2013_Luzes-ApostoloPulchrum
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Dr. PLinio, aPóstoLo Do PuLchrum<br />
REVISTA DR. PLINIO 178 - Janeiro de <strong>2013</strong><br />
Mares do Brasil<br />
Através da contemplação de um dos elementos mais belos da<br />
natureza, o mar, Dr. Plinio nos convida a saber analisar o que se passa<br />
interiormente em algo muito mais vasto que os panoramas marítimos.<br />
Como há mar e mar! Não há nada<br />
mais parecido com o mar<br />
do que outro mar. Não há nada<br />
mais diferente de um mar do que<br />
outro mar.<br />
Viajando, simplesmente, pelo litoral<br />
brasileiro, nota-se como os mares<br />
são diferentes. Por exemplo, o<br />
mar de Cabo Frio é diferente do mar<br />
de Santos; e o mar do Rio é diferente<br />
do mar de Guarujá. Mas como todos<br />
esses são diferentes do mar da<br />
Bahia ou do mar de Fortaleza! Todos<br />
são diferentes, e que efeitos diferentes<br />
causam!<br />
José Menino e Guarujá<br />
Para mim, é sempre um privilégio<br />
contemplar um panorama marítimo.<br />
As minhas circunstâncias de vida<br />
não me dão tempo de olhar o mar,<br />
mas eu o contemplei muito e o carrego<br />
dentro da alma.<br />
Penso nele e o tenho em mente.<br />
Analisei detidamente, em várias situações<br />
e em vários aspectos, o mar da<br />
minha — quase diria — nativa praia<br />
do José Menino, em Santos.<br />
Quem foi esse José Menino? Não<br />
sei. No recôncavo, as ondas entram<br />
ordenadas e fazem dentro do seu curso,<br />
em ponto pequeno, uma bataille<br />
rangée, e também um pouco de bataille<br />
mêllée 1 sobre si mesmas para se<br />
divertirem. Elas espumam um pouco,<br />
vão para frente, para trás, quando<br />
chegam à praia ficam enormes e se estendem<br />
sobre a areia; depois começa<br />
o refluxo e elas voltam para recomeçar;<br />
tudo feito numa serenidade, numa<br />
dignidade encantadora.<br />
Na praia de Guarujá, em que o<br />
mar é mais claro, tem-se a impressão<br />
de que a luz do Sol é mais reluzente<br />
também; a água é glauca, entre azul e<br />
verde, e aquilo já é dado para mar alto.<br />
As ondas sobem e espumam! São<br />
eloquentes, fazem oratórias! Agitam<br />
cabeças, meneiam braços, assinalam<br />
distâncias por rumores. A onda quebra<br />
longe, provoca aquele rumor, o<br />
qual vai se aproximando.<br />
Copacabana, Cabo<br />
Frio e Fortaleza<br />
E a sensação magnífica de quem<br />
está em alto mar em Copacabana,<br />
no Rio de Janeiro! Colosso! Vastidão<br />
de mar, em que cada gota é uma<br />
pedra preciosa, formam-se espumas<br />
com as ondas que se quebram. E<br />
nunca raivoso nem indignado! Sempre<br />
com aquele bom humor, próprio<br />
ao Rio de Janeiro. Mas dentro desse<br />
bom humor amável há uma variedade,<br />
uma força que dá um encanto<br />
próprio a cada movimento das águas.<br />
Não posso me esquecer das águas<br />
de Fortaleza, no Ceará, muito parecidas<br />
com as de Cabo Frio, no Estado<br />
do Rio de Janeiro. Não sei se no litoral<br />
brasileiro há águas mais bonitas.<br />
São propriamente águas-marinhas colossais<br />
que se movem sem forma definida.<br />
Olhando o mar, vê-se o fundo.<br />
Claro! Magnífico! Tem-se a impressão<br />
de que é uma água-marinha em<br />
lente de aumento. Estupenda!<br />
O mar interno de nossa<br />
alma e o mar externo<br />
Quando vemos esses vários movimentos<br />
da natureza marítima, nós nos<br />
regalamos e entretemos. Mas uma coisa<br />
é o entusiasmo; outra é a mania, que<br />
pode dar em qualquer desequilíbrio,<br />
pequeno ou grande. Na posição adequada<br />
do espírito, a pessoa vê, gosta e<br />
em certo momento, como que empurrando<br />
as sensações com a mão, diz:<br />
“Sensações, calai-vos! Eu quero que<br />
vós não entreis. As que entraram não<br />
sairão, as que estão fora não entrarão.<br />
Sensações que entrastes, desfilai! Essa,<br />
aquela, aquela outra, como é cada<br />
uma? Que relações elas têm entre si?”<br />
E faz a grande pergunta: “O que significam?<br />
O que em mim vibra vendo<br />
aquilo? Qual é a verdade, a retidão, a<br />
virtude que consona com aquilo? Qual<br />
é, por outro lado, o defeito que tende a<br />
aborrecer-se com aquilo? Pelo desígnio<br />
de Deus, aquilo significa o que há<br />
de reto, de bom, de semelhante a Ele.<br />
Plinio, analisa-te! Em função de outro<br />
mar, que é o vai-e-vem de tua alma, tu<br />
conferirás mar com mar, julgarás o teu<br />
mar interno à vista do mar externo, e<br />
julgarás o mar externo à vista do teu<br />
mar interno.”<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
8/11/1980 e 2/2/1983)<br />
1) Bataille rangée, batalha em fileiras; bataille<br />
mêllée, batalha sem qualquer ordenação.<br />
34
Ilha dos Coqueiros -<br />
Angra dos Reis, Rio<br />
de Janeiro (Brasil)<br />
João P. Sampaio<br />
35
Revista Dr. Plinio 179, Fevereiro de <strong>2013</strong><br />
<strong>Luzes</strong> Da civiLização cristã<br />
Palácio do Vaticano<br />
Pervadido de admiração, Dr. Plinio descreve o panorama<br />
descortinado ao subir a rampa que conduz ao Pátio de São<br />
Dâmaso, as cenas presenciadas nesse local e as salas, com<br />
suas grandiosas ornamentações, do Palácio onde vive o Sumo<br />
Pontífice. Indica também os significados da “Sedia Gestatoria”,<br />
dos “flabelli” e dos dosséis existentes na Sala do Conclave,<br />
mostrando como tudo ali é prático e sublime.<br />
C<br />
omo era a vida de um Papa?<br />
Ela transcorria em um Palácio ou na Basílica de<br />
São Pedro, a maior igreja da Terra, magnífica pela<br />
sua riqueza, pelo seu valor artístico,<br />
pelo fato de estar construída<br />
sobre a sepultura de São<br />
Pedro, Príncipe dos Apóstolos,<br />
pelo grande número<br />
de relíquias de toda<br />
ordem ali reunidas, pelos<br />
acontecimentos históricos<br />
que ali se passaram. E,<br />
ao lado da Basílica, o Palácio<br />
do Vaticano, residência para onde<br />
o Papa se recolheu depois que<br />
os Estados Pontifícios, que constituíam<br />
dentro da Itália um verdadeiro reino, foram tomados<br />
por Garibaldi.<br />
Do Portão Santa Marta até<br />
o Pátio São Dâmaso<br />
Em virtude do Tratado de Latrão 1 , a própria Itália reconheceu<br />
que a Basílica de São Pedro, o Palácio do Vaticano,<br />
jardins anexos e alguns outros edifícios do Vaticano<br />
existentes em Roma constituíam um reino próprio,<br />
distinto do governo da Itália, com todos os poderes de<br />
uma soberania temporal, perfeita e acabada,<br />
inclusive com sua alfândega e seus correios<br />
e telégrafos. Dentro do Vaticano havia<br />
uma estação de estrada de ferro. E o<br />
Papa era o rei deste Estado, o monarca<br />
da Igreja que ali vivia cercado de todo<br />
o protocolo de uma corte; proto-<br />
32
Chegada de uma princesa dos antigos tempos<br />
e do embaixador dos Estados Unidos<br />
colo voltado a estimular sentimentos de veneração e de<br />
amor para com o Soberano Pontífice, e a organizar convenientemente<br />
sua vida.<br />
Lembro-me da impressão que eu tive — numa das vezes<br />
em que fui ao Vaticano — quando subi pelo Portão<br />
Santa Marta, situado à esquerda de quem entra na Basílica<br />
de São Pedro. Caminha-se por uma rampa muito bonita,<br />
onde se passa perto de um pequeno palácio no qual<br />
morou o Cardeal Merry del Val 2 , de um pequeno cemitério<br />
— chamado dei Tedeschi, porque ali alguns alemães<br />
estão sepultados; depois se passa pelo governatorato de<br />
Roma. Roça-se no fundo, na abside da Basílica de São<br />
Pedro e se chega ao pátio mais alto, o cume de uma verdadeira<br />
montanha, chamado Pátio de São Dâmaso, que<br />
é o pátio interno do Palácio do Vaticano, donde partem<br />
os elevadores que levam os visi- tantes para os vários<br />
andares, nos quais estão Monsenhores,<br />
Cardeais e finalmente o Papa.<br />
Quando chego ao alto da rampa, vejo uma cena bonita:<br />
de um automóvel saem dois camareiros, vestidos com<br />
damasco roxo e meias compridas, com jeito de nobres,<br />
e ajudam uma princesa dos antigos tempos, trajada como<br />
se vestia para visitar o Papa — toda de preto, com<br />
véu, tule, uma coroazinha etc. —, a qual foi caminhando<br />
em passo cadenciado, com um pequeno séquito, no meio<br />
do pátio; mas ninguém prestava atenção especial porque<br />
passava de tudo por lá.<br />
Em seguida, ouço uma buzina prestigiosa, que toca<br />
com delicadeza para afastar um pouco as pessoas, e vejo<br />
um automóvel enorme e reluzente que chega. Era o representante<br />
do presidente dos Estados Unidos junto ao<br />
Papa, que entrava para ser recebido pelo Sumo Pontífice.<br />
Então essa conjunção da princesa dos antigos tempos,<br />
já sem poder temporal, com pouco dinheiro, hospedada<br />
com certeza num hotelzinho médio de Roma, que descia<br />
de um automovelzinho tremblotant 3 , como se diz em francês<br />
— em que os paralamas e todas as outras partes do veículo<br />
pareciam ter uma espécie de dificuldade de se manter<br />
unidos —, mas ela descia no esplendor de sua tradição,<br />
da verdadeira tradição que não morre nunca e que<br />
não se incomoda nem sequer com sua própria pobreza,<br />
recebida por dois guardas de honra também tradicionais,<br />
e caminhando com a serenidade e o alheamento a todas<br />
as coisas. E, ao lado, o embaixador do país rico, magnífico,<br />
pomposo, a maior potência temporal da Terra, que também<br />
vai ouvir uma palavra do mesmo sucessor de São Pedro.<br />
Mais acima passa um Cardeal armênio, com sua barba;<br />
é toda a velha História da Igreja nos países do Oriente<br />
próximo. E tudo isso afluindo para cumprimentar o Papa.<br />
Os Papas não recebiam só as pessoas grandiosas, mas<br />
todas as pessoas, porque ele é pai de todo mundo, e é<br />
preciso que todos sintam que têm acesso<br />
junto ao Soberano Pontífice. E era preciso<br />
organizar essa vida de maneira<br />
que toda essa gente visse o Papa.<br />
33
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
Ornatos grandiosos fazem com que<br />
o homem se sinta pequenino<br />
A residência papal precisa ter vários salões sucessivos.<br />
Nenhum salão repleto, nem abarrotado ou cheio<br />
de gente como num cinema moderno. Fileiras de duas<br />
ou três pessoas ao longo dos muros, um longo espaço<br />
vazio entre elas, objetos ornamentais magníficos, quadros,<br />
afrescos esplêndidos, tapetes, tetos esculturais.<br />
O Papa entra vestido de branco, diferente de todo<br />
mundo, solidéu branco, discreto. Ele se aproxima de cada<br />
um no recolhimento da sala. Uma palavrinha com esse,<br />
aquele e aquele outro, e vai para outra sala. Como as<br />
pessoas que estão numa sala sabem que há várias outras<br />
depois, cada um entende que o Sumo Pontífice diga uma<br />
palavrinha e passe.<br />
Poderíamos examinar como as menores coisas convivem<br />
com isso. Os ornatos das salas são grandiosos! Nada<br />
de pinturazinhas, com figurinhas, florezinhas. São<br />
cenas enormes, em geral de tamanho maior do que o<br />
homem. Por quê? Isso faz com que o homem se<br />
sinta pequenino e compreenda o respeito<br />
que deve ter. Depois, todos sabem<br />
que são afrescos de pintores famosos;<br />
cada uma daquelas salas valeria<br />
uma fábula, não têm preço<br />
aquelas pinturas que ornam<br />
a mais alta autoridade da Terra.<br />
Tudo isso incute respeito.<br />
Há também a sala preparada<br />
para o Conclave que elege<br />
o Papa, onde se notam as<br />
cadeiras colocadas uma ao lado<br />
da outra, e em cima de cada<br />
cadeira um dossel. Quando o<br />
Soberano Pontífice é eleito, funcionários<br />
baixam os dosséis, e o único dossel que fica elevado<br />
sobre a cadeira é o do trono do novo Papa.<br />
O que quer dizer isso? Quando o Sumo Pontífice morre,<br />
o governo da Igreja passa a pertencer ao Sacro Colégio,<br />
o qual exerce temporariamente uma parte da soberania<br />
do Papa. Como o que caracterizava o soberano<br />
antigamente era sentar-se sob um dossel, há dosséis para<br />
todos os Cardeais que constituem no seu conjunto o Sacro<br />
Colégio. Quando o Papa é eleito, o Sacro Colégio que<br />
o aclamou ou escolheu deixa de ser soberano. Assim, os<br />
Cardeais, ato contínuo, vão fazer seu ato de obediência<br />
ao novo Papa. Baixam-se os outros dosséis, pois a soberania<br />
pertence apenas ao Papa. É uma coisa bonita!<br />
A ”Sedia Gestatoria” e os ”flabelli”<br />
A Sedia Gestatoria é um trono ambulante.<br />
Quanto eu saiba, esta é a única monarquia de velhos. A<br />
Igreja verdadeira nunca teve a fobia da velhice; pelo contrário,<br />
teve a admiração e a veneração por ela.<br />
Reporto-me à teoria da soma das idades. À medida<br />
que a pessoa envelhece, ela vai somando<br />
a vantagem de todas as idades; e, se<br />
é católica, vai se tornando mais plena<br />
de tudo aquilo que a velhice pode<br />
dar. A velhice não é considerada<br />
uma catástrofe, mas um êxito.<br />
Lembro-me de uma anedota:<br />
dois franceses velhos encontraram-se<br />
e ficaram conversando<br />
numa ponte sobre<br />
o Sena. Um deles disse: “Como<br />
é desagradável envelhecer!”,<br />
e o outro respondeu:<br />
“Eu não acho, é o único jeito<br />
de viver muito.”<br />
34
É tão evidente…<br />
Todos os Papas, com raras exceções, eram mais do<br />
que sexagenários. Para percorrer aquelas distâncias<br />
enormes no interior do palácio deles, deviam usar um<br />
veículo de transporte à mão, porque muitas vezes eram<br />
septuagenários ou octogenários. Daí então essa espécie<br />
de liteira descoberta, que era a Sedia Gestatoria, carregada<br />
por portadores que se revezavam ao longo do trajeto,<br />
todos com trajes tradicionais. E o Sumo Pontífice<br />
ia sentado ali com aqueles leques em forma de semicírculos,<br />
com plumas, chamados flabelli, que eram na aparência<br />
para afugentar as moscas. É possível que a velha<br />
Roma pontifícia tenha tido muito mosquito, e que os<br />
flabelli foram feitos com essa intenção. Mas com o tempo<br />
os famosos pântanos romanos foram sendo secos, e<br />
os mosquitos desaparecendo de Roma. Mas os flabelli<br />
ficaram. Porque aquele objeto, destinado primeiramente<br />
a espantar mosquitos, foi de tal maneira modelado<br />
pela arte que se transformou numa obra-prima, colocada<br />
sempre perto do Papa e movendo-se discretamente;<br />
passou a ser um símbolo da suavidade, da graça e da<br />
Tudo se passava sem correcorre.<br />
Sublime e prático ao<br />
mesmo tempo. Coisas que o<br />
espírito moderno não compreende<br />
bem que estejam unidas.<br />
Embaixo, jardins do Vaticano com o Palácio<br />
do Governatorato em primeiro plano. À<br />
esquerda, Pio VIII na “Sedia Gestatoria”.<br />
glória, adornando a fronte venerável do ancião que é<br />
o Vigário de Cristo na Terra. Então os flabelli, movendo-se<br />
lentamente em torno do Papa, passaram a ser o<br />
complemento cênico — e digo cênico com o maior respeito<br />
à palavra — necessário do Romano Pontífice levado<br />
na sua Sedia Gestatoria.<br />
Então, tudo está preparado ali. É só o novo Papa ser<br />
eleito que se desencadeia um mundo de tradições que o<br />
cercam e o vão levando dentro da linha dos seus antecessores.<br />
Isso tudo é tão prático, corre depressa, porém sem<br />
correria; não como a pressa moderna, filha da aflição e<br />
da torcida, mas uma pressa filha da reflexão, do recolhimento,<br />
da meditação, e por causa disso particularmente<br />
eficiente. Tudo se passava sem corre-corre, com um mínimo<br />
de dispêndio de tempo possível. Sublime e prático<br />
ao mesmo tempo. Coisas que o espírito moderno não<br />
compreende bem que estejam unidas.<br />
Para concluir, desejo que lhes seja dado o seguinte: a<br />
alegria, a graça e a glória de presenciarem o começo do<br />
Reino de Maria. E que possam assistir a toda a pompa<br />
vaticana como ela deve ser.<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 13/1/1976)<br />
1) Tratado assinado em 11 de fevereiro de 1929 e ratificado a 7<br />
de julho do mesmo ano. Por ele, o Vaticano ficava reconhecido<br />
oficialmente como Estado soberano, neutro e inviolável,<br />
sob a autoridade do Papa, incluindo o palácio de Castelgandolfo<br />
e as basílicas de São João de Latrão, Santa Maria<br />
Maior e São Paulo Extramuros. Por sua vez, a Santa Sé renunciava<br />
aos territórios que lhe pertenciam desde a Idade<br />
Média e reconhecia Roma como capital da Itália.<br />
2) Secretário de Estado de São Pio X.<br />
3) Trêmulo.<br />
35
Dr. PLinio, aPóstoLo Do PuLcHrum<br />
Revista Dr. Plinio 181, Abril de <strong>2013</strong><br />
Contemplar maravilhas<br />
Descrevendo as belezas existentes no palácio de Versailles, sua<br />
solidez e dignidade, Dr. Plinio afirma que todo católico precisa<br />
desejar o maravilhoso para amar a Deus, enquanto que a<br />
Revolução visa a abolir o amor ao belo.<br />
Dr. Plinio em visita a Versailles -<br />
Outubro de 1988<br />
32
nos prepara para o Céu<br />
Kallgan<br />
Esalia<br />
nl.wikipedia.org<br />
Sérgio Hollmann<br />
Arnaud<br />
Esta coloração tão bela é fruto do trabalho, ao longo de séculos, de pessoas que aspiravam ao píncaro<br />
em matéria de relva, e que por isso plantaram relvas maravilhosas - Diversos aspectos dos jardins de Versailles<br />
33
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Opalácio de Versailles foi construído por ordem de<br />
Luís XIV, segundo os preceitos e princípios da arte<br />
francesa e do espírito francês, para simbolizar<br />
a glória da monarquia e o brilho da majestade real.<br />
Le Nôtre: o maior jardineiro de todos os tempos<br />
Notemos, em primeiro lugar, a vegetação. O europeu<br />
cuida extremamente da vegetação e tem por jardins, árvores<br />
e parques um zelo todo especial. Esta coloração<br />
tão bela é fruto do trabalho, ao longo de séculos, de pessoas<br />
que aspiravam ao píncaro em matéria de relva, e<br />
que por isso plantaram relvas maravilhosas. O resultado<br />
é que olhamos para este panorama e temos uma sensação<br />
de verdor, de vida, de saúde, de frescor que descansa<br />
os olhos. Mas repousa principalmente a alma, ao considerar<br />
uma criatura de Deus tão cheia de viço primaveril.<br />
Trata-se, portanto, de alta cultura em matéria de relva,<br />
como encontraremos também em Versailles uma elevada<br />
cultura em matéria de arquitetura. Porque tudo ali<br />
é alta cultura e custou esforço, vontade de produzir maravilhas<br />
por parte de gerações inteiras.<br />
É interessante considerar como a vegetação está toda<br />
ela bem aparada, formando desenhos, o que evidentemente<br />
dá trabalho também. Esses desenhos foram elaborados<br />
pelo maior jardineiro de todos os tempos: Le<br />
Nôtre 1 . São desenhos geométricos nos quais entrou um<br />
mundo de pensamentos e o cuidado de estabelecer a harmonia<br />
com a fachada do castelo.<br />
Dignidade, fortaleza, estabilidade<br />
Analisemos agora o castelo. Ele visa exprimir a dignidade,<br />
a fortaleza e a estabilidade da realeza. São os três<br />
valores que caracterizam todo poder na Terra. Quando este<br />
é digno, forte e estável, ele impõe o respeito. Há, portanto,<br />
como pressuposto dessa obra, uma teoria do poder.<br />
Ao contemplar Versailles surge logo a exclamação:<br />
Que bonito este castelo! Mas somente prestando atenção<br />
notamos como esta beleza é obtida. Encontramos<br />
três zonas de leveza diferentes no castelo: primeiro, o<br />
que chamaríamos o rés do chão. Tem-se a impressão de<br />
algo forte, que toca no solo e constitui um fundamento<br />
vigoroso. O robusto da base é acentuado pela abundância<br />
de pedras, todas rajadas, que dão a impressão de estarem<br />
postas umas sobre as outras, quase como um muro.<br />
É a ideia da solidez.<br />
Vem depois a ideia da dignidade. Consideremos o andar<br />
de cima: são janelas altas, constituindo uma fachada<br />
muito longa. Mas enquanto no andar inferior os arcos não<br />
têm colunas, no superior cada janela está entre duas colunas.<br />
Por ser esbelta, a coluna dá um ar de leveza e confere<br />
a esta parte do castelo um caráter de nobreza. Este andar<br />
é leve e fidalgo, enquanto o anterior, forte e serviçal.<br />
De vez em quando se destacam corpos do edifício formando<br />
terraços, para quebrar a monotonia da fachada.<br />
É o cenário apropriado para aparecer, por exemplo, o rei<br />
com a família real e outras pessoas da nobreza, constituindo<br />
moldura para o monarca. Quer dizer, é uma apresentação,<br />
para todos, de uma hierarquia política e social<br />
Dr. Plinio em Versailles, em 1988<br />
34
Picasa<br />
O castelo visa exprimir a dignidade, a fortaleza e a estabilidade da realeza<br />
ornamental, decorativa, nobre, pomposa, que mostra a<br />
sua beleza, mas ao mesmo tempo manifesta-se afável, risonha,<br />
numa proporção humana com os que estão embaixo;<br />
sem esmagá-los pela sua altura, mas isolando-se.<br />
O último andar é tão pequenino que a vista quase abstrai<br />
dele. O olhar se concentra no restante e quase prescinde<br />
desse pequeno andar que parece servir apenas para suportar<br />
troféus guerreiros e estátuas. E, por cima, tem o céu.<br />
Forma-se, assim, uma espécie de transição entre a ordem<br />
política e social, e Deus. O castelo parece não ter fim, ele se<br />
perde em figuras alegóricas, em formas etéreas, e se funde<br />
com o horizonte celeste. Foi esta a intenção ao construí-lo.<br />
Degustar sua beleza como se prova um fino licor<br />
Esta concepção arquitetônica corresponde bem aos<br />
erros da época: a atenção está toda voltada para o rei,<br />
para a esfera política e social; o elemento forte e o leve<br />
são quase molduras para ressaltar a realeza. Temos, assim,<br />
a glorificação da realeza feita pelo castelo.<br />
Para explicitarmos o que o castelo tem de maravilhoso,<br />
é necessário que o contemplemos algumas vezes por espaços<br />
de tempo bem diversos. Só então essas considerações<br />
vão se destacando e percebemos toda a realidade. É como<br />
provar um licor fino: às vezes sentimos seu sabor somente<br />
depois de tê-lo engolido. Aqui também: é a segunda ou<br />
a terceira análise que nos torna mais palpável o que acabo<br />
de explicitar, e nos faz degustar completamente o que o<br />
castelo de Versailles diz para aqueles que o visitam.<br />
Embora esse castelo exista como uma concha vazia,<br />
pois tudo quanto nele era vivo foi exterminado ou levado<br />
embora, até hoje os turistas do mundo inteiro vêm vê-lo.<br />
É uma fama de beleza que se mantém pelo consenso de<br />
todos que o visitam.<br />
Como é bonito ter havido todas essas ideias no espírito<br />
dos que compuseram esse castelo e, séculos depois, alguém,<br />
olhando para ele, recompor essas ideias e, por assim<br />
dizer, dar-lhes vida! Tal é a densidade de pensamento<br />
que uma obra de arte pode conter.<br />
Essas considerações ajudam-nos a readquirir o gosto<br />
pelo maravilhoso. A alma de um católico tem que desejar<br />
o maravilhoso para amar a Deus. Somos criados para<br />
ver a Deus face a face; e contemplar essas maravilhas é<br />
uma preparação para o Céu. Preparam-se para o Céu os<br />
povos dotados desse amor ao maravilhoso que a Revolução<br />
de tal maneira quer abolir.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 29/3/1967)<br />
1) André Le Nôtre (1613 - 1700). Foi jardineiro do Rei Luís<br />
XIV de 1645 a 1700.<br />
35
<strong>Luzes</strong> Da civiLização cristã<br />
Revista Dr. Plinio 182, Maio de <strong>2013</strong><br />
Fontainebleau: esplendor,<br />
Ignis<br />
Dr. Plinio era muito sensível às cores. Comentando algumas<br />
fotografias do castelo de Fontainebleau, ele chama a atenção para<br />
a luz que entra pelas janelas, os lustres, os quadros, os painéis, os<br />
caixilhos dos tetos, as tapeçarias, os tapetes, tudo constituindo<br />
uma prodigiosa policromia. Mostra que tudo visava a beleza a<br />
qual, em seu grau extremo, toca a sublimidade.<br />
Ocastelo de Fontainebleau 1 foi construído, no<br />
século XVI, pelos reis da dinastia de Valois 2 .<br />
Quando os Valois se extinguiram, passou para<br />
os Bourbons 3 e foi ininterruptamente residência real, até<br />
a Revolução Francesa. Depois, sob Napoleão III, mais<br />
uma vez se tornou residência real; Napoleão I também<br />
habitou Fontainebleau. Depois de Versailles, o mais importante<br />
dos castelos franceses é Fontainebleau.<br />
30
iqueza e simplicidade - I<br />
Salão Francisco I<br />
31
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
Galeria imponente<br />
Observem a amplitude das dimensões da<br />
galeria, que é um corredor, uma comunicação<br />
entre dois pontos do castelo. Em galerias como<br />
essa se davam festas, faziam-se bailes. Colocava-se,<br />
por exemplo, no fundo, os tronos para<br />
o rei e a rainha, depois lugares para os personagens<br />
principais da família real, e em todo o<br />
resto se dançava, havia buffets e coisas semelhantes,<br />
de tal maneira a galeria era ampla e<br />
feita com perspectivas colossais, nobres, imponentes.<br />
Notem a preocupação contínua de elevar a nobreza<br />
das coisas, e com a nobreza, a beleza a um<br />
grau extremo, que toca a sublimidade. Chamo a<br />
atenção, primeiro, para o teto. É todo feito com<br />
um jogo de madeiras encaixadas e que formam<br />
realces, caixilhos. Esses caixilhos constituem desenhos<br />
lindíssimos, num tom marrom.<br />
E esse jogo riquíssimo de caixilhos vai se repetindo,<br />
com variedade, de uma ponta até a outra.<br />
O que não aparece nessa fotografia é que muitos desses<br />
caixilhos são realçados a ouro, de maneira que há um jogo<br />
de dourado com marrom.<br />
Do teto pendem lustres que se usavam no tempo, altos<br />
e, ao mesmo tempo, muito elegantes, suspensos por<br />
grandes correntes, e de pesos leves; não se tem nenhum<br />
pouco a impressão de uma massa pesada. Há uma bola,<br />
mas depois os braços para cima dão uma impressão<br />
de equilíbrio. Tem-se mais a sensação de que o lustre está<br />
flutuando no ar, do que preso ao teto e constituindo<br />
um peso.<br />
O jogo de luzes e os quadros<br />
Neil Rickards<br />
A preocupação ornamental é toda estabelecida em<br />
processo de jogos de luz. No soalho, notam-se várias zonas<br />
claras e escuras, que correspondem às janelas muito<br />
altas. Cada uma delas se compõe de duas janelas superpostas,<br />
das quais a mais alta é a maior, e com um vidro<br />
que não é inteiramente transparente, mas vagamente<br />
leitoso.<br />
Assim, a luz que entra na sala é matizada, meio irreal.<br />
E bate, então, sobre um soalho todo feito de tacos enormes,<br />
formando desenhos, e esplendidamente encerado.<br />
De maneira que essa luz especial penetra aqui, reflete lá,<br />
com o brilho marrom da madeira esplendidamente envernizada,<br />
e joga dentro de toda a galeria. E uma das coisas<br />
que esta galeria tem de mais bonito, mas que fica indefinível,<br />
é um jogo de luz dentro dela. Num sistema de<br />
arte, uma das coisas mais bonitas é exatamente o jogo de<br />
luz.<br />
Porque a luz é algo de nobre, uma categoria de espírito,<br />
que nos transporta para uma espécie de mundo irreal,<br />
superior, diáfano, quase de fadas, em que se movimenta-<br />
Dynamosquito<br />
32
Ignis<br />
Eu sustento que quem<br />
está apto a amar isso tem<br />
muito mais capacidade<br />
de amar a Deus, do que<br />
quem não é capaz de<br />
amar esse esplendor<br />
Na página anterior, acima, Galeria<br />
Francisco I; nesta página, ao lado, um<br />
dos aposentos adornado de tapeçarias;<br />
abaixo, fachada principal do castelo<br />
va a sublimidade real, o esplendor da aristocracia e coisas<br />
do gênero.<br />
E nas paredes, quadros com coloridos muito bonitos,<br />
molduras de madeira e de gesso riquíssimas; dir-se-<br />
-ia que as paredes estão quase empetecadas, mas não estão<br />
— o francês evita o empetecamento da Renascença<br />
italiana — por causa dessa simplicidade da parte de baixo.<br />
O empetecado é bonito desde que contraste com uma<br />
zona de muita simplicidade, que o compensa.<br />
Se imaginássemos que houvesse esses quadros na<br />
parte inferior das paredes, seria um pesadelo; teríamos<br />
vontade de atravessar a galeria correndo. Mas aqui está<br />
a nota do equilíbrio francês. Em cima, riquíssimo;<br />
embaixo, a madeira muito mais sóbria e com trabalhos<br />
discretos, simples, distintos, de maneira que uma coisa<br />
compensa a outra, e mais uma vez temos o jogo de claro-escuro.<br />
A luz que penetra pelas janelas também contrasta com<br />
o marrom, constituindo um jogo de uma cor meio cinza-<br />
-pérola, que forma a nota cromática da galeria.<br />
Jogo de painéis, banquetas e,<br />
no fundo, o busto do rei<br />
Cada zona dessas — da parte inferior das paredes — é<br />
de uma composição muito simples. Porque é feita de um<br />
33
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
painel central com um escudo e três flores de lis; e, em<br />
volta, elementos heráldicos. Ao lado há um painel igual.<br />
Mais além há uma espécie de painel extra, que também<br />
se repete. Assim, forma-se um jogo de painéis. Enquanto<br />
em cima os quadros são muito variados, embaixo os<br />
painéis se repetem bastante. E as banquetas repetem-se<br />
também, de quando em quando.<br />
De maneira que forma um jogo de unidade na variedade,<br />
mas a muitos títulos. Há um contraste entre algumas<br />
coisas muito trabalhadas e outras simples. Existem<br />
várias unidades e diversas variedades, compondo uma<br />
harmonia central. Esta tem por ponto de mira o fundo<br />
da galeria, a qual possui duas portas que são apenas o<br />
enquadramento do objeto principal: um busto do Rei<br />
Francisco I, dominando toda a galeria. A última perspectiva<br />
é da majestade real. Olha-se e, no fundo de todas<br />
essas distâncias, nimbado de glória, dentro dos jogos<br />
de luz etc., está o rei. O que me parece soberanamente<br />
bem pensado.<br />
Tão bem pensado que o indivíduo vê isso, gosta e não<br />
é capaz de explicitar. É preciso a pessoa ter tido tempo<br />
para conseguir explicitar. E o triunfo dessas coisas se dá<br />
não quando elas chamam a atenção do homem capaz de<br />
explicitar, mas quando encantam o incapaz de fazê-lo.<br />
Aqui elas atingem o seu equilíbrio, a plenitude da força<br />
convincente. O indivíduo não sabe por que, mas gostou<br />
muito.<br />
Por detrás desse esplendor há um<br />
princípio de ordem racional<br />
Muitas pessoas que eu conheço, se visitassem esse palácio,<br />
diriam que é bonito, mas não teriam a reação de alma<br />
que uma coisa dessas deve provocar. Porque eles não<br />
procurariam entender que há um princípio de ordem racional<br />
por detrás disso; não desejariam ficar nesse local<br />
para vê-lo muitas vezes.<br />
Saindo dali, não se lembrariam disso, e não procurariam<br />
fazer algo semelhante, a não ser que estivesse na<br />
moda e por questão de esnobismo. Nunca por um verdadeiro<br />
gosto e entusiasmo. Por quê? Porque há qualquer<br />
coisa de encarangado na alma dessas pessoas, por onde<br />
esse sentimento de plenitude, ocasionado pela grande<br />
beleza, se perde, se restringe, se retrai, se recusa.<br />
Esplendor e amor a Deus<br />
Imaginemos essa galeria com as danças do tempo em<br />
que o castelo foi construído; eram tipos de dança que<br />
começaram com a pavana e acabaram com o minueto.<br />
Danças que faziam figura e se iniciavam com longas fileiras<br />
de senhores e de damas, riquissimamente vestidos<br />
e segurando-se pelas mãos, e que entravam de cada lado<br />
das duas portas.<br />
Formava-se uma fileira de cada lado e, em alguma tribuna,<br />
ou na ponta de entrada, uma orquestra com alguns<br />
violinos tocando — porque era só violino. Mais tarde, começaram<br />
a usar o cravo para o minueto. Então, as duas<br />
fileiras se constituíam, faziam uma reverência ao rei, depois<br />
começavam a dançar, atravessando-se umas as outras<br />
etc., e enchendo a galeria com suas harmonias, seus<br />
perfumes, os reflexos do brilho das roupas, a elegância<br />
das pessoas. E dançando havia pessoas famosas: senhores<br />
que tinham governado feudos, participado de guerras,<br />
diplomatas, militares que estiveram no Oriente, haviam<br />
combatido e tinham ganhado guerras, por exem-<br />
Eric Pouhier<br />
A luz é algo de nobre,<br />
uma categoria de espírito,<br />
que nos transporta para<br />
uma espécie de mundo<br />
irreal, superior, diáfano,<br />
quase de fadas<br />
Nesta página, Capela da Trindade; na<br />
página seguinte, a Sala do Conselho<br />
34
plo, Dom João d’Áustria 4 . Entende-se, assim, quem estava<br />
reunido ali. Tanto mais que, de noite, a iluminação<br />
era escassa e fora havia as trevas exteriores de que fala<br />
o Evangelho. De maneira que isso era uma espécie<br />
de guia de luz, numa noite escura. Compreendemos,<br />
então, todos os contrastes que jogavam a favor<br />
disso. Era uma verdadeira maravilha.<br />
Esse era um dos aspectos do esplendor, do<br />
estado de alma em que a pessoa é apetente e<br />
se torna plena dessas coisas; não fica ressentida,<br />
encarangada, dispersa, em presença disso.<br />
Eu sustento que quem está apto a amar isso<br />
tem muito mais capacidade de ideal, e de amar<br />
a Deus, do que quem não é capaz de amar esse<br />
esplendor.<br />
Urban<br />
A Sala do Conselho<br />
Consideremos a Sala do Conselho. Não se sabe bem<br />
o que dizer dela! É uma tal pluralidade de cores e de<br />
coisas bonitas que, no primeiro momento, fica-se aturdido.<br />
Mas depois as observações podem começar. A<br />
primeira é a seguinte: o teto aqui aparece melhor; não<br />
é envernizado, mas inteiramente pintado. É de uma rara<br />
beleza, porque tem qualquer coisa da abóboda celeste,<br />
a qual é de certo modo feita de caixilhos de estrelas<br />
diferentes. Não é como o teto lambido dos prédios<br />
de apartamentos de hoje; aqui tem reentrâncias, saliências,<br />
ornatos etc., possui algo do princípio ornamental<br />
da abóbada celeste noturna, que é o jogo, as massas, os<br />
movimentos.<br />
Mas a Sala precisava ter traves de sustentação, e estas<br />
foram aproveitadas como elemento de decoração, formando<br />
províncias de caixilhos diferentes. Notem como<br />
as pinturas realçam as traves: um azul esverdeado muito<br />
claro e um ouro morto, com desenhos muito elegantes<br />
que exploram o pontudo e o ovalado, num arabesco.<br />
Os lustres pendem das traves. Porque estragaria o jogo<br />
dos caixilhos um lustre pendurado num deles. Prestem<br />
atenção nos lustres! É indizível a beleza de um lustre<br />
desses. Isso é de conto de fadas! Há uma bola na ponta<br />
de cada um dos lustres, que — por uma convenção da<br />
qual não me lembro mais qual é — costumava ter água.<br />
Quando fabricavam o lustre, colocavam água nessa esfera.<br />
E parece que isso aumentava a capacidade de reflexo,<br />
porque esta bola tinha uma finalidade útil que era colher<br />
as últimas luzes que caem, e refleti-las ainda uma vez para<br />
iluminar a sala.<br />
Há um tal escachoar de cristais diversos, que não se<br />
tem o que dizer, mas é muito interessante porque, pelo<br />
efeito de refração, multiplica-se a luz das velas. É altamente<br />
funcional.<br />
Chamo a atenção para as tapeçarias. Não são quadros<br />
que estão nas paredes, mas tapeçarias, provavelmente<br />
de Gobelin 5 , como também o tapete. As paisagens<br />
das tapeçarias detêm o espírito, de maneira que a<br />
pessoa fica olhando muito tempo; importa muito o jogo<br />
geral das cores, segundo um princípio a respeito do qual<br />
vou falar em breve. Existem várias tapeçarias simétricas,<br />
porque a beleza da sala é toda baseada em simetria.<br />
Depois vemos a chaminé da lareira, que respeita o princípio<br />
daquela galeria que analisamos: ultrassobrecarregada<br />
na parte superior, e na inferior muito simples, de<br />
maneira a descansar a pessoa do sobrecarregado que<br />
está em cima.<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência<br />
de 31/10/1966)<br />
1) Situado a 55 quilômetros do centro de Paris, França.<br />
2) Dinastia que reinou na França de 1328 a 1589.<br />
3) Os Bourbons ocuparam o trono francês de 1589 a 1792,<br />
quando Luís XVI foi preso e decapitado pela Revolução<br />
Francesa. Restaurada em 1815, esta dinastia reinou até a<br />
abdicação de Carlos X durante a Revolução de Julho de<br />
1830.<br />
4) Capitaneou a esquadra que venceu os otomanos na Batalha<br />
de Lepanto em 1571.<br />
5) Famosa manufatura de tapeçarias ricamente ilustradas, criada<br />
na França em 1667, sob o reinado de Luís XIV.<br />
35
<strong>Luzes</strong> Da civiLização cristã<br />
Leoboudv<br />
Fontainebleau - esplendor,<br />
Revista Dr. Plinio 183, Juhno de <strong>2013</strong><br />
Tratando dos mais diversos<br />
assuntos, Dr. Plinio procurava<br />
ver o aspecto religioso.<br />
Analisando o castelo de<br />
Fontainebleau, aponta ele para<br />
a tendência de se construir<br />
algo que superasse a natureza e<br />
compensasse um pouco o que<br />
esta Terra tem de exílio. Há<br />
dentro disso um apelo para algo<br />
maior do que as coisas terrenas,<br />
e que é o começo do movimento<br />
rumo ao Céu.<br />
30
iqueza e simplicidade - II<br />
31
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
Omobiliário dessa sala é elegante, leve, também<br />
constituído de tapeçarias, e habilmente disperso<br />
pela sala, de maneira que se tem, ao mesmo<br />
tempo, impressão de muita mobília, mas há vazios importantes.<br />
Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios<br />
importantes. Eu já tenho visto sala empetecada de<br />
móveis, não se pode dar um passo sem esbarrar num cacareco.<br />
Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da<br />
boa decoração.<br />
Orquestração fabulosa de riquezas de espírito<br />
Os vazios são indispensáveis para o ornamento de<br />
uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau,<br />
que estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo<br />
tempo, de muita mobília e de nada de atravancamento;<br />
isso é agradável. A beleza cromática da sala é a seguinte:<br />
os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra<br />
por eles é, inteiramente, a luz do dia. Não é aquela<br />
luz leitosa da galeria.<br />
Mas essa luz do dia, no que ela tem de cru, é compensada<br />
por um mundo de cores. Quase se poderia dizer<br />
que todas as cores possíveis estão representadas aqui,<br />
mas para não ficarem sobrecarregadas, todas elas em<br />
estado muito pálido. E um mundo de cores muito pálidas<br />
não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que<br />
se fundem umas nas outras, mas divertem e descansam<br />
os olhos maravilhosamente.<br />
Creio ser indiscutível que essa sala dá uma ideia de<br />
fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende<br />
é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas<br />
que se fundem umas nas outras; é uma orquestra-<br />
ção fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas culturais.<br />
No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um<br />
pouco insípido não ter uma nota viva. E, a ter uma nota<br />
viva, o vermelho é o mais bonito. O vermelho-cereja,<br />
dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas,<br />
é um jato. Como um cozinheiro, que entende das<br />
coisas, sabe pôr na elaboração de um prato um pouco<br />
de pimenta, para realçar todo o resto.<br />
A porta é feita com a preocupação de constituir um<br />
elemento decorativo a mais dentro da sala. Então ela<br />
mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito<br />
delicados, leves, que contrastam com o sobrecarregado<br />
das laterais. O contraste de sobrecarregados e leves<br />
forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada.<br />
Manifestamente, nota-se aí a tendência a construir<br />
uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um<br />
pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia<br />
de que o homem é feito para coisas maiores do que as<br />
coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para algo<br />
maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de<br />
movimento rumo ao Céu. Esse é o lado religioso do assunto.<br />
Fotos: Ignis / Nicolas Vigier<br />
Abaixo, Salão da Imperatriz;<br />
à direita, detalhe do Salão da Rainha-Mãe<br />
32
Esplendor do luto com certa<br />
nota de severidade<br />
A sala de estar da Rainha-Mãe, quase não se sabe se<br />
é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa<br />
do que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe<br />
— por definição a viúva e tudo quanto acompanhava<br />
a viuvez — tinha uma certa nota de severidade.<br />
Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem<br />
uma vaga reminiscência de todo o esplendor do luto. É<br />
uma sala de avó, tendo um certo compassado que a alegria<br />
e o esplendor da outra sala não possui.<br />
Isso corresponde à ideia daquele tempo de a viúva usar<br />
até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo quando<br />
se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de<br />
muito sério é compensado por inúmeros arabescos finos.<br />
Então, há aqui um mundo de formas, flores, grinaldas,<br />
guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.<br />
E uma coisa que fica muito bonita é o espelho, certamente<br />
feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos<br />
enormes, profundos — e que é como uma janela aberta,<br />
o que também torna alegre o ambiente. Depois, tapeçarias<br />
colossais, que também dão gáudio à sala.<br />
Os quadros sobre as portas dão à passagem quase a<br />
majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima,<br />
muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por<br />
causa do protocolo da corte. Para os filhos ou netos de<br />
um rei, as duas folhas da porta se abriam, o alabardeiro<br />
dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade,<br />
a Rainha, ou Sua Alteza Real...” Quando era para um<br />
príncipe de sangue real, mas não filho ou neto de rei,<br />
abria-se uma só face, como também se fazia para todo<br />
o resto da nobreza.<br />
De maneira que era de grande estilo a pessoa, digamos<br />
a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros<br />
que abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados<br />
e gritavam: “Sa Majesté, la Reine!” Então, reverências,<br />
etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um cerimonial,<br />
quase um pano de boca de um palco; daí seu<br />
caráter triunfal.<br />
Nicolas Vigier<br />
Aposentos da Rainha-Mãe<br />
33
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
Isto estava nos hábitos do tempo,<br />
porque entrar e sair eram uma arte.<br />
Não se faziam esses movimentos como<br />
um frango entra ou sai do galinheiro.<br />
A entrada e a saída de uma<br />
pessoa marcavam a sala.<br />
Observem a beleza dessa mesa,<br />
com as pernas trabalhadas e sobre ela<br />
uma taça de porcelana policromada<br />
muito bonita. Tudo em nível mais discreto<br />
do que o jogo de cores feérico.<br />
A Revolução vai se adensando:<br />
melancolia e moleza<br />
Sala de Conselho de Luís XV. O<br />
gênero de beleza evoluiu do tempo de<br />
Luís XIV para Luís XV. Enquanto a<br />
nota do raffiné 1 de Luís XIV era imponente,<br />
em Luís XV, que já marca uma<br />
certa decadência, o raffiné é gracioso.<br />
Então, é um esplêndido de gracioso,<br />
mas o gracioso é um valor menor que o<br />
imponente, e nisto está a decadência.<br />
Os ângulos retos desaparecem, ou<br />
como que desaparecem; o ângulo reto<br />
exprime muito mais a força do que<br />
o arredondado, que representa o jeito,<br />
a conciliação, o sorriso. Por outro lado,<br />
as cores se tornam — sob algum ponto<br />
de vista — mais delicadas, e um certo<br />
ar triunfal, que tinham as salas de Luís<br />
XIV, desapareceu. Não é uma sala<br />
feita para um rei vencedor do mundo,<br />
como Luís XIV pretendia ser e, em<br />
alguma medida, foi; mas é para um rei<br />
que leva uma vida gostosa e, nas horas<br />
vagas, realiza uma reunião do Conselho.<br />
Desta sala não sai a conquista<br />
do universo, nem a prevenção<br />
da Revolução que vai se formando<br />
e adensando. Considerada<br />
sob o aspecto da pulcritude,<br />
ela exprime o maravilhoso<br />
gracioso e, neste sentido,<br />
ela o exprime magnificamente.<br />
E a linha da feeria continua in-<br />
De cima para baixo: Sala do<br />
Conselho, Salão Branco, portal de<br />
entrada para os aposentos da Imperatriz<br />
34
Salão das Tapeçarias<br />
Fotos: Ignis / Jean-Pierre Dalbéra / Tim Schofield<br />
teiramente afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela<br />
é até mais raffinée do que as salas de Luís XIV.<br />
E notem uma coisa curiosa: dentro de todo esse gracioso<br />
há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela<br />
alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com<br />
todos os encantos do crepúsculo, mas já não é aquela coisa<br />
maravilhosa da aurora.<br />
Essa sala, com todo o seu maravilhoso, poderia ser<br />
de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia<br />
ir além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa<br />
de perigoso, porque se uma pessoa fica muito tempo<br />
aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras<br />
salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é<br />
o anestésico do otimismo. Está tudo arranjadinho, redondinho.<br />
As cadeiras já são um pouco dadas ao anatômico, por<br />
incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira<br />
com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras<br />
têm perninhas baixinhas.<br />
Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas<br />
dominantes nessa sala. <br />
v<br />
1) Refinado, requintado.<br />
(Extraído de conferência de 31/10/1966)<br />
35
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
Revista Dr. Plinio 184, Julho de <strong>2013</strong><br />
David Domingues<br />
30
Guardas<br />
pontifícias<br />
A honra, a nobreza e a alegria em dedicar-se<br />
ao Papado estão refletidas no esplendor<br />
dos uniformes e nos símbolos<br />
das Guardas do Vaticano.<br />
AGuarda Suíça é um dos organismos existentes no<br />
Vaticano, responsáveis pela defesa. É recrutada<br />
entre suíços desde o século XV 1 , e seu uniforme<br />
foi desenhado por Michelangelo.<br />
As Guardas Suíça, Nobre e a Gendarmeria<br />
Aqui encontramo-la em grande aparato 2 . Todos os soldados<br />
estão de couraça e com uma espécie de gola feita<br />
de um tule frisado, que se usava muito no tempo em que<br />
essa farda foi desenhada.<br />
31
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
heroismedievais.blogspot.com.br<br />
VÌctor Toniolo<br />
VÌctor Toniolo<br />
Em outra foto os guardas suíços estão em cortejo, portando<br />
alabardas e uma bandeira, provavelmente da corporação<br />
deles, atravessando um lugar muito bonito. Notam-se<br />
algumas colunas e um pedaço de muro completamente<br />
trabalhado; talvez seja aquele portão que fica ao<br />
lado direito de quem entra no Vaticano, na colunata de<br />
Bernini.<br />
Na cena da Guarda pontifícia prestando juramento<br />
veem-se dois magníficos estandartes, um deles com as armas<br />
papais e o outro com as cores da Guarda, e um dos<br />
militares que faz o juramento.<br />
Podemos observar os guardas com seus tambores.<br />
Que bonitos tambores!<br />
O Papa tem outro destacamento, que é a Guarda Nobre,<br />
composta exclusivamente de nobres com categoria<br />
de oficiais, cujo traje é naturalmente muito mais próprio<br />
ao nobre.<br />
Existe também a Gendarmeria pontifícia, cujos soldados<br />
portam trajes do tempo de Napoleão: um gorro<br />
de pele bem alto, com um ornato vermelho na parte de<br />
cima, e calças brancas colantes; o paletó tem vagamente<br />
a forma de um fraque; as botas sobem muito alto.<br />
É um muito bonito uniforme. Em geral, escolhem para<br />
essa Guarda pessoas com alguma relação com a Santa<br />
Sé, não diretamente nobres, mas que voluntariamente<br />
prestam esse serviço. Por exemplo, em 1950, quando<br />
estive na Europa, um sobrinho de São Pio X pertencia<br />
a essa Guarda.<br />
Numa das fotografias, vemos um destacamento da<br />
Guarda Suíça marchando.<br />
Eu me entusiasmei com os elmos da Guarda Suíça<br />
— que são lindíssimos! — e fiz o possível e o impossível<br />
para trazer um para a Sede de nosso Movimento.<br />
32
VÌctor Toniolo<br />
Diego Beniitez<br />
heroismedievais.blogspot.com.br<br />
Júbilo em dedicar-se ao Papa<br />
Podemos ver em outra fotografia dois uniformes: da<br />
Guarda Suíça e da Gendarmeria. Trata-se de uniformes<br />
com três séculos de diferença; um é do século XVI, o<br />
outro do século XIX.<br />
O uniforme do século XVI é, como todas as coisas<br />
antigas, muito mais vistoso, alegre e brilhante do que o<br />
uniforme do século XIX. No do século XVI, observem<br />
o elmo com um ornato de pluma vermelha, e a beleza da<br />
couraça, que traz uma reminiscência medieval, e as luvas,<br />
as quais têm ainda a manga de couro vermelho. Eles não<br />
usam propriamente botas, mas meias muito aderentes à<br />
perna e presas ao joelho por uma liga dourada, com um<br />
laço.<br />
Tudo isso lembra melhor o esplendor das antigas cortes,<br />
a alegria e a doçura de viver. Mas a Revolução é feita<br />
de tristeza. E sempre que ela se introduz, vai obscurecendo<br />
as cores, os risos, entristecendo a vida. O próprio<br />
da Revolução é procurar concentrar toda a alegria da vida<br />
na concupiscência, de maneira que a existência não<br />
tenha outros gáudios.<br />
A farda da Guarda Suíça possui muitos valores católicos.<br />
Qual é a alegria que exprime essa farda? É um gáudio<br />
que não tem nada de sensual; é o júbilo de ser soldado,<br />
de combater, de ser dedicado ao Papa.<br />
A Religião tem o direito e o dever de se servir da força,<br />
em determinadas circunstâncias, para realizar os seus<br />
fins. De maneira que essa Guarda não foi feita apenas<br />
para custodiar os tesouros do Vaticano; eram as tropas<br />
dos Estados Pontifícios no tempo em que o Papa tinha<br />
um dos Estados mais importantes da península itálica.<br />
Quando os Estados Pontifícios foram ocupados, em<br />
1870, por Garibaldi e pela Casa de Saboia, algumas dessas<br />
tropas foram aproveitadas para guarnecer o Vatica-<br />
33
<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã<br />
fuerzaesp.org<br />
mundabor.wordpress.com<br />
À esquerda,<br />
militar da<br />
Gendarmeria<br />
Vaticana; à<br />
direita, Papa<br />
Pio XII escoltado<br />
pela Guarda<br />
Nobre Pontifícia<br />
no, que era um resto de território soberano, o qual o adversário<br />
não ousou invadir. Porém, na realidade, trata-se<br />
de tropas de combate, com um tipo de uniforme — com<br />
maior ou menor diferença — usado pelos soldados dos<br />
príncipes soberanos daquele tempo. Temos aqui, portanto,<br />
um tipo e um ideal militar, em que muito da graça da<br />
vida de corte e da leveza da cavalaria antiga estavam associadas.<br />
Dragonas: símbolo da honra militar<br />
O uniforme da Gendarmeria é caracteristicamente napoleônico.<br />
Se compararmos com os uniformes de nossos<br />
dias, que diferença! Quanto adorno ainda existe! A farda<br />
é mais triste do que a da Guarda Suíça, de uma cor escura,<br />
mas esse escuro é quebrado de quando em quando<br />
por algo. Nota-se uma pluma vermelha, que dá impressão<br />
de uma última nota de alegria, em comparação com a<br />
abundante pluma vermelha usada pela Guarda Suíça. É<br />
o último penacho de alegria que ainda resta. E para quebrar<br />
o que esse gorro de pele tem de muito pesado, foram<br />
postos dois cordões brancos com uma borla.<br />
Nota-se nessas fardas algo que está desaparecendo ou<br />
desapareceu do ornamento militar moderno: as dragonas,<br />
utilizadas para dar uma bonita forma ao corpo. Modelam<br />
o ombro e realçam muito o uniforme. Por vezes,<br />
são douradas como as da Guarda Nobre vaticana. Antigamente,<br />
e até o momento em que deixaram de ser usadas,<br />
as dragonas eram, junto com a espada, o símbolo da<br />
honra militar. Conspurcar as dragonas de um soldado ou<br />
de um oficial era o mesmo que esbofeteá-lo.<br />
Vemos na gola da farda da Guarda Nobre um ornamento<br />
claro, mais abaixo uma faixa e os botões dourados<br />
que combinam com um cinturão também dourado e muito<br />
bonito, de boa qualidade.<br />
Considerem a beleza da espada, as bonitas borlas que<br />
acompanham a bainha, e algo de análogo na copa. As<br />
mangas da casaca têm um retroussé 3 bonito; observem as<br />
luvas brancas, a alvura imaculada das calças e, depois, as<br />
botas.<br />
Comparado com os uniformes modernos, este é de um<br />
esplendor tal, que tenho impressão de que se mandássemos,<br />
em nossos dias, um regimento desfilar assim pelas<br />
ruas, o povo bateria palmas e sairia correndo atrás.<br />
Podemos imaginar, por exemplo, o sucesso que faria a<br />
Guarda Suíça, desfilando e tocando músicas características<br />
nas ruas de diversas cidades do Brasil. Que beleza seria!<br />
Verdadeiramente uma maravilha!<br />
v<br />
(Extraído de conferência<br />
de 19/1/1970)<br />
1) Embora o recrutamento de mercenários suíços para tropas<br />
tenha começado no século XV, a Guarda Suíça do Vaticano<br />
foi formada no início do século XVI (1506), por solicitação<br />
do Papa Júlio II.<br />
2) As fotos que ilustram esta seção não são as mesmas comentadas<br />
por Dr. Plinio.<br />
3) Do francês: arregaçado.<br />
34
Victor Toniolo<br />
35
Revista Dr. Plinio 185, Agosto de <strong>2013</strong><br />
Dr. PLinio, aPóstoLo Do PuLcHrum<br />
Senso do maravilhoso: padrão<br />
para o conhecimento da verdade - I<br />
Gustavo Kralj<br />
Desde criança, Dr. Plinio tinha encantos pela Europa;<br />
e, sendo moço, quando conheceu a Baía de Guanabara ficou<br />
maravilhado e se perguntava se poderia haver algo mais<br />
belo. Possuía ele em sua alma um padrão de maravilhoso,<br />
pelo qual avaliava todas as coisas.<br />
T<br />
oda criança tem uma tendência para o maravilhoso.<br />
De maneira tal que, colocando vários brinquedos<br />
diante de uma criança, normalmente ela se inclina<br />
para o mais colorido, que chama mais a atenção e dá<br />
mais a ideia do maravilhoso. E o espírito dela também tende<br />
a fixar-se de preferência nas coisas maravilhosas que vê.<br />
O mais alto padrão de civilização<br />
a que chegou o mundo<br />
Lembro-me de mim mesmo, em pequeno, em várias circunstâncias,<br />
vendo coisas maravilhosas e fixando minha atenção.<br />
Isso ia preparando o meu espírito para dar o primado da<br />
preferência e da atenção para certas coisas lindíssimas, mais<br />
do que outras. Com o fundo da ideia de que era possível haver<br />
uma ordem de coisas muito mais bonita do que aquela<br />
que eu tinha diante dos meus olhos. E, por causa disso, eu deveria<br />
tender a conhecer e admirar essas coisas mais bonitas.<br />
Então, desde muito pequeno, tive admiração pela Europa.<br />
Porque é o mais alto padrão de civilização a que tenha<br />
chegado o Ocidente, ou o mundo. E quando eu observava<br />
ilustrações da Europa em revistas, lembrava-me<br />
de coisas que tinha visto em menino e dizia: “Tudo isso<br />
é de todo teto superior ao que eu tenho aqui. Portanto<br />
deve haver um mundo assim, e a alma humana foi feita<br />
para considerá-lo, estimá-lo, amá-lo, respeitá-lo. E, não<br />
32
André Morisson<br />
Sérgio Hollmann<br />
Eric Pouhier<br />
Berth Lieu Song<br />
podendo estar lá, pode-se ver em fotografias — é a única<br />
missão verdadeira da fotografia! — as maravilhas que<br />
não se tem, e se encantando com elas!”<br />
E em certas ocasiões eu pensava: “Isto é maravilhoso!”<br />
E, levado por esse desejo do maravilhoso, cogitava a respeito<br />
de qualquer coisa: “Poderia ser ainda mais maravilhosa!<br />
Deus não é obrigado a criar o mundo mais bonito possível<br />
para os homens, nem há um mais bonito possível para o Altíssimo,<br />
porque, sendo Deus infinito, Ele pode sempre fazer<br />
o mais belo, que não tem limite. Por mais maravilhoso que<br />
Ele faça, nunca tocará n’Ele. Não há um limite do máximo.<br />
Vai até onde minha imaginação puder ir, até onde a sabedoria<br />
e a bondade do Criador quiserem que vá.”<br />
Um episódio tão conhecido entre nós: eu, em menino,<br />
querendo comprar Versailles com uma libra esterlina... Isso<br />
porque, na minha inteligência infantil, aquilo rompia<br />
todos os padrões de maravilhoso que eu tinha concebido<br />
até então. Lembro-me de vir-me à mente a seguinte<br />
ideia: “Nunca imaginei que pudesse haver uma coisa tão<br />
maravilhosa!”<br />
Assistindo a um filme sobre os<br />
funerais de Francisco José<br />
Mais tarde, fiquei encantado assistindo a uma fita de cinema<br />
que representava os funerais do Imperador Francis-<br />
33
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Austrian National Library<br />
Para que as almas almejem<br />
grandes ideais, precisam<br />
habituar-se a terem uma<br />
plataforma em função<br />
da qual calculem as<br />
maravilhas das coisas.<br />
Funerais do Imperador Francisco José<br />
co José 1 — executados com precisão, uma coisa estupenda!<br />
—, e a Fräulein 2 , que era uma senhora da nobreza e conhecia<br />
bem os personagens, ia indicando: “Agora o funeral<br />
vai passar em frente à igreja tal, e é a hora do Conde tal<br />
fazer uma saudação para a Duquesa tal...” Acontecia exatamente<br />
como ela dizia, e o funeral continuava.<br />
Aquilo me encantava! Por quê? Por causa de uma medida<br />
vaga de perfeição em matéria de funeral, muito incompleta,<br />
que eu concebera vendo os enterros, tão mais modestos,<br />
em São Paulo. E de repente me esbarrar com aquela<br />
cerimônia, que ultrapassava tudo quanto eu tinha imaginado,<br />
o meu senso do maravilhoso se abria e se escancarava!<br />
Daí uma espécie de respeito e entusiasmo por aquelas coisas,<br />
que a crítica da idade madura não fez senão confirmar.<br />
Baía de Guanabara<br />
Indo em moço para o Rio de Janeiro, analisei várias<br />
vezes as três enseadas clássicas: Flamengo, Botafogo,<br />
Copacabana. Depois um trecho de mar mais adiante,<br />
que creio chamar-se Leblon — uma maravilha também!<br />
Em todas, perguntei-me, subconscientemente, se<br />
era possível imaginar uma coisa mais bela. E cheguei à<br />
conclusão de que, mar por mar, eu não conseguiria imaginar<br />
mais bonito. Não quero dizer que não haja, mas minha<br />
inteligência não chegou a imaginar algo mais belo.<br />
E porque não chegou, vem meu assentimento inteiro de<br />
que aquela Baía é realmente uma maravilha.<br />
De onde vinha minha inteira adesão à Baía de Guanabara?<br />
Do fato de haver uma coincidência entre o que<br />
eu via e aquilo que, mais ou menos subconscientemente,<br />
representava a ideia que eu podia ter do maravilhoso<br />
de uma baía.<br />
Padrão de maravilhoso<br />
a respeito de todas as coisas<br />
Uma das perfeições do espírito humano é ter uma noção<br />
do que seria o ideal de todos os seres. Quer dizer, um<br />
conceito de maravilhoso a respeito de todas as coisas, e<br />
Wolfhardt<br />
34
USA Library of Congress<br />
o hábito de confrontá-las com esse padrão maravilhoso<br />
que se deveria formar a respeito de tudo quanto se vê.<br />
Quando se diz, habitualmente, que alguém conheceu<br />
uma coisa inteiramente, afirma-se que a pessoa aprofundou-se<br />
naquele ponto. Ora, a expressão é verdadeira,<br />
porque em algum sentido se aprofunda; mas em outro<br />
sentido deve-se chegar até o píncaro. E a cognição inteira<br />
de algo vem da junção do mais profundo com o mais<br />
elevado, o mais admirável daquilo.<br />
Portanto, nós entendemos algo não apenas quando<br />
percebemos suas qualidades e defeitos, mas quando temos<br />
também um padrão mais ou menos instintivo do maravilhoso<br />
correspondente àquilo.<br />
Para que as almas almejem grandes ideais, grandes<br />
realizações, elas precisam habituar-se a terem uma plataforma<br />
em função da qual calculem as maravilhas das<br />
coisas. E saibam, portanto, aquilatar, avaliá-las pelos<br />
seus mais altos aspectos.<br />
Quando li os comentários de Cornélio a Lápide 3<br />
sobre o Céu empíreo, tive uma explosão de entusiasmo:<br />
“Chegará uma ocasião em que conhecerei esse<br />
maravilhoso e me deleitarei com ele. E enquanto minha<br />
alma estiver vendo Deus face a face, que é a maravilha<br />
das maravilhas, meu corpo estará ao mesmo<br />
tempo — porque, com minha alma, forma uma só<br />
pessoa — em contato com maravilhas físicas, que facilitarão<br />
o meu corpo a acompanhar o élan de minha<br />
alma rumo a Deus!” <br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência<br />
de 9/8/1988)<br />
1) Imperador da Áustria-Hungria, falecido em 1916.<br />
2) Do alemão: senhorita. Aqui Dr. Plinio refere-se à sua preceptora<br />
alemã, Srta. Mathilde Heldmann.<br />
3) Jesuíta e exegeta flamengo (* 1567 - † 1637).<br />
35
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Revista Dr. Plinio 186, Setembro de <strong>2013</strong><br />
Senso do maravilhoso:<br />
padrão para o co<br />
Afghana<br />
Acima, Taj Mahal; abaixo, Igreja de<br />
Santa Sofia; ao lado, pagode chinês<br />
Cobija<br />
Seha<br />
32
nhecimento da verdade - II<br />
O desenvolvimento do senso do maravilhoso<br />
faz crescer o nível intelectual das pessoas,<br />
e até mesmo o moral. Comprimir esse senso,<br />
sob a alegação de que é fantasia, torna os espíritos<br />
achatados, baixos e sem valor.<br />
Ao considerarmos as grandes civilizações, notamos<br />
que todas elas tendem a uma forma de maravilhoso<br />
que chegaram a tocar, por assim dizer,<br />
com a ponta do dedo, entretanto imaginaram muito<br />
mais do que de fato realizaram.<br />
Algumas construções maravilhosas<br />
Tomemos, por exemplo, o famoso Taj Mahal, na Ásia.<br />
É perfeito! Olha-se e, no primeiro momento, contenta-se<br />
inteiramente. Logo depois, não surgem censuras, porque<br />
aquilo é muito bonito, mas a alma pergunta: “Está<br />
bem! Mas não haverá mais?” E é imaginando vagamente<br />
o mais, que acabamos de entender bem o Taj Mahal.<br />
Outra coisa que eu acho muito bonita é o minarete.<br />
Aquelas torrezinhas finas, com terracinho, onde fica um<br />
homem sentado e cantando, é de uma elegância, de uma<br />
beleza... Imaginar um minarete no Bósforo é uma coisa<br />
simplesmente fantástica!<br />
Por exemplo, aquele minarete na Igreja de Santa Sofia<br />
não tende para alguma coisa de maravilhoso, de irreal?<br />
Como eu gostaria que essa igreja fosse católica! Ela é arredondada,<br />
e dentro é lindíssima! Fora, a beleza dela está<br />
no contraste daquele arredondado com um minarete<br />
esguio que sobe para o céu. Uma verdadeira maravilha!<br />
O pagode chinês é lindo! Mas meu gosto do maravilhoso<br />
não se contenta com isso. Por fervor religioso e<br />
gosto artístico, eu gostaria de imaginar bem no alto do<br />
pagode uma imagem da Imaculada Conceição, com uma<br />
lua, verdadeiramente elaborada com prata, aos pés, e esmagando<br />
a cabeça de uma serpente feita de jade.<br />
Pleclown<br />
33
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Existe na França uma escola de equitação pertencente<br />
ao Exército, que é uma antiga fortaleza medieval, na<br />
cidade de Saumur, onde se fazem os exercícios militares.<br />
Eu vi, numa iluminura medieval, uma pintura do Castelo<br />
de Saumur, completamente diferente do que é hoje.<br />
Tinha uma grande quantidade de torres, e no alto de cada<br />
uma figurava uma flor de lis, formando uma espécie<br />
de jogo de campanários imaginários, que é uma das coisas<br />
mais belas que eu tenha visto na minha vida!<br />
O mais bonito está no seguinte: parece que o Castelo<br />
de Saumur nunca foi como esse artista o pintou. O pintor<br />
viu o Castelo e imaginou um outro que não existia, mas<br />
que correspondia ao maravilhoso que desprendia de seu<br />
espírito, a partir daquilo que ele tinha visto!<br />
Se tomássemos essa tendência para o maravilhoso —<br />
que a educação moderna comprime o quanto pode, sob<br />
a alegação de que não é prático, é fantasia, etc. — e a desenvolvêssemos,<br />
cresceria muito em nós o nível intelectual<br />
e até mesmo o moral.<br />
O maravilhoso irreal é a ponta da realidade<br />
A meu ver, foi esse desejo do maravilhoso que criou<br />
os vitrais. Porque os vitrais apresentam, o tempo inteiro,<br />
as coisas com as cores que elas não têm. E isto faz propriamente<br />
a beleza do vitral. O artista imaginou um maravilhoso<br />
irreal que não é uma mentira, mas a ponta da<br />
realidade, e por causa disso os vitrais são maravilhosos;<br />
ele imaginou cores de vidros, reflexos, lampejos e, afinal<br />
de contas, chegou a um verde, a um vermelho ideal, que<br />
nos deixa encantados. Isso porque ele possuía uma alma<br />
fecunda em maravilhoso.<br />
Estamos acostumados a ouvir uma comparação exata,<br />
mas que a repetição tornou banal: quem entra numa<br />
igreja e vê o sol incidindo no vitral, projetando suas mais<br />
variadas cores no chão, é levado a dizer que o pavimento<br />
encheu-se de pedras preciosas. Realmente, aquelas cores<br />
são como que pedras preciosas que ficam pelo chão. Portanto,<br />
quem elaborou o vitral pintou a cena com uma atmosfera<br />
de pedra preciosa que a realidade não tem.<br />
Ora, o critério hoje em dia é o seguinte: “Se você quer<br />
conhecer algo, faça um inquérito, analise sua substância<br />
química, a quantidade, a qualidade, e só então o conhecerá.”<br />
Minha resposta seria: “É verdade. Mas enquanto você<br />
não vislumbrou o que a coisa poderia ser e não é, você<br />
não a conheceu inteiramente.” Essa análise científica<br />
é necessária, e deve-se reconhecer sua importância. Entretanto<br />
a incapacidade de imaginar alguma coisa acima<br />
daquilo é o desastre, pois torna os espíritos chatos, baixos<br />
e sem valor.<br />
Uma coisa que toda a vida eu quis conhecer foi a aurora<br />
boreal. Porque, pelas descrições que me têm sido<br />
feitas, ela representa um céu irreal na aparência, uma<br />
fantasmagoria feita por Deus para o homem, como quem<br />
diz: “Meu filho, Eu fiz um céu muito bonito para você<br />
Petrusbarbygere<br />
Nuno Moura<br />
À esquerda, o imaginário Castelo de Saumur - Museu Condé, França;<br />
acima, Mosteiro da Batalha, Portugal<br />
34
Zarex<br />
Aurora boreal no Alaska, EUA; escultura representando a Transfiguração do Senhor - Zaragoza, Espanha<br />
imaginar um ainda mais belo. Não é para você ficar sentado<br />
como um idiota, olhando para aquele firmamento.<br />
Imagine outro! E, sendo incapaz de imaginar, para ter<br />
ideia de como é isso veja fotografias de auroras boreais.<br />
Aí você tem algo mais alto; levante sua alma!”<br />
Equilíbrio entre bom senso e<br />
desejo do maravilhoso<br />
Olhando para o Santo Sudário — a respeito do qual<br />
não existe no meu espírito a menor dúvida de que é verdadeiro<br />
—, percebe-se que Nosso Senhor Jesus Cristo,<br />
nas suas condições normais, era um Homem-Deus maravilhoso,<br />
como nunca se poderia imaginar. E qualquer rei<br />
seria uma ninharia, em comparação com Ele se apresentando<br />
e falando.<br />
Mesmo assim, Nosso Senhor, por assim dizer, treinou<br />
os Apóstolos para algo mais. Na Transfiguração, no alto<br />
do Tabor, Ele não se adornou com elementos externos.<br />
O Redentor fez aparecer uma beleza maior, que havia no<br />
fundo d’Ele pela natureza divina. E ali apareceu multiplicado<br />
por Ele mesmo, produzindo nos Apóstolos o efeito<br />
que conhecemos. Quer dizer, mesmo na maravilha das<br />
maravilhas, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, a graça filtrando<br />
faz aparecer uma maravilha ainda maior, inerente<br />
a Ele, mas que era sua Transfiguração, a figura multiplicada<br />
pela figura, ficando maravilhosa como ficou.<br />
Esse é o sinal de que em todas as coisas devemos procurar<br />
seu “trans-aspecto”, com o qual verdadeiramente a<br />
nossa alma se forma, desde que tenha um bom senso robusto,<br />
porque do contrário isso conduz para o rodopio.<br />
Deve haver um equilíbrio entre o bom senso e o desejo<br />
da maravilha, que forma propriamente a força da alma<br />
humana.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de 9/8/1988)<br />
35
Revista Dr. Plinio 187, Outubro de <strong>2013</strong><br />
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Wayne Silver<br />
Emmanuel Huybrechts<br />
A borboleta, o<br />
Quantas maravilhas Deus criou no universo! Ao observá-las,<br />
o homem deve procurar entender não apenas suas razões<br />
funcionais, mas seus sentidos mais elevados, como fazia Dr.<br />
Plinio. Pessoa altamente contemplativa, tudo quanto caia<br />
sob seus olhos ele relacionava com o Criador.<br />
Q<br />
uando era criança, eu corria atrás de borboletas,<br />
encantadíssimo! Há borboletas com um tipo de<br />
voo do qual gosto muito: flutuam, brincam com<br />
o ar. Sem saber, servem de deleite para outros; e embora<br />
não tenham um pingo de faceirice, se fossem faceiras,<br />
mexeriam as asas e voariam daquele jeito, para serem<br />
mais admiradas. É uma coisa bonita de ver.<br />
O azul luminoso<br />
Em minha opinião, uma das mais belas cores é o<br />
azul luminoso, esplendoroso, mas discreto das asas das<br />
borboletas. Dir-se-ia que a luz está dentro dessa cor. Ao<br />
se movimentarem as asas, o azul desaparece e surge o<br />
prateado. É propriamente um furta-cor, ou seja, um<br />
roubo de cor, uma cor rouba a outra. A meu ver, isso<br />
32
Paul Boxley<br />
Kor An<br />
pavão e o cisne<br />
produz um efeito ocular muito bonito, fantástico! Quase<br />
se diria que um inseto como esse não poderia existir.<br />
Isso me faz lembrar uma frase de Nosso Senhor, a<br />
propósito dos lírios do campo. Ele ensinou que não<br />
devemos nos preocupar com as coisas desta Terra além<br />
do limite necessário, porque a Providência vela sobre<br />
nós. E, então, disse o Redentor: “Olhai como crescem os<br />
lírios do campo! Não trabalham, nem fiam. No entanto,<br />
Eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais<br />
se vestiu como um só deles.” 1<br />
Sem dúvida, se víssemos uma pessoa vestida com uma<br />
roupa feita de pétalas de lírio, ficaríamos maravilhados!<br />
Não existe um tecido como esse, assim como não há um<br />
tecido como as asas de uma borboleta.<br />
Um manto real esplêndido<br />
Outras duas belezas da Criação são o cisne e o pavão.<br />
Poder-se-ia dizer que a cauda do pavão é um manto<br />
real absolutamente esplêndido e muito bem cortado. Há<br />
no pavão uma evidente nobreza, e uma beleza admirável<br />
das plumas da cauda, no furta-cor azul e verde das penas,<br />
no jeito, na anatomia — por assim dizer — do pescoço<br />
dele. Nessa ave tudo é grande, exceto a cabeça, mas esta<br />
constitui o centro pequeno e vivo que dá movimentação<br />
a todo o resto, enquanto cabe a um ser irracional.<br />
O modo de um pavão se mover é como o de uma<br />
rainha. Ele anda com um estilo nobre, calmo, não se<br />
assusta com nada; quando corre, fá-lo com uma certa<br />
dignidade; e quando para, não fica ofegante, mas com<br />
33
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
compostura. Cessado o perigo, ele volta à contemplação,<br />
não tanto de si mesmo, mas do pulchrum formado por<br />
ele e pelo que o rodeia.<br />
Quando o pavão abre a roda, prestem atenção no<br />
pescoço dele e nos ares que toma; ares de superioridade,<br />
como quem diz: “Eu sou dono desta roda magnífica atrás<br />
de mim; mas não é apenas uma exposição de penas que<br />
levo comigo; sou superior; olhem a minha marcha e o<br />
meu pescoço todo feito de ‘joias’! Olhem a posição de<br />
minha cabeça! Considerem o meu olhar, o meu bico...<br />
Eu sou o pavão!”<br />
O rei da água<br />
Outra expressão do belo é o cisne, entretanto tão<br />
menos ornado do que o pavão. Enquanto o pavão tem<br />
aquela sua “joalheria”, sendo uma das aves mais belas<br />
criadas por Deus, o cisne, não. Ele é de uma cor só:<br />
branco ou, então, simplesmente preto. Mas observem o<br />
seu jeito de deslizar sobre as águas. Quando quer moverse<br />
um pouco, o cisne faz um leve movimento com as<br />
patas por debaixo da água e desliza suavemente. Temse<br />
a impressão de que ele se contempla nas águas, e que<br />
estas ficam contentes de refleti-lo.<br />
Ao confrontar o cisne com o pavão, nota-se serem<br />
ambos insignes pela beleza: um pela pulcritude simples<br />
e elegante, e o outro pela beleza ornada e majestosa.<br />
São duas formas de beleza, levadas pelo Criador a uma<br />
perfeição que nos deixa pasmos!<br />
O cisne tem tanta placidez, tal domínio da natureza<br />
líquida, onde se move com tanta facilidade, que parece<br />
ser o rei da água. E a massa líquida parece feita para<br />
adornar e manifestar a beleza do cisne.<br />
Quanta diversidade no cisne! Acima, a cabeça;<br />
depois, o pescoço elegantíssimo e o corpo um pouco<br />
volumoso. Se considerássemos só a cabeça e o pescoço,<br />
seria uma víbora elegante; se olhássemos somente para<br />
o corpo, seria um pato elegante. Mas como o cisne é<br />
superior ao pato e à víbora! Que harmonia maravilhosa<br />
no encontro entre o pescoço tão delicado e o corpo<br />
grosso — para o qual, entretanto, não falta elegância...<br />
— e ressaltado pelo branco magnífico, feito para brilhar<br />
à luz do Sol!<br />
Deixar o prático-prático e contemplar<br />
Uma das razões de ser dessas maravilhas é tirar o<br />
homem do prático-prático, fazendo-o compreender que<br />
Amanda Grobe<br />
34
as coisas não existem apenas por um motivo funcional,<br />
mas também por um sentido mais elevado.<br />
Quando se tem o frescor da alma católica, sente-se<br />
gosto em permanecer vários minutos olhando para o<br />
cisne que singra as águas. Contemplando sem nenhum<br />
pensamento definido; mas quanta riqueza existe em<br />
muitos pensamentos indefinidos!<br />
Vem-nos a impressão de que há algo de mais delicado,<br />
mais gracioso, mais digno, mais nobre do que nossa<br />
natureza humana considerada só em sua decadência.<br />
O que Nosso Senhor disse sobre Salomão e os lírios do<br />
campo, poderíamos aplicar ao cisne: Nenhum rei jamais<br />
teve glória tão bela como a do cisne!<br />
Então, para além do homem existe algo mais alto:<br />
Deus, Nosso Senhor, ao Qual nos convidam os esplêndidos<br />
movimentos de alma que quadros como esses sugerem.<br />
v<br />
1) Mt 6, 28-29.<br />
(Extraído de diversas conferências 2 )<br />
2) 14/1/1974, 10/6/1985, 9/9/1988, 16/9/1989 e 6/1/1992.<br />
Dick Daniels<br />
Dick Daniels Tony Hisgett<br />
35
Dr. PLinio, aPóstoLo Do PuLcHrum<br />
Esplendor do irreal<br />
Revista Dr. Plinio 188, Novembro de <strong>2013</strong><br />
Midori<br />
Dr. Plinio possuía, entre outros, o dom de discernir a alma dos povos.<br />
Fazendo considerações a respeito do japonês, dizia que, por detrás<br />
de sua fisionomia impassível, há — além de grande combatividade e<br />
capacidade de organização — uma delicadeza quase lírica e um espírito<br />
contemplativo enorme. Seus comentários sobre paisagens do Japão nos<br />
ajudam a compreender e admirar as qualidades nipônicas.<br />
Resolvi que fossem projetadas algumas fotografias<br />
do Japão 1 , para indicar certos panoramas<br />
profundamente diferentes daqueles com os<br />
quais estamos acostumados no Ocidente e, neste sentido,<br />
dignos de uma análise especial, com vistas a uma pergunta:<br />
como seria uma civilização católica japonesa?<br />
Monte Fujiyama<br />
Considerem o famoso Monte Fujiyama, cuja beleza<br />
está na doçura das formas com que ele se espraia. É um<br />
quê indefinido, orientalíssimo, lindíssimo, com uma natureza<br />
vegetal de um estilo completamente diferente do<br />
nosso. Essas cerejeiras nos dão a impressão de uma arborização<br />
feita de cristal; a cor um tanto avermelhada e<br />
a galharia um pouco cruzada são uma verdadeira maravilha,<br />
como delicadeza!<br />
Observem como o Fujiyama desce numa linda suavidade<br />
sobre as encostas! Poderíamos imaginar onde pôr<br />
uma imagem, um mosteiro ou uma abadia. Mas seria necessário<br />
aparecer um engenheiro, um arquiteto que tivesse<br />
a inspiração de quem construiu a abadia do Mont-<br />
-Saint-Michel. Porque, ou se põe sobre o Fujiyama uma<br />
obra de arte fenomenal, que o complemente, ou não se<br />
32
coloca nada. O céu é de um azul muito delicado, muito<br />
discreto.<br />
Local ideal para uma capela ou um êremo<br />
Vemos aqui uma construção num autêntico estilo antigo.<br />
Notem as formas suaves com que as pontas desse teto<br />
se levantam, constituindo ângulos.<br />
Tudo isso é recolhidíssimo. Como faria bem para uma<br />
pessoa, por exemplo, passar uma manhã passeando por<br />
aqui, caminhando de um lado para outro por esses matos,<br />
tomando um barquinho e navegando nesse lago e,<br />
depois, chegando a esse pagode, aconchegar-se. Quanto<br />
recolhimento uma coisa dessa não daria!<br />
Os povos do Oriente têm um chamado especial para<br />
a vida recolhida, e o número de vocações para as ordens<br />
contemplativas é muito maior do que no Ocidente. O cenário<br />
convida à contemplação. É uma dessas paisagens<br />
que possuem, a meu ver, o mais alto predicado que um<br />
panorama possa ter na Terra: a qualidade de reter. As<br />
coisas que vemos e que nos dão vontade de permanecer<br />
junto a elas, são de primeira classe. Aquilo que nos tira<br />
a distância psíquica 2 e nos dá vontade de sair, é de quinta<br />
classe.<br />
33
Dr. Plinio, apóstolo do pulchrum<br />
Matanya<br />
663highland<br />
Esse panorama que estou analisando nos convida a ficar.<br />
O telhado forma uma espécie de concha, tranquilizando<br />
o indivíduo que o contempla. Sente-se um certo ar<br />
de mistério pairando sobre esse edifício e essa paisagem.<br />
É um silêncio de todas as coisas o qual diz algo que não<br />
sabemos bem o que é.<br />
É ou não é verdade que seria um local ideal para uma<br />
capela, ereta em louvor de Nossa Senhora, ou para um<br />
êremo 3 ?<br />
Castelo da época feudal<br />
Outro lindo edifício: um castelo do tempo do feudalismo<br />
japonês. Considerem a delicadeza, o esplendor e a<br />
solidez da construção e, novamente, a delicadeza da vegetação.<br />
Para saberem qual o valor e a utilidade de algo, eu<br />
aconselho imaginarem como seriam as coisas se aquilo<br />
não existisse. Suponham, por exemplo, que esse castelo<br />
não tivesse essas pontas, mas, pelo contrário, tudo terminasse<br />
em ângulo reto. Não seria uma coisa sem graça?<br />
Como foi tudo bem pensado! Quanto charme e quanta<br />
poesia tem isso!<br />
Se não houvesse essas figuras e essas pontas, não ficaria<br />
monótona essa série de andares, um em cima do outro,<br />
parecendo um brinquedo de criança que faz uma torre<br />
com cubos cada vez menores?<br />
O charme vem, precisamente, dessas pontas. Imaginem<br />
que alguém derrubasse essas duas figuras. O castelo<br />
não perderia algo de insubstituível? Esse teto, todo ele<br />
assim franzido, como nos proporciona um ponto de vista<br />
diverso! Por outro lado, acompanha o castelo preparando<br />
uma transição entre essa massa de edifícios e o rés do<br />
chão. Como tudo é bem calculado, nobre e distinto!<br />
Reino do maravilhoso<br />
Outro tipo de panorama tipicamente japonês, todo feito<br />
de beleza dos pormenores, é o das cascatas. Cada lance<br />
é uma espécie de reservatório. Às vezes, tem-se a impressão<br />
de que, ao correr, a água não faz um barulho estridente,<br />
mas um som à maneira de certas músicas japonesas.<br />
34
663highland<br />
Jokodak<br />
Nagoya Taro<br />
Vejam a beleza dessa árvore vermelha. O vermelho da<br />
vegetação causa-nos a sensação de que a árvore se estende,<br />
cobrindo de um toldo essas quedas de água poéticas.<br />
Qual será a verdadeira altura disso? Não sabemos. Sem<br />
dúvida, é um lindo panorama!<br />
Ao considerar a impassibilidade do japonês, não se sabe<br />
tão facilmente o que está se passando em sua cabeça,<br />
por detrás daquela fisionomia impassível. E quando nos<br />
perguntamos o que existe ali, notamos que, ao lado de<br />
uma grande combatividade, há uma delicadeza quase lírica,<br />
uma grande capacidade de organização e um espírito<br />
contemplativo enorme. Entretanto, nós entendemos essas<br />
palavras à ocidental. Seria preciso compreendê-las à<br />
japonesa, que é uma coisa diferente. E isso não sou capaz<br />
de exprimir, porque me faltam as palavras no vocabulário.<br />
O que eu chamo de “oriental” é o seguinte: tomemos<br />
uma coisa gótica, por exemplo, a abadia do Mont-Saint-<br />
-Michel; é bonita tanto quanto uma coisa o possa ser, mas<br />
não dá aquela impressão de feérico de uma coisa oriental,<br />
do conto de fadas do Oriente. E vale para o Oriente inteiro,<br />
porque algumas dessas paisagens são feéricas. Quando<br />
contemplamos a Baía de Guanabara, vemos que possui aspectos<br />
lindíssimos, de toute beauté 4 ; mas feéricos, nesse<br />
sentido da palavra, dando-nos a impressão de ter entrado<br />
no irreal, não. A natureza oriental é de uma elevação tal<br />
que não é o esplendor da realidade, mas do irreal. Isso é o<br />
dom da Ásia. É o reino do maravilhoso. Esse perfume do<br />
irreal é um dos modos de se chegar ao Céu. v<br />
(Extraído de conferência de 19/2/1972)<br />
1) As fotografias que ilustram esta seção não são as mesmas<br />
comentadas por Dr. Plinio.<br />
2) Expressão utilizada por Dr. Plinio para significar uma<br />
calma fundamental, temperante, que confere ao homem a<br />
capacidade de tomar distância dos acontecimentos que o<br />
cercam.<br />
3) Casas onde se vivia em regime de recolhimento, dividindo<br />
o tempo entre o estudo, a oração e as atividades de<br />
apostolado. Ver Revista “Dr. Plinio”, n. 174, p. 13, nota n. 4.<br />
4) Do francês: de toda beleza.<br />
35
<strong>Luzes</strong> Da civiLização cristã<br />
Revista Dr. Plinio 189, Dezembro de <strong>2013</strong><br />
Francisco Lecaros<br />
32
Astro del Ciel, pargol divin,<br />
Mite agnello, Redentor,<br />
Tu che i Vati da lungi sognâr,<br />
Tu che angeliche voci nunziâr,<br />
Luce dona alle menti,<br />
Pace infondi nei cuor.<br />
Astro del Ciel, pargol divin,<br />
Mite agnello, Redentor,<br />
Tu di stirpe regale decor,<br />
Tu virgineo, mistico fior,<br />
Adeste fideles læti triumphantes,<br />
Venite, venite in Bethlehem.<br />
Natum videte<br />
Regem angelorum:<br />
Venite adoremus<br />
Dominum.<br />
Deum de Deo, lumen de lumine<br />
Gestant puellæ viscera.<br />
Deum verum, genitum non factum.<br />
Venite adoremus<br />
Dominum.<br />
A la nanita, nana, nanita<br />
nana, nanita ea<br />
mi Jesús tiene sueño<br />
bendito sea, bendito sea (Bis)<br />
Fuentecilla que corre<br />
Clara y sonora<br />
Ruiseñor que en la selva<br />
cantando llora<br />
Calla mientras la cuna<br />
se balancea<br />
a la nanita, nana<br />
nanita ea (Bis)<br />
Stille Nacht! Heilige Nacht!<br />
Alles schläft; einsam wacht<br />
Nur das traute heilige Paar.<br />
Holder Knab im lockigten Haar,<br />
Schlafe in himmlischer Ruh!<br />
Schlafe in himmlischer Ruh!<br />
Stille Nacht! Heilige Nacht!<br />
Gottes Sohn! O wie lacht<br />
Lieb´ aus deinem göttlichen Mund,<br />
Da schlägt uns die rettende Stund,<br />
Minuit, chrétiens,<br />
c’est l’heure solennelle,<br />
Où l’Homme Dieu descendit<br />
jusqu’à nous<br />
Pour effacer la tache originelle<br />
Et de Son Père arrêter le courroux.<br />
Le monde entier tressaille<br />
d’espérance<br />
En cette nuit qui lui<br />
donne un Sauveur.<br />
Peuple à genoux,<br />
attends ta délivrance.<br />
Noël, Noël, voici le Rédempteur,<br />
Noël, Noël, voici le Rédempteur !<br />
O<br />
“vitral”<br />
do<br />
Menino Jesus<br />
Olhei para o céu, estava estrelado<br />
Vi o Deus Menino empalhas deitado.<br />
Em palhas deitado, em palhas estendido,<br />
Filho duma rosa, dum cravo nascido!<br />
Estas palavras disse a Virgem<br />
Ai quando nasceu o Menino<br />
Ai vinde cá meu anjo loiro<br />
Meu sacramento divino<br />
What child is this, who, laid to rest,<br />
On Mary’s lap is sleeping,<br />
Whom angels greet with anthems<br />
sweet<br />
While shepherds watch are keeping?<br />
This, this is Christ the King,<br />
Whom shepherds guard and angels<br />
sing; 1<br />
Haste, haste to bring Him laud, 2<br />
The babe, the son of Mary!<br />
Olhei para o céu, estava estrelado<br />
Vi o Deus Menino empalhas deitado.<br />
Em palhas deitado, em palhas estendido,<br />
Filho duma rosa, dum cravo nascido!<br />
Why lies He in such mean estate<br />
Where ox and ass are feeding?<br />
Good Christian, fear: for sinners here<br />
The silent Word is pleading. 3<br />
Nails, spear shall pierce him through, 4<br />
The Cross be borne for me, for you; 5<br />
Hail, hail the Word Made Flesh, 6<br />
Zairon<br />
Sem dúvida, uma das luzes da Civilização Cristã é o belo e<br />
imenso repertório de cânticos natalinos por ela engendrado.<br />
Cantado por diferentes nações, o mistério do Natal adquire,<br />
segundo a índole de cada povo, diversos coloridos e matizes,<br />
como os raios do Sol ao atravessarem um vitral.<br />
Enquanto ouvia esses belos cânticos natalinos ingleses,<br />
eu estava pensando: Como é bonita a Civilização<br />
Cristã! Vemos como, nos vários povos,<br />
as canções de Natal variam de acordo com a índole nacional.<br />
Mas, de outro lado, como estão sempre presentes<br />
as mesmas características.<br />
Hinos de entusiasmo pela inocência<br />
Por exemplo, as músicas de Natal norte-americanas,<br />
brasileiras, italianas, alemãs, francesas, espanho-<br />
las, são bem diferentes. Entretanto, por toda parte os<br />
mesmos sentimentos despertados pelo Menino Jesus,<br />
por Nossa Senhora, por São José, pelo presépio, etc.,<br />
aparecem cantados de acordo com a índole de cada<br />
país.<br />
Quais são essas notas características?<br />
A primeira é a inocência. Os diversos povos souberam<br />
transmitir verdadeiramente um hino de entusiasmo pela<br />
inocência de Nosso Senhor, mas que repercute sob a forma<br />
de acordes da inocência com os quais cada um glorifica<br />
o Menino Jesus. Quer dizer, cada um dá o que tem de ino-<br />
33
De herdertjes lagen bij nachte<br />
Zij lagen bij nacht in het veld<br />
Zij hielden vol trouwe de wachte<br />
Zij hadden hun schaapjes geteld<br />
Daar hoorden zij ‘d engelen zingen<br />
Hun liederen vloeiend en klaar<br />
De herders naar Bethlehem gingen<br />
‘t liep tegen het nieuwe jaar<br />
Toen zij er te Bethlehem kwamen<br />
Daar schoten drie stralen dooreen<br />
Een straal van omhoog zij vernamen<br />
Een straal op het kribje benee<br />
Daar vlamd’ er een straal uit hun ogen<br />
En viel op het Kindeke teer<br />
平 安 夜 , 圣 善 夜<br />
万 暗 中 , 光 华 射 ,<br />
照 着 圣 母 也 照 着 圣 婴 ,<br />
多 少 慈 祥 也 多 少 天 真 ,<br />
静 享 天 赐 安 眠 , 静 享 天 赐 安 眠 。<br />
平 安 夜 , 圣 善 夜 !<br />
牧 羊 人 , 在 旷 野 ,<br />
忽 然 看 见 了 天 上 光 华 ,<br />
Ночь тиха, ночь свята,<br />
听 见 天 军 唱 哈 利 路 亚 ,<br />
Люди спят, даль чиста;<br />
救 主 今 夜 降 生 , 救 主 今 夜 降 生 !<br />
Лишь в пещере свеча горит;<br />
Там святая чета не спит,<br />
В яслях дремлет Дитя,<br />
в яслях дремлет Дитя.<br />
Busuku obuhle<br />
kunthulile konke nya,<br />
Emuzini ebethlehema,<br />
umsindisi azelwe kuwo,<br />
akadunyiswe ujesu,<br />
akadunyiswe ujesu.<br />
Busuku obuhle,<br />
bethandaza ebethlehema,<br />
nenleosi zihuba zithi,<br />
gloria gloria<br />
gloria in excelsis deo.<br />
At ang bawat isa ay nagsipaghandog<br />
Ng tanging alay.<br />
Bagong Taon ay magbagong-buhay<br />
Nang lumigaya ang ating Bayan<br />
Tayo’y magsikap upang makamtán<br />
Natin ang kasaganaan!<br />
Tayo’y mangagsiawit<br />
Habang ang mundo’y tahimik.<br />
Ang araw ay sumapit<br />
Ночь тиха, ночь свята,<br />
Озарилась высота,<br />
Светлый Ангел летит с небес,<br />
Пастухам он приносит весть:<br />
Вам родился Христос,<br />
вам родился Христос!<br />
खामोश है रात, बखत है रात,<br />
हर चीज़ है चुप हर चीज़ है शान्त<br />
मां और बेटे के तौर पर<br />
धन्य शिशु को प्रनाम कर<br />
येसु तेरे जनम पर, येसु तेरे जनम पर.<br />
खामोश है रात, बखत है रात,<br />
भेदवान देखें वोह पहला निशान<br />
परियां गांएं गीत आलैलुया<br />
बुलाएं किनारे और दूर से<br />
देखो, देखो येह शिशु को.<br />
W nędznej szopie urodzony,<br />
Żłób Mu za kolebkę dano !<br />
Cóż jest, czym był otoczony,<br />
Bydło, pasterze i siano.<br />
Ubodzy, was to spotkało,<br />
Witać Go przed bogaczami !<br />
Podnieś rękę, Boże<br />
Dziecię,<br />
Błogosław Ojczyznę miła.<br />
W dobrych radach, w dobrym bycie,<br />
Wspieraj jej siłę swą siłą.<br />
Dom nasz i majętność całą<br />
I wszystkie wioski z miastami.<br />
Καλήν ημέραν άρχοντες,<br />
αν είναι ορισμός σας,<br />
Χριστού την θείαν Γέννησιν<br />
να πω στ’ αρχοντικό σας.<br />
Χριστός γεννάται σήμερον<br />
εν Βηθλεέμ τη πόλει.<br />
Οι ουρανοί αγάλλονται<br />
χαίρει η κτήσις όλη.<br />
Εν τω σπηλαίω τίκτεται<br />
εν φάτνη των αλόγων<br />
ο Βασιλεύς των ουρανών<br />
και Ποιητής των όλων.<br />
cência para glorificar o Divino Infante.<br />
Isso vale muito mais do que o tambor 1 .<br />
O entusiasmo que cada um tem pela<br />
inocência d’Ele é um elemento de<br />
inocência em nós, porque se não tivéssemos<br />
nenhuma inocência, não<br />
nos interessaríamos por<br />
Ele. Quantas pessoas há<br />
por aí afora que não se interessam<br />
por Ele! E isso<br />
porque não têm verdadeira<br />
inocência. Se nos interessamos<br />
e cantamos bem a inocência<br />
do Menino-Deus, é<br />
porque há uma inocência<br />
em nós. Então, vê-se a inocência<br />
presente nesses cânticos.<br />
A ternura por Deus-Menino<br />
Está presente também a ternura. Dado o fato de o Menino<br />
Jesus ser tão fraco, tão pequeno, mas ao mesmo<br />
tempo Deus, há uma espécie de ternura, eu quase diria<br />
de compaixão, porque sendo Deus tão grande, entretanto está,<br />
por assim dizer, contido naquela criancinha. Surge, então,<br />
uma vontade de proteger o Menino Jesus contra qualquer<br />
perigo. Por isso, certas canções de Natal tomam, em certo<br />
momento, um ar de defesa e de proclamação de um hino.<br />
Um ”vitral” de músicas natalinas<br />
Eu gostei muito de encontrar essas várias notas nas<br />
canções inglesas que vocês cantaram tão bem. É a permanência<br />
do mesmo efeito salvífico, divino, salutar, do<br />
Menino Jesus sobre as almas das várias nações. É mais<br />
ou menos como o Sol que tem sempre a mesma cor, mas<br />
quando seus raios incidem sobre um vitral, ao atravessarem<br />
os vidros, tomam coloridos diferentes e muito harmoniosos.<br />
E se a luz se projeta no chão, fica uma beleza,<br />
como se alguém tivesse jogado ali pedras preciosas.<br />
Assim também, Jesus é um só, mas cantado pela alma<br />
anglo-saxônica — inglesa ou americana —, vê-se n’Ele<br />
uma beleza; cantado pela alma germânica, outra beleza;<br />
pela alma latina, outra beleza. Já ouvi canções eslavas<br />
em louvor do Menino Jesus, inclusive russas, muito bonitas,<br />
mas com uma outra nota. Também brasileiras, hispano-americanas,<br />
etc. Tudo isso forma o “vitral” do Menino<br />
Jesus. E foi a beleza que eu notei muito aqui, nas canções<br />
há pouco entoadas.<br />
Um verdadeiro presente<br />
Agradou-me muito também constatar a força, energia,<br />
ênfase e resolução com que cantaram. Agradeço este verdadeiro<br />
presente, em primeiro lugar, porque me deu uma<br />
recreação agradável após um dia inteiro de trabalho. Mas<br />
também porque são sentimentos internos que vocês revelam<br />
e que para mim valem muito mais do que qualquer canção.<br />
Ainda que fosse um concerto na Ópera de Nova York,<br />
com um coro fantástico, valia menos para mim do que essas<br />
canções entoadas pelos meus “bem-te-vis” 2 passados, presentes<br />
e futuros. Fico muito agradecido pela iniciativa que<br />
tomaram e peço a Nossa Senhora que os abençoe. v<br />
(Extraído de conferência de 30/12/1988)<br />
1) Dr. Plinio se refere à história de um pobre menino que, não<br />
tendo com que presentear a Jesus recém-nascido, toca diante<br />
d’Ele seu velho tambor.<br />
2) Título afetuoso dado por Dr. Plinio a seus jovens discípulos<br />
norte-americanos.<br />
34
Juloml<br />
Gustavo Kralj<br />
Grosty<br />
Carlos Moya<br />
Cancre<br />
VÌctor Toniolo<br />
Carlos Moya<br />
Carlos Moya<br />
35