueio <strong>de</strong> toda<br />

função legislativa pós-Constituição. Impõe-se a qualquer dos atos estatais que se integram<br />

no processo legislativo, sem exclusão das emendas. Não fosse assim, teríamos que dizer<br />

do <strong>direito</strong> adquirido aquilo que o gênio <strong>de</strong> Dostoievski hipotetizou em relação ao próprio<br />

Deus: Se Deus não existe, então tudo é permitido”.1<br />

O art. 29 da Emenda Constitucional n12 19/98, ao estabelecer que “Os subsídios,<br />

vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras<br />

espécies remuneratórias a<strong>de</strong>quar-se-ão, a partir da promulgação <strong>de</strong>sta Emenda, aos<br />

limites <strong>de</strong>correntes da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não se admitindo a percepção <strong>de</strong> excesso<br />

a qualquer título”, bem como o art. 92 da Emenda Constitucional n2 41/03, ao estipular<br />

que “aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias2<br />

aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos<br />

públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos <strong>de</strong>tentores<br />

<strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie<br />

remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais<br />

ou <strong>de</strong> qualquer natureza”, logicamente, <strong>de</strong>verão ser interpretados conforme as normas<br />

constitucionais originárias e, em especial, <strong>de</strong> acordo com a já citada cláusula pétrea dos<br />

<strong>direito</strong>s adquiridos. Assim, possuindo os citados artigos vários significados, uns compatíveis<br />

com as normas constitucionais pétreas e outros não, <strong>de</strong>verá o intérprete conce<strong>de</strong>r<br />

à norma a interpretação que lhe garanta compatibilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> com a cláusula<br />

pétrea <strong>de</strong> respeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos (CF, art. 60, § 42, IV). Como ensina Canotilho,<br />

“a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

(= espaço <strong>de</strong> interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformida<strong>de</strong><br />

com a constituição e que <strong>de</strong>vem ser preferidas, e outras em <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> com<br />

ela”.3 Conforme já <strong>de</strong>finido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a técnica da <strong>de</strong>nominada interpretação<br />

conforme “só é utilizável quando a norma impugnada admite, <strong>de</strong>ntre as várias<br />

interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o<br />

sentido da norma é unívoco”.4<br />

No presente caso, necessária será a realização <strong>de</strong> uma interpretação conforme sem<br />

redução do texto, <strong>de</strong> forma a reduzir o alcance valorativo dos arts. 29 da EC n2 19/98 e<br />

92 da EC n2 41/03, com o intuito <strong>de</strong> compatibilizá-lo com a Constituição, excluindo-lhe<br />

a interpretação que lhe conceda retroativida<strong>de</strong> em relação às situações jurídicas já consolidadas<br />

antes, primeiramente, da promulgação da Emenda Constitucional nQ19/98, e,<br />

posteriormente, da Emenda Constitucional nQ41/03. Como já <strong>de</strong>cidiu a Corte Suprema, “a<br />

1 M ELLO, C elso A ntônio B an d eira <strong>de</strong> M ello fC o o rd .). Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba - <strong>direito</strong> administrativo<br />

e <strong>constitucional</strong>. S ã o Pau lo: M alh eiro s, 1 9 9 7 . p. 1 5 6 e 1 6 0 .<br />

2 ADCT, art. 1 7 - “O s v en cim en to s, a rem u n era çã o , a s v an ta g en s e os a d icio n ais, b e m co m o os p roventos d e<br />

a p o sen tad o ria q u e e ste ja m send o p erceb id o s e m d esaco rd o com a C onstitu ição serão im ed ia ta m en te reduzidos<br />

ao s lim ites d ela d eco rren tes, n ã o se ad m itin d o , n e ste ca so , in v o cação <strong>de</strong> d ireito ad q u irid o o u p ercep ção <strong>de</strong><br />

e xcesso a q u alq u er títu lo .”<br />

3 CANOTILH O, J . J . G om es. Direito <strong>constitucional</strong>. C oim bra: A lm ed in a, 1 9 9 3 .<br />

4 S T F - P len o - A din n° 1 .3 4 4 -1 / E S - m edida lim in a r -R e i. M in. M o reira A lves, D iário da Justiça, S eção 1 , 1 9<br />

abr. 1 9 9 6 , p. 1 2 .2 1 2 .


4 1 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

interpretação conforme é plenamente aceita e utilizada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no<br />

sentido <strong>de</strong> dar ao texto do ato normativo impugnado compatibilida<strong>de</strong> com a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, mesmo se necessário for a redução <strong>de</strong> seu alcance” .1<br />

Em conclusão, enten<strong>de</strong>mos inadmissível qualquer interpretação seja da EC ne 19/98,<br />

seja da EC na 41/03 que possibilite o <strong>de</strong>srespeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos dos servidores<br />

públicos, às vantagens pessoais incorporadas regularmente aos seus vencimentos e, consequentemente,<br />

integrantes <strong>de</strong>finitivamente em seu patrimônio, em face <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho<br />

efetivo da função ou pelo transcurso do tempo, como por exemplo anuênios ou quinquênios.<br />

Irrefutável a argumentação do saudoso Hely Lopes Meirelles, quando afirma que<br />

“vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo <strong>de</strong>sempenho<br />

efetivo da função (pro labore facto), ou pelo transcurso do tempo (exfacto temporis)”.12<br />

Em relação a essas vantagens, consubstanciou-se o fator aquisitivo, configurando-se a<br />

existência <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido, pois conforme salienta Limongi França, “a diferença entre<br />

a expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e <strong>direito</strong> adquirido está na existência, em relação a este, <strong>de</strong> fato<br />

aquisitivo específico já configurado por completo”.3 Ora, aqueles que, <strong>de</strong> forma lícita e<br />

reconhecida juridicamente, tenham seus vencimentos atuais superiores ao teto salarial do<br />

funcionalismo, previsto no inciso XI, do art. 37, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pela EC n2 41/03<br />

- autoaplicável, em face do art. 8a da citada emenda, conforme já analisado -, e correspon<strong>de</strong>nte<br />

ao subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se<br />

como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o<br />

subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, o subsídio dos Deputados<br />

Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio dos Desembargadores<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento<br />

do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores<br />

e aos Defensores Públicos, <strong>de</strong> forma alguma po<strong>de</strong>rão sofrer uma redução salarial,<br />

sob pena <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong>srespeito à proteção aos <strong>direito</strong>s adquiridos. O mesmo ocorrerá<br />

caso, nos termos da EC na 47/05, os estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong><br />

emendas às suas respectivas Constituições estaduais e Lei Orgânica Distrital, alterarem<br />

seus subtetos, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único para todos os servidores estaduais<br />

ou distritais, correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

(90,25% do subsídio dos Ministros do STF).<br />

Ivo Dantas corrobora o entendimento do texto, afirmando que “o princípio do Direito<br />

adquirido, quando <strong>constitucional</strong>mente consagrado, dirigir-se á, da mesma forma, tanto<br />

ao Po<strong>de</strong>r Legislativo Ordinário quanto ao Po<strong>de</strong>r Reformador, visto que este, como aquele,<br />

tem uma natureza <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r Constituído, em <strong>de</strong>corrência do que, inafastavelmente, estará<br />

limitado pelas normas constitucionais”.4<br />

1 S T F -A d in na 1 5 1 0 -9 / S C - m edida lim in ar - R e i. M in. C arlos V elloso, Diário da Justiça, S eção 1 ,2 5 fev. 1 9 9 7 .<br />

2 M EIRELLES, H ely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 2 1 . ed. S ã o Paulo: M alh eiros, 1 9 9 6 . p. 4 0 3 .<br />

3 FRANÇA, Lim ongi. D ireito adquirido e exp ectativ a <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. Enciclopédia Saraiva <strong>de</strong> Direito, v. 2 5 . p. 55.<br />

4 DANTAS, Ivo. Direito adquirido, emendas constitucionais e controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. R io <strong>de</strong> Ja n e iro :<br />

Lum em Ju ris, 1 9 9 7 , p. 7 2 . In clu siv e, o autor cita acó rd ão do ST F , n a v ig ên cia da o r<strong>de</strong>m co n stitu cio n a l anterio r,<br />

re co n h ecen d o a existên cia <strong>de</strong> d ireito adquirido e m fa c e da Em enda C o n stitu cio n al n Q0 1 / 6 9 -R e x tr . n° 7 5 .1 0 2 /<br />

S P - R ei. M in. X a v ier A lbu qu erqu e


Administração Pública 4 1 9<br />

Devemos nos lembrar <strong>de</strong> que seos vencimentos - mesmo que extrapolem futuro teto<br />

salarial fixado em lei - estão sendo percebidos, isso <strong>de</strong>corre da própria interpretação que<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pacificou em relação a antiga redação do inciso XI, do art.<br />

37, enten<strong>de</strong>ndo que as vantagens <strong>de</strong> caráter pessoal não <strong>de</strong>veríam ser computadas no<br />

teto original previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.1Assim enten<strong>de</strong>ndo,<br />

o Pretório Excelso reconheceu que uma <strong>de</strong>terminada vantagem pessoal que acresceu aos<br />

vencimentos do servidor público, mesmo acima do teto salarial, incorporou em seu patrimônio,<br />

conce<strong>de</strong>ndo-lhe <strong>direito</strong> adquirido a recebê-las, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> futura<br />

alteração <strong>de</strong> regime jurídico.<br />

Aqui, necessário se faz outro esclarecimento. A posição pacificada na jurisprudência<br />

da Corte Suprema sobre a inexistência <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido em relação à imutabilida<strong>de</strong> do<br />

regime jurídico do servidor público, sendo as leis que o alterem aplicáveis <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início <strong>de</strong><br />

sua vigência,12 não afasta a proteção <strong>constitucional</strong> dos <strong>direito</strong>s adquiridos relacionados a<br />

eventuais vantagens pessoais que já tenham acrescido ao patrimônio do servidor público,<br />

pois são coisas diversas.<br />

Como bem ressaltado por Hugo Nigro Mazzilli, os prece<strong>de</strong>ntes do STF sobre inexistência<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido e emendas constitucionais diziam respeito a pretensa existência<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido contra a imutabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regime jurídico do servidor,3 concluindo<br />

o referido autor que “ora, não se admitindo <strong>direito</strong> adquirido à imutabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regime<br />

jurídico, obviamente tanto o po<strong>de</strong>r constituinte originário como o <strong>de</strong>rivado po<strong>de</strong>m o<br />

alterar livremente, respeitados, neste último caso, apenas os efeitos válidos já consumados<br />

sob a or<strong>de</strong>m jurídica anterior”.4 Assim, por exemplo, um servidor público que tenha<br />

ingressado na carreira sob a vigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado regime jurídico que lhe garantisse a<br />

percepção <strong>de</strong> quinquênios, ou seja, acréscimo à sua remuneração <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada verba,<br />

como adicional por tempo <strong>de</strong> serviço, a cada 5 anos, após 10 anos <strong>de</strong> efetivo serviço terá<br />

adquirido pelo transcurso do tempo <strong>de</strong> serviço (exfacto temporis) <strong>direito</strong> a integralização<br />

ao seu patrimônio <strong>de</strong>sses dois quinquênios. Se, futuramente, houver alteração no regime<br />

jurídico regente da carreira <strong>de</strong>sse servidor público, ele não mais fará jus à aquisição <strong>de</strong><br />

novos quinquênios a cada 5 anos <strong>de</strong> efetivo serviço, em face do posicionamento da Corte<br />

Suprema pela inexistência <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido a regime jurídico; porém, em relação<br />

aos valores equivalentes aos dois quinquênios incorporados aos seus vencimentos, já se<br />

constituiu <strong>direito</strong> adquirido uma vez que já se haviam completado os requisitos legais e<br />

<strong>de</strong> fato para a integralização patrimonial.5 Como observa Carlos Maximiliano, “se chama<br />

adquirido o <strong>direito</strong> que se constitui regular e <strong>de</strong>finitivamente e a cujo respeito se completam<br />

1 STF - 2a T. - Rextr. n° 220.006-8/SP - Rei. Min. N éri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 2 abr. 1998, p.<br />

27; STF - 2a T. - RMS n ° 21.966 - Rei. M in . Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 nov. 1996; STF - I a<br />

T. - RMS n° 21.839 - ReL Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1 ,18 abr. 1997.<br />

2 STF - I a T. - A gravo regim ental em agravo <strong>de</strong> instrumento n° 208.210-8/MG - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,3 abr. 1998, p. 11.<br />

3 RTd 94/1.238; 109/1.175; 114/237.<br />

4 MAZZILLI, H u go Nigro. A reform a <strong>constitucional</strong> e as garantias da Magistratura, do M P e dos Tribunais <strong>de</strong><br />

Conta. Revista APMP (Associação Paulista do Ministério Público) n2 17, p. 10.<br />

5 Conferir a respeito <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s adquiridos: RTJ 33/255; 48/392; 54/486.


420 Direito Constitucional • Moraes<br />

os requisitos legais e <strong>de</strong> fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha<br />

sido feito valer, quer não, antes <strong>de</strong> advir norma posterior em contrário”.1<br />

Portanto, em relação à situação ora tratada, afirma Hugo Mazzilli que, “havendo <strong>direito</strong><br />

adquirido, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> emenda à CF e a or<strong>de</strong>m infra<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>vem-lhe respeito” .12<br />

Dessa forma, nenhum servidor público po<strong>de</strong>rá, a partir da publicação da EC n2 41/<br />

03, adquirir qualquer vantagem pessoal ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, nos termos da<br />

nova redação do inciso XI, do art. 37, que exceda ao teto salarial do funcionalismo público,<br />

correspon<strong>de</strong>nte ao subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e<br />

no Distrito Fe<strong>de</strong>ral o subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, o<br />

subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio<br />

dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco<br />

centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério<br />

Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos (com a possibilida<strong>de</strong>, ainda, nos<br />

termos da EC n2 47/05 - CF, art. 40, § 12, da fixação <strong>de</strong> subteto estadual/distrital correspon<strong>de</strong>nte<br />

ao subsídio dos <strong>de</strong>sembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça). Diferentemente, será<br />

o tratamento jurídico-<strong>constitucional</strong> dos servidores públicos que já têm incorporadas ao<br />

seu patrimônio vantagens pessoais juridicamente reconhecidas. Em relação a esses, não<br />

haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retroativida<strong>de</strong>, continuando os mesmos a perceber integralmente<br />

seus vencimentos, em face da existência do <strong>direito</strong> adquirido3 e da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

reconhecer-se uma retroativida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>sconstitua uma situação jurídica perfeita e acabada,<br />

consolidada na vigência da norma <strong>constitucional</strong> originária anterior, acarretando<br />

irregular irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, <strong>de</strong>vidamente incorporados ao patrimônio.<br />

Em relação ao alcance da garantia <strong>constitucional</strong> da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos,<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já estabeleceu tratar-se <strong>de</strong> cláusula que “veda a redução do que<br />

se tem”.4 Dessa forma, como salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“o SupremoTribunalFe<strong>de</strong>ral, tendo presente a concreta abrangência <strong>de</strong>sse postulado<br />

fundamental, enfatizou que ‘...a garantia <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> irredutibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vencimentos (...) torna intangível o <strong>direito</strong> que já nasceu e que não po<strong>de</strong> ser<br />

suprimido...’ (RTJ 118/300, Rei. Min. CARLOS MADEIRA), pois, afinal, a garantia<br />

da irredutibilida<strong>de</strong> inci<strong>de</strong> sobre aquilo que, a título <strong>de</strong> vencimentos, o servidor já<br />

vinha percebendo (RTJ112/768, Rei. Min. ALFREDO BUZAID). Cumpre ter presente,<br />

neste ponto, a sempre relembrada <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>sta Suprema Corte, em período no<br />

qual a garantia em causa somente dizia respeito aos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

na qual se assentou, concernentemente ao tema em <strong>de</strong>bate, que ‘O que a irredutibilida<strong>de</strong><br />

veda é a diminuição, por lei posterior, dos vencimentos que o juiz, em<br />

exercício antes <strong>de</strong> sua vigência, estivesse recebendo’ (RTJ 45/353, 355, Rei. Min.<br />

EVANDRO LINS). Esse entendimento - impõe-se enfatizar- tem sido reiterado em<br />

1 M AXIM ILIAN O , Carlos. D ireito intertemporal. R io <strong>de</strong> Janeiro: Freitas Bastos, 1946. p. 43.<br />

2 A reform a <strong>constitucional</strong>... O p cit. p. 10.<br />

3 Conferir em relação a existência d e <strong>direito</strong> adquirido em face da EC n2 01/69 - Capítulo 3, item 18.1.<br />

RTJ 104/808.


Administração Pública 4 2 1<br />

diversos pronunciamentos <strong>de</strong>ssa Corte Suprema, nos quais, por mais <strong>de</strong> uma vez,<br />

já se proclamou que a garantia <strong>constitucional</strong> da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos<br />

proíbe que o estipêndio funcional seja reduzido ou afetado, por ato do Po<strong>de</strong>r Público,<br />

em seu valor nominal (RTJ 105/671, 675, Rei. Min. SOARES MUNOZ)”.1<br />

Não nos esqueçamos da advertência feita por Celso Bastos, <strong>de</strong> que “a utilização da lei<br />

(acrescentaríamos, lei ou espécie normativa') em caráter retroativo, em muitos casos, repugna<br />

porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma<br />

das fontes principais da segurança do homem na terra”.12<br />

Relembre-se, como o faz Ivo Dantas, <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>srespeito ao <strong>direito</strong> adquirido permitirá<br />

igual tratamento ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada.3<br />

A lição <strong>de</strong> Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao analisar o art. 29 da EC na 19/98, e plenamente<br />

aplicável ao art. 9“ da EC na 41/03, pois “a norma fere, evi<strong>de</strong>ntemente, o preceito<br />

<strong>constitucional</strong> que protege os <strong>direito</strong>s adquiridos (art. 5Q, XXXVI); é a vonta<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r<br />

constituinte <strong>de</strong>rivado prevalecendo sobre a vonta<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r constituinte originário. A<br />

exigência <strong>de</strong> respeito aos <strong>direito</strong>s adquiridos foi incluída na própria Constituição, entre<br />

os <strong>direito</strong>s que o constituinte originário consi<strong>de</strong>rou fundamentais. Se são fundamentais, é<br />

porque <strong>de</strong>vem ser respeitados pelo legislador, qualquer que seja a natureza da norma promulgada.<br />

Trata-se <strong>de</strong> princípio geral do <strong>direito</strong>, que diz respeito à segurança jurídica e que<br />

existiría ainda que não previsto no corpo da Constituição”.4<br />

Saliente-se, ainda, em relação aos órgãos dos Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo e Judiciário<br />

e da Instituição do Ministério Público, que a previsão <strong>de</strong> garantias e prerrogativas<br />

constitucionais, tais como a tradicional irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, ora <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong><br />

irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídio, tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação da separação dos po<strong>de</strong>res e da<br />

<strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4a, III e IV),<br />

não po<strong>de</strong>ndo, pois, haver supressão.5<br />

No sentido do texto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, analisando especificamente a<br />

questão do teto salarial autoaplicável a partir da EC ne 41/03, por maioria <strong>de</strong> votos (6 x<br />

5 ),6 reconheceu a intangibilida<strong>de</strong> da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, tendo afirmado o<br />

Ministro-relator Sepúlveda Pertence que “a garantia da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos é,<br />

sim, modalida<strong>de</strong> qualificada <strong>de</strong> <strong>direito</strong> adquirido e, <strong>de</strong> qualquer sorte, conteúdo <strong>de</strong> normas<br />

constitucionais específicas, estendidas, na or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> vigente, aos magistrados<br />

e aos servidores públicos em geral. Desse modo - não obstante o dogma <strong>de</strong> que o agente<br />

1 STF - Pleno - Adin na 1.396-3/SC - m edida liminar - Rei. M ia Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I,<br />

2 fev. 1 9 9 6 .<br />

2 D ic io n á r io . . . Op. cit. p. 43.<br />

3 DANTAS, Ivo. Direito adquirido, emendas constitucionais e controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Revista <strong>de</strong>Direito<br />

A d m in is t r a t iv o , n Q 206, <strong>de</strong>z. 1996.<br />

4 Op. c it. p. 3 7 6 .<br />

5 A esse resp eito conferir extenso estudo no Capítulo 10, item 5.11.<br />

6 Votaram pela intangibilida<strong>de</strong> da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, enquanto modalida<strong>de</strong> qualificada <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

adquirido, os Ministros Sepúlveda Pertence, Gilmar Men<strong>de</strong>s, Ellen Gracie, Celso <strong>de</strong> M ello e Enrique Lewandowski,<br />

tendo o Ministro Marco Aurélio somado-se à maioria, por ter proferido voto em m aior extensão. Contrariamente,<br />

votaram os Ministros Nelson Jobim, Joaquim Barbosa, Cezar Peluzo, Carlos Ayres Britto e Eros Grau.


422 Direito Constitucional • Moraes<br />

público não tem <strong>direito</strong> adquirido ao seu anterior regime jurídico <strong>de</strong> remuneração - há,<br />

no particular, um ponto indiscutível: é intangível a irredutibilida<strong>de</strong> do montante integral<br />

<strong>de</strong>la”, para concluir que “estou, portanto, em que a irredutibilida<strong>de</strong> - hoje, universalizada<br />

- <strong>de</strong> vencimentos e salários substantiva garantia <strong>constitucional</strong> oponível às emendas constitucionais<br />

mesmas. Trata-se <strong>de</strong> garantia individual erigida pela própria Constituição que,<br />

como tal, a doutrina amplamente majoritária reputa inilidível por emenda <strong>constitucional</strong>”.1<br />

1 Trecho do voto no MS n° 24.875-1/DF.


Organização dos Po<strong>de</strong>res<br />

e do Ministério Público<br />

_<br />

1 SEPARAÇÃO DAS FUNÇÕES ESTATAIS - LIMITAÇÃO DO PODER E GARANTIA<br />

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS<br />

1.1 Introdução<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o <strong>de</strong>srespeito<br />

aos <strong>direito</strong>s fundamentais do homem, previu a existência dos Po<strong>de</strong>res do Estado e da<br />

Instituição do Ministério Público, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos entre si, repartindo entre<br />

eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunida<strong>de</strong>s para que bem pu<strong>de</strong>ssem<br />

exercê-las, bem como criando mecanismos <strong>de</strong> controles recíprocos, sempre como garantia<br />

da perpetuida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> Direito.<br />

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res”, que consiste<br />

em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração e jurisdição, que<br />

<strong>de</strong>vem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as exercerão com exclusivida<strong>de</strong>,<br />

foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na obra “Política”, <strong>de</strong>talhada, posteriormente,<br />

por John Locke, no Segundo tratado do governo civil, que também reconheceu três<br />

funções distintas, entre elas a executiva, consistente em aplicar a força pública no interno,<br />

para assegurar a or<strong>de</strong>m e o <strong>direito</strong>, e a fe<strong>de</strong>rativa, consistente em manter relações com<br />

outros Estados, especialmente por meio <strong>de</strong> alianças. E, finalmente, consagrada na obra<br />

<strong>de</strong> Montesquieu O espírito das leis, a quem <strong>de</strong>vemos a divisão e distribuição clássicas,<br />

tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e transformando-se<br />

em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, <strong>de</strong><br />

1789, e é prevista no art. 2a da nossa Constituição Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

Interessante citar a lição <strong>de</strong> Ives Gandra da Silva Martins, ao dizer que<br />

“O que Locke e a Inglaterra ofertaram para o aprofundamento temático <strong>de</strong> Montesquieu<br />

foi a tripartição equilibrada do po<strong>de</strong>r. Hoje, estamos convencidos - quanto<br />

mais lemos os autores mo<strong>de</strong>rnos - <strong>de</strong> que, em matéria <strong>de</strong> Direito, pouco se acres­<br />

1 Nuno Piçarra faz <strong>de</strong>talhado estudo sobre a falência da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tripartição rígida <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e sua substituição<br />

por uma teoria geral das funções estatais ( Aseparação dos po<strong>de</strong>res como doutrina e princípio <strong>constitucional</strong><br />

Coimbra: Coimbra Editora, 1989. p. 264).


4 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

centou ao que os romanos criaram; e, em matéria <strong>de</strong> Filosofia, pouco se acrescentou<br />

ao que os gregos <strong>de</strong>svendaram. Qualquer filósofo posterior, como Políbio, que era<br />

também historiador, passando por Hume, Hobbes, Locke, Bacon, Maquiavel - historiador,<br />

filósofo, político e sociólogo - Rousseau e outros, traz pequena contribuição<br />

ao pensamento universal <strong>de</strong>scortinado pelos gregos. Tenho a impressão <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>pois dos gregos pouca coisa se pô<strong>de</strong> criar. Criaram-se variações inteligentes,<br />

mas otema central <strong>de</strong> Filosofia se encontra na Grécia e o do Direito em Roma. Ora,<br />

com a tripartiçãoequilibrada <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Montesquieu, chega-se à discussão do<br />

sistema <strong>de</strong> governo, já a esta altura, após a Revolução Francesa, eliminando-se <strong>de</strong><br />

vez a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se discutir a permanência <strong>de</strong> monarquias absolutas.”1<br />

Como salientam Canotilho e Moreira,<br />

“um sistema <strong>de</strong> governo composto por uma pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> órgãos requer necessariamente<br />

que o relacionamento entre os vários centros do po<strong>de</strong>r seja pautado por<br />

normas <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> (Verfassungstreue, na terminologia alemã). A<br />

lealda<strong>de</strong> institucional compreen<strong>de</strong> duas vertentes, uma positiva, outra negativa. A<br />

primeira consiste em que os diversos órgãos do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vem cooperar na medida<br />

necessária para realizar os objetivos constitucionais e para permitir o funcionamento<br />

do sistema com o mínimo <strong>de</strong> atritos possíveis. A segunda <strong>de</strong>termina que<br />

os titulares dos órgãos do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>vem respeitar-se mutuamente e renunciar a<br />

prática <strong>de</strong> guerrilha institucional, <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> retaliação gratuita ou <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração grosseira. Na verda<strong>de</strong>, nenhuma cooperação <strong>constitucional</strong> será<br />

possível, sem uma <strong>de</strong>ontologiapolítica, fundada no respeito das pessoas e das instituições<br />

e num apurado sentido da responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Estado (statesmansUp)”.12<br />

1.2 Funções estatais, imunida<strong>de</strong>s e garantias em face do princípio da<br />

igualda<strong>de</strong><br />

A finalida<strong>de</strong> das imunida<strong>de</strong>s e garantias previstas para os membros do Legislativo,<br />

Executivo, Judiciário e do Ministério Público, para bem exercerem suas funções estatais<br />

<strong>de</strong>feridas pelo legislador constituinte, <strong>de</strong>ve ser analisada à luz do princípio da igualda<strong>de</strong>,<br />

informador dos <strong>direito</strong>s fundamentais e <strong>de</strong> todo o or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>; verda<strong>de</strong>iro<br />

vetor <strong>de</strong> interpretação <strong>constitucional</strong> da Democracia, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu valor e <strong>de</strong> seu<br />

caráter principiológico.3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 adotou, como já visto anteriormente, o princípio da<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, prevendo a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> aptidão, uma igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s<br />

virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> tratamento idêntico pela lei, em consonância<br />

com os critérios albergados pelo or<strong>de</strong>namento jurídico. Dessa forma, o que se veda<br />

são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, mostrando-nos que o trata­<br />

1 M ARTINS, Ives Gandra da Silva. A constituição... Op. cit. p. 187.<br />

2 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Os po<strong>de</strong>res do... Op. cit. p. 71.<br />

3 ALEXY, Robert. Teoría<strong>de</strong>los <strong>de</strong>rechos fundamentales. Madri; Centro <strong>de</strong> Estúdios Constitucionales, 1993. p. 135.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 425<br />

mento <strong>de</strong>sigual dos casos <strong>de</strong>siguais, à medida que se <strong>de</strong>sigualam, é exigência do próprio<br />

conceito <strong>de</strong> Justiça, ou ainda, que o princípio da isonomia protege certas finalida<strong>de</strong>s, o que,<br />

<strong>de</strong> resto, não é uma particularida<strong>de</strong> do tema em estudo, mas <strong>de</strong> todo o <strong>direito</strong>, que há <strong>de</strong> ser<br />

examinado sempre à luz da teleologia que o informa, somente sendo ferido quando não se<br />

encontra a serviço <strong>de</strong> uma finalida<strong>de</strong> própria, escolhida pelo <strong>direito</strong>.<br />

Analisando as normas técnicas para interpretação <strong>constitucional</strong>, José Tarcizio <strong>de</strong><br />

Almeida Melo acentua que o caráter teleológico, finalístico, da norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ve<br />

ser levado em consi<strong>de</strong>ração, para atingir-se o objetivo imediato que a constituição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

sua origem, tem preservado.1<br />

Este objetivo <strong>de</strong>ve ser alcançado, em relação às funções estatais, imunida<strong>de</strong>s e garantias<br />

previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois o intérprete <strong>de</strong>ve respeito à hermenêutica<br />

<strong>constitucional</strong>.<br />

Nesse sentido, Tercio Sampaio Ferraz Jr., analisando a aplicabilida<strong>de</strong> e a interpretação<br />

das normas constitucionais, ensina:<br />

“Admitindo-se que as normas jurídicas instaurem uma relação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> -<br />

portanto uma relação <strong>de</strong> hierarquia - entre o seu emissor e o seu <strong>de</strong>stinatário<br />

(cometimento), e ao mesmo tempo expressem um relato, o chamado ‘conteúdo<br />

normativo’, o sucesso da norma estará na a<strong>de</strong>quação entre a relação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong><br />

e o conteúdo da norma. Assim, se o objetivo do emissor é obter uma obediência<br />

ou submissão (cometimento), mas o conteúdo normado não tem condições <strong>de</strong> ser<br />

cumprido, o sucesso da disposição normativa é frágil, ou não existe. A norma não<br />

tem ou tem baixa eficácia. Mas se o objetivo é, por exemplo, não a obediência, não<br />

a submissão, mas simplesmente, vamos dizer assim, uma satisfação i<strong>de</strong>ológica, o<br />

apaziguamento da consciência política, embora o disposto seja impossível <strong>de</strong> ser<br />

cumprido, este conteúdo impossível <strong>de</strong> ser cumprido é a<strong>de</strong>quado à relação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>.<br />

Porque é exatamente em razão da não aplicação que vai dar-se o sucesso da<br />

norma. Portanto, nesses termos, a eficácia enquanto termo relativo ao normativo,<br />

tendo em vista a relação entre o emissor da norma e o seu <strong>de</strong>stinatário, exige-se<br />

que se leve em conta o objetivo colimado na instauração da relação <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>.”<br />

O objetivo colimado pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao estabelecer diversas funções, imunida<strong>de</strong>s<br />

e garantias aos <strong>de</strong>tentores das ftinções soberanas do Estado, Po<strong>de</strong>res Legislativo,<br />

Executivo, Judiciário e a Instituição do Ministério Público, é a <strong>de</strong>fesa do regime <strong>de</strong>mocrático,<br />

dos <strong>direito</strong>s fundamentais e da própria Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, legitimando, pois, o<br />

tratamento diferenciado fixado a seus membros, em face do princípio da igualda<strong>de</strong>. Assim,<br />

estas eventuais diferenciações são compatíveis com a cláusula igualitária por existência<br />

<strong>de</strong> um vínculo <strong>de</strong> correlação lógica entre o tópico diferencial acolhido por resi<strong>de</strong>nte no<br />

objeto, e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento em função <strong>de</strong>la conferida, pois compatível com<br />

interesses prestigiados na constituição.<br />

Uma interpretação valorativa dos <strong>direito</strong>s fundamentais, bem como <strong>de</strong> proteção<br />

dos instrumentos e mecanismos previstos <strong>constitucional</strong>mente para sua aplicabilida<strong>de</strong><br />

integral e eficaz, entre eles as previsões <strong>de</strong> garantias e imunida<strong>de</strong>s, vai ao encontro da<br />

1 M ELO, José Tarcizio <strong>de</strong>A lm eida.flireito... Op. cit. p. 46.


426 Direito Constitucional • Moraes<br />

dupla finalida<strong>de</strong> apontada por Mauro Cappelletti, ao dissertar sobre o nascimento da<br />

<strong>de</strong>nominada justiça <strong>constitucional</strong> das liberda<strong>de</strong>s: evitar os regimes ditatoriais e garantir<br />

in<strong>de</strong>pendência e liberda<strong>de</strong> à função criativa do Judiciário, na efetivida<strong>de</strong> dos referidos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais.1<br />

Como salientava Montesquieu, o verda<strong>de</strong>iro espírito da igualda<strong>de</strong> está longe da<br />

extrema igualda<strong>de</strong>, tanto quanto o Céu da Terra. O espírito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> não consiste<br />

em fazer que todo mundo man<strong>de</strong>, ou que ninguém seja mandado; consiste em mandar<br />

e obe<strong>de</strong>cer a seus iguais. Não procura não ter chefe; mas só ter como chefes seus iguais.<br />

No estado natural, os homens nascem bem na igualda<strong>de</strong>; mas não po<strong>de</strong>ríam permanecer<br />

assim. A socieda<strong>de</strong> os faz perdê-la, e eles não se tornam <strong>de</strong> novo iguais senão por meio<br />

das leis. Tal é a diferença entre a <strong>de</strong>mocracia regrada e aquela que o não é: nesta, só se é<br />

igual como cidadão; na outra, também se é igual como magistrado, como senador, como<br />

juiz, como pai, como marido, como senhor.<br />

Neste sentido orientou-se o legislador constituinte ao prever a existência <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s<br />

e garantias aos agentes políticos, que serão analisadas adiante, exercentes das<br />

precípuas funções estatais, visando ao bom e harmônico funcionamento e perpetuida<strong>de</strong><br />

dos Po<strong>de</strong>res da República e à salvaguarda dos <strong>direito</strong>s fundamentais.<br />

Ao prelecionar sobre a divisão dos po<strong>de</strong>res, Montesquieu mostrava o necessário para<br />

o equilíbrio dos Po<strong>de</strong>res, dizendo que para formar-se um governo mo<strong>de</strong>rado, “precisase<br />

combinar os Po<strong>de</strong>res, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um Po<strong>de</strong>r, por assim<br />

dizer, um lastro, para pô-lo em condições <strong>de</strong> resistir a um outro. É uma obra-prima <strong>de</strong><br />

legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se <strong>de</strong>ixa a prudência produzir...<br />

Sendo o seu corpo legislativo composto <strong>de</strong> duas partes, uma acorrentada a outra pela<br />

mútua faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> impedir. Ambas serão amarradas pelo Po<strong>de</strong>r Executivo, o qual o será,<br />

por seu turno, pelo Legislativo. Esses três Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>veríam originar um impasse, uma<br />

inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles<br />

haverão <strong>de</strong> caminhar em concerto”.12<br />

Não há, pois, qualquer dúvida da estreita interligação <strong>constitucional</strong> entre a <strong>de</strong>fesa<br />

da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res e dos <strong>direito</strong>s fundamentais como requisito sine qua non para a<br />

existência <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong>. Nesta esteira, o legislador constituinte<br />

previu diversas imunida<strong>de</strong>s e garantias para os exercentes <strong>de</strong> funções estatais relacionadas<br />

com a <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais e gerência dos negócios do Estado, <strong>de</strong>finindo-as<br />

nos capítulos respectivos dos Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo e Judiciário e, também, da<br />

Instituição do Ministério Público.<br />

Os órgãos exercentes das funções estatais, para serem in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, conseguindo<br />

frear uns aos outros, com verda<strong>de</strong>iros controles recíprocos, necessitavam <strong>de</strong> certas garantias<br />

e prerrogativas constitucionais. E tais garantias são invioláveis e impostergáveis,<br />

sob pena <strong>de</strong> ocorrer <strong>de</strong>sequilíbrio entre eles e <strong>de</strong>sestabilização do governo. E, quando o<br />

<strong>de</strong>sequilíbrio agiganta o Executivo, instala-se o <strong>de</strong>spotismo, a ditadura, <strong>de</strong>saguando no<br />

1 CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores? Trad. <strong>de</strong> Carlos Alberto Á lvaro <strong>de</strong> Oliveira. Porto A legre: Sérgio<br />

A ntonio Fabris, 1993.<br />

2 MONTESQUIEU, C. L. S. O espírito das leis. Introdução, tradução e notas <strong>de</strong> Pedro V ieira M ota. 3. ed. São<br />

Paulo: Saraiva, 1994. p. 25-26.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 2 7<br />

próprio arbítrio, como afirmava Montesquieu ao analisar a necessida<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong><br />

imunida<strong>de</strong>s e prerrogativas para o bom exercício das funções do Estado.<br />

Se por um lado as imunida<strong>de</strong>s e as garantias dos agentes políticos, previstas na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, são instrumentos para perpetuida<strong>de</strong> da separação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e<br />

harmônica dos Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, por outro lado, igualmente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a efetivida<strong>de</strong> dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais e a própria perpetuida<strong>de</strong> do regime <strong>de</strong>mocrático.1<br />

1.3 Funções estatais: Po<strong>de</strong>r Legislativo, Po<strong>de</strong>r Executivo, Po<strong>de</strong>r Judiciário e<br />

Ministério Público<br />

Note-se que nos referimos às garantias dos Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo, Judiciário<br />

e da Instituição do Ministério Público, uma vez que se assemelham em virtu<strong>de</strong> da autonomia,<br />

in<strong>de</strong>pendência e finalida<strong>de</strong>s constitucionais. Além disto, exercem todos funções<br />

únicas do Estado, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma visão mais contemporânea das funções estatais, que<br />

reconhece que o Estado <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> assenta-se na i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>, pois o<br />

po<strong>de</strong>r soberano é uno, indivisível, existindo órgãos estatais, cujos agentes políticos têm<br />

a missão precípua <strong>de</strong> exercerem atos <strong>de</strong> soberania. Aliás, bem o disse Rousseau, o po<strong>de</strong>r<br />

soberano é uno. Não po<strong>de</strong> sofrer divisão. Assim, o que a doutrina liberal clássica preten<strong>de</strong><br />

chamar <strong>de</strong> separação dos po<strong>de</strong>res, o <strong>constitucional</strong>ismo mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong>termina divisão <strong>de</strong><br />

tarefas estatais, <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s entre distintos órgãos autônomos.12<br />

Lembremo-nos que o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e<br />

distribuição entre órgãos autônomos e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes tinha como finalida<strong>de</strong> a proteção<br />

da liberda<strong>de</strong> individual contra o arbítrio <strong>de</strong> um governante onipotente.<br />

Em conclusão, o Direito Constitucional contemporâneo, apesar <strong>de</strong> permanecer na<br />

tradicional linha da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Tripartição <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, já enten<strong>de</strong> que esta fórmula, se interpretada<br />

com rigi<strong>de</strong>z, tornou-se ina<strong>de</strong>quada para um Estado que assumiu a missão <strong>de</strong><br />

fornecer a todo o seu povo o bem-estar, <strong>de</strong>vendo, pois, separar as funções estatais, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> um mecanismo <strong>de</strong> controles recíprocos, <strong>de</strong>nominado “freios e contrapesos” (checks<br />

and balances).<br />

Assim, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 atribuiu as funções estatais <strong>de</strong> soberania aos<br />

três tradicionais Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, e à Instituição do<br />

Ministério Público, que, entre várias outras importantes funções, <strong>de</strong>ve zelar pelo equilíbrio<br />

entre os Po<strong>de</strong>res, fiscalizando-os, e pelo respeito aos <strong>direito</strong>s fundamentais.3<br />

A estes órgãos, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral confiou parcela da autorida<strong>de</strong> soberana do<br />

Estado, garantindo-lhes autonomia e in<strong>de</strong>pendência.<br />

Esta opção do legislador constituinte em elevar o Ministério Público a <strong>de</strong>fensor dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais e fiscal dos Po<strong>de</strong>res Públicos, alterando substancialmente a estrutura<br />

da própria Instituição e da clássica teoria da Tripartição <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, não po<strong>de</strong> ser<br />

1 FAYT, Carlos S. Supremacia <strong>constitucional</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>losjueces. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 2.<br />

2 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ativida<strong>de</strong> legislativa do po<strong>de</strong>r executivo no Estado contemporâneo e na constituição<br />

<strong>de</strong> 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 26.<br />

3 BANDRÉS, José Manuel. Po<strong>de</strong>r judicialy constitución. Barcelona: Casa Editorial, 1987. p. 48.


428 Direito Constitucional • Moraes<br />

ignorada pelo intérprete, pois se trata <strong>de</strong> um dos princípios sustentadores da teoria dos<br />

freios e contrapesos <strong>de</strong> nossa atual Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Neste mesmo raciocínio da reestruturação das funções do Estado, sempre com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> controle político e preservação dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais, salutar lembrar<br />

a lição do Ministro Sepúlveda Pertence, ao analisar o novo papel do Ministério Público:<br />

“Seu papel fundamental é, e continuará sendo, uma <strong>de</strong>corrência da característica<br />

fundamental <strong>de</strong> ser o Po<strong>de</strong>r Judiciário um Po<strong>de</strong>r inerte, vale dizer, um Po<strong>de</strong>r sem<br />

iniciativa. E <strong>de</strong> existirem interesses em relação aos quais, interesses cujo âmbito se<br />

ten<strong>de</strong> a ampliar, em relação aos quais o exercício da ação, o exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

ação não se pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar à disposição das partes. Aí está o papel fundamental do<br />

Ministério Público. É mantida a inércia do Po<strong>de</strong>r Judiciário, consi<strong>de</strong>rada requisito<br />

indispensável à sua imparcialida<strong>de</strong>, criar-se, exigir-se um órgão público capaz <strong>de</strong><br />

exercer a ação quer na área penal, quer em âmbito que se amplia na área civil, ou<br />

intervir no processo entre partes na <strong>de</strong>fesa daqueles interesses - repita-se - que<br />

não se <strong>de</strong>ixaram à disposição dos interessados. É esse patrocínio <strong>de</strong>sinteressado<br />

<strong>de</strong> interesses públicos, ou essa proteção <strong>de</strong>sinteressada, mesmo <strong>de</strong> interesses<br />

privados, mas aos quais se quis dar proteção especial, que justificam o papel do<br />

Ministério Público”,1<br />

concluindo mais adiante,<br />

“é, porém, na <strong>de</strong>finição das funções institucionais que a Constituinte se abre a um<br />

enorme <strong>de</strong>senvolvimento do papel ministerial. Eu dizia ontem, no Supremo Tribunal,<br />

que nunca se confiou tanto, e ao mesmo tempo se exigiu tanto do Judiciário,<br />

quanto na futura Constituição do Brasil. E isso levou a um imenso fortalecimento<br />

da instituição do Ministério Público. Na medida em que a Constituição, a meu<br />

ver acertadamente, <strong>de</strong> um lado <strong>de</strong>u ênfase em particular à temática dos Direitos<br />

Coletivos e dos Direitos Sociais e <strong>de</strong> outro adotou a fórmula que, para proteção<br />

jurisdicional <strong>de</strong> toda essa gama <strong>de</strong> interesses coletivos e <strong>direito</strong>s coletivos que<br />

começam a ganhar cidadania, a fórmula que me parece a mais a<strong>de</strong>quada da dupla<br />

titularida<strong>de</strong>, já abriga <strong>de</strong> um lado a socieda<strong>de</strong> civil e <strong>de</strong> outro a <strong>de</strong> um órgão<br />

público o Ministério Público. É essencialmente o órgão mais a<strong>de</strong>quado ao assumir<br />

essas funções”.<br />

1.4 Conclusão inicial<br />

Não existirá, pois, um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, sem que haja Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado<br />

e Instituições, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos entre si, bem como previsão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses requisitos.<br />

Todos estes temas são <strong>de</strong> tal modo ligados que a <strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong> um, fatalmente, acarretará<br />

a supressão dos <strong>de</strong>mais, com o retorno do arbítrio e da ditadura.<br />

1 M ARTINS, Ives Gandra da Silva (C o o rd J . A Constituição brasileira <strong>de</strong> 1988: interpretações. 2. ed. R io <strong>de</strong><br />

Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 261-262.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 2 9<br />

O legislador constituinte, no intuito <strong>de</strong> preservar este mecanismo recíproco <strong>de</strong> controle<br />

e a perpetuida<strong>de</strong> do Estado <strong>de</strong>mocrático, previu, para o bom exercício das funções<br />

estatais, pelos Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo, Judiciário e a Instituição do Ministério Público,<br />

diversas prerrogativas, imunida<strong>de</strong>s e garantias a seus agentes políticos, que serão<br />

oportunamente analisadas.<br />

2 PODER LEGISLATIVO<br />

2.1 Funções<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou em seu art. 2e a tradicional tripartição <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res,<br />

ao afirmar que são Po<strong>de</strong>res do Estado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos entre si, o Legislativo,<br />

o Executivo e o Judiciário. Com base nessa proclamação solene, o próprio legislador constituinte<br />

atribuiu diversas funções a todos os Po<strong>de</strong>res, sem, contudo caracterizá-la com a<br />

exclusivida<strong>de</strong> absoluta. Assim, cada um dos Po<strong>de</strong>res possui uma função predominante, que<br />

o caracteriza como <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> parcela da soberania estatal, além <strong>de</strong> outras funções previstas<br />

no texto <strong>constitucional</strong>. São as chamadas funções típicas e atípicas.<br />

As funções típicas do Po<strong>de</strong>r Legislativo são legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo<br />

grau <strong>de</strong> importância e merecedoras <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>talhamento. Dessa forma, se por um lado<br />

a Constituição prevê regras <strong>de</strong> processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore<br />

as normas jurídicas, <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong>termina que a ele compete a fiscalização contábil,<br />

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Po<strong>de</strong>r Executivo (CF, art. 70).<br />

As funções atípicas constituem-se em administrar e julgar. A primeira ocorre, exemplificativamente,<br />

quando o Legislativo dispõe sobre sua organização e operacionalida<strong>de</strong><br />

interna, provimento <strong>de</strong> cargos, promoções <strong>de</strong> seus servidores; enquanto a segunda ocorrerá,<br />

por exemplo, no processo e julgamento do Presi<strong>de</strong>nte da República por crime <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>.<br />

No exercício <strong>de</strong> suas funções, os membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo estão resguardados<br />

por um protetivo rol <strong>de</strong> prerrogativas e imunida<strong>de</strong>s; bem como por algumas incompatibilida<strong>de</strong>s,<br />

como se analisará a seguir.<br />

2.2 Congresso Nacional<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral no Capítulo I, do Título IV, inicia o <strong>de</strong>talhamento sobre os<br />

Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, consagrados no art. 2o como in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos, com as regras<br />

sobre o Po<strong>de</strong>r Legislativo, que nos Estados Democráticos, no dizer <strong>de</strong> Paolo Biscaretti<br />

di Ruífia, se “apresentam como órgãos constitucionais dotados <strong>de</strong> plena in<strong>de</strong>pendência,<br />

também sob o aspecto financeiro”.1<br />

1 RUFFIA, Paolo Biscaretti d i Direito <strong>constitucional</strong>: instituições <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. Trad. <strong>de</strong> M aria Helena<br />

Diniz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p. 301.


4 3 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

O Po<strong>de</strong>r Legislativo Fe<strong>de</strong>ral é bicameral e exercido pelo Congresso Nacional, que se<br />

compõe da Câmara dos <strong>de</strong>putados1 e do Senado Fe<strong>de</strong>ral,12 diferentemente dos estaduais,<br />

distritais e municipais, on<strong>de</strong> é consagrado o unicameralismo (CF, arts. 27, 29 e 32).<br />

O bicameralismo do Legislativo Fe<strong>de</strong>ral está intimamente ligado à escolha pelo legislador<br />

constituinte da forma fe<strong>de</strong>rativa <strong>de</strong> Estado, pois no Senado Fe<strong>de</strong>ral encontram-se,<br />

<strong>de</strong> forma paritária, representantes <strong>de</strong> todos os Estados-membros e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Fe<strong>de</strong>ração.<br />

A partir da EC n2 50/06, o Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> fevereiro a 17 <strong>de</strong> julho e <strong>de</strong> l 2 <strong>de</strong> agosto a 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. Cada legislatura<br />

terá a duração <strong>de</strong> quatro anos, compreen<strong>de</strong>ndo quatro sessões legislativas3 *ou oito<br />

períodos legislativos.<br />

Dessa forma, houve ampliação na duração <strong>de</strong> ambos os períodos legislativos, e, consequentemente,<br />

na própria sessão legislativa, diminuindo-se ambos os recessos <strong>de</strong> meio<br />

e final <strong>de</strong> ano.<br />

TEXTO ORIGINAL EC n2 50/06<br />

Sessão legislativa 1 5 / 0 2 - 1 5 / 1 2 2/02 - 2 2/12<br />

Recesso <strong>de</strong> meio <strong>de</strong> ano l 2/ 0 7 - 31/0 7 18 / 0 7 - 3 1/ 0 7<br />

Recesso <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano 1 6 / 12 - 14 / 0 2 2 3 /12 - 1 / 0 2<br />

Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir <strong>de</strong> l e <strong>de</strong> fevereiro,<br />

no primeiro ano da legislatura, para a posse <strong>de</strong> seus membros e eleição das respectivas<br />

Mesas, para mandato <strong>de</strong> 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição<br />

imediatamente subsequente.<br />

O art. 57, § 6S, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convocação extraordinária<br />

do Congresso Nacional, que po<strong>de</strong>rá ser feita, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da hipótese, pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, pelo Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos<br />

Deputados, ou a requerimento da maioria dos membros <strong>de</strong> ambas as Casas Legislativas.<br />

A EC n2 50/06 inovou ao exigir para a concretização da convocação extraordinária<br />

nas hipóteses <strong>de</strong> urgência ou interesse público relevante votação e aprovação pela maioria<br />

absoluta dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Essa votação somente será exigida quando a convocação extraordinária for feita com<br />

base no inciso II do § 62 do art. 57 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e subtraiu do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República e dos Presi<strong>de</strong>ntes da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> convocação monocrática do Congresso Nacional, como ocorria até o advento da<br />

citada EC n2 50/06.<br />

1 Atualm ente com 513 Deputados Fe<strong>de</strong>rais.<br />

2 Atualm ente com 81 Senadores da República.<br />

3 CF, art. 57, § 2o. A sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação d o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 3 1<br />

Dessa forma, salvo a convocação extraordinária monocraticamente feita pelo Presi<br />

<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, em caso <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou <strong>de</strong> intervenção<br />

fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> autorização para a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> sítio e para o compromisso<br />

e a posse do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República, todas as <strong>de</strong>mais convocações<br />

extraordinárias <strong>de</strong>verão passar pelo crivo da maioria absoluta da Câmara dos Deputados<br />

e do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A alteração do inciso II, § 62, do art. 57, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, exigindo aprovação<br />

<strong>de</strong> maioria absoluta <strong>de</strong> cada uma das Casas do Congresso Nacional para que seja realizada<br />

a convocação extraordinária, inclusive quando solicitada pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

preten<strong>de</strong> situar em níveis mais razoáveis a ingerência do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo no Po<br />

<strong>de</strong>r Legislativo, crescente na evolução do regime presi<strong>de</strong>ncial.1Ernest Fincher, inclusive,<br />

salienta que a influência do Presi<strong>de</strong>nte norte-americano no processo legislativo cresceu<br />

muito em face do <strong>de</strong>senvolvimento dos meios <strong>de</strong> comunicação, que permitem ao Chefe da<br />

Nação dirigir-se diretamente ao povo solicitando apoio a suas proposições no Congresso,<br />

colocando-o em uma difícil posição perante o Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Trata-se <strong>de</strong> importante alteração <strong>de</strong> fortalecimento do Po<strong>de</strong>r Legislativo frente ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, que não mais po<strong>de</strong>rá pautá-lo extraordinariamente sem prévia<br />

concordância da maioria absoluta <strong>de</strong> ambas as Casas Legislativas.<br />

Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente <strong>de</strong>liberará sobre a<br />

matéria para a qual foi convocado, ressalvada a hipótese referente a medidas provisórias,<br />

em vigor na data da convocação, quando então <strong>de</strong>verão ser automaticamente incluídas<br />

(CF, art. 57, § 82 c.c art. 62), vedado o pagamento <strong>de</strong> parcela in<strong>de</strong>nizatória, em razão da<br />

convocação.<br />

Discute-se sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dupla convocação extraordinária para o mesmo<br />

período, estabelecendo assuntos diversos a serem tratados. Enten<strong>de</strong>mos plenamente possível,<br />

uma vez que a iniciativa <strong>de</strong> um dos legitimados constitucionais, que eventualmente<br />

se antecipasse aos <strong>de</strong>mais, em convocar o Congresso Nacional extraordinariamente, não<br />

po<strong>de</strong>ria impedir que os <strong>de</strong>mais também o fizessem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que existentes os requisitos<br />

constitucionais.2 Esse posicionamento foi fortalecido pela EC n2 50/06, pois, em caso <strong>de</strong><br />

dupla convocação, haverá sempre o crivo da maioria absoluta dos membros das Casas<br />

Legislativas, que <strong>de</strong>verá aceitar as convocações.<br />

O órgão administrativo <strong>de</strong> direção do Congresso Nacional é sua Mesa.<br />

A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, e os<br />

<strong>de</strong>mais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantes <strong>de</strong> cargos equivalentes<br />

na Câmara dos Deputados e no Senado Fe<strong>de</strong>ral. Assim, aplicando-se as regras constitucionais,<br />

e com base nos regimentos internos da Câmara, do Senado e do próprio Congresso,<br />

a Mesa do Congresso será composta pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado, l 2 Vice-presi<strong>de</strong>nte da 12<br />

1 Conferir, nesse sentido: LASK I.H aroldJoseph. The american presi<strong>de</strong>ncy: an interpretation. London: G eorge<br />

Allen & Unw in, Cs.d.), p. 118; ROSTOW , Eugene V. Presi<strong>de</strong>nt, prim e minister or constitutional monarch. The<br />

American Journal o f International Law, Washington, ano 4, v. 83, Oct. 1989, p. 748; FINCHER, Ernest Barksdale.<br />

The presi<strong>de</strong>nt ofthe UnitedStates. N e w York: Abelard-Schuman, 1955. p. 92.<br />

2 Nesses termos o Ato Convocatório, <strong>de</strong> 9-1-1997, realizado pelos Presi<strong>de</strong>ntes da Câmara dos Deputados e do<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, aditando a pauta <strong>de</strong> convocação extraordinária que já havia sido <strong>de</strong>terminada pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República (Diário Oficia!, Seção I, Atos do Congresso Nacional, 10-1-1997, capa).


4 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Câmara, 2o Vice-presi<strong>de</strong>nte do Senado, 1QSecretário da Câmara, 2QSecretário do Senado,<br />

3a Secretário da Câmara e 4a Secretário do Senado.<br />

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral serão eleitas, respectivamente,<br />

pelos <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e senadores da República, para mandato <strong>de</strong> dois anos,<br />

vedando-se a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.1<br />

Observe-se que a presente regra - que veda a recondução dos membros das Mesas<br />

das Casas Legislativas fe<strong>de</strong>rais para os mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente<br />

(CF, art. 57, § 4Q) - não é <strong>de</strong> reprodução obrigatória nas Constituições estaduais,<br />

que po<strong>de</strong>rão, sem qualquer afronta ao texto magno, estabelecer regras diversas, inclusive<br />

com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição.12<br />

De igual maneira, as Leis Orgânicas do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios po<strong>de</strong>rão<br />

dispor sobre a composição, eleição e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição <strong>de</strong> suas mesas diretoras.3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, além <strong>de</strong> outros casos esparsos no próprio texto, que a<br />

Câmara dos Deputados e o Senado Fe<strong>de</strong>ral reunir-se-ão em sessão conjunta para:<br />

• inaugurar a sessão legislativa;<br />

• elaborar o regimento comum e regular a criação <strong>de</strong> serviços comuns às duas<br />

Casas;<br />

• receber o compromisso do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte da República;<br />

• conhecer do veto e sobre ele <strong>de</strong>liberar.<br />

As atribuições do Congresso Nacional vêm <strong>de</strong>finidas nos arts. 48 e 49 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, sendo que no art. 484 se exige a participação do Po<strong>de</strong>r Executivo por meio<br />

da sanção presi<strong>de</strong>ncial, enquanto no art. 49,5 por se tratar <strong>de</strong> competências exclusivas do<br />

1 Cf. sobre com posição <strong>de</strong> M esa legislativa: STF - Pleno - MS n a 22.183-6 - Rei. p/Acórdão: M in. M aurício<br />

Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 12 <strong>de</strong>z. 1997, p. 65.569. Conferir, ainda, no sentido da im possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

recondução para o m esm o cargo na eleição im ediatam ente subsequente: R T J 119/964; R T J 163/52.<br />

2 S TF - A din 793/RO - In form ativo n a 65; A din 792/RJ - Rei. M in. M oreira A lves - Informativo STF, na 73.<br />

Saliente se que o STF enten<strong>de</strong>u que “A norma do § 4 a do art. 57 da CF que, cuidando da eleição das M esas das<br />

Casas Legislativas fe<strong>de</strong>rais, v e d a a recon du ção para o m esm o cargo na eleição im ediatam ente subsequente, não<br />

é <strong>de</strong> reprodu ção obrigatória nas C onstitu ições dos Estados m em bros, porqu e não se constitu i num princípio<br />

<strong>constitucional</strong> estabelecido” (RTJ 163/52). N o m esm o sentido: STF - Pleno - Adin n “ 2 .2 62/M A e A din n° 2.292/<br />

M A - Rei. Nelson Jobim , 6-9-2000. Informativo STF n° 201.<br />

3 RTJ 119/964; RTJ 153/105.<br />

4 A Em enda Constitucional n a 19/98 acresceu um inciso X V ao art. 4 8 , com a seguinte redação: “ Cabe ao Congresso<br />

N acion al, com a sanção do Presi<strong>de</strong>nte da República, não ex igid a esta para o esp ecifica d o nos arts. 49, 51<br />

e 52, dispor sobre todas as m atérias d e com petência d a União, especialm ente sobre: X V - fixação d o subsídio<br />

dos M in istros do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por lei <strong>de</strong> in iciativa conjunta dos Presi<strong>de</strong>n tes da R epública, da<br />

C âm ara dos D eputados, do Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, observado o que d isp õem os arts.<br />

39, § 4°, 150, II, 153, III, e 153, § 2°, I.” A EC n° 32/01 alterou a redação dos incisos X e XI do citado art. 48.<br />

Posteriorm en te, a EC n ° 41/03 <strong>de</strong>u nova redação ao inciso XV, do art. 48 (“fixação do subsídio dos Ministros do<br />

Supremo IHbunal Fe<strong>de</strong>ral, observado o que dispõem os arts. 39, § 4°; 150, II; 153, III; e 153, §2°, I" ), revogando<br />

a <strong>de</strong>n om in ada iniciativa conjunta. Por fim , a Emenda Constitucional n“ 69, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> m arço <strong>de</strong> 2012, incluiu a<br />

organização adm inistrativa da D efensoria Pública do D istrito Fe<strong>de</strong>ral entre as matérias a serem regulam entadas<br />

por m eio <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral.<br />

5 A Em enda Constitucional n ° 19/98 alterou a redação dos incisos V II e V III, que passaram a vigorar: “ A rt. 49.<br />

É da com petência exclu siva do Congresso Nacional: (...) V II - fixar idêntico subsídio para os Deputados Fe<strong>de</strong>rais


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 433<br />

Congresso Nacional, serão tratadas somente no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo, por meio <strong>de</strong><br />

Decreto Legislativo.<br />

2.3 Câmara dos Deputados<br />

A Câmara dos Deputados compõe-se <strong>de</strong> representantes do povo,1eleitos pelo sistema<br />

proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, sendo que o número<br />

total <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

será estabelecido por lei complementar,*12 proporcionalmente à população.<br />

O sistema é proporcional quando a distribuição dos mandatos ocorre <strong>de</strong> maneira que<br />

o número <strong>de</strong> representantes em cada circunscrição eleitoral seja dividido em relação com o<br />

número <strong>de</strong> eleitores, <strong>de</strong> sorte que resulte uma proporção. A eleição para a Câmara dos Deputados<br />

é realizada no sistema eleitoral proporcional <strong>de</strong> lista aberta com voto uninominaL3<br />

Dessa forma, explica Pinto Ferreira,<br />

“a representação proporcional é um sistema através do qual se assegura aos diferentes<br />

partidos políticos no Parlamento uma representação correspon<strong>de</strong>nte à força<br />

numérica <strong>de</strong> cada um. Ela objetiva assim fazer do Parlamento um espelho tão fiel<br />

quanto possível do colorido partidário nacional”.4<br />

O sistema proporcional consiste, portanto, no procedimento eleitoral que visa assegurar<br />

ao Parlamento uma representação proporcional ao número <strong>de</strong> votos obtido por cada<br />

uma das legendas políticas. Nas palavras <strong>de</strong> Mirabeau, como recorda Dieter Nohlen, o<br />

parlamento <strong>de</strong>veria ser um mapa reduzido do povo.5<br />

Segundo Duverger,6 Sartori7 e Canotilho,8 esse seria o melhor sistema eleitoral para a<br />

<strong>de</strong>mocracia, pois ten<strong>de</strong> a aproximar mais o eleitor dos eleitos, garantindo maior igualda<strong>de</strong><br />

entre a maioria e a minoria na participação política.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porém, atenuao critério puro da proporcionalida<strong>de</strong> da população9<br />

(representados)/<strong>de</strong>putados (representantes), pois <strong>de</strong>termina a realização dos ajustes<br />

e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4a, 150, II, 153, III, e 153, § 2a, I; V III - fix a r os<br />

subsídios do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte da República e dos Ministros <strong>de</strong> Estado, observado o que dispõem<br />

os arts. 37, XI, 39, § 4a, 150, II, 153, III, e 153, § 2a, I.”<br />

1 P o vo = conjunto <strong>de</strong> brasileiros natos e naturalizados (CF, art. 12).<br />

2 Lei Complementar nQ78, <strong>de</strong> 30-12-1993; Cf. em relação à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação do arL 45, § 1°,<br />

da CF, por lei complementar: STF -R T J 161/739.<br />

3 STF - MS 26.604, Rei. Min. Cármen Lúcia, julgam ento em 4-10-2007, Plenário, DJE <strong>de</strong> 3-10-2008.<br />

4 FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 154.<br />

5 NOHLEN, Dieter. Sistemas electorales <strong>de</strong>i mundo. Madri: Centro <strong>de</strong> Estúdios Constitucionales, 1981. p. 90.<br />

6 DUVERGER, Maurice. Institucionespolíticasy <strong>de</strong>recho <strong>constitucional</strong>. Barcelona: A riel, 1962. p. 102.<br />

7 SARTORI, Giovanni. Engenharia <strong>constitucional</strong>: com o mudam as constituições. Brasília: UnB, 1996. p. 86.<br />

8 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 295.<br />

9 População = Povo + estrangeiros e apátridas.


4 3 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma das unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração<br />

tenha menos <strong>de</strong> oito ou mais <strong>de</strong> 70 <strong>de</strong>putados. Além disso, fixa in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

população, o número <strong>de</strong> quatro <strong>de</strong>putados para cada Território.1Essa atenuação perpetuou<br />

a existência <strong>de</strong> graves distorções em relação à citada proporcionalida<strong>de</strong>, favorecendo<br />

Estados-membros com menor <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica em prejuízo dos mais populosos, e<br />

acabando por contradizer a regra prevista no art. 14, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral da<br />

igualda<strong>de</strong> do voto (One Man One Vote).<br />

A fixação e rea<strong>de</strong>quação do número <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras na Câmara dos Deputados serão<br />

realizados pelo Tribunal Superior Eleitoral, “consi<strong>de</strong>radas as unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração”,<br />

e <strong>de</strong>verão “<strong>de</strong>correr <strong>de</strong> censo realizado pela Fundação Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia<br />

e Estatística - IBGE - <strong>de</strong>finindo, com segurança, a população”,12 evitando-se, porém, <strong>de</strong><br />

realizar essa alteração em anos eleitorais.3<br />

A aplicação do sistema proporcional <strong>de</strong>ve ser disciplinada pela legislação ordinária,4<br />

que adotou o método do quociente eleitoral, consistente na divisão do total <strong>de</strong> votos válidos<br />

dados em candidatos pelo número <strong>de</strong> cargos em disputa.5<br />

O resultado <strong>de</strong>ssa operação aritmética <strong>de</strong>nomina-se quociente eleitoral. A partir disso,<br />

divi<strong>de</strong>-se o total <strong>de</strong> votos obtidos por cada uma das legendas pelo quociente, chegando-se,<br />

consequentemente, ao número <strong>de</strong> ca<strong>de</strong>iras obtidas por cada legenda.6<br />

O sistema proporcional acarreta o difícil e importante problema das sobras eleitorais,<br />

resultantes das referidas operações aritméticas.7<br />

A legislação brasileira atual adotou para solução <strong>de</strong>sse problema o critério da melhor<br />

média.8<br />

Assim, após a <strong>de</strong>finição do quociente eleitoral, esse critério consiste, primeiramente,<br />

na realização do cálculo real do número <strong>de</strong> votos que o partido necessitou para obter cada<br />

1 O art. 4o, § 2°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assegurou a irredutibilida<strong>de</strong> da representação<br />

dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral na Câmara dos Deputados à época da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

2 TSE - Pleno - Resolução n° 22.134 - Petição n° 1.642 - Classe 18* - Amazonas (Manaus) - Rei. <strong>de</strong>signado<br />

Min. M arco A u rélio, D iário da J u s tiç a , Seção 1 ,17 maio 2006, p. 109.<br />

3 TSE - Pleno - Rv Eleitorado n 2 499/MA - Rei. M in. Marco Aurélio, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 jun. 2006,<br />

p. 133; TSE - P len o - R v Eleitorado ns 491/PR - Rei. Min. M arco Aurélio, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,19 jun.<br />

2006, p. 61.<br />

4 Como <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “ o sistema <strong>de</strong> representação proporcional, por constituir conceito<br />

jurídico in<strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, para sua implementação, <strong>de</strong> prévia <strong>de</strong>finição normativa a ser estabelecida pelo<br />

legislador ordinário no exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulação que lhe foi atribuído pelo or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>’’<br />

(STF - Pleno - Rextr. n2 140.543-1/RO -R ei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário d a J u s tiç a , Seção 1,9 fev. 1995, p. 1.750).<br />

5 DUVERGER, Maurice. In s titu c io n e s ... Op. cit p. 106.<br />

6 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. C u r s o d e d ir e it o c o n s t it u c io n a l. 27. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2001. p. 172.<br />

7 Para solucionar esse problema, existem diversos métodos no <strong>direito</strong> comparado, sendo os mais utilizados:<br />

critério da melhor média, critério d o s re s to s m a io r e s e c r i t é r i o H o n d t . Cf. DUVERGER, Maurice. Instituciones....<br />

O p. cit. p. 108ss; CANOTILHO, J. J. Gomes. D ir e it o ... O p. cit. p. 296. Dieter Nohlen aponta diversos outros critérios,<br />

tais com o m étodo Hagenbach-Bischoff, m é t o d o d e H a r e , m é t o d o im p e r ia li, m é t o d o S t. Lague, entre outros<br />

( Sistemas... Op. cit. p. 128 ss).<br />

8 Conferir nesse sentido: FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. C u r s o <strong>de</strong> d ir e it o c o n s t it u c io n a l. 27. e d São<br />

Paulo: Saraiva, 2001. p. 172.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 435<br />

ca<strong>de</strong>ira. Obtidas as médias que cada partido necessitou para eleger seus representantes,<br />

distribuem-se as ca<strong>de</strong>iras faltantes às melhores médias.<br />

Compete privativamente à Câmara dos Deputados:<br />

• autorizar, por dois terços <strong>de</strong> seus membros, a instauração <strong>de</strong> processo contra o<br />

Presi<strong>de</strong>nte e o Vice-presi<strong>de</strong>nte da República e os Ministros <strong>de</strong> Estado;<br />

• proce<strong>de</strong>r à tomada <strong>de</strong> contas do Presi<strong>de</strong>nte da República, quando não apresentadas<br />

ao Congresso Nacional <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 dias após a abertura da sessão<br />

legislativa;<br />

• elaborar seu regimento interno;<br />

• dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação<br />

ou extinção dos cargos, empregos e funções <strong>de</strong> seus serviços, e a iniciativa <strong>de</strong><br />

lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos<br />

na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias;1<br />

• eleger dois membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.<br />

2.3.1 Suplência e permanência no partido<br />

No caso <strong>de</strong> renúncia ou perda do mandato <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>verá ser chamado<br />

para assumir a vaga na Câmara dos Deputados o suplente, assim eleito e diplomado na<br />

forma do sistema <strong>de</strong> representação proporcional (conferir neste capítulo, item 2.3).<br />

Conforme análise no item 2.7.16, neste mesmo capítulo, em virtu<strong>de</strong> do reconhecimento<br />

da existência da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária em nosso or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>, tanto pelo<br />

Tribunal Superior Eleitoral, quanto pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, per<strong>de</strong>rá a condição<br />

<strong>de</strong> suplente o candidato diplomado pela justiça eleitoral que, posteriormente, se <strong>de</strong>svincula<br />

do partido pelo qual se elegeu, pois ambas as Cortes reconheceram que os mandatos<br />

pertencem aos Partidos Políticos que, consequentemente, tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> preservá-los se<br />

ocorrer cancelamento da filiação partidária ou transferência <strong>de</strong> legenda, sem justa causa.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> ter ocorrido coligações partidárias para as eleições proporcionais, a<br />

suplência pertencerá à Coligação, pois, com o ressaltado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a coligação assume perante os <strong>de</strong>mais partidos e coligações, os órgãos da Justiça Eleitoral<br />

e, também, os eleitores, natureza <strong>de</strong> superpartido; ela formaliza sua composição, registra<br />

seus candidatos, apresenta-se nas peças publicitárias e nos horários eleitorais e, a partir dos<br />

votos, forma quociente próprio, que não po<strong>de</strong> ser assumido isoladamente pelos partidos<br />

que a compunham nem po<strong>de</strong> ser por eles apropriado”, concluindo que “a sistemática estabelecida<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico eleitoral para o preenchimento dos cargos disputados<br />

no sistema <strong>de</strong> eleições proporcionais é <strong>de</strong>clarada no momento da diplomação, quando<br />

são or<strong>de</strong>nados os candidatos eleitos e a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão pelos candidatos suplentes. A<br />

mudança <strong>de</strong>ssa or<strong>de</strong>m atenta contra o ato jurídico perfeito e <strong>de</strong>svirtua o sentido e a razão<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua prom ulgação.


436 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> ser das coligações. Ao se coligarem, os partidos políticos aquiescem com a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> distribuição e rodízio no exercício do po<strong>de</strong>r em conjunto no processo eleitoral”.1<br />

2.4 Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

O Senado Fe<strong>de</strong>ral compõe-se <strong>de</strong> representantes dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

eleitos segundo o princípio majoritário, sendo que cada Estado e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral terão<br />

três senadores, com mandato <strong>de</strong> oito anos.<br />

Sistema majoritário é aquele em que será consi<strong>de</strong>rado vencedor o candidato que<br />

obtiver maior número <strong>de</strong> votos (maioria simples), tendo o texto <strong>constitucional</strong> optado<br />

pelo sistema majoritário puro ou simples (um único turno) para a eleição <strong>de</strong> Senadores da<br />

República (conferir sobre sistema majoritário: Capítulo 10, item 3.1.2).<br />

Diferentemente do critério proporcional para a eleição dos Deputados Fe<strong>de</strong>rais, o<br />

critério majoritário aplicado no Senado Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina a eleição do Senador da República<br />

acompanhado por dois suplentes.<br />

A representação <strong>de</strong> cada Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral será renovada <strong>de</strong> quatro em<br />

quatro anos, alternadamente, por um ou dois terços do Senado Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 46, §<br />

2a). Exemplificando: na eleição <strong>de</strong> 1990 todos os Estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

elegeram um senador, permanecendo no Senado Fe<strong>de</strong>ral dois Senadores da República<br />

<strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong> da fe<strong>de</strong>ração que haviam sido eleitos em 1986 (renovação <strong>de</strong> 1/3). Na<br />

eleição <strong>de</strong> 1994, diferentemente, foram eleitos dois Senadores da República por Estado-<br />

-membro e Distrito Fe<strong>de</strong>ral, permanecendo na Casa Legislativa somente os parlamentares<br />

que haviam sido eleitos em 1990 (renovação <strong>de</strong> 2/3).<br />

O legislador constituinte brasileiro conce<strong>de</strong>u ao Senado Fe<strong>de</strong>ral a mesma relevância<br />

e força dada à Câmara dos Deputados, contrariando assim, a tendência britânica do<br />

bicameralismo.12<br />

Compete privativamente ao Senado Fe<strong>de</strong>ral:<br />

• processar e julgar o Presi<strong>de</strong>nte e o Vice-presi<strong>de</strong>nte da República nos crimes <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> bem como os Ministros <strong>de</strong> Estado e os Comandantes da Marinha,<br />

do Exército e da Aeronáutica,3 nos crimes da mesma natureza conexos<br />

com aqueles;<br />

• processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, os membros do<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público,<br />

o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong>;4<br />

• aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha <strong>de</strong>:<br />

1 STF - Pleno - MS 30260/DF - Rei. Min. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 27-4-2011.<br />

2 Cf. CAMARGO, Heloísa Helena Tartarotti; KAIN, Maria <strong>de</strong>Lour<strong>de</strong>s <strong>de</strong>M e<strong>de</strong>iros. O Senado com o controlador<br />

externo. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, n2 125, p. 207, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1995.<br />

3 Redação dadapela EC na 23, prom ulgada em 2-9-1999.<br />

4 Redação dada pela EC n° 45/04.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 437<br />

a. magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;<br />

b. Ministros do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União indicados pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República;<br />

c. Governador <strong>de</strong> Território;<br />

d. presi<strong>de</strong>nte e diretores do Banco Central;<br />

e. Procurador-Geral da República;<br />

f. titulares <strong>de</strong> outros cargos que a lei <strong>de</strong>terminar;<br />

• aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha<br />

dos chefes <strong>de</strong> missão <strong>de</strong> caráter permanente;<br />

• autorizar operações externas <strong>de</strong> natureza financeira, <strong>de</strong> interesse da União, dos<br />

Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, dos Territórios e dos Municípios;<br />

• fixar, por proposta do Presi<strong>de</strong>nte da República, limites globais para o montante<br />

da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;<br />

• dispor sobre limites globais e condições para as operações <strong>de</strong> crédito externo<br />

e interno da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, <strong>de</strong> suas<br />

autarquias e <strong>de</strong>mais entida<strong>de</strong>s controladas pelo Po<strong>de</strong>r Público fe<strong>de</strong>ral;<br />

• dispor sobre limites e condições para a concessão <strong>de</strong> garantia da União em<br />

operações <strong>de</strong> crédito externo e interno;<br />

• estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária<br />

dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;<br />

• suspen<strong>de</strong>r a execução, no todo ou em parte, <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong><br />

por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, <strong>de</strong> ofício, do<br />

Procurador-Geral da República antes do término <strong>de</strong> seu mandato;<br />

• elaborar seu regimento interno;<br />

• dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação<br />

ou extinção dos cargos, empregos e funções <strong>de</strong> seus serviços, e a iniciativa <strong>de</strong><br />

lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos<br />

na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias;1<br />

• eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;<br />

• avaliar periodicamente a funcionalida<strong>de</strong> do Sistema Tributário Nacional, em sua<br />

estrutura e seus componentes, e o <strong>de</strong>sempenho das administrações tributárias<br />

da União, dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.12<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.<br />

2 Redação dada pela EC nQ42, prom ulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2003 e publicada no DOU <strong>de</strong> 31-12-2003.


4 3 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

2.4.1 Suplência e permanência no partido<br />

No sistema <strong>constitucional</strong> eleitoral brasileiro não é possível que o candidato ao Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral registre sua candidatura sem suplentes ou com um único suplente, sendo<br />

absolutamente imprescindível a necessida<strong>de</strong> do registro completo da chapa que disputará<br />

a vaga ao Senado Fe<strong>de</strong>ral, composto por um titular e dois suplentes.<br />

Eleita a chapa registrada ao Senado Fe<strong>de</strong>ral, o candidato ao cargo <strong>de</strong> Senador da<br />

República efetivamente será diplomado e empossado como tal, enquanto ambos os suplentes<br />

serão, nos termos do art. 215 do Código Eleitoral, diplomados na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

suplência,1não sendo titulares <strong>de</strong> nenhum cargo12 e, consequentemente, não possuindo<br />

nenhuma das prerrogativas estabelecidas no Estatuto dos Parlamentares;3 pois os suplentes,<br />

como <strong>de</strong>finido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “possuem mera expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>,<br />

o <strong>de</strong> substituir, eventualmente, o senador com o qual foram eleitos”.4<br />

A diplomação, porém, torna a condição jurídico-política do titular e dos suplentes<br />

ato jurídico perfeito e acabado,5 ou seja, conce<strong>de</strong> <strong>direito</strong> a posse e exercício efetivo do<br />

mandato para o candidato eleito Senador da República e expectativa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> aos suplentes,<br />

que <strong>de</strong>verão assumir na hipótese <strong>de</strong> ausência temporária do titular e sucedê-lo,<br />

caso haja vacância <strong>de</strong>finitiva.<br />

Os suplentes <strong>de</strong> Senadores, tradicionalmente em nosso Direito Constitucional, portanto,<br />

não têm mandato público eletivo no Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Já sob a égi<strong>de</strong> da Constituição <strong>de</strong> 1946 e analisando a peculiar condição jurídica do<br />

“suplente”, o Ministro Mário Guimarães apontou a inexistência <strong>de</strong> mandato do suplente,<br />

ensinando que: “o mandato começa quando o <strong>de</strong>putado presta seu compromisso, e isso<br />

o suplente não faz, <strong>de</strong> modo que não tem propriamente um mandato [...] Mandato, no<br />

sentido eleitoral, não existe. Existe, porém, uma expectativa <strong>de</strong> mandato”.6<br />

A diplomação, por conseguinte, conce<strong>de</strong> a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Suplente <strong>de</strong> Senador da<br />

República durante os 8 (oito) anos <strong>de</strong> mandato, mesmoque eventualmente os suplentes<br />

precisem assumir o exercício do cargo nas ausências temporárias do titular, ou seja, nas<br />

vacâncias temporárias do titular do cargo - Senador da República -, o suplente jamais<br />

tornar-se-á Senador, mas sim continuará na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suplente em exercício do cargo<br />

<strong>de</strong> Senador da República.<br />

Dessa forma, o candidato eleito suplente <strong>de</strong> Senador da República permanecerá nessa<br />

condição jurídica - “SUPLÊNCIA” - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua diplomação até o término do mandato do<br />

titular, mesmo que durante os oito anos eventualmente assuma o exercício do cargo na<br />

hipótese <strong>de</strong> vacância temporária.<br />

1 STF, Pleno, MS 27613/ED, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: l a-7-2010.<br />

2 TSE, Recurso 11.916 - Classe 4a - Paraná (Alm irante Tam andaré) - Rei. Min. Torquato Jardim, <strong>de</strong>cisão:<br />

9-5-1995.<br />

3 STF, Inq. 3525/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJe-174,4-9-2012; STF, Pleno, MS 21266/DF, Rei. Min. Célio<br />

B o rja .P J 22-10-93, p. 22.243; STF,Pleno, RE 120.133/MG, Rei. Min. Maurício Corrêa; STF, Pleno, MS 21.239/<br />

DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence.<br />

4 STF, Pleno, A gR g no Inq. 2.45 3-8/MS, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, DJ <strong>de</strong> 29-6-2007.<br />

5 STF, Pleno, MS 30459 MC/DF, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 17-3-2011<br />

6<br />

STF, Pleno, M S 2342/DF, <strong>de</strong>cisão: 28-10-53.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 3 9<br />

Portanto, não tendo a suplência natureza jurídica <strong>de</strong> mandato público eletivo, não<br />

se lhe aplicam as prerrogativas e incompatibilida<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandatos parlamentares.<br />

O suplente somente se tornará Senador da República se ocorrer a vacância <strong>de</strong>finitiva<br />

do cargo.<br />

Conforme análise no item 2.7.16, neste mesmo capítulo, em virtu<strong>de</strong> do reconhecimento<br />

da existência da fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária em nosso or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>, tanto<br />

pelo Tribunal Superior Eleitoral, quanto pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, per<strong>de</strong>rá a condição<br />

<strong>de</strong> suplente, mesmo em se tratando <strong>de</strong> mandato majoritário, o candidato diplomado<br />

pela justiça eleitoral que, posteriormente, se <strong>de</strong>svincula do partido pelo qual se elegeu,<br />

inclusive nas eleições majoritárias, pois ambas as Cortes reconheceram que os mandatos<br />

pertencem aos Partidos Políticos que, consequentemente, tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> preservá-los se<br />

ocorrer cancelamento da filiação partidária ou transferência <strong>de</strong> legenda, sem justa causa.<br />

2.5 Função típica - fiscalização. Comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito<br />

O exercício da função típica do Po<strong>de</strong>r Legislativo consistente no controle parlamentar,<br />

por meio <strong>de</strong> fiscalização, po<strong>de</strong> ser classificado em político-administrativo e financeiro-<br />

-orgamentário. Pelo primeiro controle, o Legislativo po<strong>de</strong>rá questionar os atos do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, tendo acesso ao funcionamento <strong>de</strong> sua máquina burocrática, a fim <strong>de</strong> analisar a<br />

gestão da coisa pública e, consequentemente, tomar as medidas que entenda necessárias.<br />

Inclusive, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral autoriza a criação <strong>de</strong> comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito,<br />

que terão po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> investigação próprios das autorida<strong>de</strong>s judiciais, além <strong>de</strong> outros<br />

previstos nos regimentos das respectivas Casas, e serão criadas pela Câmara dos Deputados<br />

e pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento <strong>de</strong> um<br />

terço <strong>de</strong> seus membros, para a apuração <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>terminado e por prazo certo,1sendo<br />

suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil ou criminal dos infratores (CF, art. 58, § 3a).12<br />

Ressalte-se que a locução prazo certo, prevista no § 3e d o art. 58 d a Constituição, conforme<br />

jurisprudência do STF,3 não impe<strong>de</strong> prorrogações sucessivas <strong>de</strong>ntro da legislatura,<br />

nos termos da Lei na 1.579/52.4 Observe-se, porém, que o termo final <strong>de</strong> uma CPI sempre<br />

será o término da legislatura.<br />

1 O STF enten<strong>de</strong>u <strong>constitucional</strong> a lim itação regim ental em cinco CPIs em funcionamento, simultaneamente,<br />

na Casa Legislativa, por enten<strong>de</strong>r com patível com a previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> auto-organização da Câmara<br />

dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral (STF - P le n o - A d in n a 1.635-1/DF - Rei. Min. M aurício Corrêa, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,5 mar. 2004, p. 13).<br />

2 Não é possivel por lei estadual a Assem bléia Legislativa estabelecer obrigações a o Ministério Público e ao<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário referentes às conclusões das Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito (STF - A D I 3041/RS - ReL<br />

Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 10-11-2011).<br />

3 P T J 163/176.<br />

4 S T F -P le n o - H C n a 71.231/RJ, Rei. Min. Carlos Velloso, D iário da Justiça, Seção 1,31 out. 1996, p. 42.014.<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF, realçando o prazo fatal correspon<strong>de</strong>nte ao término da legislatura: STF - Pleno - HC<br />

na 71.193-6/SP- ReL Min. Sepúlveda Pertence -D iá rio da Justiça, Seção 1, 23 mar. 2001, p. 85.


4 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em <strong>de</strong>fesa ao <strong>direito</strong> das minorias parlamentares, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

que, preenchidos os requisitos constitucionais do art. 58, § 3a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

existe “<strong>direito</strong> público subjetivo, nesse dispositivo assegurado, às minorias legislativas,<br />

<strong>de</strong> ver instaurado o inquérito parlamentar, com apoio no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> oposição, legítimo<br />

consectário do princípio <strong>de</strong>mocrático”, e concluiu ser obrigação do “Presi<strong>de</strong>nte do Senado,<br />

mediante aplicação analógica do art. 28, § I a c/c o art. 85, caput, respectivamente,<br />

do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e o do Senado Fe<strong>de</strong>ral, proce<strong>de</strong>r, ele<br />

próprio, à <strong>de</strong>signação dos nomes faltantes dos senadores que irão compor esse órgão <strong>de</strong><br />

investigação legislativa, observado, ainda, o disposto no § I a do art. 58 da CF” .1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, igualmente, <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> previsão constante<br />

em regimento interno <strong>de</strong> Assembléia Legislativa que exigia aprovação, por maioria<br />

absoluta, do requerimento <strong>de</strong> 1/3 dos parlamentares estaduais, tendo afirmado o Ministro<br />

Eros Grau que “em <strong>de</strong>corrência do pacto fe<strong>de</strong>rativo, o mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> criação e instauração<br />

das comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente<br />

observada pelas casas legislativas estaduais”, para concluir que “daí porque se há <strong>de</strong> ter,<br />

na garantia da criação da comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito mediante requerimento <strong>de</strong><br />

criação <strong>de</strong> um terço dos membros da Assembléia Legislativa, a garantia da sua instalação<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação do plenário. A sujeição do requerimento <strong>de</strong> criação da<br />

comissão a essa <strong>de</strong>liberação equivalería a frustração da própria garantia. As minorias - vale<br />

dizer, um terço dos membros da Assembléia Legislativa - já não mais <strong>de</strong>teriam o <strong>direito</strong><br />

à criação da comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito, que passaria a <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão da<br />

maioria, tal como expressa no plenário”.2<br />

Já o segundo controle correspon<strong>de</strong> à fiscalização prevista nos arts. 70 a 75 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da<br />

União e das entida<strong>de</strong>s da administração direta e indireta, quanto à legalida<strong>de</strong>, legitimida<strong>de</strong>,<br />

economicida<strong>de</strong>, aplicação das subvenções e renúncia <strong>de</strong> receitas, além dos sistemas<br />

internos <strong>de</strong> cada Po<strong>de</strong>r, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo.<br />

O exercício <strong>de</strong>ssa função <strong>constitucional</strong> típica por parte do Congresso Nacional abrange<br />

não somente as contas <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s públicas no âmbito dos Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado e do<br />

Ministério Público, mas também todas as contas das pessoas físicas ou entida<strong>de</strong>s públicas<br />

ou privadas que utilizem, arreca<strong>de</strong>m, guar<strong>de</strong>m, gerenciem ou administrem dinheiros,<br />

bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome <strong>de</strong>sta, assuma<br />

obrigações <strong>de</strong> natureza pecuniária; e caracteriza-se pela sua natureza política, apesar <strong>de</strong><br />

estar sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal <strong>de</strong> Contas.<br />

Não foi outra a razão dada para a redação do parágrafo único do art. 70 pela Emenda<br />

Constitucional n° 19/98, estabelecendo que prestará contas qualquer pessoa física ou jurí­<br />

1 STF - Pleno - MS 24831/DF; MS 24845/DF; MS 24846/DF; MS 24847/DF; MS 24848/DF; MS 24849/DF,<br />

Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 22-6-2005-Inform ativo STF nQ393, p. 1 (trata-se da CPI dos Bingos). Nesse<br />

mesmo sentido, enten<strong>de</strong>ndo bastar o requerimento <strong>de</strong> 1/3, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação da maioria, conferir:<br />

M IRAND A, Pontes <strong>de</strong>. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1967. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 65;<br />

PACHECO, Cláudio. Tratado das constituições brasileiras. 1965. v . 5, p. 355, apud parecer da Procuradoria-Geral<br />

da República oferecido na RFPR nQ1.183-6/PB. Em sentido contrário, apontando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação do<br />

requerimento pela maioria dos membros da Casa Legislativa: HORTA, Raul Machado. Limitações constitucionais<br />

dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> investigação. Revista <strong>de</strong> Direito Público, n2 5,1968,<br />

2<br />

STF - Pleno - Adin nQ3.619/SP - Rei. M in. Eros Grau.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 441<br />

dica, pública ou privada, que utilize, arreca<strong>de</strong>, guar<strong>de</strong>, gerencie ou administre dinheiros,<br />

bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome <strong>de</strong>sta, assuma<br />

obrigações <strong>de</strong> natureza pecuniária.<br />

2.5.1 Limitações constitucionais às Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito<br />

O or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> brasileiro consagrou novamente, <strong>de</strong>ntro das funções<br />

fiscalizatórias do Po<strong>de</strong>r Legislativo, as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito, seguindo<br />

uma tradição inglesa que remonta ao século XIV, quando, durante os reinados <strong>de</strong> Eduardo<br />

II e Eduardo III (1327 - 1377), permitiu-se ao parlamento a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle da<br />

gestão da coisa pública realizada pelo soberano.1<br />

O art. 58, § 3B, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu que as comissões parlamentares <strong>de</strong><br />

inquérito terão po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> investigação próprios das autorida<strong>de</strong>s judiciais, porém, foi extremamente<br />

lacônico e impreciso, uma vez que no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro inexiste,<br />

em regra, o juiz-investigador,12 tarefa essa <strong>de</strong>ixada institucionalmente a cargo das Polícias<br />

Civil e Fe<strong>de</strong>ral e do Ministério Público, em face da adoção do processo acusatório, on<strong>de</strong><br />

a separação entre o juiz e o órgão acusador é extremamente rígida.<br />

Assim, em face da imprecisão legislativa há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> dois pontos<br />

básicos na atuação das Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito: amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong><br />

atuação e limites <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r investigatório.<br />

Em relação à amplitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu campo <strong>de</strong> atuação, inicialmente <strong>de</strong>ve ser salientado que<br />

o po<strong>de</strong>r do Congresso <strong>de</strong> realizar investigações não é ilimitado, <strong>de</strong>vendo concentrar-se<br />

em fatos específicos, <strong>de</strong>finidos e relacionados ao Po<strong>de</strong>r Público, pois como salientado por<br />

Francisco Campos, “o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigar não é genérico ou in<strong>de</strong>finido, mas eminentemente<br />

específico, ou há <strong>de</strong> ter um conteúdo concreto, suscetível <strong>de</strong> ser antecipadamente<br />

avaliado na sua extensão, compreensão e alcance pelas pessoas convocadas a colaborar<br />

com as comissões <strong>de</strong> inquérito”.3<br />

Observe-se que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação das comissões com objeto específico não<br />

impe<strong>de</strong> a apuração <strong>de</strong> fatos conexos ao principal,4 ou ainda, <strong>de</strong> outros fatos, inicialmente<br />

1 SANTAOLLA, Fernando. El parlamento y sus instrumentos <strong>de</strong> información. Madri: E<strong>de</strong>rsa, 1982. p. 61.<br />

2 Ressalte-se que uma exceção a essa regra d a inexistência d o juiz-investigador fo i prevista na Lei na 9.034/95,<br />

que dispõe sobre o combate ao crime organizado, perm itindo ao ju iz a realização pessoal <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s investiga-<br />

tórias. O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>feriu m edida liminar<br />

contra a referid a lei, enten<strong>de</strong>ndo ser possível a previsão legal <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res investigatórios aos magistrados, por<br />

inexistir m onopólio da polícia judiciária, bem com o afirm ou que a coleta <strong>de</strong> provas por parte do magistrado não<br />

significa uma antecipação do ju ízo con<strong>de</strong>natório (STF - Pleno - Adin na 1.517/DF - Rei. Min. M aurício Corrêa,<br />

Informativo STF na 6). Porém, no m érito e por maioria <strong>de</strong> votos, julgou parcialm ente proce<strong>de</strong>nte a ação direta,<br />

<strong>de</strong>clarando essa possibilida<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong> “ por ofensa ao princípio do <strong>de</strong>vido processo legal, por enten<strong>de</strong>r<br />

que a coleta pessoal <strong>de</strong> provas <strong>de</strong>svirtua a função do ju iz, <strong>de</strong> m odo a com prom eter a imparcialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste no<br />

exercício da prestação jurisdicional” (STF - Pleno - Adin n- 157 0/D F-R el. Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 12-<br />

2-2004, Informativo STF n- 336).<br />

3 CAMPOS, Francisco. Comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito - po<strong>de</strong>res do congresso - <strong>direito</strong>s e garantias individuais.<br />

Revista Forense na 195. p. 86.<br />

4 Cf. nesse sentido: VELLOSO, Carlos M ário da Silva. As comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito e o sigilo das<br />

comunicações telefônicas. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, na 26. São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, 1998. p. 26.


4 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>sconhecidos, que surgirem durante a investigação, bastando, para que isso ocorra, que<br />

haja um aditamento do objeto inicial da CPI.1<br />

Assim, po<strong>de</strong>m ser objeto <strong>de</strong> investigação todos os assuntos que estejam na competência<br />

legislativa ou fiscalizatória do Congresso,12 não existindo autorida<strong>de</strong> geral das CPIs<br />

para exposição dos negócios privados dos indivíduos, quando inexistir nexo causai com<br />

a gestão da coisa pública.3 Nesse sentido, importante relembrarmos a histórica <strong>de</strong>cisão<br />

da Corte Suprema Norte-americana, sob a presidência do Chief Justice Warren, on<strong>de</strong> se<br />

afirmou a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “pressupor que todo inquérito parlamentar é justificado<br />

por uma necessida<strong>de</strong> pública que sobrepassa os <strong>direito</strong>s privados atingidos. Fazê-lo seria<br />

abdicar da responsabilida<strong>de</strong> imposta ao Judiciário, pela Constituição, <strong>de</strong> garantir que o<br />

Congresso não invada, injustificadamente, o <strong>direito</strong> à própria intimida<strong>de</strong> individual, nem<br />

restrinja as liberda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> palavra, imprensa, religião ou reunião... As liberda<strong>de</strong>s protegidas<br />

pela Constituição não <strong>de</strong>vem ser postas em perigo na ausência <strong>de</strong> clara <strong>de</strong>terminação,<br />

pela Câmara ou Senado, <strong>de</strong> que o inquérito em questão é justificado por uma necessida<strong>de</strong><br />

pública específica”.4<br />

Igualmente, as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito, sejam da Câmara dos Deputados,<br />

sejam do Senado Fe<strong>de</strong>ral ou do próprio Congresso Nacional, <strong>de</strong>vem absoluto respeito<br />

à separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res,5 6ao princípio fe<strong>de</strong>rativo, e, consequentemente, à autonomia dos<br />

Estados-membros,5 Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, cujas gestões da coisa pública <strong>de</strong>vem<br />

ser fiscalizadas pelos respectivos legislativos.7<br />

Em havendo respeito ao seu campo <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> atuação, as Comissões Parlamentares<br />

<strong>de</strong> Inquérito <strong>de</strong>verão observar os limites <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r investigatório.<br />

1 C onform e d efin iu o STF: “ Por uma necessida<strong>de</strong> fu ncional, a comissão parlam entar <strong>de</strong> in qu érito não tem<br />

po<strong>de</strong>res universais <strong>de</strong> in vestigação, mas lim ita dos a fatos <strong>de</strong>term inados, o que não quer d izer não possa haver<br />

tantas com issões quantas as necessárias para realizar as investigações recom endáveis, e que outros fatos, inicialm<br />

ente im previstos, não possam ser aditados aos objetivos da com issão <strong>de</strong> inquérito, já em ação” (STF - HC<br />

n2 71.039/RJ - Rei. Min. Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abr. 1 994). Conferir, tam bém , RTJ 163/626.<br />

2 STF - HC n2 71.039/RJ - Rei. M in. Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abr. 1994. Conferir, tam bém , RTJ 163/626.<br />

O m esm o ocorre na Espanha, co m o <strong>de</strong>staca Rubio ao apontar a excepcion alida<strong>de</strong> dos inquéritos parlam entares<br />

e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “trabalho concreto, objeto <strong>de</strong>term inado e interesse público” (R U B IO , Ricardo M edina. La<br />

junción <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> las comisiones parlamentarias <strong>de</strong> investigación. M adri: Civitas. p. 51).<br />

3 ROSA, Roberto. Lim itações às com issões d e inquérito d o legislativo. Revista <strong>de</strong> Direito Público, n 2 12, p. 58;<br />

CO M PARATO , Fábio Kon<strong>de</strong>r. Com issão parlam entar <strong>de</strong> inquérito. Revista Trimestral <strong>de</strong> Direito Público, n Q10, p.<br />

62. BARACHO, José A lfre d o <strong>de</strong> O liveira. Teoria geral das comissões parlamentares: com issões parlam entares <strong>de</strong><br />

inquérito. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1988. p. 140.<br />

4 Watkinsv. United States, 354 US 178 (1957). R elator o Chief Justice W arren. Vencido, o ministro Clark ( 8 x 1 ) ,<br />

on <strong>de</strong> W atkins se recusara a respon<strong>de</strong>r perguntas relativas aos associados do Partido Comunista <strong>de</strong> 1942 a 1947.<br />

5 Nesse sentido: STF - Plen o - A D I nQ2911/ES - Rei. M in. C arlos B ritto, <strong>de</strong>cisão: 10-8-2006 - Informativo<br />

STF nQ435.<br />

6 Ressalte-se que o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível, <strong>de</strong>ntro do âmbito <strong>de</strong> suas com petências estaduais,<br />

a <strong>de</strong>term inação <strong>de</strong> qu ebra <strong>de</strong> sig ilo bancário por CPI <strong>de</strong> A ssem bléia Legislativa Estadual: STF - Plen o<br />

- ACO nQ730/RJ - Rei. M in. Joaqu im Barbosa, Informativo STF nQ362, p. 3.<br />

7 Note-se que apesar <strong>de</strong> Portu gal ser um Estado U nitário, possui regiões autônom as (C onstituição portuguesa,<br />

art. 6 °). Em relação a essas, Canotilho eV ita lM o re ira a firm a m que “ pouco com patível com a lógica <strong>constitucional</strong><br />

é, igualm ente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> inquéritos da A R (A ssem bléia da R epública) aos órgãos das regiões autônom as<br />

ou do po<strong>de</strong>r loca l” ( Constituição da república portuguesa anotada. 3. ed. Coim bra: Coim bra, 1993. p. 719).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 443<br />

Uma vez que, conforme já analisado, inexiste como regra no or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

brasileiro o juiz-investigador, <strong>de</strong>ve ser utilizado como paradigma para os po<strong>de</strong>res das CPIs<br />

aqueles que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, relacionados<br />

à dilação probatória, em busca da verda<strong>de</strong> material, nos mesmos termos proclamados<br />

pela Lei Fundamental alemã, que em seu art. 44, item 2, ao se referir às comissões <strong>de</strong><br />

inquérito, estabelece que “as disposições relativas ao processo penal terão aplicação por<br />

analogia à apuração <strong>de</strong> provas".<br />

As Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito, portanto e em regra, terão os mesmos po<strong>de</strong>res<br />

instrutórios que os magistrados possuem durante a instrução processual penal, inclusive<br />

com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão das liberda<strong>de</strong>s públicas individuais, mas <strong>de</strong>verão exercê-los<br />

<strong>de</strong>ntro dos mesmos limites constitucionais impostos ao Po<strong>de</strong>r Judiciário,1 seja em relação<br />

ao respeito aos <strong>direito</strong>s fundamentais, seja em relação à necessária fundamentação12 e publi<br />

cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus atos, seja, ainda, na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resguardo <strong>de</strong> informações confi<strong>de</strong>nciais,<br />

impedindo que as investigações sejam realizadas com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perseguição política3<br />

ou <strong>de</strong> aumentar o prestígio pessoal dos investigadores, humilhando os investigados e <strong>de</strong>vassando<br />

<strong>de</strong>snecessária e arbitrariamente suas intimida<strong>de</strong>s e vidas privadas.4<br />

Assim, os po<strong>de</strong>res investigatórios das Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito compreen<strong>de</strong>m:<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo bancário, fiscal e <strong>de</strong> dados:5 Conferir, a respeito,<br />

o Capítulo 3, item 16.6 (Comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito e sigilo), on<strong>de</strong> o<br />

tema foi tratado. Acrescente-se, como <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Sepúlveda Pertence,<br />

em relação à quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, que “não há<br />

como negar sua natureza probatória e, em princípio, sua compreensão no âmbito<br />

dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> instrução do juiz, que a letra do art. 58, § 3e, da Constituição, faz<br />

extensíveis às comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito”.6 Igualmente, conforme<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Ministro Nelson Jobim, “no exercício <strong>de</strong>sses po<strong>de</strong>res, tais Comissões <strong>de</strong>vem respeitar<br />

os mesmos limites form ais a que estão submetidos os membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário, quando da instrução <strong>de</strong><br />

processo criminal” (STF - Pleno - MS na 79.790-3/SP - Rei. Min. Nelson Jobim , Diário da Justiça, Seção I, 26<br />

nov. 1999, p. 137). Esse é o mesmo entendim ento da Corte Suprema Norte-am ericana, que enten<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> invasão das liberda<strong>de</strong>s individuais por parte dos inquéritos parlam entares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong> form a<br />

fundamentada, equilibrada e com extrem a cautela (Wieman v. Up<strong>de</strong>graff, 334 U S 183 - 1952; Sw eezy v. New<br />

Hampshire, 354 US234 - 1957).<br />

2 Nesse sentido, conferir STF - Pleno - MS na 23.452/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 16-9-99 - Informativo<br />

STF na 162, on<strong>de</strong> o Tribunal enten<strong>de</strong>u que “a CPI, ao exercer a competência investigatória prevista no art.<br />

58, § 3a da CF, está sujeita às mesmas limitações constitucionais que inci<strong>de</strong>m sobre as autorida<strong>de</strong>s judiciárias,<br />

<strong>de</strong>vendo, <strong>de</strong>ssa form a, fundam entar as suas <strong>de</strong>cisões (CF, art. 93, IX )”. Conferir, ainda: STF - MS na 23.971 -9/<br />

D F - R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello -D iá rio da Justiça, Seção 1, 5 jun. 2001, p. 37.<br />

3 C om o relembra Roberto Rosas, em alguns casos os inquéritos parlamentares são iniciados p or “capricho ou<br />

perseguição política” (Limitações... Op. cit. p. 58).<br />

4 Conform e <strong>de</strong>cidiu a Corte Suprema Norte-am ericana, “O Bill ofRights é aplicável aos inquéritos parlamentares,<br />

do mesmo modo que a todas as outras form as <strong>de</strong> ação governam ental” (Watkinsv. United States, 354 US<br />

178 (1957). Relator o Chief Justice W arren).<br />

5 Conferir: STF - Pleno - MS n° 23.468-7/DF - medida liminar - Rei. Min. Nelson Jobim, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,24 jun. 1999, p. 8.<br />

6 STF - Pleno - MS n ° 23.466-1/DF - medida liminar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I,<br />

22 jun. 1999, p. 31. S T F -P le n o - MS n °2 5 8 9 0 / D F -R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 23-3-2006 - Informativo<br />

STF na 420, Seção I, p. 2.


444 Direito Constitucional * Moraes<br />

afirmado pelo Ministro Carlos Velloso, “po<strong>de</strong>, então, a CPI quebrar o sigilo dos<br />

dados ou registros telefônicos <strong>de</strong> pessoa que esteja sendo investigada” ;1<br />

• oitiva <strong>de</strong> testemunhas, inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> condução coercitiva: as<br />

comissões po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar a oitiva <strong>de</strong> qualquer pessoa, funcionário público -<br />

inclusive Ministros <strong>de</strong> Estado - ou particular,12 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja necessário para a<br />

investigação.3 Ninguém po<strong>de</strong> escusar-se <strong>de</strong> comparecer à comissão parlamentar<br />

<strong>de</strong> inquérito para <strong>de</strong>por.4 Como <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, “a<br />

Constituição explicitou dispor a Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito dos “po<strong>de</strong>res<br />

<strong>de</strong> investigação próprios das autorida<strong>de</strong>s judiciais’, entre os quais avulta <strong>de</strong><br />

importância o <strong>de</strong> intimar, fazer comparecer, se for o caso, e tom aro <strong>de</strong>poimento<br />

<strong>de</strong> qualquer pessoa sobre o fato <strong>de</strong>terminado a cuja apuração se <strong>de</strong>stinar: the<br />

power to sendforpersons’’.5 6Observe-se, porém, que, assim como as autorida<strong>de</strong>s<br />

judiciais, os <strong>de</strong>poimentos nas CPIs <strong>de</strong>verão respeitar a existência <strong>de</strong> eventual<br />

sigilo profissional, que, conforme proclamado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“tem alcance geral e se aplica a qualquer juízo, cível, criminal, administrativo<br />

ou parlamentar”;5<br />

• ouvir investigados ou indiciados:7 Nessas oitivas, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra<br />

o <strong>direito</strong> ao silêncio, inafastável inclusive pelas Comissões Parlamentares<br />

1 VELLO SO , Carlos M ário da Silva. As com issões parlam entares <strong>de</strong> inqu érito e o sigilo das com unicações telefônicas.<br />

Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> D ireito Constitucionale Ciência Política, ns 26. São Paulo: R evista dos Tribunais, 1998. p.<br />

53. No m esm o sentido: STF - “ CPI E FU N D AM E N TA Ç ÃO V ÁLID A. O Tribu nal in <strong>de</strong>feriu m andado <strong>de</strong> segurança<br />

im petrado contra ato do presi<strong>de</strong>nte da CPI do N arcotráfico que <strong>de</strong>cretara a quebra do sigilo bancário, fiscal e<br />

telefôn ico do im petrante. Consi<strong>de</strong>rou-se não haver qualquer ilegalid ad e no ato im pugnado, um a v e z que a CPI<br />

exerceu a sua com petência in vestigatória prevista no art. 58, § 3o, da CF, d e form a fundam entada, cum prido o<br />

disposto no art. 93, IX, da CF” (S T F - Plen o - MS 23.556/DF - ReL Min. O ctavio G allotti, 14-9-2000. Informativo<br />

STF na 202).<br />

2 RUBIO, Ricardo M edina. La función <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> las comisiones parlamentarias <strong>de</strong> investigación. M adri:<br />

C ivitas. p. 77.<br />

3 STF - Pleno - HC n° 75.287-0 - m edida lim inar - Rei. M in. M au rício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,30 abr.<br />

1997, p. 16.302; STF - Pleno - H C n“ 71.231/RJ - ReL Min. Carlos V elloso, Diário da Justiça, Seção L 31 out.<br />

1996, p. 42.014. Conferir, ainda, <strong>de</strong>cisão do Presi<strong>de</strong>n te d o Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado d e São Pau lo, D esem ­<br />

bargador Dirceu <strong>de</strong> M ello, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Suspensão <strong>de</strong> Execução <strong>de</strong> m edida lim in ar n “ 48.640.0/1 (3 1 d e março<br />

<strong>de</strong> 1998), on<strong>de</strong> se salientou que “ não em erge, do nosso or<strong>de</strong>nam ento ju rídico, a im possibilida<strong>de</strong> da com issão<br />

parlam en tar <strong>de</strong> inquérito, regu larm en te constituída, co n voca r cidadãos, sob pen a <strong>de</strong> condução coercitiva, para<br />

prestarem esclarecim entos a respeito <strong>de</strong> f atos diretam en te relacion ados com a m a téria o b je to da investigação.<br />

E, exatam ente para legitim ar tal atuação, dotou o Constituinte as com issões parlam entares d e inquéritos d e p o ­<br />

d eres <strong>de</strong> investigação próprios das autorida<strong>de</strong>s ju diciais” . Essa <strong>de</strong>cisão m onocrática fo i con firm ada por votação<br />

unânim e em Sessão Plenária do Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, no A g ra v o R egim en tal n° 48.640-<br />

0/3-01, Rei. Des. Dirceu <strong>de</strong> M ello (2 9 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998), on <strong>de</strong> fic o u salientado que “ a m an u tenção da lim inar,<br />

dispensando os impetrantes <strong>de</strong> prestarem esclarecim entos perante a Comissão Parlam entar <strong>de</strong> Inquérito, cerceia<br />

a a tivid a d e fiscalizadora que exerce o Po<strong>de</strong>r Legislativo sobre os negócios que digam respeito à gestão da coisa<br />

pública, com o é o caso da a tivid a d e que gira em torno <strong>de</strong> certas m odalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> azar, excepcionalm ente<br />

adm itidos pelo nosso or<strong>de</strong>nam ento ju ríd ico” .<br />

4 R T J 163/626.<br />

5 STF - P len o - HC na 79.244-8/DF - m e d id a lim inar - Rei. M in . Sepúlveda Pertence.<br />

6 STF - HC na 71.039/RJ - Rei. M in. Pau lo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abril 1994. Conferir, ainda: STF - Pleno - HC<br />

n s 71.261/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence. Conferir, tam bém , KTJ 163/626.<br />

7 STF - HC na 71.039/RJ - Rei. M in. Pau lo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abril 1994. Conferir, tam bém , RTJ 163/626.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 4 5<br />

<strong>de</strong> Inquérito,1 pois o investigado não po<strong>de</strong>rá ser obrigado a <strong>de</strong>por contra si<br />

mesmo;12<br />

• realização <strong>de</strong> perícias e exames necessários à dilação probatória, bem como requisição<br />

<strong>de</strong> documentos e busca <strong>de</strong> todos os meios <strong>de</strong> provas legalmente admitidos;3<br />

• <strong>de</strong>terminar buscas e apreensões:4 as CPIs possuem, genericamente, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>terminar às autorida<strong>de</strong>s policiais e administrativas a realização <strong>de</strong> buscas e<br />

apreensões <strong>de</strong> documentos necessários às investigações. Como salientado pelo<br />

Ministro Carlos Velloso, “a Comissão po<strong>de</strong>, em princípio, <strong>de</strong>terminar buscas<br />

e apreensões, sem o que essas medidas po<strong>de</strong>ríam tornar-se inócuas e quando<br />

viessem a ser executadas cairiam no vazio. Prudência, mo<strong>de</strong>ração e a<strong>de</strong>quação<br />

recomendáveis nessa matéria, que po<strong>de</strong> constituir o punctum dollens da Comissão<br />

Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito no exercício <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res, que, entretanto,<br />

<strong>de</strong>vem ser exercidos, sob pena da investigação tornar-se ilusória e <strong>de</strong>stituída<br />

<strong>de</strong> qualquer sentido”.5 Esse po<strong>de</strong>r genérico, porém, encontra sua limitação na<br />

consagração <strong>constitucional</strong> da inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar (CF, art. 5a, XI), em<br />

face da cláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional, que será analisada a seguir, <strong>de</strong> forma<br />

a impedir a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> buscas e apreensões que necessitem invadir domicílios<br />

para sua concretização.<br />

Também é possível às CPIs a utilização <strong>de</strong> documentos licitamente obtidos, mesmo<br />

que sigilosos.6<br />

Por outro lado, as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito jamais terão os mesmos<br />

po<strong>de</strong>res cautelares que possuem as autorida<strong>de</strong>s judiciais durante a instrução processual<br />

penal, por carecerem <strong>de</strong> competência jurisdicional.7 Nesse sentido, afirmou o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que as comissões “não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cretar medidas assecuratórias para ga-<br />

1 Conferir, a respeito, n osso artigo D ireito ao silêncio e com issões parlam entares <strong>de</strong> inquérito. R e v is ta d o s T r i­<br />

b u n a is n ü 766. p 509. No sen tido do texto, igualm ente, afirm ou o M inistro M arco Aurélio, em relação a oitiva<br />

<strong>de</strong> in vestigados p ela CPI: “N ão m enos correto é estar ele protegido pela norm a <strong>constitucional</strong> assegu rad o ra do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> ficar calad o no tocante a in d a g açõ esq u e p ossam , <strong>de</strong> alg u m a form a, incrim iná-lo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntem ente<br />

da form alização, ou não, do com prom isso <strong>de</strong> dizer a verda<strong>de</strong>” (STF - Pleno - HC n ° 79.563-3/D F - m edida lim inar<br />

- Rei. Min. M arco A urélio, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,14 out. 1999, p. 17). No m esm o sen tido: STF - Pleno - HC<br />

n ° 75.287-0 - m edida lim inar - Rei. M in. M aurício C orrêa, D iá r io d a J u s tiç a , S eção I, 30 abr. 1997, p. 1 6 .3 0 2 ,<br />

STF - HC n° 8 7.021-0/D F - Rei. M in. M arco A urélio, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 7 nov. 2 0 0 5 , p. 6.<br />

2 E sse <strong>direito</strong> é con sagrado p e la cláu su la p r iv ile g e a g a in s t s e lf - in c r im in a t io n , n a 5“ Em en da da Constituição<br />

N orte-am ericana. Igual previsão existe tam bém no Pacto <strong>de</strong> São Jo sé da C osta R ica - C onvenção A m ericana<br />

sobre Direitos H um anos que p revê, no art. 8o, § 2 Q, g , “ o <strong>direito</strong> a toda pessoa acu sad a <strong>de</strong> <strong>de</strong>lito n ão ser obrigada<br />

a <strong>de</strong>por contra si m esm a, nem a <strong>de</strong>clarar-se cu lp ada”.<br />

3 STF - HC n° 7 1 .0 3 9 /R J - Rei. Min. Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abril 1994. Conferir, tam bém , B T J 1 6 3 /6 2 6 .<br />

4 S T F - H C n Q7 1 .0 3 9 /R J- R e i.M in . Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 7 abril 1994. Conferir, tam bém , R T J 1 6 3 /6 2 6 .<br />

5 VELLOSO, C arlos M ário da Silva. A s com issões parlam en tares <strong>de</strong> inquérito e o sigilo d as com unicações telefônicas.<br />

C a d e r n o s d e D i r e i t o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , nQ26. S ão Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 49.<br />

6 STF, HC 1 0 0 .3 4 1 , Rei. Min. Jo aq u im Barbosa, ju lgam en to em 4-11-2010, Plenário, D J E <strong>de</strong> 2-12-2010.<br />

7 C o m o salien tam C anotilho e Vital M oreira, “ o s in quéritos p arlam en tares têm p or n atu reza, carácter in s­<br />

tru m en tal, p ois a su a função n ão con siste em ju lg a r, m as sim h ab ilitar a AR (A ssem bléia da R ep ú b lica) com<br />

conhecim en tos q u e p o<strong>de</strong>m , even tu alm en te, le v a r a tom ar m e d id as (legisla tiv as ou o u tras sobre o assu n to<br />

in quirid o). E stão , por isso, particularm en te vocacion ados com o instrum ento da fu n ção <strong>de</strong> fiscalização política


446 Direito Constitucional • Moraes<br />

rantir a eficácia <strong>de</strong> eventual sentença con<strong>de</strong>natória, uma vez que o po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela<br />

<strong>de</strong> sentenças judiciais só po<strong>de</strong> ser exercido por juizes”.1<br />

Dessa forma, não po<strong>de</strong>rão as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito:<br />

• <strong>de</strong>cretar quaisquer hipóteses <strong>de</strong> prisão, salvo as prisões em flagrante <strong>de</strong>lito: as<br />

Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito não possuem competência <strong>constitucional</strong><br />

para a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> prisões temporárias, preventivas ou quaisquer outras<br />

hipóteses, salvo as prisões em flagrante <strong>de</strong>lito, uma vez que a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral reservou ao Po<strong>de</strong>r Judiciário a função <strong>de</strong> zelar pelostatus libertatis individual,<br />

nos termos do art. 5Q, LXI.*12 Diferentemente das Constituições <strong>de</strong> 1824<br />

(art. 179, X), 1891 (art. 72, § 13), 1934 (art. 113, n° 21), 1937 (art. 122, na<br />

11), 1946 (art. 141, § 20), 1967 (art. 150, § 12), EC na 01/69 (art. 153, § 10),<br />

somente do Po<strong>de</strong>r Judiciário po<strong>de</strong>rão emanar or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> prisão, salvo a hipótese<br />

<strong>de</strong> transgressão militar ou crime propriamente militar <strong>de</strong>finidos em lei, pois a<br />

tutela à liberda<strong>de</strong> com a consequente limitação do po<strong>de</strong>r estatal sobre o status<br />

libertatis do indivíduo consiste em uma das maiores conquistas do Estado <strong>de</strong><br />

Direito.3 As CPIs somente po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>cretar prisões em flagrante <strong>de</strong>lito, inclusive<br />

por falso testemunho, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, nessa hipótese, obviamente, não se trate do<br />

próprio investigado ou ainda <strong>de</strong> pessoa que <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> revelar fatos que possam<br />

incriminá-la, em respeito ao <strong>constitucional</strong>mente consagrado <strong>direito</strong> ao silêncio;4<br />

• <strong>de</strong>terminar a aplicação <strong>de</strong> medidas cautelares, tais como indisponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

bens, ctrrestos, sequestro, hipoteca judiciária, proibição <strong>de</strong> ausentar-se da comarca<br />

ou do país: Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, “o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong><br />

indisponibilida<strong>de</strong> dos bens <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada pessoa posta sob a suspeição da<br />

CPI, qual o impetrante, mostra-se <strong>de</strong> todo exce<strong>de</strong>nte à mais larga interpretação<br />

da autorida<strong>de</strong> das CPIs: indisponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bens, ou medida similar - qual o<br />

arresto, o sequestro ou a hipoteca judiciária - são provimentos cautelares <strong>de</strong><br />

sentença <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação, os quais obviamente não se confun<strong>de</strong>m com<br />

os po<strong>de</strong>res instrutórios, ou <strong>de</strong> cautela sobre a prova, que se possam admitir<br />

extensíveis aos órgãos parlamentares <strong>de</strong> investigação”;5<br />

d a AR, <strong>de</strong>sign adam en te n a ap reciação dos actos do Governo e d a A dm in istração” (C o n s t it u iç ã o d a R e p ú b lic a<br />

p o r t u g u e s a a n o t a d a . 3. ed. Coim bra: C oim bra, 1993. p. 7 1 9 ).<br />

1 STF - M S 30.906-M C , Rei. M in. C elso d e M ello, <strong>de</strong>cisão m onocrática, ju lgam en to em 5-10-2011, D l/E<strong>de</strong> 10-<br />

10-2011; ST F - Pleno - MS 23.469-D F, MS 23.435-D F e MS 2 3 .4 7 1 /D F - Rei. M in. O ctávio G allotti, <strong>de</strong>cisão:<br />

10-11-99 - I n fo r m a t iv o S T F n a 170. No m esm o sentido: S T F - P le n o - M S n ° 23.4 4 6 /D F - R et Min. lim ar G alvão,<br />

<strong>de</strong>cisão: 18-8-99 - I n fo r m a t iv o S T F n ° 158.<br />

2 CF, art. 5 a, LXI - “ninguém será p reso sen ão em flagran te <strong>de</strong>lito ou p o r or<strong>de</strong>m escrita e fu n dam en tada d e<br />

au toridad e ju diciária com petente, salvo n o s caso s <strong>de</strong> tran sgressão m ilitar ou crim e propriam en te m ilitar, <strong>de</strong>fin<br />

idos em lei” .<br />

3 C onferir a respeito: MORAES, A lexan dre <strong>de</strong>. D ir e it o s h u m a n o s f u n d a m e n t a is . 2. ed. S ão Paulo: A tlas, 1998.<br />

p . 275-283.<br />

4 Conferir a respeito, R T J 1 6 3 /6 2 6 , on<strong>de</strong> o STF <strong>de</strong>cidiu que “N ão configura o crim e <strong>de</strong> fa k o testem unho, quando<br />

a pessoa, <strong>de</strong>pondo com o testem unha, ain d a que com prom issada, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> revelar fatos que possam incrim iná-la.”<br />

5 STF - Pleno - MS n ° 23.4 6 6 -1 /D F - m edida lim in ar - Rei, Min. Sepú lveda P erten ce,D iário d a J u s t iç a , S eção<br />

1 ,2 2 ju n . 1999, p. 31.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 4 7<br />

• proibir ou restringir a assistência jurídica aos investigados: tendo a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral consagrado, em seu art. 133, como princípios constitucionais a<br />

indispensabilida<strong>de</strong> e a imunida<strong>de</strong> do advogado, não po<strong>de</strong>rão as CPIs, impedir<br />

que os investigados façam-se acompanhar <strong>de</strong> seus advogados, nem tampouco<br />

cercear-lhes o exercício da ativida<strong>de</strong> profissional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que nos parâmetros<br />

<strong>de</strong>limitados pela legislação em vigor e pela própria natureza inquisitiva do<br />

inquérito parlamentar, on<strong>de</strong> inexiste o contraditório. Como ressaltado pelo<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito, como qualquer<br />

outro órgão do Estado, não po<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> grave transgressão à Constituição<br />

e às leis da República, impedir, dificultar ou frustrar o exercício, pelo advogado,<br />

das prerrogativas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m profissional que lhe foram outorgadas pela Lei ne<br />

8.906/94”, para concluir que “assiste ao advogado a prerrogativa - que lhe é<br />

dada por força e autorida<strong>de</strong> da lei - <strong>de</strong> velar pela intangibilida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s<br />

daquele que o constituiu como patrono <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>fesa técnica, competindo-lhe,<br />

por isso mesmo, para o fiel <strong>de</strong>sempenho do munus <strong>de</strong> que se acha incumbido<br />

esse profissional do Direito, o exercício dos meios legais vocacionados à plena<br />

realização <strong>de</strong> seu legítimo mandato profissional”,1 inclusive com o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

“protocolizar e <strong>de</strong> ver apreciadas, pela CPI, petições formuladas em nome da<br />

pessoa ou da entida<strong>de</strong> sob investigação”, além do “<strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso a documentos<br />

sob cláusula <strong>de</strong> sigilo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que já incorporados aos autos do inquérito<br />

parlamentar”.12 3<br />

Além <strong>de</strong>ssas limitações, inci<strong>de</strong> sobre a atuação das CPis, a <strong>de</strong>nominada cláusula <strong>de</strong><br />

reserva jurisdicional,3 consistente na expressa previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> competência<br />

exclusiva dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário para a prática <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados atos. Assim, por<br />

exemplo, quandoo texto <strong>constitucional</strong> prevê no art. 5e, XI, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invasão domiciliar<br />

durante o dia, por <strong>de</strong>terminação judicial, ou ainda, quando no art. 5e, XII, permite<br />

a interceptação telefônica, por or<strong>de</strong>mjudicial, expressamente reservou a prática <strong>de</strong>sses atos<br />

constritivos da liberda<strong>de</strong> individual aos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Nessas hipóteses, as<br />

CPis carecem <strong>de</strong> competência <strong>constitucional</strong> para a prática <strong>de</strong>sses atos, <strong>de</strong>vendo solicitar<br />

ao órgão jurisdicional competente.4<br />

1 STF - Pleno - M S n ° 23.5 7 6 -4 /D F - m edida lim inar - ReL M in. C elso <strong>de</strong> M ello, D iá r io d a Ju s t iç a , S eção I, 7<br />

<strong>de</strong>z. 1999, p 62 e 6 3 ; S T F - P le n o - M S nc 2 5 .6 1 7 -6 /D F -m e d id a c a u te la r-R e L Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iá r io d a<br />

J u s t iç a , S eção 1,3-11-2005, p. 2 7 ; STF - Pleno -H C n ° 87.021 -0/D F - m edida lim inar - Rei. Min. M arco Aurélio,<br />

D iá r io d a J u s t iç a , S eção I, 7-11-2005, p. 6 ; STF - M S n“ 2 5923-0/D F - m edida cautelar - Rei. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, <strong>de</strong>cisão: 3 -4-2006; STF - M edida cau telar em M an d ado <strong>de</strong> S egu ran ça n ° 25.6 1 7 -6 /D F - Rei. Min.<br />

C elso <strong>de</strong> M ello, ü i á n o d a J u s t iç a , S eção 1 ,3 nov. 2 0 0 5 , p. 27.<br />

2 STF - M S 3 0 9 0 6 M C /D F - ReL Min. C elso <strong>de</strong> M ello, D J e 10-10-2011.<br />

3 O Suprem o Tribunal Fed eral reconheceu a existência <strong>constitucional</strong> da cláu su la d e reserva jurisdicion al, afirm<br />

ando: “ As C om issões Parlam entares <strong>de</strong> Inquérito n ão p o<strong>de</strong>m <strong>de</strong>term inar a busca e apreensão dom iciliar, por se<br />

tratar <strong>de</strong> ato su jeito ao princípio <strong>constitucional</strong> da reserva <strong>de</strong> ju risd ição, ou seja, ato cu ja prática a CF atribui com<br />

exclusivida<strong>de</strong> ao s m em bros do Po<strong>de</strong>r Ju diciário” (STF - Pleno - M S n ° 2 3 .6 4 2 /D F - ReL Min. Néri d a Silveira,<br />

<strong>de</strong>cisão: 29-11-2000 - I n f o r m a t i v o S T F n ° 2 1 2 . C onferir tran scrições nos In fo r m a t iv o s S T F n1” 1 5 1 ,1 6 2 ,1 6 3 ).<br />

4 Restrição sem elh an te é encon trada n a Lei Fundam en tal alem ã, que em seu a r t 4 4 prevê a im possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> afetação p elas com issões d e inquérito, do segred o d e correspondên cia, d as com unicações p o stais e das telecom<br />

unicações, além d e p rever q u e o s tribunais e a s au torid ad es adm inistrativas sã o obrigad os a prestar aju d a<br />

ju d icial e adm in istrativa


448 Direito Constitucional • Moraes<br />

Conforme salientam Canotilho e Vital Moreira, “os po<strong>de</strong>res das comissões <strong>de</strong> inquérito<br />

têm um limite naqueles <strong>direito</strong>s fundamentais dos cidadãos que, mesmo em investigação<br />

criminal, não po<strong>de</strong>m ser afectados senão por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> um juiz”.1<br />

O Ministro Celso <strong>de</strong> Mello adverte que essa cláusula consubstancia “ao Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

não apenas o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa<br />

<strong>de</strong> dizer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a primeira palavra, excluindo-se, <strong>de</strong>sse modo, por força e autorida<strong>de</strong><br />

do que dispõe a própria Constituição, a possibilida<strong>de</strong> do exercício <strong>de</strong> iguais atribuições,<br />

por parte <strong>de</strong> quaisquer outros órgãos ou autorida<strong>de</strong>s do Estado”.12<br />

Como afirmado por Luís Roberto Barroso, “ultrapassaria com exagero os limites da<br />

razoabilida<strong>de</strong> a suposição <strong>de</strong> que uma comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito - instância política,<br />

sujeita a paixões e excessos - pu<strong>de</strong>sse livremente dispor da privacida<strong>de</strong> das pessoas,<br />

invadindo domicílios e escritórios, e apreen<strong>de</strong>ndo o que lhe aprouvesse”.3<br />

Ressalte-se que os eventuais abusos ou ilegalida<strong>de</strong>s praticadas pelas Comissões<br />

Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito <strong>de</strong>verão ser controlados pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário,4 por meio do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em regra em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança5 e habeas corpus,6<br />

nos termos do art. 102,1, i, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois “as Comissões Parlamentares <strong>de</strong><br />

Inquérito não são órgãos distintos, mas emanações do Congresso, competindo ao Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o controle <strong>de</strong> seus atos”.7 Dessa forma, conforme <strong>de</strong>cidiu o Pretório Excelso,<br />

“ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compete exercer, originariamente, o controle jurisdicional<br />

sobre atos <strong>de</strong> comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito que envolvam ilegalida<strong>de</strong> ou ofensa a<br />

<strong>direito</strong> individual, dado que a ele compete processar e julgar habeas corpus e mandado <strong>de</strong><br />

segurança contra atos das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral, art. 102,<br />

I, i, da Constituição, e a comissão parlamentar <strong>de</strong> inquérito proce<strong>de</strong> como se fora a Câmara<br />

dos Deputados ou o Senado Fe<strong>de</strong>ral ou o Congresso Nacional. Construção <strong>constitucional</strong><br />

consagrada”,8 não cabendo ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, como <strong>de</strong>stacado pelo STF, examinar “o<br />

acerto ou <strong>de</strong>sacerto” das medidas <strong>de</strong>feridas, “diante da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res”.9<br />

1 CANOTILHO, J . J . G om es; MOREIRA, V ital. C o n s t it u iç ã o d a r e p ú b lic a p o r t u g u e s a a n o t a d a . 3. ed. C oim bra:<br />

C oim bra, 1993. p. 720.<br />

2 Trecho <strong>de</strong> v o to proferido com o relator: S T F - P le n o - M S n2 2 3 .4 5 2 -1 /R J - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello.<br />

3 Conferir, com exten sa citação doutrinária nacion al e estran geira: BARROSO, Luís Roberto. C om issões p arlam<br />

entares <strong>de</strong> in q u érito - lim ite <strong>de</strong> su a com petência - sentido da expressão <strong>constitucional</strong> po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> investigação<br />

p róprios das au to rid ad es ju d ic iais - in ad m issib ilid ad e <strong>de</strong> busca e ap reen são sem m an dado ju d icial. R e v is ta<br />

F o re n s e , n2 3 3 5 , Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1992. p. 173.<br />

4 STF - Pleno - MS n2 23.4 9 1 -1 /D F - m edida lim inar - Rei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 2<br />

ago. 1999, p. 67; R D A 1 9 6 /1 9 7 ; R D A 1 9 9 /2 0 5 .<br />

5 S T F - Pleno - MS 23.469-D F, MS 23.435-D F e M S 2 3 .4 7 1 /D F - Rei. Min. O ctávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 10-11-99<br />

- I n f o r m a t i v o STF n2 1 70; S T F - P le n o - M S n2 2 3 .446-6/D F - m edid a lim in a r-R e i. Min. lim ar G alvão, D i á r i o<br />

d a J u s t iç a , Seção 1,21 ju n . 1999, p. 27; STF - P le n o -M S n2 2 3 .4 6 5 -2 /D F -m e d id a lim in a r-R e i. Min. M aurício<br />

C orrêa, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,25 ju n . 1999, p. 25.<br />

6 N esse sen tido, conferir S T F - H C n 0 7 9 .4 1 1 /D F - Rei. Min. O ctávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 15-9-99 - I n f o r m a t iv o<br />

S T F n2 162; STF - Pleno - HC n2 79.563-3/D F - m edida lim inar - Rei. Min. M arco A urélio, D i á r i o d a J u s tiç a ,<br />

Seção 1 ,14 out. 1999, p. 17.<br />

7 STF - R D A 4 7 /2 8 6 .<br />

8 R T J 1 6 3 /6 2 6 .<br />

9 S T F - P le n o - H C n2 8 6 .5 8 1 - 0 /S P - R e l. M in. E llen G rad e , D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,19 m aio 2 0 0 6 , p. 3.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 449<br />

Dessa forma, a conduta das Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito <strong>de</strong>ve, portanto,<br />

equilibrar os interesses investigatórios, certamente <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> interesse público, com as garantias<br />

<strong>constitucional</strong>mente consagradas, preservando a segurança jurídica e utilizando-se<br />

dos meios jurídicos mais razoáveis e práticos em busca <strong>de</strong> resultados satisfatórios garantindo<br />

a plena efetivida<strong>de</strong> da justiça, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar-se <strong>de</strong> sua finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>.1<br />

Há, portanto, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> direcionar-se todas as regras hermenêuticas para garantir-se<br />

a plena aplicabilida<strong>de</strong> e efetivida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s humanos fundamentais perante<br />

as Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito.<br />

Os <strong>direito</strong>s humanos fundamentais, enquanto uma das previsões absolutamente necessárias<br />

à todas as Constituições, no sentido <strong>de</strong> consagrar o respeito à dignida<strong>de</strong> humana,<br />

garantir a limitação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e visar o pleno <strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> humana,<br />

são absolutamente vinculantes ao exercício dos po<strong>de</strong>res investigatórios das Comissões<br />

Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito.12<br />

Dessa forma, a maior limitação à atuação das Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquérito<br />

é o pleno respeito ao princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, projeto maior <strong>de</strong> um<br />

Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, no exato sentido que lhe empresta a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Roscoe<br />

Pound, para quem liberda<strong>de</strong> consiste “na reserva, para o indivíduo, <strong>de</strong> certas expectativas<br />

fundamentais razoáveis que enten<strong>de</strong>m com a vida na socieda<strong>de</strong> civilizada e liberação em<br />

relação ao exercício arbitrário e <strong>de</strong>sarrazoado do po<strong>de</strong>r e da autorida<strong>de</strong> por parte daqueles<br />

que são nomeados ou escolhidos em socieda<strong>de</strong> politicamente organizada com o objetivo<br />

<strong>de</strong> ajustar relações e or<strong>de</strong>nar a conduta e se tornam, <strong>de</strong>ssa maneira, capazes <strong>de</strong> aplicar a<br />

força <strong>de</strong>ssa socieda<strong>de</strong> aos indivíduos”.3<br />

Sem respeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana não haverá Estado <strong>de</strong> Direito, <strong>de</strong>saparecendo<br />

a participação popular nos negócios políticos do Estado, quebrando-se o respeito<br />

ao princípio da soberania popular, que proclama todo o po<strong>de</strong>r emanar do povo, com a<br />

consequência nefasta do fim da Democracia.<br />

Exige-se, pois, do Po<strong>de</strong>r Legislativo, no exercício <strong>de</strong> sua função fiscalizatória, por meio<br />

<strong>de</strong> Comissões Parlamentares <strong>de</strong> Inquéritos, pleno respeito ao princípio da dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa humana, sob pena <strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas condutas e perda da<br />

legitimida<strong>de</strong> popular que sustenta a atuação fiscalizatória dos parlamentares, pois como<br />

ensina Norberto Bobbio, “sem respeito às liberda<strong>de</strong>s civis, a participação do povo no po<strong>de</strong>r<br />

político é um engano, e sem essa participação popular no po<strong>de</strong>r estatal, as liberda<strong>de</strong>s civis<br />

têm poucas probabilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> durar”.4<br />

1 Como <strong>de</strong>stacado por Roberto R osa, “As com issões parlam en tares <strong>de</strong> inquérito têm notável influência na vid a<br />

p olítica do país. No Brasil elas agem com um esp írito elevado e consentâneo com su as fin alid ad es. No en tan to,<br />

é n ecessário n ão se perm itir o ex travasam en to <strong>de</strong> su as fu n ções, o ab u so do p o<strong>de</strong>r in erente às com issões <strong>de</strong><br />

inquérito” (Op. cit. p. 60).<br />

2 C onform e afirm ou o M inistro C elso <strong>de</strong> M ello, “ é essen cial reconhecer que os po<strong>de</strong>res das C om issões P arlam<br />

entares <strong>de</strong> Inquérito - precisam ente porque n ão são absolutos - sofrem as restrições im postas pela C onstituição<br />

da R epública e encontram lim ite nos <strong>direito</strong>s fu n d am en tais do cidad ão, que só p o<strong>de</strong>m ser afe tad o s nas<br />

hipóteses e n a form a que a C arta Política estabelecer” (ST F - Pleno - MS na 2 3 .4 5 2 -1 /R J - Rei. Min. C elso <strong>de</strong><br />

M ello, <strong>de</strong>cisão 16-9-99).<br />

3 POUND, Roscoe. L ib e rd a d e s e g a r a n t ia s c o n s titu c io n a is . 2. e d São Paulo: Ibrasa, 1976. p. 5.<br />

4 BOBBIO, N orberto. I g u a ld a d y lib e r ta d . Barcelona: P aidós, 1993. p. 117.


450 Direito Constitucional • Moraes<br />

2.6 Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

2 .6 .1 C o n ce ito , fu n ç õ e s e fin a lid a d e s<br />

O Tribunal <strong>de</strong> Contas da União é órgão auxiliar e essencial <strong>de</strong> orientação do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, embora a ele não subordinado,1praticando atos <strong>de</strong> natureza administrativa,<br />

concernentes, basicamente, à fiscalização,12 com garantias <strong>de</strong> autonomia e autogoverno.3<br />

O Tribunal terá sua se<strong>de</strong> no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, sendo integrado por nove ministros que<br />

exercerão suas atribuições em todo o território nacional, e terão as mesmas garantias,<br />

prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, sendo, portanto, vitalícios, inamovíveis e tendo seus subsídios a garantia<br />

da irredutibilida<strong>de</strong>, aplicando-se-lhes quanto à aposentadoria e pensão, nos termos da<br />

Emenda Constitucional nQ41/03, as normas constantes no art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

(conferir Capítulo 9, item 15).<br />

Os Ministros do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União serão nomeados entre brasileiros que<br />

preencham <strong>de</strong>terminados requisitos, a saber:4<br />

• mais <strong>de</strong> 35 e menos <strong>de</strong> 65 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>;<br />

• idoneida<strong>de</strong> moral e reputação ilibada;<br />

• notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou <strong>de</strong><br />

administração pública;<br />

• mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> função ou <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional que<br />

exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabeleceu um método diferenciado na escolha e investidura<br />

dos Ministros do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União. Assim, o Presi<strong>de</strong>nte da República escolherá<br />

um terço dos membros do Tribunal (três), enquanto ao Congresso Nacional caberá a escolha<br />

dos outros dois terços (seis), na forma que dispuser seu regimento interno.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabeleceu no art. 71 as funções do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />

União, que <strong>de</strong>verá auxiliar o Congresso Nacional a exercer o controle externo e fiscalização<br />

contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, ressaltando-se:<br />

1 MARTINS, Ives G an dra d a Silva. D ir e it o c o n s t it u c io n a l in t e r p r e t a d o . S ão Paulo: Revista d o s Tribunais, 1992.<br />

p . 37.<br />

2 PONDÉ, Lafayette P o n d é E s t u d o s d e d ir e it o a d m in is t r a t iv o . Belo H orizon te D el Rey, 1995. p. 205. Cf. ARAÚJO<br />

JR ., Jo ã o M arcelo <strong>de</strong>. O esp aço jurídico-crim inal dos tribunais <strong>de</strong> contas. Brevíssim as n otas sobre o crim e do<br />

a r t 89 da Lei 8 .6 6 6 , d e 21 <strong>de</strong> ju n h o <strong>de</strong> 1993. R e v is t a B r a s i l e i r a d e C iê n c ia s C r im in a is , S ã o Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, n ° 13, p . 1 7 2 ,1 9 9 6 .<br />

3 S T F - M edida C au telar em A D I 4 4 2 1 /T O - ReL M in. D ias Tóffoli.<br />

4 Cf. FERNANDES, Jo rge U lisses Jacoby. R equisitos p a ra m inistro e conselheiro <strong>de</strong> tribunal <strong>de</strong> contas. R e v is t a<br />

d e I n fo r m a ç ã o L e g is la t iv a , Brasília: Sen ado Fe<strong>de</strong>ral, na 126, p . 1 1 3 ,1 9 9 5 . O bserve-se que, por vislum brar ofensa<br />

à S ú m u la Vinculante 13 (vedação ao n ep otism o), o STF su sp en d eu a n om eação <strong>de</strong> irm ão <strong>de</strong> G overnador <strong>de</strong><br />

E stado p ara o cargo d e C onselheiro do T ribun al d e C ontas (ST F - Pleno - Rei. 6 7 0 2 AgR-M C/PR, Rei. Min.<br />

R icard o Lew andow ski, 4-3-2009, I n fo r m a t iv o S T F n a 537).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 451<br />

• apreciação das contas prestadas anualmente pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

mediante parecer prévio, que <strong>de</strong>verá ser elaborado em 60 dias a contar <strong>de</strong> seu<br />

recebimento;<br />

• julgamento das contas dos administradores e <strong>de</strong>mais responsáveis por dinheiros,<br />

bens e valores públicos da administração direta (incluídos os Po<strong>de</strong>res Executivo,<br />

Legislativo e Judiciário) e indireta, incluídas as fundações e socieda<strong>de</strong>s<br />

instituídas e mantidas pelo po<strong>de</strong>r público fe<strong>de</strong>ral, e as contas daqueles que<br />

<strong>de</strong>rem causa a perda, extravio ou outra irregularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que resulte prejuízo<br />

ao erário público;<br />

• aplicação aos responsáveis, em caso <strong>de</strong> ilegalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa ou irregularida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> contas, das sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações,<br />

multa proporcional ao dano causado ao erário.<br />

Observe-se, por fim, que o Tribunal <strong>de</strong> Contas, conforme entendimento sumulado do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,1 po<strong>de</strong> no exercício <strong>de</strong> suas atribuições apreciar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das leis e dos atos do Po<strong>de</strong>r Público.<br />

As funções <strong>de</strong> Ministério Público junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União serão exercidas<br />

por Instituição que não integra os quadros do Ministério Público da União. Esse mo<strong>de</strong>lo<br />

<strong>de</strong>verá ser seguido pelos Tribunais <strong>de</strong> Contas estaduais, ou seja, <strong>de</strong>verão ser criadas instituições<br />

que não façam parte dos respectivos Ministérios Públicos estaduais.12 Conferir nesse<br />

sentido, nesse mesmo Capítulo, item 5.14 (Ministério Público junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas).<br />

2 .6 .2 T rib u n a l <strong>de</strong> Con tas - e sco lh a p e lo P re s id e n te d a R e p ú b lic a (1 / 3 )<br />

O art. 73, § 22, I, <strong>de</strong>termina que um terço dos Ministros do Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />

União será escolhido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, com aprovação por maioria simples<br />

(CF, art. 47) do Senado Fe<strong>de</strong>ral, sendo dois alternadamente entre auditores e membros<br />

do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal <strong>de</strong> Contas,<br />

segundo os critérios <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong> e merecimento, e um por meio <strong>de</strong> escolha livre.<br />

Em relação a duas vagas, há, portanto, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quar as duas etapas para<br />

preenchimento das vagas: lista tríplice e antiguida<strong>de</strong>/merecimento.<br />

Dessa forma, o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União elaborará lista indicando, alternadamente,<br />

três auditores ou três membros do Ministério Público junto ao Tribunal, seja pelo<br />

critério <strong>de</strong> merecimento, seja pelo critério da antiguida<strong>de</strong>, para que, posteriormente, o<br />

Presi<strong>de</strong>nte escolha um <strong>de</strong>les, submetendo-os à aprovação do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 Súmula 347 do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: O Tribunal <strong>de</strong> Contas, no exercício <strong>de</strong> suas atribuições, po<strong>de</strong><br />

apreciar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e dos atos do Po<strong>de</strong>r Público. Essa possibilida<strong>de</strong>, porém , é colocada em<br />

dúvida pelo Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, ao afirmar que “a referida regra súmula fo i aprovada na Sessão Plenária <strong>de</strong><br />

13.12.1963, num contexto <strong>constitucional</strong> totalmente diferente do atual”, para concluir que “ a própria evolução<br />

do sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no Brasil, verificada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, está a <strong>de</strong>monstrar a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se reavaliar a subsistência da Súmula 347 em fa ce da or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> instaurada com a Constituição <strong>de</strong><br />

1988” (M S na 25888/MC -D F , Diário da Justiça, 29 mar 2006, p. 11).<br />

2 S T F -M S n °2 7 .3 3 9 -9 / D F -R e i. Min. Menezes Direito, <strong>de</strong>cisão: 26-5-2008; S T F - P le n o - A D I 3.315/C E -<br />

Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, <strong>de</strong>cisão: 6-3-2008.


452 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se, pois, que mesmo <strong>de</strong>vendo a vaga ser preenchida pelo critério da antiguida<strong>de</strong>,<br />

o Tribunal <strong>de</strong> Contas <strong>de</strong>verá remeter uma lista tríplice, com os nomes dos três<br />

auditores ou três membros do Ministério Público mais antigos, para que o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República escolha qualquer um <strong>de</strong>les. Não se justifica, portanto, a interpretação pela qual,<br />

na nomeação pelo critério <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>, o Tribunal <strong>de</strong> Contas encaminhará ao Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, apenas, o nome do auditor ou membro <strong>de</strong> Ministério Público mais<br />

antigo na Corte <strong>de</strong> Contas, vinculando o Presi<strong>de</strong>nte da República a escolhê-lo. A referência<br />

<strong>constitucional</strong> à lista tríplice assegura ao Presi<strong>de</strong>nte a discricionarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> livre escolha<br />

entre os três nomes nela constantes.1<br />

2 .6 .3 Trib u n a is <strong>de</strong> C o n t a s e sta d u a is, d is trita l e m u n ic ip a is<br />

O art. 75 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral refere-se aos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios.12 Igualmente, o art. 31 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que<br />

a fiscalização do Município também será exercida mediante controle externo da Câmara<br />

Municipal, com o auxílio dos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados3 ou dos Conselhos ou Tribunais<br />

<strong>de</strong> Contas dos Municípios, on<strong>de</strong> houver; prevê-se que o parecer prévio, emitido pelo<br />

órgão competente, sobre as contas que o Prefeito <strong>de</strong>ve anualmente prestar, só <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong><br />

prevalecer por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> dois terços dos membros da Câmara Municipal.<br />

Note-se que a expressão on<strong>de</strong> houver <strong>de</strong>ve ser interpretada <strong>de</strong> acordo com o § 4a do<br />

referido art. 31 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que veda a criação <strong>de</strong> tribunais, conselhos ou<br />

órgãos <strong>de</strong> contas municipais.<br />

Essa interpretação nos leva à conclusão <strong>de</strong> que o legislador constituinte reconheceu a<br />

existência dos Tribunais ou Conselhos <strong>de</strong> Contas Municipais já existentes na data da promulgação<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não permitindo às respectivas Constituições Estaduais<br />

aboli-los, porém, ao mesmo tempo, expressamente vedou a criação <strong>de</strong> novos Tribunais<br />

ou Conselhos <strong>de</strong> Contas.4<br />

Os Estados-membros, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municipios estão sujeitos, em matéria<br />

<strong>de</strong> organização, composição e atribuições fiscalizadoras <strong>de</strong> seus Tribunais <strong>de</strong> Contas, ao<br />

mo<strong>de</strong>lo jurídico estabelecido pela Constituição da República5 (art. 75, caput), pois conforme<br />

interpretado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,6<br />

1 S T F -R extr. n ° 179.461-5/DF - Rei. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,22 mar. 1996, p. 8.204.<br />

2 O art. 16 A D C T refere-se ao Tribu nal <strong>de</strong> Contas do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que auxiliará a fiscalização contábil,<br />

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. Tam bém o art. 235, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, refere-se à<br />

criação do Tribunal <strong>de</strong> Contas em Estados recém-criados.<br />

3 A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no parágrafo único do art. 75, expressamente estabelece o núm ero e a <strong>de</strong>nominação<br />

dos Conselheiros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados: SETE.<br />

4 BROSSARD, Paulo. Inelegibilida<strong>de</strong> fictícia. Folha <strong>de</strong> S. Paulo, 29 out. 1992, P - 1-23.<br />

5 REALE JR., Miguel. Casos <strong>de</strong>... Op. cit. p. 28-29; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito <strong>constitucional</strong> interpretado.<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 48-49.<br />

6 STF - P le n o - Adin n° 849/MT, ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello; R TJ152/73-74; STF - Pleno - Adin n° 374/SP, R ei<br />

M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, 10 fev. 1993, p. 2.030; STF - Pleno - Adin n° 445/DF, ReL Min. Néri da<br />

Silveira, Brasília, 2 jun. 1993; RTJ 152/398-39.9.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 5 3<br />

“com a superveniência da nova Constituição, ampliou-se, <strong>de</strong> modo extremamente<br />

significativo, a esfera <strong>de</strong> competência dos tribunais <strong>de</strong> contas, os quais foram investidos<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res jurídicos mais amplos, em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> uma consciente opção<br />

política feita pelo legislador constituinte, a revelar a inquestionável essencialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssa instituição surgida nos albores da república. A atuação dos tribunais <strong>de</strong><br />

contas assume, por isso, importância fundamental no campo do controle externo<br />

e constitui, como natural <strong>de</strong>corrência do fortalecimento <strong>de</strong> sua ação institucional,<br />

tema <strong>de</strong> irrecusável relevância. O regramento dos tribunais <strong>de</strong> contas estaduais, a<br />

partir da Constituição <strong>de</strong> 1988 - inobstante a existência <strong>de</strong> domínio residual para<br />

sua autônoma formulação - é matéria cujo relevo <strong>de</strong>corre da nova fisionomia assumida<br />

pela fe<strong>de</strong>ração brasileira e, também, do necessário confronto <strong>de</strong>ssa mesma<br />

realida<strong>de</strong> jurídico-institucional com a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que, construída ao longo do regime <strong>constitucional</strong> prece<strong>de</strong>nte, proclamava a inteira<br />

submissão dos Estados-membros, no <strong>de</strong>lineamento do seu sistema <strong>de</strong> controle<br />

externo, ao mo<strong>de</strong>lo jurídico plasmado na Carta da República”.1<br />

Portanto, conforme salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “gozam as Cortes <strong>de</strong><br />

Contas do País das prerrogativas da autonomia e do autogoverno, o que inclui, essencialmente,<br />

a iniciativa reservada para instaurar processo legislativo que pretenda alterar sua<br />

organização e seu funcionamento”.12<br />

Dessa forma, o mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>verá ser seguido pelos Estados-membros, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, inclusive em relação à composição e modo <strong>de</strong> investidura dos respectivos<br />

conselheiros, respeitando-se a proporcionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha entre o Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

e o Po<strong>de</strong>r Legislativo, nos mesmos mol<strong>de</strong>s da Constituição da República.3 Assim, conforme<br />

a Súmula 653, enten<strong>de</strong> o STF que “no Tribunal <strong>de</strong> Contas estadual, composto por sete<br />

conselheiros, quatro <strong>de</strong>vem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo estadual, cabendo a este indicar um <strong>de</strong>ntre auditores e outro <strong>de</strong>ntre<br />

membros do Ministério Público, e um terceiro à sua livre escolha”.4<br />

A obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância do mo<strong>de</strong>lo <strong>constitucional</strong> fe<strong>de</strong>ral pelos Tribunais<br />

<strong>de</strong> Contas estaduais, distrital e municipais, inclusive em relação à estrutura, investidura<br />

e composição,5 não permite à unida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa “extinguir o cargo <strong>de</strong> Auditor na Corte<br />

<strong>de</strong> Contas estadual, previsto <strong>constitucional</strong>mente, e substituí-lo por outro cuja forma <strong>de</strong><br />

1 STF - Pleno - Adin ns 215/PB; Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , D iário da Justiça, 3 ago. 1990, p. 7.234.<br />

2 STF - M ed ida Cautelar em A D I4421/TO - Rei. Min. Dias Tóffoli; A D I 1994/ES - Rei. Min. ErosG rau; ADI<br />

789/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello.<br />

3 Excepcionalmente: STF - Adin nQ1.389-1/A P - v . u. - m edida lim inar - Rei. Min. Maurício Corrêa, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 20 set. 1996, p. 34.531. EMENTA: “Medida Cautelar em Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado: Indicação para provim ento do cargo <strong>de</strong> Conselheiro; Proporcionalida<strong>de</strong>. Constituição<br />

do Estado: §§ 3a e 4a e incisos I e II do art. 113; Lei Complementar Estadual na 010/95: inciso III do art. 10<br />

e parágrafo único do art. 100. Prerrogativa do chefe do Executivo Estadual para indicar e nom ear conselheiros<br />

nos <strong>de</strong>z primeiros anos <strong>de</strong> criação do Estado. Exigência <strong>de</strong> requisitos não previstos pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral”.<br />

4 Conferir a respeito: STF - A D I 3276, Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 2-6-2005; A D I 2 8 8 4 - R e i. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, DJ 20-5-05, AD I 2208, Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, DJ 25-6-04.<br />

5 S T F - P le n o - A D I n °3 2 5 5 / P A -R ei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 22-6-2006-Inform ativo STFn ° 432.


454 Direito Constitucional • Moraes<br />

provimento igualmente divirja do mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>finido pela CB/88”,1nem tampouco, <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> criar e prover os cargos referentes ao Ministério Público junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas,<br />

cuja estrutura orgânica <strong>de</strong>ve, conforme entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, estar<br />

ligada ao próprio Tribunal <strong>de</strong> Contas.12<br />

Essa ampliação das funções do Tribunal <strong>de</strong> Contas engloba a fiscalização contábil,<br />

financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das pessoas estatais e das entida<strong>de</strong>s<br />

e órgãos <strong>de</strong> sua administração direta e indireta,3 no âmbito <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> cada Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas.<br />

Importante ressaltar, também, que o âmbito <strong>de</strong> fiscalização dos Tribunais <strong>de</strong> Contas<br />

engloba pessoas jurídicas e físicas, públicas e privadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os recursos recebidos<br />

por elas tenham origem estatal, pois a gerência <strong>de</strong> dinheiro público ou a administração<br />

<strong>de</strong> bens, valores ou interesses da comunida<strong>de</strong> obriga à prestação <strong>de</strong> contas, nos termos<br />

do art. 71, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4<br />

2 .6 .4 Trib u n a l <strong>de</strong> C o n t a s e re je iç ã o d e c o n ta s do C h e fe do P o d e r E x e cu tiv o<br />

No or<strong>de</strong>namento jurídico-<strong>constitucional</strong> brasileiro, a competência para julgamento<br />

das contas do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, seja Fe<strong>de</strong>ral, Distrital, Estadual ou Municipal, é<br />

exclusiva do Po<strong>de</strong>r Legislativo respectivo. Dessa forma, nessa hipótese, a função do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas é opinativa, atuando como órgão auxiliar do Parlamento.<br />

Assim, apesar <strong>de</strong> caber ao Tribunal <strong>de</strong> Contas a apreciação das contas prestadas<br />

anualmente pelo chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo (CF, arts. 25, 31, 71, inciso I, e 75), somente<br />

ao Po<strong>de</strong>r Legislativo caberá o julgamento das mesmas (CF, art. 49, inciso IX).5<br />

2.7 Estatuto dos congressistas<br />

2.7.1 In tro d u çã o<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece em seu Título IV - “Da organização dos Po<strong>de</strong>res” -<br />

Capítulo I - “Do Po<strong>de</strong>r Legislativo” - Seção V “Dos <strong>de</strong>putados e dos senadores”, regras<br />

instituidoras das imunida<strong>de</strong>s e vedações parlamentares, para que o Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />

como um todo, e seus membros, individualmente, atuem com ampla in<strong>de</strong>pendência e<br />

liberda<strong>de</strong>, no exercício <strong>de</strong> suas funções constitucionais. Tal conjunto <strong>de</strong> regras <strong>de</strong>nominase<br />

estatuto dos congressistas.<br />

1 STF - Pleno - ADI n° 1 .9 9 4 -5 /E S - R e l. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção I, 27 set. 2006, p. 29.<br />

2 S T F - P le n o - A D I n° 798-1/D F - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,19 <strong>de</strong>z. 1994. Conferir<br />

sobre o tema: Capítulo 10, item 5.14.<br />

3 STF - Pleno - Mandado <strong>de</strong> Seguran ça n- 2 1 .4 6 6 /D F - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Brasília, 19 m a io 1993, BTJ<br />

153/151-152. Ver ainda, R TJ1 4 1 /1 0 2 3 (m edida lim in a r).<br />

4 RTJ 160/448.<br />

5 STF - Pleno - Rextr. n° 132.7 4 7 /D F - Rei. Min. Marco Aurélio, RTJ 157/989.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 455<br />

São diversas as prerrogativas e vedações constitucionais previstas pela Carta Magna<br />

aos membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo, todas como garantias <strong>de</strong> existência e in<strong>de</strong>pendência do<br />

próprio Parlamento.1Des<strong>de</strong> as tradicionais imunida<strong>de</strong>s material (art. 53, caput) e formal<br />

(art. 53, §§ 2-, 3a, 4- e 5a) até as prerrogativas <strong>de</strong> foro (art. 53, § I a), <strong>de</strong> serviço militar<br />

(art. 53, § 7- e 143), vencimentos (art. 49, VII) e isenção do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> testemunhar (art.<br />

53, § 6a) e as incompatibilida<strong>de</strong>s (art. 54).<br />

A doutrina, não raramente, refere-se às imunida<strong>de</strong>s ou prerrogativas parlamentares<br />

também como inviolabilida<strong>de</strong>s.<br />

Rodrigo Octávio aponta a <strong>de</strong>nominação imunida<strong>de</strong> preferível à inviolabilida<strong>de</strong> parlamentar<br />

“que implica a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> estar o representante da nação fora da ação da lei”.12 Na<br />

verda<strong>de</strong>, a inviolabilida<strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> à exclusão da punibilida<strong>de</strong>, referindo-se, somente,<br />

a alguns <strong>de</strong>litos (imunida<strong>de</strong> material), enquanto a imunida<strong>de</strong> é causa que po<strong>de</strong> impedir o<br />

prosseguimento do processo, caso haja a sustação do andamento da ação penal (imunida<strong>de</strong><br />

formal), conforme veremos adiante.<br />

Assim, a inviolabilida<strong>de</strong> acarretará a irresponsabilida<strong>de</strong> da conduta, enquanto a<br />

imunida<strong>de</strong> impedirá o livre <strong>de</strong>senvolvimento do processo, suspen<strong>de</strong>ndo a prescrição.3<br />

E<br />

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PRERROGATIVAS<br />

IMUNIDADES<br />

(CAPUT)<br />

(ART. 53) l— ^FORM AL PÍUSÃ0 í§<br />

I— ►PROCESSO (§§ 3°, 4a, 5®)<br />

FORO ESPECIAL (ART. 53, § P )<br />

ISENÇÃO DO DEVER DE TESTEMUNHAR (A R T 53, § 6a)<br />

SERVIÇO MILITAR (A R T 53, § 7fl)<br />

VENCIMENTOS (ART. 49, V II)<br />

VEDAÇÕES OU INCOMPATIBILIDADES (A R T 54)<br />

S<br />

T<br />

A<br />

S<br />

2.7.2 Finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática<br />

Na in<strong>de</strong>pendência harmoniosa que rege o princípio da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, as<br />

imunida<strong>de</strong>s parlamentares são institutos <strong>de</strong> vital importância, visto buscarem, priorita­<br />

1 RUFFIA, Paolo Biscaretti. Op. cit. p. 303-305.<br />

2 OCTÁVIO, Rodrigo. Elementos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público e <strong>constitucional</strong> brasileiro. Op. cit. p. 37.<br />

3 CERNICCHIARO, Lu iz Vicente; COSTA JR., Paulo José da. Direito penal na constituição. 3. ed. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1995. p. 204.


456 Direito Constitucional • Moraes<br />

riamente, a proteção dos parlamentares, no exercício <strong>de</strong> suas nobres funções, contra os<br />

abusos e pressões dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res; constituindo-se, pois, um <strong>direito</strong> instrumental <strong>de</strong><br />

garantia <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> opiniões, palavras e votos dos membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />

bem como <strong>de</strong> sua proteção contra prisões arbitrárias e processos temerários.<br />

Assim, para o bom <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> seus mandatos, será necessário que o parlamento<br />

ostente ampla e absoluta liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convicção, pensamento e ação, por meio <strong>de</strong> seus<br />

membros, afastando-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficar vulnerável às pressões dos outros po<strong>de</strong>res<br />

do Estado.<br />

Dessa forma, imprescindível a existência das imunida<strong>de</strong>s parlamentares à prática da<br />

<strong>de</strong>mocracia, significando verda<strong>de</strong>ira condição <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Legislativo em<br />

face dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res e garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento, palavra e opinião, sem a<br />

qual inexistirá Po<strong>de</strong>r Legislativo in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônomo, que possa representar, com<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e coragem, os interesses do povo e do país, pois, e é sempre importante ressaltar,<br />

estas imunida<strong>de</strong>s não dizem respeito à figura do parlamentar, mas à função por ele exercida,<br />

no intuito <strong>de</strong> resguardá-la da atuação do Executivo ou do Judiciário, consagrando-se<br />

como garantia <strong>de</strong> sua in<strong>de</strong>pendência perante outros po<strong>de</strong>res constitucionais.<br />

Não prosperam, pois, assertivas sobre o eventual afastamento e <strong>de</strong>srespeito do princípio<br />

da igualda<strong>de</strong> (art. 52,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral), como já visto anteriormente no<br />

capítulo inicial, em favor dos membros do Po<strong>de</strong>r Legislativo, uma vez que a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stas prerrogativas é a subsistência da <strong>de</strong>mocracia e do próprio Estado <strong>de</strong> Direito.<br />

Na questão posta em estudo, a finalida<strong>de</strong> acolhida pelo <strong>direito</strong> - <strong>de</strong>f esa da <strong>de</strong>mocracia<br />

e da existência e in<strong>de</strong>pendência do Parlamento - afasta qualquer alegação <strong>de</strong> discriminação<br />

abusiva em favor dos parlamentares, conforme já estudado anteriormente.<br />

2 .7.3 H istó ric o<br />

A criação das imunida<strong>de</strong>s parlamentares como corolário da <strong>de</strong>fesa da livre existência e<br />

in<strong>de</strong>pendência do Parlamento tem no sistema <strong>constitucional</strong> inglês sua origem, através da<br />

proclamação do duplo princípio da freedom ofspeach (liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> palavra) e da freedom<br />

from arrest (imunida<strong>de</strong> à prisão arbitrária), no Bill ofRights <strong>de</strong> 1688, os quais proclamaram<br />

que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate ou <strong>de</strong> troca <strong>de</strong> opiniões no Parlamento não<br />

po<strong>de</strong> ser impedida ou posta em questão em qualquer corte ou lugar fora do Parlamento.<br />

Importante relembrar que foi basicamente o <strong>direito</strong> europeu que consolidou as<br />

imunida<strong>de</strong>s parlamentares, dando-lhes os contornos atuais, porém, elas não passaram<br />

<strong>de</strong>spercebidas do povo romano, pois eram intangíveis, invioláveis (sacrosancta) as pessoas<br />

dos tribunos e dos edis, seus auxiliares; tendo o povo romano outorgado-lhes por lei essa<br />

inviolabilida<strong>de</strong> e, para torná-la irrevogável, santificou-a com um juramento (lessacrata),<br />

punindo com a pena <strong>de</strong> morte os atentados contra esta regulamentação. Esta inviolabilida<strong>de</strong><br />

do tribuno garantia-lhe no exercício das suas funções ou fora <strong>de</strong>las e obstava a que<br />

ele pu<strong>de</strong>sse ser acusado, preso ou punido.<br />

A jurisprudência e a doutrina norte-americanas, historicamente, pacificaram-se no<br />

sentido <strong>de</strong> a freedom from arrest ser impeditiva <strong>de</strong> prisão tão somente em procedimentos<br />

cíveis. Por sua vez, a freedom ofspeach consi<strong>de</strong>ra que o privilégio pertence à própria Casa<br />

Legislativa, a qual se encarrega <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-lo, geralmente através da constituição <strong>de</strong> co­


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 5 7<br />

missão parlamentar <strong>de</strong> inquérito. Em relação à abrangência, também a origem histórica<br />

do instituto aponta que somente as palavras e os votos proferidos <strong>de</strong>ntro do recinto das<br />

sessões ou das comissões é que são cobertos pela imunida<strong>de</strong> material, inclusive se o pronunciamento<br />

for consi<strong>de</strong>rado perigoso à segurança do Estado.<br />

Posteriormente, as imunida<strong>de</strong>s parlamentares foram inscritas <strong>constitucional</strong>mente<br />

na Carta Magna dos Estados Unidos da América (17-9-1787) afirmando:<br />

“Em nenhum caso, exceto traição, felonia e violação da paz, eles (senadores e<br />

representantes) po<strong>de</strong>rão ser presos durante sua frequência às sessões <strong>de</strong> suas<br />

respectivas Câmaras, nem quando a elas se dirigirem, ou <strong>de</strong>las retornarem; e não<br />

po<strong>de</strong>rão ser incomodados ou interrogados, em qualquer outro lugar, por discursos<br />

ou opiniões emitidos em uma ou outra Câmara” (art. I o, seção 6).<br />

Anote-se ainda que na França, em 23 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1789, houve nova proclamação<br />

das imunida<strong>de</strong>s, ante a ameaça <strong>de</strong> dissolução do Terceiro Estado; a assembléia <strong>de</strong>cretou<br />

a inviolabilida<strong>de</strong> dos seus membros e <strong>de</strong>clarou “traidor, infame e digno <strong>de</strong> morte quem<br />

pusesse a mão sobre eles”.<br />

Mo<strong>de</strong>rnamente, quase todas as Constituições preveem as garantias <strong>de</strong> livre exercício<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo. Assim, por exemplo, a da França, <strong>de</strong> 1958, no art. 26 e a Lei Fundamental<br />

da República Fe<strong>de</strong>ral da Alemanha, no art. 46, que, porém, como informa Pinto<br />

Ferreira, “exclui a injúria e a calúnia da esfera da inviolabilida<strong>de</strong>”.1O mesmo se dava<br />

na Constituição Fe<strong>de</strong>ral da antiga Alemanha Oriental, on<strong>de</strong> o art. 67, 1, segunda parte,<br />

afirma não incidir quanto às calúnias, no sentido do Código Penal, a regra jurídica da<br />

inviolabilida<strong>de</strong>, se comissão <strong>de</strong> inquérito da Câmara Popular as consi<strong>de</strong>rasse como tais.12<br />

No Brasil, a Constituição Imperial <strong>de</strong> 1824 concedia aos membros do Parlamento<br />

as inviolabilida<strong>de</strong>s pelas opiniões, palavras e votos que proferissem no exercício <strong>de</strong> suas<br />

funções, bem como a garantia do parlamentar não ser preso durante a legislatura, por<br />

autorida<strong>de</strong> alguma, salvo por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sua respectiva Câmara, menos em flagrante <strong>de</strong>lito<br />

<strong>de</strong> pena capital. Além disto, previa-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licença da casa respectiva para o<br />

prosseguimento da ação penal.<br />

Assim, textualmente, previa a Constituição <strong>de</strong> 25-3-1824: “Art. 26. Os Membros <strong>de</strong><br />

cada uma das Camaras são invioláveis pelas opiniões, que proferirem no exercício das<br />

suas funcções. Art. 27. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua <strong>de</strong>putação, po<strong>de</strong><br />

ser preso por Autorida<strong>de</strong> alguma, salvo por or<strong>de</strong>m da sua respectiva Camara, menos em<br />

flagrante <strong>de</strong>licto <strong>de</strong> pena capital. Art. 28. Se algum Senador, ou Deputado for pronunciado,<br />

o Juiz, suspen<strong>de</strong>ndo todo o ulterior procedimento, dará conta à sua respectiva Camara, a<br />

qual <strong>de</strong>cidirá, se o processo <strong>de</strong>va continuar, e o Membro ser, ou não suspenso no exercício<br />

das suas funções.”<br />

A Constituição da República <strong>de</strong> 1891, em seus arts. 19 e 20, previa as imunida<strong>de</strong>s<br />

material e formal, pois os parlamentares eram invioláveis pelas opiniões, palavras e votos,<br />

bem como não po<strong>de</strong>ríam ser presos nem processados criminalmente, sem prévia licença<br />

<strong>de</strong> sua Câmara, salvo caso <strong>de</strong> flagrante em crime inafiançável.<br />

1 FERREIRA, Pinto. Comentários... Op. cit. v. 2, p. 623.<br />

2 M IRAND A, Pontes <strong>de</strong>. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1967. Op. cit. t. IR, art. 34-112.


458 Direito Constitucional • Moraes<br />

Era o seguinte, o texto da Constituição <strong>de</strong> 24-2-1891: “Art. 19. Os <strong>de</strong>putados e senadores<br />

são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato. Art.<br />

20. Os <strong>de</strong>putados e os senadores, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tiverem recebido diploma até à nova eleição,<br />

não po<strong>de</strong>rão ser presos, nem processados crimalmente, sem prévia licença <strong>de</strong> sua Camara,<br />

salvo caso <strong>de</strong> flagrância em crime inafiançável. Neste caso, levado o processo até pronuncia<br />

exclusive, a autorida<strong>de</strong> processante remetterá os autos à Camara respectiva, para resolver<br />

sobre a procedência da accusação, si o accusado não optar pelo julgamento immedito.”<br />

O capítulo II, secção I, da Constituição <strong>de</strong> 1934, em seu art. 31 previa a inviolabilida<strong>de</strong><br />

do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato, enquanto<br />

o art. 32 previa imunida<strong>de</strong>s relacionadas à prisão e ao processo. Curiosamente, estas<br />

imunida<strong>de</strong>s formais eram estendidas ao suplente imediato do Deputado em exercício.<br />

O texto da Constituição <strong>de</strong> 16-7-1934 <strong>de</strong>terminava: “Art. 31. Os <strong>de</strong>putados são invioláveis<br />

por suas opiniões, palavras e votos no exercício das funcções do mandato. Art. 32.<br />

Os <strong>de</strong>putados, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tiverem recebido diploma até a expedição dos diplomas para a<br />

legislatura subsequente, não po<strong>de</strong>rão ser processados criminalmente, nem presos, sem<br />

licença da Camara, salvo caso <strong>de</strong> flagrância em crime inafiançável. Esta immunida<strong>de</strong> é<br />

extensiva ao supplente immediato do Deputado em exercício. § l 2 A prisão em flagrante<br />

<strong>de</strong> crime inafiançável será logo communicada ao Presi<strong>de</strong>nte da Camara dos <strong>de</strong>putados,<br />

com a remessa do auto e dos <strong>de</strong>poimentos tomados, para que ella resolva sobre a sua<br />

legitimida<strong>de</strong> e conveniência, e autorize, ou não, a formação <strong>de</strong> culpa. § 2° Em tempo <strong>de</strong><br />

guerra, os <strong>de</strong>putados, civis ou militares, incorporados às forças armadas por licença da<br />

Camara dos <strong>de</strong>putados, ficarão sujeitos às leis e obrigações militares.”<br />

A Carta <strong>de</strong> 1937 alterou o tratamento das imunida<strong>de</strong>s parlamentares, pois, apesar <strong>de</strong><br />

prevê-las, tanto a material quanto a formal, possibilitava a responsabilização do parlamentar<br />

por difamação, calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime.<br />

Os arts. 42 e 43 da Constituição <strong>de</strong> 10-11-1937 estipulavam, respectivamente, que durante<br />

o prazo em que estiver funcionando o Parlamento, nenhum <strong>de</strong> seus membros po<strong>de</strong>rá<br />

ser preso ou processado criminalmente, sem licença da respectiva Câmara, salvo caso <strong>de</strong><br />

flagrância em crime inafiançável; e que só perante sua respectiva Câmara respon<strong>de</strong>rão os<br />

membros do Parlamento Nacional pelas opiniões e votos que emitirem no exercício <strong>de</strong> suas<br />

funções; não estarão, porém, isentos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> civil e criminal por difamação,<br />

calúnia, injúria, ultraje à moral pública ou provocação pública ao crime. Em seu parágrafo<br />

único, o art. 43 ainda estabelecia que em caso <strong>de</strong> manifestação contrária à existência ou<br />

in<strong>de</strong>pendência da Nação ou incitamento à subversão violenta da or<strong>de</strong>m política ou social,<br />

podia qualquer das Câmaras, por maioria <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>clarar vago o lugar do <strong>de</strong>putado ou<br />

membro do Conselho Fe<strong>de</strong>ral, autor da manifestação ou incitamento.<br />

Em 1946, a Constituição brasileira consagrando regras mais <strong>de</strong>mocráticas, previa as<br />

clássicas prerrogativas parlamentares. Assim, a imunida<strong>de</strong> material foi prevista no art. 44<br />

e as imunida<strong>de</strong>s formais foram previstas no art. 45, <strong>de</strong>terminando-se que os <strong>de</strong>putados<br />

e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos<br />

(art. 44), e que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição do diploma até a inauguração da legislatura seguinte,<br />

os membros do Congresso Nacional não po<strong>de</strong>rão ser presos, salvo em flagrante <strong>de</strong> crime<br />

inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença <strong>de</strong> sua Câmara. No caso<br />

<strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável, os autos serão remetidos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 48 horas, à Câmara<br />

respectiva para que resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação <strong>de</strong> culpa.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 459<br />

A Câmara interessada <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>liberar sempre pelo voto da maioria <strong>de</strong> seus membros.<br />

A Carta ainda previa que em se tratando <strong>de</strong> crime comum, se a licença para o processo<br />

criminal não estivesse resolvida em 120 (cento e vinte) dias, contados da apresentação<br />

do pedido, este seria incluído em or<strong>de</strong>m do dia, para ser discutido e votado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> parecer (acrescentado pela EC ne 9, <strong>de</strong> 22-7-1964).<br />

Em 1967, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou as imunida<strong>de</strong>s material e formal no<br />

art. 34, prevendo a inviolabilida<strong>de</strong> do parlamentar, no exercício do mandato, por suas<br />

opiniões, palavras e votos; bem como a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licença da casa respectiva para a<br />

prisão e processo. Inovou, porém, ao permitir a concessão tácita <strong>de</strong> licença para o processo<br />

<strong>de</strong> parlamentar, ao prever que, se no prazo <strong>de</strong> noventa dias, a contar do recebimento, a<br />

respectiva Câmara não <strong>de</strong>liberasse sobre o pedido <strong>de</strong> licença, o mesmo seria incluído na<br />

Or<strong>de</strong>m do Dia, permanecendo durante 15 sessões ordinárias consecutivas, quando então,<br />

permanecendo a inércia, se teria como concedida a licença.<br />

Assim, afirmava textualmente que os <strong>de</strong>putados e senadores eram invioláveis no<br />

exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos. Além disso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição<br />

do diploma até a inauguração da legislatura seguinte, os membros do Congresso Nacional<br />

não po<strong>de</strong>ríam ser presos, salvo flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável, nem processados criminalmente,<br />

sem prévia licença <strong>de</strong> sua Câmara. No § 2° do referido artigo, porém, estabelecia<br />

que se no prazo <strong>de</strong> 90 dias, a contar do recebimento, a respectiva Câmara não <strong>de</strong>liberasse<br />

sobre o pedido <strong>de</strong> licença, seria este incluído automaticamente em or<strong>de</strong>m do dia e neste<br />

permanecería durante 15 sessões ordinárias consecutivas, tendo-se como concedida a<br />

licença se, nesse prazo, não ocorresse a <strong>de</strong>liberação.<br />

A Emenda nQ1, <strong>de</strong> 17-10-1969, e, posteriormente, a Emenda nQ11, <strong>de</strong> 13-10-1978,<br />

à Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967, alteraram a regulamentação das imunida<strong>de</strong>s parlamentares,<br />

prevendo, em regra, que os <strong>de</strong>putados e senadores eram invioláveis no exercício<br />

do mandato, por suas opiniões, palavras e votos, porém, excepcionalmente po<strong>de</strong>ríam ser<br />

responsabilizados, no caso <strong>de</strong> crime contra a Segurança Nacional. Também era prevista a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão do parlamentar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição do diploma até a inauguração<br />

da legislatura seguinte, salvo no caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável, nem processados,<br />

criminalmente, sem prévia licença <strong>de</strong> sua Câmara, e que, se a Câmara respectiva não se<br />

pronunciasse sobre o pedido, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 40 dias a contar <strong>de</strong> seu recebimento, se teria como<br />

concedida a licença. No caso <strong>de</strong> flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável, os autos <strong>de</strong>veríam ser<br />

remetidos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 48 horas, à Câmara respectiva, para que resolvesse sobre a prisão e<br />

autorizasse ou não a formação da culpa.<br />

A constituição anterior, porém, excetuava das imunida<strong>de</strong>s os crimes contra a Segurança<br />

Nacional, para os quais o processo in<strong>de</strong>pendia <strong>de</strong> licença da respectiva Câmara,<br />

po<strong>de</strong>ndo o Procurador-Geral da República, recebida a <strong>de</strong>núncia e analisando a gravida<strong>de</strong><br />

do <strong>de</strong>lito, requerer a suspensão do exercício do mandato parlamentar, até a <strong>de</strong>cisão final<br />

<strong>de</strong> sua representação pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (EC nfi 1, <strong>de</strong> 17-10-1969).<br />

A redação original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 previa as imunida<strong>de</strong>s material e<br />

formal no art. 53, §§ I a, 2ae 3a, <strong>de</strong>terminando que os <strong>de</strong>putados e senadores eram invioláveis<br />

por suas opiniões, palavras e votos, bem como <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição do diploma não<br />

po<strong>de</strong>ríam ser presos, salvo em flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável, nem processados criminalmente,<br />

sem prévia licença <strong>de</strong> sua Casa. Ainda, disciplinava que, no caso <strong>de</strong> flagrante<br />

<strong>de</strong> crime inafiançável, os autos seriam remetidos, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> vinte e quatro horas, à Casa


4 6 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

respectiva, para que, pelo voto secreto da maioria <strong>de</strong> seus membros, resolvesse sobre a<br />

prisão e autorizasse, ou não, a formação <strong>de</strong> culpa.<br />

A EC n12 35, <strong>de</strong> 20-12-2001, alterando significativamente o regime <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong>s dos<br />

parlamentares, manteve a imunida<strong>de</strong> material e restringiu a imunida<strong>de</strong> formal processual,<br />

como se verá a seguir.<br />

2 .7.4 Con ceito d e im u n id a d e s<br />

As imunida<strong>de</strong>s parlamentares representam elemento prepon<strong>de</strong>rante para a in<strong>de</strong>pendência<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo. São prerrogativas, em face do <strong>direito</strong> comum, outorgadas<br />

pela Constituição aos membros do Congresso, para que estes possam ter bom <strong>de</strong>sempenho<br />

<strong>de</strong> suas funções.<br />

As imunida<strong>de</strong>s são garantias funcionais, normalmente divididas em material e formal,<br />

são admitidas nas Constituições para o livre <strong>de</strong>sempenho do ofício dos membros do<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo e para evitar <strong>de</strong>sfalques na integração do respectivo quorum necessário<br />

para <strong>de</strong>liberação.<br />

2 .7 .5 Im u n id a d e s m a te ria is<br />

A. Definição e natureza Jurídica<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê serem os <strong>de</strong>putados e senadores invioláveis, civil e<br />

penalmente, por quaisquer <strong>de</strong> suas opiniões, palavras e votos (art. 53, caput),1 no que a<br />

doutrina <strong>de</strong>nomina imunida<strong>de</strong> material ou inviolabilida<strong>de</strong> parlamentar.2<br />

A imunida<strong>de</strong> material implica subtração da responsabilida<strong>de</strong> penal, civil, disciplinar<br />

ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras e votos. Explica Nélson Hungria que,<br />

nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se po<strong>de</strong>rá i<strong>de</strong>ntificar, por parte do parlamentar,<br />

qualquer dos chamados crimes <strong>de</strong> opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a<br />

honra, incitamento a crime, apologia <strong>de</strong> criminoso, vilipêndio oral a culto religioso etc.,3 pois<br />

a imunida<strong>de</strong> material exclui o crime nos casos admitidos; o fato típico <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> constituir<br />

crime, porque a norma <strong>constitucional</strong> afasta, para a hipótese, a incidência da norma penaL<br />

Damásio E. <strong>de</strong> Jesus, analisando o tema sob a égi<strong>de</strong> da Carta Anterior, aponta a imunida<strong>de</strong><br />

material como causa funcional <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> pena, e ilustrava que os parlamentares,<br />

“<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que cometido o fato no exercício da função, não respondiam pelos chamados<br />

<strong>de</strong>litos <strong>de</strong> opinião ou <strong>de</strong> palavra”, concluindo que “nestes casos, diante da imunida<strong>de</strong><br />

penal, os <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e os senadores ficavam livres do inquérito policial e<br />

do processo criminal”.4<br />

1 A redação atual do art. 53, caput, da CF fo i dada pela EC n° 35/01.<br />

2 Cf. estudo sobre imunida<strong>de</strong>s materiais, realizado n o <strong>de</strong>spacho do Min. Nelson Jobim: STF - Inquérito n a<br />

1.296-3, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 ago. 1997, p. 36.779.<br />

3 HUNGRIA, N elson Comentários ao código penal. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1978. v. 1 , 1.1, p. 188.<br />

4 JESUS, Damásio E. Questões criminais. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 53.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 6 1<br />

Em relação à natureza jurídica da imunida<strong>de</strong> material, salienta o Ministro Celso <strong>de</strong><br />

Mello tratar-se<br />

“a imunida<strong>de</strong> material ou real, <strong>de</strong> causa justificativa (exclu<strong>de</strong>nte da antijuridicida<strong>de</strong><br />

da conduta típica), ou <strong>de</strong> causa exclu<strong>de</strong>nte da própria criminalida<strong>de</strong>, ou, ainda,<br />

<strong>de</strong> mera causa <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> pena, o fato é que, nos <strong>de</strong>litos contra a honra objetiva<br />

(calúnia e difamação) ou contra a honra subjetiva (injúria), praticados em razão<br />

do mandato parlamentar, tais condutas não mais são puníveis”.1<br />

Dessa forma, Pontes <strong>de</strong> Miranda (Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1967), Nélson Hungria<br />

(Comentários ao Código Penal), e José Afonso da Silva (Curso <strong>de</strong> Direito Constitucional<br />

Positivo) enten<strong>de</strong>m-na como uma causa exclu<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> crime, Basileu Garcia (Instituições <strong>de</strong><br />

Direito Penal), como causa que se opõe à formação do crime; Damásio <strong>de</strong> Jesus (Questões<br />

Criminais), causa funcional <strong>de</strong> exclusão ou isenção <strong>de</strong>pena; Aníbal Bruno (Direito Penal),<br />

causa pessoal e funcional <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> pena; Heleno Cláudio Fragoso (Lições <strong>de</strong> Direito<br />

Penal) consi<strong>de</strong>ra-a causa pessoal <strong>de</strong> exclusão <strong>de</strong> pena; Magalhães Noronha (Direito Penal)<br />

causa <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong>; José Fre<strong>de</strong>rico Marques (Tratado <strong>de</strong> Direito Penal), causa <strong>de</strong><br />

incapacida<strong>de</strong> penal por razões políticas.<br />

B. Abrangência da Imunida<strong>de</strong> material<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da posição adotada, em relação à natureza jurídica da imunida<strong>de</strong>,<br />

importa ressaltar que da conduta do parlamentar (opiniões, palavras e votos) não<br />

resultará responsabilida<strong>de</strong> criminal, qualquer responsabilização por perdas e danos,12<br />

nenhuma sanção disciplinar, ficando a ativida<strong>de</strong> do congressista, inclusive, resguardada<br />

da responsabilida<strong>de</strong> política,3 pois trata-se <strong>de</strong> cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> geral <strong>de</strong><br />

Direito Constitucional material; po<strong>de</strong>ndo, inclusive, ser reconhecida <strong>de</strong> ofício pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário.4<br />

Essa é a lição <strong>de</strong> Raul Machado Horta que, citando farta doutrina francesa, expõe:<br />

“A inviolabilida<strong>de</strong> obsta apropositura <strong>de</strong> ação civil ou penal contra o parlamentar, por<br />

motivo <strong>de</strong> opinião ou votos proferidos no exercício <strong>de</strong> suas funções. Ela protege,<br />

igualmente, os relatórios e os trabalhos nas Comissões. É absoluta, permanente,<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública. A inviolabilida<strong>de</strong> é total. As palavras e opiniões sustentadas no<br />

exercício do mandato ficam excluídas <strong>de</strong> ação repressiva ou con<strong>de</strong>natória, mesmo<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> extinto o mandato. É a insindacabilità das opiniões e dos votos, no exercí-<br />

1 MELLO FILHO, José Celso. A imunida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>putados estaduais. Justitia, 43/114.<br />

2 Nesse sentido, <strong>de</strong>terminando a extinção <strong>de</strong> processo sem julgam ento <strong>de</strong>m érito, em q u ese pleiteava in<strong>de</strong>nização<br />

por danos morais contra atos praticados por <strong>de</strong>putada fed eral no exercício das funções, <strong>de</strong>cidiu o Plenário<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “A imunida<strong>de</strong> parlamentar prevista no art. 53, caput, da CF (Os <strong>de</strong>putados e<br />

Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos) alcança a responsabilida<strong>de</strong> civil <strong>de</strong>corrente dos atos<br />

praticados por parlamentares no exercício <strong>de</strong> suas funções” (STF - Pleno - Rextr. ns 210.907/RJ - Rei. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 12 ago. 1998 -Inform ativo S TFns 118, ago. 1998). Conferir, ainda: S T F - P e tn s<br />

3686/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 28-8-2006 - Informativo STF n° 438.<br />

3 RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Op. cit. p. 348. Conferir sobre a abrangência <strong>de</strong>ssa imunida<strong>de</strong>: F T J 161/777.<br />

4<br />

S T J - 4‘ T. - R e s p 734218/PPB - Rei. Min. Luís Felipe Salomão, <strong>de</strong>cisão: 28-6-2011.


462 Direito Constitucional • Moraes<br />

d o do mandato, que imuniza o parlamentar em face <strong>de</strong> qualquer responsabilida<strong>de</strong>:<br />

penal, dvil, administrativa, e que perdura após o término do próprio mandato.” 1<br />

Como salientado por Pontes <strong>de</strong> Miranda, ao analisar o art. 44, caput, da Constituição<br />

dos Estados Unidos do Brasil, <strong>de</strong> 1946, <strong>de</strong> idêntico enunciado ao atual art. 53 da<br />

CF/88,12 “não se admite o processo porque não há crime; nem cabe a responsabilida<strong>de</strong> por<br />

perdas e danos, porque a irresponsabilida<strong>de</strong> do art. 44 é geral, <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong><br />

material e, pois, compreensiva da irresponsabilida<strong>de</strong> penal e da irresponsabilida<strong>de</strong> civil”.3<br />

Nesse sentido, texto expresso da Constituição da República Portuguesa, com redação<br />

dada pela quarta revisão <strong>constitucional</strong> - Lei Constitucional ne 1, publicada no dia 20<br />

<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1997, que em seu art. 157 prevê que os <strong>de</strong>putados não respon<strong>de</strong>m civil,<br />

criminal ou disciplinarmente pelos votos ou opiniões que emitirem no exercício das suas<br />

funções.<br />

Comentando o assunto, que encontrava-se no antigo art. 160 da Constituição da<br />

República Portuguesa, com redação dada pela Lei Constitucional ne 01/89, porém, <strong>de</strong><br />

idêntico teor ao do atual art. 157 da Carta Portuguesa, Canotilho e Moreira afirmavam<br />

que “a irresponsabilida<strong>de</strong> implica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que os <strong>de</strong>putados não incorrem em responsabilida<strong>de</strong><br />

criminal, por causa <strong>de</strong> votos e opiniões, nem pelos chamados crimes <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> nem por quaisquer outros, inclusive os crimes <strong>de</strong> injúria. Também não<br />

incorrem em qualquer responsabilida<strong>de</strong> civil ou disciplinar com fundamento nos votos<br />

ou opiniões”, para então concluírem que, “além da irresponsabilida<strong>de</strong> criminal, civil e<br />

disciplinar, os <strong>de</strong>putados gozam naturalmente também <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> política, não<br />

po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>stituídos nem pelos eleitores nem pelos partidos pelos quais foram eleitos”.4<br />

Esse entendimento foi corroborado pela EC n2 35, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, que<br />

expressamente passou a prever a exclusão da responsabilida<strong>de</strong> civil do parlamentar por<br />

suas opiniões, palavras e votos.<br />

Em síntese, a imunida<strong>de</strong> material é prerrogativa concedida aos parlamentares para<br />

o exercício <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> com a mais ampla liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação, por meio <strong>de</strong><br />

palavras, discussão, <strong>de</strong>bate e voto; tratando-se, pois, a imunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong><br />

funcional do congressista, que não po<strong>de</strong> ser processado judicial ou disciplinarmente<br />

pelos votos que emitiu ou pelas palavras que pronunciou no Parlamento ou<br />

em uma das suas comissões.<br />

A imunida<strong>de</strong> parlamentar material só protege o congressista nos atos, palavras, opiniões<br />

e votos proferidos no exercício do ofício congressual, sendo passíveis <strong>de</strong>ssa tutela<br />

jurídico-<strong>constitucional</strong> apenas os comportamentos parlamentares cuja prática possa ser<br />

imputável ao exercício do mandato legislativo.5 A garantia da imunida<strong>de</strong> material esten<strong>de</strong>-<br />

1 HORTA, Raul Machado. Estudos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 597, cita inúmeros<br />

doutrinadores nesse sentido: Léon Duguit, Julien Laferrière, Roger Pinto, M arcei Prélot, Joseph Barthélemy.<br />

2 CF/46 - art. 44. Os Deputados e os Senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões,<br />

palavras e votos; CF/88 - art. 53 - Os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.<br />

3 Comentários à constituição <strong>de</strong> 1946. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Henrique Cahen, 1946. v. 2. p. 30.<br />

4 Constituição.. Op. cit. p. 638.<br />

5 STF - Pleno - Inquérito n° 203 6/PA - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 23-6-2004, Informativo STF n° 353, p. 1.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 463<br />

-se ao <strong>de</strong>sempenho das funções <strong>de</strong> representante do Po<strong>de</strong>r Legislativo, qualquer que seja<br />

o âmbito <strong>de</strong>ssa atuação - parlamentar ou extraparlamentar - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que exercida ratione<br />

muneris.1<br />

Dessa forma, estão excluídas as manifestações que não guar<strong>de</strong>m pertinência temática<br />

com o exercício do mandato parlamentar.12<br />

O Pretório Excelso tem acentuado que a prerrogativa <strong>constitucional</strong> da imunida<strong>de</strong><br />

parlamentar em sentido material protege o parlamentar em todas as suas manifestações<br />

que guar<strong>de</strong>m relação com o exercício do mandato, ainda que produzidas fora do recinto<br />

da própria Casa Legislativa,3 ou, com maior razão, quando exteriorizadas no âmbito do<br />

Congresso Nacional.4<br />

Da mesma forma, o <strong>de</strong>poimento prestado por membro do Congresso Nacional a uma<br />

Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito5 está protegido pela cláusula <strong>de</strong> inviolabilida<strong>de</strong> que<br />

tutela o legislador no <strong>de</strong>sempenho do seu mandato, especialmente quando a narração<br />

dos fatos, ainda que veiculadora <strong>de</strong> supostas ofensas morais, guarda íntima conexão com<br />

o exercício do ofício legislativo e com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecer os episódios objeto da<br />

investigação parlamentar.6<br />

No tocante à extensão da imunida<strong>de</strong> material, serão beneficiados os parlamentares,<br />

nunca as pessoas que participam dos trabalhos legislativos, sem contudo exercerem<br />

mandato. Esta extensão, porém, é absoluta e perpétua, não po<strong>de</strong>ndo o parlamentar ser<br />

responsabilizado por seus votos, palavras e opiniões praticados no exercício do mandato,<br />

mesmo <strong>de</strong>pois que tenha cessado o seu mandato.<br />

Além disto, a imunida<strong>de</strong> material é <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, razão pela qual o congressista<br />

não po<strong>de</strong> renunciá-la, e cobre ainda a publicida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>bates parlamentares, tornando<br />

irresponsável o jornalista que as tenha reproduzido, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se limite a reproduzir na<br />

íntegra ou em extrato fiel o que se passou no Congresso.<br />

Necessário, neste sentido, trazer à colação a lição <strong>de</strong> Celso <strong>de</strong> Mello, para quem<br />

“o instituto da imunida<strong>de</strong> parlamentar atua, no contexto normativo <strong>de</strong>lineado por<br />

nossa Constituição, como condição e garantia <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />

seu real <strong>de</strong>stinatário, em face dos outros Po<strong>de</strong>res do Estado. Esten<strong>de</strong>-se ao<br />

congressista, embora não constitua uma prerrogativa <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subjetiva <strong>de</strong>ste.<br />

Trata-se <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> caráter institucional inerente ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, que<br />

só é conferida ao parlamentar ratione muneris, em função do cargo e do mandato<br />

1 Trecho do voto do Ministro-relator, Celso <strong>de</strong> M ello in R TJ155/399.<br />

2 STF - Pleno - Inq. n “ 1.344/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 7-8-02. I n fo r m a t iv o STF n° 276. STF<br />

- Pleno - Inq. n° 1.905/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 29-4-2004. In fo r m a t iv o STF n - 346; STF - 2 a<br />

Tiirma - Rextr. n“ 226.643/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, I n fo r m a t iv o STF 355, p. 4,<br />

3 KTJ131/1039;RTJ, 135/509; RT 648/318; Inq. n ° 5 10-0-DF, R ei. M in . C elso <strong>de</strong> M ello, Pleno, RTJ 135/509;<br />

Inq. n,J390-5-RO (Q u estão <strong>de</strong> O rd em ), Rei. Min. Sepúlveda Pertence, P le n o ,R T 648/318; Inq. nQ396-4-DF<br />

(Questão <strong>de</strong> O r<strong>de</strong>m ), R ei. M in. Octávio Gallotti, Plen o, RTJ 131/1039; RTJ 133/90, Rei. Min. Pau lo Brossard.<br />

4 RTJ 133/90.<br />

5 STF - Queixa-crime na 681-SP, questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m , Tribunal Pleno, R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello ; RTJ 155/396.<br />

6 RTJ 155/396.


464 Direito Constitucional • Moraes<br />

que exerce. É por essa razão que não se reconhece ao congressista, em tema <strong>de</strong><br />

imunida<strong>de</strong> parlamentar, a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a ela renunciar. Trata-se <strong>de</strong> garantia institucional<br />

<strong>de</strong>ferida ao Congresso Nacional. O congressista, isoladamente consi<strong>de</strong>rado,<br />

não tem, sobre a garantia da imunida<strong>de</strong>, qualquer po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> disposição”.1<br />

C. Exercício do mandato parlamentar<br />

A imunida<strong>de</strong> material exige relação entre as condutas praticadas pelo parlamentar e<br />

o exercício do mandato. Assim, haverá integral aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta inviolabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que as palavras, votos e opiniões <strong>de</strong>corram do <strong>de</strong>sempenho das funções parlamentares,<br />

e não necessariamente exige-se que sejam praticadas nas comissões ou no plenário do<br />

Congresso Nacional.<br />

Ressalte-se, porém, ainda, que as manifestações dos parlamentares forem feitas fora<br />

do exercício estrito do mandato, mas, em consequência <strong>de</strong>ste, estarão abrangidas pela<br />

imunida<strong>de</strong> material.12<br />

D. Pressupostos<br />

Em síntese final, a imunida<strong>de</strong> material apresenta certos pressupostos, para que afaste<br />

a incidência <strong>de</strong> ilícito à conduta do parlamentar, isentando-o <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> penal,<br />

civil, administrativa e política, por suas palavras, votos e opiniões no exercício do mandato.<br />

Primeiramente, refere-se somente a atos funcionais, ou seja, a atos praticados por<br />

parlamentares, por meio <strong>de</strong> opiniões, palavras ou votos, no exercício <strong>de</strong> suas funções e<br />

sobre matéria parlamentar. Além disso, a imunida<strong>de</strong> material possui eficácia temporal<br />

permanente ou absoluta, <strong>de</strong> caráter perpétuo, pois pressupondo a inexistência da infração<br />

penal ou ilícito civil, mesmo após o fim <strong>de</strong> sua legislatura, o parlamentar não po<strong>de</strong>rá ser<br />

investigado, incriminado ou responsabilizado.<br />

2.7.6 Im u n id a d e fo rm a l - d e fin içã o h is tó ric a<br />

Imunida<strong>de</strong> formal é o instituto que garante ao parlamentar a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />

ou permanecer preso ou, ainda, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustação do andamento da ação penal<br />

por crimes praticados após a diplomação.3<br />

Na vigência da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967, com as alterações da EC ne 1/69, po<strong>de</strong>ría<br />

o parlamentar ser processado, mas, iniciada a ação penal, seu prosseguimento ficava<br />

na <strong>de</strong>pendência da licença <strong>de</strong> seus pares. Raramente, porém, a licença era concedida,<br />

igualando-se as formas <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> parlamentar material com a formal. Em virtu<strong>de</strong> disto,<br />

a EC nfi 22, <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1982, alterou o conteúdo das chamadas imunida<strong>de</strong>s parlamentares,<br />

<strong>de</strong>terminando que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição do diploma até a inauguração da legislatura<br />

seguinte, os Membros do Congresso Nacional não po<strong>de</strong>ríam ser presos, salvo flagrante<br />

<strong>de</strong> crime inafiançável, tendo sido extinta a licença da Casa respectiva como condição <strong>de</strong><br />

prosseguibilida<strong>de</strong> da açãopenal contra congressista, <strong>de</strong> maneira que, oferecida a <strong>de</strong>núncia<br />

1 Trecho do voto do Ministro-relator, Celso <strong>de</strong> M ello in RTJ 155/399.<br />

2 RTJ 149/692.<br />

3 Cf. nova redação do art. 53 dada pela EC n° 35/01.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 465<br />

ou a queixa, seu recebimento não estava mais condicionado a licença da Câmara ou do<br />

Senado para eventual continuação do procedimento criminal. O legislador reformador,<br />

tendo inovado em matéria <strong>de</strong> prerrogativas, <strong>de</strong>terminou que nos crimes comuns, imputáveis<br />

a <strong>de</strong>putados e senadores, a Câmara respectiva, por maioria absoluta, po<strong>de</strong>ria, a<br />

qualquer momento, por iniciativa da Mesa, sustar o processo. Salientava, na análise das<br />

alterações constitucionais, Damásio E. <strong>de</strong> Jesus, que<br />

“Sustar significa impedir <strong>de</strong> continuar, fazer parar, interromper, sobrestar (Aulete<br />

e Pedro Orlando). Não criou o legislador <strong>constitucional</strong> uma causa <strong>de</strong> extinção<br />

do processo, mas <strong>de</strong> sua suspensão (...) Assim, iniciado o procedimento criminal,<br />

po<strong>de</strong>rá a Câmara ou o Senado impedir seu prosseguimento. Essa causa <strong>de</strong> sobrestamento<br />

da ação penal tem o mesmo efeito da antiga negativa <strong>de</strong> licença. A <strong>de</strong>liberação<br />

da Casa do Congresso impe<strong>de</strong> que o processo tenha seguimento. Entretanto,<br />

cessada, por qualquer motivo, a investidura do mandato, como seu término ou<br />

eventual cassação, o parlamentar per<strong>de</strong> a prerrogativa processual, <strong>de</strong> modo que a<br />

ação penal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ainda não alcançada a pretensão punitiva pela prescrição,<br />

po<strong>de</strong> prosseguir. A causa <strong>de</strong> sobrestamento do processo está subordinada a duas<br />

condições: l 5) <strong>de</strong>liberação pela maioria absoluta do Senado ou da Câmara; 2â)<br />

iniciativa da Mesa”.1<br />

Não seguindo a tendência anterior, a redação original do art. 53 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 consagrou a dupla imunida<strong>de</strong> formal, uma em relação à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> prisão, outra em relação à instauração do processo.<br />

A EC n- 35/01, alterando a redação do art. 53 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, manteve a<br />

imunida<strong>de</strong> formal em relação à prisão e alterou significativamente a imunida<strong>de</strong> formal<br />

processual.<br />

Hrí;FA]-N IMPOSSIBILIDADE<br />

_ PRISÃO EM FLAGRANTE POR<br />

|EXCEÇÃO |- » CRIME INAFIANÇiVl^I<br />

L |ANÁLISE PELA CASA LEGISLATIVA |<br />

CRIMES PRATICADOS<br />

ANTES DA DIPLOMAÇÃO<br />

INEXISTE<br />

' IMUNIDADE<br />

CRIMES PRATICADOS<br />

[APÓS ' S A<br />

DIPLOMAÇÃO<br />

EXISTE<br />

IMUNIDADE<br />

POSSIBILIDADE DE<br />

h SUSPENSÃO DA<br />

AÇÃO PENAL<br />

I^ H U E M ü U ü<br />

n U lL Z W A<br />

1<br />

JESUS, Damásio E. Questões... Op. cit. p. 57.


466 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, os parlamentares, salvo nas hipóteses anteriormente estudadas <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong><br />

material, estão submetidos às mesmas leis que os outros indivíduos em face do princípio<br />

da igualda<strong>de</strong>, tendo <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r como estes por seus atos criminosos, mas, no interesse<br />

público, convém que eles não sejam afastados ou subtraídos <strong>de</strong> suas funções legiferantes<br />

por processos judiciais arbitrários ou vexatórios, emanados <strong>de</strong> adversário político, ou<br />

governo arbitrário.<br />

Consequentemente, esta prerrogativa protegerá os parlamentares contra a violência<br />

dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res constitucionais ou dos indivíduos em geral.<br />

Analisaremos, primeiramente, a imunida<strong>de</strong> em relação à prisão, <strong>de</strong>limitando sua<br />

abrangência, para, posteriormente, estudarmos a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustação do andamento<br />

da ação penal por crime praticado por parlamentar após a diplomação.<br />

2 .7 .7 Im u n id a d e form al em re la çã o à p risã o<br />

No tocante à freedom from arrest norte-americana e inglesa, a praxe, a jurisprudência<br />

e a doutrina alienígenas são pacíficas no sentido <strong>de</strong> ser ela impeditiva somente <strong>de</strong> prisão<br />

civil, não tutelando<br />

“as prisões em razão da prática <strong>de</strong> crimes ou, pelo menos, em relação aos crimes<br />

mais graves, nem tampouco quanto às prisões preventivas ou prisão sem julgamento,<br />

por <strong>de</strong>terminação do governo por motivo <strong>de</strong> segurança, nos termos da lei<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do país, po<strong>de</strong>ndo-se concluir que a instituição da imunida<strong>de</strong> teve fundamentalmente<br />

o objetivo <strong>de</strong> impedir a prisão por dívidas, frequentes antigamente<br />

no <strong>direito</strong> inglês”.1<br />

Dessa forma, a imunida<strong>de</strong> formal inglesa transformou-se em “relíquia histórica”, por<br />

ser um absurdo cultural-político para os ingleses<br />

“pensar-se na ocorrência <strong>de</strong> prisões por motivos odiosos <strong>de</strong> perseguição política,<br />

o que seria intolerável para o simples cidadão e, com maior razão, para qualquer<br />

representante com assento no Parlamento inglês”.<br />

Neste passo, a garantia pátria, consagrada <strong>constitucional</strong>mente, difere <strong>de</strong> suas origens<br />

históricas, por sua maior abrangência, pois a imunida<strong>de</strong> formal abrange prisão penal e<br />

a civil, impedindo sua <strong>de</strong>cretação e execução em relação ao parlamentar, que não po<strong>de</strong><br />

sofrer nenhum ato <strong>de</strong> privação <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, exceto o flagrante <strong>de</strong> crime inafiançável. Assim,<br />

mesmo a prisão civil do parlamentar, nas hipóteses <strong>constitucional</strong>mente permitidas<br />

do <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong> alimentos e do <strong>de</strong>positário infiel, para compeli-lo à restituição dos objetos<br />

ou à satisfação dos alimentos, não po<strong>de</strong>rá ser <strong>de</strong>cretada.<br />

Em regra, portanto, o congressista não po<strong>de</strong>rá sofrer qualquer tipo <strong>de</strong> prisão <strong>de</strong> natureza<br />

penal ou processual, seja provisória (prisão temporária, prisão em flagrante por<br />

crime afiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia, prisão por sentença con<strong>de</strong>natória<br />

1 FALCÃO, Alcino Pinto. Da imunida<strong>de</strong>... Op. cit. p. 7-29.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 6 7<br />

recorrível), seja <strong>de</strong>finitiva (prisão por sentença con<strong>de</strong>natória transitada em julgado), ou<br />

ainda, prisão <strong>de</strong> natureza civil.<br />

Excepcionalmente, porém, o congressista po<strong>de</strong>rá ser preso, no caso <strong>de</strong> flagrante por<br />

crime inafiançável. Nesta hipótese, a manutenção da prisão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> autorização da<br />

Casa respectiva para formação <strong>de</strong> culpa, pelo voto ostensivo e nominal da maioria <strong>de</strong> seus<br />

membros (art. 53, § 2°, CF)<br />

A EC na 35/01 revogou corretamente a previsão existente na redação <strong>constitucional</strong><br />

original que exigia “voto secreto” para <strong>de</strong>liberação sobre a prisão do parlamentar, pois a<br />

votação ostensiva e nominal no julgamento <strong>de</strong> condutas dos agentes políticos é a única<br />

forma condizente com os princípios da soberania popular e da publicida<strong>de</strong> consagrados,<br />

respectivamente, no parágrafo único do art. l e e no art. 37, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

e consagradora da efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Assim, a partir da nova redação, a votação<br />

<strong>de</strong>verá ser ostensiva e nominal.<br />

Ressalte-se, que, em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão do parlamentar em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão judicial com trânsito em julgado, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral posiciona-se pela<br />

sua admissibilida<strong>de</strong>, por enten<strong>de</strong>r que “a garantia jurídico-institucional da imunida<strong>de</strong><br />

parlamentar formal não obsta, observado o due process oflaw, a execução <strong>de</strong> penas privativas<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitivamente impostas aos membros do Congresso Nacional”.2<br />

Conforme exposto supra, não concordamos com essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão, uma<br />

vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não restringe a garantia somente às prisões processuais,<br />

e excetua somente a hipótese <strong>de</strong> prisão em flagrante por crime inafiançável, e, mesmo<br />

assim, submetendo-a a imediata apreciação da Casa Parlamentar. Deve ser relembrada,<br />

por fim, a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa garantia do Po<strong>de</strong>r Legislativo, qual seja, impedir que o parlamentar,<br />

enquanto no exercício <strong>de</strong> seu mandato, seja preso - cautelar ou <strong>de</strong>finitivamente<br />

- sem autorização <strong>de</strong> sua Casa respectiva, evitando-se perseguições políticas dos <strong>de</strong>mais<br />

Po<strong>de</strong>res e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses imporem ausências <strong>de</strong> congressistas em <strong>de</strong>liberações e<br />

votações importantes.<br />

Deve ainda ser ressaltado que o legislador constituinte limitou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prisão também do Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 86) e, nessa hipótese, diferentemente<br />

dos parlamentares, é expressamente autorizada a prisão ap>ós a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito do STF. 1<br />

1 Conferir <strong>de</strong>cisão do STF, que relativizou a norma prevista nos §§ 2a e 3a, do art. 53 do texto <strong>constitucional</strong>,<br />

afastando sua aplicação, no sentido <strong>de</strong> "solução que conduzisse à aplicação efetiva e eficaz <strong>de</strong> todo o sistema<br />

<strong>constitucional</strong>”, uma v e z que, “a situação <strong>de</strong>scrita nos autos evi<strong>de</strong>nciaria absoluta anomalia institucional, jurídica<br />

e ética, uma v e z que praticam ente a totalida<strong>de</strong> dos membros da Assembléia Legislativa do Estado <strong>de</strong> Rondônia<br />

estaria indiciada ou <strong>de</strong>nunciada por crimes relacionados à mencionada organização criminosa, que se ramificaria<br />

por vários órgãos estatais. Assim, tendo em conta essa conjuntura, consi<strong>de</strong>rou-se que os pares do paciente não<br />

disporiam <strong>de</strong> autonom ia suficiente para <strong>de</strong>cidir sobre a sua prisão, porquanto ele seria o suposto chefe <strong>de</strong>ssa<br />

organização. Em consequência, salientou-se que aplicar o pretendido dispositivo <strong>constitucional</strong>, na espécie,<br />

conduziría a resultado oposto ao buscado pelo or<strong>de</strong>nam ento jurídico. Enten<strong>de</strong>u-se, pois, que à excepcionalida<strong>de</strong><br />

do quadro havería <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>r a excepcionalida<strong>de</strong> da form a <strong>de</strong> interpretar e aplicar os princípios e regras<br />

constitucionais, sob pena <strong>de</strong> se prestigiar regra <strong>de</strong> exceção que culminasse na impunida<strong>de</strong> dos parlamentares<br />

(STF - I a T. - H C n 89417/RO —Rei. Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 22-8-2006 - I n fo r m a t iv o STF n -'-371<br />

2<br />

RTJ 70/607 e 135/509.


468 Direito Constitucional • Moraes<br />

2 .7 .8 Im u n id a d e fo rm a l em re la ç ã o ao p r o c e s s o n o s c rim e s p ra tica d o s<br />

a p ó s a d ip lo m a çã o<br />

A. Conceito, forma e abrangência<br />

A EC ne 35/01 inovou substancialmente em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização<br />

penal <strong>de</strong> parlamentares, restringindo a tradicional imunida<strong>de</strong> formal em relação<br />

ao processo.<br />

Não há mais necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização da respectiva Casa Legislativa (Câmara ou<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral) para que possa ser iniciado processo criminal em face do congressista.1<br />

A imunida<strong>de</strong> processual parlamentar refere-se, a partir da EC na 35/01, à possibilida<strong>de</strong><br />

da Casa Legislativa respectiva sustar, a qualquer momento antes da <strong>de</strong>cisão final<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, o andamento da ação penal proposta contra parlamentar por crimes<br />

praticados após a diplomação.<br />

A persecução penal dos parlamentares, portanto, sofrerá tratamento diferenciado,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do momento da prática do crime, da seguinte forma:12<br />

• crimes praticados antes da diplomação: não haverá incidência <strong>de</strong> qualquer<br />

imunida<strong>de</strong> formal em relação ao processo, po<strong>de</strong>ndo o parlamentar ser normalmente<br />

processado e julgado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, enquanto durar<br />

o mandato;<br />

• crimes praticados após a diplomação: o parlamentar po<strong>de</strong>rá ser processado e<br />

julgado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, enquanto durar o mandato, sem necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> qualquer autorização, porém, a pedido <strong>de</strong> partido político com<br />

representação na Casa Legislativa respectiva, esta po<strong>de</strong>rá sustar o andamento da<br />

ação penal pelo voto ostensivo e nominal da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros.<br />

A suspensão da ação penal persistirá enquanto durar o mandato, e acarretará,<br />

igualmente, a suspensão da prescrição.<br />

O termo inicial para incidência da presente imunida<strong>de</strong> formal, portanto, não está<br />

relacionado com a posse, mas sim com a diplomação, pois é nesse momento que se tem a<br />

presunção <strong>de</strong> ter sido validamente eleito o representante, e, então a Constituição o protege,<br />

vedando sua prisão, como analisado anteriormente, e possibilitando a suspensão <strong>de</strong> ações<br />

penais propostas por crimes praticados após esse momento.3<br />

1 Nesse sentido: S T F - Pleno - IN Q O n ° 1.566-1/AC - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I,<br />

22 mar. 2002, p. 32; S T F - P le n o - IQ n° 1.517-2/G O - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, 8 abr. 2002,<br />

p. 4; STF - IQ nu 1.640/MT - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,25 mar. 2002, p. 9; STF<br />

- INQ na 1.637-3/SP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M en o, Informativo STF n° 266, p. 3. Em relação à existência <strong>de</strong> licença<br />

da Casa Legislativa, antes da EC 35/01, conferir: STF - Pleno - Inquérito na 1.518/AC - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,26 ago. 1999, p. 11.<br />

2 STF - Pleno - A I n° 580439/RO - R e t Min. Ellen Gracie, Diário d a Justiça, Seção 1,6 fev. 2006, p . 93.<br />

3 C f. em relação a o m om ento inicial <strong>de</strong> incidência da imunida<strong>de</strong> parlam entar form al (diplom ação): STF - Inquérito<br />

n° 1.504/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello (Informativo S'IF nu 153). Apesar do ju lgado referir-se ao texto<br />

anterior à EC n° 35/01, o prazo inicial continua o mesm o para a análise da incidência ou não da imunida<strong>de</strong>.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 6 9<br />

A diplomação consiste, portanto, no início do vinculum iuris estabelecido entre os<br />

eleitores e os parlamentares, que equivale ao título <strong>de</strong> nomeação para o agente público e<br />

somente incidirá a imunida<strong>de</strong> formal em relação ao processo nos crimes praticados após<br />

sua ocorrência.<br />

A garantia da imunida<strong>de</strong> parlamentar em sentido formal não impe<strong>de</strong> a instauração e<br />

não possibilita a suspensão <strong>de</strong> inquérito policial contra congressista que está sujeito aos<br />

atos <strong>de</strong> investigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária,1<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essas medidas<br />

pré-processuais <strong>de</strong> persecução penal sejam adotadas no âmbito <strong>de</strong> procedimento investigatório<br />

em curso perante órgão judiciário competente, qual seja, o próprio Pretório Excelso.12<br />

Assim, mesmo nos inquéritos policiais instaurados contra parlamentares, inexistirá<br />

o contraditório, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda,<br />

acusado, constituindo-se em mero procedimento administrativo, <strong>de</strong> caráter investigatório,<br />

<strong>de</strong>stinado a subsidiar a atuação do Ministério Público.<br />

Dessa forma, a investigação policial não se processa, em função <strong>de</strong> sua própria natureza,<br />

sob o crivo do contraditório, eis que é somente em juízo que se torna plenamente<br />

exigível o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> observância ao postulado da bilateralida<strong>de</strong> e da instrução criminal<br />

contraditória.<br />

Portanto, não cabe o amplo contraditório em nome do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa no inquérito<br />

policial, que é apenas um levantamento <strong>de</strong> indícios que po<strong>de</strong>rão instruir ou não <strong>de</strong>núncia<br />

formal que po<strong>de</strong>rá ser recebida ou não pelo Juiz, tornando <strong>de</strong>snecessária a incidência da<br />

imunida<strong>de</strong> formal processual.<br />

Terminadas as investigações, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as medidas pré-processuais <strong>de</strong> persecução<br />

penal tenham sido adotadas no âmbito <strong>de</strong> procedimento investigatório em curso perante<br />

o próprio Pretório Excelso, o relator abrirá vistas ao Procurador-Geral da República, nos<br />

casos <strong>de</strong> ação penal pública, para que ofereça <strong>de</strong>núncia, se caso for, em quinze dias, ou se<br />

o indiciado estiver preso, em cinco dias. No caso <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> ação penal <strong>de</strong> iniciativa<br />

privada, o relator <strong>de</strong>terminará seja aguardada a iniciativa do ofendido, ou <strong>de</strong> quem por<br />

lei esteja autorizado a oferecer a queixa.<br />

Após o oferecimento da <strong>de</strong>núncia ou queixa-crime, o relator não mais <strong>de</strong>verá solicitar<br />

licença da Casa respectiva para iniciar o processo, po<strong>de</strong>ndo prosseguir na persecução penal,<br />

nos termos da Lei ne 8.038/90.<br />

A imunida<strong>de</strong> formal processual, alterada pela EG n2 35/01, portanto, não impe<strong>de</strong> o<br />

oferecimento da <strong>de</strong>núncia e seu recebimento pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O procedimento para eventual aplicação da imunida<strong>de</strong> formal processual, todavia,<br />

iniciar-se-á com o recebimento da <strong>de</strong>núncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>verá dar ciência à Casa Legislativa respectiva, para análise <strong>de</strong> eventual<br />

sustação do andamento da ação penal.<br />

A sustação do andamento da ação penal pela Casa Legislativa respectiva <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá<br />

dos seguintes requisitos:<br />

1 STF - Pleno - Recl. na 5 1 1 9/PB - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,15 set. 1995 - Ementário<br />

STF ns 1800 01; STF -In q u érito ns 1.504/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello. Informativo STFna 153; R TJ166/785.<br />

2 STF - Inquérito n° 1.504/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello. Informativo STF n° 153.


470 Direito Constitucional • Moraes<br />

• momento da prática do crime: in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da natureza da infração penal,<br />

somente haverá incidência da imunida<strong>de</strong> formal em relação ao processo quando<br />

tiver sido praticada pelos congressistas após a diplomação;<br />

• termos para sustação do processo criminal: somente po<strong>de</strong>rá ser iniciado o procedimento<br />

pela Casa Legislativa respectiva, se houver ação penal em andamento, ou<br />

seja, após o recebimento da <strong>de</strong>núncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral; persistindo essa possibilida<strong>de</strong> até <strong>de</strong>cisão final ou até o término do<br />

mandato, quando, então, cessarão todas as imunida<strong>de</strong>s;<br />

• provocação <strong>de</strong> partido político com representação da própria Casa Legislativa: importante<br />

ressaltar que não será da ciência do STF à Casa Legislativa respectiva,<br />

informando do início <strong>de</strong> ação penal contra parlamentar por crime praticado<br />

após a diplomação, que iniciará o procedimento para análise da sustação do<br />

processo criminal. Haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provocação <strong>de</strong> partido político com<br />

representação da Casa respectiva. A Casa Parlamentar não po<strong>de</strong>rá, portanto, agir<br />

<strong>de</strong> ofício ou mesmo por provocação <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong> seus membros. A EC ne 35/01<br />

somente conce<strong>de</strong>u legitimida<strong>de</strong> aos partidos políticos para a <strong>de</strong>flagração <strong>de</strong>sse<br />

procedimento, por seus órgãos dirigentes, nos termos <strong>de</strong> seus próprios estatutos;<br />

• prazo para análise do pedido <strong>de</strong> sustação: a Casa Legislativa terá 45 (quarenta<br />

e cinco) dias do recebimento do pedido <strong>de</strong> sustação pela Mesa Diretora, para<br />

votar o assunto, sendo improrrogável esse prazo;<br />

• quórum qualificado para a sustação do processo: o § 3a, do arL 53, exige “voto da<br />

maioria <strong>de</strong> seus membros”, ou seja, para que a Casa Legislativa suspenda o andamento<br />

da ação penal contra parlamentar por crime praticado após a diplomação;<br />

<strong>de</strong>verá obter a maioria absoluta dos votos, que <strong>de</strong>verão ser ostensivos e nominais.<br />

A nova disciplina da imunida<strong>de</strong> formal, em face <strong>de</strong> sua natureza processual, tem<br />

aplicação imediata, permitindo ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o início da ação penal em<br />

relação a todas as infrações penais praticadas por parlamentares, inclusive em relação<br />

àquelas em que a licença - até então exigida - tivesse sido negada.1<br />

No tocante à abrangência da imunida<strong>de</strong> formal, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> licença quaisquer<br />

processos ou medidas <strong>de</strong> natureza cível, administrativa ou disciplinar, ou mesmo procedimentos<br />

criminais em relação a infrações penais praticadas antes da diplomação.<br />

Igualmente, a imunida<strong>de</strong> formal processual não produzirá nenhum efeito em relação<br />

ao prosseguimento <strong>de</strong> processo criminal, nas hipóteses em que, ao tempo <strong>de</strong> sua investidura,<br />

o parlamentar já estivesse sendo processado, em qualquer juízo ou Tribunal. Nessa<br />

1 Nesse sentido: STF - “ Da natureza m eram ente processual do instituto, resulta que a abolição pela EC<br />

35/01 <strong>de</strong> tal condicion am en to da instauração ou do curso do processo é <strong>de</strong> aplica b ilid a d e im ediata, in ­<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntem ente da in dagação sobre a eficácia tem p oral das em endas à Constituição: em consequência,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação da EC 35/01, tornou-se prejudicado o ped ido <strong>de</strong> licença pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> apreciação pela<br />

Câmara com petente ou sem e fe ito a sua <strong>de</strong>negação, se já <strong>de</strong>liberada, <strong>de</strong>vendo prosseguir o fe ito do ponto<br />

em que paralisado. 3. Da rem oção do em pecilho à instauração ou à sequência do processo contra o membro<br />

do Congresso Nacional, <strong>de</strong>corre retom ar o seu curso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação da EC 35/01, a prescrição anteriorm<br />

ente suspensa” (STF - Pleno - IN Q O n° 1566-1/AC - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,22 mar. 2002, p. 32). No mesmo sentido: STF - Pleno - IQ n° 1,517-2/GO - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

Diário da Justiça, 8 abr. 2002, p. 4.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 7 1<br />

hipótese, a competência alterar-se-á para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que prosseguirá<br />

normalmente com o processo penal.<br />

Importante observar que a imunida<strong>de</strong> formal possui extensão temporal, ou seja, tem<br />

eficácia temporal limitada, protegendo os parlamentares somente durante o exercício<br />

atual e efetivo do mandato.<br />

Historicamente, a Carta Imperial <strong>de</strong> 1824 <strong>de</strong>terminava em seu art. 27 a imunida<strong>de</strong> do<br />

<strong>de</strong>putado ou do senador durante sua <strong>de</strong>putação, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua eleição e pelo tempo<br />

que perdurasse o mandato. Como termo ad quem, a CF <strong>de</strong> 1891 <strong>de</strong>terminou o da nova<br />

eleição; a <strong>de</strong> 1934, a diplomação <strong>de</strong> novos eleitos; a <strong>de</strong> 1946, a inauguração da legislatura<br />

seguinte, o que foi repetido pelo texto <strong>de</strong> 1967.<br />

A Carta Magna atual fixou como termo aquo da imunida<strong>de</strong> processual a expedição do<br />

diploma, que comprova a eleição, não fixando, porém, termo adquem. Contudo, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>cidiu que os ex-congressistas, por não mais exercerem seus mandatos<br />

e, consequentemente, inexistirem os fundamentos <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> das imunida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>las<br />

estão excluídos, concluindo-se que seu termo final será o início da próxima legislatura.<br />

B. Natureza da <strong>de</strong>liberação da Casa Legislativa<br />

Existem dois posicionamentos sobre a natureza da <strong>de</strong>liberação do pedido <strong>de</strong> sustação<br />

à Casa Legislativa respectiva, para processar-se um parlamentar. Ambas partem da mesma<br />

premissa, qual seja, o parlamentar em regra não <strong>de</strong>ve ser privado <strong>de</strong> suas funções no curso<br />

da sessão, <strong>de</strong>vendo-se, portanto, evitar eventual sentença con<strong>de</strong>natória <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> um<br />

processo criminal. Com base na premissa inicial, diferenciam-se as posições em face da<br />

natureza do juízo <strong>de</strong> valor a ser realizado pelo Legislativo.<br />

A primeira posição enten<strong>de</strong> que o Parlamento <strong>de</strong>ve atuar como verda<strong>de</strong>iro tribunal<br />

jurídico, negando a sustação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que inexista motivo grave para suspen<strong>de</strong>r o andamento<br />

da ação penal e se verifique a existência da comprovação da materialida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>lito e<br />

indícios suficientes <strong>de</strong> autoria.<br />

A segunda posição interpreta a Constituição <strong>de</strong> forma a inverter as priorida<strong>de</strong>s,<br />

dando maior ênfase à liberda<strong>de</strong> e à autonomia do Parlamento. A regra, portanto, será<br />

<strong>de</strong> que, mesmo que, existam provas da materialida<strong>de</strong> e indícios suficientes <strong>de</strong> autoria, a<br />

Casa Legislativa <strong>de</strong>verá suspen<strong>de</strong>r o andamento do processo criminal, pois o parlamentar<br />

encontra-se sempre envolvido em questões problemáticas, ora com o Executivo, ora como<br />

próprio Judiciário. Excepcionalmente, porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que existam motivos extremamente<br />

graves que justifiquem tal medida, <strong>de</strong>verá ser negada a sustação da ação penal. Atuando<br />

<strong>de</strong>ssa forma, acredita-se que a in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Legislativo estará sendo preservada,<br />

garantindo-se a plena harmonia entre os Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado.<br />

A <strong>de</strong>cisão legislativa para a sustação ou não do andamento da ação penal <strong>de</strong>verá ser<br />

sempre do Plenário da Casa, não po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>legada à Mesa Diretora ou a qualquer <strong>de</strong><br />

suas comissões,1não estando, pois, submetida a regras rígidas e pré-constituídas, pois os<br />

1 Cf. a respeito: STF - Pleno - HC n° 72.718/MG - R ei. M in. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 24-4-1996. Apesar do<br />

ju lgado re ferir se à redação anterior à EC n° 35/01, e da atual <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licença, enten<strong>de</strong>m os que<br />

esse prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ve ser aplicado integralm ente em relação à obrigatorieda<strong>de</strong> do Plenário da Casa Legislativa<br />

respectiva analisar o pedido <strong>de</strong> sustação da ação penal, sendo lhe vedado <strong>de</strong>legar a uma <strong>de</strong> suas comissões.


4 7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

critérios não são jurídico-normativos, mas movidos por motivos políticos <strong>de</strong> conveniência<br />

e oportunida<strong>de</strong>.<br />

C. S u sta çã o d o a n d a m e n to da a çã o p e n a l e c o n cu rs o d e a g e nte s<br />

Na hipótese <strong>de</strong> ocorrer a sustação do andamento da ação penal em relação ao parlamentar<br />

e existindo concurso <strong>de</strong> agentes com não parlamentar, o processo <strong>de</strong>verá ser separado,<br />

enviando-se os autos à Justiça comum, para que prossiga no processo e julgamento<br />

do coagente não parlamentar, enquanto a prescrição estará suspensa para o parlamentar.<br />

Observa-se que, na hipótese <strong>de</strong> concurso <strong>de</strong> agentes, na vigência da redação anterior<br />

do art. 53 - que exigia prévia licença da Casa respectiva para o processo contra parlamentar<br />

-, a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pacificou-se no sentido <strong>de</strong> autorizar a<br />

separação do processo penal con<strong>de</strong>natório, com fulcro no art. 80 do Código <strong>de</strong> Processo<br />

Penal, sempre que, havendo diversos <strong>de</strong>nunciados, e sendo um <strong>de</strong>les parlamentar, a Casa<br />

Legislativa a que este pertence <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r autorização ou abstiver-se <strong>de</strong> qualquer<br />

<strong>de</strong>liberação sobre o pedido <strong>de</strong> licença.1<br />

D .<br />

S u s ta ç ã o d o pro cesso e su spensã o da p re s c riç ã o<br />

Nas infrações penais praticadas por parlamentares após a diplomação, havendo<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustação da ação penal perante o Supremo Tribunal, o texto <strong>constitucional</strong>,<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar impunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>termina que a prescrição ficará suspensa<br />

enquanto durar o mandato.12<br />

Dessa forma, o termo inicial para a suspensão da prescrição coinci<strong>de</strong> com o momento<br />

em que a Casa Legislativa susta o andamento da ação penal; e o termo final para essa<br />

suspensão será o término do mandato.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> anterior a EC n2 35/01 não previa prazo para <strong>de</strong>liberação sobre<br />

a então necessária licença para processar criminalmente os congressistas, po<strong>de</strong>ndo<br />

a Casa Legislativa negá-la ou concedê-la imediatamente, ou, ainda, protelar a discussão<br />

in<strong>de</strong>finidamente. Previa, porém, que o in<strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> licença ou a ausência<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação suspen<strong>de</strong>sse a prescrição, enquanto durar o mandato. Assim, negada a<br />

licença pela Casa Legislativa respectiva, ou, ainda, tendo ela omitido-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberar sobre<br />

o pedido, seja por discricionarieda<strong>de</strong> política, seja por enten<strong>de</strong>r que as provas apresentadas<br />

eram insuficientes para embasar uma ação penal contrao congressista, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong>ria receber a <strong>de</strong>núncia ou queixa-crime e, consequentemente,<br />

a prescrição seria suspensa, enquanto durasse o mandato.<br />

O termo inicial da suspensão da prescrição dava-se com o primeiro momento que<br />

acarretasse empecilho ao exercício da jurisdição, que se manifestava <strong>de</strong>s<strong>de</strong> quando se<br />

fizesse necessário paralisar o procedimento e aguardar a <strong>de</strong>liberação do Parlamento.<br />

Consequentemente, o termo inicial da suspensão da prescrição era o momento em que,<br />

1 STF - Inquérito n° 736-6/MS - Questão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário da Justiça, Seção 1,13<br />

out. 1993, p. 32.248; STF - Pleno - Inquérito n° 961-0/SP- Questão d e or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,20 set. 1995, p 30.266; BTJ161/14.<br />

2 STF - Pleno - IN Q O n° 1.566-1/AC- Rei. M in. Sepúlveda Pertence, D iário da Justiça, Seção 1,22 mar. 2002,<br />

p. 32.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 7 3<br />

reconhecendo-a necessária, o Relator <strong>de</strong>terminasse a solicitação da licença com o consequente<br />

sobrestamento do feito.1<br />

A alteração no texto <strong>constitucional</strong> extinguiu essa hipótese d e suspensão da prescrição,<br />

tendo a promulgação da EC na 35/01 encerrado o prazo <strong>de</strong> suspensão da prescrição <strong>de</strong><br />

todos os procedimentos que aguardavam <strong>de</strong>liberação da Casa Legislativa respectiva, ou<br />

mesmo daqueles on<strong>de</strong> houvesse sido negada a autorização para o processo.<br />

Nova suspensão da prescrição, consequentemente, somente ocorrerá se - em relação<br />

às infrações penais praticadas após a diplomação - a Casa Legislativa respectiva sustar o<br />

andamento da ação penal, como anteriormente analisado.<br />

A alteração no texto <strong>constitucional</strong> extinguiu essa hipótese <strong>de</strong> suspensão da prescrição,<br />

tendo a promulgação da EC np 35/01 encerrado o prazo <strong>de</strong> suspensão da prescrição <strong>de</strong><br />

todos os procedimentos que aguardavam <strong>de</strong>liberação da Casa Legislativa respectiva, ou<br />

mesmo daqueles on<strong>de</strong> houvesse sido negada a autorização para o processo. Dessa forma,<br />

o computo do prazo prescricional retornou a partir da EC na 35/01, sendo, porém,<br />

válida a suspensão prescricional anterior.12<br />

2 .7 .9 P re rro g a tiva d e foro em ra zã o da fu n çã o<br />

Conforme já amplamente analisado, os congressistas somente po<strong>de</strong>rão ser processados<br />

e julgados, nas infrações penais comuns, pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>raL3<br />

A abrangência <strong>de</strong>sta prerrogativa <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> foro dos membros do Congresso<br />

Nacional relaciona-se com a locução “crimes comuns”, prevista no art. 53, § 4a e art. 102,<br />

inciso I, b, ambos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, cuja <strong>de</strong>finição o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já<br />

<strong>de</strong>terminou abranger todas as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infrações penais,4 esten<strong>de</strong>ndo-se aos <strong>de</strong>litos<br />

eleitorais,5 alcançando, até mesmo, os crimes contra a vida e as próprias contravenções<br />

penais.6 É a mesma posição pacificamente adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em<br />

relação ao cometimento <strong>de</strong> crimes eleitorais pelos parlamentares.7<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> competência em relação à prerrogativa <strong>de</strong> foro em razão da função<br />

rege-se pela regra da atualida<strong>de</strong> do mandato.<br />

A .<br />

A tu a lid a d e d o m a n d a to<br />

Tratando-se <strong>de</strong> crime comum praticado pelo parlamentar na vigência do mandato, seja<br />

ou não relacionado com o exercício das funções congressuais, enquanto durar o mandato,<br />

a competência será do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 Em relação à suspensão da prescrição, caso não houvesse licença da Casa Legislativa, antes da EC n2 35/01,<br />

conferir: RTJ149/692; RTJ154/163; STF - Inquérito n2 1.400 2/PR - Rei. Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,5 jun. 2001, p. 37.<br />

2 Nesse sentido: STF - Pleno - A gR eg na A P n 2 361/SC - Rei. M in. Marco Aurélio, Informativo STF n2421.<br />

3 Inexiste foro privilegiado para suplente d e Senador (STF - Inq. n ° 2.453 AgR/M S - Rei. Min. Ricardo Le-<br />

w andowski, <strong>de</strong>cisão: 17 m aio 2007).<br />

4 RTJ 33/590, HC 69.344-RJ, Rei. Min. Néri da Silveira.<br />

5 RTJ 63/1, Pet. 673-RJ, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; Inq. 496-DF, Rei. Min. lim ar Galvão.<br />

6 RTJ91/423, Reclamação n2 511-9-Paraíba, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário daJustiça n2202,24 out. 1994,<br />

p. 28.668.<br />

7 T S E -A có rd ã o 117.515, Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Eleitoral, n °2 7 , Imesp.


4 7 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Porém, encerrado o exercício do mandato e, consequentemente, cessada a prerrogativa<br />

<strong>de</strong> foro do parlamentar, não mais subsistirá a competência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgamento, uma vez que o próprio Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>,<br />

cancelou a Súmula nB3941 por enten<strong>de</strong>r que “o art. 102,1, b, da CF - que estabelece a<br />

competência do STF para processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns,<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República, o Vice-Presi<strong>de</strong>nte, os membros do Congresso Nacional, seus<br />

próprios Ministros e o Procurador-Geral da República - não alcança aquelas pessoas que<br />

não mais exerçam mandato ou cargo”.12 Dessa forma, não mais ocorrerá a perpetuação da<br />

competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgamento dos crimes comuns<br />

praticados pelas autorida<strong>de</strong>s previstas no art. 102,1, b e c, <strong>de</strong>ntre eles os parlamentares<br />

fe<strong>de</strong>rais, quando cessarem seus mandatos. Deixa, portanto, <strong>de</strong> ter aplicação a regra da<br />

contemporaneida<strong>de</strong> do crime comum com o exercício do mandato, e, consequentemente,<br />

<strong>de</strong>vendo os autos serem remetidos à Justiça <strong>de</strong> l e grau.3<br />

Importante ressaltar que o STF, por unanimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidiu pela plena valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

todos os atos praticados e <strong>de</strong>cisões proferidas com base na Súmula394, ou seja, os efeitos<br />

da revogação da Súmula ne 394 do STF foram ex nunc, não retroativos.4<br />

Igualmente, haverá a aplicação da regra da atualida<strong>de</strong> do mandato em havendo a<br />

eleição do investigado/réu durante o inquérito policial/ação penal, com sua respectiva<br />

diplomação. O caso será imediatamente remetido ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

prosseguirá com o feito.5<br />

Assim, a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgamento<br />

<strong>de</strong> crimes praticados por parlamentares somente persistirá enquanto o mandato não se<br />

encerrar. Com o término do mandato, os autos <strong>de</strong>verão ser remetidos ao juízo comum,<br />

sendo válidos todos os atos praticados até esse momento.6<br />

Importante <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando seu posicionamento<br />

anterior,7 <strong>de</strong>terminou, excepcionalmente, a manutenção <strong>de</strong> sua competência nas hipóte­<br />

1 Súmula na 394 do STF - cancelada - “ Com etido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência<br />

especial por prerrogativa <strong>de</strong> função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação<br />

daquele exercício.”<br />

2 STF - Pleno - Inquérito n s 687/SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Inquérito<br />

n a 881/MT - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m — Rei. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Ações Penais n® 313/DF, 315/DF,<br />

319/DF, 656/AC -questão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. Moreira Alves, 25-8-99 - todos no Informativo STF nQ159.<br />

3 Nesse sentido: S T F -In q u érito na2.252-7/D F-R el. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,25 maio<br />

2006, p. 8; STF - Inquérito na 2.277/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2006,<br />

Informativo STF na 428.<br />

4 STF - Pleno - Inquérito na 687/SP-qu estão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Inquérito<br />

na 881/MT - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Ações Penais n55 313/DF, 315/DF,<br />

319/DF, 656/AC - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Moreira Alves, 25-8-99 - Informativo STF na 159.<br />

5 STF - Pleno - Inq. n a159/SC - Rei. Min. Sydney Sanches, D iário da Justiça, Seção I, 5 <strong>de</strong>z. 1986, p. 24.079.<br />

6 Cf. FTJ121/423; RTJ124/19; STF - P le n o - Inq. n“ 108 4-7/PA -R el. Min. N éri da Silveira, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,4 mar. 1999, p. 7.<br />

7 Na AP 333/PB, Rei. Min. Joaquim Barbosa, por maioria <strong>de</strong> votos, em hipótese semelhante, o STF enten<strong>de</strong>u<br />

que “ a renúncia do réu produz plenos efeitos no plano processual, o que implica a <strong>de</strong>clinação da competência<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o ju ízo criminal <strong>de</strong> prim eiro grau. Ausente o abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> que os votos<br />

vencidos vislum braram no ato” (D Je-65,10-4-2008).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 475<br />

ses <strong>de</strong> renúncia daqueles que <strong>de</strong>tenham foro privilegiado (a hipótese foi <strong>de</strong> parlamentar),<br />

quando patente a intenção do réu em abster-se do iminente julgamento, preten<strong>de</strong>ndo ter<br />

remetido seu processo à I a instância. Como salientado pelo STF, “os motivos e fins <strong>de</strong>sse<br />

ato (renúncia) <strong>de</strong>monstrariam o intento do parlamentar <strong>de</strong> se subtrair ao julgamento por<br />

esta Corte, em inaceitável frau<strong>de</strong> processual, que frustraria as regras constitucionais e<br />

não apenas as <strong>de</strong> competência”, para concluir “que os fins <strong>de</strong>ssa renúncia - às vésperas da<br />

apreciação do feito e após a tramitação do processo por mais <strong>de</strong> 14 anos - não se incluiríam<br />

entre aqueles aptos a impedir o prosseguimento do julgamento, configurando, ao revés,<br />

abuso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> ao qual o sistema <strong>constitucional</strong> vigente não daria guarida”.1<br />

A Lei na 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, que, alterando a redação do art. 84 do<br />

Código <strong>de</strong> Processo Penal, restabeleceu legislativamente a regra da contem por aneida<strong>de</strong><br />

fato/mandato, antigamente prevista na Súmula 394 do STF, hoje cancelada, foi <strong>de</strong>clarada<br />

in<strong>constitucional</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Em seu § 1Q, o citado art. 84 estabelecia<br />

que a competência especial por prerrogativa <strong>de</strong> função, relativa a atos administrativos do<br />

agente, prevalecería, ainda que o inquéritoou a ação judicial fossem iniciados após a cessação<br />

do exercício da função pública. Essa redação feria flagrantemente a interpretação dada<br />

pelo STF ao art. 102, I, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, usurpando sua função <strong>de</strong> “guardião e<br />

intérprete da Constituição” e, consequentemente, foi <strong>de</strong>clarada inconstitucionaL12<br />

Em relação às regras <strong>de</strong> competência para processo e julgamento das autorida<strong>de</strong>s com<br />

foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, bem como a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da Lei n - 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, conferir item 4.7-A4, neste mesmo capítulo.<br />

B. Valida<strong>de</strong> dos atos processuais praticados pelo Ju ízo Natural, antes da Investidura<br />

do réu no cargo que <strong>de</strong>tém foro privilegiado<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, revendo sua posição anterior, <strong>de</strong>cidiu por votação unânime<br />

que a valida<strong>de</strong> dos atos antece<strong>de</strong>ntes à alteração da competência inicial, por força da<br />

intercorrente diplomação do réu, há <strong>de</strong> ser aferida segundo o estado <strong>de</strong> coisas anterior ao<br />

fato <strong>de</strong>terminante do seu <strong>de</strong>slocamento, aplicando-se o princípio tempus regit actum, do<br />

qual resulta a valida<strong>de</strong> dos atos antece<strong>de</strong>ntes à alteração da competência inicial.3<br />

2 .7 .1 0 V encim entos dos parlam entares<br />

É <strong>de</strong> competência exclusiva do Congresso Nacional fixar subsídio para <strong>de</strong>putados<br />

fe<strong>de</strong>rais e senadores, presentes os seguintes requisitos (Cf, art. 49, VII, com redação dada<br />

pela Emenda Constitucional ne 19/98) :4<br />

1 STF - Pleno - A P 396/RO - ReL Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 28-10-2010.<br />

2 STF - Pleno - Adin n“ 2797I'D F e Adin n“ 2860/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2005- I n ­<br />

formativo STF n2 401, p. 1.<br />

3 STF, Inq. 571-1-DF, questão <strong>de</strong>o rd em , Plenário, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, v.u .,j. 26-2-92, DJU, 5 mar.<br />

1993, p. 2.897.<br />

4 A redação originária do art. 49, VI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral previa competir exclusivamente ao Congresso<br />

Nacional fixar idêntica remuneração para os <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e senadores, em cada legislatura, para a subsequente,<br />

observado o que dispõem os arts. 150, n, 153, III e 153, § 2 °, I. Conferir: MORAES, Alexandre. Reforma<br />

administrativa - E C 19/98. São Paulo: Atlas, 1998.


4 7 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

• subsídios idênticos para <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais e senadores fixados, obrigatoriamente,<br />

por <strong>de</strong>creto legislativo;1<br />

• a remuneração e o subsídio dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos públicos<br />

da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais agentes políticos e os proventos,<br />

pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não,<br />

incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não po<strong>de</strong>rão<br />

exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• o membro <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>r, o <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> mandato eletivo, os Ministros <strong>de</strong> Estado e<br />

os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por<br />

subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação,<br />

adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong> representação ou outra espécie remuneratória,<br />

obe<strong>de</strong>cido, em qualquer caso, ao disposto no art. 37, X e XI. Assim, em nível<br />

fe<strong>de</strong>ral, nos termos da EC ne 41/03, o teto salarial não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r o subsídio<br />

mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se<br />

como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, o<br />

subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa<br />

inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie,<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos<br />

Defensores Públicos. Nos termos da EC ne 47/05, os estados-membros e o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> emendas às suas respectivas Constituições estaduais<br />

e Lei Orgânica Distrital, po<strong>de</strong>m fixar seus subtetos, no sentido <strong>de</strong> estabelecer um<br />

limite único para todos os servidores estaduais ou distritais, exceptuando-se os<br />

parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros do STF);<br />

• vedação à previsão <strong>de</strong> tratamento privilegiado em relação aos <strong>de</strong>mais contribuintes<br />

(CF, art. 150, II);<br />

• vedação à exclusão da incidência <strong>de</strong> imposto <strong>de</strong> renda e proventos <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza (CF, art. 153, III);<br />

• respeito aos critérios da generalida<strong>de</strong>, da universalida<strong>de</strong> e da progressivida<strong>de</strong><br />

(CF, art. 153, § 2o-, I).<br />

2 .7 .1 1 D e p u ta d o s F e d e ra ls / S e n a d o re s da R e p ú b lic a e F o rç a s A rm a d a s<br />

A incorporação às Forças Armadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>putados e senadores, embora militares e ainda<br />

que em tempo <strong>de</strong> guerra, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> prévia licença da Casa respectiva (CF, art. 53,<br />

t<br />

STF - Pleno - ADI nQ3.833/DF - R ei Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 19-12-2006 - Inform ativo STF nQ453, p. 1.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 7 7<br />

§ 7a) , caracterizando-se como uma imunida<strong>de</strong>, uma vez que o parlamentar fica imune a<br />

uma obrigação imposta pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 143).<br />

2 .7 .1 2 P a rla m e n ta r e o b rig a çã o d e te ste m u n h a r<br />

Os <strong>de</strong>putados e senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações<br />

recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que<br />

lhes confiaram ou <strong>de</strong>les receberam informações (CF, art. 53, § 6a). Trata-se <strong>de</strong> escolha<br />

discricionária do parlamentar e não abrange o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> testemunhar quando convocado<br />

na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cidadão comum, sobre fatos não abrangidos pela norma <strong>constitucional</strong><br />

e necessários à instrução penal ou civil.<br />

2 .7 .1 3 Irre n u n cla b llld a d e d a s Im u n ld a d e s<br />

As prerrogativas parlamentares protegem exclusivamente um bem público, a instituição,<br />

e como tais, não são suscetíveis <strong>de</strong> renúncia. Assim, os congressistas são beneficiários<br />

das prerrogativas, porém não po<strong>de</strong>m renunciar às mesmas, que visam ao funcionamento<br />

livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do próprio Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

Em <strong>de</strong>fesa das imunida<strong>de</strong>s parlamentares como garantias do Parlamento e da própria<br />

Socieda<strong>de</strong>, Ruy Barbosa afirmava que “tanto não são do Senador, ou do Deputado,<br />

as immunida<strong>de</strong>s, que <strong>de</strong>llas não é lícito abrir mão. Da representação po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>spir-se,<br />

<strong>de</strong>mittindo-se do seu logar no Congresso. Mas, emquanto o occupar, a garantia da sua<br />

liberda<strong>de</strong> adherirá inseparavelmente ao representante, como a sombra ao corpo, como a<br />

epi<strong>de</strong>rme ao tecido cellular”.1<br />

2 .7 .1 4 Im u n id a d e s e P a rla m e n ta r lic e n c ia d o p a ra e x e rc íc io d e ca rg o<br />

e x e cu tiv o (M in istro d e E sta d o , S e c r e tá r io d e E sta d o )<br />

Questão importante sobre imunida<strong>de</strong>s parlamentares refere-se ao fato <strong>de</strong> o parlamentar<br />

que se licencia do exercício <strong>de</strong> seu mandato, para exercer cargo no executivo,<br />

permanecer ou não no gozo das mesmas.<br />

Deve-se ter em conta, para a análise da questão, a finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> das imunida<strong>de</strong>s<br />

parlamentares, historicamente vinculadas à proteção do Po<strong>de</strong>r Legislativo e ao<br />

exercício in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do mandato representativo.<br />

Dessa forma, os parlamentares estão submetidos às mesmas leis que todos os cidadãos,<br />

responsabilizando-se por suas condutas <strong>de</strong>lituosas. Porém, como já analisado no<br />

capítulo inicial, no interesse público, convém que eles não sejam afastados, importunados<br />

ou mesmo subtraídos <strong>de</strong> suas funções por processos judiciais arbitrários ou vexatórios,<br />

emanados seja <strong>de</strong> um adversário político, seja <strong>de</strong> um governo <strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembaraçar-se<br />

<strong>de</strong> um opositor perigoso, <strong>de</strong>vendo as imunida<strong>de</strong>s formais protegê-los contra os processos<br />

judiciais, mal-fundados ou intempestivos, que somente seriam inspirados por sentimentos<br />

<strong>de</strong> perseguição política.<br />

i<br />

Commentarios à constituição fe<strong>de</strong>ral brasileira. São Paulo: Saraiva, 1933. t. II. p. 42.


478 Direito Constitucional • Moraes<br />

Afastando-se, voluntariamente, do exercício do mandato, para ocuparcargo no Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, o parlamentar não leva a prerrogativa conferida ao Po<strong>de</strong>r Legislativo e, por<br />

via reflexa, a seus membros, no <strong>de</strong>sempenho das funções específicas. Nem seria possível<br />

enten<strong>de</strong>r que, na condição <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, Governador <strong>de</strong> Território, Secretário<br />

<strong>de</strong> Estado, continuasse inviolável, por suas opiniões, palavras e votos, ou com a isenção<br />

<strong>de</strong> permanecer preso, sem autorização <strong>de</strong> sua Câmara ou po<strong>de</strong>r ter sobrestada sua ação<br />

penal, <strong>de</strong> modo diverso, assim, do que suce<strong>de</strong> com os altos dignitários do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

que veio integrar, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> exercer a função legislativa.<br />

Desta forma, harmonizando-se com a <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong> que veda o exercício<br />

simultâneo <strong>de</strong> funções em Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado diversos, o parlamentar que se licenciar<br />

para o exercício <strong>de</strong> outro cargo fora do Parlamento, apesar <strong>de</strong> não per<strong>de</strong>r o mandato,<br />

per<strong>de</strong>rá as imunida<strong>de</strong>s parlamentares, tendo inclusive o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, expressamente,<br />

cancelado na forma do art. 102 <strong>de</strong> seu regimento interno, a Súmula 4, que<br />

entendia <strong>de</strong> forma diversa.1<br />

Por não ter perdido a condição <strong>de</strong> parlamentar, mas sim estar afastado do exercício<br />

<strong>de</strong> suas funções e investido temporária e precariamente no cargo <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />

conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o parlamentar “sujeita-se a processo disciplinar<br />

perante a respectiva casa legislativa”.12<br />

2 .7 .1 5 In c o m p a tib ilid a d e s<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral ainda prevê, como forma <strong>de</strong> garantia da in<strong>de</strong>pendência do<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo, algumas vedações aos parlamentares, conhecidas como incompatibilida<strong>de</strong>s.<br />

Assim, os <strong>de</strong>putados e senadores não po<strong>de</strong>rão:<br />

I - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a expedição do diploma:<br />

a) firmar ou manter contrato compessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público, autarquia, empresa<br />

pública, socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> economia mista ou empresa concessionária <strong>de</strong> serviço<br />

público, salvo quando o contrato obe<strong>de</strong>cer a cláusulas uniformes;<br />

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os <strong>de</strong> que<br />

sejam <strong>de</strong>missíveis ad nutum, nas entida<strong>de</strong>s constantes na alínea anterior.<br />

I I - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a posse:<br />

a) ser proprietários, controladores ou diretores <strong>de</strong> empresa que goze <strong>de</strong> favor<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> contrato com pessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público, ou nela exercer<br />

função remunerada;<br />

1 STF, inquérito na 105/DF, Tribunal Pleno, Rei. Min. Néri da Silveira; KTJ 99/487-491; no mesmo sentido o<br />

Inquérito n° 104-0 - RS, Diário da Justiça, 8 set. 1981, p. 8.605, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>cidiu que “O <strong>de</strong>putado que exerce<br />

a função <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado não per<strong>de</strong> o mandato, porém não po<strong>de</strong> invocar a prerrogativa da imunida<strong>de</strong>,<br />

material e processual, pelo cometim ento <strong>de</strong> crim e no exercício da nova função”. Cancelando-se expressam ente,<br />

n a form a d o art. 102, d o RiSTF, a Súm ula 04.<br />

2 STF - Pleno - MS nQ25579/DF - m edida cautelar - Rei. Sepúlveda Pertence, Rei. p/acórdão Min. Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 19-10-2005. Informativo STF n° 406.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 79<br />

b) ocupar cargo ou função <strong>de</strong> que sejam <strong>de</strong>missíveis ad nutum, nas entida<strong>de</strong>s referidas<br />

no inciso I, a;<br />

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entida<strong>de</strong>s a que se refere<br />

o inciso I, a;<br />

d) ser titulares <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um cargo ou mandato público eletivo.<br />

2 .7 .1 6 P erd a do m andato<br />

O art. 55 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece as hipóteses em que, excepcionalmente,<br />

os parlamentares per<strong>de</strong>rão o mandato, antes do término da legislatura:1<br />

• infringência <strong>de</strong> qualquer das incompatibilida<strong>de</strong>s previstas no art. 54 da Constituição<br />

(veritem anterior);<br />

• procedimento que for <strong>de</strong>clarado incompatível com o <strong>de</strong>coro parlamentar: O próprio<br />

§ 1“, do art 55, <strong>de</strong>fine ser incompatível com o <strong>de</strong>coro parlamentar, além dos<br />

casos <strong>de</strong>finidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a<br />

membro do Congresso Nacional ou a percepção <strong>de</strong> vantagens in<strong>de</strong>vidas. Apesar<br />

do gran<strong>de</strong> subjetivismo, o termo <strong>de</strong>coro parlamentar <strong>de</strong>ve ser entendido como<br />

o conjunto <strong>de</strong> regras legais e morais que <strong>de</strong>vem reger a conduta dos parlamentares,<br />

no sentido <strong>de</strong> dignificação da nobre ativida<strong>de</strong> legislativa. Nessa hipótese,<br />

por tratar-se <strong>de</strong> ato disciplinar <strong>de</strong> competência privativa da Casa Legislativa<br />

respectiva, não competirá ao Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>cidir sobre o mérito da tipicida<strong>de</strong><br />

da conduta do parlamentar nas previsões regimentais caracterizadoras da<br />

falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>coro parlamentar ou mesmo sobre o acerto da <strong>de</strong>cisão - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

garantido o <strong>de</strong>vido processo legal, a ampla <strong>de</strong>fesa e o contraditório12 -, pois tal<br />

atitu<strong>de</strong> consistiría em in<strong>de</strong>vida ingerência em competência exclusiva <strong>de</strong> órgão<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo, atribuídadiretamente pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art.<br />

55, §§ l e e 2e) , sem previsão <strong>de</strong> qualquer recurso <strong>de</strong> mérito. Ressalte-se que esse<br />

procedimento é aplicável aos parlamentares momentaneamente afastados para<br />

o exercício dos cargos <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, Secretário <strong>de</strong> Estado ou Secretário<br />

Municipal <strong>de</strong> Capitais, pois o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u que “o parlamentar,<br />

investido temporária e precariamente no cargo <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />

por não ter perdido a condição <strong>de</strong> parlamentar, sujeita-se a processo disciplinar<br />

perante a respectiva casa legislativa”;3<br />

• falta <strong>de</strong> comparecimento, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões -<br />

ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;<br />

1 Cf. CALIMAN, Auro Augusto. Mandato parlamentar: aquisição e perda antecipada. São Paulo: Atlas, 2005.<br />

2 S T F -P le n o - MS nQ25.917-5/DF -R e i. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, D iário da Justiça, Seção 1,1 set. 2006, p. 19;<br />

STF - Pleno - MS n° 25.647-8/DF - medida cautelar - ReL Min. Carlos Britto, Diário da Justiça, Seção 1,15 <strong>de</strong>z.<br />

2006, p. 82.<br />

3 STF - Pleno - MS n° 25579/DF - medida cautelar - Rei. Sepúlveda Pertence, Rei. p/acórdão Min. Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 19-10-2005. Informativo STF n° 406.


4 8 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

• perda ou suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos;1<br />

• <strong>de</strong>cretação pela Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta constituição;<br />

• con<strong>de</strong>nação criminal em sentença transitada em julgado.<br />

Nos casos <strong>de</strong> infringência das incompatibilida<strong>de</strong>s, falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>coro parlamentar e con<strong>de</strong>nação<br />

criminal em sentença transitada em julgado,12 a perda do mandato será <strong>de</strong>cidida<br />

pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, por voto aberto e maioria absoluta,<br />

mediante provocação da respectiva Mesa ou <strong>de</strong> partido político representado no Congresso<br />

Nacional, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa.3<br />

A EC na 76, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2013, alterou a redação do artigo 55 do texto<br />

<strong>constitucional</strong> e aboliu a votação secreta nos casos <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> mandato <strong>de</strong> Deputado<br />

Fe<strong>de</strong>ral ou Senador da República, sendo extensível e obrigatória a votação aberta nas<br />

hipóteses <strong>de</strong> cassação dos <strong>de</strong>mais parlamentares estaduais, distritais e municipais. Antes<br />

da EC nD76/2013, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral havia <strong>de</strong>cidido que a previsão da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral sobre o “voto secreto” nas votações sobre a perda <strong>de</strong> mandato parlamentar<br />

era <strong>de</strong> observância obrigatória aos Estados-membros, por força do § 1° do art. 27 da CF,<br />

que <strong>de</strong>termina a aplicação, aos <strong>de</strong>putados estaduais, das regras da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

sobre perda <strong>de</strong> mandato.<br />

Nos parece plenamente aplicável esse entendimento em relação à extensão do voto<br />

aberto.4<br />

A votação ostensiva e nominal dos representantes do povo, salvo raríssimas exceções<br />

em que a própria in<strong>de</strong>pendência e liberda<strong>de</strong> do Congresso Nacional estarão em jogo, é a<br />

única forma condizente com os princípios da soberania popular e da publicida<strong>de</strong> consagrados,<br />

respectivamente, no parágrafo único do artigo 1° e no artigo 37, caput, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e consagradora da efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática, pois a Democracia somente surge,<br />

como ensinado por Canotilho e Moreira, a partir <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro “processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização,<br />

entendido como processo <strong>de</strong> aprofundamento <strong>de</strong>mocrático da or<strong>de</strong>m política, econômica,<br />

social e cultural”. O princípio da publicida<strong>de</strong> consagrado <strong>constitucional</strong>mente somente<br />

po<strong>de</strong>rá ser excepcionado quando o interesse público assim <strong>de</strong>terminar, pois o eleitor tem<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pleno e absoluto conhecimento dos posicionamentos <strong>de</strong> seus representantes.<br />

Esse processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratização somente estará sendo respeitado e aprimorado se<br />

houver possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o eleitorado fiscalizar a atuação dos parlamentares na votação<br />

<strong>de</strong> importantes questões como o impedimento da mais alta autorida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

(impeachment) e dos próprios parlamentares, evitando-se assim incompatibilida<strong>de</strong><br />

frontal e absurda entre o senso <strong>de</strong>liberativo da Comunida<strong>de</strong> e eventuais conluios político-<br />

-partidários, pois, como salientado por Alexan<strong>de</strong>r Hamilton, nos artigos Fe<strong>de</strong>ralistas, “o<br />

1 A perda do mandato por con<strong>de</strong>nação em ação <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong> adm inistrativa transitada em ju lgado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> votação pela Casa Legislativa (STF - Pleno - MS nQ25461/M A - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

<strong>de</strong>cisão: 29-6-2006).<br />

2 Em relação à con<strong>de</strong>nação criminal com trânsito em ju lgado e perda do mandato, verificar Capítulo 7, item<br />

9.2.2-A.<br />

3 RTJ 99/477.<br />

4 Cf. STF - P len o - Adin n° 2461/RJ e A d in n° 3208/RJ, R ei. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 12-5-2005 - Informativo<br />

STF n° 387, p. 2.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 8 1<br />

p r in c íp io r e p u b lic a n o r e q u e r q u e o s en s o d e lib e r a d o d a c o m u n id a d e g o v e r n e a c o n d u ta<br />

d a q u e le s a q u e m e la c o n fia a a d m in is tra ç ã o d e seus assu n tos” .<br />

D ife r e n t e m e n t e d o e le it o r , q u e n e c e s s ita d o s ig ilo d e seu v o t o c o m o g a r a n tia d e<br />

lib e r d a d e n a e s c o lh a d e seu s re p r e s e n ta n te s , s e m p o s s ib ilid a d e d e p re s s õ e s a n te r io r e s<br />

o u p o s te r io r e s a o p le it o e le it o r a l, os d e p u ta d o s e s e n a d o re s s ã o m a n d a tá r io s d o p o v o e<br />

d e v e m o b s e r v a r to ta l tra n sp a rên c ia e m sua a tu a çã o , para qu e a p u b lic id a d e d e seus v o to s<br />

p ossa ser an a lisa d a , r e fle tid a e p o n d e r a d a p e la s o c ie d a d e nas fu tu ras e le iç õ e s , n o e x e r c íc io<br />

p le n o d a c id a d a n ia .<br />

T ra ta -s e d e p o s ic io n a m e n t o s e m p re d e fe n d id o p e lo p r o fe s s o r P a u lo B o n a v id e s , a o<br />

a p o n ta r a c o n s titu c io n a lid a d e m a te r ia l d o v o t o a b e r to n o in c is o II d o a r tig o I a d a C o n s titu<br />

içã o, p o r ser, c o m o a firm a d o p e lo m e s tre , “ a c id a d a n ia u m d os fu n d a m e n to s d a R ep ú b lica<br />

F e d e r a tiv a d o B ra sil” e n ã o e x is tir c id a d a n ia n a “ e s c u r id ã o d o v o t o s e c r e to ” .<br />

A votação aberta, a lé m d e c o n s a g r a r o r e s p e ito a o p r in c íp io re p u b lic a n o , r e s p e ita<br />

in t e g r a lm e n t e a in d e p e n d ê n c ia p a r la m e n t a r , q u e p o d e r á liv r e m e n t e se p o s ic io n a r , a<br />

p a r tir d e sua c o n s c iê n c ia e d a C o n s titu iç ã o F e d e ra l, r e fu ta n d o -s e q u a lq u e r in s in u a ç ã o <strong>de</strong><br />

in c o m p a tib ilid a d e e n tre a v o ta ç ã o aberta e a lib e r d a d e p a rla m e n ta r, p ois , c o m o le m b r a d o<br />

p e lo M in is tr o N é r i d a S ilv e ira , e m d e fe s a d o v o t o a b e r to à é p o c a d o Impeachment, “ recu som<br />

e a d m itir q u e os ilu stres D e p u ta d o s F e d e ra is , re p r e s e n ta n te s d a N a ç ã o , n o in sta n te d e<br />

d e s e m p e n h a r tã o e x tra o r d in á r ia fu n çã o , q u a l seja , a u to r iz a r o p ro c e s s o p o r c r im e d e re s ­<br />

p o n s a b ilid a d e d o P r e s id e n te d a R e p ú b lic a , p o s s a m se s u b m e te r à c o a ç ã o d o G o v e r n o o u<br />

d o p o v o , c o m o se a fir m a e m a c e sa p o lê m ic a d a im p re n s a e s c rita , d e ix a n d o , a o c o n trá rio ,<br />

d e d e lib e r a r, c o m o é d e seu fu n d a m e n ta l d e v e r , d e a c o r d o c o m a c o n s ciê n cia e a v is ã o d os<br />

in teresses e d es tin o s s u p erio re s d a P á tr ia ” (S T F , M S 2 1 .5 6 4 / D F ).<br />

D essa fo r m a , e x ig e -s e d o P o d e r L e g is la tiv o , n o e x e rc íc io d e sua fu n çã o d e fis c a liz a ç ã o ,<br />

s eja d o c h e fe d o E x e c u tiv o , s eja d e seus p ró p rio s p a re s, in te g r a l re s p e ito à tr a n sp a rên c ia ,<br />

lisu ra e p u b lic id a d e nos p ro cessos e ju lg a m e n to s , a d o ta n d o -s e o v o t o a b e r to , p a ra r e a fir ­<br />

m ar-se a e fe tiv id a d e d o p r in c íp io re p u b lic a n o d a s o b e ra n ia p o p u la r - q u e p r o c la m a to d o<br />

o p o d e r e m a n a r d o p o v o - e g a ra n tin d o -s e a p a rtic ip a ç ã o p o p u la r nos n e g ó c io s p o lític o s<br />

d o E sta d o c o m o c o n d iç ã o in a fa s tá v e l da p e r p e tu id a d e d a d e m o c ra c ia .<br />

N ã o p o r o u t r o m o tiv o , a C o n s titu iç ã o F e d e r a l c o n s a g r a n o caput d e seu a r tig o 53<br />

v e r d a d e ir a cláusula <strong>de</strong> inviolabilida<strong>de</strong> parlamentar, im p e d in d o -o s q u e p o s s a m s er p r o c e s ­<br />

s a d o s c iv il ou c r im in a lm e n te p o r suas p a la v ra s , v o to s e o p in iõ e s p r o fe r id o s n o e x e r c íc io<br />

d o m a n d a to . M as n ã o h á lib e r d a d e sem re s p o n s a b ilid a d e , q u e nas h ip ó tes es d e p a la v ra s,<br />

v o to s e o p in iõ e s d os p a rla m e n ta re s se tr a d u z n a a b s o lu ta n e c e s s id a d e d e p r e s ta ç ã o d e<br />

con ta s a to d o s os e le ito r e s .<br />

N e sses casos, o P o d e r J u d ic iá rio s o m e n te p o d e r á a n a lis a r a le g a lid a d e d a m e d id a ,<br />

p ois as m e d id a s p o lític a s su jeitas à d is c r iç ã o d e u m d o s p o d e r e s são in cen su rá v e is, s a lv o<br />

q u a n d o tom a d a s c o m d e s r e s p e ito à C o n s titu iç ã o o u às leis.<br />

N o s casos d e a u s ê n c ia à te r ç a p a r te d as sessões o r d in á r ia s d a r e s p e c t iv a C a sa o u<br />

p r iv a ç ã o dos d ire ito s p o lític o s , a p e r d a será d e c la r a d a p e la M e s a d a C a sa re s p e c tiv a , d e<br />

o fíc io o u m e d ia n te p r o v o c a ç ã o d e q u a lq u e r d e seus m e m b ro s , o u d e p a r tid o p o lít ic o r e ­<br />

p r e s e n ta d o n o C o n g re s s o N a c io n a l, a s s e g u ra d a a a m p la d e fe s a .1<br />

1 Conferir, nesse sentido, liminar <strong>de</strong>ferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, n oM S nQ25.461/DF (con<strong>de</strong>nação<br />

com trânsito em julgado por improbida<strong>de</strong> adm inistrativa!.


482 Direito Constitucional • Moraes<br />

Na hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação da perda do mandato pela Justiça Eleitoral, conforme<br />

<strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a <strong>de</strong>claração a que se refere o § 3a do art. 55 da<br />

CF in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do trânsito em julgado da <strong>de</strong>cretação, pela Justiça Eleitoral, da perda <strong>de</strong><br />

mandato parlamentar por prática <strong>de</strong> captação ilícita <strong>de</strong> sufrágio”.<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo STF, “a atribuição da Mesa da Casa, a que pertence o parlamentar<br />

que incorrera nas hipóteses sancionatórias previstas nos incisos III e V do art. 55<br />

da CF, circunscrever-se-ia a <strong>de</strong>clarar a perda do mandato, dando posse, por conseguinte,<br />

a quem <strong>de</strong>vesse ocupar o cargo vago, haja vista que o registro do parlamentarjá teria sido<br />

cassado pela Justiça Eleitoral, não po<strong>de</strong>ndo subsistir, <strong>de</strong>ssa forma, o mandato eletivo.<br />

Asseverou-se, a<strong>de</strong>mais, que a ampla <strong>de</strong>fesa a que alu<strong>de</strong> o § 3e do art. 55 da CF não diria<br />

respeito a nenhum procedimento eventualmente instaurado no âmbito <strong>de</strong> uma das Casas<br />

Legislativas, e sim à garantida nos processos que tramitam na Justiça Eleitoral, não cabendo<br />

à Mesa da Casa Legislativa a que pertence o titular do mandato eletivo cassado aferir<br />

o acerto, ou não, das <strong>de</strong>cisões emanadas da Justiça Eleitoral, ou ainda fixar o momento<br />

a<strong>de</strong>quado para cumprir tais julgados. Registrou-se que o ato da Mesa do Senado ou da<br />

Câmara que dispõe sobre a perda do mandato parlamentar (CF, art. 55, V) tem natureza<br />

meramente <strong>de</strong>claratória”. 1<br />

Observe-se que, a partir da Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão ne 6, <strong>de</strong> 7-6-1994, a<br />

renúncia <strong>de</strong> parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato,<br />

nos termos do art. 75, terá seus efeitos suspensos até as <strong>de</strong>liberações finais da Casa<br />

respectiva.12<br />

Essa norma conce<strong>de</strong>u status <strong>constitucional</strong> ao previsto no Decreto Legislativo ne 16,<br />

<strong>de</strong> 24-3-1994, ao prever que a renúncia <strong>de</strong> parlamentar sujeito à investigação por qualquer<br />

órgão do Po<strong>de</strong>r Legislativo, ou que tenha contra si procedimento já instaurado ou<br />

protocolado junto à Mesa da respectiva Casa, para apuração das faltas a que se referem<br />

os incisos I e II do art. 55 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, fica sujeito à condição suspensiva, só<br />

produzindo efeitos se a <strong>de</strong>cisão final não concluir pela perda do mandato parlamentar.<br />

Concluindo que, sendo a <strong>de</strong>cisão final pela perda do mandato parlamentar, a <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> renúncia será arquivada.<br />

Já o art. 56 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que não per<strong>de</strong>rá o mandato o Deputado<br />

ou Senador:<br />

• investido no cargo <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, Governador <strong>de</strong> Território, Secretário<br />

<strong>de</strong> Estado, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> Território, <strong>de</strong> Prefeitura <strong>de</strong> Capital ou chefe <strong>de</strong><br />

missão diplomática temporária, po<strong>de</strong>ndo optar pela remuneração do mandato;<br />

• licenciado pela respectiva Casa por motivo <strong>de</strong> doença, ou para tratar, sem remuneração,<br />

<strong>de</strong> interesse particular, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, neste caso, o afastamento não<br />

ultrapasse a cento e vinte dias por sessão legislativa.<br />

Anote-se que sendo necessário, em virtu<strong>de</strong> da existência <strong>de</strong> vagas nas Casas Legislativas,<br />

nas hipóteses ou <strong>de</strong> investidura do parlamentar em funções <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />

Governador <strong>de</strong> Território, Secretário <strong>de</strong> Estado, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> Território, <strong>de</strong><br />

1 STF - P le n o - M S 27613/DF -R e i. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 28-10-2009, Informativo STF n° 565.<br />

2 Conferir sobre inelegibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong>ssa hipótese: art. 1°, LC 64/90.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 8 3<br />

Prefeitura <strong>de</strong> Capital ou chefe <strong>de</strong> missão diplomática temporária, ou ainda, <strong>de</strong> licença<br />

superior a cento e vinte dias, o suplente será convocado e assumirá o mandato. O suplente<br />

exercerá as funções legislativas até que a hipótese <strong>de</strong> vacância cesse ou até o término do<br />

mandato. Se, porém, não houver suplentes suficientes, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê duas<br />

soluções, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do prazo para o término do mandato. Se faltarem mais <strong>de</strong> quinze<br />

meses haverá nova eleição para o preenchimento da vaga faltante. Por outro lado, se fa l­<br />

tarem menos <strong>de</strong> quinze meses, a vaga não será preenchida.<br />

Em relação à fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu que<br />

os mandatos pertencem aos partidos políticos que, consequentemente, têm <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

preservá-los se ocorrer cancelamento da filiação partidária ou transferência <strong>de</strong> legenda,1<br />

ou seja, po<strong>de</strong>m requerer à Justiça Eleitoral a cassação do mandato do parlamentar infiel<br />

e a imediata <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> posse do suplente.<br />

Importante <strong>de</strong>stacar a alteração no tradicional entendimento do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral quanto a inocorrência <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> mandato em face <strong>de</strong> infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária,<br />

por tratar-se <strong>de</strong> “hipótese não colocada entre as causas <strong>de</strong> perda <strong>de</strong> mandato a que alu<strong>de</strong><br />

o art. 55 da Constituição”.12<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral alterou sua jurisprudência e confirmou entendimento do<br />

Tribunal Superior Eleitoral, no sentido da perda do mandato por infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária,<br />

tendo o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello <strong>de</strong>stacado que essa possibilida<strong>de</strong> surge <strong>de</strong> “emanação<br />

direta do próprio texto da Constituição, que a esse mesmo <strong>direito</strong> confere realida<strong>de</strong> e dá<br />

suporte legitimador, especialmente em face dos fundamentos e dos princípios estruturantes<br />

em que se apoia o Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, como a soberania popular, a cidadania e<br />

o pluralismo político (CF, art. 1Q, I, II e V). Não se trata, portanto, <strong>de</strong> impor, ao parlamentar<br />

infiel, a sanção da perda <strong>de</strong> mandato”, para concluir que “O ato <strong>de</strong> infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, seja ao<br />

Partido Político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um <strong>de</strong>svio<br />

ético-político, representa um inadmissível ultraje ao princípio <strong>de</strong>mocrático e ao exercício<br />

legítimo do po<strong>de</strong>r, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por<br />

razões justas, não só surpreen<strong>de</strong>m o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias<br />

<strong>de</strong> origem - <strong>de</strong>sfalcando-as da representativida<strong>de</strong> por elas conquistada nas urnas -, mas<br />

culminam por gerar um arbitrário <strong>de</strong>sequilíbrio <strong>de</strong> forças no Parlamento, vindo, até, em<br />

clara frau<strong>de</strong> à vonta<strong>de</strong> popular, e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional,<br />

a asfixiar, em face <strong>de</strong> súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política.”3<br />

Posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral editou a Resolução na 22.610/DF, <strong>de</strong><br />

25 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2007, relatada pelo Ministro Cezar Peluso, disciplinando o processo<br />

<strong>de</strong> perda <strong>de</strong> cargo eletivo, bem como <strong>de</strong> justificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiliação partidária;4 sendo<br />

o Tribunal Superior Eleitoral competente para processar e julgar os pedidos relativos a<br />

mandatos fe<strong>de</strong>rais e os Tribunais Regionais Eleitorais competentes para os <strong>de</strong>mais casos.<br />

1 TSE - Pleno - Consulta n° 1.398/DF - Rei. Min. Cezar Peluso.<br />

2 STF - P le n o -M S n a 23.405/GO - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, D iário da Justiça, Seção 1,23 abr. 2004, p. 8.<br />

3 Voto no S T F - Pleno - MS 26.603-1/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 4-10-2007.<br />

4 Nos termos d eseu art. 13: “Esta Resolução entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, aplicando-se apenas às<br />

<strong>de</strong>sfiliações consumadas após 27 (vin te e sete) <strong>de</strong> março <strong>de</strong>ste ano, quanto a mandatários eleitos p e lo sistema<br />

proporcional, e, após 16 (<strong>de</strong>zesseis) <strong>de</strong> outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema m ajoritário.”


4 8 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A resolução estabeleceu que o partido político interessado possa pedir, perante a<br />

Justiça Eleitoral, a <strong>de</strong>cretação da perda <strong>de</strong> cargo eletivo em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> <strong>de</strong>sfiliação<br />

partidária sem justa causa.<br />

O Tribunal Superior Eleitoral, na citada resolução, optou por não <strong>de</strong>finir o conceito<br />

<strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> justa causa, preferindo, contrario sensu, estabelecer como justa causa as<br />

seguintes hipóteses: incorporação ou fusão do partido; criação <strong>de</strong> novo partido; mudança<br />

substancial ou <strong>de</strong>svio reiterado do programa partidário; grave discriminação pessoal.1<br />

A Resolução n12 22.610/DF estabeleceu, ainda, como primeiro legitimado para o<br />

pedido perante a Justiça Eleitoral o próprio partido político pelo qual foi eleito o político<br />

que se <strong>de</strong>sfiliou, permitindo, porém, na hipótese <strong>de</strong> sua inércia no período <strong>de</strong> 30 dias, que<br />

o pedido seja feito por quem tenha interesse jurídico ou pelo Ministério Público Eleitoral.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por maioria <strong>de</strong> votos, <strong>de</strong>clarou <strong>constitucional</strong> a citada<br />

Resolução ne 22.610/DF editada pelo Tribunal Superior Eleitoral, afirmando que “a ativida<strong>de</strong><br />

normativa do TSE recebeu seu amparo da extraordinária circunstância <strong>de</strong> o Supremo<br />

ter reconhecido a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária como requisito para permanência em cargo eletivo<br />

e a ausência expressa <strong>de</strong> mecanismo <strong>de</strong>stinado a assegurá-lo”.2<br />

2 .7 .1 7 Co n clu sã o<br />

Uma das questões mais apaixonantes e importantes da história da <strong>de</strong>mocracia resumese<br />

em uma pergunta: Qual o melhor governo, o das leis ou dos homens?<br />

Defen<strong>de</strong>ndo o primado da lei, Platão afirmou:<br />

“Chamei aqui <strong>de</strong> servidores das leis aqueles que ordinariamente são chamados <strong>de</strong><br />

governantes, não por amor a novas <strong>de</strong>nominações, mas porque sustento que <strong>de</strong>sta<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong>penda sobretudo a salvação ou a ruína da cida<strong>de</strong>. De fato, on<strong>de</strong> a lei<br />

está submetida aos governantes e privada <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, vejo pronta a ruína da<br />

cida<strong>de</strong>; on<strong>de</strong>, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus<br />

escravos, vejo a salvação da cida<strong>de</strong> e a acumulação nela <strong>de</strong> todos os bens que os<br />

<strong>de</strong>uses costumam dar às cida<strong>de</strong>s.”3<br />

A <strong>de</strong>fesa da legalida<strong>de</strong> também foi realizada por Aristóteles:<br />

“E mais útil ser governado pelo melhor dos homens ou pelas leis melhores? Os que<br />

apoiam o po<strong>de</strong>r régio asseveram que as leis apenas po<strong>de</strong>m fornecer prescrições<br />

gerais e não provêm aos casos que pouco a pouco se apresentam, assim como em<br />

qualquer arte seria ingênuo regular-se conforme normas escritas... Todavia, aos<br />

governantes é necessária também a lei que fornece prescrições universais, pois<br />

melhor é o elemento que não po<strong>de</strong> estar submetido a paixões que o elemento em<br />

1 O § 3a do art. I a da Resolução na 22.610/DF, permite que “O mandatário quese <strong>de</strong>sfiliou ou pretenda <strong>de</strong>sfiliar-<br />

-se po<strong>de</strong> pedir a <strong>de</strong>claração da existência <strong>de</strong> justa causa, fazendo citar o partido na form a <strong>de</strong>sta Resolução.”<br />

2 STF - P len o - ADI 3.999/DF e A D I 4.086/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 12-12-2008. Ficaram<br />

vencidos os Ministros Marco Aurélio e Eros Grau, por enten<strong>de</strong>rem ter o TSE invadido matéria reservada à lei.<br />

3<br />

PLATÃO. Leis, 715d.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 485<br />

que as paixões são conaturais. Ora, a lei não tem paixões, que ao contrário se encontram<br />

necessariamente em cada alma humana.”1<br />

Assim, a supremacia da legalida<strong>de</strong> sobre o governo <strong>de</strong> homens traz, no dizer <strong>de</strong> Norberto<br />

Bobbio “duas coisas diversas embora coligadas: além do governo sub lege, que é o<br />

consi<strong>de</strong>rado até aqui, também o governo per leges, isto é, mediante leis, ou melhor, através<br />

da emanação (se não exclusiva, ao menos predominante) <strong>de</strong> normas gerais e abstratas.<br />

Umacoisa é o governo exercer o po<strong>de</strong>r segundo leis preestabelecidas, outra coisa é exercêlo<br />

mediante leis, isto é, não mediante or<strong>de</strong>ns individuais e concretas. As duas exigências<br />

não se superpõem: num estado <strong>de</strong> <strong>direito</strong> o juiz, quando emite uma sentença que é uma<br />

or<strong>de</strong>m individual e concreta, exerce o po<strong>de</strong>r sub lege mas não per leges; ao contrário, o<br />

primeiro legislador, o legislador constituinte, exerce o po<strong>de</strong>r não sub lege (salvo ao pressupor,<br />

como faz Kelsen, uma norma fundamental), mas per leges no momento mesmo<br />

em que emana uma constituição escrita. Na formação do estado mo<strong>de</strong>rno a doutrina do<br />

<strong>constitucional</strong>ismo, na qual se resume toda forma <strong>de</strong> governo sub lege, proce<strong>de</strong> no mesmo<br />

passo que a doutrina do primado da lei como fonte <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, entendida a lei, por um<br />

lado, como expressão máxima da vonta<strong>de</strong> do soberano (seja ele o príncipe ou o povo),<br />

em oposição ao consueto; por outro lado, como norma geral e abstrata, em oposição às<br />

or<strong>de</strong>ns dadas umapor vez. Que sejam consi<strong>de</strong>rados os três maiores filósofos cujas teorias<br />

acompanham a formação do estado mo<strong>de</strong>rno, Hobbes, Rousseau e Hegel: po<strong>de</strong>-se duvidar<br />

que eles <strong>de</strong>vam ser incluídos entre os fautores do governo da lei, mas certamente todos os<br />

três são <strong>de</strong>fensores do primado da lei como fonte do <strong>direito</strong>, como instrumento principal<br />

<strong>de</strong> dominação e enquanto tal prerrogativa máxima do po<strong>de</strong>r soberano”.12<br />

Ora, sendo a lei “fonte do <strong>direito</strong>”, “instrumento principal <strong>de</strong> dominação” e “prerrogativa<br />

máxima do po<strong>de</strong>r soberano”, indiscutível a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se prever a existência <strong>de</strong> um<br />

órgão estatal para sua realização. Órgão este in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e autônomo, a fim <strong>de</strong> realizar<br />

seu mister sem ingerências in<strong>de</strong>vidas <strong>de</strong> outros órgãos estatais. Para tanto, consagrou-se<br />

a separação das funções do Estado mediante critérios funcionais.<br />

A divisão segundo o critério funcional é a célebre “separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res”, que consiste<br />

em distinguir três funções estatais, quais sejam: legislação, administração e jurisdição.<br />

Estas três funções <strong>de</strong>vem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as<br />

exercerão com exclusivida<strong>de</strong>.<br />

Essa classificação foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na já citada obra<br />

Política, on<strong>de</strong> eram repartidas as funções do Estado em <strong>de</strong>liberante (consistente na tomada<br />

das <strong>de</strong>cisões fundamentais), executiva (consistente na aplicação pelos magistrados <strong>de</strong>ssas<br />

<strong>de</strong>cisões) e judiciária (consistente em fazer justiça).<br />

Posteriormente, esta teoria foi <strong>de</strong>talhada por John Locke, no Segundo tratado do governo<br />

civil, que também reconheceu três funções distintas: a legislativa (consistente em<br />

<strong>de</strong>cidir como a força pública há <strong>de</strong> ser empregada), a executiva (consistente em aplicar<br />

essa força no plano interno, para assegurar a or<strong>de</strong>m e o <strong>direito</strong>) e a fe<strong>de</strong>rativa (consistente<br />

em manter relações com outros Estados, especialmente por meio <strong>de</strong> alianças).<br />

1 ARISTÓTELES. Política, 1286a.<br />

2 BOBBIO, Norberto. O futuro da <strong>de</strong>mocracia: uma <strong>de</strong>fesa das regras do jo go . São Paulo: Paz e Terra Política,<br />

1986. p. 158.


486 Direito Constitucional • Moraes<br />

A gran<strong>de</strong> repercussão da teoria esboçada por Aristóteles e <strong>de</strong>talhada por Locke, porém,<br />

<strong>de</strong>u-se com a obra <strong>de</strong> Montesquieu, O espírito das Leis, a quem <strong>de</strong>vemos a divisão e<br />

distribuição clássicas entre Executivo, Legislativo e Judiciário.<br />

A separação dos po<strong>de</strong>res tornou-se princípio fundamental da organização política<br />

liberal, transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem<br />

e do Cidadão.<br />

Cabendo, portanto, ao Po<strong>de</strong>r Legislativo a função legiferante, necessária se torna<br />

a previsão <strong>de</strong> diversas garantias para o bom e livre funcionamento do parlamento e fiel<br />

execução das tarefas por parte dos legisladores.<br />

Rousseau afirmava que<br />

“o legislador é, sob todos os pontos <strong>de</strong> vista, um homem extraordinário no Estado.<br />

Se o é pelo seu talento, não o é menos pelo seu cargo. Não é este <strong>de</strong> magistratura,<br />

nem <strong>de</strong> soberania. Este cargo, que constitui a República, não entra em sua<br />

constituição: é uma função particular e superior, que nada tem <strong>de</strong> comum com<br />

o império humano, porque se aquele que manda nos homens não <strong>de</strong>ve dominar<br />

sobre as leis, aquele que domina as leis, tampouco <strong>de</strong>ve mandar nos homens. Do<br />

contrário, com as leis do tirano, ministro <strong>de</strong> suas paixões, não farão, muitas vezes,<br />

senão perpetuar suas injustiças e nunca po<strong>de</strong>rão evitar que opiniões particulares<br />

alterem o saneamento <strong>de</strong> sua obra”.1<br />

Para o exercício <strong>de</strong> tão importante função, os diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos<br />

consagram regras sobre imunida<strong>de</strong>s parlamentares, ora menos abrangentes, ora mais<br />

abrangentes, mas sempre visando <strong>de</strong> forma imediata à <strong>de</strong>fesa do parlamento e mediatamente<br />

a manutenção do primado da legalida<strong>de</strong> e da própria existência e sobrevivência<br />

da <strong>de</strong>mocracia.<br />

3 PODER EXECUTIVO<br />

Nossa tradição presi<strong>de</strong>ncialista iniciou-se com a primeira Constituição da República<br />

dos Estados Unidos do Brazil, promulgada em 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1891 (“art. 41. Exerceo<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo o Presi<strong>de</strong>nte da República dos Estados Unidos do Brazil, como chefe electivo<br />

da nação”), e manteve-se nas constituições seguintes, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1934 (“art. 51.<br />

O Po<strong>de</strong>r Executivo é exercido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República”), <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1937<br />

(“art. 73. O Presi<strong>de</strong>nte da República, autorida<strong>de</strong> suprema do Estado, coor<strong>de</strong>na a ativida<strong>de</strong><br />

dos órgãos representativos, <strong>de</strong> grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou<br />

orienta a política legislativa <strong>de</strong> interesse nacional, e superinten<strong>de</strong> a administração do país”),<br />

<strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1946 (“art. 78. O Po<strong>de</strong>r Executivo é exercido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República”),<br />

<strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1967 (“art. 74. O Po<strong>de</strong>r Executivo é exercido pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, auxiliado pelos Ministros <strong>de</strong> Estado”), inclusive com a redação dada pela EC<br />

ne 01, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1969 (“art. 7 3 .0 Po<strong>de</strong>r Executivo é exercido pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República auxiliado pelos Ministros <strong>de</strong> Estado”); e, finalmente, pela atual Constituição da<br />

í<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Op. cit. Cap. 7.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 487<br />

R epública Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, p ro m u lgad a em 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988 ( “art. 76. O Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo é exercido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República auxiliado pelos Ministros <strong>de</strong> Estado”).<br />

A história do Presi<strong>de</strong>ncialism o inicia-se com a Constituição norte-am ericana <strong>de</strong> 1787,1<br />

a análise <strong>de</strong> suas características, bem com o d o <strong>de</strong>senvolvim ento <strong>de</strong> seus institutos, e vem<br />

sendo realizada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os escritos <strong>de</strong> Jay, M ad ison e Ham ilton, nos artigos fe<strong>de</strong>ralistas,<br />

publicados sob o codinom e Publius, durante os anos <strong>de</strong> 1787-1788, até os dias <strong>de</strong> hoje, e<br />

m ostra que se trata <strong>de</strong> um regim e <strong>de</strong> governo basead o principal e quase unicam ente em<br />

u m a figura central - o Presi<strong>de</strong>nte da República.12<br />

S ão características básicas do presi<strong>de</strong>ncialism o:3<br />

• ser u m sistem a <strong>de</strong> govern o su rgid o com o m o d e lo clássico da sep aração <strong>de</strong><br />

Po<strong>de</strong>res apontado p o r M ontesquieu;4<br />

• con sagrar a unipessoalida<strong>de</strong> n a Chefia d o Estado e n a Chefia <strong>de</strong> G overn o. O<br />

Presi<strong>de</strong>n te da R epública, com o chefe <strong>de</strong> Estado, representa o país nas suas<br />

relações internacionais, bem com o corporifica a u n id ad e interna d o Estado.<br />

C om o chefe <strong>de</strong> G overno, a fu n ç ã o presi<strong>de</strong>ncial correspon<strong>de</strong> à representação<br />

interna, na gerência dos negócios internos, tanto <strong>de</strong> natureza política (participação<br />

no processo legislativo), com o <strong>de</strong> natureza em inentem ente adm inistrativa.<br />

Assim, o Chefe <strong>de</strong> Governo exercerá a li<strong>de</strong>rança da política nacional, pela<br />

orientação das <strong>de</strong>cisões gerais e pela direção da m áquina administrativa;<br />

• garan tir a in<strong>de</strong>pendência entre Executivo e Legislativo. N o presi<strong>de</strong>ncialism o,<br />

o P o d e r Executivo concentra-se na pesso a d o Presi<strong>de</strong>nte, que o exerce, em<br />

re g ra , sem responsabilida<strong>de</strong> política perante o P o d er Legislativo, q u e som ente<br />

p o<strong>de</strong>rá ser ju lg a d o por crim es <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> em casos extrem ados com o<br />

o impeachment.5 A irresponsabilida<strong>de</strong> política d o Chefe do Executivo en glo b a<br />

1 COOLEY, Thomas Mclntyre. The general principies of constitutional law in the United States ofAmerica. 3. ed.<br />

Boston: Little, Brown and Company, 1898. p. 52; ROBISON, Donald L. To the best ofmy ability: the presi<strong>de</strong>ncy<br />

the constitution. New York: W. W. Norton & Company, 1987. p. 18-19.<br />

2 Conferir a respeito: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Presi<strong>de</strong>ncialismo. São Paulo: Atlas, 2004.<br />

3 ROBISON, Donald L. To the best ofm y ability: the presi<strong>de</strong>ncy the constitution. New York: W. W. Norton &<br />

Company, 1987. p. 87 ss; LEARNED, Henry Barrett. The presi<strong>de</strong>nt’s cabinet: studies in the origin, formation and<br />

structure of an american institution. New Haven: Yale University Press, 1912. p. 379; CORWIN, Edward S.;<br />

KOENING, LouisW .Thepresi<strong>de</strong>ncy today. New York: New York University Press, 1956. p. 2; ROSSITER, Clinton.<br />

American presi<strong>de</strong>ncy. New York: New American, 1940. p. 13 ss; DAHL, Robert A. Democracia. Brasília: UnB,<br />

2001. p. 131; BOGNETTI, Giovanni. Lo spirito <strong>de</strong>i costituzionalismo americano. Hirim: G. Gioppichelli, 2000.<br />

v. 2, p. 241 ss.; ASSIS-BRASIL, J. F. <strong>de</strong>. Do governo presi<strong>de</strong>ncial na república brasileira. 2. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Calvino, 1934. p. 141 ss.<br />

4 BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 296-297; FERREIRA FILHO,<br />

Manoel Gonçalves. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 139.<br />

5 PIOUS, Richard M. Impeaching the presi<strong>de</strong>nt: the intersection of constitutional and popular law. Saint<br />

Louis University Law Journal, SaintLouis,ano3,v.43,p. 859-904,1999; GOLDSTEIN, JoelK. Thepresi<strong>de</strong>ncy<br />

and the rule of law: some preliminary explorations. Saint Louis University Law Journal, Saint Louis, ano<br />

3, v. 43, p. 791-852, 1999. Como lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “nem a reunião do Legislativo<br />

pressupõe necessariamente a convocação do chefe <strong>de</strong> Estado, como sucedia nas monarquias, nem po<strong>de</strong> ele<br />

pôr fim, por qualquer razão, ao mandato dos parlamentares, dissolvendo a Câmara e convocando novas<br />

eleições. Nem po<strong>de</strong> a Câmara <strong>de</strong>stituir o Presi<strong>de</strong>nte que não contar com sua confiança, só po<strong>de</strong>ndo fazer


4 8 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

seu ministério, por ele <strong>de</strong>missível ad nutum, sem nenhuma <strong>de</strong>pendência ou<br />

vinculação política com o Congresso; pois, na implantação da Separação <strong>de</strong><br />

Po<strong>de</strong>res pelos Estados Unidos da América, os po<strong>de</strong>res são iguais e visam a um<br />

relacionamento harmônico, não po<strong>de</strong>ndo nenhum <strong>de</strong>les atentar contra a existência,<br />

in<strong>de</strong>pendência ou funcionamento dos <strong>de</strong>mais. Assim, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República não possui o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dissolver o Congresso Nacional, e tampouco<br />

o Po<strong>de</strong>r Legislativo po<strong>de</strong> <strong>de</strong>mitir o Chefe do Executivo ou influir na escolha <strong>de</strong><br />

seus auxiliares diretos (Ministros, Secretários);1<br />

• prever a <strong>de</strong>rivação dos po<strong>de</strong>res presi<strong>de</strong>nciais diretamente do povo, em virtu<strong>de</strong><br />

seja - em regra - por eleições diretas, seja - excepcionalmente - por eleições<br />

indiretas, como ocorre nos Estados Unidos da América, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início do<br />

presi<strong>de</strong>ncialismo;*12<br />

• po<strong>de</strong>r responsabilizar o Presi<strong>de</strong>nte da República, penal e politicamente, por<br />

crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />

O Po<strong>de</strong>r Executivo constitui órgão <strong>constitucional</strong> cuja função precípua é a prática dos<br />

atos <strong>de</strong> chefia <strong>de</strong> estado, <strong>de</strong> governo e <strong>de</strong> administração.<br />

A Chefia do Po<strong>de</strong>r Executivo foi confiada pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, a quem compete seu exercício, auxiliado pelos Ministros <strong>de</strong> Estado, compreen<strong>de</strong>ndo,<br />

ainda, o braço civil da administração (burocracia) e o militar (Forças Armadas),<br />

consagrado mais uma vez o presi<strong>de</strong>ncialismo, concentrando n a figura <strong>de</strong> uma única pessoa<br />

a chefia dos negócios do Estado e do Governo.<br />

Apesar <strong>de</strong> a clássica separação dos Po<strong>de</strong>res ter sido adotada pelo constituinte <strong>de</strong> 1988,<br />

no art. 2a, ao afirmar que são Po<strong>de</strong>res da União, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos entre si, o<br />

Legislativo, o Executivo e o Judiciário, foram consagradas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, como<br />

já visto anteriormente, em relação a todos os Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, funções típicas e atípicas,<br />

inexistindo, pois, exclusivida<strong>de</strong> absoluta, no exercício dos misteres constitucionais.<br />

O Executivo, portanto, além <strong>de</strong> administrar a coisa pública (função típica), <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>riva o nome república (res publica), também legisla (art. 62 - Medidas Provisórias) e<br />

julga (contencioso administrativo), no exercício <strong>de</strong> suas funções atípicas.<br />

Aponte-se que Montesquieu concebeu o Po<strong>de</strong>r Executivo como <strong>de</strong>finidor e realizador<br />

constante da política <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m interna e das relações exteriores.<br />

Com tão amplas atribuições, que repetiram regra clássica do <strong>constitucional</strong>ismo brasileiro<br />

<strong>de</strong> concentração <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r pessoal do Presi<strong>de</strong>nte, houve necessida<strong>de</strong> do legislador<br />

constituinte em garantir a imparcial e livre atuação, balizada por óbvio, pelos princípios<br />

constitucionais e pela legalida<strong>de</strong>, do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, afim <strong>de</strong> manter-se a in<strong>de</strong>com<br />

sanção <strong>de</strong> um crim e” (FERREIRA FILH O , M a n oel Gonçalves. C u r s o d e d ir e it o <strong>constitucional</strong>. 27. ed. São<br />

Paulo: Saraiva, 2001. p. 139).<br />

1 VASCONCELOS, Pedro Carlos Bacelar. A s e p a ra ç ã o d os p o d e re s na c o n s t it u iç ã o a m e r ic a n a . Coimbra: Coimbra<br />

Editora, 1994. p. 23 ss; ASSIS-BRASIL, J. F. <strong>de</strong>. D o g o v e r n o p r e s id e n c ia l n a r e p ú b lic a b r a s ile ir a . 2. ed. Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro: Calvino, 1934. p. 141 ss.<br />

2 FERREIRA FILHO, M anoel G onçalves. C u r s o d e d ir e it o c o n s t it u c io n a l. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.<br />

139; BONAVIDES, Paulo. C iê n c ia p o lít ic a . 10. ed. São Paulo: M alheiros, 2000. p. 296-297.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 8 9<br />

pendência e harmonia dos Po<strong>de</strong>res da República, fixando-se prerrogativas e imunida<strong>de</strong>s<br />

para o Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

Assim, igualmente aos congressistas, o Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral é eleito pelo<br />

povo e possui várias prerrogativas e imunida<strong>de</strong>s que, apesar <strong>de</strong> comumente estudadas<br />

sob outros aspectos, são garantias para o in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial exercício da chefia<br />

da Nação.<br />

3.1 Estrutura do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

3.1.1 Chefe d e Estado e Chefe d e Governo<br />

Na estrutura do Po<strong>de</strong>r Executivo verifica-se a existência <strong>de</strong> duas funções primordiais<br />

diversas, quais sejam, a <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Governo.<br />

Nosso texto <strong>constitucional</strong> expressamente adotou o presi<strong>de</strong>ncialismo, proclamando<br />

a junção das funções <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Estado e Chefe <strong>de</strong> Governo, a serem realizadas pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, prevendo-as no art. 84 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim, como chefe <strong>de</strong> Estado, o presi<strong>de</strong>nte representa, pois, nas suas relações internacionais<br />

(art. 84, VII e VIII, XIX), bem como corporifica, a unida<strong>de</strong> interna do Estado.<br />

Como chefe <strong>de</strong> Governo, a função presi<strong>de</strong>ncial correspon<strong>de</strong> à representação interna,<br />

na gerência dos negócios internos, tanto os <strong>de</strong> natureza política (participação no processo<br />

legislativo), como nos <strong>de</strong> natureza eminentemente administrativa (art. 84,1, II, III, IV, V,<br />

VI, IX a XXVII). Assim, o Chefe <strong>de</strong> Governo exercerá a li<strong>de</strong>rança da política nacional, pela<br />

orientação das <strong>de</strong>cisões gerais e pela direção da máquina administrativa.<br />

A acumulação <strong>de</strong>stas funções revela que o legislador constituinte adotou o sistema<br />

presi<strong>de</strong>ncialista <strong>de</strong> governo, que difere do parlamentarista. Neste, a função <strong>de</strong> chefe <strong>de</strong><br />

Estado é exercida pelo Presi<strong>de</strong>nte ou Monarca e a <strong>de</strong> chefe <strong>de</strong> Governo, pelo Primeiro<br />

Ministro que chefia o gabinete.<br />

3.1.2 Modo d e investidura e posse no cargo d e P re sid en te da R epública<br />

O presi<strong>de</strong>nte e vice-presi<strong>de</strong>nte da República são eleitos pelo sistema eleitoral majoritário,<br />

que consiste naquele em que será consi<strong>de</strong>rado vencedor o candidato que obtiver<br />

maior número <strong>de</strong> votos, tendo, historicamente, firmado-se, como salienta Dieter Nohlen,<br />

como método <strong>de</strong> escolha dos representantes, tanto na Grécia quanto na República Romana,<br />

por constituir à época reflexo da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática,1somente passando a sofrer<br />

comparações com o sistema proporcional a partir do final do século XIX.12 Trata-se, pois,<br />

do sistema eleitoral mais antigo utilizado historicamente.3<br />

1 NOHLEN, Dieter. S is te m a s e le c t o r a le s d e i m u n d o . Madri: Centro <strong>de</strong> estúdios <strong>constitucional</strong>es, 1981. p. 82.<br />

2 DUVERGER,Maurice. In s titu á o n e s ... Op. cit.p . 103;D A H L.R obertA .D e m o c r a c ia .Brasília: UnB,2001.p . 142.<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. A d e m o c r a c ia n o l i m i a r d o s é c u lo X X l. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 167.


490 Direito Constitucional • Moraes<br />

O sistema majoritário, em regra, divi<strong>de</strong>-se em duas espécies básicas: sistema majori<br />

tário puro ou simples e sistema majoritário <strong>de</strong> dois turnos.1<br />

Pelo primeiro - sistema majoritário puro ou simples -, será consi<strong>de</strong>rado eleito o candidato<br />

que obtiver o maior número <strong>de</strong> votos. Por exemplo, a Constituição brasileira <strong>de</strong><br />

1988 prevê esse sistema para a eleição <strong>de</strong> Senadores da República (CF, art. 46) e também<br />

para a eleição <strong>de</strong> prefeitos municipais em Municípios com menos <strong>de</strong> 200 mil eleitores (CF,<br />

art. 29, II).<br />

Diferentemente, pelo sistema majoritário <strong>de</strong> dois turnos será consi<strong>de</strong>rado eleito o candidato<br />

que obtiver a maioria absoluta dos votos válidos.12 Caso não obtenha na primeira<br />

votação, <strong>de</strong>verá ser realizado novo escrutínio.<br />

Esse método é adotado no Brasil para as eleições <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, Governadores<br />

dos Estados e Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Prefeitos <strong>de</strong> Municípios, com mais <strong>de</strong> 200 mil<br />

eleitores (CF, art. 77).<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República é eleito simultaneamente com um Vice-presi<strong>de</strong>nte, através<br />

do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, em pleito realizado no primeiro<br />

domingo <strong>de</strong> outubro, em primeiro turno, e no último domingo <strong>de</strong> outubro, em segundo<br />

turno, se houver, do ano anterior ao término do mandato presi<strong>de</strong>ncial vigente, conforme<br />

redação dada pela Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, que, igualmente, passou a<br />

adotar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reeleição do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo para um único período<br />

subsequente (CF, art. 14, § 52).3<br />

O modo <strong>de</strong> eleição e a duração do mandato, bem como os requisitos <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong><br />

para a presidência, aplicam-se à vice-presidência, uma vez que o vice <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da eleição<br />

do titular, <strong>de</strong> quem foi inscrito candidato à suplência.<br />

Excepcionalmente, o Ato das Disposições Constitucionais transitórias <strong>de</strong>terminou, em<br />

seu art. 4a, § I a, que a primeira eleição para Presi<strong>de</strong>nte da República após a promulgação<br />

da Constituição fosse realizada no dia 15-11-1989, não se lhe aplicando o disposto no<br />

art. 16 da Carta Magna.4<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige alguns requisitos para a candidatura ao cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

e Vice-presi<strong>de</strong>nte da República:<br />

a. ser brasileiro nato (art. 12, § 3a);<br />

b. estar no gozo dos <strong>direito</strong> políticos;<br />

1 Cf. FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Curso... Op. dt. p. 102.<br />

2 Conferir, nesse sentido: SARTO RI, Giovanni. Engenharia <strong>constitucional</strong>: co m o m udam as constituições.<br />

Brasilia: UnB, 1996. p. 17; DUVERGER, Maurice. Instituciones... Op. cit. p. 104; FERREIRA FILH O , M an oel<br />

Gonçalves. A <strong>de</strong>mocracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 167.<br />

3 O texto original da CF/88 dizia: “ Art. 77. A eleição do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte da República realizar-<br />

-se-á, simultaneamente, noventa dias antes do término do mandato presi<strong>de</strong>ncial vigente.” Dessa form a, conforme<br />

salientávamos na I a edição <strong>de</strong>sta obra, o mandato presi<strong>de</strong>ncial se inicia em 1° <strong>de</strong> janeiro do ano seguinte a o da<br />

eleição, lo go o término do mandato presi<strong>de</strong>ncial ocorre em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro, e, consequentemente, a eleição<br />

<strong>de</strong>veria ser realizada em 3 <strong>de</strong> outubro do mesmo ano (prim eiro tu rn o).<br />

4 Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação, não se aplicando à<br />

eleição que ocorra até um ano da data <strong>de</strong> sua vigência.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 9 1<br />

c. ter mais <strong>de</strong> 35 anos;<br />

d. não ser inelegível (inalistáveis, analfabetos, reeleição, cônjuge, parentes consanguíneos<br />

e afins até o segundo grau ou por adoção do Presi<strong>de</strong>nte da República);<br />

e. possuir filiação partidária.<br />

A eleição dar-se-á em dois tumos <strong>de</strong> votação, sendo consi<strong>de</strong>rado eleito Presi<strong>de</strong>nte o<br />

candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta <strong>de</strong> votos, não<br />

computados os em branco e os nulos. Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na<br />

primeira votação, a ser realizada no primeiro domingo <strong>de</strong> outubro, far-se-á nova eleição no<br />

último domingo <strong>de</strong>sse mês, concorrendo os dois candidatos mais votados e consi<strong>de</strong>rando-se<br />

eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos.<br />

Em ambos os turnos, portanto, embora aparente diferenciação feita pelo texto <strong>constitucional</strong>,<br />

será consi<strong>de</strong>rado eleito o candidato que obtiver mais votos que todos os <strong>de</strong>mais<br />

candidatos, sejam vários op>onentes (I a turno), seja um único (2a turno).<br />

Dessa forma, será consi<strong>de</strong>rado eleito o candidato que obtiver a maioria absoluta dos<br />

votos válidos dados em candidatos,1 excluindo-se todos os votos em branco e os votos nulos.12<br />

Esse entendimento vai <strong>de</strong> encontro às lições <strong>de</strong> Maurice Duverger, ao apontar que,<br />

na França, o 2a turno <strong>de</strong>nomina-se escrutínio <strong>de</strong> ballottage, em que a maioria relativa é<br />

suficiente, ou seja, a maioria dos votos em candidatos,3 pois como salienta Giovanni Sartori,<br />

“quanto aos sistemas <strong>de</strong> dois turnos (...) é evi<strong>de</strong>nte que, se só dois candidatos são<br />

admitidos no segundo turno, um <strong>de</strong>les será vencedor com maioria absoluta”.4<br />

Ressalte-se que, apesar da Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, ter estabelecido<br />

o último domingo <strong>de</strong> outubro como a data para eleição presi<strong>de</strong>ncial em segundo turno,<br />

esqueceu-se <strong>de</strong> dar nova redação ao § 3a do art. 77, que continuou prevendo a ocorrência<br />

<strong>de</strong> nova eleição (segundo turno) em até 20 dias ap>ós a proclamação do resultado do<br />

primeiro turno, se nenhum dos candidatos alcançar maioria absoluta. Enten<strong>de</strong>mos, por<br />

tratar-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> posterior regulamentadora <strong>de</strong> mesmo assunto, que <strong>de</strong>va<br />

prevalecer a EC na 16/97, no tocante à data do segundo turno quando necessário for, ou<br />

seja, último domingo <strong>de</strong> outubro, continuando, porém, com plena vigência e eficácia a regulamentação<br />

do § 3a do art. 77, no que diz respeito ao quorum necessário para a eleição<br />

em primeiro e segundo turnos.<br />

Se, antes <strong>de</strong> realizado o segundo turno, ocorrer morte, <strong>de</strong>sistência ou impedimento<br />

legal <strong>de</strong> candidato, convocar-se-á, entre os remanescentes, o <strong>de</strong> maior votação. Se, ainda<br />

nesta hipótese, remanescerem candidatos com a mesma votação, qualificar-se-á o mais<br />

1 Nesse sentido, conferir: TSE - Resolução na 16.087 - Consulta na 10.747 - Classe 10a - Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

(Brasília), Rei. Min. O ctávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 7-12-89.<br />

2 Conferirnesse sentido, <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que consi<strong>de</strong>rou como nulos os votos conferidos<br />

a candidatos inelegíveis ou não registrados, excluindo-os do cômputo geral para efeito <strong>de</strong> obtenção da m aioria<br />

absoluta dos votos válidos dados em candidatos (STF - Pleno - ROMS ns 24.485-6/M A- Rei. Min. Carlos Velloso,<br />

D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,12 mar. 2004, p. 39).<br />

3 DUVERGER, Maurice. In s titu c io n e s p o lít ic a s y d e re c h o c o n s t it u c io n a l. Barcelona: A riel, 1962. p. 103.<br />

4 SARTORI, Giovanni. E n g e n h a r ia c o n s t it u c io n a l: co m o mudam as constituições. Brasília: UnB, 1996. p. 18.<br />

Conferir, no mesmo sentido: FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. A d e m o c r a c ia n o l i m i a r d o s é c u lo X X I. São<br />

Paulo: Saraiva, 2001. p. 173.


4 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

idoso. Todavia, se a morte do candidato eleito para o cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte ocorrer após o 2Q<br />

turno do pleito eleitoral, porém, antes da expedição do diploma, o vice-presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>verá<br />

ser consi<strong>de</strong>rado eleito, adquirindo o <strong>direito</strong> subjetivo ao mandato <strong>de</strong> Chefe do Executivo,1<br />

uma vez que a eleição é realizada simultaneamente para ambos os cargos.<br />

Assim, em virtu<strong>de</strong> da previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eleição simultânea <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte e<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte (chapa majoritária), po<strong>de</strong>remos ter as seguintes situações:12<br />

• a morte, <strong>de</strong>sistênciaou impedimento do candidato à Chefia do Executivo, antes<br />

do I a turno <strong>de</strong> votação, acarreta o fim da candidatura da chapa majoritária,<br />

possibilitando sua substituição pela convenção partidária;<br />

• a nulida<strong>de</strong> da votação do Chefe do Executivo acarreta a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> votação<br />

<strong>de</strong> toda a chapa majoritária;<br />

• a morte, <strong>de</strong>sistência ou impedimento do candidato à Chefia do Executivo, após<br />

o primeiro turno <strong>de</strong> votação e antes do segundo, <strong>de</strong>termina a convocação, entre<br />

os remanescentes, do candidato com maior votação;<br />

• a morte, <strong>de</strong>sistência ou impedimento do candidato eleito à Chefia do Executivo,<br />

antes da diplomação, mantém a eleição do candidato à vice-Chefia do Executivo,<br />

que <strong>de</strong>verá ser diplomado como titular do Po<strong>de</strong>r Executivo e tomar posse no<br />

dia I a <strong>de</strong> janeiro, na condição <strong>de</strong> titular do cargo;<br />

• a morte, <strong>de</strong>sistência ou impedimento do candidato eleito e diplomado à Chefia<br />

do Executivo mantém a eleição e diplomação do candidato à vice-Chefia do<br />

Executivo que tomará posse, no dia l e <strong>de</strong> janeiro, na condição <strong>de</strong> titular do<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

A posse presi<strong>de</strong>ncial ocorrerá no dia I a <strong>de</strong> janeiro, porém e, <strong>de</strong>corridos 10 dias da<br />

data fixada, se o Presi<strong>de</strong>nte ou o Vice-presi<strong>de</strong>nte, salvo motivo <strong>de</strong> força maior, não tiverem<br />

assumido os cargos, estes serão <strong>de</strong>clarados vagos.<br />

A Constituição não diz quem <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>clarar a vacância, porém, por se tratar <strong>de</strong> ato<br />

político, <strong>de</strong>ve ser feito pelo próprio Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

Po<strong>de</strong>rá ocorrer uma segunda hipótese. No caso <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte não comparecer, mas<br />

o Vice-presi<strong>de</strong>nte sim, este assumirá a Presidência da República.<br />

Esta assunção será <strong>de</strong>finitiva se a ausência do Presi<strong>de</strong>nte, imotivada ou motivada,<br />

gerar a impossibilida<strong>de</strong> absoluta <strong>de</strong> sua investidura.<br />

A posse presi<strong>de</strong>ncial dar-se-á em sessão do Congresso Nacional, prestando-se o compromisso<br />

<strong>de</strong> manter, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e cumprir a constituição, observar as leis, promover o bem<br />

geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integrida<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendência do Brasil.<br />

1 Nesse sentido, em relação à eleição para Prefeito e vice-prefeito, <strong>de</strong>cidiu o Tribunal Superior Eleitoral que:<br />

“ Vice-prefeito. Diplomação e posse no cargo <strong>de</strong> prefeito. O falecim ento <strong>de</strong> candidato eleito para o cargo <strong>de</strong> prefeito<br />

, ainda que antes da expedição <strong>de</strong> diploma, transfere ao vice-prefeito o <strong>direito</strong> subjetivo ao m andato como<br />

titular” (TSE - A gravo Regim ental no A gravo <strong>de</strong> Instrumento n ° 2.081 - Classe 2a - São Paulo - Gália - Rei. Min.<br />

Eduardo Ribeiro, Diário da Justiça, Seção 1,24 mar. 2000. p. 125).<br />

2 TSE - CT n° 1.204/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção I, 7 ago. 2006, p. 136; TSE - AI n°<br />

6.462/AL - Rei. Min. Cesar Asfor Rocha, Diário da Justiça, Seção 1,29 ago. 2006, p. 78.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 9 3<br />

A duração do mandato presi<strong>de</strong>ncial, atualmente, é <strong>de</strong> 4 (quatro) anos. A Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral fixou, inicialmente, a duração do mandato do Presi<strong>de</strong>nte da República em 5 (cinco)<br />

anos, porém, em virtu<strong>de</strong> da Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão ne 5, <strong>de</strong> 7-6-1994, ficou<br />

estabelecida nova duração a esse mandato, que passou a ser <strong>de</strong> 4 (quatro) anos, sempre<br />

vedada a reeleição para o período subsequente. Novamente, esse dispositivo <strong>constitucional</strong><br />

foi alterado, pela Emenda Constitucional nfi 16, <strong>de</strong> 4-6-1997, que apesar <strong>de</strong> manter<br />

a duração do mandato presi<strong>de</strong>ncial em 4 (quatro) anos, suprimiu a vedação à reeleição,<br />

que passou a ser permitida para um único período subsequente, nos termos do art. 14, §<br />

5a, do texto maior.<br />

As constituições <strong>de</strong> 1891 e 1934 fixavam-no também em quatro anos, duração estendida<br />

pela Carta <strong>de</strong> 1937, para seis anos. Posteriormente, a Constituição <strong>de</strong> 1946 reduziu-o<br />

para cinco anos, prazo esse mantido pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967 e alterado pela<br />

Emenda Constitucional ne 8, retornando-o a seis anos.<br />

3.1.3 Vacância da P re sid ê n cia da R epública<br />

Ao Vice-presi<strong>de</strong>nte cabe substituir o Presi<strong>de</strong>nte, nos casos <strong>de</strong> impedimento (licença,<br />

doença, férias) e suce<strong>de</strong>r-lhe no caso <strong>de</strong> vaga.<br />

Em caso <strong>de</strong> impedimento do Presi<strong>de</strong>nte e do Vice-presi<strong>de</strong>nte, ou vacância dos respectivos<br />

cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência: o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

Câmara dos Deputados, o do Senado Fe<strong>de</strong>ral e o do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Interessante a observação feita por Marcelo Caetano sobre a história <strong>constitucional</strong><br />

brasileira, nos lembrando que<br />

“os momentos mais importantes em que o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos <strong>de</strong>putados<br />

assumiu a presidência da República foram: em novembro <strong>de</strong> 1955, por doença do<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte em exercício Café Filho; em agosto <strong>de</strong> 1961, quando da renúncia<br />

<strong>de</strong> Jânio Quadros, por estar o Vice-presi<strong>de</strong>nte ausente do País; e em 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong><br />

1964, por ter sido revolucionariamente <strong>de</strong>posto o Presi<strong>de</strong>nte Goulart. O Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral assumiu a presidência da República em novembro <strong>de</strong> 1955,<br />

em seguida ao impedimento e posterior renúncia do Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos<br />

<strong>de</strong>putados. O Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>sempenhou as funções <strong>de</strong><br />

Presi<strong>de</strong>nte da República a partir <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1945, após a <strong>de</strong>posição revolucionária<br />

<strong>de</strong> Getúlio Vargas, por não estarem funcionando os órgãos legislativos<br />

e não haver portanto quem lhe preferisse na or<strong>de</strong>m da sucessão, até 31 <strong>de</strong> janeiro<br />

<strong>de</strong> 1946, data da posse do novo presi<strong>de</strong>nte eleito Gaspar Dutra”.1<br />

Po<strong>de</strong>riamos acrescentar a esta narrativa a assunção, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento inicial do<br />

mandato e em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> doença e posterior falecimento <strong>de</strong> Tancredo Neves, do Presi<strong>de</strong>nte<br />

José Sarney; e a assunção do Presi<strong>de</strong>nte Itamar Franco, em virtu<strong>de</strong> da renúncia ao cargo<br />

do Presi<strong>de</strong>nte Fernando Collor <strong>de</strong> Mello.<br />

í<br />

Op. cit. v. 2, p. 328.


4 9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Importante ressalvar, porém, que a sucessão presi<strong>de</strong>ncial, no caso <strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva<br />

do cargo, antes do término do mandato, possui regras diferenciadas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

<strong>de</strong> quem o substitua, bem como do período faltante para o término do mandato. Assim,<br />

somente o Vice-presi<strong>de</strong>nte da República suce<strong>de</strong>rá o Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>finitivamente em caso<br />

<strong>de</strong> vacância permanente do cargo, enquanto os Presi<strong>de</strong>ntes da Câmara dos Deputados, do<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral somente o substituirão temporariamente,<br />

ocorrendo da seguinte forma:<br />

• Vice-presi<strong>de</strong>nte: no caso <strong>de</strong> vacância do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte, assumirá e completará<br />

o mandato, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do lapso temporal faltante.<br />

• Presi<strong>de</strong>nte da Câmara, Presi<strong>de</strong>nte do Senado ou Presi<strong>de</strong>nte do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: somente assumirão no caso da vacância dos cargos <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte<br />

e Vice, sempre em caráter temporário. Assim, vagando os cargos <strong>de</strong><br />

Presi<strong>de</strong>nte e Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, po<strong>de</strong>rão ocorrer duas hipóteses:<br />

a. Vacância nos dois primeiros anos: far-se-á eleição 90 dias <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aberta a<br />

última vaga (eleição direta);<br />

b. Vacância nos últimos dois anos do período presi<strong>de</strong>ncial, a eleição para ambos<br />

os cargos será feita 30 dias <strong>de</strong>pois da última vaga, pelo Congresso Nacional,<br />

na forma da lei. Dessa forma, a CF prevê uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleição<br />

indireta para a Presidência da República (CF, art. 81, § I a) em hipótese<br />

excepcionalíssima ao art. 14, caput, da Carta.1<br />

Em qualquer das hipóteses, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral é expressa ao <strong>de</strong>terminar que o<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte ou qualquer dos eleitos somente complete o período <strong>de</strong> seus antecessores.<br />

Os substitutos eventuais do Chefe do Executivo quando convocados exercem normalmente<br />

os po<strong>de</strong>res e atribuições do Presi<strong>de</strong>nte da República (por exemplo: sanção, veto,<br />

edição <strong>de</strong> medida provisória, nomeação <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, iniciativa <strong>de</strong> lei etc.).<br />

3.1.4 A trib u içõ e s do P re sid en te da R e pública<br />

Tendo adotado o sistema presi<strong>de</strong>ncialista, as funções <strong>de</strong> Chefe <strong>de</strong> Estado e <strong>de</strong> Governo<br />

acumulam-se na figura presi<strong>de</strong>ncial e são <strong>de</strong>scritas no art. 84, competindo-lhe, privati­<br />

1 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão da Constituição estadual <strong>de</strong> eleições indiretas<br />

para o provimento dos cargos <strong>de</strong> Governador e Vice-Governador, nos mesmos mol<strong>de</strong>s da previsão da Carta Magna,<br />

apesar do <strong>de</strong>staque feito pelo relator da inaplicabilida<strong>de</strong> obrigatória do princípio da simetria (STF - Pleno - ADI<br />

4298-MC/TO e ADI 4309-MC/TO - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 7-10-2009). É o mesmo entendimento do<br />

Tribunal Superior Eleitoral, que, porém enten<strong>de</strong> aplicar-se o princípio da simetria (TSE - Pleno - MS 186-34/<br />

R J -R e l. Min. Marcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2011; T S E -P le n o -M S 186-34/RJ - Rei. Min. M arcelo Ribeiro, DJe<br />

3-3-2011; T S E -P le n o -A g ra v o Regim ental em MS 790-92/CE-Rel. Min. M arcelo Ribeiro, <strong>de</strong>cisão: 19-5-2011<br />

(nesse caso, mesmo a eleição direta sendo realizada n o segundo biênio d o mandato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que as vacâncias<br />

tenham ocorrido no prim eiro biên io). As hipóteses se referem a eleições municipais, Há, porém , <strong>de</strong>cisão em<br />

contrário do próprio TSE, no MS 539-74/PB, Red. p/Acórdão Min. Nancy Andrighi, <strong>de</strong>cisão: 9-6-2011, e MS<br />

704-24/CE, Rei. Min. N an cy Andrighi, <strong>de</strong>cisão: 30-6-2011, on<strong>de</strong> a m aioria <strong>de</strong>cidiu pela inaplicabilida<strong>de</strong> do<br />

princípio da simetria se houvesse expressa previsão em contrário na Lei Orgânica. Mas em <strong>de</strong>cisão ocorrida<br />

posteriorm ente, o TSE voltou a insistir na aplicabilida<strong>de</strong> do princípio da simetria: TSE - Pleno - MS 1181-47/<br />

RJ - ReL Min. Nancy Andrighi, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2011.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 9 5<br />

vamente: nomear e exonerar Ministros <strong>de</strong> Estado; exercer, com o auxílio dos Ministros<br />

<strong>de</strong> Estado, a direção superior da administração fe<strong>de</strong>ral; iniciar o processo legislativo, na<br />

forma e nos casos previstos nesta Constituição; sancionar, promulgar e fazer publicar as<br />

leis, bem como expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos para sua fiel execução; vetar projetos <strong>de</strong><br />

lei, total ou parcialmente; dispor, mediante <strong>de</strong>creto, sobre organização e funcionamento<br />

da administração fe<strong>de</strong>ral, quando não implicar aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa nem criação ou extinção<br />

<strong>de</strong> órgãos públicos ou, ainda, dispor, mediante <strong>de</strong>creto, sobre a extinção <strong>de</strong> funções<br />

ou cargos públicos, quando vagos;1 manter relações com Estados estrangeiros e acreditar<br />

seus representantes diplomáticos; celebrar tratados, convenções e atos internacionais,<br />

sujeitos a referendo do Congresso Nacional; <strong>de</strong>cretar o estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e o estado <strong>de</strong><br />

sítio; <strong>de</strong>cretar e executar a intervenção fe<strong>de</strong>ral; remeter mensagem e plano <strong>de</strong> governo<br />

ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação<br />

do País e solicitando as providências que julgar necessárias; conce<strong>de</strong>r indulto e comutar<br />

penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; exercer o comando<br />

supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da<br />

Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;<br />

nomear, após aprovação pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, os Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral e dos Tribunais Superiores, os Governadores <strong>de</strong> Territórios, o Procurador-Geral<br />

da República, o presi<strong>de</strong>nte e os diretores do banco central e outros servidores, quando<br />

<strong>de</strong>terminado em lei; nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas da União; nomear os magistrados, nos casos previstos nesta constituição, e o<br />

Advogado-Geral da União; nomear membros do Conselho da República, nos termos do<br />

art. 89, VII; convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho <strong>de</strong> Defesa Nacional;<br />

<strong>de</strong>clarar guerra, no caso <strong>de</strong> agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou<br />

referendado por ele, quando ocorrida no intervalo da sessões legislativas, e, nas mesmas<br />

condições, <strong>de</strong>cretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; celebrar a paz, autorizado<br />

ou com o referendo do Congresso Nacional; conferir con<strong>de</strong>corações e distinções<br />

honoríficas; permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras<br />

transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; enviar ao<br />

Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e as<br />

propostas <strong>de</strong> orçamento previstos nesta Constituição; prestar, anualmente, ao Congresso<br />

Nacional, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> 60 dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao<br />

exercício anterior; prover e extinguir os cargos públicos fe<strong>de</strong>rais, na forma da lei; editar<br />

medidas provisórias com força <strong>de</strong> lei, nos termos do art. 62, bem como exercer outras<br />

atribuições previstas na Constituição.<br />

Ressalte-se que a função <strong>de</strong> comandante supremo das Forças Armadas não se trata <strong>de</strong><br />

mero título honorífico, mas <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira função <strong>de</strong> comando e direção das ativida<strong>de</strong>s<br />

das três armas.12<br />

Em relação ao po<strong>de</strong>r regulamentar do Presi<strong>de</strong>nte da República, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

em seu art. 84, inciso IV, prevê que lhe compete, privativamente, expedir <strong>de</strong>cretos e regulamentos<br />

para fiel execução da lei.3<br />

1 Redação do inciso VI, do a rt 84, dada pela EC n2 32/01.<br />

2 CANOTILHO, J.J, Gomes; M O RE IRA,Vital. Ospo<strong>de</strong>resdo... O p .cit. p. 101.<br />

3 É esse o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “ Decretos existem para assegurar a fiel execução das<br />

leis” (STF - Pleno - Adin n° 1.435-8/DF - m edida liminar -R e i. Min. Francisco Rezek, Diário daJustiça, Seção


4 9 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Os regulamentos, portanto, são normas expedidas privativamente pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, cuja finalida<strong>de</strong> precípua é facilitar a execução das leis, removendo eventuais<br />

obstáculos práticos que po<strong>de</strong>m surgir em sua aplicação e se exteriorizam por meio<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>creto, sendo, pois, como relembra Marcelo Caetano, importante fonte do Direito<br />

Administrativo.1<br />

Na clássica lição do Ministro Carlos Velloso, “os regulamentos, na precisa <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> Os waldo Aranha Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, ‘são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais,<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento da lei, referentes à organização e ação do Estado, enquanto po<strong>de</strong>r<br />

público’. Editados pelo Po<strong>de</strong>r Executivo, visam tomar efetivo o cumprimento da lei, propiciando<br />

facilida<strong>de</strong>s para que a lei seja fielmente executada. É que as leis <strong>de</strong>vem, segundo<br />

a melhor técnica, ser redigidas em termos gerais, não só para abranger a totalida<strong>de</strong> das<br />

relações que nelas inci<strong>de</strong>m, senão também, para po<strong>de</strong>rem ser aplicadas, com flexibilida<strong>de</strong><br />

correspon<strong>de</strong>nte, às mutações <strong>de</strong> fato das quais estas mesmas relações resultam. Por<br />

isso, as leis não <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>scer a <strong>de</strong>talhes, mas, conforme acima ficou expresso, conter,<br />

apenas, regras gerais. Os regulamentos, estes sim, é que serão <strong>de</strong>talhistas. Bem por isso,<br />

leciona Esmein, ‘são eles prescrições práticas que têm por fim preparar a execução das leis,<br />

completando-as em seus <strong>de</strong>talhes, sem lhes alterar, todavia, nem o texto, nem o espírito’”.*12<br />

O exercício do po<strong>de</strong>r regulamentar do Executivo situa-se <strong>de</strong>ntro da principiologia<br />

<strong>constitucional</strong> da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res (CF, arts. 2°; 60, § 4o, III), pois, salvo em situações<br />

<strong>de</strong> relevância e urgência (medidas provisórias), o Presi<strong>de</strong>nte da República não po<strong>de</strong><br />

estabelecer normas gerais criadoras <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s ou obrigações, por ser função do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo. Assim, o regulamento não po<strong>de</strong>rá alterar disposição legal, tampouco criar<br />

obrigações diversas das previstas em disposição legislativa.3<br />

Essa vedação não significa que o regulamento <strong>de</strong>va reproduzir literalmente o texto da<br />

lei, pois seria <strong>de</strong> flagrante inutilida<strong>de</strong>. O po<strong>de</strong>r regulamentar somente será exercido quando<br />

alguns aspectos da aplicabilida<strong>de</strong> da lei são conferidos ao Po<strong>de</strong>r Executivo, que <strong>de</strong>verá<br />

evi<strong>de</strong>nciar e explicitar todas as previsões legais, <strong>de</strong>cidindo a melhor forma <strong>de</strong> executá-la e,<br />

eventualmente, inclusive, suprindo suas lacunas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática ou técnica.4<br />

A partir da EC na 32/01, o texto <strong>constitucional</strong> brasileiro passou a admitir - sem<br />

margens para dúvidas - os “<strong>de</strong>cretos autônomos” do Chefe do Executivo, com a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> organização da Administração Pública, pois o art. 84, VI, da CF permite ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

dispor, mediante <strong>de</strong>creto, sobre a organização da administração fe<strong>de</strong>ral, quando não implicar<br />

aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa nem criação ou extinção <strong>de</strong> órgãos públicos, por equipará-lo<br />

aos <strong>de</strong>mais atos normativos primários, inclusive lei, e, consequentemente, afirmar seu<br />

absoluto respeito ao princípio da reserva legal.<br />

1,6 ago. 1999, p. 5 ).<br />

1 CAETANO, Marcelo. M a n u a l d e d ir e ito a d m in is t r a t iv o . 9. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1970, p. 92.<br />

2 VELLOSO, Carlos M á rio da Silva. T e m a s d e d ir e it o p ú b lic o . Belo H orizonte: Del Rey, 1994. p. 421.<br />

3 CAVAI.CAN II, Themístocles Brandão. P r in c íp io s g e r a is d e d ir e it o p ú b lic o . 3 .e d . Rio d e Janeiro: Borsoi, 1966.<br />

p. 175; MASAGÃO, M ário. C u r s o d e d ir e it o a d m in is t r a t iv o . 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 156;<br />

LAZARÜMI, Álvaro. E s tu d o s d e d ir e it o a d m in is t r a t iv o . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 414.<br />

4 F T J 158/69; CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Parecer do consultor geral da república. R e v is ta d e D ir e it o<br />

A d m in is t r a t iv o , n a 45, p. 426.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 9 7<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, apesar <strong>de</strong> reservar a primazia, não conce<strong>de</strong>u o monopólio da<br />

função normativa ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, estabelecendo outras fontes normativas primárias,<br />

tanto no Executivo (medidas provisórias, <strong>de</strong>cretos autônomos),1 quanto no Judiciário<br />

(po<strong>de</strong>r normativo primário do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça).12<br />

A norma prevista no inciso VI, do art. 84, consagra, no dizer do Ministro Carlos<br />

Britto,3 verda<strong>de</strong>ira autorização “constitutiva <strong>de</strong> regulamento autônomo”, pois, conforme<br />

<strong>de</strong>stacado pela Ministra Ellen Gracie, “nenhuma ofensa houve ao princípio da reserva<br />

legal... o inciso VI do art. 84 da Constituição recebeu da Emenda Constitucional ne 32, <strong>de</strong><br />

11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, uma nova redação, que permite expressamente ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República dispor, por <strong>de</strong>creto, sobre a organização e o funcionamento da administração<br />

fe<strong>de</strong>ral, quando isso não implicar aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa ou criação <strong>de</strong> órgãos públicos”.4<br />

Essa nova previsão, cuja aplicabilida<strong>de</strong> é automática aos Estados e Municípios, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> expressa previsão (princípios fe<strong>de</strong>rais extensíveis), po<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong><br />

juridicamente <strong>de</strong>snecessário, ser repetida nas Constituições estaduais e Leis Orgânicas<br />

distrital e municipais (por exemplo, na CEst. Paulista, art. 47, XIX, com a redação dada<br />

pela EC na 21/06), no sentido <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação do texto local ao texto maior e com a mesma<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agilização e eficiência na organização e gestão da coisa pública pelo Chefe<br />

do Executivo estadual, distrital ou municipal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tais medidas não implicassem<br />

aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa, criação ou extinção <strong>de</strong> órgão público.<br />

3.1.5 Vice-presi<strong>de</strong>nte da R epública<br />

Criação norte-americana, <strong>de</strong>ntro do regime presi<strong>de</strong>ncialista, o cargo <strong>de</strong> Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />

f oi previsto <strong>constitucional</strong>mente para ser o substituto eventual do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República ou seu sucessor, em caso <strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva.<br />

Gran<strong>de</strong> parte da doutrina norte-americana sempre apontou, tradicionalmente, que<br />

os Vice-Presi<strong>de</strong>ntes têm sido os homens esquecidos na história americana (theforgotten<br />

men in Am erica),5 pois nasceram para exercer a presidência <strong>de</strong>corativa do Senado.6<br />

Dispõe a Constituição americana no art. I, seção 3, que o Senado teria dois presi<strong>de</strong>ntes,<br />

um institucional - “o Vice-Presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos será o presi<strong>de</strong>nte do Senado,<br />

on<strong>de</strong> não terá voto, a não ser nos casos <strong>de</strong> empate” - e outro, pro tempore, eleito <strong>de</strong>ntre<br />

os senadores - “o Senado escolhe todos os seus funcionários e também um presi<strong>de</strong>nte<br />

1 STF - A gR na 2.950/RJ - ReL Min. Marco Aurélio, D iá r io d a J u s tiç a , Seção 1,9 fev. 2007, p. 16; STF - Pleno - ADI<br />

nQ2.564/D F-R el. Min. I llen Gracie, D iá r io d :: J u s tiç a , Seção I, 6 fev. 2004, p. 21.<br />

2 S T F -P le n o -A D C 12/DF - medida cautelar, ReL Min, Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 16-2-2006.<br />

3 Trecho do v o to do M inistro Carlos B ritto -A D C 12/DF - Pleno - m edida cautelar, <strong>de</strong>cisão: 16-2-2006.<br />

4 STF - P le n o - A D I n° 2.564/ D F -R e i. Min. Hllen Gracie, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,6 fev. 2004, p. 21.<br />

5 LEARNED, H enry Barrete T h e p re s id e n tJ s c a b in e t: studiesin the origin, form ation and structureofanam erican<br />

institution. N ew H aven : Y a lelln iversity Press, 1912. p. 387.<br />

6 GOLDSTEIN, J oel K. Can th e vice presi<strong>de</strong>nt presi<strong>de</strong> a t his ow n impeachm ent trial? A critique o f bare textualism.<br />

S a in t L o u is U n iv e r à t y L a w J o u r n a l. Saint Louis, ano 3, v. 44, p. 850,1999.


4 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

temporário para substituir o Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República, nos casos <strong>de</strong> exercer este as<br />

funções <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte dos Estados Unidos”.1<br />

Benjamin Franklin referia-se ao cargo <strong>de</strong> Vice-Presi<strong>de</strong>nte como “Sua Alteza Supérflua”<br />

CSuperfluous Highness),12 pois não exercia nenhuma função imediata, seja <strong>de</strong> comando,<br />

seja <strong>de</strong> execução.3 O mesmo entendimento era afirmado por Theodore Roosevelt, que<br />

exerceu o cargo, e por John Adams. Como afirmado por Henry Learned, “a Constituição<br />

<strong>de</strong>ixou o Vice-Presi<strong>de</strong>nte em um lugar <strong>de</strong> certa forma anômalo”.4<br />

Na primeira Constituição republicana brasileira, <strong>de</strong> 1891, igualmente, previa-se que<br />

o Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República seria o Presi<strong>de</strong>nte do Senado, on<strong>de</strong> somente teria <strong>direito</strong><br />

ao voto <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.<br />

Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, o cargo <strong>de</strong> Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

sempre suscitou diversas críticas, pois não tendo gran<strong>de</strong> importância política momentânea,<br />

a escolha do candidato nunca <strong>de</strong>spertou gran<strong>de</strong> interesse do eleitorado, servindo<br />

para conciliar f acções partidárias minoritárias, ou mesmo acertar coligações políticas.5<br />

Dessa forma, quando o Vice-Presi<strong>de</strong>nte assume o país, seja por mera substituição, seja<br />

suce<strong>de</strong>ndo o presi<strong>de</strong>nte na hipótese <strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva do cargo, nem sempre haverá<br />

a continuida<strong>de</strong> da política i<strong>de</strong>ológica administrativa escolhida pelo eleitor.<br />

Apesar das críticas à existência do cargo <strong>de</strong> Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República e da possibilida<strong>de</strong><br />

jurídica e política <strong>de</strong> substituição <strong>de</strong> chapa dupla (Presi<strong>de</strong>nte e Vice) por eleição <strong>de</strong><br />

candidatura única (Presi<strong>de</strong>nte), com consequente convocação <strong>de</strong> eleição extemporânea na<br />

hipótese <strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva docargoantesdo tempo,comoocorre nos regimes mistos<br />

francês6 e português,7 o mesmo <strong>de</strong>ve ser mantido na forma da tradição política presi<strong>de</strong>n­<br />

1 COOLEY, Thom as Mclntyre. Thegeneralprinciples ofconstitutional law in the United States o f America. 3. ed.<br />

Boston: Little, Brown and Company, 1898. p. 48. Com oensinaPauloBonavi<strong>de</strong>s, “expressando bom hum or a esse<br />

respeito, o prim eiro V ice da história americana, Adam s, sugeria que se <strong>de</strong>sse ao titular do cargo o tratamento<br />

<strong>de</strong> ‘Sua Excelência, o Supérfluo’, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> assegurar que nunca a imaginação do homem ‘conce<strong>de</strong>ra função<br />

mais insignificante’. Outro Vice, <strong>de</strong> igual porte e envergadura, que foi Theodore Roosevelt, afirm ava, ainda, ao<br />

com eço <strong>de</strong>ste século, ser na realida<strong>de</strong> o Vice-presi<strong>de</strong>nte apenas ‘a Quinta roda da carruagem”’ (BONAVIDES,<br />

Paulo. Ciência... Op. cit. p. 306).<br />

2 Benjamin Constant. Escritos políticos. Madri: Centro <strong>de</strong> Estúdios Constitucionales, 1989.<br />

3 Como lembra Pau lo Bonavi<strong>de</strong>s, “ cingira-se o Vice-Presi<strong>de</strong>nte, com voto <strong>de</strong> M inerva, a presidir o Senado.<br />

Presidência um tanto simbólica, pois àquela casa raramente comparece ele, por sentir-se fora <strong>de</strong> ambiente, qual<br />

verda<strong>de</strong>iro intruso. Demais, não chega o V ice a fazer falta; costumam os senadores eleger <strong>de</strong>ntre os seus um<br />

presi<strong>de</strong>ntepro tempore, m a isa u tên ticoelegítim o ” (Ciênciapoíítica. Op. cit. p. 306).<br />

4 LEARNED, Henry Barrett. Thepresi<strong>de</strong>nfs cabinet: studies in the origin, form ation and structure ofa n american<br />

institution. N ew Haven: YaleU niversity Press, 1912. p. 387.<br />

5 Nesse sentido, Assis-Brasil afirm ava que “o Vice-Presi<strong>de</strong>nte é, por sua própria natureza, figura subalterna”<br />

(ASSIS-BRASIL, J. F. <strong>de</strong>. Do governo presi<strong>de</strong>ncial na repúblicabrasileira. 2. ed .R iod e Janeiro: Calvino, 1934. p. 191).<br />

6 Na França, na hipótese <strong>de</strong> vacância temporária ou <strong>de</strong>finitiva do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Senado assumirá suas funções, salvo a convocação <strong>de</strong> referendos e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dissolução. Além disso,<br />

se a vacância for <strong>de</strong>finitiva, será convocada eleição para Presi<strong>de</strong>nte da República, a ser realizada em um prazo<br />

mínim o <strong>de</strong> vinte dias e m áximo <strong>de</strong> trinta e cinco dias após a vacância (art. 7a da Constituição da V República<br />

Francesa, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1958).<br />

7 Em Portugal, na hipótese <strong>de</strong> vacância temporária ou <strong>de</strong>finitiva do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da Assem bléia da República assumirá suas funções. A lém disso, se a vacância for <strong>de</strong>finitiva, será con-


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 4 9 9<br />

cialista norte-americana e brasileira, possibilitando ao eleitorado maior conhecimento <strong>de</strong><br />

suas biografias e posições políticas durante a campanha eleitoral.<br />

A manutenção do cargo <strong>de</strong> Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República possibilita, por um lado,<br />

maiores composições políticas na formação da chapa presi<strong>de</strong>ncial que acarretarão, consequentemente,<br />

maiores condições <strong>de</strong> governabilida<strong>de</strong> ao presi<strong>de</strong>nte eleito, e, por outro<br />

lado, evita instabilida<strong>de</strong> institucional gerada pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eleição extemporânea<br />

na hipótese <strong>de</strong> vacância <strong>de</strong>finitiva do cargo presi<strong>de</strong>ncial, sem que houvesse um substituto<br />

<strong>de</strong>finitivo para exercê-lo.*1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê ao Vice-presi<strong>de</strong>nte diversas funções, que po<strong>de</strong>rão ser<br />

classificadas em próprias ou típicas e impróprias ou atípicas. Aquelas correspon<strong>de</strong>m às<br />

atribuições para cujo exercício o cargo <strong>de</strong> Vice-presi<strong>de</strong>nte foi instituído e existe, sendo<br />

inerentes ao ofício vice-presi<strong>de</strong>ncial.<br />

Funções próprias: tais funções po<strong>de</strong>m resultar <strong>de</strong> previsão expressa da própria<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral ou <strong>de</strong> lei complementar.<br />

São funções típicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>: substituição (CF, art. 79) e sucessão do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 80); participação nos Conselhos da República (CF, art.<br />

89,1) e<strong>de</strong> Defesa Nacional (CF, art. 91,1). Enquanto são funções típicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m legal as<br />

eventuais atribuições estabelecidas pela lei complementar prevista no art. 79, parágrafo<br />

único, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Funções impróprias: o Vice-presi<strong>de</strong>nte auxiliará, nos termos do art. 79 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, o Presi<strong>de</strong>nte, sempre que por ele convocado para missões especiais.<br />

3 .1 .6 Órgãos auxiliares do P re sid en te d a R epública. M inistros. Conselho<br />

da R epública e Co n se lh o <strong>de</strong> Defesa N acional<br />

Ministros <strong>de</strong> Estado: os Ministros são em nosso regime <strong>constitucional</strong>, qualificados<br />

auxiliares do Presi<strong>de</strong>nte da República, que os po<strong>de</strong> livremente nomear ou <strong>de</strong>mitir.<br />

Po<strong>de</strong>rão ser Ministros <strong>de</strong> Estado as pessoas que preencherem os seguintes requisitos:<br />

a. brasileiros natos ou naturalizados e, ainda, os portugueses equiparados, que<br />

possuem todos os <strong>direito</strong>s e obrigações do brasileiro naturalizado (CF, art.<br />

12, § I a); Ressalte-se que, em virtu<strong>de</strong> da nova redação do § 3a do art. 12 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, dada pela EC na 23, promulgada em 2-9-1999, o cargo<br />

<strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado da Defesa tornou-se privativo <strong>de</strong> brasileiros natos.<br />

b. maiores <strong>de</strong> vinte e um anos;<br />

c. pleno exercício dos <strong>direito</strong>s políticos.<br />

vocada eleição para Presi<strong>de</strong>nte da República para um novo mandato com pleto (arts. 1 3 1 e l3 5 d a Constituição<br />

da República Portuguesa, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1976).<br />

1 Essa instabilida<strong>de</strong> não ocorre nos regim es mistos francês e português pela existência da figura do Primeiro-<br />

-Ministro.


500 Direito Constitucional • Moraes<br />

As funções dos Ministros são <strong>de</strong>scritas pela própria Constituição, que estabelece a<br />

ele competir, como principal atribuição, exercer a orientação, coor<strong>de</strong>nação e supervisão<br />

dos órgãos e entida<strong>de</strong>s da administração fe<strong>de</strong>ral na área <strong>de</strong> sua competência e referendar<br />

os atos e <strong>de</strong>cretos assinados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República. Além disto, <strong>de</strong>verá expedir<br />

instruções para a execução das leis, <strong>de</strong>cretos e regulamentos; apresentar ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República relatório anual <strong>de</strong> sua gestão no Ministério; praticar os atos pertinentes às<br />

atribuições que lhe forem outorgadas ou <strong>de</strong>legadas pelo Presi<strong>de</strong>nte da República.1<br />

Em relação à atribuição <strong>de</strong> referendar os atos e <strong>de</strong>cretos assinados pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, necessário salientar que <strong>de</strong>riva da própria vonta<strong>de</strong> do legislador constituinte e<br />

não <strong>de</strong> mera liberalida<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ncial, pelo que serão nulos os atos e <strong>de</strong>cretos assinados<br />

somente pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, sem o referendum do Ministro da respectiva pasta.12<br />

É certo que, por ser <strong>de</strong> livre nomeação presi<strong>de</strong>ncial,3 o Ministro que não concordar com<br />

a conduta do Presi<strong>de</strong>nte da República, negando-se a referendá-la, <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>ixar o cargo,<br />

a pedido ou <strong>de</strong> ofício.<br />

Como ensina Themistocles Brandão Cavalcanti, “entre nós, os <strong>de</strong>cretos são referendados<br />

pelos ministros, a cujos <strong>de</strong>partamentos interessa o assunto. Será, porém, essencial a<br />

assinatura do ministro <strong>de</strong> Estado para valida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>creto? A resposta <strong>de</strong>ve ser afirmativa,<br />

porque somente assim torna-se o ato completo. Não po<strong>de</strong> ser admitida a hipótese da recusa<br />

por parte do ministro, porque isso importaria no abandono da pasta, visto como são<br />

os mesmos <strong>de</strong> livre nomeação e <strong>de</strong>missão do Presi<strong>de</strong>nte da República. A sua substituição<br />

seria imediata”.4<br />

Os Ministérios, nos termos do art. 88 da CF, serão criados e extintos por Lei, porém,<br />

sua organização e funcionamento (CF, art. 84, V I) <strong>de</strong>verão ser disciplinados por <strong>de</strong>creto<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República.5<br />

Os Ministros <strong>de</strong> Estado serão processados e julgados nas infrações penais comuns e<br />

nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos termos do art. 102,1,<br />

c, do texto <strong>constitucional</strong>, salvo nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> conexos ao do Presi<strong>de</strong>nte<br />

1 STF - Pleno - A D I n“ 1.075-1/DF - m edida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I,<br />

24 nov. 2006, p. 59.<br />

2 N e ste sen tido: TEM ER, M ic h e l. E l e m e n t o s ... O p. cit. p. 163; M ELLO FILH O , José C elso. C o n s t i t u i ç ã o . . .<br />

O p . cit. p. 255. C o n tra : SILVA, José A fonso. C u r s o ... O p . cit. p. 561. N ote-se, porém , que d iferen tem en te <strong>de</strong><br />

sua antiga posição dou trin ária, em <strong>de</strong>cisão m on ocrática, o M in. Celso <strong>de</strong> M e llo (M S n a 22706-1 - m edida<br />

lim in a r - D i á r i o d a J u s t i ç a , Seção I, 5 fev. 1997, p. 1.2 23), d eterm in ou a exclusão <strong>de</strong> M in istro <strong>de</strong> Estado do<br />

polo passivo <strong>de</strong> m andado d e segu rança aju izado contra d ecreto do P resid en te da R epública, p or ele re fe ­<br />

rendado, a firm a n d o que “ A referen da m in isterial, que não se reveste <strong>de</strong> consequência <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m processual,<br />

projeta-se, quanto aos seus efe ito s, num a dim ensão estrita m en te in stitu cion al, qualificando-se, sob tal persp<br />

ectiva, co m o causa g e ra d o ra <strong>de</strong> corresp o n s a b ilid a d e p o lítico-a d m in is tra tiva dos M in istros d e E stado...<br />

Cum pre ter presen te, p o r isso m esm o, no que concern e à fu n ção da referen d a m in isterial, q u e esta n ã o se<br />

qu alifica com o requisito indispensável <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> d o s <strong>de</strong>cretos presi<strong>de</strong>nciais.”<br />

3 CF, art. 84,1.<br />

4 CAVALC A N TI, Th em istocles Brandão. P r i n c í p i o s g e r a is d e d i r e i t o p ú b lic o . 3. ed. R io <strong>de</strong> Janeiro: Borsoi, 1966.<br />

p. 152.<br />

5 Essa autorização para q u e o Presi<strong>de</strong>nte da República possa, m ediante <strong>de</strong>creto, disciplinar a organ ização e<br />

funcionam ento dos M inistérios fo i concedida pela EC n“ 32/01.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 501<br />

da República, quando a competência será do Senado Fe<strong>de</strong>ral, nos termos do art. 5 2 ,1, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Observe-se, porém, que a legitimida<strong>de</strong> para apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia por crime <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> contra Ministro <strong>de</strong> Estado é privativa do Procurador-Geral da República,1<br />

que somente po<strong>de</strong>rá apresentá-la ao STF enquanto o acusado estiver no exercício do cargo<br />

<strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado, pois, conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “com a cessação<br />

da investidura do ora representado no <strong>de</strong>sempenho do cargo <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />

e a consequente reassunção <strong>de</strong> seu mandato parlamentar, também cessou, ipsofacto, a<br />

jurisdição <strong>constitucional</strong> do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, para fazer instaurar, nos termos<br />

do art. 102,1, ‘c’, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o concernente processo <strong>de</strong> impeachment, por<br />

suposta prática <strong>de</strong> infração político-administrativa”.12<br />

Conselho da República: é órgão superior <strong>de</strong> consulta do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

composto pelo Vice-presi<strong>de</strong>nte da República; Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados; Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral; os lí<strong>de</strong>res da maioria e da minoria na Câmara dos <strong>de</strong>putados;<br />

lí<strong>de</strong>res da maioria e da minoria no Senado Fe<strong>de</strong>ral; o Ministro da Justiça3 e seis cidadãos<br />

brasileiros natos.<br />

Os seis cidadãos brasileiros natos <strong>de</strong>verãoter35 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e serão dois nomeados<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, dois eleitos pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral e dois eleitos pela Câmara<br />

dos <strong>de</strong>putados, todos com mandato <strong>de</strong> três anos, vedada a recondução.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece as funções do Conselho (CF, art. 90), que <strong>de</strong>verá<br />

ser regulamentado e organizado por meio <strong>de</strong> lei, para pronunciar-se sobre intervenção<br />

fe<strong>de</strong>ral, estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado <strong>de</strong> sítio e as questões relevantes para a estabilida<strong>de</strong> das<br />

instituições <strong>de</strong>mocráticas.<br />

Conselho <strong>de</strong> Defesa Nacional (organização e funcionamento do Conselho <strong>de</strong> Defesa<br />

Nacional: Lei nQ8.183, <strong>de</strong> 11-4-1991): é órgão <strong>de</strong> consulta do Presi<strong>de</strong>nte da República nos<br />

assuntos relacionados com a soberania nacional e a <strong>de</strong>fesa do Estado <strong>de</strong>mocrático, sendo<br />

composto pelo Vice-presi<strong>de</strong>nte da República; o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados; o<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral; o Ministro da Justiça; o Ministro <strong>de</strong> Estado da Defesa;4<br />

Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica;5 o Ministro das Relações Exteriores;<br />

o Ministro do Planejamento.<br />

Compete-lhe, segundo a própria Constituição (art. 91), opinar nas hipóteses <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> guerra e <strong>de</strong> celebração da paz, nos termos <strong>de</strong>ssa constituição; opinar sobre<br />

a <strong>de</strong>cretação do estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, do estado <strong>de</strong> sítio e <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral; propor os<br />

critérios e condições <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> áreas indispensáveis à segurança do território nacio-<br />

1 STF - Petição n° 1954-7/DF - m edida lim inar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,10 fev.<br />

1999 e 14 jun. 2000, p. 3; STF - Petição n° 1.199-6/S P-R el. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>spacho: 31-10-1996; STF<br />

- Petição n° 1.656/DF - Rei. Min. Maurício Corrêa, I n f o r m a t iv o STF n° 281; STF - Pet. n“ 1954/DF - Rei. Min.<br />

Maurício Corrêa,D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, I o ago. 2003, p. 106.<br />

2 STF - Petição n° 1.468-6/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,1 7ou t. 2001, p. 33.<br />

3 Os <strong>de</strong>mais Ministros po<strong>de</strong>rão ser convocados p e lo Presi<strong>de</strong>nte da República para participar da reunião do<br />

Conselho, quando constar da pauta questão relacionada com o respectivo Ministério (CF, art. 90, § I o) .<br />

4 Redação dada pela EC na 23, prom ulgada em 2-9-1999.<br />

5 I<strong>de</strong>m.


502 Direito Constitucional • Moraes<br />

nal e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa <strong>de</strong> fronteira e nas relacionadas<br />

com a preservação e a exploração dos recursos naturais <strong>de</strong> qualquer tipo; estudar, propor<br />

e acompanhar o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> iniciativas necessárias a garantir a in<strong>de</strong>pendência<br />

nacional e a <strong>de</strong>fesa do Estado <strong>de</strong>mocrático.<br />

3.2 Responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República; prerrogativas e imunida<strong>de</strong>s<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Diferentemente do princípio da absoluta irresponsabilida<strong>de</strong>, inerente ao caráter<br />

vitalício do cargo real (The King can do no wrong), a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê regras<br />

especiais <strong>de</strong> responsabilização do Presi<strong>de</strong>nte da República, tanto por infrações político-<br />

-administrativas, quanto por infrações penais.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República possui imunida<strong>de</strong>s formais em relação ao processo, pois<br />

somente po<strong>de</strong>rá ser processado, seja por crime comum, seja por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

após o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> da Câmara dos Deputados, que necessitará do<br />

voto <strong>de</strong> 2/3 <strong>de</strong> seus membros para autorizar o processo. E, também, em relação à prisão,<br />

pois não po<strong>de</strong>rá ser preso nas inf rações penais comuns, enquanto não sobrevier sentença<br />

con<strong>de</strong>natória, como preceitua a Carta Magna (CF, art. 86, § 32).<br />

Além disto, o Presi<strong>de</strong>nte da República é relativamente irresponsável, pois na vigência<br />

<strong>de</strong> seu mandato, não po<strong>de</strong>rá ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício <strong>de</strong> suas<br />

funções, como será estudado.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral também prevê para o Presi<strong>de</strong>nte da República prerrogativa <strong>de</strong><br />

foro, pois somente o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá processá-lo e julgá-lo por crimes<br />

comuns (CF, art. 102,1, b) e somente o Senado Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá processá-lo e julgá-lo pelos<br />

chamados crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 52,1).<br />

Estas previsões constitucionais <strong>de</strong> garantias e imunida<strong>de</strong>s presi<strong>de</strong>nciais serão estudadas<br />

ao tratarmos do processo e julgamento do Presi<strong>de</strong>nte da República por crimes<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e crimes comuns, <strong>de</strong>ntro da prerrogativa presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> foro para<br />

julgamento perante as mais altas autorida<strong>de</strong>s dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, seja o Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

seja o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sempre, como veremos, com autorização da Câmara<br />

dos Deputados, como garantia <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e preservação da harmonia e separação<br />

dos Po<strong>de</strong>res.<br />

3.2.1 Crim es d e responsabilida<strong>de</strong><br />

A .<br />

C o n ce ito<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê como juízo natural para processo e julgamento do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, o Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 86), havendo,<br />

anteriormente, o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> pela Câmara dos Deputados.<br />

Tal previsão torna-se necessária quando se analisa que a eficácia da Constituição é<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> fatores alheios à mera vonta<strong>de</strong> do legislador constituinte. Por esse motivo,<br />

a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não po<strong>de</strong> ficar in<strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> mecanismos que garantam<br />

sua aplicabilida<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>fendam, principalmente, dos governantes que buscam ultrapassar


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 0 3<br />

os limites das funções conferidas a eles pelas normas constitucionais. Dentro <strong>de</strong>ste mecanismo<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, que correspon<strong>de</strong> ao já citado sistema <strong>de</strong> “freios e contrapesos”, temos a<br />

previsão da punição dos assim chamados crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> são infrações político-administrativas <strong>de</strong>finidas na legislação<br />

fe<strong>de</strong>ral, cometidas no <strong>de</strong>sempenho da função,1que atentam contra a existência da<br />

União, o livre exercício dos Po<strong>de</strong>res do Estado, a segurança interna do País, a probida<strong>de</strong> da<br />

Administração, a lei orçamentária, o exercício dos <strong>direito</strong>s políticos, individuais e sociais<br />

e o cumprimento das leis e das <strong>de</strong>cisões judiciais.<br />

A Lei Maior prevê, no art. 85, rol meramente exemplificativo dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

pois o Presi<strong>de</strong>nte po<strong>de</strong>rá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, passíveis <strong>de</strong> enquadramento idêntico ao referido rol, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja<br />

previsão legal, pois, o brocardo nullum crimen sine typo também se aplica, por inteiro, ao<br />

campo dos ilícitos político-administrativos, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que a tipificação <strong>de</strong><br />

tais infrações emane <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral, eis que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem entendido<br />

que a <strong>de</strong>finição formal dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> se insere, por seu conteúdo penal,<br />

na competência exclusiva da União.12<br />

A Lei ne 1.079/50 regula os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

<strong>de</strong> Ministros do Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, do Procurador-Geral<br />

da República e outros, que ensejarão imposição <strong>de</strong> sanção política, ainda quando simplesmente<br />

tentados. Ressalte-se que embora os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> não tenham a mesma<br />

tipicida<strong>de</strong> específica das infrações penais, não po<strong>de</strong>rão ficar <strong>de</strong> tal forma in<strong>de</strong>finidos que<br />

impossibilitem a ampla <strong>de</strong>fesa.3<br />

A Constituição prevê em seu art. 52, parágrafo único, as duas sanções autônomas e<br />

cumulativas a serem aplicadas na hipótese <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>:<br />

perda do cargo e inabilitação, por oito anos, para o exercício <strong>de</strong> função pública.<br />

1 Conferir, sobre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização político-adm inistrativa do Presi<strong>de</strong>nte e/ou do Vice-<br />

-Presi<strong>de</strong>nte da República por atos praticados antes do início do mandato: STF - MS n° 26.176-5/DF - R e i. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a Justiça, Seção I, 6 out. 2006, p. 74. Nessa <strong>de</strong>cisão monocrática, o Ministro Pertence<br />

ressaltou que “o caso <strong>de</strong>svela porm enor inafastável: a <strong>de</strong>núncia apresentada é relativa a atos dos ainda<br />

candidatos [...], que, assim, não po<strong>de</strong>ríam configurar crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>” .<br />

2 MELLO FILHO, José Celso. Justitia- Revista d o M in is t é r io P ú b lic o d o E s ta d o d e São Paulo, 42/98. Esse é o atual<br />

posicionam ento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, conform e se verifica nos seguintes julgados: STF - Pleno - Adin<br />

n° 1.628/SC - Rei. Min. Nelson Jobim -R T J 166/147 e STF - Pleno - Adin n° 834-0/MT - Rei. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 9 abr. 1999, p. 2, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>cidiu: “ Crim e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>finição:<br />

reserva <strong>de</strong> lei. Entenda-se que a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, imputáveis em bora a autorida<strong>de</strong>s estaduais,<br />

é matéria <strong>de</strong> D ireito Penal, da competência privativa da U n iã o - com o tem prevalecido no Tribunal - ou,<br />

ao contrário, que sendo m atéria <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> política <strong>de</strong> mandatários locais, sobre ela possa legislar o<br />

Estado-membro - com o sustentam os autores <strong>de</strong> tomo - o certo é que estão todos acor<strong>de</strong>s em tratar-se <strong>de</strong> questão<br />

submetida à reserva <strong>de</strong> lei form al, não po<strong>de</strong>ndo ser versada em <strong>de</strong>creto-legislativo da Assembléia Legislativa.”<br />

Nesse mesmo sentido: S T F -P le n o -A d in n° 8 34-0/M T-m ed ida lim in a r-R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello-E m entário<br />

STF n° 1698, em que consta analítico estudo sobre os posicionamentos doutrinários e jurispru<strong>de</strong>nciais; e STF -<br />

P le n o -A d in nQ102-7/R O -m edida lim in a r-R e i. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 nov. 1989<br />

- Ementário STF n° 1563, tendo porém , o Ministro relator ressaltado seu posicionam ento <strong>de</strong> qu e “o chamado<br />

crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> não é figura <strong>de</strong> Direito Penal”.<br />

3 Em relação à responsabilida<strong>de</strong> político-adm inistrativa dos Governadores dos Estados, conferir, neste capítulo,<br />

item 4.8.


504 Direito Constitucional • Moraes<br />

Saliente-se que a inabilitação, por oito anos, para o exercício <strong>de</strong> função pública, compreen<strong>de</strong><br />

todas as funções públicas, sejam as <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong> concursos públicos, sejam as <strong>de</strong><br />

confiança, ou mesmo os mandatos eletivos. Desta forma, o Presi<strong>de</strong>nte da República con<strong>de</strong>nado<br />

por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o mandato, não po<strong>de</strong>rá candidatar-se<br />

ou exercer nenhum outro cargo político eletivo nos oito anos seguintes.1<br />

B .<br />

Histórico<br />

O impeachment surgiu no Brasil com base na Carta <strong>de</strong> 1891, segundo o mo<strong>de</strong>lo<br />

norte-americano, mas com características e peculiarida<strong>de</strong>s próprias, principalmente, em<br />

relação à <strong>de</strong>finição dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, seu procedimento e julgamento que,<br />

no Brasil, serão <strong>de</strong>finidos por lei ordinária.<br />

A Constituição <strong>de</strong> Filadélfia já previa o instituto do impeachment (art. l e, Seção 3a;<br />

art. 2°, Seção 4a), que nos Estados Unidos da América foi tentado contra o Presi<strong>de</strong>nte<br />

Andrew Johnson, em 1868, sem êxito, e, mais recentemente, no famoso caso Watergate,<br />

tendo o Presi<strong>de</strong>nte Nixon renunciado antes <strong>de</strong> se iniciar o processo, e contra o Presi<strong>de</strong>nte<br />

Bill Clinton, também sem sucesso.<br />

No Brasil, as Leis nm 27 e 30, <strong>de</strong> 1892, regulamentadoras dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />

cometidos pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, previam a aplicação somente da pena<br />

<strong>de</strong> perda do cargo, po<strong>de</strong>ndo esta ser agravada com a pena <strong>de</strong> inabilitação para exercer<br />

qualquer outro cargo (art. 33, § 3e, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1891; art. 2- da Lei ne 30,<br />

<strong>de</strong> 1892), dando à pena <strong>de</strong> inabilitação o caráter <strong>de</strong> pena acessória (Lei ne 27, <strong>de</strong> 1892,<br />

arts. 23 e 24).<br />

Atualmente, a Lei ne 1.079/50, em seus arts. 2°, 31,33 e 34, não prevê a possibilida<strong>de</strong><br />

da aplicação da pena <strong>de</strong> perda do cargo, apenas, nem a pena <strong>de</strong> inabilitação assume caráter<br />

<strong>de</strong> acessorieda<strong>de</strong> (art. 52, parágrafo único, da Constituição <strong>de</strong> 1988).<br />

C. Natureza Jurídica<br />

Em relação à natureza jurídica do impeachment, a maioria da doutrina nacional<br />

enten<strong>de</strong> ser um instituto <strong>de</strong> natureza política. Entre os outros gran<strong>de</strong>s publicistas, po<strong>de</strong>mos<br />

citar Paulo Brossard,12 Themistocles Cavalcanti,3 Carlos Maximiliano,4 Michel<br />

Temer.5<br />

1 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o STF: “A inabilitação para o exercício <strong>de</strong> função pública, <strong>de</strong>corrente da perdado cargo<br />

<strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 52, parágrafo único), compreen<strong>de</strong> o exercício<br />

<strong>de</strong> cargo ou mandato eletivo. Com esse entendimento, a Túrma m anteve o acórdão do TSE que julgou proce<strong>de</strong>nte<br />

a impugnação ao pedido <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> candidatura do ex-Presi<strong>de</strong>nte Fernando Collor <strong>de</strong> Mello. Interpretação<br />

racional do art. 52, parágrafo único, da CF“ ( I a T Rextr. n“ 234.223/DF- Rei, Min. O ctávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão:<br />

1“ set. 1998 - Informativo STF n° 121 - setembro <strong>de</strong> 1998).<br />

2 BROSSARD, Paulo. O impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 76.<br />

3 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral comentada. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1948. p.<br />

263. v, 2.<br />

4 M AXIM ILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira... Op. cit. p. 643.<br />

5 TEMER, M ichel. Constituição e... Op. cit. p. 37-38.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 0 5<br />

Outras posições, porém, são <strong>de</strong>fendidas na doutrina. Para Pontes <strong>de</strong> Miranda, o<br />

impeachment possui natureza penal.1Apontando posição intermediária, José Fre<strong>de</strong>rico<br />

Marques12 afirma ser o impeachment <strong>de</strong> natureza mista.<br />

D. Procedimento (Câmara d os Deputados e Senado Fe<strong>de</strong>ral)<br />

O processo dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e dos comuns cometidos pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República divi<strong>de</strong>-se em duas partes: juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do processo e processo e<br />

julgamento.<br />

O processo <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> inicia-se na Câmara dos Deputados para <strong>de</strong>clarar a<br />

procedência ou improcedência da acusação. Se <strong>de</strong>clarada proce<strong>de</strong>nte, far-se-ájulgamento<br />

pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral preceitua que admitida a acusação contra o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento<br />

perante o Senado Fe<strong>de</strong>ral nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Ora, a admissibilida<strong>de</strong> da acusação<br />

feita pela Câmara dos Deputados, autorizando a abertura do processo, vincula o<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral no sentido <strong>de</strong> instaurar-se o <strong>de</strong>vido processo legal para apuração <strong>de</strong> crime<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, impedindo-lhe, neste momento inicial, qualquer discricionarieda<strong>de</strong><br />

política.3<br />

D.l Câmara dos Deputados<br />

Todo cidadão, e apenas ele, no gozo <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s políticos é parte legítima para<br />

oferecer a acusação à Câmara dos Deputados. A acusação da prática <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

diz respeito às prerrogativas da cidadania do brasileiro que tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

participar dos negócios políticos. Da mesma forma, qualquer parlamentar ou autorida<strong>de</strong><br />

pública po<strong>de</strong>rá dar início ao procedimento, sempre, porém, na condição <strong>de</strong> cidadão. A<br />

legitimida<strong>de</strong> ativa ad causam, portanto, não se esten<strong>de</strong> a qualquer um, mas somente às<br />

pessoas investidas no status civitatis, excluindo, portanto, pessoas físicas não alistadas<br />

eleitoralmente, ou que foram suspensas ou per<strong>de</strong>ram seus <strong>direito</strong>s políticos (CF, art. 15)<br />

e, ainda, as pessoas jurídicas, os estrangeiros e os apátridas.<br />

Como salienta Sampaio Dória, os <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, na apreciação da admissibilida<strong>de</strong><br />

do crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem analisar cognitivamente duas fases: “ (1) ser<br />

ou não a <strong>de</strong>núncia objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação; e (2) proce<strong>de</strong>r, ou não, a acusação da <strong>de</strong>núncia.<br />

O primeiro ato não é arbitrário. A Câmara dos Deputados, para haver, ou não, a <strong>de</strong>núncia<br />

como objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação, tem <strong>de</strong> apreciar a gravida<strong>de</strong> dos fatos alegados e o valor das<br />

provas oferecidas. Se os fatos imputados e as razões que os ditaram são aqueles notórios,<br />

e estas sem <strong>de</strong>fesa, seria injustificável não haver a <strong>de</strong>núncia por objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação. O<br />

que não se po<strong>de</strong> evitar é o exame do assunto. O segundo ato, porém, a <strong>de</strong>claração da procedência<br />

ou improcedência da acusação, é discricionário. Não é o imperativo da lei o que<br />

1 M IRANDA, Pontes <strong>de</strong>. Comentários... Op. cit. p. 138. Atualm ente, é esse o posicionam ento do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, con form e se verifica nos seguintes julgados: STF - Pleno - Adin n“-834-0/MT - Rei. Min.<br />

Sepúlveda Perten ce,Diário da Justiça, Seção I, 9 abr. 1999, p. 2; STF - Pleno - Adin na 1.628/SC - Rei. Min.<br />

Nelson J o b im -itT J 166/147.<br />

2 MARQUES, José Fre<strong>de</strong>rico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 154.<br />

3 TEMER, Michel. Constituição e... Op. cit. p. 41-42.


506 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>ci<strong>de</strong>. Mas a conveniência aos interesses da nação, a oportunida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>posição, ainda<br />

que merecida. Entre o mal da permanência no cargo <strong>de</strong> quem tanto mal causou e po<strong>de</strong>rá<br />

repeti-lo, além do exemplo da impunida<strong>de</strong>, e o mal da <strong>de</strong>posição numa atmosfera social<br />

e política carregada <strong>de</strong> ódios, ainda que culpado o Presi<strong>de</strong>nte, a Câmara dos Deputados<br />

po<strong>de</strong>rá isentá-lo do julgamento, dando por improce<strong>de</strong>nte a acusação”.1<br />

Assim, o que a Câmara dos Deputados vai <strong>de</strong>cidir é a conveniência político-social da<br />

permanência do Presi<strong>de</strong>nte da República na condução dos negócios do Estado, e não se<br />

houve cometimento <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. O critério é absolutamente político,<br />

não sendo possível análise pelo Plenário, nem tampouco pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário.12<br />

Recebida a acusação, o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara a <strong>de</strong>spachará para uma comissão<br />

especial eleita (que <strong>de</strong>verá ser formada em 48 horas), da qual participem, observada a<br />

respectiva proporcionalida<strong>de</strong>, representantes <strong>de</strong> todos os partidos para opinar sobre a<br />

mesma e oferecer parecer sobre a admissibilida<strong>de</strong> da acusação.<br />

Na sequência, em 48 horas após a publicação será incluído o relatório, em primeiro<br />

lugar, na or<strong>de</strong>m do dia da Câmara dos Deputados, para uma única discussão e votação<br />

nominal e aberta,3 sendo necessários 2/3 (dois terços) dos membros da Casa Legislativa<br />

para admissibilida<strong>de</strong> da acusação.4<br />

A acusação formalmente oferecida à Câmara dos Deputados coloca o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República na condição <strong>de</strong> acusado, e, como tal, com <strong>direito</strong> à ampla <strong>de</strong>fesa e contraditório,<br />

que remonta à Magna Charta Libertatum <strong>de</strong> 1215 (art. 39), nos termos da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, incorporados como princípios fundamentais do processo e <strong>de</strong> tamanha importância,<br />

que apresentam duas faces, uma formal, outra substancial. A primeira, consistente<br />

na sujeição <strong>de</strong> qualquer questão que fira a liberda<strong>de</strong> ou os bens da pessoa ao crivo do<br />

juiz natural, num processo contraditório, em que se assegure a ampla <strong>de</strong>fesa. A segunda<br />

importando em que as normas aplicadas quanto ao objeto do litígio não sejam arbitrárias<br />

e <strong>de</strong>sarrazoadas; portanto, injustas.<br />

Ressalte-se que o <strong>de</strong>vido processo legal tem como corolários a ampla <strong>de</strong>fesa e o contraditório,<br />

que <strong>de</strong>verão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo,<br />

e aos acusados em geral, conforme o texto <strong>constitucional</strong> expresso, inclusive ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República no procedimento <strong>de</strong> impeachment, tanto na fase <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação<br />

sobre a admissibilida<strong>de</strong> da acusação, perante a Câmara dos Deputados, quanto na fase <strong>de</strong><br />

processo e julgamento, perante o Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O art. XI, nfi 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem garante:<br />

1 D Ó R IA , S am paio. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1946. São Pau lo: S ara iva , 1946. v. 3, p. 388-<br />

389.<br />

2 Conferir a respeito: STF - MS 25.588-9/DF - R ei. M in. Menezes Direito, Diário da Justiça, Seção I, 28 set<br />

2007, p. 88; S T F - P le n o - M S 20.941 / D F -R ei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 9-2-1990; S T F - P le n o - M S<br />

na 23.885-2/DF - Rei. Min. Carlos V elloso, Diário da Justiça, Seção 1,20 set. 2002, p. 89.<br />

3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu a questão <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> da am pla <strong>de</strong>fesa, bem como da possibilida<strong>de</strong><br />

do voto nominal ser aberto, conform e <strong>de</strong>cisão da própria Câmara dos Deputados, no MS nQ21564/DF, Pleno,<br />

v.m., <strong>de</strong>ferido em parte, Rei. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, 27 ago. 1993, p. 17.019.<br />

4 Enten<strong>de</strong>u o STF a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rejeição monocrática p e lo Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, sujeita<br />

ao controle do Plenário da Casa, mediante recurso (STF - Pleno - MS n° 23.885-2/DF - Rei. Min. Carlos Velloso,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,20 set. 2002, p. 89).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 0 7<br />

“Todo homem acusado d e u m ato <strong>de</strong>lituoso tem o <strong>direito</strong> d e ser presumido inocente<br />

até que a sua culpabilida<strong>de</strong> tenha sido provada <strong>de</strong> acordo com a lei, em julgamento<br />

público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua<br />

<strong>de</strong>fesa.”<br />

Assim, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ampla <strong>de</strong>fesa ou a cláusula <strong>constitucional</strong> do dueprocess oflaw exige<br />

a bilateralida<strong>de</strong>, permitindo o contraditório nos procedimentos e vedando que alguém<br />

possa ser con<strong>de</strong>nado sem ser ouvido ou que seja imposta alguma penalida<strong>de</strong> sem que se<br />

consagre ao imputado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer sua <strong>de</strong>fesa.1Lembremo-nos que, admitida<br />

a acusação pela Câmara, com posterior início do processo no Senado, o Presi<strong>de</strong>nte sofrerá<br />

uma sanção, correspon<strong>de</strong>nte ao afastamento <strong>de</strong> suas funções.<br />

Ora, a <strong>de</strong>núncia oferecida à Câmara dos Deputados, imputando ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República a prática <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, coloca-o na posição <strong>de</strong> acusado, e, consequentemente,<br />

outorga-lhe o <strong>direito</strong> à ampla <strong>de</strong>fesa, ao contraditório, ao <strong>de</strong>vido processo<br />

legal; po<strong>de</strong>, pois, produzir provas, por meio <strong>de</strong> testemunhas, documentos e perícias.12<br />

Admitida a acusação pela Câmara dos Deputados e iniciado o processo perante o Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, o Presi<strong>de</strong>nte da República será suspenso <strong>de</strong> suas funções, somente retornando<br />

ao pleno exercício das mesmas, se absolvido for, ou se, <strong>de</strong>corrido o prazo <strong>de</strong> 180 dias, o<br />

julgamento não estiver concluído, quando, então, cessará o afastamento, sem prejuízo do<br />

regular prosseguimento do processo (CF, art. 86, §§ I a e 2e).<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral corroborou este posicionamento conce<strong>de</strong>ndo liminar<br />

em mandado <strong>de</strong> segurança3 impetrado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República para assegurar-lhe<br />

prazo <strong>de</strong> 10 sessões para oferecimento da <strong>de</strong>fesa, com base na aplicação analógica do<br />

art. 217 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados que, no caso <strong>de</strong> autorização da<br />

Câmara para o Supremo processar o presi<strong>de</strong>nte por crime comum, lhe confere o referido<br />

prazo. Pela importância jurídica e histórica da <strong>de</strong>cisão, transcrever-se-á a seguir a emenda<br />

relatada pelo ministro Octávio Gallotti:<br />

CONSTITUCIONAL. “IMPEACHMENT”. PROCESSO E JULGAMENTO: SENADO<br />

FEDERAL. ACUSAÇÃO: ADMISSIBILIDADE: CÂMARA DOS DEPUTADOS. DEFE­<br />

SA. PROVAS: INSTÂNCIA ONDE DEVEM SER REQUERIDAS. VOTO SECRETO E<br />

VOTO EM ABERTO. RECEPÇÃO PELA CF/88 DA NORMA INSCRITA NO ART. 23<br />

DA LEI 1.079/50. REVOGAÇÃO DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE PELA EC<br />

4/61. REPRISTINAÇÃO EXPRESSA PELA EC N. 6/63. C. F., ART. 5., LV; ART. 51,<br />

I; ART. 5 2 ,1; ART. 86, “CAPUT”, PAR. 1., II, PAR. 2.; EMENDA CONSTITUCIONAL<br />

N. 4, DE 1961; EMENDA CONSTITUCIONAL N. 6, DE 1963. LEI N. 1.079/50, ART.<br />

14, ART. 23.<br />

- “Impeachment” do Presi<strong>de</strong>nte da República: Compete ao Senado Fe<strong>de</strong>ral processar<br />

e julgar o Presi<strong>de</strong>nte da República nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (C. F.,<br />

Art. 5 2 ,1; Art. 86, Par. Ia, II), <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> autorizada, pela Câmara dos Deputados,<br />

por dois terços <strong>de</strong> seus membros, a instauração do processo (C. F., Art. 5 1 ,1), ou<br />

1 RT 221/340; RTJ 83/385; RT 239/255; RJTJSP14/219.<br />

2 TEMER, Michel. Voto secreto ou aberto. Constituição e... Op. cit. p. 43.<br />

3 STF - MS n° 21.564/DF.


5 0 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

admitida a acusação (C. F., Art. 86). É Dizer: O “Impeachment” do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República será processado e julgado pelo Senado. O Senado e não mais a Câmara<br />

dos Deputados formulará a acusação (Juízo <strong>de</strong> Pronúncia) e proferirá o julgamento<br />

(C. F., Art. 5 1 ,1; Art. 52,1; Art. 86, Par. 1., II, Par. 2.).<br />

II - No Regime da Carta <strong>de</strong> 1988, A Câmara dos Deputados, diante da <strong>de</strong>núncia<br />

oferecida contra o Presi<strong>de</strong>nte da República, examina a admissibilida<strong>de</strong> da acusação<br />

(C. F., Art. 86, “Caput”), po<strong>de</strong>ndo, portanto, rejeitar a <strong>de</strong>núncia oferecida na forma<br />

do art. 14 da Lei 1.079/50.<br />

N o procedimento <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>núncia, a Câmara dos Deputados<br />

profere juízo político. Deve ser concedido ao Acusado prazo para <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong>fesa que<br />

<strong>de</strong>corre do princípio inscrito no Art. 5., LV, da Constituição, observadas, entretanto,<br />

as limitações do fato <strong>de</strong> a acusação somente materializar-se com a instauração do<br />

processo, no Senado. Neste é que a <strong>de</strong>núncia será recebida, ou não, dado que, no<br />

Senado ocorre, apenas, a admissibilida<strong>de</strong> da acusação, a partir da edição <strong>de</strong> um<br />

juízo político, em que a Câmara verificará se a acusação é existente, se tem ela<br />

base em alegações e fundamentos plausíveis, ou se a notícia do fato reprovável<br />

tem razoável procedência, não sendo a acusação simplesmente fruto <strong>de</strong> quizílias<br />

ou <strong>de</strong>savenças políticas. Por isso, será na esfera institucional do Senado, que processa<br />

e julga o Presi<strong>de</strong>nte da República, nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que este<br />

po<strong>de</strong>rá promover as indagações probatórias admissíveis.<br />

IV - Recepção, pela CF/88, da norma inscrita no art. 23 da Lei 1.079/50. Votação<br />

Nominal, Assim ostensiva (Rl/Câmara dos Deputados, Art. 187, Par. 1., VI).<br />

Admitindo-se a revogação, pela EC N. 4, <strong>de</strong> 1961, que instituiu o sistema parlamentar<br />

<strong>de</strong> governo, dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> não tipificados no seu artigo<br />

5a, como fizera a CF/46, Art. 89, V a VIII, certo é que a EC N. 6, <strong>de</strong> 1963, que revogou<br />

a EC N. 4, <strong>de</strong> 1961, restabeleceu o sistema presi<strong>de</strong>ncial instituído pela CF/46,<br />

salvo o disposto no seu art. 61 (EC N. 6/63, Art. 1.). É dizer: Restabelecido tudo<br />

quanto Constava da CF/46. No tocante ao sistema presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> governo, ocorreu<br />

repristinação expressa <strong>de</strong> todo o sistema.<br />

- Mandado <strong>de</strong> Segurança <strong>de</strong>ferido, em parte, para o fim <strong>de</strong> assegurar ao impetrante<br />

o prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z sessões, para apresentação <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

D.2 Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

Recebida pela Mesa do Senado a autorização da Câmara para instauração do processo,<br />

será o documento lido na hora do expediente da sessão seguinte e, na mesma sessão,<br />

será eleita comissão, constituída por 1/4 da composição do Senado, obe<strong>de</strong>cida a proporcionalida<strong>de</strong><br />

da Casa, que se torna, a partir disto, um Tribunal Político <strong>de</strong> colegialida<strong>de</strong><br />

heterogênea, visto que composto por todos os senadores, mas presidido por autorida<strong>de</strong><br />

estranha ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, ou seja, o Ministro Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Instaurado o processo pelo Senado, que está vinculado à admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidida<br />

pela Câmara dos Deputados, o Presi<strong>de</strong>nte fica suspenso <strong>de</strong> suas funções (art. 86, § I a, II, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral), pelo prazo máximo <strong>de</strong> 180 dias, findo o qual o processo prosseguirá,<br />

porém com o retorno do Presi<strong>de</strong>nte às suas funções. Nem haveria sentido em possibilitar-<br />

se que, após realizado o juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> por 2/3 dos membros da Câmara dos


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 0 9<br />

Deputados, o Senado Fe<strong>de</strong>ral realizasse nova análise, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> instaurar o processo,<br />

em flagrante usurpação e <strong>de</strong>srespeito à competência da outra Casa Legislativa.<br />

A comissão processante realizará as diligências que enten<strong>de</strong>r necessárias ao esclarecimento<br />

da imputação feita ao Presi<strong>de</strong>nte da República (art. 20 da Lei nQ1.079/50),<br />

garantindo-lhe o contraditório e a ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

A comissão encerrará seu trabalho com o fornecimento do libelo acusatório, que será<br />

anexado ao processo e entregue ao Presi<strong>de</strong>nte do Senado, para remessa, em original, ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, com a comunicação do dia <strong>de</strong>signado para o<br />

julgamento.<br />

A <strong>de</strong>fesa será intimada para contestação ao libelo, apresentação <strong>de</strong> novas testemunhas<br />

e provas pertinentes.<br />

Na sessão plenária do Senado Fe<strong>de</strong>ral, o Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

mandará ler o processo preparatório, o libelo e os artigos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, inquirirá as testemunhas<br />

(qualquer membro da comissão ou do Senado, o acusado e os advogados po<strong>de</strong>rão<br />

fazer perguntas).<br />

Haverá <strong>de</strong>bates orais, pelo prazo fixado pelo Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

no máximo duas horas para cada parte.<br />

Findos os <strong>de</strong>bates, abrir-se-á etapa para discussão dos senadores.<br />

Após, o Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral fará relatório resumido da <strong>de</strong>núncia<br />

e das provas <strong>de</strong> acusação e <strong>de</strong>fesa e submeterá a votação nominal dos senadores, entendida<br />

como aberta,1cuja con<strong>de</strong>nação somente po<strong>de</strong>rá ser proferida por 2/3 dos votos do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, acarretando a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício<br />

<strong>de</strong> função pública, sem prejuízo das <strong>de</strong>mais sanções judiciais cabíveis (art. 52, parágrafo<br />

único, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

A sentença será por meio <strong>de</strong> resolução do Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 35 da Lei ne 1.079/50).<br />

Relembre-se, como já citado, que a inabilitação para o exercício <strong>de</strong> função pública<br />

<strong>de</strong>corrente da perda do cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

(CF, art. 52, parágrafo único), compreen<strong>de</strong>, inclusive, a impossibilida<strong>de</strong> do exercício <strong>de</strong><br />

cargo ou mandato eletivo.12<br />

E .<br />

Renúncia e extinção do procedim ento d e impeachment<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enfrentou a questão em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança.3<br />

Conforme consta no relatório do voto do Ministro Paulo Brossard:<br />

1 STF - MS nQ21.564/DF, pleno, v.m., <strong>de</strong>ferido em parte, Rei. Min. Octávio G alloIIi, Diário da Justiça, 27 ago.<br />

1993, p. 17.019.<br />

2 STF - I a T. - Rextr. n° 234.223/DF - Rei. M in . Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: I o set. 1998 - Informativo STF n°<br />

121, set. 1998.<br />

3 Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 21.689-1, Relator Ministro Carlos Velloso, ajuizado p e lo ex-presi<strong>de</strong>nte Fernando<br />

Collor <strong>de</strong> Mello.


5 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

“A 1-9-92 foi apresentada <strong>de</strong>núncia contra o então Presi<strong>de</strong>nte da República pela<br />

prática <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que melhorse <strong>de</strong>nominariam infrações constitucionais<br />

ou político-administrativas, pois não são figuras <strong>de</strong> que trata o Direito<br />

Criminal, mas o Direito Constitucional; as infrações apontadas são as <strong>de</strong>scritas<br />

nos nm IV e VI do art. 85 da CF e nos arts. 82, n2 7 e 9a, n2 7, da Lei 1.079/50; na<br />

forma da lei, Comissão Especial da Câmara emitiu parecer no sentido da proces-<br />

sabilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>núncia e da vênia para o Senado processar e julgar o Presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>nunciado, art. 5 1 ,1, da CF. Amplamente discutido, o parecer foi aprovado por<br />

441 votos contra 38; houve uma abstenção e 23 <strong>de</strong>putados estiveram ausentes;<br />

<strong>de</strong>sse modo, foi largamente coberta a exigência <strong>de</strong> 2/3 dos votos da Câmara para a<br />

autorização complementar-se, Constituição, art. 51, L Instaurado o processo pelo<br />

Senado, o Presi<strong>de</strong>nte ficou suspenso <strong>de</strong> suas funções, Constituição, art. 86, § 12, II, e<br />

a Câmara Alta passou a ser presidida pelo Ministro Presi<strong>de</strong>nte do STF, Constituição,<br />

art. 52, parágrafo único. A 29 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro dar-se-ia o julgamento da autorida<strong>de</strong><br />

processada; da totalida<strong>de</strong> dos senadores, 81 estavam presentes; iniciada a sessão,<br />

o advogado do Presi<strong>de</strong>nte leu a renúncia <strong>de</strong>ste, DCN <strong>de</strong> 30-12-92, p. 2.738, e pediu<br />

o encerramento do processo; a totalida<strong>de</strong> dos senadores. Esgotada a relação dos<br />

oradores inscritos, o Ministro Presi<strong>de</strong>nte do STF e do Tribunal <strong>de</strong> Impeachment<br />

suspen<strong>de</strong>u a sessão por 15 minutos, passados os quais proce<strong>de</strong>u a votação a respeito<br />

das teses em discussão, a clausura do processo ou seu prosseguimento; a totalida<strong>de</strong><br />

dos senadores, 81, estava presente; <strong>de</strong>stes, 73 votaram pela continuação do processo,<br />

8 por seu encerramento, DCN <strong>de</strong> 30-12-92, p. 2.782 e 2.783; nenhuma abstenção,<br />

nenhuma ausência; <strong>de</strong>cidido que a renúncia não excluía a inabilitação por 8 anos,<br />

<strong>de</strong> que cuida a Constituição, art. 52 parágrafo único, 76 senadores por ela votaram,<br />

sendo três os votos contrários; nenhuma abstenção, duas ausências, DCN <strong>de</strong> 30-<br />

12-92, p. 2.929 e 2930. A <strong>de</strong>cisão do Senado cristalizou-se na Res. 101, <strong>de</strong> 1992,<br />

<strong>de</strong>ste teor: “Dispõe sobre sanções no Processo <strong>de</strong> Impeachment contra o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, Fernando Affonso Collor <strong>de</strong> Mello, e dá outras providências.<br />

O Senado Fe<strong>de</strong>ral resolve:<br />

Art. I2 É consi<strong>de</strong>rado prejudicado o pedido <strong>de</strong> aplicação da sanção <strong>de</strong> perda do<br />

cargo <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, em virtu<strong>de</strong> da renúncia ao mandato apresentada<br />

pelo Sr. Fernando Affonso Collor <strong>de</strong> Mello e formalizada perante o Congresso<br />

Nacional, ficando o processo extinto nessa parte.<br />

Art. 22 É julgada proce<strong>de</strong>nte a <strong>de</strong>núncia por crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, previstos<br />

nos arts. 85, incs. IV e V, da CF, e arts. 82, item 7, e 9a, item 7 da Lei 1.079, <strong>de</strong> 10-<br />

4-50.<br />

Art. 32 Em consequência do disposto no artigo anterior é imposta ao Sr. Fernando<br />

Affonso Collor <strong>de</strong> Mello, nos termos do art. 52, parágrafo único, da CF, a sanção<br />

<strong>de</strong> inabilitação, por 8 anos, para o exercício <strong>de</strong> função pública, sem prejuízo das<br />

<strong>de</strong>mais sanções judiciais cabíveis.<br />

Art. 4a Esta Resolução entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação”. DCN, 30-12-92,<br />

p. 2.727.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 1 1<br />

A <strong>de</strong>fesa d o então Presi<strong>de</strong>nte ajuizou o mandado d e segurança no Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral alegando que a renúncia extinguiria o procedimento <strong>de</strong> impeachment, tendo o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no Mandado <strong>de</strong> Segurança ne 21.689-1, por maioria <strong>de</strong> votos,<br />

<strong>de</strong>cidido que a renúncia ao cargo, apresentada na sessão <strong>de</strong> julgamento, quando já iniciado<br />

este, não paralisa o processo <strong>de</strong> impeachment.1<br />

Da seguinte maneira manifestou-se o Pretório Excelso, em <strong>de</strong>cisão histórica (MS n2<br />

21.689-1):<br />

“EMENTA: Constitucional. Impeachment. Controle Judicial. Impeachment do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República. Pena <strong>de</strong> inabilitação para o exercício <strong>de</strong> função pública. CF,<br />

art. 52, parágrafo único; Lei ne 27, <strong>de</strong> 7-1-1892; Lei ne 30, <strong>de</strong> 8-1-1892. Lei n2<br />

1.079, <strong>de</strong> 1950.<br />

I - Controle judicial do impeachment: possibilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se alegue lesão<br />

ou ameaça a <strong>direito</strong>. CF, art. 5a, XXXV. Presi<strong>de</strong>nte do STF: MS n2 20.941-DF (RTJ<br />

142/88); MS n2 21.564-DF e MS n2 21.623-DF.<br />

II - O impeachment no Brasil, a partir da Constituição <strong>de</strong> 1891, segundo o mo<strong>de</strong>lo<br />

americano, mas com características que o distinguem <strong>de</strong>ste: no Brasil, ao contrário<br />

do que ocorre nos Estados Unidos, lei ordinária <strong>de</strong>finirá os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

disciplinará a acusação e estabelecerá o processo e o julgamento.<br />

III - Alteração do <strong>direito</strong> positivo brasileiro a Lei n2 27, <strong>de</strong> 1892, art. 32, estabelecia:<br />

a) o processo <strong>de</strong> impeachment somente po<strong>de</strong>ria ser intentado durante o período<br />

presi<strong>de</strong>ncial; b) intentado, cessaria quando o Presi<strong>de</strong>nte, por qualquer motivo,<br />

<strong>de</strong>ixasse <strong>de</strong>finitivamente o exercício do cargo. A Lei n2 1.079, <strong>de</strong> 1950, estabelece,<br />

apenas, no seu art. 15, que a <strong>de</strong>núncia só po<strong>de</strong>rá ser recebida enquanto o <strong>de</strong>nunciado<br />

não tiver, por qualquer motivo, <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>finitivamente o cargo.<br />

IV - No sistema do <strong>direito</strong> anterior à Lei n2 1.079, <strong>de</strong> 1950, isto é, no sistema das<br />

Leis nos 27 e 30, <strong>de</strong> 1892, era possível a aplicação tão somente da pena <strong>de</strong> perda<br />

do cargo, po<strong>de</strong>ndo esta ser agravada com a pena <strong>de</strong> inabilitação para exercer qualquer<br />

outro cargo (Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1891, art. 33, § 3°; Lei n2 30, <strong>de</strong> 1892,<br />

art. 22), emprestando-se a pena <strong>de</strong> inabilitação o caráter <strong>de</strong> pena acessória (Lei<br />

n2 27, <strong>de</strong> 1892, artigos 23 e 24). No sistema atual, da Lei n2 1.079, <strong>de</strong> 1950, não<br />

é possível a aplicação da pena <strong>de</strong> perda do cargo, apenas, nem a pena <strong>de</strong> inabilitação<br />

assume caráter <strong>de</strong> acessorieda<strong>de</strong> (CF, 1934, art. 58, § 72; CF, 1946, art. 62,<br />

§ 3a; CF, 1967, art. 44, parágrafo único; EC na 1/69, art. 42, parágrafo único; CF,<br />

1988, art. 52, parágrafo único. Lei n2 1.079, <strong>de</strong> 1950, artigos 22, 31, 33 e 34).<br />

V - A existência, no impeachment brasileiro, segundo a Constituição e o <strong>direito</strong><br />

comum (CF, 1988, art. 52, parágrafo único; Lei n2 1.079, <strong>de</strong> 1950, artigos 22,<br />

33 e 34), <strong>de</strong> duas penas: a) perda do cargo; b) inabilitação, por oito anos, para o<br />

exercício <strong>de</strong> função pública. *23<br />

1 Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 21.689-1/maioria <strong>de</strong> votos, D iário da Justiça, sexta-feira, 7 abr. 1995, p. 18.871.<br />

Conferir, ainda: STF - Pleno - Petição n° 1.365-2/DF - Rei. M in . N éri da Silveira -D iá rio da Justiça, Seção 1,<br />

23 mar. 2001, p. 86.


5 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

VI A renúncia ao cargo, apresentada na sessão <strong>de</strong> julgamento, quando já iniciado<br />

este, não paralisa o processo <strong>de</strong> impeachment.<br />

VII - Os princípios constitucionais da impessoalida<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong> administrativa<br />

(CF, art. 37).<br />

VIII - A jurisprudência d o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral relativamente aos crimes <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> dos Prefeitos Municipais, na forma do Decreto-lei ne 201, <strong>de</strong> 27-<br />

2-1967. Apresentada a <strong>de</strong>núncia, estando o Prefeito no exercício do cargo, prosseguirá<br />

a ação penal, mesmo após o término do mandato, ou <strong>de</strong>ixando o Prefeito,<br />

por qualquer motivo, o exercício do cargo.<br />

IX - Mandado <strong>de</strong> segurança in<strong>de</strong>ferido (Mandado <strong>de</strong> Segurança ne 21.689-1/<br />

maioria <strong>de</strong> votos, Diário da Justiça, p. 18.871, sexta-feira, 7 abr. 1995).”<br />

No mesmo sentido a doutrina já apontava, como ressaltado por Michel Temer, que<br />

a renúncia, quando<br />

“já iniciado o processo <strong>de</strong> responsabilização política, tornaria inócuo o dispositivo<br />

<strong>constitucional</strong> se fosse obstáculo ao prosseguimento da ação. Basta supor a hipótese<br />

<strong>de</strong> um Chefe <strong>de</strong> Executivo que, próximo do final <strong>de</strong> seu mandato, pressentisse a inevitabilida<strong>de</strong><br />

da con<strong>de</strong>nação. Renunciaria e, meses <strong>de</strong>pois, po<strong>de</strong>ria voltar a exercer<br />

função pública... Assim, havendo renúncia, o processo <strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong>ve<br />

prosseguir para con<strong>de</strong>nar ou absolver, afastando, ou não, sua participação da vida<br />

pública pelo prazo <strong>de</strong> oito anos”.1<br />

F. Po<strong>de</strong>r Judiciário e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração da <strong>de</strong>cisão do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

no caso <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no citado Mandado <strong>de</strong> Segurança, por maioria <strong>de</strong> votos,<br />

<strong>de</strong>cidiu pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Po<strong>de</strong>r Judiciário alterar a <strong>de</strong>cisão do Senado Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Importante transcrever trecho do voto proferido pelo Ministro Paulo Brossard:<br />

“A minha conclusão não <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> questão política, como por<br />

vezes se diz, ou interna corporis. Embora o processo seja marcadamente político,<br />

a sanção política, as infrações políticas, isto não importa em associar-se o impeachment<br />

às questões meramente, puramente ou exclusivamente políticas, segundo<br />

o sentido que essas expressões têm na linguagem do Direito Constitucional. O meu<br />

entendimento se funda no fato <strong>de</strong> a constituição haver reservado ao Senado toda<br />

a jurisdição a respeito da matéria, e excluído, por conseguinte, a interferência do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário. Não fora assim e a última palavra, direta ou indiretamente, seria<br />

dada pelo STF e não pelo Senado.<br />

1 TEMER, Michel. Constituição e... Op. cit. p. 168. No mesm o sentido, ainda, M O TA, Leda Pereira; SPITZ-<br />

COVSKY, Celso. Op. cit. p. 178.<br />

2 Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 21.689-1, Diário da Justiça, 7 abr. 1995, p. 18.871.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 513<br />

O mandado <strong>de</strong> segurança se funda em um fato, o <strong>de</strong> ter o Senado <strong>de</strong>cretado a<br />

inabilitação do ex-Presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> sua renúncia. A tese é interessante; tenho<br />

sustentado entendimento que não foi vitorioso no Senado, o qual, por expressiva<br />

maioria, 73 em 81, e baseado em autores nacionais e estrangeiros, <strong>de</strong> reconhecida<br />

autorida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>u que a renúncia, aliás, anunciada <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> iniciado o julgamento,<br />

não vedava prosseguisse ele para a aplicação concreta da sanção <strong>constitucional</strong>,<br />

que <strong>de</strong> outro modo ficaria frustrada pelo arbítrio <strong>de</strong> uma pessoa. Fez bem o<br />

Senado em assim <strong>de</strong>cidir? Não me cabe apreciar o acerto ou o <strong>de</strong>sacerto da Câmara<br />

Alta; bem ou mal ela <strong>de</strong>cidiu assim e só ela podia fazê-lo. Como sustentei em meu<br />

estudo, a própria exegese e construção das cláusulas constitucionais referentes<br />

ao impeachment são feitas pela Câmara e pelo Senado, O impeachment, n- 120, p.<br />

151. Po<strong>de</strong> o STF interferir no mérito do julgamento que compete ao Senado fazer,<br />

e reformar sua <strong>de</strong>cisão, como preten<strong>de</strong> o impetrante, sob o fundamento <strong>de</strong> que<br />

ela <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> uma exegese menos feliz e <strong>de</strong> uma orientação doutrinária menos<br />

louvável? Não me parece que isto possa ser feito. A verda<strong>de</strong> é que, ao cabo <strong>de</strong><br />

amplo <strong>de</strong>bate, duas teses foram expostas e <strong>de</strong>fendidas e o Senado, por impressionante<br />

maioria, 71 a 9, optou por uma <strong>de</strong>las, a que concluía pelo prosseguimento<br />

do processo. Não é a minha, mas, <strong>de</strong>vo reconhecê-lo, tem autorizados <strong>de</strong>fensores,<br />

nacionais e norte-americanos.<br />

Decidindo como <strong>de</strong>cidiu, o Senado, não ofen<strong>de</strong>u nenhum preceito <strong>de</strong> lei, limitando-<br />

-se a endossar uma interpretação jurídica que eu não <strong>de</strong>fendo, mas que, tenho <strong>de</strong><br />

reconhecer, é <strong>de</strong>fendida por autorida<strong>de</strong>s respeitáveis. Note-se, outrossim, que<br />

não perdura o disposto no art. 3a da Lei ne 27/1892, segundo o qual o processo <strong>de</strong><br />

que trata esta lei só po<strong>de</strong>rá ser intentado durante o período presi<strong>de</strong>ncial e cessará<br />

quando o Presi<strong>de</strong>nte, por qualquer motivo, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>finitivamente o exercício do<br />

cargo. Quer dizer, a lei brasileira <strong>de</strong> então consagrou o entendimento <strong>de</strong> certa<br />

corrente <strong>de</strong> opinião, numerosa e ilustre, que nos Estados Unidos assim pensava.<br />

De maneira diferente, no entanto, veio a dispor o art. 15 da Lei na 1.079/50: a<br />

<strong>de</strong>núncia só po<strong>de</strong>rá ser recebida enquanto o <strong>de</strong>nunciado não tiver, por qualquer<br />

motivo, <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong>finitivamente o cargo.<br />

O Senado não trateou nenhuma lei; terá adotado a doutrina menos <strong>de</strong>fensável? Não<br />

sei; o que sei é que consagrou um entendimento, que não é o meu, mas que tem o<br />

sufrágio <strong>de</strong> autores ilustres. Cuido que a doutrina vitoriosa no Senado não seja a<br />

melhor; isto não me autoriza, porém, a <strong>de</strong>ferir o mandado <strong>de</strong> segurança pleiteado<br />

pelo ex-Presi<strong>de</strong>nte. Em outras palavras, não posso reformar a <strong>de</strong>cisão do Senado<br />

prolatada em matéria <strong>de</strong> sua exclusiva competência e no exercício <strong>de</strong> sua original e<br />

conclusiva jurisdição. Em verda<strong>de</strong>, as leis não concebem recurso algum da <strong>de</strong>cisão<br />

do Senado para qualquer outra Corte, nem mesmo para o próprio Senado; nem<br />

a rescisória é admitida; o judiciário, originariamente ou em grau <strong>de</strong> recurso, não<br />

po<strong>de</strong> conhecer da matéria, dado que a Constituição, bem ou mal, reservou para o<br />

Senado e exclusivamente para ele conhecer e <strong>de</strong>cidir acerca do assunto.<br />

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, firmada <strong>de</strong> 1895 a 1937,<br />

O impeachment, n2 57, p. 83-85, nos 127 a 136, p. 155-162, assim como a lição dos<br />

nossos maiores <strong>constitucional</strong>istas, Rui Barbosa, Comentários à Constituição, III,


5 1 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

176; Barbalho, Constituição Fe<strong>de</strong>ral brasileira, 1902, p. 100 e 240; Felinto Bastos,<br />

Manual do <strong>direito</strong> público e <strong>constitucional</strong>, 1914, p. 395; Maximiliano, Comentários,<br />

1929, n—391, p. 643, na 282; p. 398-9, nota 5; na455, p. 796; Lacerda, Princípios<br />

do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, 1929, II, na 631, p. 470; Hely Lopes Meirelles, Direito<br />

municipal brasileiro, 1964, II, 566 e 567.<br />

É que o Senado, quando julga o Presi<strong>de</strong>nte da República, não proce<strong>de</strong> como órgão<br />

legislativo, mas como órgão judicial, exercendo jurisdição recebida da constituição,<br />

e <strong>de</strong> cujas <strong>de</strong>cisões não há recurso para nenhum tribunal.<br />

Isto nada tem <strong>de</strong> inaudito. Da <strong>de</strong>cisão do STF nas infrações penais comuns em<br />

que figure como acusado o Presi<strong>de</strong>nte da República (bem como o Vice-presi<strong>de</strong>nte,<br />

os membros do Congresso, os seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da<br />

República), art. 102,1, a, da CF, também não há recurso algum, nem para outro<br />

tribunal, nem para o Senado.<br />

Por mais eminentes que sejam as atribuições do STF, e o são, ele não é curador do<br />

Senado e sobre ele não exerce curatela. No particular, a constituição traçou, com<br />

niti<strong>de</strong>z matemática, as atribuições privativas do Senado e do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Aliás,<br />

penso não ser inoportuno lembrar que o Senado e só o Senado po<strong>de</strong> processar e<br />

julgar os Ministros do STF nos <strong>de</strong>litos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. Os Ministros do STF,<br />

o Procurador-Geral da República e o Advogado Geral da União, art. 52, II, da CF.”<br />

3 .2 .2 Crim es com uns<br />

A Lei na 8.038/90 institui normas procedimentais para os processos em face do Presi<strong>de</strong>nte,<br />

por crimes comuns, perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, complementadas pelo<br />

Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - arts. 230 a 246.<br />

Nos crimes comuns, o Presi<strong>de</strong>nte da República será processado e julgado pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>pois que a Câmara dos Deputados <strong>de</strong>clarar proce<strong>de</strong>nte a acusação (art.<br />

86 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral), exercendo um juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> político, conforme já<br />

analisado no caso <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>. A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licença não impe<strong>de</strong> o<br />

inquérito policial, nem tampouco o oferecimento da <strong>de</strong>núncia, porém, apenas impe<strong>de</strong> o seu recebimento,<br />

que é o primeiro ato <strong>de</strong> prosseguimento praticado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

A abrangência <strong>de</strong>sta prerrogativa <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> foro do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

relaciona-se com a locução “crimes comuns”, prevista no art. 102, inciso I, b e c, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, cuja <strong>de</strong>finição o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já assentou, pacificamente,<br />

abranger todas as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infrações penais,12 esten<strong>de</strong>ndo-se aos <strong>de</strong>litos eleitorais,3<br />

alcançando, até mesmo, os crimes contra a vida e as próprias contravenções penais.4 É<br />

a mesma posição pacificamente adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em relação<br />

1 Diário da Justiça n° 69, Seção I, p. 9.223,10 abr. 1995, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello Filho.<br />

2 RTJ 33/590, HC 69.344-RJ, ReL Min. Néri da Silveira.<br />

3 RTJ 63/1, Pet. 673-RJ, Rei. Min.Celso <strong>de</strong> M ello; Inq. 496-DF, Rei. Min. lim ar Galvão.<br />

4 RTJ 91/423, Reclamação n°511-9-Paraíba, Rei. M ia Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça n° 202, 24 out. 1994,<br />

p. 28.668.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 1 5<br />

ao cometimento <strong>de</strong> crimes eleitorais pelas autorida<strong>de</strong>s que tenham foro privilegiado no<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

Ressalte-se a inexistência <strong>de</strong> foro privilegiado para as ações populares, ações civis<br />

públicas e ações por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa movidas contra o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República.12<br />

Ocorre que estes crimes comuns lato sensu, para permitirem a persecução penal durante<br />

o mandato presi<strong>de</strong>ncial, <strong>de</strong>vem ter sido cometidos na sua vigência e, ainda, tratar-se<br />

<strong>de</strong> ilícitos penais praticados in officio ou cometidos propter officium.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, assim, estabelece como prerrogativa presi<strong>de</strong>ncial irresponsa<br />

bilida<strong>de</strong> relativa às infrações penais cometidas antes do início do exercício do mandato,<br />

ou mesmo que, cometidas durante o exercício do mandato, não apresentem correlação<br />

com as funções <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte da República, consagrando regra <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> penal<br />

relativa, pois o Chefe do Estado, nos ilícitos penais praticados in officio ou cometidos propter<br />

officium, po<strong>de</strong>rá, ainda que vigente o mandato presi<strong>de</strong>ncial, sofrer a persecutio criminis,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos <strong>de</strong>putados, nos<br />

termos a seguir analisados.<br />

A questão foi <strong>de</strong>talhadamente analisada e <strong>de</strong>cidida pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral3<br />

e, pela importância, pedimos venia para transcrevê-la parcialmente:<br />

“Ação p e n a l- Presi<strong>de</strong>nte da República - Atos estranhos à função presi<strong>de</strong>ncial - Fatos<br />

supostamente <strong>de</strong>lituosos cometidos durante a campanha eleitoral <strong>de</strong> 1989 - CF, art.<br />

86, § 4a- Disciplina do tema no <strong>direito</strong> com parado - Imunida<strong>de</strong> tem porária do chefe<br />

do Estado à persecução penal em ju ízo - Prerrogativa <strong>constitucional</strong> não afetada<br />

pela instauração do processo <strong>de</strong> Impeachment no Senado Fe<strong>de</strong>ral- Incompetência do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - Devolução dos autos à origem.<br />

O art. 86, § 4°, da Constituição, ao outorgar privilégio <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m político-funcional<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da República, exclui-o, durante a vigência <strong>de</strong> seu mandato - e por atos<br />

estranhos ao seu exercício - da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser ele submetido, no plano judicial,<br />

a qualquer ação persecutória do Estado.<br />

A cláusula <strong>de</strong> exclusão inscrita nesse preceito da Carta Fe<strong>de</strong>ral, ao inibir a ativida<strong>de</strong><br />

do Po<strong>de</strong>r Público, em se<strong>de</strong> judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas<br />

em momento anterior ao da investidura no cargo <strong>de</strong> Chefe do Executivo da União,<br />

bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estranhas ao ofício<br />

presi<strong>de</strong>ncial.<br />

A norma consubstanciada no art. 86, §4-, da Constituição, reclama e impõe, em fu n ­<br />

ção <strong>de</strong> seu caráter excepcional, exegese estrita, do que <strong>de</strong>riva a sua inaplicabilida<strong>de</strong> a<br />

situações jurídicas <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m extrapenal.<br />

1 T S E -A có rd ã o 117.515, Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Eleitoral, ns 27, Imesp.<br />

2 Conferir Capítulo 10, item 4.7/A4 (Competências do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral), inclusive em relação à Lei<br />

na 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2002.<br />

3 KTJ143/710 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello - Ação Penal n ° 305/92.


516 Direito Constitucional • Moraes<br />

A Constituição do Brasil não consagrou, na regra positivada em seu art. 86,<br />

§ 4a, o princípio da irresponsabilida<strong>de</strong> penal absoluta do Presi<strong>de</strong>nte da República. O<br />

Chefe <strong>de</strong> Estado, nos ilícitos penais praticados in officio ou cometidos propter officium,<br />

po<strong>de</strong>rá, ainda que vigente o mandato presi<strong>de</strong>ncial sofrerá persecutio criminis, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos <strong>de</strong>putados.<br />

Embora irrecusável a posição <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> eminência do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

no contexto político-institucional emergente <strong>de</strong> nossa Carta Política, impõe-se reconhecer,<br />

até mesmo como <strong>de</strong>corrência do princípio republicano, a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que eventualmente<br />

venha a praticar no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas magnas funções.<br />

Somente estão abrangidas pelo preceito inscrito no § 4 - do art. 86 da Carta Fe<strong>de</strong>ral<br />

as infrações penais comuns eventualmente cometidas pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

da União que não guar<strong>de</strong>m - ainda que praticada na vigência do mandato - qualquer<br />

conexão com o exercício do ofício presi<strong>de</strong>ncial.<br />

Os ilícitos penais cometidos em momento anterior ao da investidura do candidato<br />

eleito na Presidência da República - exatamente porque não configuram <strong>de</strong>licta in<br />

officio - também são alcançados pela norma tutelar positivada no § 4 - do art. 86 da<br />

Lei Fundamental, cuja eficácia subordinante e imperativa inibe provisoriamente o<br />

exercício, pelo Estado, do seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> persecução criminal”. 1<br />

Essa irresponsabilida<strong>de</strong> é relativa a <strong>de</strong>terminadas infrações penais, não se lhe aplicando<br />

em relação a responsabilida<strong>de</strong> civil, administrativa, fiscal ou tributária.12<br />

Distribuído o inquérito ao ministro-relator e tratando-se da hipótese acima analisada<br />

será <strong>de</strong>clarada a irresponsabilida<strong>de</strong> relativa temporária do Chefe do Estado, havendo a<br />

suspensão da prescrição, conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a partir do reconhecimento<br />

<strong>de</strong>sta imunida<strong>de</strong>.3<br />

1 STF - Inquérito n2 927-0/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 23 fev. 1995, p. 3.507;<br />

STF - Pleno - Inq. n2 672/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1 ,16 abr. 1993, p. 6.431.<br />

2 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Uribunal Fe<strong>de</strong>ral; “ O Presi<strong>de</strong>nte d a República não dispõe d e imunida<strong>de</strong>, quer em<br />

fa c e <strong>de</strong> ações judiciais que visem a <strong>de</strong>finir-lhe a responsabilida<strong>de</strong> d v il, quer em função <strong>de</strong> processos instaurados<br />

p or suposta prática <strong>de</strong> infrações político-administrativas, quer, ainda, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> procedimentos <strong>de</strong>stinados a<br />

apurar, para efeitos estritamente fiscais, a sua responsabilida<strong>de</strong> tributária” (STF - P le n o -In q . n2 672/D F-R ei.<br />

M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,16 abr. 1993, p. 6.431). N o mesmo sentido: STF - Pleno - Inq.<br />

n 2 567/DF - ReL Min. Sepúlveda Pertence. Conferir, ainda: R T J 143/714.<br />

3 Assim, conform e entendim ento do STF, mesm o na ausência <strong>de</strong> previsão expressa da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

ocorrerá a suspensão da prescrição na hipótese <strong>de</strong> incidência da cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> penal relativa,<br />

tendo afirm ado que, “na questão similar do impedimento temporário a persecução penal do congressista, quando<br />

n ã o concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que a Constituição o tornasse expresso, a suspensão<br />

do curso da prescrição, até a extinção do mandato parlamentar” (STF - Pleno - Inq. n2 567/DF - R e i Min.<br />

Sep úlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 out. 1992, p. 17.481). Conferir, ainda: R T J 114/136. Ressalte-se<br />

q u e, n o caso <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> infração praticada antes do início do mandato, carecerá o STF <strong>de</strong> competência para<br />

d ecretar essa suspensão da prescrição, <strong>de</strong>vendo a instância competente fazê-lo. Nesse sentido, manifestou-se<br />

o STF, na já citad a <strong>de</strong>cisão: “Deixa-se, no entanto, <strong>de</strong> dar força <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão a aplicabilida<strong>de</strong>, no caso, da mesma


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 1 7<br />

Não incidindo a referida imunida<strong>de</strong> e tratando-se <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação penal pública,<br />

o STF encaminhará ao Procurador-Geral da República, que terá 15 dias para oferecer a<br />

<strong>de</strong>núncia ou requerer o arquivamento.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> um pronunciamento do Procurador-Geral no sentido do arquivamento<br />

<strong>de</strong> inquérito, tem-se um juízo negativo acerca <strong>de</strong> prática <strong>de</strong>litiva, exercido por quem, <strong>de</strong><br />

modo legítimo e exclusivo, <strong>de</strong>tém a opinio <strong>de</strong>licti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar<br />

a persecutio criminis. Por esta razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que tal pronunciamento <strong>de</strong>ve ser acolhido sem que se questione ou se<br />

a<strong>de</strong>ntre no mérito da avaliação <strong>de</strong>duzida pelo titular da ação penal (Inq. na 535-5/DF),<br />

<strong>de</strong>terminando-se, com base no art. 21, XV, do RI/STF e no art. 3a, I, da Lei na 8.038/90,<br />

o arquivamento do inquérito policial.1 Assim, tendo o Ministério Público requerido o<br />

arquivamento no prazo legal, não cabe ação privada subsidiária, ou a título originário<br />

(CPP, art. 29, CF, art. 5a, LIX).*12<br />

Se o inquérito versar sobre a prática <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> ação privada, o relator <strong>de</strong>terminará<br />

seja aguardada a iniciativa do ofendido ou <strong>de</strong> quem por lei esteja autorizado a oferecer<br />

queixa.<br />

Oferecida <strong>de</strong>núncia ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />

da acusação pela Câmara dos Deputados.<br />

A solicitação do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal para instauração <strong>de</strong> processo, nas<br />

infrações penais comuns, contra o Presi<strong>de</strong>nte, será instruída com cópia integral dos autos<br />

da ação penal originária. Recebida a solicitação, o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara <strong>de</strong>spachará o<br />

expediente à Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça e <strong>de</strong> Redação.<br />

Na Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça e <strong>de</strong> Redação, o acusado ou seu <strong>de</strong>fensor terá<br />

o prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z sessões para apresentar <strong>de</strong>fesa escrita e indicar provas. Se a <strong>de</strong>fesa não<br />

for apresentada, o Presi<strong>de</strong>nte da Comissão nomeará <strong>de</strong>fensor dativo para oferecê-la, no<br />

mesmo prazo.<br />

Apresentada a <strong>de</strong>fesa, a Comissão proce<strong>de</strong>rá às diligências e à instrução probatória<br />

que enten<strong>de</strong>r necessárias, findas as quais proferirá parecer no prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z sessões,<br />

concluindo pelo <strong>de</strong>ferimento ou in<strong>de</strong>ferimento do pedido <strong>de</strong> autorização e oferecendo o<br />

respectivo projeto <strong>de</strong> resolução.<br />

Se, da aprovação do parecer por dois terços da totalida<strong>de</strong> dos membros da Casa, resul<br />

tar admitida a acusação, consi<strong>de</strong>rar-se-á autorizada a instauração do processo, na forma do<br />

projeto <strong>de</strong> resolução proposto pela Comissão. A <strong>de</strong>cisão será comunicada pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da Câmara dos Deputados ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> duas sessões.<br />

solução (suspensão da prescrição), a falta <strong>de</strong> competência do Tribunal para, neste momento, <strong>de</strong>cidir a respeito.”<br />

T a l incom petência não ocorrerá em relação aos fatos praticados durante o exercício do mandato, porém não<br />

praticados in officio ou propter officium.<br />

1 Inquérito ne 1.085-5/SP, D iário da Justiça, 29 fev. 1996, p. 4.853.<br />

2 Prece<strong>de</strong>ntes do STF: A I 38.208; Inq. 215; HC 67.502; HC 68.540-DF, I a T.,R el. Min. Octávio Gallotti, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,28 jun. 1991.


5 1 8 Direito Constitucional * Moraes<br />

Autorizada a instauração pela Câmara dos Deputados, o relator, antes do recebimento<br />

ou da rejeição da <strong>de</strong>núncia ou da queixa, mandará notificar o acusado para oferecer<br />

resposta escrita no prazo <strong>de</strong> 15 dias.<br />

Apresentada ou não a resposta, o relator pedirá dia para que o Plenário <strong>de</strong>libere sobre<br />

o recebimento ou rejeição da <strong>de</strong>núncia ou da queixa, sendo facultada sustentação oral.<br />

Po<strong>de</strong>rá, ainda, o Plenário <strong>de</strong>liberar sobre a improcedência da acusação, se a <strong>de</strong>cisão não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r <strong>de</strong> outras provas (julgamento antecipado do mérito).<br />

Recebida a <strong>de</strong>núncia ou a queixa, o Relator <strong>de</strong>signará dia e hora para o interrogatório,<br />

mandando citar o acusado e intimar o Procurador-Geral da República.<br />

Ressalte-se que o Presi<strong>de</strong>nte da República, nas infrações penais comuns, possui<br />

garantia <strong>constitucional</strong> referente à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser preso enquanto não sobrevier<br />

sentença con<strong>de</strong>natória, nos termos do art. 86, § 3a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte ficará suspenso <strong>de</strong> suas funções, nas infrações penais comuns, se recebida<br />

a <strong>de</strong>núncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pelo prazo máximo <strong>de</strong><br />

180 dias, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (art. 86 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral).<br />

Diferentemente do Senado Fe<strong>de</strong>ral nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral não está obrigado a receber a <strong>de</strong>núncia ou queixa oferecida contra o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, mesmo que haja autorização <strong>de</strong> 2/3 da Câmara dos Deputados para iniciar-se<br />

o processo. Trata-se <strong>de</strong> respeito à Separação dos Po<strong>de</strong>res (CF, art. 2a).<br />

O próprio relator realizará o interrogatório, havendo prazo <strong>de</strong> cinco dias para a <strong>de</strong>fesa<br />

prévia, sendo <strong>de</strong>signada audiência para oitiva das testemunhas <strong>de</strong> acusação e <strong>de</strong>fesa.<br />

Após a audiência, haverá intimação das partes para requerimento <strong>de</strong> diligências em<br />

cinco dias e alegações finais em 15 dias, sucessivamente.<br />

Na Sessão Plenária, haverá sustentação oral das partes, pelo prazo <strong>de</strong> uma hora,<br />

seguindo-se a votação.<br />

A. Presi<strong>de</strong>nte da República e perda do cargo em razão <strong>de</strong> con<strong>de</strong>nação crim inal<br />

<strong>de</strong>cretada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

Para Michel Temer,1o Presi<strong>de</strong>nte per<strong>de</strong>rá o cargo tanto em razão da prática <strong>de</strong> crime<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> como <strong>de</strong> crime comum, pois não tem sentido que se afaste das funções<br />

quando da admissão da acusação pela Câmara e volte a elas, com a con<strong>de</strong>nação do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Para José Afonso da Silva,12 nesse caso, a con<strong>de</strong>nação do Presi<strong>de</strong>nte importa em<br />

consequência <strong>de</strong> natureza penal e somente por efeitos reflexos e indiretos implica perda<br />

do cargo, à vista do disposto no art. 15, III, da CF.<br />

Convencemo-nos, diferentemente do sustentado nas duas primeiras edições <strong>de</strong>ssa<br />

obra, que, em virtu<strong>de</strong> da autoaplicabilida<strong>de</strong> do art. 15, inciso III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,3<br />

1 Elementos... Op. cit. p. 170.<br />

2 Curso... Op. cit. p. 479.<br />

3 S T F -P le n o -R ex tr. n ° 0 1 7 9 5 0 2 / S P -R e l.M in . M oreira A lves, Diário da Justiça, S eção 1,8set. 1995, p. 28.389.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 519<br />

que somente é excetuado e m relação aos parlamentares fe<strong>de</strong>rais (CF, art. 5 5, inciso V I), a<br />

<strong>de</strong>cisão con<strong>de</strong>natória com trânsito em julgado acarretará a suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República e, consequentemente, a cessação imediata <strong>de</strong> seu mandato.1<br />

Conforme afirmado pelo Ministro-relator Nelson Jobim, “se o STF receber a <strong>de</strong>núncia<br />

ou queixa, o Presi<strong>de</strong>nte ficará suspenso <strong>de</strong> suas funções (CF, art. 86, § I a, I ) . Con<strong>de</strong>nado,<br />

o Presi<strong>de</strong>nte sujeitar-se-á à prisão (CF, art. 86, § 3a). Nessa hipótese, per<strong>de</strong> ele os <strong>direito</strong>s<br />

políticos e por efeitos reflexos e indiretos implica a perda do cargo, à vista do disposto do art.<br />

15, III, diz JOSÉ AFONSO DA SILVA. São os efeitos extrapenais da sentença con<strong>de</strong>natória.<br />

A perda do mandato <strong>de</strong>correrá da própria con<strong>de</strong>nação, como <strong>de</strong>termina a regra <strong>constitucional</strong><br />

(art. 15, III). Não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da <strong>de</strong>liberação das Casas do Congresso Nacional. Não<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> outra manifestação do próprio STF. É efeito <strong>constitucional</strong> da con<strong>de</strong>nação”.12<br />

Em relação à con<strong>de</strong>nação criminal com trânsito em julgado e perda <strong>de</strong> mandato eletivo,<br />

consultar Capítulo 7, item 9.2.2.<br />

B. Im unlda<strong>de</strong>s do Executivo e Governadores<br />

Em relação aos Governadores <strong>de</strong> Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral é pacificamente entendida<br />

a existência da imunida<strong>de</strong> formal em relação ao processo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja expressa<br />

previsão das respectivas Constituições Estaduais, que somente po<strong>de</strong>rão ser processados e<br />

julgados seja por crimes comuns ou <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s, após a autorização da Assembléia<br />

Legislativa ou da Câmara Legislativa.<br />

Anote-se que, em relação aos Governadores dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, igualmente<br />

às <strong>de</strong>mais hipóteses on<strong>de</strong> são necessárias autorizações do Po<strong>de</strong>r Legislativo para<br />

o início do processo por infrações penais comuns, a prescrição ficará suspensa <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

momento em que houver solicitação do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça ao Legislativo local.3<br />

Importante ressaltar, porém, que, em relação à imunida<strong>de</strong> formal relativa à prisão<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, bem como à cláusula <strong>de</strong> irresponsabilida<strong>de</strong> relativa, não há<br />

qualquer aplicabilida<strong>de</strong> em relação aos chefes dos po<strong>de</strong>res executivos estaduais.<br />

Note-se que essas cláusulas foram repetidas por várias Constituições Estaduais, em relação<br />

aos governadores do Estado. Assim, por exemplo, o art. 49, §§ 5a e 6a, da Constituição<br />

do Estado <strong>de</strong> São Paulo fazia estas previsões <strong>de</strong>terminando que, enquanto não sobreviesse<br />

1 Cf. em hipóteses análogas: STF - 13T .-E m b s. DecL em Em bs. DecL em A gr. Reg. em A g. <strong>de</strong> inst. o u d ep et.<br />

na 1 7 7 313/M G -R eL Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,5 nov. 1996, p. 44.488 - E m e n t á r io S T F ,<br />

1.850/1.900; Tribunal Regional Eleitoral Estado <strong>de</strong> São Pau lo-T ribu n al Pleno -A c ó rd ã o n° 112.985 - Processo<br />

n° 9.477 - Classe sétima - Rei. Juiz A , C. Mathias Coltro, d. 2 ju l. 1992. C onform e <strong>de</strong>stacado no Acórdão n°<br />

116444/TRE-SP, “ impõe-se o cancelamento do alistamento e da filiação partidária dos con<strong>de</strong>nados, e x v i do a r t<br />

71, inc. II, do C ódigo Eleitoral e artigo 69, inc. II, da Lei O rgânica dosPartidosPobticos,por período igual ao da<br />

pena aplicada, aqui incluído o prazo do s u rs is , per<strong>de</strong>n do os eleitos, por igual razão, os respectivos mandatos”<br />

(Tribu nal Pleno - Acórdão n° 116444 - processo n- 22/89 - Classe quarta - Rei. Juiz Sebastião Oscar Feltrin,<br />

d. 29 out. 1992).<br />

2 Voto do Ministro-relator: STF - Pleno - Rextr. n° 225.019/GO - Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 8-8-99 -<br />

I n f o r m a t iv o S T F n° 162. Ressalte-se, porém , que nesse julgam ento o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não analisou<br />

especificam ente essa questão em relação ao Presi<strong>de</strong>nte da República, mas sim caso tratando <strong>de</strong> Prefeito Municipal<br />

(STF - Pleno -R ex tr. na 225 .019/G O -R ei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 8-8-99 - I n f o r m a t i v o S T F n 161).<br />

3<br />

STJ - Petição n° 277/DF - ReL M in. Antonio <strong>de</strong> Pádua, D iá r io d a J u s tiç a , Seção 1,8 set. 1997, p. 42.414.


520 Direito Constitucional • Moraes<br />

a sentença con<strong>de</strong>natória transitada em julgado, nas infrações penais comuns, o governador<br />

não estaria sujeito a prisão; bem como o governador, na vigência <strong>de</strong> seu mandato, não po<strong>de</strong>ría<br />

ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício <strong>de</strong> suas funções.<br />

Ocorre queo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no julgamento daAdinn® 1.021-2, relatada<br />

pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, por maioria <strong>de</strong> votos julgou proce<strong>de</strong>nte a ação, <strong>de</strong>clarando<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 49, §§ 5e e 6-, da Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo,<br />

enten<strong>de</strong>ndo que:<br />

“Ementa: ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - Constituição do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo - outorga <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> caráter processual penal ao Governador do<br />

Estado imunida<strong>de</strong> à prisão cautelar e a qualquer processo penal por <strong>de</strong>litos estranhos<br />

à função governamental - inadmissibilida<strong>de</strong> - ofensa ao princípio republicano<br />

- usurpação <strong>de</strong> competência legislativa da união - prerrogativas inerentes<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da República enquanto Chefe <strong>de</strong> Estado (CF/88, art. 86, §§ 3Qe 4Q)<br />

- ação direta proce<strong>de</strong>nte”.1<br />

Note-se, por fim, que todas as Constituições Estaduais que continham as mesmas<br />

previsões foram <strong>de</strong>claradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

4 PODER JUDICIÁRIO<br />

4.1 Conceito<br />

O Po<strong>de</strong>r Judiciário é um dos três po<strong>de</strong>res clássicos previstos pela doutrina e consagrado<br />

como po<strong>de</strong>r autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> importância crescente no Estado <strong>de</strong> Direito,<br />

pois, como afirma Sanches Viamonte, sua função não consiste somente em administrar<br />

a Justiça, sendo mais, pois seu mister é ser o verda<strong>de</strong>iro guardião da Constituição, com<br />

a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservar, basicamente, os princípios da legalida<strong>de</strong> e igualda<strong>de</strong>, sem os<br />

quais os <strong>de</strong>mais tornariam-se vazios. Esta concepção resultou da consolidação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

princípios <strong>de</strong> organização política, incorporados pelas necessida<strong>de</strong>s jurídicas na solução<br />

<strong>de</strong> conflitos.<br />

Não se consegue conceituar um verda<strong>de</strong>iro Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> sem a existência<br />

<strong>de</strong> um Po<strong>de</strong>r Judiciário autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte para que exerça sua função <strong>de</strong><br />

guardião das leis, pois, como afirmou Zaffaroni, “a chave do po<strong>de</strong>r do judiciário se acha<br />

no conceito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência".3<br />

Daí as garantias <strong>de</strong> que goza, algumas das quais asseguradas pela própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, sendo as principais a vitalicieda<strong>de</strong>, inamovibilida<strong>de</strong> e irredutibilida<strong>de</strong><br />

1 Diário da Justiça, 24 nov. 1995. p. 40.383.<br />

2 Conferir a título <strong>de</strong> exem plo: R TJ160/122 e 160/437 (Estado do Pará ); KTJ 160/437 (Estado <strong>de</strong> Pernambuco);<br />

R TJ160/793 (Estado <strong>de</strong> A la goas).<br />

3 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Po<strong>de</strong>r Judiciário. T rad <strong>de</strong> Juarez Tavares. Sâo Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1995. p. 87.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 521<br />

<strong>de</strong> vencimentos. Na proteção <strong>de</strong>stas garantias <strong>de</strong>vemos atentar na recomendação <strong>de</strong><br />

Montesquieu, <strong>de</strong> que as leis e expedientes administrativos ten<strong>de</strong>ntes a intimidar os juizes<br />

contravêm o instituto das garantias judiciais; impedindo a prestação jurisdicional, que há<br />

<strong>de</strong> ser necessariamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte; e afetando, <strong>de</strong>sta forma, a separação dos po<strong>de</strong>res e<br />

a própria estrutura governamental. Na <strong>de</strong>fesa da necessária in<strong>de</strong>pendência do Judiciário,<br />

Carl Schmitt afirma que a utilização da legislação po<strong>de</strong> ser facilmente direcionada para<br />

atingir os predicamentos da magistratura, afetando a in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Como autoproteção, o próprio Judiciário po<strong>de</strong>rá garantir sua posição <strong>constitucional</strong>, por<br />

meio do controle judicial <strong>de</strong>stes atos, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> concluímos a ampla possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis ou atos normativos que <strong>de</strong>srespeitem o livre exercício<br />

<strong>de</strong>ste Po<strong>de</strong>r.1<br />

Bandrés afirma que a in<strong>de</strong>pendência judicial constitui um <strong>direito</strong> fundamental dos<br />

cidadãos, inclusive o <strong>direito</strong> à tu tela judicial e o <strong>direito</strong> ao processo e julgamento por um<br />

Tribunal in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial.12<br />

Assim, é preciso um órgão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e imparcial para velar pela observância da<br />

Constituição e garantidor da or<strong>de</strong>m na estrutura governamental, mantendo nos seus papéis<br />

tanto o Po<strong>de</strong>r Fe<strong>de</strong>ral como as autorida<strong>de</strong>s dos Estados Fe<strong>de</strong>rados, além <strong>de</strong> consagrar a<br />

regra <strong>de</strong> que a Constituição limita os po<strong>de</strong>res dos órgãos da soberania.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral enumera, no art. 92, os órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário: o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça (EC n° 45/04), o Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, os Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e Juizes Fe<strong>de</strong>rais, os Tribunais e Juizes do<br />

Trabalho, os Tribunais e Juizes Eleitorais, os Tribunais e Juizes Militares e os Tribunais e<br />

Juizes dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, disciplinando-os a seguir, com ampla<br />

in<strong>de</strong>pendência, pois, como apontado por Clèmerson Merlin Clève,<br />

“talvez não exista Judiciário no mundo que, na dimensão unicamente normativa,<br />

possua grau <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência superior àquela <strong>constitucional</strong>mente assegurada à<br />

Justiça Brasileira”.3<br />

Por fim, em seu art. 98, II, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabeleceu a previsão da Justiça <strong>de</strong><br />

Paz, como integrante do Po<strong>de</strong>r Judiciário, com a previsão <strong>de</strong> eleição para seus membros.<br />

Trata-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, cuja regulamentação <strong>de</strong>verá ser<br />

estabelecida por meio <strong>de</strong> lei.4<br />

1 SCHMITT, Cart La <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong> la constitución T ra d <strong>de</strong> Manuel Sanchez Sarto. Madri: Tecnos, 1983. p. 50.<br />

2 Op. cit. p. 12.<br />

3 CLÉVE, Clèmerson Merlin Temas <strong>de</strong>.. Op. cit. p. 38.<br />

4 Conferir a respeito: STF - Pleno - Adin n° 2938/MG - Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção 1,9 <strong>de</strong>z.<br />

2005, p. 4.


5 2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.2 Quadro <strong>de</strong> organização estrutural<br />

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />

S T J TST TSE STM<br />

/ \ l l r<br />

TRFs TRT<br />

TRE<br />

1 1 1 1<br />

TJs<br />

TFA2<br />

juizes juizes<br />

▼<br />

juizes juizes<br />

r<br />

juí zes<br />

<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rais do trabalho1 eleitorais militares<br />

<strong>direito</strong><br />

STJ = Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

TST = Tribunal Superior do Trabalho<br />

TSE = Tribunal Superior Eleitoral<br />

STM = Superior Tribunal Militar<br />

TJs = Tribunais <strong>de</strong> Justiça<br />

TRFs = Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais<br />

TRT = Tribunais Regionais do Trabalho<br />

TRE = Tribunais Regionais Eleitorais<br />

TM = Tribunais Militares<br />

Em relação ao quadro <strong>de</strong> organização estrutural do Po<strong>de</strong>r Judiciário, importante <strong>de</strong>stacar,<br />

que a EC na 45/04 extinguiu os tribunais <strong>de</strong> Alçada, on<strong>de</strong> existiam, <strong>de</strong>terminando<br />

que seus membros passassem a integrar os Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos respectivos Estados,<br />

respeitadas a antiguida<strong>de</strong> e classe <strong>de</strong> origem.<br />

Estabeleceu, ainda, competência administrativa aos Tribunais <strong>de</strong> Justiça para, no<br />

prazo <strong>de</strong> 180 dias contado da promulgação da Emenda, efetivar a promoção da integração<br />

dos membros dos tribunais extintos em seus quadros, fixando-lhes a competência e remetendo,<br />

em igual prazo, ao Po<strong>de</strong>r Legislativo local, proposta <strong>de</strong> alteração da organização e<br />

da divisão judiciária correspon<strong>de</strong>ntes, assegurados os <strong>direito</strong>s dos inativos e pensionistas<br />

e o aproveitamento dos servidores no Po<strong>de</strong>r Judiciário estadual.<br />

A norma <strong>de</strong>terminante <strong>de</strong> extinção dos tribunais <strong>de</strong> Alçada não exigiu, portanto, para<br />

sua efetivida<strong>de</strong>, a edição <strong>de</strong> lei formal pelas respectivas Assembléias Legislativas (reserva<br />

legal absoluta), estabelecendo, expressamente, a competência administrativa do próprio<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário estadual, por meio <strong>de</strong> seu Tribunal <strong>de</strong> Justiça, para efetivá-la. 12<br />

1 N ova redação dada pela EC n2 24, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 1999.<br />

2 Formados somente em tempo <strong>de</strong> guerra. Em tempo <strong>de</strong> paz, o S TM exerce competência recursal dos juizes<br />

militares.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 523<br />

Dessa forma, trata-se <strong>de</strong> excepcional competência administrativa concedida pela<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça, para complementação da norma <strong>constitucional</strong><br />

por ato normativo infralegal, sem prejuízo <strong>de</strong> posterior encaminhamento <strong>de</strong> projeto<br />

<strong>de</strong> lei <strong>de</strong> alteração da organização judiciária estadual, para sua mera a<strong>de</strong>quação formal.<br />

A EC na 45/04 criou, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça,<br />

como seu órgão administrativo <strong>de</strong> cúpula, que será posteriormente analisado, <strong>de</strong>ixando<br />

<strong>de</strong> constar no quadro <strong>de</strong> organização estrutural do Po<strong>de</strong>r Judiciário, por não possuir competências<br />

jurisdicionais.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o ter<br />

ritório nacional e, assim como o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, se<strong>de</strong> na Capital Fe<strong>de</strong>ral.<br />

4.3 Funções típicas e atípicas<br />

Ao lado da função <strong>de</strong> legislar e administrar, o Estado exerce a função <strong>de</strong> julgar, ou seja,<br />

a função jurisdicional, consistente na imposição da valida<strong>de</strong> do or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong><br />

forma coativa, toda vez que houver necessida<strong>de</strong>.<br />

Explica Arruda Al vim:<br />

“Po<strong>de</strong>mos, assim, afirmar que função jurisdicional é aquela realizada pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida mediante<br />

processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, <strong>de</strong>finitivamente,<br />

a ativida<strong>de</strong> e vonta<strong>de</strong> das partes.”<br />

Dessa forma, a função típica do Po<strong>de</strong>r Judiciário é a jurisdicional, ou seja, julgar,<br />

aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é posto, resultante <strong>de</strong> um conflito <strong>de</strong> interesses.<br />

O Judiciário, porém, como os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res do Estado, possui outras funções, <strong>de</strong>nominadas<br />

atípicas, <strong>de</strong> natureza administrativa e legislativa.<br />

São <strong>de</strong> natureza administrativa, por exemplo, concessão <strong>de</strong> férias aos seus membros e<br />

serventuários;1prover, na forma prevista nessa Constituição, os cargos <strong>de</strong> juiz <strong>de</strong> carreira<br />

na respectiva jurisdição.2<br />

São <strong>de</strong> natureza legislativa a edição <strong>de</strong> normas regimentais,3 pois compete ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário elaborar seus regimentos internos, com observância das normas <strong>de</strong> processo<br />

e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento<br />

dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.<br />

4.4 Garantias do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

Para o exercício <strong>de</strong> tão importantes missões constitucionais, faz-se necessária a existência<br />

<strong>de</strong> certas garantias, que possibilitem a aplicação dos princípios basilares do Direito<br />

í<br />

2<br />

3<br />

CF, art. 9 6 , 1,/.<br />

CF, art. 9 6 , 1, c.<br />

CF, art. 9 6 , 1, a .


5 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Constitucional apontados pelo já citado Marcelo Caetano: (a) a regra da proteção dos<br />

<strong>direito</strong>s individuais; (b) a regra do processo jurídico regular; (c) a regra do razoável ou<br />

do equilíbrio <strong>de</strong> interesses; e (d) a regra da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> à proteção legal.1<br />

As garantias conferidas aos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário têm assim como condão<br />

conferir à instituição a necessária in<strong>de</strong>pendência para o exercício da Jurisdição, resguardando-a<br />

das pressões do Legislativo e do Executivo, não se caracterizando, pois, os<br />

predicamentos da magistratura como privilégio dos magistrados, mas sim como meio <strong>de</strong><br />

assegurar o seu livre <strong>de</strong>sempenho, <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> a revelar a in<strong>de</strong>pendência e autonomia do<br />

Judiciário. Hamilton, no Fe<strong>de</strong>ralista, comparava as garantias dos juizes às do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República norte-americana. Dizia que os juizes, por serem vitalícios, necessitam <strong>de</strong><br />

garantias mais fortes e duradouras que o Presi<strong>de</strong>nte.<br />

Todas estas garantias, portanto, são imprescindíveis ao exercício da <strong>de</strong>mocracia, à<br />

perpetuida<strong>de</strong> da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res e ao respeito aos <strong>direito</strong>s fundamentais, configurando<br />

suas ausências, supressões ou mesmo reduções, obstáculos inconstitucionais ao<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, no exercício <strong>de</strong> seu mister <strong>constitucional</strong>, permitindo que sofra pressões<br />

dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res do Estado e dificultando o controle da legalida<strong>de</strong> dos atos políticos do<br />

próprio Estado que causem lesão a <strong>direito</strong>s individuais ou coletivos. É importante ressaltar<br />

que, em um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, os atos políticos do governo estão <strong>de</strong>ntro da<br />

esfera <strong>de</strong> vigiabilida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que causem prejuízo a <strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais ou coletivas e que, para o efetivo e imparcial controle <strong>de</strong>stes atos, há<br />

a necessida<strong>de</strong> das garantias constitucionais da magistratura para não intimidar-se diante<br />

dos po<strong>de</strong>res, para que, <strong>de</strong>ssa mútua oposição resulte a mo<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> todos os po<strong>de</strong>res; o<br />

império da lei; a liberda<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos assim dividir as garantias do Judiciário em garantias institucionais e garantias<br />

aos membros.<br />

i<br />

CAETANO, M arcelo. D ir e it o ... Op. cit. p. 1 1 9 .


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 2 5<br />

4 .4 .1 G a ra n tia s in s titu c io n a is<br />

Dizem respeito à Instituição como um todo, ou seja, garantem a in<strong>de</strong>pendência do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário no relacionamento com os <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res.<br />

Tão importante são as garantias do Po<strong>de</strong>r Judiciário que a própria Constituição<br />

consi<strong>de</strong>ra crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República atentar contra seu livre<br />

exercício, conforme o art. 85, pois, como afirma Carlos S. Fayt, as imunida<strong>de</strong>s da magistratura<br />

não constituem privilégios pessoais, mas relacionam-se com a própria função exercida<br />

e o seu objeto <strong>de</strong> proteção contra os avanços, excessos e abusos dos outros po<strong>de</strong>res em<br />

benefício da Justiça e <strong>de</strong> toda a Nação. A magistratura se <strong>de</strong>sempenha no interesse geral<br />

e suas garantias têm fundamento no princípio da soberania do povo e na forma republicana<br />

<strong>de</strong> governo, <strong>de</strong> modo que todo avanço sobre a in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário importa<br />

em um avanço contra a própria Constituição.1<br />

A<br />

Autonomia funcional, administrativa e financeira ao Po<strong>de</strong>r Judiciário (CF,<br />

art. 99)<br />

Os Tribunais têm autogoverno e <strong>de</strong>vem elaborar suas propostas orçamentárias <strong>de</strong>ntro<br />

dos limites estipulados conjuntamente com os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res na lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias.12<br />

Se os respectivos órgãos dos Tribunais não encaminharem as respectivas propostas<br />

orçamentárias <strong>de</strong>ntro do prazo estabelecido na Lei <strong>de</strong> Diretrizes Orçamentárias, o Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo consi<strong>de</strong>rará, para fins <strong>de</strong> consolidação da proposta orçamentária anual, os valores<br />

aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados <strong>de</strong> acordo com os limites estipulados<br />

conjuntamente com os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res na Lei <strong>de</strong> Diretrizes Orçamentárias.3<br />

Se as propostas orçamentárias <strong>de</strong> que trata este artigo forem encaminhadas em <strong>de</strong>sacordo<br />

com esses limites, o Po<strong>de</strong>r Executivo proce<strong>de</strong>rá aos ajustes necessários para fins<br />

<strong>de</strong> consolidação da proposta orçamentária anual.<br />

Durante a execução orçamentária do exercício, não po<strong>de</strong>rá haver a realização <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spesas ou a assunção <strong>de</strong> obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na Lei <strong>de</strong><br />

Diretrizes Orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura <strong>de</strong><br />

créditos suplementares ou especiais.<br />

A EC n2 45/04, em reforço à autonomia financeira do Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>terminou<br />

que custas e emolumentos sejam <strong>de</strong>stinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos<br />

às ativida<strong>de</strong>s específicas da Justiça.<br />

Com fundamento na in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário e no princípio do autogoverno<br />

da magistratura, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

1 FAYT, Carlos S. S u p r e m a c ia c o n s t it u c io n a l e in d e p e n d e n c ia d e lo s ju e c e s . Buenos Aires: Depalm a, 1994. p. 3-4.<br />

2 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Suprem o trib u n a l Fe<strong>de</strong>ral pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei <strong>de</strong> Diretrizes Orçamentárias<br />

que fixou o lim ite <strong>de</strong> participação do Po<strong>de</strong>r Judiciário no orçam ento geral do Estado sem que houvesse<br />

participação <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r (S T F -P le n o - A d in n° 1.911-7/PR - medida lim inar - Rei, Min. lim ar Galvão, D iá r io<br />

d e J u s tiç a , Seção 1 ,12 mar. 1999, p. 2 ). Em relação à autonom ia financeira e administrativa do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

conferir: S T F - P le n o - A D I 1578/AL, Rei. Min. Cármen Lúcia, 4-3-2009, I n f o r m a t iv o S T F n° 537.<br />

3 A EC n °45/04 criou os §§ 3o, 4° e 5o, para m aior <strong>de</strong>talham ento da iniciativa orçamentária dos órgãos do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário.


526 Direito Constitucional • Moraes<br />

dispositivos da Constituição do Estado da Bahia que atribuíam ao Governador do Estado<br />

a nomeação dos <strong>de</strong>sembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça local, relativamente aos cargos<br />

reservados aos juizes <strong>de</strong> carreira, condicionando, inclusive, essa nomeação à aprovação<br />

do indicado pela maioria da Assembléia Legislativa. A in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

estadual pressupõe que o processo <strong>de</strong> provimento dos cargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargador, por acesso<br />

dos juizes <strong>de</strong> carreira, <strong>de</strong>ve ser iniciado e completado no âmbito do próprio Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça, não admitindo a participação <strong>de</strong> qualquer dos outros po<strong>de</strong>res do Estado.1<br />

Além disso, é o próprio Judiciário quem organiza suas secretarias e serviços auxiliares<br />

e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da ativida<strong>de</strong> correicional<br />

respectiva; dá provimento, na forma prevista na Constituição, aos cargos <strong>de</strong> juiz <strong>de</strong> carreira<br />

da respectiva jurisdição; propõe a criação <strong>de</strong> novas varas judiciárias; dá provimento, por<br />

concurso público <strong>de</strong> provas, ou <strong>de</strong> provas e títulos, aos cargos necessários à administração<br />

da Justiça, exceto os <strong>de</strong> confiança assim <strong>de</strong>finidos em lei; conce<strong>de</strong> licença, férias e outros<br />

afastamentos a seus membros e aos juizes e servidores que lhes forem imediatamente<br />

vinculados (CF, art. 96).<br />

Esta autonomia e in<strong>de</strong>pendência ampla encontra resguardo em todos os Estados <strong>de</strong>mocráticos<br />

<strong>de</strong> Direito, pois os tribunais têm, sob o ponto <strong>de</strong> vista estrutural-<strong>constitucional</strong>,<br />

uma posição jurídica idêntica à dos outros órgãos constitucionais <strong>de</strong> soberania. Da mesma<br />

forma, <strong>de</strong>sempenham funções cuja vinculativida<strong>de</strong> está jurídico-<strong>constitucional</strong>mente<br />

assegurada.<br />

A in<strong>de</strong>pendência do Judiciário, nos diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos, por várias vezes<br />

é posta à prova por motivos políticos. Importante <strong>de</strong>stacar, como nos relata Lawrence<br />

Baum, o conflito da Suprema Corte Americana com o Presi<strong>de</strong>nte Roosevelt, em virtu<strong>de</strong><br />

do New Deal, linha política que foi duramente criticada pelos <strong>de</strong>fensores do princípio da<br />

legalida<strong>de</strong>. Nos anos 20, os políticos liberais norte-americanos atacavam abertamente a<br />

Suprema Corte, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões jurídicas contra eventuais interesses político-<br />

-comerciais. Esse quadro se agravou nos anos 30, quando por maioria <strong>de</strong> votos o Tribunal<br />

se colocou em conflito direto com o Presi<strong>de</strong>nte Franklin Roosevelt e o já referido New Deal,<br />

programa presi<strong>de</strong>ncial para combater a Gran<strong>de</strong> Depressão, incluindo amplas e drásticas<br />

medidas <strong>de</strong> controle da economia. A Lei <strong>de</strong> Ajuste Agrícola, por exemplo, foi um esforço<br />

para limitar a produção agrícola a fim <strong>de</strong> estabilizar os preços dos produtos primários. A<br />

Lei <strong>de</strong> Recuperação Industrial Nacional foi, igualmente, estabelecida para causar acordos<br />

sobre práticas <strong>de</strong> trabalho e comércio <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> indústrias inteiras. Ocorre que, em uma<br />

série <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões tomadas por maioria <strong>de</strong> votos (6 x 3 e 5 x 4), nos anos <strong>de</strong> 1935 e 1936, a<br />

Suprema Corte enten<strong>de</strong>u inconstitucionais estas duas leis e outros diplomas legais editados<br />

pelo Congresso Nacional com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recuperação, enfraquecendo o programa <strong>de</strong><br />

governo. Inevitavelmente, o Presi<strong>de</strong>nte Roosevelt li<strong>de</strong>rou severas críticas contra o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, e, após sua reeleição consagradora em 1936, sugeriu contornar a situação por<br />

meio <strong>de</strong> uma legislação <strong>de</strong> acordo com a qual um juiz adicional po<strong>de</strong>ria ser acrescentado<br />

à Suprema Corte, para cada juiz que tivesse mais <strong>de</strong> 70 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Com a eventual<br />

implementação <strong>de</strong>ssa nova regra, o resultado teria sido aumentar o tamanho da Corte,<br />

temporariamente, para 15 juizes, permitindo que o Po<strong>de</strong>r Executivo nomeasse novos juizes<br />

favoráveis a seus programas. Enquanto essa hipótese era <strong>de</strong>batida no Congresso, a Corte<br />

1 Informativo STFn° 43 - Adm 202-BA, ReL Min. O ctávio Gallotti, 5-9-96. Prece<strong>de</strong>ntes citados: Adin314-PE<br />

(Pleno, 4-9-91); Adin 189-RJ (RTJ 138/371); A or 70-SC (RTJ 147/345).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 2 7<br />

eliminou a maior parte do impulso existente por trás <strong>de</strong>le em uma sequência <strong>de</strong> novas<br />

<strong>de</strong>cisões tomadas em 1937, e foi mantida a legislação d o NewDeal e legislação estadual<br />

similar por estreitas margens, tomando posição contrária a suas opiniões coletivas nos<br />

casos anteriores e evitando-se a <strong>de</strong>formação da autonomia da cúpula do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Anote-se que esta alteração <strong>de</strong> posicionamento da Suprema Corte Norte-Americana ficou<br />

conhecida como theswitch in time thatsaved nine (a mudança em tempo <strong>de</strong> salvar nove).1<br />

A composição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, portanto, reveste-se da natureza <strong>de</strong> cláusula<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário, e é prevista na própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (art. 101 - onze ministros), sendo que, qualquer tentativa do Po<strong>de</strong>r Executivo ou<br />

Legislativo <strong>de</strong> alterabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste número, com a intenção <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito à autonomia da<br />

própria Corte ou <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões, além <strong>de</strong> ser in<strong>constitucional</strong> por ferimento às cláusulas<br />

pétreas (CF, art. 60, § 4a, III - Separação dos Po<strong>de</strong>res), configurará crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

(CF, art. 85, II-L iv re exercício do Po<strong>de</strong>r Judiciário).<br />

Essa previsão <strong>constitucional</strong> do número <strong>de</strong> membros do Supremo Tribunal é tradicional<br />

em nosso <strong>direito</strong>, existindo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a I a Constituição republicana, e foi saudada<br />

por Rui Barbosa como uma “superiorida<strong>de</strong>, num ponto car<strong>de</strong>al, da nossa à Constituição<br />

americana”, em <strong>de</strong>fesa das garantias da magistratura.12<br />

Assim, qualquer alteração <strong>constitucional</strong> na composição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong>verá respeitar a in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário e ser feita por emenda <strong>constitucional</strong>.<br />

Observe-se que as Constituições <strong>de</strong> 34 (art. 73), <strong>de</strong> 37 (art. 97) e 46 (art. 98) possibilitavam<br />

a elevação, por lei, do número <strong>de</strong> membros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, mas<br />

somente mediante lei <strong>de</strong> iniciativa do próprio Tribunal.<br />

Comentando o art. 98 da Constituição <strong>de</strong> 1946, no tocante à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa<br />

do próprio tribunal, Pontes <strong>de</strong> Miranda afirmou que<br />

“a fixação do número <strong>de</strong> juizes do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral evita que, por interesses<br />

ocasionais <strong>de</strong> partidos, ou para satisfação <strong>de</strong> ambições açodadas, ou prêmios<br />

a Ministros <strong>de</strong> Estado que vão <strong>de</strong>ixar o cargo, se eleve, ou, para obtenção <strong>de</strong> votos<br />

ou <strong>de</strong> maiorias seguras, se diminua”.3<br />

B. Modo <strong>de</strong> escolha dos dirigentes dos tribunais<br />

Importante previsão <strong>constitucional</strong>, como alicerce da in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

é a do art. 9 6 ,1, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que afirma competir aos Tribunais a<br />

eleição <strong>de</strong> seus órgãos diretivos.4<br />

1 BAUM, Lawrence. A S u p r e m a C o n e a m e r ic a n a . R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1985. p. 42.<br />

2 BARBOSA, Rui. C o m m e n t á r io s ... Op. cit. p. 7-9. Essa mesma constatação é feita p o r M anoel Gonçalves Ferreira<br />

Filho, que afirm a que “enten<strong>de</strong>u o constituinte ser necessário im pedir que essa composição fosse ampliada<br />

ou diminuída por m otivos políticos” (C o m e n t á r io s à C o n s t it u iç ã o b r a s ile ir a <strong>de</strong> 1 9 8 8 . 2. ed. São Paulo: Saraiva,<br />

1997. p. 485).<br />

3 M IRANDA, Pontes. C o m e n t á r io s à C o n s t it u iç ã o d e 1 9 4 6 . Rio d e Janeiro: Henrique Cahem, 1947. v. 2. p. 185.<br />

4 COSTA, José Manuel M. Cardoso da. A ju r is d iç ã o c o n s t it u c io n a le m P o r t u g a l. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora,<br />

1992. p. 15. Sobre a recepção do art. 102 da LO M A N e a <strong>de</strong>finição do modo <strong>de</strong> eleição da Presidência, Vice-<br />

-Presidência - Corregedoria Geral da Justiça, conferir STF - Pleno - Rcl. 8025/SP, Rei. Min. Eros Grau, 9-12-2009.


5 2 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

A eleição dos dirigentes dos Tribunais é função governativa, na medida em que tais<br />

dirigentes comandam um dos segmentos do Po<strong>de</strong>r Público. Dessa forma, <strong>de</strong>ve ser realizada<br />

pelos membros do Tribunal, sem ingerência do Po<strong>de</strong>r Executivo ou Legislativo.<br />

Citando Alexis <strong>de</strong> Tocqueville, in Democracia na América, José Manuel Bandrés afirma<br />

que a força dos tribunais tem sido, em todos os tempos, a maior garantia que se po<strong>de</strong><br />

oferecer às liberda<strong>de</strong>s individuais.1<br />

Ressalte-se que a Constituição permite nos tribunais com número superior a 25 julgadores<br />

a criação <strong>de</strong> um órgão especial, com o mínimo <strong>de</strong> 11 e o máximo <strong>de</strong> 25 membros,<br />

para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do tribunal<br />

pleno, provendo-se, nos termos da EC nQ45/04, meta<strong>de</strong> das vagas por antiguida<strong>de</strong> e a<br />

outra meta<strong>de</strong> por eleição pelo tribunal pleno.<br />

4 .4 .2 G a ra n tia s a o s m em b ro s<br />

A. Garantias <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

A . l Vltallcleda<strong>de</strong><br />

Os magistrados possuem <strong>constitucional</strong>mente as garantias da vitalicieda<strong>de</strong>, inamovibilida<strong>de</strong><br />

e irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídio,12 assim como os membros do Ministério Público,<br />

pois sua in<strong>de</strong>pendência pressupõe um caráter externo, relativo aos órgãos ou entida<strong>de</strong>s<br />

estranhas ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, e um caráter interno, ou seja, in<strong>de</strong>pendência dos membros<br />

perante os órgãos ou entida<strong>de</strong>s pertencentes à própria organização judiciária.<br />

Assim, o juiz somente po<strong>de</strong>rá per<strong>de</strong>r seu cargo por <strong>de</strong>cisão judicial transitada em<br />

julgado.3 A vitalicieda<strong>de</strong> (CF, art. 9 5 ,1), em primeiro grau, somente é adquirida após o<br />

chamado estágio probatório, ou seja, após dois anos <strong>de</strong> efetivo exercício da carreira, mediante<br />

aprovação no concurso <strong>de</strong> provas e títulos. Os magistrados dos Tribunais Superiores,<br />

ou mesmo os advogados e membros do Ministério Público que ingressam nos Tribunais<br />

Estaduais ou Fe<strong>de</strong>rais, pelo quinto <strong>constitucional</strong> adquirem vitalicieda<strong>de</strong> imediatamente no<br />

momento da posse. O fato <strong>de</strong> os magistrados serem vitalícios permite-lhes certa liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> preocupações a respeito da aprovação pública, permitindo uma atuação mais técnica.<br />

Excepcionalmente, porém, a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê um abrandamento<br />

da vitalicieda<strong>de</strong> dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ao consagrar em seu art. 52 a<br />

competência privativa do Senado Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar os Ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma regra <strong>de</strong> responsabilização política dos membros da mais alta Corte<br />

Judiciária que pratiquem infrações político-administrativas atentatórias à Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral (impeachment) ,4<br />

1 BANDRÉS, José Manuel. Po<strong>de</strong>r judicial... Op. cit p. 75-76.<br />

2 Redação dada pela Emenda Constitucional na 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.<br />

3 Cf. STF - P le n o - A d in na3.227/MG - R e i. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 26-4-2006. Informativo STFna424.<br />

4 Cf. S T F -P le n o - MS 30672 AgR/DF - Rei. Min. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2011.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 2 9<br />

Tradicional em nosso <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, essa regra <strong>de</strong> responsabilização política<br />

foi prevista em todas as constituições republicanas (em geral com competência para o<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral: EC n12 01/69 - art. 42, inciso II; CF/67 - art. 44, inciso n, e 113, § 2a;<br />

CF/46- arts. 62, inciso II, e 100; CF/37 - art. 100, nessa Constituição a <strong>de</strong>nominação<br />

da Câmara Alta do Congresso era Conselho Fe<strong>de</strong>ral; CF/1891, art. 57, § 2a. Somente na<br />

CF/34 o art. 75 previa competência a um Tribunal especial - três juizes da Suprema Corte,<br />

três do Senado Fe<strong>de</strong>ral e três da Câmara dos Deputados - para o processo e julgamento<br />

dos Ministros da Suprema Corte por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>) e teve como mo<strong>de</strong>lo a<br />

Constituição norte-americana, que em sua Seção 3 - item 6 afirma que somente o Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rájulgar os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (impeachment) .'<br />

A .2 Inamovlblllda<strong>de</strong><br />

Uma vez titular do respectivo cargo, o juiz somente po<strong>de</strong>rá ser removido ou promovido<br />

por iniciativa própria, nunca ex ojficio <strong>de</strong> qualquer outra autorida<strong>de</strong>, salvo em uma única<br />

exceção <strong>constitucional</strong> por motivo <strong>de</strong> interesse público e pelo voto da maioria absoluta do<br />

respectivo tribunal ou do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa (CF, art.<br />

93, VIII, 95, II e 103-B, § 4a, III, com redação dada pela EC nQ45/04).2 Importante ressaltar<br />

que os juizes militares gozam, assim como todos os magistrados, <strong>de</strong> inamovibilida<strong>de</strong>. Deve<br />

ser feita uma ressalva <strong>de</strong> que esta garantia não os exime <strong>de</strong> acompanhar as forças em operação<br />

junto às quais tenham <strong>de</strong> servir dado o caráter da justiça militar.<br />

Ao comentar a questão sobre a opção política do legislador constituinte sobre a escolha<br />

<strong>de</strong> um órgão para interpretar a Constituição, Carl Schmitt aborda a discussão sobre<br />

o preceito da inamovibilida<strong>de</strong> dos magistrados, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo-o, para que os magistrados<br />

não sejam expostos a uma prova <strong>de</strong> resistência política.3 A doutrina norte-americana<br />

já apontava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanência do magistrado no cargo, como garantia <strong>de</strong><br />

in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong> do órgão julgador, pois a <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong> do órgão julgador<br />

resultaria em opressão e medo da influência <strong>de</strong> ações coor<strong>de</strong>nadas, e nada po<strong>de</strong> contribuir<br />

com tanta firmeza para essa in<strong>de</strong>pendência como a permanência no cargo, garantia que<br />

se consubstancia em um baluarte da justiça pública e segurança pública.<br />

A .3 Irredutlblllda<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídios<br />

O salário, vencimentos, ou como <strong>de</strong>nominado na Emenda Constitucional n2 19/98,<br />

o subsídio do magistrado não po<strong>de</strong> ser reduzido como forma <strong>de</strong> pressão, garantindo-lhe<br />

assim o livre exercício <strong>de</strong> suas atribuições.<br />

1 Nos Estados Unidos da Am érica, o impeachment contra membros da Suprema Corte foi tentado três vezes,<br />

contra os ju izes Samuel Chase (1805), Douglas (1969-70) e Fortas (1969), sem que jamais houvesse qualquer<br />

con<strong>de</strong>nação. Em relação aos dois prim eiros, o procedim ento fo i arquivado, enquanto em relação ao terceiro<br />

per<strong>de</strong>u seu objeto em face da renúncia do magistrado.<br />

2 Observando-se as características do cargo, o STF enten<strong>de</strong>u plenamente aplicável a garantia da inamovibilida<strong>de</strong><br />

aos juizes substitutos, afirm ando ser “possível que a substituição fosse exercida por meio <strong>de</strong> escala sem que se<br />

removesse compulsoriamente o magistrado <strong>de</strong> sua comarca ou vara, <strong>de</strong> m odo que respon<strong>de</strong>sse temporariamente<br />

pelo serviço nos casos em que o juiz titular estivesse afastado ou sobrecarregado” (STF - Pleno - MS 25747/SC,<br />

Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 17-5-2012).<br />

3<br />

SCHMITT, Carl. La <strong>de</strong>fensa <strong>de</strong>... Op. cit. p. 95.


530 Direito Constitucional • Moraes<br />

Afonso Arinos relembra a origem inglesa, nos mol<strong>de</strong>s mo<strong>de</strong>rnos, <strong>de</strong>ssa garantia, no<br />

propósito <strong>de</strong> manter a dignida<strong>de</strong> e a in<strong>de</strong>pendência dos juizes, a partir do statute I Geo.<br />

IIIc . 23 estabelecendo que os salários integrais dos magistrados estariam absolutamente<br />

assegurados durante o período <strong>de</strong> suas funções.1<br />

Surge nesta questão o problema d a irredutibilida<strong>de</strong> jurídica ou real. Pela primeira, a<br />

garantia <strong>constitucional</strong> estará sendo cumprida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não haja diminuição nominal do<br />

salário, mesmo que os índices inflacionários sejam elevados. Pela segunda, vislumbra-se<br />

a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessões <strong>de</strong> aumentos em níveis inferiores aos da correção monetária<br />

fixados oficialmente uma vez que os sucessivos aumentos em índices inferiores ao<br />

valor da moeda importam, indiretamente, na redução dos vencimentos, o que é vedado<br />

pelo texto <strong>constitucional</strong>.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>cidiu pela existência da irredutibilida<strong>de</strong> jurídica,<br />

negando o <strong>direito</strong> à atualização monetária.123<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, portanto, aos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário a garantia<br />

da irredutibilida<strong>de</strong> do subsídio, sendo <strong>de</strong> interesse relembrar a advertência feita na obra<br />

clássica <strong>de</strong> Alexan<strong>de</strong>r Hamilton, James Madson e John Jay COfe<strong>de</strong>ralista), on<strong>de</strong>, ao conceituar<br />

a irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, Hamilton consagrou o ditado popular <strong>de</strong> que<br />

mexer na subsistência é mexer na vonta<strong>de</strong>.<br />

B. Garantias <strong>de</strong> Im parcialida<strong>de</strong> (CF, art. 95, parágrafo único,<br />

I, II, III, IV e V f<br />

As vedações previstas no art. 95, parágrafo único, incisos I a V, do texto <strong>constitucional</strong><br />

têm por finalida<strong>de</strong> assegurar a imparcialida<strong>de</strong> do magistrado no exercício <strong>de</strong> suas funções,<br />

evitando que exerça <strong>de</strong>terminados cargos e funções, ou ainda, afastando-o <strong>de</strong> situações<br />

que possam criar embaraço no exercício da ativida<strong>de</strong> jurisdicional.<br />

Aos juizes é vedado: exercer, ainda que em disponibilida<strong>de</strong>, outro cargo ou função,<br />

salvo uma <strong>de</strong> magistério;4 receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em<br />

processo, <strong>de</strong>dicar-se à ativida<strong>de</strong> político-partidária, receber, a qualquer título ou pretexto,<br />

auxílios ou contribuições <strong>de</strong> pessoas físicas, entida<strong>de</strong>s públicas ou privadas, ressalvadas<br />

as exceções previstas em lei, exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou,<br />

antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>corridos três anos do af astamento do cargo por aposentadoria ou exoneração<br />

(quarentena).<br />

1 FRANCO, Afonso Arinos <strong>de</strong> M elo. Parecer-Em <strong>de</strong>fesa das garantias do Ministério Público. São Paulo: Imprensa<br />

Oficial, 1961. p. 65.<br />

2 JSTF 49/94; 57/52.<br />

3 Redação dada pela EC n ° 45/04.<br />

4 Em relação ao exercício <strong>de</strong> “uma <strong>de</strong> m agistério”, enten<strong>de</strong>u o STF que “ a expressão ‘uma <strong>de</strong> magistério’ visa<br />

apenas impedir que a cumulação autorizada prejudique, em term os <strong>de</strong> horas <strong>de</strong>stinadas ao magistério, o exercício<br />

da magistratura, sendo a questão, portanto, <strong>de</strong> compatibilização <strong>de</strong> horários, a ser resolvida caso a caso”<br />

(S T F - P le n o - A d in nQ312 6/D F-m edida cautelar - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s - Informativo STF n° 376, p. 2 ) e<br />

não a obrigatorieda<strong>de</strong> numérica <strong>de</strong> exercer o magistério em uma única unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino. N o mesmo sentido,<br />

STF - Pleno - AD I 3508/MS - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 27-6-2007, on<strong>de</strong> o Supremo reafirmou<br />

a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong> novos requisitos que não sejam os utilizados pela LO M AN (art. 26, parágrafo<br />

único: “correlação <strong>de</strong> matérias” e “com patibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> horário” (conferir: Informativo STFn° 474).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 531<br />

Nesse sentido, a Resolução nQ10, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, do Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, vedou<br />

aos magistrados a cumulação - mesmo sem remuneração - com cargos ou funções na<br />

<strong>de</strong>nominada Justiça Desportiva, <strong>de</strong>terminando que todos os membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

que se encontrassem nessa situação se <strong>de</strong>sligassem dos referidos órgãos até o dia 31<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, consagrando o princípio da <strong>de</strong>dicação exclusiva, cuja finalida<strong>de</strong> é<br />

preservar a in<strong>de</strong>pendência, imparcialida<strong>de</strong> e isenção dos magistrados, por serem órgãos<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> parcela da soberania estatal.1<br />

Em relação à possibilida<strong>de</strong> do exercício <strong>de</strong> magistério, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

editou Resolução CNJ nD34, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007, dispondo sobre o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s<br />

do magistério pelos integrantes da magistratura nacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatíveis<br />

os horários fixados para o expediente forense e para a ativida<strong>de</strong> acadêmica.<br />

Em relação à quarentena, importante ressaltar a imprecisão da redação da EC na<br />

45/04, pois ao estabelecer a vedação ao exercício da advocacia, pelo prazo <strong>de</strong> três anos,<br />

pelo magistrado aposentado ou exonerado no juízo ou tribunal do qual se af astou, po<strong>de</strong>rá<br />

permitir interpretações que tornem sem efeito essa importante norma <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong><br />

administrativa, no tocante a juizes <strong>de</strong> I a grau, em comarcas que não sejam <strong>de</strong> Vara única.<br />

Ora, se a finalida<strong>de</strong> da inovação <strong>constitucional</strong> foi impedir eventual tráfico <strong>de</strong> influência<br />

ou exploração <strong>de</strong> prestígio, fortalecendo as normas <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> administrativa, a<br />

expressão “no juízo do qual se afastou" <strong>de</strong>ve ser interpretada, em relação aos juizes <strong>de</strong> I a<br />

grau aposentados ou exonerados, como “na Comarca da qual se afastou", pois seria <strong>de</strong> absoluta<br />

inutilida<strong>de</strong> proibir-se, por exemplo, o juiz aposentado da 3a Vara Cível da Comarca<br />

<strong>de</strong> São Paulo <strong>de</strong> advogar somente nessa Vara, permitindo-lhe a advocacia em todas as<br />

outras Varas da Comarca da Capital do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />

Importante ressaltar, conforme <strong>de</strong>stacou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que as garantias<br />

<strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> ou vedações são aplicáveis aos membros do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Justiça, pois “nenhum dos advogados ou cidadãos membros do Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Justiça po<strong>de</strong>, durante o exercício do mandato, exercer ativida<strong>de</strong>s incompatíveis com essa<br />

condição, tais como exercer outro cargo ou função, salvo uma <strong>de</strong> magistério, <strong>de</strong>dicar-se a<br />

ativida<strong>de</strong> político-partidária e exercer a advocacia no território nacional”.12<br />

No exercício <strong>de</strong> suas competências constitucionais, e consi<strong>de</strong>rando que a lei veda ao<br />

magistrado procedimento incompatível com a dignida<strong>de</strong>, a honra e o <strong>de</strong>cora <strong>de</strong> suas funções,<br />

o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou o Código <strong>de</strong> Ética da Magistratura,3 <strong>de</strong>finindo-o<br />

como “instrumento essencial para os juizes incrementarem a confiança da socieda<strong>de</strong> em<br />

sua autorida<strong>de</strong> moral”, bem como apontando que o referido instrumento “traduz compromisso<br />

institucional com a excelência na prestação do serviço público <strong>de</strong> distribuir Justiça<br />

e, assim, mecanismo para fortalecer a legitimida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Judiciário”.<br />

1 Conferir extenso com entário no item 95.5-A - MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. C o n s t it u iç ã o d o Brasil in te r p r e ta d a e<br />

le g is la ç ã o c o n s titu c io n a l. 7. e d São Paulo: Atlas, 2 0 0 7 . 0 entendimento <strong>de</strong>fendido no texto, em relação à <strong>de</strong>dicação<br />

exclusiva, foi corroborado pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que reafirm ou ter a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

vinculado “uma proibição geral <strong>de</strong> acumulação do cargo <strong>de</strong> ju iz com qualquer outro, <strong>de</strong> qualquer natureza ou<br />

feição, salvo uma <strong>de</strong> magistério” (S T F - P le n o - MS 25.938/D F -R el. Min. Carmen Lúcia, D J e -172,11 set. 2008).<br />

2 STF - Pleno - Adin n- 3.367/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. I n f o r m a t iv o S T F n2 383.<br />

3 Aprovado na 68a Sessão Ordinária do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, do dia 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008, nos autos<br />

do Processo nQ200820000007337.


5 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

O Código <strong>de</strong> Ética da Magistratura Nacional, que <strong>de</strong>verá ser entregue a todos os juizes<br />

no momento da posse, aponta os princípios da in<strong>de</strong>pendência, da imparcialida<strong>de</strong>, do<br />

conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da<br />

prudência, da diligência, da integrida<strong>de</strong> profissional e pessoal, da dignida<strong>de</strong>, da honra<br />

e do <strong>de</strong>coro como essenciais à prestação da ativida<strong>de</strong> jurisdicional e impõem aos magistrados<br />

o primado do respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o<br />

fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores <strong>de</strong>mocráticos.<br />

Estabelece, ainda, como finalida<strong>de</strong> básica da ativida<strong>de</strong> jurisdicional garantir e fomentar<br />

a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidarieda<strong>de</strong> e<br />

a justiça na relação entre as pessoas.<br />

Em seus 12 capítulos, o Código <strong>de</strong> Ética dispõe sobre a in<strong>de</strong>pendência, imparcialida<strong>de</strong>,<br />

transparência, integrida<strong>de</strong> pessoal e profissional, diligência e <strong>de</strong>dicação, cortesia, prudência,<br />

sigilo profissional, conhecimento e capacitação, dignida<strong>de</strong>, honra e <strong>de</strong>coro como<br />

preceitos que complementam os <strong>de</strong>veres funcionais dos juizes que emanam da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, do Estatuto da Magistratura e das <strong>de</strong>mais disposições legais.<br />

4.4.3 In<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário e controle externo<br />

Após a análise sobre o Po<strong>de</strong>r Judiciário e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua imparcialida<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pendência,<br />

convém tratarmos da real possibilida<strong>de</strong> da criação <strong>de</strong> um controle externo<br />

sobre suas ativida<strong>de</strong>s.<br />

O estudo <strong>de</strong>ve analisar, primeiramente, o teor <strong>de</strong> dois artigos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o<br />

art. 22 CSão Po<strong>de</strong>res da União, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e harmônicos entre st, o Legislativo, o Executivo<br />

e o Judiciário) e o art. 60, § 4e, inc. III (Não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda<br />

ten<strong>de</strong>nte a abolir a separação dos Po<strong>de</strong>res); pois a conjugação <strong>de</strong> ambos nos mostra que o<br />

legislador constituinte, ao proclamar a existência <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res da República, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

e harmônicos entre si, cada qual com sua função soberana, buscou uma finalida<strong>de</strong> maior,<br />

qual seja, evitar o arbítrio e garantir a liberda<strong>de</strong> individual do cidadão. Ambas as previsões<br />

vieram acompanhadas pelo manto da imutabilida<strong>de</strong>, preten<strong>de</strong>ndo o legislador constituinte<br />

evitar o futuro <strong>de</strong>sequilíbrio entre os <strong>de</strong>tentores das funções estatais.<br />

A harmonia prevista entre os Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado vem acompanhada <strong>de</strong> um <strong>de</strong>talhado<br />

sistema <strong>de</strong> freios e contrapesos (checksand balances), consistente em controles recíprocos.1<br />

Assim, é necessário lembrar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> reciprocida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controles, que a<br />

fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das unida<strong>de</strong>s<br />

administrativas do Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>verá ser realizada pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, através<br />

do próprio Congresso Nacional, com o auxílio do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União,2 no âmbito<br />

nacional.<br />

Além disto, o modo <strong>de</strong> escolha e investidura da cúpula do Po<strong>de</strong>r Judiciário - os Ministros<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - sofre rigoroso controle por parte tanto do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, quanto do Po<strong>de</strong>r Legislativo. A Constituição Fe<strong>de</strong>ralprevê em seu art. 101 que<br />

1 Cf. MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Direitos humanos... Op. cit. p. 65-75; PIÇARRA, Nuno. Separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res...<br />

O p. cit.; FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Conflito entre po<strong>de</strong>res. O p. cit.<br />

2<br />

CF, art. 71, inc. IV.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 533<br />

o “Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compõe-se <strong>de</strong> onze Ministros, escolhidos <strong>de</strong>ntre cidadãos<br />

com mais <strong>de</strong> trinta e cinco e menos <strong>de</strong> sessenta e cinco anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> notável saber<br />

jurídico e reputação ilibada”, sendo que o parágrafo único do citado artigo <strong>de</strong>termina que<br />

“os Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral serão nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral”.<br />

Esses mesmos Ministros po<strong>de</strong>rão ser processados e julgados pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral nos<br />

crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>.<br />

Não bastasse isto, o Po<strong>de</strong>r Judiciário sofre controle administrativo na escolha e modo<br />

<strong>de</strong> investidura <strong>de</strong> altos magistrados <strong>de</strong> Tribunais Superiores, além da regra do quinto<br />

<strong>constitucional</strong> na Justiça Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito da União e nos Tribunais Estaduais e do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Reforça esse sistema <strong>de</strong> controles exercidos sobre o Po<strong>de</strong>r Judiciário, como relembra<br />

José Tarcízio <strong>de</strong> Almeida Melo, “o controle legislativo do Po<strong>de</strong>r Judiciário, além daquele<br />

em que o Congresso tem como auxiliar o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, dá-se com a participação<br />

na elaboração dos projetos <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong> iniciativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, dos<br />

Tribunais Superiores e dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, concernentes à alteração do número <strong>de</strong><br />

cargos <strong>de</strong> membros dos Tribunais e dos respectivos servidores, e fixação dos vencimentos,<br />

bem como à organização e divisão judiciária (art. 96, II)”.1<br />

Todos estes controles configuram-se previsões originárias do legislador constituinte,<br />

<strong>de</strong>ntro do equilíbrio que <strong>de</strong>ve pautar a harmonia entre os Po<strong>de</strong>res da República.<br />

Seria possível, pois, ao legislador constituinte <strong>de</strong>rivado - Congresso Nacional -<br />

conceber a tarefa <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro Quarto Po<strong>de</strong>r, cuja função precípua seria<br />

controlar um dos três Po<strong>de</strong>res da República, originariamente criado e organizado pela<br />

Assembléia Nacional Constituinte?<br />

Cremos que não, sob pena <strong>de</strong> grave ferimento a uma das cláusulas pétreas: a Separação<br />

dos Po<strong>de</strong>res.12<br />

A criação <strong>de</strong> um órgão autônomo e externo ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, com a missão <strong>de</strong><br />

fiscalizá-lo e controlá-lo, acabaria por <strong>de</strong>srespeitar flagrantemente os arts. 2° e 60, §<br />

4a, inc. III, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, configurando-se, em uma intervenção dos <strong>de</strong>mais<br />

po<strong>de</strong>res na magistratura, que ficaria submetida hierárquica e politicamente a um órgão<br />

político, composto por integrantes pertencentes aos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res ou instituições estatais,<br />

e, em consequência, haveria o grave risco <strong>de</strong> comprometimento da imparcialida<strong>de</strong><br />

dos magistrados.3<br />

1 ALMEIDA NETO, José Tarcízio d e Direito <strong>constitucional</strong>... Op. cit. p. 258.<br />

2 Posicionando-se a favor da criação <strong>de</strong> um controle externo do Po<strong>de</strong>r Judiciário, qu e enten<strong>de</strong> com patível<br />

com a Separação dos Po<strong>de</strong>res, M ário Brockmann afirma que “ a expressão po<strong>de</strong>res in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes permite uma<br />

interpretação abusiva da teoria inspirada da f órmula importada, pois o que se busca com a separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />

é a sua lim itação mútua, enquanto que o que se obtém com a sua in<strong>de</strong>pendência é uma lógica <strong>de</strong> expansão<br />

isolacionista. E com o isolamento po<strong>de</strong>m v ir a irresponsabilida<strong>de</strong>, o privilégio e o abuso” (Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res<br />

e Controle Externo do Judiciário. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: Revista dos<br />

Tribunais, n ° 9, p. 8 5,1996).<br />

3 Sobre os reflexos da politização dos ju izes na ativida<strong>de</strong> jurisdicional, consultar: FERRAZ, Junior, T érd o<br />

Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos Po<strong>de</strong>res: um principio em <strong>de</strong>cadência? Revista Trimestral <strong>de</strong> Direito<br />

Público, São Paulo: Malheiros, p. 46.


534 Direito Constitucional • Moraes<br />

Esse mesmo entendimento é <strong>de</strong>fendido por Michel Temer, que, após analisar a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do Judiciário, afirma que o:<br />

“Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça será um outro po<strong>de</strong>r, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos <strong>de</strong>mais. Será<br />

composto, inafastavelmente, por membros <strong>de</strong> correntes partidárias ou funcionais<br />

que farão nascer, se não diretamente, pelo menos indiretamente, nefasta influência<br />

na <strong>de</strong>cisão judicia l Não <strong>de</strong>sejo dizer, com isso, que o juiz será intimado pelo Conselho.<br />

Haverá, porém, nítida preocupação do juiz com o Conselho, <strong>de</strong> composição<br />

heterogênea, com membros nem sempre conhecedores da arte jurisdicional. Se as<br />

Constituições primaram, sempre, por evitar até mesmo a injunção interna no po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong>cisório, como admitir que um órgão externo ao Judiciário venha a fazê-lo?”1<br />

Assim, se não é possível <strong>constitucional</strong>mente a criação <strong>de</strong> um órgão externo controlador<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>fendíamos, há muito tempo, que a própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral já previa a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> um Conselho da Justiça, que funcionaria<br />

junto ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, cabendo-lhe, na forma da lei, exercer a supervisão<br />

administrativa e orçamentária da Justiça Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeiro e segundo graus. Ressalte-<br />

-se que as funções <strong>de</strong>sse Conselho <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>veríam assemelhar-se às funções dos<br />

Conselhos Superiores da Magistratura portuguesa,12 que, como salientado por Canotilho,<br />

não po<strong>de</strong>m perturbar a in<strong>de</strong>pendência interna dos magistrados, isto é, o livre exercício da<br />

sua ativida<strong>de</strong>, garantindo-se <strong>constitucional</strong>mente a inexistência <strong>de</strong> quaisquer vínculos<br />

perante os órgãos dirigentes do próprio Judiciário e dos tribunais superiores.3 Não foi<br />

outra a adoção da EC nE45/04.<br />

4.4.4 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e controle externo do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não admite a criação <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> controle externo<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário que não foram previstos originariamente pelo legislador constituinte,<br />

enten<strong>de</strong>ndo que tais hipóteses afrontam o princípio da separação dos po<strong>de</strong>res. Assim,<br />

analisando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> controles externos às magistraturas estaduais, o<br />

Tribunal já <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das Constituições dos Estados da Paraíba,<br />

Pará, Bahia e Mato Grosso.<br />

O STF <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Constituição do Estado da Paraíba,<br />

que instituía o Conselho Estadual <strong>de</strong> Justiça, composto por dois <strong>de</strong>sembargadores, um<br />

representante da Assembléia Legislativa do Estado, o Procurador-Geral do Estado e o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da Seccional da OAB, atribuindo-lhe a fiscalização da ativida<strong>de</strong> administrativa<br />

e do <strong>de</strong>sempenho dos <strong>de</strong>veres funcionais do Po<strong>de</strong>r Judiciário, do Ministério Público,<br />

da Advocacia Geral do Estado e da Defensoria Pública, pois enten<strong>de</strong>u que essa previsão<br />

ofendia, flagrantemente, o princípio da Separação dos Po<strong>de</strong>res.4<br />

1 TEMER, Michel. Constituição e Política... Op. cit. p. 77-78.<br />

2 Conselhos Superiores da Justiça - Conselho Superior da Magistratura (CRP, arts. 219 e 2 20 ); Conselho Superior<br />

dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CRF, art. 219) e Conselho Superior do M inistério Público (art. 222).<br />

3 Direito <strong>constitucional</strong>. Op. cit. p. 768.<br />

4<br />

S T F - A d in n 0 135-P B -R el. Min. Octávio G a llotti- d. 21-11-96-Inform ativo STF, n° 54.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 3 5<br />

Igualmente, o Pretório Excelso <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Constituição<br />

do Estado do Pará, que criara um Conselho Estadual <strong>de</strong> Justiça integrado por membros<br />

da magistratura estadual, autorida<strong>de</strong>s pertencentes aos outros Po<strong>de</strong>res, advogados e<br />

representantes <strong>de</strong> cartórios <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> registro e <strong>de</strong> serventuários da Justiça, afirmando<br />

que “a criação, pela Constituição do Estado, <strong>de</strong> Conselho Estadual <strong>de</strong> Justiça com essa<br />

composição e <strong>de</strong>stinado à fiscalização e ao acompanhamento do <strong>de</strong>sempenho dos órgãos<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário é in<strong>constitucional</strong>, por ofensa ao princípio da separação dos Po<strong>de</strong>res<br />

(art. 2Qda Constituição Fe<strong>de</strong>ral), <strong>de</strong> que são corolários o autogoverno dos Tribunais e a<br />

sua autonomia administrativa, financeira e orçamentária (arts. 96, 99 e parágrafos, e 168<br />

da Carta Magna)”.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por unanimida<strong>de</strong>, também julgou proce<strong>de</strong>nte ação direta<br />

para <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Constituição do Estado da Bahia, que, alterando<br />

o modo <strong>de</strong> investidura dos <strong>de</strong>sembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, pretendia estabelecer<br />

uma fiscalização dos po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo na formação do Tribunal. Assim, a<br />

Constituição baiana previa que o Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>veria indicar ao Governador do<br />

Estado o Juiz mais antigo ou apresentar-lhe lista tríplice para o critério <strong>de</strong> merecimento,<br />

para que esse efetivasse a escolha e submetesse à apreciação da Assembléia Legislativa.<br />

Enten<strong>de</strong>u a Corte Suprema que esse dispositivo <strong>de</strong>srespeitou o autogoverno da magistratura<br />

(CF, art. 99, caput).12<br />

Por fim, o STF, também por votação unânime, julgou proce<strong>de</strong>nte a ação direta e <strong>de</strong>clarou<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Constituição do Mato Grosso, que estabelecia a criação<br />

<strong>de</strong> um controle externo à magistratura, conforme afirmou o Tribunal:<br />

“O princípio da separação e in<strong>de</strong>pendência dos Po<strong>de</strong>res não possui uma fórmula<br />

universal apriorística e completa: por isso, quando erigido, no or<strong>de</strong>namento<br />

brasileiro, em dogma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> observância compulsória pelos Estados-<br />

-membros, o que a estes se há <strong>de</strong> impor como padrão não são concepções abstratas<br />

ou experiências concretas <strong>de</strong> outros países, mas sim o mo<strong>de</strong>lo brasileiro vigente<br />

<strong>de</strong> separação e in<strong>de</strong>pendência dos Po<strong>de</strong>res, como concebido e <strong>de</strong>senvolvido na<br />

Constituição da República. (...) Po<strong>de</strong>r judiciário: controle externo por colegiado <strong>de</strong><br />

formação heterogênea e participação <strong>de</strong> agentes ou representantes dos outros Po<strong>de</strong>res:<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua instituição na Constituição <strong>de</strong> Estado-membro.<br />

Na formulação positiva do <strong>constitucional</strong>ismo republicano brasileiro, o autogoverno<br />

do Judiciário - além <strong>de</strong> espaços variáveis <strong>de</strong> autonomia financeira e orçamentária -<br />

reputa-se corolário da in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r (ADin 135-Pb, Gallotti, 21-11-96):<br />

viola-o, pois, a instituição <strong>de</strong> órgão chamado ‘controle externo’, com participação<br />

<strong>de</strong> agentes ou representantes dos outros Po<strong>de</strong>res do Estado. A experiência da Europa<br />

continental não se po<strong>de</strong> transplantar sem traumas para o regime brasileiro<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res: lá, os conselhos superiores da magistratura representaram um avanço<br />

significativo no sentido da in<strong>de</strong>pendência do Judiciário, na medida em que nada<br />

lhe tomaram do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> administrar-se, <strong>de</strong> que nunca antes dispuseram, mas, ao<br />

1 STF - Pleno - A d in n 0 1 3 7 -0 / P A -R el Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,3out. 1997, p. 49.227.<br />

2 STF - Pleno - Adin n° 202-3/BA - R e i M in. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção 1,13 se1. 1996, p . 33.320,<br />

e Informativo STF n° 43, o n d e são citados os seguintes prece<strong>de</strong>ntes: AD in314-PE (Plen o, 4-9-91); ADin 189-RJ<br />

(RTJ138/371); A o r 70-SC (RTJ147/345).


5 3 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

contrário, transferiram a colegiados on<strong>de</strong> a magistratura tem presença relevante,<br />

quando não majoritária, po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> administração judicial e sobre os quadros da<br />

magistratura que historicamente eram reservados ao Executivo; a mesma instituição,<br />

contudo, traduziría retrocesso e violência <strong>constitucional</strong>, on<strong>de</strong>, como suce<strong>de</strong><br />

no Brasil, a i<strong>de</strong>ia da in<strong>de</strong>pendência do Judiciário está extensamente imbricada<br />

com os predicados <strong>de</strong> autogoverno crescentemente outorgados aos Tribunais.”1<br />

Esse entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral foi consubstanciado na Súmula 649:<br />

“É in<strong>constitucional</strong> a criação, por Constituição estadual, <strong>de</strong> órgão <strong>de</strong> controle administrativo<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário do qual participem representantes <strong>de</strong> outros Po<strong>de</strong>res ou entida<strong>de</strong>s.”<br />

4.4.5 Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

A .<br />

R e fo rm a s e stru tu ra is e P o d e r Ju d iciá rio<br />

O início <strong>de</strong> um novo século gera esperanças <strong>de</strong> mudança, <strong>de</strong> renovação e a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Reforma Estrutural do Estado e não somente do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Reformas<br />

estruturais também do Po<strong>de</strong>r Executivo, do Po<strong>de</strong>r Legislativo; cujas estruturas, igualmente,<br />

às antigas estruturas do Po<strong>de</strong>r Judiciário, também foram <strong>de</strong>sgastadas com o tempo.<br />

Parece ser consenso que as estruturas liberais sobre as quais foram assentadas as<br />

regras básicas <strong>de</strong> funcionamento, primeiramente do Parlamento, no regime Parlamentarismo<br />

- com Rousseau e Locke, entre outros -, e, em um segundo momento, transferidas,<br />

quase que integralmente, para os Po<strong>de</strong>res Executivo/Legislativo, no regime Presi<strong>de</strong>ncial,<br />

estão superadas.<br />

Basta lembrarmos a afirmação <strong>de</strong> John Locke, para quem não seria necessário, nem tão<br />

conveniente, que o Legislativo estivesse sempre em ativida<strong>de</strong>, pois somente <strong>de</strong>veria editar<br />

diretrizes básicas, pois as leis <strong>de</strong>veríam ter força constante e duradoura, e fixar limitações<br />

ao administrador público, que <strong>de</strong>veria cuidar da execução das leis, para verificarmos a intensa<br />

transformação estrutural e política dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, nos últimos dois séculos.12<br />

A transformação político-social, no campo do Po<strong>de</strong>r Legislativo, acabou por gerar<br />

verda<strong>de</strong>ira crise na Democracia representativa, como ressaltado por inúmeros cientistas<br />

políticos, juristas, sociólogos - como, por exemplo, Robert Dahl,3 Giuseppe Vergotini,4<br />

Maurice Duverger,5Carl Schmitt.6<br />

Complexas questões necessitam ser discutidas para a reestruturação do Estado e dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos. O Parlamento não mais, necessariamente, reflete a vonta<strong>de</strong> popular, havendo<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma ampla Reforma Política, principalmente no tocante ao sistema<br />

1 STF - Pleno - Adin na 98-5/MT - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,31 out. 1997, p.<br />

55.539.<br />

2 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 515-516.<br />

3 DAHL, Robert. Sobre a <strong>de</strong>mocracia. Brasília: UnB, 2001.<br />

4 VERGOTINI, Giuseppe. Diritto costituzionale. 2. ed. Pádua: Cedam, 2000.<br />

5 DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. R io <strong>de</strong> Janeiro: Zahar, 1970.<br />

6<br />

SCHMITT, Carl. Sobre elparlamentarismo. 2. ed. Madri: Tecnos, 1996.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 537<br />

eleitoral (lista aberta, lista fechada, lista mista; financiamento <strong>de</strong> campanha, voto distrital<br />

ou distrital misto etc.), o fortalecimento dos Partidos Políticos, a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> partidária,<br />

entre outros importantes pontos. Além disso, os grupos mais organizados e economicamente<br />

mais fortes passaram a atuar <strong>de</strong> forma cada vez mais <strong>de</strong>cisiva na condução dos<br />

negócios políticos do Estado, em <strong>de</strong>trimento dos interesses do restante da socieda<strong>de</strong>, que<br />

não encontra nas clássicas regras da Democracia representativa mecanismos para <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s fundamentais básicos, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação na atuação<br />

dos <strong>de</strong>nominados grupos <strong>de</strong> pressão.1<br />

Há, pois, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repensar o Po<strong>de</strong>r Legislativo, a escolha <strong>de</strong> seus representantes,<br />

seu relacionamento com o Po<strong>de</strong>r Executivo, para o bem da Democracia.<br />

No campo do Po<strong>de</strong>r Executivo, os mesmos problemas se apresentam. Não se concebe<br />

mais, mesmo nos Estados Unidos, um Po<strong>de</strong>r Executivo como o criado pelos pais fundadores<br />

norte-americanos - em especial por Jay, Hamilton e Madison, adaptando as lições <strong>de</strong><br />

Montesquieu -, on<strong>de</strong> a figura do Presi<strong>de</strong>nte da República era <strong>de</strong> mediador, sem a previsão<br />

<strong>de</strong> auxiliares diretos. Basta lembrarmos que George Washington nomeou - sem a existência<br />

<strong>de</strong> previsão legal - somente quatro assessores diretos, que foram os primeiros Secretários<br />

<strong>de</strong> Estado, para percebermos o crescimento do Executivo.12<br />

O Po<strong>de</strong>r Executivo agigantou-se. A transformação do Estado Liberal para o Estado<br />

do Bem-estar social mudou a relação Executivo-Socieda<strong>de</strong>. A fase das estatizações foi<br />

substituída pelas privatizações; os Ministérios ce<strong>de</strong>m espaço às Agências Reguladoras;<br />

cada vez mais são criados complexos órgãos estatais <strong>de</strong> ingerência na vida do particular.<br />

Há, pois, também necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repensar o Po<strong>de</strong>r Executivo, sua forma <strong>de</strong> atuação,<br />

seu relacionamento com o Po<strong>de</strong>r Legislativo, para o bem da Democracia.<br />

Da mesma maneira, é inegável a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnização na prestação jurisdicional,<br />

a introdução da informatização e tecnologia <strong>de</strong> ponta no <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

atos processuais, a agilização das <strong>de</strong>cisões - pois Justiça que tarda é Justiça falha, pois<br />

gera impunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>scrença no sistema judiciário - diferentemente do adágio popular<br />

(a Justiça Tarda mas não Falha).3<br />

Há, pois, também necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> repensar o Po<strong>de</strong>r Judiciário, sua forma <strong>de</strong> atuação,<br />

seu relacionamento com os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res, para o bem da Democracia.<br />

Esse é o ponto central da discussão <strong>de</strong> um novo e mo<strong>de</strong>rno mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> Estado Brasileiro,<br />

no qual se situa como primordial a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterações na estrutura e funcionamento<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

1 CAM PILONGO, Celso Fernan<strong>de</strong>s. Magistratura, sistema jurídico e sistema político. In: FARIA. José Eduardo<br />

(C oordJ. Direito e justiça: a função social do Judiciário. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 117,<br />

2 ROBISON, Donald L. To the best ofm y ability. the presi<strong>de</strong>ncy the consti tution. New York: W, W. Norton & Com-<br />

pany, 1987. p. 96; LEARNED, Henry Barrett. Thepresi<strong>de</strong>nt's cabinet: studies in the origin, formation and structure o f<br />

american institution. NewH aven: Yalellniversity Press, 1912. p. 369; NW ANKW O, Onyekwere G. The U. S. presi<strong>de</strong>nt<br />

and the bureaucracy: an open Systemsanalyses. JournalofConstitutional andParliamentary Studies, N ew Delhi, ano<br />

3-4, v. 18, jul./<strong>de</strong>z. 1984. p. 35.<br />

3 Nessesentido, conferir: SADEK, Maria Tereza. Judiciário: mudanças e reformas. USP-Estudos avançados, v.<br />

18, n° 51, p 83, maio/ago. 2004; V IA N N A , Luiz Wernneck; CARVALHO, Maria Alice Rezen<strong>de</strong> <strong>de</strong>; MELO, Manuel<br />

Palácios Cunha; BURGOS, M arcelo Baumann. Corpo e alma da magistratura brasileira. 2. ed. Porto Alegre: Revan,<br />

1998, p. 12; APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Po<strong>de</strong>r Judiciário: do m o<strong>de</strong>rno ao contemporâneo. Porto Alegre:<br />

Sérgio Fabris Editor, 1998. p. 178; DALLARI, Dalmo <strong>de</strong> Abreu. O po<strong>de</strong>r dos juizes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 3.


538 Direito Constitucional • Moraes<br />

Repensar o modo <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> todas as nossas Instituições Republicanas, mo<strong>de</strong>rnizando-as,<br />

organizando-as e reaparelhando-as para o novo século e, principalmente,<br />

aperfeiçoando seus importantes métodos <strong>de</strong> freios e contrapesos.1<br />

Repensar o modo <strong>de</strong> atuação <strong>de</strong> nossas Instituições Republicanas, respeitando a tão<br />

almejada in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> atuação;12 criticando as falhas - que não são poucas e pertencem<br />

a todos os Po<strong>de</strong>res -, porém reverenciando os acertos - que são muitos e permitiram<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento Democrático do Brasil.<br />

A histórica afirmação do Po<strong>de</strong>r Judiciário como <strong>de</strong>fensor dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais, apesar <strong>de</strong> toda sorte <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s sociais, culturais e políticas, teve<br />

início com os primeiros passos republicanos, com a necessária alteração da mentalida<strong>de</strong><br />

aristocrática para a consagração da igualda<strong>de</strong> republicana e limitação dos po<strong>de</strong>res do<br />

Estado, permanecendo inalterada até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

Essa afirmação republicana do Po<strong>de</strong>r Judiciário e sua efetiva contribuição para o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento, no Brasil, <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, só foi possível<br />

graças à autonomia e in<strong>de</strong>pendência dos magistrados. Não se consegue conceituar<br />

um verda<strong>de</strong>iro Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> sem a existência <strong>de</strong> um Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, para que exerça sua função <strong>de</strong> guardião das leis e garantidor<br />

da or<strong>de</strong>m na estrutura governamental republicana.3<br />

Garcia Enterría e Tomás-Ramón Fernan<strong>de</strong>s, citando o case oftheprohibitions <strong>de</strong>lRoy,<br />

<strong>de</strong> 1612, relatado por COKE, ensinam que<br />

“a i<strong>de</strong>ia essencial da in<strong>de</strong>pendência da Magistratura não é mais do que uma implicação<br />

natural da in<strong>de</strong>pendência do Direito em relação ao príncipe, pois expressa<br />

que o juiz <strong>de</strong>ve ser visto como um órgão próprio, não do Estado, nem da Coroa, mas<br />

sim da lex terrae, como viva vox legis, tendo em conta que para essa conclusão,<br />

lex não expressa a vontan<strong>de</strong> <strong>de</strong> um governante, mas sim o <strong>direito</strong> estabelecido na<br />

comunida<strong>de</strong> e por ela mesmo aceito e vivido. Se o Juiz não po<strong>de</strong> receber or<strong>de</strong>ns<br />

do Rei é porque o Rei não tem a disponibilida<strong>de</strong> sobre o <strong>direito</strong>, porque o juiz não<br />

atua segundo a vonta<strong>de</strong> do Rei”.4<br />

Se a <strong>de</strong>mora nas <strong>de</strong>cisões é inconcebível, por retardar a Justiça aos cidadãos, também<br />

é inconcebível a <strong>de</strong>mora na regulamentação das normas constitucionais, que afasta<br />

1 Como salientado pelo M inistro Marco A u rélio, em entrevista ao jorn al Folha <strong>de</strong> S. Paulo, “ Por que não pensarmos<br />

também em reform a do Legislativo e do Executivo? Será que somos os culpados, com o são os servidores<br />

públicos, p or tudo o que não seja do agrado <strong>de</strong> Fulano e Sicrano? Será que somos a bola da vez?” (Jornal Folha<br />

<strong>de</strong> S. Paulo, ca<strong>de</strong>rno Brasil, sábado, 31 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2003, A -1 3 ).<br />

2 Com o afirm ando por Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato, “a in<strong>de</strong>pendência funcional da magistratura, assim entendida,<br />

é uma garantia institucional do regim e <strong>de</strong>m ocrático” (CO M PARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. O Po<strong>de</strong>r Judiciário no<br />

regim e <strong>de</strong>m ocrático. USP-Estudos avançados, v. 18, n2 51, p. 152, maio/ago. 2004).<br />

3 Otto Bachoff salienta a necessida<strong>de</strong> da in<strong>de</strong>pendência do Judiciário em relação aos po<strong>de</strong>res políticos, afirmando<br />

que “o ju iz administra justiça em nom e do povo - essa não é uma fórm ula vazia - da mesma forma que<br />

o Parlam ento prom ulga leis e o Governo governa em nome do povo” (BACHOFF, Otto. Jueces y constituciún.<br />

M adri: Civitas, 1987. p. 59).<br />

4 ENTERRÍA, Garcia <strong>de</strong>; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho administrativo. Madri: Civitas, 1988.<br />

voL I, p. 27.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 3 9<br />

os cidadãos <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s; ou mesmo, a <strong>de</strong>mora administrativa na implementação dos<br />

diversos <strong>direito</strong>s sociais.<br />

O problema, portanto, é estrutural e conjuntural, e não somente do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

que, por sua vez, <strong>de</strong>ve, obrigatoriamente, mo<strong>de</strong>rnizar a prestação da ativida<strong>de</strong> jurisdicional,<br />

adaptando-se aos novos tempos sem per<strong>de</strong>r sua autonomia, pois como salientado por<br />

José Renato Nalini, “se o povo for <strong>de</strong>spertado para a importância <strong>de</strong> um Judiciário forte e<br />

eficiente, será ele o primeiro a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o juiz contra reformas castradoras”.1<br />

A mo<strong>de</strong>rnização, porém, não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> somente do próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário. A mo<strong>de</strong>rnização,<br />

também, é legislativa. Não é possível a continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tecnicismos exagerados,<br />

processos protelatórios e procedimentos morosos. A mo<strong>de</strong>rnização, também, é executiva.<br />

É necessário dotar o Po<strong>de</strong>r Judiciário da infraestrutura a<strong>de</strong>quada para o exercício <strong>de</strong> suas<br />

funções, no sentido <strong>de</strong> efetivação da Justiça e Cidadania, garantindo a necessária in<strong>de</strong>pendência<br />

e autonomia <strong>de</strong> seus membros, auxiliando em sua mo<strong>de</strong>rnização e informatização,<br />

o que possibilitará maior celerida<strong>de</strong> processual.<br />

Necessária a reestruturação, porém, inadmissível qualquer forma <strong>de</strong> intervenção<br />

na autonomia financeira, administrativa e funcional do Po<strong>de</strong>r Judiciário, bem como nas<br />

garantias <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus membros; pois auxílio entre os três<br />

Po<strong>de</strong>res é necessário e Republicano, intromissão é perigosa e anti<strong>de</strong>mocrática.12<br />

B .<br />

Le g isla çã o Com parada<br />

A Reforma do Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>ve ser analisada sob o aspecto <strong>de</strong> reestruturação<br />

do Po<strong>de</strong>r Público, afastando-se preconceitos, afastando-se questões menores e, principal<br />

mente, afastando-se conceitos erroneamente importados, que passam a ser tratados como<br />

verda<strong>de</strong>s absolutas no cenário político brasileiro.<br />

Diferentemente do <strong>de</strong>fendido por muitos, não <strong>de</strong>ve existir verda<strong>de</strong>iro complexo <strong>de</strong><br />

inferiorida<strong>de</strong> institucional no Brasil, pela, até então, inexistência <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> controle<br />

central do Po<strong>de</strong>r Judiciário, seja porque nos diversos países <strong>de</strong>mocráticos não se encontram<br />

órgãos com tanta ingerência na função jurisdicional que possam abalar a in<strong>de</strong>pendência<br />

e autonomia dos juizes, seja porque a realida<strong>de</strong> dos países que passaram, após a Segunda<br />

Gran<strong>de</strong> Guerra, a adotar Conselhos Nacionais da Magistratura, é muito diversa da realida<strong>de</strong><br />

nacional, a começar pelo regime <strong>de</strong> governo adotado.<br />

Os países europeus que adotaram fórmulas semelhantes <strong>de</strong> Conselhos Nacionais <strong>de</strong><br />

Justiça são parlamentaristas ou semipresi<strong>de</strong>ncialistas, como no caso da Franca3 e Portu­<br />

1 N A L IN I, José Renato, Lições <strong>de</strong> uma pesquisa. Revista da Escola Paulista <strong>de</strong> Magistratura, ano 1, n“ 3, p. 175,<br />

maio/out. 1997.<br />

2 Em <strong>de</strong>fesa da autonomia do Judiciário, enquanto agentes políticos governantes (COM PARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r.<br />

Porque uma escola <strong>de</strong> go vern a Revista da Escola Paulista <strong>de</strong> Magistratura, ano 1, n °3 , p. 169, maio/out. 1997).<br />

3 PARODI, Jean-Luc. Proportionnalisation périodique, cohabitation, atomisation partisane: un triple défi pour<br />

le régim e semi-prési<strong>de</strong>ntiel <strong>de</strong> la cinquième republique. RevueFrançaise <strong>de</strong> SciencePolitique, Paris, na3 e 4, v. 47,<br />

p. 292 ss,jul./ago. 1997: G O NDOUIN .G eneviève. Escritos sobre a França e o regim e presi<strong>de</strong>ncial. Revue d u Droit<br />

Public et <strong>de</strong>la Science Politique en France et à 1’Etranger, Paris, Librairie G énérale <strong>de</strong> D roit et <strong>de</strong> Jurispru<strong>de</strong>nce,<br />

n“ 2, p. 321, mar./abr. 1998; VIRGÍLIO, A ldo di. Semipresi<strong>de</strong>nzialismo e doppio turno nella Quinta Repubblica<br />

francese; un m o<strong>de</strong>lo di successo. In; G AM BINO, Silvio (C o o rd .). Forme di governo e sistemi elettorali. Pádua;<br />

Cedam, 1995. p. 331; CHANTEBOUR, Bernard. Droit constitutionnel et Science politique. 17. ed. Paris; Armand


5 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

gal,1e o fizeram para ampliar a autonomia dos magistrados, diminuindo a ingerência<br />

política do Parlamento e do Primeiro-Ministro sobre o Judiciário, a partir da «institucionalização<br />

do regime parlamentar <strong>de</strong> governo,*12 como, por exemplo, Portugal, Espanha,<br />

França, Grécia e Itália. Outros países europeus preferiram não adotar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criação <strong>de</strong><br />

Conselhos Superiores da Magistratura, como, por exemplo, Alemanha, Áustria, Bélgica,<br />

Dinamarca, Finlândia, Grã-Bretanha, Irlanda, Luxemburgo, Holanda e Suécia.<br />

Em Portugal, a Constituição <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1976 prevê os Conselhos Superiores da<br />

Justiça - Conselho Superior da Magistratura (CRP, arts. 219 e 220); Conselho Superior<br />

dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CRF, art. 219) e Conselho Superior do Ministério<br />

Público (art. 222). A composição do Conselho Superior da Magistratura é paritária, ou<br />

seja, oito magistrados <strong>de</strong> carreira (o Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal <strong>de</strong> Justiça e sete<br />

eleitos pelos <strong>de</strong>mais juizes); um membro escolhido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República e sete<br />

pela Assembléia da República.<br />

Na Espanha, a Constituição <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1978 estabelece a existência do<br />

Conselho Geral do Po<strong>de</strong>r Judiciário integrado pelo Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal e<br />

composto por 20 membros nomeados pelo Rei por um período <strong>de</strong> cinco anos, sendo doze<br />

entre magistrados, quatro indicados pela Câmara, quatro pelo Senado. Em relação às<br />

indicações políticas, exige-se que recaiam sobre advogados ou juristas <strong>de</strong> reconhecida<br />

competência e com mais <strong>de</strong> 15 anos <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> profissão (art. 122).<br />

Na França, a Constituição <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1958 instituiu o Conselho Superior da<br />

Magistratura, presidido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República e tendo por vice-Presi<strong>de</strong>nte o Ministro<br />

da Justiça. A Turma competente para realizar o controle da magistratura será composta<br />

por cinco magistrados <strong>de</strong> carreira, um membro do Ministério Público, um membro do<br />

Conselho <strong>de</strong> Estado e três membros não pertencentes à magistratura ou ao Parlamento,<br />

<strong>de</strong>signados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, pelo Presi<strong>de</strong>nte da Assembléia Nacional e pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Senado (art. 65).<br />

A Grécia também possui seus conselhos: Conselho Superior da Magistratura (Justiça<br />

Civil e Penal) e Conselho Superior do Tribunal <strong>de</strong> Contas (art. 90 da Constituição grega<br />

<strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1975). O Conselho Superior da Justiça Civil e Penal é composto pelo<br />

Colin, 2000. p. 543; PACTET, Pierr. Institutionspolitiques e droit constitutionnel 19. ed. Paris: Arm and Colin,<br />

2000. p. 421. Conferir, ainda: SCHMITT, Carl. Sobre elparlamentarismo. 2. ed. Madri: Tecnos, 1996. p. 20.<br />

1 Como salienta Canotilho, acompanhado por Vital M oreira, “o sistema <strong>de</strong> governo da CR P insere-se assim<br />

naquele conjunto <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> natureza híbrida ou mista, correntem ente <strong>de</strong>signados pela generalida<strong>de</strong> da<br />

nossa doutrina por sistema semi presi<strong>de</strong>ncial. O conceito <strong>de</strong>ve-se a Maurice Duverger, tendo sido construído a<br />

partir <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> governo, especialmente o da V República francesa, que, tal como o português,<br />

combinam as fórm ulas parlamentares com um presi<strong>de</strong>nte da República eleito por sufrágio universal<br />

e dotado <strong>de</strong> significativos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> intervenção política autônoma” (CAN O TILH O , J. J. Gomes; MOREIRA,<br />

Vital. Os po<strong>de</strong>res do presi<strong>de</strong>nte da república. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 12-14). Conferir, ainda em relação ao<br />

semipresi<strong>de</strong>ncialismo português: M IRANDA, Jorge. A eleição do presi<strong>de</strong>nte da república em Portugal. Revista<br />

<strong>de</strong> Direito Constitucional e Internacional, n° 30, p. 41; DUVERGER, Maurice. Les regimes semi-prési<strong>de</strong>ntiels. Paris,<br />

1986. p. 7; HORTA, Raul Machado. Direto <strong>constitucional</strong>. 2. ed. Belo Horizonte: D elRey, 1999. p. 685; FERREIRA<br />

FILHO, M anoel Gonçalves. A <strong>de</strong>mocracia no liminar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 101 e 203-204.<br />

2 Em relação à <strong>constitucional</strong>ização do parlam entarism o, conferir: MIRKINE-GUETZÉVITCH, B. As novas<br />

tendências do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Editora Nacional, 1933. p. 188; BRYCE, James. Constituciones<br />

flexibles y constituciones rígidas. 2. ed. Madri: Instituto <strong>de</strong> Estúdios Políticos, 1962. p. 11; DICEY, A ltert Venn.<br />

Introduction to the study ofthe law ofthe constitution. Londres: Macmillan, 1945. p. 39 ss.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 541<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal Superior e por membros <strong>de</strong>sse mesmo tribunal <strong>de</strong>signados por<br />

sorteio, além da participação do Procurador-Geral que atuejunto ao Tribunal <strong>de</strong> Cassação.<br />

A Constituição da Itália, <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1947, estabelece, em seu art. 104, a<br />

existência do Conselho Superior da Magistratura, presidido pelo Presi<strong>de</strong>nte da República e<br />

composto, como membros natos, pelo Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal Supremo e pelo Procurador-<br />

-Geral. Os <strong>de</strong>mais componentes serão eleitos em seus dois terços por todos os magistrados<br />

e no terço final pelo Parlamento, que escolherá entre professores titulares das Faculda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Direito e advogados com no mínimo 15 anos <strong>de</strong> exercício da profissão. A duração do<br />

mandato será <strong>de</strong> quatro anos, sem recondução imediata.<br />

Em todos esses países, os Conselhos são órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, tendo por finalida<strong>de</strong>,<br />

basicamente, o controle administrativo e disciplinar da magistratura, jamais o<br />

controle, ou qualquer ingerência na in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> julgar e representaram uma gran<strong>de</strong><br />

conquista para a magistratura, pois substituíram o controle que era realizado diretamente<br />

pelo Gabinete, e, indiretamente, pelo Parlamento, ou seja, permitiram uma ampliação nas<br />

garantias institucionais da magistratura.<br />

No regime presi<strong>de</strong>ncialista, em virtu<strong>de</strong> da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento entre o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e os <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res, não se aplica a mesma lógica para a criação <strong>de</strong> um órgão<br />

central <strong>de</strong> controle dos diversos tribunais, principalmente se houver gran<strong>de</strong> ingerência<br />

dos po<strong>de</strong>res políticos na escolha dos membros do órgão <strong>de</strong> controle da magistratura, sob<br />

pena <strong>de</strong> diminuição da in<strong>de</strong>pendência dos juizes.1<br />

O mo<strong>de</strong>lo norte-americano, criador do presi<strong>de</strong>ncialismo, não admite a existência <strong>de</strong><br />

órgão específico para realizar o controle externo ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, enten<strong>de</strong>ndo-se que<br />

esse controle é exercido tanto pelos po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo (Senado) na escolha<br />

dos Juizes da Corte Suprema (Artigo III, Seção 1), quanto pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impeachment<br />

<strong>de</strong> todos os funcionários civis dos Estados Unidos, inclusive os magistrados, pelo<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (Artigo II, Seção 4). Além disso, os juizes fe<strong>de</strong>rais são escolhidos pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República e a maioria dos Estados e distritos adota métodos eleitorais mistos na<br />

escolha dos juizes locais, com participação da socieda<strong>de</strong> civil e mandatos <strong>de</strong>finidos.12<br />

Os controles recíprocos existentes na Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil<br />

- a partir da i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> check and balances dos f e<strong>de</strong>ralistas norte-americanos - são previstos<br />

exaustivamente, inclusive, em relação ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, conforme analisado anterior­<br />

1 Em relação à in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário, no regim e presi<strong>de</strong>ncialista, e o aumento da “ responsabilida<strong>de</strong><br />

do Judiciário <strong>de</strong> exercer a mediação política entre os dois outros po<strong>de</strong>res e no controle <strong>constitucional</strong> dos<br />

atos legislativos e <strong>de</strong> governo”, conferir; SADEK, M ariaTereza. Judiciário: mudanças e reformas. USP-Estudos<br />

avançados, v. 18, n2 51, p. 80, maio/ago. 2004.<br />

2 HALL, Kerm it L. The Oxford gui<strong>de</strong> to United States SupremeCourts <strong>de</strong>cisions. N e w York; O xford University<br />

Press, 1999; LIEBERMAN, Jethro K. Apractical companion to the constitution. Los Angeles; University Califórnia<br />

Press, 1999; PR1TCHETT, Herman. In: Vários autores. Ensaios sobre a Constituição dos Estados Unidos. R io <strong>de</strong><br />

Janeiro: Forense Universitária, 1978. p. 144; W OODWARD, Bob; ARM STRONG, Scott. Por <strong>de</strong>trás da Suprema<br />

Corte 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1985; GILMORE, Grant. As eras do <strong>direito</strong> americano. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense<br />

Universitária, 1978; KRISTOL, Irving et aL A or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> americana. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,<br />

1987; SCHW ARTZ, Bernard. Aigunos artífices <strong>de</strong>i <strong>de</strong>recho norteamericano. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,<br />

1985; GOLD W IN, Robert A.; SCHAMBRA, W illian A. (O rg .). In: Vários autores. A Constituição norte-americana.<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1986; HARM O S, M. Judd (O rg.). Ensaios sobre a Constituição dos Estados<br />

Unidos. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1978; DAVID, René. Os gran<strong>de</strong>s sistemas do <strong>direito</strong> contemporâneo.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 390.


542 Direito Constitucional • Moraes<br />

mente, configurando-se cláusula pétrea em nosso or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong> (CF, art.<br />

60, § 4a, III), po<strong>de</strong>ndo ser aperfeiçoados, porém, jamais <strong>de</strong>snaturados.<br />

C. EC n° 45/04 e Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

A EC ne 45/04 estabeleceu, como órgão <strong>de</strong> cúpula administrativa do Po<strong>de</strong>r Judiciário,1<br />

o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, com se<strong>de</strong> na Capital Fe<strong>de</strong>ral, porém sem funções jurisdicionais,<br />

pois, como lembram Garcia <strong>de</strong> Enterría e Fernan<strong>de</strong>z Tomás-Ramón, “a relação<br />

entre o Direito e o Juiz é direta, sem que nenhum outro sujeito ou órgão possa intervir no<br />

momento <strong>de</strong> tomar suas <strong>de</strong>cisões.2<br />

Como bem salientou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a composição híbrida do CNJ não<br />

compromete a in<strong>de</strong>pendência interna e externa do Judiciário, porquanto não julga causa<br />

alguma, nem dispõe <strong>de</strong> atribuição, <strong>de</strong> nenhuma competência, cujo exercício interfira no<br />

<strong>de</strong>sempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional”.3<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça é composto por 15 membros, cuja maioria (nove)<br />

é composta por membros do próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário, e po<strong>de</strong> ser dividido da seguinte<br />

forma: membros do Judiciário, membros das funções essenciais à Justiça (advocacia e Ministério<br />

Público) e membros da socieda<strong>de</strong> escolhidos pelo Legislativo. Como afirmado pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a existência, no Conselho, <strong>de</strong> membros alheios ao corpo da<br />

magistratura, além <strong>de</strong> viabilizar a erradicação do corporativismo, esten<strong>de</strong> uma ponte entre<br />

o Judiciário e a socieda<strong>de</strong>, permitindo a oxigenação da estrutura burocrática do Po<strong>de</strong>r e<br />

a resposta a críticas severas”.4<br />

1 STF - MS 26163/D F - m edida cautelar - R e i Min. Carmen Lúcia, Diário da Justiça, Seção 1,9 out. 2006, p. 35.<br />

2 ENTERRÍA, Garcia <strong>de</strong>; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso <strong>de</strong> <strong>de</strong>recho administrativo. Madri: Civitas, 1988.<br />

v. I, p. 28.<br />

3 S T F -P le n o - A d in n 23.3 6 7 / D F -R eL M in. César Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. Informativo STF n2 383.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 3.367/DF - Rei. M in. César Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. Informativo STF nD383.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 4 3<br />

• MEMBROS DO JUDICIÁRIO (9):<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (membro nato);<br />

- um Ministro do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;<br />

um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo<br />

tribunal;<br />

um <strong>de</strong>sembargador <strong>de</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral;<br />

um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

- um juiz <strong>de</strong> Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral, indicado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça;<br />

- um juiz fe<strong>de</strong>ral, indicado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça;<br />

- um juiz <strong>de</strong> Tribunal Regional doTrabalho, indicado pelo Tribunal Superior<br />

do Trabalho;<br />

um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;<br />

• MEMBROS DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA (4):<br />

Ministério Público (2): um membro do Ministério Público da União, indicado<br />

pelo Procurador-Geral da República e um membro do Ministério Público<br />

estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República <strong>de</strong>ntre os nomes<br />

indicados pelo órgão competente <strong>de</strong> cada instituição estadual;<br />

- Advocacia (2): dois advogados, indicados pelo Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m<br />

dos Advogados do Brasil.<br />

• MEMBROS DA SOCIEDADE ESCOLHIDOS PELO LEGISLATIVO (2):<br />

- dois cidadãos, <strong>de</strong> notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um<br />

pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Conselho será presidido pelo Ministro-Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que, após a alteração da EC 60/09, po<strong>de</strong>rá votar não somente nos casos <strong>de</strong> empate - o<br />

<strong>de</strong>nominado Voto <strong>de</strong> M inerva1-, como havia sido <strong>de</strong>finido na redação original da EC<br />

45/04 mas em todos os processos. Porém, continua ficando excluído da distribuição <strong>de</strong><br />

processos naquele tribunal.<br />

A previsão originária <strong>de</strong> composição do CNJ estabelecia que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

escolhería um <strong>de</strong> seus Ministros para compor o órgão, na condição <strong>de</strong> seu Presi<strong>de</strong>nte,<br />

após ser aprovado pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral. 1<br />

1 Thom as Bulfinch aponta a origem m itológica da expressão voto <strong>de</strong> Minerva, ao narrar o ju lgam ento <strong>de</strong><br />

Orestes - filh o <strong>de</strong> Agam ênon, com andante-chefe dos gregos durante a Guerra <strong>de</strong> Tróia - pela m orte <strong>de</strong> sua<br />

mãe Clitenestra e seu am ante Egisto, assassinos <strong>de</strong> seu pai. A acusação fo ife it a pelas Erínias ou F ú r ia s - “ três<br />

<strong>de</strong>usas que puniam, com torm entos secretos, os crimes daqueles que zom bavam da justiça pública. Tinham<br />

as cabeças cobertas <strong>de</strong> serpentes e o aspecto terrível e amedrontador. Conhecidas também com o Eumêni<strong>de</strong>s,<br />

chamavam-se, respectivamente, Alecto, Tisífone e M egera” (p. 15)<br />

no Tribunal <strong>de</strong> Areópago, <strong>de</strong>signado pela<br />

<strong>de</strong>usa M inerva. Orestes, em sua <strong>de</strong>fesa, invocou como justificativa a or<strong>de</strong>m do oráculo <strong>de</strong> Delfos. O julgam ento<br />

term inou em patado, tendo Orestes sido absolvido pelo voto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempate dado por M inerva (O livro <strong>de</strong> ouro da<br />

mitologia. 6. ed. São Paulo: Ediouro, 1999. p. 279).


544 Direito Constitucional • Moraes<br />

Corretamente, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>finiu administrativamente que sempre<br />

elegería seu próprio Presi<strong>de</strong>nte para compor o CNJ, a fim <strong>de</strong> garantir maior integração e<br />

harmonia entre os órgãos. Foi assim com os três primeiros Presi<strong>de</strong>ntes do CNJ, Ministros<br />

Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Men<strong>de</strong>s.<br />

A EC nQ60, <strong>de</strong> 11-11-2009, <strong>constitucional</strong>izou essa praxe judicial, estabelecendo<br />

expressamente como membro nato na presidência do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça o<br />

Ministro-Presi<strong>de</strong>nte do STF e aproveitou para colmatar importante omissão legislativa,<br />

quanto à Vice-Presidência do órgão. Assim, a citada emenda estabeleceu que nas ausências<br />

e impedimentos do Presi<strong>de</strong>nte do CNJ, esse será substituído pelo Vice-Presi<strong>de</strong>nte da Corte<br />

Suprema. Em ambos os casos, não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> submissão à sabatina e aprovação<br />

no Senado Fe<strong>de</strong>ral, nem tampouco à nomeação pelo Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

A partir da EC na 60, <strong>de</strong> 11-11-2009, o texto <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> exigir ida<strong>de</strong>s<br />

mínima e máxima para a escolha dos membros do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, que serão<br />

nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pela maioria<br />

absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral. O mandato dos membros do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça é<br />

<strong>de</strong> dois anos, permitindo-se somente uma recondução sucessiva.<br />

O Ministro do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça exercerá a função <strong>de</strong> Ministro-Corregedor<br />

e terá como atribuições constitucionais, sem prejuízo <strong>de</strong> outras previstas no Estatuto da<br />

Magistratura:<br />

• receber as reclamações e <strong>de</strong>núncias, <strong>de</strong> qualquer interessado, relativas aos<br />

magistrados e aos serviços judiciários;<br />

• exercer funções executivas do Conselho, <strong>de</strong> inspeção e <strong>de</strong> correição geral;<br />

• requisitar e <strong>de</strong>signar magistrados, <strong>de</strong>legando-lhes atribuições, e requisitar servidores<br />

<strong>de</strong> juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> prevê que o Procurador-Geral da Republica e o Presi<strong>de</strong>nte do<br />

Conselho da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil oficiarão junto ao Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Justiça. Consequentemente, não po<strong>de</strong>rão compor o Conselho como membros das funções<br />

essenciais à Justiça.1<br />

Nos termos do art. 5a, da EC na 45/04, foi prevista a instalação do Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça no prazo <strong>de</strong> cento e oitenta dias a contar da promulgação da emenda, <strong>de</strong>vendo<br />

a primeira indicação ou escolha <strong>de</strong> seus membros esgotar-se no prazo <strong>de</strong> 150 dias da<br />

promulgação da emenda. Observe-se, que nos termos do § 3a, do art. 103-B, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá<br />

a escolha ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Não se trata, portanto, <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro controle externo ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, nem<br />

tampouco <strong>de</strong> última instância controladora da magistratura nacional, uma vez que, sempre<br />

haverá a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impugnação das <strong>de</strong>cisões tomadas pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> 1<br />

1 Conform e salientou o Ministro Sepúlveda Pertence, “ ainda que disponha o art. 103-B, § 6o, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral que junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, a ausência <strong>de</strong>stes às sessões do Conselho não im porta em nulida<strong>de</strong> das mesmas”<br />

(STF - Pleno - Ag. Reg. no M andado <strong>de</strong> Segurança 25.879-9/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,8 set. 2006).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 4 5<br />

Justiça,1cuja competência para o processo e julgamento <strong>de</strong> eventuais ações propostas será<br />

sempre do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos termos do art. 102,1, r, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral manifestou-se, prévia e excepcionalmente, sobre o<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, fixando posição institucional pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação<br />

do órgão, porém sem a participação <strong>de</strong> membros externos ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.3 Nesses<br />

termos, apontou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que<br />

“o Tribunal <strong>de</strong>cidiu fixar uma posição institucional acerca do <strong>de</strong>nominado ‘Controle<br />

Externo do Po<strong>de</strong>r Judiciário’, ora em discussão no Congresso Nacional. Após a manifestação<br />

<strong>de</strong> todos os Ministros, apurou-se: os Ministros Maurício Corrêa, Carlos<br />

Velloso, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Men<strong>de</strong>s e Cezar Peluzo são favoráveis à<br />

instituição <strong>de</strong> um Conselho Superior formado apenas por magistrados, po<strong>de</strong>ndo oficiar<br />

junto a esse Órgão, sem <strong>direito</strong> a voto, membros do Ministério Público e integrantes<br />

da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil; o Ministro Sepúlveda Pertence manifestou-se<br />

a favor, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que limitada sua composição a Magistrados, representantes da OAB<br />

e do Ministério Público; e os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Nelson Jobim, Carlos Britto<br />

e Joaquim Barbosa externaram sua concordância com a criação do Conselho nos<br />

termos em que previsto na PEC 29, em tramitação no Senado Fe<strong>de</strong>ral, composto <strong>de</strong><br />

nove magistrados, dois representantes da OAB, dois do Ministério Público e dois da<br />

socieda<strong>de</strong>, esses últimos indicados pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral e Câmara dos Deputados.<br />

Dessa forma, o Tribunal, por maioria, adotou posição institucional favorável à criação<br />

do Órgão, restrita sua composição, porém, a membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário, admitindo<br />

que perante ele oficiem representantes do Parquet e da Advocacia”.4<br />

Apesar <strong>de</strong> a posição institucional do STF, por maioria e em sessão administrativa,5 ter<br />

optado pela composição do Conselho restrita a membros da magistratura, não nos parecia<br />

1 Em relação a efetivida<strong>de</strong> do controle realizadopelo Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral em relação aos lim ites do CNJ,<br />

conferir algumas <strong>de</strong>cisões: Pleno - MS 28598 AgR-MC/DF e MS 28611 AgR-MC/MA, ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

<strong>de</strong>cisão: 14-10-2010 (im possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interferência em atos <strong>de</strong> conteúdo jurisdicional); P le n o -M S 27154/<br />

DF, ReL Min. Joaquim Barbosa, 10-11-2010 (necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito ao contraditório e ampla <strong>de</strong>fesa para anular<br />

atos <strong>de</strong> nomeação <strong>de</strong> servidores concursados); MS 28801 MC/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Informativo STF na<br />

5 9 9 ,6 a 10 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2010 (Respeito ao princípio da subsidiarieda<strong>de</strong> em matéria correicional, disciplinar<br />

e adm inistrativa em atenção a previsão <strong>constitucional</strong> da Autonom ia dos Tribunais).<br />

2 Em <strong>de</strong>fesa da criação <strong>de</strong> um órgão <strong>de</strong> controle <strong>de</strong>m ocrático das atribuições administrativas e financeiras<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário: CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino. A <strong>de</strong>mocratização do po<strong>de</strong>r judiciário. Porto Alegre:<br />

Sérgio Fabris Editor, 1998. p. 143. No mesmo sentido, FábioKon<strong>de</strong>r Comparato <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> com o i<strong>de</strong>al a instituição<br />

<strong>de</strong> “ um outro órgão <strong>de</strong> representação popular, tanto no n ível fe<strong>de</strong>ral, quanto no estadual, com a competência<br />

exclusive <strong>de</strong> exercer todas as funções <strong>de</strong> fiscalização e inquérito atualmente atribuídas aos órgãos legislativos,<br />

além da supervisão permanente do funcionamento do Po<strong>de</strong>r Judiciário” (COM PARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. O po<strong>de</strong>r<br />

ju diciário no regim e <strong>de</strong>m ocrático. USP-Estudos avançados, v. 18, nQ51, m aio/ago. 2004. p. 157).<br />

3 Nesse mesm o sentido, posicionou-se o prim eiro relator da Reform a do Judiciário (PEC n° 29 <strong>de</strong> 200 0),<br />

no Senado Fe<strong>de</strong>ral, o Senador Bernardo Cabral, ao propugnar, com base no art. 60, § 42, IV, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, “ a elim inação da existência <strong>de</strong> elementos externos ao Judiciário quando da composição do Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça”.<br />

4 SUPREMO TRIB U N AL FEDERAL - A TA DA PRIM EIRA SESSÃO ADM INISTRATIVA DO A N O DE 2004, realizada<br />

em 5 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004.<br />

5 Observe-se, porém , que a antiga m aioria <strong>de</strong> 6 (seis) Ministros, com a aposentadoria do M in istro Maurício<br />

Corrêa, atualmente encontra 5(cinco) <strong>de</strong>fensores no Tribunal.


5 4 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

ter adiantado eventual posição jurisdicional sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> na fixação <strong>de</strong><br />

outra composição, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que respeitada a autonomia do Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

Dessa forma, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do posicionamento político sobre a conveniência<br />

ou não da criação e existência <strong>de</strong>sse órgão <strong>de</strong> controle central do Po<strong>de</strong>r Judiciário, três<br />

importantes pontos caracterizadores do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça afastam a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, por interferência na Separação <strong>de</strong><br />

Po<strong>de</strong>res (CF, art. 60; § 4a, III): ser órgão integrante do Po<strong>de</strong>r Judiciário, sua composição<br />

apresentar maioria absoluta <strong>de</strong> membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

suas <strong>de</strong>cisões pelo órgão <strong>de</strong> cúpula do Po<strong>de</strong>r Judiciário (ST F).1<br />

Essas três marcantes características garantem a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça, além <strong>de</strong> reforçarem e centralizarem na força do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral todo or<strong>de</strong>namento jurídico-<strong>constitucional</strong> brasileiro, tornando-o, não só a cúpula<br />

jurisdicional do Po<strong>de</strong>r Judiciário brasileiro, como tradicionalmente estabelecido, mas<br />

também, a partir da EC na 45/04, sua cúpula administrativa, financeira e disciplinar, pois<br />

todas as <strong>de</strong>cisões do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça sobre o controle da atuação administrativa<br />

e financeira dos diversos tribunais e sobre a atuação funcional dos magistrados<br />

serão passíveis <strong>de</strong> controle jurisdicional pelo STF (CF, art. 102,1, r),12 que fixará o último<br />

posicionamento.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na mesma linha dos argumentos expostos anteriormente,<br />

<strong>de</strong>clarou, por ampla maioria, a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça,<br />

1 Nesse mesmo sentido: ALVARENGA, Aristi<strong>de</strong>s Junqueira. Reforma do Judiciário. Enfoque Jurídico, agosto<br />

<strong>de</strong> 1997, p. 10.<br />

2 STF - Pleno - MS 28603/DF, MS 28594/DF, MS 28651/DF - red. p/ Acórdão Ministro Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão:<br />

6-10-2011; STF - Pleno - Ag. Reg. no Mandado <strong>de</strong> Segurança na 25.879-9/DF - ReL Min. Sepúlveda Pertence,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,8 set. 2006, p. 34; STF - MS na 25962/DF - medida liminar - Rei. Min. Marco Aurélio,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,6 jun. 2006, p. 10; STF - MS na 26110/DF - medida cautelar - Rei. Min. Joaquim Britto,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,24 ago. 2006, p. 27; STF - MS na 26163/DF - medida cautelar - Rei. Min. Cármen Lúcia,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,9 out. 2006, p. 35; STF - MS na 26209/DF - medida cautelar - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,27 out. 2006, p. 70; STF - MS na 26167/DF - medida cautelar - Rei. Min. Cármen Lúcia,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 8 nov. 2006, p. 31; STF - MS na 26215/DF - medida cautelar - Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,6 nov. 2006, p. 56; S T F -M S na 25936/D F-em bargos<strong>de</strong>claratórios-Rel. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, Diário da Justiça, Seção 1,25 ago. 2006, p. 68; S T F -M S n° 26138/D F-m edida cau telar-R ei. Min. Joaquim<br />

Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 5 out. 2006, p. 48; STF - MS na 26056/DF - Rei. Min. Eros Grau, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,9 out. 2006, p. 34; STF - MS na 26045/DF - medida cautelar - Rei. Min. Joaquim Barbosa, Diário<br />

daJustiça, Seção 1,26 set. 2006, p. 43; STF - MS na 26084/DF - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,30 ago. 2006, p. 24. Conferir, ainda: STF - Petição 3674-3/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

<strong>de</strong>cisão: 4-10-2006. Nesse julgado, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu a competência <strong>constitucional</strong> do STF<br />

para as ações contra atos do CNJ e CNMP, porém exclui a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> competência originária do Pretório<br />

Excelso para ações populares contra seus Plenários em virtu<strong>de</strong> da edição <strong>de</strong> resoluções.<br />

3 Conform e salientado pelo Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, “ a or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> assegura ao Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça espectro <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r suficiente para o exercício <strong>de</strong> suas competências (art. 103-B, CF/88), não po<strong>de</strong>ndo<br />

esta Corte substituí-lo no exam e discricionário dos m otivos <strong>de</strong>terminantes <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões, quando estas<br />

não ultrapassem os limites da legalida<strong>de</strong> e da razoabilida<strong>de</strong>” (STF - MS na 26209/DF - m edida cautelar - Rei.<br />

Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção 1,27 out. 2006, p. 70). Conferir, também, a interpretação sobre o<br />

“ po<strong>de</strong>r revisional” do STF em relação as <strong>de</strong>cisões do CNJ: STF - Pleno - MS 26710/DF e 26749/DF - Questão<br />

<strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 2-8-2007. Informativo S TFna 474, tendo, inclusive, o STF<br />

<strong>de</strong>clarado a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 98 do Regim en to Interno do CNJ (STF - Pleno - MS 55207/DF - Rei.<br />

Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 23-10-2008).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 547<br />

afirmando que “o CNJ é órgão próprio do Po<strong>de</strong>r Judiciário (CF, art. 92,1-A), composto, na<br />

maioria, por membros <strong>de</strong>sse mesmo Po<strong>de</strong>r (CF, art. 103-B), nomeados sem interferência direta<br />

dos outros Po<strong>de</strong>res, dos quais o Legislativo apenas indica, fora <strong>de</strong> seus quadros e, assim, sem<br />

vestígios <strong>de</strong> representação orgânica, dois dos quinze membros, não po<strong>de</strong>ndo essa indicação<br />

se equiparar a nenhuma forma <strong>de</strong> intromissão incompatível com a i<strong>de</strong>ia política e o perfil<br />

<strong>constitucional</strong> da separação e in<strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res”. Afirmou, ainda, que “a composição<br />

híbrida do CNJ não compromete a in<strong>de</strong>pendência interna e externa do Judiciário, porquanto<br />

não julga causa alguma, nem dispõe <strong>de</strong> atribuição, <strong>de</strong> nenhuma competência, cujo exercício<br />

interfira no <strong>de</strong>sempenho da função típica do Judiciário, a jurisdicional”.1<br />

D. Atribuições do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

A EC ne 45/04 conce<strong>de</strong>u ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça a elevada função <strong>de</strong> realizar<br />

o controle da atuação administrativa e financeira do Po<strong>de</strong>r Judiciário e do cumprimento<br />

dos <strong>de</strong>veres funcionais dos juizes, estabelecendo <strong>constitucional</strong>mente, porém <strong>de</strong> forma<br />

exemplificativa, suas mais importantes atribuições, que po<strong>de</strong>rão ser acrescidas pelo Estatuto<br />

da Magistratura.<br />

Observe-se que as competências administrativas do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

também po<strong>de</strong>m ser exercidas em relação a atos praticados antes <strong>de</strong> sua criação, pois<br />

conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “na EC 45/2004, apenas se estabeleceu o<br />

prazo <strong>de</strong> instalação do CNJ, mas não o termo inicial da sua ação fiscalizadora no campo<br />

administrativo, consi<strong>de</strong>rados os atos dos tribunais em geral, exceto os do Supremo no que<br />

a este cabe o crivo quanto a essa atuação. Ou seja, não teria surgido no mundo jurídico<br />

cláusula a limitar a atuação consi<strong>de</strong>rada a data do ato a ser apreciado”.12<br />

Dessa forma, compete ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça:<br />

• zelar pela autonomia do Po<strong>de</strong>r Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da<br />

Magistratura, po<strong>de</strong>ndo expedir atos regulamentares, no âmbito <strong>de</strong> sua competência,<br />

ou recomendar providências;<br />

• zelar pela observância do art. 37 e apreciar, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação,<br />

a legalida<strong>de</strong> dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se<br />

adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo<br />

da competência do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União;3<br />

• receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário,4 inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores<br />

<strong>de</strong> serviços notariais e <strong>de</strong> registro que atuem por <strong>de</strong>legação do po<strong>de</strong>r<br />

1 STF - Pleno - Adin ns 3.367/DF - Rei. Min. César Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. I n fo r m a t iv o S T F na 383.<br />

2 STF - Pleno - MS na 25.962/DF - Rei. Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 23-10-2008.<br />

3 STF - Plen o - MS n° 26.163/DF - Rei. Min. Cárm en Lúcia, I n f o r m a t iv o S T F n° 465; STF - Plen o - MS n°<br />

26.284/DF - Rei. Min. M enezes Direito, I n fo r m a t iv o STFn° 500.<br />

4 O STF negou seguimento a mandado <strong>de</strong> segurança contra <strong>de</strong>cisão plenária do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça,<br />

tendo afirm ado o Ministro Carlos Britto, que “ em boa verda<strong>de</strong>, preten<strong>de</strong> a impetrante ver discutidas no Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>núncias sobre com portam ento <strong>de</strong> magistrados que já foram apreciadas e rejeitadas pelo<br />

órgão competente para tal (o CNJ)” (STF - MS n° 26065/DF - Rei. Min. Carlos Britto, D iá r io d a J u s t iç a , Seção


548 Direito Constitucional • Moraes<br />

público ou oficializados,1 sem prejuízo da competência disciplinar e correicional<br />

dos tribunais, po<strong>de</strong>ndo avocar processos disciplinares em curso e <strong>de</strong>terminar<br />

a remoção, a disponibilida<strong>de</strong> ou a aposentadoria com subsídios ou proventos<br />

proporcionais ao tempo <strong>de</strong> serviço e aplicar outras sanções administrativas,<br />

assegurada ampla <strong>de</strong>fesa. A competência <strong>constitucional</strong> disciplinar do Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça não afasta a competência ordinária dos Tribunais e juízos,<br />

observando-se, porém, como ressaltado pelo Ministro Joaquim Barbosa, que<br />

jamais ocorrerá “conflito <strong>de</strong> competência, mas superiorida<strong>de</strong> hierárquica do<br />

CNJ em questões disciplinares” ;*12 *<br />

• representar ao Ministério Público, no caso <strong>de</strong> crime contra a administração<br />

pública ou <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>;<br />

• rever, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares <strong>de</strong> juizes e<br />

membros <strong>de</strong> tribunais julgados há menos <strong>de</strong> um ano;<br />

• elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas,<br />

por unida<strong>de</strong> da Fe<strong>de</strong>ração, nos diferentes órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário;<br />

• elaborar relatório anual, propondo as providências q ue julgar necessárias, sobre<br />

a situação do Po<strong>de</strong>r Judiciário no País e as ativida<strong>de</strong>s do Conselho, o qual <strong>de</strong>ve<br />

integrar mensagem do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a ser remetida<br />

ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por ampla maioria (9 x 1), <strong>de</strong>clarou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da Resolução CNJ na 07/05 (resolução antinepotismo), reconhecendo como<br />

competência <strong>constitucional</strong> do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça o po<strong>de</strong>r normativo primário<br />

no âmbito das matérias <strong>de</strong>scritas no § 4-, do art. 103-B, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Extremamente precisa, nesse sentido, a lição do Ministro-relator Carlos Britto, quando<br />

indagando “vem a pergunta que tenho como a <strong>de</strong> maior valia para o julgamento <strong>de</strong>sta ADC:<br />

o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça foi aquinhoado com essa modalida<strong>de</strong> primária <strong>de</strong> competência?<br />

Mais exatamente: foi o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça contemplado com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

expedir normas primárias sobre as matérias que servem <strong>de</strong> recheio fático ao inciso II do<br />

§ 4a do art. 103-B da Constituição?”. Finalizou concluindo crer que “o § 4a, em si mesmo<br />

consi<strong>de</strong>rado, <strong>de</strong>ixa muito claro a extrema relevância do papel do CNJ como órgão central<br />

<strong>de</strong> controle da atuação administrativa e financeira do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Daí porque a esse<br />

Conselho cabe aferir o cumprimento dos <strong>de</strong>veres dos juizes e ainda exercer, <strong>de</strong> parelha<br />

com os po<strong>de</strong>res que lhe forem conferidos pelo Estatuto da Magistratura, aqueles <strong>de</strong> pronto<br />

arrolados pelos incisos <strong>de</strong> I a VII <strong>de</strong>sse mesmo § 4a. 31. No âmbito <strong>de</strong>ssas competências<br />

<strong>de</strong> logo avançadas pela Constituição é que se inscrevem, conforme visto, os po<strong>de</strong>res do<br />

inciso II, acima transcrito. Dispositivo que se compõe <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> um núcleo normativo,<br />

quatro <strong>de</strong>les expressos e um inexpresso (...) o núcleo inexpresso é a outorga <strong>de</strong> competência<br />

para o Conselho dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos,<br />

1,25 ago. 2006, p. 74). Conferir, ainda: S T F -M S n9 26110/DF - medida cautelar - Rei. Min. Joaquim Britto,<br />

D iário da Justiça, Seção I, 24 ago. 2006, p. 27.<br />

1 STF - MS nQ26209/DF - medida cautelar - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, D iário da Justiça, Seção I, 27 out.<br />

2006, p. 70.<br />

2 STF - MS 26110/DF - medida cautelar - Rei. Min. Joaquim Britto, D iá rio da Justiça, Seção I, 24 ago. 2006,<br />

p. 27.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 549<br />

na lógica pressuposição <strong>de</strong> que a competência para zelar pela observância do art. 37 da<br />

Constituição e ainda baixar os atos <strong>de</strong> sanação <strong>de</strong> condutas eventualmente contrárias à<br />

legalida<strong>de</strong> é po<strong>de</strong>r que traz consigo a dimensão da normativida<strong>de</strong> em abstrato, que já é<br />

uma forma <strong>de</strong> prevenir a irrupção <strong>de</strong> conflitos. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> precaver-se ou acautelar-se<br />

para minimizar a possibilida<strong>de</strong> das transgressões em concreto” .1<br />

Para garantir maior efetivida<strong>de</strong> na atuação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, a EC<br />

ne 45/04 previu a criação pela União, inclusive no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e nos Territórios, <strong>de</strong><br />

ouvidorias <strong>de</strong> justiça, competentes para receber reclamações e <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> qualquer<br />

interessado contra membros ou órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares,<br />

representando diretamente ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.<br />

E .<br />

L im ites d e a tu a ç ã o d o C onselh o N a c io n a l d e Ju s tiç a<br />

A atuação <strong>constitucional</strong> do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça direciona-se para duas<br />

importantes missões: o controle da atuação administrativa e financeira do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

e o controle do cumprimento dos <strong>de</strong>veres funcionais dos juizes.<br />

Em ambos os casos, a EC ne 45/04 buscou estabelecer a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivo controle<br />

administrativo centralizado <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> sobre a atuação dos diversos juízos e tribunais,<br />

sem prejuízo dos controles administrativos <strong>de</strong> cada tribunal e do controle jurisdicional.<br />

Essa finalida<strong>de</strong> fica patente, principalmente, quando o novo texto <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong>termina ao Conselho zelar pela observância do art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e apreciar,<br />

<strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, a legalida<strong>de</strong> dos atos administrativos praticados<br />

por membros ou órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sconstituí-los, revê-los ou fixar<br />

prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem<br />

prejuízo do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União (CF, art. 103-B, § 412, II) e, também, <strong>de</strong>termina<br />

ao Conselho que receba e conheça das reclamações contra membros ou órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores <strong>de</strong><br />

serviços notariais e <strong>de</strong> registro que atuem por <strong>de</strong>legação do po<strong>de</strong>r público ou oficializados,<br />

sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, po<strong>de</strong>ndo avocar<br />

processos disciplinares em curso e <strong>de</strong>terminar a remoção, a disponibilida<strong>de</strong> ou a aposentadoria<br />

com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo <strong>de</strong> serviço e aplicar outras<br />

sanções administrativas, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa (CF, art. 103-B, § 42, III).<br />

Observe-se, porém, que as duas hipóteses apresentam uma importante e significativa<br />

diferença <strong>de</strong> atuação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.<br />

Na função correicional e disciplinar dos membros, órgãos e serviços do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

o Conselho atua como órgão administrativo hierarquicamente superior, po<strong>de</strong>ndo analisar<br />

tanto a legalida<strong>de</strong> quanto o mérito <strong>de</strong> eventuais faltas funcionais.<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça possui competência disciplinar originária e concorrente,<br />

po<strong>de</strong>ndo instaurar originariamente, avocar ou revisar procedimentos disciplinares,<br />

sem prejuízo da atuação das corregedorias locais.2<br />

1 STF - Pleno -A D C 12 - m edida cautelar - Rei. M in. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 16-2-06 e Diário da Justiça, Seção<br />

1 ,1 set. 2006, p. 15.<br />

2 STF - Pleno - MS 28003/DF - Rei. Min. Luiz Fux, <strong>de</strong>cisão: 8-2-2012, DJe-106, 30-5-2012. Em relação à<br />

competência disciplinar concorrente, conferir ainda: STF - Pleno - MS 28102/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa,<br />

<strong>de</strong>cisão: 14-6-2012.


550 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o controle ético-disciplinar a ser<br />

realizado pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, em relação a todos os membros da magistratura,<br />

“representa expressiva conquista do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> a consciência<br />

<strong>de</strong> que os mecanismos <strong>de</strong> responsabilização dos juizes, por inobservância das obrigações<br />

funcionais, são imprescindíveis à boa prestaçãojurisdicional, sendo <strong>de</strong> reconhecer, como<br />

imperativo do regime republicano e da inteireza e serventia da função, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

convívio permanente entre a in<strong>de</strong>pendência jurisdicional e instrumentos <strong>de</strong> responsabilização<br />

dos juizes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetivida<strong>de</strong>, o<br />

papel que se lhes predica”.1<br />

Diversamente, porém, na função <strong>de</strong> controle da atuação administrativa e financeira<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sconstituição ou revisão dos atos<br />

administrativos praticados pelos membros ou órgãos judiciários, o Conselho Nacional <strong>de</strong><br />

Justiça somente po<strong>de</strong>rá analisar a legalida<strong>de</strong> do ato, e não o mérito - na hipótese <strong>de</strong> atos<br />

administrativos discricionários -, que <strong>de</strong>ve ser entendido como juízo <strong>de</strong> conveniência e<br />

oportunida<strong>de</strong> do administrador, no caso, os membros ou órgãos judiciários, que po<strong>de</strong>rão,<br />

entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que enten<strong>de</strong>r como a<br />

melhor para o interesse público.12<br />

Em relação aos atos administrativos vinculados, em face <strong>de</strong> a lei <strong>de</strong>terminar todos os<br />

seus elementos, o controle será pleno, pois inexiste vonta<strong>de</strong> subjetiva da administração<br />

dos membros ou órgãos dos Tribunais na sua edição.<br />

Em relação, porém, aos atos administrativos discricionários torna-se importante a<br />

<strong>de</strong>finição dos contornos e amplitu<strong>de</strong> da aplicabilida<strong>de</strong> do art. 103-B, § 4a, n, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, uma vez que é a própria lei que, explícita ou implicitamente, conce<strong>de</strong> maior<br />

liberda<strong>de</strong> aos membros ou órgãos dos Tribunais, permitindo-lhe a escolha da conveniência<br />

e oportunida<strong>de</strong> para a edição do ato.<br />

Em regra, será <strong>de</strong>feso ao Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça apreciar o mérito do ato administrativo<br />

dos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário, cabendo-lhe unicamente examiná-lo<br />

sob o aspecto <strong>de</strong> sua legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong>, isto é, se foi praticado conforme ou contrariamente<br />

ao or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Esta solução tem como fundamento básico, o art. 9 6 ,1, a, que prevê como alicerce<br />

da in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário (vi<strong>de</strong> item 4.4.1 - B) a eleição, pelos membros dos<br />

próprios Tribunais, <strong>de</strong> seus órgãos diretivos, sem qualquer ingerência, <strong>de</strong> maneira que a<br />

verificação das razões <strong>de</strong> conveniência ou <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> dos atos administrativos escapa<br />

ao controle administrativo <strong>de</strong> um órgão externo ao próprio tribunal, ainda que componente<br />

da estrutura do Po<strong>de</strong>r Judiciário (Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça), ou mesmo ao controle<br />

jurisdicional <strong>de</strong> outros órgãos, inclusive do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

1 STF - Pleno - Adin n° 3.3 67/D F- Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. Informativo STF n° 383.<br />

2 VEDEL, Georges. D r o i t a d m in is t r a t if . Paris: Presses Universitaries <strong>de</strong> France, 1973. p. 318; FAGUNDES, M.<br />

Seabra. O c o n t r o le d o s a to s a d m in is t r a t iv o s p e l o P o d e r J u d ic iá r io . São Paulo: Saraiva, 198 4 ,p. 131.<br />

3 Em <strong>de</strong>fesa da necessida<strong>de</strong> d e in d e p e n d ê n c ia d o s tribunais, Paulo Bonavi<strong>de</strong>s afirm a que “ um Tribunal carente<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência, politizado ao excesso pelo Executivo, fragilizado pelo <strong>de</strong>srespeito à sua função, <strong>de</strong>bilitado<br />

pelas omissões no controle jurisdicional <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é o inim igo da Constituição” (BONAVIDES,<br />

Paulo. Jurisdição <strong>constitucional</strong> e legitim ida<strong>de</strong> (algumas observações sobre o Brasil). U S P - E s t u d o s a v a n ç a d o s ,<br />

v. 18, n° 51, maio/ago. 2004. p. 141).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 551<br />

Nesse sentido, proclamou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “levando em conta as<br />

atribuições conferidas ao Conselho - controle da ativida<strong>de</strong> administrativa e financeira do<br />

Judiciário e controle ético-disciplinar <strong>de</strong> seus membros - assentou-se que a primeira não<br />

atinge o autogoverno do Judiciário, visto que, da totalida<strong>de</strong> das competências privativas<br />

dos tribunais (CF, art. 96), nenhuma lhes foi usurpada”.1<br />

Não existe, porém, nenhum ato absolutamente discricionário, pois tal fato converter-<br />

-se-ia em arbitrarieda<strong>de</strong>.<br />

Assim, mesmo o ato administrativo discricionário está vinculado ao império consti<br />

tucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por Chevallier, “o objetivo do Estado<br />

<strong>de</strong> Direito é limitar o po<strong>de</strong>r do Estado pelo Direito”.12<br />

O Estado <strong>de</strong> Direito exige a vinculação das autorida<strong>de</strong>s ao Direito,3 e, portanto, o<br />

administrador - mesmo que sejam membros ou órgãos <strong>de</strong> Tribunais -, ao editar um ato<br />

discricionário, <strong>de</strong>ve respeito aos seus elementos <strong>de</strong> competência, form a e finalida<strong>de</strong>; bem<br />

como a veracida<strong>de</strong> dos pressupostos fáticos para a sua edição (motivo).<br />

Nesse sentido, Ve<strong>de</strong>i aponta a existência <strong>de</strong> um controle mínimo do ato discricionário,<br />

que <strong>de</strong>verá ser sob o ângulo dos elementos do ato administrativo, pois, embora possa<br />

haver competência do agente, é preciso, ainda, que os motivos correspondam aos fundamentos<br />

fáticos e jurídicos do ato, e o fim perseguido seja legal, concluindo que o Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário - e na presente hipótese, po<strong>de</strong>mos esten<strong>de</strong>r a conclusão ao Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça - <strong>de</strong>ve exercer somente o juízo <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> exatidão do exercício <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong><br />

perante a legalida<strong>de</strong>.4<br />

A revisão da atuação administrativa dos membros ou órgãos dos Tribunais, exercida<br />

pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>verá, igualmente, verificar a realida<strong>de</strong> dos fatos e<br />

também a coerência lógica da <strong>de</strong>cisão discricionária com os fatos. Se ausente a coerência,<br />

a <strong>de</strong>cisão estará viciada por infringência ao or<strong>de</strong>namentojurídico e, mais especificamente,<br />

ao princípio da proibição da arbitrarieda<strong>de</strong> dos po<strong>de</strong>res públicos que impe<strong>de</strong> o extravasamento<br />

dos limites razoáveis da discricionarieda<strong>de</strong>, evitando que esta se converta em<br />

causa, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> justificação fática e, consequentemente, arbitrárias,5<br />

pois o exame da legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong>, além do aspecto formal, compreen<strong>de</strong> também<br />

a análise dos fatos levados em conta pela autorida<strong>de</strong> que editou o ato administrativo.6<br />

Em conclusão, nos atos administrativos discricionários expedidos pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

a opção conveniente e oportuna <strong>de</strong>ve ser feita legal e moralmente pelos membros ou<br />

órgãos dos Tribunais, ou seja, somente na legalida<strong>de</strong> e na moralida<strong>de</strong> que a oportunida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ve ser apreciada pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.7 Consequentemente, não po<strong>de</strong>rá o<br />

1 STF - Pleno - Adin na 3.367/DF - ReL Min. César Peluso, <strong>de</strong>cisão: 13-4-2005. I n f o r m a t iv o S T F na 383.<br />

2 CHEVALLIER, Jacques. L ’E t a t d e d r o it . Paris: Montchrestien, 1992. p. 12.<br />

3 LARENZ, Karl. D e r e c h o ju s t o : fundamentos <strong>de</strong> ética jurídica. Tradução <strong>de</strong> Luis Díez-Picazo. Madri: Civitas,<br />

1985. p. 154.<br />

4 VEDEL, Georges. D r o i t a d m in is t r a t if . Paris: Presses Universitaries <strong>de</strong> France, 1973.p. 320.<br />

5 FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. A r b i t r a r i e d a d y d is c r e c io n a lid a d . M adri: Civitas, 1991. p. 115.<br />

6 FRANÇA, Vladim ir da Rocha. Consi<strong>de</strong>rações sobre o controle <strong>de</strong> m oralida<strong>de</strong> dos atos administrativos. R T<br />

774/108.<br />

7 CHAPUS, René. D r o i t a d m i n i s t r a t i f g e n e r a l 6. ed. Paris: Montchrestien, 1992, t. l , p . 775.


5 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça invadir a legítima escolha feita pelos órgãos administrativos<br />

dos Tribunais, entre as opções legalmente reservadas para a edição do ato discricionário,<br />

<strong>de</strong> maneira a, simplesmente, alterar a opção licitamente realizada, sob pena <strong>de</strong> atentar<br />

contra a in<strong>de</strong>pendência dos Tribunais.<br />

Não se diga que essas limitações tornam o controle a ser exercido pelo Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça ineficaz, pois com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> afastar arbitrarieda<strong>de</strong>s praticadas,<br />

no exercício <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r discricionário, a evolução da doutrina <strong>constitucional</strong> administrativista<br />

mostra a redução interpretativa do sentido da palavra mérito, a<strong>de</strong>quando-a ao<br />

mo<strong>de</strong>rno sentido <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong> Direito.<br />

Como salientam Canotilho e Vital Moreira,<br />

“como toda a activida<strong>de</strong> pública, a Administração está subordinada à Constituição.<br />

O princípio da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da administração não é outra coisa senão<br />

a aplicação, no âmbito administrativo, do princípio geral da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

dos actos do Estado: todos os po<strong>de</strong>res e órgãos do Estado (em sentido amplo) estão<br />

submetidos às normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição”.1<br />

Dessa forma, ampliou-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão judicial dos atos administrativos<br />

discricionários, por meio <strong>de</strong> duas teorias: teoria relativa ao <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ou <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong><br />

e teoria dos motivos <strong>de</strong>terminantes.<br />

Ambas as hipóteses são integralmente aplicáveis à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> revisão, pelo Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça, dos atos administrativos discricionários editados por membros<br />

ou órgãos dos tribunais.<br />

Pela primeira, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça po<strong>de</strong>rá exercer amplo controle sobre os<br />

atos administrativos, quando o órgão administrativo do tribunal utilizar-se <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r<br />

discricionário para atingir fim diverso daquele que a lei fixou, ou seja, ao utilizar-se in<strong>de</strong>vidamente<br />

dos critérios da conveniência e oportunida<strong>de</strong>, o agente <strong>de</strong>svia-se da finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> persecução do interesse público.<br />

Na segunda hipótese - teoria dos motivos <strong>de</strong>terminantes (Gaston Jéze) -, os motivos<br />

expostos como justificativa para a edição do ato associam-se à valida<strong>de</strong> do ato, vinculando<br />

o próprio agente, <strong>de</strong> forma que a inexistência ou falsida<strong>de</strong> dos pressupostos fáticos ou<br />

legais ensejadores do ato administrativo acabam por afetar sua própria valida<strong>de</strong>, mesmo<br />

que o agente não estivesse obrigado a motivá-lo.<br />

A teoria dos motivos <strong>de</strong>terminantes aplica-se a todos os atos administrativos, pois,<br />

mesmo naqueles em que a lei não exija a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivação, se o agente<br />

optar por motivá-lo, não po<strong>de</strong>rá alegar pressupostos <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> <strong>direito</strong> inexistentes ou<br />

falsos.<br />

Portanto, toda vez que o órgão administrativo, inclusive dos tribunais, motiva o ato<br />

administrativo, esse somente será válido se os motivos expostos forem verda<strong>de</strong>iros.12<br />

1 CANOTILH O , J. J. Gomes; MOREIRA, VitaL C o n s t itu iç ã o d a r e p ú b lic a p o r t u g u e s a a n o t a d a . 3. ed. Coimbra:<br />

Coimbra Editora, 1993. p. 922.<br />

2 Conferir, na doutrina, a teoria d o s m o t iv o s d e t e r m in a n t e s : MEIRELLES, H ely Lopes. D ir e it o a d m in is t r a t iv o b r a ­<br />

s ile ir o . 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p 137 e 182; D l PIETRO, M aria SylviaZanella. D ir e it o a d m in is t r a t iv o .


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 5 3<br />

Po<strong>de</strong>mos exemplificar com a dispensa ad nutum <strong>de</strong> um servidor do Judiciário que<br />

exerça <strong>de</strong>terminado cargo <strong>de</strong> confiança. A lei não exige que se especifique o motivo do ato<br />

<strong>de</strong>missório, porém, se o membro ou órgão competente do Tribunal expõe os pressupostos<br />

fáticos ou legais que o levaram à sua edição, estará vinculado à <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> sua<br />

existência e veracida<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> invalidação do ato. Se o ato <strong>de</strong>missório motivou-se<br />

na <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> daquele cargo <strong>de</strong> confiança e no dia seguinte ocorreu nova nomeação<br />

para o mesmo cargo, estará comprovada a falsida<strong>de</strong> da alegação e, consequentemente,<br />

pela teoria dos motivos <strong>de</strong>terminantes, o primeiro ato será inválido.<br />

Portanto, o ato administrativo viciado em seu motivo po<strong>de</strong>rá ser revisto e anulado<br />

pelo Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, por <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, havendo, porém, necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> prova <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>svio, não bastando mera suposição.<br />

4.5 Organização do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina com a nova redação dada pela EC ne 45/04 que lei<br />

complementar,*1 <strong>de</strong> iniciativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, disporá sobre o Estatuto da<br />

Magistratura, observados os seguintes princípios (CF, art. 93):<br />

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o <strong>de</strong> juiz substituto, mediante concurso<br />

público <strong>de</strong> provas e títulos, com a participação da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do<br />

Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em <strong>direito</strong>, no mínimo, três anos<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica e obe<strong>de</strong>cendo-se, nas nomeações, à or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> classificação;<br />

II - promoção <strong>de</strong> entrância para entrância, alternadamente, por antiguida<strong>de</strong> e merecimento<br />

(cf. Resolução na 6, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, do Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça), atendidas as seguintes normas:<br />

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco<br />

alternadas em lista <strong>de</strong> merecimento;<br />

b) a promoção por merecimento pressupões dois anos <strong>de</strong> exercício na respectiva<br />

entrância e integrar o juiz à primeira quinta parte da lista <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta,<br />

salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;<br />

c) aferição do merecimento conforme o <strong>de</strong>sempenho e pelos critérios objetivos <strong>de</strong><br />

produtivida<strong>de</strong> e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento<br />

em cursos oficiais ou reconhecidos <strong>de</strong> aperfeiçoamento;<br />

d) na apuração <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>, o tribunal somente po<strong>de</strong>rá recusar o juiz mais antigo<br />

pelo voto fundamentado <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros, conforme procedimento<br />

próprio, e assegurada ampla <strong>de</strong>fesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;<br />

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu po<strong>de</strong>r<br />

além do prazo legal, não po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>volvê-los ao cartório sem o <strong>de</strong>vido <strong>de</strong>spacho<br />

ou <strong>de</strong>cisão;<br />

12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 175; BASTOS, Celso. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994.<br />

p. 96; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 66.<br />

1 Conferir, em relação à obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei complementar: STF - P len o - Adin n° 3.224/AP - Rei. Min.<br />

Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 13-10-2004 - Informativo STF n° 365, p. 2; STF - Pleno - A D I n° 3.227-5/MG - Rei. Min.<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção 1,1 set. 2006, p. 16.


554 Direito Constitucional • Moraes<br />

III - o acesso aos tribunais <strong>de</strong> segundo grau far-se-á por antiguida<strong>de</strong> e merecimento,<br />

alternadamente, apurados na última ou única entrância;<br />

IV - previsão <strong>de</strong> cursos oficiais <strong>de</strong> preparação, aperfeiçoamento e promoção <strong>de</strong><br />

magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo <strong>de</strong> vitaliciamento a<br />

participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional <strong>de</strong> formação e<br />

aperfeiçoamento <strong>de</strong> magistrados;1<br />

V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores correspon<strong>de</strong>rá a noventa e<br />

cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral e os subsídios dos <strong>de</strong>mais magistrados serão fixados em lei e escalonados,<br />

em nível fe<strong>de</strong>ral e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária<br />

nacional, não po<strong>de</strong>ndo a diferença entre uma e outra ser superior a <strong>de</strong>z por<br />

cento ou inferior a cinco por cento, nem exce<strong>de</strong>r a noventa e cinco por cento do<br />

subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obe<strong>de</strong>cido, em qualquer<br />

caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4a;12 o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou<br />

as Resoluções n— 13 e 14, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, que dispõem sobre a aplicação<br />

do teto remuneratório <strong>constitucional</strong>.<br />

V I - a aposentadoria dos magistrados e a pensão <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes observarão<br />

o disposto no art. 40 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral3 (conferir Capítulo 9, item 15);<br />

VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal.<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou a Resolução na 37, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2007,<br />

dispondo sobre a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Tribunais regulamentarem os casos excepcionais<br />

<strong>de</strong> Juizes residirem fora das respectivas comarcas.<br />

VIII o ato <strong>de</strong> remoção, disponibilida<strong>de</strong> e aposentadoria do magistrado, por interesse<br />

público, fundar-se-á em <strong>de</strong>cisão por voto da maioria absoluta do respectivo<br />

tribunal ou do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa;<br />

VIII-A - a remoção a pedido ou a permuta <strong>de</strong> magistrados <strong>de</strong> comarca <strong>de</strong> igual<br />

entrância aten<strong>de</strong>rá, no que couber, ao disposto nas alíneas a, b, c e e do inciso II. O<br />

Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça editou a Resolução nB32, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007, que<br />

dispõe sobre as remoções a pedido e permuta <strong>de</strong> magistrados <strong>de</strong> igual entrância.<br />

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário serão públicos, e fundamentadas<br />

todas as <strong>de</strong>cisões, sob pena <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo a lei limitar a presença,<br />

em <strong>de</strong>terminados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes,<br />

em casos nos quais a preservação do <strong>direito</strong> à intimida<strong>de</strong> do interessado no sigilo<br />

não prejudique o interesse público à informação;<br />

1 Em relação à im portância na seleção dos magistrados e da necessida<strong>de</strong> da criação da Escola <strong>de</strong> aperfeiçoamento<br />

da magistratura: VELLOSO, Carlos M ário da Silva. Do po<strong>de</strong>r judiciário: com o torná-lo mais ágil e dinâm<br />

ico - efeito vinculante em outros temas. Revista dos Tribunais, ano 6, na 25, out/<strong>de</strong>z. 1998, p. 19; DALLARI,<br />

Dalmo <strong>de</strong> Abreu. O po<strong>de</strong>r dos juizes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 21; TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo. O juiz.<br />

Belo Horizonte; Del Rey, 1999.<br />

2 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficiai da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.<br />

3 Redação dada pela EC n° 20/98.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 5 5<br />

X - as <strong>de</strong>cisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública,<br />

sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros.<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “somente com o advento da EC<br />

45/2004 as <strong>de</strong>cisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão<br />

pública”, não sendo, portanto, nulas as <strong>de</strong>cisões em processos disciplinares proferidas<br />

em sessões secretas, antes do da citada emenda <strong>constitucional</strong>;1<br />

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, po<strong>de</strong>rá ser constituído<br />

órgão especial, com o mínimo <strong>de</strong> onze e o máximo <strong>de</strong> vinte e cinco membros,<br />

para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais <strong>de</strong>legadas<br />

da competência do tribunal pleno, provendo-se meta<strong>de</strong> das vagas por antiguida<strong>de</strong><br />

e a outra meta<strong>de</strong> por eleição pelo tribunal pleno. O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça<br />

editou a Resolução na 16, <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2006, estabelecendo critérios para a<br />

composição e eleição do Órgão Especial dos Tribunais.<br />

XII - a ativida<strong>de</strong> jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas<br />

nos juízos e tribunais <strong>de</strong> segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver<br />

expediente forense normal, juizes em plantão permanente. O CNJ editou a Resolução<br />

nc 3, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005, dispondo sobre a vedação <strong>de</strong> férias coletivas<br />

nos Juízos e Tribunais <strong>de</strong> 2Qgrau; a Resolução n° 8, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005,<br />

dispondo sobre a regulamentação do expediente forense no período natalino e a<br />

Resolução nfi 36, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2007, <strong>de</strong>finindo parâmetros mínimos a serem<br />

observados na regulamentação da prestação jurisdicional ininterrupta, por meio<br />

<strong>de</strong> plantão permanente.<br />

XIII - o número <strong>de</strong> juizes na unida<strong>de</strong> jurisdicional será proporcional à efetiva <strong>de</strong>mandajudicial<br />

e à respectiva população;<br />

XIV - os servidores receberão <strong>de</strong>legação para a prática <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> administração e<br />

atos <strong>de</strong> mero expediente sem caráter <strong>de</strong>cisório;<br />

XV - a distribuição <strong>de</strong> processos será imediata, em todos os graus <strong>de</strong> jurisdição,<br />

pois, conforme proclamado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “a Emenda Constitucional<br />

ne 45, <strong>de</strong> 08 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2004, que incluiu o inciso XV ao art. 93 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, tornou obrigatória a distribuição imediata dos processos, em<br />

todos os graus <strong>de</strong> jurisdição, visando a permitir que o jurisdicionado possa dirigir<br />

eventuais pedidos, antes do julgamento <strong>de</strong> mérito, ao relator do processo”.12<br />

4 .5 .1 F ix a ç ã o <strong>de</strong> s u b s íd io s do P o d e r Ju d ic iá rio<br />

Com as Emendas Constitucionais nos 19/98, 41/03 e 47/05, alterou-se o mecanismo<br />

<strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> subsídios dos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário, que passou a ter as seguintes<br />

regras:<br />

• existência <strong>de</strong> teto salarial fixado por lei: o subsídio dos membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza, não<br />

po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo<br />

1 STF - l aT .- R E n a 4 5 2 709/S P-R el. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 30-5-2006 - Informativo STF na 429.<br />

2 S T J - 5aT. - HC n° 46.354/SP - Rei. Min. Gilson Dipp, Diário da Justiça, Seção I, 2 maio 2006, p. 347.


5 5 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 37, XI). Essa fixação, nos termos da EC nQ41/03,<br />

será por lei fe<strong>de</strong>ral ordinária, <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, nos termos dos arts. 48, XV, e 96, O, b;<br />

• respeito à igualda<strong>de</strong> tributária: a fixação <strong>de</strong> subsídio <strong>de</strong>verá observar a vedação<br />

<strong>de</strong> qualquer tratamento privilegiado em relação aos <strong>de</strong>mais contribuintes (CF,<br />

art. 150, II), a incidência <strong>de</strong> imposto <strong>de</strong> renda e proventos <strong>de</strong> qualquer natureza<br />

(CF, art. 153, III), respeitando-se os critérios da generalida<strong>de</strong>, da universalida<strong>de</strong><br />

e da progressivida<strong>de</strong> (CF, art. 153, § 2-, I);<br />

• fixação <strong>de</strong> subsidio em parcela única: os membros do Po<strong>de</strong>r Judiciário serão<br />

remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado<br />

o acréscimo <strong>de</strong> qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba <strong>de</strong> representação<br />

ou outra espécie remuneratória, somente po<strong>de</strong>ndo ser fixados ou<br />

alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada<br />

revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção <strong>de</strong> índices<br />

(CF, art. 39, § 4a, e art. 37, X );1<br />

• fixação do subsidio <strong>de</strong> seus membros e dos juizes por lei <strong>de</strong> iniciativa privativa dos<br />

Tribunais Superiores e dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, conforme a hipótese;<br />

• escalonamento na fixação do subsidio no Po<strong>de</strong>r Judiciário: o subsídio dos Ministros<br />

dos Tribunais Superiores correspon<strong>de</strong>rá a 95% do subsídio mensal<br />

fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e os subsídios dos <strong>de</strong>mais<br />

magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível fe<strong>de</strong>ral e estadual,<br />

conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional,<br />

não po<strong>de</strong>ndo a diferença entre uma e outra ser superior a 10% ou inferior a<br />

5%, nem exce<strong>de</strong>r a 95% do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores;<br />

• irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídio: conferir, neste Capítulo, item 4.4.2 - A3;<br />

• subteto salarial do Po<strong>de</strong>r Judiciário estadual: no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário estadual,<br />

nos termos da EC ne 41/03, o maior subsídio será o <strong>de</strong> Desembargador<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos<br />

por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores<br />

e aos Defensores Públicos. A EC ne 47/05 permitiu aos estados-membros<br />

e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> emendas às suas respectivas Constituições<br />

estaduais e Lei Orgânica Distrital, alterarem seus subtetos, no sentido <strong>de</strong> estabelecimento<br />

<strong>de</strong> um limite únicoparatodos os servidores estaduais ou distritais,<br />

exceptuando-se os parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores<br />

doTribunal<strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros do STF). Trata-<br />

-se, porém, <strong>de</strong> faculda<strong>de</strong> concedida aos Estados-membros e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

4.5.2 R e q u isito s para in gresso na carreira da m agistratura<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, nos termos da Resolução nQ11, <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong><br />

2006, regulamentou o critério <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica para a inscrição em concurso público<br />

í<br />

Em relação à EC n° 19/98 e à EC n° 41/03, lim ite salarial e os <strong>direito</strong>s adquiridos - Capítulo 9, item 20.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 5 7<br />

<strong>de</strong> ingresso na carreira da magistratura nacional, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “estabelecer regras<br />

e critérios gerais e uniformes, enquanto não for editado o Estatuto da Magistratura, que<br />

permitam aos Tribunais adotar providências <strong>de</strong> modo a compatibilizar suas ações, na<br />

tarefa <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong> magistrados, com os princípios implementados pela Emenda Constitucional<br />

ns 45/2004” .<br />

Consi<strong>de</strong>ra-se ativida<strong>de</strong> jurídica “aquela exercida com exclusivida<strong>de</strong> por bacharel em<br />

Direito, bem como o exercício <strong>de</strong> cargos, empregos ou funções, inclusive <strong>de</strong> magistério<br />

superior, que exija a utilização prepon<strong>de</strong>rante <strong>de</strong> conhecimento jurídico, vedada a contagem<br />

do estágio acadêmico ou qualquer outra ativida<strong>de</strong> anterior à colação <strong>de</strong> grau” (art.<br />

2- da Resolução ns 11/2006). O CNJ <strong>de</strong>cidiu, ainda, que “serão admitidos no computo do<br />

período <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica os cursos <strong>de</strong> pós-graduação na área jurídica reconhecidos<br />

pelas Escolas Nacionais <strong>de</strong> Formação e Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Magistrados <strong>de</strong> que tratam o<br />

artigo 105, parágrafo único, I, e o artigo 111-A, parágrafo 2a, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ou<br />

pelo Ministério da Educação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que integralmente concluídos com aprovação” (art. 3a) .<br />

O termo inicial para o computo do prazo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> três anos,1para<br />

os efeitos do art. 93,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, será a obtenção do grau <strong>de</strong> bacharel em<br />

Direito. No tocante ao termo inicial, saliento minha divergência, por enten<strong>de</strong>r que os estágios<br />

oficiais da Magistratura, Ministério Público, Defensorias e Procuradorias realizados<br />

por estudantes <strong>de</strong> Direito, cuja via <strong>de</strong> acesso é o concurso público, aten<strong>de</strong>m a exigência<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> maior experiência do candidato, uma vez que são voltados para que o<br />

estagiário aprenda o funcionamento da respectiva instituição, bem como o exercício <strong>de</strong><br />

suas funções. Em relação ao termo final, <strong>de</strong>terminou o CNJ que a comprovação do período<br />

<strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong> que trata o artigo 93,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong>verá ser realizada por ocasião da inscrição <strong>de</strong>finitiva no concurso.<br />

Nos termos do art. 4a da Resolução na 11/06 do CNJ, “a comprovação do tempo <strong>de</strong><br />

ativida<strong>de</strong> jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos do bacharel<br />

em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente,<br />

indicando as respectivas atribuições exercidas e a prática reiterada <strong>de</strong> atos que<br />

exijam a utilização prepon<strong>de</strong>rante <strong>de</strong> conhecimento jurídico”.<br />

Estabeleceu-se, ainda, vedação expressa à participação <strong>de</strong> professores <strong>de</strong> cursos preparatórios<br />

nas bancas <strong>de</strong> concurso para ingresso na Magistratura. Nos termos do art. 6S da<br />

Resolução CNJ na 11/06, “aquele que exercer a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério em cursos formais<br />

ou informais voltados à preparação <strong>de</strong> candidatos a concursos públicos para ingresso na<br />

carreira da magistratura fica impedido <strong>de</strong> integrar comissão do concurso e banca examinadora<br />

até três anos após cessar a referida ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério”.<br />

4.5.3 A feriçã o do m erecim ento para prom oção <strong>de</strong> m agistrados e acesso<br />

aos Tribunais <strong>de</strong> 2 a grau<br />

O Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>cidiu pela autoaplicabilida<strong>de</strong> dos incisos II, III, IV,<br />

VIII-A, IX e X, do artigo 93 da Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, editando a<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, não prevalece cláusula editalícia que prevê prazo <strong>de</strong> 5<br />

(cin co) anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica (STJ - 6a T. - RMS 25460/PB - Rei. Min. Maria Thereza Assis Moura, <strong>de</strong>cisão:<br />

17-3-2011).


5 5 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Resolução n° 6, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, que dispõe sobre a aferição do merecimento<br />

para promoção <strong>de</strong> magistrados e acesso aos Tribunais <strong>de</strong> 2a grau.<br />

As promoções por merecimento <strong>de</strong> magistrados e o acesso aos Tribunais <strong>de</strong> 2a grau1<br />

serão realizados em sessão pública, em votação nominal, aberta e fundamentada e<br />

pressupõem dois anos <strong>de</strong> exercício na respectiva entrância ou no cargo e integrar o juiz<br />

a primeira quinta parte da lista <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>, salvo se não houver com tais requisitos<br />

quem aceite o lugar vago.<br />

A votação ostensiva, nominal e fundamentada nas promoções dos magistrados por<br />

merecimento é a única forma condizente com o princípio da publicida<strong>de</strong> consagrado,<br />

sucessivamente, nos arts. 37, caput, e 93, inciso X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

A motivação da <strong>de</strong>cisão em sessão pública consagra o respeito ao princípio republicano,<br />

pois exige que cada um dos membros dos Tribunais votantes exponha as razões<br />

que o levaram a optar por <strong>de</strong>terminado magistrado, após a análise lógica dos requisitos<br />

constitucionais exigidos, ou seja, exige votação nominal e aberta dos mesmos, sob pena<br />

<strong>de</strong> frontal <strong>de</strong>s cumprimento da previsão <strong>constitucional</strong>.<br />

O merecimento será apurado e aferido, conforme estabelecido na Resolução na 6, <strong>de</strong> 13<br />

<strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, mediante a análise do <strong>de</strong>sempenho<br />

e por critérios objetivos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência<br />

e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos <strong>de</strong> aperfeiçoamento.<br />

Nos termos constitucionais, é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes<br />

consecutivas ou cinco alternadas em lista <strong>de</strong> merecimento.<br />

Nos termos do art. 4a da Resolução nQ6, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2005, o Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça estabeleceu prazo <strong>de</strong> 120 dias para que os Tribunais editem atos<br />

administrativos disciplinando: (I) a valoração objetiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho, produtivida<strong>de</strong> e<br />

presteza no exercício da jurisdição, para efeito <strong>de</strong> promoção por mérito; (II) a frequência<br />

e o aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos <strong>de</strong> aperfeiçoamento ou especialização<br />

<strong>de</strong> magistrados que serão consi<strong>de</strong>rados para fins <strong>de</strong> ascensão por mérito, com a<br />

respectiva gradação. Durante o referido prazo, e até que sejam editados os respectivos<br />

atos administrativos, os membros dos Tribunais que participarem dos procedimentos <strong>de</strong><br />

votação para promoção por merecimento <strong>de</strong>verão fundamentar <strong>de</strong>talhadamente suas<br />

indicações, apontando critérios valorativos que levaram à escolha.<br />

4.5.4 Órgão e sp e cia l dos tribunais - co m p etên cia s e critério s para a<br />

co m posição e eleiçã o<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> constituição, nos tribunais com<br />

número superior a vinte e cinco julgadores, <strong>de</strong> um Órgão Especial, com o mínimo <strong>de</strong> onze<br />

e o máximo <strong>de</strong> vinte e cinco membros.<br />

1 Em relação à fundamentação para aplicação <strong>de</strong>sses critérios ao acesso aos tribunais <strong>de</strong> 2 ° grau, conferir:<br />

MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Constituição do Brasil interpretada e Legislação <strong>constitucional</strong>. 6. ed. São Paulo: Atlas,<br />

2006 - item 93.7.<br />

2 Para análise <strong>de</strong>talhada: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Constituição do Brasil interpretada e legislação <strong>constitucional</strong>.<br />

6. ed. São Paulo: Atlas, 2006 - item 93.4.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 559<br />

Interpretando os incisos X e XI, do art. 93 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça editou o Enunciado Administrativo ne 2, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, prevendo que<br />

“constituído, pelo Tribunal, o Órgão Especial, este exercerá as atribuições administrativas<br />

e jurisdicionais <strong>de</strong>legadas da competência do Tribunal Pleno, inclusive as disciplinares,<br />

que serão tomadas pelo voto da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros”.<br />

O Órgão Especial não se equipara aos diversos órgãos fracionários dos tribunais, mas<br />

sim, uma vez instituído conforme a <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong>, assume a integralida<strong>de</strong><br />

das atribuições administrativas e jurisdicionais <strong>de</strong>legadas do Plenário, ou seja, substitui-<br />

-se ao próprio Plenário.<br />

Assim, o texto <strong>constitucional</strong> estabelece as seguintes regras no inciso XI, do art. 93<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral:<br />

• Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> Órgão Especial somente nos Tribunais com número<br />

superior a vinte e cinco julgadores.<br />

• Limites máximo e mínimo <strong>de</strong> componentes do Órgão Especial fixado pelo próprio<br />

texto <strong>constitucional</strong> (mínimo 11 e máximo 25).<br />

• Provimento da meta<strong>de</strong> das vagas por antiguida<strong>de</strong> e a outra meta<strong>de</strong> por eleição<br />

do tribunal pleno.<br />

• Absoluta discricionarieda<strong>de</strong> do respectivo Plenário do Tribunal em <strong>de</strong>cidir ou<br />

não pela criação <strong>de</strong> seu Órgão Especial, em seu regimento interno.1<br />

• Delegação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja a opção político-institucional d e criação, do exercício<br />

das atribuições administrativas e jurisdicionais da competência do Tribunal<br />

Pleno ao Órgão Especial.<br />

• Impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> coexistência <strong>de</strong> dois órgãos máximos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

em um mesmo tribunal, com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuições administrativas e jurisdicionais<br />

(Plenárioe Órgão Especial).<br />

• Aplicação do mesmo quorum a que, genericamente, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

refere-se ao Plenário, às <strong>de</strong>cisões do Órgão Especial, no exercício das competências<br />

jurisdicionais e administrativas, inclusive disciplinares, <strong>de</strong>legadas<br />

<strong>constitucional</strong>mente.<br />

A interpretação do inciso IX, do art. 93, observadas essas regras, não po<strong>de</strong> ser feita<br />

sem compatibilizar-se com as <strong>de</strong>mais previsões do art. 93 - em especial os incisos VIII e X<br />

- garantindo-se coerência dos diversos dispositivos do texto normativo, a fim <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r-<br />

-lhe efetivida<strong>de</strong> geral.<br />

Dessa forma, quando a Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que somente pelo voto da<br />

maioria absoluta do respectivo tribunal serão possíveis, por interesse público, a remoção, a<br />

disponibilida<strong>de</strong> e aposentadoria do magistrado (CF, art. 93, VIII); e que as <strong>de</strong>cisões administrativas<br />

dos tribunais serão motivas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas<br />

pelo voto da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros (CF, art. 93, X), está fixando norma geral<br />

a todos os tribunais, para impedir a criação <strong>de</strong> eventuais órgãos fracionários, por lei ou<br />

1 STF, AD IN nD410/SC; STF - Pleno - Ação O riginária n° 232-0/PE - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da<br />

J u s t iç a , Seção I, 20 abr. 2001, p. 105.


5 6 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

regimentalmente - que não representem a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os membros da 2a instância<br />

do respectivo órgão - que visem burlar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior rigi<strong>de</strong>z nessas <strong>de</strong>cisões.1<br />

Posteriormente, porém, o próprio texto <strong>constitucional</strong> - em respeito à razoabilida<strong>de</strong><br />

e eficiência na atuação - permite que tribunais com número superior a vinte e cinco<br />

julgadores instituam órgãos especiais, para o exercício das atribuições administrativas e<br />

jurisdicionais <strong>de</strong>legadas da competência do tribunal pleno.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> não exige, mas sim permite aos Tribunais a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criação <strong>de</strong> seus respectivos órgãos especiais.<br />

Ao conce<strong>de</strong>r essa discricionarieda<strong>de</strong> aos Tribunais, o texto <strong>constitucional</strong> não está<br />

permitindo a criação <strong>de</strong> novo órgão com competência concorrente à do Plenário, mas, sim,<br />

está possibilitando que o Tribunal Pleno seja substituído, por <strong>de</strong>legação <strong>constitucional</strong>, no<br />

exercício <strong>de</strong> suas atribuições administrativas e jurisdicionais pelo Órgão Especial, se essa<br />

for a vonta<strong>de</strong> do Tribunal Pleno.12<br />

A previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> órgãos especiais, portanto, não trata <strong>de</strong><br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superposição <strong>de</strong> atuações, mas sim <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> competências<br />

administrativas e jurisdicionais, pois o Órgão Especial não constitui fração do<br />

Tribunal Pleno. O Órgão Especial é - quando existente e no exercício <strong>de</strong> suas atribuições<br />

administrativas e jurisdicionais <strong>de</strong>legadas - o próprio Tribunal Pleno.3<br />

Não haveria outro sentido, na interpretação dos referidos dispositivos constitucionais,<br />

que <strong>de</strong>ve ser realizada <strong>de</strong> maneira a evitar contradições entre suas normas, sendo<br />

impositiva e primordial a análise sistêmica, harmônica e complementar dos diversos<br />

dispositivos do texto magno.4<br />

Portanto, instituído o Órgão Especial, suas competências serão exatamente as competências<br />

constitucionais e legais do Pleno do respectivo tribunal, por <strong>de</strong>legação expressa<br />

do texto <strong>constitucional</strong>, com as únicas duas exceções constitucionais (eleição dos órgãos<br />

diretivos e <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> do próprio Órgão Especial).<br />

Note-se que a própria Constituição da República <strong>de</strong>monstra, em seu art. 97, para<br />

fins <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> competência, que, ou o Tribunal julgará pelo seu Plenário, ou por seu<br />

Órgão Especial, sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superposição, ao <strong>de</strong>terminar que “somente pelo<br />

1 Trata-se, exatam ente, da proteção pretendida nas hipóteses versadas na AD I n° 2.580-5/CE e na Rp nQ<br />

1270-1/SC.<br />

2 N ão fo i outro o entendim ento exposto na A d in n- 410/MC, on<strong>de</strong> se discutiu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação<br />

jurisdicional e administrativa do Plenário aos Órgãos Especiais ser feita regim entalm ente ou por lei formal.<br />

3 Ressalte-se, ainda, que, na Ação Originária 232-PE, o M inistro SydneySanches igualm ente <strong>de</strong>ixou claro que<br />

a atuação do Órgão Especial substitui a atuação do Plenário do Tribunal, não se confundindo com mero órgão<br />

fracionário: “fic o em dúvida sobre o interesse m aior dos impetrantes, porque, se o Tribunal <strong>de</strong> Justiça tiver <strong>de</strong><br />

criar o Órgão Especial, terá que lhe conferir todas as atribuições administrativas e jurisdicionais da competência<br />

do Tribunal Pleno, com o está expresso, aliás, no inciso X I do art. 93 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Mas isso não está<br />

em discussão agora. A discussão é sobre se a lei po<strong>de</strong>ría regular algo que <strong>de</strong>ve ser objeto do Regim ento Interno” .<br />

O mesmo entendimento foi apontado, na citada ação, pelo M inistro Marco Aurélio, que salientou a diferença<br />

entre a mera criação <strong>de</strong> um órgão fracionário do Tribunal e a constituição do Órgão Especial, que se substitui<br />

ao Plenário, nas matérias que lhe fo rem <strong>de</strong>legadas.<br />

4 CANOTILH O , J. J. Gomes. D i r e i t o c o n s t it u c io n a l e te o r ia d a C o n s t it u iç ã o . 2. ed. Coimbra: Alm edina, 1998;<br />

GARCIA DE ENTERRIA, Eduardo. R e f le x io n e s s o b r e la k y e l o s p r in c íp io s g e n e ra le s d e i d e re c h o . M adri: Civitas,<br />

1996, p. 30.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 6 1<br />

voto da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros oudos membros do respectivo Órgão Especial<br />

po<strong>de</strong>rão os tribunais <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo do Po<strong>de</strong>r<br />

Público” (cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário).<br />

O Órgão Especial, portanto, não é órgão fracionário do Tribunal Pleno, mas sim<br />

consubstancia-se-pela vonta<strong>de</strong> do Tribunal Pleno e somente por essa vonta<strong>de</strong> - na própria<br />

integralida<strong>de</strong> dos membros do Tribunal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja instituído.1<br />

Como <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Cezar Peluso, “ o processo administrativo-disciplinar<br />

contra o ora agravante foi instaurado por <strong>de</strong>cisão do Órgão Especial do Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

<strong>de</strong> Pernambuco. E esse órgão especial, diferentemente do que suce<strong>de</strong> aos <strong>de</strong>mais órgãos<br />

fracionários <strong>de</strong> tribunal, a Constituição da República <strong>de</strong>legou, <strong>de</strong> maneira expressa, competência<br />

que, para a prática <strong>de</strong> atos administrativos e jurisdicionais, seria do tribunal pleno”,<br />

tendo concluído, em julgamento unânime do Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

“não <strong>de</strong>ixa dúvida, a respeito, a conjugação <strong>de</strong> ambas essas normas (art. 93): as <strong>de</strong>cisões<br />

administrativas <strong>de</strong> cada tribunal <strong>de</strong>vem ser tomadas pela maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros<br />

(inc. X ), salvo se, contando com mais <strong>de</strong> vinte e cinco julgadores, tenha criado órgão<br />

especial, caso em que a este compete tomá-las por clara <strong>de</strong>legação <strong>constitucional</strong> (inc. XI)” .12<br />

Citando o prece<strong>de</strong>nte unânime do STF, em novo julgamento, o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello<br />

afirmou ter ficado “assentado que, on<strong>de</strong> houver Órgão Especial, a este caberá observado<br />

o que dispõe o art. 93, XI, da Constituição, na redação dada pela EC ne 45/2004 exercer,<br />

com exclusão <strong>de</strong> quaisquer outros órgãos existentes na estrutura institucional do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, as ‘atribuições administrativas e jurisdicionais <strong>de</strong>legadas da competência do<br />

Tribunal pleno’. O que se revela impossível, isso sim, consi<strong>de</strong>ra do o or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong><br />

vigente (CF, art. 93, XI), é a ‘coexistência <strong>de</strong> dois órgãos máximos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

em um mesmo Tribunal, com i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atribuições administrativas e jurisdicionais<br />

(Plenário e Órgão Especial)’”.3<br />

Dessa forma, e recordando que a EC nfi 45/04 reforçou a própria existência do Órgão<br />

Especial, como órgão <strong>de</strong>legado da composição plenária do Tribunal, pois <strong>de</strong>cidiu<br />

<strong>de</strong>mocratizá-lo com eleições para meta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus componentes, on<strong>de</strong> for constituído pelo<br />

Tribunal, este exercerá, por <strong>de</strong>legação <strong>constitucional</strong>, todas as atribuições administrativas,<br />

disciplinares e jurisdicionais da competência do Tribunal Pleno, que serão tomadas<br />

pelo voto da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros, salvo as atribuições reservadas a todos<br />

os membros do Tribunal, <strong>de</strong> eleger seus órgãos diretivos e meta<strong>de</strong> das vagas do próprio<br />

Órgão Especial.<br />

Em virtu<strong>de</strong> da EC na 45/04, que instituiu eleições para a composição <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> do<br />

Órgão Especial dos Tribunais, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, igualmente, editou a Resolução<br />

na 16, <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006, que estabelece critérios para a composição e eleição<br />

do Órgão Especial dos Tribunais em todo o país, uma vez que proclamou a autoaplicabilida<strong>de</strong><br />

do inciso XI, do art. 93, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que, a partir da EC n2 45/04,<br />

<strong>de</strong>terminou que as vagas do referido órgão <strong>de</strong>vem ser providas meta<strong>de</strong> por antiguida<strong>de</strong><br />

e a outra meta<strong>de</strong> por eleição pelo tribunal pleno.<br />

1 STF - MS n2 25951 MC/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 4-8-2006; STF - Pleno - Ag. Reg. na Reclamação<br />

3626-0/PE - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 12-6-2006.<br />

2 STF - P len o - A g. Reg. na Reclam ação 3626-0/PE - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 12-6-2006.<br />

3 STF - M S 25951 MC/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , <strong>de</strong>cisão: 4-8-2006.


5 6 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

As regras básicas para composição e eleição do Órgão Especial dos Tribunais são:<br />

• Nos tribunais em que o Órgão Especial contemplar número ímpar <strong>de</strong> membros,<br />

a apuração das meta<strong>de</strong>s será realizada arredondando-se para maior o número<br />

<strong>de</strong> vagas relativas à meta<strong>de</strong> a ser provida por antiguida<strong>de</strong>.<br />

• Vagas por antiguida<strong>de</strong>: essas vagas no Órgão Especial, respeitadas as respectivas<br />

classes (CF, art. 94 - quinto <strong>constitucional</strong>), serão providas, mediante ato <strong>de</strong><br />

efetivação do Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal, pelos membros mais antigos do Tribunal<br />

Pleno, conforme or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>, nas classes a que pertencerem,<br />

observados os mesmos critérios nos casos <strong>de</strong> afastamento e impedimento.<br />

• Vagas por eleição: a eleição para preenchimento da meta<strong>de</strong> do Órgão Especial<br />

será realizada por votação secreta, entre os membros do Tribunal Pleno, convocado<br />

especialmente para essa finalida<strong>de</strong>, sendo inadmitida a recusa do encargo<br />

(art. 99 da LOMAN), salvo manifestação expressa antes da eleição (art. 102,<br />

infine, da LOMAN).<br />

• Quinto <strong>constitucional</strong>: o Órgão Especial <strong>de</strong>verá respeitar a previsão do art. 94 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, reservando vagas <strong>de</strong>stinadas à representação dos advogados<br />

e membros do Ministério Público. As vagas <strong>de</strong>stinadas a serem preenchidas<br />

por eleição <strong>de</strong>verão respeitar as classes respectivas, inclusive, quando for o caso,<br />

observando a alternância prevista no art. 100, § 2° da LOMAN.<br />

• Quórum para eleição: serão consi<strong>de</strong>rados eleitos os candidatos que obtiverem<br />

maioria simples dos votos dos membros do Tribunal Pleno.<br />

• Critério <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempate: no caso <strong>de</strong> empate na votação, prevalecerá o candidato<br />

mais antigo no Tribunal.<br />

• Mandato e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recondução: o mandato <strong>de</strong> cada membro eleito do<br />

Órgão Especial será <strong>de</strong> dois anos, permitida uma única recondução. Observe-se<br />

que o magistrado que tiver exercido por quatro anos a função <strong>de</strong> membro da<br />

meta<strong>de</strong> eleita do Órgão Especial estará inelegível, até que se esgotem todos os<br />

nomes ou não haja novos candidatos.<br />

• Suplência: serão consi<strong>de</strong>rados suplentes, na or<strong>de</strong>m <strong>de</strong>crescente <strong>de</strong> votação, os<br />

membros não eleitos.<br />

• Regra <strong>de</strong> transição 1: todas as vagas que ocorrerem no Órgão Especial a partir<br />

<strong>de</strong> I a <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 2005 serão preenchidas por eleição, até que se complete a<br />

composição da meta<strong>de</strong> eleita. Dessa forma, os integrantes do Órgão Especial<br />

que assumiram até a citada data permanecerão exercendo suas funções, sendo<br />

<strong>de</strong>clarada a vacância das <strong>de</strong>mais vagas - mesmo que anteriormente preenchidas<br />

- e convocadas eleições em 30 dias da publicação da Resolução na 16/2006,<br />

para o preenchimento <strong>de</strong> todas as vagas surgidas após I a <strong>de</strong> janeiro, até q ue se<br />

complete meta<strong>de</strong> dos integrantes.<br />

• Regra <strong>de</strong> transição 2: o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça preservou, nos Tribunais<br />

que já realizaram o preenchimento das vagas do Órgão Especial e dos órgãos<br />

diretivos, os resultados das respectivas eleições, <strong>de</strong>terminando a<strong>de</strong>quação<br />

imediata à duração do mandato e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma única recondução.<br />

• Regra <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação: todos os Tribunais que tenham constituído ou constituírem<br />

Órgão Especial <strong>de</strong>verão compatibilizar seus regimentos internos aos termos da<br />

Resolução na 16/2006 do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 6 3<br />

4.5.5 Vedação <strong>constitucional</strong> às férias coletivas nos Juízos e tribunais <strong>de</strong><br />

2® grau e regulamentação do expediente forense no período natalino<br />

e na prestação Jurisdicionai ininterrupta, por melo <strong>de</strong> plantão<br />

permanente<br />

A Resolução n12 3, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005, do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>terminou,<br />

nos termos do artigo 93 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a extinção <strong>de</strong>finitiva das férias<br />

coletivas nos juízos e tribunais <strong>de</strong> 22 grau, consagrando a autoaplicabilida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong><br />

jurisdicionai ininterrupta.1<br />

O inciso XII do artigo 93, com a nova redação dada pela EC n2 45/04 consagrou,<br />

como regra geral, a ativida<strong>de</strong> jurisdicionai ininterrupta e a vedação das férias coletivas<br />

nos juízos e tribunais <strong>de</strong> 2a grau; permitindo, porém, excepcionalmente, a previsão <strong>de</strong><br />

dias sem expediente forense normal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os juizes ficassem em plantão permanente.<br />

A análise da situação específica <strong>de</strong> regulamentação do expediente forense no período<br />

natalino (recesso <strong>de</strong> final <strong>de</strong> ano) ganhou maior relevância em virtu<strong>de</strong> da vedação às férias<br />

coletivas dos juízos e tribunais <strong>de</strong> 2a grau.<br />

O art. 175 do CPC foi recepcionado pela EC na 45/04, mantendo-se como feriados,<br />

para efeito forense, os domingos e os dias <strong>de</strong>clarados em lei. A previsão <strong>de</strong> recessosforenses<br />

estaduais, apesar <strong>de</strong> inexistência <strong>de</strong> expressa previsão legal, é aceita como norma análoga<br />

aos feriados forenses na doutrina2 e na jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e do<br />

Superior Tribunal De Justiça, inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação por ato<br />

normativo do próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário.3<br />

1 A Resolução na 03/2005 fo i repristinada pelo CNJ, por meio da Resolução n° 28/06, que revogou a Resolução<br />

na 24/06.0 CNJ editou a Resolução na 24/06, que havia revogado parcialmente a Resolução na 3, <strong>de</strong> 16<br />

<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005, em especial n o que havia <strong>de</strong>clarado a proibição imediata das férias coletivas nos juízos e<br />

tribunais <strong>de</strong> 2a grau. O CNJ manteve o posicionam ento <strong>de</strong> consagrar a autoaplicabilida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong> ju risdicionai<br />

ininterrupta, porém para evita r maiores transtornos aos jurisdicionados, que acabaram prejudicados<br />

pela necessida<strong>de</strong> dos julgam entos em 2a grau passarem a ser realizados por Câmaras ou TUrmas incompletas<br />

(em virtu<strong>de</strong> das férias individuais dos magistrados!, <strong>de</strong>legou aos tribunais a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação,<br />

por m eio <strong>de</strong> plantões judiciais <strong>de</strong> fin al <strong>de</strong> ano, a concretização <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>manda <strong>constitucional</strong>. Ocorre, porém,<br />

que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u, por unanimida<strong>de</strong>, a eficácia da citada Resolução n a 24/06 (AD I<br />

3823, Rei. Min. Carmem Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 6-12-2006). Em face disso, o CNJ editou a Resolução na 28, em 18<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2006, revogando a Resolução n a 24/06 e repristinando o inteiro teor da Resolução n a 03/05.<br />

2 SANTOS, Nelton dos. C ó d ig o d e p ro c e s s o c iv il in t e r p r e t a d o . 2. ed. Coor<strong>de</strong>nação Antônio Carlos Marcato. São<br />

Paulo: Atlas 2005, p. 491.<br />

3 N o STF: 2a T. - A g. R eg .n o Agravo <strong>de</strong> Instrumento 507.423-1/ A lagoas- D i á r i o d a J u s tiç a , 26-10-2004, Rei.<br />

Min. Joaquim Barbosa, em relação ao provim ento 18/2000 do Estado <strong>de</strong> Alagoas; I a T. - A g . Reg. no A gravo <strong>de</strong><br />

Instrumento 480.026-6/ São Paulo - D J , 5-10-2004, Rei. Min. Sepúlveda Pertence - provim ento do Conselho<br />

Superior da Magistratura <strong>de</strong> São Paulo; no STJ: Resp. na 49014-2 - 4â T., <strong>de</strong>cisão: 4 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005; Resp.<br />

na 193.977- RJ - 4a T., tendo neste último o Ministro Fernando Gonçalves ressaltado, em <strong>de</strong>cisão recente <strong>de</strong> 16<br />

<strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2004, que, segundo entendim ento das Túrmas que compõem a Segunda Seção, os prazos po<strong>de</strong>m<br />

ser suspensos durante o recesso forense, assemelhado ao que ocorre nos feriados forenses. Inúmeras outras<br />

<strong>de</strong>cisões do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça igualam, para efeitos processuais, o re c e s s o f o r e n s e com os f e r ia d o s<br />

fo re n s e s estabelecidos em lei, e n ã o v e d a d o s p e la E C n ° 4 5 / 0 4 , como se constata nos A gravos Regimentais nos<br />

Agravos <strong>de</strong> Instrumentos na 0163895-5, 5a T. - Rei. Min. Laurita Vaz, <strong>de</strong>cidido em I a <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2005 e na<br />

59153-9, I a T. - Rei. Min. Denise Arruda.


5 6 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Dessa forma, é possível, excepcionalmente, a regulamentação do expediente forense<br />

no período natalino (recesso <strong>de</strong> fim <strong>de</strong> ano), que não se confun<strong>de</strong> com as extintas férias coletivas,<br />

e, consequentemente, não encontra vedação na Resolução ns 3do Conselho Nacional<br />

<strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a ativida<strong>de</strong> jurisdicional não sofra interrupções e os respectivos<br />

tribunais garantam o atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, através <strong>de</strong><br />

sistema <strong>de</strong> plantões.<br />

Nesse sentido, o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça expediu regulamentação sobre o expediente<br />

forense no período natalino, editando a Resolução ne 8, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005.<br />

O CNJ autorizou os Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos Estados, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberações <strong>de</strong> seus<br />

órgãos competentes, a suspen<strong>de</strong>r o expediente forense no período <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro a 6<br />

<strong>de</strong> janeiro, garantindo o atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, através <strong>de</strong><br />

sistema <strong>de</strong> plantões, a serem fiscalizados pelos respectivos órgãos (art. l e).<br />

A resolução ainda prevê que a <strong>de</strong>liberação que aprovar a suspensão do expediente<br />

forense suspen<strong>de</strong>rá, igualmente, os prazos processuais e a publicação <strong>de</strong> acórdãos, sentenças<br />

e <strong>de</strong>cisões, bem como a intimação <strong>de</strong> partes ou advogados, na primeira e segunda<br />

instâncias, exceto com relação às medidas consi<strong>de</strong>radas urgentes (art. 22) .<br />

Os Tribunais <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>verão regulamentar o funcionamento <strong>de</strong> plantões judiciários,<br />

<strong>de</strong> modo a garantir o caráter ininterrupto da ativida<strong>de</strong> jurisdicional (art. 22, parágrafo<br />

único). Por fim, a suspensão não obsta a prática <strong>de</strong> ato processual <strong>de</strong> natureza urgente e<br />

necessário à preservação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, nem impe<strong>de</strong> a realização <strong>de</strong> audiência e <strong>de</strong> sessão <strong>de</strong><br />

julgamento já <strong>de</strong>signadas até a data <strong>de</strong> publicação da Resolução 8/2005 (art. 3°).<br />

Em relação aos parâmetros mínimos a serem observados na regulamentação da prestação<br />

jurisdicional ininterrupta, por meio <strong>de</strong> plantão permanente, o CNJ estabeleceu as seguintes<br />

regras mínimas: (I) funcionamento em ambos os graus <strong>de</strong> jurisdição, e em todos os períodos<br />

em que não haja expediente normal, assim alcançando feriados, fins <strong>de</strong> semana e dias<br />

úteis fora do horário <strong>de</strong> atendimento ordinário; (II) previsão <strong>de</strong> cláusula geral que autorize<br />

o plantonista a avaliar urgência que mereça atendimento, mesmo fora <strong>de</strong> rol casuístico que<br />

se tenha estabelecido das matérias passíveis <strong>de</strong> apreciação no plantão, necessariamente<br />

vinculadas a tutelas ou medidas prementes, logo que examinadas remetidas ao juiz natural;<br />

(III) prévia e periódica divulgação dos locais <strong>de</strong> funcionamento do plantão, da forma <strong>de</strong><br />

acesso e contato com o plantonista e da escala, elaborada com base em critérios objetivos e<br />

impessoais, <strong>de</strong> quem exercerá essa função, inclusive com inserção nos sites dos Tribunais e<br />

comunicação, sem prejuízo da solicitação para a participação respectiva, quando o caso, ao<br />

Ministério Público, OAB, Defensoria Pública, Secretaria <strong>de</strong> Segurança ou chefia das Polícias.<br />

4.6 Escolha dos membros dosTribunais Superiores<br />

São Tribunais Superiores o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

o Tribunal Superior Eleitoral, o Superior Tribunal Militar e o Tribunal Superior do<br />

Trabalho.<br />

A regra <strong>constitucional</strong> do art. 94, que <strong>de</strong>termina a composição <strong>de</strong> um quinto dos<br />

lugares dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e Territórios para membros do Ministério Público, com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> carreira, e<br />

<strong>de</strong> advogados <strong>de</strong> notório saber jurídico e <strong>de</strong> reputação ilibada, com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong><br />

efetiva ativida<strong>de</strong> profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos <strong>de</strong> representação


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 6 5<br />

das respectivas classes, não se aplica aos Tribunais Superiores, pois cada um <strong>de</strong>les possui<br />

regras próprias <strong>de</strong> composição e investidura.<br />

4.6.1 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (art. 101 da CF)<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compõe-se <strong>de</strong> 11 membros,1divididos em duas Turmas,<br />

que se encontram no mesmo plano hierárquico, com cinco membros cada uma, uma vez<br />

que seu Presi<strong>de</strong>nte apenas participa das sessões plenárias.12<br />

No Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não existe divisão preestabelecida para a <strong>de</strong>terminação<br />

das 11 vagas <strong>de</strong> ministros que são <strong>de</strong> livre nomeação do Presi<strong>de</strong>nte da República, após<br />

aprovação por maioria absoluta dos membros do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República, presentes os requisitos constitucionais para investidura,<br />

escolhe livremente o candidato, que será sabatinado pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>vendo ser<br />

aprovado pela maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros (art. 52, III, a, e art. 101, parágrafo<br />

único, ambos da CF), para po<strong>de</strong>r ser nomeado pelo Chefe do Executivo.3<br />

Aposse será dada pelo Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e acarretará imediata<br />

vitalicieda<strong>de</strong>.<br />

São requisitos para a escolha dos 11 ministros do STF:<br />

• ida<strong>de</strong>: 35 a 65 anos;<br />

• ser brasileiro nato (CF, art. 12, § 3e, IV);<br />

• ser cidadão (gozo dos <strong>direito</strong>s políticos);<br />

• notável saber jurídico e reputação ilibada.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, portanto, não exige para seus membros a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

do bacharelado em Ciências Jurídicas,4 e tampouco que seus membros sejam provenientes<br />

da magistratura,5 apesar da obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> notável saber jurídico.<br />

1 Rodolfo <strong>de</strong> Camargo Mancuso faz interessante análise sobre o aumento do número <strong>de</strong> membros do STF, sob o<br />

argumento <strong>de</strong> excesso no volume <strong>de</strong> trabalho, mas com reais intenções políticas. O autor posiciona-se contra essa<br />

possibilida<strong>de</strong> (R e c u r s o e x t r a o r d in á r io e r e c u r s o e s p e c ia l. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 68-72).<br />

2 MENDES, G ilm ar Ferreira. J u r is d iç ã o ... Op. c it p. 21; SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Curso d e d ir e it o<br />

c o n s t it u c io n a l. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 242.<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. C o m e n t á r io s ... Op. cit. p. 486.<br />

4 Nesse mesmo sentido: FIÚZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. D ir e it o c o n s t it u c io n a l c o m p a r a d o . 3. ed. Belo H o­<br />

rizonte: Del Rey, 1997. p. 205. Em sentido contrário, M anoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que “ é certo que a<br />

melhor interpretação, conform e a lição <strong>de</strong> Pedro Lessa, era a que via implícita a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saber jurídico,<br />

dada anatureza das funções”, que porém afirm a que, “ hoje, indubitavelmente, não po<strong>de</strong>rá fazer parte do Supremo<br />

quem não for graduado em Direito” (FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. C o m e n t á r io s ... Op. cit, p. 486).<br />

Também M ichel Tem er ensina que “a Constituição alu<strong>de</strong> a notável saber jurídico. Haverá <strong>de</strong> ser bacharel em<br />

Direito? Indubitavelmente, sim. Só po<strong>de</strong> notabilizar-se na área jurídica aquele que nela <strong>de</strong>sempenhar ativida<strong>de</strong>s<br />

durante o processo” (E le m e n to s ... Op. cit. p. 165).<br />

5 FERREIRA, Pinto. C o m e n t á r io s ... Op. d t v. 4, p. 89. Fernando Whitaker da Cunha enten<strong>de</strong> que “seria <strong>de</strong>sejá<br />

vel, também, que no plano fe<strong>de</strong>ral, o Supremo Tribunal <strong>de</strong>veria ter um m ínim o <strong>de</strong> cinco juizes <strong>de</strong> carreira”<br />

( D i r e i t o ... Op. cit. p. 296).


5 6 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, diferentemente do Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral alemão e do Tribunal<br />

Constitucional português, o STF não po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado um Tribunal composto somente<br />

<strong>de</strong> “homens da lei”.<br />

A ausência <strong>de</strong> exigência <strong>de</strong> formação jurídica para os Ministros do STF é uma tradição<br />

<strong>constitucional</strong> brasileira, que no final do século XIX chegou a seus extremos <strong>de</strong> exagero,<br />

<strong>de</strong>monstrando a pouca importância institucional dada à época ao Tribunal.1 A 21-10-1893,<br />

foi nomeado para Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, durante o recesso parlamentar,<br />

na vaga do Ministro Barradas, o médico clínico Cândido Barata Ribeiro, que tomou posse e<br />

exerceu o cargo durante quase um ano (25-11-1893-29-9-1894), enquanto se aguardava<br />

a confirmação <strong>de</strong> sua nomeação pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, que afinal a rejeitou.<br />

Como <strong>de</strong>stacado por Lêda Rodrigues,<br />

“ao negar, em sua sessão <strong>de</strong> 22 <strong>de</strong> setembro, a aprovação à nomeação <strong>de</strong> Barata<br />

Ribeiro para o cargo <strong>de</strong> Ministro do STF, consagrou o Senado a interpretação <strong>de</strong><br />

q ue o notável saber refere-se a conhecimentos jurídicos; não basta ser diplomado<br />

em <strong>direito</strong>, mas é essencial ser notável pelo conhecimento das matérias que constituem<br />

as funções do Supremo Tribunal”.12<br />

Enten<strong>de</strong>mos que alterações na forma <strong>de</strong> investidura dos membros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral seriam importantes para a preservação <strong>de</strong> sua legitimida<strong>de</strong> e a ampliação<br />

<strong>de</strong> sua in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong>, tornando-o, efetivamente, um dos órgãos <strong>de</strong><br />

direção do Estado.3<br />

Entre essas modificações, a exigência do notável saber jurídico <strong>de</strong>veria ser substituída<br />

pela presença <strong>de</strong> requisitos capacitários4 relacionados ou à qualificação profissional <strong>de</strong><br />

bacharel em Direito, com o exercício <strong>de</strong> no mínimo 10 anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> profissional como<br />

advogado, membro do Ministério Público, magistrado, ou à qualificação <strong>de</strong> jurista, comprovada<br />

pelo título <strong>de</strong> doutor em Direito, <strong>de</strong>vidamente reconhecido pelo Po<strong>de</strong>r Público.5<br />

4.6.2 Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (art. 104 da CF)<br />

Existem regras pré-<strong>de</strong>terminadas para a escolha <strong>de</strong> seus Ministros, aplicando-se a<br />

regra do que po<strong>de</strong>riamos chamar <strong>de</strong> 1/3 <strong>constitucional</strong>.<br />

1 Consultar o excelente relato histórico e político <strong>de</strong> Emilia V iotti da Costa (O S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra l e a<br />

c o n s t r u ç ã o d a c id a d a n ia . São Paulo: Ieje, 2001).<br />

2 Cf. RODRIGUES, Lêda Boechat. H is t ó r ia ... O p. cit. 1. 1, p. 46.<br />

3 C f. nosso J u r is d iç ã o c o n s t it u c io n a l e t r ib u n a is constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 286 ss.<br />

4 Conferir crítica <strong>de</strong> Pontes <strong>de</strong> M iranda em relação ao requisito do “notável saber ju rídico" (C o m e n t á r io s à<br />

C o n s t it u iç ã o d e 1 9 4 6 . R io <strong>de</strong> Janeiro: Henrique Cahem, 1947. v. 2, p. 186).<br />

5 C om o salientado por A n tônio Araújo, ao analisar sem elhante problem ática no Tribunal Constitucional<br />

Português, “ a exigência <strong>de</strong> form ação jurídica não oferece dúvidas, aten<strong>de</strong> a natureza da competência do TC e,<br />

acim a <strong>de</strong> tudo, o tecnicismo das matérias sobre que inci<strong>de</strong> o ju ízo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”, concluindo que “a<br />

simbiose entre juristas <strong>de</strong> origem e percursos profissionais diversos tem sido apontada por vários ju izes como<br />

um dos aspectos mais positivos da vivência quotidiana do Tribunal” (O t r ib u n a l... Op. cit. p. 50).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 6 7<br />

O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça compõe se d e, no mínimo, 33 ministros escolhidos pelo<br />

Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, porém não livremente, pois, obrigatoriamente, <strong>de</strong>verão ser:<br />

• 1/3 <strong>de</strong> juizes dos TRFs (Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais);<br />

• 1/3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargadores dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça Estaduais;<br />

• 1/3 divididos da seguinte maneira:<br />

• 1/6 <strong>de</strong> advogados;<br />

• 1/6 <strong>de</strong> membros do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, Estaduais e Distrital.<br />

Nocasodos juizes dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e Tribunais <strong>de</strong> Justiça Estaduais,<br />

o próprio Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça elaborará lista tríplice, livremente, e a enviará para<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República. Ressalte-se que, para a investidura no cargo <strong>de</strong> Ministro do STJ<br />

em vaga <strong>de</strong>stinada aos juizes dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais ou aos Desembargadores<br />

dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, não se exige que o nomeado pertença originariamente à classe da<br />

magistratura, permitindo-se, portanto, que tenha ingressado nesses tribunais pela regra<br />

do quinto <strong>constitucional</strong> prevista no art. 94 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

Conforme afirmou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a distinção entre Desembargadores<br />

egressos da magistratura ou do quinto <strong>constitucional</strong> (Ministério Público/Advocacia) “implicaria<br />

‘<strong>de</strong>sonomia’, ao se permitir a criação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargadores e juizes <strong>de</strong> 2 categorias”,<br />

enfatizando, ainda, “que, quando alçandos a magistratura pelo quinto <strong>constitucional</strong>,<br />

tornar-se-iam magistrados, com todos os <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong>veres e incompatibilida<strong>de</strong>s. Assim,<br />

inviável estabelecer restrição, por meio <strong>de</strong> interpretação <strong>constitucional</strong> entre magistrados,<br />

tendo em conta sua origem”.12<br />

No caso, porém, dos advogados e membros do Ministério Público, serão preparadas<br />

listas sêxtuplas por cada instituição, que as encaminhará ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

que elaborará lista tríplice a ser encaminhada ao Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, conforme será<br />

estudado no Capítulo 10, sobre o Ministério Público.<br />

São requisitos para o cargo <strong>de</strong> Ministro do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça:<br />

a. ida<strong>de</strong>: 35 a 65 anos;<br />

b. ser brasileiro nato ou naturalizado;<br />

c. notável saber jurídico e reputação ilibada.<br />

Em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise dos requisitos subjetivos para escolha do terço<br />

<strong>constitucional</strong> dos advogados para o STJ, a 2a Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu,<br />

1 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o STF: “Para a investidura no cargo <strong>de</strong> Ministro do STJ em vaga <strong>de</strong>stinada aos juizes<br />

dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais (CF, art. 104, parágrafo único, I), não se exige que o nom eado pertença originariam<br />

ente à classe da magistratura. Com esse entendimento, o Tribunal in<strong>de</strong>feriu mandado <strong>de</strong> segurança<br />

im petrado pela Associação dos Juizes Fe<strong>de</strong>rais do Brasil (AJU FE) contra ato do Presi<strong>de</strong>nte da República que<br />

indicara, para o cargo <strong>de</strong> M inistro do STJ, ju iz que ocupava vaga no TRF <strong>de</strong>stinada a advogados” (STF - Pleno<br />

- MS na 23.445/DF - Rei. Min. Néri da Silveira, <strong>de</strong>cisão: 18-11-99. Informativo STFn2 171).<br />

2 STF - Pleno - ADI 4087/DF - Rei. Min. LuizFux, R ed.p/AcórdãoM in. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 10-11-2011.


5 6 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

por maioria <strong>de</strong> votos C3 x 2),1pela possibilida<strong>de</strong> do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça recusar<br />

lista sêxtupla encaminhada pela Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil para preenchimento<br />

do 1/3 <strong>constitucional</strong> daquela Corte, quando nenhum dos candidatos obtém a votação<br />

regimental mínima para a<strong>de</strong>ntrá-la e, consequentemente, ser submetido à escolha do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República para o preenchimento da vaga.12<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República escolhe o candidato, <strong>de</strong>ntro das listas tríplices a ele apresentadas.<br />

Este será sabatinado pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, conforme ocorre com os candidatos a<br />

Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Somente se aprovado, nos termos da EC ne 45/04,3<br />

pela maioria absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral é que po<strong>de</strong>rá ser nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República.<br />

Anote-se, para melhor entendimento do tema, que o art. 27 do Ato das Disposições<br />

Constitucionais Transitórias regulamentou a transição entre a Constituição anterior e a<br />

nova, em relação à extinção do antigo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos e a criação do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>terminando que esse fosse instalado sob a presidência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Além disso, a Constituição previu que, até que se instalasse o Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral exercería suas atribuições e competências<br />

<strong>de</strong>finidas na or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> prece<strong>de</strong>nte.<br />

Destaque-se que a composição inicial do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça foi <strong>de</strong>finida<br />

mediante dois critérios: pelo aproveitamento dos Ministros do Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos<br />

e pela nomeação dos Ministros que sejam necessários para completar o número<br />

estabelecido na Constituição.<br />

Por fim, nos termos da EC nQ45/04, funcionarão junto ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

a Escola Nacional <strong>de</strong> Formação e Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Magistrados, cabendo-lhe, <strong>de</strong>ntre<br />

outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira<br />

e o Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa<br />

e orçamentária da Justiça Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> primeiro e segundo graus, como órgão<br />

central do sistema e com po<strong>de</strong>res correicionais, cujas <strong>de</strong>cisões terão caráter vinculante.<br />

4.6.3 Tribunal Superior Eleitoral (art. 118 da CF)<br />

Apesar da inaplicabilida<strong>de</strong> da regra do 1/5 <strong>constitucional</strong>, existem regras pre<strong>de</strong>terminadas<br />

sobre a composição do TSE.<br />

O TSE é composto por sete Juizes, sendo:<br />

a. três juizes entre os Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

b. dois juizes entre os Ministros do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça;<br />

c. dois juizes entre advogados <strong>de</strong> notável saber jurídico e idoneida<strong>de</strong> moral.<br />

1 Votaram a favor da possibilida<strong>de</strong> os Ministros Eros Grau, Cezar Peluso e EUen Gracie; e contra, os Ministros<br />

Celso <strong>de</strong> M ello e Joaquim Barbosa.<br />

2 STF - 2a T. - RMS 27920/DF - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 6-10-2009. Informativo STF n2 562.<br />

3 A redação original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (a rt. 104, parágrafo único, CC, art. 471 exigia m aioria simples.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 6 9<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral somente exige requisitos especiais para os dois juizes pertencentes<br />

à advocacia, uma vez que os outros são membros do STF e do STJ: notável saber<br />

jurídico e idoneida<strong>de</strong> moral.<br />

A nomeação, em relação aos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong>correrá <strong>de</strong> eleição mediante voto secreto, nos próprios Tribunais,<br />

para escolha dos juizes eleitorais.<br />

Em relação aos dois juízes/advogados, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral elaborará lista<br />

sêxtupla e a encaminhará ao Presi<strong>de</strong>nte da República, que nomeará dois, não havendo<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Obrigatoriamente o Presi<strong>de</strong>nte e Vice presi<strong>de</strong>nte do TSE serão ministros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, eleitos pelos sete juizes eleitorais, e o Corregedor Eleitoral será Ministro<br />

do STJ, igualmente eleito (art. 119, parágrafo único, da CF).<br />

4.6.4 Tribunal Superior do Trabalho (art. 111-A da CF)<br />

A EC ne 45/04 alterou as regras para a composição do Tribunal Superior do Trabalho<br />

(artigo 111-A), sendo que a partir da EC ne 24, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, não mais há<br />

participação classista temporária nesse ramo <strong>de</strong> justiça especializada.1<br />

O TST compõe-se <strong>de</strong> 27 Ministros, escolhidos <strong>de</strong>ntre brasileiros com mais <strong>de</strong> 35 e<br />

menos <strong>de</strong> 65 anos, nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República após aprovação pela maioria<br />

absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral, sendo:<br />

• um quinto <strong>de</strong>ntre advogados com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional<br />

e membros do Ministério Público do Trabalho com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />

efetivo exercício, observado o disposto no art. 94;<br />

os <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>ntre juizes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura<br />

da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.<br />

São requisitos para pertencer ao TST:<br />

a) ida<strong>de</strong>: 35 a 65 anos;<br />

b) ser brasileiro nato ou naturalizado.<br />

Nahipótesedo quinto <strong>constitucional</strong>, encaminhada a lista tríplice e presentes os requisitos<br />

<strong>constitucional</strong>, o Presi<strong>de</strong>nte da República escolherá o candidato a Ministro do TST, que<br />

será sabatinado pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral. Em relação aos <strong>de</strong>mais membros, pertencentes aos<br />

quadros dos Tribunais Regionais do Trabalho, a EC ne 45/04, diferentemente da redação<br />

original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não previu a elaboração <strong>de</strong> lista tríplice pelo TST, mas sim<br />

<strong>de</strong> indicação pelo próprio Tribunal Superior do Trabalho diretamente ao Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 Observe-se que o art. 2a da EC n° 24, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 1999, assegurou o cumprimento dos mandatos<br />

dos atuais ministros classistas temporários do Tribunal Superior do Trabalho e dos atuais juizes classistas temporários<br />

dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Juntas <strong>de</strong> Conciliação e julgamento, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

da manutenção da parida<strong>de</strong> entre representantes <strong>de</strong> em pregados e empregadores.


5 7 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em ambas as hipóteses, somente se aprovado pela maioria absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

o indicado po<strong>de</strong>rá ser nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República.1<br />

Por fim, ressalte-se que, nos termos da EC ne 45/04, funcionarão junto ao Tribunal<br />

Superior do Trabalho a Escola Nacional <strong>de</strong> Formação e Aperfeiçoamento <strong>de</strong> Magistrados<br />

do Trabalho, cabendo-lhe, <strong>de</strong>ntre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o<br />

ingresso e promoção na carreira e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-<br />

-lhe exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e<br />

patrimonial da Justiça do Trabalho <strong>de</strong> primeiro e segundo graus, como órgão central do<br />

sistema, cujas <strong>de</strong>cisões terão efeito vinculante.<br />

4.6.5 Superior Tribunal Militar (art. 123 da CF)<br />

São previstas regras especiais, que, igualmente, não consagram a regra genérica do<br />

1/5 (quinto) <strong>constitucional</strong>.<br />

O Superior Tribunal Militar compor-se-á <strong>de</strong> 15 Ministros, sendo 10 militares12 e cinco<br />

civis, da seguinte maneira:<br />

a. três entre oficiais-generais da Marinha, da ativa e do posto mais elevado da<br />

carreira;<br />

b. quatro entre oficiais-generais do Exército, da ativa e do posto mais elevado da<br />

carreira;<br />

c. três entre oficiais-generais da Aeronáutica, da ativa e do posto mais elevado da<br />

carreira;<br />

d. cinco civis, sendo três advogados, um juiz auditor e um membro do Ministério<br />

Público Militar.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral somente prevê requisitos especiais para os ministros civis,<br />

quais sejam:<br />

a. ida<strong>de</strong>: maior <strong>de</strong> 35 anos;<br />

b. ser brasileiro nato ou naturalizado;<br />

1 A redação original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (art. 111, § I a cc, art. 47) exigia m aioria simples do Senado para<br />

aprovação dos indicados ao cargo <strong>de</strong> Ministro do Tribunal Superior do H abalho.<br />

2 Conforme <strong>de</strong>cidiu o STF, “ a teor do disposto no artigo 123 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Superior Tribunal Militar<br />

há <strong>de</strong> estar composto por quinze ministros vitalícios, sendo as vagas <strong>de</strong>stinadas aos militares, em núm ero <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>z, preenchidas por oficiais generais. As <strong>de</strong>mais, ao menos neste prim eiro exam e assim é dado concluir, <strong>de</strong>vem<br />

estar ocupadas por civis, tomado o vocábulo no sentido estrito. Ora, em bora profissional da advocacia, o indicado<br />

mediante a Mensagem na 459, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1998, do Excelentíssimo Senhor Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

ao Senado Fe<strong>de</strong>ral, ostenta a qualificação <strong>de</strong> militar, porquanto, ao passar para a reserva, manteve a respectiva<br />

patente” (STF - Pleno - MS n° 23.138-9/DF -m e d id a lim in a r- Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção<br />

1 ,19 m aio 1998, p. 7). N o m érito, <strong>de</strong>cidiu o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ nom eação <strong>de</strong><br />

quem, em bora inscrito na OAB, <strong>de</strong>tenha a patente <strong>de</strong> tenente-coronel, já que, nos termos do inciso II d o § 3° do<br />

art. 142 da CF (EC 18/98), o m ilitar não será afastado <strong>de</strong>finitivam ente das Forças Armadas quando tomar posse<br />

em cargo ou em prego civil permanente (Informativo STF na 170).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 7 1<br />

c. notório saber jurídico e conduta ilibada, no caso das vagas para três advogados;<br />

d. <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional, igualmente, no caso das vagas para<br />

os três advogados.<br />

Importante ressaltar que nas vagas dos quinze ministros escolhidos entre oficiais das<br />

Forças Armadas, seguem-se os requisitos necessários para que atinjam a patente <strong>de</strong> oficiais-<br />

-generais, entre eles, serem brasileiros natos (art. 12, § 3a, VI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República, livremente, ou seja, não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lista tríplice<br />

ou sêxtupla, apontará o candidato, respeitada a proporção <strong>constitucional</strong>, que será sabatinado<br />

pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral. Após a aprovação, por maioria simples, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República o nomeará.<br />

4.7 Distribuição <strong>de</strong> competências jurisdicionais<br />

4.7.1 Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

Suas competências são <strong>de</strong>finidas nos arts. 102 a 103 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Doutrinariamente,<br />

po<strong>de</strong>mos dividir as principais competências do Pretório Excelso em dois<br />

gran<strong>de</strong>s grupos, conforme a maneira <strong>de</strong> acioná-lo: originária e recursal.<br />

O Supremo po<strong>de</strong> ser acionado diretamente, através das ações que lhe cabe processar<br />

e julgar originariamente. Nestes casos, o Tribunal analisará a questão em única instância<br />

(competência originária). Porém, igualmente, po<strong>de</strong>-se chegar ao STF através <strong>de</strong> recursos:<br />

ordinários ou extraordinários. Nestes casos, o Tribunal analisará a questão em última<br />

instância (competência recursal).<br />

A. C om petência originária<br />

A . l G eral<br />

A função precípua do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral é <strong>de</strong> Corte <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>,<br />

com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar o controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no Direito<br />

Brasileiro, ou seja, somente ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral compete processar e julgar as<br />

ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, genéricas ou interventivas, as ações <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão e as ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, com o intuito <strong>de</strong><br />

garantir a prevalência das normas constitucionais no or<strong>de</strong>namento jurídico. Dessa forma,<br />

propunha-se o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> justiça <strong>constitucional</strong> europeu, que se fundamenta essencialmente<br />

e em regra na noção <strong>de</strong> um Tribunal Constitucional, com competência específica<br />

para conhecer os litígios constitucionais.1<br />

Nos diversos or<strong>de</strong>namentos jurídicos, a jurisdição <strong>constitucional</strong> exerce quatro funções<br />

básicas: o controle da regularida<strong>de</strong> do regime <strong>de</strong>mocrático e do Estado <strong>de</strong> Direito;<br />

o respeito ao equilíbrio entre o Estado e a coletivida<strong>de</strong>, principalmente em proteção à<br />

1 SHCLAICH, Klaus (vários autores). Tribunales <strong>constitucional</strong>es europeos y <strong>de</strong>rechos fundamentales. Madri:<br />

Centro <strong>de</strong> Estúdios Constitucionales, 1984. p. 134.


572 Direito Constitucional • Moraes<br />

supremacia dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais; a garantia do bom funcionamento dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos e a preservação da separação dos Po<strong>de</strong>res; e finalmente, o controle da<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos.1<br />

A EC nfi 45/04 reforçou o papel do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no controle da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das leis e atos normativos, passando a enten<strong>de</strong>r como conflito <strong>de</strong> competência<br />

entre entes fe<strong>de</strong>rativos a recusa <strong>de</strong> cumprimento <strong>de</strong> execução <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral e, consequentemente,<br />

prevendo como competência do Pretório Excelso, e não mais do Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, o processo e julgamento <strong>de</strong> ações propostas pelo Procurador-Geral da República<br />

nessas hipóteses (CF, art. 36, III).<br />

A competência originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, conforme acentua Celso <strong>de</strong><br />

Mello,12 qualifica-se como “um complexo <strong>de</strong> atribuições jurisdicionais <strong>de</strong> extração essencialmente<br />

<strong>constitucional</strong>”, não comportando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extensão, que “extravasem<br />

os rígidos limites fixados em numerus clausus pelo rol exaustivo inscrito no art. 102,1, da<br />

Carta Política”.3<br />

Além <strong>de</strong>ssa competência, o Supremo também <strong>de</strong>ve processar e julgar originariamente<br />

os casos em que os <strong>direito</strong>s fundamentais das mais altas autorida<strong>de</strong>s da República estiverem<br />

sob ameaça ou concreta violação, ou quando estas autorida<strong>de</strong>s estiverem violando<br />

os <strong>direito</strong>s fundamentais dos cidadãos (CF, art. 102,1, d, ieq).<br />

Dessa forma, compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar, originariamente:<br />

• o habeas corpus, sendo paciente o Presi<strong>de</strong>nte da República, o Vice-presi<strong>de</strong>nte, os<br />

membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral<br />

da República, os Ministros <strong>de</strong> Estado, os membros dos Tribunais Superiores, os<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União e os chefes <strong>de</strong> missão diplomática <strong>de</strong> caráter<br />

permanente;<br />

• o mandado <strong>de</strong> segurança e o habeas data contra atos do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

das Mesas da Câmara dos <strong>de</strong>putados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral, do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• o habeas cor pus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o<br />

paciente for autorida<strong>de</strong> ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente<br />

à jurisdição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ou se trate <strong>de</strong> crime sujeito à mesma<br />

jurisdição em uma única instância;4<br />

• o mandado <strong>de</strong> injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for<br />

atribuição do Presi<strong>de</strong>nte da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos<br />

1 FAVOREU, Louis et al. Tribunales... Op. cit. p. 22-23.<br />

2 S T F -P e tiç ã o n e 1.026-4-Distrito Fe<strong>de</strong>ral,DJU, d e 31 m aio 1995, p. 15.855.<br />

3 KTJ 43/129; BTJ 44/563; KTJ 50/72; RTJ 53/776.<br />

4 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 22, <strong>de</strong> 18 <strong>de</strong> m arço <strong>de</strong> 1999. Conferir, sobre os reflexos <strong>de</strong>ssa<br />

alteração: Capítulo 4, itens 1.11; 1.13; 1.16.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 7 3<br />

Deputados, do Senado Fe<strong>de</strong>ral, das Mesas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas Casas Legislativas,<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, <strong>de</strong> um dos Tribunais Superiores ou do próprio<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Por fim, <strong>de</strong>ntro da competência originária, caberá ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar<br />

e julgar, originariamente:<br />

• nas infrações penais comuns, o Presi<strong>de</strong>nte da República, o Vice-presi<strong>de</strong>nte, os<br />

membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral<br />

da República. Nessas hipóteses, compete somente ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

“a condução do inquérito policial em que figuram como indiciados autorida<strong>de</strong>s<br />

com foro especial nesta Corte, não cabendo ao juízo <strong>de</strong> primeira instância a<br />

<strong>de</strong>cisão sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover o <strong>de</strong>smembramento”;1<br />

• nas infrações penais comuns12 e nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, os Ministros <strong>de</strong><br />

Estado3 e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (salvo nos<br />

casos <strong>de</strong> crimes conexos com o Presi<strong>de</strong>nte da República, conforme art. 52,1, da<br />

CF),4 os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União e<br />

os chefes <strong>de</strong> missão diplomática <strong>de</strong> caráter permanente;<br />

• as ações contra o Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça e contra o Conselho Nacional<br />

do Ministério Público. Ressalte-se, porém, ser <strong>de</strong> competência do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral o processo e julgamento dos membros <strong>de</strong> ambos o conselhos, nos<br />

crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 52, II, com a redação dada pela EC ns<br />

45/04).<br />

Em relação à competência penal originária do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> foros privilegiados em razão da dignida<strong>de</strong> da função, tratando-se <strong>de</strong> infração penal<br />

comum das autorida<strong>de</strong>s enumeradas supra, na vigência do mandato ou do cargo, seja ou<br />

não relacionada com o exercício das funções, enquanto durar o mandato ou o cargo, a<br />

competência será do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Observe-se que compete somente ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral “a condução do inquérito<br />

policial em que figuram como indiciados autorida<strong>de</strong>s com foro especial nesta Corte,<br />

1 STF - R ed. nD4.025/MT - Rei. Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>dsão: 16-5-2006. Informativo STF n2 427. Conferir,<br />

ainda: STF - R ed . n2 1.258/DF - R d . Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 6 fev. 2004.<br />

2 C on form e já analisado, a jurisprudência do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já se firm ou no sentido <strong>de</strong> que a<br />

locução <strong>constitucional</strong> crimes comuns, prevista no a rt 1 0 2 ,1, b, c, abrange todas as modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> infrações<br />

penais (RTJ 33/590; HC 69.344-RJ, Rei. Min. Néri da Silveira), esten<strong>de</strong>ndo-se, inclusive, aos dditos eleitorais<br />

(RTJ 63/1; Pet. 673-RJ, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello; Inq. 496-DF, Rei. Min. Umar G alvão), alcançando, até mesmo,<br />

as próprias contravenções penais (KTJ 91/423).<br />

3 Conform e salientou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “ a or<strong>de</strong>m jurídica em vigor não prevê, expressamente,<br />

suspensão do exercício das funções <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong>nunciados por crim e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, sem que<br />

verificada conexão com ato do Presi<strong>de</strong>nte da República” (Petição n2 1,392-0/RJ - m edida lim inar - Rei. Min.<br />

M arco Aurélio, D iário da Justiça, Seção I, 26nov. 1997, p. 61.736).<br />

4<br />

Redação dada pela EC n2 23, prom ulgada em 2-9-1999.


5 7 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

não cabendo ao juízo <strong>de</strong> primeira instância a <strong>de</strong>cisão sobre a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se promover<br />

o <strong>de</strong>smembramento”.1<br />

Porém, encerrado o exercício do mandato/cargo e, consequentemente, cessada a<br />

prerrogativa <strong>de</strong> foro, não mais subsistirá a competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para<br />

o processo e julgamento, uma vez que o próprio Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, cancelou a<br />

Súmula 39412 por enten<strong>de</strong>r que “o art. 102,1, b, da CF - que estabelece a competência do<br />

STF para processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, o Vice-Presi<strong>de</strong>nte, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros<br />

e o Procurador-Geral da República - não alcança aquelas pessoas que não mais exerçam<br />

mandato ou cargo”.3<br />

Dessa forma, não mais ocorrerá a perpetuação da competência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral para o processo e julgamento dos crimes comuns praticados pelas autorida<strong>de</strong>s<br />

previstas no art. 102,1, b e c, quando cessarem seus mandatos/cargos. Deixa, portanto, <strong>de</strong><br />

ter aplicação a regra da contemporaneida<strong>de</strong> da infração penal comum com o exercício do<br />

mandato/cargo e, consequentemente, <strong>de</strong>verão os autos ser remetidos à Justiça <strong>de</strong> I a grau.4<br />

As razões que levaram a Suprema Corte ao cancelamento da Súmula 394 foram<br />

trazidas no voto condutor do Ministro-relator Sydney Sanches, que expôs, ao analisar os<br />

efeitos da referida súmula: “Mas não se po<strong>de</strong> negar, por outro lado, que são eles trabalhosíssimos,<br />

exigindo dos Relatores que atuem como verda<strong>de</strong>iros Juizes <strong>de</strong> I a grau, à busca<br />

<strong>de</strong> uma instrução que propicie as garantias que justificaram a Súmula 394. Penso que,<br />

a esta altura, se <strong>de</strong>va chegar a uma solução oposta a ela, ao menos como um primeiro<br />

passo da Corte para se aliviar das competências não expressas na Constituição, mas que<br />

ela própria se atribuiu, ao interpretá-la ampliativamente e, às vezes, até, generosamente,<br />

sem paralelo no Direito comparado. Se não se chegar a esse entendimento, dia virá em<br />

1 STF - R ed . nQ4.025/MT - Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>dsão: 16-5-2006. Informativo STF n° 427. Conferir,<br />

ainda: STF - R ed . 1.258/DF - Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 6 fev. 2004.<br />

2 Súm ula 394 do STF - cancelada - “Com etido o crim e durante o exercício funcional, prevalece a competên-<br />

d a especial por prerrogativa <strong>de</strong> função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação<br />

daquele exercício.” O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral rejeitou a proposta do Min. Sepúlveda Pertence para a edição<br />

<strong>de</strong> nova súmula, a dizer que, “cometido o crime no exercício do cargo ou a pretexto <strong>de</strong> exercê-lo, prevalece a competência<br />

por prerrogativa <strong>de</strong>função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cassação daquele<br />

exercido funcional”. Vencidos, nesse ponto, os Ministros Nelson Jobim, lim ar G alvão e Néri da Silveira, que o<br />

acompanhavam para acolher a proposta <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> nova súmula (Informativo STF na 159).<br />

3 STF - Pleno - Inquérito na 687/SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Inquérito na<br />

881/MT - questão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Ações Penais n— 313/I)F, 315/DF, 319/<br />

DF, 656/AC - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rd. M oreira Alves, 25-8-1999 - todos no Informativo STF na 159. Conferir,<br />

ainda, nesse mesmo sentido: STF - Inquérito na 1.461-3/AL - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,8 set. 1999, p. 24; STF - Pleno - Ação Penal na 313-8/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - R d . Min. M oreira Alves,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,9 s e t 1999, capa; STF - Pleno - Ação Penal na 315-4/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - R d .<br />

Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,9 set. 1999, p. 2; STF - Pleno - Ação Penal n ° 319-7/DF - questão<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - R d . Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,9 s e t 1999, p. 2; STF - Inquérito n° 656-4/<br />

AC - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - R d . Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,9 set 1999, p. 2; STF - Inquérito nD<br />

8 8 1 -8/M T-q u estã o <strong>de</strong> o rd e m -R e i. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,9 set. 1999, p. 2.<br />

4 Nesse sentido: STF - Inquérito n a 2.252-7/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 25 maio<br />

2006, p. 8; STF - Inquérito na 2.277/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2006,<br />

Informativo STF na 428.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 7 5<br />

que o Tribunal não terá condições <strong>de</strong> cuidar das competências explícitas, com o mínimo<br />

<strong>de</strong> eficiência, <strong>de</strong> eficácia e <strong>de</strong> celerida<strong>de</strong>, que se <strong>de</strong>ve exigir das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> uma Suprema<br />

Corte. Os riscos, para a Nação, disso <strong>de</strong>correntes, não po<strong>de</strong>m ser subestimados e, a meu<br />

ver, hão <strong>de</strong> ser elevados em gran<strong>de</strong> conta, no presente julgamento.”1<br />

Importante ressaltar que o STF, por unanimida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cidiu pela plena valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

todos os atos praticados e <strong>de</strong>cisões proferidas com base na Súmula 394, ou seja, os efeitos<br />

da revogação da Súmula 394 do STF foram ex nunc, ou seja, não retroativos.12 Conforme<br />

<strong>de</strong>stacou o Ministro Sepúlveda Pertence, “por motivos <strong>de</strong> segurança jurídica, <strong>de</strong>cidiu,<br />

porém o Tribunal na linha <strong>de</strong> outras Cortes Constitucionais, a começar da Suprema<br />

Corte americana -, que, malgrado aplicável aos processos em curso, a nova orientação<br />

jurispru<strong>de</strong>ncial não gerará efeitos retroativos, <strong>de</strong>clarando-se válidos, em consequência,<br />

todas as <strong>de</strong>cisões proferidas e atos praticados anteriormente”.3<br />

Igualmente, haverá a aplicação da regra da atualida<strong>de</strong> do mandato/cargo em havendo<br />

a eleição ou investidura do investigado/réu durante o inquérito policial/ação penal,<br />

com sua respectiva diplomação ou posse, <strong>de</strong>vendo o caso ser imediatamente remetido ao<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,4 que prosseguirá com o feito.<br />

Anote-se, porém, que, se a infração penal comum tiver sido praticada pelo parlamentar,<br />

antes da diplomação, ou pelas <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s, antes da posse, e, tendo cessado o<br />

respectivo mandato ou exercício do cargo, o processo ainda não tiver sido encerrado, não<br />

haverá nada que justifique a continuida<strong>de</strong> da competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

pelo que os autos <strong>de</strong>verão retornar ao juízo <strong>de</strong> origem,5 pois nestes casos a competência<br />

da Corte Suprema somente persistirá enquanto o exercício do mandato ou do cargo perdurar<br />

(atualida<strong>de</strong>) .6<br />

A .2 C onflito <strong>de</strong> com petência<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> competência caberá ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, competindo-lhe<br />

julgar os conflitos <strong>de</strong> competência entre Tribunais Superiores, entre o Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça e quaisquer tribunais, ou entre estes e qualquer outro tribunal (CF, art. 102,1, o).<br />

Da mesma maneira, apesar da omissão do texto <strong>constitucional</strong>, compete ao próprio<br />

STF o julgamento <strong>de</strong> conflitos <strong>de</strong> competência envolvendo Tribunais Superiores e juizes<br />

vinculados a outros tribunais. Assim <strong>de</strong>cidiu o Pretório Excelso, analisando conflito <strong>de</strong><br />

competência entre juíza fe<strong>de</strong>ral e Tribunal Superior do Trabalho, on<strong>de</strong> afirmou que,<br />

“sendo o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça Tribunal Superior do mesmo nível dos <strong>de</strong>mais Tri­<br />

1 Trecho do voto do Ministro Sydney Sanches, na questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m do Inquérito n2 687/SP - I n f o r m a t iv o<br />

STF n2 159.<br />

2 STF - Pleno - Inquérito n° 687/SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Inquérito<br />

n° 881/MT - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sydney Sanches; STF - Pleno - Ações Penais n“ 313/DF, 315/DF,<br />

319/DF, 656/AC - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. M oreira Alves, 25-8-99 - I n f o r m a t iv o S T F n - 159.<br />

3 STF - Inquérito n ° 1.461-3/A L - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 8 set. 1999, p. 24.<br />

4 STF - Inquérito ne 159/SC - Rei. Min. Sydney Sanches, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 5 <strong>de</strong>z. 1986, p. 24.079.<br />

5 KTJ 121/423; 124/19.<br />

6 RT 624/413.


5 7 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

bunais Superiores, conflito <strong>de</strong> competência em que figure um <strong>de</strong>stes - no caso, o Tribunal<br />

Superior do Trabalho - só po<strong>de</strong>rá ser dirimido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que é hierarquicamente<br />

superior aos Tribunais Superiores, uma vez que a dirimência <strong>de</strong> conflito<br />

<strong>de</strong> competência cabe necessariamente a Tribunal hierarquicamente superior àquele (ou<br />

àqueles) que figure (ou figurem) como parte (ou partes) em conflito <strong>de</strong> competência”.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral somente não será competente para dirimir eventuais<br />

dúvidas sobre competência envolvendo o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e Tribunais Regionais<br />

Fe<strong>de</strong>rais ou Estaduais, pois, conforme seu entendimento, “o dissídio, em matéria<br />

<strong>de</strong> competência, entre o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e um Tribunal <strong>de</strong> segundo grau da<br />

justiça ordinária - não importando se fe<strong>de</strong>ral ou estadual -, é um problema <strong>de</strong> hierarquia<br />

<strong>de</strong> jurisdição e não <strong>de</strong> conflito: a regra que incumbe o STF <strong>de</strong> julgar conflitos <strong>de</strong> competência<br />

entre Tribunal Superior e qualquer outro Tribunal não <strong>de</strong>smente a verda<strong>de</strong> curial<br />

<strong>de</strong> que, on<strong>de</strong> haja hierarquia jurisdidonal, não há conflito <strong>de</strong> jurisdição”.12<br />

Em relação a conflito <strong>de</strong> atribuições entre Ministérios Públicos, o STF, alterando seu<br />

posicionamento anterior, solucionou lacuna legislativa no tocante à competência <strong>constitucional</strong><br />

para dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições entre Ministérios Públicos <strong>de</strong> Estados diversos<br />

ou entre membros <strong>de</strong> Ministério Público Estadual e <strong>de</strong> um dos ramos da União. Conforme<br />

<strong>de</strong>cidido, compete ao próprio STF “dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições entre os Ministérios Públicos<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Estadual, quando não configurado virtual conflito <strong>de</strong> jurisdição que, por<br />

força da interpretação analógica doart. 105,1, d, da CF, seja da competência do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça”.3<br />

Ressalte-se a inexistência <strong>de</strong> conflito <strong>de</strong> competência entre o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral e qualquer outro Tribunal, uma vez que é a própria Corte, que como guardiã da<br />

Constituição, <strong>de</strong>fine sua competência, através das chamadas reclamações, previstas no art.<br />

102,1, l, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Em relação à reclamação, faz-se necessário este breve registro do voto do Ministro<br />

Celso <strong>de</strong> Mello:<br />

“Todos sabemos que a reclamação, qualquer que seja a natureza jurídica que se<br />

lhe atribua - ação (Pontes <strong>de</strong> Miranda, Comentários ao código <strong>de</strong> processo civil,<br />

tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos<br />

RTJ 56/546-548; Alci<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Mendonça Lima, O po<strong>de</strong>r judiciário e a nova constituição,<br />

p. 80, 1989, Ai<strong>de</strong>), remédio incomum (Orosimbo Nonato, apud Cor<strong>de</strong>iro<br />

<strong>de</strong> Mello, O processo no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, v. 1/280), inci<strong>de</strong>nte processual<br />

(Moniz Aragão, A correição parcial, p. 110, 1969), medida <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual<br />

<strong>constitucional</strong> (José Fre<strong>de</strong>rico Marques, Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual civil, v. 3, 2-<br />

parte, p. 199, item n® 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou medida processual <strong>de</strong> caráter<br />

1 RTJ 159/780.<br />

2 STF - P le n o - CC nQ7.094-3/M A -Rei. M in. Sepú lvedaPerten ce-D idrioda Justiça, Seção 1 ,4m aio2001, p. 3.<br />

3 S T F -A C O 1109/SP, 1206/SP, 1241/SP, 1 2 5 0 / S P -R eL M in .E llen G racie, <strong>de</strong>cisão: 5-10-2011;S T F -P le n o<br />

- Pet. nQ3528/BA - Rei. Min. Marco A u rélio, <strong>de</strong>cisão: 28-9-2005. Informativo STF n° 403, p. 1; STF - Pleno -<br />

ACO 889/RJ - Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 11-9-2008; STF - Pleno - ACO 1213 AgR/SP, Rei. Min. Menezes<br />

Direito, 15-4-2009. No mesmo sentido, <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: 2a Seção - CAt 2 3 7 / P A - Rei.<br />

Min. Gilson Dipp, <strong>de</strong>cisão: 13-12-2010.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 7 7<br />

excepcional (Min. Djaci Falcão, R T J 112/518-522) configura instrumento <strong>de</strong><br />

extração <strong>constitucional</strong>, não obstante a origem pretoriana <strong>de</strong> sua criação (RTJ<br />

112/504), <strong>de</strong>stinado a viabilizar, na concretização <strong>de</strong> sua dupla função <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m<br />

político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autorida<strong>de</strong> das<br />

<strong>de</strong>cisões do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 102,1, 1) -” 1<br />

4.3 D e scu m p rlm e n to <strong>de</strong> p re c e ito c o n stitu cio n a l fu n d a m e n ta l<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental <strong>de</strong>corrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

na forma da lei.12<br />

A Lei na 9.882, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, disciplinou o processo e julgamento da<br />

arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, dando-lhe contornos absolutamente<br />

semelhantes às ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, razão pela qual esse tema<br />

será analisado no Capítulo 12, referente a Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>.<br />

4.4 P rin c íp io do Ju iz na tu ra l e ta x a tlvld a d e d a s p revisões co n stitu cio n a is d e p re r­<br />

ro g a tiva s d e foro - In co n stitu c io n a lid a d e da Lei n° 1 0 .6 2 8 , d e 2 4 <strong>de</strong> d e zem ­<br />

bro <strong>de</strong> 2 0 0 2 3<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> taxativida.<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> das competências originárias dos Tribunais<br />

Superiores nasceu com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> supremacia jurisdicional por meio do controle <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,4 ambas sendo firmadas no célebre caso Marbury v. Madison (1 Cranch<br />

137 - 1803), em histórica <strong>de</strong>cisão da Suprema Corte americana, relatada por seu Chief<br />

Justice John Marshall, que envolvia não só conflitos jurídicos, mas também políticos, pois<br />

1 Reclamação n° 511-9-Paraíba, D J U , <strong>de</strong> 24 out. 1994, p. 28.668.<br />

2 CF, art. 102, § I o com redação dada pela Emenda Constitucional n° 3 ,1 7 mar. 1993.<br />

3 O STF, por maioria, <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> a Lei n° 10.628/02 (STF - Pleno - Adin nQ2797/DF e Adin nQ<br />

2860/DF,Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2005- I n f o r m a t i v o S T F na 401,p. 1). O ministro-relator,<br />

Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> o § I o do art. 84 do CPP, “por consi<strong>de</strong>rar que o mesmo, além <strong>de</strong><br />

ter fe ito interpretação autêntica da Carta Magna, o que seria reservado à norm a <strong>de</strong> hierarquia <strong>constitucional</strong>,<br />

teria usurpado a com petência do STF com o guardião da Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao inverter a leitura por ele já<br />

feita <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong>, o que, se adm itido, im plicaria sujeitar a interpretação <strong>constitucional</strong> do STF ao<br />

referendo do legislador ordinário. Declarou, também, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do § 2a do art. 84 do CPP. Disse<br />

que esse parágrafo veiculou duas regras: a que esten<strong>de</strong> a com petência especial por prerrogativa <strong>de</strong> função para<br />

inquérito e ação penais à ação <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong> administrativa e a que manda aplicar, em relação à mesma ação<br />

<strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, a previsão do § I a do citado artigo. Esta última regra, segundo o relator, estaria atingida por<br />

arrastamento pela <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> já proferida. E a prim eira im plicaria <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> com ­<br />

petência originária não prevista no rol taxativo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Ressaltou que a ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong><br />

administrativa é <strong>de</strong> natureza civil, conform e se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do § 4a do art. 37 da CF e que o STF jamais enten<strong>de</strong>u<br />

ser competente para o conhecimento <strong>de</strong> ações civis, por ato <strong>de</strong> ofício, ajuizadas contra as autorida<strong>de</strong>s para cujo<br />

processo penal o seria” (STF - Pleno - ADI n° 2.797/DF e ADI n° 2860/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence -,<br />

I n f o r m a t iv o S T F na 362, p. 1).<br />

4 ABRAH AM , H enry J. A Corte Suprema n o evolutivo processo político. In : Vários autores. E n s a io s s o b r e a<br />

C o n s t it u iç ã o d os E s ta d o s U n id o s . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1978. p. 93. COOLEY, Thomas. P r in c íp io s<br />

g e ra is d e d ir e ito c o n s t it u c io n a l d o s Estados U n id o s d a A m é r ic a d o N o r t e . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1982. p. 142; BAUM, Lawrence. A S u p r e m a C o r t e a m e r ic a n a . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1987. p. 132.


578 Direito Constitucional • Moraes<br />

a Suprema Corte era composta majoritariamente <strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ralistas, enquanto o Congresso<br />

e o Executivo estavam sob o controle dos republicanos, que jamais aceitariam uma intervenção<br />

direta do Judiciário nos negócios políticos do Executivo.1<br />

Marbury havia sido nomeado em 1801, nos termos da lei, para o cargo <strong>de</strong> juiz <strong>de</strong><br />

paz no Distrito <strong>de</strong> Columbia, pelo então Presi<strong>de</strong>nte da República John Adams, do Partido<br />

Fe<strong>de</strong>ralista, que se encontrava nos últimos dias <strong>de</strong> seu mandato. Ocorre, porém, que<br />

não houve tempo hábil para que fosse dada a posse ao já nomeado Marbury, antes que<br />

assumisse a Presidência da República o republicano Thomas Jefferson. Este, ao assumir,<br />

<strong>de</strong>terminou que seu Secretário <strong>de</strong> Estado, Madison, negasse posse a Marbury, que por sua<br />

vez, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa ilegalida<strong>de</strong>, requereu à Suprema Corte um mandamus, para que o<br />

Secretário <strong>de</strong> Estado Madison fosse obrigado a dar-lhe posse.<br />

Marshall, <strong>de</strong> forma hábil, tratou o caso pelo ângulo da competência <strong>constitucional</strong><br />

da Suprema Corte Americana, analisando a incompatibilida<strong>de</strong> da Lei Judiciária <strong>de</strong> 1789,<br />

que autorizava o Tribunal a expedir mandados para remediar erros ilegais do Executivo,<br />

e a própria Constituição, que em seu artigo III, seção 2, disciplinava a competência originária<br />

da Corte.12<br />

Assim, apesar <strong>de</strong> a Corte ter entendido ser ilegal a conduta do Secretário <strong>de</strong> Estado<br />

Madison, enten<strong>de</strong>u, preliminar e prejudicialmente, que carecia <strong>de</strong> competência para<br />

emitir o mandado requerido, uma vez que as competências da Suprema Corte estariam<br />

taxativamente previstas pela Constituição, não po<strong>de</strong>ndo o Congresso Nacional, por meio da<br />

Lei Judiciária <strong>de</strong> 1789, ampliá-las.<br />

Esse posicionamento tem 200 anos na doutrina <strong>constitucional</strong> norte-americana e<br />

mais <strong>de</strong> 110 anos na doutrina e jurisprudência nacionais, pois, igualmente, foi consagrado<br />

no Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> nossos primeiros passos republicanos,3 pois o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que nasceu republicano com a Constituição <strong>de</strong> 1891 e com a função precípua,<br />

como salientado por Afonso Arinos, <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a Constituição em face, principalmente,<br />

do Po<strong>de</strong>r Legislativo, por meio da revisão da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis,4 jamais admitiu<br />

que o Congresso Nacional pu<strong>de</strong>sse alterar suas competências originárias por legislação<br />

ordinária, pois, como salientado por nossa Corte Suprema, seu “complexo <strong>de</strong> atribuições<br />

jurisdicionais <strong>de</strong> extração essencialmente <strong>constitucional</strong>, não comporta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

extensão, que extravasem os rígidos limites fixados em numerus clausus pelo rol exaustivo<br />

inscrito no art. 102,1, da Carta Política”.5<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, nos termos, respectivamente,<br />

dos arts. 102 e 105, somente po<strong>de</strong>rão processar e julgar, originariamente, as<br />

hipóteses previstas no texto <strong>constitucional</strong>, e entre elas não se encontram a hipótese <strong>de</strong><br />

improbida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong> altas autorida<strong>de</strong>s da República e a prorrogação daprerroga-<br />

1 Cf. MORAES, Alexandre d e Jurisdição <strong>constitucional</strong> e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000, p. 95 ss.<br />

2 HALL, Kerm it L. The Oxford gui<strong>de</strong> to United States Supreme Courts <strong>de</strong>cisions. N e w York: O xford University<br />

Press, 1999. p. 173; SWISHER, Carl Brent. Decisões históricas da Corte Suprema. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1962.<br />

p. 10-14; SCHW ARTZ, Bernard. Direito <strong>constitucional</strong> americano. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1966. p. 257.<br />

3 Conferir, nesse sentido, diversos julgamentos: RTJ 43/129, KTJ 44/563, BTJ 50/72, BTJ 53/776.<br />

4 M ELO FRANCO, Afonso Arinos. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> brasileiro. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1960, p. 98.<br />

5 STF - Petição n° 1.026-4/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,31 m aio 1995, p. 15855.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 79<br />

tiva <strong>de</strong> foro, após o término do exercido do cargo/mandato, seja p ara in fr a ç õ e s p e n a is , s eja<br />

p a ra atos d e im p r o b id a d e a d m in is tra tiv a .<br />

N o te -s e q u e a C o n s titu iç ã o F e d e ra l d e 1 988 n ã o in clu iu o ju lg a m e n to d a a ç ã o p o p u la r<br />

n a e s fe r a das a tr ib u iç õ e s ju r is d ic io n a is o r ig in á r ia s d a S u p re m a C o rte, c u ja c o m p e tê n ­<br />

c ia o r ig in á r ia n ã o as a b ra n g e , a in d a q u e p r o p o s ta s e m fa c e d o C o n g r e s s o N a c io n a l, d e<br />

M in is tr o s d e E s ta d o o u d o p r ó p r io P re s id e n te d a R e p ú b lic a . Essa te m s id o a o r ie n ta ç ã o<br />

ju r is p r u d e n c ia l d o S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l, ta n to sob a v ig e n t e C o n s titu iç ã o ,1 q u a n to<br />

sob a é g id e d a C a rta P o lític a a n te rio r.12<br />

A ssim , ap e sa r d e a C o n s titu iç ã o F e d e ra l p r e v e r a c o m p e tê n c ia o r ig in á r ia d o S u p re m o<br />

T rib u n a l F e d e ra l p a ra os fe it o s c rim in a is e m a n d a d o s d e s e g u ra n ç a e m r e la ç ã o às d iv e rs a s<br />

a u to rid a d e s , e m re la ç ã o às d e m a is a ç õ es p ro p o s ta s , in c lu s iv e a ç õ e s c iv is p ú b lica s 3 e a ç õ es<br />

p o r a to d e im p r o b id a d e ,4 c a re c e o P r e tó r io E x c e lso d e c o m p e tê n c ia , p o r fa lta d e p r e v is ã o<br />

e sp ecifica d o r o l ta x a t iv o d o art. 102 d a C a rta M a g n a .5<br />

A Lei n Q 1 0 .6 2 8 , d e 24 d e d e z e m b r o d e 2 0 0 2 , a lte r a n d o a r e d a ç ã o d o art. 8 4 d o C ó ­<br />

d ig o d e P ro c e s s o P e n a l, e s ta b e le c e u q u e a a ç ã o d e im p r o b id a d e e as a ç õ e s p en a is d e v e r ã o<br />

ser p ro p o s ta s p e r a n te o tr ib u n a l c o m p e te n te p a r a p r o c e s s a r e ju lg a r c r im in a lm e n te o<br />

fu n c io n á r io ou a u to r id a d e n a h ip ó te s e d e p r e r r o g a t iv a d e fo r o e m r a z ã o d o e x e r c íc io <strong>de</strong><br />

fu n çã o p ú b lic a .6<br />

1 Pet. 296-2, Rei. Min. Célio Borja, D J U , <strong>de</strong> 10 nov. 1988; Pet. 352-7, ReL Min. Sidney Sanches,DJt/, <strong>de</strong> 9 jun.<br />

1989; Pet. 431-1, Rei. Min. N éri da Silveira, D J U , <strong>de</strong> 10 ago. 1990; Pet 487-6, Rei. Min. M arco Aurélio, D J U , <strong>de</strong><br />

20 jun. 91; Pet. 682-MS, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D J U , <strong>de</strong> 9 fev. 1993; I n f o r m a t iv o S T F ns 73 - Pet. 1282-RJ,<br />

Rei. Sydney Sanches.<br />

2 Pet. 129-0, Rei. Min. M oreira Alves, D J U , <strong>de</strong> 25 fev. 1985. O STF reiterou esse posicionamento, após a <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei n - 10.628/2002. Conferir: STF - Pets. n25 3.033-8/SP, 3.047-8/DF,<br />

3.278-1/MA, 3.337-0/SC - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 6 out. 2005, p. 13 e 14; STF<br />

- Recls. n25 2.227-7/DF, 2.746-5/SC, 2.766-0/RN, 2.870-4/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a ,<br />

Seção 1,3 out. 2005, p. 9 e 10.<br />

3 STF - Pleno - A gravo regim ental em petição n 2 693-4/SP - Rei. Min. lim ar Galvão.<br />

4 STF - Inquérito nQ1202-5/CE - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 4 mar. 1997, p. 4.800,<br />

em que se salienta que, “ com o a alegação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa concerne à atuação do acusado como<br />

P refeito Municipal, observadas as form alida<strong>de</strong>s legais atinentes à espécie, competente para propor a ação <strong>de</strong><br />

im probida<strong>de</strong> administrativa é o Representante do M inistério Público Estadual, com atribuição específica, ou a<br />

Prefeitura <strong>de</strong> Acaraú (art. 17 da Lei 8.429). Obviamente, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não é o órgão competente<br />

para conhecer, inicialmente, <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, ainda que proposta contra quem <strong>de</strong>tenha<br />

atualmente o mandato <strong>de</strong> Deputado Fe<strong>de</strong>ral” .<br />

5 Nesse mesmo sentido, conform e <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em relação a <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais,<br />

“ a prerrogativa <strong>de</strong> foro, unicamente invocável nos procedimentos <strong>de</strong> caráter penal, não se esten<strong>de</strong> às causas <strong>de</strong><br />

natureza civil” (STF - 2- T. - Petição - A gravo Regim ental ne 1.738/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, I n f o r m a t iv o<br />

S T F n2 164). Ainda em relação a inquérito civil por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> se investigava senador da República,<br />

afirmou-se que “o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral firm ou entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial no sentido <strong>de</strong> que não<br />

possui competência originária para processar e julgar <strong>de</strong>terminadas causas tais com o ações populares, ações<br />

civis públicas... não obstante prom ovidas contra o Presi<strong>de</strong>nte da República ou contra o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara<br />

dos Deputados, ou ainda, contra qualquer dos agentes políticos ou autorida<strong>de</strong>s, que, em m atériapenal, dispõem<br />

<strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro perante essa Corte ou que, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, estão sujeitos à jurisdição<br />

im ediata <strong>de</strong>ste Tribunal” (STF - Pleno - A gravo regim ental em reclamação nQ1.110-1/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 7 <strong>de</strong>z. 1999, p. 58 e In f o r m a t iv o S T F n2 172).<br />

6 O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça aplicou a referida lei, enten<strong>de</strong>ndo que: “ o foro por prerrogativa <strong>de</strong> função é<br />

afastado quando o acusado <strong>de</strong>ixa o cargo que ensejou o foro privilegiado, mantido somente quando o crime se


580 Direito Constitucional * Moraes<br />

Observe-se, porém, que essa extensão <strong>de</strong> competência ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

para o processo e julgamento <strong>de</strong> ações penais e ações <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa fere<br />

frontalmente a <strong>de</strong>finição taxativa <strong>de</strong> competências da Corte Suprema prevista no artigo<br />

102 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>vendo, portanto, ser <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>.1<br />

A citada lei estabeleceu, ainda, que essa competência especial por prerrogativa <strong>de</strong><br />

função <strong>de</strong>verá prevalecer ainda que o inquérito ou a ação se iniciem após a cessação do<br />

exercício da função pública, revigorando a antiga regra da contemporaneida<strong>de</strong>fato/mandato<br />

prevista na Súmula 394 do STF, hoje cancelada. Essa perpetuação <strong>de</strong> competência,<br />

igualmente, fere a interpretação dada pelo STF à questão dos foros especiais e, consequentemente,<br />

<strong>de</strong>verá ser <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>.*12<br />

Dessa forma, não resta dúvidas sobre a flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei ne<br />

10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, que, alterando a redação do art. 84 do Código <strong>de</strong><br />

Processo Penal, estabeleceu que a ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong>verá ser proposta<br />

perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou<br />

autorida<strong>de</strong> na hipótese <strong>de</strong> prerrogativa <strong>de</strong> foro em razão do exercício <strong>de</strong> função pública,<br />

além <strong>de</strong> estabelecer a perpetuação <strong>de</strong> competência nas hipóteses <strong>de</strong> foro especial.3<br />

Essa extensão <strong>de</strong> competência ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e ao Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça, para o processo e julgamento <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa das autorida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>scritas nos arts. 102 e 105 da Carta Magna, fere, frontalmente, não sóoPrincípio<br />

do Ju iz Natural e uma das regras clássicas do Direito Constitucional (“Taxativida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong><br />

das competências da Corte Suprema), nascida em 1803, como também a pacífica<br />

interpretação do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral sobre a <strong>de</strong>finição taxativa <strong>de</strong> competências da<br />

Corte Suprema e do STJ, previstas nos arts. 102 e 105 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>vendo,<br />

portanto, ser <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>.4<br />

Eventual alteração <strong>de</strong>ssa regra, prevendo competência originária do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral e do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça para processo e julgamento <strong>de</strong> ações <strong>de</strong><br />

improbida<strong>de</strong> administrativa, bem como prorrogação da prerrogativa <strong>de</strong> foro após o final<br />

do cargo/mandato, seja no cível, seja no crime, somente po<strong>de</strong>rá ocorrer com expressa<br />

alteração <strong>constitucional</strong>, por meio <strong>de</strong> Emendas à Constituição, uma vezque o próprio Pretório<br />

Excelso somente admite a alteração <strong>de</strong> suas competências originárias pelo legislador<br />

consubstanciou em ato administrativo” (STJ - Corte Especial - A gR g na A ção Penal n° 313/PA - Rei. Min. Eliana<br />

Calmon, Diário daJustiça, Seção I, 3n ov. 2004, p. 114).<br />

1 Conform e entendimento pacífico do STF, suas competências originárias não com portam “ a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

extensão que extravasem os rígidos limites fixados em numerus clausus pelo rol exaustivo inscrito no art. 102,<br />

I, da Carta Política” (S TF - Petição n° 1.026 -4/D F-R ei. M in. C e ls o d e M e llo , Diário da Justiça, Seção 1,31 maio<br />

1995, p. 15.855). N o mesmo sentido: KTJ43/129; KTJ 44/563;RTJ50/72;RTJ53/776.<br />

2 Conferir a respeito o julgam ento da questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que cancelou a Súmula 394: STF - Plen o - Inquérito<br />

:y- 687/SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL Min. Sydney Sanches, Informativo STF n - 159.<br />

3 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o Ó rgão Especial do Tribunal d e Justiça do Estado d eS ã o Paulo, por votação unânime<br />

(TJ/SP - Órgão Especial - Ação Penal n° 065.288.0/9-00 - São Paulo - Rei. Des. Paulo Shintate, <strong>de</strong>cisão: 13-<br />

8-2003).<br />

4 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu, por unanimida<strong>de</strong>, o Ó rgão Especial do Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “os §§ 1° e 2° se referem a<br />

atos administrativos <strong>de</strong> agentes e à ação <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong> administrativa, heterotopicam ente tratados em norma<br />

processual penal, <strong>de</strong> form a in<strong>constitucional</strong>, por tratarem <strong>de</strong> m atéria <strong>de</strong> organização judiciária local, que não<br />

po<strong>de</strong> ser tratada por lei fe<strong>de</strong>ral, não se referindo a atos criminosos” (TJ/SP - Ó rgão Especial - Ação Penal n“<br />

065.288.0/9-00 - São Paulo - ReL Des. Paulo Shintate, <strong>de</strong>cisão: 13-8-2003).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 8 1<br />

constituinte <strong>de</strong>rivado,1sendo absolutamente vedado ao legislador ordinário ampliar as<br />

suas competências originárias.12<br />

Parece-nos que o próprio Congresso Nacional verificou essa obrigatorieda<strong>de</strong>, pois,<br />

<strong>de</strong>monstrando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração <strong>constitucional</strong>, o Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o<br />

Parecer n® 1.748, e, posteriormente, em dois turnos a Proposta <strong>de</strong> Emenda à Constituição<br />

n® 29, <strong>de</strong> 2000 (n® 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos Deputados), constante da Emenda n® 240,<br />

da Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados,<br />

para nova análise e eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado<br />

<strong>de</strong> 3/5. No texto aprovado, esten<strong>de</strong>-se o mesmo foro criminal especial por prerrogativa<br />

<strong>de</strong> função, previsto <strong>constitucional</strong>mente às diversas autorida<strong>de</strong>s, às ações <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong><br />

administrativa (criação do art. 97-A).<br />

O STF enten<strong>de</strong>u, em relação à cláusula <strong>de</strong> perpetuação <strong>de</strong> competência introduzida<br />

pelo § 1®, do art. 84, do CPP, que a alteração legislativa que teria feito “interpretação autêntica<br />

da Carta Magna, o que seria reservado à norma <strong>de</strong> hierarquia <strong>constitucional</strong>, usurpou<br />

a competência do STF como guardião da Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao inverter a leitura por ele<br />

já feita <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong>, o que, se admitido, implicaria submeter a interpretação<br />

<strong>constitucional</strong> do Supremo ao referendo do legislador ordinário”.<br />

Em relação ao § 2® do art. 84 do CPP, enten<strong>de</strong>u o STF que teria, o citado artigo,<br />

criado “nova hipótese <strong>de</strong> competência originária não prevista no rol taxativo da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral”, para concluir que “a ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa é <strong>de</strong> natureza<br />

civil, conforme se <strong>de</strong>preen<strong>de</strong> do § 4® do art. 37 da CF, e que o STF jamais enten<strong>de</strong>u ser<br />

competente para o conhecimento <strong>de</strong> ações civis, por ato <strong>de</strong> ofício, ajuizadas contra as<br />

autorida<strong>de</strong>s para cujo processo penal o seria”.3<br />

Da mesma forma in<strong>constitucional</strong> a Lei n® 10.628/02, ao esten<strong>de</strong>r as hipóteses <strong>de</strong><br />

foro especial dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça, pois, nos termos do art. 125, § 1®, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, a competência dos tribunais estaduais será <strong>de</strong>finida na Constituição do Estado,<br />

sendo in<strong>constitucional</strong> a extensão <strong>de</strong> foros especiais estaduais por lei ordinária fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 A respeito <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong>, conferir análise pelo STF da EC n° 22/99, que transferiu o processo e ju l­<br />

gam ento <strong>de</strong> h a b e a s c o r p u s contra ato <strong>de</strong> coação <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão colegiado <strong>de</strong> TRF ou Tribunais Estaduais<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral para o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STF - 2a T. - H C n° 78.416/RJ- questão <strong>de</strong><br />

o rd e m -R e i. Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 22-3-1999; STF - I a T. - HC n -7 8 .7 5 ó-ó / S P -R ei. Min. Sepúlveda<br />

Pertence, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1,29 <strong>de</strong> março 1999, p. 21).<br />

2 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu, por unanimida<strong>de</strong>, o Órgão Especial do Tribunal d e Justiça: “Delegado Geral da Polícia<br />

Civil, que <strong>de</strong>ixa a função, não é mais <strong>de</strong>legado geral, mas <strong>de</strong>legado em favor <strong>de</strong> quem a Constituição Estadual não<br />

estabeleceu foro por prerrogativa <strong>de</strong> função. A competência por prerrogativa <strong>de</strong> função só po<strong>de</strong> ser estabelecida<br />

por norm a <strong>constitucional</strong>. A<strong>de</strong>m ais, a nova redação dada ao art. 84 do CPP, pela Lei n2 10.628, <strong>de</strong> 2 4-12-2002,<br />

é m eram ente <strong>de</strong>clarativa dos <strong>de</strong>tentores da competência por prerrogativa <strong>de</strong> função, sem estendê-la a outras<br />

pessoas que não as mencionadas na Constituição” (TJ/S P - Órgão Especial - A ção Penal n2 065.288.0/9-00 - São<br />

Paulo - Rei. Des. Paulo Shintate, <strong>de</strong>cisão: 13-8-2003).<br />

3 STF - P le n o - A d in n 22797/DF e A d in n 22860/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2005 - Inf<br />

o r m a t i v o S T F n2 401, p. 1. Im portante ressaltar que os votos vencidos dos Ministros Eros Grau, Gilmar Men<strong>de</strong>s<br />

e EUen Gracie concluíram da seguinte maneira: (a ) o agente político, mesmo afastado da função que a tra io foro<br />

por prerrogativa <strong>de</strong> função, <strong>de</strong>ve ser processado e julgado perante esse foro, se acusado criminalm ente por fato<br />

ligado ao exercício das funções inerentes ao cargo; (b ) o agente político não respon<strong>de</strong> a ação <strong>de</strong> im probida<strong>de</strong><br />

administrativa se sujeito a crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> pelo mesmo fato; (c ) os <strong>de</strong>mais agentes públicos, em relação<br />

aos quais a im probida<strong>de</strong> não consubstancie crim e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, respon<strong>de</strong>m à ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong><br />

no foro <strong>de</strong>finido por prerrogativa <strong>de</strong> função, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> tenha por objeto ato funcional<br />

Conferir, ainda: STF - Pleno - PeL 3030 QO/RO, Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 23-5-2012.


582 Direito Constitucional • Moraes<br />

Nesse exato sentido, o Órgão Especial do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> São Paulo, por unanimida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>cidiu, em relação à referida Lei nfi 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002, que<br />

“a competência por prerrogativa <strong>de</strong> função só po<strong>de</strong> ser estabelecida por norma <strong>constitucional</strong>”,<br />

concluindo que “a competência originária do Tribunal <strong>de</strong> Justiça é estabelecida<br />

pela Constituição Estadual, na forma do art. 125, § 1® da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, e a competência<br />

originária dos Tribunais Fe<strong>de</strong>rais foi estabelecida pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral. A<br />

modificação <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> só po<strong>de</strong> ser feita pelo legislador <strong>constitucional</strong> e não,<br />

pelo legislador ordinário. A interpretação das normas constitucionais e legais a respeito<br />

da competência compete aos juizes e Tribunais, e não, ao legislador ordinário”.1<br />

B. Competência recursal<br />

O Pretório Excelso também po<strong>de</strong> ser acionado via recursal, seja através <strong>de</strong> recursos<br />

ordinários constitucionais ou extraordinários.<br />

B . l Recurso Ordinário Constitucional<br />

Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral julgar, em recurso ordinário:<br />

• o crime político;<br />

• o habeas corpus, o mandado <strong>de</strong> segurança, o habeas data e o mandado <strong>de</strong> injunção<br />

<strong>de</strong>cididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se <strong>de</strong>negatória<br />

a <strong>de</strong>cisão.<br />

Somente caberá o recurso ordinário <strong>constitucional</strong>, nestas hipóteses, quando presentes<br />

três requisitos:<br />

1. julgamento do habeas corpus, mandado <strong>de</strong> segurança, habeas data, mandado<br />

<strong>de</strong> injunção pelos Tribunais Superiores, ou seja, pelo STJ, TSE, STM ouTST;<br />

2. quando a <strong>de</strong>cisão tiver sido originária, ou seja, os Tribunais Superiores não<br />

po<strong>de</strong>m ter reformado ou mantido qualquer <strong>de</strong>cisão anterior, mas sim julgado<br />

em instância única;<br />

3. quando a <strong>de</strong>cisão tiver sido <strong>de</strong>negatória. Ressalte-se que para efeito <strong>de</strong> interposição<br />

<strong>de</strong> recurso ordinário <strong>constitucional</strong>, a expressão <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>negatórias<br />

engloba tanto as <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> mérito, quanto as <strong>de</strong>cisões que extingam o processo<br />

sem julgamento do mérito.12<br />

B .2 Recurso extraordinário<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra como a mais importante competência recursal do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sua possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> julgar, mediante recurso extraordinário,<br />

1 T J/ SP - Órgão Especial - Ação P en al n 2 065.288.0/9-00 - S ã o P au lo - R ei. Des. Paulo S h in ta te, d ecisão:<br />

13-8-2003.<br />

2<br />

R TJ160/472.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 8 3<br />

as causas <strong>de</strong>cididas em única ou última instância, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida: contrariar<br />

dispositivo da Constituição; <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratado ou lei fe<strong>de</strong>ral;<br />

julgar válida lei ou ato <strong>de</strong> governo local contestado em face da Constituição e julgar válida<br />

lei local contestada em face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral.3<br />

As características e requisitos do recurso extraordinário, bem como a exigência <strong>de</strong><br />

repercussão geral, serão estudados no item 4.10 <strong>de</strong>sse mesmo capítulo.<br />

4.7.2 S u p erio r Tribunal <strong>de</strong> Ju stiça<br />

Suas competências são <strong>de</strong>finidas no art. 105 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim como po<strong>de</strong>mos afirmar que o STF é o guardião da Constituição, também po<strong>de</strong>mos<br />

fazê-lo no sentido <strong>de</strong> ser o STJ o guardião do or<strong>de</strong>namento jurídico fe<strong>de</strong>ral.<br />

Doutrinariamente, também po<strong>de</strong>mos dividir as principais competências do Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça em dois gran<strong>de</strong>s grupos, conforme a maneira <strong>de</strong> acioná-lo: originária<br />

e recursal.<br />

O STJ po<strong>de</strong>rá ser acionado diretamente, através das ações que lhe caiba processar e<br />

julgar originariamente. Nestes casos, o Tribunal analisará a questão em única instância<br />

(icompetência originária).<br />

Porém, igualmente, po<strong>de</strong>-se chegar ao STJ através <strong>de</strong> recursos ordinários constitucionais<br />

ou especiais. Nestes casos, o Tribunal analisará a questão em última instância<br />

(competência recursal).<br />

A. Competência originária (art. 1 0 5 ,1)<br />

O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>ve processar e julgar originariamente os casos em<br />

que os <strong>direito</strong>s fundamentais <strong>de</strong> altas autorida<strong>de</strong>s da República, que não estejam sob a<br />

jurisdição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, estiverem sob ameaça ou concreta violação, ou<br />

quando estas autorida<strong>de</strong>s estiverem violando os <strong>direito</strong>s fundamentais dos cidadãos. Assim,<br />

compete ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes<br />

comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e, nestes e nos <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

os <strong>de</strong>sembargadores dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

os membros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, os dos Tribunais<br />

Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos<br />

Conselhos ou Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União<br />

que oficiem perante tribunais.<br />

Em relação à in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei na 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002,<br />

que estabeleceu novas competências originárias ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, conferir<br />

item 4.7-A4, nesse mesmo capítulo.<br />

Dessa forma, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais caberá ao STJ o processo e julgamento:<br />

1<br />

1 Cf. nesse sentido: STF - Pleno - A l 132755 QO/SP, Rei. orig. M in. M oreira Alves, red. p/ Acórdão Min. Dias<br />

T o ffo li, <strong>de</strong>cisão: 19-11-2009.


5 8 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

• dos mandados <strong>de</strong> segurança e dos habeas data contra ato <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado,<br />

dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio<br />

Tribunal;1<br />

• dos habeas corpus, quando o coator ou o paciente for Governador <strong>de</strong> Estado e<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>sembargadores dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça dos Estados e<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, membros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados e do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, os dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais Regionais Eleitorais<br />

e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Municípios<br />

e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais, ou quando o<br />

coator for tribunal, sujeito à sua jurisdição, Ministro <strong>de</strong> Estado, ou Comandante<br />

da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,12 ressalvada a competência da Justiça<br />

Eleitoral;3<br />

• do mandado <strong>de</strong> injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for<br />

atribuição <strong>de</strong> órgão, entida<strong>de</strong> ou autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, da administração direta<br />

ou indireta, excetuados os casos <strong>de</strong> competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e<br />

da Justiça Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Igualmente, compete ao STJ resolver os conflitos <strong>de</strong> competência entre quaisquer<br />

tribunais, ressalvado o disposto no art. 102,1, o, da CF (já analisado no tópico anterior<br />

sobre STF), bem comoentre tribunal e juizes a ele não vinculados e entre juizes vinculados<br />

a tribunais diversos.4<br />

A partir da EC ne 45/04, compete ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça a homologação <strong>de</strong><br />

sentenças estrangeiras e a concessão <strong>de</strong> exequatur às cartas rogatórias, antiga competência<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral solucionou lacuna legislativa no tocante à competência<br />

<strong>constitucional</strong> para dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições entre Ministérios Públicos <strong>de</strong> Estados<br />

diversos, ou entre membros <strong>de</strong> Ministério Público Estadual e <strong>de</strong> um dos ramos da União.<br />

Conforme <strong>de</strong>cidido, compete ao próprio STF “dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições entre os Ministérios<br />

Públicos Fe<strong>de</strong>ral e Estadual, quando não configurado virtual conflito <strong>de</strong> jurisdição<br />

que, por força da interpretação analógica do art. 105,1, d, da CF, seja da competência do<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça”.5<br />

Em relação ao eventual conflito <strong>de</strong> jurisdição, a jurisprudência já entendia competir<br />

ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça resolver conflito <strong>de</strong> atribuições entre membros <strong>de</strong> Ministérios<br />

Públicos <strong>de</strong> Estados diversos ou entre membros <strong>de</strong> Ministério Público Estadual e<br />

Fe<strong>de</strong>ral,6 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que os mesmos tenham suscitado perante os respectivos Juízos a ausência<br />

1 Redação dada pela EC n- 23, prom ulgada em 2-9-1999.<br />

2 I<strong>de</strong>m.<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 22, <strong>de</strong> 18-3-1999. Conferir, sobre os reflexos <strong>de</strong>ssa alteração:<br />

Capítulo 4, itens 1.11; 1.13; 1.16.<br />

4 O STJ já pacificou o entendimento <strong>de</strong> que n ã o há conflito <strong>de</strong> competência entre o Tribunal <strong>de</strong> Justiça e Tribunal<br />

<strong>de</strong> Alçada do mesmo Estado-Membro (Súmula 22), extintos pela EC n° 45/04.<br />

5 STF - Pleno - Pet. ns 3528/BA - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 28-9-2005. Informativo STFns 403, p. 1.<br />

6<br />

Conflito d e atribuição n ° 05, Rei. Min. Costa Lima, RSTJ 04/1219 -D JU , 10 out. 1989, p. 15.642.


ou presença <strong>de</strong> atribuição para <strong>de</strong>term inado feito.1 Isso ocorria em virtu<strong>de</strong> da ausência <strong>de</strong><br />

n orm a <strong>constitucional</strong> que preveja órgão o u autorida<strong>de</strong> competente para dirim ir conflitos<br />

d e atribuições positivos ou negativos entre diversos M inistérios Públicos, <strong>de</strong> m aneira que,<br />

ao se suscitá-los perante os Juízos respectivos, o inicial conflito <strong>de</strong> atribuição transform a-se<br />

em conflito <strong>de</strong> com petência entre ju izes vinculados a tribunais diversos, cuja com petência<br />

p a ra <strong>de</strong>cisão, nos term os d o art. 1 0 5 ,1, d, d a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, é do Superior T ribunal<br />

d e Justiça.12<br />

B .<br />

C o m p e tê n c ia r e c u rs a l<br />

O<br />

STJ tam bém po<strong>de</strong> ser acion ado v ia recursal, seja através <strong>de</strong> recursos ordinários<br />

constitucionais ou especiais.3 *<br />

B . l R e c u rs o o rd in á rio c o n s titu c io n a l<br />

Com pete a o Superior T ribunal <strong>de</strong> Justiça ju lgar, em recurso ordinário:<br />

• os habeas corpus <strong>de</strong>cididos em única ou últim a instância pelos Tribunais R egionais<br />

Fe<strong>de</strong>rais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios,<br />

qu an d o a <strong>de</strong>cisão for <strong>de</strong>negatória;<br />

• os m andados <strong>de</strong> segurança <strong>de</strong>cididos em única instância pelos Tribunais R egionais<br />

Fe<strong>de</strong>rais ou pelos tribunais dos Estados, d o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios,<br />

qu an d o <strong>de</strong>n egatória a <strong>de</strong>cisão;<br />

• as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organism o internacional,<br />

<strong>de</strong> um lado, e, do outro, M unicípio ou pessoa resi<strong>de</strong>nte o u dom iciliada no País.<br />

1 Saliente-se que há necessida<strong>de</strong> do conflito ser suscitado perante os respectivos Juízos, sem o que falece <strong>de</strong><br />

competência o STJ. Nesse sentido: “Portanto, não lhe cabe apreciar recusa <strong>de</strong> membros do Ministério Público<br />

da União e do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro para oferecerem <strong>de</strong>núncia sobre fatos apurados pela Polícia Fe<strong>de</strong>ral e,<br />

igualmente, antecipar-se <strong>de</strong>clarando que se trata ou não <strong>de</strong> crime contra a organização do trabalho” (STJ - 3a<br />

Seção - Conflito <strong>de</strong> atribuição nQ37-0/RJ - Rei. Min. José Dantas. Diário da Justiça, Seção I, 6 maio 1996).<br />

2 Nesse sentido, pacificou a questão o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “EMENTA: Petição. Questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Denúncia.<br />

Divergência dos Promotores Públicos. Inocorrência <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo (art. 102, inciso I, alínea ‘f ,<br />

da CF). Hipótese <strong>de</strong> conflito negativo <strong>de</strong> competência entre juizes vinculados a Tribunais diversos (CF, art. 105,<br />

inciso I, alínea ‘d’). Divergência dos Promotores Públicos <strong>de</strong> Estados-membros diversos ao suscitarem perante<br />

os respectivos Juízos, a incompetência para o oferecimento da <strong>de</strong>núncia: inexiste dispositivo legal que atribua<br />

ao Procurador-Geral da República o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dirimir conflitos <strong>de</strong> atribuições entre Promotores <strong>de</strong> Estados diferentes;<br />

compete a cada um dos Juizes <strong>de</strong>cidir acerca da questão suscitada. Se juizes <strong>de</strong> comarcas situadas em<br />

Estados-membros diversos, acolhendo manifestações dos respectivos membros do Ministério Público, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m<br />

no sentido da incompetência dos seus Juízos, o que se configure é conflito <strong>de</strong> jurisdição e não <strong>de</strong> atribuições<br />

entre órgãos do Ministério Público <strong>de</strong> Estados diferentes. Hipótese em que não remanesce dúvida quanto à<br />

inocorrência <strong>de</strong> conflito fe<strong>de</strong>rativo (art 102, inciso I, alínea ‘P, da CF). A competência para dirimir <strong>de</strong>savença<br />

é a prevista no art. 105, inciso I, alínea ‘d’, da Carta Política (STF - Petição n° 623-2/RS - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, Diário da Justiça, 27 set. 1996, p. 36.154).<br />

3 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer n5 1.748 e, posteriormente, em dois turnos, a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição n° 29, <strong>de</strong> 2000 (n° 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos Deputados), constante da Emenda n° 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para nova análise e<br />

eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. No texto aprovado, cria-se o art 105-A,


586 Direito Constitucional • Moraes<br />

B.2 Recurso especial<br />

O Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, no exercício <strong>de</strong> sua competência recursal especial,<br />

tem cognição mais restrita, não realizando reexame do contexto fático probatório (Súmula<br />

7-STJ), pois sua missão <strong>constitucional</strong> é dar plena efetivida<strong>de</strong> à aplicação do Direito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e sua uniformização.<br />

Em relação ao recurso especial, ensina-nos o Ministro do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira tratar-se<br />

“<strong>de</strong> modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso extraordinário lato sensu, <strong>de</strong>stinado, por previsão<br />

<strong>constitucional</strong>, a preservar a unida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> fe<strong>de</strong>ral, sob a inspiração<br />

<strong>de</strong> que nele o interesse público, refletido na correta interpretação da lei,<br />

<strong>de</strong>ve prevalecer sobre os interesses das partes. Ao lado do seu objetivo <strong>de</strong> ensejar o<br />

reexame da causa, avulta sua finalida<strong>de</strong> precípua, que é a <strong>de</strong>fesa do <strong>direito</strong> fe<strong>de</strong>ral<br />

e a unificação da jurisprudência. Não se presta, entretanto, ao exame <strong>de</strong> matéria<br />

<strong>de</strong> fato, e nem representa terceira instância. Alguns veem suas origens no writ of<br />

error do <strong>direito</strong> norte-americano e outros a sua inserção na categoria dos recursos<br />

<strong>de</strong> cassação do <strong>direito</strong> europeu”.1<br />

Compete ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça julgar, mediante recurso especial, as causas<br />

<strong>de</strong>cididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais ou pelos tri<br />

bunais dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida:<br />

• contrariar tratado ou lei fe<strong>de</strong>ral, ou negar-lhes vigência: preten<strong>de</strong>-se evitar a<br />

inobservância do <strong>direito</strong> fe<strong>de</strong>ral, o seu <strong>de</strong>scumprimento. Contrariar a lei é, em<br />

última análise, o mesmo que tê-la por inexistente, negar-lhe vigência, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

aplicá-la ou violá-la. Na interposição do recurso especial com base nesse fundamento,<br />

é obrigatória a indicação do dispositivo legal (tratado ou lei fe<strong>de</strong>ral)<br />

supostamente violado;12<br />

• julgar válido ato do governo local contestado em face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral. A EC nQ<br />

45/04 transferiu competência recursal do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (recurso<br />

especial) para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (recurso extraordinário), nas causas<br />

<strong>de</strong>cididas em única ou última instância, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida julgar válida<br />

lei local contestada em face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral (EC nQ45/04). Essa nova hipótese<br />

<strong>de</strong> cabimento <strong>de</strong> recurso extraordinário passou a enten<strong>de</strong>r como conflito <strong>de</strong><br />

competência fe<strong>de</strong>rativa o julgamento da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei local contestada em<br />

face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral;<br />

• <strong>de</strong>r a lei fe<strong>de</strong>ral interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal,<br />

sendo que a divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja<br />

1 TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong>Figueiredo. Recurso Especial Revisca<strong>de</strong>lnformação legislativa, Brasília, ano 27, n ° 107,<br />

p. 147-160, jul./set. 1990. Conferir: S T J -2 a T. -A gR em R E spn °6 8 3 .2 1 5 / S C - Rei. M in. Eliana Calmon, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,2 m aio 2006, p. 289.<br />

2 STJ - 6a T. - Resp. n“ 43.037/SP - R e i Min. Cid Flaquer Scartezzini, Diário da Justiça, Seção 1,29 abr. 1996,<br />

p. 13.427; STJ - 3a T. - A gR g no A I n° 732.308/SP - Rei. M in. Nancy Andrighi, Diário da Justiça, Seção 1,2 maio<br />

2006, p. 315.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 8 7<br />

recurso especial (Súmula 13 do STJ). Aqui, segundo o Ministro Sálvio <strong>de</strong> Fi<br />

gueiredo Teixeira,<br />

“situa-se a mais importante função do recurso especial uniformizar a interpretação<br />

do <strong>direito</strong> fe<strong>de</strong>ral no País, quando haja manifesta divergência envolvendo<br />

tribunais diferentes, um dos quais po<strong>de</strong>rá ser o próprio Superior Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça, po<strong>de</strong>ndo o dissenso ocorrer também entre tribunais <strong>de</strong> um mesmo Estado<br />

([verbi gratia, <strong>de</strong> Justiça e <strong>de</strong> Alçada) e mesmo com julgados <strong>de</strong> tribunais<br />

não mais competentes na matéria (exemplifique-se com a jurisprudência do<br />

STF no sistema <strong>constitucional</strong> anterior, em matéria infra<strong>constitucional</strong>). Não<br />

se admite a divergência, entretanto, se o entendimento trazido à colação como<br />

paradigma já se encontra superado no tribunal que o proferiu”.1Observe-se,<br />

ainda, conforme <strong>de</strong>stacado pela Ministra Nancy Andrighi, “é inviável o recurso<br />

especial pelo dissídio jurispru<strong>de</strong>ncial se não realizada a confrontação analítica<br />

e não comprovada a similitu<strong>de</strong> fática entre o acórdão recorrido e os acórdãos<br />

a paradigma”.12<br />

Ressalte-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prequestionamento3 e consequente análise por parte do<br />

Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral ou dos Tribunais estaduais ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral da questão<br />

fe<strong>de</strong>ral a ser posteriormente analisada pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.4<br />

4.7.3 Ju stiça do Trabalho<br />

Trata-se <strong>de</strong> uma Justiça especializada em razão da matéria, portanto com competência<br />

taxativamente prevista pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, prevista pela Carta <strong>de</strong> 1934 e criada<br />

em 1942, como órgão do Po<strong>de</strong>r Executivo, ligado ao Ministério do Trabalho. A Justiça<br />

trabalhista passou a ter os contornos hoje consagrados, a partir da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong> 1946, que a colocou como órgão do Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>stinado a solução dos conflitos<br />

<strong>de</strong> interesses trabalhistas.<br />

Observe-se que a EC ne 24, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, extinguiu a participação classista<br />

temporária <strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> empregados e empregadores na Justiça trabalhista,<br />

transformando seu órgão <strong>de</strong> I a instância em monocrático, qual seja, os juizes do trabalho,<br />

em substituição às Juntas <strong>de</strong> Conciliação e Julgamento, antigos órgãos colegiados.5<br />

1 TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo. Recurso Especial. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa. Brasília, ano 27, n° 107<br />

jul./set. 1990. p. 147-160.<br />

2 STJ - 3a T. - A gR g no A gravo d e Instrumento n° 732.308/SP - R ei. M in. Nancy Andrighi, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 2 maio 2006, p. 315.<br />

3 Conferir em relação a embargos d e <strong>de</strong>claração e prequestionamento: STJ - 2a T .-E D c l n o A gR g n o A gravo<br />

<strong>de</strong> Instrumento n° 694.931/RS - ReL Min. Castro Meira, Diário da Justiça, Seção 1,2 m aio 2006, p. 290.<br />

4 S T J - 5 aT .-R e s p . n° 31.776/S P-R ei. Min. Félix Fischer, Diário da Justiça, Seção 1,3 nov. 1997, p. 56.341;<br />

STJ - 3a T. - A gR g no A gravo <strong>de</strong> Instrumento n° 732.308/SP - ReL Min. Nancy Andrighi, Diário da Justiça, Seção<br />

1,2 m aio 2006, p. 315.<br />

5 Observe-se que o art. 2 “ da EC n“ 24, d e 9 d e <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 1999, assegurou o cumprimento dos mandatos<br />

dos atuais ministros classistas temporários do Tribunal Superior do Trabalho e dos atuais juizes classistas temporários<br />

dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Juntas <strong>de</strong> Conciliação e Julgamento.


5 8 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em relação a extinção dos juizes classistas e parida<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral - em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> contra a Resolução nQ665/99<br />

do Tribunal Superior do Trabalho - que quanto ao art. l e e parágrafo da mencionada<br />

Resolução - que disciplinam a parida<strong>de</strong> <strong>de</strong> representação, <strong>de</strong>terminando o afastamento<br />

remunerado das funções judicantes do classista quando o classista da categoria oposta<br />

tiver exaurido o seu mandato -, o Tribunal in<strong>de</strong>feriu a liminar por enten<strong>de</strong>r não haver<br />

plausibilida<strong>de</strong> jurídica na tese <strong>de</strong> ofensa à extinção do princípio da parida<strong>de</strong> na Justiça<br />

do Trabalho (EC 24/99), uma vez que a norma transitória da Emenda Constitucional<br />

24/99 assegura o sistema <strong>constitucional</strong> anterior da parida<strong>de</strong> entre as categorias (EC<br />

24/99, art. 2e):<br />

“É assegurado o cumprimento dos mandatos dos atuais ministros classistas temporários<br />

do Tribunal Superior do Trabalho e dos atuais juizes classistas temporários<br />

dos Tribunais Regionais do Trabalho e das Juntas <strong>de</strong> Conciliação e Julgamento. No<br />

tocante ao art. 2- e parágrafo único da Resolução 665/99, que fixam, <strong>de</strong> acordo<br />

com o art. 666 da CLT, o cálculo dos vencimentos dos juizes afastados com base na<br />

média dos proventos percebidos nos últimos doze meses <strong>de</strong> exercício, o Tribunal<br />

também in<strong>de</strong>feriu o pedido por não estar caracterizada, à primeira vista, a alegada<br />

ofensa ao princípio da irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos, uma vez que estes variam<br />

em função do comparecimento às audiências. Prosseguindo no julgamento, o<br />

Tribunal <strong>de</strong>feriu a suspensão cautelar do art. 3a da Resolução impugnada, que<br />

exclui os classistas remanescentes da votação para o preenchimento <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong><br />

direção ou <strong>de</strong> vagas nos Tribunais, convocação <strong>de</strong> juizes, ou <strong>de</strong> qualquer outro<br />

processo administrativo. À primeira vista, consi<strong>de</strong>rou-se relevante a arguição <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> uma vez que a Emenda Constitucional 24/99, ao extinguir<br />

a representação classista, assegurou o cumprimento do mandato dos atuais juizes,<br />

inclusive quanto à competência administrativa anterior.”1<br />

Os órgãos da Justiça do Trabalho são: o Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais<br />

Regionais do Trabalho e os Juizes do Trabalho. A lei disporá sobre a competência do Tribunal<br />

Superior do Trabalho (CF, art. 111 A, § I a, nos termos da EC na 45/04).<br />

A. Tribunais Regionais do Trabalho<br />

Os Tribunais Regionais do Trabalho serão, nos termos da EC nfi 45/04, compostos <strong>de</strong>,<br />

no mínimo, sete juizes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nomeados<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong>ntre brasileiros com mais <strong>de</strong> trinta e menos <strong>de</strong> sessenta<br />

e cinco anos, sendo:12 *<br />

1 STF - P le n o -A d in n Q2.149/DF, 2.173/DF, 2.175/DF - Rei. Min. M oreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 22-3-2000. Informativo<br />

STF n° 182.<br />

2 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer n° 1.748, e, posteriorm ente, em dois turnos, a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição nQ29, <strong>de</strong> 2000 (ne 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos D eputados), constante da Emenda n5 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para nova análise<br />

e eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. Um dos tópicos trata da alteração da<br />

nomenclatura do cargo <strong>de</strong> juiz do Tribunal Regional do Trabalho, que passaria a <strong>de</strong>nominar-se “ <strong>de</strong>sembargador<br />

fed eral do trabalho” (art. 103-B).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 589<br />

• um quinto <strong>de</strong>ntre advogados com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional<br />

e membros do Ministério Público do Trabalho com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong><br />

efetivo exercício,1 observado o disposto no art. 94;<br />

• os <strong>de</strong>mais, mediante promoção <strong>de</strong> juizes do trabalho por antiguida<strong>de</strong> e merecimento,<br />

alternadamente.<br />

Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização <strong>de</strong><br />

audiências e <strong>de</strong>mais funções <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva<br />

jurisdição, servindo-se <strong>de</strong> equipamentos públicos e comunitários. Além disso, po<strong>de</strong>rão<br />

funcionar <strong>de</strong>scentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim <strong>de</strong> assegurar o<br />

pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.<br />

B. Ju izes do Trabalho<br />

A EC na 24, <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, extinguiu a participação classista temporária<br />

<strong>de</strong> representantes <strong>de</strong> empregados e empregadores na Justiça Trabalhista, inclusive na I a<br />

instância, transformando as Juntas <strong>de</strong> Conciliação e Julgamento, antigos órgãos colegiados,<br />

em Varas do Trabalho, cuja jurisdição será exercida por um juiz singular.<br />

A lei criará varas da Justiça doTrabalho, po<strong>de</strong>ndo, nas comarcas não abrangidas por<br />

sua jurisdição, atribuí-la aos juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, com recurso para o respectivo Tribunal<br />

Regional do Trabalho.12<br />

C. Competência da Justiça do Trabalho<br />

Compete à Justiça do Trabalho, nos termos da EC na 45/04, processar e julgar as<br />

ações oriundas da relação <strong>de</strong> trabalho, abrangidos os entes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público externo<br />

e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Municípios;3 as ações que envolvam exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve; as ações sobre<br />

1 C on form e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribu nal Fe<strong>de</strong>ral, “ É relevante o fundam ento da arguição <strong>de</strong> incom patibilida<strong>de</strong>,<br />

com o disposto nos artigos 93 e 115 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, do ato norm ativo do Conselho Superior do<br />

Ministério Público do Trabalho (ata da 4a reunião ordinária, in DJ <strong>de</strong> 16-11-93), que implica a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

dispensa do requisito tem poral exigido para o acesso dos procuradores aos Tribunais Regionais do Trabalho”<br />

(STF - Pleno - Adin n- 1.289 4/DF - medida lim inar - Rei. Min. O ctávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção 1,29<br />

m aio 1998, p. 2). Confirm ando a liminar, no m érito, enten<strong>de</strong>u o Pretório Excelso que “Som ente qu an do não<br />

houver, en tre os Mem bros do M inistério Público do Trabalho, candidato com m ais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> carreira, será<br />

licita a inclusão em lista, para a investidura no ca rgo <strong>de</strong> Juiz <strong>de</strong> Tribunal Regional do Trabalho, <strong>de</strong> quem não<br />

preencha aquele requisito temporal. In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, perante o art. 115, parágrafo único, inciso II, com-<br />

bin adocom o art. 94, ambos da C a rta d e 1988, <strong>de</strong> a to norm ativo do Conselho Superior do Ministério Público do<br />

Trabalho, que autorizara a complementação da lista com figurantes <strong>de</strong>stituídos daquela antiguida<strong>de</strong>. Decisão<br />

m ajoritária do Supremo Tribunal” (STF - Pleno - A din n° 1.289-4/DF - Rei. Min. O ctávio Gallotti, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,29 maio 1998, p. 2 ).<br />

2 Nova redação dada pela EC n° 45/04.<br />

3 O Presi<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral suspen<strong>de</strong>u, ad referendum, “ toda e qualquer interpretação dada ao<br />

inciso I do art. 114 da CF, na redação dada pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho,<br />

a "... apreciação... <strong>de</strong> causas que... sejam instauradas entre o Po<strong>de</strong>r Público e seus servidores, a ele vinculados por<br />

típica relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estatutária ou <strong>de</strong> caráter jurídico-administrativo” (STF - Pleno - Med. Cautelar - Adin n°<br />

3.395-6/D F -R eL N elson Jobim ,D iário da Justiça, Seção 1,27jan. 2005, p. 3). O STF, por maioria, referendou<br />

a liminar (STF - Pleno - Adin nü 3.395/DF - Rei. Min. Cezar Peluzo, <strong>de</strong>cisão: 5-4-2006, Informativo STF nc 422


590 Direito Constitucional • Moraes<br />

representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindi<br />

catos e empregadores;1os mandados <strong>de</strong> segurança, habeas corpus e habeas data, quando<br />

o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;*12 as ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização por<br />

dano moral ou patrimonial,3 <strong>de</strong>correntes da relação <strong>de</strong> trabalho; as ações relativas às<br />

penalida<strong>de</strong>s administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos <strong>de</strong> fiscalização das<br />

relações <strong>de</strong> trabalho; a execução, <strong>de</strong> ofício, das contribuições sociais previstas noart. 195,<br />

I, a, e II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e seus acréscimos legais, <strong>de</strong>correntes das sentenças que<br />

proferir, além <strong>de</strong> outras controvérsias <strong>de</strong>correntes da relação <strong>de</strong> trabalho, na forma da lei.4 *<br />

Compete, ainda, à Justiça do Trabalho, os conflitos <strong>de</strong> competência entre órgãos com<br />

jurisdição trabalhista, salvo se envolverem Tribunais Superiores, quando a competência<br />

será do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nos termos do art. 102,1, o, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Constituição estabelece que, recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva<br />

ou à arbitragem, é facultado às mesmas, <strong>de</strong> comum acordo, ajuizar dissídio coletivo<br />

<strong>de</strong> natureza econômica, po<strong>de</strong>ndo a Justiça do Trabalho <strong>de</strong>cidir o conflito, respeitadas<br />

as disposições mínimas legais <strong>de</strong> proteção ao trabalho, bem como as convencionadas<br />

anteriormente.<br />

Em caso <strong>de</strong> greve em ativida<strong>de</strong> essencial, com possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lesão do interesse<br />

público, o Ministério Público do Trabalho po<strong>de</strong>rá ajuizar dissídio coletivo, competindo à<br />

Justiça do Trabalho <strong>de</strong>cidir o conflito.<br />

O b serv e-se, ainda, que o S T F e n ten d e u in existir in co n stitu cio n alid ad e form al n o a r t 1 1 4 , 1, da CF (STF - ADI<br />

n Q3 .6 8 4 / D F - Rei. Min. C ezar Peluso, d ecisão: l Q- 2 -2 0 0 7 - Informativo STF nQ4 5 4 , S eção I, p. 1 ).<br />

1 S T F - P len o - C C n 9 7 2 2 1 / R S - R ei. M in. M arco A urélio, d ecisão: 1 -6 -2 0 0 6 - Informativo STF n Q4 2 9 .<br />

2 Em re la çã o à a u sên cia d e co m p etên cia em m a té ria p e n a l da Ju s tiç a do T rab alh o , <strong>de</strong>cidiu o S T F - “O T ribu n al<br />

d eferiu pedido <strong>de</strong> lim in ar form ulado em ação d ireta <strong>de</strong> in co n stitu cio n a lid a d e aju iz a d a pelo Procurador-G eral<br />

d a R ep ú blica p ara, com e fe ito e x tunc, dar in terp reta çã o co n fo rm e à C onstitu ição F ed eral aos in ciso s I, IV e IX<br />

do seu art. 1 1 4 no sen tid o <strong>de</strong> q ue neles a C o n stitu ição n ão atrib u iu , p or si sós, co m p etên cia crim in al g en érica<br />

à Ju s tiç a do T rab alh o . (...) Enten d eu -se que seria in com p atív el com as g aran tias co n stitu cio n ais da legalida<strong>de</strong><br />

e do ju iz n atu ral in ferir-se, p or m eio <strong>de</strong> in te rp reta ção a rb itrá ria e exp an siv a, com p etên cia crim in al g e n é rica da<br />

Ju s tiç a do T rabalh o , ao s term os do art. 1 1 4 , 1, IV e IX da C F” (S T F - ADI n° 3 .6 8 4 / D F - R ei. M in. C ezar Peluso,<br />

d ecisão: l fi- 2 -2 0 0 7 - Informativo STF n ° 4 5 4 , S eção I, p. 1 ).<br />

3 In icia lm en te, o STF m an tev e, ap esa r d a n ova red ação d o a rt. 1 1 4 (EC n Q4 5 / 0 4 ), a co m p etên cia d a Ju s tiç a<br />

com um p a ra causas relativ as a in<strong>de</strong>nizações p or a cid en te do trab alh o (ST F - l aT. - R ext. 3 9 4 9 4 3 / S P - R ei. orig.<br />

M in. C arlos B ritto - R ei. p/ acó rd ão M in. Eros G rau - Informativo STF nQ3 7 5 , p. 2 ) . P o sterio rm en te, p o rém , o<br />

P len ário do STF, por m a io ria , reviu a m a téria , fixan d o a com p etên cia p ara a Ju s tiç a do T rabalh o : “Num a p rim<br />

eira in te rp reta çã o do in ciso I do art. 1 0 9 da C arta <strong>de</strong> O u tu b ro , o Su p rem o T ribu n al F ed eral en ten d eu que as<br />

açõ es <strong>de</strong> in d en ização por danos m orais e p atrim o n iais d eco rren tes <strong>de</strong> acid en te do tra b a lh o , ainda que m ovidas<br />

pelo em p regado contra seu (ex -) em pregador, eram d a co m p etên cia da J u s tiç a com um dos Estados-M em bros.<br />

2 . R ev isa n d o a m a téria , p o rém , o P len ário co n clu iu que a Lei R e p u b lican a <strong>de</strong> 1 9 8 8 c o n fe riu tal co m p e tên cia<br />

à Ju s tiç a do Trabalh o. S e ja porqu e o art. 1 1 4 , j á em su a re d a çã o o rig in á ria , assim <strong>de</strong>ixava tran sp arecer, seja<br />

porque aquela p rim eira in terp reta çã o do m en cio n ad o inciso I do art. 1 0 9 esta v a , em boa v erd ad e, in flu en ciad a<br />

p e la ju risp ru d ên cia q ue se firm o u n a C o rte sob a égi<strong>de</strong> das C o n stitu içõ es a n te rio res” (S T F - CC 7204/ M G - Rei.<br />

M in. C arlos B ritto , Diário da Justiça, S eção 1 ,9 <strong>de</strong>z. 2 0 0 5 , p. 5 ) . E sse p o sicio n am en to foi p acificad o : S T F - RE<br />

6 0 0 0 9 1 / M G - Rei. Min. Dias Toffoli, d ecisão: 2 5 -5 -2 0 1 1 .<br />

4 O S en ad o F ed eral aprovou o P a recer n ° 1 .7 4 8 , e , p o sterio rm e n te , e m dois tu rn o s, a P ro p o sta d e E m en da<br />

à C o n stitu ição ne 2 9 , <strong>de</strong> 2 0 0 0 (n ° 9 6 , <strong>de</strong> 1 9 9 9 , n a C âm ara dos D ep u tad o s), c o n sta n te da E m en d a n fi 2 4 0 , da<br />

C om issão <strong>de</strong> C o n stitu ição, Ju s tiç a e C idadania, enviando o texto à C âm ara dos D eputados, p ara nova an álise e<br />

eventual aprovação em dois turn os, pelo q uóru m q ualificad o <strong>de</strong> 3/ 5. No texto aprovado, cria -se o art. 1 1 1 -B ,<br />

q u e p erm ite a o T ribu n al Su p erio r do T rab alh o a ed ição <strong>de</strong> súm ulas im peditivas <strong>de</strong> recursos.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 9 1<br />

A partir da EC na 45/04 (o termo inicial se <strong>de</strong>u “por questões <strong>de</strong> política judiciária”),<br />

as ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização, inclusive por dano moral, com base em aci<strong>de</strong>nte do trabalho,<br />

propostas por empregado contra empregador, são da competência da Justiça do Trabalho,<br />

pois, conforme enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o <strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização em caso<br />

<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado<br />

no art. 7a da CF como autêntico <strong>direito</strong> trabalhista, cuja tutela, <strong>de</strong>ve ser, por isso, da<br />

justiça especial”.1<br />

4 .7.4 Ju s t iç a E le ito ra l<br />

São órgãos da Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tribunais Regionais<br />

Eleitorais; os Juizes Eleitorais e as Juntas Eleitorais.<br />

A lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos<br />

juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e das juntas eleitorais (CF, art. 121).<br />

Haverá um Tribunal Regional Eleitoral na capital <strong>de</strong> cada Estado e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que serão compostos, mediante eleição e voto secreto, <strong>de</strong> dois juizes entre os <strong>de</strong>sembargadores<br />

do Tribunal <strong>de</strong> Justiça; dois juizes, entre juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, escolhidos pelo Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça; <strong>de</strong> um juiz do Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral com se<strong>de</strong> na Capital do Estado ou<br />

no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, ou, não havendo, <strong>de</strong> juiz fe<strong>de</strong>ral, escolhido, em qualquer caso, pelo<br />

Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral respectivo. Além disto, por nomeação, pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

<strong>de</strong> dois juizes entre seis advogados <strong>de</strong> notável saber jurídico e idoneida<strong>de</strong> moral,<br />

indicados pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

Em respeito ao princípio da in<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário, o próprio Tribunal<br />

Regional Eleitoral elegerá seu Presi<strong>de</strong>nte e o Vice-presi<strong>de</strong>nte, fixando a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral que a escolha <strong>de</strong>verá recair entre seus membros <strong>de</strong>sembargadores; além disto,<br />

garante-se que os membros dos tribunais, os juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e os integrantes das juntas<br />

eleitorais, no exercício <strong>de</strong> suas funções, e no que lhes for aplicável, gozarão <strong>de</strong> plenas<br />

garantias e serão inamovíveis.<br />

A fim <strong>de</strong> preservar a imparcialida<strong>de</strong> do Judiciário, e afastar possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ingerências<br />

políticas nos Tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, seus membros servirão por<br />

dois anos, no mínimo, e nunca por mais <strong>de</strong> dois biênios consecutivos, sendo os substitutos<br />

escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.<br />

Recursos eleitorais. São irrecorríveis as <strong>de</strong>cisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo<br />

as que contrariarem a Constituição e as <strong>de</strong>negatórias <strong>de</strong> habeas corpus ou mandado <strong>de</strong><br />

segurança.<br />

Em relação aos Tribunais Regionais Eleitorais, somente caberá recurso quando suas<br />

<strong>de</strong>cisões forem proferidas contra disposição expressa da Constituição ou <strong>de</strong> lei; ocorrer<br />

divergência na interpretação <strong>de</strong> lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; versarem sobre<br />

inelegibilida<strong>de</strong> ou expedição <strong>de</strong> diplomas nas eleições fe<strong>de</strong>rais ou estaduais; anularem<br />

diplomas ou <strong>de</strong>cretarem a perda <strong>de</strong> mandatos eletivos fe<strong>de</strong>rais ou estaduais; <strong>de</strong>negarem<br />

habeas corpus, mandado <strong>de</strong> segurança, habeas data ou mandado <strong>de</strong> injunção.<br />

i<br />

S T F - P le n o - CC 7 2 0 4 / M G, Rei. M in. C arlos B ritto , d ecisão : 2 9 -6 -2 0 0 5 - I n f o r m a t iv o S T F n “ 3 9 4 , p. 1.


592 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.7.5 Justiça Militar<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que a Justiça Militar se compõe do Superior Tribunal<br />

Militar; dos Tribunais e dos Juizes Militares instituídos por lei, que a organizará,<br />

competindo-lhe processar e julgar os crimes militares <strong>de</strong>finidos em lei.<br />

4.7.6 Justiça Fe<strong>de</strong>ral<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que são órgãos da Justiça Fe<strong>de</strong>ral: os Tribunais<br />

Regionais Fe<strong>de</strong>rais e os Juizes Fe<strong>de</strong>rais.<br />

A. Com posição dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais1 - regra do quinto<br />

<strong>constitucional</strong><br />

Os Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais compõem-se <strong>de</strong>, no mínimo, sete juizes, recrutados,<br />

quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República entre brasileiros<br />

com mais <strong>de</strong> 30 e menos <strong>de</strong> 65 anos, aplicando-se a regra do quinto <strong>constitucional</strong>.<br />

Assim, um quinto dos membros dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais <strong>de</strong>verá ser escolhido<br />

entre advogados, com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional e membros do<br />

Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral com mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> carreira. Os <strong>de</strong>mais serão formados,<br />

mediante promoção <strong>de</strong> juizes fe<strong>de</strong>rais com mais <strong>de</strong> cinco anos <strong>de</strong> exercício, por antiguida<strong>de</strong><br />

e merecimento, alternadamente.<br />

Os Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, nos termos da EC n12 45/04, instalarão a justiça itinerante,<br />

com a realização <strong>de</strong> audiências e <strong>de</strong>mais funções da ativida<strong>de</strong> jurisdicional, nos limites<br />

territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se <strong>de</strong> equipamentos públicos e comunitários e<br />

po<strong>de</strong>rão, ainda, funcionar <strong>de</strong>scentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, afim <strong>de</strong><br />

assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.<br />

B. Com petência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral<br />

A competência da Justiça Fe<strong>de</strong>ral vem taxativamente prevista na constituição. Dessa<br />

forma, conclui-se que a competência da Justiça comum é subsidiária.<br />

B . l Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais<br />

Compete aos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais processar e julgar originariamente:2<br />

• os juizes fe<strong>de</strong>rais da área <strong>de</strong> sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da<br />

Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, e os membros<br />

do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;<br />

1 O S en a d o F ed era l ap rovou o P a re ce r n “ 1 .7 4 8 e , p o sterio rm e n te , e m dois tu rn o s, a P ro p o sta d e E m en da<br />

à C o n stitu ição n° 2 9 , d e 2 0 0 0 (n ° 9 6 , d e 1 9 9 9 , n a C âm ara dos D ep u ta d o s), co n sta n te da Em en da n° 2 4 0 , da<br />

Com issão <strong>de</strong> C o n stitu ição, Ju s tiç a e C idadania, en v ian d o o te xto à C âm ara dos D ep utad os, p ara nova an álise<br />

e e v e n tu a l a p ro v a çã o em dois tu rn o s, p e lo q u ó ru m q u a lifica d o d e 3 / 5. U m dos tó p ico s tra ta da a lte ra çã o da<br />

n o m em ciatu ra do ca rg o d e ju iz do T ribu n al R egional F ed eral, q u e p a ssa ria a d en o m in ar-se “d esem b arg ad o r<br />

fe d e r a l” (a rt. 1 0 3 - B ) .<br />

2 A EC n ° 7 3 , <strong>de</strong> 6 d e ju n h o <strong>de</strong> 2 0 1 3 , criou o s Tribunais R egio n ais Fed erais d a 6 a, 7 a, 8 a e 9 a R eg iõ es, send o,<br />

p o rém , susp ensa p or m edida lim in a r co n ced id a p elo P re sid e n te do S T F n a ADI 5 0 1 7 .


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 5 9 3<br />

• as revisões criminais e as ações rescisórias <strong>de</strong> julgados seus ou dos juizes fe<strong>de</strong>rais<br />

da região;<br />

• os mandados <strong>de</strong> segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou<br />

<strong>de</strong> juiz fe<strong>de</strong>ral;<br />

• os habeas corpus, quando a autorida<strong>de</strong> coatora for juiz fe<strong>de</strong>ral;<br />

• os conflitos <strong>de</strong> competência entre juizes fe<strong>de</strong>rais vinculados ao Tribunal.<br />

Além disso, em grau recursal, os Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais têm competência para o<br />

julgamento das causas <strong>de</strong>cididas pelos juizes fe<strong>de</strong>rais e pelos juizes estaduais no exercício<br />

da competência fe<strong>de</strong>ral da área <strong>de</strong> sua jurisdição.<br />

B .2 Ju ize s fe<strong>de</strong>rais<br />

Aos juizes fe<strong>de</strong>rais, o art. 109 estabelece competir processar e julgar: as causas em<br />

que a União, entida<strong>de</strong> autárquica ou empresa pública fe<strong>de</strong>ral forem interessadas1 na<br />

condição <strong>de</strong> autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as <strong>de</strong> falência, as <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho; as causas entre Estado<br />

estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou resi<strong>de</strong>nte<br />

no País; as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro<br />

ou organismo internacional; os crimes políticos12 e as infrações penais praticadas em<br />

<strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços ou interesse da União ou <strong>de</strong> suas entida<strong>de</strong>s autárquicas<br />

ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça<br />

Militar e da Justiça Eleitoral; os crimes previstos em tratado ou convenção internacional,<br />

quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou <strong>de</strong>vesse ter ocorrido no<br />

estrangeiro, ou reciprocamente; os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos<br />

<strong>de</strong>terminados por lei, contra o sistema financeiro e a or<strong>de</strong>m econômico-financeira; os<br />

habeas corpus, em matéria criminal <strong>de</strong> sua competência ou quando o constrangimento<br />

provier <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; os<br />

mandados <strong>de</strong> segurança e os habeas data contra ato <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>ral, excetuados<br />

os casos <strong>de</strong> competência dos tribunais fe<strong>de</strong>rais; os crimes cometidos a bordo <strong>de</strong> navios<br />

ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; os crimes <strong>de</strong> ingresso ou<br />

permanência irregular <strong>de</strong> estrangeiro, a execução <strong>de</strong> carta rogatória, após o exequatur,<br />

e <strong>de</strong> sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalida<strong>de</strong>,<br />

inclusive a respectiva opção, e à naturalização e a disputa sobre <strong>direito</strong>s indígenas.<br />

1 C om pete à Ju s tiç a F ed eral o p rocesso e ju lg a m e n to <strong>de</strong> crim e am b ien tal d e e x tra ção d e cascalh o sem au to riz a ­<br />

ção a m b ien ta l, p or tratar-se <strong>de</strong> bem na U nião (S T J - T erceira S eção - C C 1 1 6 .4 4 7 / M T - R ei. M in. M aria T h ereza<br />

<strong>de</strong> Assis M oura, d ecisão: 2 5 -5 -2 0 1 1 ), bem com o crim e co n tra o m eio a m b ien te (p esca sem au to rização m ed ian te<br />

p etrech os proibidos) p raticad o em á re a a d ja cen te à unid a<strong>de</strong> <strong>de</strong> c o n serv ação fed eral (S T J - T erceira Seção - CC<br />

1 1 5 .2 8 2 / R S - R ei. M in. M a ria T h ereza <strong>de</strong> A ssisM o u ra , d ecisão: 8 -6 -2 0 1 1 ) ; d iv ersam en te, p o rém , com p etem à<br />

Ju s tiç a C om um estad u al o p ro cesso e o ju lg a m e n to <strong>de</strong> crim e p raticad o co n tra o Banco do B rasil ( R T J 1 5 8 / 1 5 9 ).<br />

2 Em re la ção à co n ceitu a çã o <strong>de</strong> crim e p olítico , conform e já citado n o cap ítu lo sobre extra d içã o , im p o rtan te<br />

salien tar o enten d im en to do Suprem o T rib u n al F ed eral <strong>de</strong> “rep elir-se, no caso co n creto , a existên cia <strong>de</strong> crim e<br />

p o lítico , dado que n ã o d em onstrada a d estin a çã o <strong>de</strong> a te n ta r, e fe tiv a ou p o te n cia lm en te , c o n tra a s o b e r a n ia<br />

n a c io n a l e a e s t r u t u r a p o lít ic a b r a s ile ir a " (ST F - 2 a T. - HC n° 7 3 .4 5 2 / R J - R ei. M in. M au rício C o rrêa, D i á r i o d a<br />

J u s tiç a , S eção I, 2 7 ju n . 1 9 9 7 , p. 3 0 .2 2 6 ).


5 9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A EC n° 45/04 ampliou a competência penal da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, no tocante à proteção<br />

dos Direitos Fundamentais, prevendo, nas hipóteses <strong>de</strong> grave violação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos,<br />

a possibilida<strong>de</strong> do Procurador-Geral da República, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> assegurar o cumprimento<br />

<strong>de</strong> obrigações <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> tratados internacionais <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos dos quais<br />

o Brasil seja parte, suscitar, perante o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em qualquer fase do<br />

inquérito ou processo, inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento <strong>de</strong> competência para a Justiça Fe<strong>de</strong>ral.<br />

B.3 Foro das causas <strong>de</strong> Interesse da União<br />

Igualmente, é estabelecido o foro das causas <strong>de</strong> interesse da União (CF, art. 109, §§ I a<br />

e 2a). Assim, as causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciária on<strong>de</strong><br />

tiver domicílio a outra parte; e as causas intentadas contra a União po<strong>de</strong>rão ser aforadas na<br />

seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela on<strong>de</strong> houver ocorrido o ato ou fato<br />

que <strong>de</strong>u origem à <strong>de</strong>manda ou on<strong>de</strong> esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Ainda, estabelece-se <strong>constitucional</strong>mente que serão processadas e julgadas na justiça<br />

estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem<br />

parte instituição <strong>de</strong> previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja a se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> vara do juízo fe<strong>de</strong>ral, e, se verificada essa condição, a lei po<strong>de</strong>rá permitir que outras<br />

causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual. Observe-se, porém,<br />

que, nessa hipótese, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral na<br />

área <strong>de</strong> jurisdição do juiz <strong>de</strong> primeiro grau.<br />

B.4 Organização da primeira Instância da Justiça fe<strong>de</strong>ral<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que cada Estado-membro, bem como o Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, constitua uma seção judiciária que terá por se<strong>de</strong> a respectiva Capital, e varas localizadas<br />

segundo o estabelecido em lei, sendo que nos Territórios Fe<strong>de</strong>rais a jurisdição e as<br />

atribuições cometidas aos juizes fe<strong>de</strong>rais caberão aos juizes da justiça local, na forma da lei.<br />

4 .7 .7 Ju s t iç a E sta d u a l<br />

Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que fixa alguns preceitos <strong>de</strong> observância obrigatória:<br />

I - a competência dos tribunais será <strong>de</strong>finida na Constituição do Estado, sendo a<br />

lei <strong>de</strong> organização judiciária <strong>de</strong> iniciativa do Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

II - a instituição <strong>de</strong> representação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou atos normativos<br />

estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição<br />

da legitimação para agir a um único órgão.1<br />

1 O S en a d o F ed eral aprovou o P a re ce r n 2 1 .7 4 8 e, p o sterio rm e n te , e m dois tu rn o s, a Pro p o sta d e E m en d a<br />

à C o n stitu ição n2 2 9 , d e 2 0 0 0 (n 2 9 6 , d e 1 9 9 9 , n a C âm ara dos D ep u tad o s), co n sta n te da E m en d a n2 2 4 0 , da<br />

Com issão <strong>de</strong> C o n stitu ição, Ju s tiç a e C idadania, enviando o te x to à C âm ara dos D eputados, p a ra n o v a a n á lise e<br />

eventual aprovação em dois turn os, pelo q uóru m q ualificad o d e 3/5. Em um im p o rtan te tó p ico , o S en a d o previu<br />

a in stitu ição <strong>de</strong> arg uição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scu m p rim ento <strong>de</strong> p receito co n stitu cio n al estad u al fu n d am en tal p eran te o Tribunal<br />

d e Ju s tiç a , bem com o a p ossibilid ad e <strong>de</strong> e fe ito s v in cu lan tes na ju risd içã o c o n stitu cio n a l esta d u a l (p ro p o sta <strong>de</strong><br />

n ova red ação a o art. 1 2 5 , § 2 2).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 595<br />

III - a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação por lei estadual, mediante proposta do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, da Justiça Militar estadual, sem qualquer vínculo jurisdicional ou<br />

administrativo com a Justiça Militar Fe<strong>de</strong>ral e o Superior Tribunal Militar,1constituída,<br />

nos termos da EC ne 45/04, em primeiro grau, pelos juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e<br />

pelos Conselhos <strong>de</strong> Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

ou por Tribunal <strong>de</strong> Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior<br />

a vinte mil integrantes, com competência para processar e julgar os militares<br />

dos Estados, nos crimes militares <strong>de</strong>finidos em lei e as ações judiciais contra atos<br />

disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil,<br />

cabendo ao tribunal competente <strong>de</strong>cidir sobre a perda do posto e da patente dos<br />

oficiais e da graduação das praças. Essa previsão (CF, art. 125, § 4a), porém, conforme<br />

preceitua a Súmula 673 do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não impe<strong>de</strong> a perda<br />

da graduação <strong>de</strong> militar mediante procedimento administrativo, uma vez que os<br />

mesmos não possuem a garantia da vitalicieda<strong>de</strong> e sim da estabilida<strong>de</strong>. A EC na<br />

45/04 estabeleceu competências diversas à primeira instância da Justiça Militar<br />

estadual. Dessa forma, <strong>de</strong>terminou competir aos juizes <strong>de</strong> <strong>direito</strong> do juízo militar<br />

processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as<br />

ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho <strong>de</strong> Justiça,<br />

soba presidência <strong>de</strong> ju iz <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, processar e julgar os <strong>de</strong>mais crimes militares.12<br />

IV - nos termos da EC ns 45/04, o Tribunal <strong>de</strong> Justiça, para dirimir conflitos fundiários,<br />

proporá a criação <strong>de</strong> varas especializadas, com competência exclusiva para<br />

questões agrárias.3<br />

V - aplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regra na composição dos Tribunais Estaduais, segundo a qual<br />

um quinto dos lugares dos Tribunais dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios<br />

será composto <strong>de</strong> membros do Ministério Público, com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> carreira,<br />

e <strong>de</strong> advogados <strong>de</strong> notório saber jurídico e <strong>de</strong> reputação ilibada, com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos <strong>de</strong><br />

representação das respectivas classes. Recebidas as indicações, o tribunal formará<br />

lista tríplice, enviando-a ao Po<strong>de</strong>r Executivo, que, nos vinte dias subsequentes,<br />

escolherá um <strong>de</strong> seus integrantes para a nomeação.<br />

VI - nos termos da EC na 45/04, o Tribunal <strong>de</strong> Justiça po<strong>de</strong>rá funcionar <strong>de</strong>scentralizadamente,<br />

constituindo Câmaras regionais, a fim <strong>de</strong> assegurar o pleno acesso<br />

do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.<br />

V II - igualmente nos termos da EC na45/04, a instalação, pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça,<br />

<strong>de</strong> justiça itinerante, com a realização <strong>de</strong> audiências e <strong>de</strong>mais funções da ativida<strong>de</strong><br />

jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se <strong>de</strong> equipamentos<br />

públicos e comunitários.<br />

1 STF - 2 a T. - CC n2 7 .3 4 6 -2 / S P - R ei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello , D iá r io d a J u s tiç a , S e ç ã o 1 , 14 <strong>de</strong>z. 2 0 0 6 , p. 44.<br />

2 STF - 2 a T. - HC n“ 9 3 .0 7 6 / R J, ReL M in. C elso <strong>de</strong> M ello , <strong>de</strong>cisão: 2 6 - 8 -2 0 0 8 ; S T F - ADI 471/ G O - R ei. M in.<br />

Eros G rau , In f o r m a t iv o S T F n “ 5 0 0 .<br />

3 A re d a ção o rig in a l d a C o n stitu ição <strong>de</strong> 1 9 8 8 e s ta b e le c ia a p o ssib ilid a d e do T rib u n a l <strong>de</strong> Ju s tiç a d esig n ar,<br />

para dirim ir c o n flito s ag rário s, ju iz e s <strong>de</strong> e n trâ n cia e sp ecia l, com com p etên cia exclu siv a p a ra q u estões a g rárias,<br />

e sta b e lecen d o , ain d a , q u e, sem p re que fosse n ecessário à e ficie n te p restação ju risd icio n a l, o ju iz <strong>de</strong>v eria estar<br />

p resen te no lo ca l do litíg io.


5 9 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

4 .7.8 C o m p o siç ã o d o s Trib u n a is R e g io n a is F e d e ra is, d o s T rib u n a is<br />

R e g io n a is do Trabalho, d o s T rib u n a is d o s E s t a d o s e do D istrito<br />

F e d e ra l e Territó rio s: R E G R A D O “Q UINTO C O N S T IT U C IO N A L"<br />

Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, dos Tribunais dos Estados,<br />

inclusive dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça Militar on<strong>de</strong> houver,1do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios<br />

e dos Tribunais Regionais doTrabalho será composto <strong>de</strong> membros do Ministério Público,<br />

com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> carreira, e <strong>de</strong> advogados <strong>de</strong> notório saber jurídico e <strong>de</strong> reputação<br />

ilibada, com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional, indicados em lista sêxtupla<br />

pelos órgãos <strong>de</strong> representação das respectivas classes, que encaminharão as indicações ao<br />

Tribunal respectivo, que formará lista tríplice, enviando-a ao chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo que,<br />

nos vinte dias subsequentes, escolherá um <strong>de</strong> seus integrantes para nomeação (CF, arts.<br />

94 e 115,1),12 sem qualquer participação do Po<strong>de</strong>r Legislativo, seja fe<strong>de</strong>ral, seja estadual,<br />

por ausência <strong>de</strong> previsão da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

O requisito <strong>constitucional</strong> exigido para os membros do Ministério Público é objetivo,<br />

qual seja, possuir mais <strong>de</strong> 10 anos <strong>de</strong> carreira.<br />

Diversamente, os requisitos constitucionais exigidos para a classe dos advogados são<br />

objetivos e subjetivos: (1) notório saber jurídico; (2) reputação ilibada; (3) mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<br />

anos <strong>de</strong> efetiva ativida<strong>de</strong> profissional.<br />

Em situação análoga (análise dos requisitos subjetivos para escolha do terço <strong>constitucional</strong><br />

dos advogados para o STJ), a 2- Turma do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu, por<br />

maioria <strong>de</strong> votos (3 x 2),4 pela possibilida<strong>de</strong> do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça recusar lista<br />

sêxtupla encaminhada pela Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil para preenchimento do 1/3<br />

<strong>constitucional</strong> daquela Corte, quando nenhum dos candidatos obtém a votação regimental<br />

mínima para a<strong>de</strong>ntrá-la e, consequentemente, ser submetido à escolha do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República para o preenchimento da vaga.5<br />

Importante salientar que a regra <strong>constitucional</strong> prevê expressamente a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> que 1/5 dos assentos nos Tribunais estaduais, inclusive on<strong>de</strong> houver Tribunais <strong>de</strong> Justiça<br />

Militares, distritais, Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da composição do respectivo tribunal ser ou não múltiplo <strong>de</strong> cinco,<br />

1 S T F - P l e n o - R E 4 8 4 3 8 8 / S P -R e d . p/A córdão M in. Luiz F u x , d ecisão: 1 3 -1 0 -2 0 1 1 .<br />

2 O Su p rem o T ribunal F ed era l afirm o u a im p ossibilid a<strong>de</strong> d o T rib u n al <strong>de</strong> a lte ra r a co m p o sição da lista sêxtupla<br />

enviad a, in d ep en d en tem en te, p o rém , da n ecessid a<strong>de</strong> <strong>de</strong> v e rifica çã o d o p reen ch im en to dos req u isito s c o n stitu ­<br />

cio n a is <strong>de</strong> seu s com p onen tes. D essa fo rm a , “n a au sên cia d e req u isito co n stitu cio n a l, em re la çã o a qualquer dos<br />

can d id ato s in d ica d o s p e la cla sse , n ã o c a b e ao trib u n a l su b stitu ir a lista a ele en cam in h ad a p o r o u tra , a in d a que<br />

co n stitu íd a p o r n o m es in d icad o s p ela s corp o raçõ es p a ra v agas d iv ersas do ‘quin to co n stitu cio n al’, m as <strong>de</strong>volver,<br />

d e fo rm a m otivada, a lis ta sêx tu p la à co rp o ra ção d a qual e m an ad a, para que a re fa ça, total o u p arcialm en te,<br />

co n fo rm e o n ú m ero dos can d id a to s d esqualificad o s” (S T F - P len o - M S n2 2 5 6 2 4 / S P - R e i. M in . S ep ú lv ed a<br />

P e rte n ce, d ecisão: 6 - 9 -2 0 0 6 - I n f o r m a t iv o S T F n2 4 3 9 )<br />

3 N esse s en tid o , o S T F c o n ced eu lim in ar p ara su sp en d er a e fic á c ia d e p revisão da EC 2 5 / 0 8 à C o n stitu ição do<br />

E stad o <strong>de</strong> São Pau lo, q u e p asso u a e x ig ir a a p rovação do esco lh id o pela m aio ria a b so lu ta d a A ssem bléia Legisla<br />

tiv a (ST F - P len o - ADI 4 1 5 0 / S P - R eL M in. M a rco A u rélio, d ecisão : 8 -1 0 -2 0 0 8 ).<br />

4 Votaram a favor d a p ossibilid ad e o s M inistros Eros Grau, C ezar P elu so e Eüen G ra cie ; e co n tra, os M inistros<br />

C elso <strong>de</strong> M ello e Jo a q u im B arbo sa.<br />

s<br />

S T F - 2 a T. - RM S 2 7 9 2 0 / D F - R ei. M in. E ro s G rau , d ecisão : 6 - 1 0 -2 0 0 9 . I n f o r m a t iv o S T F n“ 5 6 2 .


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 597<br />

seja composto por advogados e membros do Ministério Público. Assim, se a divisão dos<br />

membros <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado tribunal estadual, distrital ou regional fe<strong>de</strong>ral por cinco não<br />

resultar em um número inteiro, o arredondamento sempre <strong>de</strong>verá ser para cima, sob pena<br />

<strong>de</strong> consagrar-se uma sub-representação dos membros do Ministério Público e dos advogados,<br />

em flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Por exemplo: dividindo-se por cinco os cargos<br />

<strong>de</strong> um Tribunal composto por 12 (doze) membros, chegaríamos ao número <strong>de</strong> 2,4 (dois<br />

vírgula quatro). Consequentemente, para aten<strong>de</strong>r-se ao preceito <strong>constitucional</strong>, teríamos<br />

que arredondar as vagas <strong>de</strong>stinadas aos membros do Ministério Público e advogados para<br />

3 (três), sob pena <strong>de</strong> não se aten<strong>de</strong>r o preceito <strong>constitucional</strong> com somente 2 (duas) vagas<br />

que, por óbvio, estariam abaixo <strong>de</strong> 1/5 dos assentos do tribunal.1<br />

Assim o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando posicionamento anterior, afirmou em<br />

relação à regra do “quinto <strong>constitucional</strong>” que<br />

“essa é uma norma <strong>constitucional</strong> expressa, que há <strong>de</strong> prevalecer sobre a norma<br />

implícita, que <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> norma expressa, no sentido <strong>de</strong> que, se um quinto é dos<br />

advogados e dos membros do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, quatro quintos serão dos<br />

juizes <strong>de</strong> carreira. Observada a regra <strong>de</strong> hermenêutica - a norma expressa prevalece<br />

sobre a norma implícita - força é convir que, se o número total da composição não<br />

for múltiplo <strong>de</strong> cinco, arredonda-se a fração - superior ou inferior a meio - para<br />

cima, obtendo-se, então, o número inteiro seguinte. É que, se assim não for feito,<br />

o Tribunal não terá na sua composição um quinto <strong>de</strong> juizes oriundos da advocacia<br />

e do Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, com <strong>de</strong>scumprimento da norma <strong>constitucional</strong><br />

(CF, art. 94 e art. 107,1)”.12<br />

Observe-se, ainda, que, tratando-se <strong>de</strong> número ímpar na composição do 1/5 <strong>constitucional</strong><br />

(como no exemplo acima: 3), haverá a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeito à necessária<br />

alternância entre advogados e membros do Ministério Público, conforme exigido pela<br />

LOMAN e consagrado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A alternância “se faz observando-se, para tanto, a última nomeaçãoocorrida. Se, como<br />

no caso dos autos, a lista foi composta por advogados, a vaga surgida há <strong>de</strong> ser preenchida<br />

por membro do Ministério Público. Dispensável seria a inserção <strong>de</strong>ssa regra na Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>ve merecer interpretação teleológica e sistemática, <strong>de</strong>sprezando-se a or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> lançamento <strong>de</strong> vocábulos, expressões e disposições, sem que o texto em si, sinalize<br />

para a gradação <strong>de</strong> importância [...] Vale dizer, o arcabouço normativo <strong>constitucional</strong><br />

não contempla preferência, no preenchimento das vagas do quinto, entre advogados e<br />

membros do Ministério Público. Ombreiam em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições; sendo par o nú-<br />

1 S T F - I a T. - A ção O rig in á ria n° 493/PA - R e i. M ia O ctávio G a llo tti, d ecisão : 6 - 6 -2 0 0 0 . I n f o r m a t iv o S T F ,<br />

n° 1 9 2 ; S T J - 6 a T. - RM S 3 1 4 4 8 / R J - R ei. M in. H arold o R o d rig u es (D esem b a rg a d o r co n v o cad o do T J-C E ),<br />

d ecisão: 2 2 -2 -2 0 1 1 .<br />

2 S T F - P len o - M S n ° 2 2 3 2 3 5/ SP - R ei. M in. C arlos V elloso, E m e n t á r io n e 1 8 2 4 -1 0 . O p ró p rio M in istro relato<br />

r, altera n d o seu posicionam en to a n te rio r (A din n e 1 1 7 1 -R S ), afirm o u que: “C o n tin u ei, en tre ta n to , rep ito,<br />

a m ed ita r so b re o tem a. A conclu são a que ch eg u ei fo i o u tr a O q ue a C onstitu ição g aran te, exp ressam en te, é<br />

o quinto d a a d v o cacia e do M in istério P ú b lico . A C o n stitu ição n ão é exp ressa em g a ra n tir o s quatro quintos<br />

d a c a rre ira ... P a ra q u e s e ja dado cu m p rim en to à n o rm a e xp re ssa do quin to co n stitu cio n a l, o arred o n d am en to<br />

h a v e rá <strong>de</strong> ser p a ra cim a.”


598 Direito Constitucional • Moraes<br />

mero <strong>de</strong> vagas, as ca<strong>de</strong>iras são preenchidas pela classe respectiva, levando-se em conta o<br />

antecessor, e, sendo impar, pela salutar alternância”.1<br />

4.8 Quadro <strong>de</strong> competência para julgamento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s da República (os<br />

artigos referem-se à Constituição Fe<strong>de</strong>ral)12<br />

AUTORIDADE INFRAÇÃO3 ÓRGÃOJULGADOR<br />

I - Presi<strong>de</strong>nte<br />

II - Vice-presi<strong>de</strong>nte<br />

III - Parlamentares<br />

IV - Ministros do STF<br />

comum<br />

Tesprawabálidn<strong>de</strong><br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

STF (art. 102,1, b)<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 86)<br />

STF (art. 102,1, b)<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 86; 52,1)<br />

STF (art. 102,1, b)<br />

Casa Correspon<strong>de</strong>nte (art. 55, § 2°)<br />

STF (art. 102,1, b)<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, II)<br />

V - Procurador-Geral da comum STF (art. 102,1, b)<br />

República responsabilida<strong>de</strong> Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, II)<br />

VI - Membros do Conse- comum <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do cargo <strong>de</strong> origem<br />

lho Nacional <strong>de</strong> Justiça e<br />

do Conselho Nacional do<br />

Ministério Público4<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, II)<br />

VII - Ministros <strong>de</strong> Estado comum STF (art. 102,1, c)<br />

e os Comandantes da responsabilida<strong>de</strong> STF (art. 102,1, c)<br />

Marinha, do Exército e<br />

da Aeronáutica5<br />

resp. conexo com presi<strong>de</strong>nte<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52,1)<br />

1 STF - Pleno - MS n° 23.972-9/DF - medida cautelar - Rei. Min. Marco Aurélio, D i á r i o d a J u s t i ç a , Seção I,<br />

8 junho 2001, p. 25.<br />

2 Não se aplica a previsão <strong>de</strong> foro privilegiado aos suplentes <strong>de</strong> magistrados (STF - AP 665/MT, rei. Min. Celso<br />

<strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 27-2-2012), nem aos servidores inativos, tendo o STF, em relação aos magistrados aposentados,<br />

<strong>de</strong>cidido que “O foro especial por prerrogativa <strong>de</strong> função não se esten<strong>de</strong> a magistrados aposentados [...]<br />

a pretensão do recorrente esbarraria em orientação jurispru<strong>de</strong>ncial fixada pelo Supremo no sentido <strong>de</strong> que: a)<br />

o foro especial por prerrogativa <strong>de</strong> função teria por objetivo o resguardo da função pública; b) o magistrado,<br />

no exercício do ofício judicante, gozaria da prerrogativa <strong>de</strong> foro especial, garantia voltada não à pessoa do juiz,<br />

mas aos jurisdicionados; e c) o foro especial, ante a inexistência do exercício da função, não <strong>de</strong>veria perdurar,<br />

haja vista que a proteção dos jurisdicionados, nesse caso, não seria mais necessária” (STF - Pleno - RE 5495 60/<br />

CE, rei. Min. Ricardo Lewandowski, 22-3-2012).<br />

3 Em relação ao processo e ao julgamento dos atos <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, conferir item 4.7-A4, neste<br />

mesmo capítulo, e a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei na 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002.<br />

4 Redação dada pela EC n° 45/04.0 Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer n 01.748, e, posteriormente, em dois turnos,<br />

a Proposta <strong>de</strong> Emenda à Constituição n° 29, <strong>de</strong> 2000 (n°96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos Deputados), constante<br />

da Emenda n° 240, da Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados.<br />

Um dos tópicos trata da alteração do art. 10 2 ,1, b , conce<strong>de</strong>ndo foro especial no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nas<br />

infrações penais comuns, para os membros dos Conselhos Nacionais <strong>de</strong> Justiça e do Ministério Público.<br />

5<br />

Redação dada pela EC n° 23, promulgada em 2-9-1999.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 599<br />

comum<br />

STF (art. 102,1, c)<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

resp. conexo com presi<strong>de</strong>nte<br />

STF (art. 102,1, c)<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52,1)<br />

VIII - Advogado-Geral da comum STF (art. 102,1, b) status <strong>de</strong> Ministro1<br />

União responsabilida<strong>de</strong> Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, II)<br />

IX - Tribunais Superiores<br />

(STJ, TSE, STM, TST) e<br />

diplomatas<br />

X - Tribunal <strong>de</strong> Contas da<br />

União<br />

XI - Membros dos TRT<br />

TRE/TCE/TCM12<br />

XII - Desembargadores<br />

Fe<strong>de</strong>rais (TRFs)<br />

comum/responsabilida<strong>de</strong> STF (art. 102,1, c)<br />

comum/responsabilida<strong>de</strong> STF (art. 102,1, c)<br />

comum/responsabilida<strong>de</strong> STJ (art. 105,1, a)<br />

comum/responsabilida<strong>de</strong> STJ (art. 105,1, a)<br />

XIII - Juizes Fe<strong>de</strong>rais comum/responsabilida<strong>de</strong> TRF (art. 108,1, a)<br />

XIV - Governador <strong>de</strong> comum/eleitoral STJ (art. 105,1, a)<br />

Estado responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Const. Estadual<br />

XV - Vice-governador <strong>de</strong> comum <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Const. Estadual*<br />

Estado responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Const. Estadual<br />

XVI - Parlamentares<br />

estaduais<br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Const. Estadual (em regra<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça)3 *<br />

Assembléia Legislativa<br />

1 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu sua competência para conhecer e julgar queixa-crime<br />

contra o Advogado-Geral da União, tendo em vista a edição da Medida Provisória n° 2.049-22, <strong>de</strong> 28-8-2000,<br />

que transforma o mencionado cargo <strong>de</strong> natureza especial em cargo <strong>de</strong> ministro <strong>de</strong> Estado, atraindo, portanto,<br />

a incidência do art. 102, I, ‘c’, da CF (STF - Pleno - Inquérito (QO) 1.660/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

6-9-2000. Informativo STF, nfi 201). Conferir, ainda: STF - Pleno - QO em Inquérito n° 1.660-8/DF - Rei. Min.<br />

Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1, 6 jun. 2003, p. 32. No mesmo sentido, em relação a concessão<br />

<strong>de</strong>status <strong>de</strong> Ministro <strong>de</strong> Estado ao Presi<strong>de</strong>nte do Banco Central, conferir STF - Pleno - Adin n2 3289/DF e Adin<br />

n2 3290/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 5-5-2005, Informativo STF n9 386. Diversa é a hipótese <strong>de</strong><br />

“Secretarias especiais” que não foram alçadas a Ministérios, mas tão somente tiveram, por meio <strong>de</strong> lei, a extensão<br />

<strong>de</strong> prerrogativas, vantagens e <strong>direito</strong>s equivalentes a Ministros <strong>de</strong> Estado. Nesses casos, o STF não reconheceu a<br />

existência da prerrogativa <strong>de</strong> foro (caso do Secretário Especial <strong>de</strong> Aquicultura e Pesca - STF - Pleno - Inq. 2044/<br />

SC-questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m-Rei. Min. Sepúlveda Pertence-Informativo na374, p. 2). Conforme <strong>de</strong>stacou o Ministro<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, trata-se <strong>de</strong> “prerrogativa <strong>de</strong> foro como reforço à in<strong>de</strong>pendência das funções <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na República<br />

adotada por razões <strong>de</strong> política <strong>constitucional</strong>. Situação em que se justifica a diferenciação <strong>de</strong> tratamento entre<br />

agentes políticos em virtu<strong>de</strong> do interesse público evi<strong>de</strong>nte. Garantia da prerrogativa <strong>de</strong> foro que se coaduna com<br />

a socieda<strong>de</strong> hipercomplexa e pluralista, a qual não admite um código unitarizante dos vários sistemas sociais”<br />

(STF - Pleno - ADI n2 3.289-5/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção 1 , 24 fev. 2006, p. 7).<br />

2 Competência do Superior Tfibunal <strong>de</strong> Justiça para processo e julgamento <strong>de</strong> Conselheiro <strong>de</strong> Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

do Estado, bem como para <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> quebra <strong>de</strong> sigilo bancário e fiscal e análise <strong>de</strong> afastamento cautelar do<br />

cargo (STJ - Corte Especial - Inq. 780-CE, Rei. Min. NancyAndrighi, julgado em 6-6-2012).<br />

3 Observe-se, porém, que, em se tratando <strong>de</strong> crimes praticados e m <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços o u interesses<br />

das entida<strong>de</strong>s autárquicas da União, a competência será do Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral: (STF - 2a T. - HC n°<br />

69.465-9/RS - Rei. Min. Paulo Brossard- Diário da Justiça, Seção 1, 23 mar. 2001, p. 85).


6 0 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

XVII - Procurador- Geral<br />

<strong>de</strong> Justiça<br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> com<br />

Governador<br />

TJ (art. 96, III)<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo Estadual ou Distrital<br />

(art. 128, § 4®)<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da Const. Estadual<br />

XVIII - Membros do comum/responsabilida<strong>de</strong> TJ (art. 96, III)<br />

Ministério Público<br />

Estadual<br />

crimes eleitorais<br />

TRE<br />

XIX - Tribunal <strong>de</strong> Justiça comum/responsabilida<strong>de</strong> TJ (art. 96, III)<br />

Militar/Juízes <strong>de</strong><br />

Direito1<br />

crimes eleitorais<br />

TRE<br />

XX - Desembargadores<br />

XXI - Prefeitos<br />

XXII - Subprocuradores-<br />

Gerais da República<br />

XXIII - Membros do<br />

Ministério Público da<br />

União (MPF/MPM/<br />

MPT/MPDF), que atuem<br />

perante Tribunais<br />

XXIV - Membros do<br />

Ministério Público da<br />

União (MPF/MPM/MPT/<br />

MPDF), que atuem perante<br />

a I a instância<br />

comum/eleitoral<br />

responsabilida<strong>de</strong><br />

comum<br />

responsabilida<strong>de</strong> (infrações<br />

político-administrativas)<br />

responsabilida<strong>de</strong>s impróprias<br />

(infrações penais)<br />

comum/responsabilida<strong>de</strong><br />

comum/responsabilida<strong>de</strong><br />

comuns/responsabilida<strong>de</strong><br />

crimes eleitorais<br />

STJ (art. 105,1, a)<br />

TJ (art. 29, X)12<br />

Câmara dos Vereadores (art. 31)<br />

TJ<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (CF, art.<br />

105,1, a)3<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (CF, art.<br />

105,1, a)4<br />

Tribunal Regional Fe<strong>de</strong>ral (CF, art.<br />

108,1, a)5<br />

Tribunal Regional Eleitoral (CF, art.<br />

108,1, a)<br />

* Em regra, as Constituições estaduais estabelecem a competência para o Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

Observe-se que para o processo e julgamento tanto para os crimes comuns, quanto para<br />

os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> praticados pelo Governador <strong>de</strong> Estado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> q ue exista previ-<br />

1 A té a publicação da EC n “ 45/04, tam bém se incluíam nesse item os ju izes dos Tribunais d e Alçada. Porém ,<br />

com a extinção dos mesmos, p elo art. 4“ da re ferid a em enda, passando os seus m em bros a in tegrar os Tribunais<br />

d e Justiça, assegurados os <strong>direito</strong>s dos in ativos e pensionistas, a com petência para crimes comuns, eleitorais ou<br />

d e responsabilida<strong>de</strong> passou ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

2 C on ferir Capítulo 8, item 1.6.2.<br />

3 S T F - 2a T . - H C n 5 84.301/SP - R eL M in . Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 24 mar. 200 6 , p. 54.<br />

4 STF 1'' T. HC n ° 73.801/M G - Rei. M in . Celso d e M ello , Diário da Justiça, Seção 1 ,27 ju n. 1997, p. 30226.<br />

5 STF - 2a T. - RE n Q467.923/D F - R ei. M in . C ezar Peluso, Informativo STFn“ 423, STF - I a T. - RE n ° 418.852<br />

- ReL M in. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 6-12-2005.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 0 1<br />

são expressa da Constituição Estadual, haverá a necessida<strong>de</strong> do juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> da<br />

acusação, a ser realizado por 2/3 da Assembléia Legislativa (RTJ, 158/280).1<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a Constituição <strong>de</strong> cada Estado fixará a competência para o processo<br />

e julgamento do Governador <strong>de</strong> Estado por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, no exercício <strong>de</strong><br />

sua autonomia <strong>de</strong> auto-organização política.<br />

Somente a título exemplificativo, no Estado <strong>de</strong> São Paulo, o art. 49, § l fi, da Constituição<br />

Estadual prevê a existência do chamado Tribunal Especial constituído <strong>de</strong> 15<br />

(quinze) membros, sendo sete <strong>de</strong>putados Estaduais e sete Desembargadores, sorteados<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, que também o presidirá, que terá competência<br />

para o processo e julgamento do Governador do Estado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja licença <strong>de</strong> 2/3 da<br />

Assembléia Legislativa,12 norma essa <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> por ofensa à competência<br />

privativa da União.3<br />

No Estado <strong>de</strong> Santa Catarina, sua Constituição <strong>de</strong>termina, no art. 73, que compete à<br />

Assembléia Legislativa processar e julgar o Governador do Estado por crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja licença <strong>de</strong> 2/3 da Assembléia Legislativa. A mesma previsão é<br />

feita no art. 107, da Constituição do Estado da Bahia, no art. 90 da Constituição do Ceará<br />

e no art. 41, § l e, da Constituição <strong>de</strong> Tocantins.<br />

Note-se, entretanto, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida liminar em<br />

ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> proposta em face da Constituição do Estado <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina, confirmada posteriormente no mérito on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

do dispositivo,4 enten<strong>de</strong>u que a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> e a regulamen<br />

tação do processo e do julgamento são <strong>de</strong> competência da União, em virtu<strong>de</strong> dos arts. 85,<br />

parágrafo único e 22,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,5 suspen<strong>de</strong>ndo as normas estaduais que<br />

dispõem sobre a matéria.6<br />

1 Conferir: STF - I a T. - HC 86015/PB, Rei. M in Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 16-8-2005 - Informativo STF<br />

n° 397, p. 2 e Informativo STF n° 399, p. 3.<br />

2 Observe-se q u e a eficácia <strong>de</strong>sse dispositivo fo i suspensa pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Impeachment e<br />

competência legislativa: Por aparente ofensa à competência da União para legislar sobre <strong>direito</strong> processual (CF,<br />

a rt 22, I), assim como para <strong>de</strong>finir os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 85, parágrafo único), o Tribunal <strong>de</strong>feriu<br />

m edida cautelar em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para suspen<strong>de</strong>r a eficácia <strong>de</strong><br />

dispositivos da Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo que <strong>de</strong>finem os crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Governador<br />

e regulam seu processo e julgam ento. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio que in<strong>de</strong>feria o pedido <strong>de</strong> liminar<br />

quanto à expressão ‘ou do Governador’, constante do item I do § 2S do art. 10 da Constituição do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo, por enten<strong>de</strong>r que tal dispositivo apenas disciplina o f uncionamento da Assem bléia Legislativa (art. 10 -<br />

‘A Assem bléia Legislativa funcionará em sessões públicas... § 2a O voto será público, salvo nos seguintes casos:<br />

I - no julgam ento <strong>de</strong> Deputados ou do Governador’). Prece<strong>de</strong>ntes citados: ADInM C 1.628-SC (RTJ 166/147) e<br />

ADInMC 2.050-RO (DJU <strong>de</strong> l°-1 0 -9 9 )” (STF - Pleno - Adin n° 2.220/SP - ReL M ia Octavio Gallotti, P-8-2000.<br />

Informativo STF, n ° 196).<br />

3 STF - A D I2 2 2 0 / S P -R e l. Min. Carmen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 16-11-2011.<br />

4 STF - Pleno - A D I 3279/SC - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 16-11-2011.<br />

5 A rL 85 - S ão crimes d e responsabilida<strong>de</strong> os atos do Presi<strong>de</strong>nte da República que atentem contra a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral e, especialmente, contra (...) Parágrafo único. Esses crimes serão <strong>de</strong>finidos em lei especial, que<br />

estabelecerá as normas <strong>de</strong> processo e julgam ento. Art. 2 2 ,1 - Compete privativam ente à União legislar sobre<br />

(...) <strong>direito</strong> processuaL<br />

6 STF - Pleno - Adin n° 1,628/SC - Rei. Min. Nelson Jobim - RTJ 166/147. C onferir <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito: STF -<br />

Pleno - AD I n ° 1628/SC - ReL M ia Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 10-8-2006 - Informativo STF n° 435.


602 Direito Constitucional • Moraes<br />

Desta forma, expôs o Ministro-relator Nelson Jobim que “curvando-me por completo a<br />

esta constatação histórica -tratamento <strong>de</strong> 1988 em nada diverso ao tratamento <strong>de</strong> 1946 -<br />

entendo que a <strong>de</strong>finição dos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, como também o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> normas <strong>de</strong> processo e julgamento, é da competência da União Fe<strong>de</strong>ral”, para concluir<br />

estar “vigente a lei fe<strong>de</strong>ral por sobre as normas estaduais”, e, consequentemente, “não<br />

po<strong>de</strong>rá (a) o Governador do Estado ser suspenso <strong>de</strong> suas funções como <strong>de</strong>corrência da<br />

admissibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>núncia e (b ) não po<strong>de</strong>rá ser julgado pela Assembléia Legislativa,<br />

mas, sim, pelo órgão da lei <strong>de</strong> 1950”.1<br />

Em conclusão, por votação unânime na citada medida liminar, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>terminou a aplicação da Lei nfi 1.079/50 ao processo e julgamento dos Governadores<br />

<strong>de</strong> Estado por crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que, por sua vez, institui em seu<br />

art. 78, § 3e, a competência do julgamento para um Tribunal especial composto <strong>de</strong> cinco<br />

membros do Legislativo e <strong>de</strong> cinco <strong>de</strong>sembargadores sob a presidência do Presi<strong>de</strong>nte do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça local.12<br />

Nesse mesmo sentido, em relação à Constituição do Estado do Maranhão, enten<strong>de</strong>u<br />

a Suprema Corte que “por ofensa ao art. 2 2 ,1, da CF, que prevê a competência privativa<br />

da União para legislar sobre <strong>direito</strong> processual, o Tribunal, por maioria, <strong>de</strong>feriu a medida<br />

cautelar para suspen<strong>de</strong>r tão somente a eficácia do inciso II do § l fi do art. 66 ( ‘§ l fi O Governador<br />

ficará suspenso <strong>de</strong> suas funções: ...II - nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, após a<br />

instauração do processo pela Assembléia Legislativa’), porquanto a Constituição estadual<br />

não po<strong>de</strong>ria dispor sobre crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, que é matéria prevista em lei fe<strong>de</strong>ral”.3<br />

Pacificando a questão, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editou a Súmula 722, com o<br />

seguinte enunciado: “São da competência legislativa da União a <strong>de</strong>finição dos crimes <strong>de</strong><br />

responsabilida<strong>de</strong> e o estabelecimento das respectivas normas <strong>de</strong> processo e julgamento.”<br />

4.9 Recurso extraordinário e repercussão geral das questões constitucionais<br />

(Lei n° 11.418, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006)<br />

4.9.1 R e cu rso Extraordinário<br />

Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral julgar, mediante recurso extraordinário, as<br />

causas <strong>de</strong>cididas em única ou última instância, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida:4<br />

1 Trecho do voto do Ministro relator Nelson Jobim: R TJ166/155.<br />

2 Importante salientar que o STF afastou a previsão expressa da própria Lei n2 1.079/50, que <strong>de</strong>termina a com ­<br />

petência <strong>de</strong>sse Tribunal especial “somente nos Estados, on<strong>de</strong> as Constituições não <strong>de</strong>terminarem o processo nos<br />

crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>”. Como já ressaltado, o Pretório Excelso enten<strong>de</strong>u pela não recepção <strong>de</strong>ssa previsão<br />

em fa ce dos arts. 85, parágrafo único e 2 2 ,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

3 STF - Pleno - Adin n° 1.890/MA - m edida cautelar - Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 10-12-1998 - Informativo<br />

STF n2 135. Conferir ainda, nesse mesmo sentido: STF - Pleno - Adin n2 834/MT - ReL Min. Sepúlveda<br />

Pertence, <strong>de</strong>cisão: 18-2-1999 - Informativo STF n2 138, em relação à legislação do M ato Grosso sobre crimes<br />

<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, inclusive citando os seguintes prece<strong>de</strong>ntes: ADInM C 307-CE (DJU, 28-9-90) e ADInMC<br />

102-RO (DJU 17-11-89). Conferir, ainda: STF - Pleno - Adin n2 1.879-6/RO - Rei. Min. M oreira Alves - Diário<br />

da Justiça, Seção 1 ,1 8 maio 2001, p. 63.<br />

4 Ressalte-se qu e o Ministério Público tem ampla legitim ida<strong>de</strong> para interpor recurso extraordinário, inclusive<br />

enquanto custos legis (STF - I a T. - Rextr. n2 208.103-5/RN - Rei. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I,<br />

22 ago. 1997, p. 38.786).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 0 3<br />

• contrariar dispositivo da Constituição;<br />

• <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratado ou lei fe<strong>de</strong>ral;<br />

• julgar válida lei ou ato <strong>de</strong> governo local contestado em face <strong>de</strong>sta constituição;<br />

• julgar válida lei local contestada em face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral (EC na 45/04). Essa nova<br />

hipótese <strong>de</strong> cabimento <strong>de</strong> recurso extraordinário reforçou do papel do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no controle da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos,<br />

pois o novo texto passou a enten<strong>de</strong>r como conflito <strong>de</strong> competência fe<strong>de</strong>rativa o<br />

julgamento da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei local contestada em face <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral, transferindo<br />

a antiga competência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso<br />

especial, para o STF.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao prever o recurso extraordinário <strong>de</strong> causas <strong>de</strong>cididas em<br />

única ou última instância, permite seu cabimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões interlocutórias, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

presentes os <strong>de</strong>mais requisitos constitucionais.12<br />

Saliente-se que somente será cabível a interposição do recurso extraordinário se esgotados<br />

todos os meios recursais ordinários.3 Além disso, na petição <strong>de</strong> encaminhamento do recurso<br />

extraordinário, <strong>de</strong>verá, obrigatoriamente, ser indicada a hipótese <strong>constitucional</strong> permissiva.4<br />

Acrescente-se, a Constituição não exige que a <strong>de</strong>cisão seja <strong>de</strong> algum tribunal, <strong>de</strong>sta<br />

forma cabível o recurso extraordinário das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> juiz singular (quando inexistir<br />

recurso ordinário) e das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Criminais e Cíveis.5<br />

Como garantia <strong>de</strong> respeito à Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o legislador constituinte, como já<br />

afirmado, erigiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em guardião da Constituição.<br />

Deste fato, surge sua competência recursal extraordinária para assegurar a suprema<br />

cia das normas constitucionais, <strong>de</strong> acordo com sua própria hermenêutica, possibilitando,<br />

portanto, ao Pretório Excelso somente a análise jurídico-<strong>constitucional</strong> do recurso, mas<br />

jamais o reexame da matéria f ática.<br />

No recurso extraordinário, como salienta Mancuso, “o espectro <strong>de</strong> sua cognição não<br />

é amplo, ilimitado, como nos recursos comuns (v. g., a apelação), mas, ao invés, é restrito<br />

aos lin<strong>de</strong>s da matéria jurídica”, concluindo que esse recurso não se presta “para o reexame<br />

da matéria <strong>de</strong> fato; presume-se ter esta sido dirimida pelas instâncias ordinárias, quando<br />

proce<strong>de</strong>ram à tarefa da subsunção do fato à norma <strong>de</strong> regência”.6<br />

1 Cf. nesse sentido: STF - Pleno - A1132755 QO/SP, Rei. orig. Min. M oreira Alves, red p/ Acórdão M in Dias<br />

T o ffo li, <strong>de</strong>cisão: 19-11-2009.<br />

2 A I na 148.033-5/RJ, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJU, <strong>de</strong> 21 set. 1994, p. 24.929; S T F - P le n o - R e x tr . n a<br />

210.917/RJ - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 12-8-98. Informativo STF n2 118.<br />

3 Conferir nesse sentido: STF - “ O prévio esgotamento das instâncias recursais ordinárias constitui pressuposto<br />

<strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso extraordinário” (STF - Pleno - Rextr. na 262.782-8/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

Diário da Justiça, Seção 1 ,13 set. 2000, p. 42/<br />

4 STF - A gravo regim ental no agravo <strong>de</strong> instrumento n2 171.342-0/RJ - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 26 abr. 1996, p. 13.124; STF - l s T. - A I n2 170.519-1/040/RJ - Rei. Min. N éri da Silveira,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,2 abr. 1996.<br />

5 STF - Reclamação n2 416-0, Rei. Carlos Velloso; Reclam ação n2 471-6, Rei. Celso <strong>de</strong> M ello e Reclamação n 2<br />

476-7, igualmente relatado p elo M in. Carlos Velloso.<br />

6<br />

MANCUSO, R o d o lfo <strong>de</strong> Camargo. Recurso... Op. cit. p. 113.


604 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.9.2 R e q u isito s co n stitu cio n a is para o R e cu rso Extraordinário<br />

Em qualquer das quatro hipóteses, sempre haverá necessida<strong>de</strong> para o cabimento do<br />

recurso extraordinário <strong>de</strong> três requisitos: prequestionamento, ofensa direta e frontal à<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral e repercussão geral das questões constitucionais.<br />

O prequestionamento <strong>de</strong>verá ser explícito,1sendo que sua configuração pressupõe<br />

o <strong>de</strong>bate e a <strong>de</strong>cisão prévios sobre o tema jurígeno versado no recurso. Se a Corte <strong>de</strong> origem<br />

não analisou a questão <strong>constitucional</strong> veiculada, <strong>de</strong>verão ser interpostos embargos<br />

<strong>de</strong>claratórios, para esse fim, <strong>de</strong> maneira que se esgotem todos os mecanismos ordinários<br />

<strong>de</strong> discussão da questão <strong>constitucional</strong>, possibilitando-se o apelo extremo.<br />

Observe-se, porém, que, em regra, não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prequestionamento<br />

inicial em embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> questão <strong>constitucional</strong> surgida antes da <strong>de</strong>cisão<br />

da Corte <strong>de</strong> origem, uma vez que essa <strong>de</strong>ve ter tido a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> analisar, em sua<br />

plenitu<strong>de</strong>, a questão <strong>constitucional</strong> no próprio acórdão.<br />

Ressalte-se, porém, que na hipótese da vulneração inicial da norma <strong>constitucional</strong><br />

ter surgido com a <strong>de</strong>cisão da Corte <strong>de</strong> origem, <strong>de</strong>verá ser realizado o prequestionamento<br />

nos embargos <strong>de</strong>claratórios a fim <strong>de</strong> que o próprio Tribunal possa <strong>de</strong>bater a questão<br />

<strong>constitucional</strong>.12<br />

Portanto, há a configuração <strong>de</strong> duas hipóteses possíveis, em que serão necessários os<br />

embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração, para que seja possível a interposição <strong>de</strong> recurso extraordinário.<br />

Na primeira hipótese, houve o prequestionamento, porém o acórdão da Corte recorrida<br />

não analisou a questão <strong>constitucional</strong>, sendo necessários os embargos <strong>de</strong>claratórios,<br />

para que se esgotem todos os meios ordinários <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>ssa questão. A segunda hipótese<br />

ocorrerá quando a questão <strong>constitucional</strong> surgir no próprio acórdão da Corte recorrida,<br />

havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong>claratórios para, <strong>de</strong> forma inicial,<br />

iniciar-se o <strong>de</strong>bate da questão <strong>constitucional</strong>.<br />

O prequestionamento justifica-se pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> verificar-se o enquadramento<br />

do recurso em um dos permissivos constitucionais (extraordináriostrictosensu), havendo,<br />

pois, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o órgão recorrido ter-se manifestado sobre a questão <strong>constitucional</strong>,<br />

emitindo juízo <strong>de</strong> valor sobre o tema.3 Deve, portanto, haver o esgotamento <strong>de</strong> todos os<br />

meios possíveis <strong>de</strong> prequestionamento.4<br />

O recurso extraordinário será cabível sempre que a ofensa existente nos autos for direta<br />

e frontal à Constituição Fe<strong>de</strong>ral,5 inadmitindo-o, pois, nas hipóteses <strong>de</strong> ofensas reflexas.6<br />

A via reflexa caracteriza-se quando a apuração da ofensa à norma <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do reexame das normas infraconstitucionais aplicadas pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário ao<br />

1 RTJ 125/1.368; KTJ 159/977; STF - Rextr. (A g R g ) na 190.772-0 - Rei. Min. M au rício Corrêa. Informativo<br />

STF, n= 112; KTJ 153/989; KTJ 153/960.<br />

2 RTJ 153/960.<br />

3 STF - 2a T. - Rextr. nD117.056-5 - Rei. p/acórdão M in. M arco Aurélio.<br />

4 STF - I a T. - Rextr. na 230.924/M T - Rei. Min. M oreira A lves, Diário da Justiça, Seção 1 ,25 jun. 1999, p.<br />

33; STF - I a T. - Rextr. ne 216.080/SE - Rei. Min. lim ar G alvão, Diário da Justiça, Seção 1,1 3 ago. 1999, p. 18.<br />

5 RTJ 107/661.<br />

6 RTJ 105/704.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 605<br />

caso concreto; ou ainda, quando para atingir a violação do preceito <strong>constitucional</strong>, houver<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interpretação do sentido da legislação infra<strong>constitucional</strong>.<br />

Dessa forma, enten<strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que, se, para provar a contrarieda<strong>de</strong><br />

à Constituição, tem-se, antes, <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar a ofensa à lei ordinária, é esta que conta para<br />

o não cabimento do recurso extraordinário em face das restrições regimentais.1<br />

4.9.3 Em enda Constitu cio n a l n - 45/04 e repercu ssã o g era l<br />

Nos termos da ECna 45/04, no recurso extraordinário, o recorrente <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>monstrar<br />

a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a<br />

fim <strong>de</strong> que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente po<strong>de</strong>ndo recusá-lo pela<br />

manifestação <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros (CF, art. 102, § 3P).<br />

Trata-se <strong>de</strong> importante alteração nos requisitos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso extraordinário,<br />

pois possibilita ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a análise da relevância <strong>constitucional</strong><br />

da matéria, bem como do interesse público em discuti-la, na tentativa <strong>de</strong> afastá-lo do<br />

julgamento <strong>de</strong> causas relevantes somente aos interesses particulares.12<br />

A repercussão geral somente estará presente quando na pretensão arguida perante o<br />

STF houver acentuado interesse geral na solução das questões constitucionais discutidas<br />

naquele <strong>de</strong>terminado processo, que transcenda a <strong>de</strong>f esa puramente <strong>de</strong> interesses subjetivos<br />

e particulares, preten<strong>de</strong>ndo o texto <strong>constitucional</strong>, ao mesmo tempo, fortalecer as <strong>de</strong>cisões<br />

das instâncias jurisdicionais ordinárias epreservaroSupremoTribunalFe<strong>de</strong>ralpara<br />

a discussão das matérias constitucionais <strong>de</strong> relevância e reflexo para toda a socieda<strong>de</strong>.3<br />

A partir da EC nB45/04, para que os recursos extraordinários sejam conhecidos e<br />

julgados, haverá necessida<strong>de</strong>, na forma da lei, <strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>r<br />

essenciais e relevantes as questões constitucionais a serem analisadas. Como afirmado<br />

por Doreste Batista, a questão será relevante quando “o interesse no seu <strong>de</strong>sate seja maior<br />

fora da causa que propriamente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>la”.4<br />

Como salientado pelo Ministro Carlos Velloso,<br />

1 KTJ135/837.<br />

2 A mesma i<strong>de</strong>ia é <strong>de</strong>fendida por Oscar Vilhena Vieira, ao afirm ar que “ a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> dar ao Suprem o Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolher - com certo grau <strong>de</strong> discricionarieda<strong>de</strong> - as causas que julgará, é da maior relevância.<br />

Afinal, a imensa maioria dos casos que chega a Corte já passou pelo duplo grau <strong>de</strong> jurisdição. Assim, já se<br />

encontra satisfeito o princípio fundamental do duplo grau <strong>de</strong> jurisdição. Nesse sentido, o acesso à jurisdição do<br />

STF, por m eio <strong>de</strong> recurso extraordinário, não seria um <strong>direito</strong> subjetivo absoluto, no sentido <strong>de</strong> que, satisfeitas<br />

algumas condições objetivas, obrigado estaria o STF <strong>de</strong> conhecer o recurso” (VIE IRA, Oscar Vilhena. Que Reform<br />

a? USP - Estudos avançados, v. 18, nQ51, maio/ago. 2004. p. 202).<br />

3 Hipótese clara <strong>de</strong>ssa transcendência do mero interesse individual se <strong>de</strong>u para reafirm ar a histórica garantia<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> da Socieda<strong>de</strong> consagrada no inciso XI, do art. 5Q(inviolabilida<strong>de</strong> dom iciliar). O Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral reconheceu repercussão geral para ju lgar recurso extraordinário que tratava da questão da ilicitu<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prova produzida em busca e apreensão em residência sem mandado judicial (STF - Pleno - RE 603.616/RO),<br />

tendo afirm ado o Ministro-relator Gilmar Men<strong>de</strong>s que, “no que concerne à questão <strong>de</strong> que a violação do domicílio,<br />

no período noturno, sem o correpon<strong>de</strong>nte mandado judicial <strong>de</strong> busca e apreensão, ensejaria a ilegalida<strong>de</strong> das<br />

provas colhidas, entendo que merece pronunciamento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pois transcen<strong>de</strong> o direto<br />

subjetivo do recorrente” ).<br />

4<br />

BATISTA, N. Doreste. Da relevância da arguiçãofe<strong>de</strong>raln o recurso extraordinário. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 1976, p . 34.


6 0 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

“esta é, para nós, uma solução realmente inovadora: exigir que seja <strong>de</strong> alta relevância<br />

a questão fe<strong>de</strong>ral suscitada, para se admitir recurso”, pois “ainda que estes<br />

outros estivessem presentes, o recurso não seria admitido, quando a questão <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> fe<strong>de</strong>ral focalizada não fosse <strong>de</strong> alta relevância. Essa relevância, posta como<br />

condição <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso, seria verificada sob o ponto <strong>de</strong> vista do<br />

interesse público”.1<br />

A maior discridonarieda<strong>de</strong> concedida ao STF para análise dos recursos extraordinários<br />

com repercussão no interesse público assemelha-se a mecanismos do Direito Comparado,<br />

que visam permitir uma maior seleção, por parte da Corte Suprema ou do Tribunal Constitucional,<br />

dos recursos a serem julgados, pela importância da matéria e repercussão da<br />

<strong>de</strong>cisão no interesse geral da socieda<strong>de</strong>, impedindo que o excesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas atrapalhe<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no cumprimento <strong>de</strong> sua grave missão <strong>de</strong> intérprete e guardião<br />

maior da Constituição.<br />

Na Corte Suprema Norte-americana, em relação às competências recur sais facultativas,12<br />

um <strong>de</strong>terminado caso somente será apreciado pela Suprema Corte, se houver um juízo<br />

positivo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> realizado pelo menos por quatro juizes (norma dos quatro). Na<br />

gran<strong>de</strong> maioria das vezes, a Corte se recusa a analisar o caso, pois, como relata Lawrence<br />

Baum, a Corte Suprema<br />

“julga somente uma minúscula proporção dos casos que chegam dos tribunais<br />

fe<strong>de</strong>rais e estaduais. Mesmo <strong>de</strong>ntro do sistema <strong>de</strong> tribunais fe<strong>de</strong>rais, a Corte julga<br />

menos <strong>de</strong> um por cento dos casos <strong>de</strong> que tratam os tribunais distritais”.3<br />

Em virtu<strong>de</strong> do acúmulo <strong>de</strong> solicitações feitas à Corte, criou-se um procedimento <strong>de</strong><br />

pré-triagem, <strong>de</strong> forma que o Presi<strong>de</strong>nte da Corte coloca em uma lista, <strong>de</strong>nominada lista <strong>de</strong><br />

exame, os casos <strong>de</strong> relevância, para que sejam analisados e obtenham sua admissibilida<strong>de</strong><br />

pelo menos por quatro juizes.4 Ressalte-se que os casos excluídos pelo Chief Justice da<br />

lista <strong>de</strong> exame po<strong>de</strong>rão, a pedido <strong>de</strong> qualquer dos <strong>de</strong>mais juizes, ter sua admissibilida<strong>de</strong><br />

analisada.5<br />

1 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do po<strong>de</strong>r judiciário: com o torná-lo mais ágil e dinâmico - efeito vinculante<br />

em outros temas. Revista dos Tribunais, ano 6, n5 25, p. 15, ouL/<strong>de</strong>z. 1998.<br />

2 C om o ressalta Bernard Schwartz, “ o seu po<strong>de</strong>r facultativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar os casos em que ela própria po<strong>de</strong><br />

ju lgar resultou no fato <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser sim plesm ente um órgão ju diciário comum. É um tribunal <strong>de</strong><br />

recurso especial, apenas para a solução <strong>de</strong> questões consi<strong>de</strong>radas com o envolvendo um interesse público substancial<br />

e não os interesses exclusivos <strong>de</strong> algumas pessoas privadas” (SCHW ARTZ, Bernard. Direito <strong>constitucional</strong><br />

americano. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1966. p. 177).<br />

3 BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana. Rio d e Janeiro: Forense Universitária, 1987. p . 26 e 139.<br />

4 Jethro K. Lieberman aponta que a <strong>de</strong>nominada rule offour constitui praxe na Suprema Corte, porém não possui<br />

caráter obrigatório, po<strong>de</strong>ndo ser dispensada (LIEBERM AN, Jethro K.Apractical companionto the constitution.<br />

Los Angeles: University Califórnia Press, 1999. p. 436).<br />

5 Historicamente torna-se importante lembrar o caso Robison v. Califórnia (1962), pois, apesar <strong>de</strong> sua exclusão<br />

inicial da lista <strong>de</strong> exame, por solicitação <strong>de</strong> um dos membros da Corte, foi submetido a admissão (norm a dos<br />

quatro) e posteriorm ente teve seu m érito analisado, e a Corte aplicou aos Estados a proibição <strong>constitucional</strong><br />

contra punições cruéis e incomuns.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 0 7<br />

A lista <strong>de</strong> exame é apresentada pelo Chief Justice, na chamada conferência, que, após oferecer<br />

um resumo do caso, conce<strong>de</strong> a palavra, por or<strong>de</strong>m inversa <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong>, aos <strong>de</strong>mais<br />

membros, para que sua admissibilida<strong>de</strong> seja votada. Uma vez admitido um <strong>de</strong>terminado caso<br />

para exame,1a Suprema Corte emite um writ ofcertiorari (carta requisitória), or<strong>de</strong>nando<br />

que o tribunal inferior reúna os autos <strong>de</strong> um processo e os envie a ela para revisão. Jethro<br />

K. Lieberman aponta a origem britânica <strong>de</strong>sse instituto, <strong>de</strong>finindo-o, tecnicamente, como<br />

uma or<strong>de</strong>m do tribunal superior às cortes inferiores, para remessa dos autos.12<br />

Por sua vez, o Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral, formalmente, não po<strong>de</strong> exercer a escolha<br />

discricionária dos recursos constitucionais a seremjulgados, diferentemente do que<br />

ocorre em relação à Corte Suprema Norte-americana (writ ofcertiorari). Assim, presentes<br />

os pressupostos, o recurso <strong>de</strong>verá ser admitido e julgado.<br />

Note-se, porém, que a própria Lei do Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral, em seu art. 93,<br />

permite que uma seção formada por três juizes possa, por unanimida<strong>de</strong>, não admitir o<br />

recurso <strong>constitucional</strong>, quando não presentes os seus pressupostos, em <strong>de</strong>cisão irrecorrível<br />

e que não necessita ser fundamentada. Dessa forma, na prática, o Tribunal Constitucional<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong> exercer o mesmo juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> discricionário que a Suprema<br />

Corte americana, mesmo porque, repita-se, a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> não conhecimento não precisa<br />

ser fundamentada.3<br />

A EC nQ45/04 <strong>de</strong>terminou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação legal para que o recorrente<br />

<strong>de</strong>monstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas, não sendo<br />

vedado, portanto, que a lei estabeleça mecanismos <strong>de</strong> pré-triagem do recurso extraordinário,<br />

para que se evite o acúmulo <strong>de</strong> análises a serem sempre realizadas pelo Plenário<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, uma vez que o elevado quorum para recusa do recurso extraordinário<br />

- 2/3 dos Ministros do STF - po<strong>de</strong>ria comprometer esse novo mecanismo <strong>de</strong><br />

celerida<strong>de</strong> processual (CF, art. 5Q, LXXVHI) e <strong>de</strong> salvaguarda da importância das <strong>de</strong>cisões<br />

<strong>de</strong> nosso mais alto Tribunal.<br />

4.9.4 Recurso extraordinário e repercussão geral (Le i n° 1 1 .4 1 8 / 0 6 )<br />

A Lei na 11.418, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, regulamentou o § 3a do art. 102 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, estabelecendo a disciplina normativa sobre a repercussão geral nos<br />

recursos extraordinários.<br />

Aleiexige, para efeitos <strong>de</strong> reconhecimento da repercussão geral, a consi<strong>de</strong>ração sobre<br />

a existência, ou não, <strong>de</strong> questões relevantes do ponto <strong>de</strong> vista econômico, político, social<br />

ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; presumindo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a<br />

1 N o mesmo sentido, salientam W oodw ard e Arm strong, “Petição certiorari é um requerimento encaminhado<br />

à Corte, expondo as razões pelas quais os juizes <strong>de</strong>veríam aceitar julgar um caso em particular. D e acordo com o<br />

regulamento interno da Corte, quatro votos - um menos que a maioria - são exigidos para que a Corte aceite julgar<br />

um caso’1(W OODW ARD, Bob; ARM STRONG Scott. Por <strong>de</strong>trás da Suprema Corte. São Paulo: Saraiva, 1985.52).<br />

2 LIEBERMAN, Jethro K.Apractical... Op. cit. p. 83.<br />

3 Peter Hâberle informa-nos qu e 97% dos recursos <strong>de</strong> amparo não são adm itidos pelas seções do Tribunal<br />

Constitucional (HÃBERLE, Peter. El recurso <strong>de</strong> amparo en el sistema germ ano-fe<strong>de</strong>ral. In: Vários autores. La<br />

jurisdiccion <strong>constitucional</strong> en iberoamerica. Madri: 1997. p. 266).


608 Direito Constitucional • Moraes<br />

existência <strong>de</strong> repercussão geral sempre que o recurso impugnar <strong>de</strong>cisão contrária a súmula<br />

ou jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A Lei nfi 11.418/2006 regulamentou os pontos centrais do mecanismo <strong>de</strong> repercussão<br />

geral, <strong>de</strong>legando, porém, ao regimento interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a edição das<br />

normas necessárias à sua execução, estabelecendo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, que o STF, em <strong>de</strong>cisão<br />

irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão <strong>constitucional</strong><br />

nele versada não oferecer repercussão geral.<br />

Dessa forma, nos termos exigidos pelo § 3®, do art. 102 do texto <strong>constitucional</strong> e regulamentados<br />

na citada lei, o procedimento para análise da repercussão geral nos recursos<br />

extraordinários será o seguinte, com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> complementação regimental pelo<br />

STF, que disporá sobre as atribuições dos Ministros, das Turmas e <strong>de</strong> outros órgãos, na<br />

análise da repercussão geral:<br />

• em seu recurso extraordinário, o recorrente <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>monstrar, preliminarmente,<br />

a existência da repercussão geral, que será apreciada somente pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não cabendo, portanto, esta análise no juízo da admissibilida<strong>de</strong><br />

do Tribunal recorrido, que <strong>de</strong>verá, entretanto, verificar os <strong>de</strong>mais requisitos<br />

<strong>de</strong> cabimento do recurso;<br />

• o Ministro-relator po<strong>de</strong>rá admitir a manifestação <strong>de</strong> terceiros somente sobre a<br />

existência ou não <strong>de</strong> repercussão geral, nos termos regimentais;<br />

• o primeiro juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso extraordinário será realizado<br />

pelos órgãos fracionários do STF (Turmas), que po<strong>de</strong>rão reconhecer a existência<br />

da repercussão geral pelo voto <strong>de</strong>, no mínimo, 4 <strong>de</strong> seus membros. Nessa hipótese,<br />

não haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> remessa dos autos ao Plenário, pois, contrario sensu,<br />

verificar-se-á, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obtenção do quorum <strong>de</strong> 2/3 (8<br />

Ministros) para a recusa do recurso extraordinário;<br />

• na hipótese <strong>de</strong> não se atingir o quorum <strong>de</strong> 4 Ministros <strong>de</strong> Turma do STF para o<br />

reconhecimento da repercussão geral, haverá a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> encaminhamento<br />

dos autos ao Plenário, uma vez que, em tese, ainda será possível a obtenção dos<br />

8 votos contrários à admissibilida<strong>de</strong> do recurso;<br />

• reconhecida a repercussão geral, o recurso extraordinário será julgado pelo órgão<br />

fracionário do STF, salvo disposição em contrário <strong>de</strong> seu Regimento Interno;<br />

• não reconhecida a repercussão geral, o STF não conhecerá do recurso extraordinário;<br />

• a Súmula da <strong>de</strong>cisão sobre a repercussão geral constará <strong>de</strong> ata, que será publicada<br />

no Diário Oficial e valerá como acórdão.<br />

Para garantir a efetivida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>cisões do STF, bem como a celerida<strong>de</strong> processual, a<br />

lei estabelece que, negada a existência <strong>de</strong> repercussão geral, a <strong>de</strong>cisão valerá para todos<br />

os recursos sobre matériaidêntica, reconhecendo efeitos vinculantes a essa <strong>de</strong>cisão. Nessas<br />

hipóteses, a rejeição dos <strong>de</strong>mais recursos extraordinários será realizada monocraticamente<br />

pelos Ministros-relatores.<br />

Observe-se, entretanto, que em se tratando <strong>de</strong> recurso extraordinário cujo objeto<br />

seja revisão <strong>de</strong> tese do STF, será possível nova análise, nos termos a serem <strong>de</strong>finidos pelo<br />

Regimento Interno da Corte.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 0 9<br />

Importante <strong>de</strong>stacar a previsão <strong>de</strong> irretroativida.<strong>de</strong> da lei, pois conforme estabelecido<br />

expressamente em seu art. 4a, a Lei na 11.418/06 somente se aplica aos recursos interpostos<br />

a partir do primeiro dia <strong>de</strong> sua vigência, cuja vacatio legis foi estipulada em 60 dias.<br />

Essa previsão <strong>de</strong>ve ser interpretada em conjunto com o estipulado em seu art. 2a -<br />

especificamente, na nova redação do § 5a do art. 543-A do Código <strong>de</strong> Processo Civil -, ou<br />

seja, não será possível ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral adotar o mecanismo <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong><br />

repercussão geral nos recursos extraordinários interpostos antes do início <strong>de</strong> vigência da<br />

lei, porém uma vez afirmada, por 2/3 dos Ministros do STF, a inexistência <strong>de</strong> repercussão<br />

geral em recurso extraordinário interposto após o início da vigência da lei, nada impedirá<br />

que essa <strong>de</strong>cisão valha para todos os recursos sobre matéria idêntica, inclusive aqueles<br />

cujo ingresso na Corte foi anterior à vigência da lei.<br />

Não havería razoabilida<strong>de</strong> nem tampouco lógica em se exigir que o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral continuasse a julgar inúmeros recursos extraordinários sobre matéria idêntica<br />

a <strong>de</strong>terminado recurso cuja repercussão geral foi negada por 2/3 <strong>de</strong> seus membros, tão<br />

somente pelo fato <strong>de</strong> terem sido interpostos antes da vigência da lei.<br />

A ratio <strong>constitucional</strong> do § 3a, do art. 102, é permitir ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong>dicar-se, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso extraordinário, somente às matérias <strong>de</strong> interesse geral, que<br />

transcendam o mero interesse individual das partes, e cuja <strong>de</strong>cisão, por ser <strong>de</strong> interesse da<br />

socieda<strong>de</strong>, sirva <strong>de</strong> direcionamento a todos os órgãos judiciais e administrativos.<br />

O princípio da razoabilida<strong>de</strong>, enquanto vetor interpretativo, <strong>de</strong>verá pautar a atua<br />

ção do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral na interpretação do alcance da <strong>de</strong>cisão que negou a<br />

existência <strong>de</strong> repercussão geral a todos os recursos sobre matéria idêntica, <strong>de</strong> maneira a<br />

garantir coerência lógica nas <strong>de</strong>cisões, respeitando a finalida<strong>de</strong> da norma <strong>constitucional</strong>,<br />

qual seja, evitar que a Corte permaneça julgando recursos extraordinários cujas matérias<br />

não possuam, segundo seu próprio entendimento, repercussão geral, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do momento <strong>de</strong> interposição do mesmo.<br />

Assim sendo, não será possível a aplicação do mecanismo <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> repercussão<br />

geral nos recursos extraordinários interpostos antes da vigência da lei, porém, negada a<br />

existência <strong>de</strong> repercussão geral em recurso extraordinário interposto após a vigência da<br />

lei, a <strong>de</strong>cisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

do momento <strong>de</strong> sua interposição, em face dos efeitos vinculantes <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão.<br />

Trata-se, pois, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uniformização do posicionamento do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral sobre a existência ou não <strong>de</strong> repercussão geral, <strong>de</strong> maneira a <strong>de</strong>finir quais<br />

as matérias que <strong>de</strong>verão ser analisadas pela nossa mais alta Corte.<br />

Essa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uniformização do posicionamento do STF foi reafirmada pela<br />

previsão legal das hipóteses <strong>de</strong> multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos extraordinários com fundamentos<br />

em idêntica controvérsia.<br />

Nesses casos, o Tribunal ou órgão <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>verá selecionar um ou mais recursos<br />

extraordinários que <strong>de</strong>finam e <strong>de</strong>limitem a controvérsia sobre a existência ou não da repercussão<br />

geral das questões constitucionais discutidas na <strong>de</strong>cisão recorrida, encaminhando-os<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Os <strong>de</strong>mais recursos extraordinários sobre matéria idêntica serão suspensos até o<br />

pronunciamento <strong>de</strong>finitivo do STF.


6 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Na hipótese do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral n ã o r e c o n h e c e r a existência <strong>de</strong> repercussão<br />

geral, todos os recursos extraordinários suspensos serão automaticamente não admitidos,<br />

reafirmando o caráter geral da <strong>de</strong>cisão da Corte e seus efeitos vinculantes.<br />

Caso o STF admita e julgue o mérito dos recursos extraordinários representativos<br />

da controvérsia, os <strong>de</strong>mais recursos sobrestados <strong>de</strong>verão ser apreciados pelos Tribunais,<br />

Turmas <strong>de</strong> Uniformização ou Turmas Recursais <strong>de</strong> origem, que po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>clará-los<br />

prejudicados ou retratar-se. Na hipótese do órgão <strong>de</strong> origem manter a <strong>de</strong>cisão, uma vez<br />

admitido o recurso extraordinário, o STF po<strong>de</strong>rá cassar ou reformar, liminarmente, o<br />

acórdão contrário à orientação firmada.<br />

Portanto, seja em relação aos recursos extraordinários interpostos antes da vigência da<br />

Lei na 11.418/2006 (que não po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>flagrar o mecanismo <strong>de</strong> verificação <strong>de</strong> repercussão<br />

geral), seja em relação aos recursos extraordinários interpostos após a vigência da Lei nfi<br />

11.418/2006, em trâmite no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, uma vez proferida <strong>de</strong>cisão por 2/3<br />

dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral negando a existência <strong>de</strong> repercussão geral das<br />

questões constitucionais discutidas no caso, a <strong>de</strong>cisão valerá para todos os recursos sobre<br />

matéria idêntica, cabendo ao Ministro-relator in<strong>de</strong>feri-los liminarmente (efeitos vinculantes<br />

a serem aplicados pelo próprio S T F ).1<br />

Em relação aos recursos extraordinários interpostos após a vigência da Lei nQ11.418/2006,<br />

s ob re sta d o s n o T rib u n a l d e origem, uma vez proferida <strong>de</strong>cisão por 2/3 dos Ministros do<br />

S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l n e g a n d o a existência <strong>de</strong> repercussão geral das questões constitucionais<br />

n os re cu rs os r e p r e s e n ta tiv o s , <strong>de</strong>verão ser automaticamente não admitidos (efeitos<br />

vinculantes a serem aplicados pelo tribunal ou órgão <strong>de</strong> origem).<br />

4.9.5 R e p e rcu ssã o G eral e Regim ento do S T F<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral r e g u la m e n t o u a L e i n Q 11.418/06 com a edição da<br />

Emenda Regimental na 21, que e n tro u e m v ig o r n o d ia 3 d e m a io <strong>de</strong> 2007, e posteriores<br />

alterações, tendo salientado o M in is tr o S ep ú l v e d a P e r te n c e “ q u e a exigência da preliminar<br />

formada e fundamentada sobre a re p e rc u s s ã o g e r a l v a le p a ra os Recursos Extraordinários<br />

(tanto para as questões d v is , q u a n to p a ra as q u e s tõ e s criminais) contra <strong>de</strong>cisões cuja intimação<br />

tenha ocorrido a p a r tir d a d a ta d e publicação da Emenda Regimental n° 21, qual<br />

seja, 3 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007”. P o r ta n to , n ã o é possível “exigir, antes das normas regimentais<br />

serem implementadas pelo S T F , que o recorrente buscasse <strong>de</strong>monstrar na petição do RE<br />

a exigência da repercussão geral”, pois “seria ilógico exigir que os RE interpostos antes da<br />

vigência <strong>de</strong>ssas normas regimentais contenham a preliminar em que o recorrente <strong>de</strong>verá<br />

<strong>de</strong>monstrar a existência da repercussão geral”.2<br />

Nos termos do art 322, do RiSTF, o Tribunal recusará recurso extraordinário cuja<br />

questão <strong>constitucional</strong> não oferecer repercussão geral ( ‘filtro recursal”).<br />

Para efeito <strong>de</strong> repercussão geral, será consi<strong>de</strong>rada a existência, ou não, <strong>de</strong> questões<br />

que, relevantes do ponto <strong>de</strong> vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassem os<br />

interesses subjetivos das partes.<br />

1 Corroborando esse posicionamento, o STF, p o r maioria, <strong>de</strong>cidiu aplicar a “repercussão geral” , inclusive aos<br />

recursos extraordinários interpostos contra acórdãos publicados antes <strong>de</strong> 3-5-2007 (STF - Pleno - A I 715423<br />

QO/RS, rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 11-6-2008.<br />

2<br />

STF - Plen o - A I n° 664.567 - R ei. M in. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 18-6-2007.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 1 1<br />

O Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal recusará recursos que não apresentem preliminar formal e<br />

fundamentada <strong>de</strong> repercussão geral, bem como aqueles cuja matéria carecer <strong>de</strong> repercussão<br />

geral, segundo prece<strong>de</strong>nte do Tribunal, salvo se a tese tiver sido revista ou estiver em<br />

procedimento <strong>de</strong> revisão. Na hipótese <strong>de</strong> o recurso não ter sido liminarmente recusado<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte, competirá ao relator essa recusa. Da recusa monocrática, caberá agravo<br />

ao Plenário.<br />

Dessa forma, quando não for caso <strong>de</strong> inadmissibilida<strong>de</strong> do recurso por outra razão, o<br />

Relator submeterá, por meio eletrônico, aos <strong>de</strong>mais ministros, cópia <strong>de</strong> sua manifestação<br />

sobre a existência, ou não, <strong>de</strong> repercussão geral. No prazo comum <strong>de</strong> 20 dias, os <strong>de</strong>mais<br />

Ministros da Corte apresentarão suas manifestações sobre a questão da repercussão geral,<br />

sendo que, <strong>de</strong>corrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso,<br />

reputar-se-á existente a repercussão geral, ou seja, o silêncio do Ministro quanto a questão<br />

da repercussão geral equivale a sua concordância tácita. O teor da <strong>de</strong>cisão preliminar sobre<br />

a existência da repercussão geral, que <strong>de</strong>ve integrar a <strong>de</strong>cisão monocrática ou o acórdão,<br />

constará sempre das publicações dos julgamentos no Diário Oficial, com menção clara<br />

à matéria do recurso, sendo irrecorrível e valendo para todos os recursos sobre questão<br />

idêntica (art. 326).<br />

Buscando aprimorar o instituto da repercussão geral, o STF estabeleceu nova regra<br />

que <strong>de</strong>termina ao primeiro membro da Corte que divergir do voto do relator do recurso<br />

a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> disponibilizar seus motivos no sistema eletrônico <strong>de</strong> votação, com a<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a divulgação das razões da divergência.<br />

Para fins <strong>de</strong> análise da repercussão geral, mediante <strong>de</strong>cisão irrecorrível,1po<strong>de</strong>rá<br />

o Relator admitir <strong>de</strong> ofício ou a requerimento, em prazo que fixar, a manifestação <strong>de</strong><br />

terceiros, subscrita por procurador habilitado. Observe-se que não há expressa previsão<br />

<strong>de</strong> manifestação do Procurador-Geral da República sobre a questão da repercussão geral,<br />

estabelecendo o art. 325 do RiSTF que o mesmo somente se manifestará sobre o recurso<br />

extraordinário, uma vez <strong>de</strong>cidida a questão sobre a repercussão geral.<br />

A repercussão geral será presumida - e, consequentemente, não será aplicado o procedimento<br />

anteriormente narrado - quando o recurso versar questão cuja repercussão já<br />

houver sido reconhecida pelo Tribunal, ou quando impugnar <strong>de</strong>cisão contrária à súmula<br />

ou à jurisprudência dominante.<br />

O RiSTF, com a finalid a<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a celerida<strong>de</strong> processual, prevê que o Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Tribunal promoverá ampla e específica divulgação do teor das <strong>de</strong>cisões sobre repercussão<br />

geral, bem como formação e atualização <strong>de</strong> banco eletrônico <strong>de</strong> dados a respeito.<br />

4.9.6 R e p e rcu ssã o g e ra l e m u ltip licida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos extraordinários<br />

Em relação à multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recursos extraordinários e agravos <strong>de</strong> instrumentos<br />

versando sobre o mesmo objeto, que aguardam a análise da existência da necessária<br />

repercussão geral, o STF disciplinou a matéria, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem até sua efetiva <strong>de</strong>cisão.<br />

1 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF, que: “É incabível a interposição <strong>de</strong> recurso contra ato ju d icia l <strong>de</strong> Ministro do<br />

Supremo que aplica a sistemática da repercussão geral, em razão da inexistência <strong>de</strong> conteúdo <strong>de</strong>cisório" (STF,<br />

MS 28991 AgR/PE, MS 28993 AgR/PE; MS 29004 AgR/PE e MS 28996 AgR/PE, todos <strong>de</strong> relatoria do Ministro<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 16-9-2010).


6 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Interposto o Recurso extraordinário, os Tribunais ou Turmas Recursais <strong>de</strong> origem<br />

<strong>de</strong>vem verificar se a matéria tratada é isolada ou repetitiva (processos múltiplos).<br />

Na primeira hipótese (matérias isoladas), o órgão julgador <strong>de</strong> origem realizará o juízo<br />

<strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> do recurso extraordinário. Em relação à repercussão geral, o órgão <strong>de</strong><br />

origem <strong>de</strong>verá verificar a existência <strong>de</strong> preliminar formal <strong>de</strong> repercussão geral.<br />

Na segunda hipótese (processos múltiplos), a Corte <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>verá escolher em<br />

torno <strong>de</strong> três recursos extraordinários que apresentem todos os requisitos <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />

e que representem fielmente a controvérsia, para submetê-los ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Os <strong>de</strong>mais recursos extraordinários, interpostos ou que venham a ser, sobre a<br />

matéria ficarão sobrestados até a <strong>de</strong>cisão sobre a repercussão geral.<br />

Admitido o recurso extraordinário pela Corte <strong>de</strong> origem, nos procedimentos na Presidência,<br />

haverá priorida<strong>de</strong> na pauta para os processos com repercussão geral.<br />

A secretaria judiciária i<strong>de</strong>ntificará e <strong>de</strong>volverá aos órgãos <strong>de</strong> origem os recursos extraordinários<br />

múltiplos, <strong>de</strong> assuntos levados à discussão sobre repercussão geral.<br />

Dessa forma, esse recursos nem mais serão distribuídos, aguardando na Corte ou<br />

Turma Recursal <strong>de</strong> origem, a <strong>de</strong>cisão sobre a existência da repercussão geral<br />

A Presidência, ainda, negará seguimento aos recursos extraordinários que não apresentem<br />

preliminar formal arguindo a existência <strong>de</strong> repercussão geral, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente,<br />

da análise feita anteriormente pela Corte ou Turma Recursal <strong>de</strong> origem.<br />

Distribuído, em um único recurso <strong>de</strong> cada matéria, cuja repercussão geral foi arguida<br />

formalmente em preliminar, haverá a análise da repercussão geral, em Plenário Virtual,<br />

po<strong>de</strong>ndo os eventuais recursos múltiplos serem <strong>de</strong>volvidos à origem.<br />

Sendo reconhecida a repercussão geral, será pedido dia para julgamento do recurso;<br />

em caso contrário, porém, o recurso será negado, consi<strong>de</strong>rando-se, ainda, não admitidos<br />

todos os <strong>de</strong>mais recursos já interpostos.<br />

As <strong>de</strong>cisões sobre repercussão geral serão publicadas no Diário da Justiça Eletrônico<br />

sob a rubrica Repercussão Geral, em área especialmente <strong>de</strong>stinada a este fim; bem como<br />

ficarão disponíveis no portal do STF, no menu Jurisprudência, item Repercussão Geral.<br />

A. R ecurso extraordinário e súm ulas do ST F<br />

Súmulas do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a respeito do recurso extraordinário:<br />

Súmula 279: Para simples reexame <strong>de</strong> prova não cabe recurso extraordinário.<br />

Súmula 281: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça <strong>de</strong><br />

origem, recurso ordinário da <strong>de</strong>cisão impugnada.<br />

Súmula 282: É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na <strong>de</strong>cisão<br />

recorrida a questão fe<strong>de</strong>ral suscitada.<br />

Súmula 283: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a <strong>de</strong>cisão recorrida<br />

assenta em mais <strong>de</strong> um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.<br />

Súmula 284: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a <strong>de</strong>ficiência na sua<br />

f undamentação não permitiu a exata compreensão da controvérsia.<br />

Súmula 286: Não se conhece do recurso extraordinário fundado em divergência jurispru<strong>de</strong>ncial,<br />

quando a orientação do plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já se firmou<br />

no mesmo sentido da <strong>de</strong>cisão recorrida.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 1 3<br />

Súmula 356: O ponto omisso da <strong>de</strong>cisão, sobre o qual não foram opostos embargos<br />

<strong>de</strong>claratórios, não po<strong>de</strong> ser objeto <strong>de</strong> recurso extraordinário, por faltar o requisito do<br />

prequestionamento.<br />

Súmula 634: Não compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong>r medida cautelar<br />

para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto <strong>de</strong> juízo <strong>de</strong><br />

admissibilida<strong>de</strong> na origem.<br />

Súmula 635: Cabe ao Presi<strong>de</strong>nte do Tribunal <strong>de</strong> origem <strong>de</strong>cidir o pedido <strong>de</strong> medida<br />

cautelar em recurso extraordinário ainda pen<strong>de</strong>nte do seu juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>.<br />

Súmula 636: Não cabe recurso extraordinário por contrarieda<strong>de</strong> ao princípio <strong>constitucional</strong><br />

da legalida<strong>de</strong>, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada<br />

a normas infraconstitucionais pela <strong>de</strong>cisão recorrida.<br />

Súmula 637: Não cabe recurso extraordinário contra acórdão <strong>de</strong> Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

que <strong>de</strong>fere pedido <strong>de</strong> intervenção estadual em Município.<br />

Súmula 638: A controvérsia sobre a incidência, ou não, <strong>de</strong> correção monetária em<br />

operações <strong>de</strong> crédito rural é <strong>de</strong> natureza infra<strong>constitucional</strong>, não viabilizando recurso<br />

extraordinário.<br />

Súmula 639: Aplica-se a Súmula 288 quando não constarem do traslado do agravo<br />

<strong>de</strong> instrumento as cópias das peças necessárias à verificação da tempestivida<strong>de</strong> do recurso<br />

extraordinário não admitido pela <strong>de</strong>cisão agravada.<br />

Súmula 640: É cabível recurso extraordinário contra <strong>de</strong>cisão prof erida por juiz <strong>de</strong> primeiro<br />

grau nas causas <strong>de</strong> alçada, ou por turma recursal <strong>de</strong> juizado especial cível e criminal.<br />

Súmula 727: Não po<strong>de</strong> o magistrado <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> encaminhar ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

o agravo <strong>de</strong> instrumento interposto da <strong>de</strong>cisão que não admite recurso extraordinário,<br />

ainda que referente à causa instaurada no âmbito dos juizados especiais.<br />

Súmula 728: É <strong>de</strong> três dias o prazo para a interposição <strong>de</strong> recurso extraordinário<br />

contra <strong>de</strong>cisão do Tribunal Superior Eleitoral, contado, quando for o caso, a partir da<br />

publicação do acórdão, na própria sessão <strong>de</strong> julgamento, nos termos do art. 12 da Lei na<br />

6.055/74, que não foi revogado pela Lei nQ8.950/94.<br />

Súmula 733: Nãocabe recurso extraordinário contra <strong>de</strong>cisão proferida no processamento<br />

<strong>de</strong> precatórios.<br />

Súmula 735: Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que <strong>de</strong>fere medida<br />

liminar.<br />

5 MINISTÉRIO PÚBLICO<br />

5.1 Histórico<br />

Determinados autores procuram a origem do Ministério Público já no antigo Egito,<br />

há cerca <strong>de</strong> quatro mil anos, no funcionário real do Egito Magiai,1que possuía funções <strong>de</strong><br />

castigar os rebel<strong>de</strong>s, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos.<br />

í<br />

MAZZILLI, Hugo Nigro. O m inistério público na Constituição <strong>de</strong> 1988. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 2.


614 Direito Constitucional • Moraes<br />

Há quem veja nos Éforos <strong>de</strong> Esparta um Ministério Público embrionário, pois tinham<br />

por função, embora juizes, contrabalançar o po<strong>de</strong>r real e o po<strong>de</strong>r senatorial, exercendo<br />

o ius accusationis, ou, ainda, nos thesmotetis ou tesmãtetas gregos, forma rudimentar <strong>de</strong><br />

acusador público.<br />

Outros lembram em Roma os advocatus fisci e os procuratores caesaris, encarregados<br />

<strong>de</strong> vigiar a administração <strong>de</strong> bens do Imperador.<br />

De outra forma, também são mencionados origens na Ida<strong>de</strong> Média, nos saions germânicos,<br />

nos bailios e senescais, aos quais se incumbia a <strong>de</strong>fesa dos senhores feudais em<br />

juízo; ou ainda nos rnissi dominici ou gastaldi do <strong>direito</strong> lombardo ou também no gemeiner<br />

Anklager (acusador comum) da Alemanha, que tinha a função <strong>de</strong> exercer a acusação<br />

quando o particular permanecia passivo.<br />

A figura do procurador da Coroa existiu em Portugal, já sob o reinado <strong>de</strong> Afonso III,<br />

em 1289. Igualmente, em 1387, o Rei Don Juan I criou “El Ministério Fiscal”, que guardava<br />

certa semelhança com o Ministério Público atual.<br />

Porém, a maioria dos tratadistas se inclina a admitir sua procedência francesa, sem<br />

embargo <strong>de</strong> antece<strong>de</strong>ntes remotos, por ter-se apresentado na França com caráter <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong><br />

- Ce cor ps <strong>de</strong> magistrab, pois, apesar <strong>de</strong> antes do século XIV, os procurateurs ou<br />

procureus duroi serem simplesmente representantes dos interesses privados dos monarcas<br />

ante os Tribunais, quando o processo acusatório foi substituído pelo inquisitório, tornando-<br />

-se os procureurs verda<strong>de</strong>iros representantes dos interesses sociais.<br />

Em 1302, coube à França criar o Ministério Público, referindo-se aos procuradores<br />

do rei. Em 1690, houve um <strong>de</strong>creto na França que atribuía vitalicieda<strong>de</strong> aos agentes do<br />

Ministério Público.<br />

5.2 Origem e <strong>de</strong>senvolvimento no Brasil<br />

A Constituição Imperial <strong>de</strong> 1824 não se referiu à Instituição do Ministério Público.<br />

No Código <strong>de</strong> Processo Criminal <strong>de</strong> 1832, surgiu o Ministério Público no Brasil, sob<br />

rápida referência como “promotor da ação penal”.<br />

Posteriormente, o Decreto ne 120, <strong>de</strong> 21-1-1843, refere-se à regulamentação do<br />

Ministério Público, afirmando que os promotores seriam nomeados pelo Imperador do<br />

Município da Corte e pelos Presi<strong>de</strong>ntes nas Provinciais, por tempo in<strong>de</strong>finido, e serviríam<br />

enquanto houvesse conveniência na sua conservação no serviço público, sendo, caso contrário,<br />

indistintamente <strong>de</strong>mitidos por aqueles que os nomearam.<br />

Em 1876, com a Consolidação Ribas, surgiu na segunda instância o Procurador da<br />

Coroa, mas sem ter o status <strong>de</strong> chefe dos Procuradores.<br />

Durante a Primeira República, o Ministro da Justiça Campos Salles foi o precursor<br />

da in<strong>de</strong>pendência do Ministério Público no Brasil, com a edição do Decreto nQ848, <strong>de</strong><br />

11-10-1890, expedido para a reforma da justiça no Brasil. Ainda em 1890, com o Decreto<br />

ns 1.030, o Ministério Público surgiu como instituição necessária.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 18 91 referiu-se, no art. 58, § 2-, ao Procurador-Geral da República, a<br />

ser escolhido entre os membros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, prevendo que “os Tribunaes


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 1 5<br />

Fe<strong>de</strong>raes elegerão <strong>de</strong> seu seio os seus presi<strong>de</strong>ntes e organizarão as respectivas secretarias.<br />

A nomeação e a <strong>de</strong>missão dos empregados, bem como o provimento dos officios <strong>de</strong> justiça<br />

nas circumscripções judiciárias, compete respectivamente aos presi<strong>de</strong>ntes dos tribunaes.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong>signará, <strong>de</strong>ntre os membros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

o Procurador Geral da República, cujas atribuições se <strong>de</strong>finirão em lei”.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1934 preocupou-se mais profundamente com o Ministério Público,<br />

regulando-o no Título I (Da organização Fe<strong>de</strong>ral), Capítulo VI (Dos órgãos <strong>de</strong> cooperação<br />

nas activida<strong>de</strong>s governamentaes), Secção I (Do Ministério Público). Entre importantes<br />

normas, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu a existência <strong>de</strong> Ministérios Públicos na União, no<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, e nos Estados, a serem organizados por lei (art. 95). Além<br />

disso, o Chefe do Ministério Público, no âmbito fe<strong>de</strong>ral (Procurador-Geral da República),<br />

passou a ser nomeado pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, sem a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer parte<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, porém, com os mesmos vencimentos <strong>de</strong>stes. A Carta Constitucional<br />

também previu a estabilida<strong>de</strong> e vedações aos membros do Ministério Público, e a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> concurso público para o ingresso à carreira.<br />

Esse era o texto da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1934:<br />

“O Ministério Público será organizado na União, no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e nos Territórios<br />

por lei fe<strong>de</strong>ral, e, nos Estados, pelas leis locaes. O Chefe do Ministério Público<br />

Fe<strong>de</strong>ral nos juízos communs é o Procurador Geral da República, <strong>de</strong> nomeação do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, com aprovação do Senado Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>ntre cidadãos com<br />

os requisitos estabelecidos para os Ministros da Côrte Suprema. Terá os mesmos<br />

vencimentos <strong>de</strong>sses Ministros, porém <strong>de</strong>missível, ad nutum. Os chefes do Ministério<br />

Público no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e nos Territórios serão <strong>de</strong> livre nomeação do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República <strong>de</strong>ntre juristas <strong>de</strong> notável saber e reputação ilibada, alistados eleitores<br />

e maiores <strong>de</strong> 30 anos, com os vencimentos dos Desembargadores.”<br />

O art. 99 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 10-11-1937 <strong>de</strong>terminava que<br />

“o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral terá por chefe o Procurador-Geral da República, que<br />

funcionará junto ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, e será <strong>de</strong> livre nomeação e <strong>de</strong>missão<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong>vendo recair a escolha em pessoa que reúna os<br />

requisitos exigidos para ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral”. Além disso, no<br />

art. 105, estipulava que na “composição dos tribunais superiores, um quinto dos<br />

lugares será preenchido por advogados ou membros do Ministério Público, <strong>de</strong><br />

notório merecimento e reputação ilibada, organizando o Tribunal <strong>de</strong> Apelação<br />

uma lista tríplice”.<br />

A Carta Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1937 diminui a previsão <strong>constitucional</strong> do Ministério Público,<br />

apenas fazendo breves referências no título referente ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, em especial, ao<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. No art. 99 previa a investidura do chefe do Ministério Público<br />

Fe<strong>de</strong>ral; no art. 101, parágrafo único, previu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interposição <strong>de</strong> recursos<br />

pelo Ministério Público; e, finalmente, no art. 105 estipulou a cláusula do chamado “quinto<br />

<strong>constitucional</strong>” a ser aplicada somente nos tribunais superiores.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1946 preferiu situar o Ministério Público em título especial (Título<br />

III - Do Ministério Público - arts. 125 a 128 e Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 26-11-


616 Direito Constitucional • Moraes<br />

1965), in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res do Estado. Novamente, foram previstas a estabilida<strong>de</strong>,<br />

a inamovibilida<strong>de</strong> relativa e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concurso público para o ingresso na<br />

carreira, como normas constitucionais. Houve inovação da escolha do Procurador-Geral da<br />

República, com a participação do Senado Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>veria aprovar a escolha do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, entre os cidadãos que preenchessem os mesmos requisitos exigidos<br />

para Ministro do SupremoT ribunal Fe<strong>de</strong>ral, quais sejam, a ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 35 anos, notável saber<br />

jurídico e ilibada conduta (art. 99, CF/46). A regra do “quinto <strong>constitucional</strong>” transferiu-<br />

-se para a Justiça Estadual (art. 124, V). Porém, previa-se a participação do Ministério<br />

Público na composição do Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos (art. 103).<br />

Dessa forma, conforme <strong>de</strong>terminava a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> 18-9-1946, em seu<br />

art. 125, a lei <strong>de</strong>veria organizar o Ministério Público da União junto aos órgãos judiciários<br />

fe<strong>de</strong>rais (art. 94,1a V) - (redação dada pela Emenda Constitucional na 16, <strong>de</strong> 26-11-1965).<br />

O texto original era: A lei organizará o Ministério Público da União junto à justiça comum,<br />

a militar, a eleitoral e a do trabalho). Além disso, previa o art. 126 que o Ministério Público<br />

fe<strong>de</strong>ral teria por chefe o Procurador geral da República, nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, entre cidadãos com os<br />

requisitos indicados no art. 99, sendo <strong>de</strong>missível ad nutum.<br />

A representação da União em juízo era atribuição <strong>constitucional</strong> dos Procuradores da<br />

República, po<strong>de</strong>ndo a lei cometer esse encargo, nas comarcas no interior, ao Ministério<br />

Público local.<br />

Importante previsão era a do art. 127, que proclamava três importantes regras: concurso<br />

público, estabilida<strong>de</strong> e inamovibilida<strong>de</strong>. Assim, ficou <strong>de</strong>terminado que os membros do<br />

Ministério Público da União, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios ingressariam nos cargos<br />

iniciais da carreira mediante concurso e, após dois anos <strong>de</strong> exercício, não po<strong>de</strong>ríam ser<br />

<strong>de</strong>mitidos senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que lhes<br />

facultasse a ampla <strong>de</strong>fesa; nem removidos, a não ser mediante representação motivada do<br />

chefe do Ministério Público, com fundamento em conveniência do serviço.<br />

O art. 128 <strong>de</strong>terminava a observância obrigatória <strong>de</strong>ssas regras na organização dos<br />

Ministérios Públicos estaduais, que <strong>de</strong>veríam cumprir o princípio <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> entrância<br />

a entrância.<br />

O Ministério Público também participava da composição do Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

Recursos, que, com se<strong>de</strong> na Capital Fe<strong>de</strong>ral, compor-se-ia <strong>de</strong> nove juizes, nomeados pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, sendo dois<br />

terços entre magistrados e um terço entre advogados e membros do Ministério Público, com<br />

os requisitos do art. 99. Posteriormente, o art. 6a do Ato Institucional na 2, <strong>de</strong> 27-10-1965,<br />

<strong>de</strong>u nova redação ao art. 103, <strong>de</strong>terminando que “o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Recursos, com<br />

se<strong>de</strong> na Capital Fe<strong>de</strong>ral, compor-se-á <strong>de</strong> treze juizes, nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, oito entre magistrados e cinco<br />

entre advogados e membros do Ministério Público, todos com os requisitos do artigo 99”.<br />

A Lei ne 1.341/51 organizou o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito da União e nos<br />

Territórios.<br />

A Carta <strong>de</strong> 1967, alterando a posição adotada em 1946, preferiu recolocar o Ministério<br />

Público <strong>de</strong>ntro do Po<strong>de</strong>r Judiciário (Capítulo VIII - Do Po<strong>de</strong>r Judiciário - Seção IX - Do<br />

Ministério Público - arts. 137/139), entretanto em nada inovando as regulamentações<br />

anteriores.<br />

Assim, previa (art. 137) que a lei organizaria o Ministério Público da Uniãojunto aos<br />

juizes e tribunais fe<strong>de</strong>rais e que o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral teria por chefe o Procurador-


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 1 7<br />

-geral d a República, nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte d a República, <strong>de</strong>pois d e aprovada a escolha<br />

pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, entre cidadãos com os requisitos indicados no art. 113, § I a (art.<br />

138). Foi mantida a regra do concurso público, pois os membros do Ministério Público da<br />

União, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios ingressarão nos cargos iniciais <strong>de</strong> carreira,<br />

mediante concurso público <strong>de</strong> provas e títulos; da estabüida<strong>de</strong>, uma vez que, após dois anos<br />

<strong>de</strong> exercício, não po<strong>de</strong>ríam ser <strong>de</strong>mitidos, o sendo por sentença judiciária, ou em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> processo administrativo em que se lhes faculte ampla <strong>de</strong>fesa; e da inamovibilida<strong>de</strong>,<br />

salvo mediante representação do Procurador-geral, com fundamento em conveniência<br />

do serviço.<br />

A representação da União em Juízo permaneceu com o Parquet.<br />

Tal posicionamento foi alterado pela Emenda Constitucional nQ1, <strong>de</strong> 1969, e pela<br />

Emenda Constitucional na 7, <strong>de</strong> 1977, que voltou a posicionar o Ministério Público <strong>de</strong>ntro<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo (Capítulo VII - Do Po<strong>de</strong>r Executivo; Seção VII - Do Ministério Público),<br />

prevendo como novida<strong>de</strong> a edição <strong>de</strong> lei complementar, <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, para estabelecimento <strong>de</strong> normas gerais a serem adotadas na organização<br />

dos Ministérios Públicos Estaduais. Esta lei foi posteriormente editada, tratando-se da Lei<br />

Complementar nQ40, <strong>de</strong> 14-12-1981.<br />

Portanto, o disciplinamento do Ministério Público navigência da constituição anterior<br />

exigia a edição <strong>de</strong> uma lei, <strong>de</strong> organização do Ministério Público da União junto aos juizes<br />

e tribunais fe<strong>de</strong>rais. Igualmente previa que o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral tem por chefe o<br />

Procurador-geral da República, nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, entre cidadãos<br />

maiores <strong>de</strong> 35 anos, <strong>de</strong> notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 95). Foram mantidas<br />

as regras do concurso público, estabilida<strong>de</strong> e inamovibilida<strong>de</strong>, bem como a representação<br />

da União em juízo pelos Procuradores da República.<br />

A constituição atual situa o Ministério Público em capítulo especial, fora da estrutura<br />

dos <strong>de</strong>m ais po<strong>de</strong>res da República, consagrando sua total autonomia e in<strong>de</strong>pendência e<br />

am pliando-lhe as funções (arts. 127/130), sempre em <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s, garantias e<br />

prerrogativas da socieda<strong>de</strong>.<br />

Assim, <strong>constitucional</strong>m ente, o M inistério Público abrange:<br />

1 . o M inistério Público da União, que com preen<strong>de</strong>:<br />

a. o M inistério Público Fe<strong>de</strong>ral;<br />

b. o M inistério Público do Trabalho;<br />

c o M inistério Público Militar;<br />

d. o M inistério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios.1<br />

2. os M inistérios Públicos dos Estados.<br />

Com o salienta Nagib Slaibi Filho:<br />

“O M inistério Público brasileiro, com a m oldura e a consistência que lhe fo i dada<br />

pela Constituição <strong>de</strong> 1988, bem representa a contradição <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> tais influên-<br />

1 Em relação ao âmbito funcional do Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, conferir: STF - ADI n ° 2.794/<br />

D F- Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 14 <strong>de</strong>z. 2006 - Informativo STF n° 452, p. 2


6 1 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

cias, pois: (a) dos Estados Unidos, herdou a <strong>de</strong>svinculação com o Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> sua chefia, o controle externo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s administrativas<br />

ligadas ao Po<strong>de</strong>r Executivo, o resquício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r participar da política<br />

partidária, ainda que em hipóteses restritas previstas em lei, a postura in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

que aqui somente se subordina à consciência jurídica <strong>de</strong> seu membro, como, aliás,<br />

está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa (art. 127);<br />

(b) da Europa continental, herdou a simetria da carreira com a magistratura, inclusive<br />

as prerrogativas similares, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> assento ao lado dos juizes, as vestes<br />

próprias e até mesmo o vezo <strong>de</strong> atuar como se magistrado fosse, embora <strong>de</strong>vesse ter<br />

o ardor do advogado no patrocínio da causa. O Ministério Público <strong>de</strong>senvolveu-se<br />

sob a influência do Novo e Velho Mundo, e da simbiose vem a sua força...” 1<br />

Com base na Constituição Fe<strong>de</strong>ral foi editada a Lei na 8.625, <strong>de</strong> 12-2-1993, que institui<br />

a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a<br />

organização do Ministério Público dos Estados.<br />

Observe-se, ainda, a existência dos Ministérios Públicos especiais junto aos respectivos<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e da União, com quadro funcional<br />

e carreira próprios.2<br />

A Lei Complementar Fe<strong>de</strong>ral na 75, <strong>de</strong> 20-5-1993, dispõe sobre a organização, as<br />

atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.<br />

No Estado <strong>de</strong> São Paulo, a Lei Complementar nfi 734, <strong>de</strong> 26-11-1993, institui a Lei<br />

Orgânica do Ministério Público do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />

1 SLAIBI FILHO. Nagib. Ação <strong>de</strong>claratória âe <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. R io <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1994. p. 152.<br />

2 Em relação à necessida<strong>de</strong> d e Ministério Público Especial ju nto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas, conferir: STF - Pleno<br />

- A D I 328/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, 2-2-2009 e ADI 3307/MT, Rei. Min. Cármen Lúcia, 2-2-2009.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 1 9<br />

5.3 Posicionamento <strong>constitucional</strong><br />

O posicionamento <strong>constitucional</strong> do Ministério Público sempre provocou análise e<br />

perplexida<strong>de</strong> na doutrina, não só pelas constantes alterações no texto <strong>constitucional</strong> -<br />

como já salientado mas também pela transformação evolutiva jurídico-social que sofreu<br />

a Instituição, culminando com o mo<strong>de</strong>rno texto <strong>de</strong> 1988.<br />

Analisando a Carta Anterior, que colocava o Ministério Público como órgão do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, Celso <strong>de</strong> Mello já apontava que seus membros sujeitavam-se a regime jurídico-<br />

-especial, gozando, no <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> suas funções, <strong>de</strong> plena in<strong>de</strong>pendência.1Por sua<br />

vez, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, concordando com a in<strong>de</strong>pendência ministerial,<br />

colocava-o como órgão administrativo, <strong>de</strong>stinado a zelar pelo cumprimento das leis,<br />

cabendo-lhe a <strong>de</strong>fesa do interesse geral <strong>de</strong> que as leis sejam observadas.2 Da mesma forma,<br />

José Afonso da Silva afirma que a Instituição ocupa lugar cada vez mais <strong>de</strong>stacado na organização<br />

do Estado, em virtu<strong>de</strong> do alargamento <strong>de</strong> suas funções <strong>de</strong> proteção aos <strong>direito</strong>s<br />

indisponíveis e <strong>de</strong> interesses coletivos, tendo a Constituição Fe<strong>de</strong>ral dado-lhe relevo <strong>de</strong><br />

instituição permanente e essencial à função jurisdicional, mas que ontologicamente sua<br />

natureza permanece executiva, sendo seus membros agentes políticos, e como tal, atuam<br />

com plena e total in<strong>de</strong>pendência funcional.3<br />

Como bem observa o Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a seção <strong>de</strong>dicada ao Ministério Público insere-se, na Constituição <strong>de</strong> 1988, ao<br />

final do título IV - Da organização dos Po<strong>de</strong>res, no seu Capítulo III - Das funções<br />

Essenciais à Justiça. A colocação tópica e o conteúdo normativo da Seção revelam<br />

a renúncia, por parte do constituinte <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir explidtamente a posição do Ministério<br />

Público entre os Po<strong>de</strong>res do Estado”,<br />

concluindo que o Ministério Público,<br />

“<strong>de</strong>svinculado do seu compromisso original com a <strong>de</strong>fesa judicial do Erário e a<br />

<strong>de</strong>fesa dos atos governamentais aos laços <strong>de</strong> confiança do Executivo, está agora<br />

cercado <strong>de</strong> contraforte <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia que o cre<strong>de</strong>nciam ao efetivo<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> uma magistratura ativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa impessoal da or<strong>de</strong>m jurídica<br />

<strong>de</strong>mocrática, dos <strong>direito</strong>s coletivos e dos <strong>direito</strong>s da cidadania”.<br />

E prossegue em sua análise:<br />

“A razão subjacente à crítica contemporânea da integração do Ministério Público<br />

no Po<strong>de</strong>r Executivo está, na verda<strong>de</strong>, na postulação da in<strong>de</strong>pendência política e<br />

funcional do Ministério Público, pressuposto da objetivida<strong>de</strong> e da imparcialida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua atuação nas suas funções sintetizadas na proteção da or<strong>de</strong>m jurídica. Dizia<br />

uma das inteligências mais lúcidas da magistratura brasileira dos últimos tempos,<br />

o Ministro Rodrigues Alckmin, e, ao meu ver, com razão, a questão da colocação<br />

1<br />

2<br />

3<br />

MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 296.<br />

FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Comentários... Op. c it.v . 3, p. 421.<br />

Curso... O p. cit. p. 510.


6 2 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>constitucional</strong> do Ministério Público entre os Po<strong>de</strong>res é uma questão <strong>de</strong> somenos,<br />

pois o verda<strong>de</strong>iro problema é sua in<strong>de</strong>pendência. O mal é que partimos <strong>de</strong> um<br />

preconceito <strong>de</strong> unipessoalida<strong>de</strong> e verticalida<strong>de</strong> hierárquica do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

que o Estado Mo<strong>de</strong>rno não conhece mais e que está <strong>de</strong>smentido pelos fatos, <strong>de</strong><br />

que o <strong>direito</strong> comparado dá exemplos significativos... Garantida efetivamente a<br />

sua in<strong>de</strong>pendência a colocação <strong>constitucional</strong> do Ministério Público é secundária,<br />

<strong>de</strong> interesse quase meramente teórico.”1<br />

Esta é a tendência internacional, respeitadas as diferentes características <strong>de</strong> cada<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico, pois, como informa o jurista espanhol Bandrés, a Constituição espanhola<br />

optou pela nota <strong>de</strong> juridicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>mocratização e jurisdicionalização do Ministério<br />

Público; sua inclusão no título <strong>de</strong>dicado ao Po<strong>de</strong>r Judiciário e não no título IV, <strong>de</strong>dicado ao<br />

governo e à administração; sua subordinação, pref erentemente, como não po<strong>de</strong>ría <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> ser, somente ao Estado <strong>de</strong> Direito, à lei antes que ao princípio da unida<strong>de</strong>; a finalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suas ações, que tem que buscar, por <strong>de</strong>sejo expresso da Constituição, imparcialmente, a<br />

satisfação do interesse social ante os Tribunais, nítido apoio a impulsionar o Estado social,<br />

e se lhe requer em todo caso a <strong>de</strong>fesa das leis <strong>de</strong>mocráticas.12<br />

Igualmente, Canotilho nos recorda que os membros do Ministério Público português<br />

são magistrados com garantias <strong>de</strong> autonomia e in<strong>de</strong>pendência constitucionais,3 o que os<br />

coloca numa posição <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência equiparável à dos juizes, sujeitando-se somente<br />

à Constituição e às leis, pois suas relevantíssimas funções vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o exercício da ação<br />

penal até a <strong>de</strong>fesa dos interesses difusos e da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong>.4<br />

5.4 Conceito<br />

O Ministério Púbüco é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do<br />

Estado, incumbindo-lhe a <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m jurídica, do regime <strong>de</strong>mocrático e dos interesses<br />

sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. I 2 da Lei n2<br />

8.625/93, art. I 2 da Lei Complementar Fe<strong>de</strong>ral n2 75/93 e art. I 2 da Lei Complementar/<br />

SP n2 734/93).<br />

O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público <strong>de</strong><br />

provas e títulos, assegurada a participação da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil em sua<br />

realização, exigindo-se do bacharel em <strong>direito</strong>, no mínimo, três anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica<br />

e observando-se, nas nomeações, a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> classificação.5<br />

1 KTJ147/129-30.<br />

2 BANDRÉS, José Manuel. Po<strong>de</strong>r judicial... Op. cit. p. 49.<br />

3 Constituição da República Portuguesa, arts. 221 a 223.<br />

4 CANOTILHO, J. J. G om es. Direito... Op. cit. p. 767.<br />

5 Conferir em relação aos requisitos paraingresso na carreira do Ministério Público: STF - Pleno - AD I n° 3460/<br />

DF - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 31-8-2006 - Informativo STF n° 438, Seção I, p. 2, on<strong>de</strong> o STF <strong>de</strong>clarou a<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa previsão; bem como, as Reclamações Rcls. 4906 e 4939/PA, on<strong>de</strong> o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral reafirm ou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cumprimento dos novos requisitos constitucionais. Conferir, ainda, sobre a<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> do cumprimento do requisito temporal <strong>de</strong> três anos: STF - Pleno - MS 27.606/DF - Rei. Min.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 2 1<br />

O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nQ4, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 2006, <strong>de</strong>finindo como ativida<strong>de</strong> jurídica, <strong>de</strong>sempenhada exclusivamente após a obtenção<br />

do grau <strong>de</strong> bacharel em <strong>direito</strong>, aquela exercida por ocupante <strong>de</strong> cargo, emprego ou<br />

função, inclusive <strong>de</strong> magistério superior, nos quais prepon<strong>de</strong>re a interpretação e aplicação<br />

<strong>de</strong> normas jurídicas.<br />

Em seu art. 2°, a citada resolução exigiu que a comprovação da exigência do período<br />

<strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>ve ser formalizada no ato da inscrição <strong>de</strong>finitiva do<br />

concurso por intermédio <strong>de</strong> documentos e certidões que <strong>de</strong>monstrem efetivamente o<br />

exercício da ativida<strong>de</strong> jurídica no período exigido.<br />

Por fim, vedou-se a participação como membro <strong>de</strong> comissão ou <strong>de</strong> banca examinadora<br />

àqueles que exerçam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério e/ou <strong>de</strong> direção <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong>stinados<br />

à preparação <strong>de</strong> candidatos a concursos públicos, até três anos após cessar as referidas<br />

ativida<strong>de</strong>s.<br />

5.5 Princípios do Ministério Público<br />

São princípios institucionais do Ministério Público, previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

a unida<strong>de</strong>, a indivisibilida<strong>de</strong>, a in<strong>de</strong>pendência funcional e o princípio do promotor natural.<br />

A doutrina enumera outros princípios infraconstitucionais: o exercício da ação penal,<br />

a irrecusabilida<strong>de</strong> e a irresponsabilida<strong>de</strong>.<br />

Os princípios institucionais do Ministério Público <strong>de</strong>vem ser analisados e interpretados<br />

em relação a cada um dos ramos do Parquet- MPU (com suas quatro previsões: MPF, MPT,<br />

MP/DF e MPM) e MPEs -, uma vez que inexiste hierarquia entre eles, mas tão somente<br />

distribuição <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> atribuições.<br />

Ressalte-se que, nesse mesmo sentido <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> hierarquia entre os Ministérios<br />

Públicos, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral solucionou lacuna legislativa no tocante à competência<br />

<strong>constitucional</strong> para dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições entre Ministérios Públicos <strong>de</strong><br />

Estados diversos ou entre membros <strong>de</strong> Ministério Público Estadual e <strong>de</strong> um dos ramos<br />

da União. Conforme <strong>de</strong>cidido, compete ao próprio STF “dirimir conflito <strong>de</strong> atribuições<br />

entre os Ministérios Públicos Fe<strong>de</strong>ral e Estadual, quando não configurado virtual conflito<br />

<strong>de</strong> jurisdição que, por força da interpretação analógica do art. 105,1, d, da CF, seja da<br />

competência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça”.1<br />

5.5.1 Unida<strong>de</strong><br />

A unida<strong>de</strong> significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob<br />

a direção única <strong>de</strong> um só Procurador-geral, ressalvando-se, porém, que só existe unida<strong>de</strong><br />

Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 12-8-2009. Informativo STF n“ 555; STF - Pleno - MS 27608/DF - Rei. Min. Cármen<br />

Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 15-10-2009.<br />

1 S T F - P le n o - P e t . n° 3 5 2 8 / B A -R el. M in. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 28-9-2005. Informativo STF nQ403, p. 1.<br />

STF - Pleno - ACO nc 756-1/SP - Rei. Min. Carlos Britto, Diário da Justiça, Seção 1 ,31 mar. 2006, p. 6; STF -<br />

Petição n° 3.557-7/RJ - ReL Min. Ricardo Lewandowisk, Diário da Justiça, Seção I, 23 m aio 2006, p. 10; STF<br />

- 2a T. - A gR n° 3.065/RS - Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção I, 8 fev. 2007, p. 44. Conferir, ainda:<br />

STF - Pleno - ACO 1281/SP - ReL M in. Carmem Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 13-10-2010.


6 2 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> cada Ministério Público, inexistindo entre o Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral e os dos<br />

Estados, nem entre o <strong>de</strong> um Estado e o <strong>de</strong> outro, nem entre os diversos ramos do Ministério<br />

Público da União.1<br />

5.5.2 Indivisibilida<strong>de</strong><br />

O Ministério Público é uno porque seus membros não se vinculam aos processos nos<br />

quais atuam, po<strong>de</strong>ndo ser substituídos uns pelos outros <strong>de</strong> acordo com as normas legais.<br />

Importante ressaltar que a indivisibilida<strong>de</strong> resulta em verda<strong>de</strong>iro corolário do princípio<br />

da unida<strong>de</strong>, pois o Ministério Público não se po<strong>de</strong> subdividir em vários outros Ministérios<br />

Públicos autônomos e <strong>de</strong>svinculados uns dos outros.12<br />

5.5.3 P rin cíp io da in d e p en d ên cia ou autonom ia fu n cional<br />

O órgão do Ministério Público é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte no exercício <strong>de</strong> suas funções, não<br />

ficando sujeito às or<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> quem quer que seja, somente <strong>de</strong>vendo prestarcontas <strong>de</strong> seus<br />

atos à Constituição, às leis e à sua consciência.3<br />

Nem seus superiores hierárquicos po<strong>de</strong>m ditar-lhes or<strong>de</strong>ns no sentido <strong>de</strong> agir <strong>de</strong>sta<br />

ou daquela maneira <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo. Os órgãos <strong>de</strong> administração superior do<br />

Ministério Público po<strong>de</strong>m editar recomendações sobre a atuação funcional para todos os<br />

integrantes da Instituição, mas sempre sem caráter normativo.<br />

Como ensina Quiroga Lavié, quando se fala <strong>de</strong> um órgão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte com autonomia<br />

funcional e financeira, afirma-se que o Ministério Público é um órgão extrapo<strong>de</strong>r, ou seja,<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum dos po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, não po<strong>de</strong>ndo nenhum <strong>de</strong> seus membros<br />

receber instruções vinculantes <strong>de</strong> nenhuma autorida<strong>de</strong> pública.4<br />

No <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> pátrio, só se concebe no Ministério Público uma hierarquia<br />

no sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral da instituição, nunca <strong>de</strong> índole<br />

funcional.<br />

A in<strong>de</strong>pendência funcional mostra-se presente, exemplificadamente, na redação do<br />

art. 28 do Código <strong>de</strong> Processo Penal, pois, discordando o Procurador-geral <strong>de</strong> Justiça da<br />

promoção <strong>de</strong> arquivamento do Promotor <strong>de</strong> Justiça, po<strong>de</strong>rá oferecer <strong>de</strong>núncia, <strong>de</strong>terminar<br />

diligências, ou mesmo <strong>de</strong>signar outro órgão ministerial para oferecê-la, mas jamais po<strong>de</strong>rá<br />

<strong>de</strong>terminar que o proponente do arquivamento inicie a ação penal.<br />

1 O STF enten<strong>de</strong>u, com base no princípio da Unida<strong>de</strong> do M inistério Público, que “o ato processual <strong>de</strong> oferecimento<br />

da <strong>de</strong>núncia, praticado, em foro incom petente, por um representante, prescin<strong>de</strong>, para ser válido e eficaz,<br />

<strong>de</strong> ratificação por outro do mesmo grau funcional e do mesmo Ministério Público, apenas lotado em foro diverso<br />

e competente, porque o fo i em nom e da instituição, que é una e indivisível” (STF - Pleno - FiC 85.137/MT, Rei.<br />

Min. Cezar Peluso -Inform ativo STF n° 402, p 4 e Informativo STFn ° 401, p. 2 ).<br />

2 DECOMAIN, Pedro Roberto. Comentários à lei orgânica nacional do ministério público. Florianópolis: Obra<br />

Jurídica, 1996, p. 19.<br />

3 RTJ147/142.<br />

4<br />

LAVIE, Humberto Quiroga. Estúdio analítico d ela reforma <strong>constitucional</strong>. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 65.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 2 3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral valorizou <strong>de</strong> tal m odo a in<strong>de</strong>pendência e autonomia do Ministério<br />

Público que consi<strong>de</strong>ra crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte da República a<br />

prática <strong>de</strong> atos atentatórios ao livre exercício da Instituição (CF, art. 85, II).<br />

5.5.4 P rin cíp io do prom otor natural<br />

O Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu a existência do presente princípio<br />

por maioria <strong>de</strong> votos, no sentido <strong>de</strong> proibirem-se <strong>de</strong>signações casuísticas efetuadas pela<br />

chefia da Instituição, que criariam a figura do promotor <strong>de</strong> exceção, em incompatibilida<strong>de</strong><br />

com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>termina que somente o promotor natural é que <strong>de</strong>ve<br />

atuar no processo, pois ele intervém <strong>de</strong> acordo com seu entendimento pelo zelo do interesse<br />

público, garantia esta <strong>de</strong>stinada a proteger, principalmente, a imparcialida<strong>de</strong> da atuação<br />

do órgão do Ministério Público, tanto em sua <strong>de</strong>fesa quanto essencialmente em <strong>de</strong>fesa da<br />

socieda<strong>de</strong>, que verá a Instituição atuando técnica e juridicamente.1<br />

Conforme salientou<br />

“o postulado do Promotor Natural, que se revela imanente ao sistema <strong>constitucional</strong><br />

brasileiro, repele, a partir da vedação <strong>de</strong> <strong>de</strong>signações casuísticas efetuadas pela<br />

Chefia da Instituição, a figura do acusador <strong>de</strong> exceção. Esse princípio consagra uma<br />

garantia <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m jurídica, <strong>de</strong>stinada tanto a proteger o membro do Ministério<br />

Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do seu<br />

of ido, quanto a tutelar a própria coletivida<strong>de</strong>, a quem se reconhece o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ver<br />

atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique<br />

a partir <strong>de</strong> critérios abstratos e pré-<strong>de</strong>terminados, estabelecidos em lei. A matriz<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>sse princípio assenta-se nas cláusulas da in<strong>de</strong>pendência funcional<br />

e na inamovibilida<strong>de</strong> dos membros da Instituição. O postulado do Promotor Natural<br />

limita, por isso mesmo, o po<strong>de</strong>r do Procurador-Geral que, embora expressão<br />

visível da unida<strong>de</strong> institucional, não <strong>de</strong>ve exercer a Chefia do Ministério Público<br />

<strong>de</strong> modo hegemônico e incontrastável. Posição dos Ministros Celso <strong>de</strong> Mello (relator),<br />

Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso. Divergência, apenas,<br />

quanto à aplicabilida<strong>de</strong> imediata do princípio do Promotor Natural: necessida<strong>de</strong><br />

da interpositio legislatoris para efeito <strong>de</strong> atuação do princípio (Ministro Celso <strong>de</strong><br />

M ello); incidência do postulado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> intermediação legislativa<br />

(Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Carlos Velloso). Reconhecimento<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instituição do princípio do Promotor Natural mediante lei<br />

(Ministro Sydney Sanches). Posição <strong>de</strong> expressa rejeição à existência <strong>de</strong>sse princípio<br />

consignada nos votos dos Ministros Paulo Brossard, Octávio Gallotti, Néri da<br />

Silveira e Moreira Alves.12<br />

1 Enten<strong>de</strong>u o STF não configurar <strong>de</strong>srespeito ao Princípio do Prom otor Natural <strong>de</strong>signação prévia e m otivada<br />

<strong>de</strong> Prom otor <strong>de</strong> Justiça para atuarem sessão do Tribunal d o Júri, realizada pelo Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça sem<br />

a caracterização <strong>de</strong> “ <strong>de</strong>signação casuística e injustificada” (H C 98841/PA - Rei. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão:<br />

11-10-2011). Conferir, ainda: STF - HC 102147/GO - Rei. M ia Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 16-12-2010.<br />

2 H C n° 67.759/RJ, Rei. Min. Celso d e M ello, RTJ150/123. N o mesmo sentido: HC 74.052-RJ, Rei. Min. Marco<br />

Aurélio, 20-8-96, Informativo STF - Brasília, n ° 41,2 8 ago. 1996, S T F - P le n o - H C 85.137/M T,Rel. M ia Cezar<br />

Peluso - Informativo STF n° 402, p. 4.


6 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

É inadmissível, portanto, após o advento da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, regulamentada<br />

pela Lei na 8.625/93, que o Procurador-geral faça <strong>de</strong>signações arbitrárias <strong>de</strong> Promotores<br />

<strong>de</strong> Justiça para uma Promotoria ou para as funções <strong>de</strong> outro Promotor, que seria afastado<br />

compulsoriamente <strong>de</strong> suas atribuições e prerrogativas legais, porque isto seria ferir a garantia<br />

da inamovibilida<strong>de</strong> prevista no texto <strong>constitucional</strong>. Esta inamovibilida<strong>de</strong> é ampla,<br />

protegendo o cargo e a função, pois seria um contrassenso ilógico subtrair as respectivas<br />

funções aos próprios cargos.1<br />

O próprio art. 10 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público afasta qualquer<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>signações arbitrárias, prevendo somente competir, excepcionalmente,<br />

ao Procurador-Geral a <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> membro do Ministério Público para acompanhar<br />

inquérito policial ou diligência investigatória, <strong>de</strong>vendo, porém, recair a escolha sobre o<br />

membro do Ministério Público com atribuição para, em tese, oficiar no feito, segundo as<br />

regras ordinárias <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> serviços, para assegurar a continuida<strong>de</strong> dos serviços,<br />

em caso <strong>de</strong> vacância, afastamento temporário, ausência, impedimento ou suspeição <strong>de</strong><br />

titular <strong>de</strong> cargo, ou com consentimento <strong>de</strong>ste, para, por ato excepcional e fundamentado,<br />

exercer as funções processuais afetas a outro membro da Instituição, submetendo sua<br />

<strong>de</strong>cisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público.<br />

Observe-se, ainda, a expressa proibição <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> nomeação <strong>de</strong> membro do<br />

Ministério Público ad hoc, pois, nos termos do art. 129, § 2a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, as<br />

funções <strong>de</strong> Ministério Público só po<strong>de</strong>m ser exercidas por integrantes da carreira,12 que<br />

<strong>de</strong>verão, nos termos da EC na 45/04, residir na Comarca da respectiva lotação, salvo autorização<br />

do chefe da instituição.<br />

5.6 Funções<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público,<br />

transformando-o em um verda<strong>de</strong>iro <strong>de</strong>fensor da socieda<strong>de</strong>, tanto no campo penal com<br />

a titularida<strong>de</strong> exclusiva da ação penal pública (cf. comentário sobre art. 5a, LIX) quanto no<br />

campo cível como fiscal dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res Públicos e <strong>de</strong>fensor da legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong><br />

administrativa, inclusive com a titularida<strong>de</strong> do inquérito civil e da ação civil pública.<br />

Dessa forma, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral enumera exemplificadamente as importantíssimas<br />

funções ministeriais.<br />

São funções institucionais do Ministério Público:<br />

I<br />

promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;3<br />

1 N esse sentido: S T F - l aT .- H C 71429 - R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, Seção I, 25ago. 1995, p.<br />

26.023; STF - l aT. - A G C R A 169169 - Rei. M in. lim ar Galvão, Diário da Justiça, 1 <strong>de</strong>z. 1995, p. 41.695; STF - 2a<br />

T. - HC 68966 - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção 1,7 maio 1993, p. 8.328. STF - Pleno - HC<br />

69599 - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,27 ago. 1993, p. 17.020.<br />

2 Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> medida cautelar para suspen<strong>de</strong>r a aplicabilida<strong>de</strong><br />

do segundo parágrafo do Aviso n° 227, <strong>de</strong> 1M 0 -9 7 , da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio<br />

<strong>de</strong> Janeiro que permitia, excepcionalmente, a nom eação <strong>de</strong> Prom otor <strong>de</strong> Justiça ad hoc (STF - Pleno - Adin n°<br />

1.649-1/RJ - medida liminar - ReL M ia Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1, 8 set. 2000, p. 4).<br />

3 Em relação ao monopólio <strong>constitucional</strong> da titularida<strong>de</strong> da ação penal pública pelo Ministério Público, conf erir<br />

excelente estudo em <strong>de</strong>cisão monocrática do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello (STF - Pet. 4281/DF, DJE <strong>de</strong> 17-8-2009).


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 625<br />

II - zelar pelo efetivo respeito dos Po<strong>de</strong>res Públicos e dos serviços <strong>de</strong> relevância<br />

pública aos <strong>direito</strong>s assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias<br />

a sua garantia;1<br />

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio<br />

público12 e social, do meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difusos e coletivos;3<br />

IV - promover a ação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou representação para fins <strong>de</strong> intervenção<br />

da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;<br />

V - <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r judicialmente os <strong>direito</strong>s e interesses das populações indígenas;<br />

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos <strong>de</strong> sua competência,<br />

requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar<br />

respectiva;<br />

VII - exercer o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial, na forma da lei complementar<br />

mencionada no artigo anterior;4<br />

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração <strong>de</strong> inquérito policial,<br />

indicados os fundamentos jurídicos <strong>de</strong> suas manifestações processuais.<br />

Importante ressaltar, novamente, que o rol <strong>constitucional</strong> é exemplificativo, possibilitando<br />

ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

compatíveis com sua finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, sendo-lhe vedada arepresentação judicial<br />

e a consultoria jurídica <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s públicas.<br />

A própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei na 8.625/93) em seu art.<br />

25 estabelece outras funções ministeriais <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevância.<br />

1. propor ação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou atos normativos estaduais ou<br />

municipais, em face da Constituição Estadual.<br />

2. promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:<br />

a. para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente,<br />

ao consumidor, aos bens e <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> valor artístico, estético, histórico, turístico<br />

e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis<br />

e homogêneos;<br />

b. para a anulação ou <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos lesivos ao patrimônio público<br />

ou à moralida<strong>de</strong> administrativa do Estado ou <strong>de</strong> Município, <strong>de</strong> suas administrações<br />

indiretas ou fundacionais ou <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s privadas <strong>de</strong> que participem;<br />

1 Em relação à legitim ida<strong>de</strong> do M inistério Pú blico para ingressar em ju ízo com ação civil pú blica visando<br />

com pelir o Estado a fornecer medicamento indispensável à saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa individualizada: STF - Pleno - RE<br />

407.902/RS - ReL Min. Marco Aurélio.<br />

2 STF - Pleno - RE 225777/MG - Rei. Min. Eros Grau, Red ./A córdão Min. D iasTóffoii, <strong>de</strong>cisão: 24-2-2011.<br />

3 Resolução n °2 3 .d e 1 7 d e setembro d e 2007, d o Conselho Nacional d o M inistério Público, que regulamenta<br />

no âmbito da instituição, a instauração e tramitação do inquérito civil.<br />

4 Cf. Resolução n° 20, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2007, do Conselho Nacional do Ministério Público, que disciplina, em<br />

no âmbito do M inistério Público, o controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.


6 2 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

3. manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda,<br />

sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício <strong>de</strong> suas funções<br />

institucionais, não importando a fase ou grau <strong>de</strong> jurisdição em que se encontrem<br />

os processos;<br />

4. exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos,<br />

menores, incapazes ou pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;<br />

5. <strong>de</strong>liberar sobre a participação em organismos estatais <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa do meio ambiente,<br />

neste compreendido o do trabalho, do consumidor, <strong>de</strong> política penal e<br />

penitenciária e outros afetos à sua área <strong>de</strong> atuação;<br />

6. ingressar em juízo, <strong>de</strong> ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público<br />

con<strong>de</strong>nados por tribunais e conselhos <strong>de</strong> contas;<br />

7. interpor recursos ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

Outras funções po<strong>de</strong>m ser previstas (norma <strong>de</strong> encerramento), tanto em nívelfe<strong>de</strong>ral,<br />

quanto em nível estadual, inclusive pelas Constituições estaduais e pelas diversas leis<br />

orgânicas dos Estados-membros, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a<strong>de</strong>quadas à finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> do Ministério<br />

Público, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> previsão normativa complementar ou ordinária.1<br />

Importante ressaltar a total impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legislação municipal estabelecer atribuições<br />

ao membro do Ministério Público em atuação no Município, inclusive no que disser<br />

respeito à participação obrigatória em Conselhos Municipais,12 uma vez que somente leis<br />

fe<strong>de</strong>rais e estaduais po<strong>de</strong>rão estabelecer essas atribuições, sempre, repita-se, compatíveis<br />

com sua finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>.<br />

A<strong>de</strong>mais, além <strong>de</strong> garantidor e fiscalizador da Separação dos Po<strong>de</strong>res, o legislador<br />

constituinte conferiu ao Ministério Público funções <strong>de</strong> resguardo ao status <strong>constitucional</strong><br />

dos indivíduos, armando-o <strong>de</strong> garantias que possibilitassem o exercício daquelas e a<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>stes.<br />

Assim, não po<strong>de</strong>mos nos esquecer que a proteção ao status (Jellinek) <strong>constitucional</strong><br />

do indivíduo, em suas diversas posições, hoje, também é função do Ministério Público, que<br />

<strong>de</strong>ve preservá-lo. Assim, uma das posições do status <strong>constitucional</strong> correspon<strong>de</strong> à esfera<br />

<strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s individuais, permitindo a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações, não or<strong>de</strong>nadas e<br />

também não proibidas, garantindo-se um espectro total <strong>de</strong> escolha, ou pela ação ou pela<br />

omissão. São os chamadosstatus negativos. Outra posição coloca o indivíduo em situação<br />

oposta à da liberda<strong>de</strong>, em sujeição ao Estado, na chamada esfera <strong>de</strong> obrigações; é o status<br />

passivo. O status positivo, por sua vez, permite que o indivíduo exija do Estado a prestação<br />

<strong>de</strong> condutas positivas, ou seja, reclame para si algo que o Estado estará obrigado a realizar.<br />

Por fim, temos o status ativo, pelo qual o cidadão recebe competências para participar<br />

do Estado, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formação da vonta<strong>de</strong> estatal, como é o caso do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

sufrágio. Conclui-se, portanto, que a teoria dos status evi<strong>de</strong>ncia serem os <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

um conjunto <strong>de</strong> normas jurídicas que atribuem ao indivíduo diferentes posições<br />

frente ao Estado, cujo zelo também é função do Ministério Público.<br />

1 S T F -A D In 2 2.794/DF- ReL Min. SepúlvedaPertence,<strong>de</strong>cisão: 14 d e z .2 00 6-Inform ativoSTFn24 5 2 ,p. 2.<br />

2 STF - A gravo <strong>de</strong> instrumento n ° 168.964-1/040 - Rei. N éri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1 ,29 maio<br />

1996, p. 18.352.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 627<br />

Portanto, garantir ao indivíduo a fruição total <strong>de</strong> todos os seus status constitucionais,<br />

por <strong>de</strong>sejo do próprio legislador constituinte, que em <strong>de</strong>terminado momento histórico<br />

enten<strong>de</strong>u fortalecer a Instituição, dando-lhe in<strong>de</strong>pendência e autonomia, e a causa social<br />

para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r e proteger é também função do Ministério Público, juntamente com os<br />

Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo e Judiciário.<br />

No tocante à aposentadoria dos membros do Ministério Público e à pensão <strong>de</strong> seus<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>termina a Constituição Fe<strong>de</strong>ral observância das normas aplicáveis aos<br />

magistrados (CF, art. 129, § 4-, e 93, VI), que, atualmente, em face da Emendas Constitucionais<br />

n25 20/98, 41/03 e 47/05, são as normas gerais previstas no art. 40 (conferir<br />

Capítulo 9, item 15).<br />

5.7 M inistério Público e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigação<br />

O <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> acomodar um Po<strong>de</strong>r Executivo fortalecido e personificado na figura<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um enquadramento das regras constitucionais e<br />

legais <strong>de</strong>rivadas da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, permanece formidável mesmo após 215 anos<br />

da criação do regime presi<strong>de</strong>ncialista pelos Estados Unidos, pois, como <strong>de</strong>stacam os<br />

norte-americanos, os po<strong>de</strong>res presi<strong>de</strong>nciais continuam “latentes na circulação sanguínea<br />

do governo”.<br />

A magnitu<strong>de</strong>, complexida<strong>de</strong> e consequências do conflito entre a personificação da<br />

Presidência e a necessária impessoalida<strong>de</strong> no cumprimento das regras constitucionais<br />

comprovam que o Presi<strong>de</strong>nte da República ocupa um cargo que não pronta e facilmente é<br />

assimilado ou controlado pelos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res. Nesse contexto, a mais importante tarefa<br />

na prática institucional é cumprir o mandamento <strong>constitucional</strong> básico, que <strong>de</strong>termina ao<br />

Chefe da Nação e <strong>de</strong>mais autorida<strong>de</strong>s a total submissão às leis e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeitar<br />

o complexo mecanismo <strong>de</strong> freios e contrapesos existentes em um Estado Democrático.<br />

O Presi<strong>de</strong>ncialismo brasileiro, nesse aspecto, foi extremamente sábio, pois além dos<br />

clássicos mecanismos <strong>de</strong> freios e contrapesos existentes na tripartição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, estru<br />

turou o Ministério Público como Instituição <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da Socieda<strong>de</strong>, garantindo-lhe total<br />

in<strong>de</strong>pendência para zelar pelo cumprimento das leis e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o interesse geral, dando-lhe<br />

nossa Carta Magna relevo <strong>de</strong> instituição permanente e essencial à função jurisdicional.<br />

Para po<strong>de</strong>r cumprir seu importante papel no regime <strong>de</strong>mocrático, a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral enumerou diversas funções institucionais ao Ministério Público, entre elas, a<br />

promoção privativa da ação penal; o zelo pelo efetivo respeito dos Po<strong>de</strong>res Públicos e dos<br />

serviços <strong>de</strong> relevância pública aos <strong>direito</strong>s <strong>constitucional</strong>mente assegurados, a expedição<br />

<strong>de</strong> notificações nos procedimentos administrativos <strong>de</strong> sua competência e a requisição <strong>de</strong><br />

informação e documentos para instruí-los, a requisição <strong>de</strong> diligências investigatórias e a<br />

instauração <strong>de</strong> inquérito policial e o exercício do controle externo da ativida<strong>de</strong> policial.<br />

Além disso, o texto <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>ixou clara sua exemplificativida<strong>de</strong>, pois permitiu à<br />

legislação ordinária a fixação <strong>de</strong> outras funções, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que compatíveis com sua finalida<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>.1<br />

1 “Não há impedimento para que o agente do Ministério Público efetue a colheita <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados <strong>de</strong>poimentos,<br />

quando, tendo conhecimento fático do indício <strong>de</strong> autoria e da materialida<strong>de</strong> do crime, tiver notícia, diretamente,


628 Direito Constitucional • Moraes<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu ser “perfeitamente possível que o órgão<br />

ministerial promova a colheita <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminados elementos <strong>de</strong> prova que <strong>de</strong>monstrem a<br />

existência da autoria e da materialida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado <strong>de</strong>lito”, pois, conforme salientado<br />

pela Ministra Ellen Gracie, “tal conduta não significaria retirar da Polícia Judiciária as<br />

atribuições previstas <strong>constitucional</strong>mente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais<br />

(arts. 129 e 144), <strong>de</strong> modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta<br />

e regular apuração dos fatos, mas também a formação da opinio <strong>de</strong>licti”.1<br />

A Corte reconheceu a “valida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> investigatória” do Ministério<br />

Público, enten<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>rivar implicitamente <strong>de</strong> seu “monopólio <strong>constitucional</strong> da titularida<strong>de</strong><br />

da ação penal pública”, consagrado no art. 129,1, da Carta Magna; sendo, portanto,<br />

“plena a legitimida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigar do Ministério Público, pois<br />

os organismos policiais (embora <strong>de</strong>tentores da função <strong>de</strong> Polícia Judiciária), não têm,<br />

no sistema jurídico brasileiro, o monopólio da competência penal investigatória”, como<br />

<strong>de</strong>stacado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello.2<br />

Igualmente, afirmou o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça que “o Ministério Público possui<br />

legitimida<strong>de</strong> para proce<strong>de</strong>r à coleta <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> convicção no intuito <strong>de</strong> elucidar a materialida<strong>de</strong><br />

do crime e os indícios <strong>de</strong> autoria”, afirmando que “proce<strong>de</strong>r à ref erida colheita<br />

é um consectário lógico da própria função do Parquet <strong>de</strong> promover, com exclusivida<strong>de</strong>, a<br />

ação penal”, pois “a polícia judiciária não possui o monopólio da investigação criminal”.3<br />

Ao erigir o Ministério Público como garantidor e fiscalizador da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res<br />

e, consequentemente, dos mecanismos <strong>de</strong> controles estatais (CF, art. 129, II), o legislador<br />

constituinte conferiu à Instituição função <strong>de</strong> resguardo ao status <strong>constitucional</strong> do cidadão,<br />

armando-o <strong>de</strong> funções, garantias e prerrogativas que possibilitassem o exercício daquelas<br />

e a <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>stes.<br />

Incorporou-se em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitu<br />

cional norte-americana sobre a teoria dos po<strong>de</strong>res implícitos - inherentpowers -, pela qual<br />

no exercício <strong>de</strong> sua missão <strong>constitucional</strong> enumerada, o órgão executivo <strong>de</strong>veria dispor <strong>de</strong><br />

todas as funções necessárias, ainda que implícitas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não expressamente limitadas<br />

(Myers v. Estados Unidos -U S 272 - 52, 118), consagrando-se, <strong>de</strong>ssa forma, e entre nós<br />

aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento <strong>de</strong> competências genéricas implícitas<br />

que possibilitem o exercício <strong>de</strong> sua missão <strong>constitucional</strong>, apenas sujeitas às proibições e<br />

limites estruturais da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4<br />

<strong>de</strong> algum fato que merecesse ser elucidado” (STF - Pleno - Inq. ns 1957/PR - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 11 maio 2005, p. 7). Conferir ainda: STF - HC n9 89.334-1/RO - Rei. Min. Cezar Peluso,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 9 out. 2006, p. 31; STF - Med. Caut. em Habeas Corpus n9 89.837-8/DF - Rei. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 16-10-2006.<br />

1 STF - Pleno - HC ns 91.661/PE, Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 10-3-2009. Conferir, ainda, no mesmo sentido:<br />

STF - l âT. - HC 96.638/BA- Rei. Min. Ricardo Lewandowisk, <strong>de</strong>cisão: 2-12-2010, e o fundamentado voto<br />

do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello (2a T. - HC 93.930/RJ, <strong>de</strong>cisão: 7-12-2010), on<strong>de</strong> expõe completa fundamentação<br />

sobre a questão.<br />

2 STF - 2 âT. - HC n9 89837/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, DJE-218,20-11-2009.<br />

3 STJ - 5a T. - Resp 1020777/MG - Rei. Min. Laurita Vaz, <strong>de</strong>cisão: 17-2-2011. No mesmo sentido: STJ - 5a<br />

T. - RHC 24472/RJ - Rei. Min. Jorge Mussi, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2011.<br />

4 Conferir sobre o tema: S T F -H C n Q94.173/BA-Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: l c-8-2008; S T F -2 a T. -<br />

RE 535478/SC - ReL Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 28-10-2008.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 629<br />

Entre essas competências implícitas, parece-nos que não po<strong>de</strong>ría ser afastado o po<strong>de</strong>r<br />

investigatório criminal dos promotores e procuradores, para que, em casos que enten<strong>de</strong>rem<br />

necessário, produzam as provas necessárias para combater, principalmente, a criminalida<strong>de</strong><br />

organizada e a corrupção, não nos parecendo razoável o engessamento do órgão<br />

titular da ação penal, que, contrariamente ao histórico da Instituição, teria cerceado seus<br />

po<strong>de</strong>res implícitos essenciais para o exercício <strong>de</strong> suas funções constitucionais expressas.1<br />

Não reconhecer ao Ministério Público seus po<strong>de</strong>res investigatórios criminais implícitos<br />

correspon<strong>de</strong> a diminuir a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua atuação em <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

<strong>de</strong> todos os cidadãos, cuja atuação autônoma, conforme já reconheceu nosso Supremo<br />

T r ib u n a l Fe<strong>de</strong>ral, configura a confiança <strong>de</strong> respeito aos <strong>direito</strong>s, individuais e coletivos, e<br />

a c e r t e z a d e submissão dos Po<strong>de</strong>res à lei.12<br />

O b v ia m e n te , o po<strong>de</strong>r investigatório do Ministério Público não é sinônimo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r<br />

s em lim it e s o u a v e s s o a controles,3 mas sim <strong>de</strong>rivado diretamente <strong>de</strong> suas funções constitu<br />

c io n a is e n u m e ra d a s n o art. 129 <strong>de</strong> nossa Carta Magna e com plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

r e s p o n s a b iliz a ç ã o d e seu s m e m b ro s por eventuais abusos cometidos no exercício <strong>de</strong> suas<br />

fu n ç õ e s , p o is e m u m r e g im e re p u b lic a n o todos <strong>de</strong>vem fiel observância à Lei.4<br />

O q u e n ã o se p o d e p e r m itir é, sob falsos pretextos, o afastamento da in<strong>de</strong>pendência<br />

fu n c io n a l d o M in is té r io P ú b lic o e a diminuição <strong>de</strong> suas funções - expressas ou implícitas<br />

-, sob p e n a d e g r a v e p e r ig o d e r e tr o c e s s o no combate ao crime organizado e na fiscalização<br />

à c o r r u p ç ã o n a a d m in is tra ç ã o p ú b lic a , pois esse retorno à impunida<strong>de</strong>, como sempre<br />

alertado p o r N o r b e r to B o b b io , g e r a a ineficiência e o <strong>de</strong>scrédito na Democracia.<br />

5.8 M inistério Público e legitim ida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>fesa do patrimônio público e zelo<br />

dos <strong>direito</strong>s constitucionais do cidadão<br />

A C o n s titu iç ã o Fe<strong>de</strong>ral prevê no inciso III, do art. 129, que compete ao Ministério<br />

P ú b lic o p r o m o v e r o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio<br />

p ú b lic o e s o c ia l, do meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difusos e coletivos.<br />

Manoel Gonçalves Ferreira Filho salienta que o inquérito civil e a ação civil pública<br />

foram criados pela Lei n® 7.347/85, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivar a responsabilização por<br />

1 Conferir nesse sentido: STF - Pleno - Inquérito n° 2.041-9/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 30-9-<br />

2003; STF - HC n° 84.367/RJ - Rei. Min. Carlos Britto - Informativo STF n° 376, p. 4.<br />

2 Conferir importante diferenciação feita pelo Ministro Cezar Peluso, entre função <strong>de</strong> políciajudiciária efunção<br />

investigatória, bem com o sua conclusão, no sentido <strong>de</strong> que “ o po<strong>de</strong>r investigatório que, pelo exposto, se <strong>de</strong>ve<br />

reconhecer, por igual, próprio do Ministério Público é, à luz da disciplina <strong>constitucional</strong>, certam ente, da espécie<br />

excepcional, fundada na exigênciaabsoluta <strong>de</strong><strong>de</strong>m onstrado interesse públicoou social” (S T F -H C n 0 89.334-1/<br />

RN - Rei. C ezar Pelu zo, Diário da Justiça, Seção 1,9 out. 2006, p. 31).<br />

3 Nesse sentido, o STF <strong>de</strong>term inou a o MPF im ediata abertura d e vista a o advogado d o investigado (STF - 2 a<br />

T. - H C n ” 88190/RJ - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 29-8-2006 - Informativo STF n ” 438 e Diário da Justiça,<br />

Seção I, 6 oul 2006, p 6 7 ). Igualm ente, proclam ou o controle jurisdicional da ativida<strong>de</strong> investigatória dos<br />

membros do M inistério Público, bem com o, a integral oponibilida<strong>de</strong> do sistema <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias individuais<br />

às investigações conduzidas pelos seus membros (STF - 2a T. - HC n° 89.837/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, DJE-218,20-11-2009).<br />

4 Conferir, sobre o tema, julgam ento em andam ento no STF: Pleno - Inq. n° 1968/DF - ReL Min. Marco Aurélio,<br />

Informativo STF n“ 359,p. 1.


6 3 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> valor artístico, estético,<br />

histórico, turístico e paisagístico, concluindo que<br />

“o texto <strong>constitucional</strong> alargou o alcance <strong>de</strong>sses instrumentos. Por um lado,<br />

esten<strong>de</strong>u-os à proteção do patrimônio público em geral, dando, pois, à ação civil<br />

pública, âmbito análogo ao da ação popular (v. art. 5a, LXXIII). Por outro lado,<br />

tornou meramente exemplificativa uma enumeração que era taxativa. Note-se que<br />

a regra <strong>constitucional</strong> se refere a outros interesses difusos e coletivos”.1<br />

Analisando estas importantes funções do Ministério Público, o Ministro Sepúlveda<br />

Pertence afirmou que o legislador constituinte conce<strong>de</strong>u uma “titularida<strong>de</strong> genérica para<br />

promover medidas necessárias à proteção da vigência e da eficácia da Constituição", e mais<br />

adiante, comenta a introdução da legitimação para “uma proteção a patrimônio público”,<br />

concluindo que a Constituição introduziu ao Ministério Público “vigilância ativa com legitimação<br />

processual, sob a legalida<strong>de</strong> da administração".12<br />

Esta atuação do Ministério Público visa a<strong>de</strong>quar nosso or<strong>de</strong>namento jurídico à tendência<br />

contemporânea <strong>de</strong> todo o Direito Constitucional universal, que é impedir, <strong>de</strong> todas<br />

as formas possíveis, o <strong>de</strong>srespeito sistemático às normas constitucionais, que conduz à<br />

erosão da própria consciência <strong>constitucional</strong>.3<br />

Dessa forma, patente a legitimação <strong>constitucional</strong> do Ministério Público para <strong>de</strong>fesa<br />

do patrimônio público (CF, art. 129, III),4 repetida pelo art. 25 da Lei na 8.625/93, arts.<br />

5a da Lei na 7.347/85 e 117 da Lei na 8.078/90,5 que na lição <strong>de</strong> Nélson e Rosa Nery<br />

“confere legitimida<strong>de</strong> ao Ministério Público para instaurar inquérito civil e ajuizar<br />

ação civil pública na <strong>de</strong>fesa do patrimônio público e social, melhorando o sistema<br />

<strong>de</strong> proteção judicial do patrimônio público, que é uma espécie <strong>de</strong> <strong>direito</strong> difuso. O<br />

amplo conceito <strong>de</strong> patrimônio público é dado pela Lei da Ação Popular (...) Alegitimação<br />

do Ministério Público para a <strong>de</strong>fesa do patrimônio público e social <strong>de</strong>corre<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, artigo 129, inciso III, <strong>de</strong> sorte que não po<strong>de</strong> a lei infra<strong>constitucional</strong><br />

nem a Constituição Estadual retirar do parquet essa legitimação”.6<br />

Essa mesma análise é realizada por Quiroga Lavié quando afirma que a função <strong>de</strong><br />

promover a atuação da Justiça em <strong>de</strong>fesa da legalida<strong>de</strong> implica a legitimação processual<br />

1 FERREIRA FILHO, M anoel G onçalves. Comentários... Op. cit. v. 3, p. 48.<br />

2 PERTENCE, Sepúlveda. A Constituição... Op. cit. p. 266-267.<br />

3 Voto do Ministro C elso <strong>de</strong> M ello , BTJ153/783.<br />

4 STJ - 6a T. - Resp. n° 6 7.148/SP - Rei. M in. Adhem ar Maciel, <strong>de</strong>cisão: 25 set. 1995; STJ - I a T. - Resp. n°<br />

142.707/SP - Rei. Min. Garcia V ieira, D iário da Justiça, Seção I, 27 abr. 1998, p. 85. STJ - 5a T. - Resp. n°<br />

98.648 /MG - ReL Min. José Arnaldo da Fonseca, Diário da Justiça, Seção 1,28 abr. 1997, Ementário STJ 18/185.<br />

Conferir, ainda, nesse sentido: Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, A gravo <strong>de</strong> Instrumento 97.838 G O , R ei. Min.<br />

Antônio <strong>de</strong>Pádua Ribeiro, 193 1996, DJU, 28 mar. 1996, p. 9.234; e ainda, Resp. ne 13.649, Rei. M in. Eduardo<br />

Ribeiro, RSTJ 27.493.<br />

5 JTJ162/92, R ei. Des. Cambrea Filho.<br />

6 NERY JR., Nelson; NERY, R osaM aria. Processo civil.. Op. cit. p. notas 25 e 26, ao art. 1°, inciso IV, da L ei nQ<br />

7.347/85, p. 1.018.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 3 1<br />

para estar emjuízo, seja quando a lei estabelecer <strong>de</strong> forma expressa, seja quando os <strong>direito</strong>s<br />

públicos da socieda<strong>de</strong> não estiverem sendo observados.1<br />

Inexiste, portanto, qualquer dúvida <strong>de</strong> que o Ministério Público possui legitimida<strong>de</strong><br />

para <strong>de</strong>fesa do patrimônio público através <strong>de</strong> ação civil pública,12 instrumento posto à<br />

disposição da Instituição para que esta possa pedir a proteção do bem da vida tutelado<br />

pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no caso o patrimônio público.3<br />

Assim, como <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “na socieda<strong>de</strong> contemporânea<br />

<strong>de</strong> massa, e sob os influxos <strong>de</strong> uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado<br />

estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetivida<strong>de</strong>, encontra no Ministério<br />

Público uma instituição <strong>de</strong> extraordinário valor na <strong>de</strong>fesa da cidadania”.4<br />

5.9 G arantias do Ministério Público<br />

As garantias constitucionais do Ministério Público foram lhe conferidas pelo legislador<br />

constituinte objetivando o pleno e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte exercício <strong>de</strong> suas funções e po<strong>de</strong>m<br />

ser divididas em garantias institucionais e garantias aos membros. Tão importante este<br />

objetivo, que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral consi<strong>de</strong>ra crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República a prática <strong>de</strong> atos atentatórios do livre exercício do Ministério Público (art.<br />

85, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

As garantias e prerrogativas dos membros do Ministério Público, do mesmo modo que<br />

as imunida<strong>de</strong>s parlamentares e os predicamentos da magistratura,5 não são privilégios nem<br />

quebram o princípio da isonomia. É essa a razão pela qual se po<strong>de</strong> falar da vitalicieda<strong>de</strong>,<br />

inamovibilida<strong>de</strong> e irredutibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vencimentos dos promotores e dos juizes como prerrogativas6<br />

visando à <strong>de</strong>fesa do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> Direito e dos <strong>direito</strong>s fundamentais.<br />

Hely Lopes Meirelles afirma que as prerrogativas “são atribuições do órgão ou do<br />

agente público, inerentes ao cargo ou a função que <strong>de</strong>sempenha na estrutura do Governo,<br />

1 LAVIÉ, Humberto Quiroga. Estúdio analítico <strong>de</strong> la reforma <strong>constitucional</strong>. Buenos Aires: Depalma, 1994. p. 65.<br />

2 STJ - Agravo <strong>de</strong> Instrumento 97.838-GO, Rei. Min. Antônio d e Pádua Ribeiro, 19-3-1996, DJU 28-3-1996, p.<br />

9.234; STJ - Respn” 13.649, ReL Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ27.493; TJ/SP - Apelação Cível 248.568-1/4, Capivari,<br />

8a Câmara <strong>de</strong> Direito Público, Relator Desembargador Celso Bonilha, v.u., 15-5-1996; TJ/SP - Apelação Cível<br />

252.231-1/1, Campinas, 3a Câmara <strong>de</strong> Direito Público, Relator Desembargador Pires <strong>de</strong> Araújo, v.u., 28-5-1996;<br />

TJ/SP - Apelação Cível 277.322-2/3, Iguape, 8a Câmara <strong>de</strong> Direito Público, Relator Desembargador Toledo Silva,<br />

v.u., 24-4-1996; TJ/SP - Mandado <strong>de</strong> Segurança 280.265-1/6, São Paulo, 3a Câmara Civil, Relator Desembargador<br />

Toledo César, v.u., 27-2-1996; TJ/SP - Embargos <strong>de</strong> Declaração 228.723-1, Santos, Relator Desembargador Jorge<br />

Tannus, v.u., 30-3-1995, JTJ173/246; TJ /S P-A pelação C ível201.861-1/8,2a Câmara Civil, Relator Desembargador<br />

Lino Machado, v.u., 1-3-1994, Revista <strong>de</strong> Direito Ambiental 00/229-RT; TJ/GO, 3a Turma da I a Câmara<br />

Civil, Apelação Cível 35.404-6/188, Relator Desembargador A ntonioN eryd aS ilva, v.u., 26-6-1995, R T 721/207.<br />

3 Acórdão da C olenda Terceira Câmara Civil, proferido nos autos da apelação Cível nQ197.831-1, relatado<br />

pelo Desembargador Mattos Faria, que <strong>de</strong>cidiu, à unanimida<strong>de</strong>, em 9-11-93, pela legitim ida<strong>de</strong> do M inistério<br />

Público; JTJ - L E X -156/127.<br />

4 STJ - Recurso Especial ns 89.646-PR - Rei. M in. Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira, Diário da Justiça, Seção 1,24<br />

fev. 1997. p. 3.340.<br />

5 COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. Direito público... O p. cit. p. 83.<br />

6 RDP 68/16.


6 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

na organização administrativa ou na carreira a que pertence. São privilégios funcionais,<br />

normalmente conferidos aos agentes políticos ou mesmo aos altos funcionários, para a<br />

correta execução <strong>de</strong> suas atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em<br />

<strong>direito</strong> subjetivo <strong>de</strong> seu titular, passível <strong>de</strong> proteção por via judicial, quando negadas ou<br />

<strong>de</strong>srespeitadas por qualquer outra autorida<strong>de</strong>”.1<br />

5.9.1 Garantias da Instituição<br />

A .<br />

A u to n o m ia fu n c io n a l, a d m in istra tiv a e fin a n c e ira<br />

O art. 127, § 2a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê autonomia funcional e administrativa<br />

ao Ministério Público, enquanto o art. 3fi da Lei Orgânica Nacional ampliou esta autonomia,<br />

prevendo também a financeira.<br />

A autonomia funcional, como já com entado em tópico anterior, significa que os<br />

membros do Ministério Público, no cumprimento dos <strong>de</strong>veres funcionais, submetem-se<br />

unicamente aos limites <strong>de</strong>terminados pela Constituição, pelas leis e pela sua própria consciência,<br />

não estando subordinados a nenhum outro Po<strong>de</strong>r, isto é, nem ao Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

nem ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, nem ao Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

O próprio art. 127, § 2a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que ao Ministério Público é<br />

assegurada autonomia funcional e administrativa, po<strong>de</strong>ndo, observado o disposto no art.<br />

169, propor ao Po<strong>de</strong>r Legislativo a criação e extinção <strong>de</strong> seus cargos e serviços auxiliares,<br />

i<br />

Justitia, 128/168, Revista do M in istério Público d o Estado <strong>de</strong> São Paulo.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 3 3<br />

provendo-os por concurso público <strong>de</strong> provas ou <strong>de</strong> provas e títulos, a política remuneratória<br />

e os planos <strong>de</strong> carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.1<br />

As autonomias administrativa e financeira vêm especificadas no art. 3a da Lei Orgânica<br />

Nacional do Ministério Público, permitindo-lhe, entre outras funções, praticar atos<br />

próprios da gestão, tais como:<br />

Praticar atos e <strong>de</strong>cidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo<br />

e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; elaborar<br />

suas folhas <strong>de</strong> pagamento e expedir os competentes <strong>de</strong>monstrativos; adquirir bens e<br />

contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização; propor ao Po<strong>de</strong>r Legislativo a<br />

criação e a extinção <strong>de</strong> seus cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos <strong>de</strong> seus<br />

membros; propor ao Po<strong>de</strong>r Legislativo a criação e a extinção dos cargos <strong>de</strong> seus serviços<br />

auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos <strong>de</strong> seus servidores; prover<br />

os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos <strong>de</strong> remoção,<br />

promoção e <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> provimento <strong>de</strong>rivado; editar atos <strong>de</strong> aposentadoria, exoneração<br />

e outros que importem em vacância <strong>de</strong> cargos <strong>de</strong> carreira e dos serviços auxiliares,<br />

bem como os <strong>de</strong> disponibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> membros do Ministério Público e <strong>de</strong> seus servidores;<br />

organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias <strong>de</strong><br />

Justiça; compor seus órgãos <strong>de</strong> administração; elaborar seus regimentos internos; exercer<br />

outras competências <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes.<br />

Em relação ao concurso <strong>de</strong> ingresso à carreira do Ministério Público, o Conselho<br />

Nacional do Ministério Públicoeditou a Resolução na 4, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2006, regulamentando<br />

o conceito <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica como aquela <strong>de</strong>sempenhada exclusivamente<br />

após a obtenção do grau <strong>de</strong> bacharel em <strong>direito</strong>, e exercida por ocupante <strong>de</strong> cargo, emprego<br />

ou função, inclusive <strong>de</strong> magistério superior, nos quais prepon<strong>de</strong>re a interpretação<br />

e aplicação <strong>de</strong> normas jurídicas.<br />

A citada resolução dispôs, ainda, que a comprovação da exigência do período <strong>de</strong> três<br />

anos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> jurídica <strong>de</strong>verá ser formalizada no ato da inscrição <strong>de</strong>finitiva do concurso<br />

por intermédio <strong>de</strong> documentos e certidões que <strong>de</strong>monstrem efetivamente o exercício da<br />

ativida<strong>de</strong> jurídica no período exigido.<br />

Por fim, vedou-se a participação como membro <strong>de</strong> comissão ou <strong>de</strong> banca examinadora<br />

<strong>de</strong> pessoas que exerçam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério e/ou direção <strong>de</strong> cursos <strong>de</strong>stinados<br />

à preparação <strong>de</strong> candidatos a concursos públicos, até três anos após cessar as referidas<br />

ativida<strong>de</strong>s.<br />

Igualmente, o Conselho Nacional do Ministério Público dispôs sobre os critérios objetivos<br />

e o voto aberto e fundamentado nas promoções e remoções por merecimento <strong>de</strong><br />

membros dos Ministérios Públicos da União e dos Estados, que <strong>de</strong>verão ser realizadas em<br />

sessão pública, e cujo merecimento <strong>de</strong>ver ser apurado e aferido conforme o <strong>de</strong>sempenho<br />

e por critérios objetivos <strong>de</strong> produtivida<strong>de</strong> e presteza no exercício das atribuições e pela<br />

frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos <strong>de</strong> aperfeiçoamento<br />

(Resolução na 02, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2005).<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 19, prom ulgada em 4-6-1998 e publicada no Diário Oficial da<br />

União em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.


6 3 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

O CNMP estabeleceu prazo <strong>de</strong> 120 dias para que os respectivos Conselhos Superiores<br />

dos MinistériosPúblicos editassem atos administrativos disciplinando a valoração objetiva<br />

dos critérios, para efeito <strong>de</strong> promoção e remoção.<br />

Explica Fábio Kon<strong>de</strong>r Comparato que “a Constituição, afinaldotou o Ministério Público<br />

das prerrogativas <strong>de</strong> autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2a). Que significa<br />

isso? Autonomia, ensinou João Men<strong>de</strong>s Júnior em seu estilo ático, “significa direção própria<br />

daquilo que é próprio”. E acrescentou: “somente por extensão, puramente metafórica, é<br />

que se costuma atribuir a autonomia a quem, por ação própria, dirige aquilo que não lhe<br />

é próprio”. E Sampaio Dória enfatiza:<br />

“Retire-se da autonomia a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação ou governo próprio e competência<br />

própria, mas que lhe fixam, e nada mais lhe sobrará. São os seus dois<br />

elementos essenciais e irredutíveis: as raias invioláveis em que lhe circunscrevem<br />

a ação, e o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agir livremente <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssas raias.”<br />

Ora, essa autonomia administrativa e funcional do Ministério Público - como direção<br />

própria daquilo que lhe é próprio - traduz-se, no plano financeiro, pela prerrogativa <strong>de</strong>sse<br />

órgão público <strong>de</strong> elaborar sua proposta orçamentária, <strong>de</strong>ntro dos limites estabelecidos<br />

na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias (CF, art. 127, § 3a). Não precisou o constituinte repetir,<br />

neste passo, a expressão<br />

“autonomia financeira, empregada em relação ao Po<strong>de</strong>r Judiciário (art. 99), porque<br />

a i<strong>de</strong>ia já está contida, por inteiro, na norma do art. 127, § 3a. O Judiciário,<br />

tal como o Ministério Público, não conta com recursos financeiros próprios. Mas,<br />

na elaboração da proposta orçamentária global, ambos esses órgãos têm iniciativa<br />

exclusiva <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar os recursos necessários a aten<strong>de</strong>r às próprias <strong>de</strong>spesas”.1<br />

Conforme ensina Hely Lopes Meirelles,<br />

“a autonomia financeira é a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> elaboração da proposta orçamentária<br />

e <strong>de</strong> gestão e aplicação dos recursos <strong>de</strong>stinados a prover as ativida<strong>de</strong>s e serviços<br />

do órgão titular da dotação. Essa autonomia pressupõe a existência <strong>de</strong> dotações<br />

que possam ser livremente administradas, aplicadas e remanejadas pela unida<strong>de</strong><br />

orçamentária a que foram <strong>de</strong>stinadas. T al autonomia é inerente aos órgãos funcionalmente<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, como são o Ministério Público e o Tribunal <strong>de</strong> Contas, os<br />

quais não po<strong>de</strong>ríam realizar plenamente as suas funções se ficassem na <strong>de</strong>pendência<br />

<strong>de</strong> outro órgão controlador <strong>de</strong> suas dotações orçamentárias”.12<br />

Ressalte-se que a autonomia do Ministério Público é complementada pelas normas<br />

constitucionais que conce<strong>de</strong>m ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais<br />

<strong>de</strong> Justiça iniciativa <strong>de</strong> lei sobre a organização, respectivamente, dos Ministérios Públicos<br />

da União e dos Estados, conforme será analisado no Capítulo 11, item 3.1.5.<br />

1 COMPARATO, Fábio Kon<strong>de</strong>r. Direito público... Op. cit. p. 70.<br />

2 M EIRELLES,H elyLopes.D ireitoadm inistrativo... O p.cit.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 635<br />

A E C n a 45/04 reforçou e regulamentou a autonomia financeira do Ministério Público,<br />

estabelecendo que, se o Parquet não encaminhar a respectiva proposta orçamentária <strong>de</strong>ntro<br />

do prazo estabelecido na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias, o Po<strong>de</strong>r Executivo consi<strong>de</strong>rará,<br />

para fins <strong>de</strong> consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei<br />

orçamentária vigente, ajustados <strong>de</strong> acordo com os limites estipulados na lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias. Além disso, se a proposta orçamentária <strong>de</strong> que trata este artigo for encaminhada<br />

em <strong>de</strong>sacordo com os limites estipulados na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias, o<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo proce<strong>de</strong>rá aos ajustes necessários para fins <strong>de</strong> consolidação da proposta<br />

orçamentária anual.<br />

Por fim, estipulou a EC na 45/04 que, durante a execução orçamentária do exercício,<br />

não po<strong>de</strong>rá haver a realização <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas ou a assunção <strong>de</strong> obrigações que extrapolem<br />

os limites estabelecidos na lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas,<br />

mediante a abertura <strong>de</strong> créditos suplementares ou especiais.<br />

B. M odo <strong>de</strong> nom eação e d e stitu içã o do P ro curador-G eral<br />

Para garantir que o Ministério Público, em <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong>, exercesse seu mister<br />

<strong>constitucional</strong>, diversas garantias <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia foram previstas, bem<br />

como diversos sistemas <strong>de</strong> controles. Uma das garantias dadas pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

ao Ministério Público, visando a socieda<strong>de</strong> e a <strong>de</strong>fesa intransigente do regime <strong>de</strong>mocrá<br />

tico, foi o modo <strong>de</strong> nomeação e <strong>de</strong>stituição do Chefe da Instituição, seja do Ministério<br />

Público da União (Procurador-Geral da República), seja dos Ministérios Públicos dos Estados<br />

(Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça), bem como a existência <strong>de</strong> mandato por tempo certo,<br />

impossibilitando sua <strong>de</strong>missão ad nutum, garantindo-lhe a imparcialida<strong>de</strong> necessária.<br />

Como ressalta o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“<strong>de</strong>ntre as garantias objetivas, ou <strong>de</strong> índole <strong>constitucional</strong>, asseguradas pela nova<br />

Constituição ao Ministério Público, está aquela que consagra o princípio <strong>de</strong> autogoverno<br />

<strong>de</strong>ssa Instituição, cuja realida<strong>de</strong>, em nosso sistema <strong>de</strong> <strong>direito</strong> positivo,<br />

<strong>de</strong>riva, essencialmente, da alta missão institucional que vincula o Parquet, <strong>de</strong> modo<br />

absolutamente incondicional, à tutela da or<strong>de</strong>m jurídica, à <strong>de</strong>fesa do regime <strong>de</strong>mocrático<br />

e à proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis” .1<br />

8.2 N om eação do Procurador-G eral da R e p ú b lica (art. 1 2 8 , § I a, C F )<br />

O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República entre integrantes da carreira, maiores <strong>de</strong> trinta e<br />

cinco anos, após a aprovação <strong>de</strong> seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, para mandato <strong>de</strong> dois anos, permitida a recondução, precedida <strong>de</strong> nova <strong>de</strong>cisão<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 25, Lei Complementar ne 75/93). Note-se que a constituição fala<br />

em recondução in<strong>de</strong>terminadamente, pelo que não há limite para essa hipótese.12<br />

1 Voto do Min. Celso <strong>de</strong> Mello, no MS 21.239; RTJ, 147/162.<br />

2 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer n° 1.748 e, posteriormente, em dois turnos, a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição n2 29, <strong>de</strong> 2000 (n2 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos Deputados), constante da Emenda n2 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para nova análise e


6 3 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha por parte do Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong> qualquer<br />

membro da carreira, a melhor interpretação sugere que a carreira a que se refere a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral é a do Ministério Público da União, ou seja, <strong>de</strong>verá recair sobre qualquer<br />

um dos seguintes ramos: Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, Ministério Público do Trabalho,<br />

Ministério Público da Justiça Militar e Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios.1<br />

Essa conclusão po<strong>de</strong>, igualmente, ser observada pelo julgamento do mandado <strong>de</strong><br />

segurança n*12 21.239/DF, ocorrido após a promulgação da vigente Constituição, porém<br />

anterior à nova Lei Complementar do Ministério Público da União, on<strong>de</strong> o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral reconheceu o autogoverno do Ministério Público da União, e a consequente<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República nomear os chefes do Ministério Público do<br />

Trabalho e da Justiça Militar, que <strong>de</strong>verão sê-lo pelo próprio Procurador-Geral da República,<br />

membro <strong>de</strong> qualquer das carreiras do Ministério Público da União.2<br />

Nomeado o Procurador-Geral da República, somente ele possui competência privativa<br />

para exercer as funções <strong>de</strong> Ministério Público da União perante o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

B .2 D estitu içã o d o P ro curador-G eral d a R e p ú b lica (art. 1 2 8 , § 2 a)<br />

A <strong>de</strong>stituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, <strong>de</strong>verá ser precedida <strong>de</strong> autorização da maioria absoluta do Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A LC n2 75/93 estabelece que a votação <strong>de</strong>verá ser secreta (art. 25, parágrafo único).<br />

Como salientado pelo Ministro Sepúlveda Pertence é essa norma um “inédito mecanismo<br />

<strong>de</strong> salvaguarda da in<strong>de</strong>pendência externa do Ministério Público, em face dos Po<strong>de</strong>res do<br />

Estado, mediante a segurança no cargo do seu chefe”.4 5<br />

B .3 N om eação do Procurador-G eral d e Ju stiç a (art. 1 2 8 , § 3 a, da C F ; art. 9 o da L e i<br />

n° 8.625/93)®<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Territórios formarão lista tríplice entre integrantes da carreira, na forma da lei<br />

respectiva, para escolha <strong>de</strong> seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r<br />

eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. Uma das propostas aprovadas pelo Senado<br />

lim ita em uma única recondução ao cargo <strong>de</strong> Procurador-Geral da República.<br />

1 No sentido do texto: M AZZILLI,H ugoNigro.Regim e/urídico... Op. cit. p. 117; FERREIRA,Pinto. Comentários<br />

... Op. cit. v. 6, p. 122. CONTRA: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas <strong>de</strong>... Op. cit. p. 111, para quem a Constituição<br />

refere-se tão somente ao Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral.<br />

2 R TJ147/104.<br />

3 S T F -P le n o - Rcl. 6239 AgR-AgR/RO, rei. orig. M in. L u izF u x ,red .p / o acórdão M in. Rosa W eber, <strong>de</strong>cisão:<br />

23-5-2012.<br />

4 Voto do Ministro-relator Sepúlveda Pertence no MS 21.239; F T J 147/138.<br />

5 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer na 1.748 e, posteriorm ente, em dois turnos, a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição na 29, <strong>de</strong> 2000 (n° 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos D eputados), constante da Emenda na 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para nova análise e<br />

eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. No texto aprovado, altera-se a nomemclatura<br />

do cargo <strong>de</strong> chefe do Ministério Público dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, que passariam a ser <strong>de</strong>nominados<br />

“ Promotores-Gerais <strong>de</strong> Justiça”.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 3 7<br />

Executivo, para mandato <strong>de</strong> dois anos, permitida uma única recondução sucessiva, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que, obviamente, ingresse novamente na lista tríplice escolhida pela carreira.1<br />

A le i regulamenta o dispositivo <strong>constitucional</strong> prevendo que a eleição da lista tríplice<br />

far-se-á mediante voto plurinominal <strong>de</strong> todos os integrantes da carreira e que, caso o Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça nos quinze<br />

dias que se seguirem ao recebimento da lista tríplice, será investido automaticamente no<br />

cargo o membro do Ministério Público mais votado, para exercício do mandato.<br />

No Estado <strong>de</strong> São Paulo, há previsão na Constituição Estadual sobre a nomeação do<br />

Procurador-Geral (art. 94, II) e a Lei Complementar ns 734/93 estabelece que o Procurador-<br />

-Geral <strong>de</strong> Justiça será nomeado pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, entre os Procuradores <strong>de</strong><br />

Justiça integrantes <strong>de</strong> lista tríplice, para mandato <strong>de</strong> dois anos, permitida uma recondução,<br />

observado o mesmo procedimento a seguir <strong>de</strong>scrito. Os integrantes da lista tríplice serão<br />

os Procuradores <strong>de</strong> Justiça inscritos como candidatos ao cargo, mediante requerimento dirigido<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte do Conselho Superior do Ministério Público, mais votados em eleição<br />

realizada para essa finalida<strong>de</strong>, mediante voto obrigatório, secreto e plurinominal <strong>de</strong> todos<br />

os membros do Ministério Público do quadro ativo da carreira. O Conselho Superior do<br />

Ministério Público baixará normas regulamentadoras do processo eleitoral 50 (cinquenta)<br />

dias antes da data prevista para o término do mandato do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, observadas<br />

as seguintes regras: o período <strong>de</strong> votação será <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) dias, encerrando-se na<br />

data prevista para o término do mandato do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça; será proibido o<br />

voto por procurador ou portador, facultando-se, porém, o voto por via postal aos membros<br />

do Ministério Público lotados fora da Capital do Estado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que recebido no Protocolo<br />

do Ministério Público até o encerramento da votação; encerrada a votação, proce<strong>de</strong>r-se-á à<br />

apuração e, no mesmo dia, a lista tríplice será remetida ao Governador do Estado (art. 10).<br />

Essa garantia <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência do Ministério Público tem fulcro absolutamente<br />

<strong>constitucional</strong>, tendo, inclusive, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral entendido inconstitucionais<br />

previsões <strong>de</strong> constituição estadual que condicionassem a nomeação do Procurador-Geral<br />

da Justiça à prévia aprovação da respectiva Assembléia Legislativa, “por consagrar critério<br />

discrepante do estabelecido no art. 128, § 3S, da Carta Fe<strong>de</strong>ral e do princípio da in<strong>de</strong>pendência<br />

e harmonia dos Po<strong>de</strong>res”.12 *<br />

B .4 D e stitu içã o d o P ro cu ra d o r-G e ra l <strong>de</strong> Ju s tiç a (a rt. 1 2 8 , § 4o, C F e a rt. 9o,<br />

§ 2o, da L e i n° 8.625/93)<br />

Os Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios po<strong>de</strong>rão ser<br />

<strong>de</strong>stituídos por <strong>de</strong>liberação da maioria absoluta do Po<strong>de</strong>r Legislativo, na forma da lei<br />

complementar respectiva.<br />

A <strong>de</strong>stituição do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da <strong>de</strong>liberação, mediante<br />

voto secreto, da maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, conforme<br />

preleciona a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 O STF ju lg o u p ro ce d e n te ADI p a ra co n ced er in te rp reta çã o co n fo rm e a o a rt. 9 9 da C o n stitu içã o do E stad o<br />

<strong>de</strong> R o n d ô n ia, que n ão e sta b e le c ia e xp ressam en te a v e d a çã o à m ais <strong>de</strong> u m a re co n d u çã o su cessiv a (P len o - Adi<br />

2 6 2 2 - Rei. M in. C ezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 1 0 -1 1 -2 0 1 1 ).<br />

2 STF - P len o - A din n° 1 5 0 6 / S E - m ed id a lim in ar - R ei. M in. lim a r G alvão, D iá r io d a J u s t iç a , S eção 1 ,2 2 nov.<br />

1 9 9 6 , p. 4 5 .6 8 6 . C onferir, ain d a, o ju lg a m e n to do m é rito n o I n fo r m a t iv o S T F n° 1 6 1 .


6 3 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Quaisquer outras formas previstas para a <strong>de</strong>stituição do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça<br />

serão inconstitucionais.1<br />

Aprovada a <strong>de</strong>stituição, o Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça, diante da comunicação<br />

da Assembléia Legislativa, <strong>de</strong>clarará vago o cargo <strong>de</strong> Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça e<br />

cientificará imediatamente o Conselho Superior do Ministério Público, para expedição<br />

das normas regulamentadoras para elaboração da lista tríplice.<br />

No Estado <strong>de</strong> São Paulo, a <strong>de</strong>stituição do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça está prevista no<br />

art. 94, III, da Constituição Estadual e na Lei Complementar n® 734/93 e terá cabimento<br />

em caso <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, conduta incompatível ou grave omissão nos <strong>de</strong>veres do cargo,<br />

sendo <strong>de</strong> iniciativa da Assembléia Legislativa, por 1/3 (um terço) <strong>de</strong> seus membros ou<br />

por iniciativa da maioria absoluta do Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça, formulada p>or<br />

escrito, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da aprovação <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus integrantes, mediante voto secreto,<br />

assegurada ampla <strong>de</strong>fesa (arts. 13, 14 e 15, da LC n® 734/93). Aprovada a proposta<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>stituição pelo Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça, o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça<br />

será afastado provisoriamente do cargo e substituído na forma <strong>de</strong>sta lei complementar<br />

até ultimação do processo. Cessará o afastamento previsto neste artigo se o processo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>stituição, na Assembléia Legislativa, não for concluído em 90 (noventa) dias a contar<br />

da data da comunicação da proposta aprovada pelo Colégio <strong>de</strong> Procuradores <strong>de</strong> Justiça.<br />

5 .9 .2 G arantias dos m em bros<br />

Divi<strong>de</strong>m-se em garantias <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong> ou vedações.<br />

A .<br />

G a ra n tia s d e lib e rd a d e<br />

A . l V lta llcle d a d e 12<br />

O membro do Ministério Público somente po<strong>de</strong>rá per<strong>de</strong>r seu cargo por <strong>de</strong>cisão judicial<br />

transitada em julgado. A vitalicieda<strong>de</strong> somente é adquirida após o chamado estágio<br />

probatório, ou seja, após dois anos <strong>de</strong> efetivo exercício da carreira, mediante aprovação<br />

no concurso <strong>de</strong> provas e títulos.<br />

O membro vitalício dos Ministérios Públicos dos Estados somente per<strong>de</strong>rá o cargo<br />

por sentença judicial transitada em julgado, proferida em ação civil própria, nos seguintes<br />

casos: prática <strong>de</strong> crime incompatível com o exercício do cargo, após <strong>de</strong>cisão judicial<br />

transitada em julgado; exercício da advocacia; abandono do cargo por prazo superior a<br />

trinta dias corridos.3<br />

A ação civil para a <strong>de</strong>cretação da perda do cargo será proposta pelo Procurador-Geral<br />

<strong>de</strong> Justiça perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça local, após autorização do Colégio <strong>de</strong> Procuradores.4<br />

1 STF - P len o - A din n Q2 .6 2 2 / R O - R ei. M in. Sydney S a n ch es, d ecisão: 8 -8 -0 2 . I n fo r m a t iv o S T F n Q2 7 6 .<br />

2 A rt. 1 2 8 , 1, a , d a C o n stitu ição Fed eral; art. 3 8 , 1, d a L e i O rg â n ica N acional do M in istério P ú blico e art. 2 0 8<br />

d a L ei C om p lem en tar n - 75/ 9 3 .<br />

3 A rt. 3 8 , § l 2, da L e i O rg ân ica N acional do M in istério Público.<br />

4 ArL 3 8 , § 2 °, da Lei O rg ân ica N acional do M in istério Público.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 3 9<br />

Em relação aos membros do Ministério Público da União, prevê o art. 208 da LC nQ<br />

75/93 que a propositura <strong>de</strong> ação para perda do cargo, quando <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> proposta do<br />

Conselho Superior <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> apreciado o procedimento administrativo, acarretará seu<br />

afastamento do exercício <strong>de</strong> suas funções, com a perda dos vencimentos e das vantagens<br />

pecuniárias do respectivo cargo.<br />

Note-se que, excepcionalmente, o membro do Ministério Público po<strong>de</strong>rá não ser vitalício,<br />

mesmo que já tenha ultrapassado o estágio probatório, preservando tão somente<br />

a garantia da estabilida<strong>de</strong>. Essa hipótese ocorre em relação aos membros do Ministério<br />

Público admitidos antes da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 que optarem<br />

pelo regime anterior no que disser respeito a garantias e vantagens, observando-se quanto<br />

às vedações a situação jurídica da própria data da promulgação da Carta Magna (ADCT,<br />

art. 29, § 3a).<br />

A .2 In a m o vlb llld a d e 1<br />

Uma vez titular do respectivo cargo, o membro do Ministério Público somente po<strong>de</strong>rá<br />

ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio <strong>de</strong> qualquer outra<br />

autorida<strong>de</strong>, salvo em uma única exceção <strong>constitucional</strong> por motivo <strong>de</strong> interesse público,<br />

mediante <strong>de</strong>cisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto da maioria<br />

absoluta <strong>de</strong> seus membros, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa.12<br />

No caso do Ministério Público da União, o órgão colegiado competente é o Conselho<br />

Superior do respectivo ramo (art. 211 da LC n° 75/93).<br />

Importante ressaltar que a garantia da inamovibilida<strong>de</strong> somente po<strong>de</strong> ser concedida<br />

a <strong>de</strong>terminados agentes públicos por norma da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O Plenário do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral referendou medida liminar <strong>de</strong>ferida pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, movida pelo Procurador-Geral da República,<br />

para suspen<strong>de</strong>r norma <strong>de</strong> Constituição Estadual que conce<strong>de</strong>ra a <strong>de</strong>terminada carreira a<br />

garantia da inamovibilida<strong>de</strong>, pois enten<strong>de</strong>u que esse preceito fere a prerrogativa do Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong> dispor sobre a movimentação <strong>de</strong> agentes públicos no interesse da<br />

Administração, chocando-se com o disposto nos arts. 2a e 84, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3 4<br />

A .3 Irre d u tlb llld a d e <strong>de</strong> subsídio*<br />

O subsídio do membro do Ministério Público não po<strong>de</strong>rá ser reduzido para pressioná-<br />

-lo a exercer suas atribuições. A esta garantia aplica-se o já estudado no capítulo do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário.<br />

1 A rt. 1 2 8 ,1 ,6 , da C o n stitu ição F ed eral e a rt. 3 8 , II, d a Lei O rg ân ica N acio n al do M in istério P ú b lico e a rt. 2 0 9<br />

d a Lei C om p lem en tar n2 7 5 / 9 3 .<br />

2 Novo q uóru m dado p e la EC n 2 4 5 / 0 4 ; a t é e n tã o a re d a çã o o rig in a l d o te x to co n stitu cio n a l e sta b e le c ia o<br />

quórum q u alificad o <strong>de</strong> 2/3.<br />

3 Suprem o T rib u n al F ed eral - P len á rio - A din 1 .2 4 6 -P R , R ei. M in. M o reira A lves, sessão d e 6 -9 -9 5 .<br />

4 CF, a r t 1 2 8 , 1, c, com red ação dada pela E m en d a C o n stitu cio n al n° 1 9 , p rom ulgad a em 4 -6 -1 9 9 8 e p u b licad a<br />

n o D iá r io O fic ia l d a U n iã o em 5 -6 -1 9 9 8 . R essa lte-se que o a rt. 3 4 da p ró p ria E m en d a C o n stitu cio n al esta b elece<br />

u que su a e n tra d a em vigor seria n a d ata <strong>de</strong> sua p rom u lgação. C o n ferir, ain d a, a rt. 3 8 , III, da Lei O rgân ica<br />

N acional do M in istério Público.


6 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

B .<br />

Vedações co n stitu cio n a is<br />

É vedado ao membro do Ministério Público:<br />

a. receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou<br />

custas processuais;<br />

b. exercer a advocacia: o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução<br />

na 8, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2006, dispondo sobre os impedimentos e vedações<br />

ao exercício <strong>de</strong> advocacia por membros do Ministério Público, nos termos do<br />

§ 3a, do art. 29 do ADCT. Em regra, é absolutamente vedado aos membros do<br />

Ministério Público exercer a advocacia, excepcionando-se, somente, aqueles<br />

que integravam a carreira na data da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong><br />

1988 e que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então, permanecem regularmente inscritos na OAB (art. I a) .<br />

A Resolução ne 8/2006 <strong>de</strong>terminou, ainda, em seu art. 2a, que, além dos impedimentos<br />

e vedações previstos na legislação que regula o exercício da advocacia<br />

pelos membros do Ministério Público, estes não po<strong>de</strong>rão fazê-lo nas causas em<br />

que, por força <strong>de</strong> lei ou em face do interesse público, esteja prevista a atuação do<br />

Ministério Público, por qualquer dos seus órgãos e ramos (Ministérios Públicos<br />

dos Estados e da União).<br />

c. participar <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> comercial, na forma da lei;<br />

d. exercer, ainda que em indisponibilida<strong>de</strong>, qualquer outra função pública, salvo<br />

uma <strong>de</strong> magistério;<br />

e. exercer ativida<strong>de</strong> político-partidária;<br />

f. receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições <strong>de</strong> pessoas<br />

físicas, entida<strong>de</strong>s públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em<br />

lei;<br />

g. exercer a advocacia ou juízo ou tribunal doqual se afastou, antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>corridos<br />

três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.<br />

5.10 Vedação ao exercício da política partidária<br />

A EC na 45/04 alterou a relação dos membros do Ministério Público com a ativida<strong>de</strong><br />

político partidária, passando a proibi-la <strong>de</strong> forma absoluta, sem qualquer exceção, como<br />

anteriormente possível.<br />

Essa nova vedação passou a constituir causa absoluta <strong>de</strong> inelegibilida<strong>de</strong> - assim como<br />

já existente aos magistrados -, pois os membros do Ministério Público não po<strong>de</strong>rão fíliar-<br />

-se a partidos políticos, nem tampouco disputar qualquer cargo eletivo, salvo se estiverem<br />

aposentados ou exonerados, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do ingresso ter sido após a EC na 45/04<br />

ou entre essa e a promulgação do texto <strong>constitucional</strong>.1<br />

1 C onform e <strong>de</strong>cidiu o T rib u n al S u p erio r E le ito ra l, “M in istério Público - A tivida<strong>de</strong> p o lítico -p a rtid á ria - a lín ea<br />

“e ” do in ciso II do a rtig o 1 2 8 d a CF - E m en d a C o n stitu cio n al n ° 4 5 / 2 0 0 4 - A p licação n o tem po. A p ro ibição do<br />

e x e rcíc io d e ativ id ad es p o lítico -p a rtid á ria a o m e m b ro do M in istério P ú b lico tem a p lic a ç ã o im e d ia ta e lin ear,<br />

ap an h an d o todos aq u eles que o in teg ra m , p o u co im p o rtan d o a data d e ingresso” (T S E - P len o - R eso lu ção n°


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 4 1<br />

Em sentido contrário, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução<br />

n2 5, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, disciplinando o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> político-partidária<br />

e <strong>de</strong> cargos públicos por membros do Ministério Público Nacional. Em seu artigo I o, a<br />

citada resolução estabelece que estão proibidos <strong>de</strong> exercer ativida<strong>de</strong> político-partidária<br />

os membros do Ministério Público que ingressaram na carreira após a publicação da<br />

Emenda n2 45/2004.<br />

Antes da EC n2 45/04, entendia o TSE que a legislação havia excluído “ a filiação partidária<br />

da vedação <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> político-partidária imposta aos membros do<br />

Ministério Público”, concluindo que, “afortiori, não há qualquer razão para dispensá-los<br />

do prazo peremptório a todos imposto para a satisfação, nos termos da lei, da correspon<strong>de</strong>nte<br />

condição <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>”.1<br />

Sendo assim, os membros do Ministério Público, antes do advento da referida emenda<br />

<strong>constitucional</strong>, po<strong>de</strong>ríam concorrer a mandatos eletivos,2 porém, <strong>de</strong>veríam, diferentemente<br />

dos magistrados e membros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas, que preten<strong>de</strong>ssem concorrer a<br />

cargos eletivos - obviamente, nesses casos, após a aposentadoria ou exoneração -, filiar-se<br />

no prazo previsto na Lei ns 9.096/95, arts. 18 e 20, e na Lei ns 9.504/97, art. 9S.3<br />

Além disso, <strong>de</strong>veríam, segundoo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, afastar-se <strong>de</strong> suas funções<br />

institucionais a partir do momento da filiação partidária, que <strong>de</strong>veria ser cancelada antes<br />

da reassunção das funções.4<br />

Não concordávamos com esse posicionamento, pois representava um grave obstáculo<br />

ao exercício da cidadania plena pelos membros do Ministério Público que <strong>de</strong>sejassem<br />

concorrer a mandatos eletivos, ao antecipar o afastamento da carreira muito além do<br />

necessário prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização. Esse entendimento do STF e do TSE inviabi<br />

lizava, na prática, a participação no processo eleitoral do membro do MP que houvesse<br />

ingressado após a CF/88. Com a EC n2 45/04, esse assunto está superado, pois a vedação<br />

passou a ser absoluta, submetendo-se os membros do Ministério Público à mesma regra<br />

dos magistrados e dos membros dos Tribunais <strong>de</strong> Contas, ou seja, “se submetem à vedação<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> filiação partidária, dispensados, porém, <strong>de</strong> cumprir o prazo <strong>de</strong> filiação<br />

fixado em lei ordinária, a exemplo dos magistrados, <strong>de</strong>vendo satisfazer tal condição <strong>de</strong><br />

elegibilida<strong>de</strong> até seis meses antes das eleições, <strong>de</strong> acordo com o art. I a, inciso ü, alínea<br />

j, da LC n2 64/90, sendo certo que o prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilização <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá do cargo<br />

para o qual o candidato concorrer”.5 *12345<br />

2 2 .0 4 5 - C o n su lta n° 1 1 .0 5 3 - C lasse 5a - D istrito F e d e ra l (B ra sília ) - ReL M in. M arco A u rélio ). No m esm o<br />

sen tid o: “A a p lica çã o d a EC n° 4 5 / 0 4 é im e d ia ta e sem ressalv as, abran g en d o ta n to aq u eles q u e a d en traram nos<br />

q u ad ros do M in istério P ú blico a n te s, co m o <strong>de</strong>pois d a referid a e m en d a à C o n stitu ição” (T S E - P len o - C onsulta<br />

n ° 1 .1 5 4 - C lasse 5 a - D istrito F ed eral (B ra sília ) - R ei. M in. C esar A sfor R o ch a , Diário da Justiça, S e ç ã o I, 2 4<br />

out. 2 0 0 5 , p. 8 9 ).<br />

1 TSE - C onsulta n ° 1 3 .9 8 1 . Diário da Justiça, S eção 1 ,2 8 m ar. 1 9 9 4 , p. 6 .2 8 0 .<br />

2 S T F - Pleno - A din n 2 1 .3 7 1 -8 / D F - R e i. M in. N é ri da Silv eira, Diário da Justiça, S e ç ã o 1 , 15 ju n . 1 9 9 8 , p. 2 .<br />

3 T SE - C o n su lta n 2 5 3 4 - C lasse 5 â - P ern am b u co - R eso lu ção n 2 2 0 .5 5 9 , d e 2 9 - 2 -0 0 , Diário da Justiça, S eção<br />

1, 31 m ar. 2 0 0 0 , p. 1 2 5 .<br />

4 STF - P len o - A din n° 1 .3 7 1 -8 / D F -R e i. M in. N éri d a S ilv eira , Diário da Justiça, S eção 1 ,3 out. 2 0 0 3 ; S T F -<br />

P len o - M S V 2 4 .2 3 5 / D F - Rei. M in. C arlos V elloso, Informativo STF n 2 2 7 4 , p. 2.<br />

5 T S E - P len o - C o n su lta n 2 1 .1 5 4 - C lasse 5 a- D istrito F ed eral (B ra sília ) - R ei. M in. C esar A sfor R o ch a , Diário<br />

da Justiça, S eção I, 2 4 out. 2 0 0 5 , p. 8 9 .


642 Direito Constitucional • Moraes<br />

Essa nova norma somente não se aplica aos membros do Ministério Público que tenham<br />

ingressado na carreira antes da promulgação da Constituição <strong>de</strong> 1988, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

façam a opção prevista no art. 29, § 3a, ADCT.1Nessa hipótese, ao membro do Ministério<br />

Público serão permitidas a filiação partidária e a candidatura para mandatos eletivos, respeitados<br />

os prazos da LC na 64/90 (prazos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincompatibilizações), bem como quaisquer<br />

outras formas <strong>de</strong> exercício da ativida<strong>de</strong> político-partidária.12<br />

Excepcionalmente, por maioria,3 a Corte enten<strong>de</strong>u possível a candidatura a mandato<br />

eletivo <strong>de</strong> membro do Ministério Público, cujo ingresso tenha sido após a Constituição <strong>de</strong><br />

1988, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estivesse no exercício do mandato no momento da promulgação da EC<br />

na 45/01 e a hipótese fosse <strong>de</strong> candidatura à reeleição.4<br />

5.11 Vedação ao exercício <strong>de</strong> qualquer outra função pública, salvo uma <strong>de</strong><br />

magistério<br />

Ao membro do Ministério Público é vedado exercer, ainda que em disponibilida<strong>de</strong>,<br />

qualquer outra f unção pública, salvo uma <strong>de</strong> magistério, pois conforme <strong>de</strong>stacado pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o afastamento <strong>de</strong> membro do Parquet para exercer outra<br />

f unção pública viabiliza-se apenas nas hipóteses <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> cargos na administração<br />

superior do próprio Ministério Público. Os cargos <strong>de</strong> Ministro, Secretário <strong>de</strong> Estado ou do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Secretário <strong>de</strong> Município da Capital ou Chefe <strong>de</strong> Missão Diplomática não<br />

dizem respeito à administração do Ministério Público, ensejando, inclusive, se efetivamente<br />

exercidos, in<strong>de</strong>sejável vínculo <strong>de</strong> subordinação <strong>de</strong> seus ocupantes com o Executivo”.5<br />

Nos termos do art. 128, § 5a, II, d, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Conselho Nacional do<br />

Ministério Público editou a Resolução na 5, <strong>de</strong> 20 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2006, disciplinando <strong>de</strong><br />

maneira absoluta a vedação ao exercício <strong>de</strong> qualquer outra função pública, salvo uma <strong>de</strong><br />

magistério, para os membros do Ministério Público. Somente os membros da Instituição<br />

que ingressaram até 5 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 1988 e que tenham manifestado a opção pelo regime<br />

anterior po<strong>de</strong>rão exercer outros cargos na administração.<br />

1 A rt. 2 9 , § 3 a, A D C T - P od erá o p tar p elo reg im e an terio r, n o q u e resp eita às g a ra n tia s e v an tag en s, o m em b ro<br />

do M in istério P ú blico ad m itid o an tes d a p ro m u lg ação d a co n stitu ição , observ an d o -se, quan to às v ed a çõ es, a<br />

situ ação ju ríd ic a n a data d esta. O S en a d o F e<strong>de</strong>ral aprovou o P a recer n a 1 .7 4 8 , e , p o sterio rm en te, em dois turnos<br />

a P roposta <strong>de</strong> E m en d a à C onstitu ição n a 2 9 , <strong>de</strong> 2 0 0 0 (n2 9 6 , <strong>de</strong> 1 9 9 9 , n a C âm ara dos D ep utad os), co n sta n te da<br />

E m en da ne 2 4 0 , da C om issão <strong>de</strong> C o n stitu ição, J u s tiç a e C idadania, enviando o te xto à C âm ara dos D ep utados,<br />

p a ra n o v a a n á lise e e v e n tu a l ap rovação em dois tu rn o s, p elo q u ó ru m q u a lifica d o <strong>de</strong> 3/ 5. No te x to aprovado<br />

e sta b e le c e u -se que o m em bro do M in istério Pú blico adm itido an tes da p ro m u lg ação da EC n a 4 5 / 0 4 p od erá<br />

e x e rce r ativida<strong>de</strong> p o lítico -p artid ária, n a fo rm a da lei. Enquan to n ão h ouver ap rovação p e la C â m a ra dos D eputad<br />

o s e, p o sterio rm e n te , p ro m u lg ação e p u b licação p elas M esas da C âm ara e do S en ad o F e d e ra l, p rev alece o<br />

arL 2 9 , § 3 a, do ADCT.<br />

2 Nesse sen tid o : T S E - RO n° 1 0 7 0 / S P - Rei. Min. C ezar Pelu zo , l a- l l - 2 0 0 6 .<br />

3 V encidos a M in. E U en G racie, re la to ra , e os M inistros Jo a q u im B a rb o sa , C ezar P eluso e C e lso <strong>de</strong> M ello.<br />

4 STF - P len o - R E 5 9 7 9 9 4 / P A , R ei. orig. M in. EUen G ra cie , R ei. p/ o a có rd ã o M in. Eros G rau , 4 -6 -2 0 0 9 .<br />

5 STF - P le n o - ADI 3 .5 7 4 -6 / S E - R e i. M in. R icard o Lew andow isk, Diário da Justiça, S eção I, 2 0 ju n h o 2 0 0 7 ,<br />

p. 3 0 .


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 4 3<br />

Conforme <strong>de</strong>termina o art. 4o da citada Resolução nfi 5/2006, o art. 44, parágrafo<br />

único, da Lei ne 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados),<br />

não autoriza o afastamento para o exercício <strong>de</strong> outra função, vedado <strong>constitucional</strong>mente,<br />

sendo que as leis orgânicas estaduais que autorizam o afastamento <strong>de</strong> membros do Ministério<br />

Público para ocuparem cargos, empregos ou funções públicas contrariam expressa<br />

disposição <strong>constitucional</strong>, o que <strong>de</strong>sautoriza sua aplicação, conforme reiteradas <strong>de</strong>cisões<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Conselho Nacional do Ministério Público <strong>de</strong>terminou que todos os membros da<br />

Instituição que se encontrem afastados irregularmente se ajustem até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 2006.<br />

Em relação ao exercício <strong>de</strong> magistério, o Conselho Nacional do Ministério Público<br />

editou a Resolução n° 3, <strong>de</strong> 16 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005, disciplinando que, ao membro dos<br />

Ministérios Públicos da União e dos Estados, ainda que em disponibilida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong>feso o exer<br />

a d o <strong>de</strong> outro cargo ou função pública, ressalvado o <strong>de</strong> magistério, público ou particular,<br />

por, no máximo, 20 (vinte) horas-aula semanais, consi<strong>de</strong>radas como tais as efetivamente<br />

prestadas em sala <strong>de</strong> aula.<br />

O exertído da docência, em qualquer hipótese, somente será possível se houver compatibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> horário com o do exercício das funções ministeriais.<br />

O CNMP fixou que cargo ou função <strong>de</strong> direção nas entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ensino não é consi<strong>de</strong>rado<br />

como exerdcio <strong>de</strong> magistério, sendo vedado aos membros do Ministério, salvo as<br />

funções exerddas em curso ou escola <strong>de</strong> aperfeiçoamento do próprio Ministério Público<br />

ou aqueles mantidos por associações <strong>de</strong> classe ou fundações a ele vinculadas estatutariamente,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que essas ativida<strong>de</strong>s não sejam remuneradas.<br />

5.12 Da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão ou alteração das funções, garantias e<br />

prerrogativas constitucionais do Ministério Público<br />

Assim, se é verda<strong>de</strong> que no regime <strong>de</strong>mocrático da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil os<br />

Po<strong>de</strong>res do Estado são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (art. 2a, CF), todos autônomos<br />

entre si; não é menos verda<strong>de</strong> que<br />

“o mínimo irredutível <strong>de</strong> uma autêntica Constituição <strong>de</strong>ve conter regras <strong>de</strong> separação<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res: um mecanismo <strong>de</strong> cooperação e controle <strong>de</strong>sses po<strong>de</strong>res - ‘checks<br />

and balances’; um mecanismo para evitar bloqueios respectivos entre os diferentes<br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> funções do po<strong>de</strong>r...”.1<br />

Dessa forma, o legislador constituinte criou, <strong>de</strong>ntro do respeito à teoria dos “freios<br />

e contrapesos” (cheks and balances), um órgão autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>slocado da<br />

estrutura <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res do Estado, um verda<strong>de</strong>iro fiscal da perpetuida<strong>de</strong> da<br />

fe<strong>de</strong>ração, da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, da legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> pública, do regime <strong>de</strong>mocrático<br />

e dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais: o Ministério Público.<br />

i<br />

WHEARE, Karl C. M o<strong>de</strong>m constitutions. Londres: Oxford University Press, 1973. p. 46 ss.


6 4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Para a garantia <strong>de</strong>sta fiscalização e do próprio regime <strong>de</strong>mocrático, a constituição<br />

conferiu importantes funções e garantias institucionais ao Ministério Público, impedindo<br />

a ingerência dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res do Estado em seu funcionamento, pois como escrevia<br />

Madison,1todo o po<strong>de</strong>r ten<strong>de</strong> a ser invasor e, por isso, <strong>de</strong>ve ser posto em condições <strong>de</strong> não<br />

exce<strong>de</strong>r os limites que lhe são traçados, razão pela qual, <strong>de</strong>pois da divisão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, o<br />

mais importante é garanti-los contra suas recíprocas invasões.<br />

Todas estas garantias e funções dos membros do Ministério Público, assim como as<br />

imunida<strong>de</strong>s e prerrogativas parlamentares do chefe do Executivo e dos órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário são garantias institucionais fixadas pelo legislador constituinte para a <strong>de</strong>fesa<br />

da socieda<strong>de</strong> e dos <strong>direito</strong>s constitucionais fundamentais e, consequentemente, como<br />

salienta Canotilho,<br />

“a protecção das garantias institucionais aproxima-se, todavia, da protecção dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais quando se exige, em face das intervenções limitativas do<br />

legislador, a salvaguarda do ‘mínimo essencial’ (núcleo essencial) das instituições”.2<br />

Po<strong>de</strong>ríam tais garantias, prerrogativas e funções serem alteradas, retirando da Instituição<br />

Ministério Público os instrumentos constitucionais concedidos pelo legislador<br />

constituinte originário, para o exercício autônomo e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seu mister? Acreditamos<br />

que não.<br />

Qualquer alteração <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>corre, no exercício do Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado<br />

reformador, <strong>de</strong> uma regra jurídica <strong>de</strong> autenticida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, uma vez que o<br />

legislador originário estabeleceu limites, materiais, circunstanciais, formais e implícitos,<br />

correspon<strong>de</strong>ntes às cláusulas <strong>de</strong> irreformabilida<strong>de</strong> da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O Po<strong>de</strong>r Constituinte instituído ou <strong>de</strong> revisão é um po<strong>de</strong>r essencialmente limitado,<br />

qualificando-se como órgão do Estado sujeito, como todos os <strong>de</strong>mais órgãos estatais, às<br />

regras da constituição relativas à sua estruturação e às condições <strong>de</strong> seu funcionamento.<br />

Assim, o Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado, exercido pelo po<strong>de</strong>r político eleito, po<strong>de</strong> alterar<br />

a constituição por meio <strong>de</strong> emendas, porém baseado nas normas estabelecidas pelo<br />

Po<strong>de</strong>r Constituinte originário, que traça os limites à alteração da própria constituição<br />

(CF, art. 60).<br />

Dessa forma, entre as diversas limitações, qualquer proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong><br />

não po<strong>de</strong> expressa ou implicitamente preten<strong>de</strong>r alterar as matérias tratadas no § 4a, do<br />

art. 60, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, seja para aboli-las integralmente, seja para <strong>de</strong>sfigurá-las<br />

do mol<strong>de</strong> estabelecido pelo legislador constituinte originário.<br />

Acrescente-se que os limites <strong>de</strong>sse po<strong>de</strong>r têm hoje, conforme se sabe, no consenso da<br />

melhor doutrina <strong>constitucional</strong> - sem prejuízo, é claro, <strong>de</strong> seu histórico papel <strong>de</strong> garantia<br />

do legítimo interesse privado e da autonomia individual (na medida em que restringem<br />

a liberda<strong>de</strong> do próprio legislador <strong>constitucional</strong>) - uma predominante dimensão institucional<br />

e funcional: or<strong>de</strong>nam-se eles, primordialmente, no plano hermenêutico, como<br />

salientado por Bauer Novelli, ao<br />

i<br />

2<br />

O Fe<strong>de</strong>ralista, l 2fev. 1788.<br />

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 522.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 4 5<br />

“pon<strong>de</strong>rado equilíbrio e a conciliação da diversida<strong>de</strong> dos valores fundamentais,<br />

aos fins sociais e coletivos adotados pela constituição. Quer dizer: or<strong>de</strong>nam-se ao<br />

fim supremo <strong>de</strong> garantir a constituição mesma, visto que, resguardando-lhe a i<strong>de</strong>n<br />

tida<strong>de</strong> e a individualida<strong>de</strong>, resguardam-se em consequência, os próprios <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais e os princípios estruturais, enquanto esses constituem elementos<br />

configuradores daquela, com ela afinal se i<strong>de</strong>ntificam, e traduzem, na prática, o que<br />

P. Lucas Verdú chama a ‘fórmula política’, o minimum <strong>constitucional</strong> inviolável”.1<br />

Analisando a questão das chamadas cláusulas pétreas e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das emendas constitucionais, Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s aponta que<br />

“tais cláusulas <strong>de</strong> garantia traduzem, em verda<strong>de</strong>, um esforço do constituinte<br />

para assegurar a integrida<strong>de</strong> da Constituição, obstando a que eventuais reformas<br />

provoquem a <strong>de</strong>struição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. É que, como ensina Hesse, a Constituição contribui para a continuida<strong>de</strong><br />

da or<strong>de</strong>m jurídica fundamental, na medida em que impe<strong>de</strong> a efetivação <strong>de</strong> um<br />

suicídio do Estado <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático sob a forma da legalida<strong>de</strong>. Nesse sentido,<br />

pronunciou-se o Tribunal Constitucional alemão, asseverando que o constituinte<br />

não dispõe <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res para suspen<strong>de</strong>r ou suprimir a Constituição”.12<br />

Primeiramente, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no art 60, § 4®,<br />

a, erigiu como cláusula pétrea a forma fe<strong>de</strong>rativa, cujo contexto engloba, <strong>constitucional</strong>mente,<br />

o “regime <strong>de</strong>mocrático”, tanto em relação às regras constitucionais para sua<br />

consecução, quanto às regras constitucionais para sua fiscalização.<br />

Como um dos fiscais do regime <strong>de</strong>mocrático, o legislador constituinte originário escolheu<br />

o Ministério Público, ao afirmar que é instituição permanente, essencial à função<br />

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m jurídica, do regime <strong>de</strong>mocrático<br />

e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.<br />

Para garantir que o Ministério Público, em <strong>de</strong>fesa da socieda<strong>de</strong>, exercesse seu mister<br />

<strong>constitucional</strong>, entre eles a <strong>de</strong>f esa da fe<strong>de</strong>ração, do regime <strong>de</strong>mocrático, diversas garantias<br />

<strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia foram previstas, bem como diversos sistemas <strong>de</strong> controles.3<br />

Todas as garantias e as prerrogativas previstas <strong>constitucional</strong>mente aos membros do<br />

Ministério Público têm finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida pelo legislador constituinte, qual seja, a <strong>de</strong>fesa<br />

impessoal da or<strong>de</strong>m jurídica <strong>de</strong>mocrática, dos <strong>direito</strong>s coletivos e dos <strong>direito</strong>s fundamentais da<br />

cidadania. Suprimi-las por meio <strong>de</strong> alterações constitucionais, retornando a um conceito <strong>de</strong><br />

unipessoalida<strong>de</strong> e verticalida<strong>de</strong> hierárquica do Po<strong>de</strong>r Executivo, é afastar a autonomia e in<strong>de</strong>pendência<br />

do Ministério Público, fortalecendo o Po<strong>de</strong>r Executivo, em <strong>de</strong>trimento dos <strong>de</strong>mais<br />

Po<strong>de</strong>res do Estado, incabível no Estado Mo<strong>de</strong>rno e prejudicando a fiscalização das regras do<br />

regime <strong>de</strong>mocrático, função <strong>constitucional</strong>, repita-se, também do Ministério Público.<br />

1 NOVELL!, Flávio Bauer. Norma <strong>constitucional</strong> in<strong>constitucional</strong>? A propósito do art. 22, § 22, da EC 3/93.<br />

C a d e rn o s d e D i r e i t o C o n s t it u c io n a l e C iê n c ia P o lít ic a , São Paulo: Revista dos Tribunais, n2 13, p. 40.<br />

2 MENDES, Gilmar Ferreira. C o n t r o le d e c o n s t it u c io n a lid a d e : aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva,<br />

1990. p. 95.<br />

3<br />

RTJ147/129-30.


646 Direito Constitucional • Moraes<br />

Importante verificarmos que a tendência contemporânea <strong>de</strong> todo o Direito Constitucional<br />

universal é impedir, <strong>de</strong> todas as formas possíveis, o <strong>de</strong>srespeito sistemático às normas<br />

constitucionais, que conduz, pela <strong>de</strong>formação da vonta<strong>de</strong> soberana do po<strong>de</strong>r constituinte, à<br />

erosão da própria consciência <strong>constitucional</strong>.1<br />

Para a garantia da constituição, o legislador constituinte conferiu funções institucionais<br />

ao Ministério Público, tais como o exercício privativo da ação penal pública, zelar<br />

pelo efetivo respeito dos Po<strong>de</strong>res Públicos e dos serviços <strong>de</strong> relevância pública aos <strong>direito</strong>s<br />

assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia,<br />

promoção da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> interventiva, entre outras não menos<br />

relevantes funções.<br />

Porém, também em respeito ao mecanismo <strong>de</strong> cooperação e controle aos órgãos que<br />

exercem as funções <strong>de</strong> Estado, o legislador Constituinte fixou severo controle externo<br />

à Instituição, tanto por parte do Po<strong>de</strong>r Legislativo (controle orçamentário, através do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas; <strong>de</strong>stituição do Procurador-Geral), quanto pelo Po<strong>de</strong>r Executivo (escolha<br />

e nomeação do Procurador-Geral da República <strong>de</strong>ntre os integrantes da carreira e<br />

nomeação do Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, através <strong>de</strong> lista tríplice composta <strong>de</strong> integrantes<br />

da carreira e por ela eleitos) e do Po<strong>de</strong>r Judiciário, a quem são dirigidas as pretensões e<br />

iniciativas dos membros do Ministério Público.<br />

Alterar este sistema <strong>de</strong> controles, suprimindo funções controladoras ou mesmo garantias<br />

do Ministério Público, seria alterar o mecanismo <strong>de</strong> cooperação e controle <strong>de</strong>sses<br />

po<strong>de</strong>res (Executivo/Legislativo/Judiciário) e da própria Instituição do Ministério Público,<br />

em relação ao regime <strong>de</strong>mocrático, <strong>de</strong>srespeitando a doutrina dos “Freios e Contrapesos”<br />

(cheks and balances), modificando um mecanismo para evitar bloqueios respectivos entre<br />

os diferentes <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> funções do po<strong>de</strong>r, uma vez que retornaríamos à hipertrofia<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo. Lembremo-nos <strong>de</strong> que a Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res também é cláusula<br />

pétrea, <strong>de</strong>vendo impedir, todavia, não só a supressão da or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>, “mas também<br />

qualquer reforma que altere os elementos fundamentais <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> histórica’’.2<br />

As funções e as garantias institucionais do Ministério Público, assim como já afirmado,<br />

igualam-se às imunida<strong>de</strong>s e prerrogativas dos membros do Legislativo, Judiciário e<br />

do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, em <strong>de</strong>fesa das garantias e <strong>direito</strong>s fundamentais do cidadão<br />

e da socieda<strong>de</strong>, do regime <strong>de</strong>mocrático e da própria Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, <strong>de</strong>ntro da já<br />

citada teoria dos freios e contrapesos.<br />

A lição magistral do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,3 <strong>de</strong>monstra<br />

claramente esta assertiva, pois,<br />

“com a reconstrução da or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>, emergiu o Ministério Público sob<br />

o signo da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocrática. Ampliaram-se-lhe as atribuições; dilatou-<br />

-se-lhe a competência; reformulou-se-lhe os meios necessários à consecução <strong>de</strong><br />

sua <strong>de</strong>stinação <strong>constitucional</strong>; aten<strong>de</strong>u-se, finalmente, a antiga reivindicação da<br />

própria socieda<strong>de</strong> dvil. Posto que o Ministério Público não constitui órgão ancilar<br />

1 RTJ153/783.<br />

2<br />

MENDES, Gilm ar Men<strong>de</strong>s. Controle <strong>de</strong>... Op. cit. p. 95.<br />

3<br />

RTJ 147/161.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 4 7<br />

do Governo, instituiu o legislador constituinte um sistema <strong>de</strong> garantias <strong>de</strong>stinado<br />

a proteger o membro da Instituição e a própria Instituição, cuja atuação autônoma<br />

ccnfigura a confiança <strong>de</strong> respeito aos <strong>direito</strong>s, individuais e coletivos, e a certeza <strong>de</strong><br />

submissão dos Po<strong>de</strong>res à lei”.<br />

As garantias constitucionais dos membros do Ministério Público, portanto, são garantias<br />

da própria socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que a Instituição, incumbida pela Constituição <strong>de</strong> ser a<br />

guardiã da legalida<strong>de</strong> formal e material das liberda<strong>de</strong>s públicas, do regime <strong>de</strong>mocrático<br />

e da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, contra os abusos do po<strong>de</strong>r Estatal, não sofra pressões odiosas<br />

no exercício <strong>de</strong> seu mister.<br />

Neste contexto surge o Ministério Público, com a missão <strong>de</strong> fiscalização do cumpri<br />

mento das liberda<strong>de</strong>s públicas, ou seja, com a missão <strong>de</strong> torná-las efetivas no plano concreto.<br />

Para isto, conce<strong>de</strong>u-lhe o legislador constituinte nobres funções, entre outras, <strong>de</strong><br />

promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (efetivida<strong>de</strong>, inclusive, ao<br />

<strong>direito</strong> à vida - art. 5a, XXXVIII e XLVII); zelar pelo efetivo respeito dos Po<strong>de</strong>res Públicos<br />

e dos serviços <strong>de</strong> relevância pública aos <strong>direito</strong>s assegurados nesta constituição (todo o<br />

extenso rol do art. 5a, entre outros), promovendo as medidas necessárias a sua garantia<br />

(remédios constitucionais do art. 5a, incisos LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII); promover o<br />

inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do<br />

meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difuso e coletivos; promover a ação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou representação para fins <strong>de</strong> intervenção da União e dos Estados nos casos<br />

previstos nesta constituição (<strong>de</strong>fesa da Fe<strong>de</strong>ração, arts. 34,35 e 60, § 4a, I).<br />

Sendo as liberda<strong>de</strong>s públicas objeto da proteção jurídica em matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

constitucionais, em cuja <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ve agir o Ministério Público, a in<strong>de</strong>pendência funcional<br />

da Instituição transforma-se em garantia fundamental implícita da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

com o escopo <strong>de</strong> concretizar as liberda<strong>de</strong>s-públicas positivas previstas, principalmente, no<br />

art. 5a da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Estaremos diante das hipóteses chamadas por Canotilho<br />

<strong>de</strong> limites tácitos.<br />

Limites tácitos, para Canotilho, ou po<strong>de</strong>res implícitos, para o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello;<br />

o certo é que<br />

“o relevo e a importância que assume a teoria dos po<strong>de</strong>res implícitos no plano da<br />

hermenêutica <strong>constitucional</strong>, que cumpre ter presente o novo sistema <strong>de</strong> garantias<br />

que a Constituição <strong>de</strong>feriu ao Ministério Público e aos seus membros que o integram,<br />

cuja razão <strong>de</strong> ser funda-se, essencialmente, na significativa circunstância<br />

<strong>de</strong> que, agora, sob a égi<strong>de</strong> do novo or<strong>de</strong>namento <strong>constitucional</strong>, a investidura<br />

no cargo <strong>de</strong> representantes do Ministério Público se processa, sempre, uma vez<br />

<strong>de</strong>corrido o biênio probatório, em caráter vitalício, com a exclusão <strong>de</strong> qualquer<br />

outra modalida<strong>de</strong>”,1<br />

não po<strong>de</strong> sofrer alterações, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> serem garantias à <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais<br />

e do regime <strong>de</strong>mocrático previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Retirar do Ministério Público tais funções, ou mesmo retirar-lhes as garantias para o<br />

bom exercício <strong>de</strong>stas funções correspon<strong>de</strong> a diminuir a efetivida<strong>de</strong> das liberda<strong>de</strong>s públicas,<br />

í<br />

R T J 147/164.


6 4 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

ou em outras palavras, aboli-las parcialmente, <strong>de</strong> forma implícita, o que é taxativamente<br />

vedado pelo texto <strong>constitucional</strong>.<br />

Dessa forma, e retornando à i<strong>de</strong>ia central das “cláusulas pétreas”, <strong>de</strong> que a vedação<br />

atinge a pretensão <strong>de</strong> modificar bastando que a proposta <strong>de</strong> emenda se encaminha ainda<br />

que remotamente, “tenda” (emenda ten<strong>de</strong>ntes, diz o texto), para sua abolição, qualquer<br />

pretensão <strong>de</strong> alterar as funções, garantias ou prerrogativas da Instituição, alteraria diretamente<br />

o art. 60, § 4Q, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois alteraria a fiscalização do regime<br />

<strong>de</strong>mocrático e dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais, repercutindo na Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res,<br />

sendo, pois, <strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

A alterabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, embora se possa traduzir na alteração <strong>de</strong> muitas disposições<br />

da constituição, sempre conservará um valor integrativo, no sentido <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>ixar substancialmente idêntico o sistema originário da constituição. A revisão serve,<br />

pois, para alterar a constituição, mas não para mudar radicalmente a constituição, uma<br />

vez que a revisão <strong>constitucional</strong> não é propriamente o meio propício para fazer revoluções<br />

constitucionais.1A substituição <strong>de</strong> uma constituição por outra exige uma renovação do po<strong>de</strong>r<br />

constituinte e esta não po<strong>de</strong> ter lugar, naturalmente, sem uma ruptura <strong>constitucional</strong>,<br />

pois é certo que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alterabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, permitida ao Congresso<br />

Nacional, não autoriza o inaceitável po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> violar o sistema essencial <strong>de</strong> valores da<br />

constituição, tal como foi explicitado pelo po<strong>de</strong>r constituinte originário.12<br />

Desse modo, por ser o Ministério Público instituição permanente e essencial à função<br />

jurisdicional do Estado, incumbido, entre outras importantíssimas funções, da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong><br />

cláusulas pétreas como a separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, os <strong>direito</strong>s e garantias individuais e a própria<br />

existência da Fe<strong>de</strong>ração e do voto direto, secreto, universal e periódico, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o<br />

regime <strong>de</strong>mocrático, nenhuma norma do Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado po<strong>de</strong>rá alterar sua<br />

estrutura orgânica, suas garantias <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e imparcialida<strong>de</strong> e suas funções <strong>de</strong><br />

controle, todas fixadas em <strong>de</strong>fesa da própria socieda<strong>de</strong> e da perpetuida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>mocracia.<br />

5.13 EC n° 45/04 e Conselho Nacional do Ministério Público<br />

A EC ne 45/04 estabeleceu, no art. 130-A, o Conselho Nacional do Ministério Público,<br />

cujo funcionamento <strong>de</strong>verá observar todas as garantias e funções institucionais e<br />

dos membros do Parquet, impedindo a ingerência dos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado em seu<br />

funcionamento, pois a Carta Magna caracterizou a Instituição como órgão autônomo e<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, e <strong>de</strong>stinou-a ao exercício <strong>de</strong> importante missão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro fiscal da perpetuida<strong>de</strong><br />

da fe<strong>de</strong>ração, da Separação dos Po<strong>de</strong>res, da legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> pública,<br />

do regime <strong>de</strong>mocrático e dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais.<br />

O <strong>de</strong>srespeito a essa consagração <strong>constitucional</strong> ao Ministério Público caracterizará,<br />

conforme verificado no item anterior, à <strong>de</strong>formação da vonta<strong>de</strong> soberana do po<strong>de</strong>r constituinte,<br />

e, consequentemente, à erosão da própria consciência <strong>constitucional</strong>.<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes; M O R E IR A ,V ital. Fundamentos... Op. cit. p. 289.<br />

2 MOREIRA, VitaL Constituição e revisão <strong>constitucional</strong>. Lisboa: Caminho, 1990. p. 107-108.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 4 9<br />

A. Com posição do Conselho Nacional do M inistério Público<br />

O Conselho será composto pior 14 membros, cuja maioria (8) é composta por membros<br />

do próprio Ministério Público, e po<strong>de</strong> ser dividido da seguinte forma: membros do<br />

Ministério Público, membros do Judiciário, membros da advocacia e membros da socieda<strong>de</strong><br />

escolhidos pelo Legislativo: •<br />

• MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (8):<br />

- o Procurador-Geral da República.<br />

- quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação<br />

<strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong> suas carreiras. A Lei nQ11.372, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2006,<br />

lixou que a escolha dos membros do CNMP oriundos do Ministério Público<br />

da União será realizada pelo Procurador-Geral <strong>de</strong> cada um dos ramos, a<br />

partir <strong>de</strong> lista tríplice composta por membros com mais <strong>de</strong> 35 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong><br />

que já tenham completado mais <strong>de</strong> 10 anos na respectiva carreira. As listas<br />

tríplices serão elaboradas pelos respectivos Colégios <strong>de</strong> Procuradores do<br />

Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, do Ministério Público doTrabalhoe do Ministério<br />

Público Militar e pelo Colégio <strong>de</strong> Procuradores e Promotores <strong>de</strong> Justiça do<br />

Ministério Público do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios. O nome do escolhido<br />

pelo respectivo Procurador-Geral <strong>de</strong> cada um dos ramos será encaminhado


650 Direito Constitucional * Moraes<br />

ao Procurador-Geral da República, que o submeterá à aprovação do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral;<br />

- três membros do Ministério Público dos Estados. A Lei na 11.372, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2006, estipulou a forma <strong>de</strong> escolha dos membros do CNMP<br />

oriundos dos Ministérios Públicos dos Estados. A competência para escolha<br />

dos três nomes, que serão submetidos ao Senado Fe<strong>de</strong>ral, é do Colégio <strong>de</strong><br />

Procuradores-Gerais <strong>de</strong> Justiça dos Estados, que <strong>de</strong>cidirá, em reunião conjunta<br />

especialmente convocada e realizada para essa finalida<strong>de</strong>, a partir da<br />

indicação <strong>de</strong> um nome por Estado, a se r apresentado pelo respectivo Procurador-Geral<br />

<strong>de</strong> Justiça. Observe-se, porém, que a escolha do Procurador-Geral<br />

<strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> cada Estado não é absolutamente discricionária, uma vez que<br />

a lei <strong>de</strong>terminou a elaboração <strong>de</strong> lista tríplice elaborada pelos integrantes<br />

da carreira <strong>de</strong> cada instituição, composta por membros com mais <strong>de</strong> 35 anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, que já tenham completado mais <strong>de</strong> 10 anos na respectiva carreira.<br />

Dessa forma, a partir da lista tríplice elaborada por todos os integrantes do<br />

respectivo Ministério Público estadual, o Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça escolherá<br />

um dos nomes e o submeterá ao Colégio <strong>de</strong> Procuradores-Gerais <strong>de</strong><br />

Justiça, que, juntamente com os nomes dos <strong>de</strong>mais Estados da Fe<strong>de</strong>ração, por<br />

sua vez, elaborará lista com os três membros a serem indicados ao Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

• MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO (2 )<br />

dois juizes, indicados um pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e outro pelo Superior<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça.<br />

• MEMBROS DA ADVOCACIA (2):<br />

- dois advogados, indicados pelo Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados<br />

do Brasil.<br />

• MEMBROS DA SOCIEDADE ESCOLHIDOS PELO LEGISLATIVO (2):<br />

- dois cidadãos, <strong>de</strong> notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um<br />

pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral.<br />

- dois cidadãos, <strong>de</strong> notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um<br />

pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral. Nessas duas indi<br />

cações, há a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> indicação <strong>de</strong> membro do Ministério Público<br />

para integrar o CNMP, uma vez que ratio <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> previsão das vagas<br />

<strong>de</strong>stinada à Câmara dos Deputados ou Senado Fe<strong>de</strong>ral, a dois cidadãos, é a<br />

coexistência <strong>de</strong> integrantes internos e externos à Instituição. Como <strong>de</strong>stacou<br />

o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preenchimento <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>ssas<br />

vagas por membros do próprio MP “po<strong>de</strong>ria resultar em ruptura da relação<br />

<strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> entre os membros componentes do<br />

Conselho Nacional do Ministério Público. É que, em tal ocorrendo, o CNMP<br />

passaria a contar, em sua composição interna, não com 08 (oito) membros da<br />

Instituição (incluído o eminente Procurador-Geral da República), mas, sim,<br />

com 09 (nove) integrantes do ‘Parquet’, ainda que um <strong>de</strong>stes participasse,<br />

em referido órgão <strong>de</strong> fiscalização externa, como representante da socieda<strong>de</strong><br />

civil, na condição <strong>de</strong> cidadão. Mais do que isso, a escolha, pela Câmara dos


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 5 1<br />

Deputados, <strong>de</strong> um Promotor <strong>de</strong> Justiça para a vaga reservada a cidadão<br />

(CF, art. 130-A, VI) introduziría um fator <strong>de</strong> ruptura na própria relação<br />

numérica que <strong>de</strong>ve existir, no âmbito do CNMP, entre os representantes<br />

do Ministério Público da União (em número <strong>de</strong> quatro, além do eminente<br />

Procurador-Geral da República) e os do Ministério Público dos Estados, que<br />

passariam, presente o contexto em exame, a possuir 04 (quatro) membros,<br />

e não apenas os 03 (três) <strong>de</strong>terminados pelo art. 130-A, III, da Constituição<br />

da República”.1<br />

A EC na 45/04 não estabeleceu <strong>constitucional</strong>mente ida<strong>de</strong>s mínima e máxima aos<br />

membros do Conselho Nacional do Ministério Público, que serão nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral. O mandato dos membros do Conselho é <strong>de</strong> dois anos, permitindo-se somente<br />

uma recondução sucessiva.<br />

Observe-se que os membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados<br />

pelos respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei.<br />

O Conselho será presidido pelo Procurador-Geral da República e escolherá, em votação<br />

secreta, um Corregedor nacional, <strong>de</strong>ntre os membros do Ministério Público que o integram,<br />

vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas<br />

pela lei, as seguintes:<br />

• receber reclamações e <strong>de</strong>núncias, <strong>de</strong> qualquer interessado, relativas aos membros<br />

do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;<br />

• exercer funções executivas do Conselho, <strong>de</strong> inspeção e correição geral;<br />

• requisitar e <strong>de</strong>signar membros do Ministério Público, <strong>de</strong>legando-lhes atribuições,<br />

e requisitar servidores <strong>de</strong> órgãos do Ministério Público.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> prevê que o Presi<strong>de</strong>nte do Conselho da Or<strong>de</strong>m dos Advogados<br />

do Brasil oficie junto ao Conselho Nacional do Ministério Público. Consequentemente,<br />

não po<strong>de</strong>rá compor o Conselho como membro da advocacia.<br />

Nos termos do art. 5fi, da EC nfi 45/04, foi prevista a instalação do Conselho Nacional<br />

do Ministério Público no prazo <strong>de</strong> cento e oitenta dias a contar da promulgação da emenda,<br />

<strong>de</strong>vendo a primeira indicação ou escolha <strong>de</strong> seus membros esgotar-se no prazo <strong>de</strong> 150<br />

dias da promulgação da emenda. Observe-se que, nos termos do § 3a, do art. 103-B, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo,<br />

caberá a escolha ao Ministério Público da União.12<br />

1 STF - MS n ° 26.715-1/DF - m edida cautelar - Rei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 18-6-2007.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong>u lim inar à ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> para suspen<strong>de</strong>r a e ficácia<br />

<strong>de</strong>ssa “indicação e escolha supletiva <strong>de</strong> nomes para o Conselho Nacional do M inistério Público”, pois “ teria<br />

im plicado alteração substancial no texto aprovado, em dois turnos, pela Câmara dos Deputados, segundo o qual<br />

cabería, também ao STF, o aludido mister” (STF - Pleno - A din na 3.472/DF - medida cautelar - Rei. Min. S epúlved<br />

a Pertence, <strong>de</strong>cisão: 28-4-2005. Informativo STF n °3 8 5 ). Desta form a, cada M inistério Público indicou um<br />

representante e o Senado Fe<strong>de</strong>ral escolheu os três futuros integrantes do Conselho. Conferir a íntegra da <strong>de</strong>cisão:<br />

STF - Pleno - m edida cautelar - Adin n“ 3.472/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence - Informativo STF n° 392, p. 3.


6 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

B. Atribuições do Conselho Nacional do M inistério Público<br />

A EC na 4 5 /0 4 conce<strong>de</strong>u ao Conselho Nacional do Ministério Público a elevada função<br />

<strong>de</strong> realizar o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do<br />

cumprimento dos <strong>de</strong>veres funcionais <strong>de</strong> seus membros, estabelecendo <strong>constitucional</strong>mente<br />

suas atribuições.<br />

Dessa forma, compete ao Conselho Nacional do Ministério Público:<br />

• zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, po<strong>de</strong>ndo<br />

expedir atos regulamentares, no âmbito <strong>de</strong> sua competência, ou recomendar<br />

providências;1<br />

• zelar pela observância do art. 3 7 e apreciar, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação,<br />

a legalida<strong>de</strong> dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do<br />

Ministério Público da União e dos Estados, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>sconstituí-los, revê-los<br />

ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento<br />

da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais <strong>de</strong> Contas;<br />

• receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério<br />

Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem<br />

prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, po<strong>de</strong>ndo avocar<br />

processos disciplinares em curso, <strong>de</strong>terminar a remoção, a disponibilida<strong>de</strong><br />

ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo <strong>de</strong> serviço<br />

e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla <strong>de</strong>fesa;<br />

• rever, <strong>de</strong> ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares <strong>de</strong> membros do<br />

Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos <strong>de</strong> um ano;<br />

• elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre<br />

a situação do Ministério Público no país e as ativida<strong>de</strong>s do Conselho, o qual <strong>de</strong>ve<br />

integrar a mensagem prevista no art. 84, XI.<br />

Para garantir maior efetivida<strong>de</strong> na atuação do Conselho Nacional do Ministério Público,<br />

a EC na 45/04 previu a criação pela União e dos Estados <strong>de</strong> ouvidorias do Ministério<br />

Público, competentes para receber reclamações e <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> qualquer interessado contra<br />

membros ou órgãos do Ministério Público, ou contra seus serviços auxiliares, representando<br />

diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.<br />

Em relação aos limites <strong>de</strong> atuação do Conselho Nacional do Ministério Público, conferir,<br />

neste capítulo, item 4.4.5-E - Limites <strong>de</strong> Atuação do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça, <strong>de</strong><br />

integral aplicação à hipótese.<br />

Nos termos do art. 102,1, r, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, competem originariamente ao<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral as ações movidas contra atos do Conselho Nacional do Ministério<br />

Público.12<br />

1 Conferir Resolução n° 2, <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong> novem bro <strong>de</strong> 2005, do Conselho Nacional do M inistério Público, que<br />

dispôs sobre os critérios objetivos e 0 voto aberto e fundamentado nas prom oções e remoções por merecim ento<br />

<strong>de</strong> membros dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.<br />

2 STF - MS n " 26238/ D F - m edida cau telar- Rei. Min. CezarPelu zo, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 21 nov. 2006,<br />

p. 70; STF - MS n° 26204/ DF - m edida cautelar - Rei. Min. Carm em Lúcia, Diário da Justiça, Seção 1,13 nov.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 5 3<br />

5.14 Ministério Público junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas<br />

O art. 73, § 2Q, I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a existência <strong>de</strong> um Ministério Público<br />

junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, sendo que em seu art. 130, a Carta Maior <strong>de</strong>termina<br />

que aos membros <strong>de</strong>sse Ministério Público <strong>de</strong>vem ser aplicados os <strong>direito</strong>s, vedações e<br />

forma <strong>de</strong> investidura previstas aos <strong>de</strong>mais membros do Ministério Público.<br />

Muito se discutiu sobre a configuração jurídico-institucional <strong>de</strong>sse Ministério Público<br />

junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, basicamente se estaria <strong>de</strong>ntro da estrutura orgânica<br />

do Ministério Público da União e, consequentemente, sob a chefia do Procurador-Geral da<br />

República ou se estaria estruturalmente ligado ao próprio Tribunal <strong>de</strong> Contas da União,<br />

sem, portanto, qualquer vínculo com o Ministério Público da União. A Lei na 8.443/92,<br />

que dispõe sobre a organização do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, adotando essa segunda<br />

posição, criou em seu Capítulo VI (arts. 80 a 84), o Ministério Público junto ao Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas, prevendo a aplicação dos princípios institucionais da unida<strong>de</strong>, da indivisibilida<strong>de</strong><br />

e da in<strong>de</strong>pendência funcional. A própria lei estipulou a composição <strong>de</strong>sse Ministério<br />

Público: um procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores.<br />

O ingresso na carreira far-se-á no cargo <strong>de</strong> procurador, mediante concurso <strong>de</strong> provas e<br />

títulos, assegurada a participação da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, e a nomeação pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República observará a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> classificação.<br />

Em <strong>de</strong>fesa da primeira posição, os artigos do Capítulo VI da Lei n® 8.443/92 tiveram<br />

sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> arguida pelo Procurador-Geral da República, sob o fundamento<br />

da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> um novo Ministério Público, que não se incluísse<br />

como ramo do Ministério Público da União, exclusivamente para atuar junto ao Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas da União.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>cidindo essa relevante questão, enten<strong>de</strong>u que o<br />

Ministério Público junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União é Instituição que não integra o<br />

Ministério Público da União, cujos ramos estão taxativamente inscritos no rol do art. 128,<br />

inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>clarando a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da referida lei, por enten<strong>de</strong>r<br />

possível a vinculação administrativa <strong>de</strong>sse Ministério Público ao próprio Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas da União. Assim, como manifestou-se o Pretório Excelso,<br />

“O Ministério Público que atua perante o TCU qualifica-se como órgão <strong>de</strong> extração<br />

<strong>constitucional</strong>, eis que a sua existência jurídica resulta <strong>de</strong> expressa previsão normativa<br />

constante da Carta Política (art 73, § 2°, I e art. 130), sendo indiferente, para<br />

efeito <strong>de</strong> sua configuração jurídico-institucional, a circunstância <strong>de</strong> não constar do<br />

rol taxativo inscrito no art. 128,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>fine a estrutura<br />

orgânica do Ministério Público da União. O Ministério Público junto ao TCU não<br />

dispõe <strong>de</strong> fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias<br />

<strong>de</strong> or<strong>de</strong>m subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição *I,<br />

2006, p. 78; STF - MS ne 26063/ DF - m edida cautelar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 04ou t. 2006, p 38; S T F -M S n5 26153/ D F -m e d id a cautelar - R e i Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 9 out. 2006, p. 34. Conferir, ainda: STF - Petição n° 3674-3/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão:<br />

4-10-2006. Nesse julgado, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu a competência <strong>constitucional</strong> do STF para<br />

as ações contra atos do CNMP, porém exclui a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> competência originária do Pretório Excelso para<br />

ações populares contra o Plenário do CNM P em virtu<strong>de</strong> da edição <strong>de</strong> resoluções.


6 5 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

(art 130), encontra-se consolidado na intimida<strong>de</strong> estrutural <strong>de</strong>ssa Corte <strong>de</strong> Contas,<br />

que se acha investida - até mesmo em função do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> autogoverno que lhe<br />

confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) - da prerrogativa <strong>de</strong> fazer instaurar<br />

o processo legislativo concernente à sua organização, à sua estruturação interna, à<br />

<strong>de</strong>finição do seu quadro <strong>de</strong> pessoal e à criação dos cargos respectivos.”1<br />

O STF enten<strong>de</strong> que o art. 75 da CF, enquanto norma <strong>de</strong> organização e composição do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, é <strong>de</strong> extensão obrigatória aos Estados-membros, em relação<br />

aos seus respectivos Tribunais <strong>de</strong> Contas,12 assim, já <strong>de</strong>cidiu, em relação aos Ministérios<br />

Públicos junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados, a relevância da arguição <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

perante o art. 130 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> lei complementar estadual<br />

que <strong>de</strong>terminou o funcionamento, junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas, <strong>de</strong> órgão do Ministério<br />

Público estadual.3<br />

Discordamos do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em relação<br />

aos Ministérios Públicos que <strong>de</strong>vem atuar junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas Estaduais, uma<br />

vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral somente consagra em nível estadual um único Ministério<br />

Público, uno e indivisível, e, diferentemente do previsto no art. 73, § 2a, I, da CF em relação<br />

ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União, a Carta Maior não faz menção à existência <strong>de</strong> um<br />

Ministério Público junto aos Tribunais <strong>de</strong> Contas dos Estados.<br />

Dessa forma, cada um dos Estados-membros, no exercício <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado <strong>de</strong>corrente - caracterizador da existência, autonomia e manutenção <strong>de</strong> uma<br />

Fe<strong>de</strong>ração - <strong>de</strong>verá estabelecer em sua Constituição Estadual a configuração jurídico-<br />

-institucional do Parquet que atuará perante o Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado e do Município,<br />

quando existir.<br />

Assim, por exemplo, a Seção I, do Capítulo V, do Título II, da Constituição do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo, prevê como integrantes do próprio Ministério Público estadual os membros<br />

que atuem junto aoTribunal <strong>de</strong> Contas (art. 94, VI). Além disso, ressalte-se, a inexistência,<br />

na previsão da Constituição paulista, <strong>de</strong> um dos argumentos utilizados pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ao consi<strong>de</strong>rar o Ministério Público junto ao Tribunal <strong>de</strong> Contas da União<br />

como uma instituição a ele ligada, qual seja, o já citado art. 73, § 2a, I, que estipula: “Os<br />

Ministros do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União serão escolhidos: um terço pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, com aprovação do Senado Fe<strong>de</strong>ral, sendo dois alternadamente <strong>de</strong>ntre auditores<br />

e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal,<br />

segundo os critérios <strong>de</strong> antiguida<strong>de</strong> e merecimento.”<br />

Diferentemente, a Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo, em seu art. 31, § 2a, não<br />

prevê qualquer participação dos membros do Ministério Público na composição do Tribunal<br />

<strong>de</strong> Contas do Estado. Anote-se, ainda, que a Seção VI, do Capítulo II, ao Título II, da<br />

Constituição paulista, ao disciplinar o Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado, em momento algum<br />

1 STF - Pleno - Adin n- 798-1/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 , 19 <strong>de</strong>z. 1 9 9 4 ; S T F -<br />

Pleno - Adin n- 3192/ES - Rei. Min. Eros Grau. Informativo STF n- 428.<br />

2 STF - Pleno - Adin n° 892-7/RS - m edida lim in a r - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S e ç ã o I, 7<br />

nov. 1997, p. 57.230.<br />

3 S T F - Pleno - Adin n° 1.545-1/SE - m edida liminar - Rei. M in. Octávio Gallotti, D i á r i o d a J u s tiç a , S e ç ã o I,<br />

2 4 out. 1997, p. 54.156.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 5 5<br />

refere-se à existência <strong>de</strong> um Ministério Público exclusivamente com atribuições junto ao<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas do Estado.<br />

Concluímos, portanto, pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado-membro disciplinar em sua<br />

Constituição estadual qual o Ministério Público que atuará perante o Tribunal <strong>de</strong> Contas<br />

do Estado; observando, porém, que esse posicionamento é absolutamente afastado pela<br />

jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

6 ADVOCACIA PÚBLICA<br />

A Advocacia Pública é a instituição que, diretamente ou através <strong>de</strong> órgão vinculado,<br />

representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar<br />

que dispuser sobre sua organização - prevendo o ingresso nas classes iniciais das<br />

carreiras da instituição mediante concurso público - e funcionamento, as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

consultoria e assessoramento jurídico do Po<strong>de</strong>r Executivo.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, já não era sem tempo, rompeu a tradição existente da<br />

representação judicial da União ser exercida pelo Ministério Público, transformando-o em<br />

<strong>de</strong>fensor da socieda<strong>de</strong> e criando uma instituição diretamente ligada ao Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

para exercer esse importante mister.<br />

A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, <strong>de</strong> livre nomeação<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, entre cidadãos maiores <strong>de</strong> trinta e cinco anos, <strong>de</strong><br />

notável saber jurídico e reputação ilibada, prevendo a necessária relação <strong>de</strong> confiança<br />

entre representado (Presi<strong>de</strong>nte, como Chefe do Executivo Fe<strong>de</strong>ral) e representante, que<br />

justifica a livre escolha.<br />

Igualmente, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em relação à <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> da presença<br />

<strong>de</strong> advogado nos Juizados Especiais, enten<strong>de</strong>u que “a presença do advogado em certos<br />

atos judiciais po<strong>de</strong> ser dispensada”.12<br />

Os Procuradores dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral exercerão a representação judicial e<br />

a consultoria jurídica das respectivas unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas e serão organizados em carreira,<br />

na qual o ingresso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> concurso público <strong>de</strong> provas e títulos, trazendo a Emenda<br />

Constitucional nfi 19/98 a novida<strong>de</strong> da obrigatorieda<strong>de</strong> da participação da Or<strong>de</strong>m dos<br />

Advogados do Brasil em todas suas fases. Aos procuradores será assegurada estabilida<strong>de</strong><br />

após três anos <strong>de</strong> efetivo exercício, mediante avaliação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho perante os órgãos<br />

próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias, ressalvada a situação daqueles<br />

que já se encontrassem em estágio probatório à época da promulgação da Emenda Constitucional<br />

n2 19/98, aos quais será assegurado o prazo <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> efetivo exercício para<br />

aquisição da estabilida<strong>de</strong>, nos termos do art. 28 da citada EC ne 19/98. Aplica-se à Advocacia<br />

Pública as normas remuneratórias previstas no art. 39, § 4- e os teto e subteto previstos<br />

pelo inciso XI, do art. 37, com sua redação dada pela EC ne 41/03.<br />

1 Em relação à reserva <strong>de</strong> lei complementar: S T F - P le n o -A d in n 0 2.713-1/D F- ReL Min. EUen Gracie,Diário<br />

da Justiça, Seção 1,3 set. 2004, p. 8.<br />

2 STF - Pleno - Adin n° 1.105/D F-R el. Orig. Min. M arco Aurélio, Rei. P/Acórdão Min. Ricardo Lewandowski,<br />

<strong>de</strong>cisão: 17-5-2006.


6 5 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

7 ADVOCACIA<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988 erigiu a princípio <strong>constitucional</strong> a indispensabilida<strong>de</strong> e a<br />

imunida<strong>de</strong> do advogado, prescrevendo em seu art. 133: “O advogado é indispensável à<br />

administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da<br />

profissão, nos limites da lei.” Tal previsão coaduna-se com a necessária intervenção e participação<br />

da nobre classe dos advogados na vida <strong>de</strong> um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> e,<br />

como salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “na aplicação e <strong>de</strong>fesa da or<strong>de</strong>m jurídica,<br />

razão pela qual o constituinte o proclamara indispensável à administração da Justiça”.1<br />

7.1 Indispensabilida<strong>de</strong> do advogado<br />

O princípio <strong>constitucional</strong> da indispensabilida<strong>de</strong> da intervenção do advogado, previsto<br />

no art. 133 da Carta Maior, não é absoluto. Assim, apesar <strong>de</strong> constituir fator importantíssimo<br />

a presença do advogado no processo, para garantia dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s públicas<br />

previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral e em todo o or<strong>de</strong>namento jurídico, continua existindo<br />

a possibilida<strong>de</strong> excepcional da lei outorgar o ius postulandi a qualquer pessoa, como já<br />

ocorre no habeas corpus e na revisão criminal.12<br />

Assim, a revisão criminal, mesmo após a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> subscrição <strong>de</strong> advogado, quando requerida pessoalmente pelos legitimados, segundo<br />

o art. 623 do Código <strong>de</strong> Processo Penal. Porém, se for requerida por procurador, este há<br />

<strong>de</strong> ser advogado.3 O mesmo ocorre com o habeas corpus, pois sua interposição há que ser<br />

feita à luz do princípio do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa assegurada <strong>constitucional</strong>mente (art. 5S, LX)<br />

que inclui, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, o <strong>direito</strong> à auto<strong>de</strong>fesa.4<br />

O advogado <strong>de</strong>ve comprovar sua efetiva habilitação profissional, <strong>de</strong>monstrando a<br />

regularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua inscrição na Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, sob pena <strong>de</strong> inexistência<br />

dos atos processuais praticados,5 tendo <strong>de</strong>clarado o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a plena<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da exigência do <strong>de</strong>nonimado “exame da OAB” para o exercício da<br />

profissão, pela presença do juízo <strong>de</strong> proporcionalida<strong>de</strong> em “assegurar que as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

risco sejam <strong>de</strong>sempenhadas por pessoas com conhecimento técnico suficiente, <strong>de</strong> modo a<br />

evitar danos a coletivida<strong>de</strong>”, e, <strong>de</strong>ssa forma, “a aprovação do candidato seria elemento a<br />

qualificá-lo para o exercício profissional”, pois o “exame da OAB atestaria conhecimentos<br />

jurídicos, o que seria congruente com o fim pretendido pela realida<strong>de</strong> brasileira”.6<br />

1 S T F - P le n o - R E 6 0 3 583/R S -R ei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 26-10-2011.<br />

2 S T F -P e tiç ã o n° 1.127-9/SP - Rei. M ia lim ar Galvão, Diário d a Justiça, Seção 1 ,1 abr. 1996, p. 9.817; STF<br />

- Revisão Criminal n° 4.886, Rei. para o acórdão o M ia Celso <strong>de</strong> M ello - KTJ 146/49; STF - Revisão Criminal<br />

n° 5.177-1/RJ, Rei. M ia Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 5 mar. 1996, p. 5.514; STF -Habeas corpos<br />

n° 73.355-7/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,29 mar. 1996, p. 9.347.<br />

3 KTJ 154/603.<br />

4 STJ - 5a T. - RHC n2 1.701 - CE - Rei. Min. Flaquer Scartezzini - v.u. - DJÍ/, 4 m aio 1992, p. 5.895.<br />

5 STF - Pleno - Emb. Decl. em MS n° 21.730-1 - AgRg/DF - v.u. - Rei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 22 abr. 1994, p. 8.942; STF - RE n2 464.963/GO - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 30-6-2006 - Informativo<br />

STF n2 434.<br />

6 STF - Pleno - RE 603583/RS - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 26-10-2011.


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 5 7<br />

A OAB - Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, conforme consagrou o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, “é um serviço público in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, categoria ímpar no elenco das personalida<strong>de</strong>s<br />

jurídicas existentes no <strong>direito</strong> brasileiro. A OAB não está incluída na categoria na qual se<br />

inserem essas que se têm referido como ‘autarquias especiais’ para preten<strong>de</strong>r-se afirmar<br />

equivocada in<strong>de</strong>pendência das hoje chamadas ‘agências’. Por não consubstanciar uma entida<strong>de</strong><br />

da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem<br />

a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não vinculação é formal e materialmente<br />

necessária. A OAB ocupa-se <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s atinentes aos advogados, que exercem função<br />

<strong>constitucional</strong>mente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração<br />

da Justiça (art. 133 da CB/88). É entida<strong>de</strong> cuja finalida<strong>de</strong> é afeita a atribuições, interesses<br />

e seleção <strong>de</strong> advogados. Não há or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> relação ou <strong>de</strong>pendência entre a OAB e qualquer<br />

órgão público. A Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia<br />

e in<strong>de</strong>pendência, não po<strong>de</strong> ser tida como congênere dos <strong>de</strong>mais órgãos <strong>de</strong> fiscalização<br />

profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalida<strong>de</strong>s corporativas. Possui<br />

finalida<strong>de</strong> institucional”.1<br />

7.2 Imunida<strong>de</strong> do advogado<br />

A inviolabilida<strong>de</strong> d o advogado, por seus atos e manifestações no exercício d a profissão,<br />

não é absoluta, sujeitando-se aos limites legais,12 pois como <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça,<br />

“seria odiosa qualquer interpretação da legislação vigente conducente à conclusão<br />

absurda <strong>de</strong> que o novo Estatuto da OAB teria instituído, em favor da nobre classe<br />

dos advogados, imunida<strong>de</strong> penal ampla e absoluta, nos crimes contra a honra e<br />

até no <strong>de</strong>sacato, imunida<strong>de</strong> essa não conferida ao cidadão brasileiro, às partes<br />

litigantes, nem mesmo aos juizes e promotores. O nobre exercício da advocacia não<br />

se confun<strong>de</strong> com um ato <strong>de</strong> guerra em que todas as armas, por mais <strong>de</strong>sleais que<br />

sejam, possam ser utilizadas”.3<br />

Analisando a referida imunida<strong>de</strong>, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça ainda concluiu que<br />

“os advogados prestam importante serviço e contribuição para o bom exercício da<br />

Justiça, sendo natural que, no exercício regular da ativida<strong>de</strong>, o façam, até, com<br />

ardor e veemência. Nunca, porém, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> lado o essencial, que é a <strong>de</strong>fesa<br />

da causa, para uma luta contra o colega adverso, ou contra o representante do<br />

1 S T F - P le n o - A D I n ° 3.026-4/DF - Rei. Min. ErosG rau, Diário da Justiça, Seção I, 29 set. 2006, p. 31.<br />

2 STF - R H C n ° 69.619-8, Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 20 ago. 1993, p. 16.319; STF<br />

- HC n° 69.085-8/RJ, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I, 26 mar. 1993, p. 5.003. Inclusive, o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na Adin n° 1.127-8, R e i Min. Paulo Brossard, suspen<strong>de</strong>u lim inarm ente a eficácia da<br />

expressão ou <strong>de</strong>sacato contida no art. 7a, § 2°, da Lei nü 8.906, <strong>de</strong> 4-7-1994 (Estatuto da O r<strong>de</strong>m dos Advogados<br />

do Brasil), que alargava a abrangência da imunida<strong>de</strong> m aterial dos advogados.<br />

3 STJ- 5aT.; Rec. em HC n° 4.889; ReL M in Assis Toledo; j . 2-10-95; v.u.; ementa - Publicada na AASP, n° 1957,<br />

p. 50-e; STJ - 5a T.; Rec. em HC n° 4.979-MG; Rei. M in. Assis Toledo; j. 25-10-95; v.u.; em enta - Publicado no<br />

AASP, n° 1958, p. 5 3 -e ;S T J -6 aT\irma, HC n° 3.381-7-SP, Rei. Min. Luiz V icen teC ern icch iarojj. 24-4-95, v.u.


658 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ministério Público, ou ofen<strong>de</strong>ndo a honra, <strong>de</strong>sabusada e <strong>de</strong>snecessariamente, fora<br />

dos limites da causa ou da <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e prerrogativas <strong>de</strong> que <strong>de</strong>sfrutam”.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou parcialmente in<strong>constitucional</strong> o § 2° do art. 7°<br />

da lei (“O advogado tem imunida<strong>de</strong> profissional, não constituindo injúria, difamação ou<br />

<strong>de</strong>sacato puníveis qualquer manifestação <strong>de</strong> sua parte, no exercício <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong>, em<br />

juízo ou fora <strong>de</strong>le, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos<br />

que cometer”), <strong>de</strong>terminando a exclusão do termo <strong>de</strong>sacato, uma vez que enten<strong>de</strong>u que<br />

a referida estaria criando “situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre o juiz e o advogado, retirando<br />

do primeiro a autorida<strong>de</strong> necessária à condução do processo”.12<br />

Saliente-se, portanto, que haverá excesso impunível se a ofensa irrogada for vinculada<br />

à ativida<strong>de</strong> funcional e pertinente à pretensão que esteja o advogado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo<br />

em juízo. A imunida<strong>de</strong> inexistirá quando a ofensa for gratuita, <strong>de</strong>svinculada do exercício<br />

profissional e não guardar pertinência com a discussão da causa.3<br />

Ressalte-se, ainda, que a imunida<strong>de</strong> profissional do advogado não alcança abusos<br />

cometidos em entrevistas aos meios <strong>de</strong> comunicação.4<br />

8 DEFENSORIA PÚBLICA<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu, ainda, a criação, instalação e funcionamento da Def<br />

ensoria Pública, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-<br />

-lhe a orientação jurídica e a <strong>de</strong>fesa em todos os graus e gratuitamente dos necessitados.<br />

O Congresso Nacional, através <strong>de</strong> Lei Complementar (LCs n25 80, <strong>de</strong> 12-1-1994 e<br />

132, <strong>de</strong> 7-10-2009), organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />

Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos <strong>de</strong><br />

carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público <strong>de</strong> provas e títulos, assegurada<br />

a seus integrantes a garantia da inamovibilida<strong>de</strong> e vedado o exercício da advocacia<br />

fora das atribuições institucionais.5<br />

1 STJ - 5â T.; HC na 4.539-RO; Rei. Min. Jesus Costa Lima; j. 2-8-95; v.u. No mesm o sentido, em relação à<br />

ofensas contra membro do Ministério Público; RT, 72/486.<br />

2 STF - Pleno - Adin n° 1.105/DF - Rei. Orig. Min. Marco Aurélio, Rei. P/Acórdão Min. Ricardo Lewandowski,<br />

<strong>de</strong>cisão: 17-5-2006. No mesmo sentido, em sessão Plenária, o extinto Tribunal <strong>de</strong> Alçada Criminal <strong>de</strong> São Paulo,<br />

por m aioria absoluta <strong>de</strong> votos, nos termos do art. 97 daConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral.<strong>de</strong>clarouain<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>do<br />

art. 7a, § 2a, da Lei na 8.906/94 (Estatuto da O A B ), pela ausência do caráter absoluto da imunida<strong>de</strong> do advogado<br />

(TACRIM - Pleno - Arg. <strong>de</strong> Inconst. na 263.090/4 - São Miguel Arcanjo; Rei. Juiz Silvério Ribeiro, j. 6-3-1996;<br />

m aioria <strong>de</strong> votos - AASP na 1984, I a a 7-1-1997, p. 5-j).<br />

3 STJ - R H C n 2 3.068-2-SP, D iário da Justiça, 11 <strong>de</strong>z. 1989, p. 18.142/3, e ainda, RTJ 92/1118; 121/157;<br />

126/628 eR T 610/426; 624/378.<br />

4 STJ - Recurso em Habeas corpus na 4804/RS - 6a T. - v.u. - Rei. Min. Anselm o Santiago, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 23 set. 1996.<br />

5 Conferir sobre a absoluta necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concurso público para provim ento da D ef ensoria Pública e vedação<br />

à contratação temporária <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensores públicos: STF - Pleno - AD I 424 6/PA - Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão:<br />

25-5-2011; STF - Pleno - Adin na 2229/ES - Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 9-6-2004, Informativo STF na 351,


Organização dos Po<strong>de</strong>res e do Ministério Público 6 5 9<br />

Nos termos do art. 22 do ADCT, o texto <strong>constitucional</strong> assegurou, <strong>de</strong> forma excepcional<br />

e taxativa, aos <strong>de</strong>fensores públicos investidos na função até a data <strong>de</strong> instalação da<br />

Assembléia Nacional Constituinte o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> opção pela carreira, com a observância das<br />

garantias e vedações previstas no art. 134, parágrafo único, da Constituição.1<br />

A EC na 45/04 fortaleceu as Defensorias Públicas Estaduais, assegurando-lhes autonomia<br />

funcional e administrativa, não sendo, portanto, possível sua subordinação<br />

administrativa aos Governadores estaduais*12 ou quaisquer <strong>de</strong> seus órgãos3 e a iniciativa<br />

<strong>de</strong> sua proposta orçamentária <strong>de</strong>ntro dos limites estabelecidos na Lei <strong>de</strong> Diretrizes Orçamentárias.<br />

Essas garantias, inclusive quanto à autonomia em relação ao chefe do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, foi estendida às Def ensorias Públicas da União e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral pela EC ne<br />

74, <strong>de</strong> 6 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2013.<br />

A autonomia da Defensoria Pública impossibilita a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> convênio obrigatório<br />

com a OAB. Como <strong>de</strong>stacou o STF, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral veda a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> monopólio<br />

da OAB, da mesma forma que incentiva a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> convênios, se forem necessários<br />

para o cumprimento <strong>de</strong> sua função <strong>constitucional</strong>, porém com a coor<strong>de</strong>nação da própria<br />

Defensoria Pública.4<br />

Observe-se, ainda, que a alegação <strong>de</strong> situação excepcional, não permite a contratação<br />

temporária <strong>de</strong> advogados para o exercício das funções <strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor público, pois somente<br />

a realização <strong>de</strong> concursos públicos <strong>de</strong> provas e títulos, para o provimento e estruturação<br />

da carreira em cargos <strong>de</strong> provimento efetivo garante, como proclamado pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a in<strong>de</strong>pendência técnica das Defensorias, a se refletir na boa qualida<strong>de</strong><br />

da assistência a que têm <strong>direito</strong> as classes mais necessitadas”.5<br />

p. 1 Em relação à vedação do exercício da advocacia fora das atribuições institucionais, conferir: STF - Pleno<br />

- Adin nQ3043/MG - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 26-4-2006, Informativo STF nQ424.<br />

1 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não adm itiu ampliação à norm a excepcional do art. 22 do ADCT: STF - Pleno<br />

- ADI nQ3603/RO - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - Informativo STF nQ438.<br />

2 STF - Pleno - A D I 3965/MG - Rei. Min. Cármen Lúcia, 7-3-2012.<br />

3 Em <strong>de</strong>fesa da autonomia administrativa das Defensorias Públicas, o STF <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> sua vinculação<br />

à estrutura da Secretaria da Justiça (STF - Pleno - AD I nô 3.569/PE - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,<br />

<strong>de</strong>cisão: 2-4-2007).<br />

4 STF - Pleno - A D I 4163/SP - Rei. Min. Cezar Peluso, 29-2-2012.<br />

5 STF - Pleno - A D I n Q3.700/RN - Rei. M in. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 15-10-2008; STF - Pleno - ADI 3892/SC,<br />

A D I 4270/SC, Rei. Min. Joaquim Barbosa, 14-3-2012.


Processo Legislativo<br />

11<br />

1 CONCEITO<br />

O termo processo legislativo po<strong>de</strong> ser compreendido num duplo sentido, jurídico e<br />

sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coor<strong>de</strong>nado <strong>de</strong> disposições que disciplinam<br />

o procedimento a ser obe<strong>de</strong>cido pelos órgãos competentes na produção <strong>de</strong> leis e atos<br />

normativos que <strong>de</strong>rivam diretamente da própria constituição, enquanto sociologicamente<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>fini-lo como o conjunto <strong>de</strong> fatores reais que impulsionam e direcionam os<br />

legisladores a exercitarem suas tarefas.<br />

Assim, juridicamente, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>fine uma sequência <strong>de</strong> atos a serem<br />

realizados pelos órgãos legislativos, visando à formação das espécies normativas previstas<br />

no art. 59: Emendas Constitucionais, leis complementares e ordinárias, leis <strong>de</strong>legadas,<br />

medidas provisórias, <strong>de</strong>cretos legislativos e resoluções.<br />

A primazia do processo legif erante foi <strong>constitucional</strong>mente concedida ao Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />

que, porém, não <strong>de</strong>tém o monopólio da função normativa, em virtu<strong>de</strong> da existência<br />

<strong>de</strong> outras fontes normativas primárias, tanto no Executivo (medidas provisórias, <strong>de</strong>cretos<br />

autônomos),1quanto no Judiciário (regimento interno dos Tribunais e po<strong>de</strong>r normativo<br />

primário do Conselho Nacional <strong>de</strong> Justiça) ?<br />

O respeito ao <strong>de</strong>vido processo legislativo na elaboração das espécies normativas é<br />

um dogma corolário123 à observância do princípio da legalida<strong>de</strong>, consagrado <strong>constitucional</strong>mente,<br />

uma vez que ninguém será obrigado a fazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa,<br />

senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécie normativa <strong>de</strong>vidamente elaborada pelo Po<strong>de</strong>r competente,<br />

segundo as normas <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>terminando, <strong>de</strong>sta forma, a<br />

Carta Magna, quais os órgãos e quais os procedimentos <strong>de</strong> criação das normas gerais, que<br />

<strong>de</strong>terminam, como ressaltado por Kelsen<br />

1 STF - A gR n° 2.950/RJ - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,9 fev. 2007, p. 16; STF - Pleno<br />

- A D I n “ 2 .5 64/D F -R el. Min. EUen G ra<strong>de</strong>, Diário da Justiça, Seção I, 6 fev. 2004, p. 21.<br />

2 STF - Pleno - ADC n " 12/DF - m edida cautelar, Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão; 16-2-2006.<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Estado <strong>de</strong>... Op. cit. p. 19.


Processo Legislativo 6 6 1<br />

“não só os órgãos judiciais e administrativos e o processojudicial e administrativo,<br />

mas também os conteúdos das normas individuais, as <strong>de</strong>cisões judiciais e os atos<br />

administrativos que <strong>de</strong>vem emanar dos órgãos aplicadores do <strong>direito</strong>”.1<br />

O <strong>de</strong>srespeito às normas <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong>mente previstas acarretará<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando<br />

pleno controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, tanto<br />

pelo método difuso quanto pelo método concentrado. Saliente-se, ainda, que mesmo<br />

durante o processo legislativo, os parlamentares têm o <strong>direito</strong> público subjetivo à fiel<br />

observância <strong>de</strong> todas as regras previstas <strong>constitucional</strong>mente para a elaboração <strong>de</strong> cada<br />

espécie normativa, po<strong>de</strong>ndo, pois, socorrerem-se ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, via mandado <strong>de</strong><br />

segurança.12<br />

Observe-se que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral consi<strong>de</strong>ra as regras básicas <strong>de</strong> processo<br />

legislativo previstas na Constituição Fe<strong>de</strong>ral como mo<strong>de</strong>los obrigatórios às Constituições<br />

Estaduais,3 <strong>de</strong>clarando que o mo<strong>de</strong>lo estruturador do processo legislativo, tal como<br />

<strong>de</strong>lineado em seus aspectos fundamentais pela Carta da República, impõe-se, enquanto<br />

padrão normativo, <strong>de</strong> compulsório atendimento, à observância incondicional dos Estados-<br />

-membros.4<br />

Importantíssimo ressaltar, por tratar-se <strong>de</strong> norma geral <strong>de</strong> processo legislativo,<br />

aplicável a todos os entes fe<strong>de</strong>rais, que a Constituição <strong>de</strong> 1988 aboliu o instrumento do<br />

<strong>de</strong>curso <strong>de</strong> prazo,5 verda<strong>de</strong>ira aberração legislativa que constituía um capitis diminutio ao<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo, pois permitia a aprovação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei ou Decreto-lei, sem que<br />

houvesse análise por parte do Congresso Nacional.<br />

O presente estudo, para fins didáticos, será <strong>de</strong>smembrado em três partes: noções<br />

gerais, processo legislativo ordinário e espécies normativas.<br />

1 KELSEN, Hans. General cheory oflawState. Londres: H arvard U n iveráty Press, 1949. p. 130.<br />

2 STF - Pleno - MS n° 22503-3/DF - Rei. p/Acórdão: M in . M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,6 jun.<br />

1997, p. 24.872. Sobre a possibilida<strong>de</strong> d e controle difuso da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>vido processo legislativo, por<br />

m eio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança ajuizado por membro do Congresso Nacional, c f.: Capítulo 1 2 -Iten s9.1.5 e9.1.6.<br />

3 Neste sentido: STF - Pleno - Adin n ° 822/RS, Rei. M in. Sepúlveda Pertence; R TJ150/482.<br />

4 STF - P len o - Adin nc 1.254-1/RJ - M ed id a liminar - R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, seção I,<br />

18 ago. 1995, p. 24.894. N o m esm o sentido, os seguintes prece<strong>de</strong>ntes: A d in n° 822-RS, ReL Min. Sepúlveda<br />

Pertence; Adin ns 774, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; Adin ns 582-SP, ReL Min. Néri da Silveira (RTJ 138/76); Adin<br />

na 152/MG, ReL Min. lim ar G alvão (RTJ 141/355); Adin na 645-DF, Rei. M ia lim ar Galvão (RTJ 140/457).<br />

5 Nesse sentido: S T F -P le n o -R E 2 1 2 .5 9 6 / S P -R e l. M in. CezarPeluso, <strong>de</strong>cisão: 27-9-2006 - Informativo STF<br />

na 442, p. 1 N o regim e <strong>constitucional</strong> anterior: CF/67-69: arL 5 1 - 0 Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá enviar<br />

ao Congresso Nacional projetos <strong>de</strong> lei sobre qualquer matéria, os quais, se o solicitar, serão apreciados <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> quarenta e cinco dias, a contar do seu recebim ento na Câmara dos Deputados, e <strong>de</strong> igual prazo no Senado<br />

Fe<strong>de</strong>raL § I a A solicitação do prazo mencionado neste artigo po<strong>de</strong>rá ser feita <strong>de</strong>pois da remessa do projeto e em<br />

qualquer fase <strong>de</strong> seu andamento. § 22 Se o Presi<strong>de</strong>nte da República ju lgar urgente o projeto, po<strong>de</strong>rá solicitar que<br />

a sua apreciação seja feita em sessão conjunta do Congresso Nacional, <strong>de</strong>ntro do prazo <strong>de</strong> quarenta dias. § 3 °Na<br />

falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong>ntro dos prazos estabelecidos neste artigo e no parágrafo anterior, cada pro jeto será incluído<br />

automaticamente na or<strong>de</strong>m do dia, em regime <strong>de</strong> urgência, nas <strong>de</strong>z sessões subsequentes em dias sucessivos; se, ao<br />

final <strong>de</strong>ssas, não fo r apreciado, consi<strong>de</strong>rar-se-á <strong>de</strong>finitivamente aprovado. Igualm ente, o art. 55 da constituição<br />

anterior, referindo-se ao processo legislativo do antigo Decreto-lei, remetia-o ao § 3a, do art. 51.


6 6 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

2 NOÇÕES GERAIS<br />

2.1 Conceitos iniciais<br />

Estão ligados ao estudo <strong>de</strong> processo legislativo alguns conceitos importantes, que<br />

<strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>finidos: <strong>de</strong>s<strong>constitucional</strong>ização, recepção e repristinação.<br />

• Des<strong>constitucional</strong>ização é nome técnico que se dá à manutenção em vigor, perante<br />

uma nova or<strong>de</strong>m jurídica, da Constituição anterior, queporém per<strong>de</strong> sua<br />

hierarquia <strong>constitucional</strong> para operar com o legislação comum. Tal fenômeno<br />

não encontra acolhida em nosso sistema <strong>constitucional</strong>.<br />

A substituição <strong>de</strong> uma constituição por outra implica a perda <strong>de</strong> eficácia da Carta<br />

primitiva. O mesmo não acontece, no entanto, com o restante das leis e atos normativos<br />

que, em regra, permanecem válidos, satisfeita uma única condição, qual seja, a <strong>de</strong> serem<br />

compatíveis com a nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>. Obviamente, as normas conflitantes, explícita<br />

ou implicitamente, retirar-se-ão do or<strong>de</strong>namento jurídico, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da<br />

espécie (emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias etc.), pois a criação<br />

<strong>de</strong> uma nova or<strong>de</strong>m jurídica exige o a<strong>de</strong>quamento do restante do or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

• Recepção consiste no acolhimento que uma nova constituição posta em vigor<br />

dá às leis e atos normativos editados sob a égi<strong>de</strong> da Carta anterior, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

compatíveis consigo.10 fenômeno da recepção, além <strong>de</strong> receber materialmente<br />

as leis e atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante a sua<br />

a<strong>de</strong>quação à nova sistemática legal.12<br />

• Repristinação é o nome que se dá ao fenômeno que ocorre quando uma norma<br />

revogadora <strong>de</strong> outra anterior, que, por sua vez, tivesse revogado uma mais antiga,<br />

recoloca esta última novamente em estado <strong>de</strong> produção <strong>de</strong> efeitos. Esta verda<strong>de</strong>ira<br />

restauração <strong>de</strong> eficácia é proibida em nosso Direito, em nome da segurança<br />

jurídica, salvo se houver expressa previsão da nova lei, conforme preceitua o<br />

art. 2o, § 3o, da Lei <strong>de</strong> Introdução ao Código Civil. Assim, a legislação que tenha<br />

perdido sua eficácia anteriormente à edição da nova Constituição Fe<strong>de</strong>ral não irá<br />

readquiri-la com sua promulgação. Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF que “existe efeito<br />

repristinatório em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico, impondo-se, no entanto, para<br />

que possa atuar plenamente, que a repristinação encontre suporte em cláusula<br />

normativa que a preveja expressamente, pois a repristinação não se presume”.3<br />

1 FERRAZ, A nna Cândida Cunha; A LM EID A, Fern an da M en ezes <strong>de</strong>. Revista da Procuradoria Geral do Estado<br />

<strong>de</strong> São Paulo, ju n. 1995, p. 45 ss.<br />

2 P o r exem plo: Apesar d e in existir sob a vig ên cia da Constituição d e 1988 a espécie n orm ativa D ecreto-lei, o<br />

C ódigo Penal continua em vigor, uma v e z que fo i m aterial e form alm en te recepcion ad o, sob a nova rou pagem<br />

d e lei ordin ária. Outro exem plo é lem brado p or M ich el Tem er: “O Dec. 24.643, d e 1934, é o C ó d igo <strong>de</strong> Águas.<br />

Foi produ zido ao tem po em que os <strong>de</strong>cretos do Po<strong>de</strong>r Executivo tinham força d e lei. Foi recebido p o r todas as<br />

or<strong>de</strong>ns constitucionais posteriores. H o je a disciplin a <strong>de</strong>ssa m atéria é forn ecida pela le i; daí sua natureza leg a l”<br />

tElementos... Op. cit. p. 3 9 ).<br />

3 STF - RExtr. n“ 384.327-3/DF - ReL Min. N elson Jobim, Diário da Justiça, Seção 1, 3 set. 2003, p. 61. STF<br />

- M ed id a cautelar em Ação Cautelar n'J 586-8/SP - Rei. Min. Nelson Jobim, D iário da Justiça, Seção I, 2 fev.<br />

2005, p. 35.


Processo Legislativo 6 6 3<br />

2.2 Processos legislativos<br />

Po<strong>de</strong>mos classificar os processos legislativos em dois gran<strong>de</strong>s gêneros. O primeiroem<br />

relação às formas <strong>de</strong> organização política e o segundo em relação à sequência das fases<br />

procedimentais.<br />

2.2.1 Classificação em relação às formas <strong>de</strong> organização política<br />

Depen<strong>de</strong>ndo da forma <strong>de</strong> organização política, po<strong>de</strong>mos distinguir quatro espécies<br />

<strong>de</strong> processo legislativo: o autocrático, o direto, o indireto ou representativo e o semidireto.<br />

O processo legislativo autocrático caracteriza-se por ser expressão do próprio governante,<br />

que fundamenta em si mesmo a competência para editar leis, excluindo <strong>de</strong>sta<br />

ativida<strong>de</strong> legiferante o corpo <strong>de</strong> cidadãos, seja diretamente, seja por intermédio <strong>de</strong> seus<br />

representantes.<br />

Por sua vez, consi<strong>de</strong>ra-se processo legislativo direto aquele discutido e votado pelo<br />

próprio povo.<br />

O processo legislativo semidireto consubstanciava-se em um procedimento complexo,<br />

pois a elaboração legislativa necessitava da concordância da vonta<strong>de</strong> do órgão representativo<br />

com a vonta<strong>de</strong> do eleitorado, através <strong>de</strong> referendum popular.<br />

Por fim, o processo legislativo indireto ou representativo, adotado no Brasil e na<br />

maioria dos países, pelo qual o mandante (povo) escolhe seus mandatários (parlamentares),<br />

que receberão <strong>de</strong> forma autônoma1po<strong>de</strong>res para <strong>de</strong>cidir sobre os assuntos <strong>de</strong> sua<br />

competência <strong>constitucional</strong>.12<br />

2.2.2 Classificação em relação à sequência das fases procedimentais<br />

Há três espécies <strong>de</strong> processos ou procedimentos legislativos, o comum ou ordinário,<br />

o sumário e os especiais.<br />

O processo legislativo ordinário é aquele que se <strong>de</strong>stina à elaboração das leis ordinárias,<br />

caracterizando-se pela sua maior extensão.<br />

O processo legislativo sumário, conforme será estudado adiante, apresenta somente<br />

uma diferenciação em relação ao ordinário, a existência <strong>de</strong> prazo para que o Congresso<br />

Nacional <strong>de</strong>libere sobre <strong>de</strong>terminado assunto.<br />

Por fim, encontramos os processos legislativos especiais estabelecidos para a elaboração<br />

das emendas à Constituição, leis complementares, leis <strong>de</strong>legadas, medidas provisórias,<br />

1 Rousseau critica esta autonomia, afirm ando que “a soberania não po<strong>de</strong> ser representada pela mesma razão<br />

por que não po<strong>de</strong> ser alienada; consiste ela essencialmente na vonta<strong>de</strong> geral, e a vonta<strong>de</strong> geral não se representa:<br />

ou é ela mesma ou diferente; não há m eio termo. Os <strong>de</strong>putados do p ovo não são nem po<strong>de</strong>m ser seus representantes,<br />

eles são unicamente seus comissários; nada po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>cidir em d efin itiva Toda lei que o p ovo não tenha<br />

pessoalm ente ratificado é nula; não é uma lei” (Contrato social, Op. cit. v. 3, cap. X V ).<br />

2 Não se adota mo<strong>de</strong>rnam ente a teoria do mandato imperativo, pelo qual os representados elegiam seus representantes<br />

no Parlamento, <strong>de</strong>terminando-lhes, rigidam ente, as atribuições que podiam exercer.


6 6 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>cretos-legislativos, resoluções e leis financeiras (lei <strong>de</strong> plano plurianual, lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias, leis do orçamento anual e <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> créditos adicionais)<br />

3 PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO<br />

O procedimento <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma lei ordinária <strong>de</strong>nomina-se processo legislativo<br />

ordinário e apresenta as seguintes fases: fase introdutória, fase constitutiva e fase<br />

complementar.<br />

Por ser o mais completo e amplo, será estudado, em primeiro lugar, o procedimento<br />

<strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong> uma lei ordinária servindo <strong>de</strong> paradigma para a análise da elaboração<br />

das <strong>de</strong>mais espécies normativas.<br />

3.1 Fase introdutória<br />

Iniciativa <strong>de</strong> lei é a faculda<strong>de</strong> que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar<br />

projetos <strong>de</strong> lei ao Legislativo, po<strong>de</strong>ndo ser parlamentar ou extraparlamentar e<br />

concorrente ou exclusiva.<br />

Diz-se iniciativa <strong>de</strong> lei parlamentar a prerrogativa que a Constituição confere a todos<br />

os membros do Congresso Nacional CDeputados Fe<strong>de</strong>rais/Senadores da República) <strong>de</strong><br />

apresentação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> lei.<br />

Diz-se, por outro lado, iniciativa <strong>de</strong> lei extraparlamentar aquela conferida ao Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, aos Tribunais Superiores, ao Ministério Público e aos cidadãos (iniciativa<br />

popular <strong>de</strong> lei).<br />

Por sua vez, a iniciativa concorrente é aquela pertencente a vários legitimados <strong>de</strong><br />

uma só vez (por exemplo: parlamentares e Presi<strong>de</strong>nte da República), enquanto iniciativa<br />

exclusiva é aquela reservada a <strong>de</strong>terminado cargo ou órgão (por exemplo: CF, art. 61, § I a).<br />

Anote-se que uma das funções primordiais do exercício da iniciativa <strong>de</strong> lei, através<br />

da apresentação do projeto <strong>de</strong> lei ordinária ao Congresso Nacional, é <strong>de</strong>finir qual das casas<br />

legislativas analisará primeiramente o assunto (Deliberação Principal) e qual atuará<br />

como revisora (Deliberação Revisional). Assim, a discussão e a votação dos projetos <strong>de</strong><br />

lei <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte da República, do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, dos Tribunais<br />

Superiores e dos cidadãos, terão início na Câmara dos Deputados, conforme preceituam<br />

os arts. 61, § 2- e 64, caput, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

3 .1 .1 In ic ia tiv a <strong>de</strong> le i do p o d e r Ju d ic iá rio<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral preconiza que compete privativamente ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais <strong>de</strong> Justiça propor ao Po<strong>de</strong>r Legislativo 1<br />

1 Po<strong>de</strong>riamos, ainda, complementando esta classificação tradicional, consi<strong>de</strong>rar como hipóteses <strong>de</strong> processos<br />

legislativos especiais aqueles previstos para as Leis Orgânicas dos Municípios (CF, art. 2 9 ) e Lei Orgânica do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 3 2 ).


Processo Legislativo 665<br />

respectivo, observado o disposto no art. 169, a criação e a extinção <strong>de</strong> cargos e a remuneração<br />

<strong>de</strong> seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a<br />

fixação do subsídio <strong>de</strong> seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores, on<strong>de</strong><br />

houver. A fixação dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - teto salarial<br />

do funcionalismo, nos termos do inciso XI, do art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral-, igualmente,<br />

será estabelecida por lei ordinária, <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte do STF.1<br />

Como salienta Clèmerson Merlin Clève,<br />

“do princípio da inicialida<strong>de</strong> legislativa <strong>de</strong>corre a iniciativa reservada <strong>de</strong> algumas<br />

leis. A primeira <strong>de</strong>las é o Estatuto da Magistratura Nacional, lei complementar <strong>de</strong><br />

iniciativa privativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Diante do disposto no art. 93 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não po<strong>de</strong> o Congresso Nacional dispor sobre essa matéria<br />

sem a preliminar provocação da Suprema Corte brasileira”.12<br />

Eventuais alterações nas disposições relacionadas à remuneração, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong><br />

emenda parlamentar ao projeto original, <strong>de</strong> iniciativa dos referidos Tribunais, serão incompatíveis<br />

com as regras dos arts. 2® e 96, II, alínea b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, uma vez<br />

que estarão maculadas pelo vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal, além <strong>de</strong> violarem, pela<br />

imposição <strong>de</strong> aumento da <strong>de</strong>spesa, o princípio da autonomia administrativa e financeira<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário.3<br />

Anote-se que a iniciativa privativa dos Tribunais aplica-se, igualmente, em relação às<br />

normas das Constituições Estaduais, não havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usurpação da iniciativa<br />

prevista pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral pelo legislador-constituinte <strong>de</strong>rivado do Estadomembro.<br />

A regra, como já <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>corre do princípio<br />

da in<strong>de</strong>pendência e harmonia entre os po<strong>de</strong>res e é tradicional no <strong>direito</strong> republicano,<br />

aplica-se tanto à legislatura ordinária, como à constituinte estadual, em razão do que<br />

prescreve a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, art. 96, II, b e d.4<br />

3 .1 .2 Iniciativa privativa do P re sid en te da R epública - art. 6 1<br />

As referidas matérias cuja discussão legislativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da iniciativa privativa do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 61, § l®)5 são <strong>de</strong> observância obrigatória pelos Estados-<br />

1 Conferir novas redações dos arts. 48, XV, e 96, ü, b, dadas pela EC n2 41/03. Foi revogada a previsão <strong>de</strong> fixação<br />

do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por lei <strong>de</strong> iniciativa conjunta dos Presi<strong>de</strong>ntes da<br />

República, da Câmara dos Deputados, do Senado Fe<strong>de</strong>ral e do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que havia sido criada<br />

pela EC n2 19/98, porém jam ais utilizada.<br />

2 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas... Op. c it p. 39.<br />

3 STF - Pleno - Ação Direta <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n21.051-4/SC, Rei. M in . M aurício Corrêa, v.u., no Diário<br />

da Justiça, 13 out. 1995, p. 34.249.<br />

4 No caso concreto, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por m aioria <strong>de</strong>votos, <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> o art. 58, caput<br />

e seu § l 2, da Constituição do Estado <strong>de</strong> Pernambuco, que <strong>de</strong>terminou o aumento do número <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargadores<br />

sem proposta do Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STF - P le n o -A d in n 2 274-1/PE, ReL Min. O ctávio Gallotti, v.m., Diário da<br />

Justiça, seção 1, 5 m aio 1995, p. 11.903). EM ENTA: Tribunal <strong>de</strong> Justiça. Composição. Aum ento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembargadores<br />

pela Assem bléia Constituinte Estadual in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> iniciativa do Judiciário. In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

5 A E C n2 32, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, alterou parcialm ente a redação do art. 61, em sua alínea e, do inciso<br />

II, § 22.


666 Direito Constitucional • Moraes<br />

-membros que, ao disciplinar o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições<br />

estaduais, não po<strong>de</strong>rão afastar-se da disciplina <strong>constitucional</strong> fe<strong>de</strong>ral,1sob pena <strong>de</strong><br />

nulida<strong>de</strong> da lei.12<br />

Assim, por exemplo, a iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos<br />

servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo, projeção específica do princípio da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, incidindo em<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo<br />

a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre provimento <strong>de</strong> cargos<br />

que integram a estrutura jurídico-administrativa do Po<strong>de</strong>r Executivo local.3<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral inseriu, ainda, na esfera <strong>de</strong> atribuições do Executivo, o po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> elaborar e <strong>de</strong> encaminhar ao Legislativo o projeto <strong>de</strong> lei referente ao orçamento<br />

anual, f unção esta que <strong>de</strong>verá observar somente as limitações da própria Carta Magna, da<br />

lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e do plano plurianual, inexistindo possibilida<strong>de</strong>, sob pena<br />

<strong>de</strong> afronta à Separação dos Po<strong>de</strong>res, consagrada textualmente na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>terminar ao Presi<strong>de</strong>nte da República a inclusão, no texto do projeto <strong>de</strong><br />

lei orçamentária anual, <strong>de</strong> cláusula pertinente à fixação da <strong>de</strong>spesa pública, com a consequente<br />

alocação <strong>de</strong> recursos financeiros <strong>de</strong>stinados a satisfazer a <strong>de</strong>terminados encargos.4<br />

No Brasil, tradicionalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Constituição Imperial, cabe ao Po<strong>de</strong>r Executivo a<br />

atribuição para a elaboração e a apresentação da proposta orçamentária, pois é este Po<strong>de</strong>r<br />

quem conhece a realida<strong>de</strong> sociopolítica em que irá atuar, possibilitando o fornecimento<br />

<strong>de</strong> maiores elementos ao legislador, para análise e <strong>de</strong>cisão sobre a peça orçamentária.<br />

Observe-se que a regra <strong>de</strong> iniciativa privativa do Po<strong>de</strong>r Executivo para os projetos<br />

<strong>de</strong> lei referentes à matéria orçamentária é obrigatória para os Estados e Municípios;5 em<br />

face, porém, da ausência <strong>de</strong> previsão do art. 61 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não se esten<strong>de</strong><br />

1 Neste sentido: STF - P le n o -A d in r. 1.1961-1/RO -m e d id a lim in a r - Rei. Min. Sepúlveda Pertence,Diário<br />

da Justiça, Seção I, 24 mar. 1995, p. 6.804 e STF - Pleno - Adin n2 1.197-9/RO - m edida lim inar - ReL Min.<br />

Carlos Velloso.<br />

2 STF - ADI 3176/AP - R ei. M in . Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 30-6-2011.<br />

3 S T F -P le n o -A d in n2 864-1/RS - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,13 set. 1996, p. 33.231;<br />

STF - P le n o -A d in n 22 4 8 -I/ R J -R eL Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, 8 abr. 1994.<br />

4 STF - Plen o - MS n2 22.185-2/RO - m edida liminar - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, Seção 1,<br />

4 abr. 1995, p. 8.272.<br />

5 Nesse sentido, conferir, em relação ao Estado <strong>de</strong> Santa Catarina: STF - “ Competência exclusiva do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo in iciar o processo legisla tivo das m atérias pertinentes ao Plano Plurianual, às D iretrizes Orçam<br />

entárias e aos O rçam entosAnuais” (STF - Pleno - AD ln n° 1.759-1/SC - ReL Min. Néri da Silveira - Diário<br />

da Justiça, Seção I, 6 abr. 2001, p. 66). N o mesm o sentido: STF - “Consi<strong>de</strong>rando que não há reserva <strong>de</strong><br />

in iciativa do ch efe do Po<strong>de</strong>r Executivo para a propositura <strong>de</strong> leis referentes à m atéria tributária, o Tribunal<br />

in<strong>de</strong>feriu pedido <strong>de</strong> m edida cautelar em ação direta ajuizada pelo G overnador do Estado do Espírito Santo<br />

contra a Lei 6.486/2000, do mesmo Estado, que, alterando o art. 32 da Lei 3.829/85, reduziu o valor da<br />

alíquota do Im posto sobre a Proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Veículos Autom otores - IPVA. À p rim eira vista, o Tribunal enten<strong>de</strong>u<br />

não haver relevância ju ríd ic a na tese <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em que se alegava ofensa ao art. 61,<br />

§ I a, II, b, da CF - que confere ao Presi<strong>de</strong>nte da República a iniciativa privativa das leis que disponham sobre<br />

‘organização administrativa e judiciária, m atéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração<br />

dos Territórios’; - dado que tal dispositivo refere-se exclusivamente aos territórios fe<strong>de</strong>rais. Prece<strong>de</strong>ntes<br />

citados: ADinMC 2.304-RS (D J U <strong>de</strong> 15-12-2000); ADinM C 352-DF (DJU <strong>de</strong> 8-3-1991)” (STF - Pleno - ADinMC<br />

n2 2.392/ES - ReL Min. M oreira Alves, 28-3-2001 -Inform ativo STF n2 2 2 2 ,26 a 30 mar. 2001, p. 1).


Processo Legislativo 6 6 7<br />

à iniciativa para os projetos <strong>de</strong> lei em matéria tributária.1O legislador constituinte consagrou,<br />

em matéria tributária, a concorrência <strong>de</strong> iniciativa entre Executivo e Legislativo.<br />

Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que<br />

“a Constituição <strong>de</strong> 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo<br />

legislativo em tema <strong>de</strong> <strong>direito</strong> tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa<br />

na medida em que - por implicar limitação ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> instauração do processo<br />

legislativo - <strong>de</strong>ve, necessariamente, <strong>de</strong>rivar <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> explícita e<br />

inequívoca. O ato <strong>de</strong> legislar sobre <strong>direito</strong> tributário, ainda que para conce<strong>de</strong>r<br />

benefícios jurídicos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m fiscal, não se equipara - especialmente para os fins<br />

<strong>de</strong> instauração do respectivo processo legislativo - ao ato <strong>de</strong> legislar sobre o orçamento<br />

do Estado”.12<br />

Essa regra, por configurar norma geral <strong>de</strong> processo legislativo, é aplicável aos Estados,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, cujos respectivos diplomas legislativos <strong>de</strong>vem, obrigatoriamente,<br />

consagrar a iniciativa concorrente para matéria tributária.<br />

3 .1 .3 Em enda que aum enta a d e sp e sa em projeto <strong>de</strong> in icia tiva exclusiva<br />

do ch efe do Po<strong>de</strong>r Executivo ou que <strong>de</strong>snature o projeto original<br />

Os projetos <strong>de</strong> lei enviados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República à Câmara dos Deputados,<br />

quando <strong>de</strong> sua iniciativa exclusiva, em regra, po<strong>de</strong>rão ser alterados, através <strong>de</strong> emendas<br />

apresentadas pelos parlamentares, no exercício <strong>constitucional</strong> da ativida<strong>de</strong> legiferante,<br />

própria ao Po<strong>de</strong>r Legislativo.3 Há, entretanto, exceções no texto <strong>constitucional</strong>, uma vez<br />

que não são permitidas emendas que não guar<strong>de</strong>m qualquer pertinência temática com a<br />

matéria tratada, <strong>de</strong>snaturando-o por completo, bem como aquelas que visem ao aumento<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa prevista nos projetos <strong>de</strong> iniciativa exclusiva do Presi<strong>de</strong>nte da República, sendo<br />

que em ambas as hipóteses haverá flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da norma inserida, por<br />

emenda parlamentar, em projeto <strong>de</strong> iniciativa exclusiva do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo,4 por<br />

flagrante ofensa ao princípio <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e harmonia entre os Po<strong>de</strong>res da República.5<br />

1 Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Processo legislativo: matéria tributária: inexistência <strong>de</strong><br />

reserva <strong>de</strong> iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § I a, II, b, da Constituição, que diz<br />

respeito exclusivamente aos Territórios Fe<strong>de</strong>rais” (STF - Pleno - ADin na 2.304-7/RS - Medida Liminar - Rei.<br />

Min. Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Seção 1,15 <strong>de</strong>z. 2000, p. 61).<br />

2 STF - Pleno - AD in ne 724-6/RS - m edida liminar - ReL Min. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção 1,27<br />

abr. 2001, p. 56-57.<br />

3 STF - Pleno - A D I 2583/RS e ADI 2813/RS - Rei. M in. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: l 2-8-2011; S T F - I a T. - Rextr.<br />

ns 140542-2/RJ - ReL M ia limar Galvão, Diário da Justiça, Seção 1,25 out. 1996, p. 41.038; B TJ157/465.<br />

4 “É form alm ente in<strong>constitucional</strong> norm a resultante <strong>de</strong> em enda parlamentar que esten<strong>de</strong> a outras categorias<br />

<strong>de</strong> servidores públicos vantagens remuneratórias que o projeto <strong>de</strong> lei encaminhado pelo Executivo concedia, <strong>de</strong><br />

form a restrita, a<strong>de</strong>term inado segmento do funcionalismo. Ofensa aos arts. 61, § I a, I, a e c, e 63,1, da CF. A din<br />

816-SC, Rei. Min. lim ar G alvão, 22-8-96." - Informativo STF, Brasília, 19 a 23 ago. 1996.<br />

5 STF - Pleno - Adin n“ 873/RS - Medida Cautelar - Rei. M in. Paulo Brossard; R TJ148/701.


668 Direito Constitucional • Moraes<br />

Porém, a própria exceção não se aplica na matéria orçamentária, pois o art. 166,<br />

§§ 3a e 4fi, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, permite a apresentação <strong>de</strong> emendas que aumentem as<br />

<strong>de</strong>spesas, no projeto <strong>de</strong> lei do orçamento anual ou projetos que o modifiquem, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

compatíveis com o plano plurianual e com a lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias, bem como<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que indiquem os recursos necessários para o aumento <strong>de</strong>stas <strong>de</strong>spesas.<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “as normas constitucionais <strong>de</strong><br />

processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio <strong>de</strong> emendas<br />

parlamentares, dos projetos <strong>de</strong> lei enviados pelo chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo no exercício <strong>de</strong><br />

sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Po<strong>de</strong>r Legislativo brasileiro esbarra, porém, em<br />

duas limitações: (a) a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o parlamento veicular matérias diferentes das<br />

versadas no projeto <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong> modo a <strong>de</strong>sfigurá-lo; e (b) a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as emendas<br />

parlamentares aos projetos <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte da República, ressalvado o<br />

disposto no § 3fi e no § 4fi do art. 166, implicarem aumento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa pública (inciso I<br />

do art. 63 da CF) ,” 1<br />

3 .1 .4 Vício <strong>de</strong> Iniciativa e sanção<br />

Outra questão importante referente aos projetos <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> iniciativa exclusiva do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República é saber se a sanção presi<strong>de</strong>ncial supre o vício <strong>de</strong> iniciativa na<br />

apresentação do projeto. Assim, supondo que um projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> iniciativa exclusiva<br />

do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo tenha sido apresentado por um parlamentar, discutido e<br />

aprovado pelo Congresso Nacional, quando remetido à <strong>de</strong>liberação executiva, a eventual<br />

aquiescência do Presi<strong>de</strong>nte da República, por meio da sanção, estaria suprindo o inicial<br />

vício formal <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>?<br />

Acreditamos não ser possível suprir o vício <strong>de</strong> iniciativa com a sanção, pois tal vício<br />

macula <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> toda a formação da lei, não po<strong>de</strong>ndo ser convalidado pela futura<br />

sanção presi<strong>de</strong>ncial. A Súmula 5 do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,12 que previa posicionamento<br />

diverso, foi abandonada em 1974, no julgamento da Representação n° 890-GB,3<br />

permanecendo, atualmente, a posição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pela impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> convalidação,4 pois como advertia Marcelo Caetano,<br />

“um projeto resultante <strong>de</strong> iniciativa in<strong>constitucional</strong> sofre <strong>de</strong> um pecado original,<br />

que a sanção não tem a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> apagar, até porque, a par das razões jurídicas,<br />

militamos fortes motivos políticos que <strong>de</strong>terminassem a exclusivida<strong>de</strong> da iniciativa<br />

1 STF, Pleno, AD I 3.114, Rei. Min. Ayres Britto, julgam ento em 24-8-2005, DJ <strong>de</strong> 7-4-2006. Conferir, ainda:<br />

STF, Pleno, ADI 2.583, Rei. M in. Cármen Lúcia, julgam ento em l°-8-2011, DJE <strong>de</strong> 26-8-2011.<br />

2 Súmula 5: “A sanção d o projeto supre a falta d e iniciativa d o Po<strong>de</strong>r Executivo.”<br />

3 FTJ 69/629 - EMENTA: “ A sanção não supre a falta <strong>de</strong> iniciativa exvi do disposto no art. 57, parágrafo único,<br />

da Constituição, que alterou o <strong>direito</strong> anterior.” No mesmo sentido: FTJ 157/460.<br />

4 Neste sentido a jurisprudência do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF - Pleno - A d in nQ1.201-1/RO - medida<br />

lim inar - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1, 9 jun. 1995, p. 17.227).


Processo Legislativo 669<br />

presi<strong>de</strong>ncial, cujo afastamento po<strong>de</strong>ria conduzir a situações <strong>de</strong> intolerável pressão<br />

sobre o Executivo”.1<br />

3 .1.5 Iniciativa <strong>de</strong> le i do M inistério P ú b lico<br />

O novostatus <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência, autonomia e imprescindibilida<strong>de</strong> ao<br />

Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, conferido ao Ministério Público em 1988, foi reforçado<br />

pela concessão <strong>de</strong> iniciativa para <strong>de</strong>flagrar o processo legislativo, po<strong>de</strong>ndo, inclusive,<br />

propor a criação e a extinção dos cargos da instituição e <strong>de</strong> seus serviços auxiliares, com<br />

provimento obrigatório por concurso público <strong>de</strong> provas e provas e títulos, para a iniciativa<br />

das respectivas leis complementares (CF, arts. 127, § 2a, e 128, § 5a).<br />

Além disso, mesmo em relação à matéria orçamentária, apesar da iniciativa das leis<br />

que <strong>de</strong>finem o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual (CF,<br />

arts. 84, XXIII, e 165) pertencerem ao Po<strong>de</strong>r Executivo, o Ministério Público possui dotação<br />

orçamentária própria, <strong>de</strong>vendo receber mensalmente os recursos <strong>de</strong>terminados no<br />

orçamento (CF, arts. 127, § 3a, e 168).<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu hipótese <strong>de</strong> iniciativa legislativa concorrente para apresentação<br />

<strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral que disporá sobre a organização do Ministério Público da<br />

União, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios (CF, art. 61, § I a, II, d e art. 128, § 5a). Assim,<br />

apesar do art. 61 prever as hipóteses <strong>de</strong> iniciativa privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República, o<br />

próprio texto <strong>constitucional</strong> ressalvou no § 5a do art. 128 a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrência<br />

do Procurador-Geral da República. A previsão <strong>de</strong> iniciativa concorrente do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, em face do novo posicionamento <strong>constitucional</strong> e ampliação da in<strong>de</strong>pendência<br />

do Parquet, sofre ressalvas por parte do Ministro Sepúlveda Pertence, que afirma:<br />

“Testemunho eloquente <strong>de</strong>sse esforço <strong>de</strong> composição entre o futuro projetado e o<br />

passado renitente, é a esdrúxula concorrência <strong>de</strong> iniciativa entre o Procurador-geral<br />

e o Presi<strong>de</strong>nte da República para a lei complementar <strong>de</strong> organização do Ministério<br />

Público da União (CF, arts. 128, § 5a, e 61, § I a, II, d).”12<br />

Essa dicotomia, em relação à iniciativa para apresentação do projeto <strong>de</strong> lei complementar<br />

<strong>de</strong> organização do Ministério Público da União, já foi interpretada pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, on<strong>de</strong> se apontou que o legislador constituinte estabeleceu uma concorrência<br />

entre o Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 61, § I a, II, d) e o Procurador-Geral da<br />

República (CF, art. 128, § 5a).<br />

Em relação à criação <strong>de</strong> cargos, porém, como salientado pelo Ministro Sepúlveda<br />

Pertence,<br />

“a iniciativa da criação por lei <strong>de</strong> cargos do Ministério Público é predicado explícito<br />

da sua autonomia (CF, art. 127, § 2a) e, por isso, iniludivelmente privativa dos seus<br />

próprios órgãos diretivos, em particular, do seu chefe”.3<br />

1 CAETANO, Marcelo. Direito... Op. cit. v. 2, p. 34; MEIRELLES, H ely Lopes. Estudos e parecer es... Op. cit. v.<br />

8. p. 22-36.<br />

2 F T J 147/126.<br />

3 Voto do Rei. Min. Sepúlveda Pertence no MS 21.239; FTJ 147/126.


670 Direito Constitucional • Moraes<br />

Da mesma forma, faculta-se com exclusivida<strong>de</strong> aos Procuradores-Gerais <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong><br />

cada Estado-membro a iniciativa para lei complementar que estabelecerá a organização,<br />

as atribuições e o estatuto <strong>de</strong> cada Ministério Público (CF, art. 128, § 5a).<br />

3.1.6 In iciativa popular <strong>de</strong> le i<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou como instrumento <strong>de</strong> exercício da soberania popular<br />

(CF, art. 14, m ) a iniciativa popular <strong>de</strong> lei, que po<strong>de</strong>rá ser exercida pela apresentação<br />

à Câmara dos Deputados <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei subscrito por, no mínimo, um por cento do<br />

eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos <strong>de</strong> três<br />

décimos por cento dos eleitores <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>les, conforme preceitua o § 2a, do art. 61,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Interessante ressaltar que as Constituições estaduais <strong>de</strong>vem prever, nos termos do<br />

§ 4a do art. 27 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a iniciativa popular <strong>de</strong> lei estadual. Assim, por<br />

exemplo, a Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua alteração<br />

por proposta <strong>de</strong> cidadãos, mediante iniciativa popular assinada, no mínimo, por 1% dos<br />

eleitores. Igualmente, a Constituição do Estado da Bahia permite iniciativa popular para<br />

propositura <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong>, ao prever no art. 31 que “O controle dos atos<br />

administrativos será exercido pelos Po<strong>de</strong>res Legislativo, Executivo e Judiciário e pela socieda<strong>de</strong><br />

civil, na forma da lei e através <strong>de</strong> iniciativa popular <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> emenda a esta<br />

Constituição e <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei estadual.”<br />

3 .1.7 In icia tiva <strong>de</strong> le i para fixação <strong>de</strong> su b síd io s dos M inistros do Suprem o<br />

Tribunal Fed era l (teto salarial)<br />

Nos termos dos arts. 48, XV e 96, II, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com redação dada<br />

pela EC na 41/03, a fixação dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral-teto<br />

salarial do funcionalismo, nos termos do inciso X I, do art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral - será<br />

estabelecida por lei ordinária, <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte do STF, tendo sido revogada<br />

a previsão <strong>de</strong> fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por lei <strong>de</strong><br />

iniciativa conjunta dos Presi<strong>de</strong>ntes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral e do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que havia sido criada pela EC na 19/98, porém<br />

jamais concretizada.<br />

Determina a Constituição, com a redação da EC na 41/03, que a remuneração e o<br />

subsídio dos ocupantes <strong>de</strong> cargos, funções e empregos públicos da administração direta,<br />

autárquica e fundacional, dos membros <strong>de</strong> qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios, dos <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> mandato eletivo e dos <strong>de</strong>mais<br />

agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos<br />

cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou <strong>de</strong> qualquer outra natureza,<br />

não po<strong>de</strong>rão exce<strong>de</strong>r o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados<br />

e no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Po<strong>de</strong>r Executivo, o<br />

subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Po<strong>de</strong>r Legislativo e o subsídio<br />

dos Desembargadores do Tribunal <strong>de</strong> Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco<br />

centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal


Processo Legislativo 6 7 1<br />

Fe<strong>de</strong>ral, no âmbito do Po<strong>de</strong>r Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério<br />

Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos (CF, art. 37, X I). Relembre-se, que, nos<br />

termos da EC ne 47/05, os estados-membros e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, por meio <strong>de</strong> emendas às<br />

suas respectivas Constituições estaduais e Lei Orgânica Distrital, po<strong>de</strong>m lixar seus subtetos,<br />

no sentido <strong>de</strong> estabelecer um limite único piara todos os servidores estaduais ou distritais,<br />

exceptuando-se os parlamentares. Esse limite será o subsídio dos Desembargadores do<br />

Tribunal <strong>de</strong> Justiça (90,25% do subsídio dos Ministros do STF).<br />

Esse teto salarial, porém, será fixado pior meio <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral ordinária, editada pelo<br />

Congresso Nacional, a partir <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Observe-se que somente lei ordinária pio<strong>de</strong>rá fixar o teto <strong>de</strong> remuneração bruta do<br />

funcionalismo público, sendo incabível a edição <strong>de</strong> Decreto do Executivo, ou mesmo Resoluções<br />

do Legislativo ou do Judiciário, sob piena <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal,1pois<br />

essa é matéria expressamente sujeita à reserva <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> lei em sentido formal.12<br />

Diferentemente, piorém, do teto salarial fixado piela EC nB19/98, a atual previsão da<br />

EC n2 41/03 é autoaplicável, piois conforme seu art. 8B, até que seja fixado o teto remu-<br />

neratório geral, correspion<strong>de</strong>nte ao valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, será consi<strong>de</strong>rado, para os fins <strong>de</strong> limite remuneratório, o valor da maior remuneração<br />

atribuída pior lei na data da publicação da emenda <strong>constitucional</strong> a Ministro do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a título <strong>de</strong> vencimento, <strong>de</strong> representação mensal e da parcela<br />

recebida em razão <strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> serviço.<br />

3.2 Fase constitutiva<br />

Nesta fase, uma vez apresentado o projeto <strong>de</strong> lei ao Congresso Nacional, haverá<br />

ampla discussão e votação sobre a matéria nas duas Casas, <strong>de</strong>limitando-se o objeto a ser<br />

aprovado ou mesmo rejeitado pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo. Além da ativida<strong>de</strong> legislativa, na<br />

chamada <strong>de</strong>liberação parlamentar, caso o projeto <strong>de</strong> lei seja aprovado pelas duas Casas<br />

Legislativas, haverá participação do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, por meio do exercício do<br />

veto ou da sanção (<strong>de</strong>liberação executiva).<br />

3 .2 .1 D eliberação parlam entar<br />

O projeto <strong>de</strong> lei seguirá, na respectiva Casa Legislativa, para a fase da instrução, nas<br />

comissões (CF, art. 58, § 2e, I), on<strong>de</strong> será analisada inicialmente sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

1 Nesse sentido: KTJ150/374; 157/460; 163/530, S T F - Pleno - Adin n» 1.396/SC - Rei. Min. Marco Aurélio,<br />

<strong>de</strong>cisão: 8 jun. 1998 - Informativo STF n° 114, jun. 1998. Observe se que, apesar <strong>de</strong>sses prece<strong>de</strong>ntes referirem<br />

se à antiga redação do inciso XI, do art. 37, da CF, parece nos totalmente aplicável na situação atual.<br />

2 Decisão administrativa do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, comunicada pela Presidência à Procuradoria Geral <strong>de</strong><br />

Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo e divulgada pela Associação Paulista do Ministério Público em jun. 1998. Para<br />

conferir a ín tegra da <strong>de</strong>cisão, ver Capítulo 9, item 3.1.


6 7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

e posteriormente seu mérito, nas chamadas, respectivamente, Comissão <strong>de</strong> Constituição<br />

e Justiça e Comissões Temáticas.1<br />

Ressalte-se que a análise da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do projeto <strong>de</strong> lei será realizada tanto<br />

na Câmara dos Deputados, através <strong>de</strong> sua Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e <strong>de</strong> Redação,<br />

quanto no Senado Fe<strong>de</strong>ral, através da Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania,<br />

cabendo-lhes, precipuamente, a análise dos aspectos constitucionais, legais, jurídicos,<br />

regimentais ou <strong>de</strong> técnica legislativa dos projetos, emendas ou substitutivos, bem como<br />

admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> emenda à Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12 O mesmo ocorrerá em<br />

relação ao m érito nas Comissões temáticas, havendo possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong><br />

emendas, tanto por parte dos Deputados Fe<strong>de</strong>rais quanto pelos Senadores da República.<br />

Aprovado nas comissões, se necessário for, o projeto seguirá para o plenário da Casa<br />

<strong>de</strong>liberativa principal, on<strong>de</strong> será discutido e votado, uma vez que o art. 58, § 22,1, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral permite às comissões a votação <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei que dispensar, na<br />

forma do respectivo regimento, a competência do Plenário, ressalvada a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

recurso <strong>de</strong> um décimo dos membros da casa.<br />

Tratando-se <strong>de</strong> lei ordinária, a aprovação do projeto <strong>de</strong> lei condiciona-se à maioria<br />

simples dos membros da respectiva Casa, ou seja, somente haverá aprovação pela maioria<br />

dos votos, presente a maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros, nos termos do art. 47, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Note-se que o quorum <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> maioria simples correspon<strong>de</strong> a<br />

um número variável, pois <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong> quantos parlamentares estiverem presentes, este<br />

número po<strong>de</strong>rá alterar-se. O que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige é um quorum mínimo para<br />

instalação da sessão. Dessa forma, presentes, no mínimo, a maioria absoluta dos membros<br />

da respectiva Casa Legislativa, o projeto <strong>de</strong> lei po<strong>de</strong>rá ser posto em votação, aplicandose<br />

como quorum <strong>de</strong> votação3 a maioria dos presentes. Devemos, portanto, diferenciar o<br />

quorum para instalação da sessão, do quorum <strong>de</strong> votação <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei ordinária.4<br />

1 O art. 32 do Regim en to Interno da Câmara dos Deputados estabelece as Comissões Perm anentes e respectivos<br />

campos tem áticos ou áreas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, sendo elas: Comissão d e A gricu ltu rae Política Rural, Comissão <strong>de</strong> Ciência<br />

e Tecnologia, Comunicação e Inform ática, Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça e <strong>de</strong> Redação, Comissão <strong>de</strong> Defesa<br />

do Consumidor, M eio A m biente e M inorias, Comissão <strong>de</strong> D efesa Nacional, Comissão d e Econom ia, indústria e<br />

C om ércio, Comissão <strong>de</strong> Educação, Cultura e Desporto, Comissão d e Finanças e Tributação, Comissão d e Minas e<br />

Energia, Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores, Comissão <strong>de</strong> Segurida<strong>de</strong> Social e Fam ília, Comissão <strong>de</strong> Trabalho, <strong>de</strong><br />

Adm inistração e S erviço Pú blico e Comissão <strong>de</strong> V ia çã o e Transporte, D esenvolvim ento Urbano e Interior. Por sua<br />

vez, o art. 72, do R egim ento In tern o d o Senado Fe<strong>de</strong>ral, estabelece as seguintes comissões perm anentes: Comissão<br />

<strong>de</strong> Assuntos Econôm icos, Comissão <strong>de</strong> Assuntos Sociais, Comissão d e Constituição, Justiçae Cidadania, Comissão<br />

<strong>de</strong> Educação, Comissão <strong>de</strong> Relações Exteriores e Defesa Nacional e Comissão <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> Infraestrutura.<br />

2 A rt. 32, III, d o R egim en to Interno da Câm ara dos D eputados e art. 101 d o R egim en to In tern o d o Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral.<br />

3 “ T em os dois gêneros <strong>de</strong> votação: o ostensivo, su bdividido em sim bólico e n om inal; e o secreto. O sim bólico<br />

realiza-se, geralm en te, conservando-se sentados os parlam entares favoráveis ao p rojeto, e levantan do-se os<br />

contrários. N a vo ta ç ã o n om inal, os congressistas respon<strong>de</strong>m sim ou não ao p ro jeto , à m edida que são cham ados.<br />

A votação secreta verifica-se p or m e io <strong>de</strong> cédulas, q u e são lançadas em u rn a colocada em cabine in<strong>de</strong>vassável.<br />

N o Senado, tam bém se po<strong>de</strong> votar secretam ente p or m eio elétrico, e, nas com issões, com esferas” (S A M PA IO ,<br />

Nelson <strong>de</strong> Souza. O processo legislativo. Op. cit. p. 121 ).<br />

4 Assim , p or exem plo, se estiverem presentes os 513 <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, terem os quorum para instalação da<br />

sessão, e para a aprovação do projeto <strong>de</strong> lei ordin ária h averá n ecessida<strong>de</strong> da m a io ria dos presentes, ou seja, 257<br />

<strong>de</strong>putados. Porém , se estiverem presentes 300 <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais, igu alm ente terem os quorum para instalação<br />

da sessão, porém a aprovação do p rojeto <strong>de</strong> le i ordin ária dar-se-ia com 151 votos.


Processo Legislativo 673<br />

Uma vez, e somente se aprovado o projeto <strong>de</strong> lei por uma das Casas, seguirá para a<br />

outra, que exercerá o papel <strong>de</strong> Casa Revisora. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que o<br />

projeto <strong>de</strong> lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno <strong>de</strong> discussão<br />

e votação (CF, art. 65, caput).<br />

Na Casa Revisora, igualmente, o projeto <strong>de</strong> lei será analisado pelas Comissões, discutido<br />

e votado.<br />

Se o projeto <strong>de</strong> lei for aprovado nos mesmos termos da Casa Inicial, seguirá para o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

Se, porém, o projeto <strong>de</strong> lei for rejeitado, a matéria nele constante somente po<strong>de</strong>rá<br />

constituir objeto <strong>de</strong> novo projeto na próxima sessão legislativa. Esta regra é excetuada, no<br />

caso da reapresentação mediante proposta da maioria absoluta dos Deputados Fe<strong>de</strong>rais<br />

ou dos Senadores da República, conforme anota o art. 67 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Caso o projeto <strong>de</strong> lei seja aprovado com alterações, haverá retorno <strong>de</strong>stas alterações<br />

à Casa Legislativa inicial para análise e votação em um único turno.1Na Casa Inicial, as<br />

alterações passarão novamente pela Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça, seguindo, posteriormente,<br />

a votação. As emendas da Casa Legislativa Revisora ao projeto <strong>de</strong> lei aprovado<br />

na Casa Legislativa Inicial não são suscetíveis <strong>de</strong> modificações por meio <strong>de</strong> subemenda,<br />

fazendo-se sua discussão e votação, em regra, globalmente, salvo se qualquer comissão<br />

manifestar-se favoravelmente a uma e contrariamente a outras, caso em que a votação<br />

se fará em grupos, segundo os pareceres, ou se for aprovado <strong>de</strong>staque para a votação <strong>de</strong><br />

qualquer emenda. As exceções, porém, só se aplicam se a emenda da Casa Revisora for<br />

suscetível <strong>de</strong> divisão.12<br />

Importante ressaltar que em face do princípio do bicameralismo, qualquer emenda<br />

ao projeto aprovado por uma das Casas, haverá, obrigatoriamente, que retornar à outra,<br />

para que se pronuncie somente sobre esse ponto, para aprová-lo ou rejeitá-lo, <strong>de</strong> forma<br />

<strong>de</strong>finitiva. Dessa forma, o posicionamento da Casa que iniciar o processo legislativo (Deliberação<br />

Principal) prevalecerá nesta hipótese.<br />

Observe-se que os projetos <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>verão, sempre, ser aprovados por ambas as Câmaras.<br />

Somente no caso <strong>de</strong> aprovação com emendas é que retornará à Casa iniciadora. Se houver<br />

aprovação, por uma das Casas e rejeição por parte <strong>de</strong> outra, o projeto <strong>de</strong> lei será arquivado,<br />

somente po<strong>de</strong>ndo ser reapresentado nos termos do art. 67, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral somente relativiza essa necessida<strong>de</strong> na hipótese <strong>de</strong> apro<br />

vação, pela Câmara revisora, <strong>de</strong> emendas <strong>de</strong> redação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o conteúdo da proposta<br />

não tenha sido alterado.4<br />

1 No entendimento do STF, quando a “alteração não importou em mudança substancial do sentido do texto”,<br />

não há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno à Casa Inicial (STF - Pleno - Adin n5 2.666-6/DF - Rei. Min. Ellen Gracie, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,6 <strong>de</strong>z. 2002, p. 51; STF - Pleno - Adin n2 2.238-5 - Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 21 maio 2002, p. 651.<br />

2 Arts. 2 8 5 ,2 8 6 e 2 8 7 d o Regim ento Interno d o Senado Fe<strong>de</strong>ral. Conferir, nesse sentido: STF - Pleno - m edida<br />

cautelar - Adin n °2 .182 -6/D F -R el. Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 mar. 2004, p. 16.<br />

3 Conferir, a respeito: STF - Pleno - ADI 2.182/DF - Rei. p/Acórdão Min. Carmem Lúcia, DJe, 9-9-2010.<br />

4 R T J 182/3; RTJ 188/1; STF - Pleno - m edida cautelar - Adin n “ 3.472/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence -<br />

Informativo STF na 392, p. 3.


674 Direito Constitucional • Moraes<br />

Após a aprovação do projeto <strong>de</strong> lei pelo Congresso Nacional, esse seguirá para o<br />

autógrafo que constitui o instrumento formal consubstanciador do texto <strong>de</strong>finitivamente<br />

aprovado pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, <strong>de</strong>vendo refletir, com fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, em seu conteúdo intrínseco,<br />

o resultado da <strong>de</strong>liberação parlamentar, antes <strong>de</strong> ser remetido ao Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República.1O autógrafo equivale a cópia autêntica da aprovação parlamentar do projeto<br />

<strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vendo refletir as transformações introduzidas na proposição legislativa.12<br />

A. Emendas parlamentares<br />

Emenda é a proposição apresentada, com exclusivida<strong>de</strong>, pelos parlamentares, como<br />

acessória <strong>de</strong> outra, sendo a principal as propostas <strong>de</strong> emenda à Constituição; os projetos<br />

<strong>de</strong> lei ordinária; os projetos <strong>de</strong> lei complementar; os projetos <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo; os<br />

projetos <strong>de</strong> resolução. As emendas são supressivas, aditivas, aglutmativas, modificativas,<br />

substitutivas e <strong>de</strong> redação.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>staca que “o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> emendar - que não constitui<br />

<strong>de</strong>rivação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iniciar o processo <strong>de</strong> formação das leis - qualifica-se como prerrogativa<br />

<strong>de</strong>ferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício,<br />

às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral”.4<br />

Emendas supressivas são aquelas que <strong>de</strong>terminam a erradicação <strong>de</strong> qualquer parte<br />

da proposição principal.<br />

Emendas aditivas são aquelas que acrescentam algo à proposição principal. Por sua<br />

vez, as emendas aglutinativas resultam da fusão <strong>de</strong> outras emendas, ou a <strong>de</strong>stas com o<br />

texto original, por transação ten<strong>de</strong>nte à aproximação dos respectivos objetos.<br />

Emendas modificativas são aquelas que alteram a proposição sem a modificar substancialmente.<br />

Existem, ainda, as emendas substitutivas, que são apresentadas como sucedâneo a<br />

parte <strong>de</strong> outra proposição, que tomará o nome <strong>de</strong> “substitutivo” quando a alterar, substancial<br />

ou formalmente, em seu conjunto; consi<strong>de</strong>rando-se alteração formal aquela que<br />

visar exclusivamente ao aperfeiçoamento legislativo.<br />

Por fim, temos as emendas <strong>de</strong> redação, que se constitui na apresentada para sanar<br />

vício <strong>de</strong> linguagem, incorreção <strong>de</strong> técnica legislativa ou lapso manifesto.<br />

1 STF - Adin na 1393-9/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,9 out. 1996, p. 38.138.<br />

2 O Ministro Celso <strong>de</strong> M ello Filho salienta que se constarem no autógrafo normas, que, n o processo <strong>de</strong> elaboração<br />

legislativa, haviam sido form alm ente excluídas, mediante emenda supressiva, do texto do projeto apreciado<br />

pelo Congresso Nacional, “haverá transgressão à disciplina <strong>constitucional</strong> do processo <strong>de</strong> form ação das leis, pois<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República não po<strong>de</strong> sancionar texto <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei cujo autógrafo contenha, in<strong>de</strong>vidam ente,<br />

cláusulas que foram expressamente suprimidas pelo Congresso Nacional, na fase da <strong>de</strong>liberação parlamentar” ,<br />

sob pena <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (STF - Adin n2 1393-9/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção<br />

1,9 out. 1996, p. 38.138).<br />

3 Conferir em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> em endas parlam entares: STF, Pleno, A D I 3.114, Rei. M in. Ayres<br />

Britto, julgam ento em 24-8-2005, DJ <strong>de</strong> 7-4-2006; STF, Pleno, ADI 2.583, ReL Min. Cármen Lúcia, julgam ento<br />

em l 2-8-2011,DJ£ <strong>de</strong> 26-8-2011.<br />

4 STF - Pleno - ADI n ° 973-7/AP - m edida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,19<br />

<strong>de</strong>z. 2006, p. 34.


Processo Legislativo 6 7 5<br />

Aos titulares da iniciativa extraparlamentar não se admite a apresentação <strong>de</strong> emendas,<br />

mesmo porque atribuição inerente à função legiferante, porém como recordaManoel<br />

Gonçalves Ferreira Filho,<br />

“aos titulares extraparlamentares da iniciativa se tem tolerado que, por meio <strong>de</strong><br />

mensagens aditivas, alterem o projeto que remeteram. Todavia, como salienta José<br />

Afonso da Silva, o próprio nome dado a essas mensagens já revela os seus limites<br />

naturais. Por elas, não po<strong>de</strong> o titular extraparlamentar da iniciativa suprir ou substituir<br />

dispositivos, só po<strong>de</strong>... acrescentar dispositivos na propositura original. E isso<br />

se justifica porque os novos dispositivos po<strong>de</strong>m ser consi<strong>de</strong>rados não modificação<br />

do proposto, mas nova proposição. Assim, para realmente modificar o projeto, só<br />

há um caminho - retirá-lo e apresentá-lo <strong>de</strong> novo, reformulado”.1<br />

B. Prazo para <strong>de</strong>liberação parlamentar - regime <strong>de</strong> urgência<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, como regra, não fixou prazo para que o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

exerça sua função legiferante. Dessa forma, salvo os prazos impróprios eventualmente<br />

fixados no regimento interno <strong>de</strong> cada uma das Casas, inexiste expressa <strong>de</strong>terminação<br />

<strong>constitucional</strong>.<br />

Porém, há uma exceção prevista no art. 64, § 1®, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que estabelece<br />

o chamado “regime <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong>” ou “processo legislativo sumário”.12<br />

O regime <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong> (CF, art. 64, §§ 1® a 4®) <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong><br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, ao qual é concedida a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitar urgência para<br />

apreciação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> sua iniciativa, seja privativa, seja concorrente. Neste caso, nos<br />

termos do já citado art. 64, caput, a Câmara dos Deputados realizará a <strong>de</strong>liberação principal,<br />

cabendo ao Senado Fe<strong>de</strong>ral a <strong>de</strong>liberação revisional.<br />

Dessa forma, dois são os requisitos constitucionais para este procedimento legislativo<br />

especial: projetos <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte da República e solicitação sua ao Congresso<br />

Nacional.<br />

Cada uma das Casas Legislativas terá o prazo <strong>de</strong> 45 (quarenta e cinco) dias, sucessivamente,<br />

para apreciação do projeto <strong>de</strong> lei. Além disso, a apreciação <strong>de</strong> eventuais emendas<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral (como Casa Revisora) pela Câmara dos Deputados <strong>de</strong>verá ser feita no<br />

prazo <strong>de</strong> 10 (<strong>de</strong>z) dias.<br />

Assim, o processo legislativo sumário não po<strong>de</strong>rá exce<strong>de</strong>r 100 (cem) dias. A própria<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece sanção para o <strong>de</strong>scumprimento dos prazos fixados. Então,<br />

se a Câmara dos Deputados ou Senado Fe<strong>de</strong>ral não se manifestarem, cada qual, sucessivamente,<br />

em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será incluída na or<strong>de</strong>m do<br />

dia, sobrestando-se a <strong>de</strong>liberaçãoquanto aos <strong>de</strong>mais assuntos, com exceção das matérias<br />

que tenham prazo <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>terminado (por exemplo: medidas provisórias), até<br />

que se ultime a votação.<br />

1 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Do processo legislativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 205.<br />

2 O regim e <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong> não exclui o pedido <strong>de</strong> urgência para apreciação d e <strong>de</strong>terminado projeto<br />

<strong>de</strong> lei no âmbito <strong>de</strong> cada uma das Casas Legislativas, porém essa disciplina é regim ental. O Regim ento Interno<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral p revê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urgência no art. 336, enquanto o Regim ento Interno da Câmara dos<br />

Deputados disciplina o assunto no art. 152.


6 7 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ocorrência do processo legislativo sumário durante o recesso<br />

do Congresso Nacional, nem tampouco para apreciação <strong>de</strong> projetos <strong>de</strong> código.<br />

3 .2 .2 D eliberação executiva<br />

Após o término da <strong>de</strong>liberação parlamentar, o projeto <strong>de</strong> lei aprovado pelo Congresso<br />

Nacional é remetido à <strong>de</strong>liberação executiva, on<strong>de</strong> será analisado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

po<strong>de</strong>ndo este vetá-lo ou sancioná-lo. O exercício da sanção ou veto do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República incidirá sobre o texto formalmente consubstanciado no autógrafo, que <strong>de</strong>ve<br />

retratar fielmente o projeto aprovado pelo Congresso Nacional.1<br />

A existência da participação do Po<strong>de</strong>r Executivo, além dos casos <strong>de</strong> iniciativa, nesta<br />

fase da feitura das leis, justifica-se pela i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> inter-relacionamento entre os Po<strong>de</strong>res do<br />

Estado, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controles recíprocos. Como salientado por Kildare Gonçalves<br />

Carvalho, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> veto equilibra na sistemática presi<strong>de</strong>ncial a falta <strong>de</strong> prerrogativa do<br />

Presi<strong>de</strong>nte para dissolver a Câmara, existente no sistema parlamentarista.12<br />

A. Sanção<br />

É a aquiescência do Presi<strong>de</strong>nte da República aos termos <strong>de</strong> um projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>vidamente<br />

aprovado pelo Congresso Nacional. Po<strong>de</strong>rá ser expressa, nos casos em que o<br />

Presi<strong>de</strong>nte manifesta-se favoravelmente, no prazo <strong>de</strong> 15 dias úteis, ou tácita, quando<br />

silencia nesse mesmo prazo.<br />

A sanção também po<strong>de</strong>rá ser total ou parcial, conforme concor<strong>de</strong> ou não com a<br />

totalida<strong>de</strong> do projeto <strong>de</strong> lei já aprovado pelo Parlamento.<br />

Havendo sanção, o projeto <strong>de</strong> lei segue para a fase complementar.<br />

B . V e to (C F, a rt. 6 6 , caput e J J I a, 2 a, 4a, 5 a e 6 a)<br />

É a manifestação <strong>de</strong> discordância do Presi<strong>de</strong>nte da República com o projeto <strong>de</strong> lei<br />

aprovado pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, no prazo <strong>de</strong> 15 (quinze) dias úteis, iniciando-se sua<br />

contagem com o recebimento do projeto <strong>de</strong> lei por parte do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo.3<br />

O dia inicial não se conta, excluindo-se da contagem; inclui-se, porém , o dia do<br />

término.4<br />

A natureza jurídica do veto é outro dos muitos pontos que não encontram unanimida<strong>de</strong><br />

na doutrina <strong>constitucional</strong>, existindo inúmeros juristas <strong>de</strong>fensores da tese <strong>de</strong> tratar-se<br />

1 STF - Adin ne 1393-9/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 9 out. 1996, p. 38.138.<br />

2 CARVALHO, Kildare Gonçalves. T é c n ic a le g is la tiv a . Belo Horizonte: D el Rey, 1993. p. 92.<br />

3 Apesar das diferenças existentes entre o parlamentarismo português e o presi<strong>de</strong>ncialismo brasileiro, também<br />

lá o Presi<strong>de</strong>nte da República tem a im portante função <strong>de</strong> vetar os projetos <strong>de</strong> lei. Com o salientam Canotilho<br />

e Moreira, “assume naturalm ente im portância <strong>de</strong>cisiva o veto dos diplomas da Assem bléia da República e do<br />

Governo (CRP, art. 139), que é um acto livre do Presi<strong>de</strong>nte da República, tanto mais que, em muitos casos, a<br />

superação parlamentar do veto requer uma maioria exigente, ao passo que o Governo não tem nenhum m eio<br />

<strong>de</strong> o ultrapassar” (O s p o d e r e s d o p r e s id e n te ... Op. cit. p. 53).<br />

4 RODRIGUES, Ernesto. O v e to n o d ir e ito c o m p a r a d o . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 160.


Processo Legislativo 6 7 7<br />

<strong>de</strong> um <strong>direito</strong>,1outros os enten<strong>de</strong>m como um po<strong>de</strong>r;12 havendo ainda tese intermediária<br />

que consagra o veto como um po<strong>de</strong>r-<strong>de</strong>ver do Presi<strong>de</strong>nte da República.3 *5<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá discordar do projeto <strong>de</strong> lei, ou por entendê-lo in<strong>constitucional</strong><br />

(aspecto formal) ou contrário ao interesse público (aspecto material). No<br />

primeiro caso teremos o chamado veto jurídico, enquanto no segundo, o veto político.<br />

Note-se que po<strong>de</strong>rá existir o veto jurídico-político.<br />

O veto é irretratável, pois uma vez manifestado e comunicadas as razões ao Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, tornar-se-á insuscetível <strong>de</strong> alteração <strong>de</strong> opinião do Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

B . l Características do veto<br />

1. Expresso: sempre <strong>de</strong>corre da manifestação <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong> do Presi<strong>de</strong>nte, no prazo <strong>de</strong><br />

15 (quinze) dias úteis, pois, em caso <strong>de</strong> silêncio, a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina<br />

a ocorrência da sanção.<br />

2. Motivado ou formalizado: o veto há <strong>de</strong> ser sempre motivado, a fim <strong>de</strong> que se conheçam<br />

as razões que conduziram à discordância, se referentes à in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou à falta <strong>de</strong> interesse público ou, até se por ambos os motivos. Esta exigência <strong>de</strong>corre<br />

da necessida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Legislativo, produtor último da lei, <strong>de</strong> examinar as razões que<br />

levaram o Presi<strong>de</strong>nte da República ao veto, analisando-as para convencer-se <strong>de</strong> sua mantença<br />

ou <strong>de</strong> seu afastamento, com a consequente <strong>de</strong>rrubada do veto. Além disso, o veto é<br />

formal, pois <strong>de</strong>verá ser feito por escrito, juntamente com suas razões.<br />

3. Total ou parcial: o Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá vetar total ou parcialmente<br />

o projeto <strong>de</strong> lei aprovado pelo Legislativo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que esta parcialida<strong>de</strong> somente alcance<br />

texto integral <strong>de</strong> artigo, <strong>de</strong> parágrafo, <strong>de</strong> inciso ou <strong>de</strong> alínea. Dessa forma, impossível o<br />

veto <strong>de</strong> palavras, frases ou orações isoladas, pois a prática <strong>constitucional</strong> mostrou que<br />

o veto parcial, incidindo sobre qualquer parte do projeto como previsto na Constituição<br />

revogada, <strong>de</strong>svirtuava, muitas vezes, o sentido da proposta legislativa e transformava o<br />

Presi<strong>de</strong>nte em legislador.<br />

A razão da existência do veto parcial é recordada por Manoel Gonçalves Ferreira<br />

Filho, e visa aten<strong>de</strong>r a uma necessida<strong>de</strong> universal, qual seja, fornecer ao Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

os meios necessários para expurgar dos textos legislativos as <strong>de</strong>nominadas ri<strong>de</strong>rs (causas<br />

legais), que constituíam disposições que, sem conexão com a matéria principal tratada,<br />

1 N o <strong>direito</strong> brasileiro: Pinto Ferreira, Alcino Pinto Falcão. N o <strong>direito</strong> com parado: Georges Bur<strong>de</strong>au ( Droit<br />

c o n s t it u t io n n e l e t in s t it u t io n s p o lit iq u e s . 7. ed. Paris: Librarie G énérale <strong>de</strong> Droit et <strong>de</strong> Jurispru<strong>de</strong>nce, p. 230);<br />

Joseph Barthélem y (L e r o le d u p o u v o i r e x é c u t if d o n s les r e p u b liq u e s m o d e r n e s . Paris: Giard et Brière, 1906, p.<br />

157), Manuel Garcia Pelayo (D e r e c h o c o n s t it u c io n a l c o m p a r a d o . 3. e d Madri: Revista do Oci<strong>de</strong>nte, 1953, p, 184).<br />

2 No <strong>direito</strong> brasileiro: Oswaldo Trigueiro (Os p o d e re s d o p r e s id e n te da república: estudos sobre a constituição<br />

brasileira. Rio <strong>de</strong> Janeiro: FGV, s. d. p. 79); M anoel Gonçalves Ferreira Filho. N o <strong>direito</strong> comparado: A ntonio<br />

A m orth (C o r s o d i d i r it t o c o n s t it u z io n a le c o m p a r a t o . Milão: AntoninoG iuffrè, 1947. p. 67) ;H en ry Campbell Black<br />

(T h e r e la d o n o f t h e e x e c u tiv e p o w e r to le g is la tio n . USA: Princeton University Press, 1919. p. 101). Nesse sentido,<br />

conferir: STF - m edida cautelar - Mandado <strong>de</strong> Segurança n° 24.675-8/DF - ReL Mim Cezar Peluzo, Diário da<br />

J u s tiç a , Seção 1 ,18 mar. 2004, p. 11.<br />

5 Assim s e manifestam Pontes d e Miranda e Bernard Schwartz (Direito <strong>constitucional</strong> americano. R io <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Forense, 1955. p. 129-131).


678 Direito Constitucional • Moraes<br />

eram enxertadas pelos parlamentares, forçando o Presi<strong>de</strong>nte da República a aceitá-las,<br />

sancionando-as, sob pena <strong>de</strong> fulminar todo o projeto com o veto total.1<br />

4. Supressivo: o veto brasileiro somente po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>terminar a erradicação <strong>de</strong> qualquer<br />

artigo, parágrafo, inciso ou alínea, não existindo a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> adicionar-se algo no<br />

texto do projeto <strong>de</strong> lei.<br />

5. Superável ou relativo: diz-se que o veto é superável ou relativo porque não encerra<br />

<strong>de</strong> modo absoluto o andamento do projeto <strong>de</strong> lei, uma vez que po<strong>de</strong>rá ser afastado pela<br />

maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto, em sessão conjunta<br />

do Congresso Nacional. O veto apenas impe<strong>de</strong> a imediata conversão do projeto <strong>de</strong> lei em<br />

lei, sem, porém, prejudicar a sua posterior análise pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, que po<strong>de</strong>rá,<br />

rejeitando-o, ultimar a elaboração da espécie normativa.<br />

C. Tramitação do veto<br />

Havendo veto do Presi<strong>de</strong>nte da República ao projeto <strong>de</strong> lei, esse retornará ao Congresso<br />

Nacional, on<strong>de</strong>, nos termos já analisados, será reapreciado pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

Se houver sanção parcial, somente o texto vetado retornará ao Congresso Nacional<br />

para <strong>de</strong>liberação. A parte sancionada <strong>de</strong>verá ser, no prazo <strong>de</strong> 48 horas, promulgada e<br />

publicada.<br />

A votação sobre a manutenção ou <strong>de</strong>rrubada do veto será realizada em escrutínio<br />

aberto,12 para garantia <strong>de</strong> transparência e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle dos eleitores para efetivida<strong>de</strong><br />

da soberania popular. A EC n® 76, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2013, aboliu a votação<br />

secreta nos casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação sobre os vetos presi<strong>de</strong>nciais.<br />

Se o veto for superado, pela maioria absoluta dos Deputados e Senadores, a lei será<br />

remetida, novamente, ao Presi<strong>de</strong>nte da República, para promulgação.<br />

Se, porém, for mantido, o projeto <strong>de</strong> lei será arquivado, não havendo possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> nova e posterior análise por parte do Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong>ste mesmo veto, pois a confirmaçãoparlamentardas<br />

razões subjacentes ao veto governamental importa em extinção<br />

<strong>de</strong>finitiva do processo legislativo e impe<strong>de</strong>, consequentemente, a reabertura das fases<br />

procedimentais.3<br />

Observe-se que, esgotado sem <strong>de</strong>liberação o prazo <strong>de</strong> 30 (trinta) dias úteis, o veto<br />

será colocado na or<strong>de</strong>m do dia da sessão imediata, sobrestadas as <strong>de</strong>mais proposições<br />

existentes em sessão conjunta do Congresso Nacional, até sua votação finaL4 Não há, porém,<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância da or<strong>de</strong>m cronológica dos vetos, conforme <strong>de</strong>cidiu<br />

cautelarmente o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.5<br />

1 FERREIRA FILHO, M an oel Gonçalves. Processo... Op. ciL p. 217.<br />

2 E C n ° 76, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novem bro <strong>de</strong> 2013.<br />

3 Neste sentido: STF - Pleno - A din na 1.254-1/RJ - m edida lim inar - Rei. M in. Celso d e M ello, Diário da<br />

Justiça, Seção 1 ,18 ago. 1995, p. 24.894.<br />

4 Conferir EC n° 32/01, qu e <strong>de</strong>u nova redação ao § 6a, do art. 66.<br />

5 STF, Pleno, MS 31816AgR-M C/D F,rel.orig. Min. I.uiz Fux, red.p/ o acórdão M in. Teori Zavascki, 27-2-2013.


Processo Legislativo 6 7 9<br />

3.3 Fase complementar<br />

A fase complementar compreen<strong>de</strong> a promulgação e a publicação da lei, sendo que a<br />

primeira garante a executorieda<strong>de</strong> à lei, enquanto a segunda lhe dá notorieda<strong>de</strong>. Como<br />

recorda Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“a obrigatorieda<strong>de</strong> da lei <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> sua publicação. O ato promulgatório confere à<br />

lei certeza quanto à sua existência e autenticida<strong>de</strong>. Dele também emana a presunção<br />

juris tantum (relativa) <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei promulgada”.1<br />

3 .3 .1 Prom ulgação<br />

Promulgar é atestar que a or<strong>de</strong>m jurídica foi inovada, <strong>de</strong>clarando que uma lei existe<br />

e, em consequência, <strong>de</strong>verá ser cumprida. Assim, a promulgação inci<strong>de</strong> sobre um ato<br />

perfeito e acabado, ou seja, sobre a própria lei, constituindo mera atestação da existência<br />

da lei e promulgação <strong>de</strong> sua executorieda<strong>de</strong>.12<br />

Assim, o projeto <strong>de</strong> lei torna-se lei, ou com a sanção presi<strong>de</strong>ncial, ou mesmo com a<br />

<strong>de</strong>rrubada do veto por parte do Congresso Nacional, uma vez que a promulgação refere-<br />

-se à própria lei.3<br />

Em regra, é o próprio Presi<strong>de</strong>nte da República que promulga a lei, mesmo nos casos<br />

em que seu veto ha ja sido <strong>de</strong>rrubado pelo Congresso Nacional. Para tanto, a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral fixa um prazo <strong>de</strong> 48 horas, contados da sanção expressa ou tácita ou da comunicação<br />

da rejeição do veto, findo o qual, a competência transfere-se ao Presi<strong>de</strong>nte do<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral e, se este não promulgá-la no mesmo prazo, fa-lo-á o Vice-Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 66, § 7a).<br />

3 .3 .2 P u blicação<br />

A publicação consiste em uma comunicação dirigida a todos os que <strong>de</strong>vem cumprir<br />

o ato normativo, informando-os <strong>de</strong> sua existência e <strong>de</strong> seu conteúdo, constituindo-se,<br />

atualmente, na inserção do texto promulgado no Diário Oficial, para que se torne <strong>de</strong> conhecimento<br />

público a existência da lei, pois é condição <strong>de</strong> eficácia da lei.<br />

Igualmente à promulgação, competirá ao Presi<strong>de</strong>nte da República a publicação da lei<br />

ordinária, embora como ressalte Manoel Gonçalves Ferreira Filho, isto não esteja expresso<br />

na Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 227.<br />

2 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Processo... Op. cit. p. 241.<br />

3 Esta opinião é compartilhada por José Afonso da Silva, Michel Temer, M anoel Gonçalves Ferreira Filho, Pontes<br />

<strong>de</strong> Miranda, entre outros ilustres <strong>constitucional</strong>istas. Em posição contrária, enten<strong>de</strong>ndo que a prom ulgação<br />

inci<strong>de</strong> sobre op ro jeto <strong>de</strong> lei, transformando-o em lei, po<strong>de</strong>mos citar, <strong>de</strong>ntre outros preclaros juristas Nelson <strong>de</strong><br />

Souza Sampaio, para quem a prom ulgação é o ato que transforma o projeto em lei, sendo ato essencial para o<br />

nascimento da lei.


680 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

Uma vez publicada a lei, no silêncio do texto, entrará em vigência após 45 (quarenta<br />

e cinco) dias em todo o País, e, nos Estados estrangeiros, três meses <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> publicada<br />

(LiCC, art. l s), no lapso temporal <strong>de</strong>nominado vacatio legis. A própria lei, porém, po<strong>de</strong>rá<br />

estabelecer a data <strong>de</strong> início <strong>de</strong> sua vigência, sendo costumeiramente fixada <strong>de</strong> forma<br />

imediata.<br />

Ressalte-se, porém, que a Lei Complementar n® 95, <strong>de</strong> 26-2-1998, que dispõe sobre<br />

a elaboração, redação e a consolidação das leis, conforme <strong>de</strong>termina o parágrafo único<br />

do art. 59 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, estabelece normas para a consolidação dos atos normativos<br />

que menciona, estabelece em seu art 8® que a urgência da lei será indicada <strong>de</strong><br />

forma expressa e <strong>de</strong> modo a contemplar prazo razoável para que <strong>de</strong>la se tenha amplo<br />

conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data <strong>de</strong> sua publicação” para as<br />

leis <strong>de</strong> pequena repercussão.<br />

4 E S P É C IE S NORMATIVAS<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece como espécies normativas: emendas à constituição,<br />

leis complementares, leis ordinárias, leis <strong>de</strong>legadas, medidas provisórias, Decretos-<br />

-legislativos e as resoluções.<br />

A enumeração do art. 59, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, traz as espécies normativas primárias,<br />

ou seja, aquelas que retiram seu fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> diretamente da Carta Magna.<br />

O parágrafo único do citado art. 59, prevê que a lei complementar disporá sobre a<br />

elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.1<br />

Analisaremos as características <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong>las, bem como os seus diversos processos<br />

legislativos especiais.<br />

4.1 Emendas constitucionais<br />

O legislador constituinte <strong>de</strong> 1988, ao prever a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração das normas<br />

constitucionais através <strong>de</strong> um processo legislativo especial e mais dificultoso que o ordinário,<br />

<strong>de</strong>finiu nossa Constituição Fe<strong>de</strong>ral como rígida, fixando-se a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> supremacia<br />

da or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>. Aliás, seguiu a tradição em nosso Direito Constitucional, pois<br />

todas as constituições republicanas brasileiras têm sido rígidas, com exceção da natureza<br />

dupla da Carta <strong>de</strong> 1937, que era “flexível quando o projeto <strong>de</strong> reforma fosse <strong>de</strong> iniciativa<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República; rígida quando a iniciativa fosse da Câmara dos Deputados”.12<br />

Como explica Maria Helena Diniz,<br />

“o fato do preceito <strong>constitucional</strong> submeter-se a <strong>de</strong>terminadas formalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

produção e alteração é importante para a fixação <strong>de</strong> sua eficácia, pois se pu<strong>de</strong>sse ser<br />

1 Lei Com plem entar n2 95, <strong>de</strong> 26-2-1998, que dispõe sobre o assunto.<br />

2 SAMPAIO, Nelson <strong>de</strong> Souza. Op. ciL p. 101.


Processo Legislativo 6 8 1<br />

modificada sem que houvesse processo especial, comprometida ficaria a produção<br />

concreta <strong>de</strong> seus efeitos jurídicos” .1<br />

A alterabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, embora se possa traduzir na alteração <strong>de</strong> muitas disposições<br />

da constituição, sempre conservará um valor integrativo, no sentido <strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>ixar substancialmente idêntico o sistema originário da constituição. A revisão serve,<br />

pois, para alterar a constituição mas não para mudá-la, uma vez que não será uma reforma<br />

<strong>constitucional</strong> o m eio propício para fazer revoluções constitucionais. A substituição <strong>de</strong><br />

uma constituição por outra exige uma renovação do po<strong>de</strong>r constituinte e esta não po<strong>de</strong> ter<br />

lugar, naturalmente, sem uma ruptura <strong>constitucional</strong>, pois é certo que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

alterabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, permitida ao Congresso Nacional, não autoriza o inaceitável<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> violar o sistema essencial <strong>de</strong> valores da constituição, tal como foi explicitado<br />

pelo po<strong>de</strong>r constituinte originário.<br />

A emenda à Constituição Fe<strong>de</strong>ral, enquanto proposta, é consi<strong>de</strong>rada um ato infra<strong>constitucional</strong><br />

sem qualquer normativida<strong>de</strong>,12 só ingressando no or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

após sua aprovação, passando então a ser preceito <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> mesma hierarquia<br />

das normas constitucionais originárias.<br />

Tal fato é possível, pois a emenda à constituição é produzida segundo uma forma e<br />

versando sobre conteúdo previamente limitado pelo legislador constituinte originário. Dessa<br />

maneira, se houver respeito aos preceitos fixados pelo art 60 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

a emenda <strong>constitucional</strong> ingressará no or<strong>de</strong>namento jurídico com status <strong>constitucional</strong>,<br />

<strong>de</strong>vendo ser compatibilizada com as <strong>de</strong>mais normas originárias. Porém, se qualquer das<br />

limitações impostas pelo citado artigo for <strong>de</strong>srespeitada, a emenda <strong>constitucional</strong> será<br />

in<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>vendo ser retirada do or<strong>de</strong>namento jurídico através das regras <strong>de</strong><br />

controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, por inobservarem as limitações jurídicas estabelecidas<br />

na Carta Magna.3<br />

Desta forma, plenamente possível a incidência do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

difuso ou concentrado, sobre emendas constitucionais, a fim <strong>de</strong> verificar-se sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou não, a partir da análise do respeito aos parâmetros fixados no art. 60 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral para alteração <strong>constitucional</strong>.4<br />

1 D IN IZ, M aria H elena. Op. cit. p. 141.<br />

2 K T J 136/25.<br />

3 Neste sentido, vo to d o M inistro Celso d e M ello d o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Atos d e revisão <strong>constitucional</strong><br />

- tanto quanto as em endas à Constituição - po<strong>de</strong>m , assim, tam bém incidir no v íc io <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

configurando este pela inobservância <strong>de</strong> limitações jurídicas superiormente estabelecidas no texto da Carta Política<br />

por <strong>de</strong>lib eração do órgão exercente das funções constituintes prim árias ou origin árias (BACHOF, O tto. Normas<br />

constitucionais inconstitucionais. Coim bra: Atlântica, 1977. p. 52-54; M IR A N D A , Jorge. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

<strong>constitucional</strong>. Coim bra: Coim bra, t. 2, item 2, 1988. p. 287-294; DINIZ, M aria Helena. Norm a <strong>constitucional</strong> e<br />

seus efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 97; C A N O TILH O , J. J. Gom es Canotilho. Direito <strong>constitucional</strong>. 4. ed.<br />

Coim bra: A lm edina, 1987. p. 756-758; SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> positivo. 5. ed. São<br />

Paulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 58-60, en tre outros) in KTJ 153/786.<br />

4 STF - Plen o - A din n° 829-3/DF - Rei. Min. M o reira A lves - <strong>de</strong>cisão 14-4-93. A citada ação d ireta d e in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

referia-se à Emenda Constitucional nQ2, <strong>de</strong> 25-8-1992; STF - Pleno - A d in n ° 939-7/DF<br />

- Rei. M in. S ydn ey Sanches, Ementário STF n° 1730-10 (m edid a cautelar in KTJ 150/68), re fere n te à Em enda<br />

Constitucional n° 3, <strong>de</strong> 17-3-1993; STF Plen o A d in n° 1 .8 0 5 / D F -m ed id a ca u te la r-R e i. Min. N é ri da Silveira,<br />

26-3-98 - Informativo STF nQ104, capa, referen te à Em enda Constitucional n° 16, <strong>de</strong> 4-6-1997. STF - P len o -


6 8 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Portanto, o Congresso Nacional, no exercício do Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado reformador,<br />

submete-se às limitações constitucionais.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral traz duas gran<strong>de</strong>s espécies <strong>de</strong> limitações ao Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reformá-<br />

-la, as limitações expressas e implícitas.<br />

As limitações expressamente previstas no texto <strong>constitucional</strong>, por sua vez, subdivi<strong>de</strong>m-se<br />

em três subespécies: circunstanciais, materiais e formais; enquanto os limites<br />

implícitos do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reforma, que são os que <strong>de</strong>rivam, no dizer <strong>de</strong> Nelson <strong>de</strong> Souza<br />

Sampaio, dos limites expressos, divi<strong>de</strong>m-se em dois grupos: as normas sobre o titular do<br />

po<strong>de</strong>r constituinte reformador e as disposições relativas à eventual supressão das limitações<br />

expressas.<br />

4 .1 .1 Quadro geral sobre lim ita çõ es ao po<strong>de</strong>r reform ador<br />

Materiais<br />

{“cláusulas pétreas” - CF, art.<br />

60, § 4°-.<br />

Expressas Circunstanciais CF, art. 60, § 1».<br />

Emendas<br />

Constitucionais<br />

Limitações .<br />

{referentes ao processo<br />

legislativo - CF, art. 6 0 ,1, II<br />

e III, §§ 2°, 3 ° e 5 “.<br />

Supressão das expressas.<br />

Implícitas<br />

Alteração do titular do po<strong>de</strong>r constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado reformador.<br />

4 .1 .2 Lim ita çõ e s exp ressa s<br />

São aquelas previstas textualmente pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A. Materials<br />

Não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta <strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte a abolir a forma fe<strong>de</strong>rativa<br />

<strong>de</strong> Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Po<strong>de</strong>res; os<br />

<strong>direito</strong>s e garantias individuais.*12 *Tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição<br />

Adin ne 1.946/DF - m edida cautelar - Rei. Min. Sydney Sanches, 7-4-99 - Informativo STF n9 144, referente à<br />

Emenda Constitucional n9 20, <strong>de</strong> 15-12-98 (R eform a Previ<strong>de</strong>n ciária).<br />

1 STF - RE 587.008, ReL M ia Dias Toffoli, julgam ento em 2-2-2011, Plenário, DJE <strong>de</strong> 6-5-2011, com repercussão<br />

geral.<br />

2 STF - “ Mandado <strong>de</strong> segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong><br />

em enda <strong>constitucional</strong> que a im petração alega ser ten<strong>de</strong>nte à abolição da república (Obs.: na vigência da Cons-


Processo Legislativo 6 8 3<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>nominado tradidonalmente por “cláusulas pétreas”. Lembremo-nos, ainda, <strong>de</strong><br />

que a gran<strong>de</strong> novida<strong>de</strong> do referido art. 60 está na inclusão, entre as limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

reforma da Constituição, dos <strong>direito</strong>s inerentes ao exercício da <strong>de</strong>mocracia representativa<br />

e dos <strong>direito</strong>s e garantias individuais, que por não se encontrarem restritos ao rol do art.<br />

5a, resguardam um conjunto mais amplo <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s constitucionais <strong>de</strong> caráter individual<br />

dispersos no texto da Carta Magna.<br />

Neste sentido, <strong>de</strong>cidiu o SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral (Adin nQ939-7/DF) ao consi<strong>de</strong>rar<br />

cláusula pétrea, e consequentemente imodificável, a garantia <strong>constitucional</strong> assegurada ao<br />

cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária),<br />

enten<strong>de</strong>ndo que ao visar subtraí-la <strong>de</strong> sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional<br />

n2 3, <strong>de</strong> 1993, <strong>de</strong>parando-se com um obstáculo intransponível,1contido no art. 60, § 4e,<br />

IV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, pois,<br />

“admitir que a União, no exercício <strong>de</strong> sua competência residual, ainda que por<br />

emenda <strong>constitucional</strong>, pu<strong>de</strong>sse excepcionar a aplicação <strong>de</strong>sta garantia individual<br />

do contribuinte, implica em conce<strong>de</strong>r ao ente tributante po<strong>de</strong>r que o constituinte<br />

expressamente lhe subtraiu ao vedar a <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> proposta <strong>de</strong> emenda à constituição<br />

ten<strong>de</strong>nte a abolir os <strong>direito</strong>s e garantias individuais <strong>constitucional</strong>mente<br />

assegurados”.2<br />

Importante, também, ressaltar que na citada Adin n2 939-07/DF, o Ministro Carlos<br />

Velloso3 referiu-se aos <strong>direito</strong>s e garantias sociais, <strong>direito</strong>s atinentes à nacionalida<strong>de</strong> e<br />

<strong>direito</strong>s políticos como pertencentes à categoria <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias individuais, logo,<br />

imodificáveis, enquanto o Ministro Marco Aurélio afirmou a relação <strong>de</strong> continência dos<br />

<strong>direito</strong>s sociais <strong>de</strong>ntre os <strong>direito</strong>s individuais previstos no art. 60, § 4fi, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral.4*1234<br />

tituição anterior, a m atéria ‘república’ também era cláusula p étrea ). Cabimento do mandado <strong>de</strong> segurança em<br />

hipóteses em qu e a vedação <strong>constitucional</strong> se dirige ao próprio processamento da lei ou da em enda, vedando<br />

sua apresentação (com o é o caso previsto no parágrafo único do artigo 57) ou a sua <strong>de</strong>liberação (com o na<br />

espécie). Nesses casos, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> diz respeito ao próprio andam ento do processo legislativo, e<br />

isso porque a Constituição não quer - em face da gravida<strong>de</strong> das <strong>de</strong>liberações, se consumadas - que sequer se<br />

chegue à <strong>de</strong>liberação proibindo-a taxativam ente. A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, se ocorrente, já existe antes <strong>de</strong> o<br />

projeto ou <strong>de</strong> a proposta se transformar em lei ou em em enda <strong>constitucional</strong>, porque o próprio processamento<br />

já <strong>de</strong>srespeita, frontalm ente a Constituição” (RTJ 99/1031) - Conferir a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle difuso <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, via mandado <strong>de</strong> segurança ajuizado por parlamentar, durante o processo legislativo, Capítu<br />

lo 12, itens 9.1.5 e 9.1.6.<br />

1 STF - Pleno - Adin n2 939-7/DF - Rei. Min. Sydney Sanches - medida ca u te la r-R T J 150/68-69.<br />

2 Trecho do voto do Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ementário<br />

n2 1730-10/STF.<br />

3 Trecho do voto, no já citado e m e n t á r io n2 1730-10.<br />

4 Trecho do voto, no já citado e m e n t á r io n2 1730-10: “ Tivem os, Senhor Presi<strong>de</strong>nte, o estabelecim ento <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s e garantias <strong>de</strong> uma form a geral. Refiro-m e àqueles previstos no rol, que não é exaustivo, do art. 52 da<br />

Carta, os que estão contidos, sob a nom enclatura <strong>direito</strong>s sociais” , no art. 72 e, também, em outros dispositivos<br />

da Lei Básica Fe<strong>de</strong>ral, isto sem consi<strong>de</strong>rar a regra do § 22, do art. 52, segundo o qual “os <strong>direito</strong>s e garantias<br />

expressos nesta Constituição não excluem outros <strong>de</strong>correntes do regim e e dos princípios por ela adotados...”<br />

Houve o agasalho, portanto, <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias explícitos e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e garantias implícitos. Na doutrina,<br />

no m esm o sentido: DANTAS, Ivo. C o n s t it u iç ã o ... Op. cit. p. 308.


6 8 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Analisando a questão das chamadas cláusulas pétreas e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das emendas constitucionais, Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s aponta<br />

que tais cláusulas <strong>de</strong> garantia traduzem, em verda<strong>de</strong>, um esforço do constituinte para<br />

assegurar a integrida<strong>de</strong> da constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem<br />

a <strong>de</strong>struição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, pois a<br />

constituição contribui para a continuida<strong>de</strong> da or<strong>de</strong>m jurídica fundamental, à medida<br />

que impe<strong>de</strong> a efetivação do término do Estado <strong>de</strong> Direito <strong>de</strong>mocrático sob a forma da<br />

legalida<strong>de</strong>, evitando-se que o constituinte <strong>de</strong>rivado suspenda ou mesmo suprima a própria<br />

constituição.1<br />

B .<br />

Circunstanciais<br />

São limitações que preten<strong>de</strong>m evitar modificações na constituição em certas ocasiões<br />

anormais e excepcionais do país, a fim <strong>de</strong> evitar-se perturbação na liberda<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pendência<br />

dos órgãos incumbidos da reforma. Dessa forma, durante a vigência do estado <strong>de</strong> sítio, Estado<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou <strong>de</strong> Intervenção Fe<strong>de</strong>ral não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração <strong>constitucional</strong>.<br />

As limitações circunstanciais não se confun<strong>de</strong>m com as chamadas limitações temporais,<br />

não consagradas por nossa Constituição Fe<strong>de</strong>ral e consistentes na vedação, por<br />

<strong>de</strong>terminado lapso temporal, <strong>de</strong> alterabilida<strong>de</strong> das normas constitucionais. Tal limitação<br />

era prevista na Constituição <strong>de</strong> 1824, cujo art. 174 <strong>de</strong>terminava:<br />

“Se passados quatro anos, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> jurada a Constituição do Brazil, se conhecer,<br />

que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual<br />

<strong>de</strong>ver ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada por terça parte <strong>de</strong>lles.”<br />

C. Procedim entais ou formais<br />

Referem-se às disposições especiais, em relação ao processo legislativo ordinário, que<br />

o legislador constituinte estabeleceu para permitir a alteração da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Dessa forma, partindo do estudo anterior do procedimento <strong>de</strong> feitura <strong>de</strong> uma lei ordinária,<br />

vejamos quais as diferenças na elaboração e aprovação <strong>de</strong> uma emenda à constituição.<br />

C . l Fase Introdutória<br />

A iniciativa para apresentação <strong>de</strong> uma proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> é mais<br />

restrita do que a existente no processo legislativo ordinário, permitindo-se somente ao<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República; a um terço, no mínimo e separadamente, dos membros da Câmara<br />

dos Deputados ou do Senado Fe<strong>de</strong>ral e a mais da meta<strong>de</strong> das Assembléias Legislativas<br />

das unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração, manifestando-se, cada uma <strong>de</strong>las, pela maioria relativa <strong>de</strong><br />

seus membros.<br />

C .2 Fase constitutiva<br />

1. Deliberação parlamentar: a proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> será discutida e<br />

votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, consi<strong>de</strong>rando-se aprovada<br />

se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.<br />

MENDES, Gilmar Ferreira Controle<strong>de</strong>... O p .cit. p. 95.


Processo Legislativo 6 8 5<br />

Dessa forma, ressalte-se o quorum diferenciado para aprovação, bem como a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> dupla votação em cada Casa Legislativa.<br />

2. Deliberação executiva: não existe participação do Presi<strong>de</strong>nte da República na<br />

fase constitutiva do processo legislativo <strong>de</strong> uma emenda <strong>constitucional</strong>, uma vez que o<br />

titular do po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado reformador é o Po<strong>de</strong>r Legislativo. Assim, não haverá<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sanção ou veto. A emenda <strong>constitucional</strong> aprovada pelas duas Casas<br />

do Congresso Nacional seguirá, diretamente, à fase complementar, para promulgação e<br />

publicação.<br />

3. Fase complementar: a promulgação será realizada, conjuntamente, pelas Mesas<br />

do Senado Fe<strong>de</strong>ral e da Câmara dos Deputados, com o respectivo número <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m. Sobre<br />

a publicação, o texto <strong>constitucional</strong> silencia, <strong>de</strong>vendo-se enten<strong>de</strong>r, entretanto, que essa<br />

competência é do Congresso Nacional.<br />

O art. 3a do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias previa um procedimento<br />

diferenciado para alteração da constituição, através <strong>de</strong> revisão, que iniciar-se-ia após<br />

cinco anos, contados da promulgação da constituição, pelo voto da maioria absoluta dos<br />

membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral. A revisão encerrou-se com apromulgação<br />

das seis emendas constitucionais <strong>de</strong> revisão (ECR), em 7-6 1994. Dessa forma,<br />

inadmissível, novamente, a utilização do procedimento <strong>de</strong> revisão.<br />

Por fim, ressalte-se ainda como limitação formal ou procedimental o § 5a do art. 60<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que expressamente veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> matéria constante <strong>de</strong><br />

proposta <strong>de</strong> emenda rejeitada ou havida por prejudicada ser objeto <strong>de</strong> nova proposta na<br />

mesma sessão legislativa.1<br />

4.1.3 Lim ita çõ es Im p lícita s<br />

Canotilho refere-se a certas garantias que preten<strong>de</strong>m assegurar a efetivida<strong>de</strong> das<br />

cláusulas pétreas como limites tácitos para aduzir que, às vezes,<br />

“as Constituições não contêm quaisquer preceitos limitativos do Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> revisão,<br />

mas enten<strong>de</strong>-se que há limites não articulados ou tácitos, vinculativos do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> revisão. Esses limites po<strong>de</strong>m ainda <strong>de</strong>sdobrar-se em limites textuais implícitos,<br />

<strong>de</strong>duzidos do próprio texto <strong>constitucional</strong>, e limites tácitos imanentes numa or<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong> valores pré-positiva, vinculativa da or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> concreta”.12<br />

A existência <strong>de</strong> limitação explícita e implícita que controla o Po<strong>de</strong>r Constituinte<br />

<strong>de</strong>rivado-reformador é, igualmente, reconhecida por Pontes <strong>de</strong> Miranda,3 Pinto Ferreira4<br />

1 Sobre o alcance <strong>de</strong>ssa limitação conferir importantíssima <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: Pleno - MS<br />

ns 22.503-3, Rei. para Acórdão Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 6 jun. 1997, p. 24.872. Nesse<br />

ju lgado o STF reafirm ou a existência do <strong>direito</strong> público subjetivo <strong>de</strong> não serem os congressistas obrigados a<br />

votar proposta <strong>de</strong> em enda <strong>constitucional</strong> que tiver violado esse preceito <strong>constitucional</strong> (cf. Capítulo 12 - itens<br />

9.1.5 e 9 .1.6).<br />

2 CANOTILHO, J .J . G om es.Direito... Op. cit.p . 1.135.<br />

3 I<strong>de</strong>m. p. 528.<br />

4 I<strong>de</strong>m . p. 192-195, 208-209.


686 Direito Constitucional • Moraes<br />

e Nelson <strong>de</strong> Souza Sampaio,1que entre outros ilustres publicistas salientam ser implicitamente<br />

irreformável a norma <strong>constitucional</strong> que prevê as limitações expressas (CF, art. 60),<br />

pois, se diferente fosse, a proibição expressa po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>saparecer, para, só posteriormente,<br />

<strong>de</strong>saparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas. Além disto, observa-se a inalterabilida<strong>de</strong><br />

do titular do Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado-reformador, sob pena <strong>de</strong> também afrontar a<br />

Separação dos Po<strong>de</strong>res da República.<br />

4.2 Lei complementar<br />

O art. 59 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral traz as leis complementares como espécie normativa<br />

diferenciada, com processo legislativo próprio e matéria reservada. Miguel Reale<br />

coloca-as como um<br />

“tertium genus <strong>de</strong> leis, que não ostentam a rigi<strong>de</strong>z dos preceitos constitucionais,<br />

nem tampouco <strong>de</strong>vem comportar a revogação (perda da vigência) por força <strong>de</strong><br />

qualquer lei ordinária superveniente”.12<br />

Assim, a razão <strong>de</strong> existência da lei complementar consubstancia-se no fato <strong>de</strong> o<br />

legislador constituinte ter entendido que <strong>de</strong>terminadas matérias, apesar da evi<strong>de</strong>nte importância,<br />

não <strong>de</strong>veríam ser regulamentadas na própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sob pena<br />

<strong>de</strong> engessamento <strong>de</strong> futuras alterações; mas, ao mesmo tempo, não po<strong>de</strong>ríam comportar<br />

constantes alterações através <strong>de</strong> um processo legislativo ordinário. O legislador constituinte<br />

preten<strong>de</strong>u resguardar <strong>de</strong>terminadas matérias <strong>de</strong> caráter infra<strong>constitucional</strong> contra<br />

alterações volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigi<strong>de</strong>z que impedisse a modificação<br />

<strong>de</strong> seu tratamento, assim que necessário.<br />

Para tanto, a lei complementar se diferencia da lei ordinária em dois aspectos: o<br />

material e o formal.<br />

4 .2 .1 L e i co m plem entar e le i ordinária - dife ren ça s<br />

São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira é material,<br />

uma vez que somente po<strong>de</strong>rá ser objeto <strong>de</strong> lei complementar a matéria taxativamente<br />

prevista na Constituição Fe<strong>de</strong>ral,3 enquanto todas as <strong>de</strong>mais matérias <strong>de</strong>verão ser objeto<br />

<strong>de</strong> lei ordinária.4 Assim, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral reserva <strong>de</strong>terminadas matérias cuja regu­<br />

1 SAMPAIO, Nelson <strong>de</strong> Souza. O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reforma <strong>constitucional</strong> mo<strong>de</strong>rno. 2. ed. Salvador: Imprensa O ficial,<br />

1961. p. 40, 80, 88.<br />

2 REALE, Miguel. Parlamentarismo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1962. p. 110.<br />

3 STF - 2 a T. - R E n °5 1 0 .3 4 8 -0 / G O -R el. Min. Cezar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,11 <strong>de</strong>z. 2006, p. 60.<br />

4 D agoberto Liberato Cantizano discorda <strong>de</strong>sse posicionam ento e afirm a que: “ Da análise <strong>de</strong> nosso Sistema<br />

Constitucional se po<strong>de</strong> concluir, com o fizeram diversos mestres <strong>de</strong> renome, que são tidas com o leis complementares<br />

aquelas a que a Constituição fez m enção expressa, como também admitir, como o fazemos, que aquela enumeração<br />

não é exaustiva, pois nenhum dispositivo expresso (com o o da Constituição francesa) existe que impeça a<br />

elaboração <strong>de</strong> outras leis complementares, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que elas tenham assento em preceito não autoaplicável (ou não<br />

autoexecutável) da Constituição Brasileira e venham a ser aprovadas pela m aioria absoluta indicada em seu art.


Processo Legislativo 6 8 7<br />

lamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio <strong>de</strong> lei complementar.1A segunda<br />

é formal e diz respeito ao processo legislativo, na fase <strong>de</strong> votação. Enquanto o quorum<br />

para aprovação da lei ordinária é <strong>de</strong> maioria simples (art. 47), o quorum para aprovação<br />

da lei complementar é <strong>de</strong> maioria absoluta (art. 69), ou seja, o primeiro número inteiro<br />

subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa por dois. Note-se que, nas votações<br />

por maioria absoluta, não <strong>de</strong>vemos nos fixar no número <strong>de</strong> presentes, mas sim no número<br />

total <strong>de</strong> integrantes da Casa Legislativa. Portanto, a maioria absoluta é sempre um número<br />

fixo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos parlamentares presentes.<br />

Por exemplo, a maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados será sempre<br />

257 <strong>de</strong>putados, enquanto no Senado Fe<strong>de</strong>ral será <strong>de</strong> 41 senadores, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />

número <strong>de</strong> parlamentares presentes à sessão, pois esses números correspon<strong>de</strong>m ao primeiro<br />

número inteiro subsequente à divisão dos membros da Casa Legislativa (Câmara = 513<br />

/ Senado = 81) por dois.<br />

4 .2 .2 P rocesso legislativo e sp e cia l da le i com plem entar<br />

O procedimento <strong>de</strong> elaboração da lei complementar segue o mo<strong>de</strong>lo padrão do processo<br />

legislativo ordinário, com a única diferença em relação à subfase <strong>de</strong> votação, pois<br />

como já salientado, o quorum será <strong>de</strong> maioria absoluta.<br />

Não será o <strong>de</strong>tentor da iniciativa legislativa, tampouco o Congresso Nacional que <strong>de</strong>terminará<br />

qual o procedimento a seguir, se o da lei ordinária ou se o da lei complementar.<br />

Isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá da matéria e da própria exigência constitucionaL<br />

4 .2 .3 Hierarquia - le i com plem entar e le i ordinária<br />

Discussão eternizada na doutrina, a eventual existência*12 ou não3 <strong>de</strong> hierarquia entre<br />

lei complementar e lei ordinária obteve <strong>de</strong> ambos os lados gran<strong>de</strong>s juristas e brilhantes<br />

argumentações.<br />

Neste ponto, porém, filiamo-nos ao argumento <strong>de</strong> Manoel Gonçalves Ferreira Filho,<br />

por consi<strong>de</strong>rá-lo imbatível, pedindo venia para transcrevê-lo na íntegra:<br />

50 (atual art. 6 9 ).” (In: O processo legislativo nas constituições brasileiras e no <strong>direito</strong> comparado. Rio <strong>de</strong> Janeiro:<br />

Forense, 1985. p. 227.)<br />

1 “A lei ordinária qu e dispõe a respeito <strong>de</strong> m atéria reservada à lei complementar usurpa competência fixada<br />

na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, incidindo no vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>” (STJ - 2a T. - Resp. nQ92.508/DF - Rei.<br />

Min. A ri Pargendler, Diário da Justiça, Seção 1,25 ago. 1997, p. 39.337). Por outro lado, não é in<strong>constitucional</strong><br />

a edição <strong>de</strong> lei form alm ente complementar em assunto materialm ente <strong>de</strong> lei ordinária (KTJ156/721, Rei. Min.<br />

M oreira Alves; STF - Pleno - A I n- 457.926-6/MG - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 6<br />

set. 2006, p. 38).<br />

2 M anoel Gonçalves Ferreira Filho, H aroldo Valadão, Pontes <strong>de</strong> Miranda, W ilson A ccioli, Nelson Sampaio,<br />

G eraldo Ataliba, en tre outros ilustres juristas.<br />

3 Celso Bastos, M ichel Temer, igualm ente, entre outros ilustres juristas. Afirm ando a inexistência <strong>de</strong> vínculo<br />

hierárquico entre lei complementar e lei ordinária: STF - 2a T. - RE nQ488.033-4/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,19 out. 2006, p. 103.


688 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

“É <strong>de</strong> se sustentar, portanto, que a lei complementar é um tertium genus interposto,<br />

na hierarquia dos atos normativos, entre a lei ordinária (e os atos que têm a mesma<br />

força que esta - a lei <strong>de</strong>legada e o <strong>de</strong>creto-lei1) e a Constituição (e suas emendas).<br />

Não é só, porém, o argumento <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> que apóia essa tese; a própria lógica<br />

o faz. A lei complementar só po<strong>de</strong> ser aprovada por maioria qualificada, a maioria<br />

absoluta, para que não seja, nunca, o fruto da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma minoria ocasionalmente<br />

em condições <strong>de</strong> fazer prevalecer sua voz. Essa maioria é assim um sinal<br />

certo da maior pon<strong>de</strong>ração que o constituinte quis ver associada ao seu estabelecimento.<br />

Paralelamente, <strong>de</strong>ve-se convir, não quis o constituinte <strong>de</strong>ixar ao sabor <strong>de</strong><br />

uma <strong>de</strong>cisão ocasional a <strong>de</strong>sconstituição daquilo para cujo estabelecimento exigiu<br />

pon<strong>de</strong>ração especial. Aliás, é princípio geral <strong>de</strong> Direito que, ordinariamente, um<br />

ato só possa ser <strong>de</strong>sfeito por outro que tenha obe<strong>de</strong>cido à mesma forma”,<br />

assim continua,<br />

“...a lei ordinária, o <strong>de</strong>creto-lei12 e a lei <strong>de</strong>legada estão sujeitos à lei complementar.<br />

Em consequência disso não prevalecem contra elas, sendo inválidas as normas que<br />

a contradisserem”.3<br />

A tese pela hierarquia da lei complementar sobre a lei ordinária (e os atos que têm<br />

a mesma força que esta - a lei <strong>de</strong>legada e a medida provisória) é fortemente criticada,<br />

alegando-se que ambas retiram seu fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> da própria constituição, bem<br />

como possuem diferentes campos materiais <strong>de</strong> competência.<br />

Em relação ao primeiro argumento, <strong>de</strong>vemos lembrar que todas as espécies normativas<br />

primárias retiram seu fundamento <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> da própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, inclusive<br />

as próprias Emendas Constitucionais, nem por isso se diga que estariam no mesmo patamar<br />

hierárquico que as <strong>de</strong>mais.<br />

O segundo argumento,4 tecnicamente corretíssimo, correspon<strong>de</strong> a uma das diferenças<br />

entre lei complementar e lei ordinária. Enquanto a primeira tem reservadas as matérias<br />

pelas quais po<strong>de</strong>rá ser editada, a segunda possui um campo residual <strong>de</strong> competência.<br />

Ocorre que o Direito como ciência não é estanque, e <strong>de</strong>terminada matéria reservada à<br />

lei complementar po<strong>de</strong>rá possuir tantas subdivisões, que em uma <strong>de</strong>las po<strong>de</strong>rá acabar<br />

confundindo-se com outra matéria residual a ser disciplinada por lei ordinária.<br />

Exemplifiquemos: O art. 79, parágrafo único, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que<br />

lei complementar po<strong>de</strong>rá disciplinar funções ao Vice-Presi<strong>de</strong>nte da República. Digamos<br />

que, editada a referida lei complementar, uma das funções, com base no art 90,1, da Carta,<br />

1 Em face da Constituição <strong>de</strong> 1988, que não previu a existência <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto-lei com o espécie norm ativa, a<br />

argumentação terá valida<strong>de</strong> para as medidas provisórias.<br />

2 H o je substituido pela m edida provisória.<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Do processo... Op. cit. p. 236-237.<br />

4 N o sentido <strong>de</strong>sse argum ento: STF - P len o - A I n° 457.926-6/MG - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,6 set. 2006, p. 38. N o mesmo sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF, afirm ando “a inexistência <strong>de</strong> vínculo<br />

hierárquico-norm ativo entre a lei com plem entar e a le i ordinária” , pois “ espécies legislativas que possuem<br />

cam pos <strong>de</strong> atuação materialm ente distintos” (STF - 2a T. - RE 587.648 ED/RS - RIO GRANDE DO SUL - Rei.<br />

Min. Celso d eM ello, DJe, 16-12-2010).


Processo Legislativo 6 8 9<br />

seja “coor<strong>de</strong>naras reuniõesdo Conselho daRepública”. Posteriormente, po<strong>de</strong>ria o Congresso<br />

Nacional, com fundamento no § 2fi do referido art. 90, regulamentar a organização e o<br />

funcionamento do Conselho da República e <strong>de</strong>terminar que a função <strong>de</strong> “coor<strong>de</strong>nação das<br />

reuniões” ficasse a cargo do Ministro da Justiça. Teríamos, então, uma mesma submatéria<br />

- coor<strong>de</strong>nação das reuniões do Conselho da República - fazendo parte <strong>de</strong> regulamentações<br />

da lei complementar e da lei ordinária.<br />

Nestes casos, não há como admitir-se que uma lei ordinária, aprovada por maioria<br />

simples, possa revogar a disciplina da lei complementar, aprovada por maioria absoluta<br />

dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

4.3 Medidas provisórias<br />

Historicamente, não há dúvidas <strong>de</strong> que o antece<strong>de</strong>nte imediato das atuais medidas<br />

provisórias é o antigo <strong>de</strong>creto-lei, previsto na constituição anterior, e instrumento<br />

legislativo larga e abusivamente utilizado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, que <strong>de</strong>tinha a<br />

competência para sua edição. Porém, o mo<strong>de</strong>lo utilizado foi a Constituição da República<br />

Italiana, 27-12-1947 (art. 77).<br />

O art. 77 da Constituição Italiana prevê os chamados <strong>de</strong>cretilegge in casi straordinari<br />

di necessità e d’urgenza (<strong>de</strong>cretos-lei em casos extraordinários <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> e urgência),<br />

prevendo que em caso extraordinário <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> e urgência, o Governo adotará, sob<br />

sua responsabilida<strong>de</strong>, providências provisórias com força <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vendo apresentá-las<br />

imediatamente à Câmara, para sua conversão. Estipula, ainda, que o <strong>de</strong>creto per<strong>de</strong>rá<br />

eficácia retroativamente se não houver a conversão em lei, no prazo <strong>de</strong> 60 dias <strong>de</strong> sua<br />

publicação, <strong>de</strong>vendo a Câmara regulamentar as relações jurídicas resultantes do <strong>de</strong>creto-<br />

-lei não convertido em lei.<br />

Apesar dos abusos efetivados com o <strong>de</strong>creto-lei, a prática <strong>de</strong>monstrou a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um ato normativo excepcional e célere, para situações <strong>de</strong> relevância e urgência. Preten<strong>de</strong>ndo<br />

regularizar esta situação e buscando tornar possível e eficaz a prestação legislativa<br />

do Estado,12 *o legislador constituinte <strong>de</strong> 1988 previu as chamadas medidas provisórias,<br />

espelhando-se no mo<strong>de</strong>lo italiano.<br />

1 Nesse sentido, posicionou-se o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: Pleno - Adin nQ1570/DF - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 12-2-2004, Informativo STF n9 336. Celso Bastos, apesar <strong>de</strong> posicionar-se pela ausência <strong>de</strong> hierarquia<br />

entre lei complementar e lei ordinária, expõe que “...o que vier disposto em lei complementar legítima<br />

não po<strong>de</strong> ser infringido pelas leis ordinárias. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> um caso manifesto <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> matérias.<br />

As leis complementares tornam-se as únicas aptas a versar certas matérias. Daí por que qualquer contrarieda<strong>de</strong><br />

que venham a encontrar por parte das <strong>de</strong>mais leis tem por causa, muito certamente, o estarem estas leis<br />

in<strong>de</strong>vidamente invadindo o campo material próprio das leis complementares” (Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> financeiro e <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> tributário. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 166). A discussão sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ordinária alterar<br />

lei complementar consi<strong>de</strong>rada materialmente ordinária está sendo discutida no Pleno do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (STF - 2a T. - RE nQ487.201-3/ES - Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção 1,11 set. 2006, p. 94).<br />

Conferir, ainda, sobre essa questão: STF - Pleno - RE nQ487.725-2/SP - Rei. M ia Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,14 set. 2006, p. 97.<br />

2 RAMOS, Saulo. Medida Provisória. A nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>: aspectos polêmicos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense,<br />

1990. p. 530.


6 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

A Emenda Constitucional nQ32, promulgada em 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001, prevendo<br />

as regras <strong>de</strong> processo legislativo, teve como finalida<strong>de</strong> diminuir a excessiva discricionarieda<strong>de</strong><br />

na edição <strong>de</strong> medidas provisórias, prevendo uma série <strong>de</strong> limitações materiais,<br />

bem como a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reedições sucessivas.<br />

4.3.1 Procedim ento da m edida provisória - aprovação integral<br />

O art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que, em caso <strong>de</strong> relevância e urgência,<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá adotar medidas provisórias, com força <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vendo<br />

submetê-las <strong>de</strong> imediato ao Congresso Nacional. Uma vez editada, a medida provisória<br />

permanecerá em vigor pelo prazo <strong>de</strong> 60 dias e será submetida, imediatamente, ao Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, para apreciação, nos termos dos 12 incisos do art. 62, incluídos pela EC nQ<br />

32/01, que disciplinam o processo legislativo especial das medidas provisórias.<br />

A Resolução ne 1, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002, dispõe sobre a apreciação, pelo Congresso<br />

Nacional, das medidas provisórias.1Em relação ao procedimento <strong>de</strong> análise e aprovação<br />

das medidas provisórias, a EC nQ32/01 não só alterou o novo prazo <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong><br />

vigência das medidas provisórias, como também o disciplinou <strong>de</strong> maneira diversa da<br />

redação original do texto <strong>constitucional</strong>.<br />

O prazo será contado da publicação da medida provisória, porém ficará suspenso<br />

durante os períodos <strong>de</strong> recesso do Congresso Nacional; diferentemente do que ocorria<br />

anteriormente, quando o Congresso <strong>de</strong>veria ser convocado extraordinariamente para<br />

reunir-se no prazo <strong>de</strong> cinco dias e <strong>de</strong>liberar sobre a medida provisória.<br />

Assim, a medida provisória po<strong>de</strong>rá excepcionalmente exce<strong>de</strong>r o prazo <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> 60 dias, se for editada antes do recesso parlamentar. Por exemplo, uma medida provisória<br />

publicada em 22 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro (último dia da sessão legislativa) somente per<strong>de</strong>rá<br />

sua vigência em 14 <strong>de</strong> março do ano seguinte, permanecendo em vigor por mais <strong>de</strong> 60<br />

1 A disciplina anterior do processo legislativo das medidas provisórias estava regulam entada nas Resoluções<br />

n051 e 2/89 do Congresso Nacional.


Processo Legislativo 6 9 1<br />

dias, em face da existência do recesso parlamentar <strong>de</strong> final <strong>de</strong> ano, que, a partir da EC nQ<br />

50, <strong>de</strong> 14-2-2006, se inicia em 23 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro e termina em I o <strong>de</strong> fevereiro.<br />

Havendo, porém, convocação extraordinária, enten<strong>de</strong>mos que o prazo <strong>constitucional</strong><br />

das medidas provisórias não ficará suspenso durante os trabalhos legislativos, em face da<br />

nova redação do § 8Q, do art. 57, que <strong>de</strong>termina sua inclusão automática na pauta <strong>de</strong> votação.<br />

Importante ressaltar que, se a medida provisória for editada durante o período <strong>de</strong><br />

recesso do Congresso Nacional, a contagem dos prazos ficarásuspensa, iniciando-se no primeiro<br />

dia <strong>de</strong> sessão legislativa ordinária ou extraordinária que se seguir à sua publicação.1<br />

A Resolução ns 1, <strong>de</strong> 8 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002, estabelece que nas 48 horas que se seguirem<br />

à publicação, no Diário Oficial da União, <strong>de</strong> Medida Provisória adotada pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, a Presidência da Mesa do Congresso Nacional fará publicar e distribuir avulsos<br />

da matéria e <strong>de</strong>signará Comissão Mista para emitir parecer sobre ela.<br />

Para cada medida provisória será composta uma comissão mista integrada por 12<br />

Senadores e Deputados e igual número <strong>de</strong> suplentes, indicados pelos respectivos Lí<strong>de</strong>res,<br />

obe<strong>de</strong>cida, tanto quanto possível, a proporcionalida<strong>de</strong> dos partidos ou blocos parlamentares<br />

em cada Casa, salvo na hipótese <strong>de</strong> medida provisória que abra crédito extraordinário<br />

à lei orçamentária anual (CF, arts. 62 e 167, § 3a), em que o exame e o parecer serão<br />

realizados pela Comissão Mista prevista no art. 166, § I a, da Constituição.<br />

A Comissão Mista terá o prazo improrrogável <strong>de</strong> 14 dias, contado dapublicaçãoda Medida<br />

P r o v is ó ria n o Diário Oficial da União para emitir parecer único, manifestando-se sobre a matéria,<br />

em itens separados, quanto aos aspectos <strong>constitucional</strong>, inclusive sobre os pressupostos<br />

<strong>de</strong> relevância e urgência, d e mérito e <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação financeira e orçamentária.<br />

Ressalte-se q u e a C o m is s ã o M is ta sempre <strong>de</strong>verá se manifestar sobre o mérito da<br />

medida provisória, m e s m o se e n t e n d e r n ã o atendidos os requisitos constitucionais, financeiros<br />

o u o rç a m e n tá r io s .<br />

A C o m is s ã o p o d e r á p o s ic io n a r -s e p e la a p r o v a ç ã o t o t a l ou p a r c ia l ou a lt e r a ç ã o d a<br />

m e d id a p r o v is ó r ia o u p e la s u a r e je iç ã o ; p o d e n d o , a in d a , m a n ife s ta r-s e p e l a a p r o v a ç ã o ou<br />

r e je iç ã o d e e m e n d a a e la a p re sen ta d a .<br />

D essa fo r m a , p o d e r á a C o m is s ã o M is ta a p re s e n ta r p r o je t o d e le i d e conversão relativo<br />

à m a té r ia ; e p r o je t o d e d e c r e to le g is la tiv o d is c ip lin a n d o as r e la ç õ e s jurídicas <strong>de</strong>correntes<br />

d a v ig ê n c ia d os te x to s s u p rim id o s o u a lte r a d o s , o q u a l te r á su a tramitação iniciada p>ela<br />

C â m a ra d o s D e p u ta d o s .<br />

O p a r e c e r d a C o m is s ã o M is ta será e n c a m in h a d o a o P le n á r io d a Câmara dos Deputa<br />

d o s e, u m a v e z a p r o v a d o , a m e d id a p r o v is ó r ia s e rá e n v ia d a a o Senado Fe<strong>de</strong>ral, para<br />

d iscu s sã o e v o ta ç ã o .<br />

N ã o h á p o s s ib ilid a d e d e p r e v is ã o le g a l o u r e g im e n ta l d a substituição do parecer da<br />

C o m is s ã o M is ta p o r a t o m o n o c r á tic o d e r e la t o r d e s ig n a d o p e lo Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos<br />

D e p u ta d o s, u m a v e z q u e o S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l d e c la ro u a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos<br />

d is p o s itiv o s d a R e s o lu ç ã o n a 1/2002 d o Congresso N a c io n a l, que admitiam essa hipótese.12<br />

1 Art. 18, parágrafo único, da Resolução n2 1/02 do Congresso Nacional.<br />

2 STF - Pleno - ADI 4029/DF - Rei. Min. Luiz Fux, 7 e 8-3-2012.


692 Direito Constitucional • Moraes<br />

O STF <strong>de</strong>cidiu pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiel observância do § 9Qdo art. 62 da CF, com a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dispositivos da Resolução n® 1/2002 do Congresso<br />

Nacional, com efeitos ex nunc em virtu<strong>de</strong> do elevado número <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

editadas, aprovadas e ainda em trâmite, que permitiam a substituição da atuação da<br />

Comissão pelo parecer monocrático do relator, <strong>de</strong>terminando sua obrigatorieda<strong>de</strong> para<br />

todas as medidas provisórias editadas, após essa <strong>de</strong>cisão, com efeitos ex nunc, em virtu<strong>de</strong><br />

do elevado número <strong>de</strong> medidas provisórias editadas e em trâmite Dessa forma, tornou-se<br />

exigível a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parecer prévio da Comissão Mista sobre a presença dos requisitos<br />

constitucionais para edição da medida provisória.1<br />

Observe-se que, diferentemente da redação original do texto <strong>constitucional</strong>, que exigia<br />

votação da medida provisória em sessão conjunta do Congresso Nacional, a EC n® 32/01<br />

<strong>de</strong>termina que a votação seja realizada em sessões separadas pelo plenário <strong>de</strong> cada uma<br />

das Casas do Congresso Nacional, iniciando-se pela Câmara dos Deputados. Adotou-se,<br />

portanto, a mesma regra geral do processo legislativo ordinário referente aos projetos<br />

<strong>de</strong> lei <strong>de</strong> iniciativa do Presi<strong>de</strong>nte da República, que <strong>de</strong>verão ser votados inicialmente na<br />

Câmara dos Deputados e, posteriormente, no Senado Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 64, caput).<br />

O Plenário <strong>de</strong> cada uma das Casas do Congresso Nacional <strong>de</strong>cidirá, em apreciação preliminar<br />

e por maioria simples, o atendimento ou não dos pressupostos constitucionais <strong>de</strong><br />

relevância e urgência <strong>de</strong> medida provisória, nos termos do § 5®, do art. 62, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, ou <strong>de</strong> sua ina<strong>de</strong>quação financeira ou orçamentária, antes do exame <strong>de</strong> mérito.<br />

Se o Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidir no sentido<br />

do não atendimento dos pressupostos constitucionais ou da ina<strong>de</strong>quação financeira ou<br />

orçamentária da Medida Provisória, esta será arquivada.<br />

Aprovada a medida provisória, será convertida em lei, <strong>de</strong>vendo o Presi<strong>de</strong>nte do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral promulgá-la, um avez que se consagrou na esfera legislativa essa atribuição<br />

ao próprio Po<strong>de</strong>r Legislativo, remetendo ao Presi<strong>de</strong>nte da República, que publicará a lei<br />

<strong>de</strong> conversão.<br />

Ressalte-se que, apesar <strong>de</strong> o prazo <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> das medidas provisórias ter sido ampliado<br />

pela EC n® 32/01 para 60 dias, se ela não tiver sido apreciada em até 45 dias contados<br />

<strong>de</strong> sua publicação, entrará em regime <strong>de</strong> urgência, permanecendo, porém, com força <strong>de</strong> lei.<br />

A EC n® 32/01, portanto, criou nova espécie <strong>de</strong> regime <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong> para<br />

medidas provisórias, pelo qual as duas Casas do Congresso Nacional terão o exíguo prazo<br />

<strong>de</strong> 15 dias para, sucessivamente, a Câmara e o Senado Fe<strong>de</strong>ral apreciarem o inteiro teor<br />

da medida provisória.12<br />

Durante o regime <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong> todas as <strong>de</strong>mais <strong>de</strong>liberações da Casa<br />

Legislativa que estiver analisando a medida provisória ficarão sobrestadas, até que seja<br />

concluída a votação.3<br />

Em <strong>de</strong>cisão inédita, enten<strong>de</strong>u o Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, Ilustre professor<br />

Michel Temer, que o sobrestamento das <strong>de</strong>liberações legislativas (§ 6®, art. 62), somente<br />

se aplica aos projetos <strong>de</strong> lei ordinária. Esse entendimento foi corroborado por <strong>de</strong>cisão do<br />

1 STF - Pleno - A D I 4029/DF - Rei. Min. Lu iz Fux, 7 e 8-3-2012.<br />

2 STF - A D In s 3.1 4 6 / D F -R el. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 19-12-2006 -Inform ativo STFn 2453, p. 3.<br />

3 Cf. STF - Pleno - Adin n “ 3.146/DF - ReL Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2006.


Processo Legislativo 6 9 3<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, que negou liminar em medida cautelar em mandado <strong>de</strong> segu-<br />

rança ajuizado por vários membros do Congresso Nacional.1 Decisão, posteriormente,<br />

referendada pelo Plenário da Corte.<br />

Como <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a construção jurídica formulada pelo<br />

Senhor Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, além <strong>de</strong> propiciar o regular <strong>de</strong>senvolvimento<br />

dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, parece <strong>de</strong>monstrar reverência ao texto<br />

<strong>constitucional</strong>, pois - reconhecendo a subsistência do bloqueio da pauta daquela Casa<br />

legislativa quanto às proposições normativas que veiculem matéria passível <strong>de</strong> regulação<br />

por medidas provisórias (não compreendidas, unicamente, aquelas abrangidas pela cláusula<br />

<strong>de</strong> pré-exclusão inscrita no art. 62, § 1°, da Constituição, na redação dada pela EC<br />

nB32/2001) - preserva, íntegro, o po<strong>de</strong>r ordinário <strong>de</strong> legislar atribuído ao Parlamento.<br />

Mais do que isso, a <strong>de</strong>cisão em causa teria a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>volver, à Câmara dos Deputados,<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> agenda, que representa prerrogativa institucional das mais relevantes, capaz<br />

<strong>de</strong> permitir, a essa Casa do Parlamento brasileiro, o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> selecionar e <strong>de</strong> apreciar,<br />

<strong>de</strong> modo inteiramente autônomo, as matérias que consi<strong>de</strong>re revestidas <strong>de</strong> importância<br />

política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará - na<br />

visão e na perspectiva do Po<strong>de</strong>r Legislativo (e não nas do Presi<strong>de</strong>nte da República) - a<br />

formulação e a concretização, pela instância parlamentar, <strong>de</strong> uma pauta temática própria,<br />

sem prejuízo da observância do bloqueio procedimental a que se refere o § 6a do art. 62<br />

da Constituição, consi<strong>de</strong>rada, quanto a essa obstrução ritual, a interpretação que lhe <strong>de</strong>u<br />

o Senhor Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados”.<br />

O regime <strong>de</strong> urgência <strong>constitucional</strong> para medidas provisórias po<strong>de</strong>rá, excepcionalmente,<br />

esten<strong>de</strong>r-se por 75 dias, pois, não sendo suficientes os 15 dias restantes <strong>de</strong> vigência<br />

da medida provisória, haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma única reedição por novo prazo <strong>de</strong> 60<br />

dias, para que a medida provisória tenha sua votação encerrada.<br />

Por lógica, o regime <strong>de</strong> urgência permanecerá durante o prazo integral da reedição<br />

da medida provisória.12<br />

Igualmente, no prazo <strong>de</strong> 60 dias, po<strong>de</strong>rão ocorrer outras três hipóteses: aprovação<br />

com alterações, rejeição expressa e rejeição tácita, conforme será analisado a seguir.<br />

4 .3 .2 Aprovação da m edida provisória pelo Congresso N acional com<br />

a lterações<br />

A doutrina <strong>constitucional</strong>, afastando os prece<strong>de</strong>ntes iniciais em termos <strong>de</strong> medidas<br />

provisórias, fixou orientação, posteriormente seguida pelas Resoluções n85 1 e 2, <strong>de</strong><br />

1989, e atualmente pela Resolução na 1/2002, todas do Congresso Nacional, no sentido<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> emendas, facultando ao Parlamento a ampliação ou<br />

restrição <strong>de</strong> seu conteúdo, sob pena <strong>de</strong> vincular-se, <strong>de</strong> forma absoluta, o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

à vonta<strong>de</strong> inicial do Po<strong>de</strong>r Executivo. As emendas, portanto, po<strong>de</strong>rão ser supressivas,<br />

aditivas, modificativas, aglutinativas e substitutivas.<br />

1 Med. Caut. em Mandado <strong>de</strong> Segurança 27.931-1/DF, <strong>de</strong>cisão: 27-3-2009.<br />

2 Nesse sentido, o § 2n, do art. 10, da Res. 01/02 do Congresso Nacional - A prorrogação do p razo <strong>de</strong> vigência<br />

<strong>de</strong> M edida Provisória não restaura os prazos da Casa do Congresso Nacional que estiver em atraso.


694 Direito Constitucional • Moraes<br />

Há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> emendas parlamentares nos 6 primeiros dias<br />

que se seguirem à publicação da medida provisória no Diário Oficial da União, porém, sua<br />

apresentação obrigatoriamente <strong>de</strong>verá ocorrer perante a Comissão Mista.<br />

Exige-se, para a apresentação <strong>de</strong> emenda parlamentar, a observância <strong>de</strong> pertinência<br />

temática, ou seja, são vedadas emendas que versem sobre matéria estranha àquela tratada<br />

na medida provisória, cabendo ao Presi<strong>de</strong>nte da Comissão o seu in<strong>de</strong>ferimento liminar.<br />

No caso <strong>de</strong> a comissão mista apresentar parecer pela aprovação da Medida Provisória<br />

com emendas, <strong>de</strong>verá, também, apresentar o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> conversão, bem como o<br />

projeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo para regulamentação das relações jurídicas <strong>de</strong>correntes da<br />

vigência dos textos suprimidos ou alterados (Resolução CN 1/02, § 4a, art. 5°).<br />

Em termos simétricos ao processo legislativo ordinário, nos termos da Resolução nfi<br />

01/2002 do Congresso Nacional, havendo modificação no Senado Fe<strong>de</strong>ral, ainda que <strong>de</strong>corrente<br />

<strong>de</strong> restabelecimento <strong>de</strong> matéria ou emenda rejeitada na Câmara dos Deputados,<br />

ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque supressivo, será esta encaminhada para exame na Casa iniciadora, sob a<br />

forma <strong>de</strong> emenda, a ser apreciada em turno único, vedadas quaisquer novas alterações.<br />

O Congresso Nacional, aprovando a medida provisória com alterações, estará transformando-a<br />

em projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> conversão, que será enviado, pela Casa on<strong>de</strong> houver sido<br />

concluída a votação, à análise do Presi<strong>de</strong>nte da República, para que o sancione ou vete, no<br />

exercício discricionário (conveniência e oportunida<strong>de</strong>) <strong>de</strong> suas atribuições constitucionais.<br />

Uma vez sancionado o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> conversão, o próprio Presi<strong>de</strong>nte da República o<br />

promulgará e <strong>de</strong>terminará sua publicação.<br />

4.3.3 R e je içã o exp ressa da m edida p ro visó ria pelo C o n g resso N a cional<br />

Uma vez rejeitada expressamente pelo Legislativo, a medida provisória per<strong>de</strong>rá seus<br />

efeitos retroativamente,1cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas<br />

<strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes, no prazo <strong>de</strong> 60 dias.<br />

Rejeitada Medida Provisória por qualquer das Casas, o Presi<strong>de</strong>nte da Casa que assim<br />

se pronunciar comunicará o fato imediatamente ao Presi<strong>de</strong>nte da República, fazendo<br />

publicar no Diário Oficial da União ato <strong>de</strong>claratório <strong>de</strong> rejeição <strong>de</strong> Medida Provisória.<br />

Importante ressaltar que não existe possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reedição <strong>de</strong> medida provisória<br />

expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional. Neste ponto, filiamo-nos integralmente<br />

à opinião consensual da doutrina <strong>constitucional</strong> brasileira, que enfatiza com veemência a<br />

impossibilida<strong>de</strong> jurídico-<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República editar nova medida<br />

provisória cujo texto reproduza, em suas linhas fundamentais, os aspectos essenciais da<br />

medida provisória que tenha sido objeto <strong>de</strong> expressa rejeição parlamentar.12<br />

Tratando-se <strong>de</strong> medida provisória formalmente rejeitada, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

não admite sua reedição,3 pois o Po<strong>de</strong>r Legislativo seria provocado para manifestar-se,<br />

1 Da mesma form a, a Constituição Italiana p revê a perda da eficácia com efeitos retroativos, se não houver<br />

conversão em sessenta dias da data <strong>de</strong> sua publicação (a r t 77).<br />

2 STF - Pleno - Adin na 293-7/600-DF - Medida Liminar, Rei. M ia Sepúlveda Pertence.<br />

3 STF - Pleno - Adin n°295-3/DF - M edida Liminar, j. 22-6-90 - Rei. M ia Paulo Brossard.


Processo Legislativo 695<br />

novamente, sobre matéria que já houvera rejeitado, e com o gravame da nova e insistente<br />

regulamentação <strong>de</strong> matéria já rejeitada voltar a produzir efeitos, até que fosse, novamente,<br />

rejeitada.1<br />

A reedição <strong>de</strong> medida provisória expressamente rejeitada pelo Congresso Nacional<br />

configura, inclusive, hipótese <strong>de</strong> crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> impedir o livre<br />

exercício do Po<strong>de</strong>r Legislativo (CF, art. 85, II), pois o Presi<strong>de</strong>nte da República estaria<br />

transformando o Congresso em<br />

“um mero aprovador <strong>de</strong> sua vonta<strong>de</strong> ou um po<strong>de</strong>r emasculado cuja competência a<br />

posteriori viraria mera fachada por ocultar a possibilida<strong>de</strong> ilimitada <strong>de</strong> o Executivo<br />

impor, intermitentemente, as suas <strong>de</strong>cisões”.12<br />

Esse entendimento foi consagrado pela Emenda Constitucional ne 32/01, que, expressamente,<br />

estabeleceu a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reedição, na mesma sessão legislativa, <strong>de</strong><br />

medida provisória que tenha sido rejeitada (CF, art. 62, § 10) .3<br />

L e i ® = L e i a n terior c u ja e fic á c ia fo i suspensa p ela M ed id a P rovisória<br />

MPCB - M ed ida P rovisória rejeitad a<br />

1 STF - Pleno - Adin ns 293/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, seção 1 ,16 abr. 1993, p. 6.429.<br />

2 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Interpretação e estudos... Op. d t. p. 93-94.<br />

3 STF - P len o - A D I 3964/DF - m edid a cautelar - R ei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 12-12-2007. Informativo<br />

STF nQ492.


6 9 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

4 .3 .4 R e je iç ã o tá c ita d a m e d id a p ro v isó ria não d e lib e ra d a no p ra zo d e 60<br />

d ia s p e lo C o n g re sso N a cio n a l<br />

A <strong>de</strong>cadência da Medida Provisória, pelo <strong>de</strong>curso do prazo <strong>constitucional</strong>, opera a<br />

<strong>de</strong>sconstituição, com efeitos retroativos, dos atos produzidos durante sua vigência. Assim,<br />

caso o Congresso Nacional não a aprecie em tempo hábil (60 dias), este ato normativo<br />

per<strong>de</strong>rá sua eficácia, no que se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong> rejeição tácita.1 A Constituição <strong>de</strong> 1988 tomou<br />

o cuidado <strong>de</strong> extinguir a aprovação por <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> prazo, existente no antigo <strong>de</strong>creto-lei, e<br />

que constituía uma aberração legiferante, pois permitia a existência <strong>de</strong> uma espécie normativa<br />

permanente sem que houvesse expressa aprovação do Congresso Nacional. Portanto,<br />

a inércia do Po<strong>de</strong>r Legislativo em analisar a medida provisória no prazo <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> 60 dias não acarreta sua aprovação por <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> prazo, mas sim sua rejeição12 tácita.<br />

A rejeição tácita da medida provisória pelo Congresso Nacional, a partir da Emenda<br />

Constitucional nQ32/01, permite uma única prorrogação <strong>de</strong> sua vigência pelo prazo <strong>de</strong><br />

60 dias. Se, porém, após esse novo prazo, igualmente o Po<strong>de</strong>r Legislativo permanecer<br />

inerte, a rejeição tácita se tom ará <strong>de</strong>finitiva, impedindo a reedição da medida provisória<br />

na mesma sessão legislativa.3 *<br />

A reedição da medida provisória, nos termos do § 7a, do art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

é ato privativo do Presi<strong>de</strong>nte da República, que po<strong>de</strong>rá, excepcionalmente, enten<strong>de</strong>r<br />

que cessaram os motivos <strong>de</strong> relevância e urgência existentes à época <strong>de</strong> sua primeira edição.<br />

Dessa forma, o a rt 10 da Resolução n2 1/02 do Congresso Nacional, quando prevê<br />

que a Medida Provisória cuja votação não estiver encerrada nas 2 Casas do Congresso<br />

Nacional, no prazo <strong>de</strong> 60 (sessenta) dias <strong>de</strong> sua publicação no Diário Oficial da União,<br />

estará automaticamente prorrogada uma única vez em sua vigência por igual período,<br />

<strong>de</strong>vendo o Presi<strong>de</strong>nte da Mesa do Congresso Nacional comunicar tal ato e publicá-lo no<br />

Diário Oficial da União, <strong>de</strong>ve ser compatibilizado com o po<strong>de</strong>r privativo e discricionário<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República em editar essa espécie normativa anômala.<br />

1 STF - Pleno - Adin n9 365-8/600-DF - medida liminar, Rei. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 1- out. 1990.<br />

No mesmo sentido: STF - Pleno - Adin n9 295-DF, Rei. Min. Paulo Brossard.<br />

2 Sobre a in<strong>constitucional</strong> ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão <strong>de</strong> aprovação legislativa por <strong>de</strong>curso <strong>de</strong> prazo, conferir: STF - Pleno - RE<br />

n9 212.596/SP - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 27-9-2006, Informativo STF n9 442.<br />

3 O entendimento anterior à edição da Emenda Constitucional nQ32/01 permitia que houvesse sucessivas<br />

reedições <strong>de</strong> medidas provisórias rejeitadas tacitamente. Conferir, na doutrina: HORTA, Raul Machado. Revista<br />

<strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília, Senado Fe<strong>de</strong>ral, nQ107, p. 13. Na jurisprudência: STF - Pleno - Adin nQ<br />

1.250-9/DF - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 6 set. 1995, p. 28.252; STF - Pleno - Adin n9<br />

293-7/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence; STF - Pleno - Adin n9 295-3 - Rei. Min. Carlos Velloso. Observe-se<br />

que o ex-Ministro Paulo Brossard foi mais contun<strong>de</strong>nte, ao concluir, categoricamente, que “a medida provisória<br />

não convertida em lei, seja por <strong>de</strong>saprovação formal, seja por não apreciação no prazo <strong>de</strong> 30 dias não po<strong>de</strong> ser<br />

reeditada” (cf. Adin 295-3-DF, Pleno, em 22-6-90). No mesmo sentido, Hugo <strong>de</strong> Brito Machado, para quem,<br />

“terminado o prazo <strong>de</strong> trinta dias sem que seja apreciada pelo Congresso Nacional a medida provisória, não<br />

po<strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República editar outra com o mesmo teor. Se o fizer, estará violando duplamente a Constituição”<br />

(Os princípios jurídicos datributação na constituição <strong>de</strong> 1988. São Paulo: Atlas, 1990. p. 31). Conferir,<br />

ainda, Súmula STF 651: “A medida provisória não apreciada pelo Congresso Nacional podia, até a EC 32/98,<br />

ser reeditada <strong>de</strong>ntro do seu prazo <strong>de</strong> eficácia <strong>de</strong> trinta dias, mantidos os efeitos <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a primeira edição.”


Processo Legislativo 697<br />

4.3.5 Im p o ssib ilid a d e <strong>de</strong> o P re sid en te da R epública retirar da a p recia çã o<br />

do C o n g re sso N acional m edida provisória Já editada<br />

Ressalte-se a proibição <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República retirar da apreciação do Congresso<br />

Nacional uma medida provisória que tiver editado, “po<strong>de</strong>ndo, entretanto, ab-rogá-la<br />

por meio <strong>de</strong> nova medida provisória, valendo tal ato pela simples suspensão dos efeitos da<br />

primeira, efeitos esses que, todavia, o Congresso po<strong>de</strong>rá restabelecer, mediante a rejeição<br />

da medida ab-rogatória”.1<br />

Dessa forma, ao Presi<strong>de</strong>nte d a República restará a possibilida<strong>de</strong>, para suspen<strong>de</strong>r os<br />

efeitos <strong>de</strong>uma medida provisória, <strong>de</strong> editar uma nova, que acabe por suspen<strong>de</strong>r os efeitos<br />

da primeira. Nessa hipótese, o Congresso Nacional po<strong>de</strong>rá agir <strong>de</strong> três maneiras:12<br />

• aprova a segunda medida provisória, transformando-a em lei. Com isso, a revogação<br />

da primeira medida provisória torna-se <strong>de</strong>finitiva;<br />

• rejeita a segunda medida provisória e aprova a primeira (que estava com seus<br />

efeitos temporariamente suspensos), convertendo-a em lei, quando então retornarão<br />

seus efeitos;<br />

• rejeita ambas as medidas provisórias. Nessa hipótese <strong>de</strong>verá regulamentar as<br />

relações jurídicas resultantes através <strong>de</strong> Decreto-legislativo.<br />

4.3.6 M edida provisória e le i anterior que trate do mesmo assunto<br />

A edição da medida provisória paralisa temporariamente a eficácia da lei que versava<br />

a mesma matéria. Se a medida provisória for aprovada, convertendo-se em lei, opera-se<br />

a revogação. Se, entretanto, a medida provisória for rejeitada, restaura-se a eficácia da<br />

norma anterior. Isto porque, com a rejeição, o Legislativo expediu ato volitivo consistente<br />

em repudiar o conteúdo daquela medida provisória, tornando subsistente anterior vonta<strong>de</strong><br />

manifestada <strong>de</strong> que resultou a lei antes editada.3<br />

4.3.7 E fe ito s e d iscip lin a no ca so <strong>de</strong> re jeiçã o da m edida provisória<br />

A perda retroativa <strong>de</strong> eficácia jurídica da medida provisória ocorre tanto na hipótese<br />

<strong>de</strong> explícita rejeição do projeto <strong>de</strong> sua conversão em lei quanto no caso <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação<br />

parlamentar no prazo <strong>constitucional</strong>,4 <strong>de</strong>vendoo Congresso Nacional disciplinar<br />

as relações jurídicas <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes, e o faz através <strong>de</strong> Decreto-legislativo.5<br />

1 STF - Adin n ° 1,315-7/DF - medida liminar - Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça, 22 set. 1995, p. 30.590,<br />

o n d e o tribunal, por <strong>de</strong>cisão unânime, referendou a <strong>de</strong>cisão do Presi<strong>de</strong>nte-Ministro Sepúlveda Pertence. N o<br />

mesmo sentido: KTJ 157/856. Conferir ainda: STF - P len o - ADI n° 2984 - medida cautelar - Rei. Min. Ellen<br />

G ra<strong>de</strong>, Diário da Justiça, Seção 1 ,14 maio 2004.<br />

2 C f. a respeito RTJ151/331.<br />

3 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. As medidas provisórias com força d e lei. Repertório IOB <strong>de</strong> Jurisprudência.<br />

1» quinzena <strong>de</strong> m arço <strong>de</strong> 1989, ns 05/89. p. 88 ss. Conferir: STF - Pleno - ADI ns 1.665 - medida cautelar<br />

- Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,8 m aio 1998.<br />

4 STF - Pleno - Adin na 293/DF - Diário da Justiça, S eção 1 ,18 jun. 1993, p. 12.109.<br />

5 Res. 1/89 do Congresso Nacional. Este posicionam ento é con<strong>de</strong>nado por parte da doutrina, para quem o<br />

Congresso Nacional <strong>de</strong>ve cumprir sua obrigação por meio <strong>de</strong> lei ordinária, inclusive, para perm itir a sua apreda-


6 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Esse entendimento foi consagrado pela Emenda Constitucional nQ32/01 que, expressamente,<br />

<strong>de</strong>terminou no § 3e, do art. 62, que as medidas provisórias per<strong>de</strong>rão eficácia<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição, se não forem convertidas em lei no prazo <strong>de</strong> 60 dias, prorrogável uma vez<br />

por igual período, <strong>de</strong>vendo o Congresso Nacional disciplinar, por <strong>de</strong>creto legislativo, as<br />

relações jurídicas <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes.<br />

Caso, porém, o Congresso Nacional não edite o <strong>de</strong>creto legislativo no prazo <strong>de</strong> 60 dias<br />

após a rejeição ou perda <strong>de</strong> sua eficácia, a medida provisória continuará regendo somente<br />

as relações jurídicas constituídas e <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> atos praticados durante sua vigência.1<br />

Dessa forma, a Constituição permite, <strong>de</strong> forma excepcional e restrita, a permanência<br />

dos efeitos ex nunc <strong>de</strong> medida provisória expressa ou tacitamente rejeitada, sempre em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> inércia do Po<strong>de</strong>r Legislativo em editar o referido Decreto Legislativo.<br />

Trata-se <strong>de</strong> retorno envergonhado dos efeitos ex nunc resultantes da rejeição do antigo<br />

Decreto-lei, que possibilitavam a manutenção da vonta<strong>de</strong> unilateral do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, mesmo tendo sido rejeitada pelo Congresso Nacional. Todavia, somente não<br />

haverá a perda retroativa <strong>de</strong> eficácia jurídica da medida provisória se o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

permanecer inerte no referido prazo <strong>constitucional</strong>.*12<br />

Além disso, a Emenda Constitucional n° 32/01 estabeleceu que, aprovado projeto <strong>de</strong><br />

lei <strong>de</strong> conversão alterando o texto original da medida provisória, sua vigência permanecerá<br />

integralmente até que seja sancionado ou vetado o projeto.<br />

Esse entendimento já havia sido fixado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no sentido<br />

<strong>de</strong> que o fato <strong>de</strong> o Congresso Nacional, na apreciação <strong>de</strong> medida provisória, glosar certos<br />

dispositivos não a prejudica, no campo da eficácia temporal, quanto aos que subsistiram,<br />

pois a disciplina das relações jurídicas, prevista no art 62, parágrafo único, diz respeito à<br />

rejeição total ou à parcial quando autônoma a matéria alcançada.3<br />

4 .3 .8 M edidas provisórias e controle <strong>de</strong> co n stitu cio n a lid a d e<br />

A medida provisória enquanto espécie normativa <strong>de</strong>finitiva e acabada, apesar <strong>de</strong> seu<br />

caráter <strong>de</strong> temporarieda<strong>de</strong>, estará sujeita ao controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, como todas<br />

as <strong>de</strong>mais leis e atos normativos.4 O controle jurisdicional das medidas provisórias é possível,<br />

tanto em relação à disciplina dada a matéria tratada pela mesma, quanto em relação<br />

aos próprios limites materiais e aos requisitos <strong>de</strong> relevância e urgência.5 A essa última<br />

forma <strong>de</strong> controle jurisdicional, o posicionamento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

constituição anterior e a respeito dos antigos Decretos-lei, é inadmiti-lo, por invasão da<br />

ção pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo (CLÈVE, Clèmerson Merlin. As medidas provisórias e a CF d e i 988. Curitiba:<br />

Juruá, 1991. p. 72. SILVA, José Afonso, Curso... Op. cit. p. 465).<br />

1 Conferir a respeito: STF - Pleno - ADPF n “ 84 AgR/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 31-5-2006.<br />

Informativo STF n° 429.<br />

2 Em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle jurisdicional da transformação dos efeitos da rejeição <strong>de</strong> m edida<br />

provisória <strong>de</strong> ex tunc para ex nunc, em virtu<strong>de</strong> da inércia do Congresso Nacional, conferir: STF - Pleno - ADPF<br />

n° 84 AgR/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 31-5-2006 -Inform ativo STF n° 429, Seção I, p. 1.<br />

3 STF - 2 aT. -RExtr. n - 177.375-8, Rei. Min. Marco Aurélio, v.u., Diário da Justiça, seçãoI,2 mar. 1995, p. 4.031.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 295-3/DF - medida liminar, j. 22-6-90 - Rei. M in. Paulo Brossard.<br />

5 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ativida<strong>de</strong> legislativa... Op. cit. p. 182.


Processo Legislativo 6 9 9<br />

esfera discricionária do Po<strong>de</strong>r Executivo,1salvo quando flagrante o <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong><br />

ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislar.12 A hipótese, portanto, é possível para evitar arbitrarida<strong>de</strong>,<br />

porém, excepcional.3<br />

Nesse sentido, o Plenário do STF, em <strong>de</strong>cisão unânime, <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> medida<br />

cautelar, para suspen<strong>de</strong>r medida provisória, em face da inexistência <strong>de</strong> relevância e urgência,<br />

afirmando que<br />

“Medida provisória: excepcionalida<strong>de</strong> da censura jurisdicional da ausência dos<br />

pressupostos <strong>de</strong> relevância e urgência à sua edição: raia, no entanto, pela irrisão<br />

a afirmação <strong>de</strong> urgência para as alterações questionadas à disciplina legal da ação<br />

rescisória, quando, segundo a doutrina e a jurisprudência, sua aplicação à rescisão<br />

<strong>de</strong> sentenças já transitadas em julgado, quanto a uma <strong>de</strong>las - a criação <strong>de</strong> novo caso<br />

<strong>de</strong> rescindibilida<strong>de</strong> - é pacificamente inadmissível e quanto à outra - a ampliação<br />

do prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência - é pelo menos duvidosa”.4<br />

Da mesma forma, o Pretório Excelso conce<strong>de</strong>u medida liminar enten<strong>de</strong>ndo que “a<br />

edição <strong>de</strong> medida provisória faz-se no campo da excepcionalida<strong>de</strong>. Leitura equidistante do<br />

artigo 62 da Carta Política da República revela a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concorrerem requisitos,<br />

a saber: a relevância e a urgência do trato da matéria <strong>de</strong> forma excepcional, ou seja, pelo<br />

próprio Presi<strong>de</strong>nte da República e em <strong>de</strong>trimento da atuação dos representantes do povo<br />

e dos Estados, ou seja, das Câmaras Legislativas. Pois bem, na espécie, não estão presentes<br />

estas condições, no que modificada a lei que já se encontrava em vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1992”.5<br />

Portanto, os requisitos <strong>de</strong> relevância e urgência, em regra, somente <strong>de</strong>verão ser analisados,<br />

primeiramente, pelo próprio Presi<strong>de</strong>nte da República, no momento da edição da<br />

medida provisória, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, que po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

1 KTJ 44/54; 62/819 eRDA 125/89.<br />

2 STF - Pleno - ADI n ° 4.049 MC/DF - Rei. M in. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 5-11-2008. N o mesmo sentido: “ Os conceitos<br />

<strong>de</strong> relevância e <strong>de</strong> urgência a que s e r e fe reo art. 62 da Constituição, com o pressupostos para a edição <strong>de</strong><br />

Medidas Provisórias, <strong>de</strong>correm, em princípio, do Juízo discricionário <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> valor do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, mas admitem o controle judiciário quanto ao excesso do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislar, o que, no caso, não se evi<strong>de</strong>ncia<br />

<strong>de</strong> pronto” (STF - Pleno - Adin nc 162-1/DF - medida liminar - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção<br />

1,19set. 1997, capa). Conferir, ainda, nesse sentido: “Ajurisprudência do STF, tem consi<strong>de</strong>rado da competência<br />

da Presidência da República e do Congresso Nacional a avaliação subjetiva da urgência da M edida Provisória. É<br />

<strong>de</strong> se exceptuar, apenas, a hipótese em que a falta <strong>de</strong> urgência possa ser constatada objetivamente. E, no caso, não<br />

há evidência objetiva da falta <strong>de</strong> urgência, sendo a relevância da M edida Provisória incontestável” (STF - Pleno<br />

- Adin n2 1.516-8 - medida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1,13 ago. 1999, p. 3).<br />

3 STF - Pleno - AD I 2736/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, 8-9-2010. STF - Pleno - A D I 4029/DF - Rei. Min. Luiz<br />

Fux, 7 e 8-3-2012.<br />

4 STF - Adin n 2 1.753 1/DF - m edida lim inar - Rei. M in . Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1 ,12<br />

jun. 199 8,p. 51: Trata sed o art. 42d a M P n 2 1 .6 3 2 1 ,d e 9 4 9 8 ,q u ea m p lio u o p ra zo d ed eca d ên cia d ed o isp a ra<br />

cinco anos, quando proposta a ação rescisória pela União, os Estados, o DF ou os Municípios e suas respectivas<br />

autarquias e fundações públicas (art. 4°) e criou, em favor das mesmas entida<strong>de</strong>s públicas, <strong>de</strong> uma nova hipótese<br />

<strong>de</strong> rescindibilida<strong>de</strong> das sentenças - in<strong>de</strong>nizações expropriatórias ou similares flagrantem ente superior ao preço<br />

<strong>de</strong> mercado (art. 4°, parágrafo único).<br />

5 STF - Pleno - Adin n2 1.849 0/DF - m edida lim inar - ReL M ia Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,4<br />

a ga 1998. Cf. ainda, em relação ao mesm o caso, STF - Pleno - Adin n2 1.849 0 - m edida liminar - ReL Min.<br />

M arco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,27 ago. 1998, capa, on<strong>de</strong> a m edida lim inar foim a n tid a até <strong>de</strong>liberação<br />

futura do plenário.


700 Direito Constitucional • Moraes<br />

convertê-la em lei, por ausência dos pressupostos constitucionais.1Excepcionalmente,<br />

porém, quando presente <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong> ou abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> legislar, por flagrante<br />

inocorrência da urgência e relevância, po<strong>de</strong>rá o Po<strong>de</strong>r Judiciário a<strong>de</strong>ntrar a esfera discricionária<br />

do Presi<strong>de</strong>nte da República, garantindo-se a supremacia <strong>constitucional</strong>.12 Como<br />

ressaltado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “A mera possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliação arbitrária<br />

daqueles pressupostos (relevância e urgência), pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, constitui<br />

razão bastante para justificar o controle jurisdicional. O reconhecimento <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong><br />

jurisdicional, que pré-excluísse <strong>de</strong> apreciação judicial o exame <strong>de</strong> tais pressupostos, caso<br />

admitido fosse, implicaria consagrar, <strong>de</strong> modo inaceitável, em favor do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, uma ilimitada expansão <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r para editar medidas provisórias, sem<br />

qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle, o que se revelaria incompatível com o nosso sistema<br />

<strong>constitucional</strong>”.3<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já fixou o entendimento <strong>de</strong> que, se a medida provisória,<br />

no caso <strong>de</strong> não manifestação do Congresso, vier a ser reeditada, ou vier a ser convertida<br />

em lei, será necessário que o autor adite pedido <strong>de</strong> extensão da ação direta proposta à<br />

nova medida provisória ou à lei <strong>de</strong> conversão, para que a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> arguida<br />

possa ser apreciada, inclusive no tocante à medida liminar requerida. Tal posicionamento<br />

<strong>de</strong>corre da circunstância <strong>de</strong> que a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> per<strong>de</strong> o seu objeto<br />

quando o ato normativo impugnado <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> vigorar, o que ocorre com a medida provisória<br />

que, para não ter sua eficácia temporária <strong>de</strong>sconstituída ex tunc, necessita <strong>de</strong> que<br />

seu conteúdo seja objeto <strong>de</strong> nova medida provisória ou <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> conversão, hipóteses em<br />

que o ato normativo em vigor será essa nova medida provisória ou a lei <strong>de</strong> conversão.4<br />

A conversão da medida provisória em lei, sem alterações em seu conteúdo, não acarretará<br />

a prejudicialida<strong>de</strong> da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> material da mesma,<br />

posto que sua aprovação e promulgação integrais apenas transformaram-se em espécie<br />

normativa <strong>de</strong>finitiva, com eficácia extunce sem solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>, preservado seu<br />

conteúdo original.5<br />

1 STF - “Contrariamente ao sustentado na inicial, não cabe ao Po<strong>de</strong>r Judiciário aquilatar a presença ou não,<br />

dos critérios <strong>de</strong> relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição da medida provisória (cf. ADIs<br />

162, 526,1.397 e 1.417)" (Pleno - Adin nQ1.667-9 - m edida liminar - Rei. Min. lim ar G alvão, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,21 nov. 1997, p. 60.586). No mesmo sentido, afirm ou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “pacífica a jurisprudência<br />

da Corte, no sentido <strong>de</strong> lhe <strong>de</strong>scaber o exam e da relevância e da urgência, com o requisitos da M edida<br />

Provisória (art. 62 da CF), quando <strong>de</strong>pendam <strong>de</strong> avaliação subjetiva - e não m eram ente objetiva - com o ocorre<br />

no caso presente” (STF - Pleno - Adin n- 1.754-9/DF - m edida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 6 ago. 1999, p. 5).<br />

2 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o STF que “Requisitos <strong>de</strong> urgência e relevância: caráter político: em princípio, a sua<br />

apreciação fica por conta dos Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativa Todavia, se tais requisitos - relevância e urgência -<br />

evi<strong>de</strong>nciarem-se improce<strong>de</strong>ntes, no controle judicial, o Tribunal <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>cidir pela ilegitim ida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong><br />

da m edida provisória” (STF - Pleno - Adin n- 1.647-4/PA- Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I,<br />

26 mar. 1999, capa). No mesmo sentido: S T F - 2 a T. - Rextr. na 2 2 2 .7 1 9 -l/ P B -R el. Min. Carlos Velloso, Diário<br />

da Justiça, Seção 1,26 mar. 1999, p. 19. STF - Pleno - ADI na 2213/DF - m edida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, Diário da Justiça, Seção 1,23 abr. 2004, p. 7.<br />

3 RTJ 151/331 355.<br />

4 S T F - P le n o - A d in na 1.250-9/DF, Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,6 set. 1995, p. 28.252;<br />

STF - Pleno - Adin na 1.125-1 - m edida liminar - Rei. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,31 mar. 1995,<br />

p. 7.773.<br />

5 Nesse sentido: KTJ140/797.


Processo Legislativo 7 0 1<br />

R essa lte-se, p o r é m , q u e h a v e r á n ec e s s id a d e d o a u to r d a a ç ã o d ire ta a d ita r s e u p e d id o ,<br />

ju n t a n d o o t e x t o d e fin itiv o d a le i d e c o n v e r s ã o .<br />

O b s e rv e -s e , a in d a , q u e , a c o n v e r s ã o d a m e d id a p r o v is ó r ia e m le i n ã o a fa s ta r á a p o s s i­<br />

b ilid a d e d e a n á lise ju d ic ia l d a p res e n ç a d os in d is p en s á v eis re q u isito s fo r m a is n ec e ss á rio s à<br />

e d iç ã o das m e d id a s p r o v is ó ria s , c u ja a u sên cia a c a r re ta rá sua n u lid a d e , sem p o s s ib ilid a d e<br />

d e c o n v a lid a ç ã o .1 O S T F p assou a e n te n d e r q u e a le i d e c o n v e r s ã o n ã o c o n v a lid a os v íc io s<br />

e x is te n te s n a m e d id a p r o v is ó r ia .12<br />

4 .3 .9 E s t a d o s -m e m b r o s e m u n ic íp io s - p o s s ib ilid a d e d e e d iç ã o d e m e d id a s<br />

p r o v is ó r ia s<br />

C o n fo r m e já e s tu d a d o e m tó p ic o a n terio r, o S u p re m o T r ib u n a l F e d e ra l c o n s id e ra as<br />

regra s b á sica s d e p r o c e s s o le g is la t iv o p re v is ta s n a C o n s titu iç ã o F e d e r a l c o m o m o d e lo s<br />

o b r ig a tó r io s às C o n s titu iç õ e s E sta d u a is.3 T a l e n te n d im e n to , q u e ig u a lm e n te se a p lic a às<br />

Leis O rg â n ic a s d o s M u n ic íp io s , a c a b a p o r p e r m itir q u e n o â m b it o e s ta d u a l e m u n ic ip a l<br />

h a ja p r e v is ã o d e m e d id a s p ro v is ó ria s a s e re m e d ita d a s , re s p e c tiv a m e n te , p e lo G o v e r n a d o r<br />

d o E sta d o o u P r e fe it o M u n ic ip a l e a n a lisa d a s p e lo P o d e r L e g is la tiv o lo c a l, d esd e q u e, n o<br />

p r im e ir o caso, e x is ta p r e v is ã o e x p re s s a n a C o n s titu iç ã o E sta d u a l4 e n o s e g u n d o , p r e v is ã o<br />

n essa e na r e s p e c tiv a L e i O r g â n ic a d o M u n ic íp io .5 A lé m d is to , s e rá o b r ig a t ó r ia a o b s e r­<br />

v â n c ia d o m o d e lo b á s ic o d a C o n s titu iç ã o F e d e r a l.6<br />

R es sa lte -se , ain d a , q u e d ife r e n t e m e n te d a C o n s titu iç ã o an terio r, q u e p r o ib ia e x p r e s ­<br />

s a m e n te a a d o ç ã o p elo s E sta d o s -m e m b ro s d o s d e c r e to s -le i, e s t a s ile n c ia a re sp e ito .<br />

C o m o re ssalta R oq u e C a rra z za ,<br />

1 STF - Pleno - MC/DF e Adin n2 3.100 MC/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Informativo STFnQ355, p. 2. Em<br />

sentido contrário: “A conversão da medida provisória em lei prejudica o <strong>de</strong>bate jurisdicional acerca da ‘relevância<br />

e urgência’ <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> ato normativo” (STF - Pleno - ADI 1.721-3/DF - Rei. Min. Carlos Britto, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 29 jun 2007, p. 20).<br />

2 STF - Pleno - ADI n2 4.048/DF - ReL M ia Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 15-5-08.<br />

3 Neste sentido: STF - Pleno - Adin n2 822/RS, Rei. Min. Sepúlveda Pertence; B T J 150/482.<br />

4 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da adoção da medida provisória pelos Estados-<br />

-membros, tendo afirmando que “po<strong>de</strong>m os Estados-membros editar medidas provisórias em face do princípio<br />

da simetria, obe<strong>de</strong>cidas as regras básicas do processo legislativo no âmbito da União (CF, artigo 62). 2. Constitui<br />

forma <strong>de</strong> restrição não prevista no vigente sistema <strong>constitucional</strong> pátrio (CF, § 1- do artigo 25) qualquer<br />

limitação imposta às unida<strong>de</strong>s fe<strong>de</strong>radas para a edição <strong>de</strong> medidas provisórias. Legitimida<strong>de</strong> e facultativida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> sua adoção pelos Estados-membros, a exemplo da União Fe<strong>de</strong>ral” (STF - Pleno - Adin n2 425-5/TO - Rei.<br />

Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,18 fev. 2004, p. 18). No mesmo sentido: STF - Pleno - ADI n2<br />

2391/SC-Rel. Min. Ellen Gra<strong>de</strong>, <strong>de</strong>cisão: 16-8-2006 - Informativo STF nQ436.<br />

5 Analisando hipótese em que a Lei Orgânica Municipal não previa a possibilida<strong>de</strong> do Prefeito Municipal editar<br />

medidas provisórias, o STJ enten<strong>de</strong>u que não pratica o crime <strong>de</strong> prevaricação o alcai<strong>de</strong> que edita, ilegalmente,<br />

medida provisória, pois, apesar <strong>de</strong> ferir os princípios da legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> administrativas, o fato será<br />

atípico por ausência do elemento do tipo ato <strong>de</strong> ofício (STJ - 6a T. - Resp. n2 78.425/RS - Rei. Min. Luiz Vicente<br />

Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1997, p. 42.611).<br />

6 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Medidas provisórias. São Paulo: RT, 1991. p. 72. CLÈVE, Clèmerson Merlin. As<br />

medidas provisórias... Op. cit. p. 94. Cf. ainda: STF - Adin n° 1181-2/TO - Rei. Min. Maurício Corrêa, Diário da<br />

Justiça, Seção l, 18 jun. 1997, p. 27.966.


702 Direito Constitucional • Moraes<br />

“nada impe<strong>de</strong>, porém, que exercitando seus po<strong>de</strong>res constituintes <strong>de</strong>correntes, os<br />

Estados, os Municípios e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral prevejam a edição <strong>de</strong> medidas provisórias,<br />

respectivamente, estaduais, municipais e distritais. A elas, mutatis mutandis, <strong>de</strong>vem<br />

ser aplicados os princípios e limitações que cercam as medidas provisórias fe<strong>de</strong>rais”.1<br />

Assim, somente a título <strong>de</strong> exemplo, trazemos à colação três Constituições Estaduais<br />

que preveem a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> medidas provisórias.<br />

A Constituição do Estado <strong>de</strong> Tocantins, nos §§ 3a e 4Q, do art. 27, prescreve que, em<br />

caso <strong>de</strong> relevância e urgência, o governador do Estado po<strong>de</strong>rá adotar medidas provisórias<br />

com força <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vendo submetê-las <strong>de</strong> imediato à Assembléia Legislativa, que, estando<br />

em recesso, será convocada imediatamente para se reunir no prazo <strong>de</strong> cinco dias. Além<br />

disso, seguindo o mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral, as medidas provisórias per<strong>de</strong>rão eficácia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição,<br />

se não forem convertidas em lei no prazo <strong>de</strong> 30 dias, a partir <strong>de</strong> sua publicação, <strong>de</strong>vendo<br />

a Assembléia Legislativa disciplinar as relações jurídicas <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes.12<br />

Igualmente, a Constituição do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina prevê, no art. 51, que, em<br />

caso <strong>de</strong> relevância e urgência, o governador do Estado po<strong>de</strong>rá adotar medidas provisórias<br />

com força <strong>de</strong> lei, <strong>de</strong>vendo submetê-las <strong>de</strong> imediato à Assembléia Legislativa, que estando<br />

em recesso, será convocada imediatamente para se reunir no prazo <strong>de</strong> cinco dias. Além<br />

disso, disciplina que as medidas provisórias per<strong>de</strong>rão eficácia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição, se não forem<br />

convertidas em lei no prazo <strong>de</strong> 30 dias, a partir <strong>de</strong> sua publicação, <strong>de</strong>vendo a Assembléia<br />

Legislativa disciplinar as relações jurídicas <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes. A Constituição <strong>de</strong> Santa<br />

Catarina inova ao vedar a edição <strong>de</strong> medida provisória sobre matéria que não possa ser<br />

objeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>legada, bem como a reedição <strong>de</strong> matéria objeto <strong>de</strong> medida provisória não<br />

<strong>de</strong>liberada ou rejeitada pela Assembléia Legislativa.3<br />

Por sua vez, a Constituição do Estado do Acre, além <strong>de</strong> prever a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

edição <strong>de</strong> medidas provisórias estaduais - com o mesmo mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral expressamente<br />

1 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> tributário. 2. ed. São Paulo: RT, 1991. p. 157,<br />

nota 28.<br />

2 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu, por unanimida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

§§ 3 ° e 4o do art. 27 da Constituição do Estado <strong>de</strong> Tocantins. Adoção <strong>de</strong> M edida Provisória no âmbito estadual.<br />

Pedido <strong>de</strong> liminar. Não ocorrência, no caso, dos requisitos da concessão cautelar. Pedido <strong>de</strong> lim inar in<strong>de</strong>ferido”<br />

(STF - Pleno - Adin n° 812-9/TO - m edida liminar - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 14<br />

m aio 19931. Conforme <strong>de</strong>stacou o relator, “ N ão havendo, na atual Constituição, a proibição <strong>de</strong> os Estados-<br />

-m em bros adotarem a figura da m edida provisória, ao contrário do que sucedia com a do D ecreto-lei em face<br />

da Emenda Constitucional ns 1/69 (art. 200, parágrafo único), e, pelo menos num exam e superficial com o é o<br />

requerido quando do julgam ento <strong>de</strong> pedido liminar, não ocorrendo fortes indícios <strong>de</strong> que esse instituto aten<strong>de</strong><br />

a peculiarida<strong>de</strong>s excepcionais do plano fe<strong>de</strong>ral que impeçam seja ele tido do m o<strong>de</strong>lo susceptível <strong>de</strong> inclusão<br />

no processo legislativo estadual, não se caracteriza, no caso, a relevância jurídica necessária à concessão da<br />

m edida excepcional que é a suspensão provisória da eficácia <strong>de</strong> norma ju rídica” (Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência do<br />

S T F -Ementário na 1703-1).<br />

3 Cf. S T F - 2 ‘ T .-R extr. n2211.4 1 4 0 / S C -R el. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,15abr. 1998, p.<br />

4 9; S T F - 2 aT. - Agravo <strong>de</strong> Instrumento n s 208.3071/SC - Rei. Min. Marco Aurélio. Nesses julgados, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral analisou recursos que versavam sobre a M edida Provisória na 61/95, editada pelo Governador<br />

<strong>de</strong> Santa Catarina. Conferir, ainda, <strong>de</strong>cisões do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso extraordinário<br />

analisando a medida provisória estadual n° 61/95 do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina: STF - 2a T. - A I n“ 210.979 3/<br />

SC, Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1 ,16 abr. 1998, p. 38; STF - 2a T. - A l n° 210.879 9/SC,<br />

Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1 ,16 abr. 1998. p. 37.


Processo Legislativo 7 0 3<br />

prevê que se não forem apreciadas pela Assembléia Legislativa nem convertidas em lei<br />

não po<strong>de</strong>rão ser objeto <strong>de</strong> nova proposta na mesma sessão legislativa.<br />

Com a edição da EC nB32/01, o mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>ral foi alterado, consagrando-se maior<br />

respeito aos <strong>direito</strong>s fundamentais e à Separação dos Po<strong>de</strong>res. Consequentemente, as<br />

previsões das constituições estaduais somente serão recepcionadas se não contrariarem<br />

os novos dispositivos do art. 62, <strong>de</strong>vendo haver integral a<strong>de</strong>quação às novas normas<br />

constitucionais.1<br />

4 .3 .1 0 M edida provisória e <strong>de</strong>creto -lei<br />

O confronto entre o <strong>de</strong>creto-lei e a medida provisória possibilita analisar algumas<br />

diferenças entre as duas espécies normativas, uma das quais não mais existente em nossa<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral (<strong>de</strong>creto-lei).<br />

Os pressupostos <strong>de</strong> expedição do <strong>de</strong>creto-lei eram apresentados alternativamente<br />

(“em casos <strong>de</strong> urgência ou <strong>de</strong> interesse público relevante”), ao passo que os da medida<br />

provisória são indicados cumulativamente (“em casos <strong>de</strong> relevância e urgência”).<br />

O <strong>de</strong>creto-lei estava subordinado a uma condição (a inocorrência <strong>de</strong> aumento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spesa) e apontava as matérias que podiam ter por objeto, enquanto a medida provisória<br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhuma condição financeira e po<strong>de</strong>, em princípio, versar sobre toda e<br />

qualquer matéria, ressalvadas as vedações estabelecidas nos diversos parágrafos do art.<br />

62, a partir da EC nfi 32/01.<br />

O <strong>de</strong>creto-lei, em caso <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> manifestação do Congresso Nacional, era havido<br />

como <strong>de</strong>finitivamente aprovado (“<strong>de</strong>curso <strong>de</strong> prazo”) e a medida provisória, para ser<br />

convertida em lei, necessita <strong>de</strong> aprovação expressa do Congresso Nacional.<br />

A rejeição do <strong>de</strong>creto-lei não acarretava a nulida<strong>de</strong> dos atos praticados durante sua<br />

vigência ao passo que a medida provisória não tem eficácia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição, se não for<br />

convertida em lei, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas <strong>de</strong>la<br />

<strong>de</strong>correntes. Somente em caso <strong>de</strong> inércia do CN, no prazo <strong>de</strong> 60 dias, as medidas provisórias<br />

rejeitadas terão efeitos “ex nunc”, assemelhando-se aos antigos Decretos-lei.<br />

Por fim, o <strong>de</strong>creto-lei somente po<strong>de</strong>ria ser aprovado ou rejeitado “in totum”, não<br />

permitindo a apresentação <strong>de</strong> emendas por parte dos parlamentares, o mesmo não ocorrendo<br />

com as medidas provisórias.<br />

4 .3 .1 1 Lim ites m ateriais à edição <strong>de</strong> m edidas provisórias<br />

O art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral não previa, originariamente, vedação material à<br />

edição da medida provisória. Com a promulgação das Emendas Constitucionais n25 6 e<br />

7, foi criado o art 246, que vedava, expressamente, a adoção <strong>de</strong> medida provisória na<br />

regulamentação <strong>de</strong> artigo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral cuja redação tenha sido alterada por<br />

meio <strong>de</strong> emenda promulgada a partir <strong>de</strong> 1995.<br />

1 STF - Pleno - A D I 2.391-8/SC - Rei. M in. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 16-8-2006.


7 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Essa vedação material, porém, foi alterada com a edição da Emenda Constitucional<br />

ns 32/01, que, modificando a redação do art. 246, estabeleceu termo final para essa<br />

proibição, <strong>de</strong>terminando que o prazo final para a vedação à adoção <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

na regulamentação <strong>de</strong> artigos da Constituição, cuja redação tenha sido alterada por<br />

meio <strong>de</strong> emenda promulgada a partir <strong>de</strong> l s <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1995, seja a data <strong>de</strong> sua própria<br />

promulgação, ou seja, 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2001.1<br />

Portanto, a partir <strong>de</strong>ssa data, o Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá retornar à utilização<br />

<strong>de</strong> medidas provisórias, nas hipóteses <strong>de</strong> relevância e urgência, para regulamentar artigo<br />

da Constituição alterado por emenda <strong>constitucional</strong> promulgada após 11 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong><br />

2001.<br />

A Emenda Constitucional nQ32/01, além <strong>de</strong>ssa alteração, trouxe gran<strong>de</strong>s e significativas<br />

limitações materiais à edição <strong>de</strong> medidas provisórias.<br />

Primeiramente, o legislador reformador, seguindo a linha lógica e coerente do art. 68<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, estabeleceu as mesmas limitações materiais à edição <strong>de</strong> medidas<br />

provisórias já existentes em relação às leis <strong>de</strong>legadas, ou seja, a proibição <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República editá-las sobre matéria relativa a: nacionalida<strong>de</strong>, cidadania, <strong>direito</strong>s políticos<br />

e <strong>direito</strong> eleitoral; organização do Po<strong>de</strong>r Judiciário e do Ministério Público, a carreira e<br />

a garantia <strong>de</strong> seus membros; planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e<br />

créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art 167, § 3S.<br />

Ora, se o legislador constituinte enten<strong>de</strong>u in<strong>de</strong>legáveis essas matérias pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo ao Po<strong>de</strong>r Executivo, lógica e coerentemente, não seria cabível manter a<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte da República, unilateralmente por medidas provisórias,<br />

discipliná-las.<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> medidas provisórias em matéria penal,12 *tributária e<br />

nos casos em que o legislador constituinte reservou à edição <strong>de</strong> lei complementar sempre<br />

foi assunto muito discutido na doutrina e acabou por ser regulamentada pela Emenda<br />

Constitucional na 32/01.<br />

1 Conferir, a respeito: STF - Pleno - Adin (M C ) ne 3090/DF e Adin (M C ) na 3100/DF, ReL Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong>cisão: 4-2-2004, Informativo STF n° 335; STF - Pleno - m edida cautelar - A din n° 3.090-6/DF - ReL Min.<br />

Gilm ar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça - Seção I, 12 fev. 2004, p. 280, e, no m érito: Informativo STF n° 444, p. 1,<br />

<strong>de</strong>cisão: 11-10-2006.<br />

2 Lembremo-nos <strong>de</strong> que as medidas provisórias n25153 e 156, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> m arço <strong>de</strong> 1990, tratavam <strong>de</strong> m atéria<br />

penal, tendo sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> arguida pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Ocorre, que uma n ova m edida provisória a <strong>de</strong> n° 175, <strong>de</strong> 27-3-1990, tornou sem efeito as anteriores,<br />

fazendo com que a Adin per<strong>de</strong>sse seu objeto (C f. STF - Pleno - Adin n° 221-0/DF - ReL Min. M oreira Alves,<br />

Diário da Justiça, 22 o u t 1993 - Ementário STF n ° 1722-1). Ocorre, porém, que existe no or<strong>de</strong>nam ento ju rídico<br />

tipo penal criado a partir <strong>de</strong> m edida provisória, posteriorm ente convertida em lei. A M edida provisória n° 10,<br />

editada em 21-10-1988 (Diário Oficial da União, 24 out. 1988,p. 922; previa em seu art. S'; que “constitui crime,<br />

punível com pena <strong>de</strong> reclusão <strong>de</strong> 3 (três) meses a 1 (u m ) ano, a violação do disposto nas alíneas ‘a’ e b’, do item<br />

IV, do art. I 2” (Fica proibido pescar m ediante a utilização <strong>de</strong>: explosivos ou <strong>de</strong> substâncias que, em contato com<br />

a água, produzam efeito semelhante; substâncias tóxicas). Essa m edida provisória, editada pelo então Presi<strong>de</strong>nte<br />

em exercício, <strong>de</strong>putado Ulisses Guimarães, fo i convertida na Lei ne 7.679, <strong>de</strong> 23-11-1988, que m anteve o tipo<br />

penal em seu art. 8“ (Diário Oficial da União, 24 nov.1990, p. 993). Cf., ainda, sobre matéria penal veiculada<br />

em medidas provisórias: PA LO TTI JÚNIOR, Osvaldo. Medida provisória e <strong>direito</strong> penal: uma convivência impossível.<br />

In: vários autores. Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e <strong>direito</strong> penal. São<br />

Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 275-277.


Processo Legislativo 705<br />

Celso <strong>de</strong> Mello Filho coloca-se contra a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> medida provisória<br />

em matéria penal, afirmando que<br />

“a privação, mesmo cautelar, da liberda<strong>de</strong> individual, a tipificação <strong>de</strong> novas entida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong>lituosas e a cominação <strong>de</strong> penas não po<strong>de</strong>m constituir objeto <strong>de</strong> medidas<br />

provisórias, em face, até, da irreversibilida<strong>de</strong> das situações geradas por essa espécie<br />

normativa”.1<br />

Igualmente, Alberto Silva Franco afirma que<br />

“com tais características, po<strong>de</strong> a medida provisória servir <strong>de</strong> instrumento normativo<br />

a<strong>de</strong>quado à abordagem da disciplina penal? A resposta à indagação só po<strong>de</strong>rá ser<br />

negativa. Tal como o <strong>de</strong>creto-lei, a medida provisória ocupa um lugar <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong>,<br />

em relação à lei em sentido estrito. Não se argumente com o fato <strong>de</strong> que o<br />

texto <strong>constitucional</strong> relativo à medida provisória não sofre nenhuma restrição em<br />

seu raio <strong>de</strong> incidência. O dispositivo não po<strong>de</strong> ser interpretado isoladamente, mas<br />

<strong>de</strong>ve ser submetido a uma interpretação sistemática para a qual contribuem outros<br />

princípios constitucionais tais como o da legalida<strong>de</strong> e da separação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res”.12<br />

Parece-nos assistir razão aos citados autores, uma vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

exige lei formal para a previsão da existência <strong>de</strong> crimes e penas (CF, art. 5o, inc. XXXIX<br />

- princípio da reserva legal). Além disso, em um Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong> jamais<br />

haveria a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conciliação do status libertatis do cidadão e com o princípio da<br />

segurança jurídica com a criação <strong>de</strong> crimes e sanções penais discricionariamente por uma<br />

única pessoa - Presi<strong>de</strong>nte da República - por meio <strong>de</strong> uma espécie normativa temporária<br />

e, portanto, <strong>de</strong> duração efêmera.3<br />

Anote-se, porém, que, em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 14-12-89, porém só publicada em 19-9-97, o<br />

Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por maioria <strong>de</strong> votos, vencidos os Ministros Celso<br />

<strong>de</strong> Mello e Sepúlveda Pertence, in<strong>de</strong>feriu medida cautelar que impugnava, <strong>de</strong>ntre outros<br />

pontos, a criação <strong>de</strong> tipo penal por medida provisória (MP na 111/89), alegando que<br />

“embora seja relevante juridicamente a arguição <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da criação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>lito por Medida Provisória, não está presente o requisito da conveniência, pois o art.<br />

4a da citada Medida Provisória, impugnado sob esse fundamento, apenas se <strong>de</strong>stina a<br />

coibir abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s contra a liberda<strong>de</strong> individual”.4 Ressalte-se, porém, que a<br />

Medida Provisória na 111, editada em 27-11-1989, que dispôs basicamente sobre a pri-<br />

1 MELLO FILHO, Celso <strong>de</strong>. Medidas provisórias. Revista PGE/SP, jun. 1990.<br />

2 FRANCO, Alberto Silva. LEX-RJTJESP 123/16.<br />

3 Fernando Luiz Ximenes Rocha aponta que “inegavelmente, vem-se firmando, entre os nossos mais nomeados<br />

doutrinadores, tanto constitucionais como penalistas, a interpretação no sentido <strong>de</strong> que, à luz dos princípios<br />

e regras contidos em nossa Lei Maior, não comporta incursionar as medidas provisórias no campo do Direito<br />

Penal, notadamente no que concerne à criação <strong>de</strong> tipos e sanções penais. Essa tem sido, na verda<strong>de</strong>, a orientação<br />

largamente predominante, por ser, sem sombra <strong>de</strong> dúvida, a única compatível com a proclamação dos <strong>direito</strong>s e<br />

garantias individuais e com os fundamentos do Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> <strong>direito</strong>” (Medida provisória em matéria<br />

penal. In: vários autores. Responsabilida<strong>de</strong> penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e <strong>direito</strong> penal. São<br />

Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 203).<br />

4 STF - Pleno - Adin nc 162-1/DF - medida liminar - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,19<br />

set. 1997, capa.


7 0 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

são temporária, além <strong>de</strong> ter feito alterações na lei <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>, no sentido<br />

<strong>de</strong> criação <strong>de</strong> tipo penal, submetida no prazo <strong>de</strong> 30 dias ao Congresso Nacional, foi<br />

convertida no Projeto <strong>de</strong> Lei <strong>de</strong> conversão n° 039/89, que, posteriormente aprovado,<br />

transformou-se na Lei ne 7.960/89.1 Em virtu<strong>de</strong> disso, o Pretório Excelso consi<strong>de</strong>rou<br />

prejudicada a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n° 162-1/DF, ficando impedido <strong>de</strong><br />

analisar <strong>de</strong>finitivamente o mérito da questão: possibilida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> tipos<br />

penais por medidas provisórias.12<br />

A Emenda Constitucional n° 32/01, em <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais e aten<strong>de</strong>ndo<br />

aos reclamos da doutrina, consagrou a absoluta vedação à edição <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

sobre matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong> penal e processual penal.<br />

A vedação <strong>constitucional</strong> atual em matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong> penal é absoluta, não se permitindo,<br />

tampouco, a edição <strong>de</strong> medidas provisórias sobre matéria penal benéfica.3<br />

Por igual, na órbita tributária, a norma <strong>constitucional</strong> exige a anteriorida<strong>de</strong> da lei.4 E<br />

medida provisória nãoé lei, mas espécie normativa excepcional, transitoriamente investida<br />

<strong>de</strong> “força <strong>de</strong> lei”. Como salientado por Marcelo Figueiredo, a imediatida<strong>de</strong> das medidas<br />

provisórias é incompatível com as normas tributárias,5 que não po<strong>de</strong>m conter disposições<br />

que levem a situações irreversíveis.6<br />

No mesmo sentido, pronunciamento do Egrégio Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São<br />

Paulo afirmou que<br />

“o artigo 150, inciso I, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, veda com força <strong>de</strong> garantia dada ao<br />

contribuinte, ‘à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios exigir ou<br />

aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça’ e, no inciso III, veda a cobrança<br />

<strong>de</strong> tributos, item a, ‘em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da<br />

vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’. Não se dispensa, pois, ao<br />

tributo a reserva legal, o princípio da legalida<strong>de</strong>, que não po<strong>de</strong>ria abranger a medida<br />

provisória, que não é lei, ainda que se equipare à mesma, até pela diversida<strong>de</strong><br />

quanto ao âmbito <strong>de</strong> iniciativa e <strong>de</strong> processo legislativo”.7<br />

Conclui-se, portanto, como Roque Carrazza, que em relação aos tributos submetidos<br />

ao princípio da anteriorida<strong>de</strong>, as medidas provisórias inequivocamente não os po<strong>de</strong>m<br />

criar ou aumentar.8<br />

1 Cf. Levantamento e reedições <strong>de</strong> medidas provisórias. Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1999. p. 231 e 267.<br />

2 Cf. STF - Pleno - A din n2 162-1/DF - R e i . Min. M oreira A lves, Diário <strong>de</strong> Justiça, Seção 1 ,19 set. 1997, p.<br />

45.582 e STF - Serviço <strong>de</strong> Jurisprudência - Ementários n2 1883-01 e n 2 1714-1.<br />

3 Conferir, sobre essa importante distinção em face das medidas provisórias, voto d o Ministro Sepúlveda Pertence:<br />

STF-R extr. n2254.818-PR-R eL Min. Sepúlveda Pertence. Informativo STFn2 220, p. 2,21 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2001.<br />

4 Conferir <strong>de</strong>spacho do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello, on<strong>de</strong> a m atéria é <strong>de</strong>talhadam ente analisada n a doutrina e<br />

jurisprudência (STF - I a T. - Rextr. n° 239.286-6/PR - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,18<br />

nov. 1999, p. 51).<br />

5 FIGUEIREDO, M arcelo. A medida provisória na constituição. São Paulo: Atlas, 1991. p. 42.<br />

6 GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 37.<br />

7 T J / S P -A d in n2 l 1.643-0/0.<br />

8 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso <strong>de</strong> Direito... Op. cit. p. 159.


Processo Legislativo 7 0 7<br />

Em relação à matéria tributária, ressalte-se, pela relevância da <strong>de</strong>cisão, que o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, excepcionalmente e em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> medida liminar, admitiu a edição<br />

<strong>de</strong> medida provisória para <strong>de</strong>terminar a extensão, aos proventos dos servidores públicos<br />

inativos, da incidência <strong>de</strong> contribuição para o custeio da previdência social, observando, porém,<br />

a obrigatorieda<strong>de</strong> do cumprimento do prazo <strong>de</strong> noventa dias para sua exigibilida<strong>de</strong>,<br />

nos termos do art. 195, § 6a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, também em se<strong>de</strong> liminar, admitiu a instituição <strong>de</strong><br />

tributos por medida provisória, pois conforme ressaltado pelo Ministro-relator Octávio<br />

Gallotti “tendo força <strong>de</strong> lei, é meio hábil, a medida provisória, para instituir tributos, e<br />

contribuições sociais, a exemplo do que já sucedia com os <strong>de</strong>cretos-lei do regime ultrapassado<br />

como sempre esta Corte enten<strong>de</strong>u”,12 porém, ressalvou a obrigatorieda<strong>de</strong> do respeito<br />

ao art. 150, inc. III, a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

Igualmente, porém em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> mérito, o Plenário do STF julgou parcialmente<br />

in<strong>constitucional</strong> a medida provisória na 628, <strong>de</strong> 23-9-94 e suas sucessivas reedições<br />

até a medida provisória na 1.482-34, <strong>de</strong> 14-3-97, enten<strong>de</strong>ndo, apesar da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> instituição <strong>de</strong> tributos, absolutamente necessário o respeito, por parte das medidas<br />

provisórias, do princípio da anteriorida<strong>de</strong> do Direito Tributário.4<br />

1 STF - Pleno - Adin n214 41-2/DF - m edida liminar - Rei. M in. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção 1,18<br />

ou t. 1996 e S T F -M S 22654-4 - m edida liminar - Rei. Min. Maurício Corrêa, D iário d a Justiça, Seção 1,26 nov.<br />

1996, p. 46.421. Ressalte-se, ainda, como <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “uma vez convertida<br />

a m edida provisória em lei, no prazo previsto no parágrafo único do artigo 62 da Carta Política da República,<br />

conta-se a partir da veiculação da prim eira o período <strong>de</strong> noventa dias <strong>de</strong> que cogita o § 6° do artigo 195, também<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. A circunstância <strong>de</strong> a lei <strong>de</strong> con versão haver sido publicada após os trinta dias não prejudica<br />

a contagem, consi<strong>de</strong>rado com o term o inicial a d ata em que divulgada a m edida provisória” (S T F - Rextr.<br />

n2 1 6 8 .4 2 1 -6 -Rei. Min. Marco A u rélio-Inform ativo STFn2 1 0 4 - p. 4).<br />

2 STF - Pleno - Adin n2 1417-0/DF - m edida liminar - Rei. Min. Octávio G allotti - Ementário n ° 1.829-01,<br />

cujo teor da ementa afirm a: “M edida provisória Im proprieda<strong>de</strong>, n a fa se d e ju lgam en to cautelar, d a aferição<br />

do pressuposto <strong>de</strong> urgência que en volve, em última an álise, a afirm ação <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r discricionário, na<br />

sua edição. Legitim ida<strong>de</strong>, ao prim eiro exam e, da instituição d e tributos por m edid a provisória com força <strong>de</strong><br />

lei, e, ainda, <strong>de</strong> com etim ento da fiscalização <strong>de</strong> contribuições previ<strong>de</strong>n ciárias à Secretaria da R eceita Fe<strong>de</strong>ral.<br />

I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato gerador. Arguição que per<strong>de</strong> relevo peran te o art. 1 5 4 ,1, referente a exações n ão p revistas<br />

na Constituição, ao passo que cuida ela do chamado PIS/PASEP no art. 239, além <strong>de</strong> autorizar, no art. 195,1, a<br />

cobrança <strong>de</strong> contribuições sociais da espécie da conhecida como pela sigla COFINS. Liminar concedida, em parte,<br />

para suspen<strong>de</strong>r o efeito retroativo imprimido, à cobrança, pelas expressões contidas no art. 17 da MP n21.325-96.”<br />

3 C onform e <strong>de</strong>stacou o Ministro Octávio Gallotti, “É, con tu d o, inegável o relevo da arguição <strong>de</strong> retroativida<strong>de</strong><br />

da cobrança, expressamente estipulada na cláusula fin al do art. 17 do ato impugnado, em confronto com<br />

o princípio consagrado no art. 150,111, a, da Constituição” (trecho do voto do Min. relator - Adin n2 1.417-0/<br />

D F -Ementário n2 1.829-01).<br />

4 STF - “Ementa: Previdência social: contribuição social d o servidor público: restabelecim ento d o sistema <strong>de</strong><br />

alíquotas progressivas pelaM prov. 560, <strong>de</strong> 26-7-94, e suas sucessivas reedições, com vigênciaretroativa a 1-7-94<br />

q u an d o c essara à da L. 8.688/93, que inicialmente havia instituído: violação, no ponto, pela M prov 560/94 e suas<br />

reedições, da regra da anteriorida<strong>de</strong> m itigada do art. 195, § 62 d a C onstituição; consequente in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

d a mencionada regra <strong>de</strong> vigência que, dada a solução <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> ocorrida, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da existência<br />

ou não da majoração das alíquotas em relação àquelas fix a d a s n a lei c u ja vigên ciajá se exaurira” (P le n o -A d in<br />

n2 1.135-9/DF - Rei. p/Acórdão: Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,5 <strong>de</strong>z 1997, p. 63.903).


708 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, no Pretório Excelso já encontra-se pacificada a plena e legítima possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> disciplinar matéria <strong>de</strong> natureza tributária por meio <strong>de</strong> medidas provisórias, que por<br />

previsão <strong>constitucional</strong> têm força <strong>de</strong> lei.1<br />

A Emenda Constitucional n12 32/01, seguindo essa orientação do STF, <strong>de</strong>terminou<br />

possível a edição <strong>de</strong> medidas provisórias para instituição ou majoração <strong>de</strong> impostos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

que respeitado o princípio da anteriorida<strong>de</strong>.<br />

Observe-se, porém, que a atual redação do § 2a, do art. 62, representou gran<strong>de</strong> avanço<br />

em relação à posição jurispru<strong>de</strong>ncial anterior, pois, enquanto o STF entendia satisfeito o<br />

princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a primeira medida provisória que tratasse<br />

da instituição ou majoração <strong>de</strong> impostos tivesse sido editada no exercício financeiro anterior,<br />

a redação dada pela Emenda Constitucional nQ32/01 exige que a medida provisória<br />

tenha sido convertida em lei até o último dia do exercício financeiro anterior, para que<br />

possa produzir efeitos.<br />

Além disso, em respeito ao princípio da segurança jurídica e receando repetição <strong>de</strong><br />

absurdos planos econômicos, a Constituição passou a vedar a edição <strong>de</strong> medidas provisórias<br />

que visem à <strong>de</strong>tenção ou sequestro <strong>de</strong> bens, <strong>de</strong> poupança popular ou qualquer outro<br />

ativo financeiro.<br />

Ainda, vedou-se a edição <strong>de</strong> medidas provisórias sobre matéria já disciplinada em projeto<br />

<strong>de</strong> lei aprovado pelo Congresso Nacional e pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> sanção ou veto do Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, hipótese que consistiría em flagrante <strong>de</strong>srespeito à Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res.<br />

No tocante à edição <strong>de</strong> medida provisória em matéria reservada à lei complementar,<br />

parece-nos que assiste razão a Marcelo Figueiredo2 e Leon Frejda Szklarowsky,3 que afirmam<br />

a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta hipótese, uma vez que o legislador constituinte originário<br />

expressamente estabeleceu uma reserva <strong>de</strong> competência à edição <strong>de</strong> lei complementar,<br />

a ser <strong>de</strong>liberada por maioria absoluta dos membros <strong>de</strong> ambas as Casas Legislativas, incompatível,<br />

pois, com a unipessoalida<strong>de</strong> na edição das medidas provisórias.4 Além disso,<br />

como afirma Marco Aurélio Greco, o “art. 62 prevê a conversão da medida provisória em<br />

lei e não em lei complementar”.5<br />

Esse entendimento foi consagrado pela Emenda Constitucional na 32/01, que passou<br />

a vedar expressamente a edição <strong>de</strong> medidas provisórias sobre matéria reservada a lei<br />

complementar.<br />

1 S T F - P le n o - A d in n° 1.667-9/DF - medida liminar - Rei. Min. ilm ar G alvão, Diário da Justiça, Seção 1,21<br />

nov. 1997, p. 60.586.<br />

2 Op. cit. p. 35.<br />

3 L eon Frejda Szklarowsky lem bra que “ apenas o Ministro M oreira Alves e o ju iz H u go <strong>de</strong> Brito Machado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m<br />

a tese <strong>de</strong> que a m edida provisória po<strong>de</strong> veicular m atéria <strong>de</strong> lei complementar” (Op. cit. p. 77).<br />

4 Nesse sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “ Embora válido o argum ento <strong>de</strong> que M.P. não<br />

po<strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> m atéria submetida pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral a Lei Complementar, é <strong>de</strong> se consi<strong>de</strong>rar que, no<br />

caso, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não exige Lei Complementar para alterações no Código Florestal, ao menos as concernentes<br />

à Floresta Am azônica” (S T F - P le n o - A d in n e 1.516-8 - m ed id a lim in a r-R eL Min. SydneySanches,<br />

Diário da Justiça, Seção 1 ,13 ago. 1999, p. 3).<br />

5 O p. cit. p. 36.


Processo Legislativo 7 0 9<br />

Entre as várias e salutares alterações propostas pela Emenda Constitucional n° 32/01<br />

ao art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a vedação <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> medidas provisórias em matéria<br />

processual civil,1<strong>de</strong> maneira salutar à Democracia e à Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, reiterou a<br />

impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong>sse mecanismo para restringir a concessão <strong>de</strong> medidas<br />

cautelares e liminares pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

4.4 Lei <strong>de</strong>legada<br />

Lei <strong>de</strong>legada é ato normativo elaborado e editado pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, em<br />

razão <strong>de</strong> autorização do Po<strong>de</strong>r Legislativo, e nos limites postos por este, constituindo-se<br />

verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>legação externa da função legiferante e aceita mo<strong>de</strong>rnamente, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

com limitações, como mecanismo necessário para possibilitar a eficiência do Estado e sua<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior agilida<strong>de</strong> e celerida<strong>de</strong>.<br />

Nelson <strong>de</strong> Souza Sampaio nos expõe as razões <strong>de</strong> expansão da legislação <strong>de</strong>legada,<br />

resumidas em relatório apresentado pelo Committee on Ministers Power s, da Grã-Bretanha,<br />

em 1932: falta <strong>de</strong> tempo do Parlamento, pela sobrecarga <strong>de</strong> matérias; caráter técnico <strong>de</strong><br />

certos assuntos; aspectos imprevisíveis <strong>de</strong> certas matérias a ser reguladas; exigência <strong>de</strong><br />

flexibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> certas regulamentações; possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazerem-se experimentos através<br />

da legislação <strong>de</strong>legada; situações extraordinárias ou <strong>de</strong> emergência.12<br />

4.4.1 Natureza ju ríd ica<br />

Apesar da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aprovação pelo Congresso Nacional <strong>de</strong> uma resolução,<br />

autorizando o Presi<strong>de</strong>nte da República a editá-la, a lei <strong>de</strong>legada, quanto ao conteúdo e à<br />

eficácia, tem sua natureza jurídica idêntica às <strong>de</strong>mais previstas no art. 59 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, qual seja, espécie ou ato normativo primário, <strong>de</strong>rivado <strong>de</strong> pronto da Constituição.<br />

4.4.2 P ro ce sso legislativo e sp e cia l da le i <strong>de</strong>legada<br />

As leis <strong>de</strong>legadas serão elaboradas pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, que <strong>de</strong>verá solicitar<br />

a <strong>de</strong>legação ao Congresso Nacional, assim a iniciativa exclusiva e discricionariamente<br />

exercida pelo Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo é <strong>de</strong>nominada iniciativa solicitadora.<br />

Esta solicitação, que <strong>de</strong>verá indicar o assunto referente à lei a ser editada, sofre algumas<br />

vedações materiais, pois não serão objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação: os atos <strong>de</strong> competência exclusiva do<br />

Congresso, os <strong>de</strong> competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Fe<strong>de</strong>ral e<br />

a matéria reservada a lei complementar. Igualmente, veda-se a <strong>de</strong>legação em matéria referente<br />

a legislação sobre organização do Po<strong>de</strong>r Judiciário e do Ministério Público, a carreira<br />

e a garantia <strong>de</strong> seus membros; nacionalida<strong>de</strong>, cidadania, <strong>direito</strong>s individuais, políticos e<br />

eleitorais e planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos (CF, art. 68, § I a).<br />

1 STF, Pleno, RE581.160, Rei. Min. Ricardo I.cwandowski, ju lga mento em 20-6-2012, DJE <strong>de</strong> 23-8-2012. com<br />

repercussão geral; STF, Pleno, ADI 2.736, ReL Min. CezarPeluso, julgam ento em 8-9 -2010, DJE <strong>de</strong> 29-3-2011.<br />

2 SAMPAIO, Nelson d e Souza. O processo... Op. cit. p. 75.


7 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Uma vez encaminhada a solicitação ao Congresso Nacional, a mesma será submetida<br />

a votação pelas Casas do Congresso Nacional, em sessão bicameral conjunta ou separadamente,<br />

e em sendo aprovada por maioria simples, terá a forma <strong>de</strong> resolução, que<br />

especificará obrigatoriamente as regras sobre seu conteúdo e os termos <strong>de</strong> seu exercício.<br />

O Congresso Nacional po<strong>de</strong>rá estabelecer as restrições <strong>de</strong> conteúdo e exercício que<br />

enten<strong>de</strong>r necessárias, tais como o termo <strong>de</strong> caducida<strong>de</strong> da habilitação, linhas gerais da<br />

lei, período <strong>de</strong> vigência, entre outras.<br />

Ressalte-se, pela importância, o caráter temporário da <strong>de</strong>legação, que jamais po<strong>de</strong>rá<br />

ultrapassar a legislatura, sob pena <strong>de</strong> importar em abdicação ou renúncia do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo a sua função <strong>constitucional</strong>, o que não será permitido. Esta característica <strong>de</strong><br />

irrenunciabilida<strong>de</strong> da função legif erante permite que, mesmo durante o prazo concedido<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da República para editar a lei <strong>de</strong>legada, o Congresso Nacional discipline a<br />

matéria por meio <strong>de</strong> lei ordinária. Além disso, nada impedirá que, antes <strong>de</strong> encerrado o<br />

prazo fixado na resolução, o Legislativo <strong>de</strong>sfaça a <strong>de</strong>legação.<br />

Retornando a resolução ao Presi<strong>de</strong>nte da República, este elaborará o texto normativo,<br />

promulgando-o e <strong>de</strong>terminando sua publicação, uma vez que se a ratificação parlamentar<br />

não for exigida, todo o restante do processo legislativo se esgotará no interior do Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo (<strong>de</strong>legação típica ou própria').<br />

Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Presi<strong>de</strong>nte editar mais<br />

<strong>de</strong> uma lei sobre a matéria durante o prazo fixado pelo Congresso Nacional, posição que<br />

não encontra acolhida por parte <strong>de</strong> Clèmerson Merlin Clève, que enten<strong>de</strong> ser a <strong>de</strong>legação<br />

legislativa concedida <strong>de</strong> forma expressa paramatériaconcreta e com fixação do prazo para<br />

seu exercício, esgotando-se pelo uso que <strong>de</strong>la faça o Governo, mediante a promulgação e<br />

publicação da norma correspon<strong>de</strong>nte. Enten<strong>de</strong>mos que a resolução do Congresso Nacional<br />

<strong>de</strong>verá fixar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma lei <strong>de</strong>legada a partir daquela<br />

<strong>de</strong>legação, sendo o seu silêncio proibitivo.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá, outrossim, não editar nenhuma lei <strong>de</strong>legada, uma<br />

vez que a <strong>de</strong>legação legislativa não tem força vinculante para o Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Haverá, entretanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Congresso Nacional estabelecer na resolução<br />

que conce<strong>de</strong> a <strong>de</strong>legação a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que o projeto elaborado pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República <strong>de</strong>verá retornar ao Legislativo para apreciação em votação única, vedada a apresentação<br />

<strong>de</strong> qualquer emenda, no que se <strong>de</strong>nomina <strong>de</strong>legação atípica ou imprópria. Nestes<br />

casos, se o Parlamento aprovar in totum o projeto, o Presi<strong>de</strong>nte da República efetivará a<br />

promulgação e <strong>de</strong>terminará sua publicação. Se ocorrer o contrário, rejeição integral do<br />

projeto <strong>de</strong> lei, este será arquivado, somente po<strong>de</strong>ndo ser reapresentado nos termos do<br />

art. 67 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

4.4.3 0 po<strong>de</strong>r do C o n gresso N acio n a l <strong>de</strong> su sta r a le i <strong>de</strong>legada<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina ser <strong>de</strong> competência exclusiva do Congresso Nacional<br />

sustar os atos normativos do Po<strong>de</strong>r Executivo que exorbitem os limites <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação<br />

legislativa (CF, art. 49, V).<br />

Dessa forma, extrapolando o Presi<strong>de</strong>nte da República os limites fixados na resolução<br />

conce<strong>de</strong>nte da <strong>de</strong>legação legislativa, po<strong>de</strong>rá o Congresso Nacional, através da aprovação


Processo Legislativo 711<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo, sustar a referida lei <strong>de</strong>legada, paralisando seus efeitos normais. A<br />

sustação não será retroativa, operando, portanto, ex nunc, ou seja, a partir da publicação<br />

do Decreto Legislativo,1uma vez que não houve <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da lei <strong>de</strong>legada,<br />

mas sustação <strong>de</strong> seus efeitos.<br />

Anote-se que a existência <strong>de</strong>sta espécie <strong>de</strong> controle legislativo não impedirá a eventual<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, por <strong>de</strong>srespeito<br />

aos requisitos formais do processo legislativo da lei <strong>de</strong>legada, expressamente previstos<br />

no art. 68 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, existindo, <strong>de</strong>ssa forma, um duplo controle repressivo<br />

da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da edição das leis <strong>de</strong>legadas.<br />

Ressalte-se, por fim, que a eventual <strong>de</strong>claração direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei<br />

<strong>de</strong>legada, por parte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, diferentemente da sustação levada a<br />

termo pelo Congresso Nacional, terá efeitos retroativos, operando ex tunc, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a própria edição daquela espécie normativa.<br />

4.5 Decreto legislativo<br />

4.5.1 Conceito<br />

Decreto legislativo é a espécie normativa <strong>de</strong>stinada a veicular as matérias <strong>de</strong> competência<br />

exclusiva do Congresso Nacional, previstas, basicamente, no art. 49 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Além <strong>de</strong>stas matérias, também é <strong>de</strong> competência do <strong>de</strong>creto legislativo a<br />

regulamentação exigida no art. 62, da citada Carta (EC nfi 32/01).<br />

Assim, os <strong>de</strong>cretos legislativos constituem, igualmente às <strong>de</strong>mais espécies previstas<br />

no art. 59 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, atos normativos primários veiculadores da competência<br />

exclusiva do Congresso Nacional, cujo procedimento não é tratado pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, cabendo ao próprio Congresso discipliná-lo.<br />

4.5.2 Processo legislativo esp ecia l previsto para a elaboração do <strong>de</strong>creto<br />

legislativo<br />

De ressaltar, que os <strong>de</strong>cretos legislativos serão, obrigatoriamente, instruídos, discutidos<br />

e votados em ambas as casas legislativas, no sistema bicameral; e se aprovados, serão<br />

promulgados pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Presi<strong>de</strong>nte do Congresso<br />

Nacional, que <strong>de</strong>terminará sua publicação.12<br />

Não haverá participação do Presi<strong>de</strong>nte da República no processo legislativo <strong>de</strong> elaboração<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cretos legislativos, e, consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por tratar-se<br />

<strong>de</strong> matérias <strong>de</strong> competência do Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

1 FERRAZ, AnnaCândidaCunha. Conflito entre... Op. cit. p. 145.<br />

2 Art. 48, n° 28, do Regimento Interno doSenadoFe<strong>de</strong>ral; Compete ao Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral promulgar<br />

as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos.


7 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.5.3 Tratados e atos in tern a cio n a is e in co rp o ra çã o com status ordinário<br />

ou co n stitu cio n a l (<strong>direito</strong>s hum anos)<br />

A EC nB45/04 conce<strong>de</strong>u ao Congresso Nacional, somente na hipótese <strong>de</strong> tratados e<br />

convenções internacionais que versem sobre Direitos Humanos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporação<br />

com status ordinário (CF, art. 49,1) ou com status <strong>constitucional</strong> (CF, § 3°, art. 5°).<br />

Em regra, o Congresso Nacional po<strong>de</strong>rá aprovar os tratados e atos internacionais<br />

mediante a edição <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo (CF, art. 4 9 ,1), ato que dispensa sanção ou promulgação<br />

por parte do Presi<strong>de</strong>nte da República. O <strong>de</strong>creto legislativo, portanto, contém<br />

aprovação do Congresso Nacional ao tratado e simultaneamente a autorização para que o<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República ratifique-o em nome da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, por meio<br />

da edição <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial.<br />

Ressalte-se que a edição do <strong>de</strong>creto legislativo, aprovando o tratado, não contém<br />

todavia uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> execução do tratado no Território Nacional, uma vez que somente<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da República cabe <strong>de</strong>cidir sobre sua ratificação. Com a promulgação do<br />

tratado através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto do Chefe do Executivo recebe esse ato normativo a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong><br />

execução, passando, assim, a ser aplicado <strong>de</strong> forma geral e obrigatória.1<br />

São, pois, três fases para a incorporação <strong>de</strong> um ato ou tratado internacional em nosso<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico interno:2<br />

• 1-fase: compete privativamente ao Presi<strong>de</strong>nte da República celebrar todos os<br />

tratados, convenções e atos internacionais (CF, art. 84, VIII);<br />

• 2 i fase: é <strong>de</strong> competência exclusiva do Congresso Nacional resolver <strong>de</strong>finitivamente<br />

sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos<br />

ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF, art. 49,1). A <strong>de</strong>liberação<br />

do Parlamento será realizada através da aprovação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto legislativo,<br />

<strong>de</strong>vidamente promulgado pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral e publicado;<br />

• 3i fase: edição <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto do Presi<strong>de</strong>nte da República, promulgando o ato<br />

ou tratado internacional <strong>de</strong>vidamente ratificado pelo Congresso Nacional. É<br />

nesse momento que adquire executorieda<strong>de</strong> interna a norma inserida pelo<br />

ato ou tratado internacional, po<strong>de</strong>ndo, inclusive, ser objeto <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos, <strong>de</strong>ssa forma, apontar as características essenciais da incorporação no plano<br />

do <strong>direito</strong> interno <strong>de</strong> atos ou tratados internacionais:3<br />

1 RODAS, João Grandino. Tratados internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 52.<br />

2 STF - Adin n ° 1.480-3 - m edida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Brasília, 17 jul. 1996.<br />

3 REZEK, José Francisco. Direito internacional público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 83-84. ACCIOLY,<br />

H il<strong>de</strong>brando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacionalpúblico. 12. ed. São Paulo:<br />

Saraiva, 1996. p. 26. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> internacional. São Paulo:<br />

M ax Limonad, 1996. p. 82 ROCHA, Fernando Luiz Ximenes. A incorporação dos tratados e convenções internacionais<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s humanos no <strong>direito</strong> brasileiro. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

n° 130, p. 77,1996.


Processo Legislativo 713<br />

• A norma internacional contida em um ato ou tratado do qual o Brasil seja signatário<br />

(CF, art. 84, VIII), por si só, não dispõe <strong>de</strong> qualquervigência e eficácia<br />

no <strong>direito</strong> interno;1<br />

• O <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> brasileiro não exige a edição <strong>de</strong> lei formal para a incorporação<br />

do ato ou tratado internacional (dualismo extremado);<br />

• A incorporação do ato ou tratado internacional, no âmbito do <strong>direito</strong> interno,<br />

exige primeiramente a aprovação <strong>de</strong> um <strong>de</strong>creto legislativo pelo Congresso<br />

Nacional, e posteriormente a promulgação do Presi<strong>de</strong>nte da República, via<br />

<strong>de</strong>creto, do texto convencional (dualismo mo<strong>de</strong>rado);<br />

• A simples aprovação do ato ou tratado internacional por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto legislativo,<br />

<strong>de</strong>vidamente promulgado pelo presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral e publicado,<br />

não assegura a incorporação da norma ao <strong>direito</strong> interno;<br />

• Após a aprovação realizada pelo Congresso Nacional, será a promulgação do<br />

chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo que garantirá a aplicação imediata da norma na legislação<br />

interna;<br />

• As normas previstas nos atos, tratados, convenções ou pactos internacionais<br />

<strong>de</strong>vidamente aprovadas pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo e promulgadas pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, inclusive quando preveem normas sobre <strong>direito</strong>s fundamentais,<br />

ingressam no or<strong>de</strong>namento jurídico como atos normativos infraconstitucionais,12<br />

salvo na hipótese do § 3a, do art. 52, pelo qual a EC nfi 45/04 estabeleceu que os<br />

tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s humanos que forem aprovados,<br />

em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos<br />

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.<br />

A Constituição portuguesa contém em seu art. 8S regra absolutamente<br />

semelhante em relação aos tratados e atos internacionais, sendo que Canotilho<br />

e Moreira assim concluem: “as normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacional público vigoram<br />

na or<strong>de</strong>m interna com a mesma relevância das normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> interno, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo quanto à subordinação à Constituição - sendo, pois, inconstitucionais se<br />

infringirem as normas da Constituição ou seus princípios”.3 Igualmente, analisando<br />

a Constituição argentina, afirma Quiroga Lavié que, se o tratado vulnera<br />

a Constituição, não po<strong>de</strong> ser aplicado; porém, se não há incompatibilida<strong>de</strong><br />

com as normas constitucionais, o tratado <strong>de</strong>vidamente incorporado terá plena<br />

vigência, com hierarquia equivalente às leis fe<strong>de</strong>rais.4<br />

Ressaltem-se dois pontos <strong>de</strong> extrema importância: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ratificação pelo<br />

Parlamento dos atos e tratados internacionais e a supremacia <strong>constitucional</strong> sobre as normas<br />

que ingressam no or<strong>de</strong>namento jurídico por meio <strong>de</strong> atos e tratados internacionais.<br />

1 FERREIRA, G ilm ar Men<strong>de</strong>s. Jurisdição <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 168. O autor cita,inclusive,<br />

prece<strong>de</strong>nte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: BTJ 95/980.<br />

2 STF - 2a T. - Habeas corpus n° 73044-2/SP - R ei. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1 ,20 set. 1996,<br />

p. 34.534.<br />

3 CANOTILHO, J. J. G om es; MOREIRA, V ita l Constituição... Op. cit. p. 85.<br />

4 LAVIÉ, Humberto Quiroga. Derecho <strong>constitucional</strong>. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 425.


7 1 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ratificação pelo Parlamento dos atos e tratados internacionais, consagrada<br />

no art. 4 9 ,1, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, segue a tendência do <strong>direito</strong> comparado.<br />

Assim, verifica-se essa regra, por exemplo, nos arts. 93 e 94 da Constituição espanhola <strong>de</strong><br />

1978; no art. 75, item 22, da Constituição da Nação Argentina, inclusive após a Reforma <strong>de</strong><br />

1994; nos arts. 85, item 5, e 89 da Constituição suíça; art. 59, item 2, da Lei Fundamental<br />

alemã <strong>de</strong> 1949; arts. 48 e 50 da Lei Constitucional Fe<strong>de</strong>ral da Áustria, <strong>de</strong> 1929; 167, item<br />

2, da Constituição da Bélgica, <strong>de</strong> 1994; art. 55 da Constituição da República Francesa <strong>de</strong><br />

1958; art. 28 da Constituição da Grécia <strong>de</strong> 1975.<br />

Igualmente, a consagração da supremacia das normas constitucionais em relação aos<br />

atos e tratados internacionais <strong>de</strong>vidamente incorporados no or<strong>de</strong>namento jurídico nacional<br />

permanece como regra no <strong>direito</strong> comparado, mesmo em algumas constituições que<br />

adotaram novas regras objetivando a maior efetivida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s fundamentais.<br />

Assim, após a Reforma <strong>de</strong> 1994, a Constituição da Nação Argentina, incorporou em<br />

seu texto vários tratados referentes a <strong>direito</strong>s humanos,1e passou a permitir a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> incorporação, com status <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong> outros tratados que versem sobre <strong>direito</strong>s<br />

humanos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, sua ratificação pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo seja realizada por quorum<br />

idêntico ao <strong>de</strong>stinado a Emendas Constitucionais.12<br />

Esse mesmo mecanismo foi adotado no Brasil pela EC na 45/04, ao permitir no § 3a, do<br />

art. 5a, a aprovação pelo Congresso Nacional <strong>de</strong> tratados e convenções internacionais sobre<br />

<strong>direito</strong>s humanos em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, ou<br />

seja, pelo mesmo processo legislativo especial das emendas à Constituição; quando, então,<br />

uma vez incorporados, serão equivalentes às emendas constitucionais.<br />

A opção <strong>de</strong> incorporação <strong>de</strong> tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s<br />

humanos, nos termos do art. 4 9 ,1ou do § 3a, do art. 5a, será discricionária do Congresso<br />

Nacional.<br />

Igualmente, no mesmo sentido <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r maior efetivida<strong>de</strong> aos <strong>direito</strong>s humanos<br />

fundamentais, a Constituição Espanhola <strong>de</strong> 1978 <strong>de</strong>termina em seu art. 10, item 2, que<br />

as normas relativas a <strong>direito</strong>s fundamentais e as liberda<strong>de</strong>s públicas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que reconhecidas<br />

pelo próprio texto <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>verão ser interpretadas em conformida<strong>de</strong> com<br />

a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tratados e acordo internacionais sobre<br />

as mesmas matérias ratificadas pela Espanha.3 Trata-se <strong>de</strong> direcionamento interpretativo,<br />

1 Art. 75 item 22 da Constituição da Nação Argentina, após afirm ar competir ao Congresso aprovar tratados<br />

concluídos com as <strong>de</strong>mais nações e com as organizações internacionais, incorpora em seu próprio texto uma série<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais, afirm ando que “ em suas condições <strong>de</strong> vigência tem hierarquia <strong>constitucional</strong>,<br />

não <strong>de</strong>rrogando, porém, qualquer artigo da primeira parte da Constituição (Parte prim era- Dedaraciones,<br />

<strong>de</strong>rechos y garantias) e <strong>de</strong>vendo enten<strong>de</strong>r-se complementares aos <strong>direito</strong>s e garantias por ela reconhecidos” .<br />

2 Constituição da Nação Argentina: Art. 75, item 22 - “ H ierarquia <strong>constitucional</strong> - Os <strong>de</strong>mais tratados e<br />

convenções sobre <strong>direito</strong>s humanos, <strong>de</strong>vidam ente aprovados pelo Congresso, requerem o voto <strong>de</strong> dois terços<br />

da totalida<strong>de</strong> dos membros da cada Câmara para gozarem <strong>de</strong> hierarquia <strong>constitucional</strong>” . Note-se que para que<br />

houvesse possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong>ssa mesma hipótese no Brasil, havería necessida<strong>de</strong> da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

prever a incorporação dos tratados pelo Congresso Nacional, por 3/5, em dois turnos <strong>de</strong> votação na Câmara dos<br />

Deputados e no Senado Fe<strong>de</strong>ral, nos termos <strong>de</strong> seu art. 60.<br />

3 O Supremo Tribunal Constitucional Espanhol proclama que os atos e tratados internacionais que versam sobre<br />

<strong>direito</strong>s humanos não têm hierarquia <strong>constitucional</strong> (STC 245/1991, FJ 3Q; STC 38/1981, FJ 4C; STC 38/1985,


Processo Legislativo 7 1 5<br />

pois em seu art. 95 continua a consagrar a supremacia das normas constitucionais, ao<br />

afirmar que a celebração <strong>de</strong> um tratado internacional que contenha estipulações contrárias<br />

à Constituição exigirá prévia revisão <strong>constitucional</strong>.1<br />

Por fim, importante <strong>de</strong>stacar que a Lei Fundamental Alemã, em seu art. 24, item 1,<br />

autoriza o Parlamento a transferir <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> soberania para organizações supranacionais,<br />

garantindo assim, nessas hipóteses, maior hierarquia na recepção dos tratados internacionais.<br />

Essa possibilida<strong>de</strong>, porém, não afastou a supremacia das normas constitucionais,<br />

pois em seu art. 79, a Lei Fundamental alemã exige quorum <strong>de</strong> reforma <strong>constitucional</strong> para<br />

que o tratado adquira status <strong>constitucional</strong>.*12<br />

Observe-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral alterou seu tradicional posicionamento,<br />

passando a proclamar - por maioria - o status da supralegalida<strong>de</strong> dos tratados<br />

internacionais incorporados no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro antes da EC na 45/04.<br />

A Corte <strong>de</strong>cidiu, em relação à vedação da prisão civil do <strong>de</strong>positário infiel, que “a<br />

circunstância <strong>de</strong> o Brasil haver subscrito o Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica, que restringe<br />

a prisão civil por dívida ao <strong>de</strong>scumprimento inescusável <strong>de</strong> prestação alimentícia (art. 7°,<br />

7), conduz à inexistência <strong>de</strong> balizas visando à eficácia do que previsto no art. 5a, LXVII,<br />

da CF”; concluindo, que “com a introdução do aludido Pacto no or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

nacional, restaram <strong>de</strong>rrogadas as normas estritamente legais <strong>de</strong>finidoras da custódia do<br />

<strong>de</strong>positário infiel”.3<br />

Dessa forma, o STF manteve a supremacia das normas constitucionais sobre o referido<br />

Pacto, porém inclinou-se pela interpretação da revogação das normas infraconstitucionais<br />

que disciplinavam a referida prisão civil, tendo, inclusive, revogado sua Súmula 619 do<br />

STF (“A prisão do <strong>de</strong>positário judicial po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cretada no próprio processo em que se<br />

constituiu o encargo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da propositura <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito”).<br />

FJ 4o; STC 254/1993, FJ 6 °), mas sim que os m esm os <strong>de</strong>vem servir d e vetores d e in terpretação para os <strong>direito</strong>s<br />

fundam entais previstos na Constituição Espanhola.<br />

1 Assim, afirm a o Tribunal Constitucional Espanhol que “ uma coisa é d izer que os Tratados internacionais a que<br />

se refere o tex to d evam o rien tar a in terpretação dos preceitos constitucionais relativos a d ireitos fundam entais,<br />

outra m uito distinta é erigir as norm as internacionais em norm as fundam entais que possam sustentar exclusivam<br />

ente um a pretensão <strong>de</strong> am paro, afirm ação esta últim a que levaria à vulneração do art. 53.2, pois fora d e nossa<br />

Con stitu ição não há <strong>de</strong> admitir-se a existência <strong>de</strong> norma fundamental alguma” (S TC 84/1989, FJ 5o. N o m esm o<br />

sentido outras <strong>de</strong>cisões d o STC espanhol: STC 120/1990, FJ 3o; STC 64/1991, FJ 4o a; STC 233/1993, FJ I o).<br />

Para conferir os acórdãos: LLO REN TE, Francisco Rubio. Derechosfundamentales y princípios <strong>constitucional</strong>es.<br />

Barcelona: A rie l Derecho, 1995, p. 79 e ss).<br />

2 Note-se, ainda, que em <strong>de</strong>fesa da supremacia <strong>constitucional</strong>, a Lei Fundam ental alemã prevê algumas cláusulas<br />

pétreas: “ art. 79 - item 3: N ão é perm itida qualquer m odificação <strong>de</strong>sta Lei Fundam ental que afete a divisão da<br />

Fe<strong>de</strong>ração em estados, ou o princípio da coop eração dos estados na legislação, ou os princípios consignados<br />

nos a rtigo s I o a 20 (D ire ito s Fundam entais)” .<br />

3 STF - Plen o - HC n ° 87.585/TO - Rei. M in . M arco A u rélio, <strong>de</strong>cisão: 3-12-2008. Ficaram ven cidos, p or qu a­<br />

lifica rem os tra ta d os internacionais <strong>de</strong>fin idores <strong>de</strong> d ireitos fundam entais com status <strong>constitucional</strong>, após a EC<br />

45/04, os M inistros Celso <strong>de</strong> M e llo , Cezar Pelu so, E llen G ra cie e Eros Grau.


7 1 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.6 Resolução<br />

4.6.1 C o n ceito<br />

Resolução é ato do Congresso Nacional ou <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong> suas casas, tomado por<br />

procedimento diferente do previsto para a elaboração das leis, <strong>de</strong>stinado a regular matéria<br />

<strong>de</strong> competência do Congresso Nacional ou <strong>de</strong> competência privativa do Senado Fe<strong>de</strong>ral1<br />

ou da Câmara dos Deputados,12 mas em regra com efeitos internos; excepcionalmente,<br />

porém, também prevê a constituição resolução com efeitos externos, como a que dispõe<br />

sobre a <strong>de</strong>legação legislativa.<br />

As resoluções constituem, igualmente às <strong>de</strong>mais espécies previstas no art. 59 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, atos normativos primários, e disporá sobre a regulação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

matérias pelo Congresso Nacional, não incluídas no campo <strong>de</strong> incidência dos <strong>de</strong>cretos<br />

legislativos (arts. 49 e 62, §§ I a a 12, da CF) e da lei, além das matérias privativas da<br />

Câmara dos Deputados (art. 51, da CF) e do Senado Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, da CF).<br />

4.6.2 E sp é cie s<br />

Anna Cândida da Cunha Ferraz subdivi<strong>de</strong> a resolução em espécies, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da<br />

finalida<strong>de</strong> pretendida. Assim, po<strong>de</strong>rão ser atos políticos (resolução senatorial que referenda<br />

nomeações), ato <strong>de</strong>liberativo (fixação <strong>de</strong> alíquotas), ato <strong>de</strong> co participação na função<br />

judicial (suspensão <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral) e<br />

ato-condição da função legislativa (autorização ao Executivo para elaborar lei <strong>de</strong>legada:<br />

habilita a produção da lei <strong>de</strong>legada) .3<br />

4.6.3 Processo legislativo e sp e cia l para a elaboração d as re so lu çõ es<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não estabelece o processo legislativo para a elaboração da<br />

espécie normativa resolução, cabendo ao regimento interno <strong>de</strong> cada uma das Casas, bem<br />

como do Congresso Nacional, discipliná-lo.<br />

Porém, nesta fixação ressaltam alguns preceitos básicos. Primeiramente, por óbvio, a<br />

resolução isolada <strong>de</strong> uma das casas legislativas, somente por ela será instruída, discutida<br />

e votada, cabendo ao seu Presi<strong>de</strong>nte4 promulgá-la e <strong>de</strong>terminar a publicação. No caso <strong>de</strong><br />

resolução do Congresso Nacional, a aprovação <strong>de</strong>verá ser bicameral, cabendo ao Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Senado, no exercício da presidência do Congresso Nacional, a promulgação.<br />

1 Regim ento In tern o do Senado Fe<strong>de</strong>ral, art. 213, c.<br />

2 Regim ento Interno da Câmara dos Deputados, art. 110, III.<br />

3 FERRAZ, Anna Cândida Cunha. Conflito entre... Op. cit. p. 129.<br />

4 Determina o art. 200, § 2a, do Regim ento Interno da Câmara dos Deputados: Asresoluções da Câmara serão<br />

promulgadas pelo Presi<strong>de</strong>nte no prazo <strong>de</strong> duas sessões após o recebim ento dos autógrafos; não o fazendo, caberá<br />

aos Vice-Presi<strong>de</strong>ntes, segundo a sua numeração ordinal, exercer essa atribuição. D e igual form a, <strong>de</strong>termina o<br />

art. 48, n° 28, do Regim ento Interno do Senado Fe<strong>de</strong>ral: Compete ao Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral prom ulgar<br />

as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos.


Processo Legislativo 7 1 7<br />

Por fim, da mesma forma que no processo legislativo do <strong>de</strong>creto legislativo, não<br />

haverá participação do Presi<strong>de</strong>nte da República no processo legislativo <strong>de</strong> elaboração <strong>de</strong><br />

resoluções, e, consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por tratar-se <strong>de</strong> matérias <strong>de</strong><br />

competência do Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

4.7 Leis orçam entárias<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, em matéria orçamentária, que o Congresso Nacional, a<br />

partir <strong>de</strong> leis <strong>de</strong> iniciativa do Po<strong>de</strong>r Executivo, estabelecerão plano plurianual; as diretrizes<br />

orçamentárias e os orçamentos anuais.1<br />

A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, <strong>de</strong> forma regionalizada, as diretrizes,<br />

objetivos e metas da administração pública fe<strong>de</strong>ral para <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital e outras<br />

<strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes e para as relativas aos programas <strong>de</strong> duração continuada. Além disso,<br />

servirá <strong>de</strong> paradigma para a elaboração <strong>de</strong> planos e programas nacionais, regionais e<br />

setoriais, conforme previstos na constituição.<br />

A lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias compreen<strong>de</strong>rá as metas e priorida<strong>de</strong>s da administração<br />

pública fe<strong>de</strong>ral, incluindo as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> capital para o exercício financeiro subsequente,<br />

orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações<br />

na legislação tributária e estabelecerá a política <strong>de</strong> aplicação das agências financeiras<br />

oficiais <strong>de</strong> fomento.<br />

A lei orçamentária anual compreen<strong>de</strong>rá o orçamento fiscal referente aos Po<strong>de</strong>res<br />

da União, seus fundos, órgãos e entida<strong>de</strong>s da administração direta e indireta, inclusive<br />

fundações instituídas e mantidas pelo Po<strong>de</strong>r Público; o orçamento <strong>de</strong> investimento das<br />

empresas em que a União, direta ou indiretamente, <strong>de</strong>tenha a maioria do capital social com<br />

<strong>direito</strong> a voto; o orçamento da segurida<strong>de</strong> social, abrangendo todas as entida<strong>de</strong>s e órgãos<br />

a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações<br />

instituídos e mantidos pelo Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Importante ressaltar que a lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho<br />

à previsão da receita e à fixação da <strong>de</strong>spesa, não se incluindo na proibição a autorização<br />

para abertura <strong>de</strong> créditos suplementares e contratação <strong>de</strong> operações <strong>de</strong> crédito, ainda que<br />

por antecipação <strong>de</strong> receita, nos termos disciplinados em lei.<br />

O legislador constituinte reservou à lei complementar a disposição sobre o exercício<br />

financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual,<br />

da lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; e o estabelecimento <strong>de</strong><br />

normas <strong>de</strong> gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como<br />

condições para a instituição e funcionamento <strong>de</strong> fundos, que <strong>de</strong>verão seguir os princípios<br />

orçamentários.<br />

1 Observe-se q u e a iniciativa exclusiva do Po<strong>de</strong>r Executivo é obrigatória para os Estados e Municípios. Nesse<br />

sentido, conferir, em relação ao Estado <strong>de</strong> Santa Catarina: STF - “Competência exclusiva do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos<br />

Orçamentos Anuais” (STF - Pleno - Adin n° 1.759-1/SC - Rei. Min. Néri da Silveira - Diário da Justiça, Seção<br />

1,6 abr. 2001, p. 66).


718 Direito Constitucional • Moraes<br />

4.7.1 P ro ce sso legislativo e sp e cia l para a s le is relativas ao plano<br />

plurianual, à s d iretrizes orçam entárias, ao orçam ento anual e aos<br />

cré d ito s adicion a is<br />

Os projetos <strong>de</strong> lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento<br />

anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso<br />

Nacional, na forma do regimento comum (CF, art. 166).<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, seguindo a tradição <strong>constitucional</strong>, a<strong>de</strong>riu ao princípio universal<br />

<strong>de</strong> iniciativa da proposta orçamentária ao Po<strong>de</strong>r Executivo. Assim, o art. 84, XXIII,<br />

prevê competir ao Presi<strong>de</strong>nte da República, privativamente, enviar ao Congresso Nacional o<br />

plano plurianual, o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias e as propostas <strong>de</strong> orçamento.<br />

O Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá, ainda, enviar mensagem ao Congresso Nacional para<br />

propor modificação nos citados projetos enquanto não iniciada a votação, na Comissão<br />

mista, da parte cuja alteração é proposta. Esta iniciativa privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

caracteriza-se por ser uma iniciativa legislativa vinculada, uma vez que <strong>de</strong>verá ser<br />

remetida ao Congresso Nacional no tempo estabelecido pela própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

No caso <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei orçamentária, haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e <strong>de</strong>spesas, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> isenções,<br />

anistias, remissões, subsídios e benefícios <strong>de</strong> natureza financeira, tributária e creditícia.<br />

Além disso, os orçamentos <strong>de</strong>verão ser compatibilizados com o plano plurianual, tendo<br />

por finalida<strong>de</strong> a redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s inter-regionais, segundo critério populacional.<br />

Apresentado o projeto <strong>de</strong> lei, caberá a uma comissão mista permanente <strong>de</strong> Senadores e<br />

<strong>de</strong>putados examinar e emitir parecer sobre os referidos projetos. Além disso, esta comissão<br />

<strong>de</strong>verá examinar e emitir parecer sobre os planos e programas nacionais, regionais e setoriais<br />

previstos na Constituição e exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária.<br />

A comissão mista permanente possui também ativida<strong>de</strong> fiscalizatória, pois diante<br />

<strong>de</strong> indícios <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas não autorizadas, ainda que sob forma <strong>de</strong> investimentos não programados<br />

ou <strong>de</strong> subsídios não aprovados, po<strong>de</strong>rá solicitar à autorida<strong>de</strong> governamental<br />

responsável que, no prazo <strong>de</strong> cinco dias, preste os esclarecimentos necessários. Não prestados<br />

os esclarecimentos, ou consi<strong>de</strong>rados estes insuficientes, a comissão solicitará ao<br />

Tribunal pronunciamento conclusivo sobre a matéria, no prazo <strong>de</strong> 30 dias, que se enten<strong>de</strong>r<br />

irregular a <strong>de</strong>spesa, <strong>de</strong>volverá o caso à Comissão, que, se julgar que o gasto possa causar<br />

dano irreparável ou grave lesão à economia pública, proporá ao Congresso Nacional sua<br />

sustação (CF, art. 72).<br />

As regras gerais <strong>de</strong> processo legislativo, estudadas anteriormente, terão aplicabilida<strong>de</strong><br />

subsidiária aos projetos <strong>de</strong> lei relativos à matéria orçamentária, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não contrariem<br />

disposições expressas sobre o assunto.<br />

4.7.2 P o ssib ilid a d e <strong>de</strong> apresentação <strong>de</strong> em endas aos projetos <strong>de</strong> leis<br />

orçam entárias<br />

As emendas serão apresentadas na comissão mista, que sobre elas emitirá parecer,<br />

e apreciadas, na forma regimental, pelo plenário das duas casas do Congresso Nacional.


Processo Legislativo 719<br />

As emendas ao projeto <strong>de</strong> lei d o orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem<br />

somente po<strong>de</strong>m ser aprovadas presentes três requisitos.<br />

O primeiro exige a compatibilida<strong>de</strong> com o plano plurianual e com a lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias.<br />

Além disso, as emendas <strong>de</strong>verão indicar os recursos necessários,1 admitidos apenas<br />

os provenientes <strong>de</strong> anulação <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa, excluídas as que incidam sobre: dotações para<br />

pessoal e seus encargos; serviço da dívida; transferências tributárias constitucionais para<br />

Estados, Municípios e Distrito Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Por fim, o último requisito exige que as emendas apresentadas sejam relacionadas<br />

com a correção <strong>de</strong> erros ou omissões ou com os dispositivos do texto do projeto <strong>de</strong> lei.<br />

Em relação às emendas <strong>de</strong>stinadas à alteração do projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes orçamentárias,<br />

somente po<strong>de</strong>rão ser aprovadas se compatíveis com o plano plurianual.<br />

O projeto <strong>de</strong> lei referente ao plano plurianual, por sua vez, não po<strong>de</strong>rá sofrer emendas<br />

que lhe aumentem as <strong>de</strong>spesas.<br />

4.7.3 R e je içã o do projeto <strong>de</strong> le i <strong>de</strong> d iretrizes orçam entárias e do projeto<br />

<strong>de</strong> le i orçam entária<br />

Não há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Congresso Nacional rejeitar o projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias, uma vez que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina em seu art. 57, § 2a, que<br />

“a sessão legislativa não será interrompida sem a aprovação do projeto <strong>de</strong> lei <strong>de</strong> diretrizes<br />

orçamentárias".<br />

Diferente é a hipótese <strong>de</strong> apreciação do projeto <strong>de</strong> lei orçamentária, em que a interpretação<br />

do art. 166, § 8a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral permite concluir pela possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> rejeição total ou parcial do projeto,12 afirmando que os recursos que, em <strong>de</strong>corrência<br />

<strong>de</strong> veto, emenda ou rejeição do projeto <strong>de</strong> lei orçamentária anual, ficarem sem <strong>de</strong>spesas<br />

correspon<strong>de</strong>ntes po<strong>de</strong>rão ser utilizados, conforme o caso, mediante créditos especiais ou<br />

suplementares, com prévia e específica autorização legislativa.<br />

Enten<strong>de</strong>ndo não ser possível ao Congresso Nacional rejeitar integralmente o projeto<br />

<strong>de</strong> lei orçamentária, sob pena <strong>de</strong> paralisação da máquina estatal, Adilson Abreu Dallari<br />

salienta que<br />

“o que é uma rejeição senão a forma mais radical <strong>de</strong> emendar, suprimindo totalmente<br />

a regra inicialmente proposta! Ora, se a constituição restringe o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong><br />

emenda, que somente po<strong>de</strong> ser exercido <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certos limites, evi<strong>de</strong>ntemente<br />

proíbe, implicitamente, a emenda total, radical, modificadora absoluta do texto<br />

1 É a exceção prevista no art. 63,1, infine, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, permitindo-se a apresentação <strong>de</strong> emendas<br />

que aumentem a <strong>de</strong>spesa do projeto original.<br />

2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários... Op. cit. v. 3. p. 152; MARTINS, Ives Gandra da Silva.<br />

Comentários... Op. cit. v. 6. t. 2. p. 325; CARVALHO, Kildare Gonçalves. Técnica... Op. cit. p. 115; SILVA, José<br />

Afonso da. Curso... Op. cit. 631; CEPAM - Fundação Prefeito Faria Lima. Breves anotações à constituição <strong>de</strong> 1988.<br />

São Paulo: Atlas, 1990. p. 392.


720 Direito Constitucional • Moraes<br />

inicialmente proposto (...). Em resumo, ao <strong>de</strong>ver imposto pela Constituição ao<br />

Chefe do Executivo <strong>de</strong> elaborar e enviar o projeto da lei orçamentária correspon<strong>de</strong><br />

o <strong>de</strong>ver imposto ao Legislativo <strong>de</strong> examiná-lo, alterá-lo (se for o caso) e aprová-lo,<br />

sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> rejeição total”.1<br />

Não nos parece que o legislador constituinte quis dar esse alcance ao texto magno,<br />

mesmo porque, sem expressa <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong> não há como suprimir-se a<br />

in<strong>de</strong>pendência do po<strong>de</strong>r legislativo ao analisar um projeto <strong>de</strong> lei, quer aprovando-o, quer<br />

rejeitando-o, total ou parcialmente.<br />

Saliente-se, porém, o caráter <strong>de</strong> excepcionalida<strong>de</strong> que <strong>de</strong>ve envolver a <strong>de</strong>mora ou a<br />

não aprovação do projeto <strong>de</strong> lei orçamentária, pois consequentemente a Administração<br />

Pública ficará sem orçamento para as <strong>de</strong>spesas do ano vindouro. Assim, prevê a Constituição<br />

que, ocorrendo essa hipótese, as <strong>de</strong>spesas que não pu<strong>de</strong>rem efetivar-se sem prévia<br />

autorização legislativa terão que sê-lo, especificadamente, mediante a existência do caso<br />

concreto e mediante leis <strong>de</strong> abertura <strong>de</strong> créditos especiais.<br />

Por fim, ressalte-se que, apesar do posicionamento doutrinário pela impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aprovação <strong>de</strong> lei orçamentária no mesmo exercício financeiro a que se refere12 na prática,<br />

não raro isso ocorre, sendo a lei orçamentária promulgada e publicada no próprio<br />

exercício financeiro a que servirá.<br />

1 DALLARI, Adilson Abreu. Lei orçamentária: processo legislativo. Revista <strong>de</strong> informação legislativa. Brasília:<br />

Senado, na 129, p. 159-160,1996.<br />

2 SAMPAIO, Nelson <strong>de</strong> Souza. O processo... Op. cit. p. 175 e SILVA, José Afonso da. Curso... Op. cit. p. 631.


■Controle <strong>de</strong><br />

1 IDEIA CENTRAL<br />

Constitucionalida<strong>de</strong> _<br />

12<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> está ligada à Supremacia da Constituição<br />

sobre todo o or<strong>de</strong>namento jurídico e, também, à <strong>de</strong> rigi<strong>de</strong>z <strong>constitucional</strong> e proteção dos<br />

<strong>direito</strong>s fundamentais.1<br />

Em primeiro lugar, a existência <strong>de</strong> escalonamento normativo é pressuposto necessário<br />

para a supremacia <strong>constitucional</strong>, pois, ocupando a constituição a hierarquia do sistema<br />

normativo é nela que o legislador encontrará a forma <strong>de</strong> elaboração legislativa e o seu con -<br />

teúdo. Além disso, nas constituições rígidas se verifica a superiorida<strong>de</strong> da norma magna<br />

em relação àquelas produzidas pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo, no exercício da função legiferante<br />

ordinária.12 Dessa forma, nelas o fundamento do controle é o <strong>de</strong> que nenhum ato normativo,<br />

que lógica e necessariamente <strong>de</strong>la <strong>de</strong>corre, po<strong>de</strong> modificá-la ou suprimi-la.3<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> intersecção entre controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e constituições rígidas<br />

é tamanha que o Estado on<strong>de</strong> inexistir o controle, a Constituição será flexível, por mais<br />

que a mesma se <strong>de</strong>nomine rígida, pois o Po<strong>de</strong>r Constituinte ilimitado estará em mãos do<br />

legislador ordinário.<br />

A supremacia <strong>constitucional</strong> adquiriu tamanha importância nos Estados Democráticos<br />

<strong>de</strong> Direito, que Cappelletti afirmou que o nascimento e expansão dos sistemas <strong>de</strong> justiça<br />

<strong>constitucional</strong> após a Segunda Guerra Mundial foi um dos fenômenos <strong>de</strong> maior relevância<br />

na evolução <strong>de</strong> inúmeros países europeus.4<br />

Alessandro Pizzorusso aponta a primordial finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

qual seja, a proteção dos <strong>direito</strong>s fundamentais, afirmando que, na organização<br />

da justiça <strong>constitucional</strong> italiana, apesar da inexistência <strong>de</strong> procedimentos específicos,<br />

1 Conferir a esse respeito: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Jurisdição <strong>constitucional</strong> e tribunais constitucionais. 2. ed.<br />

São Paulo: Atlas, 2003.<br />

2 Maurice Hauriou apontava em 1927 a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> consagração <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

na França (.Derecho público y <strong>constitucional</strong>. 2. ed. Madri: Reus, 1927. p. 159).<br />

3 STF - A gravo <strong>de</strong> Instrumento n° 174.811-7/RS - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,2 maio<br />

1996, p. 13.770.<br />

4 CAPPELLETTI, Mauro. Tribunales <strong>constitucional</strong>es europeosy <strong>de</strong>rechos fundamentales. Madri: Centro <strong>de</strong> Estúdios<br />

Constitucionales, 1984. p. 599.


722 Direito Constitucional • Moraes<br />

como o recurso <strong>de</strong> amparo ou a Verfassungsbeschwer<strong>de</strong> alemã, o controle <strong>de</strong>senrola-se nos<br />

próprios processos ordinários civis, penais ou administrativos <strong>de</strong> forma inci<strong>de</strong>ntal, pela<br />

remessa dos autos à Corte Constitucional, concebido para resolver umaquestão prejudicial<br />

para a <strong>de</strong>cisão do procedimento em curso, garantindo-se, igualmente, a supremacia dos<br />

<strong>direito</strong>s <strong>constitucional</strong>mente protegidos.1<br />

Klaus Schlaih, analisando a proteção dos <strong>direito</strong>s fundamentais pelos <strong>de</strong>mais órgãos<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário alemão aponta que a plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa hipótese constitui-se<br />

uma das inovações mais importantes da jurisprudência te<strong>de</strong>sca, pois os tribunais têm o<br />

<strong>direito</strong> e são chamados a aplicar diretamente a Constituição quando necessário, interpretando<br />

as leis ordinárias <strong>de</strong> acordo com o Direito Constitutional.12<br />

O controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no <strong>direito</strong> alemão caracteriza-se pela previsão<br />

da <strong>de</strong>nominada “questão <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>” {Richterklage). Os tribunais alemães,<br />

quando consi<strong>de</strong>rarem in<strong>constitucional</strong> uma lei, <strong>de</strong> cuja valida<strong>de</strong> <strong>de</strong>penda a <strong>de</strong>cisão,<br />

terão <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r o processo e submeter a questão à <strong>de</strong>cisão do Tribunal Constitucional<br />

Fe<strong>de</strong>ral, quando se tratar da violação da Lei Fundamental.<br />

O controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> alemão, apesar <strong>de</strong> mitigado em relação ao<br />

norte-americano, permite a análise sobre a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis por todos os juizes<br />

e tribunais, porém, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis é primazia do Tribunal<br />

Constitucional Fe<strong>de</strong>ral, pois como adverte Otto Bachof,<br />

“seria inexacto falar <strong>de</strong> um monopólio <strong>de</strong> controlo dos tribunais constitucionais,<br />

pois o controlo cabe em primeiro lugar ao tribunal <strong>de</strong> instância, só tendo este <strong>de</strong><br />

submeter a questão ao tribunal <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> haver ele próprio negado<br />

<strong>constitucional</strong>mente”.3<br />

Em síntese, como ensina Cappelletti, ao analisar a jurisdição <strong>constitucional</strong> alemã,<br />

“todos os juizes, e não apenas os juizes superiores, são legitimados a dirigir-se à Corte<br />

Constitucional, limitadamente às leis relevantes nos casos concretos submetidos a seu<br />

julgamento; e este julgamento será suspenso, enquanto a Corte Constitucional não tiver<br />

<strong>de</strong>cidido a questão prejudicial <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.4<br />

O controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> configura-se, portanto, como garantia <strong>de</strong> supremacia<br />

dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais previstos na constituição que, além <strong>de</strong> con<br />

figurarem limites ao po<strong>de</strong>r do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio<br />

Estado, <strong>de</strong>terminando seus <strong>de</strong>veres e tornando possível o processo <strong>de</strong>mocrático em um<br />

Estado <strong>de</strong> Direito.5<br />

1 PIZZORUSSO, Alessandro. Tribunales <strong>constitucional</strong>es... Op. cit. p. 238.<br />

2 SCHLAIH, Klaus. Tribunales <strong>constitucional</strong>es... Op. cit. p. 134-136.<br />

3 BACHOF, O tto .Normas constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Alm edina, 1994. p. 75.<br />

4 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis no <strong>direito</strong> comparado. 2. ed. Porto<br />

A legre: Sérgio Fabris, 1992. p.109.<br />

5 CS. KELSEN, Hans. Teoria pura do <strong>direito</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 288-290; EISENMANN, Charles.<br />

La justice constitutionnelle et la haute cour constitutionnelle d’Autriche. Paris: Economica-Presses Universitaires<br />

d’A ix Marseille, 1986. p. 174; GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. La Constitución como normay el tribunal cons-


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 723<br />

2 CONCEITO<br />

Controlar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> significa verificar a a<strong>de</strong>quação (compatibilida<strong>de</strong>) <strong>de</strong><br />

uma lei ou <strong>de</strong> um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais<br />

e materiais.<br />

Dessa forma, no sistema <strong>constitucional</strong> brasileiro somente as normas constitucionais<br />

positivadas po<strong>de</strong>m ser utilizadas como paradigma para a análise da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> leis ou atos normativos estatais (.bloco <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>).*1<br />

Ressalte-se que, se possível for, a fim <strong>de</strong> garantir-se a compatibilida<strong>de</strong> das leis e atos<br />

normativos com as normas constitucionais, <strong>de</strong>verá ser utilizada a técnica da interpretação<br />

conforme, já analisada no item 5.1 do Capítulo 1.<br />

3 PRESSUPOSTOS OU REQUISITOS DE CONSTITUCIONALIDADE DAS ESPÉCIES<br />

NORMATIVAS<br />

A análise da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das espécies normativas (art. 59 da CF) consubstancia-se<br />

em compará-las com <strong>de</strong>terminados requisitos formais e materiais, a fim <strong>de</strong> verificar-<br />

-se sua compatibilida<strong>de</strong> com as normas constitucionais.<br />

3.1 Requisitos formais<br />

O art. 5a, 11, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, consagra o princípio d a legalida<strong>de</strong> ao <strong>de</strong>terminar<br />

que ninguém será obrigado afazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei.<br />

Como garantia <strong>de</strong> respeito a este princípio básico em um Estado Democrático <strong>de</strong> Direito,<br />

a própria Constituição prevê regras básicas na feitura das espécies normativas. Assim, o<br />

processo legislativo é verda<strong>de</strong>iro corolário do princípio da legalida<strong>de</strong>, como analisado no<br />

capítulo sobre <strong>direito</strong>s fundamentais, que <strong>de</strong>ve ser entendido como ninguémserá obrigado<br />

afazer ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer alguma coisa senão em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> espécie normativa <strong>de</strong>vidamente<br />

elaborada <strong>de</strong> acordo com as regras <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong> (arts. 59 a 69, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

Assim sendo, a inobservância das normas constitucionais <strong>de</strong> processo legislativo tem<br />

como consequência a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal da lei ou ato normativo produzido,<br />

possibilitando pleno controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado.<br />

3.1.1 Subjetivos<br />

Referem-se à fase introdutória do processo legislativo, ou seja, à questão <strong>de</strong> iniciativa.<br />

Qualquer espécie normativa editada em <strong>de</strong>srespeito ao processo legislativo, mais<br />

titucional. 3 . ed . M adri: C iv ita s, 1 9 9 4 ; GARCÍA BELAUNDE, D om in g o, FERNANDEZ SEG A D O , F ran cisco . La<br />

jurisdicción <strong>constitucional</strong> en Iberoamerica. M ad ri: D ykin son, 1 9 9 7 .<br />

1 S T F - A din nQ1 120/PA - R e i. M in . C e lso d e M e llo , Diário da Justiça, S e ç ã o I, 7 m ar. 2 0 0 2 , p. 7 .


7 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

especificamente, inobservando àquele que <strong>de</strong>tinha o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> iniciativa legislativa para<br />

<strong>de</strong>terminado assunto, apresentará flagrante vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Assim, por exemplo, lei ordinária, <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei apresentado por <strong>de</strong>putado<br />

fe<strong>de</strong>ral, aprovada para majoração do salário do funcionalismo público fe<strong>de</strong>ral, será<br />

in<strong>constitucional</strong>, por vício formal subjetivo, pois a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê expressa e<br />

privativa competência do Presi<strong>de</strong>nte da República para apresentação da matéria perante<br />

o Congresso Nacional (art. 61, § l e, II, a).<br />

3 .1 .2 Objetivos<br />

Referem-se às duas outras fases do processo legislativo: constitutiva e complementar.<br />

Assim, toda e qualquer espécie normativa <strong>de</strong>verá respeitar todo o trâmite <strong>constitucional</strong><br />

previsto nos arts. 60 a 69.<br />

Por exemplo, um projeto <strong>de</strong> lei complementar aprovado por maioria simples na Câmara<br />

dos Deputados e no Senado Fe<strong>de</strong>ral, sancionado, promulgado e publicado, apresenta<br />

um vido formal objetivo <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, uma vez que foi <strong>de</strong>srespeitado o quorum<br />

mínimo <strong>de</strong> aprovação, previsto no art. 69, qual seja, a maioria absoluta.<br />

3.2 Requisitos substanciais ou materiais<br />

Trata-se da verificação material da compatibilida<strong>de</strong> do objeto da lei ou do ato normativo<br />

com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

4 0 DESCUMPRIMENTO DA LEI OU DO ATO NORMATIVO INCONSTITUCIONAL<br />

PELO PODER EXECUTIVO<br />

O Po<strong>de</strong>r Executivo, assim como os <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, está obrigado a pautar<br />

sua conduta pela estrita legalida<strong>de</strong>, observando, primeiramente, como primado do Estado<br />

<strong>de</strong> Direito Democrático, as normas constitucionais.1Dessa forma, não há como exigir-se do<br />

chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo o cumprimento <strong>de</strong> uma lei ou ato normativo que entenda flagrantemente<br />

in<strong>constitucional</strong>, po<strong>de</strong>ndo e <strong>de</strong>vendo, licitamente, negar-se cumprimento,12 sem<br />

prejuízo do exame posterior pelo Judiciário.3 Porém, como recorda Elival da Silva Ramos,<br />

1 R T J 9 6 / 4 9 6 . N esse se n tid o , d e cid iu o T rib u n a l d e J u s tiç a d e S ã o P au lo : “D e so b rig a to rie d a d e do E xecu tiv o<br />

em a c a ta r n orm as le g isla tiv a s c o n trá ria s à C o n stitu ição o u a le is h ie ra rq u ica m en te su p erio res - S eg u ra n ça<br />

d en eg a d a - R e cu rso n ã o p ro v id o . N iv elad o s n o p la n o g o v e rn a m en ta l, o E x e cu tiv o e o L eg islativ o p ra ticam<br />

ato s d e ig u al c a te g o ria , e co m id ê n tic a p resu n ção d e le g itim id a d e . S e a ssim é , n ã o h á <strong>de</strong> n e g a r a o C h efe do<br />

E x ecu tiv o a fa cu ld a d e d e recu sar-se a cum p rir a to legislativ o in co n stitu cio n al, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> q u e p o r a to a d m in istrativ o<br />

fo rm al e e xp resso d e cla re a s u a recu sa e a p o n te a in co n stitu cio n a lid a d e d e que s e rev este” (T J/ S P - 3 a C âm ara<br />

C ivil - A p elação n ° 2 2 0 .1 5 5 -1 - C am p in as, R ei. Des. G o n z a g a F ra n ce sch in i, d ecisã o : 1 4 - 2 -9 5 ) .<br />

2 R D P 5 / 2 3 4 ; R D A 8 2 / 3 5 8 .<br />

3 M ELLO FILH O , J o s é C elso . C o n s t it u iç ã o f e d e r a l a n o t a d a . 2 . ed . S ã o P a u lo : S a ra iv a , 1 9 8 6 . p . 3 4 6 . O a u to r<br />

c ita f a r t a ju risp ru d ê n c ia e d o u trin a n o m esm o sen tid o : “ R T J 2 / 3 8 6 ; 3 2 / 1 3 4 ; 3 3 / 3 3 6 ; 4 1 / 6 6 9 ; 9 6 / 4 9 6 ; R D A


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 725<br />

“por se tratar <strong>de</strong> m edida extremamente grave e com ampla repercussão nas relações<br />

entre os Po<strong>de</strong>res, cabe restringi-la apenas ao Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo,<br />

negando-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer funcionário administrativo subalterno<br />

<strong>de</strong>scumprir a lei sob a alegação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Sempre que um funcionário<br />

subordinado vislumbrar o vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> legislativa <strong>de</strong>verá<br />

propor a submissão da matéria ao titular do Po<strong>de</strong>r, até para fins <strong>de</strong> uniformida<strong>de</strong><br />

da ação administrativa”.1<br />

Portanto, po<strong>de</strong>rá o Chefe d o Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>terminar aos seus órgãos subordinados<br />

que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> aplicar administrativamente as leis ou atos normativos que consi<strong>de</strong>rar<br />

inconstitucionais.*12 *<br />

5 ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE<br />

5.1 Em relação ao momento <strong>de</strong> realização<br />

A presente classificação pauta-se pelo ingresso da lei ou ato norm ativo no ord e­<br />

namento jurídico. Assim, enquanto o controle preventivo preten<strong>de</strong> impedir que algum a<br />

norma maculada pela eiva da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ingresse no or<strong>de</strong>namento jurídico, o<br />

controle represávo busca <strong>de</strong>le expurgar a norm a editada em <strong>de</strong>srespeito à Constituição.<br />

Tradicionalmente e em regra, no <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> pátrio, o Judiciário realiza o controle<br />

repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ou seja, retira do or<strong>de</strong>namento jurídico um a lei ou<br />

ato normativo contrários à Constituição. Por sua vez, os po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo<br />

realizam o chamado controle preventivo, evitando que uma espécie normativa in<strong>constitucional</strong><br />

passe a ter vigência e eficácia no or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

140/49; 56/295; 85/212; R T 374/153; 35 4 /15 3 ; 358/130 ; 384/91; 36 1/30 0 . I<strong>de</strong>m: José Fre<strong>de</strong>rico Marques,<br />

RDA 3 7 4 /15 3 ; Caio Tácito, RDA 59/344, Themístocles Brandão Cavalcanti, RDA 82/383; Orlando Miranda<br />

<strong>de</strong> Aragão, RDP 26/68; Manoel Gonçalves Ferreira Filho, RPGESP12/56 4. Contra: Clenício da Silva Duarte,<br />

RDP 2 /15 0 . Sobre este tema, e manifestando-se contrário à tese que reconhece ao Executivo a faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> recusar aplicação às leis inconstitucionais, v. excelente trabalho <strong>de</strong> Ruy Carlos <strong>de</strong> Barros Monteiro, O<br />

argumento <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e o repúdio da lei pelo Po<strong>de</strong>r Executivo, RF, 2 8 4 /10 1, on<strong>de</strong> há extensa<br />

discussão da matéria”.<br />

1 RAMOS, Elival Silva. A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 238. Observe-se, porém,<br />

que o Chefe do Executivo não po<strong>de</strong>rá, porém, conforme <strong>de</strong>cidido pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, expedir<br />

<strong>de</strong>creto a fim <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r a eficácia <strong>de</strong> ato normativo hierarquicamente superior (STF - RE 582.487-AgR,<br />

voto da Rei. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-9-2012, Segunda Turma, D JE <strong>de</strong> 25-9-2012).<br />

2 STF - Pleno - Adin n5 221/D F - medida cautelar - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1, 22<br />

out. 1993, p. 2 2.251, on<strong>de</strong> ficou ressaltado que “os Po<strong>de</strong>res Executivo e Legislativo, por sua Chefia - e isso<br />

mesmo tem sido questionado como o alargamento da legitimação ativa na ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

-, po<strong>de</strong>m tão-só <strong>de</strong>terminar aos seus órgãos subordinados que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> aplicar administrativamente as leis<br />

ou atos com força <strong>de</strong> lei que consi<strong>de</strong>rem inconstitucionais” (cf. íntegra do Acórdão in R T J15 1/ 3 3 1-3 5 5 ). Em<br />

<strong>de</strong>fesa da não-aplicação <strong>de</strong> lei in<strong>constitucional</strong> pela Administração Pública conferir excelente estudo <strong>de</strong> Maria<br />

Teresa <strong>de</strong> Melo Ribeiro (O princípio da imparcialida<strong>de</strong> da administração pública. Coimbra: Almedina, 1996. p.<br />

138-149) que aponta as diversas variações doutrinárias alemãs, italianas e portuguesas.


7 2 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

5.2 Controle repressivo em relação ao órgão controlador<br />

5.2 .1 P o lítico<br />

Ocorre em Estados on<strong>de</strong> o órgão que garante a supremacia da constituição sobre o<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico é distinto dos <strong>de</strong>mais Po<strong>de</strong>res do Estado.<br />

5 .2 .2 Ju d iciá rio ou ju ríd ico<br />

É a verificação da a<strong>de</strong>quação (compatibilida<strong>de</strong>) <strong>de</strong> atos normativos com a constituição<br />

feita pelos órgãos integrantes do Po<strong>de</strong>r Judiciário. É a regra adotada pelo Brasil.<br />

5 .2 .3 M isto<br />

Esta espécie <strong>de</strong> controle existe quando a constituição submete certas leis e atos normativos<br />

ao controle político e outras ao controle jurisdicional.<br />

5.3 Mo<strong>de</strong>los clássicos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

Apesar da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los,1historicamente, é possível i<strong>de</strong>ntificar três gran<strong>de</strong>s<br />

mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> justiça <strong>constitucional</strong>, com base nos sistemas jurídicos adotados pelos diversos<br />

or<strong>de</strong>namentos para garantia da supremacia da Constituição: mo<strong>de</strong>lo norte-americano,<br />

mo<strong>de</strong>lo austríaco e mo<strong>de</strong>lo francês.12<br />

O <strong>direito</strong> norte-americano - em 1803, no célebre caso Marbury v. Madison, relatado<br />

pelo Chief Justice da Corte Suprema John Marshall - afirmou a supremacia jurisdicional<br />

sobre todos os atos dos po<strong>de</strong>res constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados<br />

Unidos da América, permitindo-se ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, mediante casos concretos postos<br />

1 Louis F a v o r e u a p o n ta q u e “a diversidad e d e o rg an ização d a ju s t iç a co n stitu cio n al é m u ito g ra n d e ; sem e m ­<br />

b argo d isso , os d iferen tes sistem as p o d em reag ru p ar-se b a sicam e n te em g ran d es m od elos: O u se co n fia a ju stiça<br />

constitu cio n al ao ord en am en to ju ríd ic o o rd in ário , sem p re <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo d e u m T rib u n al Suprem o, co n fo rm e o<br />

ch am ad o m od elo a m erica n o , ou se a trib u i a ju s tiç a c o n stitu cio n a l a u m a ju risd iç ã o e sp ecia lm en te constitu íd a<br />

p a ra esse fim , c u jo p rim eiro exem p lo fo i o T rib u n al S u p rem o C o n stitu cio n a l d a Á u stria. S em em b a rg o e por<br />

cim a <strong>de</strong>ssas d iferen ça s, h á que se ressa lta r que n a m ed id a em q u e n o p rim eiro m o<strong>de</strong>lo, os litíg io s constitu cio n ais<br />

ch eg am a o T rib u n al Su p rem o - e in clusiv e em alg u m as o ca siõ es são dirigidos d ireta m en te a eles, o p roblem a<br />

do esta tu to e do lu g ar dos ju iz e s co n stitu cio n ais em um sistem a p o lítico se co lo ca do m esm o m odo em am bos<br />

os m o<strong>de</strong>los” (In fo rm e g en era l in trod u ctorio. In: Vários au to res. Tribunales <strong>constitucional</strong>es europeos y <strong>de</strong>rechos<br />

fundamentales. M ad ri: C en tro d e E stú d io s C o n stitu cio n a les, 1 9 8 4 . p. 2 2 ). C o n ferir, a in d a : BARACHO, J o s é<br />

A lfred o <strong>de</strong> O liv eira Processo <strong>constitucional</strong>. Rio <strong>de</strong> Ja n e iro : F o ren se , 1 9 8 4 . p. 1 9 1 .<br />

2 Jo rg e M iran d a traz-n o s e ssa c la ssific a çã o , d en o m in an d o o te rceiro m od elo d e “o m o d elo d e fisca liz a çã o<br />

p o lítica , q u e, algo im p ro p ria m en te, p o d e d en o m in ar-se fra n c ê s (p or rem o n ta r à ‘ju r ia c o n stitu cio n a l’ d e Siyès<br />

e a o S en a d o C onservador n ap o leó n ico e h o je se traduzir no C onselh o C o n stitu cio n al da C o n stitu ição <strong>de</strong> 1 9 5 8<br />

e q u e p o d e tam b ém en ten d er-se ser o q u e p rev a lece, <strong>de</strong> h a rm o n ia c o m u m a c o n cep çã o ju r íd ic a diversa, n as<br />

C o n stitu ições m arxistas-len in istas, excep to n a Ju g o sláv ia) - ou <strong>de</strong> fisca liz a çã o p or ó rgão p o lítico , a in d a quando<br />

ad o p ta p rocesso ju risd icio n a liz a d o , e fisca liz a çã o n e cessa ria m en te c o n cen tra d a , seja p reven tiva ou a posteriori”<br />

(.Manual <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. 2. ed. C oim bra: C oim bra E d ito ra, 1 9 8 8 . t. 2. p. 3 2 0 - 3 2 2 ).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 2 7<br />

em julgamento, interpretar a Carta Magna, a<strong>de</strong>quando e compatibilizando os <strong>de</strong>mais atos<br />

normativos com suas superiores normas.<br />

Posteriormente, em 1920, a Constituição austríaca criou, <strong>de</strong> forma inédita, um tribunal<br />

-Tribunal Constitucional - com exclusivida<strong>de</strong> para o exercício do controle judicial<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos, em oposição ao sistema adotado pelos<br />

Estados Unidos, pois não se pretendia a resolução dos casos concretos, mas a anulação<br />

genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionais.1<br />

N o entanto, a consagração efetiva da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeição da vonta<strong>de</strong> parlamentar<br />

às normas constitucionais, com a consequente criação dos Tribunais Constitucionais<br />

europeus, ocorreu após a constatação <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>ira crise na <strong>de</strong>mocracia representativa<br />

e do consequente distanciamento entre a vonta<strong>de</strong> popular e as emanações dos órgãos<br />

legislativos, duramente sentida durante o período nazista.<br />

A inexistência <strong>de</strong> um controle jurisdicional <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos<br />

normativos e <strong>de</strong> mecanismos que impedissem a criação <strong>de</strong> uma ditadura da maioria auxiliou<br />

na criação do Estado Totalitário alemão, sem que houvesse quebra da legalida<strong>de</strong><br />

formal, <strong>de</strong>monstrando a necessida<strong>de</strong> da adoção do judicial review pela Lei Fundamental<br />

alemã <strong>de</strong> 1949.<br />

Otto Bachof afirma que<br />

“o facto <strong>de</strong> haver sido justamente um acto do legislativo - a chamada lei <strong>de</strong> autorização<br />

- que <strong>de</strong>sarticulou (aus <strong>de</strong>n Angeln gehoben hat) <strong>de</strong>finitivamente, e sob uma<br />

aparência <strong>de</strong> preservação da legalida<strong>de</strong>, a Constituição da República <strong>de</strong> Weimar<br />

po<strong>de</strong> ter contribuído para dotar o Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral, como guarda<br />

da Constituição, <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res extraordinariamente amplos precisamente face ao<br />

legislador”.12<br />

Como salienta Garcia <strong>de</strong> Enterría,<br />

“o fracasso do sistema weimariano <strong>de</strong> justiça <strong>constitucional</strong> (especialmente visível<br />

no famoso juízo <strong>de</strong> 1932, sobre o chamado golpe <strong>de</strong> Estado do Reich contra a<br />

Prússia <strong>de</strong> Von Papen, legitimado nas Or<strong>de</strong>nações presi<strong>de</strong>nciais autorizadas pelo<br />

famoso artigo 48 da Constituição), levou a República Fe<strong>de</strong>ral alemã, surgida no<br />

1 KELSEN , Hans. Teoriapura do <strong>direito</strong>. São P au lo : M artin s F o n tes, 1 9 8 5 . p. 2 8 8 .<br />

2 BACHOF, O tto. Normas constitucionais inconstitucionais? C oim bra: A lm edina, 1 9 9 4 . p. 1 2 . Igu al en ten d im en to<br />

é exp osto por G ilm ar F e rreira M en d es: “N ão se p o<strong>de</strong> dizer co m c e rte z a se o s aliados tiv eram a lg u m a in flu ê n cia<br />

n a in stitu ição da C o rte C o n stitu cio n al, ta l co m o ad m itid o p o r Rid <strong>de</strong>r. É c e rto , to d a v ia , q u e a a v a lia ç ã o n eg ativ a<br />

feita pelo P arlam en tarisch er R a t so b re a C o n stitu ição <strong>de</strong> W eim ar in flu en cio u fo rte m e n te a d e cisã o em favor da<br />

in stitu içã o <strong>de</strong> um a ju risd iç ã o co n stitu cio n a l” (M EN D ES, G ilm ar F e rreira . Jurisdição <strong>constitucional</strong>: o co n tro le<br />

ab stra to <strong>de</strong> n o rm as no B rasil e n a A lem an h a. S ã o P au lo : S a ra iv a , 1 9 9 6 . p . 1 0 ) . F ran ço is L u ch aire, a o d efen d er<br />

a n ecessid ad e <strong>de</strong> um ó rg ão in d ep en d en te p a ra tu te la r os d ireito s fu n d a m e n ta is, fa z e ssa m esm a re ssa lv a , c ita n ­<br />

do o exem p lo da A lem an h a n a z ista , q u e, em b o ra se te n h a in sta la d o segu ndo um p ro ced im en to p erfeita m en te<br />

co n stitu cio n a l, e ten d o sido o p ró p rio P arlam en to q u em su sp en d eu as liberda<strong>de</strong>s individ uais, a ca b o u p or g erar<br />

to ta l d esv irtu am en to d as le is, co m co n seq u en te v io la çã o a o s d ireito s fu n d am en tais (E l c o n sejo co n stitu cio n al<br />

fra n cês. In: v á rio s a u to res. Tribunales constitutionales europeos y <strong>de</strong>rechos fundamentales. M adri: C en tro <strong>de</strong><br />

E stú d io s C o n stitu cio n ales, 1 9 8 4 . p . 5 7 ) .


728 Direito Constitucional • Moraes<br />

segundo pós-guerra, sensibilizada pela perversão do or<strong>de</strong>namento jurídico ocorrida<br />

no nazismo, a adotar, com algumas variantes importantes, o sistema kelsiano”.1<br />

O controle exercido pelos Tribunais Constitucionais, longe <strong>de</strong> configurar um <strong>de</strong>srespeito<br />

à vonta<strong>de</strong> popular emanada por órgãos eleitos, seja no Executivo seja no Legislativo,<br />

constitui um <strong>de</strong>licado sistema <strong>de</strong> complementarida<strong>de</strong> entre a Democracia e o Estado <strong>de</strong><br />

Direito, que para manter-se balanceado, <strong>de</strong>ve possuir claras e precisas regras sobre sua<br />

composição, competências e po<strong>de</strong>res.<br />

O mo<strong>de</strong>lo francês prevê um controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> preventivo a ser realizado<br />

pelo Conselho Constitucional, que, no transcurso do processo legislativo, po<strong>de</strong>rá, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

provocado pelo Governo, ou pelo presi<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> qualquer das Casas legislativas, analisar<br />

a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma proposição ou <strong>de</strong> uma emenda, antes <strong>de</strong> sua promulgação,<br />

<strong>de</strong>vendo pronunciar-se no prazo <strong>de</strong> oito dias.12<br />

Ressalte-se, porém, a excepcionalida<strong>de</strong> prevista no art. 37.2 da Constituição francesa,<br />

que previu uma forma <strong>de</strong> controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Trata-se da<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Conselho Constitucional francês analisar abstratamente a repartição<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> competências entre o Governo e o Parlamento. Como salienta Favoreu,<br />

“o sistema <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong> competências entre a lei e o regulamento provocou, por fim,<br />

o surgimento na França <strong>de</strong> um controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis”.3<br />

Em 23 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008, a Constituição francesa foi alterada, tendo o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República promulgado lei <strong>de</strong> revisão <strong>constitucional</strong> “<strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnisation <strong>de</strong>s institutions <strong>de</strong>la<br />

Vème République” (da mo<strong>de</strong>rnização das instituições da Quinta República) nfi 2008-724,<br />

resultado <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhado trabalho <strong>de</strong> Comitê <strong>de</strong> Especialistas apresentado pelo Governo<br />

ao Parlamento em 23 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2008 e aprovado pela Assemblée Nationale (Assembléia<br />

Nacional) e Sénat (Senado).<br />

A lei <strong>de</strong> revisão <strong>constitucional</strong> consagrou na França o tradicional controle abstrato <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, passando a permitir a <strong>de</strong>nominada exceção <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

(.exception d’inconstitutionnalité) e conce<strong>de</strong>ndo ao Conselho Constitucional o po<strong>de</strong>r para<br />

o exercício do controle repressivo, nos mol<strong>de</strong>s teorizados por Hans Kelsen.4<br />

A Constituição Francesa, com as subsequentes modificações da lei <strong>de</strong> revisão <strong>constitucional</strong>,<br />

passou a <strong>de</strong>terminar que qualquer dispositivo legal <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong><br />

repressivamente pelo Conselho Constitucional, por provocação do Conselho <strong>de</strong> Estado<br />

(Conseil d’Etat) ou da Corte <strong>de</strong> Cassação (Cour <strong>de</strong> Cassation), será expurgado do or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico com efeitos erga omnes, não retroativos (ex nunc), repristinatórios e<br />

vinculantes para todas as autorida<strong>de</strong>s administrativas e jurisdicionais.<br />

1 GARCÍA DE EN TER RÍA , E d u ardo. La C onstitución como norm a y el tribunal <strong>constitucional</strong>. 3. ed . M adri:<br />

C ivitas, 1 9 9 4 . p. 5 9 .<br />

2 EISENMANN, C harles. L a justice constitutionnelle etla haute cour constitutionnelle d’A utriche. Paris: Econom ica-<br />

-Presses U n iversitaires d’A ix-M arseille, 1 9 8 6 . p. 1 3 7 .<br />

3 FAVOREU, Louis. Informe... O p . cit. p. 15.<br />

4 A m u d an ça d e m o<strong>de</strong>lo p reten d ia, in clusive, a lte ra r o n o m e do “C on selh o C o n stitu cio n al” p a ra “C o rte C onstitu<br />

c io n a l”, p or e m en d a do S e n a d o r e e x -P re sid en te do C o n selh o C o n stitu cio n a l B a d in te r (em e n d a n° 3 2 1 ,<br />

in trod u zin d o artig o 2 4 - 3 ). Porém , ap esa r d e ap rovada p elo S en a d o , foi re je ita d a p e la A ssem bléia N acional.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 729<br />

A ampliação da importância da Jurisdição Constitucional como instrumento <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong><br />

dos Direitos Fundamentais foi, igualmente, reconhecida pelo Reino Unido, que<br />

estabeleceu com o ConstitutionalReformAct 2005, pela primeira vez em sua história, uma<br />

Suprema Corte in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e separada da Câmara dos Lor<strong>de</strong>s, com sistema diferenciado<br />

<strong>de</strong> nomeações, orçamento, infraestrutura e recursos humanos próprios, com se<strong>de</strong> em<br />

Londres, e cuja competência vem <strong>de</strong>finida em sua seção 40.1<br />

O ConstitutionalReformAct2005 estabelece que a Su preme Court <strong>de</strong>verá ser composta<br />

por 12 (doze) Juizes, selecionados por uma Comissão <strong>de</strong> Nomeações Judicial in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

responsável pela recomendação ao Ministro da Justiça, que os nomeará e, conforme<br />

ensina Jeffrey Jowell,12 terão o título <strong>de</strong> Justices ofthe Supreme Court.<br />

Em face das tradições britânicas, a Supreme Court não possui propriamente a com ­<br />

petência <strong>de</strong> exercer difusa ou concentradamente o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

Constituição não escrita inglesa, mas sim <strong>de</strong> exercitar “<strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> incompatibilida<strong>de</strong>”,<br />

sem efeitos vinculantes ou revogatórios, das novas leis ou atos normativos aprovados pelo<br />

Parlamento ou pelo Gabinete, possibilitando seu retorno ao órgão legislativo ou administrativo<br />

para manutenção, alteração ou revogação.<br />

5.4 Controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no Brasil<br />

■ i- LEGISLATIVO<br />

Comissões <strong>de</strong> Constituição e Justiça<br />

EXECUTIVO ■— ♦ \feto Jurídico (CF, art. 66, § 1»)<br />

hjdhj. 1—> Im rU H ki<br />

■.EKSÇ/CT- » |L&aJSL*JTW|<br />

ADI - ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica<br />

ADI por omissão - ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão<br />

ADI interventiva - ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> interventiva<br />

ADC - ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ADPF - arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental<br />

Difuso ou por via <strong>de</strong> exceção<br />

ou <strong>de</strong>fesa (CF, art. 97)<br />

Concentrado<br />

ADI - (CF, art. 102,1, a)<br />

ADI - Omissão<br />

(CF, art. 103, § 2o)<br />

ADI - Interventiva<br />

(CF, art. 36, III)<br />

ADC - (CF, art. 102,1, a)<br />

ADPF - (CF, art. 102, § 1“)<br />

■-----> Medidas Provisórias (CF, art. 62, § 5a)<br />

Delegação (CF, art. 49, V)<br />

1 C f. M em orandum to the Justice Select Com m ittee (P o st-L e g isla tiv e A ssessm e n t o f th e C o n stitu tio n a l R efo rm<br />

A ct 2 0 0 5 ) - M in istry o f J u s tic e , M a rch 2 0 1 0 ; GAY, O o n a g h . The Constitutional R eform A ct 205 5 - the role o fth e<br />

Lord Chancellor. P a rlia m e n t and C o n stitu tio n C e n tre , 14 N ov em ber 2 0 0 5 ; Constitutional Reform A c t 2005 - S e le c t<br />

C o m m itte e on th e C o n stitu tio n - H o u se O f L o rd s, 5 th R e p o rt o f S e ssio n 2 0 0 5 - 2 0 0 6 , p u b lic a ç ã o a u to r iz a d a p e la<br />

C â m a ra dos L o rd es. L o n d o n : T h e S ta tio n e r y O ffic e L im ited .<br />

2 C f. p a le stra p r o fe rid a n o S u p rem o T rib u n a l F e d e ra l p e lo P r o fe s s o r J e f f r e y Jo w e ll - “A N ova E stru tu ra do<br />

P o d er J u d ic iá r io n o R e in o U n id o ”.


7 3 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

6 CONTROLE PREVENTIVO<br />

Como já afirmado anteriormente, o princípio da legalida<strong>de</strong> e o processo legislativo<br />

<strong>constitucional</strong> são corolários; <strong>de</strong>ssa forma, para que qualquer espécie normativa ingresse<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong>verá submeter-se a todo o procedimento previsto <strong>constitucional</strong>mente.<br />

Dentro <strong>de</strong>ste procedimento, po<strong>de</strong>mos vislumbrar duas hipóteses <strong>de</strong> controle preventivo<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, que buscam evitar o ingresso no or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>de</strong> leis<br />

inconstitucionais: as comissões <strong>de</strong> constituição e justiça e o vetojurídico.<br />

6.1 Comissões <strong>de</strong> constituição e justiça<br />

A primeira hipótese <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> preventivo refere-se às comissões<br />

permanentes <strong>de</strong> constituição e justiça cuja função precípua é analisar a compatibilida<strong>de</strong><br />

do projeto <strong>de</strong> lei ou proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> apresentados com o texto<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

O art. 58 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a criação <strong>de</strong> comissões constituídas na forma<br />

do respectivo regimento ou do ato <strong>de</strong> que resultar sua criação e com as atribuições neles<br />

previstas.<br />

Esta hipótese <strong>de</strong> controle po<strong>de</strong>rá ser realizada, também, pelo plenário da casa legislativa,<br />

quando houver rejeição do projeto <strong>de</strong> lei por in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

O art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados criou a comissão <strong>de</strong><br />

constituição e justiça e <strong>de</strong> redação, estabelecendo seu campo temático e sua área <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong><br />

em aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e <strong>de</strong> técnicas legislativa <strong>de</strong><br />

projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou <strong>de</strong> suas comissões,<br />

para efeito <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong> e tramitação.<br />

Por sua vez, o Regimento Interno do Senado Fe<strong>de</strong>ral prevê, no art. 101, a existência<br />

da comissão <strong>de</strong> constituição, justiça e cidadania, com competência para opinar sobre a<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, juridicida<strong>de</strong> e regimentalida<strong>de</strong> das matérias que lhe forem submetidas<br />

por <strong>de</strong>liberação do plenário, por <strong>de</strong>spacho do Presi<strong>de</strong>nte, por consulta <strong>de</strong> qualquer<br />

comissão, ou quando em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sses aspectos houver recurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão terminativa<br />

<strong>de</strong> comissão para o plenário.<br />

6.2 Vetojurídico<br />

A segunda hipótese encontra-se na participação do chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo no<br />

processo legislativo. O Presi<strong>de</strong>nte da República po<strong>de</strong>rá vetar o projeto <strong>de</strong> lei aprovado<br />

pelo Congresso Nacional por entendê-lo in<strong>constitucional</strong> (CF, art. 66, § I a) . É o chamado<br />

vetojurídico.<br />

Assim, no Brasil o controle preventivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é realizado sempre<br />

<strong>de</strong>ntro do processo legislativo, em uma das hipóteses pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo (comissões<br />

<strong>de</strong> constituição e justiça) e em outra pelo Po<strong>de</strong>r Executivo (vetojurídico).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 3 1<br />

7 CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE<br />

No <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> brasileiro, em regra, foi adotado o controle <strong>de</strong> constituciona<br />

lida<strong>de</strong> repressivo jurídico ou judiciário, em que é o próprio Po<strong>de</strong>r Judiciário quem realiza<br />

o controle da lei ou do ato normativo, já editados, perante a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, para<br />

retirá-los do or<strong>de</strong>namento jurídico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que contrários à Carta Magna.<br />

Há dois sistemas ou métodos <strong>de</strong> controle Judiciário <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> repressiva<br />

O primeiro <strong>de</strong>nomina-se reservado ou concentrado (via <strong>de</strong> ação), e o segundo, difuso ou<br />

aberto (via <strong>de</strong> exceção ou <strong>de</strong>fesa).<br />

Excepcionalmente, porém, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu duas hipóteses em que o<br />

controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> repressivo será realizado pelo próprio Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

Em ambas as hipóteses, o Po<strong>de</strong>r Legislativo po<strong>de</strong>rá retirar normas editadas, com plena<br />

vigência e eficácia, do or<strong>de</strong>namento jurídico, que <strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> produzir seus efeitos, por<br />

apresentarem um vício <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Vejamos primeiramente as exceções.<br />

8 CONTROLE REPRESSIVO REALIZADO PELO PODER LEGISLATIVO<br />

8.1 Art. 49, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

A primeira hipótese refere-se ao art. 49, V, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que prevê competir<br />

ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Po<strong>de</strong>r Executivo que exorbitem<br />

do po<strong>de</strong>r regulamentar ou dos limites <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação legislativa.<br />

Em ambas as ocasiões, o Congresso Nacional editará um <strong>de</strong>creto legislativo sustando<br />

ou o <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial (CF, art. 84, IV) ou a lei <strong>de</strong>legada (CF, art. 68), por <strong>de</strong>srespeito<br />

à forma <strong>constitucional</strong> prevista para suas edições.<br />

8.2 Art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

Uma vez editada a medida provisória pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, nos termos do<br />

art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ela terá vigência e eficácia imediata, e força <strong>de</strong> lei, pelo<br />

prazo <strong>de</strong> 60 (sessenta) dias, <strong>de</strong>vendo ser submetida <strong>de</strong> imediato ao Congresso Nacional,<br />

que po<strong>de</strong>rá aprová-la, convertendo-a em lei, ou rejeitá-la.<br />

Na hipótese <strong>de</strong> o Congresso Nacional rejeitar a medida provisória, com base em in<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> apontada no parecer da comissão mista, estará exercendo controle <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> repressivo, pois retirará do or<strong>de</strong>namento jurídico a medida provisória<br />

flagrantemente in<strong>constitucional</strong>.<br />

Note-se que, enquanto espécie normativa, a medida provisória, uma vez editada,<br />

está perfeita e acabada, já tendo ingressado no or<strong>de</strong>namento jurídico com força <strong>de</strong> lei<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua natureza temporária. Assim, o fato <strong>de</strong> o Congresso Nacional<br />

rejeitá-la, impedindo que se converta em lei, ou mesmo que fosse reeditada por ausência


7 3 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação, em face da flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, consubstancia-se em controle<br />

repressivo.<br />

Consagrando a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> repressivo exercido<br />

em relação às medidas provisórias, por tratar-se <strong>de</strong> atos normativos perfeitos e acabados,<br />

apesar do caráter temporário, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite serem as mesmas objeto<br />

<strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ressaltando que a edição <strong>de</strong> medida provisória,<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, reveste-se <strong>de</strong> dois momentos significativos e inconfundíveis: o<br />

primeiro diz respeito a um ato normativo, com eficácia imediata <strong>de</strong> lei; o segundo é a sujeição<br />

<strong>de</strong>sse ato ao Congresso Nacional, para que este não apenas ratifique seus efeitos imediatos<br />

produzidos, mas a converta em lei, com eficácia, <strong>de</strong>finitiva. Dessa maneira, esse ato normativo<br />

po<strong>de</strong>rá ser objeto <strong>de</strong> controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,1seja por via <strong>de</strong> ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, seja por parte do Po<strong>de</strong>r Legislativo.<br />

9 CONTROLE REPRESSIVO REALIZADO PELO PODER JUDICIÁRIO<br />

N o Brasil, o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> repressivo judiciário é misto, ou seja, é<br />

exercido tanto da forma concentrada, quanto da forma difusa.<br />

O art. 102,1, a, da CF, afirma competir ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, precipuamente,<br />

a guarda da constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente, a ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual e a ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral.<br />

Por sua vez, o art. 97 esten<strong>de</strong> a possibilida<strong>de</strong> do controle difuso também aos Tribunais,<br />

estabelecendo, porém, uma regra, ao afirmar que somente pelo voto da maioria absoluta<br />

<strong>de</strong> seus membros ou dos membros do respectivo órgão po<strong>de</strong>rão os tribunais <strong>de</strong>clarar a<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo do Po<strong>de</strong>r Público.<br />

9.1 Difuso ou aberto<br />

Também conhecido como controle por via <strong>de</strong> exceção ou <strong>de</strong>fesa, caracteriza-se pela<br />

permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a<br />

compatibilida<strong>de</strong> do or<strong>de</strong>namento jurídico com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> realizado por todos os órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o Juiz Marshall da Suprema<br />

Corte Americana afirmou que é próprio da ativida<strong>de</strong> jurisdicional interpretar e aplicar a<br />

lei. E ao fazê-lo, em caso <strong>de</strong> contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal<br />

<strong>de</strong>ve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei ordinária do Po<strong>de</strong>r Legislativo.3<br />

1 S T F - P len o - A din na 2 9 5 -3 / D F - m edida lim in ar - Rei. M in. Paulo B ro ssard , j. 2 2 -6 -9 0 .<br />

2 A C o n stitu ição F ed eral a sseg u ra a p le n a p ossib ilid ad e <strong>de</strong> o J u iz <strong>de</strong> I a in stâ n cia realiz a r o c o n tro le difuso <strong>de</strong><br />

co n stitu cio n alid ad e. C f.: S T F - l a T .- R e x t r . n° 1 1 7 .8 0 5 / P R - R e l. M in. Sep úlv ed a P erten ce, B id rio da Justiça,<br />

S eção 1 ,2 7 ago. 1 9 9 3 , p. 1 7 .0 2 2 .<br />

3 U S C o u r t - 1 3 7 ( 1 8 0 3 ) . C o n ferir a ín te g ra <strong>de</strong> d ecisão: M O R A ES, A lexan d re <strong>de</strong>. J u r is d iç ã o c o n s t it u c io n a l e<br />

t r ib u n a is c o n s tit u c io n a is . São Pau lo: A tlas, 2 0 0 0 . p. 9 7 -1 0 0 .


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 3 3<br />

Na via <strong>de</strong> exceção, a pronúncia do Judiciário, sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, não é<br />

feita enquanto m anifestação sobre o objeto principal da li<strong>de</strong>, mas sim sobre questão prévia,<br />

indispensável ao julgam ento do mérito. Nesta via, o que é outorgado ao interessado<br />

é obter a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> somente para o efeito <strong>de</strong> isentá-lo, no caso<br />

concreto, do cumprimento da lei ou ato, produzidos em <strong>de</strong>sacordo com a Lei maior. Entretanto,<br />

este ato ou lei perm anecem válidos no que se refere à sua força obrigatória com<br />

relação a terceiros.<br />

Cappelletti resum e o sistem a comum <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos países<br />

da common law, <strong>de</strong>nominando-os <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizado ou difuso, confiado a todos os tribunais<br />

do país. Estes tribunais, em qualquer processo, têm a faculda<strong>de</strong> e a obrigação <strong>de</strong> não<br />

aplicar a um caso concreto as leis e atos normativos que consi<strong>de</strong>rem inconstitucionais.<br />

Este controle não acarreta a anulação da lei ou do ato normativo com efeitos erga omnes,<br />

aplicando-se somente ao caso concreto em que a norma foi julgada in<strong>constitucional</strong>.1<br />

O Chief Justice Marshall indagou-se:<br />

“Para que um juiz juraria <strong>de</strong>sincumbir-se <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>veres conforme a Constituição<br />

dos Estados Unidos, se aquela Constituição não formar regra para seu Governo?<br />

Se estiver m uito acim a <strong>de</strong>le, e não pu<strong>de</strong>r ser por ele inspecionada”?<br />

Tendo respondido que<br />

“se tal fo r o real estado das coisas, este será o pior dos vexames solenes. Prescrever<br />

ou realizar esta profanação torna-se igualmente um crime. Não é, também, inteiramente<br />

indigno <strong>de</strong> observação, que ao <strong>de</strong>clarar qual será a lei suprema do País,<br />

a própria Constituição seja primeiramente mencionada: e não as leis dos Estados<br />

Unidos, geralmente, mas aquelas apenas que foram feitas em obediência à Consti<br />

tuição, gozarãodaquele respeito. Portanto, a fraseologia particular da Constituição<br />

dos Estados Unidos confirma e fortifica o princípio, consi<strong>de</strong>rado essencial a todas<br />

as Constituições escritas, <strong>de</strong> que uma lei em choque com a Constituição é revogada<br />

e que os tribunais, assim como outros <strong>de</strong>partamentos, são ügados por aquele<br />

instrumento. A norma <strong>de</strong>ve ser anulada”.12<br />

Após o caso Marbury versus Madison, a Corte somente voltou a <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma lei fe<strong>de</strong>ral em 1857, no caso Dred Scott, quando enten<strong>de</strong>u incompatível<br />

com a Constituição a seção 8a do Missouri Compromise Act, <strong>de</strong> 1850, que proibira<br />

a escravidão nos territórios.<br />

Enten<strong>de</strong>u o então Chief Justice Taney, relator do caso, que esse dispositivo era contrário<br />

à 5a Emenda (“ninguém po<strong>de</strong>rá ser privado da vida, liberda<strong>de</strong> ou bens, sem processo<br />

legal; nem a proprieda<strong>de</strong> privada po<strong>de</strong>rá ser expropriada para uso público, sem justa in<strong>de</strong>nização”),<br />

pois, se fosse aplicado, estaria permitindo que um cidadão (.proprietário do<br />

1 CAPPELLETTI, M auro. Ttibunales<strong>constitucional</strong>eseuropeos... Op. cit. p. 6 0 1 .<br />

2 S W ISH E R , C arl B ren t. Decisões históricas da Corte Suprema. R io d e J a n e ir o : F o ren se, 1 9 6 2 . p. 1 0 -1 4 . C f.,<br />

ain d a: HALL, K erm it L. The Oxford gui<strong>de</strong> to United States Supreme Court <strong>de</strong>cisions. N ew York: O xford U niversity<br />

Press, 1 9 9 9 . p. 1 7 3 ; RO D R IG U ES, L êd a B o e ch a t. A Corte Suprema e o <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> americano. R io <strong>de</strong><br />

Ja n e ir o : F o ren se, 1 9 5 8 . p. 3 5 .


734 Direito Constitucional • Moraes<br />

escravo) pu<strong>de</strong>sse ser privado <strong>de</strong> seus bens e <strong>de</strong> sua proprieda<strong>de</strong> (escravo), sem o <strong>de</strong>vido<br />

processo legaL Essa <strong>de</strong>cisão enten<strong>de</strong>u que os escravos <strong>de</strong>veríam ser consi<strong>de</strong>rados como<br />

proprieda<strong>de</strong> e não como cidadãos.1Como lembra Lêda Boechat, “foi tão gran<strong>de</strong> a perda <strong>de</strong><br />

prestígio da Corte, que ela custaria a recuperar a confiançapopular <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão”.12<br />

Durante esse intervalo <strong>de</strong> tempo, constituído pelas <strong>de</strong>cisões Marbury v. Madison e<br />

Scott v. Sandf ord, porém, a Suprema Corte firmou-se, sob a Presidência <strong>de</strong> Marshall, no<br />

exercício do controle <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong> dos atos governamentais, <strong>de</strong>cidindo sobre a ilegalida<strong>de</strong><br />

dos atos presi<strong>de</strong>nciais por violação expressa <strong>de</strong> legislação específica do Congresso (caso<br />

Little versus Barreme - 1804), e ainda firmando sua competência para analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> leis ou atos normativos estaduais, concedida pelo Congresso, na Seção<br />

25 da Lei Judiciária <strong>de</strong> 1789, nos casos Warre versus Hylton (1797), Fletcher versus Pech<br />

(1810), Martin versus Hunter’s Lessee (1816) e Cohens versus Virgínia (1821).3<br />

Essa consolidação da Corte <strong>de</strong> Marshall garantiu, efetivamente, ao Judiciário norte-<br />

-americano seu lugar entre os Po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> Estado, pois como salienta Henry Abraham,<br />

“a principal arma à disposição da Corte Suprema na disputa ou no jogo da separação<br />

<strong>de</strong> po<strong>de</strong>res com controles e avaliações tem sido seu po<strong>de</strong>r dominante <strong>de</strong> revisão<br />

judicial, po<strong>de</strong>r somente existente no Judiciário <strong>de</strong> pouco países” 4<br />

No Brasil, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> existe <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

primeira Constituição republicana <strong>de</strong> 1891, que em seu artigo 59,5 como ressaltou Rui<br />

Barbosa,<br />

“obriga esse tribunal a negar valida<strong>de</strong> às leis fe<strong>de</strong>raes, quando contrarias à Consti<br />

tuição, e as leis fe<strong>de</strong>raes são contrarias à Constituição, quando o Po<strong>de</strong>r Legislativo,<br />

adoptando taes leis, não se teve nos limites, em que a Constituição o autoriza a<br />

legislar, isto é, transpassou a competência, em que a Constituição o circunscreve”.6<br />

1 Scott v. Sandfbrd, 19 How. 393 (1857). Ressalte-se que somente as 13a e 14a Emendas à Constituição americana,<br />

adotadas em 1868, alteraram essa situação, ao estabelecer que “não haverá, nos Estados Unidos ou em<br />

qualquer lugar sujeito à sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição <strong>de</strong> um<br />

crime pelo qual o réu tenha sido <strong>de</strong>vidamente con<strong>de</strong>nado” e “todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos<br />

Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado on<strong>de</strong> tiverem residência.<br />

Nenhum Estado po<strong>de</strong>rá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou imunida<strong>de</strong>s dos cidadãos dos Estados<br />

Unidos; nem po<strong>de</strong>rá privar qualquer pessoa <strong>de</strong> sua vida, liberda<strong>de</strong> ou bens sem processo legal, ou negar a<br />

qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis”.<br />

2 A Corte Suprema e... Op. cit. p. 66.<br />

3 Bernard Schwartz, por sua vez, aponta essa consolidação um pouco mais tar<strong>de</strong>, afirmando que “a verda<strong>de</strong><br />

é que o controle judicial exercido pela Corte Suprema dos Estados Unidos só se tornou um fator importante do<br />

po<strong>de</strong>r legislativo nacional por volta <strong>de</strong> 1890” (Direito... Op. cit. p. 257).<br />

4 ABRAHAM, Henry J. A Corte Suprema no evolutivo processo político. In: Vários autores. Ensaios sobre a<br />

Constituição dos Estados Unidos. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1978. p. 93.<br />

5 Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1891 - “Art. 59, § l 2 Das sentenças das justiças dos Estados em última instância haverá<br />

recurso para o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (b) quando se contestar a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> governos<br />

dos Estados em face da Constituição, ou das leis fe<strong>de</strong>raes, e a <strong>de</strong>cisão do tribunal do Estado consi<strong>de</strong>rar validos<br />

esses actos, ou essas leis impugnadas.”<br />

6 BARBOSA, Rui. Commentários à ... Op. cit. v. 4. p. 23. Conferir, ainda, p. 127 ss (Asleis inconstitucionaes e<br />

a justiça fe<strong>de</strong>ral).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 3 5<br />

Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sob inspiração norte-americana,<br />

nasceu com o papel <strong>de</strong> intérprete máximo da Constituição republicana, e o controle difuso<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> instalou-se <strong>de</strong> forma efetiva no Brasil, com a Lei Fe<strong>de</strong>ral na 221, <strong>de</strong><br />

1894, que conce<strong>de</strong>u competência aos juizes e tribunais para apreciarem a valida<strong>de</strong> das leis<br />

e regulamentos e <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> aplicá-los aos casos concretos, se fossem manifestamente<br />

inconstitucionais.1<br />

Importante ressaltar que a via <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa po<strong>de</strong>rá ser utilizada, também, através das<br />

ações constitucionais do habeas corpus, e do mandado <strong>de</strong> segurança ou ações ordinárias.12<br />

Não sendo possível, porém, utilizar o HC como via a<strong>de</strong>quada para obter a <strong>de</strong>claração<br />

concentrada <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei em tese.<br />

O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato <strong>de</strong> ser exerdtável somente<br />

perante um caso concreto a ser <strong>de</strong>cidido pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. Assim, posto um litígio<br />

em juízo, o Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>verá solucioná-lo e para tanto, inci<strong>de</strong>ntalmente, <strong>de</strong>verá<br />

analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou não da lei ou do ato normativo. A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

é necessária para o <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> do caso concreto, não sendo pois objeto<br />

principal da ação.3<br />

9.1.1 Questão do art. 97 - clá u s u la d e re se rv a <strong>de</strong> p le n á rio<br />

A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer ato normativo estatal só po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>clarada<br />

pelo voto da maioria absoluta da totalida<strong>de</strong> dos membros do tribunal ou, on<strong>de</strong> houver,<br />

dos integrantes do respectivo órgão especial, sob pena <strong>de</strong> absoluta nulida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão<br />

emanada do órgão fraccionário (turma, câmara ou seção), em respeito à previsão do art.<br />

97 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Esta verda<strong>de</strong>ira cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário atua como verda<strong>de</strong>ira condição <strong>de</strong><br />

eficáciajurídica da própria <strong>de</strong>claração jurisdicional <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos atos do<br />

Po<strong>de</strong>r Público, aplicando-se para todos os tribunais, via difusa, e para o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, também no controle concentrado.4<br />

1 SILVA, José Afonso da. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 52;<br />

TEIXEIRA, J. H. Meirelles. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária, 1991. p. 411;<br />

MENDES, Gilmar Ferreira Jurisdição... Op. cit. p. 24; ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> leis e atos normativos. São Paulo: Dialética, 1997. p. 33.<br />

2 STF - 2-T. - HC n° 96.425 ED/SP, Rei. Min. Eros Grau, 3-3-2009, Informativo STFne 537.<br />

3 Conferir, na doutrina, BARBOSA, Ruy. Os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça<br />

Fe<strong>de</strong>ral Rio <strong>de</strong> Janeiro: Companhia Impressora 7,1893. p. 96. Na jurisprudência: STF - “Controle inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>: suscitada, no voto <strong>de</strong> um dos juizes do colegiado, a questão <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

lei a aplicar, <strong>de</strong>ve o Tribunal <strong>de</strong>cidir a respeito; omitindo-se e persistindo na omissão - não obstante provocado<br />

mediante embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração viola as garantias constitucionais da jurisdição e do <strong>de</strong>vido processo legal<br />

(CF, art. 5 °, XXXV e LIV), sobretudo quando, com isso, obstruir o acesso da parte ao recurso extraordinário”<br />

(Rextr. n° 198.346-9/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,5 <strong>de</strong>z. 1997, p. 63.919).<br />

4 STF-Med. Caut. Em Ação Direta <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n° 3.804-'"- 'A l - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Íjiário<br />

da Justiça, Seção 1,13 out. 2006, p. 73; STF - HC nQ88.508/RJ - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,24 ago. 2006, p. 23; STF - Ia T. - RE n° 453744 AgR/RJ - Rei. Min. Cezar Pelluso,<br />

<strong>de</strong>cisão: 13-6-2006-Inform ativo STF n° 431; STF-R E n 0 488.033-4/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,19 out. 2006, p. 103. Conferir, no Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> inconstituciona-


736 Direito Constitucional • Moraes<br />

A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem reiteradamente proclamado que<br />

a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração do princípio em causa gera, como inevitável efeito consequencial, a<br />

nulida<strong>de</strong> absoluta da <strong>de</strong>cisão judicial colegiada que, emanando <strong>de</strong> órgão meramente fracionário,<br />

haja <strong>de</strong>clarado a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado ato estatal.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, porém, enten<strong>de</strong>, excepcionalmente, dispensável a aplicação<br />

do art. 97 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes dois requisitos:<br />

a. existência anterior <strong>de</strong> pronunciamento da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou do<br />

ato normativo pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

b. existência, no âmbito do tribunal a quo, e em relação àquele mesmo ato do<br />

Po<strong>de</strong>r Público, <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão plenária que haja apreciado a controvérsia<br />

<strong>constitucional</strong>, ainda que <strong>de</strong>sse pronunciamento não tenha resultado o formal<br />

reconhecimento da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da regra estatal questionada.*12<br />

Dessa forma, conforme entendimento da Corte Suprema, “versando a controvérsia<br />

sobre ato normativo já <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong> pelo guardião maior da Carta Política<br />

da República - o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral - <strong>de</strong>scabe o <strong>de</strong>slocamento previsto no art. 97<br />

do referido Diploma maior. O julgamento <strong>de</strong> plano pelo órgão fracionado homenageia não<br />

só a racionalida<strong>de</strong>, como também implica interpretação teleológica do art. 97 em comento,<br />

evitando a burocratização dos atos judiciais no que nefasta ao princípio da economia<br />

e da celerida<strong>de</strong>. A razão <strong>de</strong> ser do preceito está na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evitar-se que órgãos<br />

fracionados apreciem, pela primeira vez, a pecha <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> arguida em<br />

relação a um certo ato normativo”.3<br />

O STF, no sentido <strong>de</strong> reforçar a exigência <strong>constitucional</strong>, editou a Súmula Vinculante<br />

10, com o seguinte teor: “Viola a cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> Plenário (CF, artigo 97) a <strong>de</strong>cisão do<br />

órgão fracionário <strong>de</strong> tribunal que, embora não <strong>de</strong>clare expressamente a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo do po<strong>de</strong>r público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”<br />

A cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário não veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o juiz monocrático <strong>de</strong>clarar<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo do Po<strong>de</strong>r Público,4 mas, sim, <strong>de</strong>termina<br />

uma regra especial aos tribunais para garantia <strong>de</strong> maior segurança jurídica. Além disso, não<br />

se aplica para a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos órgãos fracionários dos tribunais.5<br />

lida<strong>de</strong>: Corte Especial - AI no Ag 1037765/SP - Rei. Min. Teori Albino Zavascki, <strong>de</strong>cisão: 2-3-2011. Conferir,<br />

ainda, STJ - 2a T. - Resp 938839/RJ - ReL Min. Mauro Campbell Marques, <strong>de</strong>cisão: 5-4-2011.<br />

1 RTJ 58/499; RTJ 71/233; RTJ110/226; RTJ117/265; RTJ135/297; RTJ 95/859; RTJ 96/1188;R 7508/217;<br />

R F 193/131.<br />

2 RE n2190.725, Rei. p/ acórdão Min. limar Galvão e STF - Agravo <strong>de</strong> Instrumento - n2172.992-9, Rei. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção I, p. 23.537, que, porém, ressalva sua posição, enten<strong>de</strong>ndo da aplicabilida<strong>de</strong><br />

da cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário, mesmo que a norma questionada perante o Tribunal inferior já<br />

tenha sido <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> inci<strong>de</strong>ntar tantum pelo próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (RTJ 99/273).<br />

3 RTJ 162/765.<br />

4 Em relação à possibilida<strong>de</strong> do Juiz <strong>de</strong> I a instância realizar o controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> conferir:<br />

KTJ 554/253; STF - Pleno - Reclamação ns 721-0/AL - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da<br />

Justiça, Seção 1,19 fev. 1998, p. 8.<br />

R T J 9 8 /8 7 7 .


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 3 7<br />

9 .1 .2 C o n tro le d ifu so e Se n a d o F e d e ra l (a rt. 5 2 , X , C F )<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>cidindo o caso concreto po<strong>de</strong>rá, inci<strong>de</strong>ntalmente,<br />

<strong>de</strong>clarar, por maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma lei ou<br />

ato normativo do Po<strong>de</strong>r Público (CF, art. 97; RISTF, arts. 176 e 177) -1<br />

A partir disso, po<strong>de</strong>rá oficiar o Senado Fe<strong>de</strong>ral, para que este, nos termos do art.<br />

52, X, da Constituição, através da espécie normativa resolução, suspenda a execução, no<br />

todo ou em parte, <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Esse verda<strong>de</strong>iro mecanismo <strong>de</strong> ampliação dos efeitos da <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

surgido na Constituição <strong>de</strong> 1934 e somente aplicável ao controle difuso<br />

(uma vez que no controle concentrado os efeitos da <strong>de</strong>cisão são erga omnes e vinculantes),3<br />

tem por finalida<strong>de</strong> transformar em erga omnes os efeitos intrapartes da <strong>de</strong>claração realizada<br />

perante o julgamento <strong>de</strong> um caso concreto pelo STF, bem como em suspen<strong>de</strong>r os efeitos da<br />

lei viciada, para que não mais continue prejudicando a segurança jurídica.4<br />

O Regimento Interno do Senado Fe<strong>de</strong>ral prevê, em seu art. 386, que o Senado conhecerá<br />

da <strong>de</strong>claração, proferida em <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, total ou parcial <strong>de</strong> lei mediante: comunicação do Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Tribunal; representação do Procurador-Geral da República; projeto <strong>de</strong> resolução <strong>de</strong><br />

iniciativa da comissão <strong>de</strong> constituição, justiça e cidadania.<br />

A comunicação, a representação e o projeto acima referidos <strong>de</strong>verão ser instruídos<br />

com o texto da lei cuja execução se <strong>de</strong>va suspen<strong>de</strong>r, do acórdão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico<br />

do julgamento. Uma vez lida em plenário, a comunicação ou representação será encami<br />

nhada à comissão <strong>de</strong> constituição, justiça e cidadania, que formulará projeto <strong>de</strong> resolução<br />

suspen<strong>de</strong>ndo a execução da lei, no todo ou em parte.<br />

Há, doutrinariamente, discussões sobre a natureza <strong>de</strong>ssa atribuição do Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

ser discricionária5 ou vinculada,6 ou seja, sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

não suspen<strong>de</strong>r a executorieda<strong>de</strong> da lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>, inci<strong>de</strong>ntalmente, pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pela via <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.<br />

1 STF - “Controle in c id e n te d e c o n s t it u c io n a lid a d e : vinculação das TUrmas do STF à prece<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>claração da<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo, salvo proposta <strong>de</strong> revisão <strong>de</strong> qualquer<br />

dos Ministros (RiSTF, arts. 101 e 103)” (R T J 160/1.019).<br />

2 STF - AI 677.191-AgR, Rei. Min. Ellen Gracie,julgamento em 8-6-2010, Segunda TUrma, D J E <strong>de</strong> 25-6-2010.<br />

3 STF - RE 199.293, voto do Rei. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-5-2004, Plenário, D J <strong>de</strong> 6-8-2004.<br />

4 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral está rediscutindo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação do artigo 52, X, da CF para ampliar<br />

os efeitos da <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou a possibilida<strong>de</strong> da transcendência dos efeitos<br />

da <strong>de</strong>claração in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> manifestação da Casa parlamentar (STF, Pleno, Rcl 4335/AC, Rei. Min.<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, julgamento adiado em 16-5-2013).<br />

5 Neste sentido: Paulo Brossard, Oswaldo Aranha Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello, Themístocles Cavalcanti, Nogueira da<br />

Silva, Elival da Silva Ramos e Celso <strong>de</strong> Mello Filho.<br />

6 No sentido <strong>de</strong> que a ativida<strong>de</strong> senatorial, nesta hipótese, é juridicamente vinculada, exercida em caráter<br />

compulsório: Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Bastos, Michel Temer, Lúcio Bittencourt e Alfredo Buzaid.


738 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ocorre que tanto o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,1quanto o Senado Fe<strong>de</strong>ral,12 enten<strong>de</strong>m<br />

que esse não está obrigado a proce<strong>de</strong>r à edição da resolução suspensiva do ato estatal cuja<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, em caráter irrecorrível, foi <strong>de</strong>clarada in concreto pelo Supremo Tribunal;<br />

sendo, pois, ato discricionário do Po<strong>de</strong>r Legislativo, classificado como <strong>de</strong>liberação essencialmente<br />

política, <strong>de</strong> alcance normativo,3 no sentido referido por Paulo Brossard, <strong>de</strong> que<br />

“tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém<br />

exercer a competência, a ele e só a ele atribuída, <strong>de</strong> suspen<strong>de</strong>r lei ou <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>clarado<br />

in<strong>constitucional</strong> por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. No<br />

exercício <strong>de</strong>ssa competência cabe-lhe proce<strong>de</strong>r com equilíbrio e isenção, sobretudo<br />

com prudência, como convém à tarefa <strong>de</strong>licada e relevante, assim para os indivíduos,<br />

como para a or<strong>de</strong>m jurídica”.4<br />

Assim, ao Senado Fe<strong>de</strong>ral não só cumpre examinar o aspecto formal da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>claratória<br />

da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, verificando se ela foi tomada por quorum suficiente<br />

e é <strong>de</strong>finitiva, mas também indagar da conveniência <strong>de</strong>ssa suspensão.<br />

A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é do Supremo, mas a suspensão é função do<br />

Senado. Sem a <strong>de</strong>claração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspen<strong>de</strong>r a<br />

execução <strong>de</strong> lei ou <strong>de</strong>creto não <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong>,5 porém a tarefa <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> ampliação <strong>de</strong>sses efeitos é sua, no exercício <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> legiferante.6<br />

Porém, se o Senado Fe<strong>de</strong>ral, repita-se, discricionariamente, editar a resolução suspen<strong>de</strong>ndo<br />

no todo ou em parte lei <strong>de</strong>clarada inci<strong>de</strong>ntalmente in<strong>constitucional</strong> pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, terá exaurido sua competência <strong>constitucional</strong>, não havendo possibilida<strong>de</strong>,<br />

a posteriori, <strong>de</strong> alterar seu entendimento para tornar sem efeito ou mesmo modificar<br />

o sentido da resolução.7<br />

Ressalte-se, por fim, que essa competência do Senado Fe<strong>de</strong>ral aplica-se à suspensão<br />

no todo ou em parte, tanto <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral, quanto <strong>de</strong> leis estaduais, distritais ou municipais,<br />

<strong>de</strong>claradas, inci<strong>de</strong>ntalmente, inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.8<br />

1 Mandado <strong>de</strong> Injunção n° 460-9-RJ, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 16 jun. 1994, p. 15.509. No<br />

mesmo sentido: STF - Mandado <strong>de</strong> Segurança na 7.248, <strong>de</strong> São Paulo, Ministro Victor Nunes Leal<br />

2 Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa n° 48/265 - ano 12 -1975 - Pareceres n° 154, <strong>de</strong> 1971; Parecer n° 261 <strong>de</strong><br />

1971; Parecer nD282, <strong>de</strong> 1971.<br />

3 RTJ 38/19. E, ainda, Mário Guimarães (O juiz e a função jurisdicional, 1958, p. 264-265), Josaphat Marinho<br />

CRevista <strong>de</strong> Informação Legislativa, v. 2/12) e Paulo Brossard (O Senado e as leis inconstitucionais in Revista <strong>de</strong><br />

Informação legislativa, v. 50/55); Nelson <strong>de</strong> Souza Sampaio (O STF e a nova fisionomia do Judiciário in Revista<br />

Nomos, p. 30).<br />

4 BROSSARD, Paulo. O Senado e as leis inconstitucionais. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa n° 50/55.<br />

5 STF-ADI 3.929-MC, Rei. Min. Ellen Gracie, julgamento em 29-8-2007, Plenário, DJ<strong>de</strong> 11-10-2007.<br />

6 Neste sentido: Pareceres n°s 154 e 261 <strong>de</strong> 1971 da Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça do Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

(Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa na 48/265). Igualmente, MARINHO, Josaphat. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa<br />

ne 02/05.<br />

7 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p.183, citando inclusive jurisprudência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (RTJ 38/5; 38/569; 39/628).<br />

8 Por ex.: Em relação à lei estadual: Resolução do Senado Fe<strong>de</strong>ral n° 81, <strong>de</strong> 1996, suspen<strong>de</strong>ndo a execução<br />

do art. 2°, §§ 1°, 2° e 3°, da Lei n° 7.588, <strong>de</strong> 1989, e dos arts. 10 e 12, da Lei n° 7.802, <strong>de</strong> 1989, todos do Estado<br />

<strong>de</strong> Santa Catarina. Em relação à lei municipal: Resolução do Senado Fe<strong>de</strong>ral n° 80, <strong>de</strong> 1996, suspen<strong>de</strong>ndo


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 3 9<br />

Observe-se, porém, que, a partir da EC na 45/04, nas questões constitucionais <strong>de</strong><br />

repercussão geral, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, analisando inci<strong>de</strong>ntalmente a inconsti<br />

tucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada lei ou ato normativo, po<strong>de</strong>rá, imediatamente e respeitados<br />

os requisitos do art. 103-A da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, editar Súmula vinculante, que<br />

<strong>de</strong>verá guardar estrita especificida<strong>de</strong> com o assunto tratado, permitindo que se evite a<br />

<strong>de</strong>mora na prestação jurisdicional em inúmeras e infrutíferas ações idênticas sobre o<br />

mesmo assunto.<br />

Não mais será necessária a aplicação do art. 52, X, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral - cuja<br />

efetivida<strong>de</strong>, até hoje, sempre fo i reduzidíssima - , pois, <strong>de</strong>clarando inci<strong>de</strong>ntalmente a<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo do Po<strong>de</strong>r Público, o próprio Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá editar Súmula sobre a valida<strong>de</strong>, a interpretação e a eficácia <strong>de</strong>ssas<br />

normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar insegurança jurídica<br />

e multiplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos sobre questão idêntica.<br />

9.1.3 E fe ito s da d e c la ra ç ã o <strong>de</strong> in c o n s titu c io n a lid a d e - co n tro le d ifu so<br />

A<br />

Entre a s partes do processo (ex tunc)<br />

Declarada inci<strong>de</strong>nter tantum a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>sfaz-se, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua origem, o ato <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong>,<br />

juntamente com todas as consequências <strong>de</strong>le <strong>de</strong>rivadas,1uma vez que os atos inconstitucionais<br />

são nulos e, portanto, <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong> qualquer carga <strong>de</strong> eficácia jurídica, alcançando a<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou do ato normativo, inclusive, os atos pretéritos<br />

com base nela praticados. Porém, tais efeitos ex tunc (retroativos) somente tem aplicação<br />

para as partes e no processo em que houve a citada <strong>de</strong>claração.<br />

A natureza jurídica da lei ou ato normativo in<strong>constitucional</strong> é <strong>de</strong> ato nulo, ou, como<br />

bem salientou o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a lei in<strong>constitucional</strong> nasce morta”.*12<br />

Em relação à limitação temporal <strong>de</strong> efeitos no controle difuso, conforme <strong>de</strong>cidiu<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em regra, “não se aplica o efeito ex nunc à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em processo <strong>de</strong> controle difuso”.3 Porém, como salienta o Ministro<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, é possível a aplicação da limitação temporal <strong>de</strong> efeitos no sistema difuso,4<br />

apontando, inclusive, a “impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> efeitos retroativos para o caso<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratos trabalhistas”.5<br />

a execução do art. 276, da Lei n2 3,999, <strong>de</strong> 29-12-1972 - C ódigo Tributário do Município <strong>de</strong> Santo André, do<br />

Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />

1 FTJ 82/791; RTJ 87/758; RTJ 89/367.<br />

2 STF - RE 358.875-AgR, voto do Rei. M ia Celso <strong>de</strong> M ello , julgam ento em 23-10-2007, Segunda Turma, DJ<br />

<strong>de</strong> 7-12-2007.<br />

3 STF - 1 1T. - A gR egA I n2 495.826-6/RJ - Rei. M in. C ézar Peluso, Diário da Justiça, Seção 1,4 fev. 2005, p. 19.<br />

4 STF - Pleno - m edida cautelar - Ação cautelar n2 189-7/SP - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,15 abr. 2004, p. 14.<br />

5 STF - 2aT. - A I 529694/RS - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s -Inform ativo n2376, p. 5.


7 4 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Enten<strong>de</strong>mos que, excepcionalmente, com base nos princípios da segurança jurídica e<br />

na boa-fé, será possível, no caso concreto, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstítucionalida<strong>de</strong> inci<strong>de</strong>ntal<br />

com efeitos ex nunc, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública ou social exijam.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu, nesse sentido, “em face do princípio da segurança<br />

jurídica”; tendo o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stacado, ainda, que “a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong><br />

a or<strong>de</strong>m jurídica brasileira não possuir preceitos semelhantes aos da alemã, no sentido<br />

da intangibilida<strong>de</strong> dos atos não mais suscetíveis <strong>de</strong> impugnação, não se <strong>de</strong>veria supor<br />

que a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> afetasse todos os atos praticados com fundamento em lei<br />

in<strong>constitucional</strong>. Nesse sentido, haver-se-ia <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r proteção ao ato singular, em<br />

homenagem ao princípio da segurança jurídica, proce<strong>de</strong>ndo-se à diferenciação entre o<br />

efeito da <strong>de</strong>cisão no plano normativo e no plano das fórmulas <strong>de</strong> preclusão”.12 Igualmente,<br />

afirmou o Ministro Carlos Britto que o STF “po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve, em prol da segurança jurídica,<br />

atribuir eficácia prospectiva às suas <strong>de</strong>cisões, com a <strong>de</strong>limitação dos respectivos efeitos”.3<br />

Em relação à manipulação <strong>de</strong> efeitos no controle concentrado (art. 27 da Lei na<br />

9.868/99), <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> modulação ou limitação temporal pelo Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, conferir item 10.9, neste capítulo.<br />

B. Para os <strong>de</strong>m ais (ex nunc)<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, porém, previu um mecanismo <strong>de</strong> ampliação dos efeitos da <strong>de</strong>claração<br />

inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 52, X).<br />

Assim, ocorrendo essa <strong>de</strong>claração, conforme já visto, o Senado Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá editar uma<br />

resolução suspen<strong>de</strong>ndo a execução, no todo ou em parte, da lei ou ato normativo <strong>de</strong>clarado<br />

in<strong>constitucional</strong> por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que terá efeitos<br />

ergaomnes, porém, exnunc, ou seja, a partir da publicação da citada resolução senatoriaL<br />

9.1.4 C o n tro le d ifu so d e c o n s titu c io n a lld a d e e m s e d e d e a ç ã o c iv il p ú b lica<br />

O controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> difuso, conforme já estudado, caracteriza-se,<br />

principalmente, pelo fato <strong>de</strong> ser exercitável somente perante um caso concreto a ser <strong>de</strong>cidido<br />

pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>verá<br />

solucioná-lo e para tanto, inci<strong>de</strong>ntalmente, po<strong>de</strong>rá analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou não<br />

<strong>de</strong> lei ou do ato normativo - seja ele municipal, estadual, distrital ou fe<strong>de</strong>ral. Dessa forma,<br />

em tese, nada impedirá o exercício do controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ação civil pública, seja em relação às leis fe<strong>de</strong>rais, seja em relação às leis estaduais, distritais<br />

ou municipais em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (por ex.: O Ministério Público ajuiza<br />

uma ação civil pública, em <strong>de</strong>fesa do patrimônio público, para anulação <strong>de</strong> uma licitação<br />

baseada em lei municipal incompatível com o art. 37 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. O juiz ou<br />

Tribunal - CF, art. 97 - po<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>clarar, no caso concreto, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

1 Conferir nesse sentido: STF - 2 *T . - Rextr. n2 442683/RS - ReL Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 13-12-2005.<br />

STF - Pleno - RE 197.917/SP - Rei. Min. M aurício Corrêa.<br />

2 STF - l âT. - RE ne 217141 A gR / S P - Rei. Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 13-6-2006 -Informativo STF ne 431.<br />

3 STF - R E n 2502.817-7/SP - Rei. Min. Carlos Britto, Diário da Justiça, Seção 1,14 nov. 2006, p. 117.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 741<br />

citada le i municipal, e anular a licitação objeto da ação civil pública, sempre com efeitos<br />

somente para as partes e naquele caso concreto) . 1<br />

Ocorre, porém, que, se a <strong>de</strong>cisão do Juiz ou Tribunal, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil pública,<br />

<strong>de</strong>clarando a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo - seja municipal, estadual,<br />

distrital ou fe<strong>de</strong>ral -, em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral gerar efeitos erga omnes, haverá<br />

usurpação da competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por ser o único Tribunal em cuja<br />

competência encontra-se a interpretação concentrada da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Nesses casos, não se permitirá a utilização <strong>de</strong> ação civil pública como sucedâneo <strong>de</strong><br />

ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a fim <strong>de</strong> exercer controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo.3<br />

Observe-se que, mesmo em relação às leis municipais incompatíveis com a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, a inexistência <strong>de</strong> controle concentrado por parte do STF,4 salvo excepcionalmente<br />

pela via da ADPF, não afasta a total impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o controle concentrado<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral ser exercido por outro órgão do Po<strong>de</strong>r Judiciário, a quem caberá<br />

nessas hipóteses tão somente o exercício do controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nesse sentido, afirmou ser “legítima a utilização da ação<br />

civil pública como instrumento <strong>de</strong> fiscalização inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pela via<br />

difusa, <strong>de</strong> quaisquer leis ou atos do Po<strong>de</strong>r Público, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a controvérsia <strong>constitucional</strong><br />

não se i<strong>de</strong>ntifique como objeto único da <strong>de</strong>manda, mas simples questão prejudicial,<br />

indispensável à resolução do litígio principal”.5<br />

Assim, o que se veda é a obtenção <strong>de</strong> efeitos erga omnes nas <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil pública, não importa se tal<br />

<strong>de</strong>claração consta como pedido principal ou como pedido inci<strong>de</strong>nter tantum, pois mesmo<br />

nesse a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá não se restringir somente às partes<br />

daquele processo, em virtu<strong>de</strong> da previsão dos efeitos nas <strong>de</strong>cisões em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil<br />

pública dada pela Lei n° 7.347 <strong>de</strong> 1985.<br />

Analisando esse complexo tema, especificamente em relação às <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

inci<strong>de</strong>nter tantum em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil pública que acabam gerando<br />

efeitos erga omnes, Arruda Al vim expõe que<br />

1 Conferir nesse sentido: STF - 2a T. - Rext. 227.159/GO - ReL Min. N éri da Silveira, Informativo STF <strong>de</strong> 20<br />

mar. 2002, ne 260, p. 3.<br />

2 Cf. STF - Reclamação nQ633-6/SP - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1996, p.<br />

34.945, on<strong>de</strong> são citados vários prece<strong>de</strong>ntes em se<strong>de</strong> liminar: RCLs 5 5 7 ,5 5 9 ,560,5 62,5 6 4,5 6 9,6 00,6 02 e 611.<br />

3 STF - Pleno - Rcl. nQ2224/SP- Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 26-10-2005. Informativo STFnQ407,<br />

STF - Reclamação nQ601 - Rei. Min. Carlos Velloso - Revista <strong>de</strong> Direito Administrativo, 206/267. Igualm ente<br />

<strong>de</strong>cidiu o STJ: “Impossibilida<strong>de</strong> do uso da ação civil pública para substituir a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”<br />

(STJ - l â T. - Resp. nâ 134.979/GO - Rei. Min. Garcia Vieira, Diário da Justiça, Seção I, 6 out. 1997, p.<br />

49.903). Conferir, ainda: STJ - 2â Tlirma - REsp. n - 327.206/DF - Rei. Min. Franciulli Netto, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,1- set. 2003, p. 249.<br />

4 R TJ102/49; 124/266; 124/612.<br />

5 STF - Pleno - RE 424993/DF - Rei. M in . Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 12-9-07. Informativo STF nQ4 7 9 ; STF -<br />

Pleno - Rcl 1503/DF e Rcl 1519/CE - Rei. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ Acórdão Min. Dias Toffoli, <strong>de</strong>cisão:<br />

17-11-2011.


7 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

“o que se percebe, claramente, é que, não incomumente, propõem-se ações civis<br />

públicas, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sconectada <strong>de</strong> um verda<strong>de</strong>iro litígio, com insurgência, exclusivamente,<br />

contra um ou mais <strong>de</strong> um texto legal, e, o que se preten<strong>de</strong> na or<strong>de</strong>m<br />

prática ou pragmática é que, <strong>de</strong>clarada a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

normas, não possam mais elas virem a ser aplicadas, no âmbito da jurisdição do<br />

magistrado ou do Tribunal a esses sobrepostos. Ou, se, linguisticamente, não se<br />

diz isso, é o que, na or<strong>de</strong>m prática resulta <strong>de</strong> uma tal <strong>de</strong>cisão. Ora, se se preten<strong>de</strong><br />

que <strong>de</strong>terminados textos não possam vir a ser aplicados, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma dada área<br />

<strong>de</strong> jurisdição, disto se segue tratar-se efetivamente <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração in abstracto, da<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ainda que possa ter sido nominado <strong>de</strong> pedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração<br />

inci<strong>de</strong>nter tantum”.<br />

e conclui o referido autor que<br />

“por tudo que foi dito, afigura-se-nos que in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> levantada em<br />

ação civil pública, como pretenso fundamento da pretensão, mas em que, reale<br />

efetivamente o que se persiga seja a própria in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, é arguição incompatível<br />

com essa ação e, na verda<strong>de</strong>, com qualquer ação por implicar usurpação<br />

da competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral”.1<br />

Ressalte-se que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não admite ação civil pública em <strong>de</strong>fesa<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s coletivos ou difusos como sucedâneo <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

vedando-a quando seus efeitos forem erga omnes12 e, portanto, idênticos aos da <strong>de</strong>claração<br />

concentrada <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Diversa, porém, é a hipótese vislumbrada pelo Pretório<br />

Excelso quando se tratar <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s individuais homogêneos, previstos no art. 81, inc.<br />

III, da Lei nQ8.078/90, pois nesses casos a <strong>de</strong>cisão só alcançará este grupo <strong>de</strong> pessoas, e não<br />

estará usurpando a finalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> das ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

sendo permitida.3 Como ressaltado pelo próprio STF, “situação diversa ocorrería se a ação<br />

civil pública estivesse preor<strong>de</strong>nada a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r <strong>direito</strong>s difusos ou coletivos (incisos I e II<br />

do citado art. 81), quando, então, a <strong>de</strong>cisão teria efeito erga omnes, na acepção usual da<br />

expressão e, aí sim, teria os mesmos efeitos <strong>de</strong> uma ação direta, pois alçaria todos, partes<br />

ou não, na relação processual estabelecida na ação civil”.4<br />

Em conclusão, o que se preten<strong>de</strong> vedar é a utilização da ação civil pública como sucedâneo<br />

da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma a retirar do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral o controle concentrado da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos fe<strong>de</strong>rais<br />

e estaduais em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.5 Essa vedação aplica-se quando os efeitos da<br />

1 AL VIM, Arruda. Ação civil pública. Coord. Édis Milaré. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 157 e 162.<br />

2 STF - Pleno - RE 424993/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, DJE-126,19-10-2007.<br />

3 STF - Reclamação n2663-6/SP- Rei. M in. Nelson Jobim, D iário da Justiça, Seção 1,13out. 1997, p. 51.467.<br />

4 STF - Reclam ação n° 554-2/MG - Rei. Min. M aurício C orrêa, Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1997, p.<br />

61.738. N o mesmo sentido: STF - Pleno - Reclamações n° 597-SP, Rei. Min. M arco Aurélio e para o acórdão o<br />

Min. Néri da Silveira, 600-SP, ReL Min. Néri da Silveira, e 602-SP, ReL Min. limar G alvão - Sessão <strong>de</strong> 3-9-97.<br />

5 STF - Pleno - Reclamação n° 1.898-9/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M e llo ,Diário da Justiça, Seção 1,19 fev. 2004,<br />

p. 65. Ressalte-se, nesse sentido, a observação fe ita pelo M inistro Sepúlveda Pertence, em relação à ação civil<br />

pública, ao apontar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diferenciar ambas as hipóteses: “basta que nela se veicule pretensão que,


<strong>de</strong>cisão d a ação civil pública forem erga omnes, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntem ente <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

difusos, coletivos ou individuais hom ogêneos. Por outro lado, não h averá qualquer vedação<br />

à <strong>de</strong>claração inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (controle difuso) em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação civil<br />

pública, quando, conform e salientado pelo próprio Pretório Excelso, “tratar-se <strong>de</strong> ação<br />

ajuizada, entre partes contratantes, n a persecução <strong>de</strong> bem ju ríd ico concreto, individual e<br />

perfeitam ente <strong>de</strong>finido, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m patrim onial, objetivo que jam ais p o<strong>de</strong>ria ser alcançado<br />

pelo reclam ado em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle in abstracto <strong>de</strong> ato norm ativo”,*1 ou seja, nessas h ip ó­<br />

teses, será plenam ente adm issível “a utilização <strong>de</strong> ação civil pública com o instrum ento<br />

d e fiscalização inci<strong>de</strong>ntal <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.2<br />

9.1.5 Controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> durante o processo<br />

legislativo<br />

As norm as <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong>, previstas nos arts. 59 a 69 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, possuem eficácia plena e im ediata, v inculando a ativida<strong>de</strong> d o legislador<br />

na via do controle abstrato, seria inadmissível" (STF - Pleno - Adin na 3352/DF, Rei. Min. Sepúlveda Pertence<br />

- Informativo STF na 383, p. 3).<br />

1 STF - Pleno - Reclamação na 602-6/SP - Rei. Min. limar Galvão, j. 3-9-1997. Conferir, ainda, STF - Ia T.<br />

- Recl. na 611-5/PR - ReL Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, I a abr. 1998, p. 12. Nesse sentido,<br />

importante leading case do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição<br />

bancária, objetivando a con<strong>de</strong>nação da ré ao pagamento da ‘diferença entre a inflação do mês <strong>de</strong> março <strong>de</strong><br />

1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas ca<strong>de</strong>rnetas <strong>de</strong> poupança, com vencimento entre<br />

14 a 30 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1990, mais juros <strong>de</strong> 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, <strong>de</strong>vendo o valor a ser pago a cada<br />

um fixar-se em liquidação <strong>de</strong> sentença’. 3. Ação julgada proce<strong>de</strong>nte em ambas as instâncias, havendo sido interpostos<br />

recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada,<br />

ao manter a sentença, estabeleceu ‘uma in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no plano nacional, em relação a alguns aspectos<br />

da Lei n° 8.024/1990, que somente ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral caberia <strong>de</strong>cretar’. 5. Não se trata <strong>de</strong> hipótese<br />

suscetível <strong>de</strong> confronto com o prece<strong>de</strong>nte da Corte na Reclamação na 431-1/SP, on<strong>de</strong> se fazia inequívoco que o<br />

objetivo da ação civil pública era <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei na 7.844/1992, do Estado <strong>de</strong> São Paulo.<br />

6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> contrato expressamente<br />

i<strong>de</strong>ntificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subsequente, cuja aplicação levaria a ferir <strong>direito</strong><br />

subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da Lei nQ8.024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo que a <strong>de</strong>cisão em exame afasta a incidência <strong>de</strong> Lei que<br />

seria aplicável à hipótese concreta, por ferir <strong>direito</strong> adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão<br />

respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, à vista do art. 102, III, letra b<br />

da Lei Maior, eis que <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> Corte local terá reconhecido a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral,<br />

ao dirimir <strong>de</strong>terminado conflito <strong>de</strong> interesses. Manifesta-se, <strong>de</strong>ssa maneira, a convivência dos dois sistemas <strong>de</strong><br />

controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>: a mesma lei fe<strong>de</strong>ral ou estadual po<strong>de</strong>rá ter <strong>de</strong>clarada sua invalida<strong>de</strong>, quer em<br />

abstrato, na via concentrada, originariamente pelo STF (CF, art. 102,1, a) quer na via difusa, inci<strong>de</strong>nter tantum<br />

ao ensejo do <strong>de</strong>sate <strong>de</strong> controvérsia, na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s subjetivos <strong>de</strong> partes interessadas, afastando-se sua<br />

incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também a possibilida<strong>de</strong><br />

da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, inci<strong>de</strong>nter tantum, <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou local. 9.<br />

A eficácia erga omnes da <strong>de</strong>cisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei n° 7.347/1997, não subtrai o julgado<br />

do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso<br />

extraordinário, relativamente ao qual, sem situações graves, é viável, emprestar-se a<strong>de</strong>mais, efeito suspensivo.<br />

10. Em reclamação, on<strong>de</strong> sustentada a usurpação, pela Corte local, <strong>de</strong> competência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei na 7374/1985, art. 16),<br />

o que po<strong>de</strong>rá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada<br />

improce<strong>de</strong>nte, cassando-se a liminar” (STF - Pleno Recl. na 600-0/SP - Rei. Min. Néri da Silveira, j. 3-9-97).


744 Direito Constitucional • Moraes<br />

na elaboração das diversas espécies normativas em respeito ao <strong>de</strong>vido processo legislativo.<br />

Conforme já analisado no capítulo anterior (Processo legislativo), o respeito ao <strong>de</strong>vido<br />

processo legislativo na elaboração das diversas espécies normativas é um dogma corolário<br />

à observância do princípio da legalida<strong>de</strong>, pelo que sua observância <strong>de</strong>ve, se necessário<br />

for, ser garantida jurisdicionalmente.1<br />

Dessa forma, indiscutível a realização <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> difuso ou<br />

concentrado em relação a normas elaboradas em <strong>de</strong>srespeito ao <strong>de</strong>vido processo legislativo,<br />

por flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal.12<br />

Recor<strong>de</strong>-se da advertência feita por Nelson Sampaio, ao acentuar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pleno<br />

controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> formação das leis, pois “as dificulda<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> revisão <strong>constitucional</strong> são quase fictícias quando não há controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

pois então o po<strong>de</strong>r legislativo é a última instância sobre o que é <strong>constitucional</strong> ou não.”3<br />

Importante, porém, analisar-se a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o controle jurisdicional incidir sobre<br />

o processo legislativo em trâmite,4uma vez que ainda não existiría lei ou ato normativo<br />

passível <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Assim, o controle jurisdicional sobre a elaboração legiferante, inclusive sobre propostas<br />

<strong>de</strong> emendas constitucionais,5sempre se dará <strong>de</strong> forma difusa, por meio do ajuizamento<br />

<strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança por parte <strong>de</strong> parlamentares que se sentirem prejudicados durante<br />

o processo legislativo. Reitere-se que os únicos legitimados à propositura <strong>de</strong> mandado<br />

<strong>de</strong> segurança para <strong>de</strong>fesa do <strong>direito</strong> líquido e certo <strong>de</strong> somente participarem <strong>de</strong> um processo<br />

legislativo conforme as normas constitucionais e legais são os próprios parlamentares, cujo<br />

prosseguimento do processo, até <strong>de</strong>cisão final do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá<br />

da manutenção do autor <strong>de</strong> sua condição <strong>de</strong> membro do Congresso Nacional (“relação<br />

<strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong>”).6<br />

Os parlamentares, portanto, po<strong>de</strong>rão propiciar ao Po<strong>de</strong>r Judiciário a análise difusa<br />

<strong>de</strong> eventuais in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>s ou ilegalida<strong>de</strong>s que estiverem ocorrendo durante o<br />

trâmite <strong>de</strong> projetos ou proposições por meio <strong>de</strong> ajuizamento <strong>de</strong> mandados <strong>de</strong> segurança<br />

contra atos concretos da autorida<strong>de</strong> coatora (Presi<strong>de</strong>nte ou Mesa da Casa Legislativa, por<br />

exemplo), <strong>de</strong> maneira a impedir o flagrante <strong>de</strong>srespeito às normas regimentais ao or<strong>de</strong>-<br />

1 C onform e <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça “ O princípio do dueprocess oflaw esten<strong>de</strong>-se à gênese<br />

da lei. U m a lei m al form ada, vítim a <strong>de</strong> <strong>de</strong>feitos no processo que a gerou, é in efica z; a ninguém po<strong>de</strong> obrigar”<br />

(STJ - I a T. - RMS n° 7.313-0/RS - Rei. M in. Hum berto Gomes <strong>de</strong> Barros, Diário da Justiça, Seção 1 ,5 m aio<br />

1997 -Em entário STJ 18/395).<br />

2 Tamanha é a importância do respeito do processo legislativo <strong>constitucional</strong> na form ação das leis que Nelson<br />

Sampaio nos recorda que “na Terceira República Francesa, on<strong>de</strong> não existia o controle jurisdicional da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

m aterial da lei, a doutrina dom inante - com muitas vozes discordantes - sustentava que os<br />

tribunais podiam e <strong>de</strong>viam examinar se a le i se elaborou <strong>de</strong> acordo com as normas constitucionais, sem o que<br />

não m erecería o nom e <strong>de</strong> lei” (O processo... Op. ciL p. 180).<br />

3 O po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reforma <strong>constitucional</strong>. 3 ed. Belo H orizonte: N ova Alvorada, 1995. p. 70.<br />

4 KTJ 99/1031 - c f . Capítulo 11 (Processo legislativo) - item 4.1.2, on d e encontra-se a in tegrada ementa.<br />

5 Con ferir sobre reform a <strong>constitucional</strong>: LAVIE, Quiroga. Estúdio analítico <strong>de</strong> la reforma <strong>constitucional</strong>. 3. ed.<br />

Buenos Aires: Depalma, 1993.<br />

6 Conform e <strong>de</strong>cidiu o STF, haverá extinção do m andado <strong>de</strong> segurança sem julgam ento do m érito na hipótese<br />

<strong>de</strong> perda superveniente do mandato parlamentar pelo autor do writ (M S 27971/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

<strong>de</strong>cisão: l “ -7-2011.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 4 5<br />

namento jurídico e coação aos próprios parlamentares, consistente na obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

participação e votação em um procedimento in<strong>constitucional</strong> ou ilegal.1<br />

Não raro o Po<strong>de</strong>r Judiciário <strong>de</strong>verá analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ou não, <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada<br />

sequência <strong>de</strong> atos durante certo processo legislativo ten<strong>de</strong>nte à elaboração <strong>de</strong> uma<br />

das espécies normativas primárias, uma vez que é a própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral que, com<br />

riqueza <strong>de</strong> <strong>de</strong>talhes, prevê as normas básicas e obrigatórias do <strong>de</strong>vido processo legislativo<br />

(CF, arts. 59 a 69). Quando assim atuar, o Judiciário estará realizando controle difuso <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, para po<strong>de</strong>r - no mérito - garantir aos parlamentares o exercício <strong>de</strong><br />

seu <strong>direito</strong> líquido e certo a somente participarem da ativida<strong>de</strong> legiferante realizada em<br />

acordo com as normas constitucionais.<br />

Igualmente, o flagrante <strong>de</strong>srespeito às normas regimentais,12 durante o processo<br />

legislativo, caracteriza clara ilegalida<strong>de</strong>, uma vez que os regimentos internos das Casas<br />

legislativas - Regimento interno do Congresso Nacional, do Senado Fe<strong>de</strong>ral e da Câmara<br />

dos Deputados - são resoluções, ou seja, espécies normativas primárias previstas diretamente<br />

na Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 59, inc. VII). Enten<strong>de</strong>mos que essa ilegalida<strong>de</strong><br />

também será passível <strong>de</strong> controle jurisdicional, com base no art. 5a, inc. XXXV, da Carta<br />

Magna, pois a apreciação <strong>de</strong> lesão ou ameaça a <strong>direito</strong> jamais po<strong>de</strong>rá ser afastada do<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário. Dessa forma, os parlamentares são possuidores <strong>de</strong> legítimo interesse<br />

para o ajuizamento <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança em <strong>de</strong>fesa do <strong>direito</strong> líquido e certo <strong>de</strong><br />

somente participarem <strong>de</strong> um processo legislativo <strong>constitucional</strong> e legal, em conformida<strong>de</strong><br />

com as normas da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e das resoluções, instrumentos formais que<br />

trazem os regimentos internos, não sendo, portanto, obrigados à participação e votação<br />

<strong>de</strong> um processo legislativo viciado, quer pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, quer pela flagrante<br />

ilegalida<strong>de</strong>.<br />

Diferentemente, porém, ocorre com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle jurisdicional em<br />

relação à interpretação <strong>de</strong> normas regimentais das Casas Legislativas. Nessas hipóteses,<br />

enten<strong>de</strong>mos não ser possível ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, substituindo-se ao próprio legislativo,<br />

dizer qual o verda<strong>de</strong>iro significado da previsão regimental, por tratar-se <strong>de</strong> assunto interna<br />

corporis, sob pena <strong>de</strong> ostensivo <strong>de</strong>srespeito à separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res (CF, art. 2a), por<br />

intromissão política do Judiciário no Legislativo.3<br />

Esse posicionamento, porém, não é unânime na doutrina. Manoel Gonçalves Ferreira<br />

Filho adota posição mais restrita em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle jurisdicional em<br />

relação às normas regimentais, afirmando que “se a observância dos preceitos constitu-<br />

1 Sobre a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> im petração <strong>de</strong> m andado <strong>de</strong> segurança contra ato <strong>de</strong> procedim ento legislativo,<br />

conferir: MORAES, Germana <strong>de</strong> O liveira O controle jurisdicional da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do processo legislativo.<br />

São Paulo: Dialética, 1988. p. 78.<br />

2 Conferir sobre trâmite interno das proposições legislativa no Senado Fe<strong>de</strong>ral: Senado & Congresso-proposições<br />

legislativas - tramitação. Brasília: Geresen, 1995.<br />

3 Importante salientar a advertência feita p or M anoel Gonçalves Ferreira Filho <strong>de</strong> q u e “ na organização <strong>constitucional</strong><br />

dos Estados Unidos da Am érica e na dos Estados que im itam suas instituições, o caráter apolítico do<br />

Judiciário foi posto em dúvida por não poucos juristasem virtu<strong>de</strong> do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis. Já<br />

foi m oda <strong>de</strong>nunciar o governo dos juizes, expressão cunhadapor Edouard Lambert em seu livro (Legouvernement<br />

<strong>de</strong>s juges et la luffe contre la législation sociale auxÉtats Unis, Paris, 1921). Todavia, sem a<strong>de</strong>rir aos exageros, <strong>de</strong>ve-<br />

-se reconhecer que on<strong>de</strong> se admite o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis, ipsofacto, se politiza a ativida<strong>de</strong><br />

dos juizes” (.Do processo... Op. ciL p. 1 1 5 - n o t a 114).


746 Direito Constitucional • Moraes<br />

cionais é rigorosa, absoluta, a dos regimentais não o é. A violação regimental, por isso, é<br />

suscetível <strong>de</strong> convalidação, expressa ou implícita. Destarte, no caso das normas regimentais,<br />

o Judiciário só po<strong>de</strong> verificar se a violação <strong>de</strong>sta impediu a manifestação da vonta<strong>de</strong><br />

da Câmara. Nesse caso, então, <strong>de</strong>verá reconhecer a invalida<strong>de</strong> das regras assim editadas”.1<br />

9.1.6 S u p re m o T rib u n a l F e d e ra l e co n tro le d ifu so <strong>de</strong> c o n stitu c io n a lid a d e<br />

d u ra n te o p ro c e s s o le g isla tiv o<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

durante o procedimento <strong>de</strong> feitura das espécies normativas, especialmente em relação à<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiel observância das normas constitucionais do referido processo legislativo12<br />

(CF, arts. 59 a 69).<br />

Em julgamento envolvendo proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong>,3 o plenário do STF<br />

analisou <strong>de</strong>talhadamente qual a amplitu<strong>de</strong> da atuação do Po<strong>de</strong>r Judiciário, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, durante o processo <strong>de</strong> elaboração legislativa, balisando-<br />

-se básica e, simultaneamente, pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa a lesão a <strong>direito</strong> individual (CF,<br />

art. 5o, inc. XXXV) e da separação dos Po<strong>de</strong>res (CF, art. 2a).4<br />

A matéria suscitou a formação <strong>de</strong> duas posições no Tribunal. Pela posição majoritária,<br />

confirmando tradicional entendimento do Pretório Excelso,5 compete ao Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário analisar, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança ajuizado por parlamentar, a regularida<strong>de</strong><br />

na observância por parte do Congresso Nacional <strong>de</strong> normas constitucionais<br />

referentes ao processo legislativo, uma vez que os congressistas têm <strong>direito</strong> líquido e certo<br />

a não participarem <strong>de</strong> processo legislativo vedado pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Contrariamente,<br />

porém, enten<strong>de</strong>u-se que interpretações <strong>de</strong> normas regimentais, por tratarem<br />

<strong>de</strong> assunto interna corporis, são insuscetíveis <strong>de</strong> apreciação judiciária.<br />

Trata-se <strong>de</strong> posicionamento atual do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.6<br />

A segunda corrente formada sobre a matéria também consagrou a existência <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

líquido e certo dos parlamentares a participarem do <strong>de</strong>vido processo legislativo, porém enten-<br />

1 Do processo... Op. cit. p. 243.<br />

2 Conferir <strong>de</strong>cisão liminar do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello, em que a matéria é <strong>de</strong>talhadamente analisada na doutrina<br />

e jurisprudência (S T F - P le n o - M S n22 3 .5 6 5 / D F -m ed id alim in a r- Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M e llo ,Informativo<br />

STF n2 170).<br />

3 PEC na 33 - Reform a da Previdência Social.<br />

4 Conferir: STF - Pleno - MS n2 22503-3/DF - Rei. para A córdão Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,6 jun. 1997, p. 24.872.<br />

5 STF - “ Processo legislativo no Congresso Nacional. Interna corporis. M atéria relativa à interpretação, pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte do Congresso Nacional, <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> regim ento legislativo é im u ne a crítica judiciária, circunscrevendo-se<br />

no dom ínio interna corporis" - R T J 112/1023. Conferir, ainda, em relação à im possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

interpretação, por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong> normas regim entais, por tratar-se <strong>de</strong> assunto interna corporis:<br />

RTJ 112/598; 1 12/1023;RTJ 116/67; RTJ 137/1053; RTJ 114/537; S T F -M S n° 20.247/DF - Rei. Min. M oreira<br />

Alves: STF - MS n2 20.471/DF - Rei. Min. Francisco Rezek. Nesse mesm o sentido: S T F - Pleno - Adin n2 2.038/<br />

BA - Rei. Min. Marco Aurélio, Rei. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 18-8-1999-Informativo STFn2 158.<br />

6 S T F - M S 26712 ED-MC/DF - Rei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello .Diário da Justiça, Seção 1,1 9set.2007, p. 26; S T F -<br />

MC 24645 MC/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,15 set. 2003, p. 65.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 4 7<br />

<strong>de</strong>u competir ao Po<strong>de</strong>r Judiciário uma análise mais ampla <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>vido processo legislativo,<br />

tanto em relação às normas constitucionais referentes ao processo legislativo (CF, arts. 59 a<br />

69), quanto em relação às normas do regimento interno da Casa Legislativa, inclusive no<br />

tocante a suas interpretações, que <strong>de</strong>verá pautar-se pela <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e legalida<strong>de</strong>.<br />

Conforme expusemos no item anterior, concordamos com esse posicionamento.<br />

9.2 Controle concentrado ou via <strong>de</strong> ação direta<br />

A Constituição austríaca <strong>de</strong> 1Q-10-1920 consagrou, no dizer <strong>de</strong> Eisenmann, como<br />

forma <strong>de</strong> garantia suprema da Constituição,1pela primeira vez, a existência <strong>de</strong> um tribunal<br />

- Tribunal Constitucional - com exclusivida<strong>de</strong> para o exercício do controle judicial<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, em oposição ao consagrado judicial review norte-americano,<br />

distribuído por todos os juizes e tribunais.12<br />

Hans Kelsen, criador do controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, justificou a<br />

escolha <strong>de</strong> um único órgão para exercer o controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> salientando que<br />

“se a Constituição conferisse a toda e qualquer pessoa competência para <strong>de</strong>cidir esta<br />

questão, dificilmente po<strong>de</strong>ria surgir uma lei que vinculasse os súditos do Direito<br />

e os órgãos jurídicos. Devendo evitar-se uma tal situação, a Constituição apenas<br />

po<strong>de</strong> conferir competência para tal a um <strong>de</strong>terminado órgão jurídico”,<br />

para, posteriormente, concluir que<br />

“se o controle da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis é reservado a um único tribunal,<br />

este po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ter competência para anular a valida<strong>de</strong> da lei reconhecida como<br />

in<strong>constitucional</strong> não só em relação a um caso concreto mas em relação a todos<br />

os casos a que a lei se refira - quer dizer, para anular a lei como tal. Até esse momento,<br />

porém, a lei é válida e <strong>de</strong>ve ser aplicada por todos os órgãos aplicadores<br />

do Direito”.3<br />

Nessa mesma época, na Alemanha, apesar <strong>de</strong> a Constituição <strong>de</strong> Weimar não prever<br />

regras sobre controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis imperiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1921, o<br />

Tribunal do Estado passou a consagrar a revisão jurisdicional das leis fe<strong>de</strong>rais, iniciandose<br />

o que a doutrina alemã consi<strong>de</strong>ra como o embrião do controle jurisdicional <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

4<br />

1 EISENMANN, Charles. La justice constitutionnelle et la haute cour constitutionnelle d’Autriche. Paris: Economica-<br />

■Presses Universitaires d’Aix-M arseille, 1986. p. 174.<br />

2 Francisco Fernan<strong>de</strong>z Segado salienta que “ o p eríod o que transcorre entre outubro <strong>de</strong> 1918, m om ento em<br />

que cai o Im pério austro-húngaro, e outubro <strong>de</strong> 1920, em que ocorre a prom ulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

da República Austríaca, marca os momentos chaves da gestação do m o<strong>de</strong>lo austríaco <strong>de</strong> controle autônom o <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis” (Evolución histórica y m o<strong>de</strong>los <strong>de</strong> control <strong>constitucional</strong>. Lajurisdicción <strong>constitucional</strong><br />

em Iberoamerica. Madri: Dykinson, 1997. p. 731.<br />

3 KELSEN, Hans. Teoria pura... Op. ciL p. 288-290.<br />

4 Conferir os argum entos favoráveis e contrários ao controle jurisdicional das norm as constitucionais, em<br />

especial o antagonismo do austríaco Hans Kelsen, paraqu em <strong>de</strong>veria haver um controle jurisdicional, e do ale-


748 Direito Constitucional • Moraes<br />

O controle concentrado ou abstrato <strong>de</strong> constitudonalida<strong>de</strong> surgiu no Brasil por meio<br />

da Emenda Constitucional ne 16, <strong>de</strong> 6-12-1965, que atribuiu ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

competência para processar e julgar originariamente a representação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual, apresentada pelo procurador-geral da<br />

República,1apesar da existência da representação interventiva <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Constituição <strong>de</strong> 1934.<br />

Esse controle é exercido nos mol<strong>de</strong>s preconizados por Hans Kelsen para o Tribunal<br />

Constitucional austríaco e adotados, posteriormente, pelo Tribunal Constitucional alemão,<br />

espanhol, italiano e português, competindo ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar<br />

e julgar, originariamente, ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo<br />

fe<strong>de</strong>ral ou estadual.*12<br />

Por m eio <strong>de</strong>sse controle, procura-se obter a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

lei ou do ato normativo em tese, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da existência <strong>de</strong> um caso concreto,<br />

visando-se à obtenção da invalidação da lei, a fim <strong>de</strong> garantir-se a segurança das relações<br />

jurídicas, que não po<strong>de</strong>m ser baseadas em normas inconstitucionais.<br />

A <strong>de</strong>claração da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, portanto, é o objeto principal da ação, da mesma<br />

forma que ocorre nas Cortes Constitucionais europeias, diferentemente doocorridono<br />

controle difuso, característica básica do judicial review do sistema norte-americano.3<br />

São várias as espécies <strong>de</strong> controle concentrado contempladas pela Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral:4<br />

a. ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica (art. 102,1, a);<br />

b. ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> interventiva (art. 36, III);<br />

c. ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão (art. 103, § 2o);<br />

d. ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (art. 102,1, a, infine; EC n° 03/93);<br />

e arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental (art. 102, § I o).5<br />

mão Carl Schmitt, para quem o controle <strong>de</strong>veria ficar a cargo do Presi<strong>de</strong>nte do Reich, in MORAES, Alexandre<br />

<strong>de</strong>. Jurisdição <strong>constitucional</strong>... Op. cit. p. 116 ss.<br />

1 BONAV1DES, Paulo. Curso... O p.cit.p . 296; VIEIRA, OscarVilhena. Supremo... O p .cit.p . 78; VELOSO, Zeno.<br />

Controle... Op. cit. p. 34.<br />

2 KELSEN, Hans. Teoria pura do <strong>direito</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 288-290. Sobre a criação do Tribunal<br />

austríaco e das características do controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>.<br />

Jurisdição <strong>constitucional</strong> e tribunais constitucionais. São Paulo: Atlas, 2000. p. 115-119.<br />

3 C onferir no <strong>direito</strong> com parado: FRIEDRICH, Carl Joaquim. Gobierno <strong>constitucional</strong>y <strong>de</strong>mocracia. Madri:<br />

Instituto <strong>de</strong> Estudos Políticos, 1975; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La Constimción como normay el tribunal<br />

<strong>constitucional</strong>. 3. ed. M adri: Civitas, 1994; GARCÍA BELAUNDE, Dom ingo; FERNANDEZ SEGADO, Francisco.<br />

Lajurisdicción <strong>constitucional</strong>en Iberoamerica. Madri: Dykinson, 1997; AGUILAR, Juan F. López. Lajusticiaysus<br />

problemas en Ia Constitución. Madri: Tecnos, 1996; ANDRADE, J. C. V ieira <strong>de</strong>. Legitim ida<strong>de</strong> da justiça <strong>constitucional</strong><br />

e princípio da maioria. In: Vários autores. Legitimida<strong>de</strong> e legitimação da justiça <strong>constitucional</strong>. Coimbra:<br />

Coimbra, 1995; COSTA, José Manuel M oreira Cardoso da. A jurisdição <strong>constitucional</strong> em Portugal. Coimbra:<br />

Coimbra, 1992. N o <strong>direito</strong> pátrio: SILVA, José Afonso da. Curso... Op. cit. p. 49; MENDES, G ilm ar Ferreira.<br />

Jurisdição... Op. c it p. 60; ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Controle... Op. c it p. 47.<br />

4 A L e i n° 9.868, <strong>de</strong> 10-11-1999, dispõe sobre o processo e julgam ento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

e da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

s<br />

STF - Pleno - agravo regim ental - Arguição <strong>de</strong> Descumprimento <strong>de</strong> Preceito Fundamental n° 43-2/DF - Rei.<br />

M in. Carlos Britto, Diário da Justiça, Seção 1 ,13 fev. 2004, p. 9.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 4 9<br />

10 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE GENÉRICA<br />

[ã r.<br />

L lfiJlfiJO<br />

“Guardião da Constituição”<br />

Lei ou ato norm ativo<br />

em vigor e editado<br />

ap ós a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

CR art. 102,1, a<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Estadual<br />

D istrital (no exercício<br />

<strong>de</strong> competência estadual<br />

x CF<br />

COLEGITIMADOS ■<br />

L "CF, art. 103,'<br />

I a IX<br />

PERTINÊNCIA<br />

TEMÁTICA<br />

rlW -IIM A J,<br />

V<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Mesa Câmara dos Deputados<br />

Mesa Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

Procurador-Geral da República<br />

Conselho Fe<strong>de</strong>ral OAB<br />

Partidos Políticos com Representação<br />

no Congresso Nacional<br />

Mesa da Assembléia ou Câmara Legislativa<br />

Governador <strong>de</strong> Estado ou DF<br />

Mesa Assembléias Legislativas<br />

Confe<strong>de</strong>ração Sindical ou Entida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Classe <strong>de</strong> Âmbito Nacional<br />

10.1 Competência<br />

Compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral processar e julgar, originariamente, ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual.<br />

O autor da ação pe<strong>de</strong> ao STF que examine a lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual<br />

em tese (não existe caso concreto a ser solucionado). Visa-se, pois, obterá invalidação da<br />

lei, a fim <strong>de</strong> garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não po<strong>de</strong>m ser baseadas<br />

em normas inconstitucionais.<br />

A <strong>de</strong>claração da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, portanto, é o objeto principal da ação, diferentemente<br />

do ocorrido no controle difuso.<br />

10.2 Objeto<br />

Haverá cabimento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou distrital, no exercido <strong>de</strong> competência<br />

equivalente à dos Estados-membros (cf. item 10.2.5), editados posteriormente<br />

à promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (cf. item 10.2.6) e que ainda estejam em vigor.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não admite ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei<br />

ou ato normativo já revogado ou cuja eficácia já tenha se exaurido1(por exemplo: medida<br />

provisória não convertida em le i)12 enten<strong>de</strong>ndo, ainda, a prejudicialida<strong>de</strong> da ação, por<br />

1 STF - Pleno - Adin nQ 612/RJ - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,6 m aio<br />

1994, p. 14.484. No m esm o sentido afirm ou o STF que “ as Leis <strong>de</strong> D iretrizes O rçam entárias caracterizam -se pelas<br />

suas vigências tem porárias, uma vez que referem -se ao exercício fin a n ceiro subsequente. Portanto, não po<strong>de</strong>rá<br />

ser o b jeto <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in con stitu cion alida<strong>de</strong> se já houver ocorrido o plen o exaurim ento <strong>de</strong> sua eficácia<br />

ju rídico-n orm ativa” (R ei. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 29 set. 1997, p. 48.076).<br />

2 STF - Pleno - Adin nQ162-1/DF - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 19 set. 97, p. 45.582.


7 5 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

perda do objeto,1na hipótese <strong>de</strong> a lei ou ato normativo impugnados virem a ser revogados<br />

antes do julgamento final da mesma,12 pois, conforme enten<strong>de</strong> o Pretório Excelso, a<br />

<strong>de</strong>claração em tese <strong>de</strong> ato normativo que não mais existe transformaria a ação direta em<br />

instrumento processual <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> situações jurídicas pessoais e concreta.3<br />

A ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a partir da edição da Lei nQ9.868/99, tem<br />

natureza dúplice, pois sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito acarreta os mesmos efeitos, seja pela procedência<br />

(in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>), seja pela improcedência (<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

proclamada pela maioria absoluta dos ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Dessa forma, é possível afirmar que as ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>claratórias<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> são “ações <strong>de</strong> sinais trocados”, pois ambas têm natureza<br />

dúplice e a procedência <strong>de</strong> uma equivale - integralmente - à improcedência da outra e<br />

vice-versa.<br />

Nesse sentido, o Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral afirmou que, “para efeito <strong>de</strong> controle abstrato<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo, há similitu<strong>de</strong> substancial <strong>de</strong> objetos<br />

nas ações <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Enquanto<br />

a primeira <strong>de</strong>stina-se à aferição positiva <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> a segunda traz pretensão<br />

negativa. Espécies <strong>de</strong> fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação <strong>de</strong>finitiva<br />

do Tribunal quanto à conformação da norma com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral. A eficácia<br />

vinculante da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, fixada pelo § 2Qdo artigo 102<br />

da Carta da República, não se distingue, em essência, dos efeitos das <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> mérito<br />

proferidas nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.4<br />

10.2.1 Conceito <strong>de</strong> leis e atos normativos<br />

O objeto das ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica, além das espécies normativas<br />

previstas no art. 59 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, engloba a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> todos os atos revestidos <strong>de</strong> indiscutível conteúdo normativo.5 Assim, quando a circunstância<br />

evi<strong>de</strong>nciar que o ato encerra um <strong>de</strong>ver-ser e veicula, em seu conteúdo, enquanto<br />

1 STF - Pleno - A din n2 4 8 2 /D F - Rei. Min. Néri d a Silveira, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 8 abr. 1994, p. 7 2 2 3 ;<br />

S T F - P le n o - A D I QO n ° 74 8 -3 /R S - R ei. Min. C elso d e M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,1 5 <strong>de</strong>z. 2006, p. 80.<br />

2 STF - Pleno -A d in n ° 709-2 - m edida lim inar - R e i. M in. Paulo B rossard , D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, lO ju n .<br />

1994, p. 1 4 .7 8 5 ; S T F - P le n o - A d in n 2 8 9 8 /S C - m edida cautelar - Rei. M in. Sepú lveda Pertence, D i á r i o d a J u s ­<br />

t iç a , S eção 1 ,4 mar. 1994, p. 3 .3 8 8 ; STF - Pleno - Adin n“ 9 4 2 /P R - m edida cau telar - Rei. Min. Paulo B rossard,<br />

D i á r i o d a J u s t iç a , S eção 1 ,11 mar. 1994, p . 4 .1 1 2 ; ST F - Pleno - Adin n" 534/D F - q u estão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min.<br />

Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,8 abr. 1994, p. 7.2 40; STF - Pleno - Adin n2 1.859-5/D F - questão <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>m - ReL M in. M arco A urélio, D i á r i o d a J u s t iç a , S eção 1 ,2 6 nov. 1999. p. 63.<br />

3 S T F - Pleno - A din na 6 4 9 -5 / R N - m ed id a c a u te la r - ReL M in. Paulo B rossard , Diário da Justiça, S e ç ã o I,<br />

2 3 set. 1 9 9 4 , p. 2 5 .3 1 3 ; S T F - P le n o - A din n° 870/ D F - q u estã o d e o rd em - R ei. M in . M o reira A lves, Diário<br />

d a Justiça, S eção I, 2 0 ago. 1 9 9 3 , p . 1 6 .3 1 8 ; S T F - P len o - A din n2 737/ D F - ReL M in. M oreira A lv es, Diário<br />

d a Justiça, S eção I, 2 2 out. 1 9 9 3 , p . 2 2 .2 5 2 . P o rtan to , n ã o p rev a lece m ais p osição a n te rio r d o S T F , sob a é g id e<br />

d a C onstitu ição a n te rio r, p e la q u al “a re v o g a ç ã o <strong>de</strong> lei o u a to n o rm a tiv o o b je to <strong>de</strong> rep resen ta çã o n ão p reju d ica<br />

a açã o d ireta <strong>de</strong> in co n stitu cio n alid ad e, se <strong>de</strong>les d eco rreram efeito s” (R ep resen tação n 2 1.370/ G O - ReL M in.<br />

C élio B o rja , <strong>de</strong>cisão: 2 5 ju n . 1 9 8 7 e S T F - P len o - R e p rese n ta çã o n2 1 1 .6 1 5 / G O - R ei. M in. N éri d a S ilv e ira -<br />

d ecisão: 1 6 m ar. 1 9 8 4 ).<br />

4 STF - R d n2 1.880-AgR, Rei. Min. M aurício C orrêa, D iá r io d a J u s tiç a , S eção 1 ,19 mar. 2004.<br />

s Cf. NEVES, A. Castanheira. O problema d a c o n s titu c io n a lid a d e d o s a s s e n to s . C oim bra: C oim bra, 1994.


m anifestação subordinante <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>, um a prescrição <strong>de</strong>stinada a ser cum prida pelos<br />

órgãos <strong>de</strong>stinatários,1 d e v e rá ser consi<strong>de</strong>rado, p a ra efeito <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

com o ato norm ativo.12 Isso não im pe<strong>de</strong>, porém , o controle abstrato d e <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

dos <strong>de</strong>cretos autônom os (p o r exem plo: CF, art. 84, incisos VI e X II) ou, ainda, dos<br />

<strong>de</strong>cretos que tenham extravasado o p o d er regu lam en tar d o chefe d o Executivo, invadindo<br />

m atéria reservada à lei.3<br />

Desta form a, absolutam ente possível ao Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral analisar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou n ão <strong>de</strong> um a em en da <strong>constitucional</strong>, d e form a a verificar se o legislador-<br />

-re fo rm a d o r respeitou os p arâm etros fixados n o art. 60 da C onstituição F e<strong>de</strong>ral p a ra<br />

alteração <strong>constitucional</strong>.4<br />

C on si<strong>de</strong>ram -se atos norm ativos, por exem plo, a resolução adm inistrativa dos T ribunais<br />

<strong>de</strong> Justiça,5 b e m com o <strong>de</strong>liberações adm inistrativas d e outros órgãos d o P o d er<br />

Judiciário,6 inclusive dos Tribunais Regionais d o T rabalh o,7 salvo as convenções coletivas<br />

d e trabalh o.8<br />

A in d a no conceito <strong>de</strong> atos norm ativos, encontram -se os atos estatais d e conteúdo<br />

m eram ente <strong>de</strong>rrogatório, com o as resoluções adm inistrativas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> q u e incidam sobre<br />

atos <strong>de</strong> caráter norm ativo, revelando-se, pois, objeto idôneo para a instauração do controle<br />

concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> perante o Suprem o T ribunal F e<strong>de</strong>ral.9 O Suprem o<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral reconheceu o caráter norm ativo em resolução d o Conselho Internacional<br />

d e Preços.10<br />

1 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Fabris, 1986. p. 2-6.<br />

2 STF - Adin nQ13S2-1-DF, Rei.: Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 4 out. 1995, p. 32.736/32.737.<br />

3 STF - Pleno - Adin ns 1.553/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 13-5-2004. Informativo STF nfi 348;<br />

STF - Pleno - medida cautelar - Adin n° 1.969-4/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção I, 5<br />

mar. 2004, p. 13.<br />

4 STF - Pleno - Adin na 829-3/DF - Rei. Min. Moreira Alves - <strong>de</strong>cisão 14-4-93. A citada ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

referia-se à Emenda Constitucional na 2, <strong>de</strong> 25-8-1992; STF - Pleno - Adin nB 9397/DF - Rei.<br />

Min. Sydney Sanches, Ementário STF n° 17 3 0 -10 (medida cautelar in R T J 150 /6 8 ), referente à Emenda Constitucional<br />

nQ3, <strong>de</strong> 17 -3 -19 9 3 ; STF - Pleno - Adin n° 1.805/D F - medida cautelar - Rei. Min. Néri da Silveira,<br />

26-3-98 - I n f o r m a t i v o S T F n° 10 4 , capa, referente à Emenda Constitucional n° 16 , <strong>de</strong> 4-6-1997; STF - Pleno<br />

- Adin nQ1.946/D F - medida cautelar - Rei. Min. Sydney Sanches, 7-4-99 - I n f o r m a t i v o S T F n° 14 4 , referente<br />

à Emenda Constitucional nQ20, <strong>de</strong> 15 -12 -9 8 (Reforma Previ<strong>de</strong>nciária).<br />

5 STF - Pleno - Adin nQ1352-1/DF - medida liminar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 4 out. 1995, p. 32.736; RTJ 143/51, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

6 STF - Adin nQ728, Rei. Min. Marco Aurélio e Adin nQ730, Rei. Min. Umar Galvão.<br />

7 STF - Adin n2 681-DF, Rei. Min. Néri da Silveira, DJU, 30 abr. 1992.<br />

8 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no <strong>direito</strong> brasileiro. São Paulo:<br />

Revista dos Tribunais, 1995. p. 145.<br />

9 STF - Pleno - Adin nQ769/MA- medida liminar Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello; RTJ 154/432. Nesse mesmo sentido,<br />

enten<strong>de</strong>u o Pretório Excelso que “só se consi<strong>de</strong>ram objeto idôneo <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

os atos normativos dotados <strong>de</strong> generalida<strong>de</strong>, o que exclui os que, malgrado sua forma <strong>de</strong> lei, veiculam atos <strong>de</strong><br />

efeito concreto, como suce<strong>de</strong> com as normas individuais <strong>de</strong> autorização que conformam originalmente o orçamento<br />

da <strong>de</strong>spesa ou viabilizam sua alteração no curso do exercício” (STF - Pleno - Adin n2 1.716/DF - Rei.<br />

Min. Sepúlveda Pertence - Informativo STF ns 104 - p. 2 ).


7 5 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se, porém, que atos estatais <strong>de</strong> efeitos concretos não se submetem, em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> controle concentrado, à jurisdição <strong>constitucional</strong> abstrata, por ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong><br />

normativa no conteúdo <strong>de</strong> seu preceito.1<br />

Dessa forma, conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> não constitui sucedâneo da ação popular<br />

<strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>stinada, esta sim, a preservar, em função <strong>de</strong> seu amplo espectro<br />

<strong>de</strong> atuação jurídico-processual, a intangibilida<strong>de</strong> do patrimônio público e a integrida<strong>de</strong><br />

da moralida<strong>de</strong> administrativa (CF, art. 5a, LXXIII). A jurisprudência do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral tem ressaltado que atos estatais <strong>de</strong> efeitos concretos não<br />

se expõem, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta, à jurisdição <strong>constitucional</strong> abstrata da Corte”.12<br />

Ressalte-se, ainda, que a lei que veicular matéria estranha ao enunciado constante<br />

<strong>de</strong> sua ementa, por só esse motivo, não ofen<strong>de</strong> qualquer postulado <strong>constitucional</strong>, não<br />

vulnerando tampouco as regras <strong>de</strong> processo legislativo <strong>constitucional</strong>, pelo que excluída<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.3<br />

A Súmula, porque não apresenta as características <strong>de</strong> ato normativo, também está<br />

excluída da jurisdição <strong>constitucional</strong> concentrada.4<br />

Igualmente, não existe possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> respostas do Tribunal Superior Eleitoral às consultas que lhe forem feitas em tese por<br />

autorida<strong>de</strong> com jurisdição fe<strong>de</strong>ral ou órgão nacional <strong>de</strong> partido político, nos termos do<br />

art. 23, XII, do Código Eleitoral, pois “trata-se <strong>de</strong> ato sem qualquer eficácia vinculativa<br />

aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário”,5 o que não impe<strong>de</strong>, excepcionalmente, o controle<br />

concentrado <strong>de</strong> resoluções do TSE que possuam caráter normativo e geral, como, por<br />

exemplo, a Resolução na 21.702/04, cuja finalida<strong>de</strong> foi aplicar a todos os Municípios brasileiros<br />

a fórmula matemática criada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (Rextr. na 197917/<br />

SP), com base no requisito <strong>constitucional</strong> da proporcionalida<strong>de</strong>, para <strong>de</strong>finição do número<br />

<strong>de</strong> vereadores por Município.6<br />

1 ST F - Pleno - Adin n2 769/M A - m edida lim inar - Rei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello; R T J 1 5 4 /4 3 2 ; S T F - Pleno - Adin<br />

n2 2 .1 0 0 -l/R S - Rei. Min. N éri d a S ilv e ira - Rei. p ara o acórdão M in. N elson Jo b im - D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I,<br />

l 2ju n . 2001, p. 76 (em relação a n o rm as concretas p resen tes n a Lei <strong>de</strong> D iretrizes O rçam entárias).<br />

2 STF - Pleno - Adin ns 769/M A - m edida cautelar - Rei. M in C elso <strong>de</strong> M ello, D iá r io d a J u s tiç a , S eção I, 8<br />

abr. 1994, p. 7.224.<br />

3 ST F - P len o - Adin n ° 1.096-4 - m e d id a lim inar - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 22<br />

set. 1995, p. 3 0 .5 8 9 .<br />

4 ST F - Pleno - Adin n ° 5 9 4 /D F - m edida cautelar - Rei. M in. C arlos Velloso.<br />

s N esse sentido <strong>de</strong>cidiu o Suprem o T ribun al Fe<strong>de</strong>ral, ao afirm ar que “N ão se conhece <strong>de</strong> ação direta aju izad a<br />

contra resposta do TSE à consulta prevista no art. 23, inciso XII, do Código Eleitoral por tratar-se <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> caráter<br />

adm inistrativo, sem eficácia vinculativa, insusceptível <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> con stitucion alida<strong>de</strong>. Com esse<br />

fundam ento, o Tribunal n ão conh eceu em p a rte <strong>de</strong> ação d ire ta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> aju izad a por diversos<br />

partidos p olíticos-P D T , PE, PC do B e P L - n o ponto em que im pugnou as Resoluções n“ 1 9 .9 5 2 ,1 9 .9 5 3 ,1 9 .9 5 4 ,<br />

1 9 .9 5 5 , to d as <strong>de</strong> 1997, do TSE, que respon <strong>de</strong>ram a consulta sobre a n ecessidad e <strong>de</strong> <strong>de</strong>sincom patibilização do<br />

Presi<strong>de</strong>nte d a República, G overnadores e Prefeitos, can didatos à reeleição. ADInMC 1.805-D F, Rei. Min. Néri<br />

da Silveira, 26-3-98” I n f o r m a t iv o STF n2 104, c a p a ).<br />

6 STF - Pleno - Adin n ° 3345/D F e Adin n ° 3365/D F , Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 2 5 -8 -2 0 0 5 - I n f o r m a ­<br />

t iv o STF n ° 398, p. 1. Inclusive, o T ribun al reconheceu que n essas hipóteses n ão h á im pedim ento ou suspeição


Controle <strong>de</strong> Conscitucionalida<strong>de</strong> 7 5 3<br />

Nesse mesmo sentido, o STF “tem admitido o controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> preceitos oriundos da ativida<strong>de</strong> administrativa dos tribunais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presente,<br />

<strong>de</strong> forma inequívoca, o caráter normativo e autônomo do ato impugnado” .1<br />

Em relação às medidas provisórias, não há dúvidas da absoluta possibilida<strong>de</strong> da incidência<br />

do controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,2 como já anteriormente analisado.3<br />

10.2.2 Impossibilida<strong>de</strong> do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das normas<br />

originárias<br />

As cláusulas pétreas não po<strong>de</strong>m ser invocadas para sustentação da tese da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> normas constitucionais originárias inferiores em face <strong>de</strong> normas ou princípios<br />

constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao<br />

Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado reformador, não englobando a própria produção originária.4<br />

O sistema <strong>constitucional</strong> brasileiro, ao consagrar a incondicional superiorida<strong>de</strong><br />

norm ativa da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, portanto, não adota a teoria alemã das normas<br />

constitucionais inconstitucionais (yerfassungswidrige Verfassungsnormem), que possibilita<br />

a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas constitucionais positivadas por<br />

incompatíveis com os princípios constitucionais não escritos e os postulados da justiça<br />

( Grun<strong>de</strong>ntscheidungen) .s<br />

Assim, não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> normas constitucionais originárias<br />

como inconstitucionais.6<br />

10.2.3 Controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato normativo municipal ou estadual<br />

em face das constituições estaduais<br />

Em relação às leis ou atos normativos municipais ou estaduais contrários às Constituições<br />

Estaduais, compete ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça local processar e julgar, originariamente,<br />

a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.7<br />

p ara o ju lg am e n to d a s a ç õ e s d ire ta s dos M in istros d o ST F que ten h am p artic ip a d o d a ed ição d o ato n o T ribun al<br />

S u p e rio r E leitoral.<br />

1 STF - P leno - ADI 4 .1 0 8 /M G - m e d id a ca u telar - Rei. M in. E llen G racie.<br />

2 ST F P leno - A din n ° 525, R ei. M in. S e p ú lv e d a P erten ce, D i á r i o d a J u s t i ç a , S e ç ã o 1 ,4 set. 1 9 9 1 , p . 1 1 .9 2 9 ;<br />

ST F P len o - A din n ° 2 9 8 , R ei. M in. C elso d e M ello , D i á r i o d a J u s t iç a , 21 nov. 1 9 9 0 , p. 1 3 .4 2 7 .<br />

3 C onferir C apitu lo 11, P ro cesso L egislativ o (item 4 .3 .8 - M ed id as p ro visó rias e controle d e constitu cio n alid<br />

ad e).<br />

4 ST F - P leno - A din nQ8 1 5 -3 , Rei. M oreira A lves, D i á r i o d a J u s tiç a , S e ç ã o I, 10 m aio 1 9 9 6 , p. 1 5 .1 3 1 , on d e<br />

se salie n ta q u e: "a tese d e q u e h á h ierarq u ia en tre n o rm a s co n stitu cio n ais o rig in á ria s d an d o a z o à d e c la ra ç ã o<br />

d e in c o n stitu cio n a lid ad e d e u m a s em fa c e d e o u tra s é in co m p o ssív el com o siste m a d e C o n stitu ição ríg id a ”.<br />

5 BACH OF, Otto. N o r m a s c o n s t it u c io n a is i n c o n s t it u c io n a is ? C oim bra: A tlân tica, 1 9 7 7 ; CANOT1LHO, J. J. G om es.<br />

D i r e i t o <strong>constitucional</strong>. C oim bra: A lm ed in a, 1993. p. 2 3 5 e p . 1.1 7 1 .<br />

6 S T F - A g . R eg. n a A D In a 4 .0 9 7 / D F - R e l . M in. C ezar P elu so , Inform ativo STF n9 5 29.<br />

7 P o r ex em p lo, n o c a s o do E stad o d e S ã o P au lo , a r t. 9 0 d a C o n stitu ição E stad u al.


7 5 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se que esta previsão é da própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao dispor no art. 125,<br />

§ 2a, que os Estados organizarão sua Justiça cabendo-lhes a instituição <strong>de</strong> representação<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da<br />

Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.<br />

Note-se que, se a lei ou ato normativo municipal, além <strong>de</strong> contrariar dispositivos<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, contrariar, da mesma forma, previsões expressas do texto da<br />

Constituição Estadual, mesmo que <strong>de</strong> repetição obrigatória e redação idêntica,1 teremos a<br />

aplicação do citado art. 125, § 2a, da CF, ou seja, competência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do<br />

respectivo Estado-membro.12<br />

Por fim, observe-se que quando tramitam simultânea e paralelamente duas ações<br />

diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, uma perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça local e outra em curso<br />

no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, contra a mesma lei estadual impugnada em face <strong>de</strong> princípios<br />

constitucionais estaduais que são reprodução <strong>de</strong> princípios da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

suspen<strong>de</strong>-se o curso da ação direta proposta perante o Tribunal estadual até o julgamento<br />

final da ação ajuizada perante a Suprema Corte.3<br />

1 0 .2 .4 C o n tro le c o n ce n tra d o <strong>de</strong> le i ou ato n o rm a tivo m u n ic ip a l em fa c e da<br />

C o n s titu iç ã o F e d e ra l<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, nas previsões dos arts. 102,1, a, e 125, § 2e, somente <strong>de</strong>ixa<br />

em aberto uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impugnação em relação ao objeto, relacionada à competência<br />

para processar e julgar as ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> leis ou atos<br />

normativos municipais contrários, diretamente, à Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Nessas hipóteses, será inadmissível ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> perante o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral4 ou perante o Tribunal <strong>de</strong> Justiça local,5 inexistindo, portanto,<br />

essa espécie <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pois o único controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei e <strong>de</strong> ato normativo municipal em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral que<br />

se admite, em regra, é o difuso, exercido inci<strong>de</strong>nter tantum, por todos os órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, quando do julgamento <strong>de</strong> cada caso concreto;6 e, excepcionalmente, presente<br />

observado princípio da subsidiarieda<strong>de</strong>, mediante o controle concentrado <strong>de</strong> lei municipal<br />

1 STF - Reclamação nQ386/8-SC, Rei. Min. Octávio Gallotti, Diário da Justiça, Seção 1,2 <strong>de</strong>z. 1994, p. 33.197.<br />

2 STF - Adin n2 1.341-6-SP, Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, 22 set. 1995, p. 30.541; Prece<strong>de</strong>ntes<br />

RCL 383-SP e REMC 161.390-AL, STF - Reclamação n2 360-4/SP, Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 29 set. 1995, p. 31.901.<br />

3 STF - Pleno - Medida Cautelar - Adin n° 1423 /SP, Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,22<br />

nov. 1996, p. 45.684.<br />

4 RTJ 102/49; KTJ 124/266 eRTJ 124/612; RE 91.740; RE 92.287-PR, l âT .,KTJ 97/438; RE 94.039-SP, 2^T.,<br />

R T J 102/749, RE 93.313-SP,RTJ 104/724;RE99.267-RS, I aT.,RTJ 124/612; e RE 99.987-SP, l aT.,RZ7124/266.<br />

s STF - Pleno - Adin n° 347-0/SP, Rei. Min. Paulo Brossard. Inclusive tendo sido suspensa a eficácia do inciso<br />

XI do art. 74 da Constituição do Estado <strong>de</strong> São Paulo, que atribui competência do Tribunal <strong>de</strong> Justiça para a<br />

representação da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Da<br />

mesma forma foram suspensas todas as previsões semelhantes nas diversas Constituições estaduais.<br />

6 STF - reclamação nQ337-0/DF, ReL Min. Paulo Brossard. Prece<strong>de</strong>ntes: RCL 383-SP e REMC 161.390-AL.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 5 5<br />

a ser realizado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral mediante arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong><br />

preceito fundamental por equiparação (conferir item 14.2 neste capítulo).<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong> não ser possível nessa hipótese o controle concentrado<br />

pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça, pois tendo as <strong>de</strong>cisões efeitos erga omnes, no âmbito<br />

estadual, a elas estaria vinculado o próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong><br />

exercer sua missão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> guardião da Constituição.1<br />

1 0 .2 .5 C o n tro le c o n ce n tra d o <strong>de</strong> le i ou a to n o rm a tivo d is trita l e m fa c e da<br />

C o n s titu iç ã o F e d e ra l<br />

Em relação ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral não foi explícita na previsão<br />

do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> concentrado <strong>de</strong> suas leis ou atos normativos. Porém,<br />

em virtu<strong>de</strong> do art. 32 da Carta, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral possui as competências administrativas<br />

e legislativas cumuladas dos Estados e dos Municípios.12<br />

Nesta esteira, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível, e <strong>de</strong> sua própria competência,<br />

a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em face <strong>de</strong> lei ou ato normativo do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que no exercido <strong>de</strong> competência estadual, que afrontar a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Na hipótese, porém, <strong>de</strong> lei ou ato normativo distrital, no exerddo <strong>de</strong> competência<br />

municipal, será inadmissível o controle concentrado, pois equivalería à arguição <strong>de</strong> uma<br />

lei municipal em face da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o que já verificamos ser impossível.3<br />

1 0 .2 .6 C o n tro le co n ce n tra d o d e le i ou a to n o rm a tivo a n te rio r à C o n s titu iç ã o<br />

F e d e ra l<br />

Importante, ainda, ressaltar que só há possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo editado posteriormente à Constituição.<br />

A compatibilida<strong>de</strong> dos atos normativos e das leis anteriores com a nova Constituição<br />

será resolvida pelo fenômeno da recepção,4 uma vez que a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

não é instrumento juridicamente idôneo ao exame da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

atos normativos do Po<strong>de</strong>r Público que tenham sido editados em momento anterior ao da<br />

vigência da Constituição atual.<br />

Como ensinado por Paulo Brossard, “é por esta singelíssima razão que as leis anteriores<br />

à Constituição não po<strong>de</strong>m ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência<br />

mais tar<strong>de</strong>. Se entre ambas houver inconciliabilida<strong>de</strong>, ocorrerá revogação, dado que a lei<br />

1 STF - Pleno - Adin n° 347-0/190, Rei. Min. Paulo Brossard; STF - Pleno - AD I n° 347/SP - Rei. Min. Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 20-9-2006 - Informativo STF na 441, Seção 1, p. 2.<br />

2 Excetuando-se o arL 2 2 , XVII, da CF.<br />

3 STF - Pleno - Adin n° 611/DF - m edida cautelar - ReL Sepúlveda Pertence, PTJ145/491. Súmula STF 642:<br />

Não cabe ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei do Distrito Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>rivada da sua competência legislativa<br />

municipal.<br />

4 KTJ 95/980; 95/993; 99/544; 143/3 e 145/340.


7 5 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei <strong>constitucional</strong>, como lei que<br />

é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham”.1<br />

A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fiscalização da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma concentrada pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral por meio <strong>de</strong> ADI exige uma relação <strong>de</strong> contemporaneida<strong>de</strong> entre a edição<br />

da lei ou do ato normativo e a vigência da Constituição. A ausência <strong>de</strong>ssa relação permitirá<br />

tão somente a análise em cada caso concreto da compatibilida<strong>de</strong> ou não da norma editada<br />

antes da Constituição com seu texto.12<br />

Excepcionalmente, porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes os requisitos exigidos para a arguição<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível<br />

o controle concentrado <strong>de</strong> lei anterior à edição da Constituição Fe<strong>de</strong>ral nos termos<br />

da Lei na 9.882/99 (conferir item 14.2, neste capítulo),3 criando verda<strong>de</strong>iro controle<br />

concentrado <strong>de</strong> recepção em nosso or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

1 0 .2 .7 C o n tro le co n c e n tra d o e re sp e ito à le g a lid a d e<br />

A ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> não é instrumento hábil para controlar a<br />

compatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos normativos infralegais em relação à lei a que se referem, pois as<br />

chamadas crises <strong>de</strong> legalida<strong>de</strong>, como acentua o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, caracterizadas<br />

pela inobservância do <strong>de</strong>ver jurídico <strong>de</strong> subordinação normativa à lei, escapam do objeto<br />

previsto pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4<br />

Dessa forma, como <strong>de</strong>staca o STF, “se o ato regulamentar vai além do conteúdo da lei,<br />

ou se afasta dos limites que esta lhe traça, pratica ilegalida<strong>de</strong> e não in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

pelo que não se sujeita à jurisdição <strong>constitucional</strong>”.5<br />

1 0 .2 .8 Tra ta d o s in te rn a c io n a is e co n tro le <strong>de</strong> co n stitu c io n a lid a d e<br />

A EC nQ45/04 conce<strong>de</strong>u ao Congresso Nacional, somente na hipótese <strong>de</strong> tratados e<br />

convenções internacionais que versem sobre Direitos Humanos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incorporação<br />

com status ordinário (CF, art. 49,1) ou com status <strong>constitucional</strong> (CF, § 3a, art. 5a) .<br />

Os atos e tratados internacionais para serem incorporados ao or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

brasileiro, em regra, necessitam <strong>de</strong> referendo do Congresso Nacional (CF, art. 4 9 ,1), via<br />

1 BROSSARD, Paulo. A constituição e as leis a ela anteriores. Arquivo Ministério Justiça. Brasília, 45 (1 8 0 ),<br />

jul./<strong>de</strong>z. 1992. p.127.<br />

2 STF - Adin n2 07-DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Tribunal Pleno, R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello.<br />

3 STF - Plen ário - ADPF 54 QO/DF, Rei. Min. M arcoA u rélio, <strong>de</strong>cisão: 27-4-2005 - Informativo STF nQ385, p.<br />

1. Conferir, ainda, em relação à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> norma anterior à<br />

Constituição - “controle concentrado da recepção” - a análise da <strong>de</strong>nominada “ Lei da Anistia” : STF - Pleno -<br />

ADPF 153/DF - Rei. Min. Eros Grau, DJe-145,5-8-2010.<br />

4 STF - Pleno - Adin n °2 6 4 (A gR gV D F, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, F T J 152/352-357; STF - Adin n ° 1.253-3 -<br />

m edida lim inar - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,25 ago. 1995, p. 26.022.<br />

s STF - Pleno - Adin n° 2.618-6/PR - A gravo Regim ental - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I,<br />

31 mar. 2006, p. 7. Conferir, ainda: STF - A I n° 402.876-1/SP - A gravo Regim ental - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,23 mar. 2006, p. 9.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 757<br />

<strong>de</strong>creto legislativo e posterior edição <strong>de</strong> Decreto Presi<strong>de</strong>ncial, promulgando e publicando<br />

o ato/tratado, dando-lhe executorieda<strong>de</strong>, conforme já analisado no capítulo <strong>de</strong>stinado<br />

ao processo legislativo.<br />

Devidamente incorporado, esse ato normativo caracteriza-se como infra<strong>constitucional</strong><br />

para efeitos <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, conforme já analisado no Capítulo<br />

11 (item 4.5.3 - Tratados e atos internacionais e incorporação com status ordinário ou<br />

<strong>constitucional</strong> - Direitos Humanos), salvo na hipótese do § 3a, do art. 5a, pelo qual a EC<br />

na45/04 estabeleceu que os tratados e convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s humanos<br />

que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos<br />

dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.<br />

Assim, os compromissos assumidos pelo Brasil em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> atos, tratados, pactos<br />

ou acordos internacionais <strong>de</strong> que seja parte, <strong>de</strong>vidamente ratificados pelo Congresso Nacional<br />

e promulgados e publicados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República, apesar <strong>de</strong> ingressarem<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico <strong>constitucional</strong> (CF, art. 5a, § 2a), não minimizam o conceito <strong>de</strong><br />

soberania do Estado-povo na elaboração <strong>de</strong> sua constituição, <strong>de</strong>vendo, pois, sempre ser<br />

interpretados com as limitações impostas <strong>constitucional</strong>mente. Como anotam Canotilho<br />

e Moreira, analisando o art. 8a da Constituição da República Portuguesa que traz regra<br />

semelhante, “as normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacional público vigoram na or<strong>de</strong>m interna com<br />

a mesma relevância das normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> interno, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo quanto à subordinação à<br />

Constituição - sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da constituição ou<br />

os seus princípios”.1<br />

Conclui-se, portanto, pela supremacia das normas constitucionais em relação aos tratados<br />

e atos internacionais, mesmo que <strong>de</strong>vidamente ratificados pelo Congresso Nacional<br />

(CF, art. 49,1) e promulgados e publicados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art 84, VIII),12<br />

e, consequentemente, plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> incidência do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Po<strong>de</strong>mos, portanto apontar algumas características relacionadas ao controle <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos atos ou tratados internacionais <strong>de</strong>vidamente incorporados no<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico nacional:<br />

• os tratados e convenções internacionais ao serem incorporados formalmente ao<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico nacional qualificam-se como atos normativos infraconstitucionais.3<br />

Ocorrendo a incorporação dos atos e tratados internacionais pelo<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da... Op. cit. p. 85.<br />

2 Em relação à eventual incompatibilida<strong>de</strong> entre a Convenção <strong>de</strong> Varsóvia (art. 2 2 ) e a Constituição Fe<strong>de</strong>ral (art.<br />

5a, inciso II e § 2a), o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu que “os tratados subscritos pelo Brasil não sesuperpõemà<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral” (STF - Agravo <strong>de</strong> Instrumento 196.379-9/RJ - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça,<br />

Seção 1 ,14 ago. 1997, p. 36.790, inclusive citando prece<strong>de</strong>nte da Corte - RE na 172.720).<br />

3 “Em com plem entação à notícia do ju lgam ento da m edida cautelar nas ações diretas ajuizadas contra o<br />

<strong>de</strong>creto legislativo que aprovou e o <strong>de</strong>creto executivo que prom ulgou Convenção 158 da O IT (sessão plenária<br />

<strong>de</strong> 25-9-96, v. Inform ativo na 46), informamos que, antes da suspensão m otivada pelo pedido <strong>de</strong> vista do Min.<br />

M oreira A lves, no julgam ento da Convenção 158 da O IT o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral afirm ou, por unanimida<strong>de</strong>,<br />

a propósito <strong>de</strong> objeções levantadas ao cabim ento da AD In pelo Presi<strong>de</strong>nte da República nas informações<br />

elaboradas pela Advocacia-geral da União, a possibilida<strong>de</strong> jurídica do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pelos<br />

métodos concentrado e difuso, das normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacional, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que já incorporadas <strong>de</strong>finitivam ente<br />

ao plano do <strong>direito</strong> positivo interno, explicitando também por votação unânime, que esse entendimento <strong>de</strong>corre da<br />

absoluta supremacia da CF sobre todo e qualquer ato <strong>de</strong> <strong>direito</strong> internacionalpúblico celebrado pelo Estado brasileiro.


7 5 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>direito</strong> interno, essas normas situam-se no mesmo plano <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> e eficácia<br />

das normas ordinárias;1<br />

• não existe hierarquia entre a s normas ordinárias <strong>de</strong> <strong>direito</strong> interno e a s <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>de</strong> atos ou tratados internacionais. A ocorrência <strong>de</strong> eventual conflito entre<br />

essas normas será resolvida ou pela aplicação do critério cronológico, <strong>de</strong>vendo<br />

a norma posterior revogar a anterior, ou pelo princípio da especialida<strong>de</strong>;*12<br />

• Esses atos normativos são passíveis <strong>de</strong> controle difuso e concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

pois apesar <strong>de</strong> originários <strong>de</strong> instrumento internacional não<br />

guardam nenhuma valida<strong>de</strong> no or<strong>de</strong>namento jurídico interno se afrontarem<br />

qualquer preceito da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.3<br />

Na hipótese do § 3®, do art. 5°, pelo qual a EC n® 45/04 estabeleceu que os tratados e<br />

convenções internacionais sobre <strong>direito</strong>s humanos que forem aprovados, em cada Casa do<br />

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,<br />

serão equivalentes às emendas constitucionais, plenamente possível ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral a análise da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou não do texto incorporado com status <strong>constitucional</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se verifique o respeito aos parâmetros fixados no art. 60 da Constituição<br />

para a alteração do texto <strong>constitucional</strong>.<br />

Observe-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral alterou seu tradicional posicionamento,<br />

passando a proclamar - por maioria - o status da supralegalida<strong>de</strong> dos tratados<br />

internacionais incorporados no or<strong>de</strong>namento jurídico brasileiro antes da EC n® 45/04.<br />

A Corte <strong>de</strong>cidiu, em relação à vedação da prisão civil do <strong>de</strong>positário infiel, que “ a<br />

circunstância <strong>de</strong> o Brasil haver subscrito o Pacto <strong>de</strong> São José da Costa Rica, que restringe<br />

a prisão civil por dívida ao <strong>de</strong>scumprimento inescusável <strong>de</strong> prestação alimentícia (art. 7a,<br />

7), conduz à inexistência <strong>de</strong> balizas visando à eficácia do que previsto no art. 5®, LXVII,<br />

da CF”; concluindo, que “com a introdução do aludido Pacto no or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

nacional, restaram <strong>de</strong>rrogadas as normas estritamente legais <strong>de</strong>finidoras da custódia do<br />

<strong>de</strong>positário infiel”.4<br />

Dessa forma, o STF manteve a supremacia das normas constitucionais sobre o referido<br />

Pacto, porém inclinou-se pela interpretação da revogação das normas infraconstitucionais<br />

que disciplinavam a referida prisão civil, tendo inclusive, revogado sua Súmula 619 do<br />

STF (“A prisão do <strong>de</strong>positário judicial po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>cretada no próprio processo em que se<br />

constituiu o encargo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da propositura <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito”).<br />

Prece<strong>de</strong>ntes citados: Rp 803-DF (RTJ 84/724); RE 109173-SP ( BTJ121/270)”. Publicado no Informativo STF,<br />

Brasília, 7 a 11 oul 1996 - n2 48, p. 1.<br />

1 RTJ 83/809; STF - Adin nQ1.480-3 - m edida liminar - Rei. Min. Celso d e M ello, Brasília, 17 jul. 1996.<br />

2 RTJ 70/333;100/1030.<br />

3 RTJ 84/724; STF - 2aT. - v.u. -Habeas Corpus n2 73044-2/SP - Rei. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seçãol,<br />

20 set. 1996, p. 34.534; S T F -A d in n21.480-3 - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Brasília, 1 7 ju l.l9 9 6 .<br />

4 STF - Pleno - HC n2 87.585/TO - Rei. M in . M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 3-12-2008. Ficaram vencidos, p o r qualificarem<br />

os tratados internacionais <strong>de</strong>finidores <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s fundamentais com status <strong>constitucional</strong>, após a EC<br />

45/04, os Ministros Celso <strong>de</strong> Mello, Cezar Peluso, EUen Gracie e Eros Grau.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 5 9<br />

1 0 .2 .9 C o n tro le d e c o n s titu c io n a lid a d e e d e c re to s<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, excepcionalmente, tem admitido ação direta <strong>de</strong> inconsti<br />

tucionalida<strong>de</strong> cujo objeto seja <strong>de</strong>creto, quando este, no todo ou em parte, manifestamente<br />

não regulamenta lei, apresentando-se, assim, como <strong>de</strong>creto autônomo. Nessa hipótese, haverá<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise <strong>de</strong> compatibilida<strong>de</strong> diretamente com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

para verificar-se a observância do princípio da reserva legal.1<br />

Assim, em relação aos <strong>de</strong>cretos presi<strong>de</strong>nciais (CF, art. 84, IV), o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, após consagrar o entendimento <strong>de</strong> que existem para assegurar a fiel execução das<br />

leis,12 enten<strong>de</strong> possível o controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos <strong>de</strong>nominados<br />

<strong>de</strong>cretos autônomos,3 afirmando que, “não havendo lei anterior que possa ser regulamentada,<br />

qualquer disposição sobre o assunto ten<strong>de</strong> a ser adotada em lei formal. O <strong>de</strong>creto<br />

seria nulo, não por ilegalida<strong>de</strong>, mas por in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, já que supriu a lei on<strong>de</strong> a<br />

Constituição exige”.4<br />

Nos <strong>de</strong>mais casos, a questão situa-se somente no âmbito legal, não possibilitando o<br />

conhecimento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.5<br />

Assim, <strong>de</strong>creto executivo que, editado para regulamentar a lei, venha a divergir <strong>de</strong><br />

seu sentido ou conteúdo, extravasando a previsão do art. 84, IV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

(insubordinação executiva),6 não po<strong>de</strong>rá ser objeto <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

mesmo que essa violação, reflexa e indiretamente, atinja o texto <strong>constitucional</strong>, pois<br />

o regulamento contrário à lei é ilegal.7<br />

Da mesma forma, em todas as hipóteses em que a edição <strong>de</strong> atos normativos secundários,<br />

em função das leis que preten<strong>de</strong>m regulamentar, apresentarem vícios jurídicos, por<br />

<strong>de</strong>srespeito à subordinação normativa à lei, não caberá ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>vendo o problema ser solucionado pela supremacia da aplicação da lei.8<br />

10.3 Legitimação<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, alterando uma tradição em nosso <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>,<br />

que a reservava somente ao Procurador-Geral da República, ampliou a legitimida<strong>de</strong> para<br />

1 F T J 142/718.<br />

2 STF - Pleno - Adin n2 1.435-8/DF - m edida liminar - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I,<br />

6ago. 1999, p. 5.<br />

3 A <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral refere-se ao Decreto n ° 1.719/95 (Concessão ou permissão para<br />

exploração dos serviços <strong>de</strong> telecom unicações).<br />

4 STF - Pleno - Adin nD1.435-8/DF - m edida liminar - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 6 ago. 1999, p. 5; STF - Pleno - Adin nD1.999-6/SP - m edida lim inar - Rei. M in Octávio Gallotti, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 5 ago. 1999, capa<br />

s STF - P le n o - Adin n° 1383-1/R S -R ei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,18 out. 1996, p. 39.844;<br />

S T F -P le n o -A d in nD1388-3/D F-R el. Min. N éri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,14 nov. 1996, p. 44.467.<br />

6 STF - P len o - Adin nQ996/DF - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; RTJ158/54.<br />

7 RTJ 99/1.366; 138/436.<br />

8 Cf. S T F -A d in n° 365/DF - A gR g - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello; A d in n° 311, Rei. Min. Carlos Velloso; na Adin<br />

n° 531 - A gR g, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello; e na Adin n° 536, Rei. Min. Carlos Velloso.


7 6 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

propositura da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, transformando-a em legitimação<br />

concorrente.1<br />

Dessa forma, são legitimados: o Presi<strong>de</strong>nte da República,12 a Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,3 o Governador do Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,4 o Procurador-<br />

-Geral da República, o Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, partido<br />

político com representação no Congresso Nacional e confe<strong>de</strong>ração sindical ou entida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito nacional.<br />

Observe-se que a legitimida<strong>de</strong> ativa para propositura da ação direta engloba a legitimida<strong>de</strong><br />

recursal.5<br />

1 0 .3 .1 A d in e p e rtin ê n c ia te m á tica<br />

Para alguns dos legitimados do art. 103 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral exige a presença da chamada pertinência temática, <strong>de</strong>finida como o requisito<br />

objetivo da relação <strong>de</strong> pertinência entre a <strong>de</strong>fesa do interesse específico do legitimado e o<br />

objeto da própria ação.<br />

Assim, enquanto se presume <strong>de</strong> forma absoluta a pertinência temática para o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral e da Câmara dos Deputados, Procurador-Geralda<br />

República, Partido Político com representação no Congresso Nacional e Conselho Fe<strong>de</strong>ral<br />

da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, em face <strong>de</strong> suas próprias atribuições institucionais,6<br />

no que se <strong>de</strong>nomina legitimação ativa universal,7 exige-se a prova da pertinência por par-<br />

1 Tradicionalmente, a legitim ida<strong>de</strong> era exclusiva do Procurador-Geral da República (Emenda Constitucional<br />

nQ01/69, art. 1 1 9 ,1, /; CF/67, art. 113, /; CF/46, com base na Emenda Constitucional n° 26/65, art. 1 0 1 ,1, k).<br />

2 O STF <strong>de</strong>cidiu que A dvogado-G eral da União não possui legitim ida<strong>de</strong> para o controle concentrado <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, havendo necessida<strong>de</strong> da assinatura do Presi<strong>de</strong>nte da República (STF - ADPF 102 - Rei.<br />

Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 16-6-2007). Porém, em posicionam ento mais recente, nossa Corte Suprema<br />

relativizou tal posicionamento, enten<strong>de</strong>ndo que apesar da Legitim ida<strong>de</strong> pertencer ao Chefe do Executivo (há<br />

hipótese concreta ao Governador <strong>de</strong> Estado), “ sua assinatura é dispensável nainicial, tem-na o Procurador-Geral<br />

do Estado” (STF - Pleno - AD I 2900/RJ - Rei. Min. Marco A u rélio).<br />

3 Interpretação do art. 103, co m 32, § 1Q, da CF. Nesse sentido: STF - P len o - A din n° 645-2, Rei. Min.<br />

lim ar Galvão, D iário da Justiça, Seção I, 21 fev. 1992, p. 1.693. O entendim ento do STF fo i consagrado pelo<br />

art. 2D, IV, da Lei n° 9.868/99, e posteriorm en te passou a constar expressam ente no texto <strong>constitucional</strong><br />

(EC n° 45/04).<br />

4 In terpretação do art. 103, com 32, § 1D, da CF. Nesse sentido: STF - P len o - A din n° 655, Rei. M in.<br />

O ctávio G allotti, Diário da Justiça, Seção I, 24 abr. 1992, p. 5.376. O entendim ento do STF fo i consagrado<br />

p elo art. 2D, V, da Lei n ° 9.868/99, e posteriorm ente passou a constar expressam ente no texto <strong>constitucional</strong><br />

(EC nD45/04).<br />

s Nesse sentido: STF - Pleno - Adin (A gR g) 2.130/SC - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 3-10-2001. Informativo<br />

STF n- 244.<br />

6 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização... Op. cit. p. 121; F T J 158/441; STF - Pleno - Adin nQ1398/SC -<br />

m edida cautelar - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,22 mar. 1996, p. 08.206.<br />

7 STF - P len o - Adin n° 1.096-4 - m edida liminar - R ei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 22<br />

set. 1995, p. 30.589.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 6 1<br />

te da Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,1do<br />

Governador do Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral12 das confe<strong>de</strong>rações sindicais ou entida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> âmbito nacional.3<br />

1 0 .3 .2 A d in e e n tid a d e s d e c la s s e ou c o n fe d e ra ç õ e s s in d ic a is<br />

Em relação às confe<strong>de</strong>rações sindicais e entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito nacional<br />

importante ressaltar que sua amplitu<strong>de</strong> global <strong>de</strong>ve ser verificada para análise <strong>de</strong> sua<br />

legitimida<strong>de</strong>,4 bem como tratar-se <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> uma categoria profissional,<br />

cujo conteúdo seja “imediatamente dirigido à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> profissão, - enten<strong>de</strong>ndo-se classe<br />

no sentido não <strong>de</strong> simples segmento social, <strong>de</strong> classe social, mas <strong>de</strong> categoria profissiortal”.5<br />

Não se reconhece a legitimida<strong>de</strong> para propositura <strong>de</strong> ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

às entida<strong>de</strong>s sindicais <strong>de</strong> composição heterogênea, em cujo âmbito po<strong>de</strong>m<br />

congregar-se tanto entes civis quanto, até mesmo, pessoas jurídicas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público.6<br />

Ainda em relação à legitimida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando posicionamento<br />

fixado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição da CF/88, no sentido <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong> legitimação ativa para<br />

o processo <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito<br />

nacional, compostas <strong>de</strong> pessoas jurídicas (verda<strong>de</strong>iras associações <strong>de</strong> associações),7 passou<br />

a enten<strong>de</strong>r que a “associação <strong>de</strong> associações” possui “legitimida<strong>de</strong> ad causam, haja vista<br />

ser entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe que atua na <strong>de</strong>fesa da mesma categoria social, apesar <strong>de</strong> se reunir<br />

em associações correspon<strong>de</strong>ntes a cada Estado”.8<br />

1 0 .3 .3 P a rtid o s p o lític o s co m re p re s e n ta ç ã o no C o n g re s s o N a cio n a l<br />

O constituinte <strong>de</strong> 1988, ao possibilitar aos partidos políticos com representação no<br />

Congresso Nacional a legitimação ativa universal para a propositura das ações diretas<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, rejeitou, conforme salienta Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s, mo<strong>de</strong>lo<br />

1 Pertinência tem ática para as mesas: STF - Pleno - Adin n2 1307-6 - Rei. Min. Francisco Rezek, Informativo<br />

STF, 29 maio 1996, n232.<br />

2 Pertinência temática para os Governadores: STF - Pleno - Adin n2 902, R ei. M in. M arco Aurélio, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 22 abr. 1994, p. 8.946.<br />

3 S T F -A d in n2 1.096-4 - RS - Diário da Justiça, 22 set. 1995, p. 30.589, Rei. M in .C elso <strong>de</strong> Mello.<br />

4 RT 675/244; RT 675/245; RT 677/240.<br />

s<br />

STF - Adin n2 89-3-DF; Rei. Min. N éri da Silveira, on<strong>de</strong> se nega legitim ida<strong>de</strong> à União Nacional dos Estudantes<br />

(U NE), por não representar uma classe profissional, mas sim uma “classe estudantil”, não se tratando do exercício<br />

<strong>de</strong> uma profissão, no sentido do art. 52, XIII, da Lei Fundamental <strong>de</strong> 1988.<br />

6 STF - Plen o - Adin n2 1.437-4/PR, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , Diário da Justiça, Seção 1,9 m a io 1996, p.<br />

15.018; RTJ 141/3.<br />

7 RTJ 141/3; STF - Pleno - Adin n° 151-5/RS, questão <strong>de</strong>or<strong>de</strong>m , Rei. M in. Sydney Sanches, Diário da Justiça,<br />

10 m aio 1996, p. 15129; RTJ 151/435.<br />

8 STF - Pleno - Adin n2 3153 AgR/DF - ReL M in. Celso d e M ello, ReL p / acórdão M in. Sepúlveda Pertence,<br />

Informativo STF n2 356, p. 2; STF - Pleno - Adin n2 3105/DF e ADI 3128/DF - ReL Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão:<br />

26-5-2004, Informativo STF n2 349, p. 1; STF - Pleno - agravo regim ental - ADI n2 3153/DF - ReL Min.<br />

Sepúlveda Pertence, Informativo STF n2 361, p. 4.


7 6 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

usualmente adotado no Direito Constitucional <strong>de</strong> outros países, que outorga legitimida<strong>de</strong><br />

para a propositura <strong>de</strong> ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> a <strong>de</strong>terminado número <strong>de</strong><br />

parlamentares.1Assim, a exigência <strong>de</strong> partido com representação no Congresso Nacional<br />

é satisfeita com a representação singular, ou seja, a existência <strong>de</strong> um parlamentar, em<br />

qualquer das Casas Legislativas, filiado a <strong>de</strong>terminado partido político.<br />

Observe-se que nem o diretório regional, nem a executiva regional estão autorizados à<br />

propositura <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pois não po<strong>de</strong>m agir, nacionalmente,<br />

em nome do Partido Político. Como salienta o Pretório Excelso, “a Constituição Fe<strong>de</strong>ral ao<br />

atribuir no art. 103, VIII, competência a Partido Político com representação no Congresso<br />

Nacional, referiu-se à sua representação nacional, uma vez que, o órgão regional não representa<br />

o partido político, senão nos limites <strong>de</strong> sua atuação estadual”.12 Esta representação<br />

<strong>de</strong>verá ser realizada pelo Diretório Nacional ou pela Executiva do Partido, nos mol<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

sua própria constituição interna.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, alterando seu tradicional posicionamento, passou a proclamar<br />

que “a aferição da legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser feita no momento da propositura da ação<br />

e que a perda superveniente <strong>de</strong> representação do partido político no Congresso Nacional<br />

não o <strong>de</strong>squalifica como legitimado ativo para a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.3<br />

Dessa forma, na hipótese <strong>de</strong> o partido político <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> possuir representação congressual<br />

durante a tramitação da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, não mais haverá perda<br />

superveniente <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> e consequente prejudicialida<strong>de</strong> da ação.4<br />

Ressalte-se, novamente, que os partidos políticos têm legitimação ativa universal para<br />

a propositura da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das restrições<br />

<strong>de</strong>correntes da já estudada pertinência temática.5<br />

1 0 .3 .4 M esas da Câm ara dos Deputados e do Sen a d o Fed era l<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina no § 4o, do art. 57, que cada Casa legislativa se reunirá,<br />

a partir <strong>de</strong> 1D<strong>de</strong> fevereiro, para a eleição das respectivas Mesas, para mandato <strong>de</strong> dois<br />

anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.<br />

A Mesa da Câmara dos Deputados é regulamentada pelo art. 14 do seu Regimento<br />

Interno, compondo-se <strong>de</strong> presidência e secretaria, sendo a primeira, do presi<strong>de</strong>nte e <strong>de</strong> dois<br />

vice-presi<strong>de</strong>ntes; e a segunda, <strong>de</strong> quatro secretários, eleitos pela maioria <strong>de</strong> seus membros.<br />

O inciso IV, do citado art. 14, diz que a Mesa, por iniciativa própria ou a requerimento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>putado ou comissão, po<strong>de</strong>rá propor ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

1 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 145.<br />

2 S T F -A d in n2 1.449-8/AL, Rei. lim ar Galvão, Diário daJustiça, Seção 1,21 m aio 1996 p. 16.877.<br />

3 STF - Pleno - Adin ns 2159 AgR/DF, Rei. originário M in. Carlos Velloso, Rei. p/ acórdão M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

Informativo STF n- 356, p. 1.<br />

4 No sentido anterior daprejudicialida<strong>de</strong>daação: STF - Pleno - Adin n° 1.063-8/D F-Rel. Min. Celso d eM ello,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 8 ago. 2001.<br />

5 STF - Pleno - Adin n Q1398/SC - m edida cautelar - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário daJustiça, Seção 1,22<br />

mar. 1996, p. 08.206. Conferir, ainda, voto d o Ministro Carlos Britto (STF - Pleno - Adin nQ3.059/RS - m edida<br />

cautelar - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 15-3-2004. Informativo STF n° 346).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 6 3<br />

A Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral é regulamentada pelo art. 46 <strong>de</strong> seu Regimento Interno, e<br />

compõe-se <strong>de</strong> presi<strong>de</strong>nte, dois vice-presi<strong>de</strong>ntes e quatro secretários, que serão eleitos em<br />

escrutínio secreto e maioria <strong>de</strong> votos, presente a maioria da composição da Casa, assegurada,<br />

tanto quanto possível, a participação proporcional das representações partidárias<br />

ou dos blocos parlamentares com atuação no Senado.1<br />

As Mesas do Senado Fe<strong>de</strong>ral e da Câmara dos Deputados são órgãos distintos da Mesa<br />

do Congresso Nacional (CF, art. 57, § 5a), que será presidida pelo Presi<strong>de</strong>nte do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, e os <strong>de</strong>mais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantes <strong>de</strong> cargos<br />

equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Fe<strong>de</strong>ral. Dessa forma, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

do Congresso Nacional será o Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, o I a Vice do Congresso será<br />

o I a Vice da Câmara dos Deputados, o 2a Vice do Congresso Nacional será o 2a Vice do<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, e assim sucessivamente.<br />

A Mesa do Congresso Nacional não possui legitimida<strong>de</strong> para a propositura <strong>de</strong> ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

10.4 Finalida<strong>de</strong> da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

A finalida<strong>de</strong> da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é retirar do or<strong>de</strong>namento jurídico<br />

lei ou ato normativo incompatível com a or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong>, constituindo-se, pois, uma<br />

finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> legislador negativo do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nunca <strong>de</strong> legislador positivo.12<br />

Assim, não po<strong>de</strong>rá a ação ultrapassar seus fins <strong>de</strong> exclusão, do or<strong>de</strong>namento jurídico, dos<br />

atos incompatíveis com o texto da Constituição.3<br />

A ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua natureza e finalida<strong>de</strong> especial,<br />

não é suscetível <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência.4<br />

Conforme aponta Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s, a jurisprudência te<strong>de</strong>sca do Bun<strong>de</strong>sverfassungsgericht<br />

direciona-se no mesmo sentido, “por militarem razões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública<br />

que estariam em perfeita compatibilida<strong>de</strong> com o caráter oficial do processo”, e mais<br />

adiante indica que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, inicialmente, admitia a <strong>de</strong>sistência da<br />

ação proposta, tendo, porém, afastado esse entendimento e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1970, seu regimento<br />

interno, expressamente, consagra a inadmissibilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>sistência da ação.<br />

1 Art. 60, Regim ento Interno do Senado Fe<strong>de</strong>ral<br />

2 RTJ143/57. Conferir, ainda: S T F - P le n o - M S n" 22.690-1/CK - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,7 <strong>de</strong>z. 2006, p. 36.<br />

3 STF - Adin n° 732-RJ, R ei. M in. C elso <strong>de</strong> Mello.<br />

4 STF - Pleno - Adin n° 164/DF -m e d id a c a u te la r-R e L M in . M oreiraAlves, RTJ 139/396. No m esm o sentido,<br />

<strong>de</strong>cidiu o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “Ação D ireta <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. P ed ido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência. Impossibilida<strong>de</strong>.<br />

Interesse público. Princípio da indisponibilida<strong>de</strong>. Postulação in <strong>de</strong>ferida Instaurado o processo <strong>de</strong> controle<br />

norm ativo abstrato perante o Supremo Tlribunal Fe<strong>de</strong>ral, não mais assiste ao autor qualquer po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> disposição<br />

sobre a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> Em consequência, não lhe será lícito requerer a <strong>de</strong>sistência da ação<br />

direta já ajuizada” (STF - Pleno - Adin n" 1.971-6/SP - m edida lim inar - ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 2 ago. 1999). Esse entendimento foi consagrado pelo a r t 5S, da Lei n2 9.868/99.<br />

5 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição... Op. d t p. 123.


7 6 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Ressalte-se, ainda, que, em face <strong>de</strong>sse princípio da indisponibilida<strong>de</strong>, o autor da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> também está impedido <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistir do pedido <strong>de</strong> medida<br />

cautelar formulado.1<br />

10.5 Pedido <strong>de</strong> cautelar nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

O art. 102,1,p, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, prevê a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> solicitação <strong>de</strong> medida<br />

cautelar nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, necessitando, porém, <strong>de</strong> comprovação<br />

<strong>de</strong> perigo <strong>de</strong> lesão irreparável, uma vez tratar-se <strong>de</strong> exceção ao princípio segundo o qual<br />

os atos normativos são presumidamente constitucionais,12 pois, conforme ensinamento <strong>de</strong><br />

Paulo Brossard, “segundo axioma incontroverso, a lei se presume <strong>constitucional</strong>. A lei se<br />

presume <strong>constitucional</strong>, porque elaborada pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo e sancionada pelo Po<strong>de</strong>r<br />

Executivo, isto é, por dois dos três po<strong>de</strong>res, situados no mesmo plano que o Judiciário”.3<br />

Como salienta Ives Gandra Martins, por<br />

“ser da natureza <strong>de</strong>ssa medida garantir os efeitos <strong>de</strong>finitivos da ação - visto que<br />

no processo cautelar garante a liminar a utilida<strong>de</strong> do provimento <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong><br />

prestação jurisdicional principal, ao contrário da liminar em mandado <strong>de</strong> segurança,<br />

que garante o próprio <strong>direito</strong> lesado ou ameaçado - tem o STF entendido<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Representação 1.391/CE que os efeitos da liminar são ex nunc e não ex<br />

tunc... O que tem <strong>de</strong>cidido a Suprema Corte, nas liminares concedidas contra o<br />

Po<strong>de</strong>r Público no processo cautelar <strong>de</strong> ações diretas, é que a liminar suspen<strong>de</strong> a<br />

eficácia e a vigência da norma, mas não <strong>de</strong>sconstitui ainda as relações jurídicas<br />

constituídas e completadas. Emoutraspalavras, as relações jurídicas já constituídas,<br />

à luz <strong>de</strong> um <strong>direito</strong> tido por <strong>constitucional</strong>, não serão <strong>de</strong>sconstituídas por força da<br />

medida liminar, mas apenas pela <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva ou pela discussão em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

controle difuso”.4<br />

A análise dos requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora para a concessão <strong>de</strong><br />

medida liminar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> admite maior discricionarieda<strong>de</strong><br />

por parte do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (conveniência política dasuspensão da<br />

eficácia), que <strong>de</strong>verá analisar a “conveniência da suspensão cautelar da lei impugnada”,5<br />

permitindo, <strong>de</strong>ssa forma, uma maior subjetivida<strong>de</strong> na análise da “relevância do tema, bem<br />

assim em juízo <strong>de</strong> conveniência, ditado pela gravida<strong>de</strong> que envolve a discussão”,6 bem como<br />

da “plausibilida<strong>de</strong> inequívoca” e dos evi<strong>de</strong>ntes “riscos sociais ou individuais, <strong>de</strong> várias or<strong>de</strong>ns,<br />

1 STF - Pleno - Adin n2 892-7/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1,7 nov. 1997, p. 57.230.<br />

2 Conferir, nesse sentido: STF - Pleno - Adin n° 1.155-3/DF - Rei. Min. Marco Aurélio - Diário da Justiça,<br />

Seção 1,18 maio 2001, p. 63.<br />

3 BROSSARD, Paulo. A constituição e as leis a ela anteriores. Arquivo Ministério Justiça. Brasília, 45 (180),<br />

jul./<strong>de</strong>z. 1992. p. 139.<br />

4 MARTINS, Ives Gandra. Repertório IOB <strong>de</strong> jurisprudência, ns 8/95, p. 150/154, abr. 1995.<br />

5 STF - Pleno - ADI n2 425/DF - medida cautelar - Rei. Min. Paulo Brossard, <strong>de</strong>cisão: 4-4-91; STF - Pleno -<br />

ADI 467 - medida cautelar - ReL Min. Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 3-4-91.<br />

6 STF - Pleno - ADI n2 490/RS - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 6-12-90; STF - Pleno -<br />

ADI 508/MG - medida cautelar - ReL Min. Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 16-4-91.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 6 5<br />

queaexecução provisória daleiquestionada gera imediatamente”,1ou, ainda, das “prováveis<br />

repercussões” pela manutenção da eficácia do ato impugnado12 e da “relevância da questão<br />

<strong>constitucional</strong>”3 e “relevância da fundamentação da arguição <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, além<br />

da ocorrência <strong>de</strong> periculum in mora, tais os entraves à ativida<strong>de</strong> econômica”.4<br />

Conforme acentuou o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, “ao adotar o conceito jurídico in<strong>de</strong>terminado<br />

<strong>de</strong> conveniência política da suspensão da eficácia, procurou o Tribunal <strong>de</strong>senvolver<br />

um conceito geral que lhe outorgue maior liberda<strong>de</strong> para avaliar a necessida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong><br />

suspensão cautelar da lei ou do ato normativo. É certo, por outro lado, que a utilização<br />

<strong>de</strong>sse conceito permite que o Supremo Tribunal <strong>de</strong>senvolva um mo<strong>de</strong>lo diferenciado para<br />

o processo cautelar da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, tanto quanto possível distinto<br />

do processo cautelar convencional”.5<br />

Dessa maneira, a eficácia da liminar nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, que<br />

suspen<strong>de</strong> a vigência da lei ou do ato normativo arguido como in<strong>constitucional</strong>, opera<br />

com efeitos ex nunc, ou seja, não retroativos, portanto, a partir do momento em que o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a <strong>de</strong>fere, sendo incabível a realização <strong>de</strong> ato com base na<br />

norma suspensa.6 7Excepcionalmente, porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong>monstrada a conveniência e<br />

<strong>de</strong>clarando expressamente, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong> medidas liminares com<br />

efeitos retroativos (ex time) 7 Esse entendimento pacificado no STF foi formalizado pela<br />

Lei n2 9.868/99, que, no § I a <strong>de</strong> seu art. 11, estabelece que a medida cautelar, dotada <strong>de</strong><br />

eficácia contra todos, será concedida com efeitos ex nunc, salvo se o Tribunal enten<strong>de</strong>r<br />

que <strong>de</strong>va conce<strong>de</strong>r-lhe eficácia retroativa.<br />

Observe-se, conforme entendimento do STF, que “a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância<br />

da <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> liminar, em controle abstrato realizado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

impõe-se com a publicação da ata da sessão <strong>de</strong> julgamento no Diário da Justiça. O ajuiza-<br />

mento <strong>de</strong> reclamação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> tanto da publicação do acórdão cuja autorida<strong>de</strong> se quer<br />

garantir como <strong>de</strong> sua juntada”.8<br />

Dessa forma, a concessão da medida cautelar produzirá, em regra, efeitos não retroa<br />

tivos - pois ainda não houve <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo,<br />

mas sim a suspensão <strong>de</strong> sua eficácia - e em relação a todos, por tratar-se <strong>de</strong> controle abstrato<br />

1 STF - Pleno - A D I n2 474/RJ - m edida cautelar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 4-4-91. No mesmo<br />

sentido: STF - Pleno - AD I/M A - m edida cautelar - Rei. Min. O ctávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 1-8-91.<br />

2 S T F - P le n o - AD I n 2 718 / M A - medida cautelar - R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 3-8-92.<br />

3 STF - Pleno - AD I n° 804/DF - m edida cautelar - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 27-11-92.<br />

4 STF - Pleno - AD I n° 173/DF - m edida cautelar - Rei. Min. M oreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 9-3-90.<br />

5 STF - Pleno - AD I na 3401/SP - m edida cautelar - Rei. M in. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2005.<br />

6 Cf. “D eferida liminar p elo STF <strong>de</strong>terminando a suspensão ex nunc da eficácia do § 2° do art. 276 da L ei n°<br />

10.098/94, faz-se incabível a realização <strong>de</strong> ato pela Administração com base na norma suspensa” (STJ - 5a T. -<br />

RMS na 7.724 0/RS - Rei. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 18 ago. 1997, Ementário STJ 19/146).<br />

7 STF - Pleno - Adin na 1.801 7/PE - m edida liminar - Rei. Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção<br />

1 ,18 mar. 1998, capa; STF - Pleno - Adin na 1.592 3/DF - m edida lim inar - Rei. Min. M oreira Alves, Diário<br />

da Justiça, Seção 1 ,17 abr. 1998; S T F -A d in (M C ) na 1.985-6/PE - Rei. Min. Nelson Jobim, Diário da Justiça,<br />

Seção 1,12 set. 2003, p. 28.<br />

8 STF - Rcl 872-A gR , Rei. M in. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 3 fev. 2006.


766 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Enten<strong>de</strong>ndo, ainda, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral possuir efeitos<br />

vinculantes somente a concessão da medida liminar, jamais sua negativa.1<br />

A Lei na 9.868, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, ao disciplinar o processo e julgamento da<br />

ação direta <strong>de</strong> inconstitudonalida<strong>de</strong>, estabeleceu que, salvo no período <strong>de</strong> recesso, a medida<br />

cautelar será concedida por <strong>de</strong>cisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, presentes<br />

na seção no mínimo 8 (oito) ministros, e após a audiência dos órgãos ou autorida<strong>de</strong>s dos<br />

quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que <strong>de</strong>verão pronunciar-se no prazo <strong>de</strong><br />

dnco dias. Essa audiênda po<strong>de</strong>rá ser dispensada em caso <strong>de</strong> excepdonal urgênda.<br />

A lei prevê, ainda, que o relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da<br />

União e o procurador-geral da República, no prazo <strong>de</strong> 3 (três) dias.<br />

No julgamento do pedido <strong>de</strong> medida cautelar, será facultada sustentação oral aos<br />

representantes judiciais do requerente e das autorida<strong>de</strong>s ou órgãos responsáveis pela<br />

expedição do ato, na forma estabelecida pelo Regimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior, uma vez que<br />

suspensos os efeitos da lei ou ato normativo impugnado, suspen<strong>de</strong>-se também a revogação<br />

que havia ocorrido. A Lei na 9.868/99, porém, autoriza que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

<strong>de</strong>cida a questão <strong>de</strong> forma diversa (art. 11, § 2a).<br />

Dessa forma, a concessão da medida liminar possui efeitos repristinatórios, ou seja,<br />

a suspensão da eficácia da lei ou ato normativo objeto <strong>de</strong> impugnação acarretará o retorno<br />

provisório da vigência e eficácia da lei anteriormente revogada, até o julgamento do<br />

mérito da ação.12<br />

A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong> que o ajuizamento da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, após o transcurso <strong>de</strong> significativo lapso <strong>de</strong> tempo, <strong>de</strong>monstra<br />

a ausência do requisito do periculumin mora, necessário para a concessão <strong>de</strong> liminar.3<br />

Ressalte-se, por fim, a plena possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reiteração do pedido <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong><br />

medida cautelar nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ocorram fatos super<br />

venientes que autorizem a suspensão da eficácia da lei ou do ato normativo impugnado.4<br />

1 STF - Pleno - Rextr. n2 316.857-6/RN - ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1, 12 jun. 2003,<br />

p. 125. C onferir excelente estudo sobre as liminares no co n trole concentrado e seus efeitos: STF - Plen o -<br />

Reclam ação n2 2.256/RN - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Informativo S T F n2 321, p. 3. Observe-se, porém , que,<br />

excepcionalm ente, o STF estava conce<strong>de</strong>ndo efeitos vinculantes à <strong>de</strong>cisão que negou lim inar em ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>contraa Lei n° 10.628/02 (fo ro especial em ação <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa), aceitando<br />

reclamações e suspen<strong>de</strong>ndo julgam entos em I a instância <strong>de</strong> ações movidas contra autorida<strong>de</strong>s públicas por atos<br />

<strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa, com base na presunção <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei (reforçada pela negativa da<br />

liminar). Conferir nesse sentido: STF - 2a T. - Rextr. n2 406.341/PR- Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 30-6-2004;<br />

STF - medida cautelar - Reclamação n2 2657/PR - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 21-6-2004.Informativo S T F<br />

n2 353, p 3. Posteriorm ente, porém, o Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por maioria, reiterou seu antigo<br />

posicionam ento sobre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vinculação <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão negativa <strong>de</strong> pedido liminar em ações diretas<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (STF - Pleno - Reclamação n2 2.810 - AgR/M G - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão:<br />

18-11-2004. Informativo STF n2 370,24 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2004). Conferir, ainda, <strong>de</strong>cisão monocrática do Ministro<br />

Celso <strong>de</strong> M ello, na Petição n2 3.270/SC (Informativo S T F n2 3 7 0 ,2 4 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2004).<br />

2 STF - Pleno - AD I n2 2.154/DF e A D I n2 2.258/DF - ReL Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 14-2-2007.<br />

Informativo STF n2 456.<br />

3 KTJ152/692; STF - Pleno - Adin n21.8 572/S C - m edida lim inar - Rei. M in. M oreira Alves, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 7 ago. 1998, p. 81.<br />

4 STF - Pleno - Adin n 2 1.667-9/DF - m edida liminar - Rei. Min. lim ar G alvão .D iário d a Justiça, Seção I, 2<br />

mar. 1998, p. 2, on<strong>de</strong> são citados dois outros prece<strong>de</strong>ntes: ADIMCS 504, Rei. Min. Paulo Brossard e ADIMCS


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 6 7<br />

10.6 Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial<br />

O ajuizamento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> não se sujeita à observância<br />

<strong>de</strong> qualquer prazo <strong>de</strong> natureza prescricional ou <strong>de</strong> caráter <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial, pois os atos inconstitucionais<br />

jamais se convalidam pelo <strong>de</strong>curso do tempo.1<br />

10.7 Advogado-Geral da União<br />

Compete ao Advogado-GeraldaUnião, em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a <strong>de</strong>fesa<br />

da norma legal ou ato normativo impugnado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua natureza fe<strong>de</strong>ral ou<br />

estadual,2 pois atua como curador especial do princípio da presunção da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das leis e atos normativos, não lhe competindo opinar nem exercer a função fiscalizadora<br />

já atribuída ao Procurador-Geral da República, mas a função eminentemente <strong>de</strong>fensiva.3<br />

Dessa forma, atuando como curador da norma infra<strong>constitucional</strong>, o Advogado-Geral<br />

da União está impedido <strong>constitucional</strong>mente <strong>de</strong> manifestar-se contrariamente a ela, sob<br />

pena <strong>de</strong> frontal <strong>de</strong>scumprimento da função que lhe foi atribuída pela própria Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, e que configura a única justificativa <strong>de</strong> sua atuação processual, neste caso.4 O<br />

STF prevê, excepcionalmente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Advogado-Geral da União <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

exercer sua função <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> curador especial do princípio da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

das leis e atos normativos, quando houver prece<strong>de</strong>nte da Corte pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da matéria impugnada.5<br />

Ainda, excepcionalmente, a Corte, a partir <strong>de</strong> interpretação sistemática do texto<br />

<strong>constitucional</strong>, passou a permitir à Advocacia Geral da União manifestar-se livremente em<br />

se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - mesmo que isso signifique posicionar-se<br />

pela <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da norma impugnada - sempre que os interesses<br />

da União colidirem com a manutenção da norma no or<strong>de</strong>namento jurídico. O STF, ainda,<br />

salientou que “a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> reconhecer que nos outros casos a AGU <strong>de</strong>vesse exercer esse<br />

papel <strong>de</strong> contraditora no processo objetivo, constatou-se um problema <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m prática,<br />

qual seja, a falta <strong>de</strong> competência da Corte para impor-lhe qualquer sanção quando assim<br />

não proce<strong>de</strong>sse, em razão da inexistência <strong>de</strong> previsão <strong>constitucional</strong> para tanto”.6<br />

1.182, ReL Min. Francisco Rezek.<br />

1 STF - Adin nc 1.247-9-PA - medida liminar - ReL Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 8 set. 1995. p.<br />

28354, citando a Súmula 360.<br />

2 K T J 131/470, Rei. Min. Moreira Alves.<br />

3 STF - Pleno - Adin n- 3522/RS - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1,12 maio 2006, p. 4.<br />

4 STF - Adin nc 1350-5, relator Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, 13 ago. 1996, p. 27.615; KTJ 131/958, Rei.<br />

Min. Sepúlveda Pertence. Conferir, ainda: STF - “A Constituição exige que o Advogado-Geral d a União, ou quem<br />

<strong>de</strong>sempenha tais funções, faça a <strong>de</strong>fesa do ato impugnado em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Inadmissibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ataque à norma por quem está no exercício das funções previstas no § 32 do art. 103” (STF - Pleno<br />

- Adin n2 242-2/RJ - Rei. Min. Paulo Brossard -D iá rio da Justiça, Seção I, 23 mar. 2001, p. 84).<br />

s Conferir: STF - “O munus a que se refere o imperativo <strong>constitucional</strong> (CF, art. 103, § 3o) <strong>de</strong>ve ser entendido<br />

com temperamentos. O Advogado-Geral da União não está obrigado a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r tese jurídica se sobre ela esta<br />

Corte já fixou entendimento pela sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>” (STF - Pleno - Adin n2 1.616-4/PE - Rei. Min.<br />

Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,24 ago. 2001, p. 41).<br />

6 STF - Pleno - ADI 3916/DF - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 7-10-2009. I n f o r m a t iv o ST F nD562.


768 Direito Constitucional • Moraes<br />

Como regra, porém, a atuação do Advogado-Geral da União permanece, como salientado<br />

pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> “curador da lei atacada, não lhe sendo dado, sob<br />

pena <strong>de</strong> inobservância do múnus público, adotar posição diametralmente oposta, como<br />

se atuasse como fiscal da lei, qualida<strong>de</strong> reservada, no controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

perante o Supremo, ao Procurador-Geral da República”.1<br />

Observe-se que o Advogado-Geral da União não possui legitimida<strong>de</strong> para o controle<br />

concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, qualquer que seja sua espécie (ADI, ADC, ADPF,<br />

ADI-Omissão), havendo necessida<strong>de</strong> da assinatura do Presi<strong>de</strong>nte da República,12 esse sim<br />

legitimado <strong>constitucional</strong>mente.<br />

10.8 Procedimento e <strong>de</strong>cisão<br />

ADI - Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ADC - Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

A Lei nQ9.868, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, estabelece o procedimento da ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica, <strong>de</strong>vendo ser aplicada em a<strong>de</strong>quação às normas<br />

constitucionais.3 O Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>ve ser aplicado<br />

s ubsidiar iamente.4<br />

1 STF - Pleno - ADI 2906/RJ, AD I 3674/RJ e ADI 4457/PR - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 1-06-2011.<br />

2 Conferir, em relação à ilegitim ida<strong>de</strong> para ADPF: S T F -A D P F 1 0 2 -R e i. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 16-6-<br />

2007. Apesar <strong>de</strong>, em <strong>de</strong>cisão mais recente, o STF ter reafirm ado a legitim ida<strong>de</strong> somente ao Chefe do Executivo<br />

(na hipótese concreta tratava-se <strong>de</strong> Governador <strong>de</strong> Estado), porém consi<strong>de</strong>rado sua assinatura “ dispensável”,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que estivesse representado pelo Procurador-Geral do Estado (STF - Pleno - ADI 2900/RJ, Rei. Min.<br />

Marco A u rélio ).<br />

3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por unanimida<strong>de</strong>, não conheceu da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> form al<br />

da Lei nQ9.868/99 (STF - Pleno - Adin nQ2.111-7/DF - m edida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 24 mar. 2000. p. 37).<br />

4 Nos termos d a nova Lei, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral passou a publicar a partir d e 2 6 d e novembro d e 1999,<br />

em <strong>de</strong>staque, as “Decisões: Ação Direta <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e Ação Declaratória <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>” e a<br />

pauta <strong>de</strong> julgam ento <strong>de</strong>ssas ações (Diário da Justiça, Seção I, 26 nov. 1999. p. 62).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 769<br />

A petição inicial da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, que permitirá aditamentos,1<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que antes da requisição <strong>de</strong> informações ao órgão editor do ato impugnado,12 “<strong>de</strong>verá<br />

expor os fundamentos jurídicos do pedido com relação às normas impugnadas, não sendo<br />

admitida alegação genérica sem <strong>de</strong>monstração compatível e razoável”,3 nem tampouco<br />

ataque generalizado a diversas leis ou atos normativos com alegações por amostragem.<br />

A petição inicial será apresentada em duas vias, <strong>de</strong>vendo conter cópias da lei ou do ato<br />

normativo impugnado e dos documentos necessários para comprovação da impugnação e<br />

indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos<br />

do pedido em relação a cada uma das impugnações. Além disso, <strong>de</strong>verá individualizar o<br />

pedido, com suas especificações.<br />

A Lei nQ9.868/99, seguindo orientação jurispru<strong>de</strong>ncial do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

exige instrumento <strong>de</strong> procuração quando a petição inicial for subscrita por advogado.<br />

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>terminou que todas as procurações ou<br />

<strong>de</strong>legações outorgadas pelos autores <strong>de</strong> ação direta (CF, art. 103), a seus Advogados e<br />

Procuradores, contenham po<strong>de</strong>res especiais para a instauração do pertinente processo <strong>de</strong><br />

controle normativo abstrato perante esta Corte, com a indicação objetiva do diploma legislativo<br />

ou do ato normativo, e respectivos preceitos (quando for o caso), que <strong>de</strong>vam expor<br />

-se, especificamente, à impugnação em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.4<br />

A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improce<strong>de</strong>nte serão<br />

liminarmente in<strong>de</strong>feridas pelo relator, cabendo agravo ao plenário do Tribunal.<br />

Assim, ajuizada a ação, o relator pedirá informações à autorida<strong>de</strong> da qual tiver emana<br />

do o ato, seja do Executivo, do Congresso Nacional ou da Assembléia Legislativa, ou ainda<br />

do Judiciário, se for o caso. As informações serão prestadas no prazo <strong>de</strong> 30 dias, contados<br />

do recebimento do pedido, po<strong>de</strong>ndo ser dispensadas, em caso <strong>de</strong> urgência, pelo relator<br />

ad referendum do Tribunal. Recebidas as informações, ou mesmo sem elas, o Advogado-<br />

-Geral da União será, previamente, citado para <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r o ato impugnado, sendo abertas<br />

vistas ao Procurador-Geral da República, que <strong>de</strong>verão manifestar-se, sucessivamente, no<br />

prazo <strong>de</strong> 15 dias.<br />

Observe-se que o Procurador-Geral da República, por <strong>de</strong>terminação expressa do § I a,<br />

do art. 103, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, será ouvido em todos os processos <strong>de</strong> competência<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.5<br />

O Procurador-Geral da República, mesmo nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por ele propostas, em virtu<strong>de</strong> da in<strong>de</strong>pendência funcional dos membros do Ministério<br />

Público (CF, art. 127, § I a), po<strong>de</strong>rá ao final manifestar-se por sua improcedência,6 o que,<br />

1 STF - Pleno - Adin n2 474 (A g R g ), Rei. Min. M oreira Alves, D iário da Justiça, 8 nov. 1991, p. 15.952; STF -<br />

Pleno - Adin n2 722, Rei. Min. M oreira Alves, D iário da Justiça, 19 jun. 1992, p. 9.520.<br />

2 STF - Pleno - Adin n“ 437, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 fev. 1993, p. 2.031.<br />

3 STF - P le n o -A d in n2 259, Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1 ,19 fev. 1992, p . 2.030.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 2.270-9/MS - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário da Justiça, Seção I,<br />

22 ago. 2000,p . 44.<br />

5 Informativo STF - Brasília, 4 a 8 mar. 1996 - n 222, A g n2 158725-1 (A gR g ) (EDel) - Rei. Min. Marco Aurélio.<br />

6 RTJ 122/923; 124/59.


7 7 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

certamente, não vinculará o Tribunal na apreciação da matéria.1Ressalte-se, porém, conforme<br />

já analisado no item 10.4, que o Procurador-Geral da República não po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>sistir<br />

<strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> já proposta.12<br />

O relator está autorizado pela lei, em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecimento <strong>de</strong> matéria<br />

ou circunstância <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> notória insuficiência das informações existentes nos<br />

autos, a requisitar informações adicionais, <strong>de</strong>signar perito ou comissão <strong>de</strong> peritos para<br />

que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para que, em audiência pública,3 sejam<br />

ouvidos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas com experiência e autorida<strong>de</strong> na matéria.<br />

A lei, ainda, autoriza o relator a solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos<br />

Tribunais fe<strong>de</strong>rais e aos Tribunais estaduais em relação à aplicação da norma impugnada<br />

no âmbito <strong>de</strong> sua jurisdição. Em qualquer das hipóteses, o prazo para manifestação será<br />

<strong>de</strong> 30 dias, a partir da solicitação do relator.4<br />

Ressalte-se, ainda, que a Lei na 9.868/99 estabeleceu a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um procedimento<br />

mais célere nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que haja pedido<br />

<strong>de</strong> medida cautelar.<br />

Nessa hipótese, e enten<strong>de</strong>ndo o relator existir relevância da matéria e especial significado<br />

para a or<strong>de</strong>m social e segurança jurídica, po<strong>de</strong>rá, após a prestação <strong>de</strong> informações<br />

no prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral<br />

da República, sucessivamente, no prazo <strong>de</strong> cinco dias, submeter o processo diretamente<br />

ao Tribunal, que optará entre somente julgar o pedido <strong>de</strong> medida cautelar, ou julgar <strong>de</strong>finitivamente<br />

a ação.<br />

10.8-A Am icus curlae e <strong>de</strong>mocratização do controle concentrado <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

A Lei nfi 9.868/99 passou a permitir que o relator, consi<strong>de</strong>rando a relevância da<br />

matéria e a representativida<strong>de</strong> dos postulantes (a<strong>de</strong>quacy ofrepresentatiori),5 possa, por<br />

<strong>de</strong>spacho irrecorrível, possa admitir a manifestação <strong>de</strong> outros órgãos ou entida<strong>de</strong>s, tendo,<br />

porém, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral relativizado essa irrecorribilida<strong>de</strong>, autorizando<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso pelo amicus curiae da <strong>de</strong>cisão que haja <strong>de</strong>negado seu pedido<br />

<strong>de</strong> admissão no processo.6<br />

1 PTJ 94/58.<br />

2 STF - Pleno - Adin n2 164/DF - medida liminar - Rei. Min. Moreira Alves,RTJ 139/396; STF - Pleno - Adin<br />

n2 1.971-6/SP - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário daJustiça, Seção 1,2 ago. 1999.<br />

3 Cf. audiência pública <strong>de</strong>signada peloM inistro-relator Carlos Britto (S T F - P le n o - A D I na 3.510-0/D F-R ei.<br />

Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão; 19-12-2006].<br />

4 STF - “ Decisão: O Tribunal, por unanimida<strong>de</strong>, resolvendo questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m proposta pelo Relator, in<strong>de</strong>feriu<br />

os pedidos da Advocacia Geral da União, um no sentido <strong>de</strong> serem ouvidos os Estados membros, e o outro no<br />

sentido <strong>de</strong>, na form a e com observância do art. 12 da Lei n29.868/99, submeter as ações diretas ao julgam ento<br />

<strong>de</strong>finitivo do Tribunal, anulando-se o julgam ento ora em andamento. Votou o Presi<strong>de</strong>nte, 11-10-2000” (STF -<br />

Pleno - Adin n2 2.238 5/DF - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. lim ar Galvão, Diário da Justiça n2 204 E, Seção I,<br />

23 out. 2000, p. 2).<br />

5 STF - RE 597165/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 12-4-2011.<br />

6 STF - P le n o -A D P F 1 8 7 / D F -R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 771<br />

A importância e relevância da figura do amicus curiae foi ressaltada pelo Ministro<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, ao ensinar que “evi<strong>de</strong>nciou a relevância do amicus curiae como fonte <strong>de</strong><br />

informação para a Corte, além <strong>de</strong> cumprir função integradora importante no Estado <strong>de</strong><br />

Direito, tendo em conta o caráter pluralista e aberto <strong>de</strong> sua admissão, fundamental para<br />

o reconhecimento <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e a realização <strong>de</strong> garantias constitucionais”.1<br />

Essa inovação passou a consagrar, no controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

brasileiro,12 a figura do amicus curiae, ou “amigo da Corte”, cuja função primordial é juntar<br />

aos autos parecer ou informações com o intuito <strong>de</strong> trazer à colação consi<strong>de</strong>rações importantes<br />

sobre a matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong> a ser discutida pelo Tribunal, bem como acerca dos reflexos<br />

<strong>de</strong> eventual <strong>de</strong>cisão sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da espécie normativa impugnada,<br />

dispondo, conforme salientado pelo STF, “da faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> submeter ao relator da causa<br />

propostas <strong>de</strong> requisição <strong>de</strong> informações adicionais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> peritos, <strong>de</strong> convocação<br />

<strong>de</strong> audiência públicas”.3<br />

Em face do processo objetivo que rege o controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

e, consequentemente, da existência <strong>de</strong> causa <strong>de</strong> pedir aberta, torna-se importante a possibilida<strong>de</strong><br />

da opinião do amicus curiae, permitindo-se, pois, ao Tribunal o conhecimento<br />

pleno das posições jurídicas e dos reflexos diretos e indiretos relacionados ao objeto da<br />

ação,4 mesmo que seu ingresso ocorra após o térm ino do prazo <strong>de</strong> informações.5<br />

Como ressaltado pelo Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

“é possível cogitar <strong>de</strong> hipóteses <strong>de</strong> admissão <strong>de</strong> amicus curiae, ainda que fora <strong>de</strong>sse<br />

prazo (arts. 6a e 7a, § 2a da Lei na 9.868/99)”, uma vez que “essa construção jurispru<strong>de</strong>ncial<br />

sugere a adoção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo procedimental que ofereça alternativas<br />

e condições para permitir, <strong>de</strong> modo cada vez mais intenso, a interferência <strong>de</strong> uma<br />

pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sujeitos, argumentos e visões. Essa nova realida<strong>de</strong> pressupõe, além<br />

<strong>de</strong> amplo acesso e participação <strong>de</strong> sujeitos interessados no sistema <strong>de</strong> controle <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> normas, a possibilida<strong>de</strong> efetiva <strong>de</strong> o Tribunal Constitucional<br />

1 STF - Pleno - AD PF 54/DF, Rei. Min. M arco A u rélio, <strong>de</strong>cisão: 11 e 12-4-2012, I n f o r m a t i v o S T F nQ661.<br />

2 Som ente <strong>de</strong> m an eira excepcional, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça a d m ite a figu ra do a m ic u s c u r i a e em processos<br />

subjetivos, com o p o r exem plo Recursos especiais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que “a m u ltiplicid ad e <strong>de</strong> <strong>de</strong>m andas sim ilares<br />

<strong>de</strong>m onstre a gen eralização da <strong>de</strong>cisão a ser p roferid a ” (STJ - 2ã Seção - Resp 1023053/SP - Rei. Min. M aria<br />

Isabel Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 23-11-2011.<br />

3 STF - Pleno - AD PF 187/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011. Em relação à recorribilid ad e do<br />

in <strong>de</strong>ferim en to <strong>de</strong> ingresso <strong>de</strong> a m ic u s c u r i a e : conferir STF - A D I 3396 AgR/DF - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , 10-<br />

5-2012. Votaram a fa vo r da recorribilid ad e os M inistros Celso <strong>de</strong> M ello, Ricardo Lew andow ski, Cezar Peluso e<br />

Gilmar M en<strong>de</strong>s. D efen<strong>de</strong>ram a irrecorribilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão m onocrática do relator os M inistros Marco Aurélio,<br />

Ayres Brito, Rosa W eber, L u izF u x e Dias T o ffo li. Para d efin ir a questão, o Plen ário está aguardando os votos da<br />

Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Joaquim Barbosa.<br />

4 C onferir nesse sentido, <strong>de</strong>cisão do STF, on<strong>de</strong> fo i realçada a fin alida<strong>de</strong> da norm a: “a regra inscrita no art. 7°,<br />

§ 2Q, Lei nQ9.868/99 - que contém a base n orm ativa legitim a d ora da in terven ção processual do a m ic u s c u r ia e<br />

- tem p o r precípua fin alida<strong>de</strong> plu ra liza r o <strong>de</strong>bate <strong>constitucional</strong>” (S T F - Pleno - A d in n Q2.130-3/SC - m edida<br />

cautelar - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção I, 2. fev. 2 0 0 1 ). Consultar, ainda: STF - A d in n Q<br />

2.937-1/D F - Rei. M in. C ezar Peluso, D i á r i o d a J u s t i ç a , Seção 1, 23 set. 2003, p. 27; STF - A d in nQ 2.999-1/<br />

RJ - Rei. M in. G ilm a r M en<strong>de</strong>s, D i á r i o d a J u s t iç a , S eção 1 ,12 nov. 2003, p. 30; STF - A din - lim in ar nQ 2.540-6/<br />

RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1, 8 ago. 2002, p. 20 (nessa ação o M in istério Público do<br />

Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro fo i adm itido com o a m ic u s c u r i a e ) .<br />

5 STF - Pleno - A din nQ3.474/D F - Rei. M in . C ezar Peluso, D i á r i o d a J u s t iç a , Seção 1 ,19 out. 2005.


7 7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

lançar mão <strong>de</strong> quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado ato questionado”.1<br />

A participação do amicus curiae no controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve<br />

ser a mais ampla possível pois, juntamente com as audiências públicas, foi instrumento <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocratização e maior legitimação da atuação do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Inicialmente, o STF, por maioria <strong>de</strong>votos, <strong>de</strong>cidiu pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sustentação<br />

oral do amicus curiae, que <strong>de</strong>veria, sempre, manifestar-se por escrito, sob pena <strong>de</strong> inviabilização<br />

dos trabalhos da Corte.12 Observe-se, porém, que, fixando novo posicionamento,<br />

o STF “admitiu, excepcionalmente, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> realização <strong>de</strong> sustentação oral por<br />

terceiros admitidos no processo abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> amicus<br />

curiae”.3 Ressaltou, porém, o Ministro Sepúlveda Pertence, que “compete ao Tribunal <strong>de</strong>cidir<br />

a respeito, através <strong>de</strong> norma regimental, razão por que, excepcionalmente e apenas no caso<br />

concreto, admitiu a sustentação oral”. Nesse novo julgamento Plenário, foram vencidos os<br />

Ministros Carlos VellosoeEllenGracie que, “salientando que a admissão da sustentação oral<br />

nessas hipóteses po<strong>de</strong>ría implicar a inviabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funcionamento da Corte, pelo eventual<br />

excesso <strong>de</strong> intervenções, entendiam possível apenas a manifestação escrita”.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral passou, quanto à sustentação oral do amicus curiae, a<br />

aplicar a regra regimental prevista no artigo 131, § 3S, permitindo um tempo máximo <strong>de</strong><br />

15 minutos.4<br />

Enten<strong>de</strong>mos, que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o relator <strong>de</strong>fira a participação do amicus curiae, sua<br />

atuação não <strong>de</strong>verá sofrer restrições, <strong>de</strong>vendo o Tribunal permitir sua participação plena,<br />

inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação oral perante seus ministros, sempre com<br />

a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer à colação importantes argumentos sobre a matéria <strong>de</strong> <strong>direito</strong> a ser<br />

analisada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.5<br />

A manifestação <strong>de</strong> amicus curiae tem a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auxiliar na instrução do processo,6<br />

po<strong>de</strong>ndo ocorrer mesmo após encerrado o prazo <strong>de</strong> informações,7 tendo porém, o STF,<br />

estabelecido como data-limite para a intervenção do amicus curiae no processo, o dia da<br />

remessa dos autos à mesa para julgamento, no intuito <strong>de</strong> racionalização do procedimen-<br />

1 S T F -A d in n2 2548/PR -R el. Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 18-10-2005. I n f o r m a t iv o STF n2 406.<br />

2 S T F - Pleno - Adin n° 2.223 - I n f o r m a t iv o STF n2 246.<br />

3 S T F - P le n o - A d in n2 2.675/PE -R el. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 26-11-2003; S T F - P le n o - A d in n2 2.777/<br />

SP - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 27-11-2003. In f o r m a t iv o S T F n2 331.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 2.943-6/DF - R ei. M in . Ricardo Lewandowski, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 23 maio<br />

2006, p. 3; STF - Pleno - ADI n2 2.777-8/SP - Rei. Min. Cezar Peluso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 16 fev. 2007,<br />

p. 17; STF - Pleno - ADI n2 1.362-3/M G -m edida ca u tela r-R el. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção<br />

1 ,15 set. 2006, p. 66.<br />

5 Ressalte-se que, em julgam ento posterior, o Ministro Sepúlveda Pertence voltou a aceitara sustentação oral<br />

do amicus c u r ia e , ressaltando, novamente, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “ uma fórm ula regim ental que a discipline, em especial,<br />

para as hipóteses em que sejam muitos os adm itidos à discussão da causa” (STF - P le n o -A d in n22.777/<br />

SP - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, I n f o r m a t iv o STFn2 349).<br />

6 Com essa finalida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral aceitou a participação do Ministério Público como a m ic u s<br />

c u r ia e (STF - Pleno - AD I n2 3.277-1/PB - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, 12 <strong>de</strong>z.<br />

2006, p. 46).<br />

7 STF - Pleno - AD I 3.474/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, D iário d a J u s tiç a , Seção I, 19 out. 2005.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 7 3<br />

to e para evitar, como salientado pela maioria,1a transformação do “amicus curiae em<br />

regente do processo”.12 Não será, portanto, possível a inclusão do amicus curiae quando<br />

o processo já estiver incluído em pauta <strong>de</strong> julgamento,3 ou mesmo, quando esse já tiver<br />

sido iniciado ou estiver em curso.4<br />

É incompatível com a finalida<strong>de</strong> da presença do amicus curiae no controle concentrado<br />

a formulação <strong>de</strong> pedido ou mesmo o aditamento <strong>de</strong> pedido formulado anteriormente pelo<br />

autor,5 pois como salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “não obstante o relevo da<br />

participação do amicus curiae, como terceiro interveniente, no processo <strong>de</strong> fiscalização<br />

normativa abstrata, ele não disporia <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res processuais que, inerentes às partes,<br />

viabilizassem o exercício <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas prerrogativas que se mostrassem unicamente<br />

acessíveis a elas, como o po<strong>de</strong>r que assiste, ao arguente, <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitar o objeto da <strong>de</strong>manda<br />

por ele instaurada”.6 Também não será possível a interposição <strong>de</strong> recursos, inclusive embargos<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração7 ou impugnações,8 salvo, conforme já salientado, a recorribilida<strong>de</strong><br />

da <strong>de</strong>cisão que houver <strong>de</strong>negado seu pedido <strong>de</strong> admissão no processo.9<br />

Observe-se, portanto, que a lei atenuou a absoluta inadmissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação<br />

<strong>de</strong> terceiros no controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que comprovado o<br />

interesse público, consubstanciado pela relevância da matéria (art. 7a, § 2a). Canotilho<br />

e Moreira, analisando idêntica hipótese, ensinam que a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong> “envolver interesses públicos ou interesses privados dignos <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>ração”,<br />

concluindo que, no âmbito do Tribunal Constitucional português, “estabeleceu-se uma<br />

praxe judicial no sentido <strong>de</strong> admitir a junção <strong>de</strong> documentos por terceiros interessados”.10<br />

Em face das inúmeras novida<strong>de</strong>s da lei, em especial a participação do amicus curiae<br />

e as audiências públicas, e da evolução <strong>de</strong> nossa Jurisdição Constitucional, o próprio<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral vem reconhecendo que “ a intervenção <strong>de</strong> terceiros em ação<br />

1 Foram vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Carlos Britto, Celso <strong>de</strong> M ello e Gilmar Men<strong>de</strong>s, Presi<strong>de</strong>nte, que<br />

admitiam a intervenção, no estado em que se encontra o processo, inclusive para o efeito <strong>de</strong> sustentação oral.<br />

2 STF - Pleno - ADI 4071 AgR/DF, Rei. Min. Menezes D ireito, 22-4-2009.<br />

3 Em posicionam ento anterior, o STF admitia a possibilida<strong>de</strong> da manifestação do amicus curiae m esm o com<br />

o processo já incluso na pauta <strong>de</strong> julgam ento (STF - P le n o - A D I 2.548/DF - Rei. M in. Gilm ar M en<strong>de</strong>s, D iário<br />

d a J u s tiç a , Seção 1,24 out. 2005).<br />

4 STF - AD I 2.238/DF - m edida cautelar - Rei. Min. lim ar Galvão, I n f o r m a t iv o S T F n a 267, p. 1; STF - AD I -<br />

1.842-5/RJ-R el. Min. Ellen Gracie, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,26jun. 2006, p. 13; S T F -A D I2 .3 1 6 -1 / D F -R el.<br />

M in. Ellen G racie,Diário d a J u s tiç a , S eçãol, 30 out. 2006, p. 31. Excepcionalmente, o STF admitiu a sustentação<br />

oral do a m ic u s c u r ia e já iniciado o julgam ento (leitura do relatório), porém , antes do voto do Ministro-relator<br />

(STF - Pleno - A D I 2.777 - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - Rei. Min. Cezar Pelu so).<br />

5 STF - Pleno - A D I na 1.362-3/MG - m edida cautelar - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I,<br />

15 set. 2006, p. 66.<br />

6 S T F - P le n o - A D P F 1 8 7 / D F -R el. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011.<br />

7 STF, Pleno, AD I 4167 AgR/DF e Primeiros a Quintos ED/DF, rei. Min. Joaquim Barbosa, 27-2-2013.<br />

8 STF - Pleno -A D I-E D n a 3.105-8/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,23 fev. 2007, p. 17.<br />

9 S T F -P le n o -A D P F 1 8 7 / D F -R el. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2011.<br />

10 CANOTILHO, J.J. Gomes; M OREIRA, Vital. C o m e n t á r io s ... O p .cit. p. 1.037.


7 7 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> tem características distintas <strong>de</strong>ste instituto nos processos<br />

subjetivos”.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral não vem admitindo litisconsórcio ativo ou passivo12 ou<br />

a intervenção assistencial <strong>de</strong> terceiro3 concretamente interessado, em face da natureza<br />

abstrata <strong>de</strong>sta espécie <strong>de</strong> controle, incompatível com o acesso <strong>de</strong> terceiros interessados<br />

somente em <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r seus <strong>direito</strong>s subjetivos. Como ressalta o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

em relação à intervenção <strong>de</strong> terceiro, “impõe-se registrar que existia, até mesmo, norma<br />

vedatória expressa (RiSTF, art. 169, § 22), prestigiada pela jurisprudência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que, reiteradamente, tem proclamado o absoluto <strong>de</strong>scabimento da intervenção<br />

<strong>de</strong> terceiros no processo objetivo <strong>de</strong> fiscalização abstrata <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”<br />

(R D A 155/155, Rei. Min. Soares Munoz RDA 157/266, Rei. Min. Nérida Silveira-Adin<br />

ne 575 (AgRg), Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, v. g.).4 Ressalte-se, porém, que tal vedação não<br />

<strong>de</strong>ve ser aplicada, por óbvio, aos vários legitimados <strong>constitucional</strong>mente.<br />

Esse posicionamento foi abrandado pela Lei n2 9.868/99, em virtu<strong>de</strong> da possibilida<strong>de</strong><br />

do amicus curiae, pois, como adverte o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “cabe ter presente a regra<br />

inovadora constante do art. 7-, § 2a, da Lei n2 9.868/99, que, em caráter excepcional,<br />

abrandou o sentido absoluto da vedação pertinente à intervenção assistencial, passando,<br />

agora, a permitir o ingresso <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> dotada <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> a<strong>de</strong>quada no processo<br />

<strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.5<br />

10.8-B Julgamento e <strong>de</strong>cisão<br />

O julgamento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> será realizado pelo Plenário<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em respeito ao art. 97 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, exigindo-se<br />

quorum mínimo <strong>de</strong> oito Ministros, para instalação da sessão6 que, enten<strong>de</strong>ndo tratar-se<br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo <strong>constitucional</strong>, fará essa <strong>de</strong>claração7 expressamente, julgando<br />

improce<strong>de</strong>nte8 a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>; ficando, <strong>de</strong>starte, vedada a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação rescisória <strong>de</strong>ste julgado.9<br />

Por outro lado, se a maioria absoluta dos membros do Tribunal julgar proce<strong>de</strong>nte<br />

a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarará a lei ou o<br />

1 S T F - P le n o - A D I 1.194/DF - Rei. p/Acórdão Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 11-9-2009.<br />

2 Em relação ao ativo: FTJ 82/44; 87/5. N o tocante ao passivo: STF - Adin n° 1512-5/R R -R el. M in. Maurício<br />

Corrêa, Diário d a J u s tiç a , Seção I, 18 nov. 1996, p. 44.790.<br />

3 RiSTF, art. 169, § 2 ' No mesmo sentido, o art. 7° da L ei nB9.868/99<br />

4 STF - Adin n2 1.350-5, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,7 ago. 1996, p. 26.666/7.<br />

5 S T F - P le n o - A d in n“ 2.321 7 / D F -m ed id a liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I,<br />

19 out. 2000, p. 2.<br />

6 RiSTF, art. 143, parágrafo único; art. 22 da Lei n “ 9.868/99.<br />

7 RiSTF, arts. 143 c.c. 173; art. 23 da L e i n2 9.868/99.<br />

8 RiSTF, art. 174; art. 26 da Lei n2 9.868/99.<br />

9 F T J 94/49. Nesse sentido: STF - Ação Rescisória n ° 1.357-8/MA - R ei. Min. Sydney Sanches; STF - Ação<br />

Rescisória n- 1.365-4/BA - Rei. Min. M oreira Alves.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 775<br />

ato normativo in<strong>constitucional</strong>, e consequentemente estará retirando-o do or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico, com os efeitos a seguir estudados.<br />

Essa natureza dúplice da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> foi reafirmada pelo ar t.<br />

23 da Lei na 9.868/99, ao prever que, efetuado o julgamento, proclamar-se-á a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo impugnado, se num ou<br />

noutro sentido houver manifestação <strong>de</strong> no mínimo seis Ministros do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral (maioria absoluta).<br />

Importantíssimo ressaltar que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral fica condicionado ao pedido,<br />

porém não a causa <strong>de</strong> pedir, ou seja, analisará a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> dos dispositivos<br />

legais apontados pelo autor, porém po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>clará-los inconstitucionais por fundamentação<br />

jurídica diferenciada,1pois, tal como o Bun<strong>de</strong>sverfassungsgericht, não está adstrito<br />

aos fundamentos invocados pelo autor, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por<br />

fundamentos diversos dos expedidos na inicial.<br />

Avinculaçãodo STF ao pedido feito pelo autor não afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por arrastamento, quando houver relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência entre o dispositivo<br />

normativo <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong> e outros não impugnados.<br />

A hipótese <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por arrastamento é possível tanto em relação a<br />

dispositivos existentes na mesma lei ou ato normativo impugnado, quanto em relação a<br />

texto normativo diverso, porém elaborado sob o seu fundamento. Na primeira hipótese,<br />

on<strong>de</strong> todos os dispositivos estarão namesmalei ou ato normativo, serão <strong>de</strong>clarados inconstitucionais<br />

artigos, parágrafos, incisos ou alíneas não impugnados originalmente, mas com<br />

absoluta relação <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência com o dispositivo normativo impugnado e <strong>de</strong>clarado<br />

in<strong>constitucional</strong>. Na segunda hipótese, teremos leis ou atos normativos diversos, porém o<br />

substrato para a elaboração do dispositivo legal não impugnado tendo sido a lei ou ato<br />

normativo <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>verá, igualmente, ter sua nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarada.12<br />

Essa ampla possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> análise sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou não da lei ou<br />

ato normativo questionado torna impossível, conforme já salientado, qualquer que seja o<br />

resultado da ação - procedência ou improcedência -, o ajuizamento <strong>de</strong> ação rescisória.3<br />

10.9 Efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - controle concentrado<br />

Os efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no controle abstrato brasileiro são,<br />

em regra: erga omnes (gerais), ex tunc (retroativos), vinculantes e repristinatórios.<br />

Declarada a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral ou estadual, a<br />

<strong>de</strong>cisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), <strong>de</strong>sfazendo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua<br />

origem, o ato <strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong>, juntamente com todas as consequências <strong>de</strong>le<br />

1 RTJ 46/352.<br />

2 STF, RE 631698 AgR/Pr, Rei. M inistro Ricardo Lewandowski, julgam ento 22-5-2012.<br />

3 O STF <strong>de</strong>clarou <strong>constitucional</strong> o art. 26 da Lei n“ 9.868/99, que veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação rescisória (STF<br />

- Pleno - AD I n2 2.154/DF e AD I n2 2.258/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 14-2-2007. Inform ativo<br />

STF n“ 456).


776 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>rivadas,1 uma vez que os atos inconstitucionais são nulos12 e, portanto, <strong>de</strong>stituídos <strong>de</strong><br />

qualquer carga <strong>de</strong> eficácia jurídica, alcançando a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da<br />

lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex<br />

tunc) ,3Importante ressaltar que a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato impugnado<br />

e, consequentemente, a retroativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua nulida<strong>de</strong> alcança, inclusive, sentenças judiciais<br />

transitadas em julgado, uma vez que, conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a rescindibilida<strong>de</strong> do acórdão conflitante” <strong>de</strong>corre “do princípio da máxima efetivida<strong>de</strong><br />

das normas constitucionais e da consequente prevalência da orientação fixada pelo STF”.<br />

Com esse fundamento, a Corte Suprema afastou o argumento “<strong>de</strong> que a <strong>de</strong>cisão proferida<br />

na ADI não po<strong>de</strong>ria retrotrair para alcançar <strong>de</strong>cisão coberta pelo manto da coisa julgada,<br />

tendo em conta a jurisprudência da Corte quanto à eficácia ex tunc, como regra, da <strong>de</strong>cisão<br />

proferida em controle concentrado, a legitimar a ação rescisória <strong>de</strong> sentença que, mesmo<br />

anterior, lhe seja contrária”.4<br />

Assim, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

“<strong>de</strong>creta a total nulida<strong>de</strong> dos atos emanados do Po<strong>de</strong>r Público, <strong>de</strong>sampara as situações<br />

constituídas sob sua égi<strong>de</strong> e inibe-ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos<br />

vá lid o s-a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> invocação <strong>de</strong> qualquer <strong>direito</strong>”.5<br />

Note-se que, no controle concentrado <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a lei ou o ato normativo<br />

<strong>de</strong>clarado in<strong>constitucional</strong> saem do or<strong>de</strong>namento jurídico imediatamente com a<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, não havendo aplicação do art. 52, X, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que permanece somente para a utilização no controle difuso.<br />

Como ressaltado pelo Ministro Moreira Alves,<br />

“entre nós, como se adota o sistema misto <strong>de</strong> controle judiciário <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

se esta for <strong>de</strong>clarada, no caso concreto, pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, sua<br />

eficácia se limita às partes da li<strong>de</strong>, po<strong>de</strong>ndo o Senado Fe<strong>de</strong>ral apenas suspen<strong>de</strong>r a<br />

execução, no todo ou em parte, <strong>de</strong> lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (art. 52, X, da Constituição). Já, em se tratando<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou <strong>de</strong> ato normativo por meio <strong>de</strong><br />

1 PTJ 82/791; PTJ 87/758; PTJ 89/367.<br />

2 Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s nos aponta que, na<br />

Alemanha, a fórm ula tradicional explicita que a lei “ é in<strong>constitucional</strong> e, por isso, nula” (D a s G e s e tz is tv e r fd s s u n g -<br />

widrig und daher nichtig). Vincula-se, <strong>de</strong>ssarte, <strong>de</strong>terminada situação - a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> - à consequência<br />

jurídica - nulida<strong>de</strong>. Contra esta posição, Hans Kelsen, para quem os atos inconstitucionais são a n u lá v e is e x tu n c<br />

(.Teoriapura do <strong>direito</strong>. São Paulo: Martins Fontes, 1986. p. 374) e M anoel Gonçalves Ferreira Filho (C u r s o <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 37).<br />

3 Observe-se que “a <strong>de</strong>claração da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei surte efeitos a partir da<br />

publicação da <strong>de</strong>cisão no D JU, ainda que esta não tenha transitado em ju lgado” (STF - Pleno - Reclam ação n“<br />

2576/SC - Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 23-6-2004, I n f o r m a t iv o S T F na 353, p. 1). No mesm o sentido: STF<br />

- Pleno - Rcl-AgR 3473/DF - Rei. Min. Carlos Velloso, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,9 <strong>de</strong>z. 2005, p. 5 - Ementário<br />

v. 2217-3, p. 296.<br />

4 STF - Pleno - Rcl. na 2600 A gR / S E - Rei. M in .C ezarPelu so, <strong>de</strong>cisão: 14-9-2006. In f o r m a t iv o STF na440.<br />

5 P T J 146/461.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 7 7<br />

ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a eficácia <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão é erga omnes e ocorre,<br />

refletindo-se sobre o passado, com o trânsito em julgado do aresto <strong>de</strong>sta Corte”.1<br />

Ressalte-se, ainda, que esta posição é antiga no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pois em<br />

18-6-1977 seu então Presi<strong>de</strong>nte, Ministro Thompson Flores, <strong>de</strong>terminou que as comunicações<br />

ao Senado Fe<strong>de</strong>ral, para os fins do art. 42, VII, da Constituição <strong>de</strong> 1967/69 (atual<br />

art. 52, X, da CF/88), se restringissem somente às <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

proferidas inci<strong>de</strong>nter tantum, via controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.12<br />

10.9-A Modulação dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

A L e in D9.868/99 inovou em relação à ação direta, permitindo ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral a limitação dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (modulação dos<br />

efeitos).<br />

Assim, o art. 2 7 prevê que “ao <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo,<br />

e tendo em vista razões <strong>de</strong> segurança jurídica ou <strong>de</strong> excepcional interesse social, po<strong>de</strong>rá<br />

o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por maioria <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros, restringir os<br />

efeitos daquela <strong>de</strong>claração ou <strong>de</strong>cidir que ela só tenha eficácia a partir <strong>de</strong> seu trânsito em<br />

julgado ou <strong>de</strong> outro momento que venha a ser fixado”.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>cidiu que “o sistema pátrio comporta a modulação<br />

<strong>de</strong> efeitos, sem que isso signifique violação ao texto <strong>constitucional</strong>”, afirmando que “a sua<br />

adoção <strong>de</strong>correría da pon<strong>de</strong>ração entre o Estado <strong>de</strong> Direito na sua expressão legalida<strong>de</strong><br />

e na sua vertente segurança jurídica”. Ressaltou, ainda, “que o procedimento da modulação<br />

seria bifásico, escalonado e progressivo: o julgamento que se faz sobre o mérito da<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e aquele referente à modulação<strong>de</strong> efeitos”, ou seja, “ocorreríam duas<br />

apreciações autônomas e distintas, sendo que a segunda - a qual envolvería a questão<br />

da modulação - tem como pressuposto a <strong>de</strong>claração prévia <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.3<br />

Dessa forma, permitiu-se ao STF a manipulação dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> modulação, ou limitação temporal pela Corte, seja em<br />

relação à sua amplitu<strong>de</strong>, seja em relação aos seus efeitos temporais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes<br />

os dois requisitos constitucionais:4<br />

• requisito formal: <strong>de</strong>cisão da maioria <strong>de</strong> dois terços dos membros do Tribunal;<br />

1 R TJ151/331-355.<br />

2 Cf. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa n° 57.1978. p. 260.<br />

3 S T F -A D 1 3 .4 6 2 / P A ,R el.M in . Carmem Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 15-9-2010.<br />

4 Igual possibilida<strong>de</strong> existe n o art. 282, item 4, da Constituição portuguesa, que prevê “ quando a segurança<br />

jurídica, razões <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> ou interesse público <strong>de</strong> excepcional relevo, que <strong>de</strong>verá ser fundamentado, o exigirem,<br />

po<strong>de</strong>rá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou da ilegalida<strong>de</strong> com alcance<br />

mais restrito” . Canotilho e Vital M oreira ao comentarem o citado dispositivo, advertem que “ao perm itir que o<br />

TC proceda à limitação <strong>de</strong> efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou ilegalida<strong>de</strong>, a Constituição permite-<br />

lhe manipular com certa amplitu<strong>de</strong> os efeitos das sentenças, abrindo-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercer po<strong>de</strong>res<br />

ten<strong>de</strong>ncialmente normativos, em bora vinculados aos pressupostos objectivos <strong>constitucional</strong>mente fixados (se-<br />

gurançajurídica, razões <strong>de</strong> equida<strong>de</strong> ou interesse público <strong>de</strong> excepcional re levo )” - (C A N O TILH O , J. J. Gomes;<br />

M O REIRA,V ital. Constituição... Op. cit. p. 1.042).


778 Direito Constitucional • Moraes<br />

• requisito material: presença <strong>de</strong> razões <strong>de</strong> segurança jurídica o u <strong>de</strong> excepcional<br />

interesse social.<br />

Em relação à amplitu<strong>de</strong> dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, excepcionalm<br />

ente, o Suprem o Tribunal F e<strong>de</strong>ral p o d erá afastar a regra geral no sentido dos efeitos<br />

gerais (erga omnes), p a ra afastar a incidência <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão em relação a algum as<br />

situações já consolidadas (garan tia d a segurança ju ríd ic a ), o u ainda p ara limitar, total ou<br />

parcialm ente, os efeitos tem porais d a <strong>de</strong>claração ( extu n c ) o u os efeitos repristinatórios<br />

d a <strong>de</strong>cisão, <strong>de</strong>clarando a v alid ad e d e alguns atos praticados na vigência da norm a ( “m o­<br />

dulação dos efeitos”) . 1<br />

Em relação aos limites temporais da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>12 tem os a<br />

seguinte situação:3<br />

• REGRA: efeitos ex tunc, ou seja, retroativos. N ão h á necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m anifestação<br />

expressa sobre esses efeitos, pois a retroativida<strong>de</strong> é a regra em nosso <strong>direito</strong><br />

<strong>constitucional</strong>.4<br />

• P R IM E IR A E X C E Ç Ã O :5 efeitos ex nunc, o u seja, n ão retroativos, a p a rtir d o<br />

trânsito em ju lg a d o d a <strong>de</strong>cisão em sed e d e ação direta d e in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fixados por 2 / 3 dos Ministros do STF;<br />

1 Observe-se, que o STF enten<strong>de</strong> ser possível a utilização <strong>de</strong> embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração para fins <strong>de</strong> modulação<br />

dos efeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão proferida em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ficando seu acolhimento condicionado,<br />

entretanto, à existência <strong>de</strong> pedido formulado nesse sentido na petição inicial (STF - Pleno - ADI 2791 ED/<br />

PR, Rei. orig. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Rei. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 22-4-2009). Excepcionalmente,<br />

porém, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admitiu embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração para aplicar a modulação dos efeitos em<br />

<strong>de</strong>cisão proferida em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, mesmo sem pedido formulado na petição inicial<br />

(STF - Pleno - ADI 3.601 ED/DF, Rei. Min. Dias Toffoli, 9-9-2010). Excepcionalmente, em face do princípio da<br />

segurança jurídica, o STF enten<strong>de</strong> possível a “modulação dos efeitos” no controle <strong>de</strong> não recepção <strong>de</strong> norma<br />

anterior ao or<strong>de</strong>namento jurídico (STF - RE 600885/RS - Rei. Min. Carmen Lúcia) e também no controle difuso<br />

(STF - Pleno - RE 500171 ED/GO - Rei. Ricardo Lewandowski, <strong>de</strong>cisão: 16-3-2011).<br />

2 STF, ADI 2797 ED/DF, Rei. orig. Min. Menezes Direito, red. p/Acórdão Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 17-5-2012,<br />

Informativos STF nos 664 e 665. Em relação à possibilida<strong>de</strong> do STF analisar a modulação <strong>de</strong> efeitos em face <strong>de</strong><br />

pedido feito pela Tribuna logo após o término do julgamento da ADI: STF - Pleno - ADI 4414/AL - Rei. Min.<br />

LuizFux, <strong>de</strong>cisão: 30 e 31-5-2012.<br />

3 Conferir importante análise do Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s sobre a possibilida<strong>de</strong> da aplicação da limitação<br />

temporal <strong>de</strong> efeitos no sistema difuso (STF - Pleno - medida cautelar - Ação Cautelar na 189-7/SP - Rei. Min.<br />

Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção I, 15 abr. 2004, p. 14). Verificar, ainda, item 10.9 nesse capítulo.<br />

4 STF-Pleno - ADI4140/GO-Rel. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 29-6-2011; STF - Pleno - ADI 2.996-ED-Rel.<br />

Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção 1,16 março 2007; STF-AI4S7.766-AgR-Rel. Min. Ricardo<br />

Lewandowski, Diário da Justiça, Seção I, 11 maio 2007.<br />

5 Nos termos do artigo 27 da Lei 9.868/99, o Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, analisando a extensão da eficácia da<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, propôs ao Plenário a concessão <strong>de</strong> efeitos ex nunc em relação à in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da Lei nQ11.183/98 do Rio Gran<strong>de</strong> do Sul. Votaram pela concessão <strong>de</strong> efeitos não retroativos (ex<br />

nunc) os ministros Gilmar Men<strong>de</strong>s, ErosGrau, CezarPeluzo, Celso <strong>de</strong> Mello, Carlos Velloso, Ellen Graciee Nelson<br />

Jobim. Pela concessão <strong>de</strong> efeitos retroativos (extunc), os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa, Sepúlveda<br />

Pertence e Carlos Ayres Britto. Dessa forma, não se atingiu o quorum legal <strong>de</strong> 2/3 dos Ministros (STF - Pleno<br />

- Adin nfi 3.522/RS - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão 25-11-2005). Após essa primeira tentativa, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral obteve quorum legal para a concessão <strong>de</strong> efeitos ex nunc em outras ações: STF - Pleno - ADI n°<br />

3615/PB-Rel. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - Informativo STF nQ438, Seção I, p. 1.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 7 9<br />

• SEGUNDA EXCEÇÃO: efeitos a partir <strong>de</strong> qualquer momento escolhido pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que fixados por 2/3 <strong>de</strong> seus Ministros. Essa<br />

hipótese <strong>de</strong> restrição temporal dos efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> inconstitucio<br />

nalida<strong>de</strong> tem limites lógicos que <strong>de</strong>verão ser expressamente previstos pelo<br />

Tribunal, afastando os tradicionais efeitos retroativos (extunc) da <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Note-se que Allan Brewer-Cariás aponta a tendência<br />

contemporânea na América Latina <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> efeitos ex nunc ao controle<br />

concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, em face das inúmeras repercussões fáticas<br />

<strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo,<br />

afirmando que “o princípio geral em relação aos efeitos temporais das <strong>de</strong>cisões<br />

adotadas em matéria <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis, é que essas<br />

têm efeitos gerais, erga omnes, dado seu caráter anulatório, então somente tem<br />

efeitos constitutivos, ex nunc, pro futuro; é dizer, não tem efeitos retroativos”.<br />

O autor aponta nesse sentido: Panamá, México, Colômbia, Guatemala, Bolívia,<br />

Venezuela, Peru e Equador.1<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral admite a prospeção dos efeitos como verda<strong>de</strong>iro “apelo<br />

ao legislador”, que <strong>de</strong>verá, em prazo fixado pela Corte, editar nova norma, que revogará<br />

aquela <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>, mas cuja vigência foi mantida pela modulação dos<br />

efeitos <strong>de</strong>terminada por 2/3 dos Ministros do Tribunal (.“in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem pronúncia<br />

<strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>”).<br />

Trata-se <strong>de</strong> opção interpretativa excepcional fundada em razões <strong>de</strong> segurança jurídica<br />

e interesse social, cuja finalida<strong>de</strong> é evitar a ocorrência <strong>de</strong> maiores danos sociais com a retroativida<strong>de</strong><br />

da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Conforme ensina o Ministro Gilmar<br />

Men<strong>de</strong>s, “razões <strong>de</strong> segurança jurídica po<strong>de</strong>m obstar à revisão do ato praticado com base<br />

na lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>. Nessas hipóteses, avalia-se, igualmente, que, tendo em<br />

vista razões <strong>de</strong> segurança jurídica, a supressão da norma po<strong>de</strong>rá ser mais danosa para o<br />

sistema do que a sua preservação temporária. Não há negar, a<strong>de</strong>mais, que aceita a i<strong>de</strong>ia<br />

da situação ‘ainda <strong>constitucional</strong>’, <strong>de</strong>verá o Tribunal, se tiver que <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da norma, em outro momento, fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada”.12<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta, vem aplicando costumeiramente<br />

essa modulação, tendo <strong>de</strong>clarado a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem pronúncia <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da<br />

lei impugnada, com a consequente <strong>de</strong>claração do Congresso Nacional em mora e fixando<br />

prazo <strong>de</strong> manutenção da vigência e eficácia da lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> (efeitos pro<br />

futuro),3 ora <strong>de</strong> 60 dias, ora <strong>de</strong> 18 ou 24 meses, para que a situação legal pu<strong>de</strong>sse ser regularizada.4<br />

Conforme ainda salientado pelo Ministro Gilmar Men<strong>de</strong>s, “o que importa assinalar<br />

é que, segundo a interpretação aqui preconizada, o princípio da nulida<strong>de</strong> somente há<br />

<strong>de</strong> ser afastado se se pu<strong>de</strong>r <strong>de</strong>monstrar, com base numa pon<strong>de</strong>ração concreta, q ue a <strong>de</strong>claração<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ortodoxa envolvería o sacrifício da segurança jurídica ou<br />

1 GARCIA BELAUNDE, Domingo; FERNANDEZ SEGADO, Francisco. La jurisdicción <strong>constitucional</strong> en Iberoamerica.<br />

Madri: Dykinson, 1997. p. 156.<br />

2 STF-AC 189/SP-Rel. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção 1,15 abr. 2004,p. 14.<br />

3 STF - Pleno - ADI n2 3.458/GO - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 21-2-2008.<br />

4 STF - Pleno - ADI n“ 2.240/BA - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 9-5-2007. Informativo STF n° 466; STF- Pleno<br />

- ADI n° 3.316/MT e ADI 3.689/PA - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 9-5-2007.


780 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> outro valor <strong>constitucional</strong> materializável sob a forma <strong>de</strong> interesse social”, para concluir<br />

que “a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e, portanto, da nulida<strong>de</strong> da lei instituidora <strong>de</strong><br />

uma nova entida<strong>de</strong> fe<strong>de</strong>rativa, o Município, constitui mais um <strong>de</strong>ntre os casos - como os<br />

anteriormente citados, retirados <strong>de</strong> exemplos do <strong>direito</strong> comparado - em que as consequências<br />

da <strong>de</strong>cisão tomada pela Corte po<strong>de</strong>m gerar um verda<strong>de</strong>iro caos jurídico”.1<br />

Essa inovação do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em termos <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, adotou postura austríaca, difundida posteriormente pelo Tribunal<br />

Constitucional Fe<strong>de</strong>ral Alemão, pela qual o acórdão do Tribunal Constitucional po<strong>de</strong>rá,<br />

excepcionalmente, e presente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação da segurança jurídica,<br />

autorizar um prazo, no máximo, <strong>de</strong> 18 meses, para que o Parlamento edite uma lei em<br />

substituição daquela <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>.12 Cappelletti salientou que “a Corte Constitucional<br />

austríaca tem, <strong>de</strong> resto, o po<strong>de</strong>r discricionário <strong>de</strong> dispor que a anulação da lei<br />

opere somente a partir <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>terminada data posterior à publicação (Kundmachung)<br />

<strong>de</strong> seu pronunciamento”.3<br />

Esse posicionamento exprime preocupação com a segurança jurídica, pois os efeitos da<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>verão, normalmente, ser somente profuturo, não<br />

afetando, imediatamente, atos realizados com fundamento na lei, antes que principiasse a<br />

eficácia da invalidação,4 pois, conforme salientava Hans Kelsen, “uma norma jurídica, em<br />

regra, somente é anulada com efeitos para o futuro, <strong>de</strong> forma que os efeitos já produzidos<br />

que <strong>de</strong>ixar para trás permaneçam intocados”.5<br />

Ressalte-se, porém, que diferentemente do mo<strong>de</strong>lo austríaco, on<strong>de</strong> a regra é a não<br />

retroativida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>claração (efeitos ex nunc) e a exceção é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão<br />

prospectiva ou efeitos pro futuro, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos, em virtu<strong>de</strong> da tradição <strong>de</strong> retroativida<strong>de</strong><br />

da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no Brasil (efeitos ex tunc) e das peculiarida<strong>de</strong>s<br />

nacionais quanto ao número <strong>de</strong> ações diretas proce<strong>de</strong>ntes e consequente omissão do<br />

legislador em editar nova norma no prazo fixado pelo STF, que essa hipótese <strong>de</strong>ve ser<br />

utilizada <strong>de</strong> maneira excepcionalíssima, sob pena <strong>de</strong> perpetuação da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Relembre-se que isso ocorreu no julgamento da medida liminar na ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão (ADO) 23,6 on<strong>de</strong> foi concedida medida liminar pelo<br />

Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício da Presidência durante o recesso <strong>de</strong> janeiro,<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> mora do Congresso Nacional em regulamentar, por lei complementar, nos<br />

termos do artigo 161, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral a entrega <strong>de</strong> recursos e os critérios <strong>de</strong><br />

rateio do Fundo <strong>de</strong> Participação dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (FPE), uma vez que,<br />

em julgamento anterior, ocorrido em 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010 (ADIs 875,1.987, 2.727 e<br />

3.243), o STF <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversos dispositivos da LC na 62/89,<br />

1 STF - Pleno - ADI n23.489-9/SC. Conferir íntegra do voto no Informativo STF n2467.<br />

2 O prazo anterior <strong>de</strong> um ano foi substituído pela nova redação do art. 140.5 da Constituição austríaca (Cf.<br />

LLORENTE, Francisco Rubio; PELAEZ, Mariana Darana. Constituiáones... op. cit. p. 94).<br />

3 CAPPELLETTI, Mauro. O controle... op. cit. p. 116.<br />

4 Cf. estudo sobre o Tribunal Constitucional Austríaco: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Jurisdição <strong>constitucional</strong> e<br />

tribunais constitucionais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115-135.<br />

5 KELSEN, Hans. Teoria... op. cit. p. 293.<br />

6 STF, ADO 23 MC/DF, Rei. Min. Dias Toffoli, DJe-022, 31-1-2013.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 8 1<br />

modulando os efeitos <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão e <strong>de</strong>terminando sua aplicação até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro<br />

<strong>de</strong> 2012; prazo em que o Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong>veria editar nova Lei complementar.<br />

Transcorrido esse prazo, para que não houvesse situação <strong>de</strong> anomia jurídica em<br />

virtu<strong>de</strong> da inércia do Legislativo, foi concedida liminar em ADO para esten<strong>de</strong>r o prazo<br />

anteriormente fixado por meio <strong>de</strong> modulação dos efeitos da ADI, prorrogando-se por mais<br />

150 dias, período em que <strong>de</strong>terminou-se a permanência da vigência dos dispositivos da<br />

lei complementar anteriormente <strong>de</strong>clarados inconstitucionais.<br />

A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem pronúncia <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> com manutenção<br />

da vigência da lei por <strong>de</strong>terminado prazo até edição <strong>de</strong> nova norma pelo Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

po<strong>de</strong>rá acarretar a perpetuação ad eterno <strong>de</strong> norma in<strong>constitucional</strong> pela inércia legislativa<br />

e pela possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> medida liminar em ADO.<br />

A Lei nQ9.868/99 também previu, expressamente, que a <strong>de</strong>claração<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a<br />

<strong>de</strong>claração parcial <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem redução <strong>de</strong> texto, têm efeitos vinculantes<br />

em relação aos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e à Administração Pública fe<strong>de</strong>ral, estadual e<br />

municipal.<br />

Dessa forma, seguindo a orientação da EC na 03, <strong>de</strong> 17 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1993, que instituiu<br />

efeitos vinculantes à ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,1 a nova lei previu o<br />

obrigatório respeito das <strong>de</strong>cisões do STF, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Essa previsão foi <strong>constitucional</strong>izada com a edição da EC nQ45/04, que, alterando a<br />

redação do § 2a, do art. 102, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, estabeleceu eficácia contra todos<br />

e efeito vinculante, relativamente aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e à administração<br />

pública direta e indireta, nas esferas fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, para as <strong>de</strong>cisões<br />

<strong>de</strong>finitivas <strong>de</strong> mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nas ações diretas <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Assim, uma vez proferida a <strong>de</strong>cisão pelo STF, haverá uma vinculação obrigatória12 em<br />

relação a todos os órgãos do Po<strong>de</strong>r Executivo e do Po<strong>de</strong>r Judiciário, que <strong>de</strong>verão pautar<br />

o exercício <strong>de</strong> suas funções na interpretação <strong>constitucional</strong> dada pela Corte Suprema,<br />

afastando-se, inclusive, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle difuso por parte dos <strong>de</strong>mais órgãos<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Os efeitos vinculantes se referem, inclusive, à ratio <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>ndi, para se<br />

evitar qualquer tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito da <strong>de</strong>cisão em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> jurisdição <strong>constitucional</strong>.3<br />

1 Nesse sentido, conferir: MENDES, Gilmar Ferreira. Anteprojeto <strong>de</strong> lei sobre processo e julgamento da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong><br />

e ciência política nQ29. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 24 e ss.<br />

2 Igualmente, o art. 282 da Constituição portuguesa prevê que “a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

ilegalida<strong>de</strong> com força obrigatória geral produz efeitos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a entrada em vigor da norma <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>”<br />

(cf. a respeito: NADAIS, Antonio; VITORJNO, Antônio; CANAS, Vitalino. Lei sobre organização, funcionamento<br />

e processo do tribunal <strong>constitucional</strong>. Lisboa: AAFDL, 1984; CANA, Vitalino. Introdução às <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong><br />

provimento do tribunal <strong>constitucional</strong>: os seus efeitos em particular. Lisboa: Cognitio, 1984).<br />

3 Conferir nesse sentido extensa análise do <strong>direito</strong> comparado: MORAES, Alexandre <strong>de</strong>. Constituição do Brasil interpretada<br />

e legislação <strong>constitucional</strong>. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2013, item 27.5. Importante, ainda, analisar a transcendência<br />

dos motivos <strong>de</strong>terminantes que dão suporte ao julgamento inabstracto <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

(STF - Reclamação nQ2.986/SE - medida cautelar- Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Informativo STF nQ379, p. 4).


782 Direito Constitucional • Moraes<br />

O obiter dictum, por sua vez, “não integra o dispositivo da <strong>de</strong>cisão, nem se sujeita ao<br />

efeito vinculante”.1<br />

Enten<strong>de</strong>mos que os efeitos vinculantes somente se aplicam ao legislador em duas<br />

hipóteses: (a) não po<strong>de</strong>rá editar norma <strong>de</strong>rrogatória da <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral; (b) estará impedido <strong>de</strong> editar normas que convali<strong>de</strong>m os atos nulos praticados<br />

com base na lei <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>.12 Em ambas as hipóteses estará flagrante a<br />

intenção do legislador em limitar total ou parcialmente a <strong>de</strong>cisão da Corte.<br />

Não será possível, porém, a vinculação do Legislador em relação ao mérito da matéria<br />

<strong>de</strong>cidida pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, uma vez que po<strong>de</strong>rá editar novas normas com<br />

objeto oposto ao <strong>de</strong>cidido pela Corte Suprema, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua absoluta liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

criação legislativa, garantindo-se, <strong>de</strong>ssa forma, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> evolução. Dessa forma,<br />

caso o Congresso Nacional edite nova lei disciplinando matéria <strong>de</strong> maneira conflituosa<br />

com entendimento anterior do STF, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado - seja por repetir<br />

lei anterior, seja por redigir entendimento muito semelhante - caberá ao Supremo, caso<br />

provocado novamente, reanalisar a matéria, no sentido <strong>de</strong> sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Os efeitos vinculantes não <strong>de</strong>vem ser aplicados ao legislador no tocante à possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> edição <strong>de</strong> novas normas com preceitos semelhantes ou idênticos aos <strong>de</strong>clarados<br />

inconstitucionais, uma vez que, nessas hipóteses, haverá a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nova análise<br />

da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da matéria pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, possibilitando uma evolução<br />

ou a<strong>de</strong>quação às novas condições jurídicas, sociais e políticas. A ausência <strong>de</strong> efeitos<br />

vinculantes ao Legislador possibilita o dinamismo interpretativo e a constante adaptação<br />

e mutação <strong>constitucional</strong>,3 não sendo possível, portanto, limitar o processo legislativo em<br />

virtu<strong>de</strong> dos efeitos vinculantes <strong>de</strong>rivados do controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> maneira a impedir a tramitação e votação <strong>de</strong> projeto <strong>de</strong> lei contrário ao entendimento<br />

do STF em <strong>de</strong>terminada matéria.4<br />

Não foi outro, o entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, pelo qual os efeitos vinculantes<br />

não se aplicam ao Po<strong>de</strong>r Legislativo, pois isso “afetaria a relação <strong>de</strong> equilíbrio entre<br />

o tribunal <strong>constitucional</strong> e o legislador, reduzindo o último a papel subordinado perante<br />

o po<strong>de</strong>r incontroláveldo primeiro, acarretando prejuízo do espaço <strong>de</strong>mocrático representativo<br />

da legitimida<strong>de</strong> política do órgão legislativo, bem como criando mais um fator <strong>de</strong><br />

resistência a produzir o inaceitável fenômeno da chamada fossilização da Constituição”.5<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral fixou novo entendimento em relação à sua vinculação<br />

em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> jurisdição <strong>constitucional</strong>. A vinculação do próprio Pretório Excelso aos seus<br />

1 STF -Pleno - Rcl2475/MG - Agravo Regimental - Rei. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 2-8-2007.<br />

Informativo STF n° 474.<br />

2 Nesse sentido: GARCIA BELAUNDE, Domingo; FERNANDEZ SEGADO, Francisco. Lajurisdicdón <strong>constitucional</strong><br />

en Iberoamerica. Madri: Dykinson, 1997. p. 669 e CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição...<br />

Op. cit. p. 1.044.<br />

3 A realida<strong>de</strong> da Jurisdição Constitucional brasileira e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação e pon<strong>de</strong>ração entre a<br />

ativida<strong>de</strong> do STF e o Congresso Nacional nos fizeram melhor refletir sobre essa questão a partir da 30â edição.<br />

4 Cf. STF, Rcl 14156 MC/AP, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, D J e <strong>de</strong> 5-4-2013.<br />

5 STF - Pleno - Rcl 2617 AgR/MG - Rei. Min. Cezar Peluso - Informativo STF n“377 e Informativo STF na 386;<br />

STF - Rcl 5442/PE - Medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 31-8-07. Informativo STF n“ 477; RTJ<br />

157/773; RTJ 193/858; RTJ 150/726-727; RTJ 187/150.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 783<br />

julgados, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado, era o entendimento pacificado pelo Tribunal,<br />

por enten<strong>de</strong>r que, na análise concentrada da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos,<br />

não estaria o STF vinculado à causa <strong>de</strong> pedir, tendo pois cognição plena da matéria,<br />

e, portanto, po<strong>de</strong>ndo examinar e esgotar todos os seus aspectos constitucionais.1<br />

Esse posicionamento foi alterado pela nova composição plenária do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que<br />

“embora salientando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> motivação idônea, crítica e consciente para<br />

justificar eventual reapreciação <strong>de</strong> uma questão já tratada pela Corte, concluiu no<br />

sentido <strong>de</strong> admitir o julgamento das ações diretas, por consi<strong>de</strong>rarque o efeito vincu<br />

lante previsto no § 2- do art. 102 da CF não condiciona o próprio STF, limitando-se<br />

aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e ao Po<strong>de</strong>r Executivo, e que, no caso, ficou<br />

<strong>de</strong>monstrada a distinção entre os dispositivos impugnados”.12<br />

A vinculação obrigatória ocorrerá nas quatro seguintes situações:<br />

• procedência da ação: a norma foi <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>, com os efeitos já<br />

estudados acima;<br />

• improcedência da ação: a norma foi <strong>de</strong>clarada <strong>constitucional</strong>, permanecendo<br />

no or<strong>de</strong>namento jurídico;<br />

• interpretação conforme a Constituição: Conferiritem 10.9.1, nesse capítulo;<br />

• <strong>de</strong>claração parcial <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem redução do texto: Conferir item<br />

10.9.2, nesse capítulo;<br />

• A interpretação <strong>constitucional</strong> e o ativismo judicial (Neo<strong>constitucional</strong>ismo e<br />

Positivismo): Conferir item 10.9.3, nesse capítulo.<br />

Essa vinculaçãoobrigatória <strong>de</strong>corre da própria racionalida<strong>de</strong> do sistema concentrado<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,3 on<strong>de</strong> compete ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por força da escolha<br />

política realizada pelo legislador constituinte originário, a guarda da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 STF - l aT. -Agravo <strong>de</strong> Instrumento n2174.811-7/RS - Rei. Min. Moreira Alves,Diário da Justiça, Seção 1,2<br />

maio 1996, p. 13.770.0 Direito brasileiro seguia o mesmo posicionamento do Ttibunal Constitucional Português,<br />

que <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>cidir todos os <strong>de</strong>mais casos pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> acordo com sua <strong>de</strong>claração abstrata <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

(CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito... Op. cit. p. 900).<br />

2 STF-Pleno-Adinn22.675/PE-Rel. Min. Carlos Velloso,<strong>de</strong>cisão: 26-11-2003e STF-Pleno-Adin n22.777/<br />

SP-Rei. Min. CezarPeluzo, <strong>de</strong>cisão: 27-11-2003. Informativo STFn2 331.0 STF adotou posição semelhante ao<br />

Tribunal Constitucional Fe<strong>de</strong>ral Alemão, que não está vinculado a suas próprias <strong>de</strong>cisões, po<strong>de</strong>ndo alterar sua<br />

jurisprudência <strong>constitucional</strong>, <strong>de</strong>vendo, porém, fixar o momento <strong>de</strong>ssa alteração (SCHLAIH, Klaus. El tribunal<br />

<strong>constitucional</strong> fe<strong>de</strong>ral alemán. In: Vários autores. Tribunales <strong>constitucional</strong>es europeus y<strong>de</strong>rechosfundamentales.<br />

Madri: Centro <strong>de</strong> Estúdios Constitucionales, 1984. p. 210).<br />

3 Nesse sentido, Fernan<strong>de</strong>z Segado aponta que “a racionalida<strong>de</strong> do sistema concentrado <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

implica que a <strong>de</strong>cisão ditada pela Corte Constitucional, atuando como juiz <strong>constitucional</strong>, tenha<br />

efeitos gerais -ergaom nes -, <strong>de</strong> tal modo que a norma tachada <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong> seja anulada e não possa<br />

aplicar-se nem para resolução do caso concreto, nem a nenhum outro”, concluindo, ao analisar os efeitos da<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> proferida pelo Tribunal Constitucional Espanhol, que "as condutas jurídicas<br />

realizadas pelos <strong>de</strong>mais po<strong>de</strong>res <strong>de</strong>vem estar em conformida<strong>de</strong> com a solução dada ao caso <strong>de</strong> inconstitucio-


784 Direito Constitucional • Moraes<br />

Assim, uma vez que interprete a norma <strong>constitucional</strong> abstratamente, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a Corte Suprema <strong>de</strong>fine seu significado e alcance,<br />

que <strong>de</strong>verá ser respeitado por todos os <strong>de</strong>mais órgãos estatais, sob pena <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito à<br />

sua função <strong>constitucional</strong>.1<br />

Importante, nesse sentido, lembrar a lição <strong>de</strong> Thomas Cooley, ao <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a força<br />

obrigatória dos prece<strong>de</strong>ntes da Corte Suprema norte-americana em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> jurisdição<br />

<strong>constitucional</strong>, quando afirma que “os diversos <strong>de</strong>partamentos governamentais são iguais<br />

em dignida<strong>de</strong> e autorida<strong>de</strong>, que é coor<strong>de</strong>nada, não po<strong>de</strong>ndo nenhum <strong>de</strong>les submeter à<br />

outra a sua jurisdição, nem privar <strong>de</strong> qualquer porção <strong>de</strong> seu po<strong>de</strong>r <strong>constitucional</strong>. Mas<br />

o po<strong>de</strong>r judiciário é a autorida<strong>de</strong> suprema na interpretação da Constituição e na interpretação<br />

das leis, e as suas interpretações <strong>de</strong>vem ser aceitas e observadas pelos outros<br />

<strong>de</strong>partamentos... Suas sentenças tornam-se leis do país nos pontos <strong>de</strong>cididos por eles, e<br />

a <strong>de</strong>sobediência ou <strong>de</strong>satenção que sofram, tanto <strong>de</strong> um simples particular como <strong>de</strong> um<br />

funcionário público, produzirá nova controvérsia que em última instância virá a ser <strong>de</strong>cidida<br />

da mesma maneira pelo po<strong>de</strong>r judiciário”.*12<br />

10.9-B Efeitos repristinatórios<br />

Por fim, a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou atos normativos, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, acarreta os <strong>de</strong>nominados efeitos repristinatórios,3<br />

uma vez que a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> sua nulida<strong>de</strong> torna sem efeito a antiga revogação que produzira,<br />

ou seja, a lei anterior supostamente revogada por lei in<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong>clarada<br />

nula com efeitos retroativos (ex tunc) jamais per<strong>de</strong>u sua vigência, não sofrendo solução<br />

<strong>de</strong> continuida<strong>de</strong>.4<br />

Importante ressaltar a diferença entre repristinação e efeitos repristinários.<br />

Na repristinação, ocorre o retorno <strong>de</strong> vigência <strong>de</strong> lei anteriormente revogada pela<br />

revogação <strong>de</strong> sua lei revogadora, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, nos termos do art. 2S, § 3S, da Lei <strong>de</strong> Intronalida<strong>de</strong>”<br />

(GARCIA BELAUNDE, Domingo; FERNANDEZ SEGADO, Francisco. La jurisdicción <strong>constitucional</strong> en<br />

Iberoamerica. Madri: Dykinson, 1997. p. 381 e 671).<br />

1 O STF <strong>de</strong>clarou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 28 da Lei n2 9.868, que prevê os efeitos vinculantes das ações<br />

diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (Reclamação - AgR - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - n2 1.880/SP - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 6-11-2002. Informativo STF, n“ 289). Em relação à aplicabilida<strong>de</strong> dos efeitos vinculantes, conferir:<br />

STF - AI n2 461.289-4/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção I, 2 set. 2003, p. 46; STF<br />

- Pleno - AgRg na Recl. n2 2.143-2 SP-Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 6jun. 2003, p. 30.<br />

2 COOLEY, Thomas. Princípios gerais <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> dos Estados Unidos da América do Norte. 2. ed.<br />

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, p. 165 e 166.<br />

3 Conferir ampla análise do efeito repristinatório na jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral no voto do<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello: STF - ADI n2 2.215/PE - MC - <strong>de</strong>cisão: 17-4-2001, Informativo STF n2 224. Conferir,<br />

ainda: STF - Pleno - ADI n2 3.660/MS - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 13-3-2008; STF - ADI n2 3.368-9/<br />

DF - Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção I, 5 abr. 2005, p. 50.<br />

4 STF-Pleno-AD I n22.867/ES-Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário d a Justiça, Seção 1,9 fev. 2007, p. 16, STF<br />

- Pleno - Adin n2 2.883/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - Informativo S TFn2 438, Seção<br />

I, p. 1; STF - Pleno - Adin n2 2.760/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - Informativo STF n2<br />

438, Seção I, p. 2.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 785<br />

dução ao Código Civil, houver expressa previsão (conferir Capítulo 11, item 2.1). Dessa<br />

forma, a lei anterior volta a ter vigência somente a partir da revogação <strong>de</strong> sua lei revogadora.<br />

Exemplificando: Se a Lei A for revogada pela Lei B, em I a <strong>de</strong> janeiro, sendo esta,<br />

posteriormente, revogada pela Lei C, que expressamente prevê a repristinação, em 30 <strong>de</strong><br />

julho, haverá retomo da vigência da Lei A somente nessa data <strong>de</strong> 30 <strong>de</strong> julho.<br />

Diversamente, nos efeitos repristinatórios da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, se a<br />

lei revogadora foi <strong>de</strong>cretada nula e, consequentemente, jamais teve a força <strong>de</strong> revogar a lei<br />

anterior, essa manteve sua vigência permanente. Exemplificando: Se a Lei A for revogada<br />

pela Lei B, em I a <strong>de</strong> janeiro, sendo esta, posteriormente, <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong> pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em 30 <strong>de</strong> julho, não haverá solução<strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> na vigência<br />

da Lei A, que manterá sua vigência inclusive no período com preendido entre 1a <strong>de</strong> j aneiro<br />

e 30 <strong>de</strong> julho, em virtu<strong>de</strong> dos efeitos ex tunc da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Anote-se, por fim, o posicionamento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em afastar o <strong>de</strong>nominado<br />

efeito repristinatório in<strong>de</strong>sejado, ou seja, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manter norma anterior<br />

também in<strong>constitucional</strong> pela <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> norma posterior.<br />

No exemplo acima, se ambas as leis fossem inconstitucionais, tanto a Lei A quanto a Lei B,<br />

haveria necessida<strong>de</strong> - para que o STF <strong>de</strong>clarasse a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei B -, que<br />

o autor da ação pleiteasse, também, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Lei A, para que esta não<br />

permanecesse no or<strong>de</strong>namento jurídico com a mácula <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong>.<br />

Conforme apontado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, em relação ao efeito repristinatório<br />

in<strong>de</strong>sejado, há “necessida<strong>de</strong>, em tal hipótese, <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> pedidos sucessivos <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> tanto do diploma ab-rogatório quanto das normas<br />

por ele revogadas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que também eivadas do vício da ilegitimida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>.<br />

Ausência <strong>de</strong> impugnação, no caso, do diploma legislativo cuja eficácia restaurar-se-ia em<br />

função do efeito repristinatório. Hipótese <strong>de</strong> incognoscibilida<strong>de</strong> da ação direta”,1uma vez<br />

que, como ressaltado pelo Ministro Eros Grau, “o entendimento é que na ação direta que<br />

vislumbre a impugnação <strong>de</strong> preceito modificador do originário, expressamente conflitante<br />

com a Constituição do Brasil, o requerente <strong>de</strong>ve necessariamente pleitear a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ambos, sob pena <strong>de</strong> a ação ser consi<strong>de</strong>rada incabível, consoante reiterados<br />

prece<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta Corte”.12<br />

1 0 .9 .1 In te rp re ta çã o co n fo rm e a C o n s titu iç ã o<br />

A supremacia das normas constitucionais no or<strong>de</strong>namento jurídico e a presunção <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos normativos editados pelo po<strong>de</strong>r público competente<br />

exigem que, na função hermenêutica <strong>de</strong> interpretação do or<strong>de</strong>namento jurídico, seja sempre<br />

concedida preferência ao sentido da norma que seja a<strong>de</strong>quado à Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Assim sendo, no caso <strong>de</strong> normas com várias significações possíveis, <strong>de</strong>verá ser encontrada<br />

1 STF - Pleno -A din n Q2.215 - medida cautelar-Rel. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário d a J u s tiç a , Seção 1,26 abril<br />

2001.<br />

2 STF-Adin n“ 3.368-9/DF -Rei. Min. Eros Grau, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,5 abr. 2005, p. 50. Conferir, ainda:<br />

STF - Pleno - ADI nQ2883/DF - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - I n f o r m a t iv o S T F nQ438; STF -<br />

Pleno - ADI n° 2760/DF - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - I n f o r m a t iv o S T F nQ438.


786 Direito Constitucional • Moraes<br />

a significação que apresente conformida<strong>de</strong> com as normas constitucionais, evitando sua<br />

<strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e consequente retirada do or<strong>de</strong>namento jurídico.<br />

Extremamente importante ressaltar que a interpretação conforme a Constituição<br />

somente será possível quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis<br />

com as normas constitucionais e outros não, ou, no dizer <strong>de</strong> Canotilho, “a interpretação<br />

conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão (= espaço <strong>de</strong><br />

interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformida<strong>de</strong> com a<br />

constituição e que <strong>de</strong>vem ser preferidas, e outras em <strong>de</strong>sconformida<strong>de</strong> com ela”.1<br />

Portanto, não terá cabimento a interpretação conforme a Constituição quando contrariar<br />

texto expresso da lei, que não permita qualquer interpretação em conformida<strong>de</strong> com<br />

a Constituição, pois o Po<strong>de</strong>r Judiciário não po<strong>de</strong>rá, substituindo-se ao Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

(leis) ou Executivo (medidas provisórias), atuar como legislador positivo, <strong>de</strong> forma a criar<br />

um novo texto legal. Nessas hipóteses, o Judiciário <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da lei ou do ato normativo incompatível com a Constituição.<br />

A finalida<strong>de</strong>, portanto, <strong>de</strong>ssa regra interpretativa é possibilitar a manutenção no<br />

or<strong>de</strong>namento jurídico das leis e atos normativos editados pelo po<strong>de</strong>r competente que<br />

guar<strong>de</strong>m valor interpretativo compatível com o texto <strong>constitucional</strong>.12<br />

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a técnica da <strong>de</strong>nominada<br />

interpretação conforme “só é utilizável quando a norma impugnada admite, <strong>de</strong>ntre as<br />

várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a CartaMagna, e não quando<br />

o sentido da norma é unívoco”,3 tendo salientado o Ministro Moreira Alves que “em<br />

matéria <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou <strong>de</strong> ato normativo, admite-se, para resguardar<br />

dos sentidos que eles po<strong>de</strong>m ter por via <strong>de</strong> interpretação, o que for <strong>constitucional</strong>mente<br />

legítimo - é a <strong>de</strong>nominada interpretação conforme a Constituição”.4<br />

Para que se obtenha uma interpretação conforme a Constituição, o intérprete po<strong>de</strong>rá<br />

<strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial do texto impugnado, no que se <strong>de</strong>nomina interpretação<br />

conforme com redução do texto, ou, ainda, conce<strong>de</strong>r ou excluir da norma impugnada<br />

<strong>de</strong>terminada interpretação, a fim <strong>de</strong> compatibilizá-la com o texto <strong>constitucional</strong>.<br />

Essa hipótese é <strong>de</strong>nominada interpretação conforme sem redução do texto. Vislumbram-se,<br />

portanto, três hipóteses:<br />

• interpretação conforme com redução do texto: essa primeira hipótese ocorrerá<br />

quando for possível, em virtu<strong>de</strong> da redação do texto impugnado, <strong>de</strong>clarar a<br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada expressão, possibilitando, a partir <strong>de</strong>ssa<br />

exclusão <strong>de</strong> texto, uma interpretação compatível com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 D ir e it o ... Op. cit. p. 230.<br />

2 Nesse sentido, importante o conceito dado pelo Ministro Sepúlveda Pertence: “Interpretação conforme a<br />

Constituição: técnica <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> que encontra o limite <strong>de</strong> sua utilização no raio das<br />

possibilida<strong>de</strong>s hermenêuticas <strong>de</strong> extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição”<br />

(STF - Pleno - Adin na 3.046-9/SP).<br />

3 STF - Pleno - Adin n2 1.344-1/ES - medida liminar-Rei. Min. Moreira Alves, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,19<br />

abr. 1996, p. 12.212.<br />

4 RTJ151/331. Conferir, ainda, a interpretação conforme dada ao Estatuto da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil<br />

(STF - Pleno - Adin n° 1.194-4/DF - Rei. Min. Maurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 14 fev. 1996).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 8 7<br />

Assim, na Adin n° 1.127-8, o STF, liminarmente, suspen<strong>de</strong>u a eficácia da expres<br />

são ou <strong>de</strong>sacato contida no art. 7S, § 2o, do Estatuto da OAB (Lei na 8.906/94),<br />

conce<strong>de</strong>ndo à imunida<strong>de</strong> material dos advogados uma interpretação conforme<br />

o art. 133 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• interpretação conforme sem redução do texto, conferindo à norma impugnada<br />

uma <strong>de</strong>terminada interpretação que lhe preserve a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>: nessas<br />

hipóteses, salienta o Pretório Excelso, “quando, pela redação do texto no qual<br />

se inclui a parte da norma que é atacada como in<strong>constitucional</strong>, não é possível<br />

suprimir <strong>de</strong>le qualquer expressão para alcançar essa parte, impõe-se a utilização<br />

da técnica <strong>de</strong> concessão da liminar para a suspensão da eficácia parcial do texto<br />

impugnado sem a redução <strong>de</strong> sua expressão literal, técnica essa que se inspira na<br />

razão <strong>de</strong> ser da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem redução do texto em<br />

<strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> este permitir interpretação conforme a Constituição” .1O STF<br />

julgou parcialmente proce<strong>de</strong>nte ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> “para<br />

<strong>de</strong>clarar-se in<strong>constitucional</strong> a expressão contida no art. 276, § 2a, da Lei n°<br />

10.098 do Estado do RS, bem como <strong>de</strong>clarar-se que os §§ 3° e 4° <strong>de</strong>sse mesmo<br />

artigo sd são constitucionais com a interpretação que exclua da aplicação <strong>de</strong>les<br />

as funções ou empregos relativos a servidores celetistas que não se submeteram<br />

ao concurso aludido no art. 37, n, da parte permanente da CF, ou referido no<br />

§ I a, art. 19 daADCT”;12<br />

• interpretação conforme sem redução do texto, excluindo da norma impugnada<br />

uma interpretação que lhe acarretaria a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>: nesses casos, o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral excluirá da norma impugnada <strong>de</strong>terminada interpretação<br />

incompatível com a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ou seja, será reduzido o alcance<br />

valorativo da norma impugnada, a<strong>de</strong>quando-a à Carta Magna. Nesse sentido, o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “por votação unânime, <strong>de</strong>feriu, em parte, o pedido <strong>de</strong><br />

medida cautelar, para, sem redução <strong>de</strong> texto e dando interpretação conforme à<br />

Constituição, excluir com eficácia ex tunc, da norma constante do art. 90 da Lei<br />

ne 9.099/9 5, o sentido que impeça a aplicação <strong>de</strong> normas <strong>de</strong> <strong>direito</strong> penal, com<br />

conteúdo mais favorável ao réu, aos processos penais com instrução iniciada à<br />

época da vigência <strong>de</strong>sse diploma legislativo”.3 Assim, “Ainterpretação conforme<br />

é plenamente aceita e utilizada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no sentido <strong>de</strong><br />

dar ao texto do ato normativo impugnado compatibilida<strong>de</strong> com a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, mesmo se necessário for a redução <strong>de</strong> seu alcance.”4 Nesse sentido,<br />

“o Tribunal, por votação majoritária, in<strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> medida cautelar,<br />

para em interpretação conforme a Constituição e sem redução <strong>de</strong> texto, afastar<br />

1 STF-Pleno-Adinn21.344-l/ES-medidaliminar-Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,19<br />

abr. 1996, p. 12.212. No mesmo sentido: STF - Pleno - Adin n2 1.719-9 - medida liminar - Rei. Min. Moreira<br />

Alves, Diário da Justiça, Seção I, 27 fev. 1998, capa.<br />

2 STF - Pleno - Adin n21.150-2/RS - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, 17 abr. 1998, capa.<br />

3 STF - Pleno - Adin n21.719-9 - medida liminar - Rei. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção 1,27 fev.<br />

1998, capa.<br />

4 STF - Adin n2l. 510-9/SC-medida liminar-Rei. Min. Carlos Velloso,Diário da Justiça, Seção 1,25 fev. 1997.


7 8 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

qualquer exegese que inclua, no âmbito <strong>de</strong> compreensão da Lei Complementar nQ<br />

87, <strong>de</strong> 13-9-96, a prestação <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> navegação ou <strong>de</strong> transporte aéreo”.1<br />

1 0 . 9 .2 D e c la ra ç ã o d e in c o n s titu c io n a lid a d e p a rc ia l s e m re d u çã o d e texto<br />

A <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto po<strong>de</strong> ser utilizada<br />

como um mecanismo para atingir-se uma interpretação conforme a Constituição e,<br />

<strong>de</strong>ssa forma, preservar-se a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou do ato normativo, excluindo-se<br />

algumas <strong>de</strong> suas interpretações possíveis.<br />

Apesar da doutrina apontar as diferenças entre a interpretação conforme à Constituição<br />

- que consiste em técnica interpretativa - e a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

parcial sem redução <strong>de</strong> tex to - que configura técnica <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão judicial - enten<strong>de</strong>mos que<br />

ambas as hipóteses se completam, <strong>de</strong> forma que diversas vezes para se atingir uma interpretação<br />

conforme a Constituição, o intérprete <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>clarar a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

algumas interpretações possíveis do texto legal, sem contudo alterá-lo gramaticalmente.12<br />

Bry<strong>de</strong>, citado por Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s, aponta a diferença teórica entre as duas<br />

espécies, sem porém recusar suas semelhanças quanto aos efeitos, bem como o fato do<br />

Tribunal Constitucional alemão utilizar-se da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial<br />

sem redução <strong>de</strong> texto, como instrumento para atingir-se uma interpretação conforme<br />

a Constituição. Assim, afirma Bry<strong>de</strong> que “ Seria admissível que o Tribunal censurasse<br />

<strong>de</strong>terminada interpretação por consi<strong>de</strong>rá-la in<strong>constitucional</strong>. Isto resultaria, porém, da<br />

proximida<strong>de</strong> entre a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> sem redução <strong>de</strong> texto e a interpretação<br />

conforme à Constituição. A semelhança <strong>de</strong> efeitos dos dois instrumentos não altera<br />

a fundamental diferença existente entre eles. Eles somente po<strong>de</strong>ríam ser i<strong>de</strong>ntificados se<br />

se consi<strong>de</strong>rasse a interpretação conforme à Constituição não como regra normal <strong>de</strong> hermenêutica,<br />

mas como um expediente <strong>de</strong>stinado a preservar leis inconstitucionais. Não se<br />

tem dúvida, outrossim, <strong>de</strong> que a Corte Constitucional utiliza muitas vezes a interpretação<br />

conforme à Constituição com esse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato. É certo, também, que, nesses casos, mais<br />

a<strong>de</strong>quada seria a pronúncia da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto. Se<br />

utilizada corretamente, a interpretação conforme à Constituição nada mais é do que interpretação<br />

da lei (Gesetzesauslegung), uma vez que qualquer intérprete está obrigado a<br />

interpretar a lei segundo as <strong>de</strong>cisões fundamentais da Constituição”.3<br />

Ressalte-se, ainda, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, conforme verificado no item<br />

anterior, utiliza-se da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto<br />

como instrumento <strong>de</strong>cisório para atingir-se uma interpretação conforme a Constituição,<br />

1 STF - Pleno - Adin nQ1.600-8/UF - medida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I,<br />

6 fev. 1998, p. 2.<br />

2 Gilmar Men<strong>de</strong>s Ferreira também se refere a essa semelhança, afirmando que “I<strong>de</strong>ntifica-se, assim, uma forte<br />

semelhança entre a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> parcial sem redução <strong>de</strong> texto e interpretação conforme<br />

à Constituição, na qual, como se verá adiante, <strong>de</strong>clara-se, muitas vezes, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas<br />

possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação com a eliminação <strong>de</strong> ampla constelação <strong>de</strong> casos do âmbito <strong>de</strong> aplicação da<br />

norma” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 199).<br />

3 Bry<strong>de</strong>, Verfassungsentwicklung, Stabilitát und Dynamikim Verfassungsrecht <strong>de</strong>rBun<strong>de</strong>srepublikDeutschland,<br />

p. 411, apud MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 228.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 8 9<br />

<strong>de</strong> maneira a salvar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou do ato normativo, sem contudo alterar<br />

seu texto.<br />

1 0 .9 .3 A in te rp re ta çã o c o n s tit u c io n a l e o a tivism o ju d ic ia l<br />

No Brasil, a partir do fortalecimento do Po<strong>de</strong>r Judiciário e da Jurisdição Constitucional<br />

pela Constituição <strong>de</strong> 1988, principalmente pelos complexos mecanismos <strong>de</strong> controle<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e pelo vigor dos efeitos <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões, em especial os efeitos<br />

erga omnes e vinculantes, somados à inércia dos Po<strong>de</strong>res Políticos em efetivar totalmente<br />

as normas constitucionais, vem permitindo que novas técnicas interpretativas ampliem<br />

a atuação jurisdicional em assuntos tradicionalmente <strong>de</strong> alçadas dos Po<strong>de</strong>res Legislativo<br />

e Executivo.<br />

Principalmente, a possibilida<strong>de</strong> do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em conce<strong>de</strong>r interpretações<br />

conforme a Constituição, <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> sem redução <strong>de</strong> texto, e, ainda,<br />

mais recentemente, a partir da edição da Emenda Constitucional nQ45/04, a autorização<br />

<strong>constitucional</strong> para editar, <strong>de</strong> ofício, Súmulas Vinculantes não só no tocante à vigência e<br />

eficácia do or<strong>de</strong>namento jurídico, mas também em relação à sua interpretação, acabaram<br />

por permitir, não raras vezes, a transformação da Corte Suprema em verda<strong>de</strong>iro legislador<br />

positivo, completando e especificando princípios e conceitos in<strong>de</strong>terminados do texto<br />

<strong>constitucional</strong>; ou, ainda, moldando sua interpretação com elevado grau <strong>de</strong> subjetivismo.<br />

O ativismo judicial, expressão utilizada pela primeira vez em 1947 por Arthur<br />

Schlesinger Jr., em artigo sobre a Corte Suprema dos EUA, no Direito brasileiro tornou-se,<br />

portanto, tema <strong>de</strong> extrema relevância, não só quanto à sua possibilida<strong>de</strong>, mas, principalmente,<br />

em relação aos seus limites, pois há muita polêmica sobre a prática do ativismo<br />

judicial, inclusive no tocante à sua conceituação.<br />

Ativismo judicial seria “uma filosofia quanto à <strong>de</strong>cisão judicial mediante a qual os<br />

juizes permitem que suas <strong>de</strong>cisões sejam guiadas por suas opiniões pessoais sobre políticas<br />

públicas, entre outros fatores” (cf. a respeito, Black's Law Dictionary), sendo apontado<br />

por alguns doutrinadores norte-americanos como uma prática, que por vezes indica a<br />

ignorância <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>ntes, possibilitando violações à Constituição; ou, seria um método<br />

<strong>de</strong> interpretação <strong>constitucional</strong>, no exercício <strong>de</strong> sua função jurisdicional, que possibilita,<br />

por parte do Po<strong>de</strong>r Judiciário, a necessária colmatação das lacunas constitucionais geradas<br />

pela omissão total ou parcial dos outros Po<strong>de</strong>res, ou ainda, pelo retardamento da edição<br />

<strong>de</strong> normas que possibilitem a plena efetivida<strong>de</strong> do texto <strong>constitucional</strong>?<br />

Teríamos com o ativismo judicial, clara afronta à Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res, com direta<br />

usurpação das funções da legislatura ou da autorida<strong>de</strong> administrativa, como por diversas vezes<br />

apontou o Juiz Antonin Scalia, da Suprema Corte dos Estados Unidos, para <strong>de</strong>squalificar<br />

essa prática (cf. voto vencido no caso Romer v. Evans, 1996); ou, verda<strong>de</strong>ira necessida<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong> permitida pelo sistema <strong>de</strong> freios e contrapesos em face da finalida<strong>de</strong> maior<br />

<strong>de</strong> garantir a plena supremacia e efetivida<strong>de</strong> das normas constitucionais?<br />

Não há dúvidas <strong>de</strong> que a eficácia máxima das normas constitucionais exige a concretização<br />

mais ampla possível <strong>de</strong> seus valores e <strong>de</strong> seus princípios, porém, em caso <strong>de</strong><br />

inércia dos po<strong>de</strong>res políticos, <strong>de</strong>vemos autorizar a atuação subjetiva do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

(Luis Roberto Barroso), mesmo que isso transforme o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em um<br />

superlegislador, pois imune <strong>de</strong> qualquer controle, que não seja a própria autocontenção


7 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

(judicial restraint), ou, <strong>de</strong>vemos restringi-lo, para que não se configure flagrante <strong>de</strong>srespeito<br />

aos limites normativos substanciais da função jurisdicional, usurpando, inclusive,<br />

função legiferante (Elival da Silva Ramos)?<br />

A história do ativismo judicial norte-americano mostra, em face <strong>de</strong> seu alto grau <strong>de</strong><br />

subjetivismo, momentos diversos na <strong>de</strong>fesa dos Direitos Fundamentais. Há, claramente,<br />

<strong>de</strong>cisões ativistas alinhadas com o pensamento progressista, enquanto outras, com o mais<br />

radical conservadorismo.<br />

Aponta-se, como a primeira <strong>de</strong>cisão consi<strong>de</strong>rada como ativista, embora inexistisse a<br />

terminologia à época, o caso Dred Scott, <strong>de</strong> 1857, quando julgando uma lei que libertava<br />

automaticamente os escravos que ingressassem num território on<strong>de</strong> a escravidão tivesse<br />

sido anteriormente abolida, a Suprema Corte <strong>de</strong>clarou-a in<strong>constitucional</strong>, por ferir o <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, protegido pela cláusula do due process oflaw. Igualmente, a mesma<br />

cláusula do <strong>de</strong>vido processo legal foi invocada na <strong>de</strong>cisão Lochner v. New York, <strong>de</strong> 1905,<br />

permitindo que a Corte invalidasse <strong>direito</strong> social consagrado pela legislação, que passará<br />

a limitar a jornada <strong>de</strong> trabalho dos pa<strong>de</strong>iros a <strong>de</strong>z horas diárias; o argumento foi <strong>de</strong> que<br />

a lei privava os cidadãos <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> contratar.<br />

Por outro lado, o ativismo judicial foi <strong>de</strong> imperiosa importância na questão racial norteamericana<br />

durante a Corte Warren, especialmente a partir da <strong>de</strong>cisão Browrt v. Board of<br />

Educadon, <strong>de</strong> 1954, em que a Corte Suprema, <strong>de</strong>rrubando seu próprio prece<strong>de</strong>nte {Plessy<br />

v. Ferguson, <strong>de</strong> 1896), <strong>de</strong>cidiu ser in<strong>constitucional</strong> lei que adotava a doutrina “iguais, mas<br />

separados”, permitindo instalações públicas separadas para negros e brancos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

- teoricamente - fossem <strong>de</strong> igual qualida<strong>de</strong>; e, com essa postura ativa <strong>de</strong>u inído ao fim<br />

da segregação racial nos Estados Unidos da América.<br />

Outros Direitos Fundamentais foram consagrados e efetivados com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

maior amplitu<strong>de</strong> interpretativa por parte do Judiciário, como se vê em clássicas <strong>de</strong>cisões<br />

ativistas da Suprema Corte Americana, tais como o reconhecimento do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong><br />

à privacida<strong>de</strong> (Griswold v. Connecticut, <strong>de</strong> 1965), a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que toda pessoa<br />

presa em flagrante ser alertada sobre seus <strong>direito</strong>s constitucionais (Miranda v. Arizona,<br />

1966), e o mais controvertido <strong>de</strong> todos, o reconhecimento do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> ao<br />

aborto, como projeção do <strong>direito</strong> à privacida<strong>de</strong> (caso Roe v. Wa<strong>de</strong>, 1973).<br />

Não são poucos os doutrinadores que apontam enorme perigo à Democracia e à vonta<strong>de</strong><br />

popular, na utilização do ativismo judicial, pois como salientado por Ronald Dworkin,<br />

“o ativismo é uma forma virulenta <strong>de</strong> pragmatismo jurídico. Um juiz ativista ignoraria o<br />

texto da Constituição, a história <strong>de</strong> sua promulgação, as <strong>de</strong>cisões anteriores da Suprema<br />

Corte que buscaram interpretá-la e as duradouras tradições <strong>de</strong> nossa cultura política. O<br />

ativista ignoraria tudo isso para impor a outros po<strong>de</strong>res do Estado o seu próprio ponto <strong>de</strong><br />

vista sobre o que a justiça exige”.1<br />

Por outro lado, não se po<strong>de</strong> ignorar a advertência feita p>elo Ministro Celso d e Mello,<br />

ao recordar que as “práticas <strong>de</strong> ativismo judicial, embora mo<strong>de</strong>radamente <strong>de</strong>sempenhadas<br />

por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessida<strong>de</strong> institucional,<br />

quando os órgãos do Po<strong>de</strong>r Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento<br />

<strong>de</strong> obrigações a que estão sujeitos por expressa <strong>de</strong>terminação do próprio estatuto<br />

<strong>constitucional</strong>, ainda mais se se tiver presente que o Po<strong>de</strong>r Judiciário, tratando-se <strong>de</strong><br />

1 DWORKIN, Ronald. O império do <strong>direito</strong>, p. 451.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 9 1<br />

comportamentos estatais ofensivos à Constituição, nãopo<strong>de</strong> se reduzir a uma posição <strong>de</strong><br />

pura passivida<strong>de</strong>.”1<br />

O bom-senso entre a “passivida<strong>de</strong> judicial” e o “pragmatismo jurídico”, entre o “respeito<br />

à tradicional formulação das regras <strong>de</strong> freios e contrapesos da Separação <strong>de</strong> Po<strong>de</strong>res” e<br />

“a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir às normas constitucionais a máxima efetivida<strong>de</strong>” <strong>de</strong>ve guiar<br />

o Po<strong>de</strong>r Judiciário, e, em especial, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral na aplicação do ativismo<br />

judicial, com a apresentação <strong>de</strong> metodologia interpretativa clara e fundamentada, <strong>de</strong><br />

maneira a balizar o excessivo subjetivismo, permitindo a análise crítica da opção tomada,<br />

com o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> autocontenção judicial, principalmente, afastando<br />

sua aplicação em questões estritamente políticas, e, basicamente, com a utilização mini<br />

malista <strong>de</strong>sse método <strong>de</strong>cisório, ou seja, somente interferindo excepcionalmente <strong>de</strong> forma<br />

ativista, mediante a gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> casos concretos colocados e em <strong>de</strong>fesa da supremacia<br />

dos Direitos Fundamentais.<br />

1 0 .9 .4 R e c la m a ç õ e s e g a ra n tia da e fic á c ia d a s d e c is õ e s do S T F em s e d e <strong>de</strong><br />

a ção d ire ta <strong>de</strong> in c o n s titu c io n a iid a d e 12<br />

Tradicionalmente, para garantir a autorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>cisões proferidas em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> inconstitucionaiida<strong>de</strong>, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral sempre admitiu a<br />

utilização <strong>de</strong> reclamação3 (CF, art. 102,1, í) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ajuizada por um dos colegitimados<br />

para a propositura da própria ação direta <strong>de</strong> inconstitucionaiida<strong>de</strong> e com o mesmo objeto.4<br />

Como acentua o Pretório Excelso, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir-se a eficácia das <strong>de</strong>cisões em<br />

se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ações diretas <strong>de</strong> inconstitucionaiida<strong>de</strong>, “notadamente em face da notória insubmissão<br />

<strong>de</strong> alguns tribunais judiciários às teses jurídicas consagradas nas <strong>de</strong>cisões proferidas<br />

pelo STF”, autoriza o reconhecimento <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> aos órgãos ativa ou passivamente<br />

legitimados à instauração do controle abstrato <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (CF, art. 103).5<br />

1 Discurso do Ministro Celso <strong>de</strong> M ello na posse do Min. Gilm ar Men<strong>de</strong>s na presidência do STF, 23-4-2008.<br />

2 Em relação à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong> Reclamação com base na teoria da transcendência dos motivos<br />

<strong>de</strong>terminantes, conferir: “ O Colegiado salientou que a reclam ação seria medida excepcional e pressuporia a<br />

usurpação da competência do Supremo ou o <strong>de</strong>srespeito a <strong>de</strong>cisão por ele proferida. Consignou-se que se estaria<br />

a articular com a teoria da transcendência dos motivos. O relator assinalou que a Corte não teria adm itido a<br />

a<strong>de</strong>quação da reclamação pela teoria em comento” (STF - I a T. - Rcl 11477 AgR/CE - Rei. Min. Marco Aurélio,<br />

<strong>de</strong>cisão: 29-5-2012).<br />

3 STF - “EMENTA: Reclamação. Preliminar: Cabimento <strong>de</strong> reclamação p o r <strong>de</strong>srespeito a <strong>de</strong>cisão do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral prolatada em ação direta <strong>de</strong> inconstitucionaiida<strong>de</strong>. M érito: Alcance da <strong>de</strong>cisão prolatada na<br />

Adin n° 598, quanto ao edital <strong>de</strong> concurso, e <strong>de</strong>sconstituição e cassação <strong>de</strong> atos exorbitantes <strong>de</strong>ste ju lgado”<br />

(STF - Pleno -R eclam a çã o n“ 556-9/TO - Rei. Min. M aurício Corrêa).<br />

4 RTJ 131/11. Conferir, ainda: “O eventual <strong>de</strong>scumprimento, por juizes ou Tribunais, <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões emanadas<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, especialmente quando proferidas com efeitovinculante (CF, art. 102, § 2°), ainda<br />

que em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> m edida cautelar, torna legítim a a utilização do instrumento <strong>constitucional</strong> da reclamação, cuja<br />

específica função processual - além <strong>de</strong> im pedir a usurpação da competência da Corte Suprema - também consiste<br />

em fazer prevalecer e em resguardar a integrida<strong>de</strong> e a eficácia subordinante dos comandos que em ergem<br />

<strong>de</strong> seus atos <strong>de</strong>cisórios” (STF - Pleno - ARR n“ 1.723-1/C E-Rel. Min. Celso <strong>de</strong> M ello -D iá rio da Justiça, Seção<br />

I, 6abr. 2001, p. 71).<br />

5 STF - Reclamação 397/R J-qu estão <strong>de</strong> o rd e m -R e i. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,21 maio<br />

1993;RTJ 124/411; RTJ 160/788.


7 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Não era admitida, porém, reclamação requerida por terceiros pretensamente interessados,<br />

cuja alegação fosse eventual prejuízo pelo <strong>de</strong>scumprimento da <strong>de</strong>cisão.1<br />

Em conclusão, era pacífico no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“hoje, a jurisprudência <strong>de</strong>ste Tribunal tem se orientado no sentido <strong>de</strong> só admitir reclamação<br />

com fundamento em <strong>de</strong>srespeito à autorida<strong>de</strong> das suas <strong>de</strong>cisões tomadas<br />

em ação direta nos casos em que é requerida por quem foi parte na respectiva ação<br />

direta e que tenha o mesmo objeto: RCL n° 399-0, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, j.<br />

em 7-3-93, maioria, in DJU, <strong>de</strong> 24-3-95; RCLQO na 385-MA (medida liminar), Rei.<br />

Celso Mello, j. em 26-3-92, unânime, in K TJ, 146/416; RCLQO nB 397-RJ (medida<br />

liminar), Rei. Min. Celso Mello, j. em 25-11-92, unânime, in RTJ, 147/31; RCL na<br />

467-DF, Rei. Min. Celso Mello, 10-4-94, maioria, in DJU, <strong>de</strong> 9-12-94; RCL na 447-<br />

PE, Rei. Sydney Sanches, j. em 16-2-95, unânime, in 31-3-95”.12<br />

Com o advento da Lei na 9.868/99 e a previsão <strong>de</strong> efeitos vinculantes, conforme já<br />

analisado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, enten<strong>de</strong>mos que havería ampliação da legitimida<strong>de</strong> para ajuizamento<br />

<strong>de</strong> reclamações, na hipótese <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito dos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário às<br />

<strong>de</strong>cisões proferidas em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> pelo STF, permitindo-<br />

-se ao interessado, no caso concreto, a utilização <strong>de</strong>sse instrumento para a concretização<br />

dos efeitos vinculantes. Esse posicionamento foi reforçado com a <strong>constitucional</strong>ização dos<br />

efeitos vinculantes nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, por força da EC na 45/04<br />

(nova redação do § 2a, do art. 102, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral).<br />

Esse posicionamento foi consagrado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao <strong>de</strong>cidir que<br />

“todos aqueles que forem atingidos por <strong>de</strong>cisões contrárias ao entendimento firmado<br />

pelo STF no julgamento <strong>de</strong> mérito proferido em ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

sejam consi<strong>de</strong>rados parte legítima para a propositura <strong>de</strong> reclamação”.3<br />

Dessa forma, como bem salientou o Pretório Excelso, “ assiste plena legitimida<strong>de</strong><br />

ativa, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em<br />

sua esfera jurídica, por <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias<br />

ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, no<br />

julgamento dos processos objetivos <strong>de</strong> controle normativo abstrato instaurados mediante<br />

ajuizamento, quer <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, quer <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”.4<br />

1 P T J 160/788; STF - Reclamação n“ 354-0/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,28 jun.<br />

1991.<br />

2 STF - Pleno - Reclam ação n a 702-5 / P I-m ed id a lim in a r-R e i. Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção<br />

i, 4 nov. 1997, p. 56.548. No m esm o sentido: S T F -P le n o - Reclamação na 556-9/TO - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, Diário da Justiça, Seção 1,3 out. 1997, p. 49.230.<br />

3 STF - P len o - Reclam ação (A gR - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m ) na 1.880/SP - Rei. Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão:<br />

5-11-2002. Informativo STF, na 289.<br />

4 STF - Pleno - m edida cautelar - Recl. n“ 2.523-3/SP - R ei. M in . Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I,<br />

2 fe v. 2004, p. 97.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 9 3<br />

Igualmente, nos termos do art. 103-A, § 1Q, do texto <strong>constitucional</strong> caberá reclamação<br />

para garantir os efeitos das Súmulas Vinculantes.1<br />

11 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEINTERVENTIVA<br />

GENÉRICA<br />

INTERVENTIVA<br />

Previsão Art. 102,1, a A rt 34, VII<br />

Legitimida<strong>de</strong> Art. 103, IaIX A rt 36, III<br />

Finalida<strong>de</strong> Jurídica Jurídica e política<br />

Objeto<br />

Lei ou ato normativo estadual ou<br />

fe<strong>de</strong>ral contrários à constituição<br />

fe<strong>de</strong>ral<br />

Lei ou ato normativo estadual<br />

contrário aos princípios sensíveis<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

O art. 18 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral afirma que a organização político-administrativa<br />

da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil compreen<strong>de</strong> a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

os Municípios, todos autônomos. Assim, a regra é a autonomia entre os entes fe<strong>de</strong>rativos,<br />

porém, excepcionalmente, a constituição permite a intervenção, nos casos taxativos previstos<br />

nos sete incisos do art. 34.<br />

Uma das hipóteses <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação da intervenção fe<strong>de</strong>ral da União nos Estados e no<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, prevista no art. 34, VII, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, fundamenta-se na <strong>de</strong>fesa<br />

da observância dos chamados princípios sensíveis:<br />

a. forma republicana, sistema representativo e regime <strong>de</strong>mocrático;<br />

b. <strong>direito</strong>s da pessoa humana;<br />

c. autonomia municipal;<br />

d. prestação <strong>de</strong> contas da administração pública, direta e indireta;<br />

e. aplicação do mínimo exigido da receita resultante <strong>de</strong> impostos estaduais,<br />

compreendida a proveniente <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong> transferência, na manutenção e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento do ensino12 e nas ações e serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.3<br />

1 Nesse sentido, con ferir possibilid ad e d e u tilização d o instrum ento d a “ reclam ação” para o cum prim ento<br />

da Súm ula nQ11: STF - Plen o - Rcl 7.814/RJ - Rei. M in. Carm en Lúcia, D Je-1 5 4 ,1 9 agosto 2010. STF - 2a<br />

T. - HC 101.031/SP - Rei. Min. Ellen Gracie, DJe-091, 20 m aio 2010. Inclusive, tendo recon h ecido o Suprem o<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a legitim id a d e dos M inistérios Públicos estaduais para aju izar reclam ações, originariam ente,<br />

na própria C orte para fa zer p reva lecer suas Súmulas Vinculantes (n o caso em questão, tratava-se da Súm ula<br />

Vinculante 0 9 ). Cf.: Reclam ação 7.245/SP, Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello , e, ainda, as Rcl 7 .5 1 7 A gR / D F ,R el. Min.<br />

Ricardo L ew andow isk, <strong>de</strong>cisão: 11-11-2010, e Rcl 8.150 AgR/SP, Rei. M in. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 11-11-2010,<br />

para <strong>de</strong>term in ar o efetivo cum prim ento da Súm ula Vinculante 2.<br />

2 R ed ação dada pelo art. I 2 da Em enda Constitucional n2 14, <strong>de</strong> 12 set. 1996. O art. 62 da referid a EC n2 14<br />

<strong>de</strong>term ina sua entrada em v ig o r a prim eiro <strong>de</strong> ja n eiro do ano subsequente ao <strong>de</strong> sua prom ulgação ( l 2- l- 9 7 ).<br />

3 Redação dada pela EC nQ29, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> set. 2000.


7 9 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

São <strong>de</strong>nominados princípios sensíveis constitucionais, pois sua inobservância pelos<br />

Estados-membros ou Distrito Fe<strong>de</strong>ral no exercício <strong>de</strong> suas competências legislativas, administrativas<br />

ou tributárias po<strong>de</strong> acarretar a sanção politicamente mais grave existente<br />

em um Estado Fe<strong>de</strong>ral, a intervenção na autonomia política.<br />

Assim, qualquer lei ou ato normativo do Po<strong>de</strong>r Público, no exercício <strong>de</strong> sua competência<br />

<strong>constitucional</strong>mente <strong>de</strong>ferida que venha a violar um dos princípios sensíveis<br />

constitucionais, será passível <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pela via<br />

da ação interventiva.<br />

Nessa hipótese, porém, a chamada intervenção normativa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> provimento<br />

pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> interventiva,<br />

proposta pelo Procurador-Geral da República, que <strong>de</strong>tém legitimação exclusiva. Note-<br />

-se que o fato <strong>de</strong> a Constituição Fe<strong>de</strong>ral referir-se à representação do Procurador-Geral da<br />

República não altera sua natureza jurídica <strong>de</strong> ação, pois, como lembrava Alfredo Buzaid,<br />

“o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> submeter ao julgamento do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o ato arguido <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

representa o exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ação”.1<br />

O Procurador-Geral, no exercício <strong>de</strong> suas atribuições e com base na in<strong>de</strong>pendência<br />

funcional do Ministério Público, não está obrigado nem po<strong>de</strong>rá ser compelido a ajuizar,<br />

perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a citada ação, tornando-se, como lembra Celso <strong>de</strong><br />

Mello, “perfeitamente lícito ao PGR <strong>de</strong>terminar o arquivamento <strong>de</strong> qualquer representação<br />

que lhe tenha sido dirigida. O PGR atua discricionariamente”.12<br />

A ação direta interventiva possui dupla finalida<strong>de</strong>, pois preten<strong>de</strong> a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> formal ou material da lei ou ato normativo estadual (finalida<strong>de</strong><br />

jurídica) e a <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong> intervenção fe<strong>de</strong>ral no Estado-membro ou Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

(finalida<strong>de</strong> política), constituindo-se, pois, um controle direto, parafins concretos,3 o que<br />

torna inviável a concessão <strong>de</strong> liminar.4<br />

Uma vez julgada proce<strong>de</strong>nte a ação interventiva, e após seu trânsito em julgado, o<br />

Supremo comunicará a autorida<strong>de</strong> interessada, bem como o Presi<strong>de</strong>nte da República, para<br />

as providências constitucionais (RiSTF, art 175, parágrafo único).<br />

A <strong>de</strong>cretação da intervenção fe<strong>de</strong>ral será sempre realizada pelo Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

(CF, art. 84, X ), porém na presente hipótese <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong> requisição do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, cujo Decreto se limitará a suspen<strong>de</strong>r a execução do ato impugnado, se essa medida<br />

bastar ao restabelecimento da normalida<strong>de</strong>. Caso não seja suficiente, será <strong>de</strong>cretada a<br />

intervenção, rompendo-se momentaneamente com a autonomia do Estado-membro.<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> espécie <strong>de</strong> intervenção provocada por requisição. Uma vez<br />

<strong>de</strong>cretada a intervenção, não haverá controle político, pois a Constituição Fe<strong>de</strong>ral exclui a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apreciação pelo Congresso NadonaL Sua duração, bem como os limites, serão<br />

fixados no Decreto presi<strong>de</strong>ncial, até que ocorra o retomo da normalida<strong>de</strong> do pacto fe<strong>de</strong>rativo.<br />

1 BUZAID, Alfredo. Da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> no <strong>direito</strong> brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958. p. 101.<br />

2 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... O p. cit. p. 344. Neste sentido, o autor ainda indic:a/!7'./ 98/3,48/156,<br />

59/333,100/1013,100/954,100/1. Contra: M ARINH O , Josaphat. In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei. Representação<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. RDP 12/150.<br />

3 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização... Op. cit. p. 102.<br />

4 A lim inar é expressamente proibida pela Lei n “ 4.337/64.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 9 5<br />

12 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO)<br />

12.1 Finalida<strong>de</strong><br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que, <strong>de</strong>clarada a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão <strong>de</strong><br />

medida para tornar efetiva norma <strong>constitucional</strong>, será dada ciência ao Po<strong>de</strong>r competente<br />

para a adoção das providências necessárias e, em se tratando <strong>de</strong> órgão administrativo,<br />

para fazê-lo em 30 dias.1<br />

O objetivo pretendido pelo legislador constituinte <strong>de</strong> 1988, com a previsão da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, foi conce<strong>de</strong>r plena eficácia às normas constitucionais,<br />

que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ssem <strong>de</strong> complementação infra<strong>constitucional</strong>. Assim, tem cabimento<br />

a presente ação, quando o po<strong>de</strong>r público se abstém <strong>de</strong> um <strong>de</strong>ver que a Constituição<br />

lhe atribuiu.<br />

12.2 Objeto<br />

As hipóteses <strong>de</strong> ajuizamento da presente ação não <strong>de</strong>correm <strong>de</strong> qualquer espécie <strong>de</strong><br />

omissão do Po<strong>de</strong>r Público, mas em relação às normas constitucionais <strong>de</strong> eficácia limitada <strong>de</strong><br />

princípio institutivo e <strong>de</strong> caráter impositivo,12 em que a constituição investe o Legislador na<br />

obrigação <strong>de</strong> expedir comandos normativos. Além disso, as normas programáticas vinculadas<br />

ao princípio da legalida<strong>de</strong>,3 por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> atuaçãonormativa ulterior para garantir<br />

sua aplicabilida<strong>de</strong>, são suscetíveis <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão.<br />

12.3 In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão<br />

Na conduta negativa consiste a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. A constituição <strong>de</strong>terminou<br />

que o Po<strong>de</strong>r Público tivesse uma conduta positiva, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a aplicabilida<strong>de</strong><br />

e eficácia da norma <strong>constitucional</strong>. O Po<strong>de</strong>r Público omitiu-se, tendo, pois, uma<br />

conduta negativa.<br />

A incompatibilida<strong>de</strong> entre a conduta positiva exigida pela constituição e a conduta<br />

negativa do Po<strong>de</strong>r Público omisso configura-se na chamada in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por<br />

omissão.4<br />

Portanto, só há o cabimento da presente ação quando a constituição obriga o Po<strong>de</strong>r Público<br />

a emitir um comando normativo e este queda-se inerte, pois, como ressalta Canotilho,<br />

1 A Lei r.- 12.063, <strong>de</strong> 27-10-2009, estabeleceu a disciplina processual da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão, acrescentando o Capítulo II-A, com os arts. 12-Aaté 12-H na Lei n“ 9.868, <strong>de</strong> 10-11-1999.<br />

2 Por exem plo, art. 128, § 52, que estabelece a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei complementar para estabelecer a<br />

organização, as atribuições e o estatuto <strong>de</strong> cada Ministério Público.<br />

3 Porexem plo, o art. 7a, XI, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a participação dos em pregados nos lucros, ou resultados<br />

da empresa, conform e <strong>de</strong>finido em lei.<br />

4 RAMOS, Dirceo Torrecillas. O controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por via <strong>de</strong> ação. São Paulo: Angelotti, 1992. p. 100.


7 9 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

“a omissão legislativa (e ampliamos o conceito também para a administrativa) só<br />

é autônoma e juridicamente relevante quando se conexiona com uma exigência<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> ação, não bastando o simples <strong>de</strong>ver geral <strong>de</strong> legislador para dar<br />

fundamento a uma omissão <strong>constitucional</strong>. Um <strong>de</strong>ver jurídico-<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong><br />

ação existirá quando as normas constitucionais tiverem a natureza <strong>de</strong> imposições<br />

concretamente impositivas”.1<br />

Note-se que esta omissão po<strong>de</strong>rá ser absoluta (total) ou relativa (parcial), como afirma<br />

Gilmar Ferreira Men<strong>de</strong>s, pois “a total ausência <strong>de</strong> normas, como também a omissão<br />

parcial, na hipótese <strong>de</strong> cumprimento imperfeito ou insatisfatório <strong>de</strong> <strong>de</strong>ver <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> legislar”.12 O que se preten<strong>de</strong> é preencher as lacunas inconstitucionais, para que todas<br />

as normas constitucionais obtenham eficácia plena.3<br />

Para combater esta omissão, <strong>de</strong>nominada doutrinariamente <strong>de</strong> síndrome<strong>de</strong>inefetivida<strong>de</strong><br />

por acarretar a inaplicabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> algumas normas constitucionais, a Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral trouxe-nos a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão.<br />

1 2 .3 .1 L e g itim id a d e e p ro ce d im e n to<br />

A Lei ne 12.063, <strong>de</strong> 27-10-2009, estabeleceu a disciplina processual da ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, acrescentando o Capítulo II-A, com os arts. 12-A<br />

até 12-H na Lei ne 9.868, <strong>de</strong> 10-11-1999.<br />

São legitimados para a propositura da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República, a Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral, a Mesa da Câmara dos Deputados,<br />

as Mesas das Assembléias Legislativas e da Câmara Legislativa, os Governadores<br />

dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, o Procurador-Geral da República, partidos políticos<br />

com representação no Congresso Nacional, Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados<br />

do Brasil e confe<strong>de</strong>rações sindicais ou entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito nacional.4<br />

O procedimento da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica estabelecido na<br />

Lei na 9.868/99 será aplicado, no que couber, à ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por<br />

omissão.<br />

A petição inicial da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão <strong>de</strong>verá, obrigatoriamente,<br />

indicar a omissão in<strong>constitucional</strong> total ou parcial quanto ao cumprimento<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>ver <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> legislar ou quanto à adoção <strong>de</strong> providência <strong>de</strong> índole administrativa;<br />

bem como o pedido, com suas especificações.<br />

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. In: TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo:<br />

Saraiva, 1993. p. 354.<br />

2 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdiçdo... Op. cit.p. 289.<br />

3 PIOVESAN, Flávia C. Proteção... Op. cit. p. 97.<br />

4 CF, art. 103, incisos I a IX. cf. comentários sobre legitim ida<strong>de</strong> da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica.<br />

A Lei nQ12.063, <strong>de</strong> 27-10-2009, repete esta legitim ida<strong>de</strong> na inserção do art. 12-A na Lei n° 9.868/99 (Art.<br />

12-A. Po<strong>de</strong>m propor a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão os legitim ados à propositura da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> ida<strong>de</strong>).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 9 7<br />

A petição inicial inepta, não fundamentada, e a manifestamente improce<strong>de</strong>nte serão<br />

liminarmente in<strong>de</strong>feridas pelo relator, cabendo agravo <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>cisão.<br />

Importante salientar que inexiste prazo para a propositura da presente ação, havendo<br />

porém necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aferir-se caso a caso a existência do transcurso <strong>de</strong> tempo razoável,<br />

que já houvesse permitido a edição da norma faltante.1<br />

Não é obrigatória a oitiva do Advogado-Geral da União, nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

por omissão, uma vez que inexiste ato impugnado a ser <strong>de</strong>fendido,12<br />

porém, a Lei ne 12.063/09 trouxe importante novida<strong>de</strong>, pois a critério do relator po<strong>de</strong>rá<br />

se manifestar. O Procurador-Geral da República, porém, sempre <strong>de</strong>verá se manifestar, no<br />

prazo <strong>de</strong> 15 dias, após o <strong>de</strong>curso do prazo para informações.<br />

12.4 Decisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

Declarando o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, por<br />

ausência <strong>de</strong> medida legal que torne a norma <strong>constitucional</strong> efetiva, <strong>de</strong>verá dar ciência ao<br />

Po<strong>de</strong>r ou órgão competente para:3<br />

1. Órgão adm inistrativo: adoção <strong>de</strong> providências necessárias em 30 dias ou em<br />

prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, tendo<br />

em vista as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido. A fixação <strong>de</strong><br />

prazo permite a futura responsabilização do Po<strong>de</strong>r Público administrativo, caso a omissão<br />

permaneça.<br />

2. Po<strong>de</strong>r Legislativo: ciência para adoção das providências necessárias, sem prazo<br />

preestabelecido. Nessa hipótese, o Po<strong>de</strong>r Legislativo tem a oportunida<strong>de</strong> e a conveniência<br />

<strong>de</strong> legislar, no exercício <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> sua função precípua, não po<strong>de</strong>ndo ser forçado<br />

pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário a exercer seu munus, sob pena <strong>de</strong> afronta a separação dos Po<strong>de</strong>res,<br />

fixada pelo art. 2a da Carta Constitucional.4 Como não há fixação <strong>de</strong> prazo para a adoção<br />

das providências cabíveis, igualmente, não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> responsabilização dos<br />

órgãos legislativos. Declarada, porém, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e dada ciência ao Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, fixa-se judicialmente a ocorrência da omissão, com efeitos retroativos ex t une<br />

e erga omnes, permitindo-se sua responsabilização por perdas e danos, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pessoa <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público da União Fe<strong>de</strong>ral,5 se da omissão ocorrer qualquer prejuízo.<br />

1 CLÈVE, Clèm ersonM erlin.A/iscaí/zafão... Op. cit. p. 230.<br />

2 S T F - P le n o - A d in n 2480-8 - R e i. Min. Paulo Brossard, Diário da Justiça, Seção 1,25 nov. 1994 eRT659/205.<br />

3 Conferir amplo estudo sobre os efeitos da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> p or omissão: S T F - Pleno -<br />

Adin n2 1.484/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 28-8-2001. Informativo STF n2 244.<br />

4 Para José Tarcízio <strong>de</strong> Alm eida Neto (Op. cit. p. 171), para conciliar o princípio político da autonom ia do<br />

legislador e a exigência do efetivo cumprimento das normas constitucionais havería necessida<strong>de</strong> da existência<br />

<strong>de</strong> um Tribunal Constitucional que fosse órgão comum dos Po<strong>de</strong>res Legislativo e Judiciário.<br />

5 ARAÚJO, Luiz Alberto David. Aproteção <strong>constitucional</strong> das pessoas portador as <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência. Tese <strong>de</strong> doutorado<br />

publicada pela CORDE - Coor<strong>de</strong>nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora <strong>de</strong> Deficiência,<br />

1994. p. 188.


7 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Dessa forma, a natureza da <strong>de</strong>cisão nas ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por<br />

omissão tem caráter obrigatório ou mandamental, pois o que se preten<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>mente<br />

é a obtenção <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m judicial dirigida a outro órgão do Estado.<br />

12.5 ADI por omissão (ADO) e medida liminar<br />

A doutrina e o próprio Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral sempre enten<strong>de</strong>ram incompatível<br />

com o objeto da referida <strong>de</strong>manda a concessão da liminar. Se nem mesmo o provimento<br />

judicial último po<strong>de</strong> implicar o afastamento da omissão, como salientou o próprio Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o que se dará quanto ao exame preliminar?1<br />

Ocorre, porém, que a Lei na 12.063/09 trouxe importante novida<strong>de</strong> no procedimento<br />

das ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, prevendo a possibilida<strong>de</strong> - em<br />

caso <strong>de</strong> excepcional urgência e relevância da matéria -, <strong>de</strong> concessão da medida cautelar<br />

pela maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, após a audiência, no<br />

prazo <strong>de</strong> 5 dias, dos órgãos ou autorida<strong>de</strong>s responsáveis pela omissão in<strong>constitucional</strong> e,<br />

se o relator enten<strong>de</strong>r indispensável, no prazo <strong>de</strong> 3 dias, a oitiva do Procurador-Geral da<br />

República.<br />

A concessão da medida cautelar, que <strong>de</strong>verá ser publicada em seção especial do Diário<br />

Oficial da União e do Diário da Justiça da União, po<strong>de</strong>rá consistir em:<br />

• suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, somente em<br />

se tratando <strong>de</strong> hipótese <strong>de</strong> omissão parcial;<br />

• suspensão <strong>de</strong> processos judiciais ou <strong>de</strong> procedimentos administrativos;<br />

• quaisquer outras providências a serem fixadas pelo STF.<br />

Na ADO 23 MC/DF,2 foi concedida medida liminar em ADI por omissão pelo Ministro<br />

Ricardo Lewandowski, no exercício da Presidência durante o recesso <strong>de</strong> janeiro, em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> mora do Congresso Nacional em regulamentar, por lei complementar, nos termos do<br />

artigo 161, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral a entrega <strong>de</strong> recursos e os critérios <strong>de</strong> rateio do<br />

Fundo <strong>de</strong> Participação dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (FPE), uma vez que, em julgamento<br />

anterior, ocorrido em 24 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010 (ADIs 875,1.987,2.727 e 3.243), o<br />

STF <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> diversos dispositivos da LC 62/89, modulando os<br />

efeitos <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão e <strong>de</strong>terminando sua aplicação até 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2012, prazo<br />

em que o Po<strong>de</strong>r Legislativo <strong>de</strong>veria editar nova Lei complementar.<br />

Transcorrido esse prazo, para que não houvesse situação <strong>de</strong> anomia jurídica em<br />

virtu<strong>de</strong> da inércia do Legislativo, foi concedida liminar em ADO para esten<strong>de</strong>r o prazo<br />

anteriormente fixado por meio <strong>de</strong> modulação dos efeitos da ADI, prorrogando-se por mais<br />

150 dias, período em que <strong>de</strong>terminou-se a permanência da vigência dos dispositivos da<br />

lei complementar anteriormente <strong>de</strong>clarados inconstitucionais.<br />

1 RT 668/212.<br />

STF, A D O 23 MC/DF, Rei. M in . Dias Toffoli,DJe-022, 31-1-2013.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 7 9 9<br />

13 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE<br />

13.1 Previsão<br />

A emenda <strong>constitucional</strong> na 3, <strong>de</strong> 17-3-1993, introduziu em nosso or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico <strong>constitucional</strong> uma nova espécie <strong>de</strong>ntro do controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, que<br />

posteriormente sofreu alterações com a EC na 45/03, a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> constitucio<br />

nalida<strong>de</strong>.<br />

Alterou-se o art. 102,1, a; e foram criados o § 2a ao art. 102 e o § 4a ao art. 103, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sendo que, nesse último caso, houve revogação pela EC na 45/04.<br />

Compete, portanto, aoSupremoTribunalFe<strong>de</strong>ralprocessar ejulgar, originariamente,<br />

a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral.<br />

Apesar da ampla discussão doutrinária sobre a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da EC na 3, <strong>de</strong><br />

17-3-1993, no tocante à criação da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,1o plenário<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>clarou inci<strong>de</strong>ntalmente tanto a sua <strong>constitucional</strong>i<br />

da<strong>de</strong>, como sua aplicabilida<strong>de</strong> imediata, sem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei regulamentando seu<br />

procedimento.12<br />

Entretanto, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> uma ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> âmbito estadual divi<strong>de</strong> a doutrina. José Afonso da Silva não admite tal possibilida<strong>de</strong>,<br />

por ausência <strong>de</strong> previsão <strong>constitucional</strong>,3 enquanto Nagib Slaibi Filho enten<strong>de</strong> permitida<br />

ao Estado-membro, no exercício <strong>de</strong> sua competência remanescente, a criação <strong>de</strong>ssa ação<br />

na esfera estadual, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que respeitado o paradigma da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.4 Parece-<br />

-nos que a razão está com Nagib Slaibi Filho, uma vez que é característica da Fe<strong>de</strong>ração<br />

a autonomia dos Estados-membros, que engloba a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> auto-organização por<br />

meio <strong>de</strong> suas respectivas Constituições estaduais. Assim, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seguissem o mo<strong>de</strong>lo<br />

fe<strong>de</strong>ral, nada estaria a impedir que o legislador constituinte-reformador estadual criasse<br />

por emenda <strong>constitucional</strong> uma ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato<br />

normativo estadual, em face da Constituição Estadual, a ser ajuizada no Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

e tendo como colegitimados, em virtu<strong>de</strong> da EC na 45/04, os respectivos estaduais, para os<br />

colegitimados do art. 103 da CF, para a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

1 O Ministro Marco Aurélio (A ção Declaratória nQ1-1/DF) votou vencido pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da ação<br />

<strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Diversos juristas manifestaram-se pela in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Emenda<br />

Constitucional na 3, em virtu<strong>de</strong> da criação da Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (Celso Bastos, Ives<br />

Gandra, Ana M aria Scartezzini, Edvaldo Brito, M arcelo Figueiredo], porviolação ao princípio do contraditório,<br />

dupla instância <strong>de</strong> julgamento, inafastabilida<strong>de</strong> do controle judicial e <strong>direito</strong> <strong>de</strong> acesso do cidadão ao Judiciário.<br />

Tendo outros se manifestado pela sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (Gilm ar Ferreira Men<strong>de</strong>s, A rn oldo W ald, Hugo <strong>de</strong> Brito<br />

M achado). V er a respeito MENDES, Gilmar Ferreira, M ARTINS, Ives Gandra da Silva (C o o rd .).A fáo <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 88.<br />

2 STF - Pleno - Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n . 1- 1/DF - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 5 nov. 1993, p 23.286.<br />

3 SILVA, José Afonso. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 63.<br />

4 SLAIBI FILHO, Nagib. Ação <strong>de</strong>claratória... Op. cit. p. 75.


800 Direito Constitucional • Moraes<br />

13.2 Finalida<strong>de</strong><br />

A ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, que consiste em típico processo objetivo<br />

<strong>de</strong>stinado a afastar a insegurança jurídica ou o estado <strong>de</strong> incerteza sobre a valida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei<br />

ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, busca preservar a or<strong>de</strong>m jurídica <strong>constitucional</strong>.<br />

Ressalte-se que as leis e atos normativos são presumidamente constitucionais, porém<br />

esta presunção, por ser relativa, po<strong>de</strong>rá ser afastada, tanto pelos órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário,<br />

por meio do controle difuso <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, quanto pelo Po<strong>de</strong>r Executivo, que<br />

po<strong>de</strong>rá recusar-se a cumprir <strong>de</strong>terminada norma legal por entendê-la in<strong>constitucional</strong>.<br />

Neste ponto, situa-se a finalida<strong>de</strong> precípua da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>:<br />

transformar a presunção relativa <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> em presunção absoluta, em<br />

virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus efeitos vinculantes.<br />

Portanto, o objetivo primordial da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é transferir<br />

ao STF a <strong>de</strong>cisão sobre a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dispositivo legal que esteja sendo<br />

duramente atacado pelos juizes e tribunais inferiores, afastando-se o controle difuso da<br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Uma vez que <strong>de</strong>clarada a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da norma, o Judiciário<br />

e também o Executivo ficam vinculados à <strong>de</strong>cisão proferida.1<br />

13.3 Legitimida<strong>de</strong><br />

A ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>rá ser proposta, nos termos da EC n12<br />

45/04,2 pelos mesmos colegitimados à propositura da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

ou seja, pelos Presi<strong>de</strong>nte da República, Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral, Mesa da Câmara<br />

dos Deputados, Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa, Governador<br />

<strong>de</strong> Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Procurador-Geral da República,3 Conselho Fe<strong>de</strong>ral da<br />

Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional<br />

e confe<strong>de</strong>ração sindical ou entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito nacional.4<br />

1 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: jurisprudência política. São Paulo: Revista dos Tribunais,<br />

1994. p. 89.<br />

2 O art. 9°, da EC n “ 45/04, revogou o § 4° do art. 103 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, que concedia legitim ida<strong>de</strong> para<br />

ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> somente ao Presi<strong>de</strong>nte da República, mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral, Mesa<br />

da Câmara dos Deputados ou Procurador-Geral da República.<br />

3 R ogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz Tucci, analisando a presente ação sob o ângulo processual do<br />

interesse <strong>de</strong> agir, concluem que somente “ o Procurador-Geral da República, exatam ente, por não ter tido oportunida<strong>de</strong><br />

para fiscalizar, em seu iter <strong>de</strong> form ação, a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada lei, é que, em tese,<br />

possuiría interesse processual para a propositura da <strong>de</strong>nominada ação <strong>de</strong>claratória” (Aspectos processuais da<br />

<strong>de</strong>nominada ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. In: MENDES, Gilmar Ferreira; M ARTINS, Ives Gandra<br />

da Silva (C oord.).A ção <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Op. cit. p. 147).<br />

4 Ressalte-se que, antes da edição da EC n° 45/04, a segunda Ação Declaratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

edição da EC n2 03, <strong>de</strong> 17-3-1993, <strong>de</strong> n2 2-9, foi proposta pela Associação Brasileira da Indústria <strong>de</strong> Embalagens<br />

Plásticas Flexíveis, tendo, porém, o Ministro-relator Carlos Velloso negado seguimento à inicial por flagrante<br />

ilegitim ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> parte - CF, art. 103, § 4° (S T F -D iá rio da Justiça, Seção I, 19 jun. 1997, p. 28264).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 801<br />

As mesmas observações analisadas em relação à legitimida<strong>de</strong> para propositura da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> são aplicáveis, a partir da EC nQ45/04, à ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (conferir, nesse mesmo capítulo, item 10.3).1<br />

13.4 Objeto<br />

Somente po<strong>de</strong>rá ser objeto <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> a lei ou ato<br />

normativo fe<strong>de</strong>ral,12 sendo, porém, pressuposto para seu ajuizamento a <strong>de</strong>monstração,<br />

juntamente com a petição inicial, <strong>de</strong> comprovada controvérsia judicial que coloque em<br />

risco a presunção <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato normativo sob exame, a fim <strong>de</strong> permitir<br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o conhecimento das alegações em favor e contra a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

bem como o modo pelo qual estão sendo <strong>de</strong>cididas as causas que envolvem<br />

a matéria.3<br />

A comprovação da controvérsia exige prova <strong>de</strong> divergência judicial, e não somente<br />

<strong>de</strong> entendimentos doutrinários diversos, como na hipótese citada pelo Ministro Carlos<br />

Velloso, exigindo-se “existência <strong>de</strong> inúmeras ações em andamento em juízos ou tribunais,<br />

em que a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei é impugnada”,4 pois, como afirmado pelo Ministro<br />

Néri da Silveira,<br />

“não se trata <strong>de</strong> consulta à Suprema Corte, mas <strong>de</strong> ação com <strong>de</strong>cisão materialmente<br />

jurisdicional, impõe-se, à instauração da <strong>de</strong>manda em exame, que se faça comprovada,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, a existência <strong>de</strong> controvérsia em torno da valida<strong>de</strong> ou não da lei<br />

ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral”.5<br />

Ainda, com o ressalta o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a <strong>de</strong>limitação do objeto da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> não adstringe<br />

aos limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lin<strong>de</strong>s da<br />

controvérsia judicial que o autor tem que <strong>de</strong>monstrar”.6<br />

1 O M inistro Carlos B ritto ressaltou a necessida<strong>de</strong> d e pertinência temática, para propositu ra da A çã o D eclaratória<br />

<strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong>, recon h ecen do a legitim id a d e da Associação dos M agistrados do Brasil (A M B ),<br />

em virtu <strong>de</strong> d e “preen chid o o requisito d a pertinên cia tem ática, à fa ce d o estreito vín cu lo entre as fin alida<strong>de</strong>s<br />

institucionais da a grem iação autora <strong>de</strong>ste processo e o conteú do do ato n orm a tivo p or ela d e fe n d id o ” (S T F -<br />

A D C n ° 12 - m edida cautelar - Rei. Min. Carlos Britto, 16-2-2006).<br />

2 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o p a recer n D 1.748 e, p o sterio rm en te, em dois turnos a P roposta d e Em enda<br />

à Constituição n° 29, d e 2 0 0 0 (n ° 96, d e 1999, na Câm ara dos D epu tados), constante da Em enda n ° 2 4 0 , da<br />

Com issão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadan ia, en via n d o o texto à Câm ara dos D eputados, para n ova análise e<br />

eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qu alificado d e 3/5. Em um dos tópicos, o Senado ampliou o<br />

objeto da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> tam bém para leis ou atos n orm ativos estaduais e distritais.<br />

3 Lei n° 9.868/99, art. 14, III.<br />

4 Voto do M inistro Carlos V elloso, na A ç ã o <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> constitu cionalida<strong>de</strong> na 1-1/DF.<br />

5 V oto do M inistro N é ri da Silveira, n a A ç ã o <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> constitu cionalida<strong>de</strong> n2 1-1/DF.<br />

6 S T F - A g r a v o <strong>de</strong> Instrum ento n ° 174.778-1 - Rio G ran<strong>de</strong> do Sul, Rei. M in . M arco A u rélio, D iário da Justiça,<br />

S eção 1,22 set. 1995, p. 30.573.


802 Direito Constitucional • Moraes<br />

13.5 Procedimento e julgamento<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarando a imediata aplicabilida<strong>de</strong> da ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, fixou seu procedimento até a edição <strong>de</strong> lei regulamentando-a,<br />

seguindo o voto do Ministro-relator Moreira Alves,1que com a <strong>de</strong>vida vertia será transcrito<br />

parcialmente:<br />

“A Emenda Constitucional ne 3, <strong>de</strong> 1993, ao instituir a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

já estabeleceu quais são os legitimados para propô-la e quais são os<br />

efeitos <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva <strong>de</strong> mérito. Silenciou, porém, quanto aos <strong>de</strong>mais<br />

aspectos processuais a serem observados com referência a essa ação. Tendo em<br />

vista, porém, que a natureza do processo relativo a essa ação é a mesma da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, é <strong>de</strong> adotar-se a disciplina <strong>de</strong>sta nesse particular,<br />

exceto no que se diferenciam pelo seu fim imediato, que é oposto - a ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> visa diretamente à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato<br />

normativo, ao passo que a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> visa diretamente<br />

à <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato normativo -, e que acarreta a impossibilida<strong>de</strong><br />

da aplicação <strong>de</strong> toda a referida disciplina. Atento a esta diretriz, já <strong>de</strong>terminei<br />

aos requerentes da presente ação - que aten<strong>de</strong>ram a essa exigência - a juntada da<br />

documentação relativa ao processo legislativo da Emenda Constitucional em causa<br />

para que o Tribunal, que tem <strong>de</strong> examinar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong>la sob todos os<br />

seus ângulos, disponha dos elementos que dizem respeito à sua <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

formal. Por outro lado, partindo do pressuposto <strong>de</strong> que é ínsita à propositura <strong>de</strong>ssa<br />

ação a <strong>de</strong>monstração, em sua inicial - com a juntada <strong>de</strong> sua comprovação -, da<br />

controvérsia judicial que põe risco a presunção <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato normativo<br />

sob exame, observo que, no caso, esse requisito está <strong>de</strong>vidamente preenchido,<br />

permitindo à Corte o conhecimento das alegações em favor da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

e contra ela, e do modo como estão sendo <strong>de</strong>cididas num ou noutro sentido. Não<br />

sendo indispensável, em processo objetivo, que haja legitimado passivo para contestar<br />

a ação, parece-me que só a lei po<strong>de</strong>rá, para a colheita <strong>de</strong> mais alegações (ou<br />

para o fortalecimento das já conhecidas) em favor da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato<br />

normativo em causa, <strong>de</strong>terminar que todos os legitimados para propor ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, ou alguns <strong>de</strong>les, possam intervir no processo relativo à<br />

ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. (...) No processo da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, por visar à preservação da presunção <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do<br />

ato normativo que é seu objeto, não há razão para que o Àdvogado-Geral da União atue<br />

como curador <strong>de</strong>ssa mesma presunção, aliás, o silêncio da Emenda Constitucional ns 3<br />

a esse respeito, não obstante tenha incluído um § 4a no artigo 103 da Carta Magna,<br />

é um silêncio eloquente, a afastar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que houve omissão, a propósito, por<br />

inadvertência. Também na ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> faz-se mister<br />

o parecer do Procurador-Geral da República, como órgão do Ministério Público<br />

como custos legis em sentido amplo. Por fim, o julgamento <strong>de</strong>ssa ação <strong>de</strong>claratória<br />

observará, por inteiramente aplicável, a disciplina do julgamento da ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, inclusive quanto ao quorum para a <strong>de</strong>claração da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

ou da in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato normativo em causa.”<br />

1 Voto do Ministro-Relator M oreira Alves, na A çã o <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n° 1-1/DF.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 803<br />

A Lei na 9.868, <strong>de</strong> 10 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1999, estabeleceu o procedimento da ação<br />

<strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, seguindo os preceitos básicos fixados pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A petição inicial será apresentada em duas vias, <strong>de</strong>vendo conter cópias do ato normativo<br />

questionado e dos documentos necessários para comprovação da procedência do pedido<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo<br />

questionado e os fundamentos jurídicos do pedido. Além disso, <strong>de</strong>verá individualizar<br />

o pedido, com suas especificações e, conforme já analisado, <strong>de</strong>monstrar a existência <strong>de</strong><br />

controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação <strong>de</strong>claratória.<br />

A Lei nQ9.868/99, seguindo orientação jurispru<strong>de</strong>ncial do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

exige instrumento <strong>de</strong> procuração quando a petição inicial for subscrita por advogado.<br />

A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improce<strong>de</strong>nte serão<br />

liminarmente in<strong>de</strong>feridas pelo relator, cabendo agravo ao plenário do Tribunal.<br />

A Lei nQ9.868/99 autorizou o relator, em caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> esclarecimento <strong>de</strong><br />

matéria ou circunstância <strong>de</strong> fato ou <strong>de</strong> notória insuficiência das informações existentes<br />

nos autos, a requisitar informações adicionais, <strong>de</strong>signar perito ou comissão <strong>de</strong> peritos para<br />

que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para que, em audiência pública, sejam<br />

ouvidos <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> pessoas com experiência e autorida<strong>de</strong> na matéria. A lei, ainda,<br />

autoriza o relator a solicitar informações aos Tribunais Superiores, aos Tribunais fe<strong>de</strong>rais<br />

e aos Tribunais estaduais em relação à aplicação da norma impugnada no âmbito <strong>de</strong> sua<br />

jurisdição. Em qualquer das hipóteses, o prazo para manifestação será <strong>de</strong> 30 dias, a partir<br />

da solicitação do relator.<br />

Previu-se, ainda, que, uma vez proposta a ação <strong>de</strong>claratória, não se admitirá <strong>de</strong>sistência.<br />

Resumidamente, po<strong>de</strong>riamos estabelecer os seguintes procedimentos para as ações<br />

<strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, fixados, inicialmente, pelo STF e <strong>de</strong>pois regulamentados<br />

pela Lei ne 9.868/99:<br />

• adoção da disciplina da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>;<br />

• necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> juntada da documentação relativa ao processo legislativo do<br />

ato normativo envolvido, se for alegado vício formal no processo legislativo;<br />

• <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> controvérsia judicial que ponha em risco a presunção <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou do ato normativo fe<strong>de</strong>ral;1<br />

• impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>sistência;<br />

• impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admissão <strong>de</strong> terceiros na relação processual, pela inexistência<br />

<strong>de</strong> sujeito passivo;12<br />

1 Como salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o ajuizamento da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

que faz instaurar processo objetivo <strong>de</strong> controle normativo abstrato, supõe a existência <strong>de</strong> efetiva controvérsia<br />

judicial - fundada em razões jurídicas idôneas e consistentes - em torno da legitimida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral” (STF - Pleno - Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> nQ8/<br />

DF - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, <strong>de</strong>cisão: 4-8-99. Inform ativo S T F n° 160). Conferir, ainda: PTJ<br />

157/371, B T J 408-409.<br />

2 Enten<strong>de</strong>ndo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estabelecer-se um contraditório na ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, os<br />

Ministros Sepúlveda Pertence e limar Galvão votaram vencidos pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> citação editalícia dirigidas<br />

aos entes que são <strong>constitucional</strong>mente legitimados para a propositura da ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>


8 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

• <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> da oitiva do Advogado-Geral da União;<br />

• oitiva do Procurador-Geral da República, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> custos legis, no prazo<br />

<strong>de</strong> 15 dias;<br />

• aplicação do quorum relativo à ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Ainda, relacionando-se com o procedimento, não nos parece que haja vedação à concessão<br />

<strong>de</strong> liminar que assegure a plena aplicação da lei controvertida até a pronúncia da<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>finitiva pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ressalvando-se, porém, que a liminar<br />

não produziría efeitos vinculantes, em face da clareza e taxativida<strong>de</strong> da afirmação da<br />

Constituição: <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>finitivas <strong>de</strong> mérito.1<br />

Não foi esse, porém, o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que,<br />

por maioria <strong>de</strong> votos, conheceu do pedido <strong>de</strong> medida cautelar, com efeitos vinculantes,<br />

por enten<strong>de</strong>r possível o exercício, pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, do po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela.*12<br />

Dessa forma, no julgamento da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> nQ4-6, o<br />

Tribunal conce<strong>de</strong>u a medida cautelar,3 com eficácia ex nunc e com efeitos vinculantes,<br />

até o final julgamento da ação.4<br />

O Ministro Celso <strong>de</strong> Mello salientou, em <strong>de</strong>f esa da possibilida<strong>de</strong> da concessão <strong>de</strong> liminar<br />

em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> com efeitos vinculantes, que “impõe-se<br />

reconhecer, no âmbito <strong>de</strong>sse novo instrumento <strong>de</strong> <strong>direito</strong> processual <strong>constitucional</strong>, que se<br />

revela admissível o exercício, pelo STF, do po<strong>de</strong>r cautelar <strong>de</strong> que se achanaturalmente investido,<br />

quer comoTribunaljudiciário, quer, especialmente, como Corte Constitucional”, uma<br />

vez que “os provimentos <strong>de</strong> natureza cautelar acham-se instrumentalmente vocacionados<br />

a conferir efetivida<strong>de</strong> ao julgamento final resultante do processo principal, assegurando,<br />

<strong>de</strong>sse modo, plena eficácia à tutela jurisdicional <strong>de</strong> conhecimento ou <strong>de</strong> execução, inclusive<br />

(STF - Ação Declaratória <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 1-1/DF). Esse entendimento foi confirmado pelo artigo 18 da<br />

Lei nQ9.869/99.<br />

1 No mesmo sentido do texto, ressalte-se a posição do Ministro Marco Aurélio, minoritária no Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral: “no citado parágrafo tem-se o efeito vinculante relativamente às <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>finitivas <strong>de</strong> mérito e com<br />

estas são inconfundíveis as liminares, sempre precárias e efêmeras, sempre submetidas à condição resolutiva,<br />

ou seja, à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, no julgamento <strong>de</strong> fundo, vir-se a concluir <strong>de</strong> forma diametralmente oposta” (STF -<br />

Pleno - Reclamação nQ1.197-6/PB - medida liminar-D iá rio da Justiça, Seção 1,22 nov. 1999, p. 2).<br />

2 Votaram vencidos, ou seja, pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecimento do pedido cautelar em ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, os Ministros Marco Aurélio e limar Galvão. Conferir, no mesmo sentido: STF - Rcl. 909-<br />

AgR,Rel. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 27-5-2005.<br />

3 Igualmente, no mérito, os Ministros Marco Aurélio e limar Galvão votaram vencidos pelo seu in<strong>de</strong>ferimento,<br />

enquanto o Ministro Néri da Silveira votou parcialmente vencido, pois <strong>de</strong>feria a liminar em menor extensão.<br />

4 STF - Pleno - Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ns 4-6 - medida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 13 fev. 1998 - Capa - Decisão: “O Tribunal, por votação majoritária, <strong>de</strong>feriu, em<br />

parte, o pedido <strong>de</strong> medida cautelar, para suspen<strong>de</strong>r, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até o final<br />

do julgamento da ação, a prolação <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisão sobre pedido <strong>de</strong> tutela antecipada, contra a Fazenda<br />

Pública, que tenha por pressuposto a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> ou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. I a da Lei nQ9.494,<br />

<strong>de</strong> 10-9-97, suspen<strong>de</strong>ndo, ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>cisões antecipatórias <strong>de</strong><br />

tutela proferidas contra a Fazenda Pública, vencidos, em parte, o Ministro Néri da Silveira, que <strong>de</strong>feria a medida<br />

cautelar em menor extensão, e, integralmente, os Ministros limar Galvão e Marco Aurélio, que a in<strong>de</strong>feriam”<br />

(Conferir, ainda, Informativo STF nQ96 - Ação <strong>de</strong>claratória e medida liminar).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 0 5<br />

às <strong>de</strong>cisões que emergem do processo <strong>de</strong> fiscalização abstrata <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>”, para<br />

então concluir no sentido <strong>de</strong> que “o exercício do po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela, pelo STF, em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stina-se a garantir a própria utilida<strong>de</strong> da<br />

prestação jurisdicional a ser efetivada no processo <strong>de</strong> controle normativo abstrato, em or<strong>de</strong>m<br />

a impedir que o eventual retardamento na apreciação do litígio <strong>constitucional</strong> culmine por<br />

afetar e comprometer o resultado <strong>de</strong>finitivo do julgamento”.1<br />

Dessa forma, uma vez concedida a liminar em ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

não haverá mais possibilida<strong>de</strong> do afastamento, por in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, da incidência<br />

da lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral por parte dos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

ou por parte do Executivo, que <strong>de</strong>verão submeter-se ao integral cumprimento da norma<br />

analisada liminarmente pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em face dos efeitos vinculantes.12<br />

A efetivida<strong>de</strong> dos efeitos vinculantes da <strong>de</strong>cisão do STF será preservada, se necessário,<br />

pelo instrumento da reclamação, uma vez que não haverá possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

insurgência contra a aplicação da lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarado, liminarmente,<br />

<strong>constitucional</strong>.3<br />

Em conclusão, po<strong>de</strong>riamos apontar os seguintes aspectos sobre a concessão <strong>de</strong> medida<br />

liminar nas ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>:<br />

• possibilida<strong>de</strong> do exercício do po<strong>de</strong>r geral <strong>de</strong> cautela por parte do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>;<br />

• liminar com efeitos erga omnes, ex nunc e vinculantes, havendo comunicação<br />

a todos os Tribunais Superiores, Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e Tribunais<br />

Estaduais;4<br />

1 STF - Petição n ° 1.404-8-U n iã o F e<strong>de</strong>ra l-R ei. Min. Celso d e M ello. D iário da Justiça, Seção 1,12 mar. 1998,<br />

p. 13; Informativo STF n° 101,12 mar. 1998-A D C : Extensão dos efeitos da lim in a r-P e t. 1.402-5/MS (m edida<br />

lim inar) - Ministro Celso <strong>de</strong> M ello; STF - na 1.402-5/MS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 16 mar. 1998. p. 27. No mesmo sentido; STF - Pleno - ADC na 8/DF - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, <strong>de</strong>cisão; 13-10-99-In fo rm a tiv o STFn*1166. Nesse sentido, <strong>de</strong>cidiu o Ministro Nelson Jobim: “No ju lga ­<br />

m ento da ADC 4 restou assentada que a <strong>de</strong>cisão que conce<strong>de</strong> m edida cautelar em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> é investida da mesma eficácia contra todos e efeito vinculante, características da <strong>de</strong>cisão<br />

d em érito ” (STF -R c l. 909-AgR, Rei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão; 27 m aio 2005).<br />

2 Em relação aos efeitos vinculantes em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> liminar em ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, conferir,<br />

ainda, a ADC na 5, “ nesse julgam ento, o STF por maioria, <strong>de</strong>feriu o pedido <strong>de</strong> liminar para, com eficácia ex nunc<br />

e efeito vinculante, suspen<strong>de</strong>r, até <strong>de</strong>cisão final da ação, a prolação <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>cisão, assim com o os efeitos<br />

<strong>de</strong> todas as <strong>de</strong>cisões não transitadas em julgado e <strong>de</strong> todos os atos normativos que digam respeito à legitim ida<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>, eficácia e aplicação dos arts. I a, 3a e 5a da Lei na 9.534/97, que prevê a gratuida<strong>de</strong> do registro civil<br />

<strong>de</strong> nascimento, do assento <strong>de</strong> óbito, bem como da primeira certidão respectiva” (STF - Pleno - Ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> na 5/DF - medida lim in a r-R ei. Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão; 17-11-99. Jn/ormativo STF<br />

na 171). No mesmo sentido: STF - Pleno - Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> na 8/DF - Rei. Min. Celso<br />

<strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 13-10-99. Inform ativo STF na 166.<br />

3 STF - Reclamação na 739-6 - m edida lim inar - Rei. Min. Sydney Sanches, D iá rio da Justiça, S e ç ã o l, 19<br />

mar. 1998, p. 7. N o mesmo sentido: S T F -P le n o - Reclamação na 755-1 / M G -m edida lim in a r-R ei. Min. lim ar<br />

G alvão, Diário da Justiça, Seção I, 5m aio 1998, p. 5; STF - Pleno - Reclamação na 753-9/R S -m edida liminar<br />

- Rei. Min. Octávio Gallotti, D iário da Justiça, Seção I, 4 m aio 1998, p. 44. Conferir, ainda: STF - Rcl 1.770,<br />

Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iá rio da Justiça, 7 fev. 2003; STF - Rcl 2.143-AgR, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário<br />

da Justiça, 6jun. 2003.<br />

4 S T F - P le n o - M C em ADC na 12-6/D F-Rei. M in. Carlos Britto, D iário da Justiça, Seçãol, I a set. 2006, p. 15.


806 Direito Constitucional • Moraes<br />

• impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, a partir da concessão da liminar, os <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e o Po<strong>de</strong>r Executivo <strong>de</strong>ixarem <strong>de</strong> observar a lei ou ato normativo<br />

fe<strong>de</strong>ral objeto <strong>de</strong> análise, por entendê-los inconstitucionais, em face dos efeitos<br />

vinculantes;<br />

• utilização do instrumento da reclamação (CF, art. 102, inciso I, í) para garantir<br />

os efeitos vinculantes <strong>de</strong> liminar concedida pelo STF em ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

A L e in 8 9.868/99 estabeleceu, ainda, em relação a medida cautelar em ação <strong>de</strong>claratória<br />

<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por <strong>de</strong>cisão<br />

da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros, <strong>de</strong>ferir pedido <strong>de</strong> medida cautelar consistente na<br />

<strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que os juizes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam<br />

a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento <strong>de</strong>finitivo.1<br />

Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>verá proce<strong>de</strong>r a publicação<br />

<strong>de</strong> sua parte dispositiva em seção especial do Diário Oficial da União, no prazo <strong>de</strong> 10<br />

dias, e proce<strong>de</strong>r o julgamento da ação no prazo máximo <strong>de</strong> 180 dias, sob pena <strong>de</strong> perda<br />

da eficácia da medida provisória.<br />

13.6 Efeitos da <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral<br />

As <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong>finitivas <strong>de</strong> mérito (sejam pela procedência ou pela improcedência),<br />

proferidas pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nas ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,12<br />

relativamente aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário e ao Po<strong>de</strong>r Executivo.<br />

Assim, se o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral concluir que a lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral é<br />

<strong>constitucional</strong>, então expressamente fará a <strong>de</strong>claração, julgando proce<strong>de</strong>nte a ação, que<br />

produzirá efeitos ex tunc, erga omnes e vinculantes a todos os órgãos do Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

e aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário. Da mesma forma, se consi<strong>de</strong>rar improce<strong>de</strong>nte<br />

a ação, julgará a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da lei ou ato normativo, com os mesmos efeitos.<br />

Po<strong>de</strong>rão ocorrer, ainda, duas outras possibilida<strong>de</strong>s. A primeira ocorrerá quando o<br />

Supremo julgar parcialmente proce<strong>de</strong>nte a norma, significando, pois, que a <strong>de</strong>clarou <strong>constitucional</strong><br />

em parte, <strong>de</strong>vendo o restante da norma, <strong>de</strong>clarada in<strong>constitucional</strong>, retirar-se<br />

do or<strong>de</strong>namento jurídico ex tunc.<br />

A segunda, quando o Tribunal, julgando proce<strong>de</strong>nte a ação, <strong>de</strong>clarar a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da norma, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que interpretada <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada maneira - interpretação conforme<br />

à constituição - tornando aquela interpretação vinculante para os <strong>de</strong>mais órgãos judiciais<br />

e para as autorida<strong>de</strong>s administrativas em geral.<br />

1 O STF <strong>de</strong>clarou <strong>constitucional</strong> essa possibilida<strong>de</strong> prevista no art. 21 da Lei n“ 9.868/99 (S T F - P le n o - A D I<br />

nü 2.154/DF e AD I nu 2 258/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 14-2-2007. Informativo STF nD456).<br />

2 STF - Pleno - ADC 4/MC - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 21 maio 1999; STF - Rcl.<br />

909-AgR, ReL Min. Nelson Jobim, <strong>de</strong>cisão: 27 maio 2005; S T F -R c l 1.770, ReL Min. Celso <strong>de</strong> Mello, Diário da<br />

Justiça, 1 fev. 2003; STF - Rcl 2.143-AgR, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, 6 jun. 2003.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 0 7<br />

Em relação aos efeitos da <strong>de</strong>cisão da ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, a Lei nQ<br />

9.868/99 estabeleceu as mesmas regras referentes à ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

já analisadas no presente capítulo, no item 10.9.1<br />

Declarada a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral em ação d e­<br />

claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, não há a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nova análise contestatória<br />

da matéria, sob a alegação da existência <strong>de</strong> novos argumentos que ensejariam uma nova<br />

interpretação no sentido <strong>de</strong> sua in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Ressalte-se que o motivo impeditivo<br />

<strong>de</strong>ssa nova análise <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, como já visto<br />

anteriormente, quando analisa concentradamente a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das leis e atos<br />

normativos, não estar vinculado a causa <strong>de</strong> pedir, tendo, pois, cognição plena da matéria,<br />

examinando e esgotando todos os seus aspectos constitucionais.12<br />

14 ARGUIÇÃO DE DESCUM PRIM ENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina que a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental <strong>de</strong>corrente da Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

na forma da lei.3<br />

Trata-se, portanto, <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição<br />

<strong>de</strong> lei, estabelecendo a forma pela qual será apreciada a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> preceito fundamental <strong>de</strong>corrente da Constituição.4<br />

O Congresso Nacional editou a Lei na 9.882, <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1999, em complementação<br />

ao art. 102, § I a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, tomando-a integrante <strong>de</strong> nosso<br />

controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.5<br />

1 Em relação aos efeitos vinculantes nas ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, conferir: STF - Pleno - ADC<br />

4 / M C -R el. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1,21 maio 1999; S T F -R cl. 909-AgR, Rei. Min. Nelson<br />

Jobim, <strong>de</strong>cisão: 27 m aio 2005; STF - Reclamação... .p. 44. Conferir, ainda: STF - Rcl 1.770, Rei. Min. Celso <strong>de</strong><br />

M ello, Diário da Justiça, 7 fev. 2003; S TF-R cl2.143-AgR , Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, 6jun. 2003.<br />

2 STF - A gravo <strong>de</strong> Instrumento n2 174.811-7/RS - Rei. Min. M oreira Alves, Diário da Justiça. Seção 1,2 m aio<br />

1996, p. 13.770.<br />

3 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o parecer n2 1.748 e, posteriorm ente, em dois turnos a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição n2 29, <strong>de</strong> 2000 (n2 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos D eputados), constante da Emenda r. 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para n ova análise<br />

e eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. Em um dos tópicos, o Senado previu a<br />

instituição <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito <strong>constitucional</strong> estadual fundamental perante o Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, bem com o a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efeitos vinculantes na jurisdição <strong>constitucional</strong> estadual (proposta <strong>de</strong><br />

n ova redação ao art. 125, § 22) .<br />

4 Como salientou o Ministro Sydney Sanches,"... para arguição d e <strong>de</strong>scumprimento d e preceito fundamental<br />

<strong>de</strong>la <strong>de</strong>corrente, perante o STF, exige lei form al, não autorizando, à sua falta, a aplicação da analogia, dos costumes<br />

e dos princípios gerais do <strong>direito</strong>” (STF - A gravo Regim ental em Petição n2 1.140-7 - Rei. Min. Sydney<br />

Sanches, Diário da Justiça, 31 maio 1996, p. 18.803). N o mesmo sentido: STF - Petição n2 1.369-8 - Rei. Min.<br />

lim a r Galvão, Diário da Justiça, Seção 1,8 out. 1997, p. 50.468.<br />

5 Nesse sentido: STF - Pleno - agravo regimental - Arguição <strong>de</strong> Descumprimento <strong>de</strong> Preceito Fundamental n2<br />

43-2/DF - Rei. Min. Carlos Britto, Diário da Justiça, Seção 1,13 fev. 2004, p. 9.


8 0 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

A lei regulamentou a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental da seguinte<br />

forma:<br />

• órgão competente para o processo e julgamento: Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• legitimados ativos:1 são os mesmos colegitimados para propositura da ação<br />

direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> (CF, art. 103,1 a IX), ou seja, o Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República,12 a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral, as<br />

Mesas das Assembléias Legislativas, os Governadores <strong>de</strong> Estado, o Procurador-<br />

-Geral da República, o Conselho Fe<strong>de</strong>ral da OAB, partidos políticos com representação<br />

no Congresso Nacional e confe<strong>de</strong>ração sindical ou entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> classe<br />

<strong>de</strong> âmbito nacional;<br />

• hipóteses <strong>de</strong> cabimento: a lei possibilita a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental em três hipóteses -p a ra evitar lesão a preceito fundamental,<br />

resultante <strong>de</strong> ato do Po<strong>de</strong>r Público; para reparar lesão a preceito fundamental resultante<br />

<strong>de</strong> ato do Po<strong>de</strong>r Público e quando for relevante o fundamento da controvérsia<br />

<strong>constitucional</strong> sobre lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal, incluídos<br />

os anteriores à Constituição;3 ressalte-se que a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong><br />

preceito fundamental <strong>de</strong>verá ser proposta em face <strong>de</strong> atos do po<strong>de</strong>r público já<br />

concretizados, não se prestando para arealização<strong>de</strong> controle preventivo <strong>de</strong>sses<br />

atos.4 Igualmente, a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental não<br />

será cabível contra Súmulas do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que “não po<strong>de</strong>m ser<br />

concebidos como atos do Po<strong>de</strong>r Público lesivos a preceito fundamental”, pois<br />

“os enunciados <strong>de</strong> Súmula são apenas expressões sintetizadas <strong>de</strong> orientações<br />

reiteradamente assentadas pela Corte, cuja revisão <strong>de</strong>ve ocorrer <strong>de</strong> forma pau-<br />

1 0 Presi<strong>de</strong>nte da República vetou o inciso II, do parágrafo único, do art. 1°, da Lei na 9.882/99, que perm itia<br />

a propositura ampla da arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, por qualquer prejudicado, nos<br />

termos do recurso <strong>de</strong> amparo previsto no or<strong>de</strong>nam ento jurídico alemão, espanhol e argentino. Conferir, nesse<br />

sentido, <strong>de</strong>cisão do STF que negou legitim ado ad causam ativa para eventual prejudicado: STF - ADPF na 11/<br />

SP - Rei. Min. Carlos Velloso - Inform ativo STF na 216, p. 4; STF - Pleno - ADPF na 27-1/RJ - Rei. Min. Néri<br />

da S ilveira, Diário da Justiça, Seção I, I a abr. 2002, p. 3; STF - Pleno - ADPF na 31-9/DF - Rei. Min. M aurício<br />

Corrêa, Didrio da Justiça, Seção I, I a abr. 2002, p. 3; STF - ADPF na 30-1 / D F-R el. Min. Carlos Velloso, Diário<br />

da Justiça, Seção I, 26 mar. 2002, p. 39.<br />

2 O Advogado-Geral da União não possui legitim ida<strong>de</strong> para o controle concentrado <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

havendo necessida<strong>de</strong> da assinatura do Presi<strong>de</strong>nte da República (STF - ADPF 102 - Rei. Min. Joaquim Barbosa,<br />

<strong>de</strong>cisão: 16-6-2007).<br />

3 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, examinando questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m , não conheceu <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> preceito fundamental ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil contra ato do Prefeito Municipal do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, que, ao vetar, parcialmente, <strong>de</strong> form a imotivada, projeto <strong>de</strong> lei aprovado pela Câm araM unicipal - que<br />

eleva o valor do IPTU para o exercício financeiro <strong>de</strong> 2000 -, teria violado o princípio <strong>constitucional</strong> da separação<br />

dos Po<strong>de</strong>res (CF, art. 2a). Conforme se verifica na <strong>de</strong>cisão, “ consi<strong>de</strong>rou-se incabível na espécie a arguição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, d a d o q u eo veto constitui ato político do Po<strong>de</strong>r Executivo, insuscetível<br />

<strong>de</strong> ser enquadrado no conceito <strong>de</strong> ato do Po<strong>de</strong>r Público, previsto no art. I a da Lei 9.882/99” (STF - Pleno - ADPF<br />

(Q O ) na 1/RJ - Rei. Min. Néri da Silveira, <strong>de</strong>cisão: 3-2-2000. Inform ativo STF na 176). No mesmo sentido: STF<br />

-A D P F 73-4/DF - Rei. Min. Eros Grau, D iá rio da Justiça, Seção 1 ,11 m aio 2007, p. 122.<br />

4 Nesse sentido, conferir <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral pelo não cabimento <strong>de</strong> ADPF para análise <strong>de</strong><br />

proposta <strong>de</strong> emenda <strong>constitucional</strong> (S T F - Pleno - agravo regimental - Arguição <strong>de</strong> Descumprimento <strong>de</strong> Preceito<br />

Fundamental na 43-2/DF - Rei. Min. Carlos Britto, D iário da Justiça, Seção 1 ,13 fev. 2004, p. 9).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 0 9<br />

latina, assim como se formam os entendimentos jurispru<strong>de</strong>nciais que resultam<br />

na edição dos verbetes”.1<br />

• caráter subsidiário: a lei expressamente veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental quando houver qualquer outro meio<br />

eficaz <strong>de</strong> sanar a lesivida<strong>de</strong>.12 Obviamente, esse mecanismo <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> dos<br />

preceitos fundamentais não substitui as <strong>de</strong>mais previsões constitucionais que<br />

tenham semelhante finalida<strong>de</strong>, tais como o habeas corpus, habeas data; mandado<br />

<strong>de</strong> segurança individual e coletivo; mandado <strong>de</strong> injunção; ação popular;<br />

ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> genérica, interventiva e por omissão e<br />

ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Como ressaltou o Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, “é incabível a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental<br />

quando ainda existente medida eficaz para sanar a lesivida<strong>de</strong>”.3 O Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u possível, em face do princípio da subsidiarieda<strong>de</strong>,<br />

receber arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental como ação direta<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que “<strong>de</strong>monstrada a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

conhecer da ação com o ADPF, em razão da existência <strong>de</strong> outro m eio eficaz para<br />

impugnação da norma, qual seja, a ADI, porquanto o objeto do pedido principal<br />

é a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preceito autônomo por ofensa a dispositivos<br />

constitucionais, restando observados os <strong>de</strong>mais requisitos necessários<br />

à propositura da ação direta”.4 O princípio da subsidiarieda<strong>de</strong> exige, portanto,<br />

o esgotamento <strong>de</strong> todas as vias possíveis para sanar a lesão ou a ameaça <strong>de</strong><br />

lesão a preceito fundamental ou a verificação, ab initio, <strong>de</strong> sua inutilida<strong>de</strong> para<br />

preservação do preceito fundamental.5 Caso os mecanismos utilizados, <strong>de</strong> maneira<br />

exaustiva, mostrem-se ineficazes, será cabível o ajuizamento da arguição.<br />

1 STF - Pleno - AD PF n a 80 A gR /D F - Rei. M in. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 12-6-2006 - Informativo S TFn °4 3 1 .<br />

2 Nesse sentido <strong>de</strong>cidiu o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “No caso dos autos, a im pugnação suscitada p ela m esa da<br />

assem bléia legislativa <strong>de</strong> São Paulo po<strong>de</strong>ria ser m anifestada p o r m eio <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

m eio eficaz bastante para sanar eventual lesivida<strong>de</strong> do provim en to sob enfoque. Registre-se, p o r outro lado,<br />

que o m encion ado provim en to na 747/2000 é objeto da A D I 2415, <strong>de</strong> que sou relator, fo rm aliza d a p ela Assoe,<br />

dos N otários e Registradores do Brasil - ANORE G . Evi<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong>sse m o d o , a ausência do requ isito no referid o<br />

art. 4 a, § I a, da Lei n° 9.882/99, uma v e z que os efeitos lesivos do ato im pugnado p o d em ser sanados p o r m eio<br />

eficaz que não a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scum prim ento <strong>de</strong> preceito fundamental. A nte o exposto, in d efiro lim inarm ente<br />

a inicial, na form a do art. 4°, caput, da Lei na 9.882/99, <strong>de</strong>term inando o arquivam ento do feito ” (S T F - A D PF<br />

n ° 13-1 - Rei. Min. lim ar G a lvã o). Conferir, ainda: STF - AD PF n ° 15-7/PA, Rei. Min. Joaquim Barbosa, Diário<br />

da Justiça, S eção 1 ,2 mar. 2006, p. 4.<br />

3 S T F - P le n o - ADPF n ° 3 / C E - questão <strong>de</strong> o rd em - Rei. M in. Sydn ey Sanches, d ecisão: 18-5-2000. Informativ<br />

o STF 189. No m esm o sen tido: STF - “ A a rg u içã o <strong>de</strong> <strong>de</strong>scum prim ento d e preceito fu ndam ental, p revista<br />

no a rtig o 102, § 1°, da Carta da República e regu lada pela Lei n ° 9.882/99, é ação d e n atu reza <strong>constitucional</strong><br />

cuja adm issão é vin cu lada à inexistência <strong>de</strong> qualquer outro m eio e fic a z <strong>de</strong> sanar a lesivid a d e do ato <strong>de</strong> po d er<br />

atacado” (STF - Plen o - A rg u iç ã o <strong>de</strong> <strong>de</strong>scu m prim en to <strong>de</strong> preceito fu n dam en tal n ° 12-2/DF - Rei. M in. lim ar<br />

Galvão -D iá r io da Justiça, S eção 1 ,2 6 mar. 2001, p. 3 ). N o m esm o sentido: STF - Plen o - A g. Reg. na A rgu ição<br />

<strong>de</strong> D escum prim ento <strong>de</strong> Preceito Fundam ental n 2 17-3/AP - Rei. M in. Celso d e M ello, Diário da Justiça, Seção<br />

1 ,1 4 fev. 2003, p. 58.<br />

4 STF - Pleno - A D PF 72 QO /PA, Rei. Min. Ellen Gracie, <strong>de</strong>cisão: 1 “-6-2005 - Informativo STF n“ 390, p. 1.<br />

5 N esse sentido: “a subsidiarieda<strong>de</strong> da v ia eleita d everia ser confrontada c o m a existência, ou não, d e instrum<br />

entos processuais altern ativos capazes d e o ferecer provim ento ju dicia l com eficáciaam p la , irrestrita e im ediata<br />

para solucionar o caso” (STF - Pleno - AD PF 186/DF, Rei. M in. Ricardo Lew andow ski, <strong>de</strong>cisão: 25 e 26-4-2012).


8 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

Da mesma forma, se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro momento se verificar a ineficiência dos<br />

<strong>de</strong>mais mecanismos jurisdicionais para a proteção do preceito fundamental,<br />

será possível que um dos colegitimados se dirija diretamente ao STF, por meio<br />

<strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental (por exemplo: ADPF<br />

ne 54 - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - aborto <strong>de</strong> feto anencéf alo). Em relação ao princípio<br />

da subsidiarieda<strong>de</strong>, enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ajuizamento <strong>de</strong> ADPF se possível o ajuizamento <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

no âmbito do Tribunal <strong>de</strong> Justiça local. Conforme salientado<br />

pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> instauração, no âmbito do<br />

Estado-membro, <strong>de</strong> processo objetivo <strong>de</strong> fiscalização normativa abstrata <strong>de</strong> leis<br />

municipais contestadas em face da Constituição Estadual (CF, art. 125, § 2B)<br />

torna inadmissível, por efeito da incidência do princípio da subsidiarieda<strong>de</strong> (Lei<br />

n“ 9.882/99, art. 4e, § l e), o acesso imediato à arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong><br />

preceito fundamental. É que, nesse processo <strong>de</strong> controle abstrato <strong>de</strong> normas<br />

locais, permite-se, ao Tribunal <strong>de</strong> Justiça estadual, a concessão, até mesmo “in<br />

limine”, <strong>de</strong> provimento cautelar neutralizador da suposta lesivida<strong>de</strong> do diploma<br />

legislativo impugnado, a evi<strong>de</strong>nciar a existência, no plano local, <strong>de</strong> instrumento<br />

processual <strong>de</strong> caráter objetivo apto a sanar, <strong>de</strong> modo pronto e eficaz, a situação<br />

<strong>de</strong> lesivida<strong>de</strong>, atual ou potencial, alegadamente provocada por leis ou atos<br />

normativos editados pelo Município”.1<br />

• procedimento: A petição inicial será apresentada em duas vias, <strong>de</strong>vendo conter<br />

cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação<br />

e <strong>de</strong>verá conter a indicação do preceito fundamental que se consi<strong>de</strong>ra<br />

violado; a indicação do ato questionado; a prova da violação do preceito fundamental<br />

e o pedido, com suas especificações. A arguição realizada na hipótese<br />

<strong>de</strong> controvérsia <strong>constitucional</strong> sobre lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou<br />

municipal, incluídos os anteriores à Constituição, <strong>de</strong>verá vir acompanhada <strong>de</strong><br />

comprovação <strong>de</strong>ssa controvérsia judicial. A petição inicial será in<strong>de</strong>ferida liminarmente,<br />

pelo relator, quando não for o caso <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> preceito fundamental, faltar algum requisito legal ou for inepta, cabendo<br />

<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>cisão agravo ao Plenário. Analisado o pedido <strong>de</strong> liminar, se houver, o<br />

relator solicitará as informações às autorida<strong>de</strong>s responsáveis pela prática do<br />

ato questionado, no prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z dias e, enten<strong>de</strong>ndo necessário, po<strong>de</strong>rá ouvir<br />

as partes nos processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais,<br />

<strong>de</strong>signar perito ou comissão <strong>de</strong> peritos para que emita parecer sobre<br />

a questão, ou, ainda, fixar data para <strong>de</strong>clarações, em audiência pública, <strong>de</strong><br />

pessoas com experiência e autorida<strong>de</strong> na matéria. Conforme estabelece a lei,<br />

po<strong>de</strong>rão ser autorizadas, a critério do relator, sustentação oral e juntada <strong>de</strong><br />

memoriais, por requerimento dos interessados no processo. Decorrido o prazo<br />

das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros,<br />

e pedirá dia para julgamento;<br />

• concessão <strong>de</strong> medida liminar: por <strong>de</strong>cisão da maioria absoluta <strong>de</strong> seus membros,<br />

o STF po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ferir pedido <strong>de</strong> medida liminar, salvo em caso <strong>de</strong> extrema ur-<br />

1 STF - Pleno - ADPF 100/TO - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello. Conferir, ainda, em relação ao<br />

mesmo princípio: STF - Plen o - ADPF 172 Referendo em MC/RJ, Rei. Min. M arco Aurélio, 10-6-2009.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 1 1<br />

gência ou perigo <strong>de</strong> lesão grave, ou, ainda, no recesso, quando a liminar po<strong>de</strong>rá<br />

ser <strong>de</strong>ferida pelo Ministro relator, ad referendum do Plenário. A liminar po<strong>de</strong>rá<br />

consistir na <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> que juizes e tribunais suspendam o andamento <strong>de</strong><br />

processo ou os efeitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais, ou <strong>de</strong> qualquer outra medida que<br />

apresente relação com a matéria objeto da arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental, salvo se <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> coisa julgada;1<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participação <strong>de</strong> amicus curiae (aplicação analógica do art. 7a,<br />

§ 2a, da Lei na 9.868/99);12<br />

• participação do Ministério Público: Não bastasse o § I a, do art 103, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, que <strong>de</strong>termina que o Procurador-Geral da República <strong>de</strong>verá<br />

ser previamente ouvido em todos os processos <strong>de</strong> competência do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a Lei na 9.882/99 previu no parágrafo único <strong>de</strong> seu art. 7a,<br />

que o Ministério Público, nas arguições que não houver formulado, terá vista<br />

do processo, por cinco dias, após o <strong>de</strong>curso do prazo para informações;<br />

• quorumpara instalação da sessão epara a <strong>de</strong>cisão: Conforme estabelece o art. 8a,<br />

da Lei na 9.882/99, a <strong>de</strong>cisão sobre a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços<br />

dos Ministros. A lei não estabelece quorum qualificado para a votação, porém<br />

se houver necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do ato do Po<strong>de</strong>r<br />

Público que tenha<strong>de</strong>scumpridopreceito fundamental, nos termos do art. 97 da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral, haverá necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maioria absoluta;<br />

• efeitos da <strong>de</strong>cisão: a <strong>de</strong>cisão terá eficácia contra todos - erga omnes - e efeitos<br />

vinculantes relativamente aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Público, cabendo, inclusive,<br />

reclamação para garantia <strong>de</strong>sses efeitos. Em relação à amplitu<strong>de</strong> e efeitos<br />

temporais da <strong>de</strong>cisão, a Lei n° 9.882/99 prevê, em seu art. 11, que ao <strong>de</strong>clarar<br />

a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato normativo, no processo <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, e tendo em vista razões <strong>de</strong> segurança<br />

jurídica ou <strong>de</strong> excepcional interesse social, po<strong>de</strong>rá o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

por maioria <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong> seus membros, restringir os efeitos daquela <strong>de</strong>claração<br />

ou <strong>de</strong>cidir que ela só tenha eficácia a partir <strong>de</strong> seu trânsito em julgado ou<br />

<strong>de</strong> outro momento que venha a ser fixado. Em relação a esses efeitos conferir<br />

nesse capítulo item 10.9, on<strong>de</strong> essas inovações foram tratadas;<br />

• comunicação às autorida<strong>de</strong>s ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados:<br />

julgada a ação, as autorida<strong>de</strong>s ou órgãos responsáveis serão comunicados,<br />

fixando-se as condições e o modo <strong>de</strong> interpretação e aplicação do preceito<br />

fundamental;<br />

• irrecorribilida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão: a <strong>de</strong>cisão que julgar proce<strong>de</strong>nte ou improce<strong>de</strong>nte o<br />

pedido em arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental é irrecorrível,<br />

não po<strong>de</strong>ndo ser objeto <strong>de</strong> ação rescisória.<br />

1 No sentido da aplicação <strong>de</strong>ssa suspensão, conferir: STF - Pleno - ADPF n° 33/PA - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong>cisão: 29-10-03. Informativo STF nQ327. Em relação à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> concessão <strong>de</strong> lim inar em face <strong>de</strong><br />

coisa julgada: STF - ADPF 105 - Rei. Min. Cezar Peluso, <strong>de</strong>cisão: 24-5-2007.<br />

2 STF - Plenário - ADPF 97/PA - R e i. Min. Gilmar M en<strong>de</strong>s,D iário da Justiça, Seção I, 6 fev. 2007, p. 17; STF<br />

- Pleno - ADPF 97/PA - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, Diário da Justiça, Seção 1,6 fev. 2007, p. 17.


812 Direito Constitucional • Moraes<br />

14.1 Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental preventiva e<br />

repressiva<br />

Caberá, preventivamente, arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental<br />

perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral com o objetivo <strong>de</strong> se evitar lesões a princípios, <strong>direito</strong>s<br />

e garantias fundamentais previstos na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ou, repressivamente,<br />

para repará-las, quando causadas pela conduta comissiva ou omissiva <strong>de</strong> qualquer dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos.1<br />

Nessa hipótese, o nosso or<strong>de</strong>namento jurídico foi menos generoso que o argentino,<br />

pois somente possibilita a arguição quando se pretenda evitar ou cessar lesão, <strong>de</strong>corrente<br />

<strong>de</strong> ato praticado pelo Po<strong>de</strong>r Público, a preceito fundamental previsto na Constituição, diferentemente<br />

do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> Amparo argentino, que é admissível contra toda ação ou omissão<br />

<strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s públicas ou <strong>de</strong> particulares, que <strong>de</strong> forma atual ou iminente, lesionem,<br />

restrinjam, alterem ou ameacem, com arbitrarieda<strong>de</strong> ou manifesta ilegalida<strong>de</strong>, <strong>direito</strong>s e<br />

garantias reconhecidos pela Constituição, pelos tratados e leis.12<br />

In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>ssa restrição, o mecanismo previsto pelo § l s, do art 102, da<br />

CF e regulamentado pela Lei nQ9.882/99, possibilita uma maior efetivida<strong>de</strong> no controle<br />

das ilegalida<strong>de</strong>s e abusos do Po<strong>de</strong>r Público e na concretização dos <strong>direito</strong>s fundamentais.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá, <strong>de</strong> forma rápida, geral e obrigatória - em face<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> liminar e da existência <strong>de</strong> efeitos erga omnes e vinculantes - evitar ou<br />

fazer cessar condutas do po<strong>de</strong>r público que estejam colocando em risco os preceitos fundamentais<br />

da República, e, em especial, a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (CF, art. I a, III)<br />

e os <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais.<br />

Note-se que, em face do art. 4a, caput e § I a, da Lei na 9.882/99, que autoriza a não<br />

admissão da arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, quando não fo r caso<br />

ou quando houver outro meio eficaz <strong>de</strong> sanar a lesivida<strong>de</strong>, foi concedida certa discricionarieda<strong>de</strong><br />

ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, na escolha das arguições que <strong>de</strong>verão ser processadas<br />

e julgadas, po<strong>de</strong>ndo, em face <strong>de</strong> seu caráter subsidiário, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conhecê-las quando<br />

concluir pela inexistência <strong>de</strong> relevante interesse público, sob pena <strong>de</strong> tornar-se uma nova<br />

instância recursal para todos os julgados dos tribunais superiores e inferiores.3<br />

1 Trata-se <strong>de</strong> norma semelhante ao recurso <strong>de</strong> amparo. O art. 161, b, da Constituição espanhola prevê que o<br />

“Tribunal Constitucional tem jurisdição em todo o território espanhol e é competente para conhecer do recurso<br />

<strong>de</strong> amparo por violação dos <strong>direito</strong>s e liberda<strong>de</strong>s referidos no artigo 53.2, da Constituição, nos casos e formas<br />

que a lei estabelecer”. Conforme aponta Francisco Rubio Llorente, citando inúmeros prece<strong>de</strong>ntes, o Tribunal<br />

Constitucional espanhol somente admite o recurso <strong>de</strong> amparo se houver ameaça ou ferimento a um <strong>direito</strong> ou<br />

garantia <strong>constitucional</strong> (Derechosfundamentalesyprincípios<strong>constitucional</strong>es. Barcelona: Ariel, 1995. p. 80 e ss).<br />

2 GOZAÍNI, Osvaldo A El <strong>de</strong>recho <strong>de</strong> amparo. Buenos Aires: Depalma, 1995. p. 23.<br />

3 Para evitar esse problema, a Suprema Corte norte-americana, em relação aos recursos interpostos<br />

dos julgados dos <strong>de</strong>mais tribunais, realiza rigoroso e discricionário juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>, conce<strong>de</strong>ndo<br />

a poucos casos o w r i t o f c e r t i o r a r i . Lawrence Baum nos informa que a Corte “julga somente<br />

uma minúscula proporção dos casos que chegam dos tribunais fe<strong>de</strong>rais e estaduais. Mesmo <strong>de</strong>ntro<br />

do sistema <strong>de</strong> tribunais fe<strong>de</strong>rais, a Corte julga menos <strong>de</strong> 1 por cento dos casos <strong>de</strong> que tratam os<br />

tribunais distritais” (BAUM, Lawrence. A s u p r e m a c o r t e a m e r i c a n a . Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense Universitária,<br />

1987, p. 26).


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 1 3<br />

Dessa forma, enten<strong>de</strong>mos que o STF po<strong>de</strong>rá exercer um juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />

discricionário para a utilização <strong>de</strong>sse importantíssimo instrumento <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> dos<br />

princípios e <strong>direito</strong>s fundamentais, levando em conta o interesse público e a ausência <strong>de</strong><br />

outros mecanismos jurisdicionais efetivos.<br />

Importante ressaltar que essa discricionarieda<strong>de</strong> concedida ao Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>corre do fato <strong>de</strong> que toda Corte que exerce a jurisdição <strong>constitucional</strong> não é<br />

somente um órgão judiciário comum, mas sim órgão político diretivo das condutas estatais,<br />

na medida em que interpreta o significado dos preceitos constitucionais, vinculando todas<br />

as condutas dos <strong>de</strong>mais órgãos estatais e como tal <strong>de</strong>ve priorizar os casos <strong>de</strong> relevante<br />

interesse público.<br />

Como ressalta Bernard Schwartz, ao analisar esse po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> escolha da Corte Suprema<br />

norte-americana, “o seu po<strong>de</strong>r facultativo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar os casos em que ela própria po<strong>de</strong><br />

julgar resultou no fato <strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser simplesmente um órgão judiciário comum.<br />

É um tribunal <strong>de</strong> recurso especial, apenas para a solução <strong>de</strong> questões consi<strong>de</strong>radas como<br />

envolvendo um interesse público substancial e não os interesses exclusivos <strong>de</strong> algumas<br />

pessoas privadas”.1<br />

14.2 Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental por equiparação<br />

Essa hipótese <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, prevista no<br />

parágrafo único do art. I a, daLein2 9.882/99, distanciou-se do texto <strong>constitucional</strong>, uma<br />

vez que o legislador ordinário, por equiparação legal, também consi<strong>de</strong>rou como <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> preceito fundamental qualquer controvérsia <strong>constitucional</strong> relevante sobre<br />

lei ou ato normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> é muito claro quando autoriza à lei o estabelecimento, exclusivamente<br />

da forma pela qual o <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> um preceito fundamental po<strong>de</strong>rá ser<br />

arguido perante o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Não há qualquer autorização <strong>constitucional</strong><br />

para uma ampliação das competências do STF.<br />

Controvérsias entre leis ou atos normativos e normas constitucionais, relevantes que<br />

sejam, não são hipóteses idênticas ao <strong>de</strong>scumprimento pelo Po<strong>de</strong>r Público <strong>de</strong> um preceito<br />

fundamental, e <strong>de</strong>vem ser resolvidas em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, tanto<br />

difuso quanto concentrado.<br />

O legislador ordinário utilizou-se <strong>de</strong> manobra para ampliar, irregularmente, as competências<br />

constitucionais do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, que conforme jurisprudência e<br />

doutrina pacíficas, somente po<strong>de</strong>m ser fixadas pelo texto magno. Manobra essa eivada<br />

<strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pois <strong>de</strong>veria ser precedida <strong>de</strong> emenda à Constituição.<br />

Note-se que foi criada pela Lei na 9.882/99 a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um dos colegitimados<br />

arguir ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma lei ou ato normativo,<br />

fora das hipóteses cabíveis no controle concentrado, quais sejam - controvérsia <strong>constitucional</strong><br />

relevante sobre lei ou ato normativo municipal e controvérsia <strong>constitucional</strong> sobre lei ou<br />

ato normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal anteriores à Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

1 SCHWARTZ, Bernard. Direito <strong>constitucional</strong> americano. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1966. p. 177.


814 Direito Constitucional • Moraes<br />

Em ambas as hipóteses o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já havia <strong>de</strong>cidido faltar-lhe competência<br />

para essa análise, em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, por ausência<br />

<strong>de</strong> previsão expressa na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, não sendo admissível que o legislador ordinário,<br />

por meio <strong>de</strong> uma manobra terminológica, amplie essa competência sem alterar<br />

o art. 102,1, a, da CF.1<br />

Relembre-se, ainda, <strong>de</strong> que a legitimação para a arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong><br />

preceito fundamental e para a ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> são idênticas (art. 2a,<br />

I, da Lei nD9.882/99), sendo, igualmente, idênticos seus efeitos erga omnes e vinculantes<br />

(art. 10, § 3a, da Lei na 9.882/99 e art. 28, parágrafo único, da Lei na 9.868/99); o que<br />

iguala ambas as hipóteses, <strong>de</strong>monstrando, daramente, a tentativa da legislação ordinária<br />

em ampliar, repita-se, <strong>de</strong> forma in<strong>constitucional</strong>, a competência do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>.<br />

Em conclusão, enten<strong>de</strong>mos que essa hipótese legal, por não se constituir <strong>de</strong>scumprimento<br />

<strong>de</strong> preceito fundamental, contraria o art. 102, § I a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, sendo,<br />

portanto, in<strong>constitucional</strong>.<br />

Ressalte-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e por<br />

maioria <strong>de</strong> votos, reconheceu o cabimento <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental para analisar lei anterior à Constituição Fe<strong>de</strong>ral.12<br />

Como <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, foram apontados<br />

“como violados os preceitos dos artigos I a, IV (dignida<strong>de</strong> da pessoa humana); 5a,<br />

II (princípio da legalida<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong> e autonomia da vonta<strong>de</strong>); 6a, caput, e 196<br />

(<strong>direito</strong> à saú<strong>de</strong>), todos da CF, e, como ato do Po<strong>de</strong>r Público, causador da lesão, o<br />

conjunto normativo ensejado pelos artigos 124,126, caput, e 128,1 e n, do Código<br />

Penal, requerendo, em última análise, a interpretação conforme à Constituição dos<br />

referidos dispositivos do CP, a fim <strong>de</strong> explicitar que os mesmos não se aplicam aos<br />

casos <strong>de</strong> aborto <strong>de</strong> feto anencéfalo”, consequentemente, enten<strong>de</strong>u existir “necessida<strong>de</strong><br />

do pronunciamento do Tribunal, a fim <strong>de</strong> se evitar a insegurança jurídica<br />

<strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões judiciais discrepantes acerca da matéria”, e, apontando<br />

“a inexistência <strong>de</strong> outro meio eficaz <strong>de</strong> sanar a lesivida<strong>de</strong> alegada, apontando-se,<br />

como fundamento, o que verificado relativamente ao habeas corpus 84025/RJ<br />

(DJU <strong>de</strong> 25.6.2004), da relatoria do Min. Joaquim Barbosa, no qual a paciente,<br />

não obstante recorrer a essa via processual, antes do pronunciamento <strong>de</strong>finitivo<br />

pela Corte, <strong>de</strong>ra à luz a feto que veio a óbito em minutos, ocasionando o prejuízo<br />

da impetração”, concluiu afirmando que “quanto ao caráter acentuadamente objetivo<br />

da ADPF e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o juízo da subsidiarieda<strong>de</strong>ter em vista os <strong>de</strong>mais<br />

processos objetivos já consolidados no sistema <strong>constitucional</strong> - a ação direta <strong>de</strong><br />

in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>. Assim, incabí-<br />

1 Em relação à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong> lei ou ato norm ativo municipal em face da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, conferir nesse capítulo, item 10.2.1. Em relação à impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> controle concentrado <strong>de</strong><br />

leis ou atos normativos editados antes da Constituição, conferir, tam bém nesse capítulo, item 10.2.6.<br />

2 Caso: Aborto e anencef alia: STF -Plen o - ADPF/DF n“ 5 4 - questão <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m - ReL Min. Marco A u rélio- <strong>de</strong>cisão:<br />

20-10-2004, Informativo STF n°366, e <strong>de</strong>cisão: 27-4-2005, Informativo STFna 385


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 1 5<br />

veis estas, como n o caso d e controle d e legitimida<strong>de</strong> d o <strong>direito</strong> pré-<strong>constitucional</strong>,<br />

possível a utilização daquela”.1<br />

Dessa forma, o STF admite o ajuizamento <strong>de</strong> arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> controvérsia <strong>constitucional</strong> relevante sobre lei ou ato<br />

normativo fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição,12 ainda<br />

que, excepcionalmente, revogados.<br />

O STF alterou seu posicionamento anterior, que exigia para o cabimento <strong>de</strong> ADPF a<br />

vigência da norma impugnada.3 Na ADPF n2 84/DF, por unanimida<strong>de</strong>, a Corte admitiu o<br />

cabimento <strong>de</strong> ADPF contra medida provisória rejeitada, e, consequentemente, não mais<br />

em vigor, afirmando que “cumpre, porém, <strong>de</strong>monstrar a inexistência <strong>de</strong> outro meio eficaz<br />

<strong>de</strong> sanar a lesivida<strong>de</strong> do ato do Po<strong>de</strong>r Público questionado, conforme exige o artigo 4a,<br />

§ 1Q, da Lei nQ9.882/99 (subsidiarieda<strong>de</strong> da arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental). A in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da Medida Provisória na 242/2005 foi suscitada<br />

nas Ações Diretas <strong>de</strong> In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> n— 3467-7 e 3473-1, tendo sido, inclusive,<br />

<strong>de</strong>ferida medida liminar para suspen<strong>de</strong>r a eficácia da MP. Ocorre que, com a rejeição da<br />

Medida pelo Senado Fe<strong>de</strong>ral, ambas as ações foram consi<strong>de</strong>radas prejudicadas por esta<br />

Suprema Corte, em razão <strong>de</strong> perda do objeto. Desta forma, torna-se cabível a presente ação,<br />

pois o exame da subsidiarieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser realizado consi<strong>de</strong>rando-se os <strong>de</strong>mais processos<br />

objetivos disponíveis em nosso sistema <strong>constitucional</strong>, permitindo uma solução ampla e<br />

eficaz para a controvérsia”.4<br />

15 SÚMULAS VINCULANTES (LEI N° 11.417/06)<br />

A instituição da súmula vinculante, pela EC n2 45/04, correspon<strong>de</strong> à tentativa <strong>de</strong> adaptação<br />

do mo<strong>de</strong>lo da common law (stare <strong>de</strong>cisis) para nosso sistema romano-germânico (civil<br />

law); porém, é importante relembrar que essa i<strong>de</strong>ia já fora adotada no Império, quando,<br />

em 1876, o Supremo Tribunal <strong>de</strong> Justiça passou a ter a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> editar assentos<br />

com força <strong>de</strong> lei, em relação à “inteligência das leis civis, comerciais e criminais, quando<br />

na execução <strong>de</strong>las ocorrerem dúvidas manifestadas no julgamento divergentes do mesmo<br />

tribunal, das Relações e dos Juizes”, nos termos do art. 2a, do Decreto n2 6.142, <strong>de</strong> 10-3-<br />

1876, sem porém que tivesse sido utilizado até a proclamação da República.<br />

As súmulas vinculantes surgem a partir da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reforço à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> uma única<br />

interpretação jurídica para o mesmo texto <strong>constitucional</strong> ou legal, <strong>de</strong> maneira a assegurar-<br />

-se a segurança jurídica e o princípio da igualda<strong>de</strong>, pois os órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário não<br />

1 S T F -P le n á rio -A D P F 54QO/DF, Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 27-4-2005-Informativo STF n2 385, p. 1.<br />

2 Em garantia d a liberda<strong>de</strong> d e inform ação, o Suprem o Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou concentradam ente a não<br />

recepção da Lei <strong>de</strong> Imprensa (Lei na 5.250/67). Conferir: STF - Pleno - ADPF 130/DF, Rei. Min. Carlos Britto,<br />

30-4-2009, Informativo STF n2 544.<br />

3 STF - ADPF n° 50-5/SP - Rei. Min. Joaquim Barbosa, D iário da Justiça, Seção 1,2 mar. 2006, p. 4.<br />

4 STF - P len o -A D P F n ° 84/D F -R ei. Min. Sepúlveda Pertence, Diárioda Justiça, Seçãol, 8ju n.2006. Conferir,<br />

ainda, no mesmo sentido: STF - ADPF n“ 77-7/DF - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I,<br />

24 ago. 2006.


S16 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>vem aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos <strong>de</strong> forma a criar ou aumentar<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s arbitrárias, <strong>de</strong>vendo, pois, utilizar-se <strong>de</strong> todos os mecanismos constitucionais<br />

no sentido <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r às normas jurídicas uma interpretação única e igualitária.<br />

Não foi outra a intenção do legislador constituinte ao estabelecer como competência<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral o julgamento dos recursos extraordinários (uniformização na<br />

interpretação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral) e competência ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça para<br />

o julgamento dos recursos especiais (uniformização na interpretação da legislação fe<strong>de</strong>ral).<br />

Esse mo<strong>de</strong>lo, porém, não se mostrou célere e suficiente para impedir <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

perpetradas por diferentes interpretações judiciais da mesma norma, buscando o legislador<br />

constituinte <strong>de</strong>rivado, no mo<strong>de</strong>lo anglo-saxônico, o stare <strong>de</strong>cisis, da expressão stare<br />

<strong>de</strong>cisis et quieta non movere (mantenha-se a <strong>de</strong>cisão e não se perturbe o que foi <strong>de</strong>cidido),<br />

on<strong>de</strong> nosso exemplo mais próximo são os Estados Unidos da América, em que as <strong>de</strong>cisões<br />

da Corte Suprema são acatadas como regra por todo o sistema judiciário e pela administração<br />

pública.<br />

Como ressaltado pelo Ministro Carlos Velloso,<br />

“no sistema judicial norte-americano, que garante aos indivíduos, <strong>de</strong> modo amplo,<br />

a tutela jurisdicional, todos os Tribunais estão vinculados às <strong>de</strong>cisões da Suprema<br />

Corte, nos casos em iguais estados <strong>de</strong> fato em que a <strong>de</strong>cisão da Suprema Corte foi<br />

tomada. Isso, sem dúvida, proporciona segurança jurídica”.1<br />

A EC n2 45/04 não adotou o clássico stare <strong>de</strong>cisis, nem tampouco transformou nosso<br />

sistema <strong>de</strong> civillaw em commonlaw, porém permitiu ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ofício<br />

ou por provocação, mediante <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> dois terços dos seus membros, após reiteradas<br />

<strong>de</strong>cisões sobre matéria <strong>constitucional</strong>, aprovar súmula que, a partir <strong>de</strong> sua publicação na<br />

imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos <strong>de</strong>mais órgãos do Po<strong>de</strong>r Judiciário<br />

e à administração pública direta e indireta, nas esferas fe<strong>de</strong>ral, estadual e municipal, bem<br />

como proce<strong>de</strong>r à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.<br />

Aprevisãodo caput do art. 103-A, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral,<br />

que <strong>de</strong>ve estabelecer a forma <strong>de</strong> edição, revisão e cancelamento das súmulas vinculantes,<br />

não impediría o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ter utilizado esse mecanismo, imediatamente,<br />

após a publicação da EC n2 45/04, por se tratar <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia<br />

contida. Nesse sentido, a EC n2 45/04 não só trouxe os requisitos mínimos para a imediata<br />

aplicabilida<strong>de</strong> das súmulas vinculantes, como também expressamente previu, sem qualquer<br />

condido namento à edição da legislação fe<strong>de</strong>ral, que as atuais súmulas do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral somente po<strong>de</strong>rão produzir efeitos vinculantes após sua confirmação por dois terços<br />

<strong>de</strong> seus integrantes e publicação na imprensa oficial (EC n2 45/04, art. 8a) .<br />

Não houve, porém, a edição <strong>de</strong> súmula vinculante até a publicação da Lei n2 11.417,<br />

<strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, que disciplinou a edição, a revisão e o cancelamento dos<br />

enunciados das súmulas pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 VELLOSO, Carlos M ário da Silva. Do po<strong>de</strong>r judiciário: com o torná-lo mais ágil e dinâmico - efeito vinculante<br />

em outros temas. Revista dos Tribunais, ano 6, nD 25, out./<strong>de</strong>z. 1998. p. 10.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 1 7<br />

A lei trouxe algumas novida<strong>de</strong>s em relação ao texto-base da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em<br />

especial ao estabelecer dois mecanismos geradores da edição, revisão e cancelamento <strong>de</strong><br />

enunciados <strong>de</strong> súmulas vinculantes pelo STF: direto e inci<strong>de</strong>ntal.<br />

O procedimento direto, nos termos do art. 103-A da Constituição Fe<strong>de</strong>ral e da Lei na<br />

11.417/06, cuja vacatio legis é <strong>de</strong> 3 (três) meses, exige os seguintes requisitos e procedimento,<br />

sem prejuízo da disciplina subsidiária do regimento interno do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral:<br />

• órgão competente: somente o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá editar súmulas<br />

vinculantes;1<br />

• objeto: a valida<strong>de</strong>, a interpretação e a eficácia <strong>de</strong> normas <strong>de</strong>terminadas;<br />

• legitimida<strong>de</strong>: as súmulas vinculantes po<strong>de</strong>rão ser editadas <strong>de</strong> ofício ou por<br />

provocação <strong>de</strong> qualquer dos colegitimados para o ajuizamento <strong>de</strong> ações diretas<br />

<strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> que possuem legitimação <strong>constitucional</strong>, ou seja, pelo<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa do Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

Governadores <strong>de</strong> Estado ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, Mesas das Assembléias<br />

Legislativas, Procurador-Geral da República, partido político com representação<br />

no Congresso Nacional, Conselho Fe<strong>de</strong>ral da Or<strong>de</strong>m dos Advogados do Brasil<br />

e confe<strong>de</strong>rações sindicais ou entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe <strong>de</strong> âmbito nacional (CF, art.<br />

103,1 a IX ). A Lei ns 11.417/06 ampliou a colegitimação para a propositura <strong>de</strong><br />

edição, revisão ou cancelamento <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> súmula vinculante, esten<strong>de</strong>ndo<br />

essa faculda<strong>de</strong> ao Defensor Público da União, aos Tribunais Superiores,<br />

aos Tribunais <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Estados ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Territórios, aos<br />

Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, aos Tribunais Regionais do Trabalho, aos Tribunais<br />

Regionais Eleitorais e aos Tribunais Militares (legitimação legal). Conferir,<br />

em relação a essa legitimida<strong>de</strong>, Capítulo 12, item 10.3, inclusive no tocante à<br />

pertinência temática, que enten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>va ser integralmente aplicada para a<br />

provocação <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> súmulas vinculantes;<br />

• con trovérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública<br />

que acarrete grave insegurança jurídica: esse requisito <strong>de</strong>ixa clara uma das<br />

finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ssa nova previsão <strong>constitucional</strong>, qual seja, a garantia da segurança<br />

jurídica, ao exigir a necessária discussão sobre os múltiplos argumentos<br />

jurídicos, antes <strong>de</strong> o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral editar uma súmula, pois, como<br />

salientado por Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo Teixeira, “ as súmulas vinculantes serão<br />

elaboradas com base na maturida<strong>de</strong> do trabalho jurispru<strong>de</strong>ncial, fruto <strong>de</strong> lenta<br />

e prolongada ativida<strong>de</strong> técnica dos juizes, <strong>de</strong> muitas e longas discussões, da<br />

observação atenta <strong>de</strong> casos repetidos”.12<br />

1 O Senado Fe<strong>de</strong>ral aprovou o Parecer nQ1.748, e, posteriorm ente, em dois turnos, a Proposta <strong>de</strong> Emenda<br />

à Constituição n“ 29, <strong>de</strong> 2000 (n° 96, <strong>de</strong> 1999, na Câmara dos D eputados), constante da Emenda n° 240, da<br />

Comissão <strong>de</strong> Constituição, Justiça e Cidadania, enviando o texto à Câmara dos Deputados, para n ovaan álise e<br />

eventual aprovação em dois turnos, pelo quórum qualificado <strong>de</strong> 3/5. N o texto aprovado, há a previsão <strong>de</strong> criação<br />

dos arts. 105-A e 111-A, com a possibilida<strong>de</strong>, respectivamente, <strong>de</strong> o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça e do Tribunal<br />

Superior do Trabalho editarem súmulas impeditivas <strong>de</strong> recursos.<br />

2 TEIXEIRA, Sálvio <strong>de</strong> Figueiredo. Súmula vinculante e reform a do Judiciário. Correio Braziliense, Ca<strong>de</strong>rno<br />

D ireito e Justiça, 9 fev. 1998, p. 3.


8 1 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

• relevante multiplicação <strong>de</strong> processos sobre questão idêntica: aqui, a EC n° 45/04,<br />

com a exigência <strong>de</strong>sse requisito, expôs a segunda importante finalida<strong>de</strong> das<br />

súmulas vinculantes, a preservação do princípio da igualda<strong>de</strong>, ou seja, a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> uma mesma interpretação jurídica para uma questão idêntica<br />

que se repete em diversos processos, além <strong>de</strong> procurar efetivar o princípio da<br />

celerida<strong>de</strong> processual, consagrado no art. 5a, LXXVIII, e impedir a eternização<br />

<strong>de</strong> conflitos cujo posicionamento jurídico o STF já <strong>de</strong>finiu;<br />

• atuação do Procurador-Geral da República, que <strong>de</strong>verá manifestar-se previamente<br />

à edição, revisão ou cancelamento <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> súmula vinculante, nas<br />

propostas que não houver formulado;<br />

• Amicus Curiae: nos termos do § 2- do art. 3a da Lei na 11.417/06, o relator po<strong>de</strong>rá<br />

admitir, por <strong>de</strong>cisão irrecorrível, a manifestação <strong>de</strong> terceiros na questão,<br />

nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (conferir em<br />

relação ao amicus curiae, Capítulo 12, item 10.8);<br />

• quorum qualificado <strong>de</strong> votação: a edição, revisão ou cancelamento <strong>de</strong> enunciados<br />

<strong>de</strong> súmulas vinculantes exige a maioria <strong>de</strong> 2/3 dos membros do Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em sessão plenária;<br />

• efeitos vinculantes com eficácia imediata (conferir em relação à vinculação dos<br />

efeitos, Capítulo 12, itens 10.9 e 13.6);<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> manipulação dos efeitos gerados pelas súmulas vinculantes: o art.<br />

4a da Lei nQ11.417/06 admitiu a modulação ou limitação temporal <strong>de</strong> efeitos<br />

na edição das súmulas vinculantes, estabelecendo que, por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> 2/3 <strong>de</strong><br />

seus membros, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá restringir os efeitos vinculantes<br />

ou <strong>de</strong>cidir que só tenha eficácia a partir <strong>de</strong> outro momento, tendo em<br />

vista razões <strong>de</strong> segurança jurídica ou <strong>de</strong> excepcional interesse público (conferir<br />

Capítulo 12, item 10.9);<br />

• publicação do enunciado da súmula vinculante: noprazo<strong>de</strong> 10 dias após a sessão<br />

em que editar, rever ou cancelar enunciado <strong>de</strong> súmula com efeito vinculante,<br />

o STF publicará, em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da<br />

União, o enunciado respectivo.<br />

O segundo mecanismo <strong>de</strong> edição, revisão ou cancelamento <strong>de</strong> enunciados <strong>de</strong> súmulas<br />

vinculantes - procedimento inci<strong>de</strong>ntal -, criado especificamente pela Lei na 11.417/06,<br />

difere do procedimento direto no tocante à legitimida<strong>de</strong> e à existência <strong>de</strong> caso específico<br />

em julgamento no STF, para que possa ser iniciado.<br />

Dessa forma, o procedimento inci<strong>de</strong>ntal para a edição, revisão ou cancelamento <strong>de</strong><br />

enunciado <strong>de</strong> súmula vinculante exige os seguintes requisitos: •<br />

• requisitos idênticos ao procedimento direto: objeto (valida<strong>de</strong>, interpretação e<br />

eficácia <strong>de</strong> normas <strong>de</strong>terminadas), controvérsia atual entre órgãos judiciários<br />

ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica<br />

e relevante multiplicação <strong>de</strong> processos sobre questão idêntica;<br />

• requisitos específicos: legimitida<strong>de</strong> e propositura no curso <strong>de</strong> processo. Assim,<br />

o Município po<strong>de</strong>rá propor, inci<strong>de</strong>ntalmente ao curso <strong>de</strong> processo em que seja<br />

parte, a edição, a revisão ou o cancelamento <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> súmula vinculante


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 1 9<br />

Ressalte-se que, tanto no procedimento direto, quanto no procedimento inci<strong>de</strong>ntal, não<br />

haverá suspensão <strong>de</strong> processos que tenham por objeto a matéria discutida no Plenário do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral.<br />

As exigências <strong>de</strong> controvérsia entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração<br />

pública que acarretegrave insegurançajurídica (proteção aoprincípioda segurança jurídica)<br />

e <strong>de</strong> relevante multiplicação <strong>de</strong> processos sobre questão idêntica (proteção aos princípios da<br />

igualda<strong>de</strong> e celerida<strong>de</strong>) <strong>de</strong>monstram que a correta edição e utilização das súmulas vinculantes<br />

pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral1possibilitará a drástica redução do número <strong>de</strong><br />

processos e a célere pacificação e solução uniforme <strong>de</strong> complexos litígios, que envolvam<br />

toda a coletivida<strong>de</strong> e coloquem em confronto diferentes órgãos do Judiciário ou este com<br />

a administração pública.12<br />

Além disso, assegurará <strong>direito</strong>s idênticos a todos, mesmo àqueles que não tenham<br />

ingressado no Po<strong>de</strong>r Judiciário, mas, eventualmente, pu<strong>de</strong>ssem ser lesados pela administração,<br />

em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus efeitos vinculantes não só ao Po<strong>de</strong>r Judiciário, mas também a<br />

todos os órgãos da administração pública direta e indireta.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, reforçando as finalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> proteção ao princípio da<br />

segurança jurídica e proteção aos princípios da igualda<strong>de</strong> e celerida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse novo instituto,<br />

dotou as súmulas vinculantes <strong>de</strong> caráter impeditivo <strong>de</strong> recurso, permitindo, portanto, que<br />

os Tribunais ou Turmas recursais recorridos possam realizar e, eventualmente, negar a<br />

admissibilida<strong>de</strong> dos recursos extraordinários e dos agravos <strong>de</strong> instrumento contrários ao<br />

objeto da súmula.<br />

Como salientado por Reis Frie<strong>de</strong>, a<br />

“reforma <strong>constitucional</strong> permitirá, sem novos processos, a realização da justiça para<br />

os interessados em situação idêntica e reduzirá significativamente a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

processos em tramitação no Judiciário, o que contribuirá para a melhor qualida<strong>de</strong><br />

da prestação jurisdicional”.3<br />

Porém, a adoção <strong>de</strong> súmulas vinculantes não é unânime na doutrina nacional, gerando<br />

gran<strong>de</strong>s controvérsias e posições antagônicas.<br />

Maria Tereza Sa<strong>de</strong>k expõe <strong>de</strong> forma clara as posições antagônicas, constatando que<br />

1 Alertando para eventuais perigos na adoção <strong>de</strong>sse mecanismo: V IA N N A , Luiz W ernneck; CARVALHO, M aria<br />

A lice Rezen<strong>de</strong> <strong>de</strong>; MELO, Manuel Palácios Cunha; BURGOS, M arcelo Baumann. Corpoe alma da magistratura<br />

brasileira. 2. ed. Porto Alegre: Revan, 1998. p. 37.<br />

2 Em <strong>de</strong>fesa das súmulas vinculantes: RAMOS, Saulo. Efeito vinculante das <strong>de</strong>cisões dos tribunais superiores.<br />

Revista Brasileira <strong>de</strong> Ciências Criminais, na 13, p. 148.<br />

3 FRIEDE, Reis. Das reformas constitucionais. Revista dos Tribunais, ano 6, ne 25, p. 74-75, out./<strong>de</strong>z. 1998. Nesse<br />

mesmo sentido, Lenio Streckafirm a que “a enorm e quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> processos versando sobre matéria idêntica no<br />

STF e nos Tribunais Superiores, conforme dados estatísticos, gera insatisfação e perda <strong>de</strong> legitim ida<strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário. Diante <strong>de</strong> tal situação, é bastante razoável a criação da súmula com efeito vinculante, nos mol<strong>de</strong>s<br />

do art. 98 da Proposta do Deputado Jairo Carneiro, com a ressalva <strong>de</strong> que tais efeitos não seriam <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>de</strong> m atéria <strong>constitucional</strong>, tendo em vista que o controle da <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> será preventivo, conform e as<br />

atribuições do Conselho Constitucional, acima mencionadas” (STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no <strong>direito</strong> brasileiro:<br />

eficácia, po<strong>de</strong>r e função. 2. ed. Porto A legre: Livraria do A dvogado, 1998. p. 143).


820 Direito Constitucional • Moraes<br />

“a súmula vinculante (stare <strong>de</strong>cisis) é vista por seus <strong>de</strong>fensores como indispensável<br />

para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação, consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong>snecessária,<br />

<strong>de</strong> processos nas várias instâncias. Tai providência seria capaz <strong>de</strong> obrigar os<br />

juizes <strong>de</strong> primeira instância a cumprir as <strong>de</strong>cisões dos tribunais superiores, mesmo<br />

que discordassem <strong>de</strong>las, e impediría que gran<strong>de</strong> parte dos processos tivesse<br />

continuida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sasfogando o Judiciário <strong>de</strong> processos repetidos. Seus oponentes,<br />

por seu lado, julgam que a adoção da súmula vinculante engessaria o Judiciário,<br />

impedindo a inovação e transformando os julgamentos <strong>de</strong> primeiro grau em meras<br />

cópias <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões já tomadas. Dentre os que contestam tal expediente, há os que<br />

aceitam a súmula impeditiva <strong>de</strong> recurso, um sistema em que o juiz não fica obrigado<br />

a seguir o entendimento dos tribunais superiores do STF, mas permite que a<br />

instância superior não examine o recurso que contrarie a sua posição”.1<br />

A doutrina contrária às súmulas vinculantes afirma que haverá verda<strong>de</strong>iro engessamento<br />

<strong>de</strong> todo o Po<strong>de</strong>r Judiciário e consequente paralisia na evolução do Direito,12 além<br />

da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maior totalitarismo do órgão <strong>de</strong> cúpula judicial, como alegado pelo<br />

professor Eros Grau, atualmente Ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, ao se posicionar<br />

contra os efeitos vinculantes e afirmar que “nenhuma razão ou pretexto se presta a justificar<br />

essa manifestação <strong>de</strong> totalitarismo, que também nenhuma lógica po<strong>de</strong> sustentar,<br />

e que, afinal, há <strong>de</strong> agravar ainda mais a crise do <strong>direito</strong> oficial, em nada contribuindo à<br />

restauração da sua eficácia” .3<br />

Não concordamos com esse posicionamento, nem tampouco nos parece que a edição<br />

<strong>de</strong> súmulas vinculantes po<strong>de</strong>rá acarretar o engessamento e consequente paralisia na evolução<br />

e interpretação do Direito.4 A própria história do stare <strong>de</strong>cisis afasta essas alegações,<br />

pois, entre todos os tribunais, nenhum se notabilizou tanto pela <strong>de</strong>fesa intransigente,<br />

polêmica, construtiva e evolutiva dos <strong>direito</strong>s fundamentais como a Suprema Corte americana,<br />

mesmo adotando o mecanismo <strong>de</strong> vinculação, não po<strong>de</strong>ndo, porém, ser acusada<br />

<strong>de</strong> imutabilida<strong>de</strong> interpretativa.<br />

Com o passar dos anos, a <strong>de</strong>fesa dos <strong>direito</strong>s fundamentais pela Corte Suprema seguiu<br />

a evolução da socieda<strong>de</strong> norte-americana, passando a colocar a pessoa humana em<br />

primeiro plano, mesmo em <strong>de</strong>trimento do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, inicialmente <strong>de</strong>fendido<br />

<strong>de</strong> maneira tão ciosa no sistema da common law.<br />

1 SADEK, M aria Tereza. Ju d ic iá rio : m u d an ças e refo rm as. U S P - E s t u d o s a v a n ç a d o s , v. 1 8 , n° 5 1 , p. 9 1 - 9 2 ,<br />

m aio/ ago. 2 0 0 4 .<br />

2 N esse sen tid o : SILVA, J o s é <strong>de</strong> A n ch ie ta da. A s ú m u la d e e f e it o v in c u la n t e a m p l o n o d i r e i t o b r a s ile ir o : um<br />

problem a e n ão um a so lu ção . B elo H orizonte: D el Rey, 1 9 9 8 . p. 2 8 ; FRANCO, N elson P in h eiro . A sp ecto s do<br />

Pod er Ju d iciá rio . R e v is ta d a E s c o la P a u lis ta d e M a g is t r a t u r a , an o l , n D3 ,p . 185, m aio/out. 1 9 9 7 ; SILVA, Jo s é<br />

<strong>de</strong> A n ch ieta d a . A s ú m u l a d e e f e it o v in c u la n t e a m p lo n o d ir e it o b r a s ile ir o : um p ro blem a e n ã o u m a so lu ção. B elo<br />

H orizonte: D el Rey, 1 9 9 8 .<br />

3 GRAU, Eros R o berto . S o b re a p rod u ção leg islativ a e a n o rm ativ a do d ireito oficial: o ch a m a d o ‘e fe ito v in cula<br />

n te ’. R e v is t a d a E s c o la P a u lis t a d e M a g is t r a t u r a , a n o 1 , n - 3 , p. 7 8 , m aio/out. 1 9 9 7 .<br />

4 N esse m e sm o sen tid o: M O REIRA NETO, D io g o d e Fig u eired o. P o d e r Ju d ic iá rio e seu p a p e l n a refo rm a do<br />

estado: o co n tro le ju risd icio n a l dos ato s ad m in istrativ os e a súm ula v in cu lan te. R T , a n o 7 , n° 2 7 , p. 3 1 , abr./<br />

ju n . 1 9 9 9 .


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 2 1<br />

Relembre-se, nesse sentido, o famoso caso Dred Scott (Scott v. Sandford, 19 How.<br />

393-1857), em que a Corte Suprema julgou in<strong>constitucional</strong> a seção 8a do Missouri Compromise<br />

Act, <strong>de</strong> 1850, que proibira a escravidão nos territórios, por enten<strong>de</strong>r sua contrarieda<strong>de</strong><br />

à 5a Emenda (dueprocess oflaw)1 e, mesmo após a abolição da escravatura, basta<br />

analisar o ativismo judicial da Corte <strong>de</strong> Warren, que encerrou com a segregação racial nos<br />

Estados Unidos, quando a Corte, em 17 maio <strong>de</strong> 1954, enten<strong>de</strong>u, revogando prece<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> 1866, que a existência <strong>de</strong> separação nas escolas para os negros era incompatível com<br />

a 14a Emenda,12 que garante a igual proteção das leis, e, portanto, a discriminação racial<br />

nas escolas públicas era flagrantemente in<strong>constitucional</strong>, tendo, em memorável voto,<br />

proclamado o Chief Justice Warren que<br />

“atualmente, é duvidoso se possa esperar vença alguma criança na vida, caso se<br />

lhe negue a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> educar-se. Tal oportunida<strong>de</strong> quando o Estado tomou<br />

a seu cargo provê-la, constitui <strong>direito</strong> que <strong>de</strong>ve ser acessível a todos, em igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> condições,... apesar <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem ser iguais os fatores tangíveis, a segregação <strong>de</strong><br />

crianças nas escolas públicas apenas por motivo racial priva grupos minoritários<br />

<strong>de</strong> iguais oportunida<strong>de</strong>s educacionais”,<br />

para concluir que “separá-las <strong>de</strong> outras <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e qualificações semelhantes <strong>de</strong>vido apenas<br />

à sua raça gera sentimento <strong>de</strong> inferiorida<strong>de</strong> quanto ao seu status na comunida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong><br />

contaminar seus corações e espíritos <strong>de</strong> modo irreparável”.3<br />

O próprio Direito inglês alterou tradicional regra <strong>de</strong> imutabilida<strong>de</strong> em seus prece<strong>de</strong>ntes,<br />

consagrada pela Câmara dos Lor<strong>de</strong>s em 1898, no caso London Tramways v. London<br />

County Council, e adotou, após 68 anos, nova orientação, que <strong>de</strong>sobriga a Câmara dos<br />

Lor<strong>de</strong>s à obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus prece<strong>de</strong>ntes (regra adotada em 26-7-1966, no Practice<br />

Statement of 1966, lido pelo Lord Gardiner, no Parlamento Inglês).<br />

O fundamento da alteração foi a consciência <strong>de</strong> que uma rígida a<strong>de</strong>rência aos prece<strong>de</strong>ntes<br />

po<strong>de</strong> levar a injustiças e também restringir in<strong>de</strong>vidamente a a<strong>de</strong>quada evolução<br />

1 Cf. HALL, K erm it L. T h e O x f o r d g u id e t o ü n it e d S t a t e s S u p r e m e C o u r t s d e c is io n s . N ew Y ork: Oxford U niversity<br />

Press, 1 9 9 9 . p. 2 7 7 .<br />

2 C onstitu ição n o rte-am erican a. 1 4 a Em enda: “Todas as pessoas nascid as ou n atu ralizad as n o s E stad os U nidos<br />

e su jeitas à sua ju risd ição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado on<strong>de</strong> tiv erem residência. N enhum Estado<br />

po<strong>de</strong>rá fa z ero u e x e c u ta rieis restrin g in d o o sp riv ilég io s ou as im unida<strong>de</strong>s dos cidadãos dos E stad os U nidos; nem<br />

po<strong>de</strong>rá p rivar q ualquer pessoa <strong>de</strong> sua vida, liberda<strong>de</strong> ou b en s sem o p rocesso leg al, ou n eg ar a qualquer p essoa<br />

sob sua ju risd içã o a igu al p ro teção das le is.”<br />

3 A C o rte Suprem a d eterm in ou a ju n ç ã o d o s s e g r e g a tio n cases Brow n v. B o ard o f Education o fT o p ek a (3 4 7 U.S.<br />

4 8 3 - 1 9 5 4 ) e B o llin g v . S h a rp e (3 4 7 U. S. 4 9 7 - 1 9 5 4 ) . Em virtu<strong>de</strong> d a gravida<strong>de</strong> so cial da d e cisã o , som ente<br />

após um ano, ou seja, em 31 m aio <strong>de</strong> 1 9 5 5 , a C orte d eterm in o u às au torid ad es esco lares que co n cretizassem<br />

com toda d e lib e r a d a p r e s s a ( w it h a ll d e lib e r a te s p e e d ) o fim da d iscrim in ação racial nas esco las, <strong>de</strong>legan d o aos<br />

ju iz e s fed erais a fiscalização e efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua d ecisão. N ote-se que a con cretização <strong>de</strong> altera çã o so cia l tão<br />

profu nda na p rá tic a m o stro u -se <strong>de</strong> d ificulda<strong>de</strong> ím par. S o m en te em 1 9 5 4 , a C orte Su p rem a d eterm in o u o fim<br />

do prazo para que as au torid ad es ed u cacio n ais agissem com toda d e lib e r a d a p re s s a (w ith a ll d e lib e r a te speed) e<br />

d eclarou in co n stitu cio n al a tran sfo rm ação <strong>de</strong> esco las p úblicas em p rivadas, com a única finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> m an ten ça<br />

da segregação racial ( G r i f f i n v . C o u n t y B o a r d o f P r ic e E d w a r d C o u n t y ( 3 7 7 U .S. 2 1 8 ) , 1 9 5 4 ). Em 1 9 5 9 , a Suprem a<br />

C orte or<strong>de</strong>nou que os distritos escolares, fin alm en te, en cerrassem im ed iatam en te o sistem a <strong>de</strong> discrim in ação<br />

racial em todas as escolas públicas, d ecretan d o o in ício do sistem a ed u cacio n al u n itário (A le x a n d e r v. H o lm e s<br />

C o u n t y B o a r d o f E d u c a t io n (3 9 5 U .S. 1 9 ) , 1 9 5 9 ).


822 Direito Constitucional • Moraes<br />

do Direito. Observe-se, porém, que mesmo após a adoção do novo posicionamento, são<br />

excepcionais e raríssimos os casos em que a Câmara dos Lor<strong>de</strong>s alterou os próprios prece<strong>de</strong>ntes,<br />

em prol da segurança jurídica.1<br />

A EC n12 45/04 possibilitou ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, assim como à Corte Suprema<br />

Americana e à Câmara dos Lor<strong>de</strong>s inglesa, a não vinculação ad eternum a seus próprios<br />

prece<strong>de</strong>ntes, po<strong>de</strong>ndo, a partir <strong>de</strong> novas provocações, reflexões e diversas <strong>de</strong>cisões futuras,<br />

alterar a interpretação dada em matéria <strong>constitucional</strong> e, consequentemente, proce<strong>de</strong>r a<br />

revisão ou cancelamento da súmula, o que impedirá qualquer forma <strong>de</strong> engessamento e<br />

paralisia na evolução do Direito, sem, contudo, <strong>de</strong>srespeitar os princípios da igualda<strong>de</strong>,<br />

segurança jurídica e celerida<strong>de</strong> processual.2<br />

Dessa forma, nos termos do § 22, do art. 103-A, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, regulamentado<br />

pela Lei n211.417/06, a revisão ou cancelamento <strong>de</strong> súmula po<strong>de</strong>rá ser, igualmente,<br />

<strong>de</strong> ofício ou provocada por um dos colegitimados, tanto pelo procedimento direto, quanto<br />

pelo procedimento inci<strong>de</strong>ntal.<br />

Ressalte-se, ainda, que, reforçando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mutação e evolução interpretativa<br />

do <strong>direito</strong> sumular, a Lei nfi 11.417/06 estabeleceu que, revogada ou modificada a lei em<br />

que se fundou a edição <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> súmula vinculante, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

<strong>de</strong> ofício ou por provocação, proce<strong>de</strong>rá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.<br />

Alémdisso, é importante ressaltar que competirá a cada um dos magistrados, ao analisar<br />

o caso concreto, a conclusão pela aplicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminada súmula ou não, ou mesmo<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apontarnovos pontos característicos que não se encontram analisados<br />

na Súmula, ou ainda, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> alteração da súmula em virtu<strong>de</strong> da evolução do<br />

Direito, <strong>de</strong> maneira semelhante ao que ocorre no <strong>direito</strong> norte-americano, quando o juiz<br />

utiliza-se do mecanismo processual do distinguishing (distinção entre o caso concreto e<br />

o prece<strong>de</strong>nte judicial) para <strong>de</strong>monstrar que não é o caso <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

prece<strong>de</strong>nte na hipótese em julgamento.<br />

A EC nB45/04, corretamente, não previu, por exagerado e inútil, nenhum mecanismo<br />

que possa responsabilizar disciplinarmente o juiz pela não adoção das súmulas vinculantes.3<br />

A proteção da valida<strong>de</strong> das súmulas vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal<br />

1 Cf. C R O SS, R u p ert; H ARRIS, J . W. P r e c e d e n t in E n g lis h la w . O xford: C larendon Press, 1 9 9 1 . p. 1 0 2 -1 0 8 .<br />

2 C onferir, n esse m esm o sentido: FR IED E, R eis. D as refo rm as co n stitu cio n ais. R e v is t a d o s T r ib u n a is , a n o 6 , n “<br />

2 5 , p. 7 4 -7 5 , out./<strong>de</strong>z. 1 9 9 8 .<br />

3 Law rence B a u m a p o n ta q u e , ap esa r <strong>de</strong> existir e sse m ecan ism o nos Estados U nidos, ja m a is a C orte Suprem a<br />

utilizou -se da possibilid a<strong>de</strong> <strong>de</strong> d ecla ra r um ju iz culpado p or d esacato , em b ora quase fizesse isso num caso em<br />

1 9 6 9 (In re H ern d o n j. A lém disso, re le m b ra que, ap esar <strong>de</strong> na gran<strong>de</strong> m a io ria dos casos as d ecisões da C orte<br />

Suprem a serem a ca ta d a s pelos tribu n ais in ferio res, e x iste m e xem p lo s em que esses trib u n a is <strong>de</strong>sresp eitaram<br />

essas d ecisões, retard an d o a execu ção <strong>de</strong> seus ju lg a d o s, ou ain d a, in terp retan d o -as d iferen tem en te do que afirm<br />

ara a C orte Suprem a. O a u to r cita com o exem plo o caso Hawkins v. U niversida<strong>de</strong> da F ló rid a, em que, ap esar<br />

<strong>de</strong> a C orte Suprem a te r d eterm in a d o , p rim eiram en te (1 9 5 4 ), que a C orte Suprem a da Flórid a reexam in a sse a<br />

negativa <strong>de</strong> acesso do negro H aw kins à Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da U niversida<strong>de</strong> da Flórida, som en te frequ en tad a<br />

p or bran co s e, p o sterio rm en te (1 9 5 6 ), que H aw kins tin h a d ireito a p ro n ta adm issão, p o r um a série <strong>de</strong> m a n o ­<br />

bras a C orte Estadual n egou-se a e x e cu ta r a d ecisão , n ão ten d o a C orte Su p rem a ap licado qualquer san ção aos<br />

ju iz e s da m esm a (BAUM , L aw ren ce. A s u p r e m a c o n e a m e r ic a n a . Rio <strong>de</strong> Ja n e iro : Forense U n iversitária, 1 9 8 7 . p.<br />

3 0 0 - 3 0 1 ). Pod eriam os, ain da, cita r outros exem p los h istó rico s, co m o no c a so dos índios d a G eórgia, em q u e o<br />

Estado da G eórgia, apoiado pelo P resid en te Ja ck so n , ap ropriou -se das terras in dígen as e d eso bed eceu ã or<strong>de</strong>m<br />

da C orte <strong>de</strong> M arshall para restitu í-las.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 823<br />

Fe<strong>de</strong>ral será feita da mesma maneira como vem ocorrendo com os efeitos vinculantes nas<br />

ações diretas <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> e nas ações <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

por meio <strong>de</strong> reclamações (CF, art. 102,1, l cc art. 103-A, § 3a - conferir no Capítulo 12,<br />

item 10.9.1).<br />

Assim, do ato administrativo ou <strong>de</strong>cisão judicial que contrariar a súmula aplicável<br />

ou que in<strong>de</strong>vidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que,<br />

julgando-a proce<strong>de</strong>nte, anulará o ato administrativo ou cassará a <strong>de</strong>cisão judicial reclamada,<br />

e <strong>de</strong>terminará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme<br />

o caso, sem prejuízo dos recursos cabíveis ou outros meios admissíveis <strong>de</strong> impugnação<br />

(art. 7a da lei).<br />

Em se tratando <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento administrativo <strong>de</strong> enunciado <strong>de</strong> súmula vincu-<br />

lante, por omissão ou ato da administração, a reclamação será cabível após o esgotamento<br />

das vias administrativas. Nesses casos, a própria Lei ne 11.417/06 previu a necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> explicitação das razões <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> ou inaplicabilida<strong>de</strong> do enunciado da súmula<br />

vinculante pela autorida<strong>de</strong> administrativa prolatora da <strong>de</strong>cisão impugnada, se não a reconsi<strong>de</strong>rar;<br />

antes <strong>de</strong> encaminhar o recurso à autorida<strong>de</strong> superior; competindo, igualmente,<br />

à autorida<strong>de</strong> administrativa competente para <strong>de</strong>cidir o recurso explicitar as razões da<br />

aplicabilida<strong>de</strong> ou inaplicabilida<strong>de</strong> da súmula.<br />

Observe-se, porém, que para não tornar inócuos os efeitos vinculantes das súmulas<br />

do STF, a Lei nB11.417/06 alterou a legislação sobre processo administrativo no âmbito<br />

da Administração Pública Fe<strong>de</strong>ral (Lei ns 9.784/99), estabelecendo que, acolhida pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a reclamação fundada em violação <strong>de</strong> enunciado da súmula<br />

vinculante, será dada ciência à autorida<strong>de</strong> prolatora da <strong>de</strong>cisão e ao órgão competente<br />

para o julgamento do recurso, que <strong>de</strong>verão a<strong>de</strong>quar as futuras <strong>de</strong>cisões administrativas,<br />

em casos semelhantes, sob pena <strong>de</strong> responsabilização <strong>de</strong> pessoas nas esferas cível, administrativa<br />

e penal.<br />

Por vislumbrar ofensa à Súmula Vinculante 13, o STF suspen<strong>de</strong>u a nomeação <strong>de</strong> irmão<br />

<strong>de</strong> Governador <strong>de</strong> Estado para o cargo <strong>de</strong> Conselheiro do Tribunal <strong>de</strong> Contas, enten<strong>de</strong>ndo<br />

que “estariam presentes os requisitos autorizadores da concessão da liminar. Consi<strong>de</strong>rouse<br />

que a natureza do cargo <strong>de</strong> Conselheiro do Tribunal <strong>de</strong> Contas não se enquadraria no<br />

conceito <strong>de</strong> agente político, uma vez que exerce a função <strong>de</strong> auxiliar do Legislativo no<br />

controle da Administração Pública, e que o processo <strong>de</strong> nomeação do irmão do Governador,<br />

ao menos numa análise perfunctória dos autos, sugeriría a ocorrência <strong>de</strong> vícios que<br />

maculariam a sua escolha por parte da Assembléia Legislativa do Estado”.1<br />

Igualmente, a Corte, em medida cautelar em Reclamação 8.225/SC, concedida pelo<br />

Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, garantiu o efetivo cumprimento da Súmula Vinculante 14, em<br />

<strong>de</strong>fesa do princípio <strong>constitucional</strong> da ampla <strong>de</strong>fesa.<br />

Em relação à vinculação <strong>de</strong> efeitos previstos para as súmulas vinculantes e suas consequências,<br />

analisar nesse mesmo capítulo, itens 10.9 e 13.6, que se aplicam integralmente.<br />

1 STF - P len o - Rcl. 6 7 0 2 AgR-M C/PR, R ei. M in. R ica rd o Lew andow ski, 4 -3 -2 0 0 9 , I n fo r m a t iv o S T F n ° 5 3 7 .


8 2 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

A. Súmula vlnculante da Jurisprudência predominante do Suprem o Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Súmula Vlnculante 1<br />

Ofen<strong>de</strong> a garantia <strong>constitucional</strong> do ato jurídico perfeito a <strong>de</strong>cisão que, sem pon<strong>de</strong>rar<br />

as circunstâncias do caso concreto, <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra a vali<strong>de</strong>z e a eficácia <strong>de</strong> acordo constante<br />

<strong>de</strong> termo <strong>de</strong> a<strong>de</strong>são instituído pela Lei Complementar n° 110/2001.<br />

Súmula Vlnculante 2<br />

É in<strong>constitucional</strong> a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre<br />

sistemas <strong>de</strong> consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.<br />

Súmula Vlnculante 3<br />

Nos processos perante o Tribunal <strong>de</strong> Contas da União asseguram-se o contraditório<br />

e a ampla <strong>de</strong>fesa quando da <strong>de</strong>cisão pu<strong>de</strong>r resultar anulação ou revogação <strong>de</strong> ato administrativo<br />

que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalida<strong>de</strong> do ato <strong>de</strong><br />

concessão inicial <strong>de</strong> aposentadoria, reforma e pensão.<br />

Súmula Vlnculante 4<br />

Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário-mínimo não po<strong>de</strong> ser usado como<br />

in<strong>de</strong>xador <strong>de</strong> base <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> vantagem <strong>de</strong> servidor público ou <strong>de</strong> empregado, nem ser<br />

substituído por <strong>de</strong>cisão judicial.<br />

Súmula Vlnculante 5<br />

A falta <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não<br />

ofen<strong>de</strong> a Constituição.<br />

Súmula Vinculante 6<br />

Não viola a Constituição o estabelecimento <strong>de</strong> remuneração inferior ao salário-mínimo<br />

para as praças prestadoras <strong>de</strong> serviço militar inicial.<br />

Súmula Vinculante 7<br />

A norma do § 3S do art 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional<br />

ne 40/2003, que limitava a taxa <strong>de</strong> juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada<br />

à edição <strong>de</strong> lei complementar.<br />

Súmula Vinculante 8<br />

São inconstitucionais o parágrafo único do art. 5a do Decreto-Lei ns 1.569/1977 e<br />

os arts. 45 e 46 da Lei ne 8.212/1991, que tratam <strong>de</strong> prescrição e <strong>de</strong>cadência <strong>de</strong> crédito<br />

tributário.<br />

Súmula Vinculante 91<br />

O disposto no art. 127 da Lei nfi 7.210/1984 (L ei <strong>de</strong> Execução Penal) foi recebido<br />

pela or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput<br />

do artigo 58.<br />

1 C onferir d ecisão m o n o crá tica da M in istra E llen G racie (R c l 6511/ SP , D J e - 1 7 4 ,1 6 -9 -2 0 0 8 ), p o sterio rm en te<br />

referen d ad a p elo P len o d o S T F (D Je -1 6 7 ,4 - 9 - 2 0 0 9 ) , cassan d o d ecisã o do T rib u n a l <strong>de</strong> J u s tiç a <strong>de</strong> S ã o Paulo por<br />

d esresp eito às Súm u las V in cu lan tes 9 e 1 0 .


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 8 2 5<br />

Súmula Vinculante 10<br />

Viola a cláusula <strong>de</strong> reserva <strong>de</strong> plenário (CF, art. 97) a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> órgão fracionário<br />

<strong>de</strong> tribunal que, embora não <strong>de</strong>clare expressamente a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei ou ato<br />

normativo do po<strong>de</strong>r público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.<br />

Súmula Vinculante 11<br />

Só é lícito o uso d e algemas emcasos<strong>de</strong> resistência e d e fundado receio <strong>de</strong>fugaou<strong>de</strong><br />

perigo à integrida<strong>de</strong> física própria ou alheia, porpartedo preso ou <strong>de</strong> terceiros, justificada<br />

a excepcionalida<strong>de</strong> por escrito, sob pena <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> disciplinar, civil e penal do<br />

agente ou da autorida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da prisão ou do a to processual a que se refere, sem<br />

prejuízo da responsabilida<strong>de</strong> civil do Estado.<br />

Súmula Vinculante 12<br />

A cobrança <strong>de</strong> taxa <strong>de</strong> matrícula nas universida<strong>de</strong>s públicas viola o disposto no art.<br />

206, IV, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Súmula Vinculante 13<br />

A nomeação <strong>de</strong> cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinida<strong>de</strong>,<br />

até o terceiro grau, inclusive, da autorida<strong>de</strong> nomeante ou <strong>de</strong> servidor da mesma<br />

pessoa jurídica investido em cargo <strong>de</strong> direção, chefia ou assessoramento, para o exercício<br />

<strong>de</strong> cargo em comissão ou <strong>de</strong> confiança ou, ainda, <strong>de</strong> função gratificada na administração<br />

pública direta e indireta em qualquer dos Po<strong>de</strong>res da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante <strong>de</strong>signações recíprocas, viola a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Súmula Vinculante 14<br />

É <strong>direito</strong> do <strong>de</strong>fensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos<br />

<strong>de</strong> prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com<br />

competência <strong>de</strong> polícia judiciária, digam respeito ao exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa.1<br />

Súmula Vinculante 15<br />

O cálculo <strong>de</strong> gratificações e outras vantagens do servidor público não inci<strong>de</strong> sobre o<br />

abono utilizado para se atingir o salário-mínimo.<br />

Súmula Vinculante 16<br />

Os arts. 7a, IV, e 39, § 3a (redação da EC19/98), da Constituição, referem-se ao total<br />

da remuneração percebida pelo servidor público.<br />

Súmula Vinculante 17<br />

Durante o período previsto no § 1 °do art. 100 da Constituição, não inci<strong>de</strong>m juros <strong>de</strong><br />

mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.<br />

Súmula Vinculante 18<br />

A dissolução da socieda<strong>de</strong> ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta<br />

a inelegibilida<strong>de</strong> prevista no § 7a do art, 14 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

1 Im portante ressaltar q u e foi a prim eira v e z q u e a C o rte não editou <strong>de</strong> ofício súm ula vinculante, m a s s im a<br />

pedido do Conselho Fe<strong>de</strong>ral da OAB, tendo utilizado o p rocesso Proposta <strong>de</strong> Súmula Vinculante (PSV).


8 2 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Súmula Vinculante 19<br />

A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos <strong>de</strong> coleta, remoção<br />

e tratamento ou <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> lixo ou resíduos provenientes <strong>de</strong> imóveis, não viola o art.<br />

145, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

Súmula Vinculante 20<br />

A gratificação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> técnico-administrativa - data, instituída<br />

pela Lei na 10.404/02, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ferida aos inativos nos valores correspon<strong>de</strong>ntes a 37,5<br />

(trinta e sete vírgula cinco) pontos no período <strong>de</strong> fevereiro a maio <strong>de</strong> 2002 e, nos termos do<br />

art. 5a, parágrafo único, da Lei na 10.404/02, no período <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2002 até a conclusão<br />

dos efeitos do último ciclo <strong>de</strong> avaliação a que se refere o art. I a da Medida Provisória nB<br />

198/04, a partir da qual passa a ser <strong>de</strong> 60 (sessenta) pontos.<br />

Súmula Vinculante 21<br />

É in<strong>constitucional</strong> a exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito ou arrolamento prévios <strong>de</strong> dinheiro ou<br />

bens para admissibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recurso administrativo.<br />

Súmula Vinculante 22<br />

A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nização<br />

por danos morais e patrimoniais <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> trabalho propostas por empregadocontra<br />

empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíam sentença <strong>de</strong> mérito<br />

em primeiro grau quando da promulgação da Emenda Constitucional ne 45/04.<br />

Súmula Vinculante 23<br />

A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ação possessória ajuizada<br />

em <strong>de</strong>corrência do exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.<br />

Súmula Vinculante 24<br />

Não se tipifica crime material contra a or<strong>de</strong>m tributária, previsto no art. I a, incisos I<br />

a IV, da Lei na 8.137/90, antes do lançamento <strong>de</strong>finitivo do tributo.<br />

Súmula Vinculante 25<br />

É ilícita a prisão civil <strong>de</strong> <strong>de</strong>positário infiel, qualquer que seja a modalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>pósito.<br />

Súmula Vinculante 26<br />

Para efeito <strong>de</strong> progressão <strong>de</strong> regime no cumprimento <strong>de</strong> pena por crime hediondo,<br />

ou equiparado, o juízo da execução observará a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 2a da Lei<br />

nB 8.072, <strong>de</strong> 25 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1990, sem prejuízo <strong>de</strong> avaliar se o con<strong>de</strong>nado preenche, ou<br />

não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>terminar, para tal fim,<br />

<strong>de</strong> modo fundamentado, a realização <strong>de</strong> exame criminológico.<br />

Súmula Vinculante 27<br />

Compete à justiça estadual julgar causas entre consumidor e concessionária<strong>de</strong> serviço<br />

público <strong>de</strong> telefonia, quando a Anatel não seja litisconsorte passiva necessária, assistente,<br />

nem opoente.<br />

Súmula Vinculante 28<br />

É in<strong>constitucional</strong> a exigência <strong>de</strong> <strong>de</strong>pósito préviocomo requisito <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crédito tributário.


Controle <strong>de</strong> Constitucionalida<strong>de</strong> 82<br />

Súmula Vinculante 29<br />

É <strong>constitucional</strong> a adoção, no cálculo do valor <strong>de</strong> taxa, <strong>de</strong> um ou mais elementos da<br />

base <strong>de</strong> cálculo própria <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado imposto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não haja integral i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

entre uma base e outra.<br />

Súmula Vinculante 30<br />

(Suspensa)<br />

Súmula Vinculante 31<br />

É in<strong>constitucional</strong> a incidência do imposto sobre serviços <strong>de</strong> qualquer natureza -IS S<br />

sobre operações <strong>de</strong> locação <strong>de</strong> bens móveis.


BDefesa do Estado<br />

13<br />

e das Instituições<br />

Democráticas _<br />

1 ESTADO DE DEFESA E ESTADO DE SÍTIO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê a aplicação <strong>de</strong> duas medidas excepcionais para restauração<br />

da or<strong>de</strong>m em momentos <strong>de</strong> anormalida<strong>de</strong> - Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e Estado <strong>de</strong> sítio,<br />

possibilitando inclusive a suspensão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas garantias constitucionais, em lugar<br />

específico e por certo tempo, possibilitando ampliação do po<strong>de</strong>r repressivo do Estado,<br />

justificado pela gravida<strong>de</strong> da perturbação da or<strong>de</strong>m pública.1<br />

É o chamado sistema <strong>constitucional</strong> das crises, consistente em um conjunto <strong>de</strong> normas<br />

constitucionais, que informadas pelos princípios da necessida<strong>de</strong> e da temporarieda<strong>de</strong>,<br />

têm por objeto as situações <strong>de</strong> crises e por finalida<strong>de</strong> a mantença ou o restabelecimento<br />

da normalida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>.12<br />

A gravida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ambas as medidas, cuja finalida<strong>de</strong> será sempre a superação da crise<br />

e o retorno ao status quo ante, exige irrestrito cumprimento <strong>de</strong> todas as hipóteses e requisitos<br />

constitucionais, sob pena <strong>de</strong> responsabilização política, criminal e civil dos agentes<br />

políticos usurpadores.<br />

O Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa é uma modalida<strong>de</strong> mais branda <strong>de</strong> estado <strong>de</strong> sítio e correspon<strong>de</strong><br />

às antigas medidas <strong>de</strong> emergência do <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> anterior e não exige para sua<br />

<strong>de</strong>cretação, por parte do Presi<strong>de</strong>nte da República, autorização do Congresso Nacional.<br />

O <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong>verá <strong>de</strong>terminar o prazo <strong>de</strong> sua duração; especificar as áreas<br />

abrangidas e indicar as medidas coercitivas, nos termos e limites constitucionais e legais.<br />

O Estado <strong>de</strong> sítio correspon<strong>de</strong> à suspensão temporária e localizada <strong>de</strong> garantias constitucionais,<br />

apresentando maior gravida<strong>de</strong> do que o Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e obrigatoriamente<br />

o Presi<strong>de</strong>nte da República <strong>de</strong>verá solicitar autorização da maioria absoluta dos membros<br />

da Câmara dos Deputados e do Senado Fe<strong>de</strong>ral para <strong>de</strong>cretá-lo.<br />

Em ambas as hipóteses serão ouvidos, sem caráter vinculativo, os Conselhos da República<br />

e da Defesa Nacional, para que aconselhem e opinem ao Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

A possibilida<strong>de</strong> do controle jurisdicional do Estado <strong>de</strong> Defesa e do Estado <strong>de</strong> Sítio<br />

envolve diversos problemas, mas a doutrina e a jurisprudência direcionam-se para a<br />

1 Cf. sobre a possibilid a<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão <strong>de</strong> d ireitos e garan tias individuais em d eco rrên cia da d ecreta çã o do<br />

Estado <strong>de</strong> S ítio : LAVIÉ, Q uiroga. D e re c h o ... Op. cit. p. 5 7 3 -5 7 8 .<br />

2 BARILE, P a o lo . Op. c it. p. 4 5 0 .


Defesa do Estado e das Instituições Democráticas 8 2 9<br />

possibilida<strong>de</strong> do controle da legalida<strong>de</strong>. Assim, será possível ao Po<strong>de</strong>r Judiciário reprimir<br />

eventuais abusos e ilegalida<strong>de</strong>s cometidas durante a execução das medidas do Estado <strong>de</strong><br />

Defesa ou <strong>de</strong> Sítio, inclusive por meio <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança e habeas corpus, pois<br />

a excepcionalida<strong>de</strong> da medida não possibilita a total supressão dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais,1 e tampouco configura um salvo-conduto aos agentes políticos para total<br />

<strong>de</strong>srespeito à Constituição e às leis.12 Em relação, porém, à análise do mérito discricionário<br />

do Po<strong>de</strong>r Executivo (no caso do Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa) e <strong>de</strong>sse juntamente com o Po<strong>de</strong>r Legislativo<br />

(no caso do Estado <strong>de</strong> Sítio), a doutrina dominante enten<strong>de</strong> impossível, por parte<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, a análise da conveniência e oportunida<strong>de</strong> política para a <strong>de</strong>cretação.3<br />

1.1 Quadro comparativo: estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado <strong>de</strong> sítio<br />

Estado <strong>de</strong> Defesa Estado <strong>de</strong> Sítio Estado <strong>de</strong> Sítio<br />

Previsão legal Art. 1 3 6 , c a p u t A rt. 1 3 7 , 1 Art. 1 3 7 , II<br />

H ipóteses<br />

1. Or<strong>de</strong>m p ú b lica ou paz<br />

social am eaçad a<br />

2. In sta b ilid a d e in stitu ­<br />

cional<br />

3. C alam ida<strong>de</strong> n atu ral<br />

1. C om oção n a cio n a l<br />

2. In e ficácia do E stad o <strong>de</strong><br />

D efesa<br />

1. D eclaração <strong>de</strong> guerra<br />

2 . R esp osta à agressão<br />

arm ad a estran g eira<br />

A trib u içã o p ara a<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

Presid en te da R ep ú blica<br />

P resid en te da R ep ú blica<br />

d ecretação<br />

(art. 8 4 , IX, da CF)<br />

(a rt. 8 4 , IX, da CF)<br />

(art. 8 4 , IX , da CF)<br />

Proced im en to<br />

Presi<strong>de</strong>nte verifica a<br />

hipótese legal, solicita<br />

p areceres dos C onselhos<br />

da R ep ú b lica (CF, art. 8 9 )<br />

e <strong>de</strong> D efesa N a cio n a l (CF,<br />

art. 9 1 ). Com os p a receres,<br />

<strong>de</strong>cid irá se d ecreta ou<br />

não o Estado <strong>de</strong> D efesa.<br />

P resid en te v erifica a<br />

h ip ó tese leg a l, so licita<br />

p a recere s d os C onselhos<br />

da R ep ú blica (C F, art.<br />

8 9 ) e <strong>de</strong> D efesa N acional<br />

(C F, art. 9 1 ) . Com os<br />

p a receres, solicita a o C o n ­<br />

g r e s s o N a c io n a l a u t o r i ­<br />

IDEM 0 PROCEDIM EN­<br />

TO A N TERIO R DE DE­<br />

CRETAÇÃO DE ESTADO<br />

DE SÍTIO .<br />

z a ç ã o p a r a d e c r e ta ç ã o d o<br />

E s ta d o d e S ít io , e x p o n d o<br />

o s m o t iv o s d e te r m in a n te s<br />

d o p e d id o . 0 C ongresso<br />

N acional som ente po<strong>de</strong>rá<br />

au to rizar p or m a io r ia<br />

a b s o lu ta da C âm ara dos<br />

D ep utados e do Senad o<br />

F ed eral. Com a a u to riz a ­<br />

çã o , o P resid en te po<strong>de</strong>rá<br />

d e cre ta r o Estado <strong>de</strong><br />

Sítio.<br />

1 DANTAS, S a n T iago. R F 1 4 2 / 7 4 ; S T F - R F 2 4 / 1 5 0 .<br />

2 R F 5 5 / 2 3 3 .<br />

3 FERREIRA FILH O , M an o el G onçalves. C o m e n t á r io s ... Op. d t v. 3. p. 6 8 - 6 9 , in d u siv e d ta n d o A córdão do<br />

Suprem o Tribunal F ed eral n ° 3 .5 5 6 , <strong>de</strong> 1 0 - 6 -1 9 1 4 , on<strong>de</strong> se afirm o u q ue “tratan d o -se <strong>de</strong> a to <strong>de</strong> n atu reza essen ­<br />

cialm en te p o lítica , o Ju d ic iá rio n ã o p o<strong>de</strong> e n tra r na a p re c ia ç ã o dos fa to s q ue o m otiv aram ”.


830 Direito Constitucional • Moraes<br />

Estado <strong>de</strong> Defesa Estado <strong>de</strong> Sítio Estado <strong>de</strong> Sítio<br />

Prazo<br />

Máximo <strong>de</strong> 30 dias, prorrogado<br />

por mais 30 (trinta)<br />

dias uma única vez.<br />

Máximo <strong>de</strong> 30 dias, prorrogado<br />

por mais 30 dias,<br />

<strong>de</strong> cada vez.<br />

O tempo necessário da<br />

guerra ou para repelir<br />

a agressão armada<br />

estrangeira.<br />

Áreas abrangidas<br />

Locais restritos e <strong>de</strong>terminados<br />

(CF, art. 136,<br />

caput).<br />

Âmbito nacional. Após<br />

o Decreto, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

especificará as medidas<br />

específicas e as áreas<br />

abrangidas (CF, art. 138,<br />

caput).<br />

Âmbito nacional. Após<br />

o Decreto, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

especificará as medidas<br />

específicas e as áreas<br />

abrangidas (CF, art. 138,<br />

caput).<br />

Restrições a<br />

<strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais*<br />

Po<strong>de</strong>rão ser restringidas<br />

(CF, art. 136) as previsões<br />

do art. 5a, XII (sigilo<br />

<strong>de</strong> correspondência e <strong>de</strong><br />

comunicações telegráficas e<br />

telefônicas'), XVI (<strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

reunião) e LXI (exigibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> prisão somente em<br />

flagrante <strong>de</strong>lito ou por or<strong>de</strong>m<br />

da autorida<strong>de</strong> judicial<br />

competente).<br />

Po<strong>de</strong>rão ser restringidas<br />

(CF, 139) as previsões do<br />

art 5a, XI (inviolabilida<strong>de</strong><br />

domiciliar), XII (sigilo<br />

<strong>de</strong> correspondência e <strong>de</strong><br />

comunicações telegráficas<br />

e telefônicas), XVI (<strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> reunião), XXV (<strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>), LXI<br />

(exigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prisão<br />

somente em flagrante<br />

<strong>de</strong>lito ou por or<strong>de</strong>m<br />

da autorida<strong>de</strong> judicial<br />

competente) e também o<br />

art. 220 (liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação<br />

do pensamento,<br />

a criação, a expressão e a<br />

informação).<br />

Po<strong>de</strong>rão ser restringidas,<br />

em tese, todas as garantias<br />

constitucionais,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que presentes três<br />

requisitos constitucionais:<br />

1. Necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> efetivação<br />

da medida.<br />

2. Tenham sido objeto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>liberação por parte do<br />

Congresso Nacional no<br />

momento <strong>de</strong> autorização<br />

da medida.<br />

3. Devem estar expressamente<br />

previstos no<br />

Decreto presi<strong>de</strong>ncial. (CF,<br />

art 138, caput, c.c. 139,<br />

caput).<br />

Controle político<br />

sobre a <strong>de</strong>cretação<br />

É posterior. Decretado o<br />

Estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa ou sua<br />

prorrogação, o Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, <strong>de</strong>ntro<br />

<strong>de</strong> 24 horas, submeterá<br />

o ato com a respectiva<br />

justificativa ao Congresso<br />

Nacional, que somente<br />

aprovará a <strong>de</strong>cretação por<br />

maioria absoluta <strong>de</strong> ambas<br />

as Casas Legislativas (CF,<br />

art. 136, § 4a), editando<br />

o respectivo Decreto<br />

Legislativo (CF, art. 49,<br />

IV).<br />

O Controle Congressual<br />

é prévio, uma vez que há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> autorização<br />

para que o Presi<strong>de</strong>nte<br />

o <strong>de</strong>crete.<br />

O Controle Congressual<br />

é prévio, uma vez<br />

que há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

autorização para que o<br />

Presi<strong>de</strong>nte o <strong>de</strong>crete.<br />

Fiscalização<br />

Política sobre as<br />

medidas<br />

A mesa do Congresso Nacional,**<br />

ouvidos os lí<strong>de</strong>res<br />

partidários, <strong>de</strong>signará<br />

Comissão composta <strong>de</strong><br />

cinco <strong>de</strong> seus membros para<br />

acompanhar e fiscalizar<br />

a execução das medidas<br />

referentes ao estado <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa e ao estado <strong>de</strong> sítio.<br />

IDEM<br />

IDEM


Defesa do Estado e das Instituições Democráticas 831<br />

Estado <strong>de</strong> Defesa Estado <strong>de</strong> Sítio Estado <strong>de</strong> Sítio<br />

Ativida<strong>de</strong> parlamentar<br />

0 Congresso Nacional<br />

permanecerá em funcionamento<br />

até o término<br />

das medidas coercitivas<br />

(CF, art. 136, § 6D). Em hipótese<br />

alguma permite-se o<br />

constrangimento do Po<strong>de</strong>r<br />

Legislativo, sob pena <strong>de</strong><br />

crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

(CF, art 85, II).<br />

IDEM (CF, art. 138, § 3a).<br />

Além disso, no Estado<br />

<strong>de</strong> Sítio não se incluirá<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

restrição à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informação, a difusão <strong>de</strong><br />

pronunciamentos <strong>de</strong> parlamentares<br />

efetuados em<br />

suas Casas Legislativas,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que liberada pela<br />

respectiva Mesa<br />

IDEM (CF, art. 138, §<br />

3a).<br />

Além disso, no Estado<br />

<strong>de</strong> Sítio não se incluirá<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

restrição à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

informação, a difusão <strong>de</strong><br />

pronunciamentos <strong>de</strong> parlamentares<br />

efetuados em<br />

suas Casas Legislativas,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que liberada pela<br />

respectiva Mesa.<br />

Responsabilida<strong>de</strong><br />

Cessado o estado <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>fesa ou o estado <strong>de</strong><br />

sítio, cessarão também<br />

seus efeitos, sem prejuízo<br />

da responsabilida<strong>de</strong> pelos<br />

ilícitos cometidos por seus<br />

executores ou agentes<br />

(CF, art. 141, caput).<br />

IDEM<br />

IDEM<br />

Prestação <strong>de</strong><br />

contas<br />

Cessada a situação<br />

excepcional, as medidas<br />

aplicadas em sua vigência<br />

serão relatadas pelo Presi<strong>de</strong>nte<br />

da República, em<br />

mensagem ao Congresso<br />

Nacional, com especificação<br />

e justificação das<br />

providências adotadas,<br />

com relação nominal dos<br />

atingidos, e indicação das<br />

restrições aplicadas (CF,<br />

art. 141, parágrafo único).<br />

IDEM<br />

IDEM<br />

Desrespeito<br />

dos requisitos<br />

e pressupostos<br />

constitucionais<br />

por parte do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República<br />

Crime <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong><br />

(CF, art. 85), sem<br />

prejuízo das responsabilida<strong>de</strong>s<br />

civis e penais.<br />

IDEM<br />

IDEM<br />

* Atítulo comparativo, consultar Paolo Barile, op. cit. p. 450-452, que disserta sobre as hipóteses<br />

<strong>de</strong> suspensão temporária <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas liberda<strong>de</strong>s constitucionais, em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenções<br />

governamentais <strong>de</strong> urgência.<br />

** AMesa do Congresso Nacional, como já visto, é composta <strong>de</strong> sete membros: Presi<strong>de</strong>nte do Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, 1DVice-Presi<strong>de</strong>nte da Câmara dos Deputados, 2° Vice-Presi<strong>de</strong>nte do Senado Fe<strong>de</strong>ral, I o<br />

Secretário da Câmara dos Deputados, 2° Secretário do Senado Fe<strong>de</strong>ral, 3o Secretário da Câmara<br />

dos Deputados, 4QSecretário do Senado Fe<strong>de</strong>ral.


832 Direito Constitucional • Moraes<br />

2 FORÇAS ARMADAS<br />

As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica,<br />

são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e<br />

na disciplina, sob a autorida<strong>de</strong> suprema do Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 84, XIII), e<br />

<strong>de</strong>stinam-se à <strong>de</strong>fesa da Pátria, à garantia dos po<strong>de</strong>res constitucionais e, por iniciativa <strong>de</strong><br />

qualquer <strong>de</strong>stes, da lei e da or<strong>de</strong>m.<br />

Os membros das Forças Armadas são <strong>de</strong>nominados militares e estão sob a chefia do<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República.<br />

A Emenda Constitucional nQ23, promulgada em 2-9-1999, estabeleceu com status<br />

<strong>constitucional</strong> os cargos <strong>de</strong> Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, que<br />

serão nomeados pelo Presi<strong>de</strong>nte da República (CF, art. 84, XIII). Ressalte-se que a citada<br />

emenda, apesar <strong>de</strong> criar o Ministério <strong>de</strong> Estado da Defesa, a ser ocupado privativamente<br />

por brasileiros natos (CF, art. 12, § 3a, VII), em substituição aos antigos Ministérios Militares,<br />

manteve o mesmo status <strong>de</strong> Ministros <strong>de</strong> Estado para os Comandantes das três armas,<br />

como se verifica pelas previsões <strong>de</strong> foro privilegiado no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nas<br />

infrações penais comuns e nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> (CF, art. 102,1, c) e no Senado<br />

Fe<strong>de</strong>ral, nos crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> conexos com os do Presi<strong>de</strong>nte da República<br />

(CF, art. 52, I ). Além disso, <strong>de</strong> forma idêntica às previsões referentes aos Ministros <strong>de</strong><br />

Estado, estabeleceu a EC nfi 23/99 competir ao Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça o processo e<br />

julgamento dos mandados <strong>de</strong> segurança e os habeas data contra ato dos Comandantes da<br />

Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e os habeas corpus quando o coator for Comandante<br />

da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.<br />

Compete ao Presi<strong>de</strong>nte, ainda, a iniciativa <strong>de</strong> lei para a fixação ou modificação dos<br />

efetivos das Forças Armadas (CF, art. 61, § l s, I) e para as leis que disponham sobre<br />

militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento <strong>de</strong> cargos, estabilida<strong>de</strong> e<br />

aposentadoria (CF, art 61, § l s, II,/).1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê que o Congresso Nacional <strong>de</strong>ve editar lei complementar<br />

estabelecendo as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego<br />

das Forças Armadas. Porém, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, <strong>de</strong>termina que o serviço militar é obrigatório nos<br />

termos da lei,12 salvo para as mulheres e os eclesiásticos, que estarão isentos em tempo <strong>de</strong><br />

paz, sujeitos, porém, a outros encargos que a lei lhes atribuir. Compete, ainda, às Forças<br />

Armadas, na forma da lei,3 atribuir serviço alternativo aos que, em tempo <strong>de</strong> paz, após<br />

alistados, alegarem imperativo <strong>de</strong> consciência, enten<strong>de</strong>ndo-se como tal o <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong><br />

crença religiosa e <strong>de</strong> convicção filosófica ou política, para se eximirem <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

caráter essencialmente militar (CF, art. 5Q, VIII - escusa <strong>de</strong> consciência).<br />

Anote-se, finalmente, que aos membros das Forças Armadas aplicam-se as seguintes<br />

disposições constitucionais, além do que vier a ser fixado em lei:4<br />

1 R ed a çã o d ad a p ela Em enda C o n stitu cio n al n ° 1 8 , d e 5 d e fev ereiro d e 1 9 9 8 .<br />

2 L e i n 8 4 .3 7 5 , <strong>de</strong> 1 7 - 8 -1 9 6 4 , reg u lam en tad a p e lo D ecreto n8 5 7 .6 5 4 , <strong>de</strong> 2 0 -1 -1 9 6 6 .<br />

3 L e i n 8 8 .2 3 9 , <strong>de</strong> 4 - 1 0 -1 9 9 1 , reg u la m en ta d a p e la P o rta ria n 8 2 .6 8 1 - C o sem i, <strong>de</strong> 2 8 - 7 -1 9 9 2 , aprovan do o<br />

R eg u lam en to da Lei <strong>de</strong> P resta çã o do S erv iço A lternativo ao S erv iço M ilitar O brigatório.<br />

4 C o n ferir o b serv a çõ es n o C apítulo 9 - A d m in istração p ú b lica - iten s 17 a 19.


Defesa do Estado e das Instituições Democráticas 8 3 3<br />

• as patentes, com prerrogativas, <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres a elas inerentes, são conferidas<br />

pelo Presi<strong>de</strong>nte da República e asseguradas com plenitu<strong>de</strong> aos oficiais<br />

da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos<br />

militares e, juntamente com os <strong>de</strong>mais membros, o uso dos uniformes das<br />

Forças Armadas;<br />

• o militar em ativida<strong>de</strong> que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente<br />

será transferido para a reserva, nos termos da lei;<br />

• o militar da ativa que, <strong>de</strong> acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego<br />

ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração<br />

indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente po<strong>de</strong>rá, enquanto<br />

permanecer nessa situação, ser promovido por antiguida<strong>de</strong>, contando-se-lhe o<br />

tempo <strong>de</strong> serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva,<br />

sendo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> afastamento, contínuos ou não, transferido para<br />

a reserva, nos termos da lei;<br />

• ao militar são proibidas a sindicalização e a greve;<br />

• omilitar, enquanto em serviço ativo, não po<strong>de</strong> estar filiado a partidos políticos;<br />

• o oficial só per<strong>de</strong>rá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou<br />

com ele incompatível, por <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> tribunal militar <strong>de</strong> caráter permanente,<br />

em tempo <strong>de</strong> paz, ou <strong>de</strong> tribunal especial, em tempo <strong>de</strong> guerra;<br />

• o oficial con<strong>de</strong>nado na justiça comum ou militar a pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

superior a dois anos, por sentença judicial transitada em julgado, será submetido<br />

ao julgamento previsto no inciso anterior;<br />

• aplica-se aos militares o disposto no art 7a, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e<br />

XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV;<br />

• aos pensionistas dos militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Territórios<br />

aplica-se o que for fixado em lei específica do respectivo ente estatal;1<br />

• a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, a estabilida<strong>de</strong><br />

e outras condições <strong>de</strong> transferência do militar para a inativida<strong>de</strong>, os<br />

<strong>direito</strong>s, os <strong>de</strong>veres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais<br />

dos militares, consi<strong>de</strong>radas as peculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s, inclusive<br />

aquelas cumpridas por força <strong>de</strong> compromissos internacionais e <strong>de</strong> guerra.<br />

3 SEGURANÇA PÚBLICA<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral preceitua que a segurança pública, <strong>de</strong>ver do Estado, <strong>direito</strong><br />

e responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, é exercida para a preservação da or<strong>de</strong>m pública e da incolumida<strong>de</strong><br />

das pessoas e do patrimônio, sem contudo reprimir-se abusiva e in<strong>constitucional</strong>mente<br />

a livre manifestação <strong>de</strong> pensamento, por meio dos seguintes órgãos:<br />

• polícia fe<strong>de</strong>ral: <strong>de</strong>ve ser instituída por lei como órgão permanente, organizado<br />

e mantido pela União e estruturado em carreira. Destina-se a: apurar infrações<br />

1 CF, art. 4 2 , § 2 °, com a red ação dada p ela EC n° 4 1 / 0 3 .


834 Direito Constitucional • Moraes<br />

penais contra a or<strong>de</strong>m política e social ou em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> bens, serviços e<br />

interesses da União ou <strong>de</strong> suas entida<strong>de</strong>s autárquicas e empresas públicas,<br />

assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou<br />

internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; prevenir<br />

e reprimir o tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o<br />

<strong>de</strong>scaminho, sem prejuízo da ação fazendária e <strong>de</strong> outros órgãos públicos nas<br />

respectivas áreas <strong>de</strong> competência; exercer as funções <strong>de</strong> polícia marítima, aeroportuária<br />

e <strong>de</strong> fronteiras;1 exercer, com exclusivida<strong>de</strong>, as funções <strong>de</strong> polícia<br />

judiciária da União;<br />

• polícia rodoviária fe<strong>de</strong>ral: é órgão permanente, organizado e mantido pela<br />

União e estruturado em carreira, <strong>de</strong>stina-se, na forma da lei, ao patrulhamento<br />

ostensivo das rodovias fe<strong>de</strong>rais;12<br />

• polícia ferroviária fe<strong>de</strong>ral: órgão permanente, organizado e mantido pela União<br />

e estruturado em carreira, <strong>de</strong>stina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo<br />

das ferrovias fe<strong>de</strong>rais;3<br />

• polícias civis: <strong>de</strong>verão ser dirigidas por <strong>de</strong>legados <strong>de</strong> polícia <strong>de</strong> carreira,4 são<br />

incumbidas, ressalvada a competência da União, das funções <strong>de</strong> polícia judiciária<br />

e a apuração <strong>de</strong> infrações penais, exceto das infrações militares;<br />

• polícias militares: sua atribuição é <strong>de</strong> polícia ostensiva, para preservação da<br />

or<strong>de</strong>m pública;5<br />

• corpos <strong>de</strong> bombeiros militares: além das atribuições <strong>de</strong>finidas em lei, são incumbidos<br />

da execução <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa civil.<br />

A polícia, como conceitua Guido Zanobini, é<br />

“a ativida<strong>de</strong> da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei<br />

à liberda<strong>de</strong> dos particulares ao interesse da conservação da or<strong>de</strong>m, da segurança<br />

geral, da paz social e <strong>de</strong> qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais”,6<br />

sendo usual a classificação da polícia em dois gran<strong>de</strong>s ramos: polícia administrativa e<br />

polícia judiciária, conforme salienta André Laubadère.7 A polícia administrativa é também<br />

chamada <strong>de</strong> polícia preventiva, e sua função consiste no conjunto <strong>de</strong> intervenções<br />

1 Redação dada pela Emenda Constitucional n2 19, promulgada em 4-6-1998 e publicada no D iá r io O fic ia l d a<br />

U n iã o em 5-6-1998. Ressalte-se que o art. 34 da própria Emenda Constitucional estabeleceu que sua entrada<br />

em vigor seria na data <strong>de</strong> sua promulgação.<br />

2 Redação dada pela EC n2 19/98.<br />

3 Redação dada pela EC nQ19/98.<br />

4 STF - Pleno - ADI n a 2427/PR - Rei. Min. Eros Grau, <strong>de</strong>cisão: 30-8-2006 - I n f o r m a t i v o S T F nQ438.<br />

5 A EC n2 38, promulgada em 12-6-2002, <strong>de</strong>terminou a incorporação dos Policiais Militares do extinto território<br />

Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Rondônia aos quadros da União, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que, comprovadamente, se encontrassem no exercício<br />

regular <strong>de</strong> suas funções prestando serviços àquele ex-território na data em que foi transformado em Estado.<br />

6 ZANOBINI, Guido. C o rso d i d irit t o a m m in is tr a t iv o . Bolonha: II Molino, 1950. v. 5, p. 17.<br />

7 LAUBADÈRE, André. T r a i t é d e d r o i t a d m in is t r a t if. 9. ed. Paris: LGDJ, 1984. v. 1, p. 630.


Defesa do Estado e das Instituições Democráticas 8 3 5<br />

da administração, conducentes a impor à livre ação dos particulares a disciplina exigida<br />

pela vida em socieda<strong>de</strong>.<br />

Esta classificação foi adotada pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, ao prever taxativamente<br />

no art. 144, que a segurança pública, <strong>de</strong>ver do Estado, é exercida para a preservação<br />

da or<strong>de</strong>m pública e a incolumida<strong>de</strong> das pessoas e do patrimônio, por meio da<br />

polícia fe<strong>de</strong>ral, polícia rodoviária fe<strong>de</strong>ral, polícia ferroviária fe<strong>de</strong>ral, polícias civis e polícias<br />

militares e corpos <strong>de</strong> bombeiros.1<br />

A multiplicida<strong>de</strong> dos órgãos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa da segurança pública, pela nova Constituição,<br />

teve dupla finalida<strong>de</strong>: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> intervenção das Forças Armadas na segurança interna.<br />

O art. 144, § 6a, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral localiza as polícias militares e os corpos <strong>de</strong><br />

bombeiros militares como forças auxiliares e reserva do Exército, subordinando-os, juntamente<br />

com as polícias civis, aos governadores dos Estados, do DistritoFe<strong>de</strong>ral e dos Territórios,12<br />

aos quais compete a direção administrativa, funcional e financeira da polícia.3<br />

Por fim, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong>u aos Municípios a faculda<strong>de</strong>, por meio<br />

do exercício <strong>de</strong> suas competências legislativas, <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong> guardas municipais<br />

<strong>de</strong>stinadas à proteção <strong>de</strong> seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, sem,<br />

contudo, reconhecer-lhes a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> polícia ostensiva ou judiciária.<br />

O art. 144, § 7a, <strong>de</strong>termina que a lei disciplinará a organização e o funcionamento<br />

dos órgãos responsáveis pela segurança pública, <strong>de</strong> maneira a garantir a eficiência <strong>de</strong> suas<br />

ativida<strong>de</strong>s. Como salientado por Tercio Sampaio Ferraz Jr.,<br />

“faz mister uma política nacional <strong>de</strong> segurança pública, para além da transitorieda<strong>de</strong><br />

dos governos e arredada <strong>de</strong> toda instrumentalização clientelística”,<br />

concluindo que<br />

“<strong>de</strong>vemos conscientizar-no <strong>de</strong> que os temas da segurança pública não pertencem<br />

apenas às polícias, mas dizem respeito a todos os órgãos governamentais que se<br />

integram, por via <strong>de</strong> medidas sociais <strong>de</strong> prevenção ao <strong>de</strong>lito. A comunida<strong>de</strong> não<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o STF, a enumeração <strong>constitucional</strong> dos órgãos policiais é taxativa: STF - Pleno - Adin ns<br />

236-8/R J-R el.M in . Octávio G allotti- D i á r i o d a J u s tiç a , Seção I, l ajun. 2001, p. 75. Conferir, ainda, no mesmo<br />

sentido: S T F -P le n o - ADI 2827/RS - Rei. Min. G ilm ar M en<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>cisão: 16-9-2010; STF - P le n o -A D I 3469/<br />

SC - Rei. Min. Gilmar Men<strong>de</strong>s, 16-9-2010.<br />

2 STF - “Distrito Fe<strong>de</strong>ral: polícia civil e m ilita r organização em anutençãodaU nião: significado. A o prescrever<br />

a Constituição (art. 21, X!V1 que compete à União organizar e manter a polícia do Distrito Fe<strong>de</strong>ral - apesar do<br />

contra-senso <strong>de</strong> entregá-la <strong>de</strong>pois ao com ando do G overnador (art. 144, § 62) - parece não po<strong>de</strong>r a lei distrital<br />

dispor sobre o essencial do verbo m a n t e r, que é prescrever quanto custará pagar os quadros <strong>de</strong> servidores policiais:<br />

<strong>de</strong>sse m odo a liminar do Tribunal <strong>de</strong> Justiça local, que im põe a equiparação <strong>de</strong> vencimentos entre policiais<br />

- servidores mantidos pela União - e servidores do Distrito Fe<strong>de</strong>ral parece que, ou im põe a este <strong>de</strong>spesa que<br />

cabe à União ou, se a imputa a esta, emana <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> incom petente e, em qualquer hipótese, acarreta risco<br />

<strong>de</strong> grave lesão à or<strong>de</strong>m administrativa” (R TJ165/500).<br />

3 Nesse sentido, o STF <strong>de</strong>clarou in<strong>constitucional</strong> preceito que assegurava à Polícia Judiciária Civil autonomia<br />

administrativa, funcional e financeira - p or consi<strong>de</strong>rar caracterizada a ofensa ao art. 144, § 6“, da CF/88, em<br />

razão da subordinação existente entre os organismos policiais civis, que integram a estrutura institucional do<br />

Estado, ao chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo (STF - Plen o - Adin n“ 882/M T - Rei. Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 19-<br />

2-2004, I n f o r m a t iv o STF nü 337).


836 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>ve ser afastada, mas convidada a participar do planejamento e da solução das<br />

controvérsias que respeitem a paz pública”.1<br />

Ressalte-se que a remuneração dos servidores policiais citados será fixada na forma<br />

do § 4Bdo art. 39 (conferir Capítulo 9, item 14).<br />

1 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Interpretação e estudos... Op. cit. p. 102.


Or<strong>de</strong>m Econômica<br />

e Financeira ----<br />

A Revolução Francesa e prevalecimento das idéias liberais trouxeram o afastamento<br />

da intervenção do Estado na economia, com a consagração das idéias <strong>de</strong> Adam Smith<br />

(1776), em especial: o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> proteger a socieda<strong>de</strong> da violência e da invasão; o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

proteger cada membro da socieda<strong>de</strong> da injustiça e da opressão <strong>de</strong> qualquer outro membro<br />

e o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> praticar e manter <strong>de</strong>terminadas políticas públicas quando necessárias, porém<br />

a ninguém interessasse individualmente.<br />

Observe-se, porém, que o Estado não <strong>de</strong>ixou em nenhum momento <strong>de</strong> se abster por<br />

completo <strong>de</strong> intervir na or<strong>de</strong>m econômica, em maior ou menor grau.<br />

No século XIX, o manifesto comunista <strong>de</strong> Karl Marx passou a embasar teoricamente o<br />

movimento dos trabalhadores, e, juntamente, com os reflexos do cartismo na Inglaterra e à<br />

Comuna <strong>de</strong> 1871, na França, passam a minar as até então sólidas bases do Estado Liberal.<br />

A partir da Constituição <strong>de</strong> Weimer (1919), que serviu <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lo para inúmeras<br />

outras constituições do primeiro pós-guerra, e apesar <strong>de</strong> ser tecnicamente uma constituição<br />

consagradora <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>mocracia liberal - houve a crescente <strong>constitucional</strong>ização do<br />

Estado Social <strong>de</strong> Direito, com a consagração em seu texto dos <strong>direito</strong>s sociais e a previsão<br />

<strong>de</strong> aplicação e realização por parte das instituições encarregadas <strong>de</strong>ssa missão. A <strong>constitucional</strong>ização<br />

do Estado Social consubstanciou-se na importante intenção <strong>de</strong> converter em<br />

<strong>direito</strong> positivo várias aspirações sociais, elevadas à categoria <strong>de</strong> princípios constitucionais<br />

protegidos pelas garantias do Estado <strong>de</strong> Direito.<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulamentação da maior intervenção estatal na econômica, por<br />

pressão da corrente política social-<strong>de</strong>mocrata nas diversas Assembléias Constituintes, gerou<br />

a existência <strong>de</strong> previsões expressas nas diversas constituições, gerando a <strong>de</strong>nominada<br />

Constituição Econômica.<br />

Tratou-se, portanto, em um primeiro momento da inclusão <strong>de</strong> conteúdo predominantemente<br />

programático nos textos constitucionais, complementando o <strong>constitucional</strong>ismo<br />

nascido com o Estado Liberal <strong>de</strong> Direito com normas relativas aos <strong>direito</strong>s sociais<br />

e econômicos.<br />

As constituições passam a contar com normas programáticas político-sociais, além<br />

do tradicional estatuto político, contendo os princípios e normas sobre a or<strong>de</strong>nação so<br />

ciai, os fundamentos das relações entre pessoas e grupos e as formas <strong>de</strong> participação da<br />

comunida<strong>de</strong>, inclusive no processo produtivo.


8 3 8 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

A Constituição Econômica passa a <strong>de</strong>signar, nos ensinamentos <strong>de</strong> Vital Moreira, “o<br />

conjunto <strong>de</strong> preceitos e instituições jurídicas, garantidos os elementos <strong>de</strong>finidores <strong>de</strong><br />

um <strong>de</strong>terminado sistema econômico, instituem uma <strong>de</strong>terminada forma <strong>de</strong> organização<br />

e funcionamento da economia e constituem, pior isso mesmo, uma <strong>de</strong>terminada or<strong>de</strong>m<br />

econômica”.1<br />

O Direito Constitucional mo<strong>de</strong>rno ampliou as tradicionais dimensões da Constituição,<br />

incluindo, entre outras matérias, normas referentes à or<strong>de</strong>m econômica e financeira, no<br />

Título VII, que foi subdividido em quatro capítulos: dos princípios gerais da ativida<strong>de</strong><br />

Econômica (CF, arts. 170 a 181); da política urbana (CF, arts. 182 e 183); da política<br />

agrícola e fundiária e da reforma agrária (CF, arts. 184 a 191); e do sistema financeiro<br />

nacional (CF, art. 192).<br />

Como ressaltado pior José Alfredo <strong>de</strong> Oliveira Baracho, a “relação entre Constituição e<br />

Sistema Econômico ou mesmo Regime Econômico, é frequente nas constituições mo<strong>de</strong>rnas,<br />

que contemplam pautas fundamentais em matéria econômica. Chega-se a falar que, ao lado<br />

<strong>de</strong> uma constituição piolítica, reconhece-se a existência <strong>de</strong> uma Constituição econômica”.12<br />

1 DOS PRIN CÍPIO S G ERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA<br />

A or<strong>de</strong>m econômica na Constituição <strong>de</strong> 1988, em seu artigo 170, optou pielo mo<strong>de</strong>lo<br />

capitalista <strong>de</strong> produção, também conhecido como economia <strong>de</strong> mercado (art. 219), cujo<br />

coração é a livre iniciativa.<br />

Porém, a análise dos quatro princípios da or<strong>de</strong>m econômica previstos no caput do<br />

citado art. 170 - valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna, conformida<strong>de</strong><br />

com os ditames da Justiça social - apontam no sentido da ampla possibilida<strong>de</strong><br />

do intervir na economia, e não somente em situações absolutamente excepcionais.<br />

O sistema capitalista brasileiro encontra-se, no dizer <strong>de</strong> Celso Bastos, “tempierado<br />

por graus diversos <strong>de</strong> intervenção do Estado, o que tem levado alguns autores a falarem<br />

na existência <strong>de</strong> uma forma <strong>de</strong> economia mista”.3<br />

Tal constatação levou Raul Machado Horta, a afirmar que o texto <strong>constitucional</strong>, na<br />

or<strong>de</strong>m econômica, está “impregnada <strong>de</strong> princípios e soluções contraditórias. Ora reflete<br />

no rumo do capitalismo neoliberal, consagrando os valores fundamentais <strong>de</strong>sse sistema,<br />

ora avança no sentido do intervencionismo sistemático e do dirigismo planificador, com<br />

elementos socializadores”.4<br />

O texto <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> 1988, portanto, consagrou uma economia <strong>de</strong>scentralizada,<br />

<strong>de</strong> mercado, sujeita a forte atuação do Estado <strong>de</strong> caráter normativo e regulador, permitindo<br />

que o Estado explore diretamente ativida<strong>de</strong> econômica quando necessário aos imperativos<br />

<strong>de</strong> segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.<br />

1 M O REIRA, Vital. E c o n o m ia e c o n s t it u iç ã o . Coimbra: Coimbra, 1974. p. 34.<br />

2 BARACHO, José A lfredo <strong>de</strong> Oliveira. O princípio <strong>de</strong> subsidiarieda<strong>de</strong>: conceito e evolução. C a d e rn o s d e d ir e it o<br />

c o n s t it u c io n a l e c iê n c ia p o lít ic a , n° 19, p. 11.<br />

3 BASTOS, Celso, MARTINS, Ives Gandra da Silva. C o m e n t á r io s à C o n s t it u iç ã o d o B r a s il, v. 7.<br />

4 HORTA, Raul M achado. A C o n s t it u iç ã o b r a s ile ir a d e 1 9 8 8 - In te r p r e ta ç õ e s .


Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira 8 3 9<br />

O artigo 170 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com a nova redação que lhe <strong>de</strong>u a Emenda<br />

Constitucional nB06/1995, consagrou a or<strong>de</strong>m econômica, fundada na valorização do<br />

trabalho humano e na livre iniciativa.<br />

Igualmente, o artigo 170 estabeleceu a finalida<strong>de</strong> à or<strong>de</strong>m econômica <strong>constitucional</strong>:<br />

garantia <strong>de</strong> existência digna, conforme os ditames da justiça social.<br />

A Carta Magna, ainda, assegurou a todos o livre exercício <strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> econômica,<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> autorização <strong>de</strong> órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.<br />

Conforme salienta Raul Machado Horta,<br />

“no enunciado <strong>constitucional</strong>, há princípios - valores: soberania nacional, proprieda<strong>de</strong><br />

privada, livre concorrência. Há princípios que se confun<strong>de</strong>m com intenções:<br />

reduções das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais, busca do pleno emprego; tratamento favo<br />

recido para as empresas brasileiras <strong>de</strong> capital nacional <strong>de</strong> pequeno porte (alterado<br />

pela EC n- 6/95); função social da proprieda<strong>de</strong>. Há princípios <strong>de</strong> ação política:<br />

<strong>de</strong>fesa do consumidor, <strong>de</strong>fesa do meio ambiente”.1<br />

São princípios gerais da ativida<strong>de</strong> econômica:<br />

• soberania nacional: repetição do princípio geral da soberania (CF, arts. 1B, 1e<br />

4a), com ênfase na área econômica;<br />

• proprieda<strong>de</strong> privada: corolário dos <strong>direito</strong>s individuais previstos no art. 5a, XXII,<br />

XXIV, XXV, XXVI da Carta Magna;<br />

• função social da proprieda<strong>de</strong>: corolário da previsão do art. 5a, XXIII, e art. 186,<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral;<br />

• livre concorrência: constitui livre manifestação da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativa, <strong>de</strong>ven<br />

do, inclusive, a lei reprimir o abuso <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r econômico que visar à dominação<br />

dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros<br />

(CF, art. 173, § 4a);<br />

• <strong>de</strong>fesa do consumidor;<br />

• <strong>de</strong>fesa do meio ambiente: a Constituição Fe<strong>de</strong>ral trata <strong>de</strong> forma ampla a <strong>de</strong>fesa<br />

do meio ambiente no Título VIII - Da or<strong>de</strong>m social; capítulo VI (art. 225). Observe-se<br />

que, para esse fim, a EC na 42/03 ampliou a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente,<br />

prevendo como princípio da or<strong>de</strong>m econômica a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento<br />

diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e <strong>de</strong> seus<br />

processos <strong>de</strong> elaboração e prestação;12<br />

• redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais e sociais: constitui também um dos objetivos<br />

fundamentais da República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil (CF, art. 3a, III);<br />

• busca do pleno emprego;<br />

• tratamento favorecido para as empresas <strong>de</strong> pequeno porte constituídas sob as leis<br />

brasileiras que tenham sua se<strong>de</strong> e administração no País:3 a Emenda Constitucional<br />

1 HORTA, Raul Machado. Estudos <strong>de</strong>... Op. cit. p. 296.<br />

2 Redação dada pela EC n942, promulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003 e publicada no D O U <strong>de</strong> 31-12-2003.<br />

3 Com redação dada pela Emenda Constitucional nQ6, <strong>de</strong> 1995.


840 Direito Constitucional • Moraes<br />

nc 6, <strong>de</strong> 15-8-1995, alterou a redação dos arts. 170, IX, 176, § 1Q; revogou o art.<br />

171, e criou o art. 246, na Constituição Fe<strong>de</strong>ral, trazendo novida<strong>de</strong>s em relação<br />

ao tratam ento das em presas brasileiras. A redação anterior previa com o u m dos<br />

princípios d a or<strong>de</strong>m econôm ica, o “tratamento favorecido p ara as em presas b ra ­<br />

sileiras d e capital nacional <strong>de</strong> pequeno porte”. P o r sua vez, o art. 171,1que trazia<br />

as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> em presa brasileira e em presa brasileira <strong>de</strong> capital nacional, foi<br />

revogado, inexistindo qu alquer diferenciação ou benefício nesse sentido, inclusive,<br />

em relação à pesquisa e à lavra d e recursos m inerais e aproveitam ento dos<br />

potenciais d e energia hidráulica; em face d a alteração da redação originária do<br />

a r t 176, § l s, d a Constituição Fe<strong>de</strong>ral, basta que sejam empresas constituídas sob<br />

as leis brasileiras e que tenham sua se<strong>de</strong> e adm inistração no País.<br />

2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO<br />

A p esar d e o texto <strong>constitucional</strong> d e 1988 ter con sagrado um a econom ia <strong>de</strong>scentralizada,<br />

d e m ercado, autorizou o Estado a intervir n o dom ín io econôm ico com o agente<br />

norm ativo e regulador, com a finalida<strong>de</strong> d e exercer as funções d e fiscalização, incentivo<br />

e planejam ento indicativo ao setor p rivado, sem pre com fiel observância aos princípios<br />

constitucionais d a or<strong>de</strong>m econôm ica, pois, com o ressaltado p o r M a n o e l G onçalves Ferreira<br />

Filho, a or<strong>de</strong>m econôm ica está “sujeita a u m a ação do Estado d e caráter norm ativo<br />

e regu lad o r”.12<br />

M igu el R eale Júnior aponta q u e “esta atuação do Estado com o agente norm ativo o u<br />

regu lad o r é <strong>de</strong> ser concretizada com respeito aos princípios q u e regem a o rd e m econôm i­<br />

ca, fu n d ad a na valorização do trabalh o h u m an o e na livre iniciativa, visando a assegurar<br />

a todos um a existência digna, conform e os ditam es da justiça social (art. 170 da C F )”.3*<br />

1 Antiga redação do art. 171 (Revogado): “São consi<strong>de</strong>radas: I - empresa brasileira a constituída sob as leis<br />

brasileiras e que tenham sua se<strong>de</strong> e administração no País; II - empresa brasileira <strong>de</strong> capital nacional aquela<br />

cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularida<strong>de</strong> direta ou indireta <strong>de</strong> pessoas físicas domiciliadas<br />

e resi<strong>de</strong>ntes no País ou <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público interno, enten<strong>de</strong>ndo-se por controle efetivo da<br />

empresa a titularida<strong>de</strong> da maioria <strong>de</strong> seu capital votante e o exercício, <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório<br />

para gerir suas ativida<strong>de</strong>s. § 1QA lei po<strong>de</strong>rá, em relação à empresa brasileira <strong>de</strong> capital nacional: I - conce<strong>de</strong>r<br />

proteção e benefícios especiais temporários para <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas estratégicas para a <strong>de</strong>fesa<br />

nacional ou imprescindíveis ao <strong>de</strong>senvolvimento do País; II - estabelecer, sempre que consi<strong>de</strong>rar um setor<br />

imprescindível ao <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisito: a) a exigência <strong>de</strong><br />

que o controle referido no inciso II do caput se estenda às ativida<strong>de</strong>s tecnológicas da empresa, assim entendido<br />

o exercício, <strong>de</strong> fato e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório para <strong>de</strong>senvolver ou absorver tecnologia; b) percentuais<br />

<strong>de</strong> participação, no capital, <strong>de</strong> pessoas físicas domiciliadas e resi<strong>de</strong>ntes no País ou entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público<br />

interno. § 2S Na aquisição <strong>de</strong> bens e serviços, o Po<strong>de</strong>r Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei,<br />

à empresa brasileira <strong>de</strong> capital nacional.”<br />

2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito <strong>constitucional</strong> econômico. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 10.<br />

FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1994. v. 6, p. 307.<br />

3 REALE JÚNIOR, Miguel. Casos <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 8. Nesse<br />

sentido: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito <strong>constitucional</strong> econômico. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 9.<br />

Conferir, ainda: STF - Pleno - AI n° 244.578/RS -Rei. Min. Celso d e Mello. Informativo STFna 154; RTJ163/795.


Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira 8 4 1<br />

Dentro <strong>de</strong>ssa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regulação da or<strong>de</strong>m econômica, o texto <strong>constitucional</strong><br />

estabeleceu, em seu art 149, a competência exclusiva da União para instituir contribuições<br />

<strong>de</strong> intervenção no domínio econômico, cuja natureza jurídica é tributária.1<br />

A EC n° 33/01 permitiu, especificamente, a incidência <strong>de</strong> contribuição <strong>de</strong> intervenção<br />

<strong>de</strong> domínio econômico sobre a importação <strong>de</strong> petróleo e seus <strong>de</strong>rivados, gás natural e seus<br />

<strong>de</strong>rivados e álcool combustível (CF, art. 149, § 2-, II), prevendo que a lei que as instituir<br />

<strong>de</strong>verá aten<strong>de</strong>r a <strong>de</strong>terminados requisitos (CF, art. 177, § 4fi).<br />

Assim, a alíquota da contribuição po<strong>de</strong>rá ser diferenciada por produto ou uso ou<br />

reduzida e restabelecida por ato do Po<strong>de</strong>r Executivo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do princípio da<br />

anteriorida<strong>de</strong> (CF, art. 150, III, b).<br />

Igualmente, a EC ne 33/01 direcionou os recursos arrecadados com a cobrança <strong>de</strong>ssa<br />

contribuição <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico, <strong>de</strong>terminando que <strong>de</strong>verão ser<br />

<strong>de</strong>stinados ao pagamento <strong>de</strong> subsídios a preços ou transporte <strong>de</strong> álcool combustível, gás<br />

natural e seus <strong>de</strong>rivados e <strong>de</strong>rivados <strong>de</strong> petróleo; ao financiamento <strong>de</strong> projetos ambientais<br />

relacionados com a indústria do petróleo e gás e ao financiamento <strong>de</strong> programas <strong>de</strong><br />

infraestrutura <strong>de</strong> transportes.<br />

2.1 Utilização <strong>de</strong> radioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e<br />

industriais<br />

A EC ne 49, <strong>de</strong> 9-2-2006, alterou a redação das alíneas “b” e “ c” do art. 21 do texto<br />

<strong>constitucional</strong>, além <strong>de</strong> dar nova redação ao inciso V, do art. 177.<br />

A finalida<strong>de</strong> da referida emenda <strong>constitucional</strong> foi permitir a utilização <strong>de</strong> radioisótopos<br />

para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais, afastando in<strong>de</strong>sejável<br />

monopólio da União, que po<strong>de</strong>ria acarretar prejuízos no <strong>de</strong>senvolvimento científico e<br />

tecnológico relacionado aos radioisótopos.<br />

Dessa forma, compete à União exercer monopólio estatal sobre a pesquisa e lavra, o<br />

enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio <strong>de</strong> minérios nucleares<br />

e seus <strong>de</strong>rivados. Contudo, nos termos da referida emenda <strong>constitucional</strong>, sob regime<br />

<strong>de</strong> permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização <strong>de</strong> radioisótopos para a<br />

pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais. Além disso, sob regime <strong>de</strong> permissão,<br />

são autorizadas a produção, comercialização e utilização <strong>de</strong> radioisótopos <strong>de</strong> meia-vida<br />

igual ou inferior a duas horas.<br />

Nesse mesmo sentido, apesar <strong>de</strong> manter como monopólio da União (CF, art. 177, V)<br />

a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio<br />

<strong>de</strong> minérios e minerais nucleares e seus <strong>de</strong>rivados, a EC ne 49/06 excepcionou os radioisótopos,<br />

cuja produção, comercialização e utilização po<strong>de</strong>rão ser autorizadas sob regime<br />

<strong>de</strong> permissão, referido nos parágrafos anteriores.<br />

1 Conferir histórico feito por Ives Gandra sobre as contribuições (Comentários... Op. cit. 6 v . t. 1, p. 127 ss).<br />

Pinto Ferreira, igualmente, enumera extensa doutrina nacional e estrangeira nesse sentido (Comentários... Op.<br />

cit. p. 308309). Na jurisprudência: STF - Pleno - Rextr. n“ 138.284/UF - Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: l 2-<br />

7-1992 - trecho do voto do ministro-relator in RDA 190/82.


8 4 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

3 DA POLÍTICA URBANA<br />

3.1 Competência para estabelecimento <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

urbano<br />

O tema já foi tratado conjuntamente com as competências legislativas dos Municípios.1<br />

3.2 Usucapião <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> área urbana<br />

Aquele que possuir como sua área urbana <strong>de</strong> até 250 metros quadrados, por cinco<br />

anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou <strong>de</strong> sua família,<br />

adquirir-lhe-á o domínio, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não seja proprietário <strong>de</strong> outro imóvel urbano ou rural.<br />

Nessa hipótese, o título <strong>de</strong> domínio e a concessão <strong>de</strong> uso serão conferidos ao homem ou<br />

à mulher, ou a ambos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do estado civil. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral veda<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> ao mesmo possuidor mais <strong>de</strong> uma vez<br />

(CF, art. 183).<br />

Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>cidiu que, para os fins<br />

previstos no art. 183, não se consi<strong>de</strong>ra o tempo <strong>de</strong> posse anterior à promulgaçãoda Carta<br />

<strong>de</strong> 1988, não se aplicando o entendimento da Súmula 445 do STF (“A Lei n-2.437, <strong>de</strong> 7-3-<br />

55, que reduz prazo prescricional é aplicável às prescrições em curso na data <strong>de</strong> sua vigência<br />

(1-1-56), sah/o quanto aos processos então pen<strong>de</strong>ntes”) .12<br />

Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.<br />

4 DA POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA<br />

4.1 Preceitos da política agrícola<br />

A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação<br />

efetiva do setor <strong>de</strong> produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como<br />

dos setores <strong>de</strong> comercialização, <strong>de</strong> armazenamento e <strong>de</strong> transportes, levando em conta,<br />

especialmente, os seguintes preceitos: os instrumentos creditícios e fiscais; os preços compatíveis<br />

com os custos <strong>de</strong> produção e a garantia <strong>de</strong> comercialização; o incentivo à pesquisa<br />

e à tecnologia; a assistência técnica e extensão rural; o seguro agrícola; o coopera ti vismo;<br />

a eletrificação rural e irrigação; a habitação para o trabalhador rural.<br />

1 Cf. CASTILHO, José Roberto Fernan<strong>de</strong>s. Imposições constitucionais da utilização do solo urbano. R e v is ta<br />

P G E / S P , p. 259, jun. 1994.<br />

2 RE 145.004-MT, Rei. Min. Octávio Gallotti, 21-5-96 - I n f o r m a t iv o S T F , n“ 32, 29 m aio 1996; STF - AI n“<br />

154069-9/MG, R ei.M in. Ceiso<strong>de</strong> M e l l o , D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1,23 jun. 1997, p. 28.957. C f., ainda: BARRUF-<br />

FINI, José Carlos Tosetti. U s u c a p iã o c o n s t it u c io n a l u r b a n o e r u r a l. São Paulo: Atlas, 1998. p. 175 ss.


Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira 8 4 3<br />

4.2 Destinação das terras públicas e <strong>de</strong>volutas<br />

Nesta linha política <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> das constituições anteriores, o legislador constituinte<br />

<strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>terminou que a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> terras públicas e <strong>de</strong>volutas será compatibilizada<br />

com a política agrícola e com o plano nacional <strong>de</strong> reforma agrária, bem como<br />

que a alienação ou a concessão, a qualquer título, <strong>de</strong> terras públicas com área superior a<br />

2.500 hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá <strong>de</strong><br />

prévia aprovação do Congresso Nacional, exceto se as alienações ou as concessões forem<br />

para fins <strong>de</strong> reforma agrária.<br />

Terras <strong>de</strong>volutas, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Hely Lopes Meirelles, são<br />

“todas aquelas que, pertencentes ao domínio público <strong>de</strong> qualquer das entida<strong>de</strong>s<br />

estatais, não se acham utilizadas pelo Po<strong>de</strong>r Público, nem <strong>de</strong>stinadas a fins administrativos<br />

específicos. São bens públicos patrimoniais ainda não utilizados<br />

pelos respectivos proprietários. Tal conceito nos foi dado pela Lei Imperial 601,<br />

<strong>de</strong> 18-9-1850 e tem sido aceito uniformemente pelos civilistas. Estas terras, até a<br />

proclamação da República, pertenciam à Nação; pela Constituição <strong>de</strong> 1891 foram<br />

transferidas aos Estados-membros (art. 64) e alguns <strong>de</strong>stes as transpassaram, em<br />

parte, aos Municípios. Constituem, todavia, domínio da União as terras <strong>de</strong>volutas<br />

dos Territórios Fe<strong>de</strong>rais e as que forem por lei <strong>de</strong>claradas indispensáveis à segurança<br />

e ao <strong>de</strong>senvolvimento nacionais, nos termos do art. 4o, I, da Constituição da<br />

República. Dentre estas últimas estão as terras <strong>de</strong>volutas situadas na faixa <strong>de</strong> cem<br />

quilômetros <strong>de</strong> largura em cada lado do eixo das rodovias da Amazônia legal, que o<br />

Decreto-lei nfi 1.164/71 <strong>de</strong>clarou indispensáveis à segurança e ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

nacionais e incorporou ao patrimônio da União (arts. I a e 2a) ”.1<br />

Ressalte-se, como ensina Celso <strong>de</strong> Mello, que<br />

“a inexistência <strong>de</strong> registro imobiliário não é suficiente para a caracterização do<br />

domínio público. Essa circunstância não induz à presunção <strong>de</strong> que as terras sejam<br />

<strong>de</strong>volutas. O fato <strong>de</strong> o imóvel não se achar registrado em nome <strong>de</strong> um particular<br />

não o converte em terra <strong>de</strong>voluta (RTJ 65/856, 99/234, 81/191; RJTJSP19/54,<br />

23/260, 26/246; RT 405/153, 411/120, 419/129, 490/65, 551/110, 520/141,<br />

549/204). Nesse mesmo sentido: Pontes <strong>de</strong> Miranda, Tratado <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado,<br />

Borsoi, v. 12, § 1.419. Em sentido contrário: Consi<strong>de</strong>ra-se <strong>de</strong>voluta toda a terra<br />

sobre a qual não recaia título registrado no Registro <strong>de</strong> Imóveis (RF 159/71,<br />

116/470; RT 388/619, 307/260, 257/465). Trata-se <strong>de</strong> posição atualmente minoritária<br />

(R D A 134/208). Registre-se, ainda, que não basta a mera alegação <strong>de</strong><br />

ser, a terra, <strong>de</strong>voluta. É necessário que o Po<strong>de</strong>r Público prove que o imóvel é <strong>de</strong> sua<br />

proprieda<strong>de</strong>: RT 537/77, 541/131, 555/223, 558/95”.12<br />

4.3 Reforma agrária<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong>u à União a competência para <strong>de</strong>sapropriar por<br />

interesse social, para fins <strong>de</strong> reforma agrária, o imóvel rural. Reforma agrária <strong>de</strong>ve ser<br />

1 MEIRELLES, H ely Lopes. Direito administrativo... Op. cit. p. 494.<br />

2 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 36-37.


8 4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

entendida como o conjunto <strong>de</strong> notas e planejamentos estatais mediante intervenção do<br />

Estado na economia agrícola com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover a repartição da proprieda<strong>de</strong>1<br />

e renda fundiária. Esse procedimento expropriatório para fins <strong>de</strong> reforma agrária <strong>de</strong>verá<br />

respeitar o <strong>de</strong>vido processo legal, havendo necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vistoria e prévia notificação<br />

ao proprietário, uma vez que haverá privação <strong>de</strong> bens particulares,12 sendo consi<strong>de</strong>rada<br />

modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sapropriação-sanção”.3<br />

São exigidos, entretanto, os seguintes requisitos permissivos para a reforma agrária:<br />

• imóvel não estiver cumprindo sua função social: a função social é cumprida quando<br />

a proprieda<strong>de</strong> rural aten<strong>de</strong>, simultaneamente, segundo critérios e graus <strong>de</strong><br />

exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos (CF, art. 186): aproveitamento<br />

racional e a<strong>de</strong>quado; a utilização a<strong>de</strong>quada dos recursos naturais<br />

disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que<br />

regulam as relações <strong>de</strong> trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários<br />

e dos trabalhadores. Dessa forma, o legislador constituinte manteve<br />

na Constituição <strong>de</strong> 1988 a expropriação-sanção como modalida<strong>de</strong> especial e<br />

excepcional <strong>de</strong> intervenção do po<strong>de</strong>r público na esfera da proprieda<strong>de</strong> privada,<br />

quando esta não estiver cumprindo sua função social;4<br />

• prévia e justa in<strong>de</strong>nização em títulos da dívida agrária, com cláusula <strong>de</strong> preservação<br />

do valor real, resgatáveis no prazo <strong>de</strong> até 20 anos, a partir do segundo<br />

ano <strong>de</strong> sua emissão, e cuja utilização será <strong>de</strong>finida em lei. Observe se que o<br />

orçamento fixará anualmente o volume total <strong>de</strong> títulos da dívida agrária, assim<br />

como o mon tan te <strong>de</strong> recursos para aten<strong>de</strong>r ao programa <strong>de</strong> reforma agrária no<br />

exercício;<br />

• in<strong>de</strong>nização em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias;<br />

• edição <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto que:<br />

a. <strong>de</strong>clare o imóvel como <strong>de</strong> interesse social, para fins <strong>de</strong> reforma agrária;<br />

b. autorize a União a propor a ação <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação;<br />

• isenção <strong>de</strong> impostos fe<strong>de</strong>rais, estaduais e municipais para as operações <strong>de</strong> transferência<br />

<strong>de</strong> imóveis <strong>de</strong>sapropriados para fins <strong>de</strong> reforma agrária.<br />

A análise dos requisitos constitucionais leva à conclusão <strong>de</strong> que a finalida<strong>de</strong> do<br />

legislador constituinte foi garantir um tratamento <strong>constitucional</strong> especial à proprieda<strong>de</strong><br />

produtiva, vedando-se sua <strong>de</strong>sapropriação e prevendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei que<br />

1 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça: “Reform a Agrária. M ovim ento Sem-Terra. M ovim ento<br />

popular visando a implantar a reform a agrária não caracteriza crime contra o patrim ônio. Configura <strong>direito</strong><br />

coletivo, expressão da cidadania, visando a im plantar programa constante da Constituição da República. A<br />

pressão popular é própria do Estado <strong>de</strong> Direito Democrático” (HC n° 5.574/SP - 6a T. - Rei. Min. Luiz Vicente<br />

Cernicchiaro, j. 8-4-97).<br />

2 STF - Pleno - M S n2 22364/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 nov. 1995, p. 39.206.<br />

N o mesmo sentido: S T F -M S 22164-SP (DJ, <strong>de</strong> 17-11-95): MS 22165-MG (DJ, <strong>de</strong> 7-12- 95). MS 22.320-SP, Rei.<br />

M in. M oreira Alves, 11-11-96 - cf. Informativo STF n° 53.<br />

3 STF - Pleno - MS 26192/PB - Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2011.<br />

4 S T F - P le n o - M S n°21348/M S - Rei. Celso d e M ello, Diário da Justiça, S e ç ã o I,8 o u t. 1993, p. 21.012.


Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira 845<br />

fixe requisitos relativos ao cumprimento <strong>de</strong> sua função social. Note-se que a Constituição<br />

veda a <strong>de</strong>sapropriação da proprieda<strong>de</strong> produtiva que cumpra sua função social.<br />

Assim, são insuscetíveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação para fins <strong>de</strong> reforma agrária (CF, art. 185):<br />

• a pequena e média proprieda<strong>de</strong> rural,1assim <strong>de</strong>finida em lei, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seu<br />

proprietário não possua outra;<br />

• a proprieda<strong>de</strong> produtiva.12<br />

Os beneficiários da distribuição <strong>de</strong> imóveis rurais pela reforma agrária, homens ou<br />

mulheres, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do estado civil, receberão títulos <strong>de</strong> domínio ou <strong>de</strong> concessão<br />

<strong>de</strong> uso, inegociáveis pelo prazo <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos (CF, art. 189).<br />

4.4 Usucapião <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> área rural<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral criou o chamado usucapião <strong>constitucional</strong> ou pro labore, em<br />

favor daquele que, não sendo proprietário <strong>de</strong> imóvel rural ou urbano, possua como seu,<br />

por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área <strong>de</strong> terra, em zona rural, não superior<br />

a 50 hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou <strong>de</strong> sua família e tendo nela sua<br />

moradia, adquirir-lhe-á a proprieda<strong>de</strong>. Em contrapartida, porém, vedou qualquer possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> usucapião em imóveis públicos.<br />

5 DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL<br />

5.1 Emenda Constitucional n® 40/03<br />

A redação do capítulo sobre o sistema financeiro nacional (Capítulo IV da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral), dada pela EC na 40, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2003, conce<strong>de</strong>u ao Congresso Nacional maior<br />

liberda<strong>de</strong> para sua regulamentação, pois retirou a exigência <strong>de</strong> observância, por parte da lei<br />

complementar, <strong>de</strong> diversos preceitos previstos pela redação original do art. 192.<br />

1 Em relação às pequenas e médias proprieda<strong>de</strong>s, importante <strong>de</strong>stacar que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, por<br />

m aioria <strong>de</strong> votos, conce<strong>de</strong>u mandado <strong>de</strong> segurança im petrado contra <strong>de</strong>creto presi<strong>de</strong>ncial que <strong>de</strong>clarou <strong>de</strong><br />

interesse social para fins <strong>de</strong> reforma agrária im óvel rural que houvera se transformado em m édia proprieda<strong>de</strong><br />

somente após sua vistoria para fins expropriatórios. O STF consi<strong>de</strong>rou lícita a argum entação <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong><br />

m édia proprieda<strong>de</strong> e, portanto, insuscetível <strong>de</strong> reform a agrária. Note-se que nesse julgado, a m aioria do Tribunal<br />

(vencidos os Ministros Nelson Jobim, lim ar G alvão, Carlos V elloso, Sepúlveda Pertence e N éri Silveira)<br />

enten<strong>de</strong>u ser <strong>direito</strong> do proprietário do im óvel repartir sua proprieda<strong>de</strong>, mesmo após a vistoria do imóvel para<br />

fins <strong>de</strong> reforma agrária, <strong>de</strong>vendo eventual divisão fraudulenta ser examinada em ação própria e jamais em se<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>m andado <strong>de</strong> segurança {Informativo STF n° 8 0 -M S nQ22.591 - Rei. Min. M oreira Alves, 20-8-97; tendo sido<br />

citados os seguintes prece<strong>de</strong>ntes: MS nQ21.010 e MS n2 22.645).<br />

2 Conform e <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em relação à produtivida<strong>de</strong>: “Produtivida<strong>de</strong> - Reform a<br />

agrária. Decorrendo das peças dos autos obstáculo criado pelo Po<strong>de</strong>r Público à exploração do imóvel, como é<br />

a tentativa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sapropriação rechaçada no âmbito do Judiciário, impõe-se a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> insubsisténcia do<br />

<strong>de</strong>creto <strong>de</strong>sapropriatório” (STF - Pleno - MS n° 22.859-8/MG - Rei. Min. Marco Aurélio -D iá rio da Justiça,<br />

Seção 1, 30 mar. 2001, p. 81).


8 4 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Dessa forma, a principal alteração trazida pela EC nQ40/03 foi a verda<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>s<strong>constitucional</strong>ização<br />

do conteúdo básico da matéria referente ao sistema financeiro nacional.<br />

Outra importante previsão foi a expressa <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> <strong>de</strong>snecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> lei complementar<br />

única para disciplinar todo o sistema financeiro nacional.<br />

A nova redação do caput do art. 192 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, dada pela EC ne 40/03,<br />

expressamente, prevê sua regulamentação por leis complementares.<br />

Ressalte-se, porém, que o texto <strong>constitucional</strong> anterior não previa expressamente a<br />

obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a regulamentação do sistema financeiro nacional ser realizada por<br />

uma única e específica lei complementar. A alteração fo i realizada para evitar futuras<br />

contestações jurídicas, conforme analisado no próximo item.<br />

O art. 192 prevê, ainda, que a regulamentação do sistema financeiro nacional <strong>de</strong>verá<br />

respeitar os seguintes preceitos:<br />

• o sistema financeiro nacional <strong>de</strong>verá ser estruturado <strong>de</strong> form a a promover o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

equilibrado do país;<br />

• a regulamentação do sistema financeiro nacional <strong>de</strong>verá ter como meta principal<br />

servir aos interesses da coletivida<strong>de</strong>;<br />

• por expressa <strong>de</strong>terminação <strong>constitucional</strong>, a previsão do art. 192 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral aplica-se também às cooperativas <strong>de</strong> crédito;<br />

• a regulamentação do sistema financeiro nacional <strong>de</strong>verá especificar aparticipação<br />

do capital estrangeiro nas instituições que o integram.<br />

5.2 Regulamentação por leis complementares e revogação da previsão da taxa<br />

anual <strong>de</strong> juros <strong>de</strong> 12%<br />

Nos termos do § 3n, do art. 192, da redação <strong>constitucional</strong> original, as taxas <strong>de</strong> juros<br />

reais não po<strong>de</strong>ríam ser superiores a 12% ao ano, nelas incluídas comissões e quaisquer<br />

outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão <strong>de</strong> crédito. Previa,<br />

ainda, o texto <strong>constitucional</strong> que a cobrança acima <strong>de</strong>sse limite <strong>de</strong>veria ser tipificada como<br />

crime <strong>de</strong> usura. Ocorre, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral havia pacificado tratar-se<br />

<strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo, para sua aplicabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

edição <strong>de</strong> lei complementar, prevista pelo caput do citado art. 192.1<br />

Pretendia-se editar lei complementar, regulamentando todo o sistema financeiro<br />

nacional, menos o § 3B, do art. 192, ou seja, <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r aplicabilida<strong>de</strong> à taxa<br />

anual <strong>de</strong> juros.12<br />

1 STF - Pleno - M I nQ372-6 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção I, 23 set. 1994, p. 25.325;<br />

S T F - M I n° 362-9/RJ - Rei. M in . Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 3 m aio 1996, p. 13.897. Conferir<br />

Súmula STF 648: “A norma do § 3“ do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa<br />

<strong>de</strong> juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilida<strong>de</strong> condicionada à edição <strong>de</strong> lei complementar.”<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral havia pacificado tratar-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia limitada, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo,<br />

para sua aplicabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> lei complementar (STF - Pleno - M I n“ 372-6 - Rei. Min. Celso <strong>de</strong>


Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira 8 4 7<br />

Porém, para evitar eventuais contestações jurídicas sobre a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> edição<br />

<strong>de</strong> lei complementar regulamentando todo o sistema financeiro nacional, sem conce<strong>de</strong>r<br />

aplicabilida<strong>de</strong> imediata ao § 3®, do art. 192, foi promulgada a EC n® 40/03, que não só<br />

revogou o citado § 3®, como também passou a permitir - expressamente - a edição <strong>de</strong> várias<br />

leis complementares para as diversas matérias englobadas pelo sistema financeiro nacional.<br />

M ello,D iário da Justiça, Seção I, 23 set. 1994, p. 25.325; STF - MI nQ362-9/RJ - Rei. Min. Francisco Rezek,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,3 maio 1996, p. 13.897).


Or<strong>de</strong>m Social<br />

15<br />

A base <strong>constitucional</strong> da Or<strong>de</strong>m Social é o primado do trabalho, e o objetivo o bemestar<br />

e a justiça sociais.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral disciplinou no Título VT1I a Or<strong>de</strong>m Social, dividindo-a em oito<br />

capítulos: disposição geral (CF, art 193); segurida<strong>de</strong> social (CF, arts. 194 a 204); educação,<br />

cultura e <strong>de</strong>sporto (CF, arts. 205 a 217); ciência e tecnologia (CF, arts. 218 e 219);<br />

comunicação social (CF, arts. 220 a 224); meio ambiente (CF, art. 225); família, criança,<br />

adolescente e idoso (CF, arts. 226 a 230); índios (CF, arts. 231 e 232).<br />

1 SEGURIDADE SOCIAL<br />

A segurida<strong>de</strong> social foi <strong>constitucional</strong>mente subdividida em normas sobre a saú<strong>de</strong>,<br />

previdência social e assistência social, regendo-se pelos princípios da universalida<strong>de</strong> da<br />

cobertura e do atendimento, da igualda<strong>de</strong> ou equivalência dos benefícios, da unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

organização pelo Po<strong>de</strong>r Público e pela solidarieda<strong>de</strong> financeira, uma vez que é financiada<br />

por toda a socieda<strong>de</strong>.<br />

1.1 Parte geral<br />

1 .1 .1 C o n ceito<br />

A segurida<strong>de</strong> social compreen<strong>de</strong> um conjunto integrado <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> iniciativa dos<br />

po<strong>de</strong>res públicos e da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stinadas a assegurar os <strong>direito</strong>s relativos à saú<strong>de</strong>, à<br />

previdência e à assistência social. Determinou a Constituição que a segurida<strong>de</strong> será financiada<br />

por toda a socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> forma direta eindireta, nos termos da lei, mediante recursos<br />

provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios,<br />

e das seguintes contribuições sociais:1<br />

• do empregador, da empresa e da entida<strong>de</strong> a ela equiparada na form a da lei,<br />

inci<strong>de</strong>ntes sobre a folha <strong>de</strong> salários e <strong>de</strong>mais rendimentos do trabalho pagos ou<br />

1 Redação dada pela EC n2 20/98.


Or<strong>de</strong>m Social 8 4 9<br />

creditados - a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem<br />

vínculo empregatício-, a receita ou o faturamento; o lucro;<br />

• do trabalhador e dos <strong>de</strong>mais segurados da previdência social, não incidindo contribuição<br />

sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral <strong>de</strong> previdência<br />

social <strong>de</strong> que trata o art. 201 da Constituição Fe<strong>de</strong>ralf Dessa forma, a partir da<br />

EC na 20/98 é inadmissível a incidência <strong>de</strong> contribuição sobre proventos <strong>de</strong> inativida<strong>de</strong><br />

e pensões.12<br />

• sobre a receita <strong>de</strong> concursos <strong>de</strong> prognósticos.<br />

O art. 195 e incisos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao disporem sobre o custeio da segurida<strong>de</strong><br />

social, não preveem contribuição a cargo dos aposentados e pensionistas, sendo vedado<br />

aos Estados-membros ou Municípios editarem disciplina em contrário, seja nas Constituições<br />

Estaduais, seja nas respectivas Leis Orgânicas Municipais.3<br />

A segurida<strong>de</strong> social será financiada por toda a socieda<strong>de</strong>, direta ou indiretamente,<br />

nos termos da lei, seja pelos recursos orçamentários, seja pela instituição <strong>de</strong> contribuições<br />

sociais arcadas pelo empregador/empresa, seja pelo trabalhador e <strong>de</strong>mais segurados da<br />

previdência social, excluída a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fixação <strong>de</strong> contribuição sobre aposentadoria<br />

e pensões, seja sobre a receita <strong>de</strong> concursos <strong>de</strong> prognósticos, ou, ainda, arcadas pelo<br />

importador <strong>de</strong> bens ou serviços do exterior, ou <strong>de</strong> quem a lei a ele equiparar. Nos termos<br />

da EC ns 47/05, essas contribuições sociais po<strong>de</strong>rão ter alíquotas ou bases <strong>de</strong> cálculo<br />

diferenciadas, em razão da ativida<strong>de</strong> econômica, da utilização intensiva <strong>de</strong> mão <strong>de</strong> obra,<br />

do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado <strong>de</strong> trabalho.<br />

1.1.2 Objetivos<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina competir ao Po<strong>de</strong>r Público a organização, nos termos<br />

da lei, da segurida<strong>de</strong> social, com a observância obrigatória dos seguintes objetivos:<br />

• universalida<strong>de</strong> da cobertura e do atendimento;<br />

• uniformida<strong>de</strong> e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas<br />

e rurais;<br />

• seletivida<strong>de</strong> e distributivida<strong>de</strong> na prestação dos benefícios e serviços;<br />

• irredutibilida<strong>de</strong> do valor dos benefícios;<br />

• equida<strong>de</strong> na forma <strong>de</strong> participação no custeio;<br />

1 Antes da Em enda Constitucional n° 20/98, o art. 195, ao dispor sobre o custeio da segurida<strong>de</strong> social, possibilitava<br />

a cobrança <strong>de</strong> contribuição do inativo (STF - Pleno - Adin n° 1.441/DF - medida lim inar - Rei. Min.<br />

Octávio Gallotti, I n f o r m a t iv o S T F nQ49), porém, não impedia os Estados-membros <strong>de</strong> isentarem <strong>de</strong> contribuição<br />

os aposentados e os pensionistas (S T F - P le n o - A d in nQ1.433-1/GO -m e d id a lim in a r-R ei. Min. lim ar Galvão,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, l Qjul. 1996, p. 23.861).<br />

2 Nesse sentido: STF - Pleno - Adin nQ2.010/DF - medida cautelar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello. I n f o r m a t iv o<br />

STF na 164; STF - Pleno - Adin nQ2.078/AM - Rei. Min. Sepúlveda Pertence.<br />

3 STF - Adin nQ1.433-1/GO (m edida liminar) - Rei. Min. lim ar Galvão, D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, I o jul. 1996,<br />

p. 23.861.


8 5 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

• diversida<strong>de</strong> da base <strong>de</strong> financiamento;<br />

• caráter <strong>de</strong>mocrático e <strong>de</strong>scentralizado da gestão administrativa, mediante a<br />

gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregadores,<br />

dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.1<br />

1.2 Saú<strong>de</strong><br />

1 .2 .1 C o n c e ito<br />

A saú<strong>de</strong> é <strong>direito</strong> <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong>ver do Estado, garantido mediante políticas sociais e<br />

econômicas que visem à redução do risco <strong>de</strong> doença e <strong>de</strong> outros agravos e ao acesso universal<br />

e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (CF, art.<br />

196), sendo <strong>de</strong> relevância pública as ações e serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, cabendo ao Po<strong>de</strong>r Público<br />

dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, <strong>de</strong>vendo sua<br />

execução ser feita diretamente ou por meio <strong>de</strong> terceiros e, também, por pessoa física ou<br />

jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong> privado (CF, art. 197).<br />

1 .2 .2 D ire triz e s e p re c e ito s c o n s titu c io n a is re la c io n a d o s à sa ú d e<br />

O art. 198 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que as ações e os serviços públicos <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> integram uma re<strong>de</strong> regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,<br />

organizado <strong>de</strong> acordo com as seguintes diretrizes e preceitos:<br />

• <strong>de</strong>scentralização, com direção única em cada esfera <strong>de</strong> governo;<br />

• atendimento integral, com priorida<strong>de</strong> para as ativida<strong>de</strong>s preventivas, sem prejuízo<br />

dos serviços assistenciais;<br />

• participação da comunida<strong>de</strong>;<br />

• financiamento do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> nos termos do art. 195, com recursos<br />

do orçamento da segurida<strong>de</strong> social, da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

e dos Municípios, além <strong>de</strong> outras fontes. A Emenda Constitucional nB20/98<br />

estabeleceu que a lei <strong>de</strong>finirá os critérios <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong> recursos para o<br />

sistema único <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e ações <strong>de</strong> assistência social da União para os Estados,<br />

o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios, e dos Estados para os Municípios, observada<br />

a respectiva contrapartida <strong>de</strong> recursos (CF, art. 195, § 10);<br />

• liberda<strong>de</strong> n a assistência à saú<strong>de</strong> para a iniciativa privada;<br />

• possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> as instituições privadas participarem <strong>de</strong> forma complementar<br />

do Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, segundo diretrizes <strong>de</strong>ste, mediante contrato <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> público ou convênio, tendo preferência as entida<strong>de</strong>s filantrópicas e as<br />

sem fins lucrativos;<br />

• vedação à <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições<br />

privadas com fins lucrativos;<br />

1 Redação dada pela EC n° 20/98.


Or<strong>de</strong>m Social 8 5 1<br />

• vedação à participação direta ou indireta <strong>de</strong> empresas ou capitais estrangeiros<br />

na assistência à saú<strong>de</strong> no país, salvo nos casos previstos em lei.<br />

1.2.3 A trib u iç õ e s c o n s titu c io n a is do S is te m a Ú n ico d e S a ú d e<br />

Ao Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> outras atribuições, nos termos da lei, compete:<br />

• controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias <strong>de</strong> interesse para<br />

a saú<strong>de</strong> e participar da produção <strong>de</strong> medicamentos, equipamentos imunobiológicos,<br />

hemo<strong>de</strong>rivados e outros insumos;<br />

• executar as ações <strong>de</strong> vigilância sanitária e epi<strong>de</strong>miológica, bem como as <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> do trabalhador;<br />

• or<strong>de</strong>nar a formação <strong>de</strong> recursos humanos na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>;<br />

• participar da formulação da política e da execução das ações <strong>de</strong> saneamento<br />

básico;<br />

• incrementar em sua área <strong>de</strong> atuação o <strong>de</strong>senvolvimento científico e tecnológico;<br />

• fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle <strong>de</strong> seu teor nutricional,<br />

bem como bebidas e águas para consumo humano;<br />

• participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização<br />

<strong>de</strong> substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;<br />

• colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.<br />

1.2.4 P ro m o çã o da sa ú d e p ú b lic a e c o m b a te a e n d e m la s<br />

No duplo intuito <strong>de</strong> garantir maior eficiência na saú<strong>de</strong> pública e no combate às en<strong>de</strong>mias<br />

e na fiscalização na contratação <strong>de</strong> pessoal, inicialmente a EC n° 51/06 e, posteriormente,<br />

a EC na 63, <strong>de</strong> 4 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2010, estabeleceram a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> admissão<br />

<strong>de</strong> agentes comunitários <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e agentes <strong>de</strong> combate a en<strong>de</strong>mias com regime jurídico<br />

específico e piso salarial profissional nacional a serem estabelecidos por lei fe<strong>de</strong>ral, que,<br />

ainda, disporá sobre as diretrizes para os planos <strong>de</strong> carreira e a regulamentação <strong>de</strong> suas<br />

ativida<strong>de</strong>s, bem como a estipulação do processo seletivo, <strong>de</strong> acordo com a natureza e<br />

complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. A EC na 63/10<br />

estipula, ainda, que compete à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira<br />

complementar aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios, para o cumprimento do<br />

referido piso salarial.<br />

A EC nQ51/06 previu regra <strong>de</strong> transição em relação à contratação <strong>de</strong> profissionais<br />

exercentes <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agente comunitário.<br />

Nos termos do art. 2a, da EC na 51, <strong>de</strong> 14-2-2006, “após a promulgação da presente<br />

Emenda Constitucional, os agentes comunitários <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e os agentes <strong>de</strong> combate às en<strong>de</strong>mias<br />

somente po<strong>de</strong>rão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

ou pelos Municípios na forma do § 4a do art. 198 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, observado o<br />

limite <strong>de</strong> gasto estabelecido na Lei Complementar <strong>de</strong> que trata o art. 169 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral. Os profissionais que, na data <strong>de</strong> promulgação <strong>de</strong>sta Emenda e a qualquer título,


852 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>sempenharem as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> agente comunitário <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> agente <strong>de</strong> combate<br />

às en<strong>de</strong>mias, na forma da lei, ficam dispensados <strong>de</strong> se submeter ao processo seletivo público<br />

a que se refere o § 4a do art. 198 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que tenham sido<br />

contratados a partir <strong>de</strong> anterior processo <strong>de</strong> Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes<br />

da administração direta ou indireta <strong>de</strong> Estado, Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou Município ou por outras<br />

instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da<br />

fe<strong>de</strong>ração”.<br />

1.3 Previdência social<br />

1.3.1 P la n o d e p re v id ê n c ia s o c ia l<br />

O art. 201 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais<br />

n“ 20, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1998, e 47, <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2005, estabelece que a previdência<br />

social será organizada sob a forma <strong>de</strong> regime geral, <strong>de</strong> caráter contributivo e <strong>de</strong><br />

filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.<br />

Prevê, ainda, que a previdência social aten<strong>de</strong>rá, nos termos da lei, aos seguintes preceitos:<br />

• cobertura dos eventos <strong>de</strong> doença, invali<strong>de</strong>z, morte e ida<strong>de</strong> avançada;<br />

• proteção à maternida<strong>de</strong>, especialmente à gestante;<br />

• proteção ao trabalhador em situação <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego involuntário;<br />

• salário-família e auxílio-reclusão para os <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes dos segurados <strong>de</strong> baixa<br />

renda;<br />

• pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro<br />

e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes.<br />

A EC nB47/05, dando nova redação ao § I a do art. 201, cuja redação já havia sido<br />

alterada pela EC na 20/98, veda a adoção <strong>de</strong> requisitos e critérios diferenciados para<br />

a concessão <strong>de</strong> aposentadoria aos beneficiários do regime geral <strong>de</strong> previdência social,<br />

ressalvados os casos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s exercidas sob condições especiais que prejudiquem a<br />

saú<strong>de</strong> ou a integrida<strong>de</strong> física, e quando se tratar <strong>de</strong> segurados portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência,<br />

nos termos <strong>de</strong>finidos em lei complementar.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral ainda garante que todos os salários-<strong>de</strong>-contribuição consi<strong>de</strong>rados<br />

para o cálculo do benefício serão <strong>de</strong>vidamente atualizados, na forma da lei, e<br />

assegura o reajustamento dos benefícios, no intuito <strong>de</strong> preservar-lhe, em caráter permanente,<br />

o valor real.<br />

Veda-se, por fim, a filiação ao regime geral <strong>de</strong> previdência social, na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

segurado facultativo, <strong>de</strong> pessoa participante <strong>de</strong> regime próprio <strong>de</strong> previdência.<br />

1 O art. 15 da EC n“ 20/98 estabelece: “Até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § I a, da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, seja publicada, permanece em vig o r o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei nQ8.213, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> julho<br />

<strong>de</strong> 1991, na redação vigente à data da publicação <strong>de</strong>sta Emenda.” Mesmo com a nova redação dada pela EC n“<br />

47/05, enten<strong>de</strong>mos que o citado art. 15 permanece em vigor.


Or<strong>de</strong>m Social 853<br />

A EC nQ20/98 manteve as previsões <strong>de</strong> que nenhum benefício que substitua o salário-<br />

-<strong>de</strong>-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao<br />

salário-mínimo (art. 201, § 28) 1e <strong>de</strong> que a gratificação natalina dos aposentados e pensionistasterá<br />

por base ovalordos proventos do mês <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro<strong>de</strong> cada ano (art. 201, § 6°).<br />

A jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já havia pacificado a autoaplicabilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ssas normas, enten<strong>de</strong>ndo que a garantia jurídico-previ<strong>de</strong>nciária prevista nessas normas<br />

“<strong>de</strong>riva <strong>de</strong> norma provida <strong>de</strong> eficácia plena e revestida <strong>de</strong> aplicabilida<strong>de</strong> direta e<br />

imediata. Esse preceito da Lei Fundamental qualifica-se como estrutura jurídica<br />

dotada <strong>de</strong> suficiente <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> normativa, a tornar prescindível qualquer mediação<br />

legislativaconcretizadora do comando nele positivado. Essa norma <strong>constitucional</strong> -<br />

por não reclamar a interpositio legislatoris - opera, em plenitu<strong>de</strong>, no plano jurídico,<br />

todas as suas virtualida<strong>de</strong>s eficaciais, revelando-se aplicável, em consequência,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a data da promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988. Aexigência inscrita<br />

no art. 195, § 5°, da Carta Política traduz comando que tem, por <strong>de</strong>stinatário<br />

exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere à criação, majoração ou<br />

extensão <strong>de</strong> outros benefícios ou serviços da segurida<strong>de</strong> social”.12<br />

A EC nQ47/05 estabeleceu, no âmbito da previdência social, a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />

lei dispor sobre sistema especial <strong>de</strong> inclusão previ<strong>de</strong>nciária para trabalhadores <strong>de</strong> baixa<br />

renda e aqueles sem renda própria que se <strong>de</strong>diquem exclusivamente ao trabalho doméstico<br />

no âmbito <strong>de</strong> sua residência, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que pertencentes a famílias <strong>de</strong> baixa renda, garantindo-<br />

-lhes acesso a benefícios <strong>de</strong> valor igual a um salário-mínimo. Trata-se da consagração<br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> social específico à “dona <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> baixa renda”, que se <strong>de</strong>dica<br />

ao trabalho doméstico e à estruturação familiar, com a possibilida<strong>de</strong> do estabelecimento<br />

legal <strong>de</strong> alíquotas e carências inferiores às vigentes para os <strong>de</strong>mais segurados do regime<br />

geral <strong>de</strong> previdência social.<br />

1 .3 .2 R e g ra s s o b re a p o se n ta d o ria<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê em seu art. 201, § 7°, que será assegurada, nos termos<br />

da lei,3 a aposentadoria no regime geral <strong>de</strong> previdência social, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que obe<strong>de</strong>cidas as<br />

seguintes condições não cumulativas:4<br />

• 35 anos <strong>de</strong> contribuição,5 se homem, e 30 anos <strong>de</strong> contribuição, se mulher;<br />

1 Trata-se do antigo art. 201, § 52, da CF.<br />

2 SXF _ ia x. - Rextr. n2 151.122 (A gR g)/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello.<br />

3 Na vigência do texto original do art. 202 da CF (“É assegurada a aposentadoria, nos termos da lei,..."), o Suprem<br />

o TribunalFe<strong>de</strong>ral havia <strong>de</strong>cidido pela ausência <strong>de</strong> autoaplicabilida<strong>de</strong> da norma <strong>constitucional</strong>, que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ría<br />

<strong>de</strong> integração legislativa, que somente foi implementada a partir das Leis n25 8.212 e 8.213, ambas <strong>de</strong> 19 91, que<br />

aprovaram os Planos <strong>de</strong> Custeio e <strong>de</strong> Benefícios <strong>de</strong> Previdência Social (STF - 2a T. - Rextr. n2195.940-1 - Rei.<br />

Min. lim ar G alvão, Diário da Justiça, Seção 1,21 jun. 1996, p. 22.304. N o mesm o sentido: STF - I a T. - Rextr. n2<br />

206.072-1/SP- ReL Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,6 jun. 1997, p. 24.897).<br />

4 Redação dada pela EC n2 20/98.<br />

5 O § 9°, do art. 201, da CF, com a redação dada pela EC n“ 20/98 prevê: “Para efe ito <strong>de</strong> aposentadoria, é<br />

assegurada a contagem recíproca do tempo <strong>de</strong> contribuição na administração pública e na ativida<strong>de</strong> privada,


854 Direito Constitucional • Moraes<br />

• 65 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher;<br />

• 60 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 55 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher, para os trabalhadores<br />

rurais e para os que exerçam suas ativida<strong>de</strong>s em regime <strong>de</strong> economia familiar, nestes<br />

incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;<br />

• no caso <strong>de</strong> professor, 30 anos <strong>de</strong> contribuição, se homem, e 25 anos <strong>de</strong> contribuição,<br />

se mulher, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que comprove exclusivamente tempo <strong>de</strong> efetivo exercício<br />

das funções <strong>de</strong> magistério na educação infantil e no ensino fundamental<br />

e médio.<br />

A Emenda Constitucional na 41/03 estabeleceu novo limite máximo para o valor dos<br />

benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social, fixando-o em R$ 2.400,00 (dois mil e<br />

quatrocentos reais),1e previu a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu reajuste, a partir da data <strong>de</strong> sua<br />

publicação, para preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizando-o pelos<br />

mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência social.<br />

Esse limite máximo para os valores dos benefícios do regime geral <strong>de</strong> previdência<br />

social, anteriormente fixado pela EC na 20/98, porém, conforme entendimento unânime<br />

do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “não se aplica à licença maternida<strong>de</strong> a que se refere o art.<br />

7a, XVIII, da CF, respon<strong>de</strong>ndo a Previdência Social pela integrida<strong>de</strong> do pagamento da<br />

referida licença”, pois, “tendo em vista que não será objeto <strong>de</strong> <strong>de</strong>liberação a proposta<br />

<strong>de</strong> emenda ten<strong>de</strong>nte a abolir os <strong>direito</strong>s e garantias individuais (CF, art. 60, § 4a, IV)”, o<br />

Tribunal afastou “a exegese segundo a qual a norma impugnada imputaria o custeio da<br />

licença-maternida<strong>de</strong> ao empregador, concernente à diferença dos salários acima <strong>de</strong> R$<br />

1.200,00, porquanto esta propiciaria a discriminação por motivo <strong>de</strong> sexo, ofen<strong>de</strong>ndo o<br />

art. 7a, XXX, que é um <strong>de</strong>sdobramento do princípio da igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres<br />

(CF, art. 5a, I). Levou-se em consi<strong>de</strong>ração também que, entre os objetivos fundamentais<br />

da República do Brasil, está o <strong>de</strong> promover o bem <strong>de</strong> todos, sem preconceito <strong>de</strong> origem,<br />

raça, sexo, cor, ida<strong>de</strong> e quaisquer outras formas <strong>de</strong> discriminação (CF, art. 3a, IV)”.*12<br />

1 .3 .3 R e g ra d e tra n siç ã o d e a p o se n ta d o ria volu n tá ria in te g ra l e<br />

p ro p o rcio n a l<br />

A EC ne 20/98, em seu art. 9a, possibilitou, ressalvado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> opção à aposentadoria<br />

pelas normas estabelecidas para o regime geral <strong>de</strong> previdência social, o <strong>direito</strong> à<br />

aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral <strong>de</strong> previdência social, até<br />

rural ou urbana, hipótese em que os diversos regimes <strong>de</strong> previdência social se compensarão financeiramente,<br />

segundo critérios estabelecidos em lei.”<br />

1 O anterior limite era d eR $ 1.200,00 (EC nQ20/98). Note-se que esse posicionam ento <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong><br />

um teto m áxim o para o va lo r dos benefícios na Constituição Fe<strong>de</strong>ral nunca fo i consenso no Congresso Nacional,<br />

pois como salientou o então relator das propostas revisionais aos arts. 40, 194 ,195,201, 202, 203, 204, 239,<br />

240 e 245, ex-<strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral e atual Ministro do STF, Nelson Jobim , em seu parecer nQ78, <strong>de</strong> 1994-RCF:<br />

“Ao contrário do atual texto <strong>constitucional</strong>, n ão <strong>de</strong>finim os o limite mínim o <strong>de</strong> valor, hoje estabelecido em um<br />

salário-mínimo. Acreditam os que o piso e o teto <strong>de</strong> benefícios não <strong>de</strong>vem ser tratados no texto <strong>constitucional</strong>.”<br />

2 STF - Pleno - Adin nQ1.946/DF - medida cau telar- Rei. Min. Sydney Sanches, <strong>de</strong>cisão: 29-4-99 - Informativo<br />

STF nQ147. Cf, ainda, Informativo STF nQ144.


Or<strong>de</strong>m Social 8 5 5<br />

a data <strong>de</strong> sua publicação, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que preencha cumulativamente os seguintes requisitos<br />

(verificarexemplos no Capítulo 9, item 15.1):<br />

• 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 48 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher;<br />

• tempo <strong>de</strong> contribuição igual, no mínimo, à soma <strong>de</strong>:<br />

a. 35 anos, se homem, e 30 anos, se mulher; e<br />

b. um período adicional <strong>de</strong> contribuição equivalente a 20% do tempo que, na<br />

data da publicação da EC ne 20/98, faltaria para atingir o limite <strong>de</strong> tempo<br />

constante da alínea anterior.<br />

Em razão da cumulativida<strong>de</strong> dos requisitos, a regra <strong>de</strong> transição fixou ida<strong>de</strong>s mínimas<br />

para a aposentadoria integral do homem (53 anos) e da mulher (48 anos).<br />

A EC nQ20/98 permitiu, ainda, que o segurado possa aposentar-se com proventos<br />

proporcionais ao tempo <strong>de</strong> contribuição, quando atendidas as seguintes condições:<br />

• 53 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se homem, e 48 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, se mulher;<br />

• tempo <strong>de</strong> contribuição igual, no mínimo, à soma <strong>de</strong>:<br />

a. 30 anos, se homem, e 25 anos, se mulher; e<br />

b. um período adicional <strong>de</strong> contribuição equivalente a 40% do tempo que, na<br />

data da publicação da EC nB20/98, faltaria para atingir o limite <strong>de</strong> tempo<br />

constante da alínea anterior.<br />

A aposentadoria proporcional correspon<strong>de</strong>rá a 70% do valor máximo que o servidor<br />

po<strong>de</strong>ría obter com a aposentadoria integral. Esse valor <strong>de</strong> 70% será acrescido <strong>de</strong> 5% por<br />

ano <strong>de</strong> contribuição que supere a soma acima referida do tempo mínimo <strong>de</strong> contribuição,<br />

até o limite máximo <strong>de</strong> 100%.<br />

1.3.4 R e g ra d e tra n s iç ã o p a ra p ro fe s so r<br />

A EC ns 20/98 <strong>de</strong>terminou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o professor, que, até a data <strong>de</strong> sua<br />

publicação tivesse exercido ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> magistério, optar por aposentar-se na forma já<br />

<strong>de</strong>scrita no item 1.3.3. Caso haja essa opção, o professor terá o tempo <strong>de</strong> serviço exercido<br />

até a publicação da EC nQ20/98 contado com o acréscimo <strong>de</strong> 17%, se homem, e <strong>de</strong> 20%,<br />

se mulher, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que se aposente, exclusivamente, com tempo <strong>de</strong> efetivo exercício das<br />

funções <strong>de</strong> magistério.<br />

1 .3 .5 R e g im e d e p re v id ê n c ia p riv a d a d e c a rá te r co m p le m e n ta r<br />

A Emenda Constitucional nQ20/98 inovou em termos constitucionais, trazendo a<br />

previsão do regime <strong>de</strong> previdência privada que será baseado na constituição <strong>de</strong> reservas<br />

que garantam o benefício contratado.<br />

O regime <strong>de</strong> previdência privada apresenta algumas características constitucionais:


8 5 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

• caráter complementar;<br />

• organização autônoma em relação ao regime geral <strong>de</strong> previdência social;<br />

• in<strong>de</strong>pendência financeira em relação ao Po<strong>de</strong>r Público: a Constituição Fe<strong>de</strong>ral veda<br />

o aporte <strong>de</strong> recursos à entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previdência privada pela União, Estados,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas,<br />

socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> economia mista e outras entida<strong>de</strong>s públicas. Excepciona, somente,<br />

a possibilida<strong>de</strong>, nos termos <strong>de</strong> lei complementar, <strong>de</strong> qualquer dos entes fe<strong>de</strong>rativos<br />

patrocinar entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previdência privada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sua contribuição<br />

normal não exceda a do segurado.1Essa lei complementar, igualmente, estabelecerá<br />

os requisitos para a <strong>de</strong>signação dos membros da diretoria das entida<strong>de</strong>s<br />

fechadas <strong>de</strong> previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes<br />

nos colegiados e instâncias <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão em que seus interesses sejam objeto <strong>de</strong><br />

discussão e <strong>de</strong>liberação;<br />

• facult ativida<strong>de</strong>;<br />

• regulamentação por lei complementar;<br />

• publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gestão: a lei complementar que regulamentará o regime <strong>de</strong><br />

previdência privada assegurará aos participantes <strong>de</strong> planos <strong>de</strong> benefícios <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> previdência privada o pleno acesso às informações relativas à<br />

gestão <strong>de</strong> seus respectivos planos.<br />

Nos termos do art. 202, § 2®, com a redação dada pela EC n9 20/98, as contribuições<br />

do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos<br />

e planos <strong>de</strong> benefícios das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> previdência privada não integram o<br />

contrato <strong>de</strong> trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos,<br />

não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.<br />

Ressalte-se, por fim, que a EC ns 20/98 <strong>de</strong>terminou um prazo <strong>de</strong> 90 dias da data <strong>de</strong><br />

sua publicação para que os projetos <strong>de</strong> leis complementares previstos para a regulamentação<br />

do regime <strong>de</strong> previdência privada <strong>de</strong> caráter complementar fossem apresentados<br />

ao Congresso Nacional.<br />

1.4 Assistência social<br />

A assistência social será prestada a quem <strong>de</strong>la necessitar, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong><br />

contribuição, pois não apresenta natureza <strong>de</strong> seguro social, sendo realizada comrecursos<br />

do orçamento da segurida<strong>de</strong> social, previstos no art. 195, além <strong>de</strong> outras fontes, e organizada<br />

com base na <strong>de</strong>scentralização polí tico-administrativa, cabendo a coor<strong>de</strong>nação e as<br />

normas gerais à esfera fe<strong>de</strong>ral e a coor<strong>de</strong>nação e a execução dos respectivos programas às<br />

esferas estadual e municipal, bem como a entida<strong>de</strong>s beneficentes e <strong>de</strong> assistência social; e<br />

1 O § 5fl, do art. 202, com a redação dada pela EC nQ20/98, amplia essa regulamentação ao afirmar: “ A lei<br />

complementar <strong>de</strong> que trata o parágrafo anterior, aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias<br />

ou concessionárias <strong>de</strong> prestação <strong>de</strong> serviços públicos, quando patrocinadoras <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s fechadas <strong>de</strong><br />

previdência privada.”


Or<strong>de</strong>m Social 85 7<br />

na participação da população, por meio <strong>de</strong> organizações representativas, na formulação<br />

das políticas e no controle das ações em todos os níveis.<br />

Apresenta os seguintes objetivos constitucionais:<br />

• a proteção à família, à maternida<strong>de</strong>, à infância, à adolescência e à velhice;<br />

• o amparo a crianças e adolescentes carentes;<br />

• a promoção da integração ao mercado <strong>de</strong> trabalho;<br />

• a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e a promoção<br />

<strong>de</strong> sua integração à vida comunitária;<br />

• a garantia <strong>de</strong> um salário-mínimo <strong>de</strong> benefício mensal à pessoa portadora <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios <strong>de</strong> prover a própria<br />

manutenção ou <strong>de</strong> tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.<br />

Para essa finalida<strong>de</strong>, a EC n° 42/03 facultou aos Estados e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral vincular<br />

a programa <strong>de</strong> apoio à inclusão e promoção social até cinco décimos por cento <strong>de</strong> sua<br />

receita tributária líquida, vedada a aplicação <strong>de</strong>sses recursos no pagamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas<br />

com pessoal e encargos sociais; serviço da dívida; qualquer outra <strong>de</strong>spesa corrente não<br />

vinculada diretamente aos investimentos ou ações apoiados.1<br />

2 EDUCAÇÃO, CULTURA E DESPORTO<br />

2.1 Educação<br />

2 .1 .1 C o n c e ito<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral proclama que a educação é <strong>direito</strong> <strong>de</strong> todos e <strong>de</strong>ver do Estado<br />

e da família, <strong>de</strong>vendo ser promovida e incentivada com a colaboração da socieda<strong>de</strong>,<br />

visando ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania<br />

e sua qualificação para o trabalho. Assim como previsto na constituição anterior,12 é competência<br />

privativa da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (CF,<br />

art. 22, XXIV).3<br />

Dessa forma, conforme salientou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “os serviços <strong>de</strong> educação,<br />

seja os prestados pelo Estado, sejam os prestados por particulares, configuram serviço<br />

público não privativo, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>senvolvidos pelo setor privado in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> concessão, permissão ou autorização”.4<br />

1 CF/67-69 - art. 8Q, XIV: “Compete à União estabelecer e executar planos nacionais <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

bem como planos regionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvim ento” e art. 8Q, XVII, q, - “ legislarsobre diretrizes e bases da educação<br />

nacional; normas gerais sobre <strong>de</strong>sportos” .<br />

2 Redação dada pela EC n2 42, promulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2003 e publicada no DOU <strong>de</strong> 31-12-2003.<br />

3 JUREMA, A<strong>de</strong>rbal. A educação e a cultura nas constituições brasileiras. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, ns<br />

34/13; FIGUEIREDO, Paulo <strong>de</strong>. Educação e constituinte. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, n2 87/77.<br />

4 STF - Pleno - A D I nQ1.007-7/PE- Rei. Min. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 mar. 2006, p. 3.


858 Direito Constitucional • Moraes<br />

O conceito <strong>de</strong> educação, conforme ensina Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

“é mais compreensivo e abrangente que o da mera instrução. A educação objetiva<br />

propiciar a formação necessária ao <strong>de</strong>senvolvimento das aptidões, das potencialida<strong>de</strong>s<br />

e da personalida<strong>de</strong> do educando. O processo educacional tem por meta: (a)<br />

qualificar o educando para o trabalho; e (b) prepará-lo para o exercício consciente<br />

da cidadania. O acesso à educação é uma das formas <strong>de</strong> realização concreta do<br />

i<strong>de</strong>al <strong>de</strong>mocrático”,1<br />

<strong>de</strong>vendo a qualida<strong>de</strong> do ensino ser analisada a partir dos fatores internos <strong>de</strong> avaliação e dos<br />

externos, pela análise da compatibilida<strong>de</strong> com anecessida<strong>de</strong> e os padrões da comunida<strong>de</strong>.12<br />

O texto <strong>constitucional</strong>, além <strong>de</strong> proclamar a universalida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> à educação,<br />

consagra a opção pelo ensino fundamental, que <strong>de</strong>verá ser obrigatório e gratuito, pois,<br />

conforme salientado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “a educação infantil, por qualificar-se<br />

como <strong>direito</strong> fundamental <strong>de</strong> toda criança, não se expõe, em seu processo <strong>de</strong> concretização,<br />

a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina<br />

a razões <strong>de</strong> puro pragmatismo governamental. Os Municípios - que atuarão, prioritariamente,<br />

no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2S) - não po<strong>de</strong>rão<br />

<strong>de</strong>mitir-se do mandato <strong>constitucional</strong>, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado<br />

pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator <strong>de</strong> limitação da<br />

discricionarieda<strong>de</strong> político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se<br />

do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não po<strong>de</strong>m ser exercidas <strong>de</strong> modo<br />

a comprometer, com apoio em juízo <strong>de</strong> simples conveniência ou <strong>de</strong> mera oportunida<strong>de</strong>,<br />

a eficácia <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> básico <strong>de</strong> índole social”.3<br />

2 .1 .2 P rin c íp io s c o n s titu c io n a is d o e n sin o<br />

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios (CF, art 206):<br />

• igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições para o acesso e permanência na escola. Observe-se<br />

que o princípio da igualda<strong>de</strong> admite a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> <strong>de</strong> programa governamental<br />

concessivo <strong>de</strong> bolsa <strong>de</strong> estudos em universida<strong>de</strong>s privadas para<br />

alunos <strong>de</strong> renda familiar <strong>de</strong> pequena monta, com quotas para negros, pardos,<br />

indígenas e portadores <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s especiais, pois, conforme salientou o<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a norma adversada erigira a educação à condição<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> social, <strong>de</strong>ver do Estado e uma <strong>de</strong> suas políticas públicas prioritárias”.4<br />

• liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o<br />

saber. A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cátedra é um <strong>direito</strong> do professor, que po<strong>de</strong>rá livremente<br />

exteriorizar seus ensinamentos aos alunos, sem qualquer ingerência adminis­<br />

1 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... Op. cit. p. 533.<br />

2 BOA VENTURA, Edivaldo M. A Constituição e a educação brasileira. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, n 2<br />

127/34.<br />

3 S T F - 2 a T. - A gí n2 596.927-6/SP - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,15 fev. 2007, p. 31.<br />

4 STF - Pleno - AD I 3330/DF - Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 3-5-2012.


Or<strong>de</strong>m Social 8 5 9<br />

trativa, ressalvada, porém, a possibilida<strong>de</strong> da fixação do currículo escolar pelo<br />

órgão competente;1<br />

• pluralismo d e idéias e <strong>de</strong> concepções pedagógicas e coexistência <strong>de</strong> instituições<br />

públicas e privadas <strong>de</strong> ensino. O texto <strong>constitucional</strong> proclama a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ensino à iniciativa privada, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que observe as normas gerais <strong>de</strong> educação nacional.<br />

Conforme <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “os serviços <strong>de</strong> educação,<br />

seja os prestados pelo Estado, sejam os prestados por particulares, configuram<br />

serviço público não privativo, po<strong>de</strong>ndo ser <strong>de</strong>senvolvidos pelo setor privado<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> concessão, permissão ou autorização”;12<br />

• gratuida<strong>de</strong> do ensino público em estabelecimentos oficiais;<br />

• valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei,<br />

planos <strong>de</strong> carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público <strong>de</strong> provas<br />

e títulos,3 aos das re<strong>de</strong>s públicas, com piso salarial profissional nacional para os<br />

profissionais da educação escolar pública, nos termos <strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral;<br />

• gestão <strong>de</strong>mocrática do ensino público, na forma da lei;4<br />

• garantia <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>;<br />

• a EC ne 53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, estabeleceu que a lei disporá sobre<br />

as categorias <strong>de</strong> trabalhadores consi<strong>de</strong>rados profissionais da educação básica<br />

e sobre a fixação <strong>de</strong> prazo para a elaboração ou a<strong>de</strong>quação <strong>de</strong> seus planos <strong>de</strong><br />

carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios;<br />

• estabelecimento <strong>de</strong> meta <strong>de</strong> aplicação <strong>de</strong> recursos públicos em educação como<br />

proporção do produto interno bruto.<br />

2 .1 .3 O b je tiv o s c o n s titu c io n a is d a e d u c a ç ã o (art. 2 1 4 d a C F )<br />

É competência do Congresso Nacional a edição <strong>de</strong> lei que estabeleça o plano nacional<br />

<strong>de</strong> educação, <strong>de</strong> duração <strong>de</strong>cenal, com o objetivo <strong>de</strong> articular o sistema nacional <strong>de</strong><br />

educação em regime <strong>de</strong> colaboração e <strong>de</strong>finir diretrizes, objetivos, metas e estratégias<br />

<strong>de</strong> implementação para assegurar a manutenção e <strong>de</strong>senvolvimento do ensino em seus<br />

1 RDA 139/52.<br />

2 S T F - P le n o - A D I na 1.007-7/PE - R e i. M in. Eros Grau, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 mar. 2006, p. 3.<br />

3 “É in<strong>constitucional</strong> o dispositivo da Constituição <strong>de</strong> Santa Catarina que estabelece o sistema eletivo, mediante<br />

voto direto e secreto, para a escolha dos dirigentes dos estabelecimentos <strong>de</strong> ensino. É que os cargos públicos ou são<br />

providosm ediante concurso público, ou, tratando-se <strong>de</strong> cargo em comissão, m ediante livre nom eação e exon e­<br />

ração do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo, se os cargos estão na órbita <strong>de</strong>ste (CF art. 37, II, art. 84, X XV)” - STF - Pleno<br />

- A d in n 2 123-0/SC - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,12 set. 1997, p. 43.713. Nesse mesmo<br />

sentido, <strong>de</strong>cidiu o STF: “As nomeações para os cargos da Administração, ressalvadas as hipóteses inscritas na<br />

Constituição, são da competência do Chefe do Po<strong>de</strong>r Executivo (CF, art. 84, XXV), facultadas as <strong>de</strong>legações indicadas<br />

no parág. único do mesmo artigo 84, CF, II - Cautelar <strong>de</strong>feridapara suspensão da eficácia, no § 1Qdo art.<br />

230 da Constituição do Ceará, que cuida da nomeação dos membros do Conselho <strong>de</strong> Educação, das expressões:<br />

indicados na seguinte proporção: um terço pelo Secretário <strong>de</strong> Educação do Ceará e dois terços pelo Legislativo”<br />

(STF - P le n o -A d in na 143-4/CE - Rei. Min. Carlos Velloso -D iá rio da Justiça, Seção 1, 30 mar. 2001, p. 80).<br />

4 Redação dada pela Emenda Constitucional n“ 53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2006 (DOU <strong>de</strong> 20-12-2006).


860 Direito Constitucional • Moraes<br />

diversos níveis, etapas e modalida<strong>de</strong>s por meio <strong>de</strong> ações integradas dos po<strong>de</strong>res públicos<br />

das diferentes esferas fe<strong>de</strong>rativas que conduzam a:<br />

• erradicação do analfabetismo;<br />

• universalização do atendimento escolar;<br />

• melhoria da qualida<strong>de</strong> do ensino;<br />

• formação para o trabalho;<br />

• promoção humanística, científica e tecnológica do país.<br />

2 .1 .4 U n iv e rsid a d e s<br />

As universida<strong>de</strong>s gozam <strong>de</strong> autonomia didático-científica, administrativa e <strong>de</strong> gestão<br />

(CF, art. 207)1financeira e patrimonial, e obe<strong>de</strong>cerão ao princípio <strong>de</strong> indissociabilida<strong>de</strong><br />

entre ensino, pesquisa e extensão, sendo-lhes facultado, bem como às instituições <strong>de</strong><br />

pesquisa científica e tecnológica, a admissão <strong>de</strong> professores, técnicos e cientistas estrangeiros,<br />

na forma da lei.<br />

2 .1 .5 P r e c e ito s c o n s titu c io n a is s o b r e a e d u c a ç ã o<br />

O <strong>de</strong>ver do Estado com a educação será efetivado com a observância dos seguintes<br />

preceitos constitucionais (CF, arts. 208, 209, 210):<br />

• educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (<strong>de</strong>zessete) anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não<br />

tiveram acesso na ida<strong>de</strong> própria;12<br />

• progressiva universalização do ensino médio gratuito;3<br />

• atendimento educacional especializado aos portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, preferencialmente<br />

na re<strong>de</strong> regular <strong>de</strong> ensino;<br />

• educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong>;4<br />

• acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,<br />

segundo a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um;<br />

• oferta <strong>de</strong> ensino noturno regular, a<strong>de</strong>quado às condições do educando;<br />

• atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio <strong>de</strong><br />

programas suplementares <strong>de</strong> material didático escolar, transporte, alimentação<br />

e assistência à saú<strong>de</strong>;5<br />

1 Emenda Constitucional n 211, <strong>de</strong> 1996.<br />

2 Redação dada pela Emenda Constitucional n“ 59, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2009.<br />

3 Redação dada pela Emenda Constitucional n2 14, <strong>de</strong> 12-9-1996.<br />

4 Redação dada pela Emenda Constitucional n2 53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2006 (DOU <strong>de</strong> 20-12-2006).<br />

5 Redação dada pela Emenda Constitucional n° 59, <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2009.


Or<strong>de</strong>m Social 861<br />

• fixação <strong>de</strong> conteúdos mínimos para o ensino fundamental, <strong>de</strong> maneira a assegurar<br />

formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos,<br />

nacionais e regionais;<br />

• previsão <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> ensino religioso, <strong>de</strong> matrícula facultativa, constituindo<br />

disciplina dos horários normais das escolas públicas <strong>de</strong> ensino fundamental.<br />

O ensino religioso <strong>de</strong>verá ser ministrado <strong>de</strong> acordo com a fé religiosa do aluno;<br />

• obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> o ensino fundamental regular ser ministrado em língua<br />

portuguesa, assegurada às comunida<strong>de</strong>s indígenas também a utilização <strong>de</strong> suas<br />

línguas maternas e processos próprios <strong>de</strong> aprendizagem.<br />

Dessa forma, o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é <strong>direito</strong> público subjetivo e<br />

o não oferecimento pelo po<strong>de</strong>r público, ou sua oferta insuficiente e irregular, po<strong>de</strong>rá importar<br />

responsabilida<strong>de</strong> da autorida<strong>de</strong> competente (CF, art. 208, VII, §§ I a e 2a) .<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, afirmando que a educação é <strong>direito</strong> <strong>de</strong> todos, não obstante<br />

prever a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino à iniciativa privada (CF, art. 209),1 consagra a opção pelo<br />

ensino público.<br />

2.1.6 O rg a n iza çã o d o s s is t e m a s d e e n s in o<br />

A União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios organizarão em regime <strong>de</strong><br />

colaboração seus sistemas <strong>de</strong> ensino.12<br />

A União organizará o sistema fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> ensino e o dos Territórios, financiará as<br />

instituições <strong>de</strong> ensino públicas fe<strong>de</strong>rais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva<br />

e supletiva, <strong>de</strong> forma a garantir equalização <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s educacionais<br />

e padrão mínimo <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> do ensino mediante assistência técnica e financeira aos<br />

Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios.<br />

Os Municípios atuarão prioritariamente n o ensino fundamental e na educação infantil.<br />

Os Estados e o Distrito Fe<strong>de</strong>ral atuarão prioritariamente no ensino fundamental e<br />

médio.<br />

Observe-se, ainda, que nos termos da EC na 59, <strong>de</strong> 11-11-2009, a União passará,<br />

juntamente com os Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, na organização <strong>de</strong> seus sistemas<br />

<strong>de</strong> ensino, a <strong>de</strong>finir formas <strong>de</strong> colaboração <strong>de</strong> modo a assegurar a universalização<br />

do ensino obrigatório.<br />

Nos termos da EC na 53, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2006, a educação básica pública<br />

aten<strong>de</strong>rá prioritariamente ao ensino regular.<br />

A EC ns 53/2006, também, <strong>de</strong>terminou que a distribuição dos recursos e <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>s<br />

entre o Distrito Fe<strong>de</strong>ral, os Estados e os Municípios é assegurada mediante a<br />

criação, no âmbito <strong>de</strong> cada Estado e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong> um Fundo <strong>de</strong> Manutenção e<br />

1 “Art. 2 0 9 .0 ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas<br />

gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> pelo po<strong>de</strong>r público.”<br />

2 Nova redação dada pela Em enda Constitucional n° 14, <strong>de</strong> 12-9-1996, cuja vigência é prevista pelo seu art.<br />

6“ - “ Esta em enda entrará em v ig o r a prim eiro <strong>de</strong> janeiro do ano subsequente ao <strong>de</strong> sua prom ulgação.”


8 6 2 Direito Constitucional * Moraes<br />

Desenvolvimento da Educação Básica e <strong>de</strong> Valorização dos Profissionais da Educação -<br />

FUNDEB, <strong>de</strong> natureza contábil; que serão constituídos por 20% dos recursos previstos no<br />

art. 155, incisos I, II e III, no art. 157, caput e inciso D, no art. 158, caput, e incisos II, M e<br />

IV, e no art. 159, caput, e incisos I, ‘a’ e ‘b’ e D, todos da Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A distribuição dos recursos entre cada Estado e seus Municípios será realizada na<br />

forma da lei e proporcionalmente ao número <strong>de</strong> alunos das diversas etapas e modalida<strong>de</strong>s<br />

da educação básica presencial, matriculados nas respectivas re<strong>de</strong>s, observando-se<br />

os âmbitos <strong>de</strong> atuação prioritária estabelecidos <strong>constitucional</strong>mente, ou seja, priorida<strong>de</strong><br />

dos Municípios no ensino fundamental e na educação infantil e dos Estados no ensino<br />

fundamental e médio (ADCT, art. 60).<br />

2 .1 .7 A p lic a ç ã o o b rig a tó ria <strong>de</strong> re cu rso s à e d u ca çã o<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina, com caráter <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong>, que a União<br />

aplique, anualmente, nunca menos <strong>de</strong> 18%, e os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios<br />

25%, no mínimo, da receita resultante <strong>de</strong> impostos, compreendida a proveniente <strong>de</strong><br />

transferências, na manutenção e no <strong>de</strong>senvolvimento do ensino, excluindo-se a parcela<br />

da arrecadação <strong>de</strong> impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos<br />

Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios.<br />

A distribuição dos recursos públicos assegurará, nos termos da EC na 5 9/09, priorida<strong>de</strong><br />

ao atendimento das necessida<strong>de</strong>s do ensino obrigatório, no que se refere a universalização,<br />

garantia <strong>de</strong> padrão <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> e equida<strong>de</strong>, nos termos do plano nacional <strong>de</strong> educação.<br />

Conforme já visto, a aplicação dos recursos <strong>constitucional</strong>mente previstos na área da<br />

educação, a partir da Emenda Constitucional na 14, <strong>de</strong> 12-9-1996, com entrada em vigor,<br />

no primeiro <strong>de</strong> ano subsequente, tornou-se princípio sensível da Constituição Fe<strong>de</strong>ral (CF,<br />

art. 34, VII, e), cuja inobservância pelo Estado-membro ou Distrito Fe<strong>de</strong>ral possibilitará<br />

a intervenção fe<strong>de</strong>ral.<br />

2.2 Cultura<br />

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos <strong>direito</strong>s culturais e acesso às fontes<br />

da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações<br />

culturais, <strong>de</strong>vendo proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras,<br />

e das <strong>de</strong> outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, bem<br />

como fixar as datas comemorativas <strong>de</strong> alta significação para os diferentes segmentos<br />

étnicos nacionais.1<br />

Observe-se que para esse fim a E C na 42/03 facultou aos Estados e a o Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vincular a fundo estadual <strong>de</strong> fomento à cultura até cinco décimos por<br />

cento <strong>de</strong> sua receita tributária líquida, para o financiamento <strong>de</strong> programas e projetos<br />

culturais, vedando, porém, a aplicação <strong>de</strong>sses recursos no pagamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>spesas com<br />

1 TÁCITO, Caio. Educação, cultura e tecnologia na constituição. A constituição... Op. cit. p. 414.


Or<strong>de</strong>m Social 8 6 3<br />

pessoal e encargos sociais; serviço da dívida; qualquer outra <strong>de</strong>spesa corrente não vinculada<br />

diretamente aos investimentos ou ações apoiados.1<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral j á <strong>de</strong>fine oconteúdodo patrimônio cultural brasileiro<br />

como os bens <strong>de</strong> natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,<br />

portadores <strong>de</strong> referência à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores<br />

da socieda<strong>de</strong> brasileira; estabelece a obrigatorieda<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r público, com a colaboração<br />

da comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio<br />

<strong>de</strong> inventários, registros, vigilância, tombamento e <strong>de</strong>sapropriação, e <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong><br />

acautelamento e preservação.<br />

Além disso, enumera exemplificativamente um rol <strong>de</strong> elementos pertencentes ao patrimônio<br />

cultural brasileiro:<br />

• as formas <strong>de</strong> expressão;<br />

• os modos <strong>de</strong> criar, fazer e viver;<br />

• as criações científicas, artísticas e tecnológicas;<br />

• as obras, os objetos, os documentos, as edificações e <strong>de</strong>mais espaços <strong>de</strong>stinados<br />

às manifestações artístico-culturais;<br />

• os conjuntos urbanos e sítios <strong>de</strong> valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,<br />

paleontológico, ecológico e científico;<br />

• os documentos e os sítios <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> reminiscências históricas dos antigos<br />

quilombos, que ficaram tombados pela Constituição Fe<strong>de</strong>ral.<br />

A EC na 48/05 instituiu o Plano Nacional <strong>de</strong> Cultura, que será estabelecido nos termos<br />

da lei, tendo duração plurianual e visando ao <strong>de</strong>senvolvimento cultural do país e à<br />

integração das ações do Po<strong>de</strong>r Público.12<br />

Os preceitos legais <strong>de</strong>verão ter como meta a <strong>de</strong>fesa e valorização do patrimônio cultural<br />

brasileiro; a produção, promoção e difusão <strong>de</strong> bens culturais; a formação <strong>de</strong> pessoal<br />

qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; a <strong>de</strong>mocratização do<br />

acesso aos bens <strong>de</strong> cultura e a valorização da diversida<strong>de</strong> étnica e regional.<br />

Com o intuito <strong>de</strong> estabelecimento <strong>de</strong> uma maior coor<strong>de</strong>nação e visando concretizar<br />

a efetivida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse importante <strong>direito</strong> social, a Emenda Constituicional ns 71, <strong>de</strong> 29 <strong>de</strong><br />

novembro <strong>de</strong> 2012, instituiu o Sistema Nacional <strong>de</strong> Cultura, estruturado, nas respectivas<br />

esferas da Fe<strong>de</strong>ração, da seguinte maneira: órgãos gestores da cultura; conselhos <strong>de</strong> política<br />

cultural; conferências <strong>de</strong> cultura; comissões intergestores; planos <strong>de</strong> cultura; sistemas<br />

<strong>de</strong> financiamento à cultura; sistemas <strong>de</strong> informações e indicadores culturais; programas<br />

<strong>de</strong> formação na área da cultura; e sistemas setoriais <strong>de</strong> cultura.<br />

O Sistema Nacional <strong>de</strong> Cultura <strong>de</strong>verá ser regulamentado por lei fe<strong>de</strong>ral, que, ainda,<br />

estabelecerá a forma <strong>de</strong> sua articulação com os <strong>de</strong>mais sistemas nacionais ou políticas setoriais<br />

<strong>de</strong> governo, organizando-o em regime <strong>de</strong> colaboração, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scentralizada e<br />

participativa, instituindo um processo <strong>de</strong> gestão e promoção conjunta <strong>de</strong> políticas públicas<br />

1 Redação dada pelaEC na 42, promulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2003 e publicada no DOU <strong>de</strong> 31-12-2003.<br />

2 EC n° 48, prom ulgada em 10 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005 (DOU <strong>de</strong> 11-8-2005).


864 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong> cultura, <strong>de</strong>mocráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Fe<strong>de</strong>ração e a socieda<strong>de</strong>,<br />

tendo por objetivo promover o <strong>de</strong>senvolvimento humano, social e econômico com<br />

pleno exercício dos <strong>direito</strong>s culturais. Caberá aos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios<br />

estabelecerem, por meio <strong>de</strong> lei, seus respectivos sistemas <strong>de</strong> cultura.<br />

O Sistema Nacional <strong>de</strong> Cultura fundamenta-se na política nacional <strong>de</strong> cultura e nas<br />

suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional <strong>de</strong> Cultura, e rege-se pelos princípios <strong>de</strong>:<br />

• diversida<strong>de</strong> das expressões culturais;<br />

• universalização do acesso aos bens e serviços culturais;<br />

• fomento à produção, difusão e circulação <strong>de</strong> conhecimento e bens culturais;<br />

• cooperação entre os entes fe<strong>de</strong>rados, os agentes públicos e privados atuantes<br />

na área cultural;<br />

• integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações<br />

<strong>de</strong>senvolvidas;<br />

• complementarida<strong>de</strong> nos papéis dos agentes culturais;<br />

• transversalida<strong>de</strong> das políticas culturais;<br />

• autonomia dos entes fe<strong>de</strong>rados e das instituições da socieda<strong>de</strong> civil;<br />

• transparência e compartilhamento das informações;<br />

• <strong>de</strong>mocratização dos processos <strong>de</strong>cisórios com participação e controle social;<br />

• <strong>de</strong>scentralização articulada e pactuada da gestão, dos recursos e das ações;<br />

• ampliação progressiva dos recursos contidos nos orçamentos públicos para a<br />

cultura.<br />

2.3 Desporto<br />

2 .3 .1 P r e c e ito s c o n s titu c io n a is<br />

O art. 217 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê como <strong>de</strong>ver do Estado fomentar práticas<br />

<strong>de</strong>sportivas formais e não formais, como <strong>direito</strong> <strong>de</strong> cada um, observados os seguintes<br />

preceitos:1<br />

• a autonomia das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas dirigentes e associações, quanto a sua<br />

organização e seu funcionamento;12<br />

• a <strong>de</strong>stinação <strong>de</strong> recursos públicos para a promoção prioritária do <strong>de</strong>sporto<br />

educacional e, em casos específicos, para a do <strong>de</strong>sporto <strong>de</strong> alto rendimento;<br />

1 O STF <strong>de</strong>clarou a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do Estatuto do Torcedor <strong>de</strong>cidindo tratar-se <strong>de</strong> um “conjunto or<strong>de</strong>nado<br />

<strong>de</strong> normas <strong>de</strong> caráter geral” (STF - Pleno - AD I 2937/DF - Rei. Min. Cezar Peluso, 23-2-2012).<br />

2 Em relação à autonomia das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sportivas e do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regulação normativa do Estado, conferir:<br />

STF - Pleno - ADI 3.045-1/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> Mello, 10-8-2005.


Or<strong>de</strong>m Social 8 6 5<br />

• o tratamento diferenciado para o <strong>de</strong>sporto profissional e o não profissional;<br />

• a proteção e o incentivo às manifestações <strong>de</strong>sportivas <strong>de</strong> criação nacional.<br />

2 .3 .2 Ju s tiç a d e sp o rtiv a<br />

A própria Constituição Fe<strong>de</strong>ral exige, excepcionalmente, o prévio acesso às instâncias<br />

da justiça <strong>de</strong>sportiva, nos casos <strong>de</strong> ações relativas à disciplina e às competições <strong>de</strong>sportivas,<br />

reguladas em lei (CF, art. 217, § 1°), sem, porém, condicionar o acesso ao Judiciário<br />

ao término do processo administrativo, pois a justiça <strong>de</strong>sportiva terá o prazo máximo <strong>de</strong><br />

60 dias, contados da instauração do processo, para proferir <strong>de</strong>cisão final (CF, art. 217,<br />

§ 2e) . O po<strong>de</strong>r disciplinar da Justiça Desportiva tem seu exercício limitado à prática dos<br />

<strong>de</strong>sportos e às relações <strong>de</strong>la <strong>de</strong>correntes.<br />

3 CIÊNCIA E TECNOLOGIA<br />

Compete, <strong>constitucional</strong>mente, ao Estado promover e incentivar o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas (CF, art. 218), sendo, inclusive, facultado<br />

aos Estados e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral vincular parcela <strong>de</strong> sua receita orçamentária a entida<strong>de</strong>s<br />

públicas <strong>de</strong> fomento ao ensino e à pesquisacientífica e tecnológica. Como ressalta Manoel<br />

Gonçalves Ferreira Filho,<br />

“o texto visa a abrir uma exceção ao disposto no art. 167, IV, que, em princípio,<br />

proíbe a vinculação <strong>de</strong> receita orçamentária. Veja-se que essa vinculação não é<br />

permitida em relação à União e ao Município”.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê duas espécies <strong>de</strong> pesquisas: científica e tecnológica. A<br />

pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem<br />

público e o progresso das ciências. Apesquisa tecnológica voltar-se-á prepon<strong>de</strong>rantemente<br />

para a solução dos problemas brasileiros e para o <strong>de</strong>senvolvimento do sistema produtivo<br />

nacional e regional.<br />

4 COMUNICAÇÃO SOCIAL<br />

A garantia <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação social, prevista no art. 220,<br />

é verda<strong>de</strong>iro corolário da norma prevista no art. 5e, IX, que consagra a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ex<br />

pressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística, científica e <strong>de</strong> comunicação, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> censura ou licença. O que se preten<strong>de</strong> proteger nesse novo capítulo é o meio pelo qual<br />

o <strong>direito</strong> individual <strong>constitucional</strong>mente garantido será difundido, por intermédio dos<br />

meios <strong>de</strong> comunicação <strong>de</strong> massa. Essas normas, apesar <strong>de</strong> não se confundirem, completam-<br />

-se, pois a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação social refere-se aos meios específicos <strong>de</strong> comunicação.12<br />

1 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Comentários... Op. cit. v. 4. p. 92,<br />

2 M IRANDA, Jorge. Op. cit. t. 4, p. 399.


8 6 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r meio <strong>de</strong> comunicação como toda e qualquer forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong> uma informação, seja através <strong>de</strong> sons, imagens, impressos, gestos. A Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, porém, regulamenta o sentido mais estrito da noção <strong>de</strong> comunicação: jornal,<br />

revistas, rádio e televisão.1<br />

O texto <strong>constitucional</strong> consagra a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> empresa jornalística e <strong>de</strong> radiodifusão<br />

sonora e <strong>de</strong> sons e imagens, <strong>de</strong> maneira privativa, aos brasileiros natos ou naturalizados<br />

há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, ou às pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras que<br />

tenham se<strong>de</strong> no país.12<br />

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer<br />

forma, processo ou veículo não sofrerão restrição, observado o disposto na Constituição,<br />

que proíbe:<br />

• a edição <strong>de</strong> lei que contenha dispositivo que possa constituir embaraço à plena<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação jornalística em qualquer veículo <strong>de</strong> comunicação social,<br />

observado o disposto no art. 5B, IV, V, X, Xin e XIV;<br />

• toda e qualquer censura <strong>de</strong> natureza política, i<strong>de</strong>ológica e artística;<br />

• a exigência <strong>de</strong> licença <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> para publicação <strong>de</strong> veículo impresso <strong>de</strong> comunicação;<br />

permite-se, porém, a sujeição da propaganda comercial <strong>de</strong> tabaco,<br />

bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias a restrições legais, bem<br />

como, se necessário, a advertência sobre os malefícios <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> seu uso.<br />

Apesar da vedação <strong>constitucional</strong> da censura prévia, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compatibilizar<br />

a comunicação social com os <strong>de</strong>mais preceitos constitucionais, como, por exemplo, a<br />

proteção dos <strong>direito</strong>s da criança e do adolescente (CF, arts. 226 a 230).3<br />

Dessa forma, o legislador constituinte conferiu à União a competência para edição<br />

<strong>de</strong> lei fe<strong>de</strong>ral para:<br />

• regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao po<strong>de</strong>r público informar<br />

sobre a natureza <strong>de</strong>les, as faixas etárias a que não se recomen<strong>de</strong>m, locais e<br />

horários em que sua apresentação se mostre ina<strong>de</strong>quada;<br />

• estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>rem <strong>de</strong> programas ou programações <strong>de</strong> rádio e televisão que contrariem<br />

o disposto no art. 221, bem como da propaganda <strong>de</strong> produtos, práticas<br />

e serviços que possam ser nocivos à saú<strong>de</strong> e ao meio ambiente.<br />

1 Cf. TOURINO, Arx. A família e os m eios <strong>de</strong> comunicação. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, nü 125/141.<br />

2 A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a pessoa jurídica ser proprietária foi introduzida pela EC na 36, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> m aio <strong>de</strong> 2002,<br />

que, porém , exige que pelo m enos 70% do capital tota l e do capital votante das empresas jornalísticas e <strong>de</strong><br />

radiodifusão sonora e <strong>de</strong> sons e imagens <strong>de</strong>verão pertencer, direta ou indiretam ente, a brasileiros natos ou<br />

naturalizados há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos, que exercerão obrigatoriam ente a gestão das ativida<strong>de</strong>s e estabelecerão o<br />

conteúdo da programação.<br />

3 “Mandado <strong>de</strong> segurança - Liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa assegurada pelo art. 220 da CF e os Direitos da Criança e<br />

do Adolescente conferidos pelo a rt 227 da Carta M agna - N o conflito entre <strong>direito</strong>s, têm prim azia os <strong>direito</strong>s<br />

da criança e do adolescente, ínsito no ataque ao pudor, não integra a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação. Afirm ar que um<br />

<strong>direito</strong> é absoluto significa que ele é inviolável pelos limites que lhe são assinalados pelos m otivos que o ju stificam”<br />

(T J S P -C a m . Esp. MS 13.176-0/2-SP - Des. Denio Garia, j. 8-8-91, v.u.j.


Or<strong>de</strong>m Social 8 6 7<br />

Observe-se, porém, que a competência do Po<strong>de</strong>r Público, em termos <strong>de</strong> comunicação<br />

social, em especial para proteção da criança e do adolescente, não po<strong>de</strong> ser confundida<br />

com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno <strong>de</strong> censura prévia e com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> seletiva<br />

<strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> compulsória por parte do Estado à toda socieda<strong>de</strong>, sob pena <strong>de</strong> grave<br />

ferimento à garantia <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão.<br />

Com o ressaltado pelo Ministro Dias Tóffoli, “o sistema <strong>de</strong> classificação indicativa seria,<br />

então, ponto <strong>de</strong> equilíbrio tênue adotado pela Constituição para compatibilizar os dois<br />

postulados (<strong>de</strong>fesa da criança e do adolescente e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão), a fim <strong>de</strong> velar<br />

pela integrida<strong>de</strong> das crianças e dos adolescentes sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> lado a preocupação com<br />

a garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão”, apontando que “a submissão ocorrería, exclusivamente,<br />

com o fito <strong>de</strong> que a União exercesse sua competência administrativa para classificar,<br />

a título indicativo, as diversões públicas e os programas <strong>de</strong> rádio e televisão (CF, art. 21,<br />

XVI). Assim, o Estado não po<strong>de</strong>ría <strong>de</strong>terminar que a exibição da programação somente<br />

se <strong>de</strong>sse em horários <strong>de</strong>terminados o que caracterizaria imposição e não recomendação”,<br />

concluindo, portanto, que a imposição compulsória <strong>de</strong> exibição <strong>de</strong> programas em horários<br />

<strong>de</strong>terminados pelo Po<strong>de</strong>r Público “implicaria censura prévia, acompanhada <strong>de</strong> elemento<br />

repressor, <strong>de</strong> punição. Esse caráter não se harmonizaria com os artigos 52, IX; 21, XVI e<br />

220, § 3o, I, todas da CF”, afastando, por conseguinte, “a i<strong>de</strong>ia paternalista <strong>de</strong> que se justificaria<br />

a proibição diante da dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se ter a presença dos pais ao lado dos filhos,<br />

porquanto o Estado não <strong>de</strong>veria atuar como protagonista na escolha do que <strong>de</strong>veria ou<br />

não ser exibido em <strong>de</strong>terminado horário (...) o Po<strong>de</strong>r Público não <strong>de</strong>veria substituir os pais<br />

ao regular o conteúdo a que os filhos tivessem acesso, mas <strong>de</strong>veria dotar a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

meios eficazes para o exercício <strong>de</strong>sse controle <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>”, pois “a exibição do aviso <strong>de</strong><br />

classificação indicativa teria efeito pedagógico, a exigir reflexão por parte do espectador<br />

e dos responsáveis. Seria <strong>de</strong>ver estatal, nesse ponto, conferir maior publicida<strong>de</strong> aos avisos<br />

<strong>de</strong> classificação, bem como <strong>de</strong>senvolver programas educativos acerca <strong>de</strong>sse sistema”. Nesse<br />

mesmo sentido, realçou o Ministro Luiz Lux, “a confiança que o constituinte <strong>de</strong>positara<br />

no po<strong>de</strong>r familiar (CF, art. 227, caput). A classificação indicativa permitiría, portanto,<br />

que o Estado aconselhasse, sem tomar para si a função <strong>de</strong> oráculo moral da socieda<strong>de</strong>”.1<br />

Em <strong>de</strong>fesa da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa e da livre manifestação <strong>de</strong> pensamento, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> concentrada (“não recepção concentrada”),<br />

pela via da Arguição <strong>de</strong> Descumprimento <strong>de</strong> preceito fundamental, da “Lei <strong>de</strong><br />

Imprensa”, afirmando que o texto <strong>constitucional</strong> “veda qualquer cerceio ou restrição à<br />

concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou<br />

restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a forma,<br />

o processo, ou o veículo <strong>de</strong> comunicação social”.2<br />

4.1 Comunicação social e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informação<br />

A manifestação do pensamento, a criação, a expressão, a informação e a livre divulgação<br />

dos fatos, consagradas <strong>constitucional</strong>mente no inciso XIV do art. 5S da Constituição 12<br />

1 STF - Pleno - ADI 2404/DF - Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 30-11-2011. Conferir, ainda, no Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça: Resp 1209792/RJ - Rei. Min. Nancy Andrighi, <strong>de</strong>cisão: 8-11-2011.<br />

2 STF - P le n o -A D P F 130, Rei. Min. Carlos Britto, julgam ento em 30-4-2009, Plenário, DJE <strong>de</strong> 6-11-2009.


868 Direito Constitucional • Moraes<br />

Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>vem ser interpretadas em conjunto com a inviolabilida<strong>de</strong> à honra e à vida privada<br />

(CF, art. 5e, X), bem como com a proteção à imagem (CF, art. 5e, XXVII, a), sob pena <strong>de</strong><br />

responsabilização do agente divulgador por danos materiais e morais (CF, art. 5e, V e X ).1<br />

O <strong>direito</strong> d e receber informações verda<strong>de</strong>iras é u m <strong>direito</strong> d e liberda<strong>de</strong> e caracteriza-<br />

-se essencialmente por estar dirigido a todos os cidadãos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> raça,<br />

credo ou convicção político-filosófica, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fornecimento <strong>de</strong> subsídios para<br />

a formação <strong>de</strong> convicções relativas a assuntos públicos.12<br />

A proteção <strong>constitucional</strong> às informações verda<strong>de</strong>iras também engloba aquelas eventualmente<br />

errôneas ou não comprovadas em juízo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não tenha havido comprovada<br />

negligência ou má-fé por parte do informador.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não protege as informações levianamente não verificadas ou<br />

astuciosas e propositadamente errôneas, transmitidas com total <strong>de</strong>srespeito à verda<strong>de</strong>,<br />

pois as liberda<strong>de</strong>s públicas não po<strong>de</strong>m prestar-se à tutela <strong>de</strong> condutas ilícitas.3<br />

A proteção <strong>constitucional</strong> à informação é relativa, havendo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> distinguir<br />

as informações <strong>de</strong> fatos <strong>de</strong> interesse público, da vulneração <strong>de</strong> condutas íntimas e<br />

pessoais, protegidas pela inviolabilida<strong>de</strong> à vida privada, e que não po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>vassadas<br />

<strong>de</strong> forma vexatória ou humilhante.<br />

Jean François Revel faz importante distinção entre a livre manifestação <strong>de</strong> pensamento<br />

e o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> informar, apontando que a primeira <strong>de</strong>ve ser reconhecida inclusive aos mentirosos<br />

e loucos, enquanto o segundo, diferentemente, <strong>de</strong>ve ser objetivo, proporcionando<br />

informação exata e séria.4<br />

O campo <strong>de</strong> interseção entre fatos <strong>de</strong> interesse público e vulneração <strong>de</strong> condutas<br />

íntimas e pessoais é muito gran<strong>de</strong>, quando se trata <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>s públicas.<br />

Nessas hipóteses, a interpretação <strong>constitucional</strong> ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> informação <strong>de</strong>ve ser<br />

alargada, enquanto a correspon<strong>de</strong>nte interpretação em relação à vida privada e intimida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ve ser restringida, uma vez que por opção pessoal as assim chamadas pessoas públicas<br />

(políticos, atletas profissionais, artistas etc.) colocaram-se em posição <strong>de</strong> maior <strong>de</strong>staque<br />

e interesse social.<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> crítica jornalística<br />

é “prerrogativa <strong>constitucional</strong> cujo suporte legitimador repousa no pluralismo político<br />

(CF, art. l e, V), que representa um dos fundamentos inerentes ao regime <strong>de</strong>mocrático.<br />

O exercício do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> crítica é inspirado por razões <strong>de</strong> interesse público: uma prática<br />

inestimável <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> a ser preservada contra ensaios autoritários <strong>de</strong> repressão penal”,<br />

concluindo ser a arena política, “um espaço <strong>de</strong> dissenso por excelência".5<br />

1 Em garantia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> inform ação, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou concentradam ente a não<br />

recepção da Lei <strong>de</strong> Imprensa (Lei nD 5.250/67). Conferir: STF - Pleno - ADPF 130/DF, Rei. Min. Carlos Britto,<br />

30-4-2009, Informativo STF nü 544.<br />

2 Em <strong>de</strong>fesa do d ireito <strong>de</strong> in form ar e <strong>de</strong> receber inform ações verda<strong>de</strong>iras, o STF suspen<strong>de</strong>u a vigência <strong>de</strong><br />

diversos dispositivos da Lei <strong>de</strong> Imprensa (Lei n- 5.250/67), por vislumbrá-la com “nítido viés autoritário” (STF<br />

- Pleno - ADPF 130 MC/DF - Rei. Min. Carlos Britto, <strong>de</strong>cisão: 27-2-2008).<br />

3 STJ - 3a T. - RMS na 3.292-2/PR - Rei. M in. Costa Leite - Ementário STJ, 12/254.<br />

4 REVEL, Jean François. El conocimiento inútil. Barcelona: Planeta, 1989. p. 207.<br />

5 Conferir excelente voto: STF - Pet. 3486/DF, Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello , j. 22.8.2005 -Inform ativo STFn°<br />

398, p. 4.


Or<strong>de</strong>m Social 869<br />

No entanto, mesmo em relação às pessoas públicas, a incidência da proteção <strong>constitucional</strong><br />

à vida privada, intimida<strong>de</strong>, dignida<strong>de</strong> e honra permanece intangível, não havendo<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ferimento por parte <strong>de</strong> informações que não apresentem nenhuma relação<br />

com o interesse público ou social, ou ainda, com as funções exercidas por elas. Os responsáveis<br />

por essas informações <strong>de</strong>verão ser integralmente responsabilizados.<br />

4.2 Garantia <strong>constitucional</strong> do sigilo da fonte<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, ao proclamar a inviolabilida<strong>de</strong> do sigilo da fonte, quando<br />

necessário ao exercício profissional, tem por finalida<strong>de</strong> garantir a toda a socieda<strong>de</strong> a<br />

ampla e total divulgação <strong>de</strong> fatos e notícias <strong>de</strong> interesse público, auxiliando, inclusive, a<br />

fiscalização da gestão da coisa pública e preten<strong>de</strong>ndo evitar as arbitrarieda<strong>de</strong>s do Po<strong>de</strong>r<br />

Público, o que seria proporcionado pela restrição do acesso às informações.<br />

Dessa forma, a livre divulgação <strong>de</strong> informações, resguardando-se o sigilo da fonte,<br />

surge como corolário da garantia <strong>constitucional</strong> do livre acesso à informação, por constituir<br />

uma dupla garantia ao Estado Democrático <strong>de</strong> Direito: proteção à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa<br />

e proteção ao acesso das informações pela socieda<strong>de</strong>.<br />

Como enten<strong>de</strong>u o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a proteção <strong>constitucional</strong> que confere ao jornalista o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> não proce<strong>de</strong>r à<br />

disclosure da fonte <strong>de</strong> informação ou <strong>de</strong> não revelar a pessoa <strong>de</strong> seu informante<br />

<strong>de</strong>sautoriza qualquer medida ten<strong>de</strong>nte a pressionar ou a constranger o profissional<br />

da Imprensa a indicar a origem das informações a que teve acesso, eis que - não<br />

custa insistir - os jornalistas, em tema <strong>de</strong> sigilo da fonte, não se expõem ao po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> indagação do Estado ou <strong>de</strong> seus agentes e não po<strong>de</strong>m sofrer, por isso mesmo,<br />

em função do exercício <strong>de</strong>ssa legítima prerrogativa <strong>constitucional</strong>, a imposição <strong>de</strong><br />

qualquer sanção penal, civil ou administrativa”.1<br />

5 MEIO AMBIENTE<br />

5.1 Constituição e proteção ao meio ambiente<br />

N ão obstante a preocupação com o meio ambiente seja antiga em vários or<strong>de</strong>namentos<br />

jurídicos, inclusive nas Or<strong>de</strong>nações Filipinas que previam no Livro Quinto, Título LXXV,<br />

pena gravíssima ao agente que cortasse árvore ou fruto, sujeitando-o ao açoite e ao <strong>de</strong>gredo<br />

para a África por quatro anos, se o dano fosse mínimo, caso contrário, o <strong>de</strong>gredo seria<br />

para sempre, as nossas Constituições anteriores, diferentemente da atual, que <strong>de</strong>stinou um<br />

capítulo para sua proteção, com ele nunca se preocuparam.12 Como <strong>de</strong>staca Édis Milaré,<br />

essa previsão atual é um<br />

1 STF - Inquérito n2 870-2/RJ - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, S eçã ol, 15 abr. 1995, p. 11.452.<br />

2 MACHADO, Paulo Affonso Lem e. Constituinte e m eio ambiente. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, nü 93/329:<br />

DECOMAIN, Pedro Roberto. Direito à informação ambiental. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, nQ83/385


8 7 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

“marco histórico <strong>de</strong> inegável valor, dado que as Constituições que prece<strong>de</strong>ram a <strong>de</strong><br />

1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente <strong>de</strong> forma específica e<br />

global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão ‘meio ambiente’, a revelar<br />

total <strong>de</strong>spreocupação com o próprio espaço em que vivemos”.1<br />

Adotou-se, portanto, a tendência contemporânea <strong>de</strong> preocupação com os interesses<br />

difusos, e em especial com o meio ambiente, nos termos da Declaração sobre o Ambiente<br />

Humano, realizada na Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, Suécia, em junho<br />

<strong>de</strong> 1972, em que se consagrou solenemente:<br />

“O homem tem o <strong>direito</strong> fundamental à liberda<strong>de</strong>, à igualda<strong>de</strong> e ao <strong>de</strong>sfrute <strong>de</strong> condições<br />

<strong>de</strong> vida a<strong>de</strong>quadas, em um meio ambiente <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> tal que lhe permita levar<br />

uma vida digna, gozar <strong>de</strong> bem-estar e é portador solene <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> proteger e<br />

melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras. A esse respeito, as<br />

políticas que promovem ou perpetuam o ‘apartheid’, a segregação racial, a discriminação,<br />

a opressão colonial e outras formas <strong>de</strong> opressão e <strong>de</strong> dominação estrangeira<br />

permanecem con<strong>de</strong>nadas e <strong>de</strong>vem ser eliminadas. Os recursos naturais da Terra, incluídos<br />

o ar, a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas<br />

dos ecossistemas naturais, <strong>de</strong>vem ser preservados em benefício das gerações atuais e<br />

futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração a<strong>de</strong>quados. Deve<br />

ser mantida e, sempre que possível, restaurada ou melhorada a capacida<strong>de</strong> da Terra<br />

<strong>de</strong> produzir recursos renováveis vitais. O homem tem a responsabilida<strong>de</strong> especial <strong>de</strong><br />

preservar e administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna<br />

silvestres, bem assim o seu ‘habitat’, que se encontram atualmente em grave perigo,<br />

por uma combinação <strong>de</strong> fatores adversos. Em consequência, ao planificaro <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico, <strong>de</strong>ve ser atribuída importância à conservação da natureza,<br />

incluídas aflora e a fauna silvestres.”<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 consagrou como obrigação do Po<strong>de</strong>r Público a <strong>de</strong>fesa,<br />

preservação e garantia <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> fundamental ao meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado, bem <strong>de</strong> uso comum do povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida.<br />

Assim, no caput do art. 225, o texto <strong>constitucional</strong> afirma ser o meio ambiente bem <strong>de</strong><br />

uso comum do povo, suscitando a utilização <strong>de</strong> todos os meios legislativos, administrativos<br />

e judiciais necessários à sua efetiva proteção, que possui um regime jurídico especial que<br />

exorbita o Direito Comum.12<br />

A proteção do m eio ambiente <strong>de</strong>ve conciliar as noções do Direito Constitucional e<br />

do Direito Internacional, permitindo uma evolução nas tradicionais noções <strong>de</strong> soberania,<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, interesse público e privado, pois, como salienta Guido Fernando<br />

Silva Soares,<br />

1 MILARÉ, Édis. Legislação ambiental do Brasil. São Paulo: APM P, 1991. p. 3.<br />

2 Cyrille Klemm aponta a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma zona <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> ecossistemas (terrestres e aquáticos) com<br />

regim e jurídico especial, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das qualificações existentes tradicionalmente no sistema jurídico<br />

(KLEMM, Cyrille <strong>de</strong>. Les elements <strong>de</strong> íenvironnement. L’ecologie et la loi: le statut juridique <strong>de</strong> l’environnement.<br />

Paris: L’Harmattan, 1989. p. 90).


Or<strong>de</strong>m Social 8 7 1<br />

“ no fundo, o meio ambiente é um conceito que <strong>de</strong>sconhece os fenômenos das<br />

fronteiras, realida<strong>de</strong>s essas que foram <strong>de</strong>terminadas por critérios históricos e políticos,<br />

e que se expressam em <strong>de</strong>finições jurídicas <strong>de</strong> <strong>de</strong>limitações dos espaços do<br />

Universo, <strong>de</strong>nominadas fronteiras. Na verda<strong>de</strong>, ventos e correntes marítimas não<br />

respeitam linhas divisórias fixadas em terra ou nos espaços aquáticos ou aéreos, por<br />

critérios humanos, nem as aves migratórias ou os habitantes dos mares e oceanos<br />

necessitam <strong>de</strong> passaportes para atravessar fronteiras, as quais foram <strong>de</strong>limitadas,<br />

em função dos homens”.1<br />

O meio ambiente <strong>de</strong>ve, portanto, ser consi<strong>de</strong>rado patrimônio comum <strong>de</strong> toda a humanida<strong>de</strong><br />

para garantia <strong>de</strong> sua integral proteção, especialmente em relação às gerações<br />

futuras,12 direcionando todas as condutas do Po<strong>de</strong>r Público estatal no sentido <strong>de</strong> integral<br />

proteção legislativa interna e a<strong>de</strong>são aos pactos e tratados internacionais protetivos <strong>de</strong>sse<br />

<strong>direito</strong> humano fundamental <strong>de</strong> 3a geração, para evitar prejuízo da coletivida<strong>de</strong> em face<br />

<strong>de</strong> uma afetação <strong>de</strong> certo bem (recurso natural) a uma finalida<strong>de</strong> individual.3<br />

Na <strong>de</strong>finição do objeto protegido <strong>constitucional</strong>mente - Meio Ambiente -, o Direito<br />

<strong>de</strong>ve socorrer-se <strong>de</strong> noções <strong>de</strong> Ecologia, que conceitua a biosfera como constituída pelo<br />

conjunto do solo, da água e do ar existentes no globo terrestre e regente das condições<br />

necessárias à vida. Portanto, para integral cumprimento do preceito <strong>constitucional</strong>, há<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong>sses elementos, visando preservar seu potencial evolutivo,<br />

pois, como salientado por Cyrille <strong>de</strong> Klemm,<br />

“os processos ecológicos compreen<strong>de</strong>m todos os processos físicos e químicos, além<br />

das ativida<strong>de</strong>s biológicas dos animais e plantas que possam influenciar o estado do<br />

ecossistema e contribuir para a manutenção da integrida<strong>de</strong> e diversida<strong>de</strong> genética<br />

e consequentemente do maior potencial evolutivo”.4<br />

O texto <strong>constitucional</strong> também visa à garantia <strong>de</strong> instrumentalização <strong>de</strong> proteção<br />

ao Meio Ambiente, exigindo a salvaguarda dos recursos naturais e a regulamentação dos<br />

1 SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente. São Paulo: Atlas, 2001. p. 298. Nesse<br />

mesmo sentido, apontando a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma proteção integral in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> fronteiras: ACCIOLY,<br />

Hil<strong>de</strong>brando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e.Manual<strong>de</strong><strong>direito</strong> internacional público. 12. ed. São Paulo:<br />

Saraiva, 1996. p. 241; REZEK, Francisco. Direito internacional público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 301.<br />

2 O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral afirm ou o conceito <strong>de</strong> “meio ambiente como patrimônio público”, <strong>de</strong>clarando<br />

que “ <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse contexto, em ergem com niti<strong>de</strong>z a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o m eio ambiente constitui patrim ônio público<br />

a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais” (RTJ,<br />

164/158-M in . Celso <strong>de</strong> M ello).<br />

3 Conforme salienta Martha Jimenez, “os aci<strong>de</strong>ntes responsáveis por danos ambientais ocorridos na última<br />

década certificam por si só que a poluição ambiental não se limita às fronteiras <strong>de</strong> um país. Chernobyl, o aci<strong>de</strong>nte<br />

da Sandoz que contaminou o Rhin, a poluição m arítim a <strong>de</strong>vida a aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> navios petroleiros ou a ações <strong>de</strong>liberadas<br />

<strong>de</strong> guerra, com os incêndios <strong>de</strong> postos petrolíferos causados pelos exércitos iraquianos ao se retirarem<br />

do Kuwait, a <strong>de</strong>generação da camada <strong>de</strong> ozônio, para citar alguns fatos, ainda estão presentes na mem ória da<br />

comunida<strong>de</strong> internacional e lhe recordam constantemente a inter<strong>de</strong>pendência dos Estados em matéria <strong>de</strong> proteção<br />

ao m eio ambiente” (JIMENEZ, M artha Lucia Olivar. O estabelecimento <strong>de</strong> uma política comum <strong>de</strong> proteção<br />

do meio ambiente: sua necessida<strong>de</strong> num mercado comum. Estudos <strong>de</strong> integração. Brasília: Associação Brasileira<br />

<strong>de</strong> Estudos <strong>de</strong> Integração - Senado Fe<strong>de</strong>ral, 1994. v. 7, p. 15).<br />

4 KLEMM, Cyrille <strong>de</strong>. Les elementí <strong>de</strong> 1’environnement. L’ecologie e 11a lo i: 1e statutjuridique <strong>de</strong> 1’environnement.<br />

Paris: L’Harmattan, 1989. p. 100.


8 7 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

processos físicos e químicos que interajam com a biosfera, para preservá-lo às gerações<br />

futuras, garantindo-se o potencial evolutivo a partir da aplicação dos princípios fundamentais<br />

da ação comunitária (art. 130 R do Tratado da União Européia): precaução e<br />

ação preventiva; correção prioritariamente na fonte dos danos causados ao meio ambiente<br />

e principio do “poluidor pagador”.<br />

Dessa forma, o aproveitamento dos recursos naturais também <strong>de</strong>verá ser regulamentado<br />

pelo Direito interno ou pelo Direito Internacional (tratados internacionais),1tendo como<br />

finalida<strong>de</strong> a regra protetiva do art. 225 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral,12 pois a exploração dos recursos<br />

biológicos e minerais po<strong>de</strong> essencialmente causar problemas <strong>de</strong> poluição e <strong>de</strong>gradação,<br />

e, consequentemente, sua proteção aten<strong>de</strong> ao principio da precaução e ação preventiva.3<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> preservação dos recursos naturais e, consequentemente, a manutenção<br />

do equilíbrio mínimo necessário ao meio ambiente, estará sempre a exigir uma adaptação<br />

dos conceitos tradicionais do Direito - principalmente, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> - para<br />

fins <strong>de</strong> aplicação, pois, como bem ressaltado por Pascale Kromarek, existe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma adaptação <strong>de</strong> certos conceitos para o combate à poluição da água e do ar.4<br />

Nesse sentido, proclamou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral ser <strong>de</strong>ver do Po<strong>de</strong>r Público<br />

“<strong>de</strong>finir espaços territoriais a serem especialmente protegidos e, também, proteger a<br />

fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica”,5 tendo<br />

a obrigação <strong>de</strong> “adotar as necessárias medidas que visem coibir práticas lesivas ao equilíbrio<br />

ambiental”.6<br />

Dentro <strong>de</strong>sse contexto, o art. 225 <strong>de</strong>ve ser interpretado em consonância com o art.<br />

I a, III, que consagra como fundamento da República o princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa<br />

humana; o art. 3a, II, que prevê como objetivo fundamental da República o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

nacional; e o art. 4a, IX, que estipula que o Brasil <strong>de</strong>ve reger-se em suas relações<br />

internacionais pelos princípios da cooperação entre os povos para o progresso da humanida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong> maneira a permitir maior efetivida<strong>de</strong> na proteção ao meio ambiente.<br />

Dessa forma, consagra-se a proteção administrativa, legislativa e judicial aos interesses<br />

difusos, no sentido que lhes empresta a conceituação <strong>de</strong> Mauro Cappelletti e Bryant Garth,7<br />

“são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direto ao ambiente saudável,<br />

ou à proteção do consumidor. O problema básico que eles apresentam - a razão <strong>de</strong><br />

sua natureza difusa - é que ninguém tem o <strong>direito</strong> a corrigir a lesão a um interesse<br />

1 KISS, Alexandre Charles. DroitInternational. L’écologie et la loi: le statutjuridique <strong>de</strong> l’environnement. Paris:<br />

L’Harmattan, 1989. p. 177.<br />

2 RTJ, 164/158.<br />

3 No sentido da n ecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prevenir a ocorrência <strong>de</strong> em preendim entos e ativida<strong>de</strong>s lesivas ao m eio ambiente:<br />

STF - Pleno - Adin nQ2.083/DF - Rei. Min. Moreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 3-8-2000. Informativo STF n - 196.<br />

4 KROMAREK, Pascale. D r o i t communautaire. L’écologie et la lo i: le statu tju ridiqu e <strong>de</strong> l’environnement. Paris:<br />

L’Harmattan, 1989. p. 140.<br />

5 STF - Pleno - Adin n2 1.952/DF - m edida ca u tela r-R el. M in. M oreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 12-8-99. Informativo<br />

STF n2 157.<br />

6 STF - I a T. - Rextr. n2 134.297-8/SP - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iário d a J u s tiç a , S eção I, 22 se t. 1995, p.<br />

30.597.<br />

7 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Access to... Op. cit. p. 26.


Or<strong>de</strong>m Social 873<br />

coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno<br />

<strong>de</strong>mais para induzi-lo a tentar uma ação”.<br />

Para possibilitar a ampla proteção, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral previu diversas regras,<br />

divisíveis em quatro gran<strong>de</strong>s grupos:1<br />

• regra <strong>de</strong> garantia: qualquer cidadão é parte legítima para a propositura d a ação<br />

popular, visando à anulação <strong>de</strong> ato lesivo ao meio ambiente (CF, art. 5o, LXXIII);<br />

• regras <strong>de</strong> competência: a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>termina ser <strong>de</strong> competência administrativa<br />

comum da União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municí pios<br />

(CF, art. 23) proteger os documentos, as obras e outros bens <strong>de</strong> valor histórico,<br />

artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios<br />

arqueológicos (inciso III); bem como proteger o meio ambiente e combater a<br />

poluição em qualquer <strong>de</strong> suas formas (inciso VI); preservar as florestas, a fauna<br />

e a flora (inciso V II). Além disso, existe a previsão <strong>de</strong> competência legislativa<br />

concorrente entre União, Estados e Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 24) para proteção<br />

das florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, <strong>de</strong>fesa do solo e dos<br />

recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso<br />

V I); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico<br />

(inciso VII); responsabilida<strong>de</strong> por dano ao meio ambiente, ao consumidor,<br />

a bens e <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico<br />

(inciso VIII). Igualmente, o Ministério Público tem como função institucional<br />

promover o inquérito civil e a ação civil pública, inclusive para a proteção do<br />

meio ambiente e <strong>de</strong> outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III);<br />

• regras gerais: a Constituição estabelece difusamente diversas regras relacionadas<br />

à preservação do meio ambiente (CF, arts. 170, VI; 173, § 5S; 174,<br />

§ 3a; 186, II; 200, VIII; 216, V; 231, § I a);<br />

• regras específicas: encontram-se n o capítulo d a Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>stinado<br />

ao meio ambiente.<br />

Tais regras consagram <strong>constitucional</strong>mente o <strong>direito</strong> a um meio ambiente saudável,<br />

equilibrado e íntegro, constituindo sua proteção, conforme reconhecido pelo Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “prerrogativa jurídica <strong>de</strong> titularida<strong>de</strong> coletiva, refletindo, <strong>de</strong>ntro do pro<br />

cesso <strong>de</strong> afirmação dos <strong>direito</strong>s humanos, a expressão significativa <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r atribuído,<br />

não ao indivíduo i<strong>de</strong>ntificado em sua singularida<strong>de</strong>, mas, num sentido verda<strong>de</strong>iramente<br />

mais abrangente, à própria coletivida<strong>de</strong> social”.12<br />

Observe-se que para esse fim a EC na 42/03 ampliou a <strong>de</strong>fesa do meio ambiente,<br />

prevendo como princípio da or<strong>de</strong>m econômica a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tratamento diferenciado<br />

conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e <strong>de</strong> seus processos <strong>de</strong> elaboração<br />

e prestação.3<br />

1 A classificação é <strong>de</strong> HORTA, Raul Machado. Estudos <strong>de</strong>... Op. cit. p. 308. Cf. apontamentos sobre a proteção<br />

legal ao m eio ambiente: SMANIO, Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000.<br />

p. 75 ss.<br />

2 STF - P le n o -M S n22 2 1 64/S P-R el.M in . Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1,17nov. 1995, p. 39.206.<br />

3 Redação dada pela EC n° 42, promulgada em 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zem bro <strong>de</strong> 2003 e publicada no DOU <strong>de</strong> 31-12-2003.


8 7 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

O estabelecimento <strong>de</strong> princípios e regras constitucionais expressas não afasta a existência<br />

do Princípio Implícito da Proibição <strong>de</strong> Retrocesso Ambiental, como importante vetor<br />

<strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong> à proteção integral ao Meio Ambiente Nesse sentido, conforme <strong>de</strong>stacado<br />

pelo Ministro Antonio Herman Benjamin, “é seguro afirmar que a proteção <strong>de</strong> retrocesso,<br />

apesar <strong>de</strong> não se encontrar, com nome e sobrenome, consagrada na nossa Constituição,<br />

nem em normas infraconstitucionais, e não obstante sua relativa imprecisão - compreensível<br />

em institutos <strong>de</strong> formulação recente e ainda em pleno processo <strong>de</strong> consolidação - ,<br />

transformou-se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da<br />

legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> iniciativas legislativas <strong>de</strong>stinadas a reduzir o patamar <strong>de</strong> tutela legal do<br />

meio ambiente, mormente naquilo que afete em particular (a) processos ecológicos essenciais,<br />

(b) ecossistemas frágeis ou a beira <strong>de</strong> colapso e (c) espécies ameaçadas <strong>de</strong> extinção”.1<br />

5.2 Regras constitucionais específicas sobre meio ambiente<br />

A Constituição proclama que todos têm <strong>direito</strong> ao meio ambiente ecologicamente<br />

equilibrado, bem <strong>de</strong> uso comum do povo e essencial à sadia qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, impondo-se<br />

ao po<strong>de</strong>r público e à coletivida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> <strong>de</strong>fendê-lo e preservá-lo para as presentes e<br />

futuras gerações (CF, art. 225), prescrevendo as seguintes normas obrigatórias <strong>de</strong> atuação<br />

da Administração Pública e dos particulares, uma vez que as condutas e ativida<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>radas<br />

lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a<br />

sanções penais e administrativas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da obrigação <strong>de</strong> reparar os danos<br />

causados (CF, art. 225, § 30) : 12 *<br />

• preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e provimento do<br />

manejo ecológico das espécies e ecossistemas;<br />

• preservação da diversida<strong>de</strong> e da integrida<strong>de</strong> do patrimônio genético do país<br />

e fiscalização das entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>dicadas à pesquisa e manipulação <strong>de</strong> material<br />

genético;<br />

• <strong>de</strong>finição, em todas as unida<strong>de</strong>s da Fe<strong>de</strong>ração, <strong>de</strong> espaços territoriais e seus<br />

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão<br />

permitidas somente por meio <strong>de</strong> lei, vedada qualquer utilização que comprometa<br />

a integrida<strong>de</strong> dos atributos que justifiquem sua proteção;<br />

• exigência, na forma da lei, para instalação <strong>de</strong> obra ou ativida<strong>de</strong> potencialmente<br />

causadora <strong>de</strong> significativa <strong>de</strong>gradação do meio ambiente, <strong>de</strong> estudo prévio <strong>de</strong><br />

impacto ambiental, a que se dará publicida<strong>de</strong>. Analisando esse tema, o Supremo<br />

Tribunal Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>clarou, liminarmente, a in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do art. 182,<br />

§ 3S, da Constituição do Estado <strong>de</strong> Santa Catarina, que excluía a obrigatorie­<br />

1 0 princípio da proibição <strong>de</strong> retrocesso ambiental. Brasília-DF. Comissão <strong>de</strong> M eio Ambiente, Defesa do Consumidor<br />

e Fiscalização e Controle do Senado Fe<strong>de</strong>ral, p. 62. Trata-se <strong>de</strong> excelente estudo on<strong>de</strong> vários juristas-<br />

-ambientalistas nacionais e internacionais apontam tratar-se a proibição <strong>de</strong> retrocesso ambiental <strong>de</strong> princípio<br />

implícito <strong>de</strong> nossa Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Cf., também: SARLET, Ingo W olfgang. Notas sobre aproibição <strong>de</strong> retrocesso<br />

em matéria (socio) ambiental, p. 212.<br />

2 Cf. L e i n“ 9.605, <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas <strong>de</strong>rivadas <strong>de</strong><br />

condutas e ativida<strong>de</strong>s lesivas ao m e io ambiente, e dá outras providências.


Or<strong>de</strong>m Social 8 7 5<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos prévios <strong>de</strong> impacto ambiental, em relação às áreas florestadas<br />

ou objeto <strong>de</strong> reflorestamento para fins empresariais. Assim se manifestou,<br />

enten<strong>de</strong>ndo que se revelava juridicamente relevante a tese <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

da norma estadual que dispensa o estudo prévio <strong>de</strong> impacto ambiental<br />

no caso <strong>de</strong> áreas <strong>de</strong> florestamento ou reflorestamento para fins empresariais,<br />

pois “mesmo que se admitisse a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal restrição, a lei que po<strong>de</strong>ria<br />

viabilizá-la estaria inserida na competência do legislador fe<strong>de</strong>ral, já que a este<br />

cabe disciplinar, através <strong>de</strong> normas gerais, a conservação da natureza e a proteção<br />

do meio ambiente (art. 24, inc. VI, da CF), não sendo possível, a<strong>de</strong>mais,<br />

cogitar-se da competência legislativa a que se refere o § 3a do art. 24 da Carta<br />

Fe<strong>de</strong>ral, já que esta busca suprir lacunas normativas para aten<strong>de</strong>r às peculiarida<strong>de</strong>s<br />

locais, ausentes na espécie”;1<br />

• controle sobre a produção, a comercialização e o emprego <strong>de</strong> técnicas, métodos<br />

e substâncias que comportem risco para a vida, a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida e o meio<br />

ambiente;<br />

• promoção da educação ambiental em todos os níveis <strong>de</strong> ensino e a conscientização<br />

pública para a preservação do meio ambiente;<br />

• proteção à fauna e à flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem<br />

em risco sua função ecológica, provoquem a extinção <strong>de</strong> espécies ou submetam<br />

os animais a cruelda<strong>de</strong>. Em relação a essa proteção <strong>constitucional</strong> aos animais,<br />

<strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que “a obrigação <strong>de</strong> o Estado garantir a<br />

todos o pleno exercício <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s culturais, incentivando a valorização e a<br />

difusão das manifestações, não prescin<strong>de</strong> da observância da norma do inciso<br />

VII do artigo 225 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, no que veda prática que acabe por<br />

submeter os animais à cruelda<strong>de</strong>. Procedimento discrepante da norma <strong>constitucional</strong>,<br />

<strong>de</strong>nominado ‘farra do boi’”,12 ou da “rinha <strong>de</strong> galo”;3<br />

• obrigatorieda<strong>de</strong>, por parte daquele que explorar recursos minerais, d e recuperar<br />

o meio ambiente.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagra a proteção à Floresta Amazônica brasileira, à Mata<br />

Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Mato-grossense e à Zona Costeira, <strong>de</strong>finindo-os<br />

como patrimônio nacional, e <strong>de</strong>terminando que sua utilização será regulamentada por<br />

lei, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto<br />

ao uso dos recursos naturais. Observe-se, porém, como o fez o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que “o preceito consubstanciado no art. 225, § 5a, da Carta da República, além <strong>de</strong> não<br />

haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e<br />

1 S T F - P le n o - A d in n “ 1.086-7 / S C -P le n o -m e d id a lim in a r-R ei. Min. limar Galvão, Diário da Justiça, Seção<br />

1 ,16 set. 1994.<br />

2 STF - 2aT. - Rextr. n“ 153.531-8/SC - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção 1,13 mar. 1998,<br />

p. 13. N om esm o sentido, o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral enten<strong>de</strong>u ser in<strong>constitucional</strong> lei estadual que autorize e<br />

regulamente, sob título <strong>de</strong> práticas ou ativida<strong>de</strong>s esportivas com aves <strong>de</strong> raças ditas combatentes, as chamadas<br />

“rinhas” ou “ brigas d e ga lo ” (STF - Pleno - AD I 3.776-5/RN - Rei. Min. Cezar Peluzo, Diário da Justiça, Seção<br />

1,29jun. 2007, p. 22).<br />

3 STF - Pleno - A D I 4246/PA - Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão: 26-5-2011; STF - Pleno - AD I 1856/RJ - Rei.<br />

Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 26-5-2011.


876 Direito Constitucional • Moraes<br />

pelas matas nele referidas {Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira),<br />

tambémnão impe<strong>de</strong> a utilização pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes<br />

naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que observadas as prescrições<br />

legais e respeitadas as condições necessárias à preservação ambiental”.1<br />

6 FAMÍLIA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, JOVEM E IDOSO<br />

6.1 Conceituação<br />

A família é abase da socieda<strong>de</strong> e, <strong>constitucional</strong> e legalmente, tem especial proteção<br />

do Estado.<br />

Como acentua Arx Tourino,<br />

“o conceito <strong>de</strong> família po<strong>de</strong> ser analisado sob duas acepções: ampla e restrita. No<br />

primeiro sentido, a família é o conjunto <strong>de</strong> todas as pessoas, ligadas pelos laços<br />

do parentesco, com <strong>de</strong>scendência comum, englobando, também, os afins - tios,<br />

primos, sobrinhos e outros. É a família distinguida pelo sobrenome: família Santos,<br />

Silva, Costa, Guimarães e por aí afora, neste gran<strong>de</strong> país. Esse é o mais amplo<br />

sentido da palavra. Na acepção restrita, família abrange os pais e os filhos, um dos<br />

pais e os filhos, o homem e a mulher em união estável, ou apenas irmãos... É na<br />

acepção stricto sensu que mais se utiliza o termo família, principalmente do ângulo<br />

do jus positum...”.12<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral garantiu ampla proteção à família, <strong>de</strong>finindo três espécies <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s familiares:<br />

• a constituída pelo casamento civil ou religioso com efeitos dvis (CF, art. 226,<br />

§§ I a e 2a);<br />

• a constituída pela união estável entre o homem e a mulher, <strong>de</strong>vendo a lei facilitar<br />

sua conversão em casamento (CF, art. 226, § 3a). Em relação à união<br />

homoafetiva e entida<strong>de</strong> familiar, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que nada<br />

“obsta que a união <strong>de</strong> pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entida<strong>de</strong><br />

familiar apta a merecer proteção estatal” , concluindo que <strong>de</strong>ve seguir “as<br />

mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva”,<br />

aplicando interpretação conforme o art 173 do Código Civil “para <strong>de</strong>le excluir<br />

qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública<br />

e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entida<strong>de</strong> familiar, entendida<br />

esta como sinônimo <strong>de</strong> família”.3 Destacou, ainda, nossa Suprema Corte “o afeto<br />

como valor jurídico impregnado <strong>de</strong> natureza <strong>constitucional</strong>. A valorização <strong>de</strong>sse<br />

novo paradigma como núcleo conformador do conceito <strong>de</strong> família”, para asse­<br />

1 F T J 158/206.<br />

2 Op. cit. p. 141.<br />

3 STF - Pleno - AD I 4277/DF e ADPF 132/RJ, Rei. Min. Ayres Britto, <strong>de</strong>cisão 4 e 5 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2011.


Or<strong>de</strong>m Social 877<br />

gurar o “<strong>direito</strong> <strong>de</strong> qualquer pessoa <strong>de</strong> constituir família, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente<br />

<strong>de</strong> sua orientação sexual”, tratando-se, portanto, <strong>de</strong> “norma <strong>de</strong> inclusão” para<br />

“proteção das minorias”.1Trata-se do mesmo entendimento do Superior Tribunal<br />

<strong>de</strong> Justiça, que, inclusive, possibilitou o casamento <strong>de</strong> pessoas do mesmo<br />

sexo,12 e reconheceu, para efeitos <strong>de</strong> partilha, a “parceria homoafetiva como<br />

uma das modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> familiar”;3<br />

• a comunida<strong>de</strong> formada por qualquer dos pais e seus <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes (CF, art.<br />

226, § 4a).<br />

6.2 Regras <strong>de</strong> regência das relações familiares<br />

A partir da fixação do conceito <strong>de</strong> entida<strong>de</strong> fam iliar, a Constituição estabeleceu algumas<br />

regras <strong>de</strong> regência das relações familiares:<br />

• cabeça do casal: os <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres referentes à socieda<strong>de</strong> conjugal são exercidos<br />

igualmente pelo homem e pela mulher;<br />

• dissolução do casamento: o casamentocivil po<strong>de</strong> ser dissolvido pelo divórcio, sem<br />

necessida<strong>de</strong>, após a aprovação da EC na 66, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010, <strong>de</strong> prévia<br />

separação judicial por mais <strong>de</strong> um ano nos casos expressos em lei,4 ou comprovada<br />

separação <strong>de</strong> fato por mais <strong>de</strong> dois anos. A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988<br />

previu a possibilida<strong>de</strong> do divórcio direto, sem qualquer limitação <strong>de</strong> vezes,5 em<br />

norma <strong>constitucional</strong> autoaplicável,6 tendo exigido um único requisito para sua<br />

ocorrência, o prazo <strong>de</strong> dois anos <strong>de</strong> separação <strong>de</strong> fato,7 sendo absolutamente<br />

<strong>de</strong>snecessária qualquer imputação <strong>de</strong> culpa para a efetivação do divórcio;8<br />

• planejamento fam iliar:9 fundado nos princípios da dignida<strong>de</strong> d a pessoa humana<br />

e da paternida<strong>de</strong> responsável, o planejamento familiar é livre <strong>de</strong>cisão do casal,<br />

competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício<br />

<strong>de</strong>sse <strong>direito</strong>, vedada qualquer forma coercitiva por parte <strong>de</strong> instituições<br />

oficiais ou privadas;<br />

1 STF - 477554/MG - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, DJe 3-8-2011.<br />

2 STJ - 4a T. - Resp 1183378/RS - Rei. Min. Luis Felipe Salomão, <strong>de</strong>cisão: 25-10-2011.<br />

3 S T J - 2 a S e ç ã o -R e s 1085646/RS - Rei. Min. N ancyAndrighi, <strong>de</strong>cisão: 11-5-2011.<br />

4 Anteriorm ente à E C n a66/2010, nessa hipótese, o lapso temporal <strong>de</strong> 1 ano havia sido o único requisito legal<br />

recepcionado pela nova or<strong>de</strong>m <strong>constitucional</strong> (STF - Pleno - RE 387271 - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão:<br />

8-8-2007).<br />

5 TJSP - RT 656/79.<br />

6 RJTJSP120/104.<br />

1 RJTJSP 117/31; TJ/PR- R T 645/159.<br />

8 RJTJSP 118/130.<br />

9 Cf. L ei n° 9.263, <strong>de</strong> 12 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1996; regula o § 7“ do art. 226, que trata do planejam ento familiar,<br />

estabelece penalida<strong>de</strong> e dá outras providências.


8 7 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

• adoção: a adoção será assistida pelo po<strong>de</strong>r público, na forma da lei, que estabelecerá<br />

casos e condições <strong>de</strong> sua efetivação por parte <strong>de</strong> estrangeiros;<br />

• filiação: os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,<br />

terão os mesmos <strong>direito</strong>s e qualificações, proibidas quaisquer <strong>de</strong>signações discriminatórias<br />

relativas à filiação. Essa norma <strong>constitucional</strong> tem aplicabilida<strong>de</strong><br />

imediata, garantindo-se imediata igualda<strong>de</strong>, sem que possa resistir qualquer<br />

prejuízo ao filho adotivo1ou adulterino, que po<strong>de</strong>rá, inclusive, ajuizar ação <strong>de</strong><br />

investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> e ter sua filiação reconhecida,12 além <strong>de</strong> ter o <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> utilização do nome do pai casado;3<br />

• assistência mútua: os pais têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> assistir, criar e educar os filhos menores,<br />

e os filhos maiores têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ajudar e amparar os pais na velhice,<br />

carência ou enfermida<strong>de</strong>. A paternida<strong>de</strong> responsável engloba o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> in<strong>de</strong>nizar<br />

por danos morais na hipótese <strong>de</strong> abandono afetivo, pois como salientado<br />

pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “o abandono afetivo <strong>de</strong>corrente da omissão<br />

do genitor no <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cuidar da prole constitui elemento suficiente para caracterizar<br />

dano moral compensável”.4<br />

6 .2 .1 P rin c íp io da p a te rn id a d e re s p o n s á v e l e e xa m e do D N A<br />

Em face da relativida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s e garantias fundamentais e aplicando-se os princípios<br />

da convivência das liberda<strong>de</strong>s públicas e da concordância das normas constitucionais,<br />

não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> observar que o texto <strong>constitucional</strong>, ao proclamar expressamente o<br />

princípio da paternida<strong>de</strong> responsável (CF, art. 226, § 7S), <strong>de</strong>verá ser compatibilizado com<br />

o princípio da dignida<strong>de</strong> humana (CF, art. Ia, III) durante a produção probatória para<br />

fins <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>, permitindo-se a realização do necessário exame do<br />

DNA, por meio <strong>de</strong> métodos não invasivos, como, por exemplo, coleta <strong>de</strong> fios <strong>de</strong> cabelo ou<br />

mesmo <strong>de</strong> saliva. Nesse sentido, Francisco Llorente nos aponta <strong>de</strong>cisão do Supremo Tribunal<br />

Constitucional espanhol que enten<strong>de</strong>u que os <strong>direito</strong>s constitucionais à intimida<strong>de</strong><br />

e à integrida<strong>de</strong> física não po<strong>de</strong>m converter-se em previsão que consagre a impunida<strong>de</strong>, com<br />

<strong>de</strong>sconhecimento das obrigações e <strong>de</strong>veres resultantes <strong>de</strong> uma conduta que teve uma íntima<br />

relação com o respeito a possíveis vínculos familiares.5<br />

1 RJTJSP 120/19; TJ/SC-R T 647/173; TJ/SC-RTJE 72/168.<br />

2 Nesse sentido; “Filho adulterino reconhecido p elo pai, em registro <strong>de</strong> nascimento. Nulida<strong>de</strong> inocorrente.<br />

Aplicação do <strong>direito</strong> n ovo, em face do que dispõe o art. 227, § 6a, da CF recentem ente promulgada. Embargos<br />

infringentes rejeitados por unanimida<strong>de</strong>” (TJ/RS - 32 Grupo <strong>de</strong> Câmaras Cíveis - EI n2 587.036.567 - Rei. Des.<br />

Sérgio Pilla da Silva). Conferir, ainda, RJTJSP 119/112 e TJ/MG - 5a Câmara - AC 79.678/5 - Rei. Des. Artur<br />

M afra, <strong>de</strong>cisão; 21 <strong>de</strong>z. 1989.<br />

3 TJS P-RJTJSP 119/383; TJ/PR - 2a C âm ara-A p elação Cível na 2.000/89- R e i. D es.N egiC alixto, <strong>de</strong>cisão:<br />

13 jun. 1990.<br />

4 STJ - Terceira Turma - Resp. 1.159.242/SP - Rei. M in. Nancy Andrighi, ju lgado em 24-4-2012.<br />

5 LLORENTE, Francisco Rubio.Derechosfundamentalesyprincípios<strong>constitucional</strong>es. Barcelona; Ariel, 1995. p.<br />

152 e 178. Ressalte-se, porém, que não é esse o entendimento da maioria do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (vencidos<br />

quatro ministros) ao afirm ar que “ discrepa, a mais não po<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> garantias constitucionais implícitas e explícitas<br />

- preservação da dignida<strong>de</strong> humana, da intimida<strong>de</strong>, da intangibilida<strong>de</strong> do corpo humano, do império da lei e da<br />

inexecução específica e direta <strong>de</strong> obrigação <strong>de</strong> fa zer-p ro vim en to judicial que, em ação civil <strong>de</strong> investigação <strong>de</strong>


Or<strong>de</strong>m Social 879<br />

6.3 Tutela das crianças e dos adolescentes<br />

É <strong>de</strong>ver <strong>constitucional</strong> da família, da socieda<strong>de</strong> e do Estado assegurar à criança, ao<br />

adolescente e ao jovem,1 com absoluta priorida<strong>de</strong>, o <strong>direito</strong> à vida, à saú<strong>de</strong>, à alimentação,<br />

à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignida<strong>de</strong>,*12 ao respeito, à liberda<strong>de</strong><br />

e à convivência familiar e comunitária, além <strong>de</strong> colocá-los a salvo <strong>de</strong> toda forma <strong>de</strong> negligência,<br />

discriminação, exploração, violência, cruelda<strong>de</strong> e opressão.<br />

O Estado, no cumprimento <strong>de</strong> sua obrigação <strong>constitucional</strong>, promoverá programas<br />

<strong>de</strong> assistência integral à saú<strong>de</strong> da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação<br />

<strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s não governamentais e obe<strong>de</strong>cendo aos seguintes preceitos: aplicação<br />

<strong>de</strong> percentual dos recursos públicos <strong>de</strong>stinados à saú<strong>de</strong> na assistência materno-infantil;<br />

criação <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> prevenção e atendimento especializado para os portadores <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ficiência física, sensorial ou mental, bem como <strong>de</strong> integração social do adolescente e do<br />

jovem portador <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência,<br />

e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação <strong>de</strong> preconceitos<br />

e obstáculos arquitetônicos.<br />

A proteção especial às crianças e aos adolescentes abrangerá os seguintes aspectos:3<br />

• ida<strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> 16 anos para admissão ao trabalho, salvo na condição <strong>de</strong><br />

aprendiz, a partir dos 14 anos, nos termos da nova redação do art. 7a, XXXIII,<br />

dada pela EC na 20/98;<br />

• garantia <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s previ<strong>de</strong>nciários e trabalhistas;<br />

• garantia <strong>de</strong> acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;<br />

• garantia <strong>de</strong> pleno e formal conhecimento da atribuição <strong>de</strong> ato infracional,<br />

igualda<strong>de</strong> na relação processual e <strong>de</strong>fesa técnica por profissional habilitado,<br />

segundo dispuser a legislação tutelar específica;<br />

• obediência aos princípios <strong>de</strong> brevida<strong>de</strong>, excepcionalida<strong>de</strong> e respeito à condição<br />

peculiar <strong>de</strong> pessoa em <strong>de</strong>senvolvimento, quando da aplicação <strong>de</strong> qualquer<br />

medida privativa da liberda<strong>de</strong>;<br />

paternida<strong>de</strong>, implique <strong>de</strong>terminação no sentido <strong>de</strong> o réu ser conduzido ao laboratório, ‘<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> vara’, para<br />

coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental,<br />

consi<strong>de</strong>radas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao <strong>de</strong>slin<strong>de</strong> das questões ligadas à<br />

prova dos fatos” (Pleno - HC nB71373/RS - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 22 nov. 1996,<br />

p. 45.686). No mesmo sentido: STF- l aT .- HC nQ76.0604/SC - medida liminar-Rei. Min. Sepúl veda Pertence,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,9 out. 1997, p. 50.666.<br />

1 A introdução da terminologia “jovem” foi dada pela ECnQ65, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010.<br />

2 “Direito à própria imagem - Contrato firmado com menor para divulgação <strong>de</strong> sua nu<strong>de</strong>z - Nulida<strong>de</strong> - In<strong>de</strong>nização<br />

<strong>de</strong>vida. A responsabilida<strong>de</strong> civil relativa ao contrato firmado com menores surge da vedação legal<br />

<strong>de</strong>les (púberes ou impúberes) não po<strong>de</strong>rem firmar avença sem representação ou assistência <strong>de</strong> seus genitores<br />

ou representantes legais, ainda mais se tal contrato é para divulgação, em calendários <strong>de</strong> nu<strong>de</strong>z. Dessa forma,<br />

tal avença é nula e gera para a empresa contratante o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> reparar os prejuízos que causou a imagem do<br />

menor” (TJMT - 3a Câmara Ap nQ16.991-MT; Rei. Des. José Ta<strong>de</strong>u Cury; 28-2-1996; v.u. ementa - MSP nQ<br />

1987 - Ementário - 22 a 28 jan. 1997, p. 7-e).<br />

3 Cf. no or<strong>de</strong>namento jurídico ordinário a aplicação da doutrina da proteção integral, como sendo aquela que<br />

abrange todas as necessida<strong>de</strong>s do ser humano para o pleno <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua personalida<strong>de</strong> (SMANIO,<br />

Gianpaolo Poggio. Interesses difusos e coletivos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 13).


8 8 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

• estímulo do po<strong>de</strong>r público, através <strong>de</strong> assistência jurídica, incentivos fiscais<br />

e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma <strong>de</strong> guarda, <strong>de</strong><br />

criança ou adolescente órfão ou abandonado;<br />

• programas <strong>de</strong> prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente<br />

e ao jovem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> entorpecentes e drogas afins.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral ainda prevê duas outras regras <strong>de</strong> proteção às crianças e aos<br />

adolescentes, ao prever que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração<br />

sexual da criança e do adolescente (CF, art. 227, § 4a) e que são penalmente inimputáveis<br />

os menores <strong>de</strong> 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial (CF, art. 228).<br />

A Emenda Constitucional n° 65, <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2010, <strong>de</strong>terminou que a lei estabe-<br />

-lecera o estatuto da juventu<strong>de</strong>, <strong>de</strong>stinado a regular os <strong>direito</strong>s dos jovens; bem como o<br />

plano nacional <strong>de</strong> juventu<strong>de</strong>, <strong>de</strong> duração <strong>de</strong>cenal, visando à articulação das várias esferas<br />

do po<strong>de</strong>r público para a execução <strong>de</strong> políticas públicas.<br />

6.4 Tutela aos idosos<br />

6 .4.1 C o n s titu iç ã o F e d e ra l e E s ta tu to do Id o so<br />

A família, a socieda<strong>de</strong> e o Estado têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> amparar as pessoas idosas, assegurando<br />

sua participação na comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo sua dignida<strong>de</strong> e bem-estar e<br />

garantindo-lhes o <strong>direito</strong> à vida, inclusive por meio <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> amparo aos idosos<br />

que, preferencialmente, serão executados em seus lares.<br />

Mais do que reconhecimento formal e obrigação do Estado para com os cidadãos<br />

da terceira ida<strong>de</strong>, que contribuíram para seu crescimento e <strong>de</strong>senvolvimento, o absoluto<br />

respeito aos <strong>direito</strong>s humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual<br />

como comunitário, espiritual e social, relaciona-se diretamente com a previsão <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> consagração da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana.<br />

O reconhecimento àqueles que construíram com amor, trabalho e esperança a história<br />

<strong>de</strong> nosso país tem efeito multiplicador <strong>de</strong> cidadania, ensinando às novas gerações a<br />

importância <strong>de</strong> respeito permanente aos <strong>direito</strong>s f undamentais, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o nascimento até<br />

a terceira ida<strong>de</strong>.<br />

Esse entendimento foi adotado com a edição, pelo Congresso Nacional, do Estatuto<br />

do Idoso (Lei na 10.741, <strong>de</strong> l 2-10-2003), que visa consagrar os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> todas as pessoas<br />

com ida<strong>de</strong> igual ou superior a 60 anos, garantindo-lhes o pleno gozo <strong>de</strong> todos os <strong>direito</strong>s<br />

fundamentais inerentes à pessoa humana e afirmando o princípio da solidarieda<strong>de</strong>, ao<br />

obrigar a família, a comunida<strong>de</strong>, a socieda<strong>de</strong> em geral e o Po<strong>de</strong>r Público a assegurarem,<br />

com absoluta priorida<strong>de</strong>, a efetivação dos <strong>direito</strong>s referentes à vida, à saú<strong>de</strong>, à alimentação,<br />

à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberda<strong>de</strong>, à<br />

dignida<strong>de</strong>, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.1<br />

1 “ É <strong>de</strong>ver d o Estado preservar e amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunida<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo sua dignida<strong>de</strong> e bem-estar e garantindo-lhe o <strong>direito</strong> à vid a ” (TR F - 5a Região - 2a T. - Agravo nQ<br />

92.05.02178/D E- Rei. Juiz Petrúcio Pereira, Diário da Justiça, Seção II, 21 maio 1993, p. 19.307).


Or<strong>de</strong>m Social 881<br />

A intensida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> do respeito aos idosos <strong>de</strong>monstram o grau <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

educacional <strong>de</strong> um povo, e somente com educação integral po<strong>de</strong>remos garantir<br />

a perpetuida<strong>de</strong> e a efetivida<strong>de</strong> do Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, a partir da formação <strong>de</strong><br />

consciência <strong>de</strong> cidadania e Justiça em todos os cidadãos.<br />

Ao garantir atendimento preferencial, imediato e individualizado junto aos órgãos<br />

públicos e privados prestadores <strong>de</strong> serviços da população, viabilização <strong>de</strong> formas alternativas<br />

<strong>de</strong> participação, ocupação e convívio do idoso com as <strong>de</strong>mais gerações, capacitação<br />

e reciclagem dos recursos humanos nas áreas <strong>de</strong> geriatria e gerontologia e na prestação<br />

<strong>de</strong> serviços aos idosos, estabelecimento <strong>de</strong> mecanismos que favoreçam a divulgação <strong>de</strong><br />

informações <strong>de</strong> caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais <strong>de</strong> envelhecimento e<br />

garantia <strong>de</strong> acesso à re<strong>de</strong> <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e <strong>de</strong> assistência social locais, entre outras<br />

formas <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> à terceira ida<strong>de</strong>, a nova legislação brasileira reconheceu, como se<br />

faz nos países europeus, o envelhecimento como um <strong>direito</strong> social, a ser <strong>de</strong>vida e especificamente<br />

protegido.<br />

A nova legislaçãoserámais um valioso instrumento para a continuida<strong>de</strong> do trabalho<br />

prioritário que o Po<strong>de</strong>r Público <strong>de</strong>ve realizar em <strong>de</strong>fesa da efetivida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s da<br />

terceira ida<strong>de</strong>.<br />

6 .4 .2 S a ú d e do id o so e cid a d a n ia<br />

No Preâmbulo da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, <strong>de</strong>staca-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Estado <strong>de</strong>mocrático<br />

assegurar o bem-estar da socieda<strong>de</strong>. Logicamente, <strong>de</strong>ntro do bem-estar, <strong>de</strong>stacado<br />

como uma das finalida<strong>de</strong>s do Estado, encontra-se a saú<strong>de</strong> pública. O <strong>direito</strong> à saú<strong>de</strong> do<br />

idoso vem tratado com primazia pelo Estatuto, por ser primordial para o gozo pleno da<br />

cidadania.<br />

O Estatuto do Idoso, em seu art. 8o, <strong>de</strong>fine o envelhecimento como <strong>direito</strong> personalíssimo<br />

e a sua proteção como <strong>direito</strong> social, complementando, em seu art. 9S, que é obrigação<br />

do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saú<strong>de</strong>, mediante efetivação<br />

<strong>de</strong> políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições<br />

<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>.<br />

Mais adiante, o Estatuto do Idoso prevê, em seu Capítulo IV, o <strong>direito</strong> à saú<strong>de</strong>, assegurando<br />

a atenção integral à saú<strong>de</strong> do idoso, por intermédio do Sistema Ünico <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das<br />

ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saú<strong>de</strong>, incluindo<br />

a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.<br />

Essa especificação protetiva em relação ao idoso somou-se à Constituição Fe<strong>de</strong>ral,<br />

que, em diversos dispositivos, prevê princípios informadores e regras <strong>de</strong> competências no<br />

tocante à proteção da saú<strong>de</strong> pública.<br />

Nesse sentido, o Estatuto do Idoso estabeleceu que a prevenção e a manutenção da<br />

saú<strong>de</strong> do idoso serão efetivadas por meio <strong>de</strong> cadastramento da população idosa em base<br />

territorial; atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios, unida<strong>de</strong>s geriátricas<br />

<strong>de</strong> referência, com pessoal especializado nas áreas <strong>de</strong> geriatria e gerontologia social,<br />

atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que <strong>de</strong>le necessitar e<br />

esteja impossibilitada <strong>de</strong> se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por<br />

instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com


8 8 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

o Po<strong>de</strong>r Público, nos meios urbano e rural, e, ainda, reabilitação orientada pela geriatria<br />

e gerontologia, para redução das sequelas <strong>de</strong>correntes do agravo da saú<strong>de</strong>.<br />

Previu, ainda, ser incumbência do Po<strong>de</strong>r Público o fornecimento aos idosos, gratuitamente,<br />

<strong>de</strong> medicamentos,1especialmente os <strong>de</strong> uso continuado, assim como próteses,<br />

órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação (§ 2a, art.<br />

15); vedando, por fim, a discriminação do idoso nos planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pela cobrança <strong>de</strong><br />

valores diferenciados em razão da ida<strong>de</strong> (§ 3a, art. 15).<br />

Essa previsão específica do Estatuto do Idoso veio positivar a universalida<strong>de</strong> e plena<br />

efetivida<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> à saú<strong>de</strong>, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, pois como salientado pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“o <strong>direito</strong> à saú<strong>de</strong> - além <strong>de</strong> qualificar-se como <strong>direito</strong> fundamental que assiste a<br />

todas as pessoas - representa consequência <strong>constitucional</strong> indissociável do <strong>direito</strong><br />

à vida. O Po<strong>de</strong>r Público, qualquer que seja a esfera institucional <strong>de</strong> sua atuação<br />

no plano da organização fe<strong>de</strong>rativa brasileira, não po<strong>de</strong> mostrar-se indiferente ao<br />

problema da saú<strong>de</strong> da população, sob pena <strong>de</strong> incidir, ainda que por omissão, em<br />

censurável comportamento in<strong>constitucional</strong>. O <strong>direito</strong> público subjetivo à saú<strong>de</strong><br />

traduz bem jurídico <strong>constitucional</strong>mente tutelado, por cuj a integrida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve velar,<br />

<strong>de</strong> maneira responsável, o Po<strong>de</strong>r Público (fe<strong>de</strong>ral, estadual ou municipal), a quem<br />

incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas que visem a<br />

garantir a plena consecução dos objetivos proclamados no art. 196 da Constituição<br />

da República”.12<br />

6 .4 .3 E sta tu to do Id o s o e fis c a liz a ç ã o à s e n tid a d e s d e a te n d im e n to a o s<br />

id o so s<br />

O Estatuto do Idoso, seguindo o entendimento <strong>de</strong> proteção e vigilância sanitária,<br />

<strong>de</strong>terminou, em seu art. 48, parágrafo único, que as entida<strong>de</strong>s governamentais e não<br />

governamentais <strong>de</strong> assistência ao idoso ficarão sujeitas à inscrição <strong>de</strong> seus programas,<br />

junto ao órgão competente da Vigilância Sanitária e Conselho Municipal da Pessoa Idosa,<br />

e em sua falta junto ao Conselho Estadual ou Nacional da Pessoa Idosa, especificando os<br />

regimes <strong>de</strong> atendimento.<br />

A legislação <strong>de</strong>ve ser implementada com o auxílio do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia do Po<strong>de</strong>r Público,<br />

que é responsável pela manutenção da saú<strong>de</strong> pública.<br />

O Estatuto do Idoso estabelece algumas medidas específicas a serem, obrigatoriamente,<br />

seguidas pelas entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento à terceira ida<strong>de</strong>, tais quais: oferecer instalações<br />

físicas em condições a<strong>de</strong>quadas <strong>de</strong> habitabilida<strong>de</strong>, higiene, salubrida<strong>de</strong> e segurança;<br />

1 O Estatuto do Idoso ampliou o entendimento construído no Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral sobre a obrigatorieda<strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> fornecim ento <strong>de</strong> qualquer tipo <strong>de</strong> medicamento essencial, <strong>de</strong> maneira gratuita, para os hipos-<br />

suficientes. Nesse sentido: STF - Rextr. n“ 241.630-2/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello -D iá rio da Justiça, Seção<br />

1, 3 abr. 2001, p. 49; STF - Pleno - Rextr. (A gR g ) 271.286/RS - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 12-9-00.<br />

Informativo na 202. E, ainda: STF - Plen o -R ex tr. n2232.335-l/RS - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça,<br />

Seção I, 25 ago. 2000, p. 99. Conferir a íntegra da <strong>de</strong>cisão do Min. Celso <strong>de</strong> M ello no Informativo STF ns 202.<br />

2 STF - Rextr. n“ 241.630-2/RS - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M e llo -D iá rio da Justiça, Seção 1 ,3 abr. 2001, p. 49.


Or<strong>de</strong>m Social 8 8 3<br />

apresentar objetivos estatutários e plano <strong>de</strong> trabalho compatíveis com o Estatuto; estar<br />

regularmente constituída; <strong>de</strong>monstrar a idoneida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus dirigentes; fornecer vestuário<br />

a<strong>de</strong>quado e alimentação suficiente; e manter no quadro <strong>de</strong> pessoal profissionais com<br />

formação específica.1<br />

6 .4 .4 Id o so e tra n sp o rte p ú b lic o<br />

O <strong>direito</strong> à gratuida<strong>de</strong> no transporte público foi, igualmente, consagrado pela Constituição<br />

Republicana <strong>de</strong> 1988.<br />

Previu, assim, o texto <strong>constitucional</strong> a gratuida<strong>de</strong> dos transportes coletivos urbanos<br />

aos maiores <strong>de</strong> 65 anos. Trata-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia imediata, que in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> regulamentação.12<br />

O Estatuto do Idoso, em seu art. 39, estabeleceu que aos maiores <strong>de</strong> 65 anos fica assegurada<br />

a gratuida<strong>de</strong> nos transportes coletivos públicos, urbanos e semiurbanos, exceto nos<br />

serviços seletivos, especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. Essa<br />

previsão f ez com que o Estatuto, por um lado, conce<strong>de</strong>sse interpretação mais extensiva ao<br />

atual entendimento jurispru<strong>de</strong>ncial, ao prever a gratuida<strong>de</strong> nos transportes semiurbanos,<br />

que po<strong>de</strong>m ser entendidos como abrangendo as áreas metropolitanas3 e o transporte zona<br />

urbana-zona rural,4 até então excluídos pelos julgados paulistas; porém, por outro lado,<br />

em seu art. 40, a nova legislação adotou interpretação mais restrita daquela que enten<strong>de</strong>mos<br />

a<strong>de</strong>quada e, consequentemente, in<strong>constitucional</strong>, pois restringiu a gratuida<strong>de</strong> do<br />

transporte intermunicipal e interestadual, reservando somente duas vagas gratuitas por<br />

veículo para idosos com renda igual ou inferior a dois salários-mínimos e <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong> 50%,<br />

no mínimo, no valor das passagens, para os idosos que exce<strong>de</strong>rem as vagas gratuitas, com<br />

renda igual ou inferior a dois salários mínimos.5<br />

O <strong>direito</strong> subjetivo dos idosos à gratuida<strong>de</strong> do transporte coletivo urbano vem assegurado<br />

pelo art. 230, § 2°, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, tratando-se <strong>de</strong> norma <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> eficácia plena, que, por conseguinte, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer complementação infra<strong>constitucional</strong>.6<br />

1 Esse atendimento, em relação aos serviços <strong>de</strong> enfermagem, <strong>de</strong>ve ser feito em respeito ao art. 23 da Lei n2<br />

7.498/86 e da Resolução Confen 186, que exige a presença <strong>de</strong> enfermeiros para cobertura durante 24 horas e<br />

a presença <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> enfermagem prestando assistência <strong>de</strong> enfermagem.<br />

2 O STF <strong>de</strong>clarou ser o § 2Bdo art. 230 da CF norma <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> eficácia plena e aplicabilida<strong>de</strong> imediata<br />

(STF - Pleno - ADI 3768/DF - Rei. Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-9-2007. Informativo STF nB480). Nesse<br />

sentido, a jurisprudência paulista já havia consagrado a gratuida<strong>de</strong> do transporte coletivo urbano aos maiores<br />

<strong>de</strong> 65 anos: TJ/SP - 7a Câmara - AC nQ129.144-1 - Rei. Des. Benini Cabral, <strong>de</strong>cisão: 24 out. 1990.<br />

3 Nesse sentido, conferir: TJ/RJ- R T 665/147.<br />

4 No sentido da inexistência <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong> na gratuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transporte coletivo rural aos<br />

maiores <strong>de</strong> 65 anos: TJ/SP - 6â Câmara <strong>de</strong> Direito Público - Apelação Cível n2 37.186-5/1 - Rei. Des. William<br />

Marinho, <strong>de</strong>cisão: 10-8-98; TJ/SP - 85 Câmara <strong>de</strong> Direito Público - Apelação Cível n2 47.164-5/0 - Rei. Des.<br />

Toledo Silva, <strong>de</strong>cisão: 29-7-97; TJ/SP - 6â Câmara <strong>de</strong> Direito Público - Apelação Cível nB49.510-5/4 - Rei. Des.<br />

Afonso Faro, <strong>de</strong>cisão: 8-10-98.<br />

5 O STF, por maioria, <strong>de</strong>clarou <strong>constitucional</strong> o art. 39 do Estatuto do Idoso (S T F - Pleno - ADI 3768/DF - Rei.<br />

Min. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-9-2007. Informativo STF n2 480).<br />

6 STJ - I a T. - Resp. 916.675/RJ - Rei. Min. Teori Albino Zavascki, <strong>de</strong>cisão: 25-11-2008.


8 8 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Conforme proclamou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o <strong>direito</strong> dos idosos ao transporte<br />

gratuito não é um fim em si mesmo, e que a facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>slocamento físico pelo<br />

uso <strong>de</strong> transporte coletivo <strong>de</strong>ve ser assegurada como garantia da qualida<strong>de</strong> digna <strong>de</strong> vida<br />

para os que não po<strong>de</strong>m pagar ou já colaboraram com a socieda<strong>de</strong> em períodos pretéritos,<br />

<strong>de</strong> modo a lhes caber, nesta fase da vida, tal benefício, a ser custeado pela socieda<strong>de</strong>”.1<br />

Ocorre, porém, que os <strong>de</strong>stinatários <strong>de</strong>sse <strong>direito</strong> <strong>de</strong>vem, por óbvio, <strong>de</strong>monstrar sua<br />

condição <strong>de</strong> idoso (maior <strong>de</strong> 65 anos), para usufruírem da previsão <strong>constitucional</strong>. O fato<br />

<strong>de</strong> a legislação preten<strong>de</strong>r facilitar essa i<strong>de</strong>ntificação, por meio da inscrição “MAIOR DE 65<br />

ANOS” na cédula <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não apresenta nenhum caráter ilegal ou mesmo discriminatório.<br />

Em relação à legalida<strong>de</strong> da medida, importante salientarmos que a Lei n° 7.116,<br />

<strong>de</strong> 29-8-1983, em seu art. 3S, prevê quais os elementos obrigatórios que <strong>de</strong>vam constar<br />

na carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. A mesma lei, no § I a do art. 4a, estipula que “o Po<strong>de</strong>r Executivo<br />

Fe<strong>de</strong>ral po<strong>de</strong>rá aprovar a inclusão <strong>de</strong> outros dados opcionais na Carteira <strong>de</strong> I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>”.<br />

O Po<strong>de</strong>r Executivo Fe<strong>de</strong>ral, no exercício do po<strong>de</strong>r regulamentar previsto noart.84da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral e com base no citado art 4a da Lei na 7.116/83, expediu o Decreto na<br />

89.250, <strong>de</strong> 27-12-1983, posteriormente alterado pelo Decreto na 98.963, <strong>de</strong> 16-2-1990,<br />

que assim disciplina o assunto:<br />

“A Carteira <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> conterá campos <strong>de</strong>stinados ao registro dos números <strong>de</strong><br />

inscrição do titular do Programa <strong>de</strong> Integração Social - PIS ou do Programa <strong>de</strong><br />

Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP, no cadastro <strong>de</strong> Pessoas<br />

Físicas do Ministério da Fazenda - CPF, bem assim a expressão ‘MAIOR DE 65<br />

ANOS’, logo acima do local <strong>de</strong>stinado à assinatura do titular, quando for o caso.”<br />

7 ÍNDIOS<br />

A Constituição reconhece aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças<br />

e tradições, e os <strong>direito</strong>s originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam,<br />

competindo à União <strong>de</strong>marcá-las,12 proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Além<br />

disso, prevê que os índios, suas comunida<strong>de</strong>s e organizações são partes legítimas para<br />

ingressar em juízo em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus <strong>direito</strong>s e interesses (CF, art. 109, XI), intervindo o<br />

Ministério Púbüco em todos os atos do processo, <strong>de</strong>monstrando a intenção <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong> proteção aos interesses indígenas.<br />

A competência <strong>constitucional</strong> da Justiça Fe<strong>de</strong>ral nas causas que apresentem interesses<br />

dos índios engloba, inclusive, a ação penal em que imputada a figura do genocídio,<br />

praticado contra indígenas na disputa <strong>de</strong> terras, uma vez que na hipótese protege-se o<br />

<strong>direito</strong> à vida da pessoa enquanto integrante <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong> indígena.3 *Observe-se que<br />

1 STF - Pleno - ADI 3768/DF - ReL M in. Cármen Lúcia, <strong>de</strong>cisão: 19-9-2007. Informativo STF na 480.<br />

2 Conform e <strong>de</strong>cidiu o STF, “o prazo <strong>de</strong> 5 anos para a conclusão <strong>de</strong> <strong>de</strong>m arcação <strong>de</strong> terras indígenas não é<br />

<strong>de</strong>can<strong>de</strong>ncial, sendo a norma constante no art. 67 do ADCT m eram ente programática, a indicar ao órgão administrativo<br />

que proceda às <strong>de</strong>marcações <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um prazo razoável” (STF - Pleno - RMS 26212/DF - Rei.<br />

Min. RicardoLewandowski, <strong>de</strong>cisão: 3-5-2011).<br />

3 RTJ 158/736. N o mesmo sentido: STF - 2 aT . - M C n “ 71.835-3/MS - Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da<br />

Justiça, Seção I, 22 fev. 1996, p. 45.687. N o mesm o sentido, <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral competir à


Or<strong>de</strong>m Social 8 8 5<br />

há a necessida<strong>de</strong> da proteção à vida do indivíduo enquanto integrante da comunida<strong>de</strong> indígena,<br />

pois, nas <strong>de</strong>mais hipóteses <strong>de</strong> homicídio praticado contra o índio, será competente<br />

a própria Justiça Estadual.1<br />

A garantia <strong>constitucional</strong> prevista para os índios, em relação aos <strong>direito</strong>s originários<br />

sobre suas terras, tradição em nosso <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong>, vem pelos seguintes preceitos<br />

constitucionais:<br />

• <strong>de</strong>finição: são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas<br />

em caráter permanente, as utilizadas para suas ativida<strong>de</strong>s produtivas, as<br />

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar<br />

e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,<br />

costumes e tradições, tendo <strong>de</strong>clarado o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral a nulida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> títulos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> rural referentes a terras indígenas <strong>de</strong> posse permanente<br />

e habitação;*12<br />

• proprieda<strong>de</strong>: são bens da União (CF, art. 20, XI);<br />

• posse permanente: é dos próprios índios. Indispensável a lição <strong>de</strong> José Afonso<br />

da Silva, que preleciona: “A posse das terras ocupadas tradicionalmente pelos<br />

índios nãoéa simples posse regulada pelo <strong>direito</strong> civil; não é a posse como simples<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> fato sobre a coisa, para sua guarda e uso, com ou sem ânimo <strong>de</strong> tê-la<br />

como própria. E, em substância, aquelapossessio ab origine que, no início, para<br />

os romanos, estava na consciência do antigo povo, e era não a relação material<br />

<strong>de</strong> homem com a coisa, mas um po<strong>de</strong>r, um senhorio”;3<br />

• <strong>de</strong>stinação: as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios <strong>de</strong>stinam-se a sua<br />

posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos<br />

rios e dos lagos nelas existentes, compreen<strong>de</strong>ndo, pois, o uso e a fruição, quer<br />

se trate <strong>de</strong> minerais, <strong>de</strong> vegetais ou <strong>de</strong> animais. Além disso, são inalienáveis e<br />

indisponíveis, e os <strong>direito</strong>s sobre elas, imprescritíveis;<br />

• aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa<br />

e a lavra das riquezas minerais: só po<strong>de</strong>m ser efetivados com autorização do<br />

Congresso Nacional, ouvidas as comunida<strong>de</strong>s afetadas, ficando-lhes assegurada<br />

participação nos resultados da lavra, na forma da lei. Não sendo, porém, permitida<br />

qualquerativida<strong>de</strong>garimpeiraem cooperativa, e tampouco autorização ou<br />

concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas <strong>de</strong> minerais garimpáveis,<br />

nas áreas indígenas (CF, art. 231, § 6a);<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>ral “ju lgar assassinato com etido contra índio, no interior da al<strong>de</strong>ia a que ele pertencia, e que teve<br />

como causa a disputa sobre as terras ocupadas pela comunida<strong>de</strong> indígena”, uma vez que consi<strong>de</strong>rou “que o<br />

crime <strong>de</strong> hom icídio tivera relação direta com questão concernente a ‘<strong>direito</strong>s originários sobre as terras que<br />

tradicionalmente ocupam...’ (CF, art. 231) e que tais <strong>direito</strong>s encontram-se compreendidos na norma inscrita no<br />

art. 109, XI, da CF (‘Aos juizes fe<strong>de</strong>rais com pete processar e ju lg a r:... XI - a disputa sobre <strong>direito</strong>s indígenas’).<br />

Prece<strong>de</strong>ntes citados: RREE 192.473-RR (DJU <strong>de</strong> 29-8-97), 206.608-RR (DJU <strong>de</strong> 17-9-99) e HC 71.835-MS (DJU<br />

<strong>de</strong> 22-11-96)” (STF - Pleno - RE nQ270.379/MS - Rei. Min. M aurício Corrêa, 17-4-2001 - Informativo STF nQ<br />

224, 16 a 20 abr. 2001, p. 2).<br />

1 STJ - CC n° 19.687/DF - Rei. Min. W illiam Patterson, Diário d a Justiça, Seção I, 8 set. 1997, p. 42.428.<br />

2 STF - P le n o -A C O 312/BA, Rei. orig. Min. ErosG rau,red. p/AcórdãoM in. LuizFu x, <strong>de</strong>cisão: 2-5-2012.<br />

3 SILVA, José Afonso. Curso... Op. cit. p. 729.


886 Direito Constitucional • Moraes<br />

• remoção dos índios: é vedada a remoção dos grupos indígenas <strong>de</strong> suas terras,<br />

salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso <strong>de</strong> catástrofe ou epi<strong>de</strong>mia<br />

que ponha em risco sua população, ou no caso <strong>de</strong> interesse da soberania do País,<br />

após <strong>de</strong>liberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o<br />

retomo imediato logo que cesse o risco (Princípio da irremovibilida<strong>de</strong> dos índios<br />

<strong>de</strong> suas terras).<br />

Dessa forma, conforme <strong>de</strong>finiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral<br />

“confere competência à Justiça Fe<strong>de</strong>ral para processar e julgar a disputa sobre<br />

<strong>direito</strong>s indígenas, os quais são aqueles indicados no art. 231 da Constituição,<br />

abrangendo os elementos da cultura e os <strong>direito</strong>s sobre terras, não alcançando <strong>de</strong>litos<br />

isolados praticados sem qualquer envolvimento com a comunida<strong>de</strong> indígena” .1<br />

Porfim, <strong>de</strong>terminou a Constituição que são nulos e extintos, não produzindo efeitos<br />

jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das<br />

terras a que se refere o art. 231, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos<br />

rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União,<br />

segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulida<strong>de</strong> e a extinção<br />

<strong>direito</strong> à in<strong>de</strong>nização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto a<br />

benfeitorias <strong>de</strong>rivadas da ocupação <strong>de</strong> boa-fé (CF, art. 231, § 6q).<br />

STF-2a T. -H C nQ75.404-0/DF- Rei. Min. Maurício Corrêa- D i á r i o d a J u s tiç a , Seção 1, 27 abr. 2001, p. 59.


Sistema Tributário<br />

Nacional<br />

____<br />

1 CONCEITO<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 consagrou o Sistema Tributário N acional com o a<br />

principal diretriz do Direito Tributário,1 estabelecendo regras básicas regentes da relação<br />

do Estado/Fisco com o particular/contribuinte e <strong>de</strong>finindo as espécies <strong>de</strong> tributos, as<br />

limitações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, a distribuição <strong>de</strong> competências tributárias e a repartição<br />

das receitas tributárias,12 caracterizando-se, pois, pela rigi<strong>de</strong>z e complexida<strong>de</strong>.3<br />

O sistema <strong>constitucional</strong> tributário, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Geraldo Ataliba, é o “conjunto<br />

<strong>de</strong> princípios constitucionais que informa o quadro orgânico <strong>de</strong> normas fundamentais e<br />

gerais <strong>de</strong> Direito Tributário vigentes em <strong>de</strong>terminado país”.4<br />

A imposição tributária, como lembra Ives Gandra, “representa apropriação <strong>de</strong> bens<br />

do cidadão”5 e, portanto, sempre <strong>de</strong>verá observar fielmente os princípios e preceitos<br />

constitucionais, pois salienta o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral que o “fundamento do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> tributar, por isso mesmo, resi<strong>de</strong> no <strong>de</strong>ver jurídico <strong>de</strong> essencial e estrita fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> dos<br />

entes tributantes ao que imperativamente dispõe a Constituição da República” .6<br />

Dessa forma, ao mesmo tempo em que o legislador constituinte restringiu a liberda<strong>de</strong><br />

do Congresso Nacional em estabelecer a competência tributária <strong>de</strong> cada ente fe<strong>de</strong>rativo<br />

(rigi<strong>de</strong>z), <strong>de</strong>screveu com <strong>de</strong>talhes as limitações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar e a repartição das<br />

receitas tributárias (complexida<strong>de</strong>).<br />

1 A TA LIBA , G e ra ld o . H e rm e n ê u tic a e siste m a c o n s titu c io n a l t rib u tá r io . Jusütia - Revista do Ministério Público<br />

do Estado <strong>de</strong> São Paulo, n ° 7 7 , p. 1 2 1 ; A R R U D A , B r a z d e S o u z a . O melhor sistema tributário. 1 9 1 7 . T ra b a lh o<br />

a p resen ta d o p a r a o co n c u rso a o lu g a r d e P ro fe s s o r S u b s titu to d a 5 S S e ç ã o d a F a c u ld a d e d e D ireito d e S ã o P a u ­<br />

lo - F a d u sp , S ã o P a u lo ; A TA LIBA , G e ra ld o . E v o lu çã o d o siste m a c o n s titu c io n a l trib u tá r io b ra s ile iro . Revista <strong>de</strong><br />

Informação Legislativa, B r a s ília : S en a d o F e d e r a l, a n o 5 , n ° 1 8 , p . 6 3 , a b r./ ju n . 1 9 6 8 .<br />

2 C o n ferir n e sse se n tid o : CARVALHO, P a u lo d e B a rro s . Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> tributário. 3 . e d . S ã o P a u lo : S a ra iv a ,<br />

1 9 8 8 . p . 1 1 ; C A SSO N E , V itto rio . Sistema tributário nacional na nova Constituição. S ã o P a u lo : A tla s, 1 9 8 9 . p. 1 6 .<br />

3 A m b as a s c a ra c te rístic a s s ã o re s sa lta d a s p o r W a n d e rle y J o s é F e d e rig h i (Direito tributário: p a r te g e ra l. S ã o<br />

P au lo : A tla s, 2 0 0 0 . p. 2 9 ) . C o n ferir, a in d a : SILVA, Jo s é A fo n so da. Curso <strong>de</strong>... Op. cit. p . 6 9 6 .<br />

4 A TA LIBA , G e ra ld o . Sistema <strong>constitucional</strong> tributário brasileiro. S ã o P a u lo : R e v is ta d o s T rib u n a is, 1 9 6 8 . p. 8 .<br />

5 B A ST O S , C elso R ib e iro ; M A R T IN S, Iv e s G a n d ra d a S ilv a . Comentários... O p . c it. v. 6 , 1 . 1 , p . 6 .<br />

6 D e sp a ch o do M in istro -P resid e n te C elso d e M ello . Informativo STF n a 1 2 5 .


888 Direito Constitucional • Moraes<br />

A tendência <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ização do Sistema Tributário Nacional surgiu com a<br />

Emenda Constitucional na 18/65 à Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1946, e, posteriormente, foi<br />

adotada pela Constituição <strong>de</strong> 1967.1<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral, em regra, não institui tributos, mas sim estabelece a repartição<br />

<strong>de</strong> competência entre os diversos entes fe<strong>de</strong>rativos e permite que os instituam com<br />

observância ao princípio da reserva legal. A exceção fica a cargo do estabelecimento do<br />

imposto extraordinário, feito diretamente pela Carta Maior.12 No ensinamento <strong>de</strong> Aliomar<br />

Baleeiro, “a lei criadora do tributo é a da pessoa jurídica <strong>constitucional</strong>mente competente<br />

para <strong>de</strong>cretá-lo e só ela”.3<br />

Em nossa Constituição, o sistema <strong>constitucional</strong> tributário inicia com a previsão do<br />

gênero tributos e <strong>de</strong> suas espécies: impostos, taxas e contribuições.4<br />

Nos termos do art. 34 do ADCT, o Sistema Tributário Nacional entrou em vigor a<br />

partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, tendo<br />

sido mantido, até aquele momento, o sistema anterior da Constituição <strong>de</strong> 1967, com a<br />

redação dada pela EC na 1, <strong>de</strong> 1969, e posteriores.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral reservou à lei complementar as matérias básicas <strong>de</strong> integração<br />

do Sistema Tributário Nacional,5como “garantia <strong>constitucional</strong> explícita ao contribuinte”.6<br />

Em especial, o inciso D, do art. 146, estabelece competir à lei complementar regular<br />

as limitações constitucionais ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar.7<br />

Ressalte-se que essa previsão <strong>constitucional</strong> tem duas gran<strong>de</strong>s características: a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ampliação das restrições já previstas no texto <strong>constitucional</strong> e a impossibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suprimir ou restringir as competências tributárias <strong>constitucional</strong>mente <strong>de</strong>feridas.8<br />

Dessa forma, competirá à lei complementar:<br />

• Dispor sobre conflitos <strong>de</strong> competência, em matéria tributária, entre a União, os<br />

Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios.<br />

• Regular as limitações constitucionais ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar.<br />

1 Cf. FER R E IR A FILHO, M anoel G onçalves. Comentários... Op. cit. p. 9 0 .<br />

2 N esse sen tid o : “N a v erd ad e, a C arta M a g n a n ã o in stitu i trib u to . O trib u to é in stitu íd o p o r lei ord in ária da<br />

en tid ad e ju r íd ic a co m p e ten te , salvo a h ip ó tese do im p osto extra o rd in á rio , do a rt. 1 5 4 , 1, da re ferid a C a rta ”<br />

(T re ch o do v o to do M in. Rei. S T F - P le n o - R E x t r . n a 2 3 2 .4 6 7/SP - R ei. M in. lim a r G alv ão, d ecisão: 2 9 - 9 -1 9 9 9 ,<br />

Informativo STF nQ1641.<br />

3 BALEEIRO, Aliom ar. Direito tributário brasileiro. 1 0 . ed. R io <strong>de</strong> Ja n e iro : F o ren se, 1 9 9 6 . p. 6 3 .<br />

4 C onferir leg islação in fraco n stitu cio n al: Lei n “ 5 .1 7 2 / 6 6 (C ódigo T rib u tário N a cio n a l); Lei n “ 8 .1 3 7 / 9 0 (C rim<br />

es co n tra a o r<strong>de</strong>m trib u tá ria , eco n ô m ica e co n tra as rela çõ es <strong>de</strong> co n su m o ); Lei n “ 8 .1 7 6 / 9 1 (C rim es co n tra a<br />

or<strong>de</strong>m e co n ô m ic a ); Lei n“ 9 .4 3 0 / 9 6 (D isp õe sobre a leg islação trib u tá ria fe d e ra l).<br />

5 BA LEEIRO, A liom ar. Direito tributário... Op. cit. p. 8 0 ; PINTO FERREIRA . Comentários... Op. c it v. 5, p. 2 8 4 .<br />

6 STF - 2 a T. - RExtr. na 1 7 2 .0 5 8 -1 - R ei. M in. M a rco A urélio, Diário da Justiça, S e ç ã o I, 1 3 set. 1 9 9 5 . Informaüvo<br />

STF ne 9.<br />

7 SILVA, Jo s é A fonso da (Curso... O p . c it. p. 6 8 7 ) re ssa lta a im p o rtâ n cia d a m a té ria trib u tá ria co n stitu cio n al,<br />

in d ican d o que a “le i co m p lem en tar é req u erid a sete v ezes n o cap ítu lo d o sistem a trib u tá rio n a cio n a l” (C F, arts.<br />

1 4 6 ,1 4 8 ,1 5 3 , V II, 1 5 4 , 1 , 1 5 5 , XII, 1 5 6 , III e 1 6 1 ).<br />

8 Cf. FER REIRA FILH O, M an o el G onçalves. Comentários... O p . cit. v. 2 , p. 9 5 .


Sistema Tributário Nacional 8 8 9<br />

• Estabelecer normas gerais em matéria <strong>de</strong> legislação tributária, especialmente<br />

sobre: <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> tributos e <strong>de</strong> suas espécies, bem como em relação aos impostos<br />

discriminados na Constituição, a <strong>de</strong>finição dos respectivos fatos geradores,<br />

bases <strong>de</strong> cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e<br />

<strong>de</strong>cadência tributários; e o a<strong>de</strong>quado tratamento tributário ao ato cooperativo<br />

praticado pelas socieda<strong>de</strong>s cooperativas.<br />

No sentido <strong>de</strong> ampliar a proteção às microempresas e às empresas <strong>de</strong> pequeno porte,<br />

a EC na 42/03 reservou à lei complementar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> tratamento<br />

diferenciado, inclusive com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> beneficiá-las no tocante a regimes especiais<br />

ou simplificações <strong>de</strong> impostos e contribuições e com a estipulação <strong>de</strong> um regime único <strong>de</strong><br />

arrecadação dos impostos e contribuições.<br />

A EC na 42/03 estabeleceu, ainda, nova reserva <strong>de</strong> lei complementar, permitindo ao<br />

Congresso Nacional a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prevenir <strong>de</strong>sequilíbrios da concorrência, por meio<br />

<strong>de</strong> critérios especiais <strong>de</strong> tributação.<br />

Estranhamente, porém, continuou permitindo à União legislar sobre essa matéria no<br />

geral por meio <strong>de</strong> lei ordinária, ignorando, portanto, tradicional diferença material entre<br />

as duas espécies normativas.<br />

No tocante à divisão geral <strong>de</strong> competência tributária, nos termos do art. 147 da Constituição<br />

Fe<strong>de</strong>ral, competem à União, em Território Fe<strong>de</strong>ral, os impostos estaduais e, se o<br />

Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais, pois,<br />

em caso contrário, ou seja, a existência <strong>de</strong> Municípios <strong>de</strong>ntro dos Territórios Fe<strong>de</strong>rais, a<br />

eles caberão seus respectivos impostos, por serem <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> plena autonomia. Ives<br />

Gandra salienta que “o Brasil talvez seja o único país fe<strong>de</strong>rativo a outorgar competência<br />

impositiva aos municípios, em nível <strong>constitucional</strong>. Entre as nações <strong>de</strong>senvolvidas, certamente,<br />

é o único”.1<br />

Além disso, o texto <strong>constitucional</strong> reserva ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral os impostos municipais.12<br />

A regra <strong>constitucional</strong>, prevendo a cumulativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impostos das pessoas jurídicas<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> público interno não subdivididas, não diferiu da tradicional das regras <strong>de</strong> divisão<br />

<strong>de</strong> competência, em especial a regra do arL 32, § I a, analisado anteriormente<br />

2 COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS<br />

A adoção do mo<strong>de</strong>lo fe<strong>de</strong>rativo pela Constituição <strong>de</strong> 1988 consagrou o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> vários princípios, entre eles a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada ente fe<strong>de</strong>rativo possuir uma<br />

esfera <strong>de</strong> competência tributária que lhe garanta renda própria, para o pleno exercício <strong>de</strong><br />

suas autonomias política e administrativa.<br />

Competência tributária, na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Roque Carrazza, é<br />

1 BA STO S, C elso R ib eiro ; M A RTIN S, Ives G andra. C o m e n t á r io s ... Op. cit. v. 6 , t. 1, p. 3 5 .<br />

2 PIN TO , R o bson F lo res. A co m p etên cia trib u tá ria d o D istrito F ed eral n a C onstitu ição. R e v is t a d a P r o c u r a d o r ia<br />

G e r a l d o E s t a d o d e S ã o P a u lo , São Paulo: C entro <strong>de</strong> E stu d o s, n° 5 1 / 5 2 , p. 1 9 1 , ja n ./ d ez. 1 9 9 9 .


8 9 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

“a aptidão para criar, in abstracto, tributos, <strong>de</strong>screvendo, legislativamente, suas<br />

hipóteses <strong>de</strong> incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases <strong>de</strong><br />

cálculo e suas alíquotas”,1<br />

e foi fixada <strong>de</strong> forma rígida pelo texto <strong>constitucional</strong>, que, conforme lembrado por Aliomar<br />

Baleeiro,<br />

“discriminou as receitas nos três níveis <strong>de</strong> governos do Estado fe<strong>de</strong>ral, retirando<br />

qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acumulação ou concorrência dum com o outro”.12<br />

As competências tributárias <strong>de</strong>verão ser exercidas em fiel observância às normas<br />

constitucionais, que preveem, especificamente, limitações do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar, com a<br />

consagração <strong>de</strong> princípios e imunida<strong>de</strong>s, e possuem as características da privativida<strong>de</strong>,<br />

in<strong>de</strong>legabilida<strong>de</strong>, incaducabilida<strong>de</strong>, inalterabilida<strong>de</strong>, irrenunciabilida<strong>de</strong> e facultativida<strong>de</strong><br />

no exercício.<br />

Dessa forma, o texto <strong>constitucional</strong> previu a repartição das competências tributárias<br />

<strong>de</strong> forma rígida, completa e integral, estabelecendo duas regras básicas:<br />

• Divisão dos tributos em espécie pelos entes fe<strong>de</strong>rativos: a Constituição indica o<br />

tributo correspon<strong>de</strong>nte, privativamente, a cada ente fe<strong>de</strong>rativo, bem como a<br />

possibilida<strong>de</strong>, excepcional, <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> competência residual para a União<br />

(CF, art. 154,1).<br />

• Repartição das receitas tributárias pelos entes fe<strong>de</strong>rativos: a Constituição estabeleceu<br />

regras <strong>de</strong> repartição <strong>de</strong> receitas <strong>de</strong>correntes dos tributos <strong>de</strong>stinados a<br />

<strong>de</strong>terminado ente fe<strong>de</strong>rativo, por todos os <strong>de</strong>mais (CF, arts. 157 a 162).<br />

3 ESPÉCIES DE TRIBUTOS<br />

Na ausência <strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>constitucional</strong>, o art. 3a do CTN <strong>de</strong>fine tributo como toda<br />

prestação pecuniária compulsória instituída em lei e cobrada mediante ativida<strong>de</strong> administrativa<br />

vinculada, que não constitua sanção <strong>de</strong> ato ilícito.3<br />

As espécies tributárias são <strong>de</strong>terminadas pela hipótese <strong>de</strong> incidência ou pelo fato<br />

gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4a).<br />

Fato gerador consiste na situação que faz nascer a obrigação <strong>de</strong> pagar a importância<br />

pecuniária correspon<strong>de</strong>nte.4<br />

O art 5a do CTN aponta como espécies tributárias: os impjostos, as taxas e as contribuições<br />

<strong>de</strong> melhoria.<br />

1 CARRAZZA, R o q u e A nto nio. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> tributário. 1 1 . ed. S ã o Paulo: M alh eiro s, 1 9 9 8 .<br />

p. 3 0 3 .<br />

2 BA LEEIRO, A liom ar. Direito tributário... Op. c it. p. 67.<br />

3 S T F - P le n o - R E xtr. n a 1 3 8 .2 8 4 / U F - R e i. M in. C a rlo s V ello so , d e cisã o : l 2-7 -1 9 9 2 - tr e c h o do v o to do<br />

M in istro -relato r in R D A 1 9 0 / 8 2 .<br />

4 SILVA, J o s é A fonso da. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> <strong>constitucional</strong> positivo. 1 6 . ed. S ã o P au lo: M alh eiro s, 1 9 9 9 . p. 6 8 5 .


Sistema Tributário Nacional 891<br />

Não há unanimida<strong>de</strong> na doutrina sobre essa classificação;1 assim, enten<strong>de</strong>mos que<br />

são espécies tributárias:12<br />

• Impostos (CF, arts. 145,1,153,154,155 e 156).<br />

• Taxas (CF, art. 145, II).<br />

• Contribuições.<br />

• Empréstimos compulsórios (CF, art. 148).<br />

As contribuições po<strong>de</strong>m ser classificadas em:<br />

• Contribuições <strong>de</strong> melhoria (CF, art. 145, III).<br />

• Contribuições parafiscais (CF, arts. 149 e 149-A): sociais, <strong>de</strong> segurida<strong>de</strong> social<br />

(CF, art. 195, I, II, III, e CF, art. 195, § 4a), sociais gerais (o FGTS, o salário-<br />

-educação, CF, art. 212, § 5a) e contribuições para o Sesi, Senai, Senac (CF,<br />

art. 240).<br />

• Contribuições especiais: <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico (CF, art. 149).<br />

3.1 Impostos<br />

Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong> qualquer ativida<strong>de</strong> estatal específica em favor do contribuinte ou relativa a ele.<br />

A característica essencial do imposto é a inexistência <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> estatal específica<br />

em favor do contribuinte e sua incidência sobre fatos <strong>de</strong>scritos em lei só pela atuação do<br />

contribuinte. Trata-se da <strong>de</strong>nominada ativida<strong>de</strong> estatal em caráter uti universi, ou seja,<br />

<strong>de</strong>stinada a beneficiar a população em geral.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece que, sempre que possível, os impostos terão caráter<br />

pessoal e serão graduados segundo a capacida<strong>de</strong> econômica do contribuinte (princípio<br />

da capacida<strong>de</strong> contributiva), facultado à administração tributária, especialmente para<br />

conferir efetivida<strong>de</strong> a esses objetivos, i<strong>de</strong>ntificar, respeitados os <strong>direito</strong>s individuais e, nos<br />

termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as ativida<strong>de</strong>s econômicas do contribuinte.3<br />

Os impostos, porém, po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> caráter real ou pessoal, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da preocupação<br />

em aten<strong>de</strong>r às condições pessoais do contribuinte.<br />

Os impostos <strong>de</strong> caráter real, também <strong>de</strong>nominados <strong>de</strong> objetivos, são aqueles cuja<br />

instituição dá-se unicamente em função da matéria tributável, sem qualquer consi<strong>de</strong>ração<br />

em relação às condições do contribuinte. Por exemplo: impostos imobiliários.<br />

1 Pinto F erreira ap o n ta que a d o u trin a n ão é unânim e n a c la ssificaçã o d e e sp écies d e trib u to s (Comentários...<br />

O p . cit. v. 5. p. 2 4 8 ). Cf., ainda: BALEEIRO, A liom ar. Direito... O p . cit. p. 6 4 ; NOGUEIRA, Ruy B arbo sa. Curso<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiv a, 1 9 8 9 . p. 1 5 9 ; HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário.<br />

2 . ed. S ã o Pau lo: A tlas, 1 9 9 7 . p. 1 9 4 .<br />

2 C o n ferir im p o rtan te análise sobre a m a té ria : S T F - P l e n o - R E x t r . n a 1 3 8 .2 84/ U F - R ei. M in . C arlos V elloso,<br />

<strong>de</strong>cisão: l a-7 -1 9 9 2 - voto do M in istro -relato r in RDA 1 9 0 / 8 2 .<br />

3 Na leg islação in fraco n stitu cio n al, co n ferir L ei n ° 8 .0 2 1 / 9 0 (Id e n tificação dos co n trib u in tes p a ra fin s fisc a is ).


8 9 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

Os impostos <strong>de</strong> caráter pessoal ou subjetivos, diferentemente, <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>finidos<br />

levando-se em conta as características particulares dos contribuintes, a<strong>de</strong>quando-se a sua<br />

capacida<strong>de</strong> econômica. Por exemplo: Imposto <strong>de</strong> Renda.<br />

O art. 30 do anteprojeto do CTN não aprovado, <strong>de</strong> maneira didática, i<strong>de</strong>ntificava os<br />

impostos reais quando o fato gerador da respectiva obrigação tributária principal fosse<br />

<strong>de</strong>finido e a respectiva alíquota ou tarifa fosse fixa, exclusivamente, em função das circunstâncias<br />

materiais, efetivas ou presumidas, do estado <strong>de</strong> fato ou situação jurídica que<br />

constituía o referido fato gerador (inciso III).<br />

O mesmo artigo, em seu inciso IV, i<strong>de</strong>ntificava os impostos pessoais quando o fato<br />

gerador da respectiva obrigação tributária principal fosse <strong>de</strong>finido e a respectiva alíquota<br />

ou tarifa fosse fixada, aten<strong>de</strong>ndo, além das circunstâncias referidas no inciso III, do art.<br />

30, também às condições pessoais do respectivo contribuinte.<br />

O § l e do art. 145 do texto <strong>constitucional</strong> refere-se, obviamente, aos impostos que,<br />

por suas características, são pessoais e têm por finalida<strong>de</strong> garantir a igualda<strong>de</strong> e a justiça<br />

distributiva.<br />

Como ressalta Roque Carrazza,<br />

“se for da índole <strong>constitucional</strong> do imposto, ele <strong>de</strong>verá obrigatoriamente ter caráter<br />

pessoal e ser graduado <strong>de</strong> acordo com a capacida<strong>de</strong> econômica do contribuinte.<br />

Ou, melhor: se a regra matriz do imposto (traçada pela CF) permitir, ele <strong>de</strong>verá<br />

necessariamente obe<strong>de</strong>cer ao princípio da capacida<strong>de</strong> contributiva”.1<br />

3.2 Taxas<br />

Taxas são tributos instituídos em razão do exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia12 ou pela<br />

utilização, efetiva ou potencial, <strong>de</strong> serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao<br />

contribuinte ou postos a sua disposição.3<br />

Po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia é a faculda<strong>de</strong> concedida à Administração Pública para restringir<br />

e condicionar o uso e gozo <strong>de</strong> bens, ativida<strong>de</strong>s e <strong>direito</strong>s individuais, em benefício da<br />

coletivida<strong>de</strong> ou do próprio Estado, em busca da preservação da or<strong>de</strong>m pública e do estabelecimento<br />

<strong>de</strong> regras <strong>de</strong> conduta necessárias e suficientes para evitar conflitos e compatibilizar<br />

<strong>direito</strong>s.4 A competência para o exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia segue a distribuição<br />

1 CARRAZZA, Roque A ntonio. C u r s o d e d ir e it o c o n s t it u c io n a l t r ib u t á r io . 1 1 . ed. S ã o Paulo: M alh eiros, 1 9 9 8 .<br />

P- 71.<br />

2 STF - I a T. -R E x tr . n 2 2 2 6 .0 6 6 -2 / S P - Rei. M in. Néri d a S ilv eira , D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 , 1 9 ju n . 1 9 9 8 , p.<br />

4 9 ; S T F - Pleno - RExtr. n2 6 8 .2 7 4 / P R - R e i. M in . C arlos V elloso, .Diário d a J u s tiç a , S e ç ã o 1, 1 7 nov. 1 9 8 6 , p.<br />

2 3 .2 8 9 ; S T J - I a T. -R E s p . n2 141.3 4 1 / B A - R e l.M in . H um berto G om es <strong>de</strong> B arro s, <strong>de</strong>cisão: 1 9 -2 -1 9 9 8 ; S T F -<br />

2 - T. - RExtr. n a 2 1 6 .2 5 9 -1 / C E - Rei. Min. C elso <strong>de</strong> M ello, D iá r io d a J u s tiça , S eção 1, 2 6 m aio 2 0 0 0 , p. 29; STF<br />

- Pleno - RExtr. n2 2 0 3 .9 8 1 -1 - P E - R e i . M in. C arlos V elloso, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 2 5 m aio 2 0 0 1 , p. 18.<br />

3 STF - I a T. - RExtr. n2 2 2 8 .8 3 2 -4 / R J - Rei. M in . M o reira A lves, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1, 4 ju n . 1 9 9 9 , p.<br />

2 1 ; STF - I a T . - RExtr. n 2 2 3 0 .1 2 9 - 5 - Rei. M in . M o reira A lves, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,4 ju n . 1 9 9 9 , p. 21.<br />

4 P o r exem p lo : ta x a flo re sta l (R T J 1 0 1 / 5 ; S T F - I a T . - RExtr. n 2 2 3 9 .3 9 7 / M G - R ei. M in . lim a r G alv ão ,<br />

<strong>de</strong>cisão: 2 1 -3 -2 0 0 0 , In f o r m a t iv o S T F n2 1 8 2 ) ; ta x a flo re sta l pelo e x e rcíc io <strong>de</strong> p o d er <strong>de</strong> p olícia sobre o carv ã o


Sistema Tributário Nacional 8 9 3<br />

<strong>constitucional</strong> das competências administrativas, com base no princípio da predominância<br />

do interesse; po<strong>de</strong>, porém, ser cumulativa quando <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s interessarem<br />

simultaneamente aos três níveis <strong>de</strong> entes fe<strong>de</strong>rativos.<br />

Diferentemente dos impostos, a característica essencial das taxas é a existência <strong>de</strong><br />

uma ativida<strong>de</strong> estatal específica e divisível, ou seja, há a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o serviço realizado<br />

trazer, em tese, benefício potencial e <strong>de</strong>terminado ao contribuinte que <strong>de</strong>verá pagá-lo,<br />

mesmo que não o utilize.1<br />

Trata-se, pois, <strong>de</strong> uma contraprestação do contribuinte por ter recebido do Estado<br />

uma prestação mensurável e vantajosa, que <strong>de</strong>verá respeitar o princípio da reserva legal,<br />

uma vez que somente a “lei po<strong>de</strong> instituir taxas a serem cobradas por contraprestação <strong>de</strong><br />

serviços ou em razão do exercício do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> polícia, a teor do que dispõem os artigos<br />

145, II, e 150,1, da Constituição”.*12<br />

Observe-se ainda que, por expressa vedação <strong>constitucional</strong>, as taxas não po<strong>de</strong>rão ter<br />

base <strong>de</strong> cálculo própria <strong>de</strong> impostos, como, por exemplo, para serviços públicos <strong>de</strong> segurança<br />

e <strong>de</strong>fesa da cidadania, por serem, como proclamou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“<strong>de</strong>ver do Estado e <strong>direito</strong> <strong>de</strong> todos”, a serem exercidos “para a preservação da or<strong>de</strong>m<br />

pública e a incolumida<strong>de</strong> das pessoas e do patrimônio”.3<br />

Essa proibição tem por finalida<strong>de</strong> impedir, por via reflexa, aumentos abusivos e<br />

inconstitucionais dos impostos, por meio <strong>de</strong> taxas que não tenham por fato gerador prestação<br />

<strong>de</strong> serviço específico, mensurável, divisível e suscetível <strong>de</strong> ser referido a <strong>de</strong>terminado<br />

contribuinte, não tendo <strong>de</strong> ser custeado senão por meio do produto da arrecadação dos<br />

impostos gerais.4<br />

Isso, porém, conforme consagrado na Súmula Vinculante n2 29 do Supremo Tribunal<br />

Fe<strong>de</strong>ral, não afasta a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> da “adoção, no cálculo do valor <strong>de</strong> taxa, <strong>de</strong> um<br />

ou mais elementos da base <strong>de</strong> cálculo própria <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado imposto, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

haja integral i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> entre uma base e outra”.<br />

O Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral consagrou a obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> o Po<strong>de</strong>r Público respeitar,<br />

como princípios regentes na fixação <strong>de</strong> taxas, “<strong>de</strong>ntre outras, as garantias essenciais:<br />

vegetal (STF - 2â T. - RExtr. n2 228.332/MG-Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: 26-9-2001, <strong>de</strong>cisão: 3-10-2001.<br />

Informativo STF n2 243).<br />

1 BARROS FILHO, Teotônio Monteiro <strong>de</strong>. As taxas e seus principais problemas teóricos. 1941. Tese (Cátedra) -<br />

Fadusp, São Paulo; MORAIS, Bernardo Ribeiro <strong>de</strong>. A prestação <strong>de</strong> serviço no sistema tributário nacional. 1972.<br />

Tese (Doutorado) - Fadusp, São Paulo.<br />

2 STF - Pleno - Adin nQ1.982-1/DF - Medida liminar - Rei. Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção<br />

I, 11 jun. 1999, p. 8; STF - Pleno - Adin nQ2.247-4/DF - Medida liminar - Rei. Min. limar Galvão,Diário da<br />

Justiça, Seção 1,10 nov. 2000, p. 81.<br />

3 STF - Pleno - Adin nQ1.942/PA - medida cautelar - Rei. M oreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 22 out.<br />

1999; S T F - P le n o - A d in nQ2.4 24/C E -m edid a ca u tela r-R ei. Min. N é rid a Silveira, Informativo STF, 14 mar.<br />

2002, nQ259, p. 1.<br />

4 STF - Pleno - RExtr. nQ204.827-5/SP - Rei. Min. limar Galvão, Diário d a Justiça, Seção 1,25 abr. 1997,<br />

p. 15.213; STF - 2a T. - Agravo regimental em agravo <strong>de</strong> instrumento nQ 194.063-3/SP - Rei. Min. Maurício<br />

Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 29-4-1997; STF - Pleno - RExtr. nQ188.391/SP - Rei. Min. limar Galvão, <strong>de</strong>cisão: 15-6-2000.<br />

Informativo STF nc 194.


894 Direito Constitucional • Moraes<br />

(a) da reserva <strong>de</strong> competência impositiva; (b) da legalida<strong>de</strong>; (c) da isonomia; (d) da<br />

anteriorida<strong>de</strong>”.1<br />

Saliente-se, por fim, que não se po<strong>de</strong> confundir taxas com preços públicos,12 pois,<br />

conforme apontou o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, enquanto as taxas <strong>de</strong>correm do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> polícia do Estado, ou são <strong>de</strong> serviço, resultantes da utilização efetiva ou potencial, <strong>de</strong><br />

serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição,<br />

o preço público <strong>de</strong>corre da exploração, pelo particular, <strong>de</strong> um bem ou serviço.3<br />

3.3 Contribuições <strong>de</strong> melhoria<br />

Contribuições <strong>de</strong> melhoria são tributos cujo fato gerador <strong>de</strong>corre da valorização <strong>de</strong><br />

imóveis do contribuinte em face da realização <strong>de</strong> obras públicas pelo Po<strong>de</strong>r Público.4<br />

A valorização imobiliária <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> obra pública, portanto, é requisito essencial<br />

à contribuição <strong>de</strong> melhoria, persistindo como fato gerador <strong>de</strong>ssa espécie tributária. Como<br />

<strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a valorização imobiliária <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> obra<br />

pública - requisito ínsito à contribuição <strong>de</strong> melhoria - persiste como fato gerador <strong>de</strong>ssa<br />

espécie tributária”.5<br />

Manoel Gonçalves Ferreira Filho salienta que “essa modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tributo se caracteriza<br />

por configurar uma verda<strong>de</strong>ira in<strong>de</strong>nização, ainda que parcial, <strong>de</strong> obra pública <strong>de</strong><br />

que resulte benefício individualizável, especificamente valorização <strong>de</strong> bem particular”.6<br />

Dessa forma, a base <strong>de</strong> cálculo da contribuição <strong>de</strong> melhoria <strong>de</strong>ve correspon<strong>de</strong>r à<br />

diferença entre o valor do imóvel antes e <strong>de</strong>pois da realização da obra pública; consequentemente,<br />

se não houver aumento no valor do imóvel, não será admissível a tributação por<br />

meio <strong>de</strong> contribuição <strong>de</strong> melhoria.7<br />

A ausência <strong>de</strong> valorização do imóvel <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> obra pública ou mesmo a realização<br />

<strong>de</strong> obras públicas <strong>de</strong> manutenção e conservação que não acarrete sua valorização tornam<br />

impossível a exigência <strong>de</strong>ssa espécie <strong>de</strong> tributo.8<br />

1 S T F - P len o - A din n a 1 .3 7 8 -5 - R ei. M in . C elso <strong>de</strong> M ello, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção I, 3 0 m aio 1 9 9 7 . I n f o r ­<br />

m a t iv o S T F n" 7 3 .<br />

2 SILVA, E d g ar Neves d a. D is t in ç ã o j u r í d i c a e n t r e ta x a e p r e ç o p ú b lic o . 1 9 7 9 . D issertação (M estrad o ) - Fadusp,<br />

S ã o Paulo.<br />

3 S T F - P l e n o - A din n ° 2 .5 8 6 -4 / D F - R ei. M in. C arlos V ello so , D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 , 1 ago. 2 0 0 3 , p. 1 0 1 .<br />

4 S T F - 2 aT .- R E x t r . n a 1 1 6 .1 4 7 - 7 / S P - R e i. M in. O ctávio G a llo tti, D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,2 5 m aio 1 9 9 3 ;<br />

K T J 1 6 0 / 3 2 1 ;R S T J 1 0 9 / 9 5 ;S T J - l aT .- R E s p .n a 1 6 9 .1 3 1 / S P -R e i. M in . Jo s é D e lg a d o ,D i á r i o d a J u s tiç a , S eção<br />

1 ,3 ago. 1 9 9 8 , p. 1 4 3 .<br />

5 S T F - 2 a T .- R E x t r . na 1 1 5 .8 6 3 / S P - R e l. M in . C élio B o rja , D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,8 m a io 1 9 9 2 , p. 6 .2 6 8 ;<br />

S T F - l a T . - RExtr. n2 1 1 6 .4 1 8 - R e i . M in . O ctávio G allo tti, D i á r i o d a J u s tiç a , S e ç ã o 1 ,2 1 m a io 1 9 9 3 , p. 9 .7 6 8 ;<br />

K T J 8 9 / 5 9 8 ; R T J 1 0 5 / 4 3 4 ; K T J 1 3 8 / 6 0 0 ; S T F - 2 a T. - A I n “ 2 0 4 .8 2 7 - 1/PR - R ei. M in. M arco A urélio, D i á r i o d a<br />

J u s tiç a , S e ç ã o 1 ,3 fev. 1 9 9 8 , p. 2 4 .<br />

6 FER REIRA FILH O, M an o el G onçalves. C o m e n tá r io s ... Op. c it. v. 2 , p. 9 2 .<br />

7 STF - 2 a T . - RExtr. n ° 1 1 5 .8 6 3 / S P - R e l. M in. C é lio B o rja , D i á r i o d a J u s tiç a , S e ç ã o 1 ,8 m a io 1 9 9 2 , p. 6 .2 6 8 ;<br />

STF - 2 a T. - RExtr. n 2 1 1 6 .1 4 7 / S P - Rei. M in . C élio B o rja , D i á r i o d a J u s tiç a , S eção 1 ,8 m aio 1 9 9 2 , p. 6 .2 6 8 ; S T J -<br />

2 a T. - R Esp. ns 1 4 3 .9 9 6 / S P - R e l. M in. F ran cisco Peçan h a M artin s, D iá r io d a J u s tiç a , S e ç ã o 1 ,6 <strong>de</strong>z. 1 9 9 9 , p. 7 6 .<br />

8 N O G U E IR A ,R u y B arb o sa. C u rs o ... O p. cit. p. 1 6 8 .


Sistema Tributário Nacional 895<br />

3.4 Contribuições sociais, <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico e <strong>de</strong><br />

interesse das categorias profissionais ou econômicas<br />

As contribuições sociais, <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico e <strong>de</strong> interesse das<br />

categorias profissionais ou econômicas, previstas no art. 149 da CF, têm natureza jurídica<br />

tributária.1<br />

O art. 149 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê competência exclusiva da União para<br />

instituir contribuições sociais, <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico e <strong>de</strong> interesse das<br />

categorias profissionais ou econômicas, como instrumento <strong>de</strong> sua atuação nas respectivas<br />

áreas.12 Prevê, ainda, que os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios instituirão contribuição,<br />

cobrada <strong>de</strong> seus servidores, para o custeio, em benefício <strong>de</strong>stes, do regime previ<strong>de</strong>nciário<br />

(CF, art. 40), cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores<br />

titulares <strong>de</strong> cargos efetivos da União.<br />

Em relação às contribuições sociais e <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico, o texto<br />

<strong>constitucional</strong> expressamente <strong>de</strong>termina que não incidirão sobre as receitas <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>de</strong> exportação; e que incidirão também sobre a importação <strong>de</strong> produtos estrangeiros ou<br />

serviços.<br />

Reitere-se que, por expressa reserva <strong>constitucional</strong>, somente a União po<strong>de</strong>rá instituir<br />

contribuições sociais, <strong>de</strong> intervenção no domínio econômico e <strong>de</strong> interesse das categorias<br />

profissionais ou econômicas.<br />

A instituição das contribuições previstas no art. 149 da CF <strong>de</strong>verá respeitar as seguintes<br />

<strong>de</strong>terminações:<br />

• Comando <strong>de</strong> lei complementar que estabelecerá normas gerais em matéria <strong>de</strong><br />

legislação tributária (CF, art. 146, III).<br />

• Respeito ao princípio da reserva legal (CF, art 150,1).<br />

• Respeito ao princípio da igualda<strong>de</strong> tributária (CF, art 150,1).<br />

• Respeito ao princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou nonagesimal (CF, art 195,<br />

§ 6a).<br />

• Observância do disposto nos arts. 146, III, e 150,1e III, e sem prejuízo do previsto<br />

no art. 195, § 6a, relativamente às contribuições.<br />

3.5 Empréstimo compulsório<br />

Nos termos do art. 148, a União, mediante lei complementar, po<strong>de</strong>rá instituir empréstimos<br />

compulsórios, que são espécie tributária, em duas hipóteses: para aten<strong>de</strong>r a<br />

1 STF - Pleno - RExtr. nQ138.284/UF - Rei. Min. Carlos Velloso, <strong>de</strong>cisão: l “-7-1992 - trecho do voto do<br />

Ministro-relator in R D A 190/82.<br />

2 Conferir histórico feito por Ives Gandra sobre as contribuições (Comentários... Op. cit. v. 6, t. 1, p. 127 ss).<br />

Pinto Ferreira, igualmente, enumera extensa doutrina nacional e estrangeira nesse sentido (C o m e n t á r io s ... O p .<br />

cit. p. 308-309).


8 9 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

<strong>de</strong>spesas extraordinárias, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> guerra externa ou sua<br />

iminência e no caso <strong>de</strong> investimento público <strong>de</strong> caráter urgente e <strong>de</strong> relevante interesse<br />

nacional, observado, nesse último caso, o princípio da anteriorida<strong>de</strong>.<br />

Por exigir-se expressa reserva <strong>de</strong> lei complementar à instituição <strong>de</strong> empréstimos<br />

compulsórios, fica absolutamente vedada sua criação por meio <strong>de</strong> medidas provisórias.1<br />

Ressaltamos que a aplicação dos recursos provenientes <strong>de</strong> empréstimo compulsório<br />

estará sempre vinculada à <strong>de</strong>spesa que fundamentou sua instituição e, somente nahipótese<br />

prevista no inciso II, do art. 148 - empréstimo compulsório para investimentos -, aplica-se<br />

o princípio da anteriorida<strong>de</strong>.12<br />

Concordamos com José Afonso da Silva, quando afirmava, antes da EC na 42/03, existir<br />

incoerência <strong>constitucional</strong>, pois “um dos requisitos <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste empréstimo é<br />

a urgência do investimento que financiará, mas a Constituição, incoerentemente, impe<strong>de</strong><br />

sua arrecadação imediata, ao vedar sua cobrança no mesmo exercício <strong>de</strong> sua instituição”,3<br />

o que, porém, não afastava a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> observância do princípio da anteriorida<strong>de</strong>.<br />

Enten<strong>de</strong>mos, ainda, que, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da incoerência, a EC nQ42/03 é in<strong>constitucional</strong><br />

no tocante à exclusão do empréstimo compulsório ao princípio da anteriorida<strong>de</strong>, por<br />

tratar-se <strong>de</strong> cláusula pétrea, como analisado no item 11.4 do presente capítulo.<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral não enumerou, expressamente, o empréstimo compulsório<br />

como uma das espécies do gênero tributo, suscitando controvérsia da doutrina nacional<br />

e estrangeira, tendo, inclusive, Maurice Duverger apontado a natureza intermediária<br />

dos empréstimos compulsórios, entre empréstimos e impostos.4 Em nível nacional, José<br />

Afonso da Silva enten<strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> forma <strong>de</strong> contrato <strong>de</strong> empréstimo <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público.5<br />

O empréstimo compulsório, porém, é espécie <strong>de</strong> tributo extraordinário,6 que <strong>de</strong>verá<br />

ser restituído futuramente. Como <strong>de</strong>staca o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello,<br />

1 Cf. FERREIRA, Pinto.Comentários... Op. cit. p. 293.<br />

2 Em relação a alguns empréstimos com pulsórios em esp écie, co n ferir: In c o n s titu d o n a lid a d e d e e m p ré stim o<br />

c o m p u lsó rio s o b r e a q u is içã o d e v e íc u lo ( S T F - l a T .- R E x t r . n2 1 4 0 .0 3 5 / R J - Rei. Min. M oreira A lv es,D iário<br />

da Justiça, Seção I, 2 2 abr. 1 9 9 4 , p. 8 .9 4 3 ; S T J - 2 a T. - REsp. n 2 1 2 .8 1 6 - 0 / R J - R e i. M in. Jo s é Je s u s , Diário da<br />

Justiça, 10 fev. 1 9 9 2 , Ementário STJ n“ 5 / 2 4 8 ; S T J - I a T . - R Esp. n ° 1 3 .7 6 9 / R J - R e l. M in. Pedro A cio li, Diário<br />

da Justiça, Seção 1 , 17 fev. 1 9 9 2 , Ementário S T J n2 5 / 7 4 0 , Ementário S T J n 2 6 / 2 8 6 ; S T J n 2 6 / 7 4 7 ); In c o n s titu -<br />

c io n a lid a d e d e e m p ré s tim o c o m p u ls ó rio s o b r e c o m b u stív e is (ST F - P leno - RExtr. n2 1 2 1 .3 3 6 / C E - R ei. M in.<br />

Sep úlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 2 6 ju n . 1 9 9 2 , p. 1 0 .1 0 8 e P T J 1 3 9 / 6 2 4 ; S T J - 2 a T. - REsp. n2<br />

4 8 .0 0 9 -4 / R S - Rei. Min. José <strong>de</strong> Jesus Filh o, Diário da Justiça, Seção 1 ,2 7 ju n . 1 9 9 4 , Ementário S T J n 2 1 0 / 7 4 4 ;<br />

S T J - 2 a T. - Embargos <strong>de</strong> <strong>de</strong>claração no R Esp. n 2 4 4 .2 2 1 -4/PR - R ei. M in. A ntô nio <strong>de</strong> Pád ua R ib e iro , Diário da<br />

Justiça, Seção 1 , 19 set. 1 9 9 4 , Ementário STJ n2 1 0 / 4 3 6 ); C o n s titu c io n a lid a d e d o e m p ré s tim o c o m p u ls ó rio<br />

e m fa v o r d a s C e n tra is E lé tric a s B r a s ile ir a s - E l e t r o b r á s - L e i n ° 4 .1 S 6 / 6 2 (ST F - P le n o -R E x tr . n2 1 4 6 .6 1 5 /<br />

PE - Rei. Min. M aurício Corrêa, Diário da Justiça, S eção I, 3 0 ju n . 1 9 9 5 ; S T F - 2 a T. - A gravo reg im en tal em<br />

agravo <strong>de</strong> instrumento ou <strong>de</strong> petição n2 1 9 8 .7 3 2 / D F - R ei. M in. C arlos V ello so ; S T F - 2 a T. - A gravo regim en tal<br />

em ag rav o <strong>de</strong> instrumento ou <strong>de</strong> petição n2 2 1 9 .6 6 7 / S P - R ei. M in. N éri da S ilv e ira ).<br />

3 SILVA, José Afonso da. Curso... Op. cit. p. 685.<br />

4 DUVERGER, Maurice. Institutionsfinancières. Paris: PUF, 1956. p. 186.<br />

5 SILVA, José Afonso da. Curso... Op. cit. p. 686.<br />

6 Nesse sentido, conferir: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários... Op. cit.v. 2, p. 97; FERREIRA,<br />

Pinto. Comentários... Op. cit. v. 5, p. 289.


Sistema Tributário Nacional 8 9 7<br />

“o empréstimo compulsório é espécie tributária”, para afirmar que não hesita “em<br />

reconhecer que a figura do empréstimo compulsório, em nosso sistema jurídico-<br />

-<strong>constitucional</strong>, assume a qualificação <strong>de</strong> inquestionável espécie <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m tributária,<br />

submetendo-se, em consequência, aos mo<strong>de</strong>los normativos que, inscritos no<br />

texto da Constituição, <strong>de</strong>finem, regulam e limitam o exercício pelo Estado, do seu<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar [...] Torna-se digno <strong>de</strong> nota o registro <strong>de</strong> que também a orientação<br />

jurispru<strong>de</strong>ncial do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, inclinando-se na linha <strong>de</strong>sse<br />

magistério doutrinário, tem i<strong>de</strong>ntificado, na figura do empréstimo compulsório,<br />

uma típica modalida<strong>de</strong> tributáriaque se sujeita, por isso mesmo, ao regime jurídico<br />

<strong>constitucional</strong> inerente aos tributos em geral”.1<br />

4 COMPETÊNCIA RESIDUAL TRIBUTÁRIA<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral conce<strong>de</strong>u à União, em matéria <strong>de</strong> competência tributária, a<br />

<strong>de</strong>nominada competência residual, consistente na possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação, mediante lei<br />

complementar, <strong>de</strong> impostos não previstos no texto <strong>constitucional</strong> (art. 153), <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base <strong>de</strong> cálculo próprios dos discriminados<br />

na Constituição.<br />

Dessa forma, após prever todas as espécies tributárias e dividi-las entre União, Estados,<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, a Constituição - residualmente - autoriza à União a<br />

criação <strong>de</strong> novo imposto.<br />

Observe-se que a competência residual tributária não se confun<strong>de</strong> com a competência<br />

remanescente legislativa e administrativa (CF, art 25, § I a), apresentando duas básicas<br />

diferenças.<br />

A primeira diz respeito ao <strong>de</strong>tentor da competência, pois, enquanto a competência<br />

residual tributária pertence à União, as competências legislativa e administrativa remanescentes<br />

pertencem aos Estados.<br />

Em segundo lugar, no campo legislativo e administrativo, a Constituição enumera as<br />

competências da União e dos Municípios, <strong>de</strong>terminando que aos Estados são reservadas<br />

todas as competências que não lhes forem vedadas pelo texto <strong>constitucional</strong>. Não há, pois,<br />

esgotamento na enumeração <strong>de</strong> todas as competências legislativas e administrativas do<br />

Po<strong>de</strong>r Público.<br />

Diferentemente, no campo tributário, as competências da União, Estados, Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral e Municípios são <strong>de</strong>talhadas etaxativamente <strong>de</strong>scritas, ressalvando-se excepcio-<br />

1 STF - RExtr. n ° 1 4 8 .9 5 6 - R ei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello - RDA 2 0 0 / 1 2 9 . C o n fe rir, n o m e s m o s e n tid o : S T F -<br />

P le n o -R E x tr . n2 1 3 8 .2 8 4 / U F -R e l. M in. C arlos V elloso, d ecisão: 1" 7 - 1 9 9 2 - tre ch o do voto do M in istro -relato r<br />

in RDA 1 9 0 / 8 2 ; R T J1 2 6 / 3 3 0 ; RTJ 1 2 7 / 1 .0 8 5 . Em sen tid o c o n trá rio , a a n tig a ju risp ru d ên cia d o S T F a n te rio r ao<br />

texto <strong>de</strong> 1 9 8 8 : STF - “O em p réstim o com pulsório n ão é trib u to , e su a arrecad ação n ã o está su jeita à exig ên cia<br />

co n stitu cio n a l d a p rév ia a u to riz a ção o rça m e n tá ria ” (S T F - P len o - M S n 2 1 2 .2 4 7 - R ei. Min. V icto r N unes,<br />

D iá r io d a J u s t i ç a , S eção 1, 8 set. 1 9 6 4 , p. 3 .2 0 1 ) ; S T F - “O e m p ré stim o co m p u lsó rio n ã o é trib u to ” (S T F - I a<br />

T. - RM S na 1 7 . 7 0 8 - R ei. M in. Lafayette <strong>de</strong> A n d rad a, Diário d a J u s t iç a , 8 nov. 1 9 6 8 ) . C onferir, ain d a: S T F - “O<br />

em p réstim o com p u lsório, que n ã o se confun<strong>de</strong> com qualq u er trib u to , m as d eco rre do Pod er do E stad o que faz<br />

com ele um em p réstim o fo rçad o ” (S T F - P len o - M S n° 1 2 .3 3 7 - R ei. M in. C ândido M o tta, D iá r io d a J u s t iç a , 1 0<br />

set. 1 9 6 4 , p. 3 .2 5 9 ).


8 9 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

nalmente a criação <strong>de</strong> novo imposto (CF, art 154,1). Há, portanto, em regra, esgotamento<br />

da <strong>de</strong>scrição das competências tributárias.1<br />

Observamos, ainda, que a Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê reserva específica <strong>de</strong> lei complementar<br />

para que a União exerça sua competência residual tributária,12 o que impe<strong>de</strong> a<br />

adoção <strong>de</strong> medidas provisórias.<br />

5 IMPOSTO EXTRAORDINÁRIO<br />

Os impostos extraordinários são obrigatoriamente temporários, <strong>de</strong>vendo ser suprimidos<br />

quando houver a cessação das causas <strong>de</strong> sua criação e justificam-se pelo aumento<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>spesa pública nas situações <strong>de</strong> iminência ou no caso <strong>de</strong> guerra externa.<br />

Na hipótese prevista no art. 154, II, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a União não estará limitando<br />

sua competência tributária, po<strong>de</strong>ndo criar impostos extraordinários compreendidos<br />

ou não em sua competência tributária, ou seja, que possam inclusive ter o mesmo fato<br />

gerador e base <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> impostos atribuídos <strong>constitucional</strong>mente aos Estados ou aos<br />

Municípios.<br />

Ressalte-se, porém, como feito por Roque Carrazza, que a hipótese <strong>constitucional</strong> não<br />

autoriza a criação <strong>de</strong>sse imposto extraordinário no caso <strong>de</strong> guerra civil ou mesmo revolução<br />

interna,3 ou ainda nas hipóteses <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Sítio e <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong> Defesa.<br />

Conforme previsão do art. 150, § I a, não se aplica o princípio da anteriorida<strong>de</strong> na<br />

presente hipótese, em face da urgência e da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arrecadação imediata.<br />

6 DIVISÃO DOS TRIBUTOS EM ESPÉCIE PELOS ENTES FEDERATIVOS<br />

Em relação aos impostos, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral distribuiu taxativa e privativamente<br />

à União, Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios os seguintes impostos:4<br />

• União-regra (CF, art. 153): impostos <strong>de</strong> importação <strong>de</strong> produtos estrangeiros;<br />

exportação, para o exterior, <strong>de</strong> produtos nacionais ou nacionalizados; renda e<br />

proventos <strong>de</strong> qualquer natureza; produtos industrializados; operações <strong>de</strong> crédito,<br />

câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; proprieda<strong>de</strong><br />

territorial rural; gran<strong>de</strong>s fortunas, nos termos <strong>de</strong> lei complementar.<br />

1 STF - P len o - RExtr. n2 1 0 0 .6 4 2 / S P - R ei. M in. M o reira A lv es; S T F - P len o - RExtr. n 2 1 0 1 .3 3 9 / S P - Rei.<br />

M in. M oreira Alves. E m e n t á r io STF n2 1 .3 3 9 / 7 0 5 ; STF - 2 * T. - RExtr. n 2 5 5 .198/ P B - R ei. M in. A liom ar B aleeiro ,<br />

D i á r i o d a J u s tiç a , 19 <strong>de</strong>z. 1 9 5 5 . O b serv e-se, p o rém , em re la ção a esse ju lg a d o , que a re d a ção do cita d o artig o<br />

21 da C onstitu ição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1 9 4 5 co n ced ia exp ressam en te a co m p etên cia residual à U nião e ao s Estados.<br />

2 STF - Pleno - RExtr. n2 1 3 8 .2 8 4 / C E - R ei. M in. C arlos V ello so , Diário da Justiça, S eção 1 , 2 8 ago. 1 9 9 2 , p.<br />

1 3 .4 5 5 ; K T J 1 4 3 / 3 1 3 .<br />

3 CARRAZZA, Roque A ntonio. Curso... Op. cit. p. 3 5 8 .<br />

4 SCHULER, H arry C onrado. A d istrib u ição d o s trib u to s n a F ed eração b ra sileira . R evista d e I n f o r m a ç ã o L e g is ­<br />

la tiv a , B rasília: S en ad o Fe<strong>de</strong>ral, an o 2 4 , n2 9 5 , p. 1 8 3 , ju l./ set. 1 9 8 7 .


Sistema Tributário Nacional 8 9 9<br />

• União - excepcionalida<strong>de</strong> (CF, art. 154): impostos não previstos no art. 153, por<br />

lei complementar, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador<br />

ou base <strong>de</strong> cálculo próprios dos discriminados na Constituição; e impostos<br />

extraordinários na iminência ou no caso <strong>de</strong> guerra externa, compreendidos ou<br />

não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente,<br />

cessadas as causas <strong>de</strong> sua criação.<br />

• Estados-membros (CF, art. 155): impostos sobre transmissão causa mortis<br />

e doação, <strong>de</strong> quaisquer bens ou <strong>direito</strong>s; operações relativas à circulação <strong>de</strong><br />

mercadorias e sobre prestações <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> transporte interestadual e intermunicipal<br />

e <strong>de</strong> comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem<br />

no exterior; proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos automotores.<br />

• Municípios (CF, art. 156): impostos sobre proprieda<strong>de</strong> predial e territorial<br />

urbana;1 transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, <strong>de</strong> bens<br />

imóveis, por natureza ou acessão física, e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s reais sobre imóveis,<br />

exceto os <strong>de</strong> garantia, bem como cessão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s a sua aquisição; serviços<br />

<strong>de</strong> qualquer natureza,12 não compreendidos no art. 155, II, <strong>de</strong>finidos em lei<br />

complementar.<br />

• Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 147): impostos estaduais e municipais.<br />

Em relação à distribuição <strong>de</strong> competências tributárias para instituição <strong>de</strong> taxas e<br />

contribuições <strong>de</strong> melhoria, o critério adotado foi correspon<strong>de</strong>nte à distribuição das competências<br />

administrativas.<br />

Dessa forma, para a instituição <strong>de</strong> taxas, bastará, para criá-las, que a pessoa jurídica<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> público interno possua competência administrativa para o exercício do po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> polícia ou para a realização dos serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao<br />

contribuinte ou postos a sua disposição.<br />

No tocante às contribuições <strong>de</strong> melhoria, po<strong>de</strong>rá instituí-las a pessoa jurídica <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

público que, no exercício <strong>de</strong> sua competência administrativa, tiver realizado a obra<br />

pública geradora da valorização imobiliária.<br />

Observe-se, ainda, que, em relação aos serviços públicos <strong>de</strong> interesse local, a EC n°<br />

39, <strong>de</strong> 19-12-2002, expressamente se referiu ao serviço <strong>de</strong> iluminação pública, permitindo<br />

aos Municípios e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral a instituição <strong>de</strong> contribuição para seu custeio,<br />

observando o art. 150,1 e III, inclusive, po<strong>de</strong>ndo ser cobrada na fatura <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong><br />

energia elétrica.<br />

1 O STF reconheceu a <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> do estabelecim ento <strong>de</strong> alíquotas progressivas para o IP T U tendo<br />

como causa o valor venal do im óvel e a sua <strong>de</strong>stinação. Afirm ando que tal possibilida<strong>de</strong> “possuiría cunho social<br />

da m aiorvalia, tendo como objetivo único, sem lim itação do alcance do que nele estaria contido, o estabelecimento<br />

<strong>de</strong> uma gradação que prom ovesse justiça tributária, onerando os que tivessem m aior capacida<strong>de</strong> para<br />

pagamento do imposto” (STF - Pleno - RE 423768/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão, 1°-12-2010).<br />

2 Observe-se, pela importância, a edição da Súmula Vinculante n“ 31, do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral: “É in<strong>constitucional</strong>,<br />

a incidência do imposto sobre serviços <strong>de</strong> qualquer natureza - ISS, sobre operações <strong>de</strong> locação<br />

<strong>de</strong> bens móveis” .


9 0 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

7 REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS PELOS ENTES FEDERATIVOS<br />

Osistema<strong>constitucional</strong><strong>de</strong>repartiçãodas Receitas Tributárias foi instituído pela EC nQ<br />

18/65; posteriormente, os arts. 24 ss da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1967 e da EC nQ1/69, com<br />

alterações propostas pela EC nQ17/80 e EC nQ25/85, aumentaram sua complexida<strong>de</strong>, hoje<br />

prevista na Seção VI, do Capítulo I, do Título VI, da Constituição da República Fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Brasil <strong>de</strong> 1988, como regras basicamente <strong>de</strong> Direito Financeiro, pois regulamentam as<br />

relações entre os entes tributantes e não entre o Po<strong>de</strong>r Público e o contribuinte.1<br />

Ensina Aliomar Baleeiro que,<br />

“no sistema tributário brasileiro, introduziu-se a participação <strong>de</strong> uma pessoa <strong>de</strong><br />

Direito Público Interno no produto da arrecadação <strong>de</strong> imposto da competência <strong>de</strong><br />

outra. Esta <strong>de</strong>creta e arrecada um imposto e distribui tantos por cento da receita<br />

respectiva entre as várias pessoas <strong>de</strong> Direito Público que a compõem”,12<br />

em um sistema <strong>de</strong>nominado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong><br />

rendas.3<br />

A previsão <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> repartição das receitas tributárias não altera a distribuição<br />

<strong>de</strong> competências, pois não influi na privativida<strong>de</strong> do ente fe<strong>de</strong>rativo em instituir e cobrar<br />

seus próprios impostos, influindo, tão somente, na distribuição da receita arrecadada.<br />

Assim, o <strong>direito</strong> subjetivo do ente fe<strong>de</strong>rativo beneficiado à participação no produto<br />

arrecadado, nos termos dos arts. 157 a 162 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, somente existirá a<br />

partir do momento em que o ente fe<strong>de</strong>rativo competente criar o tributo e ocorrer seu fato<br />

imponível.<br />

Como salienta Roque Carrazza,<br />

“em rigor, o que a Constituição faz é estipular que, na hipótese <strong>de</strong> ser criado o<br />

tributo, pela pessoa política competente, o produto <strong>de</strong> sua arrecadação será total<br />

ou parcialmente <strong>de</strong>stinado a outra pessoa política. Evi<strong>de</strong>ntemente, se não houver<br />

o nascimento da relação jurídica tributária (prius), não po<strong>de</strong>rá surgir a relação<br />

jurídica financeira (posterius) ”.4<br />

Para garantir a efetivida<strong>de</strong> da repartição <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> receitas tributárias, a<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral prevê, em seu art 160, norma instrumental, ao expressamente vedar<br />

a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego dos recursos atribuídos aos Estados,<br />

ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios, neles compreendidos adicionais e acréscimos<br />

relativos a impostos.<br />

1 M ARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários... Op. cit. t. 2, v. 6, p. 2; CARRAZZA, Roque Antonio. Curso...<br />

O p. cit. p. 401.<br />

2 BALEEIRO, Aliomar. Direito... Op. cit. p. 69.<br />

3 FERREIRA FILHO, M a n oel Gonçalves. Comentários... Op. cit. v. 3, p. 128.<br />

4 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso... Op. cit. p. 401.


Sistema Tributário Nacional 9 0 1<br />

A retenção injustificada por parte dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral possibilita, nos<br />

termos do art. 34, V, b, a intervenção fe<strong>de</strong>ral.<br />

Apesar <strong>de</strong> a redação anterior do parágrafo único do art. 160 referir-se somente à<br />

União, a norma <strong>de</strong> seu caput era direcionada também aos Estados, que não po<strong>de</strong>ríam<br />

reter ou estabelecer qualquer restrição à entrega dos recursos por eles arrecadados aos<br />

Municípios (conferir quadros <strong>de</strong> repartição das receitas tributárias).<br />

AECna 29, <strong>de</strong> 13-9-2000, possibilitou expressamente tanto à União quanto aos Estados<br />

o condicionamento da entrega <strong>de</strong> recursos ao pagamento <strong>de</strong> seus créditos, inclusive<br />

<strong>de</strong> suas autarquias. Trata-se, pois, <strong>de</strong> duplo <strong>direito</strong>, consistente no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> retenção e<br />

no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> compensação.1<br />

Além disso, a EC na 29/00 acrescentou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suspensão <strong>de</strong> todos os repasses<br />

<strong>de</strong> verbas fe<strong>de</strong>rais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios que<br />

não cumprirem a aplicação mínima dos percentuais constitucionais em ações e serviços<br />

públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, nos termos do art. 198, § 2a, II e III.<br />

Ressaltamos, ainda, que, além <strong>de</strong> o texto <strong>constitucional</strong> prever a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

retenção <strong>de</strong> verbas, o <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> aplicação mínima dos percentuais em ações e<br />

serviços públicos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> possibilita a intervenção fe<strong>de</strong>ral nos Estados (CF, art. 34, VII,<br />

e) e a intervenção estadual nos Municípios (CF, art. 35, III).<br />

O texto <strong>constitucional</strong> reserva à lei complementar a regulamentação dos preceitos<br />

básicos para garantir a efetiva realização do repasse <strong>de</strong> verbas <strong>de</strong>corrente da repartição<br />

<strong>constitucional</strong> das receitas tributárias.<br />

Além disso, estabelece como função do Tribunal <strong>de</strong> Contas da União a realização do<br />

cálculo das quotas referentes aos fundos <strong>de</strong> participação.12<br />

No intuito <strong>de</strong> garantir a transparência da gestão dos recursos <strong>de</strong>rivados da arrecadação<br />

tributária e em obediência ao princípio da publicida<strong>de</strong> (CF, art. 37, caput), o texto <strong>constitucional</strong><br />

<strong>de</strong>termina que a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios divulguem<br />

os montantes <strong>de</strong> cada um dos tributos arrecadados, os recursos recebidos, os valores <strong>de</strong><br />

origem tributária entregues e a entregar e a expressão numérica dos critérios <strong>de</strong> rateio.<br />

Além disso, o art. 162 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral fixa o prazo para a publicação, que<br />

<strong>de</strong>verá ocorrer até o último dia do mês subsequente ao da arrecadação.<br />

8 REGRAS CONSTITUCIONAIS PARA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS<br />

Os arts. 157 a 162 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelecem as regras <strong>de</strong> redistribuição <strong>de</strong><br />

rendas tributárias, da seguinte maneira:<br />

1 FERREIRA, Pinto. Comentários... Op. cit. v. 5, p. 511.<br />

2 STF - P l e n o - M S n° 22.799-1 / P R - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,12ju n. 1998, p. 55.


902 Direito Constitucional • Moraes<br />

Redistribuição <strong>de</strong> impostos <strong>de</strong> competência da União<br />

Imposto Ente beneficiado Condições<br />

Imposto <strong>de</strong> Renda<br />

(CF, art. 153, III)<br />

Imposto Residual<br />

(CF, art. 154,1)<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Municípios<br />

Municípios<br />

Municípios<br />

Regiões Norte,<br />

Nor<strong>de</strong>ste e Centro-<br />

- Oeste<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

O produto da arrecadação do imposto da<br />

União sobre renda e proventos <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza, inci<strong>de</strong>nte na fonte, sobre<br />

rendimentos pagos, a qualquer título, por<br />

eles, suas autarquias e pelas fundações que<br />

instituírem e mantiverem (CF, art. 157,1)<br />

Vinte e um inteiros e cinco décimos por<br />

cento ao Fundo <strong>de</strong> Participação dos Esta<br />

dos e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 159,1,<br />

a), nos termos do § l 2, do art. 159.<br />

O produto da arrecadação do imposto da<br />

União sobre renda e proventos <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza, inci<strong>de</strong>nte na fonte, sobre<br />

rendimentos pagos, a qualquer título, por<br />

eles, suas autarquias e pelas fundações que<br />

instituírem e mantiverem (CF, art. 158,1).<br />

Vinte e dois inteiros e cinco décimos por<br />

cento ao Fundo <strong>de</strong> Participação dos Municípios<br />

(CF, art. 159,1, b), nos termos do §<br />

I a, do art. 159.<br />

Um por cento ao Fundo <strong>de</strong> Participação dos<br />

Municípios do produto da arrecadação dos<br />

impostos sobre renda e proventos <strong>de</strong> qualquer<br />

natureza e sobre produtos industrializados<br />

(EC n2 55/07).<br />

Três porcento, para aplicação em programas<br />

<strong>de</strong> financiamento ao setor produtivo das<br />

Regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-Oeste, mediante<br />

suas instituições financeiras <strong>de</strong> caráter<br />

regional, <strong>de</strong> acordo com os planos regionais<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, ficando assegurada ao<br />

semiárido do Nor<strong>de</strong>ste a meta<strong>de</strong> dos recursos<br />

<strong>de</strong>stinados à Região, na forma que a lei<br />

estabelecer (CF, art. 159,1, c).<br />

Vinte por cento do produto da arrecadação<br />

do imposto que a União instituir (CF, art.<br />

157, II).<br />

Nos termos do art. 2a, da EC n2 55/07, no exercício <strong>de</strong> 2007, as alterações do art. 159<br />

da Constituição Fe<strong>de</strong>ral somente se aplicam sobre a arrecadação dos impostos sobre renda<br />

e proventos <strong>de</strong> qualquer natureza e sobre produtos industrializados realizada a partir <strong>de</strong><br />

I a <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 2007.


Sistema Tributário Nacional 903<br />

Redistribuição <strong>de</strong> impostos <strong>de</strong> competência da União<br />

Imposto Ente beneficiado Condições<br />

Imposto sobre a<br />

proprieda<strong>de</strong> territorial<br />

rural (CF,<br />

art. 153, VI)<br />

Imposto sobre<br />

produtos industrializados<br />

(CF,<br />

art. 153, IV) -IP I<br />

Municípios<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Municípios<br />

Regiões Norte,<br />

Nor<strong>de</strong>ste e Centro-<br />

-oeste<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Cinquenta por cento do produto da arrecadação<br />

do imposto da União sobre a proprieda<strong>de</strong><br />

territorial rural, relativamente<br />

aos imóveis neles situados (CF, art. 158,<br />

II).<br />

100% do produto da arrecadação do<br />

imposto da União sobre a proprieda<strong>de</strong><br />

territorial rural, relativamente aos imóveis<br />

neles situados, quando, na forma da lei, os<br />

Municípios realizarem a cobrança e fiscalização<br />

do imposto, sem que haja redução<br />

ou qualquer outra forma <strong>de</strong> renúncia fiscal<br />

(EC na 42/03 - CF, art 153, § 4a) .<br />

Vinte e um inteiros e cinco décimos por<br />

cento ao Fundo <strong>de</strong> Participação dos Estados<br />

e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral (CF, art. 159,1,<br />

a), nos termos do § l e, do art. 159.<br />

Vinte e dois inteiros e cinco décimos por<br />

cento ao Fundo <strong>de</strong> Participação dos Municípios<br />

(CF, art. 159,1, b), nos termos do §<br />

I a, do art. 159.<br />

Três por cento, para aplicação em programas<br />

<strong>de</strong> financiamento ao setor produtivo<br />

das Regiões Norte, Nor<strong>de</strong>ste e Centro-<br />

-oeste, mediante suas instituições financeiras<br />

<strong>de</strong> caráter regional, <strong>de</strong> acordo com<br />

os planos regionais <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento,<br />

ficando assegurada ao semiárido do Nor<strong>de</strong>ste<br />

a meta<strong>de</strong> dos recursos <strong>de</strong>stinados à<br />

Região, na forma que a lei estabelecer (CF,<br />

art. 159,1, c).<br />

Do produto da arrecadação do imposto<br />

sobre produtos industrializados, <strong>de</strong>z por<br />

cento aos Estados e ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

proporcionalmente ao valor das respectivas<br />

exportações <strong>de</strong> produtos industrializados<br />

(CF, art. 159, II), nos termos do § 2a,<br />

do art. 159.


9 0 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

Redistribuição <strong>de</strong> contribuição da União - CIDE (Contribuição <strong>de</strong><br />

Intervenção no Domínio Econômico)<br />

Contribuição Ente beneficiado Condições<br />

Contribuição <strong>de</strong><br />

intervenção no<br />

domínio econômico<br />

(CIDE, CF, art. 177,<br />

§4°)<br />

Estados e Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral<br />

Vinte e nove por cento para os Estados e o<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, distribuídos na forma da<br />

lei, a serem utilizados no financiamento <strong>de</strong><br />

programas <strong>de</strong> infraestrutura <strong>de</strong> transportes<br />

(EC n° 44/04, CF, art. 159, III)<br />

Redistribuição <strong>de</strong> impostos <strong>de</strong> competência dos Estados<br />

Imposto Ente beneficiado Condições<br />

Imposto sobre<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

veículos automotores<br />

(CF, art. 155, III) -<br />

PVA<br />

Imposto sobre<br />

circulação <strong>de</strong><br />

mercadorias e sobre<br />

prestação <strong>de</strong> serviços<br />

(CF, art. 155, II) -<br />

ICMS<br />

Municípios<br />

Municípios<br />

Cinquenta por cento do produto da<br />

arrecadação do imposto do Estado sobre<br />

a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos automotores<br />

licenciados em seus territórios (CF, art 158,<br />

III).<br />

Vinte e cinco por cento do produto da<br />

arrecadação do imposto do Estado sobre<br />

operações relativas à circulação <strong>de</strong><br />

mercadorias e sobre prestações <strong>de</strong> serviços<br />

<strong>de</strong> transporte interestadual e intermunicipal<br />

e <strong>de</strong> comunicação (CF, art 158, IV), nos<br />

termos do parágrafo único do art. 158.<br />

Repasse para os Municípios <strong>de</strong> receitas recebidas pelos Estados <strong>de</strong><br />

redistribuição <strong>de</strong> imposto <strong>de</strong> competência da União<br />

Imposto Ente beneficiado Condições<br />

Imposto sobre produtos<br />

industrializados<br />

(CF, art. 153, IV)<br />

Municípios<br />

Os Estados entregarão aos respectivos Municípios<br />

vinte e cinco por cento dos recursos<br />

que receberem (art. 159 , II), observados os<br />

critérios estabelecidos no art. 158 , parágrafo<br />

único, I e II.<br />

Repasse para os Municípios <strong>de</strong> receitas recebidas pelos Estados <strong>de</strong><br />

redistribuição <strong>de</strong> competência da União - CIDE (Contribuição <strong>de</strong><br />

Intervenção no Domínio Econômico)<br />

Contribuição Ente beneficiado Condições<br />

Contribuição <strong>de</strong><br />

intervenção no<br />

domínio econômico<br />

(CIDE, CF, art. 177,<br />

§ 4a)<br />

Municípios<br />

Os Estados entregarão aos respectivos<br />

Municípios vinte e cinco por cento<br />

dos recursos que receberem da União,<br />

<strong>de</strong>correntes do produto da arrecadação da<br />

contribuição <strong>de</strong> intervenção no domínio<br />

econômico, na forma da lei (EC na 42/03,<br />

CF, art. 159, § 4a).


Sistema TributárioNacional 905<br />

9 LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR<br />

O texto <strong>constitucional</strong> enumerou as regras básicas do Direito Tributário direcionadas<br />

basicamente à proteção do contribuinte e à limitação do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar.1<br />

A limitação <strong>constitucional</strong> ao exercício estatal do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar é essencial para<br />

a garantia da segurança jurídica e dos <strong>direito</strong>s individuais, em especial o <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>,<br />

evitando abusos e arbitrarieda<strong>de</strong>s e permitindo uma relação respeitosa entre o Fisco e o<br />

cidadão. Como sagazmente apontado por Pinto Ferreira, “as garantias do contribuinte<br />

mereceram pela primeira vez uma seção inteira contra a voracida<strong>de</strong> do fisco”.12<br />

Destaca o Ministro Celso <strong>de</strong> Mello que<br />

“o exercício do po<strong>de</strong>r tributário, pelo Estado, submete-se, por inteiro, aos mo<strong>de</strong>los<br />

jurídicos positivados no texto <strong>constitucional</strong> que, <strong>de</strong> modo explícito ou implícito,<br />

institui em favor dos contribuintes <strong>de</strong>cisivas limitações à competência estatal para<br />

impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes. Os princípios<br />

constitucionais tributários, assim, sobre representarem importante conquista<br />

político-jurídica dos contribuintes, constituem expressão fundamental dos <strong>direito</strong>s<br />

individuais outorgados aos particulares pelo or<strong>de</strong>namento estatal. Des<strong>de</strong> que<br />

existem para impor limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar do Estado, esses postulados<br />

têm por <strong>de</strong>stinatário exclusivo o po<strong>de</strong>r estatal, que se submete à imperativida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> suas restrições”.3<br />

Dessa forma e com essas finalida<strong>de</strong>s, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral consagrou os seguintes<br />

princípios tributários:4<br />

• princípio da reserva legal tributária ou da legalida<strong>de</strong> estrita (CF, art. 150,1);<br />

• princípio da igualda<strong>de</strong> tributária (CF, art. 150, II);<br />

• princípio da irretroativida<strong>de</strong> tributária (CF, art 150, III, a);<br />

• princípio da anteriorida<strong>de</strong> (CF, art 150, III, b);<br />

• princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou nonagesimal (CF, art. 15 0, III, c);<br />

• princípio da vedação ao confisco (CF, art 150, IV);<br />

• princípio da ilim itabilida<strong>de</strong> do tráfego <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> bens (CF, art.<br />

150, V );<br />

• princípio da capacida<strong>de</strong> contributiva (CF, art 145, § l s);<br />

• princípio da razoabilida<strong>de</strong> (CF, arL 5a U V);<br />

1 FALCÃO, A ld n o Pinto. Lim itações constitucionais do <strong>direito</strong> tributário. R e v is t a d e I n f o r m a ç ã o L e g is la t iv a ,<br />

Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, ano 18, nü 72, p. 49, out./<strong>de</strong>z. 1981.<br />

2 FERREIRA, Pinto. C o m e n t á r io s ... Op. cit. v. 5, p. 312.<br />

3 STF - Pleno - A d in n a 712-2/DF - medida lim in a r-R e i. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, D iá r io d a J u s t iç a , Seção 1 ,19<br />

fev. 1993.<br />

4 Cf. ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. P r in c íp io s d e d ir e it o n a j u r is p r u d ê n c ia t r ib u t á r ia . São Paulo: Atlas, 2000.


906 Direito Constitucional • Moraes<br />

• princípio da uniformida<strong>de</strong> (CF, art 151,1).<br />

9.1 Princípio da reserva legal tributária ou da legalida<strong>de</strong> estrita<br />

A importância histórica do princípio da reserva legal tributária, também conhecido<br />

por legalida<strong>de</strong> estrita, em <strong>de</strong>fesa da proprieda<strong>de</strong> individual,1vem ressaltada pela previsão<br />

no item 12 da Magna ChartaLibertatum , outorgada por João Sem-Terraem 15 <strong>de</strong> junho<br />

<strong>de</strong> 1215, nos seguintes termos:<br />

“não lançaremos taxas ou tributos sem o consentimento do conselho geral do reino<br />

(commue concilium regni), a não ser para resgate da nossa pessoa, para armar<br />

cavaleiro o nosso filho mais velho e para celebrar, mas uma única vez, o casamento<br />

da nossa filha mais velha; e esses tributos não exce<strong>de</strong>rão limites razoáveis. De igual<br />

maneira se proce<strong>de</strong>rá quanto aos impostos da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Londres”.12<br />

Assim, a Carta <strong>de</strong> 1988 veda a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> criação ou majoração <strong>de</strong> tributo sem<br />

prévia previsão legislativa,3 que, nos termos do art. 62 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, admite<br />

medidas provisórias (conferir Capítulo 3, item 7.1 - Princípios da legalida<strong>de</strong> e da reserva<br />

legal e Capítulo 11, item 4.3.11 - Limites materiais à edição <strong>de</strong> medidas provisórias).4<br />

9.2 Princípio da igualda<strong>de</strong> tributária<br />

Os tributos fe<strong>de</strong>rais, estaduais, distritais e municipais <strong>de</strong>verão ser uniformes em toda<br />

a circunscrição <strong>de</strong> sua incidência, apresentando idêntica base <strong>de</strong> cálculo, vedando-se que<br />

contribuintes na mesma situação recebam tratamento diferenciado por parte do Estado,<br />

sendo, inclusive, vedado aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios estabelecer<br />

diferença tributária entre bens e serviços, <strong>de</strong> qualquer natureza, em razão <strong>de</strong> sua procedência<br />

ou <strong>de</strong>stino.5<br />

1 M U N H O Z , Francisco d e Assis. O princípio da legalid ad e no sistem a <strong>constitucional</strong> e no sistem a tributário.<br />

C a d e r n o s d e D ir e it o C o n s t i t u c i o n a l e C iê n c ia P o lít i c a , S ã o Paulo: R evista dos Tribunais, a n o 7 , n2 26, p. 127, jan./<br />

mar, 1999; REGINA, H eitor. I n c e r t e z a e in s e g u r a n ç a j u r í d i c a r e s u lt a n t e s d o a lo n g a m e n t o d o p r i n c í p i o d a le g a l id a d e<br />

n o S i s t e m a T r ib u t á r io N a c i o n a l a t r a v é s d o s mecanismos d a d e l e g a ç ã o e d a a u t o r iz a ç ã o le g is la t iv a s . 1987. Dissertação<br />

(M estra d o) - Fadusp, São Paulo.<br />

2 Cf. M IR A N D A , Jorge. T e x t o s h is t ó r ic o s d o d i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l. 2 . ed. Lisboa: Im pren saN acion al, 1990. p. 14.<br />

3 STF - I a T. - Ag. Rg. n° 181.853/RS - Rei. Min. Moreira Alves, <strong>de</strong>cisão: 22-4-1997, Informativo STF n° 68;<br />

STF - Pleno - Adin n° 1.444-7/PR - medida liminar - Rei. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção 1,29<br />

ago. 1997, p. 40.215; S T J -laT.-Resp. n°31.100-0-SP-R el. Min. Demócrito Reinaldo, EmentárioSTJ 8/806;<br />

STJ- I a T .- REsp. n2 31.970-9 - RS - Rei. Min. Demócrito Reinaldo, Ementário STJ n2 8/784. N o m esm o s en tid o :<br />

STJ - 2aT. - REsp. n2 35.117-4/RS - Rei. Min. Peçanha Martins, Ementário STJ n2 9/780; STJ - I a T. - REsp. n2<br />

3.188-0/PR- Rei. Min. Milton Luiz Pereira, Ementário STJ n2 9/781; STJ - I a T. - REsp. n2 49.227-0/RS - Rei.<br />

Min. Demócrito Reinaldo, Ementário STJ, n2 10/761.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 1.417-0/DF - m edida li m in a r-R e i. Min. Octávio Gallotti,E m en tárioS 7Fn 2 1.829-01/60.<br />

5 STF - Plen o - A d in n ° 349/DF - m edid a cautelar - Rei. Min. M arco A u rélio, D iá r io d a J u s t iç a , Seção I, 26<br />

out. 1990, p 11.976.


Sistema Tributário Nacional 9 0 7<br />

Em <strong>de</strong>fesa do contribuinte, importante analisar o princípio da igualda<strong>de</strong> tributária<br />

com as <strong>de</strong>mais previsões isonômicas do texto <strong>constitucional</strong>:1princípio da igualda<strong>de</strong> (art.<br />

5e, caput e inciso I); princípio da igualda<strong>de</strong> e uniformida<strong>de</strong> entre entes fe<strong>de</strong>rativos (art.<br />

19,1); princípio da uniformida<strong>de</strong> e concessão <strong>de</strong> incentivos fiscais (art. 151,1).<br />

9.3 Princípio da irretroativida<strong>de</strong> da lei tributária<br />

A Constituição brasileira consagra como princípio protetivo do contribuinte a impos<br />

sibilida<strong>de</strong> da cobrança <strong>de</strong> tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início<br />

da vigência da lei instituidora ou que os tenha majorado.<br />

Trata-se <strong>de</strong> norma imprescindível à garantia da segurança jurídica do contribuinte,<br />

pois, como salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “o princípio da irretroativida<strong>de</strong><br />

da lei tributária <strong>de</strong>ve ser visto e interpretado, <strong>de</strong>sse modo, como garantia <strong>constitucional</strong><br />

instituída em favor dos sujeitos passivos da ativida<strong>de</strong> estatal no campo da tributação.<br />

Trata-se, na realida<strong>de</strong>, à semelhança dos <strong>de</strong>mais postulados inscritos no art. 150 da Carta<br />

Política, <strong>de</strong> princípio que - por traduzir limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar - é tão-somente<br />

oponível pelo contribuinte à ação do Estado”.12<br />

9.4 Princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária<br />

O princípio da anteriorida<strong>de</strong> tributária consagra que, em regra, nenhum tributo,<br />

seja da União, Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou Municípios, po<strong>de</strong>rá ser cobrado no mesmo<br />

exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou, tendo<br />

por finalida<strong>de</strong> evitar a surpresa do contribuinte em relação a uma nova cobrança ou um<br />

valor maior, não previsto em seu orçamento doméstico.<br />

A Constituição <strong>de</strong> 1988, nos termos da Súmula 66 do STF (“A lei que cria o tributo<br />

po<strong>de</strong> antece<strong>de</strong>r ou suce<strong>de</strong>r o orçamento, sendo essencial apenas que venha, quando<br />

suce<strong>de</strong>ndo ao tributo, em tempo hábil”), não impõe a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prévia autorização<br />

orçamentária para a exigibilida<strong>de</strong> dos tributos.<br />

O exercício financeiro, nos termos da Lei na 4.230/64, é coinci<strong>de</strong>nte com o ano civil,<br />

iniciando-se em I a <strong>de</strong> janeiro e encerrando-se em 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro. O princípio da anteriorida<strong>de</strong>,<br />

por configurar uma das maiores garantias tributárias do cidadão em face do<br />

Estado/Fisco,3 foi consagrado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral como cláusula pétrea, nos<br />

1 STF - 2a T. -R E xtr. n“ 236.604/PR - Rei. Min. Carlos V elloso, <strong>de</strong>cisão: 26-5-1999, Informativo STF n“ 151;<br />

STF - Pleno - Adin na 1.655/AP - m edida cautelar - Rei. Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 10-9-1997. Informativo<br />

STF n2 83.<br />

2 STF - Pleno - Adin n“ 712-2/DF - medida liminar - Rei. M in. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, S eção 1 ,19<br />

fev. 1993.<br />

3 C om o <strong>de</strong>stacado p elo STF: “ O princípio da anteriorida<strong>de</strong> da lei tributária - imune, até mesmo, ao próprio<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> reforma do Congresso Nacional (RTJ151/755-756) - representa uma das garantias fundamentais mais<br />

relevantes outorgadas ao universo dos contribuintes pela Carta da República, além <strong>de</strong> traduzir, na concreção


9 0 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

termos do art. 60, § 4a, IV, que <strong>de</strong>clarou ser in<strong>constitucional</strong> emenda à Constituição que<br />

viole essa proteção individual do contribuinte.1<br />

Assim, além <strong>de</strong> constituir um dos princípios constitucionais tributários, o princípio<br />

da anteriorida<strong>de</strong> tem natureza jurídica <strong>de</strong> garantia individual, pois assegura a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o contribuinte programar-se contra a ingerência estatal em sua proprieda<strong>de</strong>,<br />

preservando-se, pois, a segurança jurídica.<br />

A EC ns 42, <strong>de</strong> 19-12-2003, ampliou as exceções à incidência do princípio da anteriorida<strong>de</strong><br />

tributária, incluindo os empréstimos compulsórios.<br />

Dessa forma, com a finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permitir, excepcionalmente, maior agilida<strong>de</strong> do<br />

Po<strong>de</strong>r Público na condução da política econômica do governo, ou ainda, para a <strong>de</strong>fesa nacional<br />

(CF, art. 154, II), a nova redação do § I a, do art 150, estabeleceu a não-incidência<br />

do princípio da anteriorida<strong>de</strong> (CF, art. 150, m, b) para:<br />

• impostos <strong>de</strong> produtos estrangeiros (CF, art 153,1);<br />

• imposto sobre exportação, para o exterior, <strong>de</strong> produtos nacionais ou nacionalizados<br />

(CF, art. 153, II);<br />

• imposto sobre produtos industrializados (CF, art 153, IV);<br />

• imposto sobre operações d e crédito, câmbio e seguro, o u relativas a títulos ou<br />

valores mobiliários (CF, art. 153, V);<br />

• imposto extraordinário na iminência ou no caso <strong>de</strong> guerra externa (CF, art.<br />

154, II);<br />

• empréstimo compulsório para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>spesas extraordinárias, <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> guerra externa ou sua iminência (CF, art. 148,1).<br />

Essa previsão não existia no texto original da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, tendo sido<br />

incluída pela EC na 42/03.<br />

Em relação à redação anterior do § I a, do art. 150,aECna42, <strong>de</strong> 19-12-2003, excluiu<br />

da incidência do princípio da anteriorida<strong>de</strong> o empréstimo compulsório para aten<strong>de</strong>r às<br />

<strong>de</strong>spesas extraordinárias, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> guerra externa ou sua<br />

iminência (CF, art. 148,1). Essa ampliação nos parece <strong>de</strong> flagrante in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

uma vez que a anteriorida<strong>de</strong> tributária, além <strong>de</strong> princípio <strong>constitucional</strong> tributário, é uma<br />

das maiores garantias individuais do contribuinte, por assegurar-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

programar-se contra a ingerência estatal em sua proprieda<strong>de</strong>, preservando-se a segurança<br />

jurídica. Em hipótese semelhante, o SupremoTribunalFe<strong>de</strong>ral já <strong>de</strong>clarou que o princípio<br />

da anteriorida<strong>de</strong> tributária é garantia individual do contribuinte e, consequentemente,<br />

cláusula pétrea.*12<br />

do seu alcance, uma expressiva limitação ao po<strong>de</strong>r im positivo do Estado” (Despacho do Ministro-Presi<strong>de</strong>nte<br />

Celso <strong>de</strong> M ello. Informativo STF n2 125). Nesse sentido, Súmula 67 do STF - “É in<strong>constitucional</strong> a cobrança<br />

do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro.” Conferir: BTJ 83/501; RTJ<br />

90/579; RTJ 151/756.<br />

1 STF - P le n o -A d in n 2939/D F-R ei. M in. Sydney Sanches, D iário da Justiça, Seção 1,18 mar. 1994, p. 5.165.<br />

2 STF - P le n o -A d in n “ 939/D F-R ei. Min. Sydney Sanches,Diárioda Justiça, Seção 1,18 mar. 1994, p. 5.165.


Sistema Tributário Nacional 9 0 9<br />

9.5 Princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou nonagesimal<br />

A EC na42, <strong>de</strong> 19-12-2003, ampliou a proteção aos contribuintes, estabelecendo nova<br />

restrição à União, aos Estados, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral e aos Municípios, ao vedar a cobrança <strong>de</strong><br />

tributos antes <strong>de</strong> <strong>de</strong>corridos 90 dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu<br />

ou aumentou. Conforme salientado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “prazo nonagesimal<br />

previsto no art. 150, m, c, da CF é critério para que a lei tributária produza efeitos”.1<br />

Trata-se <strong>de</strong> norma geral que ampliou a aplicação do princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada<br />

ou anteriorida<strong>de</strong> nonagesimal, já existente em nossa Constituição, para fins <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong><br />

contribuições sociais (CF, art. 195, § 6S).<br />

Conforme <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, o Princípio da anteriorida<strong>de</strong><br />

nonagesinal <strong>de</strong>stina-se a “assegurar o transcurso <strong>de</strong> lapso temporal razoável a fim <strong>de</strong> que o<br />

contribuinte pu<strong>de</strong>sse elaborar novo planejamento e a<strong>de</strong>quar-se à realida<strong>de</strong> tributária mais<br />

gravosa”, tendo, ainda, sido salientado pelos Ministros Gilmar Men<strong>de</strong>s, Celso <strong>de</strong> Mello e<br />

Cezar Peluso que esse princípio constitui “<strong>direito</strong> fundamental <strong>de</strong>slocado do art 5a da CF,<br />

<strong>de</strong>stinado a salvaguardar o contribuinte do arbítrio <strong>de</strong>strutivo ou dos excesso gravosos<br />

do Estado. Dessa forma, nem mesmo o Po<strong>de</strong>r Constituinte <strong>de</strong>rivado po<strong>de</strong>ria mutilá-lo e,<br />

muito menos, extingui-lo”.12<br />

Como ressaltado no voto do Ministro Celso <strong>de</strong> Mello, “é por isso que não constitui<br />

<strong>de</strong>masia reiterar a advertência <strong>de</strong> que a prerrogativa institucional <strong>de</strong> tributar, que o<br />

or<strong>de</strong>namento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> suprimir (ou <strong>de</strong><br />

inviabilizar) <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> caráter fundamental <strong>constitucional</strong>mente assegurados ao contribuinte,<br />

pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política, <strong>de</strong> um sistema <strong>de</strong> proteção<br />

<strong>de</strong>stinado a ampará-lo contra eventuais excessos (ou ilicitu<strong>de</strong>s) cometidos pelo po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> tributar ou ainda contra exigência irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos<br />

editados pelas instâncias governamentais”, advertindo que “não se po<strong>de</strong> ignorar que o<br />

princípio da anteriorida<strong>de</strong> das leis tributárias reflete, em seus aspectos essenciais, uma<br />

das expressões fundamentais em que se apoiam os <strong>direito</strong>s básicos proclamados em favor<br />

dos contribuintes”, para concluir que eventual transgressão à esse princípio “não po<strong>de</strong><br />

ser tolerada nem admitida, sob pena <strong>de</strong> grave conspurcação do regime <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s e garantias fundamentais que o or<strong>de</strong>namento positivo estabeleceu, também em<br />

matéria tributária, em favor e em <strong>de</strong>fesa dos contribuintes”.3<br />

Observe-se, porém, que a nova disciplina do princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou<br />

nonagesimal não exclui a incidência do tradicional princípio da anteriorida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminando<br />

o art. 150, III, c, que ambos sejam aplicados conjuntamente, ou seja, em regra, os<br />

tributos somente po<strong>de</strong>rão ser cobrados no próximo exercício financeiro <strong>de</strong> sua instituição ou<br />

majoração, e, no mínimo, após 90 dias da data em que haja sido publicada a lei, evitando-se,<br />

assim, <strong>de</strong>sagradáveis surpresas ao contribuinte nos últimos dias do ano.4<br />

1 STF - Pleno - ADI nD3.694/AM - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 20-9-2006 - I n fo r m a t iv o STF nD<br />

441, Seção I, p. 1.<br />

2 STF - Pleno - ADI 466 1MC/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 20-10-2011. Conferir, ainda: STF - Pleno<br />

- RE 587008/SP - Rei. Min. Dias Tóffoli, <strong>de</strong>cisão: 2-2-2011.<br />

3 Voto d o Ministro Celso <strong>de</strong> M ello, na ADI 4661-MC/DF, publicado n o I n f o r m a t i v o STFn 2 649 - 21 a 25 <strong>de</strong><br />

novembro.<br />

4 STF - Pleno - ADI nQ3.694/AM - Rei. Min. Sepúlveda Pertence, <strong>de</strong>cisão: 20-9-2006 - I n f o r m a t iv o STF n° 441.


9 1 0 Direito Constitucional • Moraes<br />

A EC n° 42/03 estabeleceu as seguintes exceções ao princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada:<br />

• impostos <strong>de</strong> produtos estrangeiros (CF, art. 153,1);<br />

• imposto sobre exportação, para o exterior, <strong>de</strong> produtos nacionais ou nacionalizados<br />

(CF, art. 153, II);<br />

• Imposto <strong>de</strong> Renda e Proventos <strong>de</strong> Qualquer Natureza (CF, art. 153, III);<br />

• imposto sobre operações <strong>de</strong> crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou<br />

valores imobiliários (CF, art 153, V);<br />

• imposto extraordinário na iminência ou no caso d e guerra externa (CF, art.<br />

154, II);<br />

• empréstimo compulsório para aten<strong>de</strong>r às <strong>de</strong>spesas extraordinárias, <strong>de</strong>correntes<br />

<strong>de</strong> calamida<strong>de</strong> pública, <strong>de</strong> guerra externa ou sua iminência (CF, art. 148,1);<br />

• base <strong>de</strong> cálculo do imposto sobre proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> veículos automotores (CF,<br />

art. 155, III);<br />

• base <strong>de</strong> cálculo do Imposto sobre Proprieda<strong>de</strong> Predial e Territorial Urbana (CF,<br />

art. 156,1).<br />

Diferentemente da ampliação das exceções ao princípio da anteriorida<strong>de</strong> analisada<br />

no item anterior, <strong>de</strong>ve ser a interpretação da hipótese das exceções ao princípio da anteriorida<strong>de</strong><br />

mitigada ou nonagesimal também trazida pela EC nB42/03.<br />

A EC ne 42/03 instituiu como nova garantia tributária, cumulativa ao princípio da<br />

anteriorida<strong>de</strong> tributária, o princípio da anteriorida<strong>de</strong> mitigada ou nonagesimal- previsto<br />

no art. 150, IR, c -, anteriormente, existente na Carta Magna somente em relação às contribuições<br />

(CF, art 195, § 6a).<br />

Ao instituir essa nova garantia, a própria EC nQA2/03 estabeleceu exceções em relação<br />

à sua incidência. A EC ns 42/03 criou a nova garantia e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo, disciplinou-a, não<br />

havendo, portanto, qualquer in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, pois não houve diminuição à proteção<br />

<strong>constitucional</strong> do contribuinte, mas sem ampliação.<br />

9.6 Princípio da vedação ao confisco<br />

A Constituição brasileira veda a utilização do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar estatal com a finalida<strong>de</strong><br />

confiscatória.1<br />

Apesar <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> na <strong>de</strong>finição dos contornos conceituais e jurispru<strong>de</strong>nciais,12<br />

confisco ou confiscação po<strong>de</strong> ser entendido como o ato do po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> <strong>de</strong>cretação <strong>de</strong><br />

1 S T F - Pleno - Adin n“ 2.010-2/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, Diário da Justiça, Seção 1 ,12 abr. 2002, p. 51;<br />

STF - P le n o -A d in nc 1.075/DF - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 17-6*1998, Informativo STFnQ115.<br />

2 STF - 2 a T. - Ag. Rg. em Ag. Instr. o u d e Petição nQ173.689/DF - Rei. Min. Marco Aurélio, Diário d a Justiça,<br />

Seção I, 26 abr. 1996, p. 13.126; STF - P le n o - A d in nQ1.556/PE- Medida cautelar - Rei. Min. M oreira Alves,<br />

Diário da Justiça, Seção I, 22 ago. 1998, p. 38.759; ST J - 2a T. - Embargos <strong>de</strong>claratórios em REsp. nQ38784/


Sistema Tributário Nacional 9 1 1<br />

apreensão, adjudicação o u perda <strong>de</strong> bens pertencentes ao contribuinte, sem a contrapartida<br />

<strong>de</strong> justa in<strong>de</strong>nização. Como lembra Pinto Ferreira, confisco “é palavra proce<strong>de</strong>nte do latim<br />

confiscado, <strong>de</strong> confiscare. É ato <strong>de</strong> apreensão ou adjudicação ao fisco, sem in<strong>de</strong>nização, <strong>de</strong><br />

bens pertencentes a outrem, em <strong>de</strong>cisão judicial ou <strong>de</strong>cisão administrativa, com base em<br />

lei”.1Nesse mesmo sentido, Manoel Gonçalves Ferreira Filho <strong>de</strong>fine confisco da seguinte<br />

forma: “em sentido estrito, há confisco sempre que o proprietário <strong>de</strong> um bem o per<strong>de</strong>, em<br />

benefício do Po<strong>de</strong>r Público, sem a justa in<strong>de</strong>nização”.*12<br />

A regra prevista no inciso IV, do art 150, da CF, <strong>de</strong>corre da natureza jurídica dos<br />

tributos, que não se assemelha à sanção patrimonial imposta pelo Estado pela prática <strong>de</strong><br />

atos ilícitos.<br />

O mesmo princípio da vedação ao confisco se aplica na fixação <strong>de</strong> penalida<strong>de</strong>s tributárias,<br />

que <strong>de</strong>verão guardar razoabilida<strong>de</strong> com o tributo exigido e não pxxierão ser utilizadas<br />

como instrumentos confiscatórios.3<br />

Todavia, não <strong>de</strong>vemos confundir a proibição <strong>de</strong> tributação como forma <strong>de</strong> confisco<br />

com a sanção por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa prevista no § 4a, do art. 37, da CF,<br />

e regulamentada pelo art. 12 da Lei na 8.429/92, consistente no perdimento dos bens<br />

acrescidos ilicitamente.<br />

A referida sanção por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong> administrativa <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisão do Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário, após o <strong>de</strong>vido processo legal (CF, art. 5°, LIV), que tenha reconhecido a prática<br />

<strong>de</strong> ato atentatório aos princípios e preceitos básicos regentes da gestão da res pública<br />

e, consequentemente, reconhecido a nulida<strong>de</strong> do acréscimo ilícito dos bens do autor da<br />

prática <strong>de</strong> ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>terminando o retorno <strong>de</strong> sua situação patrimonial ao<br />

status quo ante, sob pena <strong>de</strong> consagração do enriquecimento ilícito.<br />

9.7 Princípio da ilimitabilida<strong>de</strong> do tráfego <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> bens<br />

O inciso V, do art. 150, da CF, consagra o princípio da ilimitabilida<strong>de</strong> do tráfego <strong>de</strong><br />

pessoas ou <strong>de</strong> bens como corolário da garantia individual prevista no art. 5°, XV, que prevê<br />

a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção no território nacional em tempo <strong>de</strong> paz, po<strong>de</strong>ndo qualquer<br />

pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou <strong>de</strong>le sair com seus bens.<br />

Dessa forma, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral preten<strong>de</strong> evitar que o Po<strong>de</strong>r Público utilize-se<br />

da criação <strong>de</strong> tributos para atingir, reflexamente, a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>slocamento pessoal e<br />

patrimônio do indivíduo, prevendo a vedação <strong>de</strong> cobrança <strong>de</strong> tributos interestaduais ou<br />

intermunicipais como forma <strong>de</strong> estabelecer limitações ao tráfego <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> bens,<br />

como norma corolária à garantia <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção prevista no<br />

art. 5a, XV.<br />

DF - Rei. Min. Antônio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro, 20 jun. 1994, p. 16.080; STJ - 2a T. - Embargos <strong>de</strong>claratórios em REsp.<br />

n °3 8 0 7 6 / D F -R el. Min. Antônio <strong>de</strong> Pádua Ribeiro, 6-6-1994, p. 14.267; T R F - 5 a R e g iã o - 2aT . - Apelação em<br />

MS n° 95.05.49273/PB - Rei. Juiz José Delgado, Diário da Justiça, Seção 1,4 ago. 1995, p. 48.734.<br />

1 FERREIRA, Pinto. Comentários... Op. cit. v. 5, p. 319.<br />

2 FERREIRA FILHO, M anoel Gonçalves. Comentários... Op. c it.v .2 , p. 101.<br />

3 STF - P le n o - A d in n “ 551/R J-m ed ida ca u tela r-R ei. Min. lim ar Galvão, D iário da Justiça, Seção 1 ,18 out.<br />

1991, p. 14.548 e KTJ 138/55.


9 1 2 Direito Constitucional • Moraes<br />

9.8 Princípio da capacida<strong>de</strong> contributiva<br />

A Constituição Fe<strong>de</strong>ral estabelece, em seu art. 145, § I a, que, sempre que possível,<br />

os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacida<strong>de</strong> econômica<br />

do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetivida<strong>de</strong><br />

a esses objetivos, i<strong>de</strong>ntificar, respeitados os <strong>direito</strong>s individuais e, nos termos da<br />

lei, o patrimônio, os rendimentos e as ativida<strong>de</strong>s econômicas do contribuinte, conforme<br />

analisado no item 3.1 neste capítulo.<br />

9.9 Princípio da razoabilida<strong>de</strong><br />

O princípio da razoabilida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finido como aquele que exige proporcionalida<strong>de</strong>,<br />

justiça e a<strong>de</strong>quação entre os meios utilizados pelo Po<strong>de</strong>r Público, no exercício <strong>de</strong><br />

suas competências - inclusive tributárias -, e os fins por ela almejados, levando-se em<br />

conta critérios racionais e coerentes.1<br />

No campo tributário, o que se exige d a União, Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios<br />

é uma coerência lógica na utilização e imposição <strong>de</strong> suas competências tributárias, bem<br />

como na aplicação <strong>de</strong>ssas medidas restritivas.<br />

Gordillo aponta que a <strong>de</strong>cisão discricionária do Po<strong>de</strong>r Público será sempre ilegítima<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que irracional, mesmo que não transgrida explicitamente norma concreta e expressa.12<br />

No dizer <strong>de</strong> Roberto Dromi, a razoabilida<strong>de</strong> engloba a prudência, a proporção,<br />

a indiscriminação, a proteção, a proporcionalida<strong>de</strong>, a causalida<strong>de</strong>, em suma, a não arbitrarieda<strong>de</strong>.3<br />

No campo tributário, portanto, a imposição ou majoração <strong>de</strong> um tributo somente será<br />

a<strong>de</strong>quada se, para alcançar sua finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada, causar o menor prejuízo possível ao<br />

contribuinte e se houver proporcionalida<strong>de</strong> entre as vantagens que <strong>de</strong>la <strong>de</strong>rivam e suas<br />

<strong>de</strong>svantagens.<br />

O Po<strong>de</strong>r Público, portanto, <strong>de</strong>ve pautar sua atuação na imposição <strong>de</strong> medidas tributárias<br />

no sentido <strong>de</strong> evitar um prejuízo <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s proporções à socieda<strong>de</strong> civil, no qual se<br />

teme a ofensa à consciência moral, ou, ainda, à esperança fundamentada <strong>de</strong> que se possa<br />

alcançar um proveito consi<strong>de</strong>rável para todos.4<br />

A transgressão à razoabilida<strong>de</strong> na imposição <strong>de</strong> medidas tributárias será flagrantemente<br />

in<strong>constitucional</strong>, permitindo eficaz controle pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário.<br />

1 Cf. a respeito da necessária observância do princípio da razoabilida<strong>de</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Público: S T F - Pleno -A d in<br />

n2 1.158/AM - medida liminar - Rei. Min. Celso <strong>de</strong> M ello, <strong>de</strong>cisão: 19-12-1994; STF - 2a T. - Ag. Rg. em Ag.<br />

Instr. n2 194.188-8/RS- Rei. Min. Marco Aurélio, Diário da Justiça, Seção 1 ,15 m aio 1998, p. 48; STF - Pleno -<br />

Adin n° 1.407/DF - ReL M in Celso <strong>de</strong> M ello; STF - 2 a T. - H C nu 77.ü03/PE - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão:<br />

16-6-1998, Informativo STF n° 115.<br />

2 GORDILLO, Agustin. Princípios gerais <strong>de</strong> <strong>direito</strong> público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 183.<br />

3 DROMI, José Roberto. Derecho... Op. cit. p. 36.<br />

4 MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalida<strong>de</strong> da jurisprudência do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral. Repertório<br />

IOB <strong>de</strong> Jurisprudência n° 23,1994, p. 473; GUERRA FILHO, W illis Santiago. Derechos fundamentales, proceso<br />

y principio <strong>de</strong> la proporcionalidad. Revista Galega <strong>de</strong> Administración Pública, n2 16, p. 244.


Sistema Tributário Nacional 9 1 3<br />

9.10 Princípio da uniformida<strong>de</strong><br />

A o consagrar o princípio d a uniformida<strong>de</strong>, vedando que a União institua tributo que<br />

não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência<br />

em relação a Estado, ao Distrito Fe<strong>de</strong>ral ou a Município, o art. 151,1, reforça a igualda<strong>de</strong><br />

fe<strong>de</strong>rativa pretendida pelo art. 19, III.1<br />

Como bem salientado por Ives Gandra, “o princípio da uniformida<strong>de</strong> é essencial ao<br />

sistema e evita não apenas guerras tributárias, como oferta garantia nacional aos contribuintes<br />

contra as exações regionais e distritais, nem sempre voltadas a preservar seus<br />

<strong>direito</strong>s”.12<br />

10 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS E LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR<br />

Imunida<strong>de</strong> tributária consiste no impedimento <strong>constitucional</strong> absoluto3 à incidência<br />

da norma tributária,4 pois restringe as dimensões do campo tributário da União, dos Estados,<br />

do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos Municípios.5No tradicional conceito <strong>de</strong> Aliomar Baleeiro,<br />

são as “vedações absolutas ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens<br />

(objetivas) e, às vezes, uns e outras. Imunida<strong>de</strong>s tornam inconstitucionais as leis ordinárias<br />

que as <strong>de</strong>safiam”.6 Como <strong>de</strong>stacado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, “imunida<strong>de</strong><br />

tributária só po<strong>de</strong> ser apreciada frente a princípio <strong>constitucional</strong>”.7<br />

No conceito <strong>de</strong> Hugo <strong>de</strong> Brito Machado, “imunida<strong>de</strong> é o obstáculo <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> regra<br />

da Constituição à incidência <strong>de</strong> regra jurídica <strong>de</strong> tributação. O que é imune não po<strong>de</strong> ser<br />

tributado. A imunida<strong>de</strong> impe<strong>de</strong> que a lei <strong>de</strong>fina como hipótese <strong>de</strong> incidência tributária<br />

aquilo que é imune. É limitação <strong>de</strong> competência”.8<br />

Regina Helena Costa traça importante paralelismo entre os princípios tributários e as<br />

imunida<strong>de</strong>s, enquanto normas constitucionais referentes às limitações ao po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar,<br />

afirmando que “os princípios são diretrizes positivas, norteadoras do a<strong>de</strong>quado exercício<br />

da competência tributária, as imunida<strong>de</strong>s encerram preceitos negativos, <strong>de</strong>marcando<br />

1 Conferir: ASSUNÇÃO, Lutero Xavier. Princípios... Op. cit. p. 469.<br />

2 BASTOS, Celso Ribeiro; M ARTINS, IvesG andra. Comentários... Op. cit. v. 6 , 1 .1, p. 219.<br />

3 Conferir: M ARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.<br />

p. 31.<br />

4 MELLO FILHO, José Celso. Constituição... O p. cit. p. 123.<br />

5 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso... Op. cit. p. 421.<br />

6 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. R io d e Janeiro: Forense, 1996. p. 82. Regina Helena<br />

Costa elabora excelente estudo sobre as diversas posições doutrinárias acerca do conceito e <strong>de</strong>finição das imunida<strong>de</strong>s<br />

tributárias (Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 35 ss). Conferir, ainda, as diversas<br />

posições doutrinárias apontadas por Yoshiaki Ichihara sobre a caracterização das imunida<strong>de</strong>s (Imunida<strong>de</strong>s<br />

tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p. 155 ss).<br />

7 STJ - I a T. - Ag. Rg. em Ag. Instr. n2 146.887/SP - ReL Min. José Delgado, Diário da Justiça, Seção 1 ,16<br />

mar. 1998, p. 30.<br />

8 M ACHADO, H u go <strong>de</strong> Brito. Curso <strong>de</strong> <strong>direito</strong> tributário. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 190.


9 1 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

a p r ó p r ia c o m p e tê n c ia tr ib u tá r ia , im p e d in d o seu e x e r c íc io e m relação a <strong>de</strong>terminadas<br />

pessoas, b en s e s itu a ç õ e s ” .1 C o n c o rd a m o s c o m a a u to ra , p o is tanto os princípios constitu<br />

c io n a is tr ib u tá r io s q u a n to as re g ra s d e fin id o ra s d e im u n id a d e s tributárias são garantias<br />

fu n d a m e n ta is d o in d iv íd u o e n q u a n to c o n trib u in te e, c o n s e q u e n te m e n te , imutáveis, seja<br />

p e lo le g is la d o r o r d in á r io , s eja p e lo le g is la d o r c o n s titu in te d e r iv a d o , por meio <strong>de</strong> emendas<br />

c o n s titu c io n a is.<br />

P o d e m o s a p o n ta r r o l das im u n id a d e s trib u tá ria s n a Constituição <strong>de</strong> 1988: 512, X X X IV ,<br />

aeb; 5a, L X X III; 5 a, L X X IV ; 5a L X X V I, aeb; 5 a, L X X V II; 1 50, V I, a; 150, V I; 150, § 22; 153,<br />

§ 3 a , I I I ; 1 53, § 4 a; 1 5 3 , § 5a; 1 5 5 ,X , a ; 1 5 5 ,X ,b ; 1 5 5 ,X ,c ; 155,X I; 155, §3 2; 156, II; 156,<br />

§ 2 a, I; 1 5 6 , § 3a; 1 84, § 5a; 1 95, § 7a; 2 2 6 , § I a; 2 3 0 , § 2a.2<br />

E m seu art. 1 5 0 , V I, a C o n s titu iç ã o F e d e r a l estabelece importantes imunida<strong>de</strong>s, ved<br />

a n d o : a in stitu içã o r e c íp r o c a d e im p o stos sobre patrimônio, renda ou serviços dos entes<br />

fe d e r a tiv o s ; a in s titu iç ã o d e im p o sto s s o b re templos <strong>de</strong> qualquer natureza, sobre o patrim<br />

ô n io , re n d a o u s e r v iç o s d o s p a rtid o s p o lític o s , inclusive <strong>de</strong> suas funções, das entida<strong>de</strong>s<br />

sin d ic a is d o s tr a b a lh a d o r e s , das in s titu iç õ e s <strong>de</strong> educação e <strong>de</strong> assistência social, sem fins<br />

lu c ra tiv o s , d e s d e q u e a te n d id o s os re q u is ito s legais, e sobre livros, jornais, periódicos<br />

e o p a p e l d e s tin a d o à su a im p r e s s ã o .3 A E C n2 75, <strong>de</strong> 15 <strong>de</strong> outubro <strong>de</strong> 2013,instituiu<br />

im u n id a d e tr ib u tá r ia s o b re os fo n o g r a m a s e vi<strong>de</strong>ofonogramas musicais produzidos no<br />

B ra sil c o n t e n d o o b ra s m u sic a is o u lite r o m u s ic a is <strong>de</strong> autores brasileiros e/ou obras em<br />

g e r a l in te rp re ta d a s p o r artistas b ra s ile ir o s bem como os suportes materiais ou arquivos<br />

d ig ita is q u e os c on te n h a m .<br />

No intuito <strong>de</strong> assegurar a permanência do equilíbrio no Pacto Fe<strong>de</strong>rativo brasileiro,<br />

a Constituição repetiu tradicional regra impeditiva <strong>de</strong> cobrança recíproca <strong>de</strong> impostos<br />

entre os entes fe<strong>de</strong>rativos.<br />

O texto <strong>constitucional</strong> impe<strong>de</strong> que a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios,<br />

incluindo suas autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços<br />

vinculados a suas finalida<strong>de</strong>s essenciais ou às <strong>de</strong>las <strong>de</strong>correntes,4 instituam impostos so­<br />

1 COSTA, Regina H elena. Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 35.<br />

2 Conferir a respeito: ICHIHARA, Yoshiaki. Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Atlas, 2000. Capítulo 6; COSTA,<br />

Regina Helena. Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001. Capítulo XIII.<br />

3 MONTEIRO, Ruy Carlos <strong>de</strong> Barros. Apontamentos sobre imunida<strong>de</strong>s tributárias à lu z da jurisprudência do<br />

STF. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral, ano 24, n° 93, p. 139, jan./mar. 1987 e Apontamentos<br />

sobre imunida<strong>de</strong>s tributárias à luz da jurisprudência do STF - Parte 2: a imunida<strong>de</strong> tributária dos<br />

partidos políticos e das instituições <strong>de</strong> educação. Revista <strong>de</strong> Informação Legislativa, Brasília: Senado Fe<strong>de</strong>ral,<br />

ano 24, n2 94, p. 199, abr./jun. 1987.<br />

4 S T F -2 a T. -RExtr. n “ 203.839-3 - Rei. M in. Carlos Velloso, Didrio da Justiça, Seção 1,2 maio 1997, p. 16.574;<br />

S T F - l aT.-R E xtr. nQ93.932/MG - Rei. Min. \ cri da Silveira, Diário da Justiça, Seção 1,30nov. 1984, p. 20.442;<br />

R T J 64/521. Em relação à in cidên cia da im u n ida<strong>de</strong> re cíp ro ca p a ra as em presas pú blicas prestadoras d e<br />

s e r v iç o p ú b lico d e p resta çã o o b rig a tó ria e exclu siva d o Estado (E C T - E m presa Brasileira d e C o rreio s e<br />

T e lé g ra fo s ): STF - 2a T. - RE n2 407099/RS - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1,6 ago. 2004,<br />

p. 62; STF - 2 aT. - RE 398630/S P-R el. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção 1 ,17 set. 2004, p. 83; STF<br />

- 2 aT. - RE 354897/RS - Rei. Min. Carlos V elloso,Diário da Justiça, Seção], 3 set. 2004, p. 34; salvo, co n form e<br />

n o vo en ten d im en to d o STF, quando re a liz a r a tivid a d e p riva d a (STF - RE 601392/PR - Rei. Min. Joaquim<br />

Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 16-11-2011). Em relação à não in cid ên cia d a im u n ida<strong>de</strong> re c íp ro c a p a ra as em presas<br />

públicas: STF - Pleno - RExtr. n“ 90.470/PB - Rei. Min. Cor<strong>de</strong>iro Guerra, Diário da Justiça, 26 mar. 1982, p.<br />

2.563. No mesmo sentido: R T J 101/229.


Sistema Tributário Nacional 9 1 5<br />

bre patrimônio, renda, serviço ou ganhos resultantes <strong>de</strong> operações financeiras,1uns dos<br />

outros, pois, como <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a garantia <strong>constitucional</strong><br />

da imunida<strong>de</strong> recíproca impe<strong>de</strong> a incidência <strong>de</strong> tributos sobre o patrimônio e a renda dos<br />

entes fe<strong>de</strong>rados. Os valores investidos e a renda auferida pelo membro da fe<strong>de</strong>ração é<br />

imune <strong>de</strong> impostos. A imunida<strong>de</strong> tributária recíproca é uma <strong>de</strong>corrência pronta e imediata<br />

do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura fe<strong>de</strong>rativa<br />

do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios”.12<br />

Ressalte-se, porém, que o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral estabeleceu importante distinção<br />

em relação à incidência da imunida<strong>de</strong> tributária recíproca às Empresas Públicas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo<br />

das ativida<strong>de</strong>s realizadas. Assim, “quando se tratar <strong>de</strong> serviço público, imunida<strong>de</strong><br />

absoluta; quando envolvido o exercício <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> privada, incidiríam as mesmas normas<br />

existentes para as empresas privadas, inclusive as tributárias”, como bem <strong>de</strong>stacado pelo<br />

Ministro-Relator Joaquim Barbosa, pois, como apontado pelo Ministro Cezar Peluso, é “op<br />

ção político-<strong>constitucional</strong> do Estado a prestação <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas ativida<strong>de</strong>s em caráter<br />

exclusivo, como privilégio, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> sua lucrativida<strong>de</strong>”, porém, se houver<br />

<strong>de</strong>svio <strong>de</strong> sua ativida<strong>de</strong> pública específica, “teria <strong>de</strong> se submeter às regras reservadas à<br />

iniciativa privada”, pois o fato <strong>de</strong> pagar imposto, “em igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> condições com outras<br />

empresas, não significaria entrave ou incompatibilida<strong>de</strong> com o regime <strong>de</strong> privilégio no<br />

seu setor específico”.3<br />

Ao instituir imunida<strong>de</strong> tributária aos templos e ao patrimônio, à renda ou aos serviços<br />

dos partidos políticos e <strong>de</strong> suas fundações, das entida<strong>de</strong>s sindicais <strong>de</strong> trabalhadores e das<br />

instituições <strong>de</strong> educação e assistência social sem fins lucrativos, a Constituição vinculou,<br />

nos termos do § 4a, do art. 150, sua incidência às finalida<strong>de</strong>s essenciais <strong>de</strong>sses entes, não<br />

estando abrangidas as finalida<strong>de</strong>s meramente <strong>de</strong>correntes das essenciais.4<br />

Ressaltamos, porém, como o fez Aliomar Baleeiro, que “o templo não <strong>de</strong>ve ser apenas<br />

a igreja, sinagoga ou edifício, on<strong>de</strong> se celebra a cerimônia pública, mas também a <strong>de</strong>pendência<br />

acaso contígua, o convento, os anexos por força <strong>de</strong> compreensão, inclusive a casa<br />

ou residência oficial do pároco ou pastor, pertencente à comunida<strong>de</strong> religiosa, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que<br />

não empregados para fins econômicos”.5<br />

Dessa forma, a imunida<strong>de</strong> tributária referente aos templos dos cultos religiosos <strong>de</strong>ve<br />

estar relacionada com os imóveis necessários ao exercício <strong>de</strong> suas finalida<strong>de</strong>s essenciais,<br />

entendidos não somente como os imóveis ligados à realização das cerimônias e liturgias,<br />

mas também os imóveis relacionados diretamente com essas ativida<strong>de</strong>s, tais como os se-<br />

1 STF - 2a T. - Ag. nQ172.890-7 (A g . Rg.) - Rei. M in. Marco Aurélio, Informativo STF na 27 - abr. 1996; STF -<br />

2a T. - Ag. Rg. em Ag. Instr. nQ174.808-8.<br />

2 STF - 2a T. - Ag. Rg. em Ag. Instr. nQ174.808-8 - Rei. Min. M aurício Corrêa. Informativo STF nQ36. Con ferir,<br />

ainda: STF - Ag. Instr. nc 180.133-6/PR - Rei. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 20 nov. 1996,<br />

p. 45.277; KTJ 152/85.<br />

3 STF - RE 601392/PR- Rei. Min. Joaquim Barbosa, <strong>de</strong>cisão: 16-11-2011 (referente à Empresa Brasileira <strong>de</strong><br />

Correios e Telégrafos - ECT).<br />

4 Conferir: COSTA, Regina Helena. Imunida<strong>de</strong>s tributárias. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 157.<br />

5 BALEEIRO, Aliomar. Direito... Op. cit. p. 88.


9 1 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

minérios, conventos, as sacristias e a residência oficial dos ministros religiosos, cabendo<br />

aos contribuintes aprova <strong>de</strong>ssa relação.1<br />

Trata-se, pois, <strong>de</strong> garantia instrumental à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença e culto religiosos prevista<br />

no art. 5a, VI, do texto <strong>constitucional</strong>, cuja finalida<strong>de</strong> é impedir a criação <strong>de</strong> obstáculos<br />

econômicos - por meio <strong>de</strong> impostos - à realização <strong>de</strong> cultos religiosos.<br />

Igualmente, a Constituição <strong>de</strong> 1988 prevê imunida<strong>de</strong> tributária aos Partidos Políticos,<br />

p a ra que se evite a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nefasta utilização do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tributar do Estado com<br />

a fin a lid a d e <strong>de</strong> restrição e perseguições a <strong>de</strong>terminadas i<strong>de</strong>ologias. Trata-se <strong>de</strong> previsão<br />

c o r o lá r ia aos arts. I a, parágrafo único, 14, § 3a, V e 17 do texto <strong>constitucional</strong>, que cons<br />

a g ra m a r e g r a d a <strong>de</strong>mocracia representativa, além <strong>de</strong> alçar os <strong>direito</strong>s relacionados à<br />

c ria ç ã o , o r g a n iz a ç ã o e p a r tic ip a ç ã o em partidos políticos como espécie do gênero Direitos<br />

F u n d a m en ta is (c a p ít u lo V, d o Título II), afirmando ser livre a criação, f usão, incorporação<br />

e e x tin ç ã o d e p a rtid o s p o lític o s .<br />

A c o n s a g r a ç ã o d a imunida<strong>de</strong> tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel <strong>de</strong>st<br />

in a d o a su a im p re s s ã o te m como finalida<strong>de</strong> a garantia e efetivação da livre manifestação<br />

d o p e n s a m e n to , d a c u ltu ra e da produção cultural, científica e artística, sem possibilida<strong>de</strong><br />

d e c r ia ç ã o d e e m p e c ilh o s econômicos, via tributação, por parte do Estado.12<br />

C e ls o d e M e llo , a o analisar a Constituição anterior, que previa a mesma regra, bem<br />

d e fin iu a fin a lid a d e d essa espécie <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> tributária, ao dizer que tem “nítido sentido<br />

p o lít ic o , u m a v e z q u e (a ) visa a assegurar, <strong>de</strong> um lado, o efetivo exercício da liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> manifestação do pensamento (CF, art. 153, § 8S) e (b ) objetiva concretizar, <strong>de</strong> outro,<br />

o compromisso assumido pelo Estado, <strong>de</strong> amparo à Cultura e <strong>de</strong> proteção à liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ação cultural, científica e artística”.3<br />

Como <strong>de</strong>stacado pelo Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, “a razão <strong>de</strong> ser da imunida<strong>de</strong> prevista<br />

no texto <strong>constitucional</strong>, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessida<strong>de</strong>,<br />

está no interesse da socieda<strong>de</strong> em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados,<br />

capazes <strong>de</strong> inibir a produção material e intelectual <strong>de</strong> livros, jornais e periódicos”.4<br />

Roque Carrazza aponta que o sentido <strong>de</strong>ssa imunida<strong>de</strong> tributária é “dar meios materiais<br />

para que as pessoas possam divulgar suas idéias”,5 i<strong>de</strong>ia reforçada por Sacha Calmon<br />

Navarro Coêlho ao afirmar que a “imunida<strong>de</strong> filia-se aos dispositivos constitucionais que<br />

asseguram a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e opinião e partejam o <strong>de</strong>bate das idéias, em prol<br />

da cidadania, além <strong>de</strong> simpatizar com o <strong>de</strong>senvolvimento da cultura, da educação e da<br />

informação”.6<br />

1 STF - 2S T. - RExtr. n2 206.169/SP - Rei. Min. Marco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 27-4-1998, Informativo STF n2 108.<br />

2 STF - 2a T. - RExtr. n° 102.141/RJ - Rei. M in . Carlos Ma<strong>de</strong>ira, Diário da Justiça, Seção 1,29 nov. 1995, p.<br />

21.920.<br />

3 MELLO FILHO, José Celso <strong>de</strong>. Constituição fe<strong>de</strong>ral anotada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p. 124.<br />

4 STF - Plen o - RExtr. n2 174.476-6/SP - Rei. p/Acórdão Min. M arco Aurélio, <strong>de</strong>cisão: 26-9-1996. Revista<br />

Dialética <strong>de</strong> Direito Tributário, n2 30, p. 155 ss, mar. 1998.<br />

5 CARRAZZA, Roque Antonio. Importação <strong>de</strong> bíblias em fitas: sua imunida<strong>de</strong> - exegese do art. 150, VI, d, da<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral. Revista Dialética <strong>de</strong> Direito Tributário, n2 26, p. 125.<br />

6 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição <strong>de</strong> 1988. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Forense, 1989. p. 378.


Sistema Tributário Nacional 9 1 7<br />

11 ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS<br />

As imunida<strong>de</strong>s tributárias não se confun<strong>de</strong>m com a possibilida<strong>de</strong> dos entes fe<strong>de</strong>rativos<br />

conce<strong>de</strong>rem isenções, que correspon<strong>de</strong>m a dispensa <strong>de</strong> pagamento do tributo por expressa<br />

disposição legal e não <strong>constitucional</strong>. Como <strong>de</strong>cidiu o Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral,<br />

“a criação <strong>de</strong> imunida<strong>de</strong> tributária é matéria típica do texto <strong>constitucional</strong> enquanto<br />

a <strong>de</strong> isenção é versada na lei ordinária; não há, pois, invasão da área reservada à<br />

emenda <strong>constitucional</strong> quando a lei ordinária cria isenção. O Po<strong>de</strong>r Público tem<br />

legitimida<strong>de</strong> para isentar contribuições por ele instituídas, nos limites das suas<br />

atribuições”.1<br />

Observe-se, porém, que há pontos em comum entre imunida<strong>de</strong>s tributárias e isenções,<br />

pois, conforme ensina Regina Helena Costa,<br />

“ 1) ambas são regras <strong>de</strong> estrutura, que estabelecem a incompetência para tributar;<br />

2) são, em consequência, regras parciais, <strong>de</strong> exceção, que só fazem sentido<br />

em combinação com a norma atributiva <strong>de</strong> competência tributária - no caso <strong>de</strong><br />

imunida<strong>de</strong> - e da hipótese <strong>de</strong> incidência tributária - no caso <strong>de</strong> isenção; 3) po<strong>de</strong>m<br />

ter por objeto quaisquer espécies tributárias; 4) são justificadas pela perseguição<br />

<strong>de</strong> fins constitucionais”.12<br />

A concessão <strong>de</strong> isenção tributária é ato discricionário do ente fe<strong>de</strong>rativo competente<br />

para a instituição do tributo,3 aplicável a todas as espécies tributárias, e <strong>de</strong>ve estrito respeito<br />

ao princípio da reserva legal.4 A discricionarieda<strong>de</strong> na concessão <strong>de</strong> isenções, porém,<br />

não <strong>de</strong>ve ser confundida com arbitrarieda<strong>de</strong> ou favoredmentos ilegais e abusivos. A União,<br />

Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e Municípios, no âmbito <strong>de</strong> suas competências constitucionais,<br />

<strong>de</strong>verão respeitar os princípios da igualda<strong>de</strong>,5 impessoalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong>, na edição da<br />

lei conce<strong>de</strong>nte da isenção em matéria tributária, que <strong>de</strong>verá observar critérios objetivos,<br />

lógicos e razoáveis.6<br />

1 STF - Pleno - Adin n°2.006/D F - Rei. Min. Maurício Corrêa. Conferir, ainda: STF - 2a T. - RExtr. n ° 64.039/<br />

PR - Rei. Min. Adaucto Cardoso, Diário da Justiça, 5 <strong>de</strong>z. 1969.<br />

2 Imunida<strong>de</strong>s tributárias. Op. cit. p. 107.<br />

3 STF - I a T. - RExtr. n2218.160/S P- Rei. M in. M oreira Alves, Diário da .Justiça, Seção I, 6 mar. 1998, p. 28;<br />

STF - 2aT. - RExtr. n2 160.823-4/SP - Rei. Min. Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, 20 fev. 1998, p. 46;<br />

S T J - l aT.-R E sp. n2 178.829/RJ-Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Diário da Justiça, Seção 1,15 mar. 1999, p. 110.<br />

4 STF - Pleno - Adin n2 155/SC - Rei. M in. Octávio Gallotti, <strong>de</strong>cisão: 3-8-1998, Informativo STF n2 117.<br />

5 STF - Pleno - Adin n° 1.655/AP - medida cautelar - ReL Min. M aurício Corrêa, <strong>de</strong>cisão: 10-9-1997. Informativo<br />

STF n° 83; TJSP - LEX 132/448; TJSP - Adin <strong>de</strong> Lei n“ 22.471-0/SP - Órgão Especial - Rei. Cuba Santos<br />

- v.u. - 30-8-1995; T R F -A M S n2 90.03.20695/SP- Rei. Juiz Grandino Rodas - 4a T. -D iá rio da Justiça, Seção<br />

II, 4 fev. 1991, p. 160.<br />

6 RTJ 136/444; STF - I a T. - Ag. Rg. em A g . Instr. ou <strong>de</strong> petição n“ 142.348/MG - Rei. M in. C elso <strong>de</strong> M ello,<br />

Diário da Justiça, Seção 1,24 mar. 1995, p. 6.807.


9 1 8 Direito Constitucional • Moraes<br />

Por fim, importante salientar que a isenção tributária po<strong>de</strong>rá ser revogada a qualquer<br />

tempo, sem criar <strong>direito</strong> adquirido sobre ela, 1tomando o tributo imediatamente exigível,<br />

pois preexistente e, portanto, não se aplicando novamente o princípio da anteriorida<strong>de</strong>.12<br />

1 R TJ164/802.<br />

2 STF - 2a T. - ^RExtr. n° 204.062-2/ES - Rel. Min. CarlosVelloso, <strong>de</strong>cisão: 27-9-1996, Informativos STF n"' 46<br />

e 58; RTJ 33/177; RTJ 35/249.


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índice<br />

Remissivo<br />

A<br />

Ação civil pública por ato <strong>de</strong> improbida<strong>de</strong>, 386<br />

Ação <strong>de</strong> cancelamento <strong>de</strong> naturalização, 234<br />

Ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 799<br />

<strong>de</strong>cisão do STF, 806<br />

finalida<strong>de</strong>, 800<br />

legitimida<strong>de</strong>, 800<br />

objeto, 801<br />

previsão, 799<br />

procedimento e julgamento, 802<br />

Ação <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão,<br />

795<br />

Ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

finalida<strong>de</strong>, 763<br />

genérica, 749<br />

interventiva, 793<br />

legitimação, 759<br />

pedido <strong>de</strong> cautelar, 764<br />

prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial, 767<br />

procedimento, 768<br />

Ação penal privada subsidiária, 124<br />

Ação popular, 193<br />

competência, 196<br />

conceito, 193<br />

finalida<strong>de</strong>, 193<br />

legitimação ativa, 194<br />

legitimação passiva, 196<br />

natureza da <strong>de</strong>cisão, 196<br />

objeto, 194<br />

requisitos, 193<br />

sentença e coisa julgada, 197<br />

Administração pública, 340<br />

ação civil pública, 386<br />

conceito, 340<br />

concurso público, 362<br />

cumulação <strong>de</strong> vencimentos, 372<br />

<strong>direito</strong>s sociais dos servidores públicos<br />

civis, 367<br />

estabilida<strong>de</strong> do servidor público civil, 409<br />

improbida<strong>de</strong> administrativa, 385<br />

licitação, 376<br />

militares dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

dos Territórios, 412<br />

preceitos <strong>de</strong> observância obrigatória, 353<br />

princípio da impessoalida<strong>de</strong>, 342<br />

princípio da legalida<strong>de</strong>, 341<br />

princípio da moralida<strong>de</strong>, 342<br />

princípios constitucionais, 341<br />

regra geral <strong>de</strong> aposentadoria do servidor<br />

público civil, 394<br />

servidor público e data-base, 371<br />

servidor público e mandato eletivo, 391<br />

sistema remuneratório do servidor público,<br />

392<br />

Admissão <strong>de</strong> emprego, 39<br />

Adoção, 878<br />

Adoção da fe<strong>de</strong>ração, 286<br />

Advocacia, 656<br />

Advocacia pública, 655<br />

Advogado-Geral da União, 767<br />

Alistabilida<strong>de</strong>, 239<br />

Ampla <strong>de</strong>fesa, 110<br />

Aposentadoria<br />

compulsoriamente, 395<br />

do servidor público civil, 394<br />

fixação e atualização dos proventos, 397<br />

invali<strong>de</strong>z permanente, 395<br />

regras, 853<br />

voluntária integral e proporcional, regra<br />

<strong>de</strong> transição, 854<br />

voluntariamente, 395<br />

voluntária proporcional, 402


9 3 6 Direito Constitucional • Moraes<br />

Apreciação <strong>de</strong> lesão ou ameaça <strong>de</strong> <strong>direito</strong> pelo<br />

po<strong>de</strong>r judiciário, 86<br />

Arguição <strong>de</strong> <strong>de</strong>scumprimento <strong>de</strong> preceito<br />

fundamental, 807<br />

por equiparação, 813<br />

preventiva, 812<br />

repressiva, 812<br />

Assembléia Nacional Constituinte, 26<br />

Assistência religiosa, 49<br />

Assistência social, 856<br />

Associações<br />

<strong>direito</strong>, 84<br />

dissolução, 85<br />

representação dos associados, 86<br />

Ativida<strong>de</strong> sindical na empresa, 211<br />

Ato jurídico perfeito, 89<br />

Atos normativos, 750<br />

Ausência <strong>de</strong> licitação, 377<br />

Autoadministração, 295<br />

Auto<strong>de</strong>terminação dos povos, 22<br />

Autogoverno, 291<br />

B<br />

Brasileiro<br />

expulsão e <strong>de</strong>portação, 109<br />

nato e naturalizado, tratamento<br />

diferenciado, 230<br />

naturalizado, 225<br />

C<br />

Câmara dos Deputados, 433<br />

Capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa, 241<br />

Capital Fe<strong>de</strong>ral, 288<br />

Cargo, emprego ou função pública temporária,<br />

413<br />

Cargo público civil permanente, 413<br />

Censura prévia, 52<br />

Chefe <strong>de</strong> Estado e Chefe <strong>de</strong> Governo, 489<br />

Cidadania, 18<br />

Cidadão, 217<br />

Ciência e tecnologia, 865<br />

Classificação das constituições, 7<br />

escrita, 8<br />

formais, 8<br />

materiais, 8<br />

não escritas, 8<br />

quanto à estabilida<strong>de</strong>, 8<br />

quanto à extensão e finalida<strong>de</strong>, 8<br />

quanto à forma, 8<br />

quanto ao conteúdo, 8<br />

quanto ao modo <strong>de</strong> elaboração, 8<br />

quanto à origem, 8<br />

Classificação dos <strong>direito</strong>s fundamentais, 28<br />

Cláusula <strong>de</strong> reserva jurisdicional, 58<br />

Coisa julgada, 89<br />

Comando supremo das Forças Armadas, 495<br />

Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito e sigilo, 81<br />

Comissões <strong>de</strong> constituição e justiça, 730<br />

Comissões parlamentares <strong>de</strong> inquérito, 439,<br />

441<br />

Competência administrativa comum, 319<br />

Competência complementar, 326<br />

Competência concorrente não cumulativa, 326<br />

Competência concorrente União/Estado/<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 325<br />

Competência <strong>constitucional</strong> do Tribunal <strong>de</strong><br />

Júri, 93<br />

Competência exclusiva e suplementar do<br />

município, 329<br />

Competência por <strong>de</strong>legação da União, 328<br />

Competência privativa da União, 320<br />

Competência remanescente (reservada) do<br />

Estado, 328<br />

Competência reservada do Distrito Fe<strong>de</strong>ral,<br />

332<br />

Competências administrativas do Distrito<br />

Fe<strong>de</strong>ral, 319<br />

Competências administrativas dos Estadosmembros,<br />

318<br />

Competências administrativas dos municípios,<br />

318<br />

Comunicação social, 865<br />

Comutação da pena <strong>de</strong> prisão perpétua, 109<br />

Concessão <strong>de</strong> asilo político, 22<br />

Concordância prática ou da harmonização, 15<br />

Concurso público, 362<br />

Con<strong>de</strong>nação criminal, 272<br />

Condições <strong>de</strong> elegibilida<strong>de</strong>, 246<br />

Congresso Nacional, 429<br />

Conselho da República, 499<br />

Conselho <strong>de</strong> Defesa Nacional, 499<br />

Constitucionalismo, 1<br />

Constituição<br />

área <strong>de</strong> abrangência, 6<br />

conceito <strong>de</strong> constituição, 6<br />

conceito i<strong>de</strong>al, 7<br />

plástica, 15<br />

preâmbulo <strong>constitucional</strong>, 16<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988,10,28


índice Remissivo 937<br />

Contradição dos princípios, 31<br />

Contraditório, 113<br />

e inquérito policial, 113<br />

Controle concentrado, 747<br />

Controle <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>, 721<br />

ação direta <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong><br />

genérica, 749<br />

conceito, 723<br />

controle preventivo, 730<br />

controle repressivo realizado pelo po<strong>de</strong>r<br />

judiciário, 732<br />

controle repressivo realizado pelo po<strong>de</strong>r<br />

legislativo, 731<br />

espécies, 725<br />

i<strong>de</strong>ia central, 721<br />

mo<strong>de</strong>los clássicos, 726<br />

pressupostos ou requisitos <strong>de</strong><br />

<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> das espécies<br />

normativas, 723<br />

Controle preventivo, 730<br />

Controle repressivo, 726<br />

Controle repressivo <strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

731<br />

Convalidação <strong>de</strong> provas obtidas por meios<br />

ilícitos, 120<br />

Convenção, 26<br />

Convenção Européia <strong>de</strong> Direitos Humanos, 33<br />

Convicção filosófica ou política e escusa <strong>de</strong><br />

consciência, 46<br />

Cooperação entre os povos para o progresso da<br />

humanida<strong>de</strong>, 22<br />

Crença religiosa, 46<br />

inviolabilida<strong>de</strong>, 47<br />

Cultura, 862<br />

Cumulação <strong>de</strong> vencimentos no setor público,<br />

372<br />

D<br />

Da dispensa da licitação, 378<br />

Da impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão ou alteração<br />

das funções, 643<br />

Declaração <strong>de</strong> Pensilvânia, 82<br />

Declaração dos Direitos Humanos das Nações<br />

Unidas, 31<br />

Declaração Universal dos Direitos do Homem,<br />

130<br />

Decreto interventivo, 337<br />

Decreto legislativo, 711<br />

Decreto no 57.654, <strong>de</strong> 20-1-1966, 48<br />

Defensoria pública, 658<br />

Defesa da paz, 22<br />

Defesa do Estado e das Instituições<br />

Democráticas, 828<br />

estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado <strong>de</strong> sítio, 828<br />

Forças Armadas, 832<br />

segurança pública, 833<br />

Defesa do m eio ambiente, 839<br />

Deliberação executiva, 676<br />

Deliberação parlamentar, 671<br />

Deportação, 109<br />

Depositário infiel, 125<br />

Des<strong>constitucional</strong>ização, 662<br />

Descumprimento da lei ou do ato normativo<br />

in<strong>constitucional</strong> pelo po<strong>de</strong>r executivo, 724<br />

Desporto, 864<br />

Destinação das terras públicas e <strong>de</strong>volutas, 843<br />

Destinatários da proteção, 33<br />

Devido processo legal, 110<br />

Dia e noite<br />

inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar, 57<br />

Dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, 18<br />

Direito adquirido, 89<br />

ato jurídico perfeito e coisa julgada, 89<br />

Direito à segurança no emprego, 204<br />

Direito à vida, 34<br />

Direito Constitucional, 1<br />

Direito <strong>de</strong> associação, 84<br />

caráter paramilitar, 84<br />

conteúdo, 85<br />

finalida<strong>de</strong> lícita, 84<br />

vedação <strong>de</strong> interferência estatal, 84<br />

Direito <strong>de</strong> auto-organização, 211<br />

Direito <strong>de</strong> certidão, 190<br />

Direito <strong>de</strong> exercício, 211<br />

Direito d e greve, 213<br />

Direito <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e autonomia, 211<br />

Direito <strong>de</strong>mocrático, 211<br />

Direito <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 216<br />

brasileiro naturalizado, 225<br />

brasileiros natos, 218<br />

conceito, 216<br />

critérios <strong>de</strong> atribuição <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong><br />

originária, 218<br />

<strong>de</strong>finições relacionadas, 216<br />

espécies <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 217<br />

hipóteses <strong>de</strong> aquisição originária, 218<br />

opção, 221<br />

perda do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 233<br />

tratamento diferenciado entre brasileiro<br />

nato e naturalizado, 230


938 Direito Constitucional • Moraes<br />

Direito <strong>de</strong> petição, 191<br />

finalida<strong>de</strong>, 192<br />

histórico e conceito, 191<br />

legitimida<strong>de</strong> ativa e passiva, 192<br />

natureza, 191<br />

Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, 233<br />

Direito <strong>de</strong> proteção especial, 212<br />

Direito <strong>de</strong> relacionamento ou <strong>de</strong> filiação, 211<br />

Direito <strong>de</strong> réplica, 51<br />

Direito d e resposta, 45, 51<br />

Direito <strong>de</strong> reunião, 82<br />

autorização da autorida<strong>de</strong> pública, 83<br />

interferência d a polícia, 83<br />

tutela, 84<br />

Direito <strong>de</strong> sufrágio, 239<br />

Direito <strong>de</strong> voto, 242, 244<br />

Direito líquido e certo, 163<br />

Direitos à intimida<strong>de</strong> e à própria imagem, 53<br />

Direitos <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, 28<br />

Direitos <strong>de</strong> primeira geração, 29<br />

<strong>direito</strong>s <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> ou fraternida<strong>de</strong>, 29<br />

<strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceira geração, 29<br />

Direitos e garantias fundamentais, 28<br />

ação penal privada subsidiária, 124<br />

apreciação <strong>de</strong> lesão ou ameaça <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

pelo po<strong>de</strong>r judiciário, 86<br />

como <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, 28<br />

<strong>de</strong>stinatários da proteção, 33<br />

<strong>de</strong>vido processo legal, contraditório e<br />

ampla <strong>de</strong>fesa, 110<br />

<strong>direito</strong> à vida, 34<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> associação, 84<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> resposta, 51<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, 82<br />

expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual,<br />

artística, científica e <strong>de</strong> comunicação, 52<br />

extradição, 96<br />

finalida<strong>de</strong>, 28<br />

in<strong>de</strong>nização por dano material, moral e à<br />

imagem, 50<br />

inviolabilida<strong>de</strong> à intimida<strong>de</strong>, vida privada,<br />

honra e imagem, 53<br />

inviolabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados, 72<br />

inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar, 57, 59<br />

princípio da presunção <strong>de</strong> inocência, 123<br />

prisão civil, 125<br />

provas ilícitas, 117<br />

rol exemplificativo, 127<br />

sigilo <strong>de</strong> correspondência e <strong>de</strong><br />

comunicação, 60<br />

tratados internacionais, 127<br />

tribunal do júri, 92<br />

Direitos e garantias individuais, 31<br />

diferenciação, 31<br />

Direitos fundamentais, 127<br />

classificação, 28<br />

econômicos e culturais, 29<br />

garantias institucionais, 32<br />

primeira geração, 29<br />

segunda geração, 29<br />

terceira geração, 29<br />

Direitos políticos, 238<br />

capacida<strong>de</strong> eleitoral ativa, 241<br />

conceito, 238<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> sufrágio, 239<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> voto, 242<br />

elegibilida<strong>de</strong>, 245<br />

língua e símbolos oficiais, 284<br />

negativos, 248<br />

partidos políticos, 279<br />

perda, 270<br />

plebiscito e referendo, 244<br />

privação, 269<br />

suspensão, 272<br />

Direitos sindicais<br />

classificação, 210<br />

Direitos sociais, 203, 205<br />

conceito e abrangência, 203<br />

<strong>direito</strong> à segurança no emprego, 204<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> greve, 213<br />

dos servidores públicos civis, 367<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação profissional ou<br />

sindical, 209<br />

Dirigentes eleitos dos trabalhadores, 212<br />

Dissolução do casamento, 877<br />

Distribuição <strong>de</strong> competências jurisdicionais,<br />

571<br />

distribuição <strong>de</strong> competências, predominância<br />

do interesse, 315<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, 307<br />

Diversões e espetáculos, regulamentação, 52<br />

Dívida, 125<br />

Duplo grau <strong>de</strong> jurisdição, 87<br />

E<br />

EC na 42, <strong>de</strong> 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2003,21<br />

Educação, 857<br />

cultura e <strong>de</strong>sporto, 857


índice Remissivo 9 3 9<br />

objetivos constitucionais, 859<br />

Efeito integrador, 15<br />

Efeitos da <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> in<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong>,<br />

775<br />

Eficácia absoluta, 11<br />

Eficácia plena, 12<br />

Eficácia relativa restringível, 11, 12<br />

Einrichtungsgarantien, 32<br />

Elegibilida<strong>de</strong>, 245<br />

Emenda, 667<br />

Emenda Constitucional <strong>de</strong> Revisão no 3, <strong>de</strong><br />

7-6-1994, 233<br />

Emenda Constitucional ns 31, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2000, 21<br />

Emendas constitucionais, 680<br />

Emendas Constitucionais n“ 19/98,41/03, 414<br />

Ensino<br />

religioso, 49<br />

Escolha dos membros dos Tribunais Superiores,<br />

564<br />

Escusa <strong>de</strong> consciência e serviço militar<br />

obrigatório, 48<br />

Espécies <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r constituinte, 27<br />

Espécies normativas, 680<br />

Estabilida<strong>de</strong>: constituições<br />

flexíveis, 9<br />

imutáveis, 9<br />

rígidas, 9<br />

semirrígida, 9<br />

Estado Democrático <strong>de</strong> Direito, 19<br />

Estado laico, 47<br />

Estado leigo, 47<br />

Estados<br />

<strong>de</strong>smembramento, 310<br />

formação <strong>de</strong> municípios, 311<br />

formação dos, 308<br />

fusão, 310<br />

subdivisão, 310<br />

Estados-membros, 290<br />

Estatuto da Criança e do Adolescente, 34<br />

Estatuto do idoso, 882<br />

Estatuto dos congressistas, 454<br />

Exame do DNA, 878<br />

Expressão da ativida<strong>de</strong> intelectual, artística,<br />

científica e <strong>de</strong> comunicação, 52<br />

Expulsão, 106<br />

Extensão e finalida<strong>de</strong>: constituições<br />

analíticas, 10<br />

dirigentes, 10<br />

garantias, 10<br />

negativas, 10<br />

sintéticas, 10<br />

Extradição, 96<br />

ativa, 97<br />

atuação do judiciário, 104<br />

e comutação da pena <strong>de</strong> prisão perpétua,<br />

109<br />

e <strong>de</strong>portação, 109<br />

hipóteses constitucionais, 97<br />

pedido <strong>de</strong> extensão, 105<br />

princípio da especialida<strong>de</strong>, 105<br />

prisão preventiva, 103<br />

procedimento e <strong>de</strong>cisão, 101<br />

requisitos infraconstitucionais, 99<br />

tráfico ilícito <strong>de</strong> entorpecentes, 98<br />

Extradição e expulsão, 106<br />

<strong>de</strong> pessoa casada com brasileiros, 108<br />

<strong>de</strong> pessoa com filhos brasileiros, 108<br />

Extradição passiva, 102<br />

F<br />

Família, criança, adolescente e idoso, 876<br />

Filiação, 878<br />

Filiação partidária, 246<br />

Fiscalização às entida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> atendimento aos<br />

idosos, 882<br />

Fixação e atualização dos proventos <strong>de</strong><br />

aposentadoria, 397<br />

Força normativa da constituição, 15<br />

Forças armadas, 832<br />

Forças Armadas<br />

e Deputados Fe<strong>de</strong>rais/Senadores da<br />

República, 476<br />

Fruits of the poisonous tree, 117<br />

Fruto da árvore envenenada, 117<br />

Funções estatais<br />

imunida<strong>de</strong>s e garantias em face do<br />

princípio da igualda<strong>de</strong>, 424<br />

Po<strong>de</strong>r Legislativo, Po<strong>de</strong>r Executivo, Po<strong>de</strong>r<br />

Judiciário e Ministério Público, 427<br />

Fundamentos da República Fe<strong>de</strong>rativa do<br />

Brasil, 18<br />

Fundo <strong>de</strong> Combate, 21<br />

e Erradicação da Pobreza, 21<br />

G<br />

Garantia <strong>constitucional</strong><br />

da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção, 134<br />

Garantia <strong>constitucional</strong> do sigilo da fonte, 869<br />

Garantias do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 523


940 Direito Constitucional • Moraes<br />

garantias dos sigilos bancário e fiscal, 74<br />

Garantias fundamentais, 31<br />

Garantias institucionais, 32<br />

Garantias jurídico-privadas, 32<br />

Gran<strong>de</strong> naturalização, 225<br />

Gravação clan<strong>de</strong>stina, 67<br />

Gravações lícitas, 68<br />

Gravações sub-reptícias, 68<br />

H<br />

Habeas corpus, 130<br />

conceito e finalida<strong>de</strong>, 131<br />

<strong>constitucional</strong> prevista para <strong>de</strong>negação da<br />

or<strong>de</strong>m, 146<br />

contra ato da Turma Recursal nos Juizados<br />

Especiais Criminais, 144<br />

contra ato do juiz especial nos Juizados<br />

Especiais Criminais, 145<br />

contra ato ilegal imputado a promotor <strong>de</strong><br />

justiça, 143<br />

contra ato único, 141<br />

contra ato único ou colegiado <strong>de</strong> tribunais<br />

regionais fe<strong>de</strong>rais ou estaduais, 141<br />

contra coação ilegal atribuída à Turma do<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 140<br />

e assistente, 139<br />

empate, 147<br />

excesso <strong>de</strong> prazo, 140<br />

legitimida<strong>de</strong> ativa, 135<br />

legitimida<strong>de</strong> passiva, 138<br />

liberatório ou repressivo, 138<br />

natureza jurídica, 134<br />

possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> supressão, 139<br />

preventivo, 138<br />

punições disciplinares militares, 147<br />

recursos ordinários, 145<br />

Habeas corpus e recursos ordinários, 145<br />

Habeas data<br />

cabimento, 150<br />

competência, 156<br />

conceito, 148<br />

dados sigilosos, 157<br />

<strong>direito</strong> ao conhecimento e à retificação,<br />

155<br />

finalida<strong>de</strong>, 149<br />

legitimação ativa, 151<br />

natureza jurídica, 149<br />

procedimento, 153<br />

Habeas data e dados sigilosos, 157<br />

Hierarquia - lei complementar e lei ordinária,<br />

687<br />

Hipóteses <strong>de</strong> aquisição originária, 218<br />

Homens e mulheres, 38<br />

Honra, 54<br />

inviolabilida<strong>de</strong>, 53<br />

I<br />

Idoso e transporte público, 883<br />

Igualda<strong>de</strong> entre os Estados, 22<br />

Igualmente, no âmbito dos Estados, 21<br />

Imagem, 54<br />

inviolabilida<strong>de</strong>, 53<br />

Impeachment, 504<br />

renúncia e extinção do procedimento <strong>de</strong>,<br />

509<br />

Impetração <strong>de</strong> mandado <strong>de</strong> segurança, 164<br />

Improbida<strong>de</strong> administrativa, 382<br />

Imunida<strong>de</strong> do advogado, 657<br />

Imunida<strong>de</strong> formal, 464<br />

Imunida<strong>de</strong>s<br />

irrenunciabilida<strong>de</strong>, 477<br />

Imunida<strong>de</strong>s materiais, 460<br />

Imunida<strong>de</strong>s parlamentares, 460<br />

Inadimplemento voluntário e inescusável <strong>de</strong><br />

obrigação alimentícia, 125<br />

Incompatibilida<strong>de</strong>s, 478<br />

Incomunicabilida<strong>de</strong> da ilicitu<strong>de</strong> da prova<br />

ilícita, 117<br />

In<strong>constitucional</strong>ida<strong>de</strong> por omissão, 795<br />

In<strong>de</strong>nização por dano<br />

à imagem, 50<br />

material, 50<br />

moral, 50<br />

In<strong>de</strong>pendência do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 532<br />

In<strong>de</strong>pendência nacional, 22<br />

índios, 884<br />

Indispensabilida<strong>de</strong> do advogado, 656<br />

Indivisibilida<strong>de</strong>, 622<br />

Inelegibilida<strong>de</strong>, 248<br />

absoluta, 249<br />

reflexa, 265<br />

relativa, 250<br />

inexigibilida<strong>de</strong> da licitação, 379<br />

Iniciativa <strong>de</strong> lei do Ministério Público, 669<br />

Iniciativa <strong>de</strong> lei do po<strong>de</strong>r judiciário, 664<br />

Iniciativa <strong>de</strong> lei para fixação <strong>de</strong> subsídios dos<br />

Ministros do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral (teto<br />

salarial), 670<br />

Iniciativa legislativa concorrente, 669<br />

Iniciativa popular <strong>de</strong> lei, 670


índice Remissivo 941<br />

Iniciativa privativa do Presi<strong>de</strong>nte da República,<br />

665<br />

Inquérito policial e contraditório, 113<br />

Institutiormelle Garantien, 32<br />

Institutsgarantie, 32<br />

Interesse coletivo, 172<br />

Interesse local, 315<br />

Interesses difusos, 172<br />

Interpretação das normas constitucionais, 14<br />

Intérprete, 14<br />

Intervenção do Estado no domínio econômico,<br />

840<br />

Intervenção estadual nos municípios, 338<br />

Intervenção fe<strong>de</strong>ral, 334<br />

Intimida<strong>de</strong><br />

inviolabilida<strong>de</strong>, 53<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> à intimida<strong>de</strong>, 53, 80<br />

vida privada, honra e imagem, 53<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>constitucional</strong>, 72<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> crença religiosa, 47<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dados, 72<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar, 55<br />

questão do dia e da noite, 57<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> domiciliar e fisco, 59<br />

Inviolabilida<strong>de</strong> parlamentar, 460<br />

Ius sanguinis, 223<br />

J<br />

Juizados Especiais Criminais, habeas corpus,<br />

144, 145<br />

Juizes do trabalho, 587<br />

Juízo <strong>de</strong> admissibilida<strong>de</strong>, 502<br />

Justeza ou da conformida<strong>de</strong> funcional, 15<br />

Justiça <strong>de</strong>sportiva, 865<br />

Justiça do Trabalho, 587<br />

Justiça Eleitoral, 591<br />

competência, 591<br />

Justiça Estadual, 594<br />

Justiça Fe<strong>de</strong>ral, 592<br />

primeira instância, 594<br />

Justiça Militar, 592<br />

Justiças especializadas, 92<br />

L<br />

Legitimação ativa, 151<br />

Legitimação ativa e passiva, 173<br />

Legitimação passiva, 164<br />

Legítima <strong>de</strong>fesa, 120<br />

Lei complementar e lei ordinária - diferenças,<br />

686<br />

Lei Complementar no 75, 77<br />

Lei <strong>de</strong> Prestação do Serviço Alternativo ao<br />

Serviço Militar Obrigatório, 48<br />

Lei n° 4.375, <strong>de</strong> 17-8-1964,48<br />

Lei na 7.210/84 (Lei das Execuções Penais), 50<br />

Lei n“ 8.239, <strong>de</strong> 4-10-1991,48<br />

Lei n° 9.029, <strong>de</strong> 13-4-1995,39<br />

Lei na 9.296, <strong>de</strong> 24-7-1996, 63<br />

Lei na 10.628, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2002,577<br />

Lei orgânica municipal, 296<br />

Leis orçamentárias, 717<br />

Lesão ou ameaça <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

acesso à justiça <strong>de</strong>sportiva, 87<br />

acesso ao Judiciário, 87<br />

apreciação pelo Po<strong>de</strong>r Judiciário, 86<br />

duplo grau <strong>de</strong> jurisdição, 87<br />

inexistência da jurisdição condicionada, 87<br />

Liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> associação profissional ou sindical, 209<br />

<strong>de</strong> consciência, 46<br />

<strong>de</strong> constituição, 210<br />

<strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> manifestação <strong>de</strong><br />

pensamento, 52<br />

<strong>de</strong> imprensa, 53<br />

<strong>de</strong> informação, 867<br />

<strong>de</strong> inscrição, 211<br />

<strong>de</strong> locomoção, 131<br />

<strong>de</strong> pensamento, 45<br />

religiosa, 47<br />

Licitação, 376<br />

hipóteses excepcionais <strong>de</strong> ausência <strong>de</strong><br />

licitação, 377<br />

Liminar em habeas corpus, 138<br />

Limitações ao livre exercício do culto religioso,<br />

49<br />

Limitações ao po<strong>de</strong>r reformador, 682<br />

Língua e símbolos oficiais, 284<br />

Livre associação sindical e greve, 367<br />

Livre concorrência, 839<br />

M<br />

Magna Charta, 29<br />

Mandado <strong>de</strong> injunção, 177<br />

competência, 182<br />

conceito, 178<br />

<strong>de</strong>cisão e efeitos, 183<br />

histórico, 177<br />

legitimida<strong>de</strong> ativa, 180


9 4 2 Direito Constitucional ■ Moraes<br />

legitimida<strong>de</strong> passiva, 181<br />

objeto, 179<br />

procedimento, 181<br />

requisitos, 180<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança, 159<br />

atos e omissões <strong>de</strong> tribunais, 168<br />

cabimento, 160<br />

competência, 167<br />

Conceito e finalida<strong>de</strong>, 159<br />

espécies, 159<br />

impetrante, 163<br />

natureza jurídica, 160<br />

prazo para impetração, 166<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, 171<br />

associações legitimadas, 174<br />

beneficiários, 176<br />

Conceito, 171<br />

finalida<strong>de</strong>, 171<br />

individual, 177<br />

legitimação ativa e passiva, 173<br />

objeto, 171<br />

partidos políticos, 174<br />

sindicatos, 174<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança contra atos e omissões<br />

<strong>de</strong> tribunais, 168<br />

Mandado <strong>de</strong> segurança e liminares, 169<br />

Mandato parlamentar, 464<br />

Manifestação <strong>de</strong> pensamento/informação, 233<br />

Máxima efetivida<strong>de</strong> ou da eficiência, 15<br />

Medida provisória e <strong>de</strong>creto-lei, 703<br />

Medidas provisórias, 689<br />

Meio ambiente, 869<br />

Militares dos Estados, Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

Territórios<br />

e cargo público dvil, 413<br />

e <strong>direito</strong>s sociais, 414<br />

Ministério Público, 613<br />

conceito, 620<br />

e po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> investigação, 627<br />

funções, 624<br />

garantias, 631<br />

histórico, 613<br />

origem e <strong>de</strong>senvolvimento no Brasil, 614<br />

posicionamento <strong>constitucional</strong>, 619<br />

quebra <strong>de</strong> sigilo, 77, 78<br />

Tribunais <strong>de</strong> Contas, 653<br />

vedações constitucionais, 640<br />

Ministro <strong>de</strong> Estado, 477<br />

Modo <strong>de</strong> elaboração: constituições<br />

dogmática, 8<br />

histórica, 9<br />

Municípios, 295<br />

Nação, 216<br />

N<br />

Nacionalida<strong>de</strong><br />

potestativa, 220<br />

Não intervenção, 22<br />

Naturalização, 225<br />

espécies, 225<br />

extraordinária, 228<br />

ordinária, 226<br />

quinzenária, 228<br />

tácita, 226<br />

voluntária, 235<br />

Norma, 31<br />

Normas constitucionais<br />

aplicabilida<strong>de</strong>, 11<br />

com eficácia restringível, 12<br />

<strong>de</strong> eficácia absoluta, 12<br />

<strong>de</strong> eficácia contida, 11<br />

<strong>de</strong> eficácia limitada, 11<br />

<strong>de</strong> eficácia plena, 11<br />

interpretação, 14<br />

Normas programáticas, 13<br />

Normas que disciplinam os <strong>direito</strong>s e garantias<br />

fundamentais, 30<br />

O<br />

Objetivos fundamentais da República<br />

Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, 20<br />

Obrigação alimentícia<br />

prisão civil, 125<br />

Obrigação <strong>de</strong> testemunhar, parlamentar, 477<br />

Or<strong>de</strong>m Econômica e Financeira, 837<br />

Or<strong>de</strong>m social<br />

ciência e tecnologia, 865<br />

Comunicação social, 865<br />

família, criança, adolescente e idoso, 876<br />

índios, 884<br />

m eio ambiente, 869<br />

Or<strong>de</strong>m Social, 848<br />

segurida<strong>de</strong> social, 848<br />

Organização dos po<strong>de</strong>res e do Ministério<br />

Público, 423<br />

Advocacia, 656<br />

Advocacia Pública, 655<br />

Defensoria Pública, 658<br />

Ministério Público, 613<br />

Po<strong>de</strong>r Executivo, 486


índice Remissivo 943<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, 520<br />

Po<strong>de</strong>r legislativo, 429<br />

separação das funções estatais, 423<br />

Organização político-administrativa, 286<br />

intervenção, 333<br />

regras, 286<br />

repartição <strong>de</strong> competências, 314<br />

vereadores, 305<br />

Organizações sindicais internacionais, 211<br />

Órgãos públicos, publicida<strong>de</strong>, 380<br />

Origem: constituições<br />

outorgadas, 9<br />

promulgadas, 9<br />

outorga, 26<br />

P<br />

Parlamentar e obrigação <strong>de</strong> testemunhar, 477<br />

Partidos políticos, 279<br />

Paternida<strong>de</strong> responsável, 878<br />

Pedido <strong>de</strong> extradição, 105<br />

Pensão por morte <strong>de</strong> servidor público, 399<br />

Perda do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> nacionalida<strong>de</strong>, 233<br />

Perda do mandato, 479<br />

Perda dos <strong>direito</strong>s políticos, 270<br />

Plano <strong>de</strong> previdência social, 852<br />

Plebiscito, 244<br />

Plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa, 92<br />

Pluralismo político, 19<br />

Po<strong>de</strong>r constituinte<br />

conceito e finalida<strong>de</strong>, 24<br />

espécies, 25<br />

originário, 25<br />

permanente, 25<br />

titularida<strong>de</strong>, 24<br />

Po<strong>de</strong>r constituinte <strong>de</strong>rivado, 27<br />

características, 27<br />

conceito, 27<br />

<strong>de</strong>corrente, 27<br />

espécies, 27<br />

reformador, 27<br />

Po<strong>de</strong>r constituinte originário, 25<br />

autônomo, 26<br />

características, 26<br />

Conceito, 25<br />

formas <strong>de</strong> expressão, 25<br />

ilimitado, 26<br />

incondicionado, 26<br />

inicial, 26<br />

Po<strong>de</strong>r Judiciário, 520<br />

autonomia, 525<br />

autônomo, 520<br />

e controle externo, 532<br />

escolha dos dirigentes dos tribunais, 527<br />

fixação <strong>de</strong> subsídios, 555<br />

funções típicas e atípicas, 523<br />

garantias, 523<br />

garantias <strong>de</strong> imparcialida<strong>de</strong>, 530<br />

inamovibilida<strong>de</strong>, 529<br />

in<strong>de</strong>pendência, 520<br />

irredutibiüda<strong>de</strong> <strong>de</strong> subsídios, 529<br />

organização, 553<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral e controle<br />

externo, 534<br />

vitaücieda<strong>de</strong>, 528<br />

Po<strong>de</strong>r público<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva, 388<br />

Po<strong>de</strong>r regulamentar do Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República, 495<br />

Polícia, 833<br />

Política agrícola, 842<br />

e fundiária e da reforma agrária, 842<br />

Política Agrícola<br />

preceitos, 842<br />

Políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento urbano, 842<br />

Política urbana, 842<br />

População, 216<br />

Portaria no 2.681 Cosemi, <strong>de</strong> 28-7-1992, 48<br />

Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelação, 93<br />

Possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interceptação telefônica, 61<br />

Povo, 216<br />

Preceitos <strong>de</strong> observância obrigatória, 353<br />

do funcionalismo, 358<br />

predominância do interesse, 315<br />

Prefeito municipal - responsabilida<strong>de</strong> criminal<br />

e política, 301<br />

Prerrogativa do foro em favor da mulher, 39<br />

Presi<strong>de</strong>ncialismo, 487<br />

Presi<strong>de</strong>nte da República, 489<br />

atribuições, 494<br />

crimes comuns, 514<br />

crimes <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, 502<br />

Prevalência dos <strong>direito</strong>s humanos, 22<br />

Previdência complementar no âmbito da<br />

União, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e dos<br />

Município, 404<br />

Previdência social<br />

e <strong>direito</strong>s adquiridos, 408<br />

Princípioda<br />

concordância prática, 30<br />

da eficiência, 344, 352<br />

da harmonização, 30


9 4 4 Direito Constitucional • Moraes<br />

da igualda<strong>de</strong>, 35<br />

da igualda<strong>de</strong> e limitação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> em<br />

concurso público, 37<br />

da igualda<strong>de</strong> em relação homoafetiva e<br />

entida<strong>de</strong> familiar, 40<br />

da impessoalida<strong>de</strong>, 342<br />

da in<strong>de</strong>pendência ou autonomia funcional,<br />

622<br />

da indissolubilida<strong>de</strong> do vínculo fe<strong>de</strong>rativo,<br />

288<br />

da legalida<strong>de</strong>, 41, 341<br />

da moralida<strong>de</strong>, 121<br />

da moralida<strong>de</strong> administrativa e provas<br />

ilícitas, 121<br />

da paternida<strong>de</strong> responsável, 878<br />

da periodicida<strong>de</strong>, 371<br />

da presunção <strong>de</strong> inocência, 123<br />

da Proporcionalida<strong>de</strong>, 116<br />

d a publicida<strong>de</strong>, 121, 122<br />

da relativida<strong>de</strong>, 30<br />

da reserva legal, 42<br />

das liberda<strong>de</strong>s públicas, 30<br />

<strong>de</strong>mocrático, 19<br />

do juiz natural, 91, 577<br />

do promotor natural, 623<br />

limitação <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, 37<br />

tratamento isonômico entrehomens e<br />

mulheres, 38<br />

Princípios<br />

constitucionais da administração pública,<br />

341<br />

constitucionais do ensino, 858<br />

constitucionais estabelecidos, 291<br />

constitucionais sensíveis, 290<br />

da legalida<strong>de</strong> e da reserva legal, 42<br />

<strong>de</strong> regência das relações internacionais da<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil, 21<br />

do Ministério Público, 621<br />

e regras interpretativas das normas<br />

constitucionais, 15<br />

fe<strong>de</strong>rais extensíveis, 291<br />

gerais da ativida<strong>de</strong> econômica, 838<br />

Prisão civil, 125<br />

Prisão preventiva por extradição, 103<br />

Privação dos <strong>direito</strong>s políticos, 269<br />

Privacida<strong>de</strong><br />

inviolabilida<strong>de</strong>, 72<br />

Processo e julgamento, 505<br />

Processo Legislativo, 660<br />

classificação, 663<br />

conceito, 660<br />

espécies normativas, 680<br />

fase complementar, 679<br />

fase constitutiva, 671<br />

Lei complementar, 686<br />

noções gerais, 662<br />

Processo legislativo ordinário, 664<br />

Procurador-Geral da República, 649<br />

Procurador-Geral <strong>de</strong> Justiça, 650<br />

Professor, aposentadoria, 855<br />

Promulgação, 679<br />

Proprieda<strong>de</strong> privada, 839<br />

Proteção ao meio ambiente, 869<br />

Protecção dos <strong>direito</strong>s fundamentais, 32<br />

Provas <strong>de</strong>rivadas das provas ilícitas, 117<br />

Provas ilícitas, 114, 117<br />

Publicação, 679<br />

Publicida<strong>de</strong> dos atos, programas, obras,<br />

serviços e campanhas dos órgãos públicos,<br />

380<br />

Q<br />

Quadro comparativo: estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa e estado<br />

<strong>de</strong> sítio, 829<br />

Quadro <strong>de</strong> competência para julgamento <strong>de</strong><br />

autorida<strong>de</strong>s da República, 598<br />

Quebra do sigilo por parte do Ministério<br />

Público, 77<br />

R<br />

Radicação precoce e curso superior, 230<br />

Recepção, 662<br />

Redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s regionais e sociais,<br />

839<br />

Referendo, 244<br />

Reforma agrária, 842, 843<br />

Regime <strong>de</strong> previdência privada <strong>de</strong> caráter<br />

complementar, 855<br />

Regiões metropolitanas, 295<br />

Regras constitucionais específicas sobre meio<br />

ambiente, 874<br />

Regras <strong>de</strong> organização, 286<br />

Relações familiares, 877<br />

Relações internacionais, princípios <strong>de</strong> regência,<br />

21<br />

Relativida<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais e coletivos, 30<br />

Religião e cultura, 49<br />

Repartição <strong>de</strong> competência<br />

repartição em matéria legislativa, 320<br />

Repartição <strong>de</strong> competências, 314


índice Remissivo 945<br />

repartição em matéria administrativa, 316<br />

Representação dos associados, 86<br />

Repristinação, 662<br />

República Fe<strong>de</strong>rativa do Brasil<br />

cidadania, 18<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, 18<br />

fundamentos, 18<br />

objetivos fundamentais, 20<br />

pluralismo político, 19<br />

princípios <strong>de</strong> regência das relações<br />

internacionais, 21<br />

soberania, 18<br />

valores sociais do trabalho e da livre<br />

iniciativa, 19<br />

Repúdio ao terrorismo e ao racismo, 22<br />

Requisitos formais, 723<br />

Requisitos substanciais ou materiais, 724<br />

Reserva <strong>de</strong> lei, 43<br />

Resolução, 716<br />

Responsabilida<strong>de</strong> civil objetiva do Po<strong>de</strong>r<br />

Público, 388<br />

Responsabilida<strong>de</strong> por dano material, moral ou<br />

à imagem, 45<br />

Rol exemplificativo, 127<br />

S<br />

Salvo-conduto, 138<br />

Sanção, 668<br />

Saú<strong>de</strong>, 850<br />

diretrizes e preceitos constitucionais, 850<br />

Saú<strong>de</strong> do idoso, 881<br />

Segurança pública, 833<br />

Segurida<strong>de</strong> social, 848<br />

Senado Fe<strong>de</strong>ral, 436<br />

Separação das funções estatais, 423<br />

Servidores públicos e contribuição<br />

previ<strong>de</strong>nciária, 405<br />

Servidor público e mandato eletivo, 391<br />

Sigilo<br />

da <strong>de</strong>fesa nacional, e habeas data, 157<br />

<strong>de</strong> correspondência e <strong>de</strong> comunicação, 60<br />

<strong>de</strong> dados, 80<br />

<strong>de</strong> votações, 93<br />

Sigilos bancário e fiscal, 72<br />

características básicas, 74<br />

Sistema financeiro nacional, 845<br />

Sistema remuneratório do servidor público,<br />

392<br />

Sistemas <strong>de</strong> ensino, 861<br />

Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, 851<br />

Soberania, 18<br />

Soberania dos veredictos, 93<br />

e possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apelação, 93<br />

Soberania nacional, 839<br />

Solução pacífica dos conflitos, 22<br />

Subsídios do Po<strong>de</strong>r Judiciário, 555<br />

Sufrágio, 239, 240<br />

Súmulas vinculantes, 815<br />

Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, 566<br />

Superior Tribunal Militar, 570<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, 571<br />

sigilo/Ministério Público, 79<br />

Suspensão dos <strong>direito</strong>s políticos, 270<br />

Sustação do andamento da ação penal, 472<br />

T<br />

Territórios, 307, 412<br />

Texto integral dos <strong>direito</strong>s e garantias<br />

individuais da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988,<br />

197<br />

Titular do Po<strong>de</strong>r Constituinte, 24<br />

Tratados internacionais, 127<br />

Tratamento <strong>constitucional</strong> da tortura, 44<br />

Tratamento diferenciado entre brasileiro nato e<br />

naturalizado, 230<br />

Tratamento isonômico, 38<br />

Tribunais <strong>de</strong> ética, 92<br />

Tribunais <strong>de</strong> exceção, 92<br />

Tribunais dos Estados e do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e<br />

Territórios: regra do “quinto <strong>constitucional</strong>”,<br />

596<br />

Tribunais Regionais do Trabalho, 596<br />

Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais, 596<br />

Tribunal <strong>de</strong> Contas, 450<br />

Tribunal <strong>de</strong> júri<br />

competência <strong>constitucional</strong>, 93<br />

Tribunal do júri, 92<br />

Tribunal Superior do Trabalho, 569<br />

Tribunal Superior Eleitoral, 568<br />

Tutela aos idosos, 880<br />

Tutela <strong>constitucional</strong> das liberda<strong>de</strong>s, 130<br />

ação popular, 193<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988, 197<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> certidão, 190<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> petição, 191<br />

habeas corpus, 130<br />

habeas data, 148<br />

mandado <strong>de</strong> injunção, 177


946 Direito Constitucional • Moraes<br />

mandado <strong>de</strong> segurança, 159<br />

mandado <strong>de</strong> segurança coletivo, 171<br />

Tutela das crianças e dos adolescentes, 879<br />

Tutela do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> reunião, 84<br />

União, 289<br />

U<br />

competência administrativa, 315<br />

competência privativa, 315<br />

competências administrativas, 316<br />

Unida<strong>de</strong> d a constituição, 15<br />

Universida<strong>de</strong>s, 860<br />

Usucapião <strong>constitucional</strong> <strong>de</strong> área urbana, 842<br />

V<br />

Vacância da Presidência da República, 493<br />

Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,<br />

19<br />

Vedações constitucionais <strong>de</strong> natureza<br />

fe<strong>de</strong>rativa, 313<br />

Vedações explícitas, 328<br />

Vedações implícitas, 328<br />

Vereadores - imunida<strong>de</strong> material, 305<br />

Veto, 676<br />

Veto jurídico, 730<br />

Via <strong>de</strong> ação direta, 747<br />

Vice-presi<strong>de</strong>nte da República, 497<br />

Vício <strong>de</strong> iniciativa, 668<br />

Violação <strong>de</strong> domicílio, 58<br />

Voto<br />

caracteres, 242<br />

natureza, 242<br />

W<br />

Writ of injunction, 177


dico. Doutor em Direito do Estado e U^ced^ocente em Direito<br />

Constitucional pela ^Farulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ^ b Paulo, on<strong>de</strong> emi^bém se ^graduou em 1990.<br />

Chefe do Dopa^Comento <strong>de</strong> Direito do Estado e professor<br />

^^áriado da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito da Universida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ^ b Paulo, Professor Titular da Universida<strong>de</strong> Presbiteriana<br />

Mackenzie e das Escolas Superior do Ministério<br />

Público <strong>de</strong> São Paulo e Paulista da Magistratura, além <strong>de</strong><br />

professor convidado <strong>de</strong> diversas escolas da Magistra^tura,<br />

^Ministério Público, Pr^anadorias e OAB.<br />

Em 1991, foi o primeiro colocado no Concurso <strong>de</strong> Ingresso<br />

à Catreira do Ministério Público do Estado <strong>de</strong><br />

São Paulo, tendo sido Promotor <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> 1991 a<br />

2002, assessor do Pr^turador-Gerai <strong>de</strong> Justiça e Pri-<br />

meiro-Secretário da As^iação Paulista do Ministério<br />

Público, eleito pela classe (biênio 1994-1996).<br />

Em janeiro <strong>de</strong> 2002, aos 33 anos <strong>de</strong> i^ule, foi nomeado o<br />

mais novo ^^etário daJustiça e da Defesa da Ci^^Minia<br />

da história do Estado <strong>de</strong> ^ b Paulo, exercendo o t^ago<br />

até maio <strong>de</strong> 2005. De agosto <strong>de</strong> 2^M a maio <strong>de</strong> 2005,<br />

^ni^bém acumulou a Presidência da antiga Fun^^ão do<br />

^em-^Estar do Menor (Pa^^VSP), hoje Fundação CASA.<br />

Em junho <strong>de</strong> 2005, foi nomeado pelo Presi<strong>de</strong>nte da<br />

República membro da 1a composição do Conselho<br />

Nacional <strong>de</strong> Justiça (biênio 2005-2007), em virtu<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ter sido indicado para ^tuper a vaga <strong>de</strong> jurista pela<br />

Câmara dos Deputados.<br />

De agosto <strong>de</strong> 2007 a junho <strong>de</strong> 2010, exerceu os cargos<br />

<strong>de</strong> Secre^rio Municipal <strong>de</strong> Tiansportes <strong>de</strong> ^ b Paulo,<br />

acumulando as Presidências da CET (Companhia <strong>de</strong><br />

Engenharia <strong>de</strong> Ttáfego) e SP'Ii"ans (^b Paulo Tiansper-<br />

tes - Companhia <strong>de</strong> li"ansportes Públicos da Capital),<br />

tendo, também, acumulado a titularida<strong>de</strong> da Secretaria<br />

Municipal <strong>de</strong> Serviços <strong>de</strong> ^ b Paulo no período <strong>de</strong> fevereiro<br />

<strong>de</strong> 2009 a junho <strong>de</strong> 2010.<br />

Membro do Conselho Editoriai da Editora Atlas, do<br />

Instituto Pimenta Bueno - Associação Brasileira dos<br />

Constitucionaiistas (Fadusp), do Instituto Brasileiro<br />

<strong>de</strong> Direito Constitucional (IBDC) e da Aca<strong>de</strong>mia Brasileira<br />

<strong>de</strong> Direito Constitucional.<br />

^ ^ ^ u diversas homenagens, remendas, M^edalhas e<br />

Colares, entre outras, Grau <strong>de</strong> ^Comendador da Or<strong>de</strong>m<br />

do Rio Branco concedido pelo resi<strong>de</strong>nte da ^República e<br />

Ministério das Relações Exteriores; MéritoJudiciário do<br />

Trib^unal Superior do '^^çãoo ^^0; Mérito Judiciário<br />

do Superior ^Tribunal ^Militar (^STM); Mérito Judiciário do<br />

Tribunal Regionai do ^^^ino ^(TRT-2aRuciãn); e Méritos<br />

Judi^ários dos Tribunais <strong>de</strong> Justiça Mili^ras <strong>de</strong> ^ b Paulo<br />

e<br />

^Gerais. Em 13 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2^M, recobéu o Colar<br />

do Mérito do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> ^ b ^arlo, t^ando-<br />

-se, asim, aos 35 anos, o mais jovem jurista distinguido<br />

com essa hCome^nageme o primeiro Secretário <strong>de</strong> Estado a<br />

quem foi outo^ada ^ainda no exeucicio da ^^ção.<br />

É autor das seguintes obras, todas<br />

publicadas pela Editora Atlas:<br />

• D ir e ito c o n s ti^ ^ e n a l<br />

• C o n s titu iç ã o do B ra s il int^terpretada e<br />

legislação c o n s titu c io n a l<br />

• D ir e ito c o n s t i ^ ^ m a l a d m in is tra tiv o<br />

• D ir e ito s h^umanos / .<br />

• R e fo r m a a d m in is tra tiv a<br />

• J u ris d iç ã o m i n s i ^ ^ ^ i a . e ris ^ m a is<br />

c o n s t i ^ ^ ^ i s<br />

• D ir e it o c o n s ti^ ^ e n a l: questões <strong>de</strong><br />

concursos do Ministério Público e<br />

Magistraturas Estadual e Fe<strong>de</strong>ral<br />

• C o n s titu iç ã o d o R e p ú b lic a F e d e ra tiv a do<br />

B r a s il - Manual <strong>de</strong> Legislação Atlas<br />

(organizador)<br />

• Jjuizado especial c rim in a l (coautor)<br />

• L eg is la çã o p e n a l especial (coautor)<br />

• A r g u iç ã o <strong>de</strong> d eseim p rirm en to <strong>de</strong><br />

p re ce ito ' ■ :. ■.■.■■iral (coautor)<br />

• O s 1 O


DIREITO<br />

C O N S T IT U C IO N A L<br />

Este livro con<strong>de</strong>nsa a análise doutrinária e jurispru<strong>de</strong>ncial da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, proporcionando<br />

segura fonte <strong>de</strong> consulta para a solução das problemáticas constitucionais e seus reflexos nos diversos<br />

campos do Direito. Trata-se <strong>de</strong> um estudo profundo das normas constitucionais atuais, comparando-as<br />

com as Constituições brasileiras anteriores e <strong>de</strong> diversos países.<br />

Os temas polêmicos, abordados com clareza, posicionam o leitor sobre as diversas interpretações, trazendo<br />

à colação ilustradas opiniões <strong>de</strong> doutrinadores nacionais, estrangeiros e julgados dos Tribunais<br />

Superiores, Tribunais Regionais Fe<strong>de</strong>rais e Tribunais Estaduais.<br />

A obra é enriquecida com a citação da posição do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral em todas as questões importantes,<br />

indicando os repertórios ou mesmo o Diário da Justiça on<strong>de</strong> a íntegra da ementa ou do acórdão<br />

po<strong>de</strong>rá ser encontrada.<br />

Dessa forma, apresenta visão geral do Direito Constitucional e <strong>de</strong> sua aplicação diária a todos os <strong>de</strong>mais<br />

ramos jurídicos, interpretado pela doutrina nacional e estrangeira, pelos Tribunais e, principalmente,<br />

pelo guardião da Constituição Fe<strong>de</strong>ral: o STF.<br />

O fortalecimento da atuação do Po<strong>de</strong>r Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, em <strong>de</strong>fesa<br />

dos Direitos Humanos Fundamentais e na colmatação das lacunas constitucionais, com a consequente<br />

ampliação do ativismo judicial entre nós vêm sendo, sem qualquer sombra <strong>de</strong> dúvida, os pilares da recente<br />

atuação da Corte, merecendo a reflexão <strong>de</strong> todos.<br />

A presente edição foi atualizada até a Emenda Constitucional n° 76, <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 2013.<br />

APLICAÇÃO<br />

Livro-texto para a disciplina Direito Constitucional do curso <strong>de</strong> Direito. Manual <strong>de</strong> consulta para membros<br />

do Po<strong>de</strong>r Judiciário, do Ministério Público, advogados e <strong>de</strong>mais profissionais <strong>de</strong> Direito. Recomendado<br />

para candidatos a concursos e ingresso em catreiras jurídicas.<br />

a t l a s . c o m<br />

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