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ALTERNATIVA 183

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6 Janeiro | 2018 | Ed. <strong>183</strong><br />

Estórias das águas e da seca<br />

Por Alda Maria de Oliveira<br />

Perdemos a identidade<br />

Por Cláudio Damião<br />

Por força de compromisso de trabalho<br />

voluntário representando a BIOACQUA –<br />

Instituto Bioacqua de Promoção de<br />

Desenvolvimento Sustentável e Defesa do<br />

Meio Ambiente, com sede em Lumiar, no<br />

Comitê de Bacia Hidrográfica (CBH) Macaé e<br />

Ostras lá fui para Aracaju para o XIX<br />

Encontro Nacional dos CBH's. Pela primeira<br />

vez naquele estado, ao lado de muito<br />

trabalho nas diversas oficinas, mesas,<br />

palestras e outros tais, foi um bálsamo na<br />

alma ver a foz do Vaza Barris, rio tão falado<br />

por Euclides da Cunha na invasão de<br />

Canudos no seu 'Os sertões'. E saber da<br />

unidade de terras chamada 'tarefa' igual a<br />

um campo de futebol (1 há) em uso pelos<br />

sergipanos.<br />

Foi também mais uma vez aberta a<br />

porta da alma para as angústias dos<br />

companheiros e companheiras, filhos da<br />

seca contínua, inclemente, do Ceará à São<br />

Paulo por maior que sejam os esforços para<br />

debelar a escassez hídrica, com depoimentos<br />

dramáticos principalmente das<br />

mulheres que herdaram da cultura<br />

patriarcal ações como lavar roupa de toda a<br />

família, as vezes no rio, faxinar a casa toda,<br />

cozinhar, dar banho na criançada, lavar<br />

louça, cuidar dos animais domésticos e, por<br />

isso tudo estão três vezes mais expostas às<br />

doenças com origem hídrica.<br />

Chamou atenção o desabafo de Minéia<br />

Clara, barranqueira do Salitre ou, como<br />

diríamos aqui no Sudeste ribeirinha às<br />

margens do Rio Salitre, indignada com tudo<br />

que está nas últimas linhas do parágrafo<br />

anterior, que é a realidade dela. Veio pelo<br />

CBH do Rio Salitre (BA). Com ela e mais 25<br />

pessoas criamos um Grupo de Trabalho<br />

dentro do Fórum Nacional de Recursos<br />

Hídricos, de Água e Gênero, para tratar,<br />

aprofundar e consensuar ações para<br />

melhoria da convivência com a seca, do uso<br />

humano da água e proteção dos recursos<br />

hídricos. A água pode acabar.<br />

Trazendo a realidade da seca aqui para<br />

nossas montanhas, observei que em nosso<br />

Sítio, no Cardinot, pinheiros-do-Paraná,<br />

estão abortando suas pinhas recémformadas.<br />

É sabido que esse pinheiro tem<br />

uma raiz central, pivotante, muito profunda<br />

e se não está encontrando água suficiente<br />

para se reproduzir é porque o lençol freático<br />

está secando, as águas estão cada vez mais<br />

profundas e para serem repostas<br />

precisam de muitos dias de primavera e<br />

verão de boas chuvas. As teremos?<br />

Ninguém sabe. E na área falada deixamos<br />

vir a floresta de maneira espontânea<br />

durante 21 anos: temos ingá com 10 m de<br />

altura, numa região que só tinha brachiária<br />

e samambaia. Toda a terra pela qual<br />

somos responsáveis por onde corre o Rio<br />

Boa Vista está com as margens totalmente<br />

reflorestada. Então é efeito mesmo de<br />

extremos climáticos globais. E poucos se<br />

importam. Continuamos a lavar calçadas<br />

e carros com a mangueira aberta (!). A<br />

cidade quase ardeu em chamas há poucas<br />

semanas, como nunca vi antes nestes<br />

meus 29 anos de Nova Friburgo. Insana e<br />

ingrata tarefa de continuar a insistir numa<br />

ampliação de consciência urbana e rural<br />

para evitar o pior. Ações sustentáveis de<br />

reflorestamento e proteção da Mata<br />

Atlântica são mais que requeridas. São<br />

urgentes.<br />

Quero registrar aqui neste espaço tão<br />

democrático que fiquei indignada que a<br />

TV Bandeirantes fez quatro reportagens<br />

por ocasião dos 500 anos de Lutero,<br />

citando São Leopoldo, RS como a primeira<br />

cidade a receber alemães, no Brasil. Não<br />

foi. Nós, Nova Friburgo, recebemos os<br />

primeiros 364 alemães, em 1824 (São<br />

Leopoldo em 1826 – está lá num enorme<br />

mapa para quem sobe para Gramado e<br />

adjacências, vindo de Porto Alegre) que<br />

fundaram a primeira Igreja Luterana da<br />

América Latina, bem ali no Encontro dos<br />

Rios Santo Antônio e Cônego. Não<br />

contente com o erro histórico-cultural, a<br />

tal TV ainda citou, no dia seguinte, a Igreja<br />

Luterana de Nova Petrópolis como a<br />

primeira do Brasil e no 3º dia, a Igreja<br />

Universal com seu templo (ou Palácio!)<br />

em São Paulo como igreja do mesmo<br />

grupo. Apresentou essa mistura lamentável<br />

de equívocos. Boechat, descendente<br />

de famílias de Nova Friburgo. Não nos<br />

poupou desse grave erro.<br />

ALDA MARIA DE OLIVEIRA é avó, Engª Agrª pela<br />

Universidade Federal de Pelotas, RS; M. Sc. pela<br />

Universidade de Londres, com especialização em<br />

Engenharia Ambiental, pela UCAM; membro fundador<br />

da Agenda 21 de NF; Mérito Ambiental, do COMMAM;<br />

Mérito Profissional do CREA-RJ;<br />

Prêmio Johanna Döbereiner, 2017, pelo CREA-RJ.<br />

E-mail: aldah.olive@bol.com.br<br />

Nova Friburgo é uma cidade cuja<br />

arquitetura ao longo do tempo foi<br />

totalmente desfigurada. Melhor dizendo,<br />

foi arrasada do ponto de vista histórico. Se<br />

havia uma arquitetura original (uso este<br />

termo – arquitetura original – no sentido<br />

de uma marcação temporal, quando a<br />

cidade foi aos poucos se formando), isso<br />

gradualmente se perdeu.<br />

Devemos nos perguntar: que fio nos<br />

liga ao passado? Que sequência histórica,<br />

cronológica podemos contar hoje através<br />

da nossa arquitetura? Muito pouco ou<br />

quase nada. No contexto histórico<br />

arquitetônico irremediavelmente e<br />

deliberadamente quase tudo foi destruído.<br />

Um turista que chegar hoje às ruas<br />

centrais do município não perceberá nada<br />

de incomum. Ficamos iguais ao geral:<br />

Amorfos, sem graça, sem atrativo, sem<br />

conteúdo; Sem ter o que contar a partir da<br />

nossa arquitetura e com muito pouco<br />

para mostrar.<br />

Casarios históricos foram ao chão,<br />

fachadas foram danificadas ou modificadas.<br />

Muito pouco se preservou. Não<br />

sobrou traços de referencial histórico<br />

arquitetônico. Não houve a menor<br />

preocupação com o significado concreto<br />

de cada momento do nosso passado e da<br />

nossa história.<br />

Algumas pessoas poderão achar que<br />

eu estou exagerando, que é assim<br />

mesmo, que isso é o resultado do<br />

progresso. Mas, na verdade, fomos<br />

vítimas da ignorância, da desmedida<br />

ganância, da falta de visão cultural, da<br />

mais descabida opção pela especulação<br />

imobiliária. Se tal pensamento permeasse<br />

a lógica dos moradores de Ouro Preto,<br />

COMUNIDADE<br />

104,9 FM<br />

A rádio que ouve você!Mhz<br />

Tiradentes, para citar dois exemplos,<br />

aquele fantástico conjunto arquitetônico<br />

teria ido para o chão.<br />

Prédios modernos poderiam ser<br />

construídos em áreas pré-definidas. Os<br />

casarios antigos não precisavam ser<br />

demolidos. O antigo e o novo poderiam<br />

conviver harmonicamente.<br />

Contudo os novos-ricos da cidade,<br />

que desde sempre controlaram o<br />

espaço urbano e a política local, não<br />

encontraram dificuldades em manter o<br />

seu vigor destrutivo firmado no caráter<br />

especulativo imobiliário. A estes basta<br />

uma cidade antiga somente nas<br />

fotografias. O Poder Público que<br />

deveria ser o anteparo contra este<br />

processo devastador, na verdade<br />

sempre esteve em alinhamento com<br />

esta classe desprovida de sensibilidade,<br />

pois era ela mesma que estava no<br />

poder. Demolir casarios históricos e<br />

construir prédios era a razão do<br />

acúmulo do seu capital. Quanto à<br />

cidade, a sua história, isso pouco<br />

importou.<br />

Não é de se estranhar que até hoje<br />

não tenhamos um museu, um memorial<br />

e nem um acervo arquitetônico digno<br />

da nossa história. Chegamos aos 200<br />

anos como uma cidade sem identidade,<br />

que não deu a devida importância a<br />

este aspecto da sua história. O pouco<br />

que resta precisa ser cuidado e<br />

preservado. Acho que devemos pensar<br />

nisso. Embora o estrago seja irremediável.<br />

CLÁUDIO DAMIÃO -<br />

vereador 2008/2016<br />

claudiodamiao.nf@gmail.com<br />

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