<strong>Luzes</strong> da Civilização Cristã Revista Dr Plinio 191, Fevereiro <strong>2014</strong> Sacralidade e beleza em Wolfgang Moroder Arian Zwegers Saffron Blaze Ponte do Rialto Veneza, Itália 32
duas pontes europeias Em sua contínua busca da sacralidade e beleza nas coisas, Dr. Plinio era levado a analisar tudo sob este ponto de vista. Tecendo considerações a respeito de duas pontes — uma veneziana e outra francesa —, descreve o que elas têm de sacral e dessacralizante. Aponte do Rialto tem como característica marcante a extrema delicadeza da estrutura do arco. Nota-se que houve a intenção de fazer a ponte coberta, de maneira a garantir os transeuntes contra a chuva. Mas essa ideia funcional foi superada de tal maneira, que nem se é levado a pensar nela diante da delicadeza das arcadas sucessivas e do movimento de ascensão de uma parte e de outra, terminando num elemento monárquico e central que dá vagamente a impressão de um nicho de imagem num arco de triunfo. Delicadeza e seriedade De tal modo a parte funcional foi englobada pela parte arquitetônica, artística, que uma pessoa que olhasse para a ponte do Rialto não pensaria em chuva, nem em galeria, nem em nada disso. Teria a impressão de que isso foi colocado ali em cima como mero enfeite, o qual se destaca por um misto de delicadeza e de seriedade. Há seriedade aí porque há pensamento em tudo, há um desejo verdadeiro de fazer as coisas muito bem feitas, com uma grande aplicação de espírito. Essa aplicação de espírito, entretanto, se disfarça a si própria de maneira a se ter a impressão de que o artista que concebeu isso desenhou em poucos minutos e mandou colocar ali em cima essa estrutura. Chamo a atenção para os menores acabamentos. Notem a balaustrada como é bonita. Depois, o próprio arco da ponte, como é de um movimento delicado. Passando por debaixo, as águas prestigiosíssimas de Veneza, que parecem carregar consigo a beleza de todos os palácios por onde elas se movimentam. Vê-se aqui a proa de uma gôndola e outras embarcações. Na gôndola temos algo de muito delicado e que afirma vigorosamente a superioridade do espírito sobre a matéria, da arte sobre o funcional, do nobre sobre aquilo que é vulgar. O gondoleiro é um homem do povo; contudo, notem a elegância, a beleza do movimento e da posição dele; a nobreza com que ele desloca esse imenso remo. Ele está fazendo força, mas não nos dá ideia, nem um pouco, de uma força vulgar. Dir-se-ia quase que ele está executando uma figura especialmente para ficar elegante nessa fotografia. Hierarquia de valores e predomínio do estético sobre o útil Isso é sacral. Em que sentido é sacral? No sentido de que apresenta uma hierarquia de valores que conduz para o sacral, prepara para o sacral, sem que se possa afirmar diretamente que tenha uma nota intensamente sacral. O aristocrático, de si, tem uma parcela de sacral. Essa ponte, evidentemente, é aristocrática. O predomínio do estético sobre o útil tem qualquer coisa de sacral também, porque é uma forma de predomínio do espírito sobre a matéria. Há qualquer coisa de sacral nesse elemento monárquico central da ponte. Poder-se-ia imaginar uma imagem colocada em cada um desses arcos, de tal maneira que não se diria que o sacral se sentiria isolado, expulso, maltratado dentro desse ambiente. Eu deixo de me referir a esse pano, porque é uma propaganda comercial, e lamenta-se que aí esteja. O que existe aqui de não sacral? Não há nenhum emblema, nenhum sinal religioso. A influência da Renascença quase não deixou reminiscência alguma da Idade Média dentro disso. E se é verdade que nesses arcos caberiam bustos de imagens, caberiam também bustos de grandes homens de Florença ou da Antiguidade. Num desses arcos se poderia pôr, tanto São João Evangelista, São João Batista, como Pitágoras ou deuses profanos. Quer dizer, a atmosfera da Renascença já entrou aqui. Entrou no quê? Tudo isso é muito bonito, muito nobre, mas tem qualquer coisa de fruitivo, que não foi feito para a contemplação, mas para o gozo da vida, para o prazer. E com isso vai abrindo as portas para coisas piores. Esse seria o comentário sobre a ponte do Rialto. [Dr. Plinio comenta em seguida uma fotografia da ponte Alexandre III, situada sobre o rio Sena, em Paris.] 33