ALTERNATIVA ED. 186

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Maio | 2018 | Ed. 186
200 anos para
comemorar e reagir
Por Rafael Borges
A c o m e m o r a ç ã o d o
bicentenário de nossa cidade
devia ser tão festiva quanto
crítica. É claro que tem que ter
show de artista (refiro-me,
n a t u r a l m e n t e , a A l c e u
Valença), megadesfile, horas
de solenidade, coquetéis para
autoridades e convite para o
p r e s i d e n t e g o l p i s t a d a
República. Somos mais velhos
do que o Brasil independente e não é
todo dia que se chega aos 200 anos.
Celebrar é um ato essencial da sociabilidade
humana. Tem a ver com reconhecimento,
identidade e projetos em
comum. Ridículo é reduzir essa jornada,
repleta de lutas, resistência, conflitos e
superação, a um bolo de aniversário.
Afinal, são os 200 anos de uma
cidade que ainda não resolveu o
problema do seu déficit habitacional;
que constrói estacionamentos em
espaços seguros, onde deveriam ter
casas populares; que não entendeu
suas condições naturais mais elementares;
que não protege suas matas
ciliares, suas nascentes e suas encostas,
torcendo, sem nada – ou pouco – fazer
para que outra tragédia não venha nos
visitar em breve. Sãos os 200 anos de
uma cidade que ainda não executou o
seu próprio Plano Diretor, premiadíssimo,
como se o “legal” fosse promover a
especulação imobiliária e o crescimento
desordenado; que não compreendeu
a importância dos espaços públicos e os
valores afetivos, históricos e paisagísticos
de sua Praça mais central e importante.
São os 200 anos de uma cidade
com professores insatisfeitos, que
exercem o seu direito sagrado e
constitucional à greve porque deixaram
de tolerar as condições (indignas) do
seu trabalho e os baixos níveis remuneratórios.
São os 200 anos de uma cidade
que não cuida bem dos seus doentes;
que não valoriza os servidores públicos
da área da saúde; que paga médicos
como se fossem prestadores de
serviços eventuais e esporádicos e
que desdenha de um Hospital
Regional do Câncer. São os 200 anos
de uma cidade que não qualificou a
própria democracia, onde não há
Orçamento Participativo; onde a
Câmara Municipal continua funcionando
como chancelaria dos atos do
Prefeito; onde Vereadores são, salvo
as exceções de sempre, referência da
prestação de serviços assistenciais e
não agentes de transformação.
É tempo de comemorar, mas
também de nos preparar para que os
próximos 200 anos sejam (bem)
melhores. Regozijar-nos de sermos a
Suíça Brasileira não serviu para nada,
nem para nos transformar em polo de
turismo. Não haverá futuro promissor
sem radicalizar o processo democrático
e inverter as prioridades; sem o
controle público do orçamento e
ampliação da legitimidade política
dos nossos representantes. É tempo
de comemorar, mas também de
reagir: que nossos espaços públicos
sejam nossos; que a cidade seja
nossa; que a narrativa histórica seja
nossa. O protagonismo políticoinstitucional
quase absoluto das
elites econômicas relegou o povo.
Que os próximos 200 anos sejam de
protagonismo do poder popular.
RAFAEL BORGES é advogado
E-mail: rafaelborges@nb-advs.com.br
CELIA CAMPOS
é advogada