Abril /2018
Mariana
Revista Histórica e Cultural
“ Aos doces afagos da voz dos meus filhos,
Mais bela que outrora, eu irei ressurgir.”
A Revista Mariana Histórica e Cultural é uma publicação eletrônica da
Associação Memória, Artes, Comunicação e Cultura – AMACULT de
Mariana. O periódico mensal tem por objetivo divulgar matérias, artigos,
ensaios, entrevistas e resenhas sobre a cultura e história de Mariana, a
primeira cidade de Minas Gerais.
A revista é uma vitrine para publicação de trabalhos de pesquisadores.
Mostrar a cultura de uma forma leve, histórias e curiosidades que marcaram
a fantástica do - Primeiro descobrimento, primeira vila, primeira
cidade, primeiro bispado e arcebispado, primeira comarca judiciária,
primeira câmara municipal, primeira cidade na instalação da primeira
escola primária e normal, primeira Capital de Minas, primeira, finalmente,
onde se instalou o primeiro Correio Ambulante, tornando-se a pioneira no
setor das comunicações, em Minas Gerais.
A Revista Histórica e Cultural Revista é um passo importante para a
divulgação e pesquisa de conteúdos sobre a cidade de Mariana.
Esperamos que os textos publicados possam contribuir para a formação
de uma consciência de preservação e incentivem a pesquisa.
Os conceitos e afirmações contidos nos artigos
são de inteira responsabilidade dos autores.
Colaboradores:
Prof. Cristiano Casimiro
Prof. Vitor Gomes
Agradecimentos:
Arquivo Histórico da Municipal Câmara de Mariana
IPHAN - Escritório Mariana
Arquivo Fotográfico Marezza
Museu da Música de Mariana,
Fotografias:
Cristiano Casimiro, Vitor Gomes, Acevo Museu da Música de Mariana
Acervo Emílo Ibrahim e Arquivo Marrrezza - Marcio Lima
Diagramação e Artes: Cristiano Casimiro
Capa: Órgão da Sé - Márcio Lima
Arte Cristiano Casimiro
Associação Memória Arte Comunicação e Cultura
CNPJ: 06.002.739/0001-19
Rua Senador Bawden, 122, casa 02
Indice
08
O Gaveteiro e o Maracanã
História de Emílio Ibrahim
12
Cláudio Manoel da Costa
O tesouro do Incondente
22
Museu da Música de Mariana
A memória da música colonial Mineira
32
Órgão da Sé de Mariana
Órgão do Museu da Música
Foto : Jornal O Globo
O GAVETEIRO E O
MARACANÃ
Emílo Ibrahim
Emílo Ibrahim
Esta é mais uma das histórias, que transcendem
o espaço da cidade de Mariana, mas é
um registro que se pode vencer no esporte na
educação. Emílo Ibrahim é um gaveteiro que
alcançou o sucesso longe de Mariana, mas
sempre levou e elevou, com orgulho, o nome
da primeira cidade de Minas.
Nascido na em Mariana, em 20 de Outubro
de 1925. Orgulha-se muito de suas origens
de empedernido amante de Mariana. Filho de
Salomão Ibrahim (Marmarita, Síria) e Nagibe
Maria Ibrahim (Baalbeck, Líbano - cidade de
mais de 3 mil anos).
Passou sua infância na cidade, preferencialmente,
jogando bola no campo do Guarany
Futebol Clube (time do Coração). Desde
muito novo conseguiu conciliar os estudos e
a gosto pelo futebol. Muito novo já despontava
no Guarany, ao lado de ao lado de grandes
jogadores, entre outros, Carlyle, Elizeu, Bias
e Wilson. Concluiu os cursos ginasial e
científico no
E s t u d o u n o t r a d i c i o n a l C o l é g i o
Arquidiocesano de Ouro Preto, onde foi
destaque nas ciências exatas e futebol.
O centro-avante Emílio, com apenas 15
anos, pertencia à classe dos menores, mas já
participava do quadro principal do time de
futebol daquele colégio .
Um jogo inesquecível para Emílio Ibrahim foi
em Ouro Preto, o ano de 1942 quando o
Colégio Arquidiocesano venceu o Colégio
Municipal por 5x2, com gols de: Emílio (2),
Luís Maria, Paulo Emílio e Waldemar.
Assim que formou o colegial em Ouro Preto
foi contratado pelo Fluminense Futebol
Clube do Rio de Janeiro. Em 1948,Emílio foi
jogar em um dos maiores clubes do Brasil,
na renovação do seu quadro profissional,
implantada pelo técnico Ondino Vieira e
pelos diretores Carlos Nascimento e Dilson
Guedes. Castilho, Píndaro, Hélvio, Pinheiro,
Mirim, Didi e outros foram seus companheiros
naquele projeto-renovação. Foi campeão
do Torneio Municipal daquele ano.
Simultaneamente com a sua vida de atleta no
Fluminense, ingressou na Escola Nacional
de Engenharia. Em um Fla-Flu histórico, que
marcou a inauguração das grandes obras de
reforma do Estádio Getúlio Vargas, em
Fortaleza capital do Ceará, Emílio, atuando
pelo tricolor carioca, marcou um gol espetacular,
aos dois minutos do primeiro tempo,
num sem pulo sensacional, emendando um
cruzamento preciso do ponteiro esquerdo
Rodrigues, que inaugurou o placar do jogo,
vencido pelo Fluminense, por 5x2, O técnico
tricolor, o uruguaio Ondino Vieira, classificou
de histórico o gol do atacante do Fluminense.
Assim foi desenhado para os jornais o gol de Emílio Ibrahim - Imagem arquivo pessoal de Emílio Ibrahim
Equipe de Futebol do Colégio Arquidiocesano1942: Athos, Borato, J. Lourenço, J. Pimenta,
Caratinga, Hélio Gomes, Murilo, Luiz Maria, Hugo Rodarte, Emílio Ibrahim, Waldemar e Paulo
Emílio. Acervo Pessoal
Orlando, Emílio e Castilho no jogo com Fluminense e South Hampton,
da Inglaterra, em 1948, no estádio São Januário, no Rio de Janeiro.
Acervo Pessoal.
07
Após a derrota do Brasil, no Mundial de
1950, o Maracanã passou a ser subutilizado,
com os clubes reclamando das
altas taxas cobradas, não compensando
indicar o Estádio para os seus jogos; só os
clássicos, do Campeonato Carioca e alguns
encontros do Torneio Rio-S. Paulo, davam
retorno aos cofres dos clubes litigantes.
A corrupção no grande Estádio durou de
durou mais de anos, a ms administrações,
dirigentes corruptos e à politicagem,,
tomaram conta do estádio. Ao final de uma
década de abandono, o governado Carlos
Lacerda demitiu toda administração do
Maracanã e colocou um homem de sua
confiança e de cpmpetência para a nova
administração. Na realidade, o estádio
funcionava em condições precárias, tendo
em vista a falta de acabamento de todas as
suas dependências.
Emílio Ibrahim assumiu a presidência da
ADEG (Administração dos Estádios da
Guanabara). Com a nova missão, o
presidente deu início ao trabalho com uma
jovem equipe e, com bom gosto, concluiu as
obras do maior estádio do mundo. Por outro
lado, no campo administrativo, com a
competente colaboração do Procurador do
Estado, Carlos Vale, instaurou uma
profunda reforma de normas, métodos e
procedimentos, que asseguraram a sua
eficiência operacional.
Em menos de dois anos, todo o Maracanã
ganhou sólida estrutura, novamente capaz
de receber grande público, como o da final
da copa do Mundo de 1950, ultrapassando
os cento e setenta mil espectadores.
E grandes jogos como aqueles do Mundial
Inter Clubes, envolvendo o Santos e o Milan,
em 1963; clássico do Campeonato Carioca e
do Torneio Rio-S. Paulo, de saudosa
memória.
Emílo Ibraim foi o responsável pela maior
reforma estrutural do Maracanã, todo
saudosismo que temos do Maracanã da
década de 70 , 80 e 90 são frutos da
engenhosidade deste marianense.
Emílio Ibrahim no Maracanã - Acervo Pessoal
08
O TORNEIO DE 48:Taça Prefeitura do Distrito Federal
A decisão de levar a campo o time titular
gerou desconforto entre o elenco vascaíno.
Essa decisão, que pegou a todos de
surpresa, tanto do “Expressinho” quanto do
“Expresso”, foi comunicada pelo técnico
vascaíno, Flávio Costa, quando os jogadores
do “Expressinho”, que haviam representado
tão bem o Vasco durante o Torneio, se
preparavam no vestiário para entrar em
campo.
Com um público de 14.381 pagantes, o
Fluminense venceu o “Expresso da Vitória”
com um gol de bicicleta de Orlando “Pingo
d'Ouro” aos 8 minutos de jogo. Com esse
resultado, o Fluminense conquistou seu
segundo Torneio Municipal e evitou o
pentacampeonato vascaíno.
Na foto tirada em maio de 2017, Emílio Ibrahim na
sede do Fluminese. Imagem www.historiadores do
esporte .com
A decisão seria disputada em três jogos num
ritmo
frenético: 24/06/1948, 27/06/1948 e, se fosse
necessário, 30/06/1948.
O primeiro jogo foi vencido pelo Fluminense
por 4×0 no Estádio General Severiano.
Diante de 6.991 pagantes, marcaram para o
Fluminense Orlando “Pingo d'Ouro” (2),
Simões e Rodrigues. Ao Fluminense bastaria
uma nova vitória na segunda partida da
decisão para que o Torneio fosse conquistado
e o pentacampeonato do Vasco evitado.
Contudo, três dias após a primeira partida, o
Vasco venceu o Fluminense por 2×1 no
Estádio da Gávea. Diante de 11.016
pagantes, o Vasco abriu 2×0 com Dimas e
Nestor. O Fluminense descontou com
Orlando “Pingo d'Ouro”. Com a vitória
vascaína, seria necessário disputar a terceira
e última partida.
No dia 30/06/1948, o Fluminense já estava
em campo esperando o “Expressinho”,
quando, para supresa de todos, surgiu o time
titular do Vasco, o “Expresso da Vitória”.
Participaram da campanha 21 jogadores.
Goleiros: Castilho (8 jogos), Tarzan (4) e José
Paulo (1). Zagueiros: Pé de Valsa (13), Hélvio
(9) e Aroldo (4). Meio-de-campo: Índio (13),
Mirim (12), Bigode (9), Ismael (4) e
Berascochea (1). Ataque: Rodrigues (13),
Rubinho (11), Orlando (10), Simões (7),
Emílio (6), Cento e nove (6), Careca (5),
Juvenal (3), Pinhegas (2) e Zeca (2). O
Técnico era o uruguaio Ondino Vieira. Os
artilheiros da equipe foram Orlando, 9 gols, e
Emílio, 3. Pé-de-Valsa, Índio e Rodrigues
participaram de todos os 13 jogos da
campanha.
O Torneio Municipal de 1948 não teve um troféu em
disputa. Por essa razão, a foto de Emílio Ibrahim foi
tirada com a Taça D.I.E., oferecida pelo
Departamento de Imprensa Esportiva da A.B.I.,
quando o Fluminense derrotou o Racing da Argentina
por 3×2 no dia 27/10/1948. Imagem www.historiadores
do esporte .com
09
10
Ingressou na vida pública na antiga
Prefeitura do Distrito Federal, em 1949,
ainda como estudante, na qualidade de
auxiliar de Engenheiro do Departamento
de Estradas de Rodagem. Ainda como
acadêmico de engenharia, exerceu o
cargo de oficial de gabinete do Prefeito
João Carlos Vital, durante toda sua
administração.
Integrando, desde 1952, o quadro de
engenheiros do Estado, foi chefe do
Departamento de Engenharia do Montepio
dos Empregados Municipais, hoje IPERJ -
Instituto de Previdência do Estado do Rio
de Janeiro. Foi Presidente da ADEG
( A d m i n i s t r a ç ã o d o s E s t á d i o s d a
Guanabara), quando as obras de reforma
do Estádio do Maracanã, no Governo
Carlos Lacerda. Foi Assessor Geral de
Esportes do Estado da Guanabara, e
Conselheiro Fundador do Fundo de
Garantia do Atleta Profissional - FUGAP,
no Governo Carlos Lacerda.
Como Diretor Geral do Departamento do
Patrimônio do Estado da Guanabara, foi
responsável pela transferência de bens
imóveis do antigo Distrito Federal,
determinada pela Lei Santiago Dantas,
tendo participado, ademais, do esforço de
cessão da área da antiga "Favela do
Esqueleto" ao Estado da Guanabara. Com
a transferência de seus ocupantes, sob o
efetivo comando da Secretária de Serviços
Socias, Sandra Cavalcanti, o Governador
Carlos Lacerda, em solenidade pública,
cedeu o terreno à Universidade do Estado
da Guanabara para implantação de seu
"campus".
Foi Presidente do I.A.P.C. (Instituto de
A p o s e n t a d o r i a e P e n s õ e s d o s
Comerciários) até a sua extinção,
simultânea à unificação da Previdência
Social, no Governo Castelo Branco.
Naquela oportunidade, por ocasião da
reforma da lei orgânica da Previdência
Social, teve destacada atuação na
inclusão como beneficiários da mesma
todos os que exercem funções de
Sacerdote e atividades de empregados
domésticos.
Foi Secretário de Obras Públicas do antigo
Estado da Guanabara, no Governo
Chagas Freitas. Foi Secretário de Obras e
Serviços Públicos do Estado do Rio de
Janeiro, no Governo Chagas Freitas.
F o i P r e s i d e n t e d o C o n s e l h o d e
Administração de inúmeros órgãos do
Estado, destacando-se a SURSAN,
ESAG, COMLURB, DER, CEDAE, CEG,
CERJ, FEEMA, CEHAB e SERLA.
Foi Diretor das Centrais Elétricas de
Furnas, no Governo do Presidente João
Figueiredo.
Em 1982, foi indicado a concorrer ao
Governo do Estado do Rio de Janeiro pelo
PDS, tendo renunciado, em decorrência
de desencontros de natureza política com
a direção partidária.
Foi Presidente da C.B.T.U.- Companhia
Brasileira de Trens Urbanos, no Governo
do Presidente Jos Sarney.
Encerrou nesse cargo, voluntariamente, o
exercício de sua vida pública, em 1990.
Assim, o jogador de futebol que queria ser
engenheiro conseguiu conciliar a sua vida
profissional com sua paixão
... O FUTEBOL....
F o t o f e i t a e m 2 0 1 7 p a r a o j o r n a l O G l o b o .
Vejam como a referência de Mariana e da nossa tradições
s ã o m a r c a n t e n a v i d a d e E m í l i o I b r a i m .
Em um lugar de destaque na sala o livro sobre a vida
de Monsenhor horta.
Este texto teve como referência o livro:Emílio Ibraim - O Homem e suas idéias.
Saiba mais em www.emilioibraim.com.br
11
de Cristo
Procissão do Encontro em Mariana - César do Carmo
Acervo Academia Brasileira de Letras
Cláudio Manoel da Costa
12
Cláudio Manuel da Costa
Em 1981, quando aluno do cônêgo José
Geraldo Vidigal de Carvalho, no Ginásio
Estadual Dom Silvério, foi me dado um texto
chamado: Cláudio Manuel da Costa na
história Mineira, neste dia muidei emu
pensamento sobre a conjuração mineira (
Inconfidência mineira) e sobre a participação
do marianense Cláudio manoel da Costa.
Formado em direito pela renomada
Universidade de Coimbra em Portugal,Poeta
e jurista Cláudio Manoel nasceu na
localidade na fazenda da Vargem do
itacolomi, Vila do Ribeirão do Carmo, hoje
Mariana, em 5 de junho de 1729, e faleceu
em Ouro Preto, MG, a 4 de julho de 1789. É o
patrono da cadeira n. 8, por escolha do
fundador Alberto de Oliveira.
Era filho de João Gonçalves da Costa,
lavrador e minerador, e de Teresa Ribeiro de
Alvarenga. Fez os primeiros estudos em Vila
Rica; passou depois ao Rio de Janeiro, onde
cursou Filosofia no Colégio dos Jesuítas. Em
1749, aos vinte anos de idade, seguiu para
Lisboa e daí para Coimbra, em cuja
Universidade se formou em Cânones, em
1753. Ali publicou, em opúsculos, pelo
menos três poemas, Munúsculo métrico,
Labirinto de amor e o Epicédio, consagrado à
memória de Frei Gaspar da Encarnação.
Nesses livros, a marca poética do Barroco
seiscentista é evidente, nos cultismos,
conceptismos e formalismos característicos
daquele estilo.
Nos “Apontamentos” enviados em 3 de
novembro de 1759 ao Dr. João Borges de
Barros, censor da Academia Brasílica dos
Renascidos, da qual havia sido eleito sócio
correspondente, e que se destinavam ao
“Catálogo dos Acadêmicos”, diz ele que, “de
1753 a 1754”, voltou a Vila Rica, onde viveu o
resto da vida como advogado e minerador.
De 1762 a 1765 foi secretário do Governo
da Província e, de 1769 a 1773, juiz medidor
de terras da Câmara de Vila Rica, que era
então a capital da Província, importante setor
de mineração do século XVIII e centro de
intensa vida intelectual. Cláudio Manuel da
Costa ali chegou a fundar uma Arcádia
chamada Colônia Ultramarina, cuja
instalação teria sido em 4 de setembro de
1768, com outra sessão em 5 de dezembro,
na qual fez representar o drama musicado O
Parnaso obsequioso. Foi buscar nos
cânones do Arcadismo vigente muitos
elementos típicos, tais como o bucolismo, os
pastores e as ninfas. Adotou o nome arcádico
de Glauceste Satúrnio. Ainda em Portugal
sentira de perto o aspecto renovador do
Arcadismo, implantado com a fundação da
Arcádia Lusitana, em 1756. A publicação em
1768 das Obras constitui o marco inicial do
lirismo arcádico no Brasil.
Depois compôs o poema épico Vila Rica,
pronto em 1773 mas publicado somente em
1839, em Ouro Preto. O respectivo
“fundamento histórico” havia sido dado a
lume pelo jornal O Patriota, do Rio de
Janeiro, em 1813, sob o título de “Memória
histórica e geográfica da descoberta das
Minas”. É a descrição da epopeia dos
bandeirantes paulistas no desbravamento
dos sertões e suas lutas com os emboabas,
até a fundação da cidade de Vila Rica. O
poema é importante porque, apesar de fiel
aos cânones do Arcadismo, destaca-se pela
temática brasileira.
Nas décadas de 1770 e 1780, escreveu
várias poesias em que mostra preocupação
com problemas políticos e sociais,
publicadas na maior parte por Ramiz Galvão
em 1895. A partir de 1782 ligou-se de estreita
amizade com Tomás Antonio Gonzaga, e, por
certo, exerceu influência literária sobre ele,
ao menos como estímulo. Nas Cartas
chilenas, cuja autoria chegou a ser atribuída
por alguns críticos a Cláudio Manuel da
Costa, possivelmente auxiliou o amigo. A
exegese magistralmente conduzida por
Afonso Arinos de Melo Franco, em sua
edição das Cartas chilenas (1940), apura que
a Cláudio Manuel da Costa deve ser atribuída
apenas a “Epístola” que as precede, e ao seu
companheiro de letras Tomás Antonio
Gonzaga a autoria das Cartas.
Na década de 1780, fez parte da Câmara
de Vila Rica como juiz ordinário. Era homem
de prol, com bens de fortuna, senhor de três
fazendas, quando foi envolvido na
Inconfidência, a que daria um apoio
sentimental. Preso, foi interrogado uma só
vez pelos juízes da Alçada, em 2 de julho de
1789. Atemorizou-se no interrogatório,
comprometeu os amigos, sendo depois
encontrado morto no cubículo da Casa dos
Contos, onde fora encerrado, aos 60 anos de
idade, em julho de 1789, oficialmente um
suicídio. Era solteiro e deixou filhos naturais.
Reza a lenda que o Inconfidente deixou muito
mais que poemas para gerações futuras....
13
Jornal Folha de Minas de 1944- Belo Horizonte
Acervo José Eduardo Liboreiro
14
O TESOURO DOS INCONFIDENTES
Inácio Muzzi - Jornalista e Diretor da Companhia de Notícias em Brasília
A Inconfidência Mineira foi , supostamente,
financiada por agentes externos, assim há
uma lenda que sustenta que existe um
Tesouro dos Inconfidentes, e que na
Fazenda da Vargem do Itacolomi - na
localidade da Vargem - em Mariana este
tesouro estaria enterrado. Este assunto
apareceu em um artigo do grande historiador
Salomão de Vasconcelos , no Jornal de
Minas em 1944 ( página 14). Abaixo texto do
Inácio Muzzi sobre o assunto.
“Aqui, além, pelo mundo, ossos, nomes,
letras, poeira... Onde, os rostos? Onde, as
almas? Nem os herdeiros recordam rastro
nenhum pelo chão”. Na quarta estrofe da
“ F a l a I n i c i a l ” d o R o m a n c e i r o d a
Inconfidência (1953), Cecília Meireles revela
frustração no estudo de ambiente que fez
para compor seu inspirado poema de 80
cantos. Nas suas viagens a Ouro Preto e
Mariana, no início dos anos 1950, encontrou
apenas “os grandes muros sem eco”, o
“bater dos sinos”, o “roçar das rezas”, a
“negra masmorra”, “as plácidas colinas”, as
“silenciosas vertentes” – tal como se
apresentavam no distante 1789, ano em que
a Coroa portuguesa desbaratou os
inconfidentes de Minas Gerais. Faltou à
poeta encontrar descendentes dos
personagens envolvidos naquela antiga
trama. Os de posse mudaram‐se. Os
demais, sem instrução, sem informação da
saga familiar, perderam‐se da história. Antes
disso, na primeira década do século XX, meu
tio‐bisavô, o historiador Diogo de
Vasconcellos, autor de História Antiga (1904)
e História Média de Minas Gerais (1918),
pesquisava a descendência da filha ilegítima
de Tiradentes e teve a curiosidade
despertada por outra “bastardia”: a do poeta
Cláudio Manoel da Costa, igualmente
revelada nos Autos da devassa, que reúnem
o s d e p o i m e n t o s p r e s t a d o s p e l o s
inconfidentes às autoridades portuguesas. O
poeta, como se sabe, apareceu morto na
prisão – um cubículo debaixo da escada da
Casa do Real Contrato das Entradas, atual
Casa dos Contos – em 4 de julho de 1789,
dois dias após ser submetido a severo
interrogatório. Os carcereiros disseram que
foi suicídio, mas os rumores falavam de
assassinato – versão admitida até mesmo
pela Igreja, que permitiu a celebração de
missas pela sua alma. Cláudio Manoel da
Costa seria um Vladimir Herzog avant la
lettre.
O poeta morreu aos 60 anos, solteiro,
deixando duas filhas “bastardas”, como se
dizia, fruto de relação que manteve com
Francisca Cardosa, escrava de um vizinho
cuja alforria comprou. Eram elas: Francisca,
que na época da Inconfidência vivia com o
marido e filhos no sítio da Vargem, de
propriedade do poeta‐ inconfidente, e Maria,
de onze anos, que morava em companhia da
mãe em Vila Rica, antiga denominação de
Ouro Preto. Nascido no Brasil, nesse mesmo
sítio da Vargem, Cláudio Manoel da Costa
era filho de um lavrador e dizia‐se
descendente dos antigos bandeirantes
paulistas. Estudou na Universidade de
Coimbra, e na volta à Colônia exerceu as
funções de advogado, juiz e secretário de
dois governos, tornando‐se rico e influente.
A qualidade de sua poesia lírica é
reconhecida pela crítica contemporânea.
Com o pseudônimo de Glauceste, Cláudio
freqüentava o grupo dos chamados poetas
árcades, no momento em que “a literatura
brasileira alcançou o seu primeiro período
ideologicamente articulado”, na visão do
crítico José Guilherme Merquior. No canto
VIII de seu mais famoso poema, “Vila Rica”,
publicado postumamente, ao falar das
pedras preciosas, o poeta vaticina: “...Os
tesouros que oculta e guarda a terra (Tristes
causas do mal, causas da guerra!)”. Guerra
não houve, mas o envolvimento do poeta na
conspiração levou a Coroa portuguesa a
arrestar todos os seus bens: fazendas,
casas, lavras, escravos, ouro em pó,
prataria, móveis, roupas e 406 livros,
declarando ainda infames seus filhos e
netos.
15
Fazenda da Vargem ( ano não identificado)- Acervo José Eduardo Liboreiro
A fazenda da Vargem fica na vertente sul da
serra do Itacolomi, no município de Mariana.
Nela existia, até 1940, um sobrado de 16
cômodos, ladeado pela capela de Nossa
Senhora da Conceição. Há 30 anos ganhou
acesso por estrada de terra; há três, energia
elétrica da Cemig, e há dois, sinal da telefonia
celular. Por ali andou Diogo de Vasconcellos,
subindo a serra no lombo do burro Marreco,
que muito prezava. Parou na fazenda vizinha,
a do Cibrão, então pertencente à sua irmã
Henriqueta, e iniciou a busca dos descendentes
daquela ex‐escrava Francisca Cardosa,
negra retinta, amante do poeta que, no papel,
cortejava musas etéreas da cor de marfim.
Presumivelmente, àquela altura seus descendentes
estariam entre a terceira e a
quarta geração. A Vargem tivera vários donos
no século XIX. O mesmo não ocorrera ao
Cibrão. As famílias do marido de Henriqueta –
os Dias e Almeida Gomes – passaram o
século naquelas terras e sabiam que tão
antigos quanto eles havia somente os moradores
do povoado do Areião. Um núcleo de
nove casas, espalhadas em 150 alqueires
mineiros de terra comum, delimitada pelo
córrego da Prata e pelo Rio Gualaxo. Seus
moradores formavam uma só família de
intrincada parentela, com preponderância de
casamento entre primos e entre tios e sobrinhas.
Diogo foi até lá com seus apontamentos
e confirmou a suspeita. Ali estavam os
descendentes do poeta. Antes de retornar a
Ouro Preto, pediu à irmã que os ensinasse a
ler e a escrever. Depois enviou material
didático. Entre os livros, um pequeno compêndio
com a história da Inconfidência
Mineira e de Cláudio Manoel da Costa.
Alberta Maia Gomes, vulgo “Albertina”, hoje
com 79 anos, mãe de nove filhos vivos de 16
nascidos, 36 netos e nove bisnetos, lembra-
‐se ainda do seu curso de alfabetização e do
pequeno compêndio sobre o poeta seu
ascendente com que a família foi presenteada.
Corriam os anos 1930.
16
O historiador Diogo de Vasconcellos morrera
em 1927, mas sua sobrinha, Quitota, formada
pelo Colégio Providência, de Mariana,
dava prosseguimento à missão por ele
encomendada à mãe. Alberto Cirilo, marido e
primo de Albertina, no tempo em que se
dedicava ao garimpo achou ouro, dois diamantes
e pedrinhas de topázio imperial. Aos
poucos, foi comprando as partes dos primos
e irmãos, que finalmente se mudavam do
Areião para Mariana, Ouro Preto ou Belo
Horizonte. Chegou a ser dono dos 150
alqueires salvos do arresto do século XVIII,
para os quais reivindicou usucapião, após
uma demanda judicial de 14 anos contra um
advogado que tentou tomar‐lhe as terras não
escrituradas. Alberto morreu em 1991,
vitimado pela contaminação do sangue por
mercúrio.
Tive oportunidade de conhecê‐lo. Na primeira
vez em que estive naquela casa de chão
de cimento batido, assentada na encosta de
um morro baixo, fiquei impressionado com os
gemidos intermitentes – às vezes bem altos,
quase gritos – que vinham do quarto ao lado
da sala de visitas. Só dona Albertina não se
alterava. Entretinha‐me e à minha mãe com
recordações da infância. Quando minha mãe
perguntou pelo seu marido, ela se deu conta:
“Tá aí no quarto, sofrendo. Tem mercúrio no
sangue. O corpo todo dói, mas ele não quer
morrer no hospital”. Abriu a porta do quarto e
vimos o homem encurvado sobre a cama
estreita, a face encovada, a testa porejando.
Minha mãe se identificou e ele tentou um
sorriso. Conseguiu dizer que estava “muito
mal”, e foi só. “Agora é só com Deus”, lamentou
Albertina. Após a morte do marido,
Albertina vendeu a metade do terreno para
“ajudar no sustento”, que não vem mais da
plantação de milho, inhame, feijão, batata,
abóbora, da extração de lenha, da produção
de leite e queijos, como antigamente. A partir
dos anos 1970, a melhora na logística de
distribuição de grãos e legumes, plantados
em terras mais produtivas, acabou com o
mercado local. O mesmo aconteceu com a
chegada do fogão a gás, encerrando 270
anos de domínio do fogão a lenha. Na década
de 1990, a política ambientalista jogou a
pá de cal sobre outras tradições. A polícia
florestal se instalou em Mariana, subiu a
serra e proibiu plantações extensivas, corte
de madeira para venda, caça e garimpo com
máquinas.
Fazenda da Vargem ( ano 1944 ) - Acervo José Eduardo Liboreiro
Vargem do Itacolomi - 2016 - Arquivo Cristiano Casimiro
A diáspora dos Gomes, iniciada 20 anos
antes, aumentou. Até mesmo a maioria dos
filhos de Albertina foi embora. Das nove
casas que o Areião chegou a ter, sobraram
apenas duas. Numa delas mora Albertina e o
filho; na outra, a filha e o marido. Os outros
sete se mudaram para Mariana ou Ouro
Preto. Deles, cinco são aposentados por
invalidez. Albertina vive com R$ 700,00 do
Funrural, parte sua aposentadoria, parte
pensão de Alberto. O filho Wagner, que está
de malas prontas para ir morar em Mariana,
ajuda a mãe no corte de lenha para o fogão,
na pequena plantação e no moinho d'água,
onde o milho se transforma no fubá que vai
virar broa, cuscuz e angu, comida de todos os
dias. Há ainda um porco, galinhas e um
cavalo, que entram pela casa sem cerimônia.
“Galinha dentro da minha casa, não!” – ralha
Albertina, sem muita convicção, ao deparar-
‐se com uma penosa preta aninhada em sua
cama de casal. “O que você está caçando,
galinha? Quer botar, vai botar seu ovo lá!”
Meia hora depois, o visitante é o cavalo. A
cabeçorra entra pela janela da cozinha,
fareja a bancada da pia com poderosas
narinas. “Sai, cavalo. Cavalo feio. Vai pra lá!”
Costumes e falas arcaicas resistiram ali ao
rádio, à estrada e à luz elétrica. O novo
desafio é a televisão. Entre as duas casas do
Areião ergue‐se, há sete anos, uma antena
parabólica, que acrescentou um gasto às
despesas mensais de Albertina. A serra do
Itacolomi é uma região de grande incidência
de queda de raios, e a antena não passa três
meses sem ser atingida. Desde então, são
essas as preocupações cotidianas de
Albertina: os raios e a polícia florestal. “Eles
só vêm aqui para atormentar gente pobre”,
desabafa. Há um ano, tentaram multá‐la em
R$ 2.600,00 por ter construído uma pequena
represa destinada, na seca, a aumentar o
fluxo do córrego da Prata, que toca o seu
moinho. Wagner, furioso, ameaçou afogar o
policial. Um vereador de Mariana se prontificou
a socorrê‐los. Houve recurso. A multa –
“murta”, como dizem – foi suspensa e
Wagner, perdoado.
Albertina não faz associações entre os
policiais de hoje e os esbirros da Coroa que
prenderam seu pentavô. Conta suas peripécias
para escapar da “murta”, para minutos
depois narrar uma suposta esperteza do
antepassado. Mas um fio não conduz ao
outro. A história que conta é quase puro
folclore. O fato ocorreu em 1940, quando ela
tinha 13 anos. O dono da Vargem, Adelino de
Castro Maia, decidira demolir a casa original
da fazenda e contratara os pais e tios de
Albertina para o serviço. Além de velha, a
construção era afamada pela ocorrência de
coisas inexplicáveis. A mais comum era a
queda de imundícies na mesa de jantar,
quando a família estava reunida. Ora despencava
esterco de animais, ora seixos
molhados, gravetos, bolotas de barro. “Para
morar lá, só mesmo o seu “Oscal” (Oscar,
genro de Adelino). “Homem bravo, sem
medo”, comenta Albertina.
No desmonte da fazenda, outra história
fo‐i se construindo. Sob um barrote de um
degrau da escada encontrou‐se uma caçarola
de ferro tampada. Dentro, uma carta de
escrita antiga. Lida por um especialista em
Ouro Preto, o texto revelou o relato de um
autodenominado afilhado de Cláudio
Manoel. Contava ter trazido uma carga para
a fazenda, em carro de boi e lombo de burros,
a mando do tio, preso em Vila Rica. Saíra de
noite, escapando à vigilância dos soldados
do governador. Junto iam quatro escravos
com sentença predefinida: deveriam ser
mortos tão logo o material fosse enterrado. A
misteriosa remessa seria composta de
moedas, jóias, ouro em barra e em pó. Tudo
foi depositado junto a um pé de laranja, no
pasto dos burros, e coberto com terra e
cascalho. Recorda Albertina que “seu
Adelino” não fez nada, até que, dias depois,
quando do desmonte dos alicerces, foram
encontrados quatro esqueletos dispostos
cabeça a cabeça. “Bateu o vento e tudo virou
pó, ficaram só as canelas” – contou o pai
Henrique aos filhos, Albertina entre eles.
Adelino se inquietou. Perguntou aos mais
velhos onde era o pasto dos burros. Ninguém
sabia – até porque 1789 estava há longínquos
143 anos. Seguindo a disposição da
casa e das trilhas no mato, selecionou áreas
planas e mandou cavar. A terra foi toda
revirada. Nada
19
Decepcionado, mas ainda esperançoso,
mandou vir de Belo Horizonte um certo Pai
Cruzeiro e sua mulher, médiuns famosos de
um terreiro de umbanda. Durante dias foram
feitas sessões, na área da casa velha e nos
platôs. Pai Cruzeiro alterava a voz, contorcia
o corpo, dizia‐se tomado por velhos
espíritos, mas nenhum deles ajudava.
Adelino finalmente desistiu. A história ficou e
ninguém mais se animou a fazer novas
buscas, nem mesmo os descendentes
legítimos do poeta: “Meu pai dizia: nóis num
caça o que num guardou”, lembra Albertina.
Para eles, o tesouro só virá à luz agora por
desígnio de Deus. E se vier, ela avisa, dele
não falarão, pois temem a “florestal” e os
advogados. Se os ouvisse, o velho Diogo de
Vasconcellos provavelmente aprovaria tal
desconfiança. Em 1915, ele fez as contas e
mostrou que o fisco republicano era bem
mais voraz que o do “rei velho”. O “quinto”,
cuja cobrança deflagrou o movimento da
Inconfidência, representava 12% do ouro
produzido em Minas. Recentemente, o
ministro da Fazenda, Guido Mantega,
admitiu que o fisco leva 47% do que se
produz no Brasil. Na despedida do Areião,
pergunto a Albertina se irá a Ouro Preto nas
festas de 21 de abril. “Sempre quis ir, mas
nunca fui. Antes não tinha estrada. Depois,
não tinha ônibus. Agora tem, mas como é
feriado, o ônibus não passa”.
Passo da Rua Direita - Cristiano Casimiro
Pico do Itacolomi - Foto : Cristiano Casimiro
20
Cláudio Manoel da Costa foi um dos maiores marianense, lutou pela igualdade,
por um estado democrático e pela liberdade...Em mariana temos
uma praça com seu nome um distrito em sua homenagem, mas será que os
marianenses qual importância dele para formação cívica e cultural do
Brasil? Segue abaixo parte do Soneto: Fábula do ribeirão do Carmo.
FÁBULA DO RIBEIRÃO DO CARMO
A vós, canoras Ninfas, que no amado
Berço viveis do plácido Mondego,
Que sois da minha lira doce emprego,
Inda quando de vós mais apartado;
A vós do pátrio Rio em vão cantado
O sucesso infeliz eu vos entrego;
E a vítima estrangeira, com que chego,
Em seus braços acolha o vosso agrado.
Vede a história infeliz, que Amor ordena,
Jamais de Fauno, ou de Pastor ouvida,
Jamais cantada na silvestre avena.
Se ela vos desagrada, por sentida,
Sabei que outra mais feia em minha pena
Se vê entre estas serras escondida.
Foto : Márcio Lima
Sobrado ( vede e amarelo) onde viveu o poeta e inconfidente Cláudio Manoel da Costa - Praça Cláudio Manoel em Mariana
Acervo : Museu da Música de Mariana
MUSEU DA MÚSICA DE MARIANA
Paulo Castanha
O Museu da Música de Mariana, como tem
sido popularmente chamado o Museu da
Música do Arquivo Eclesiástico da
Arquidiocese de Mariana, vem participando
da construção cultural de brasileiros e portugueses.
Sua história, no entanto, exibe uma
complexa teia de relações, que fez desta
instituição um centro pioneiro de recepção,
preservação e difusão do patrimônio histórico-musical
luso-brasileiro, que se encontra
em franco desenvolvimento.
A origem do Museu da Música está associada
a um problema inicialmente observado
pelo musicólogo teuto-uruguaio Francisco
Curt Lange (1903-1997), que realizou as
primeiras investigações histórico-musicais
em território brasileiro nas décadas de 1940 e
1950: a falta de pessoal especializado e,
principalmente, de instituições locais destinadas
ao cuidado e estudo de acervos de
manuscritos musicais. A primeira solução
adotada por Curt Lange foi, no entanto,
discutível: o musicólogo obteve muitos
manuscritos musicais com os quais se
deparou nos estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, por compra ou por
métodos obscuros, levando-os à sua residência,
nessas décadas no Rio de Janeiro e
em Montevidéu (Uruguai).
Mas se, nesse período, não havia no Brasil
nenhuma instituição especificamente
dedicada a esse tipo de acervo, ao menos
nos moldes defendidos por Curt Lange, os
manuscritos por ele recolhidos estavam
sendo cada vez mais referidos no Brasil,
principalmente a partir da primeira publicação
de uma coletânea desse repertório
(LANGE, 1951) e de sua primeira gravação,
em 1958. Por outro lado, praticamente
nenhum especialista, além dele próprio, tinha
acesso a tais documentos, antes de sua
transferência para o Museu da Inconfidência
(Ouro Preto – MG) em 1983 e sua disponibilização
pública na década seguinte.
Foi nesse contexto que se destacou o trabalho
do terceiro arcebispo da Arquidiocese de
Mariana, Dom Oscar de Oliveira (1912-
1997). Desde o início de sua função arquiepiscopal,
em 1960, Dom Oscar vinha tomando
várias medidas referentes à preservação
e acesso ao patrimônio histórico e artístico de
sua região: em 1962 instituiu o Museu
Arquidiocesano de Arte Sacra e em 1965 o
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de
Mariana. Até o final de sua atuação à frente
da arquidiocese, em 1988, Dom Oscar
fundou também o Museu do Livro (com o
acervo da antiga Biblioteca dos Bispos de
Mariana), o Museu dos Móveis, a Fundação
Cultural e Educacional da Arquidiocese de
Mariana e a Fundação Marianense de
Educação.
Mariana é sede episcopal desde 1748 e a
sexta diocese brasileira, depois das dioceses
(ou bispados) da Bahia (1555), Rio de
Janeiro (1676), Olinda (1676), Maranhão
(1677) e Pará (1719), tendo sido elevada a
arquidiocese em 1906. Primeira vila, cidade e
capital de Minas Gerais, Mariana começou a
se desenvolver economicamente em função
da mineração aurífera, tornando-se região
agropastoril no século XIX e, na recente fase
industrial, um centro minerador de ferro.
A herança urbanística e eclesiástica de
Mariana fez com que lá se concentrassem
muitas reminiscências da antiga arte sacra
(especialmente dos séculos XVIII e XIX),
incluindo muitos manuscritos musicais e o
conhecido órgão Arp Schnitger construído
em Hamburgo (Alemanha) na primeira
década do século XVIII e transferido para a
catedral de Mariana em 1753.
Mudanças litúrgicas do século XX, no
entanto, acarretaram uma sensível
diminuição das atenções em relação ao
repertório dos séculos anteriores, até o
momento em que essa música começou a
ser vista não apenas como componente
litúrgico, mas também como patrimônio
histórico. Quem pela primeira vez percebeu
isso em Mariana foi Dom Oscar de Oliveira.
23
24
Acervo : Museu da Música de Mariana
Desde sua consagração como arcebispo em
1960, Dom Oscar de Oliveira já manifestava
especial interesse pela música sacra. Nesse
mesmo ano publicou uma série de treze
artigos com o título “Música sacra e liturgia”
(OLIVEIRA, 1960), embora sem qualquer
menção ao passado musical marianense.
Em meio a tais iniciativas e sentindo a
necessidade de uma ação também dirigida
ao patrimônio histórico-musical, o arcebispo
fundou em 1973 o Museu da Música, como
p a r t e d o A r q u i v o E c l e s i á s t i c o d a
Arquidiocese de Mariana. Principalmente
constituído de manuscritos musicais, apesar
de também contar com alguns instrumentos
musicais, o Museu da Música acabou
recebendo esse nome em decorrência das
instituições anteriormente fundadas por Dom
Oscar para a proteção do patrimônio
histórico marianense, como o Museu de Arte
Sacra e o Museu do Livro.
A fundação do Museu da Música foi uma
solução criada por Dom Oscar para a falta de
instituições brasileiras destinadas à
preservação e estudo de manuscritos
musicais. Tal solução, entretanto, foi o
resultado de uma longa série de ações
anteriores à sua oficialização, que inclui a
tradição dos mestres da capela do século
XVIII e a acumulação de manuscritos
musicais na cidade durante o século XIX.
Quando assumiu a arquidiocese, ou talvez
mesmo antes disso, Dom Oscar de Oliveira
percebeu que a cúria marianense, à época
instalada na igreja de São Pedro dos Clérigos
g u a r d a v a u m p r e c i o s o a c e r v o d e
manuscritos musicais, muitos deles bastante
a n t i g o s . O a r c e b i s p o m a n i f e s t o u
publicamente o interesse por esse acervo em
1966, quando convidou o irmão marista
Wagner Ribeiro a publicar o artigo “Visita ao
maravilhoso reino da música antiga
mariananese” no jornal O Arquidiocesano,
texto que se tornou a mais antiga notícia hoje
disponível sobre o acervo que deu origem ao
Museu da Música.
Entre outros impressos e documentos,
Wagner Ribeiro (1966) descreveu dezenove
manuscritos musicais do acervo da cúria,
chegando a apresentar o incipit musical
(fda Antífona de Nossa Senhora Regina
Cæli lætare de José Joaquim Emerico Lobo
de Mesquita (1746?-1805), a partir de uma
cópia de 1779, o mais antigo manuscrito
musical datado desse acervo. No ano
seguinte, um artigo do mesmo jornal
(VASCONCELLOS, 1967) já mencionava a
existência de dois arquivistas musicais
trabalhando na cúria: Aníbal Pedro Walter e
Vicente Ângelo das Mercês. A partir desse
período, o arcebispo estava firmemente
decidido a cuidar desse acervo.
Mas qual foi a origem dos manuscritos
musicais preservados na cúria de Mariana? A
existência de uma tradição musical do século
XVIII (CASTAGNA, 2004b) na matriz e
depois catedral de Mariana , associada à
presença de várias cópias desse período no
acervo encontrado por Dom Oscar,
sugeriram a hipótese de que o acervo
musical da cúria fosse o remanescente do
antigo arquivo musical da catedral de
Mariana, suposição apoiada pela existência
de várias cópias com a indicação de
propriedade “catedral” na página de rosto.
De fato, vários documentos atestam a
relação entre o arquivo musical catedralício e
o acervo encontrado por Dom Oscar de
Oliveira na cúria, como a “Lista das músicas
pertencentes à Catedral”, de 1832, embora
seja evidente que boa parte do repertório
acumulado nessa igreja nos séculos XVIII e
XIX tenha se perdido. Paralelamente, em
1882, o arcediago José de Souza Teles
Guimarães doou à catedral de Mariana 164
músicas “dos melhores autores conhecidos,
para uso da Catedral”, encaminhando “a lista
nominal de todas as peças” e solicitando que
“as ditas músicas sejam acondicionadas e
zeladas de modo que se prestem ao fim
proposto” (CASTAGNA, 2010). Essa “lista
nominal” parece corresponder à “Lista Geral
de Todas as Músicas” localizada no Arquivo
Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, a
qual exibe muitas correspondências com o
antigo acervo musical da cúria e nos ajuda a
esclarecer a origem de uma parte dos
manuscritos preservados.
25
Acervo : Museu da Música de Mariana
Não são conhecidos registros sobre a transferência
do arquivo musical da catedral para
a cúria, mas isso deve ter ocorrido após a
promulgação do Motu Proprio Tra le sollecitudini
(22 de novembro de 1903) do papa Pio
X, que acarretou o desuso da maior parte do
repertório sacro dos séculos XVIII e XIX,
decorrente da depuração do “funesto
influxo que sobre a arte sacra exerce a arte
profana e teatral” solicitada pelo pontífice.
Essa determinação foi amplamente conhecida
pelo clero marianense, pois além de ter
sido transcrita nas atas do cabido, foi impressa
em Mariana poucos meses após sua
assinatura em Roma (PIO X, 1904).
Pelo menos trezentas obras devem ter sido
transferidas da catedral à cúria de Mariana no
início do século XX, a julgar pelo atual conteúdo
da seção mais antiga do Museu da
Música. Entre elas, estão principalmente
composições de autores afro-mineiros dos
séculos XVIII e XIX, mas também algumas
obras de autores portugueses mais antigos,
com destaque para as quatro Paixões da
Semana Santa escritas por Francisco Luís no
século XVII. Fica assim evidente que, embora
instituído há 40 anos, o Museu da Música
de Mariana partiu de um repertório acumulado
ao longo de três séculos – obviamente
com muitas perdas e substituições – mas
cujas raízes remontam à história musical
portuguesa, europeia e católica. Nesse
sentido, o acervo do Museu da Música é a
reminiscência, no Brasil, de uma rede de
difusão musical que iniciou-se na Europa e
cruzou várias vezes o Atlântico, reunindo e
mesclando estilos, tendências, origens,
formas e funções.
Interessado em preservar toda essa documentação
musical, o arcebispo Dom Oscar
de Oliveira tomou duas medidas, ainda no
final da década de 1960: a primeira delas foi
convidar, para a função de arquivista musical,
a professora Maria Ercely Coutinho , que
trabalhou na cúria, ainda na igreja de São
Pedro dos Clérigos, de 1968 a 1972 (em
substituição aos primeiros arquivistas Aníbal
Pedro Walter e Vicente Ângelo das Mercês,
que lá atuaram em 1967). A segunda foi
solicitar às famílias de músicos que o arcebispo
encontrava, durante as visitas episcopais
às paróquias da arquidiocese, a doação de
músicas à cúria de Mariana, o que ocorreu
várias vezes a partir dessa época: o primeiro
desses acervos foi oferecido em 1969 por
José Henrique Ângelo, descendente de uma
família de músicos da cidade de Barão de
Cocais (MG)
O tamanho e a complexidade do acervo de
Barão de Cocais tornou necessária a intervenção
de um musicólogo com experiência
na área, o que representou novo desafio ao
arcebispo. Francisco Curt Lange, que já tinha
conhecimento do acervo musical da cúria de
Mariana, começou a oferecer seu trabalho a
D o m O s c a r d e O l i v e i r a e m 1 9 6 7
(CASTAGNA, 2005), mas este acabou
aceitando a colaboração do padre José de
Almeida Penalva (1924-2002) , que já vinha
trabalhando com manuscritos musicais em
Campinas, sua cidade natal: o primeiro
trabalho de Penalva como pesquisador havia
sido impresso em 1955, mas a catalogação,
em 1970, das obras de Carlos Gomes (1836-
1896) no Centro de Ciências, Letras e Artes
de Campinas (SP), foi a iniciativa que diretamente
o conectou à pesquisa que realizaria
e m M a r i a n a d o i s a n o s m a i s t a r d e
(PROSSER, 2000: 227).
Em Mariana, José Penalva organizou e
elaborou um catálogo do arquivo de José
Henrique Ângelo, parcialmente publicado no
jornal O Arquidiocesano em 1972 , porém
impresso em sua forma integral no ano
seguinte na revista Cadernos, periódico do
Studium Theologicum de Curitiba (PR),
cidade na qual o padre Penalva passou a
residir.
Com o encerramento do trabalho de Maria
Ercely Coutinho e do Padre José de Almeida
Penalva, em 1972, surgiu novamente a
necessidade de contar com alguém que
continuasse o trabalho por eles iniciado. Dom
Oscar de Oliveira, em nova ação planejadora,
aceitou a colaboração de Maria da
Conceição de Rezende, então professora de
História e Estética Musical na Fundação de
Educação Artística de Belo Horizonte (MG),
que assumiu as tarefas de organização,
catalogação e estudo do acervo por doze
anos ininterruptos.
27
A importância do acervo do Museu da Música de Mariana , que abriga mais de 2 mil
partituras originais, foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unesco) por meio do Diploma do Registro
Regional para a América Latina e o Caribe.
O título foi concedido pelo Programa Memória do Mundo, cujo objetivo é identificar
e certificar patrimônios documentais de relevância internacional, regional e
nacional, facilitando assim sua preservação e acesso pelo público geral.
A coleção de música sacra manuscrita do Museu da Música de Mariana, considerada
uma das mais importantes da América Latina, é um patrimônio não só da
população de Mariana, mas sim do mundo.
28
Conceição Rezende conviveu pouco tempo
com Penalva e Coutinho em Mariana e logo
passou a desenvolver praticamente sozinha
sua tarefa, às vezes contando com o auxílio
de músicos e professores de Mariana e de
Belo Horizonte (CASTAGNA, 2004a). Poucas
semanas após o início do trabalho de
Conceição Rezende, naquele agitado ano de
1972, a catalogação dos manuscritos musicais
da cúria (especialmente do século XVIII)
motivou constantes reportagens na imprensa
diária , o que acabou dando ao acervo, a partir
desse período, uma notoriedade nacional e
internacional.
Foi depois de tudo isso que Dom Oscar de
Oliveira fundou o Museu da Música, inaugurado
em uma sala do novo edifício da Cúria e
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de
Mariana em 6 de julho de 1973, paradoxalmente
sem a presença do arcebispo, cuja
mãe havia falecido nessa mesma época. A
partir de então, as notícias sobre o Museu da
Música tornaram-se frequentes e as doações
de manuscritos musicais aumentaram consideravelmente.
Utilizando a metodologia desenvolvida por
José de Almeida Penalva, Maria da
Conceição de Rezende passou a separá-los
pela cidade de origem e por seis categorias
funcionais: 1) Te Deum; 2) Ladainhas; 3)
Ofícios e Novenas; 4) Missas; 5) Semana
Santa; 6) Fúnebres. Assim, o acervo encontrado
na cúria por Dom Oscar tornou-se a
seção “Mariana”, enquanto o acervo estudado
por José Penalva tornou-se a seção
“Barão de Cocais”, cada um deles divididos
em seis seções referentes à categorias acima
mencionadas.
Na década de 1980, os papéis de música já
eram procedentes de cerca de trinta cidades
mineiras – felizmente registradas por
Conceição Rezende – e sua organização
estimulou várias ações relacionadas ao
patrimônio histórico-musical brasileiro. Uma
delas foi a microfilmagem de parte dos
manuscritos do Museu da Música (cujos
fotogramas encontram-se na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro),
para a elaboração do catálogo O ciclo do
ouro, que relaciona manuscritos musicais e
outros documentos históricos de onze acervos
mineiros e cariocas (BARBOSA, 1978).
Conceição Rezende, no entanto, encerrou
seu trabalho no Museu da Música durante o I
Encontro Nacional de Pesquisa em Música
(Mariana, julho de 1984), ocasião na qual
Dom Oscar providenciou o registro jurídico da
instituição, abrindo-o finalmente à pesquisa.
Em função da falta de espaço, o Museu da
Música acabou sendo transferido para o
recém-inaugurado Palácio Arquiepiscopal, na
Praça Gomes Freire, em 1988 (mesmo ano
em que Dom Oscar de Oliveira encerrou sua
atuação como arcebispo de Mariana) e, ao
lado do Museu do Livro, continuou recebendo
pesquisadores e estimulando ações semelhantes
nos anos seguintes .
Felizmente, Dom Oscar foi sucedido por Dom
Luciano Mendes de Almeida (1930-2006),
que não apenas manteve o acervo aberto à
pesquisa no Palácio Arquiepiscopal, como
também, à frente da Fundação Cultural e
Educacional da Arquidiocese de Mariana,
aceitou novas ações referentes à modernização
e desenvolvimento do Museu da Música.
O Museu da Música de Mariana no século XXI
Um trabalho decisivo foi realizado no Museu
da Música entre 2001 e 2003: o projeto “Acervo
da Música Brasileira / Restauração e
Difusão de Partituras”, da Fundação Cultural
e Educacional da Arquidiocese de Mariana,
financiado pela Petrobras e administrado pelo
Santa Rosa Bureau Cultural (Belo Horizonte –
MG). Nessa fase, foi constituída uma equipe
de pesquisadores para continuar a organização
do acervo e elaborar um instrumento de
busca eletrônico, além de editar nove álbuns
de partituras e coordenar sua gravação por
coros e orquestras de Belo Horizonte, Rio de
Janeiro e São Paulo.
29
Acervo : Museu da Música de Mariana
O projeto Acervo da Música Brasileira gerou
novo interesse e maior visibilidade em relação
ao Museu da Música, que passou a
contar com outras ações e projetos destinados
a aumentar a difusão social de seu
acervo. Após a restauração do antigo Palácio
dos Bispos de Mariana, entre 2004 e 2007 , o
Museu da Música foi para lá transferido, onde
se encontra atualmente . O novo espaço
tornou a instituição apta a desenvolver
atividades diferentes, como a recepção de
grupos de visitantes e o oferecimento de
aulas e apresentações musicais, o que
ampliou consideravelmente seu significado
cultural e social.
Desde então, além de continuar o trabalho
técnico e de receber pesquisadores, o Museu
da Música de Mariana têm realizado projetos
destinados não somente ao desenvolvimento
da pesquisa musicológica, mas também
ao desenvolvimento musical, com a manutenção
de espaços para exposições,aulas e
apresentações musicais, e a realização de
projetos de apresentações públicas com
obras de seu acervo em várias cidades
mineiras. Além disso, o Museu da Música
mantém o projeto “Aperfeiçoamento de
Maestros e Regentes de Coro”, destinado a
desenvolver localmente a prática da música
coral e a multiplicar ações nessa área.
Em reconhecimento à importância de seu
acervo de manuscritos musicais, mas também
por conta dos projetos acima referidos, o
Museu da Música de Mariana recebeu, do
Programa Memória do Mundo da UNESCO,
em 2 de dezembro de 2011, o Diploma do
Registro Regional para a América Latina e o
Caribe (MOWLAC), tornando-se, assim, a
primeira instituição brasileira do gênero com
esse tipo de distinção.
Apesar dos projetos anteriores de edição e
gravação, a maior parte do acervo do Museu
da Música de Mariana é desconhecido do
público. Bastante variado, esse acervo inclui
instrumentos musicais, documentos históricos,
recortes de jornais, livros cerimoniais,
bibliografia musicológica, manuscritos e
impressos musicais. Entre os manuscritos –
que constituem a maior parte do acervo –
estão obras sacras de vários períodos históricos
e uma grande seção de música dos
séculos XIX e XX para banda, ainda em
processo de catalogação. É grande o número
de autores de música sacra representados
no acervo, entre eles muitos brasileiros,
como José Joaquim Emerico Lobo de
Mesquita (1746?-1805), Manoel Dias de
Oliveira (c.1735-1813), Francisco Gomes da
Rocha (c.1754-1808), João de Deus de
Castro Lobo (1794-1832) e José Maurício
Nunes Garcia (1767-1830), e vários europeus,
como os portugueses Francisco Luís (?-
1693), Antonio Leal Moreira (1758-1819) e
Marcos Portugal (1762-1830).
Acervo : Museu da Música de Mariana
Acervo : Museu da Música de Mariana
Por outro lado, a herança portuguesa e
africana da maior parte dos compositores
brasileiros representados no acervo – sem
contar a música dos autores europeus que
se transferiram para o Brasil – torna o Museu
da Música de Mariana uma instituição de
significado internacional. Os projetos nele
desenvolvidos não afetam apenas a cidade
de Mariana e nem somente o meio musicológico
brasileiro, mas difundem pelo mundo,
especialmente de língua portuguesa, uma
herança cultural que vem participando de
nossa vivência cultural por via direta ou
indireta.
O Museu da Música de Mariana tem estimulado
o surgimento de instituições semelhantes
em outras cidades brasileiras – como o
Museu da Música de Timbó (SC), inaugurado
em 2004, e o Museu da Música de Itu
(SP), inaugurado em 2007 – e seu desenvolvimento
foi importante na elaboração de
outros projetos de conservação, organização,
catalogação, edição e gravação de
obras, no Brasil e fora dele. Mesmo assim,
as ações dessa instituição estão longe de
serem encerradas: o Museu da Música
planeja, atualmente, a digitalização e disponibilização
eletrônica de seu acervo e outras
iniciativas igualmente impactantes relacionadas
ao patrimônio histórico-musical
brasileiro.
Vivemos, entretanto, em um período bastante
diferente das décadas de 1940 a 1980,
nas quais a falta de informações, de instituições
e de oportunidades mobilizou centenas
de pessoas para o trabalho técnico e acadêmico
relacionado ao patrimônio históricomusical.
Na atualidade, os desafios são
quase opostos aos daquela época, estando
entre os principais o excesso de informações
e que circula nas sociedades e a falta
de significado humano de boa parte das
ações institucionais.
Em virtude da total reconfiguração do Museu
da Música de Mariana e dos projetos nele
desenvolvidos nos últimos treze anos, essa
instituição vem se preparando para uma
nova atuação junto à sociedade, que não se
restringe somente à abertura de seu acervo
aos especialistas (o que será permanentemente
mantido), mas que visa também o
desenvolvimento cultural e social, com
ações de interesse público relacionados ao
seu acervo. Se o Museu da Música foi, no
passado, uma instituição pioneira no cuidado
de antigos acervos musicais por especialistas,
seu futuro aponta agora para o cuidado
de pessoas por meio da música antiga.
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Foto: Márcio Lima
Órgão da Sé de Mariana
A catedral da Sé de Mariana guarda um
precioso tesouro musical – um órgão
construído em 1701, em Hamburgo
(Alemanha), por Arp Schnitger (1648-1719),
um dos maiores construtores de órgãos de
todos os tempos. Enviado inicialmente a uma
Igreja Franciscana em Portugal, o órgão
chegou ao Brasil em 1753, como presente da
coroa portuguesa ao primeiro Bispo de
Mariana.
É um instrumento de grande importância,
tanto pela sua antigüidade e comprovada
autoria, quanto por ter sido objeto de um
amplo trabalho de restauração. Entre os
órgãos da manufatura Schnitger que
sobreviveram até hoje, esse é um dos
exemplares mais bem conservados e o único
que se encontra fora da Europa.
Construído na Alemanha, provavelmente em
1701, esse órgão passou um período em
Portugal e, tendo sido colocado à venda em
1747, foi adquirido das mãos do organeiro
João da Cunha pelo Rei D. João V que
pretendeu enviá-lo à Mariana, mas que
faleceu antes disso acontecer. Assim, seu
filho D. José I fez do órgão um presente à
récem criada Diocese de Mariana que, já em
1748, mantinha, em sua Sé, um organista:
Pe. Manuel da Costa Dantas e um mestre de
capela: Pe. Gregório dos Reis Melo.
O transporte do órgão ocorreu por navio e
lombo de animais, havendo relatos bem
exatos das condições de chegada: “...um
órgão grande com sua caixa e talhas
pertencentes a ele que chegou em 18 caixões
numerados com as advertências precisas
para se armar e também em 10 embrulhos
grandes e pequenos numerados...”.
Desde sua instalação, em 1753, o órgão Arp
Schnitger foi o centro de uma intensa
atividade musical na Sé de Mariana, cuja
memória escrita é o acervo de partituras do
Museu da Música, que abriga obras de
compositores do período colonial. São
compositores de várias cidades do Estado e
do país. Após muitos anos de funcionamento
ininterrupto, nos quais por algumas vezes
recebeu algumas modificações visando
adaptá-lo ao gosto vigente na época, por
volta da década de 30 o órgão da Sé parou de
funcionar. Somente na década de 70, após
pesquisas sobre a sua procedência e do
reconhecimento de sua importância para o
acervo de instrumentos musicais não só
brasileiro, mas também mundial, foi feito um
esforço concentrado para a restauração .
Na década de 1970 o organista alemão Karl
Richter esteve em Mariana a convite do
Arcebispo D. Oscar de Oliveira e do então
presidente da CEMIG, Dr. Francisco Afonso
Noronha para fazer uma avaliação do
instrumento que continha, no interior de sua
caixa, um grande número de peças originais
preservadas e considerou esse instrumento
u m ó r g ã o m u i t o i m p o r t a n t e , s a í d o
provavelmente da manufatura de Arp
Schnitger. Após essa visita e graças a um
esforço considerável, os elementos musicais
do órgão foram enviados a Hamburgo,
Alemanha, onde foram reformados sob os
cuidados da firma von Beckerath.
Enquanto isso, uma equipe brasileira da
Universidade Federal de Minas Gerais, sob a
orientação de Beatriz Coelho, restaurava a
estrutura interna e externa da caixa e as
partes que compõem a decoração do
instrumento. Nesse primeiro trabalho, o
grande mérito foi trazer o instrumento de volta
à vida usando as conquistas técnicas da
época, sem destruir os sinais das fases
anteriores, valiosíssimos no caso de uma
restauração posterior com enfoque mais
histórico.
Reinaugurado em 1984 o Órgão Arp
Schnitger voltou a ser centro da vida musical
de Mariana, acompanhando missas e
celebrações litúrgicas, além de ser
apresentado em concertos regulares e
internacionais, que tem trazido ao Brasil
organistas de renome mundial. Embora o
órgão estivesse tocando e funcionando bem,
algumas características importantes que não
puderam ser reconstruídas foram deixadas
para uma segunda etapa, feita por iniciativa
da Fundação Cultural e Educacional da
Arquidiocese de Mariana, que teve início em
julho de 1997, com a visita de Bernhard
Edskes a Mariana, e foi concluída em
fevereiro de 2002 com a entrega oficial do
instrumento.
Juntamente com a restauração foi refeita a
pesquisa histórica do instrumento, visando o
levantamento de mais dados desde a sua
construção até a chegada em Minas, assim
como suas diferentes funções ao longo de
sua história. Esta restauração foi realizada
pela Firma Edskes Orgelbau, de Wohlen, na
Suíça e teve o patrocínio da Petrobrás e o
apoio da Varig, Tam e da Vitae.
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Acervo : Museu da Música de Mariana
Órgão do Museu da Música de Mariana
O órgão do Museu da Música de Mariana foi
construído por Abel Vargas, a partir do
reaproveitamento de peças usadas em
restaurações do órgão Arp Schnitger da
catedral de Mariana. Não se trata, portanto,
de um órgão barroco, de uma réplica ou de
um órgão feito com peças originais do
instrumento da catedral, mas sim de um
órgão totalmente moderno, que apenas
reaproveitou peças das restaurações
realizadas anteriormente na catedral.
Em fins do século XIX, o órgão Arp Schnitger
da catedral de Mariana (que foi construído
em 1701) havia sido totalmente reafinado
um tom acima, e alguns poucos tubos
originais de metal (apenas metade de um
registro) haviam sido substituídos por tubos
de madeira. No final do ano de 1937 o órgão
deixou de funcionar e, nas décadas
subsequentes, foi se deteriorando e seus
tubos foram sendo avariados, alguns deles
perdidos.
Entre 1980-1984, quando, pela primeira vez,
o órgão da catedral foi restaurado, pela firma
Beckerath Orgelbau, em Hamburgo, os
tubos originais foram reparados e alguns
tubos que faltavam foram substituídos por
novos. Além disso, foram substituídos os
antigos manuais (teclados) por novos
exemplares, foi anexado um novo banco
para o(a) organista e instalada, pela primeira
vez, uma pedaleira. Todo o material
removido foi cuidadosamente guardado e
reenviado a Mariana.
Entre 2000-2002 foi realizada a segunda
restauração do órgão Arp Schnitger, desta
vez pela firma Edskes Orgelbau, que
reconstituiu o tamanho original dos tubos e a
afinação do século XVIII. Durante essa
restauração de 2000-2002 (parte na Suíça e
parte em Mariana), foram realizadas outras
intervenções técnicas, como a troca
daqueles poucos tubos de madeira do
século XIX por novos tubos de metal, o
retorno dos manuais originais do século
XVIII (removidos entre 1980-1984), a troca
do banco e da pedaleira por exemplares
construídos segundo modelos do século
XVIII, bem como a substituição dos tubos
instalados pela Beckerath, por tubos mais
próximos dos originais. Todo o material
inserido pela Beckerath entre 1980-1984 e
removido pela Edskes, em 2000-2002,
também foi cuidadosamente guardado.
Finalmente em 2010, a partir de um projeto
d a o r g a n i s t a E l i s a F r e i x o , c o m
fi n a n c i a m e n t o d a P r e f e i t u r a d e
Mariana/Conselho Municipal do Patrimônio
Cultural/COMPAT, o luthier Abel Vargas
reuniu as peças retiradas pelas firmas
Beckerath e Edskes, que estavam
encaixotadas desde 2002, e construiu o
órgão do Museu da Música de Mariana,
acrescentando apenas o fole, o motor, a
caixa externa, mais alguns tubos e algumas
outras peças para dar unidade ao
instrumento. O órgão do Museu da Música é,
portanto, um órgão reciclado!
Agora ainda faltam os ajustes finos, como o
término da afinação e da regulagem dos
manuais, o revestimento acústico do motor e
alguns outros acabamentos técnicos. Até o
final do ano, o órgão estará pronto e, em
2015, já estará disponível para os projetos
do Museu da Música, principalmente
voltados ao ensino e ao estudo.
O ó r g ã o e s t á e m f u n c i o n a m e n t o ,
atualmente, no coro do Santuário do Carmo
de Mariana.
Foto : Cristiano casimiro
O luthier Abel Vargas e equipe afinado o órgão
no santuário do carmo em Mariana
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Mariana
Revista Histórica e Cultural
Conhecer nosso patrimônio e saber preserva-lo.
A Revista Mariana Histórica e Cultural estará
presente neste evento