Estado e vontade coletiva em Antonio Gramsci
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
a mesma humildade do poeta, buscando encontrar nele a inspiração e a força<br />
necessárias para prosseguir e avançar <strong>em</strong> nossa militância. Mas, afinal, será<br />
<strong>Gramsci</strong> também nosso Virgílio?<br />
Pasolini volta à baila no belo texto de Eduardo Granja Coutinho, “As cinzas<br />
de <strong>Gramsci</strong>”: Pasolini e a crise da <strong>vontade</strong> revolucionária. Se, como sugere D’Orsi,<br />
<strong>Gramsci</strong> fora o Virgílio de Pasolini, aqui é Coutinho qu<strong>em</strong> se incumbe da tarefa<br />
de guiar paciente e generosamente — e gramscianamente, como um intelectual<br />
que se faz “simples” —, o leitor pelas tramas intricadas dos versos <strong>em</strong><br />
tercetos pelos quais o poeta t<strong>em</strong>atiza a relação entre paixão e ideologia, que,<br />
aliás, também era uma questão importante para <strong>Gramsci</strong>. Mostra, inicialmente,<br />
o pano de fundo do po<strong>em</strong>a: a crise da “cultura do engajamento” que parecia<br />
anunciar o fim da <strong>vontade</strong> revolucionária e que se aprofunda na segunda<br />
metade dos anos 1950. Num primeiro momento, a derrota do fascismo provocara<br />
um grande otimismo quanto à possibilidade de triunfo do socialismo. Não<br />
tardou, porém, para que essa “cultura revolucionária” esmorecesse, para o que<br />
concorreram diversos fatores, como a derrota da Frente Popular nas eleições<br />
de 1948 e o avanço das forças conservadoras e clericais, expresso no “anticomunismo”,<br />
no “colonialismo”, na “fome”, no “racismo”, no “ódio por tudo o que é<br />
diferente”: contra “os negros, os pardos, os judeus”, os “poetas”, os “homossexuais”.<br />
Por um instante somos levados a pensar que o poeta se refere aos dias<br />
atuais. Ai de nós! Mas voltando à sua época, a Grande Guerra havia terminado<br />
e, no entanto, <strong>em</strong> seu lugar instalara-se uma “‘paz mortal, desamorada’”, um<br />
“‘silêncio putrefato e infecundo’” que desconvidava ao engajamento. É essa<br />
atmosfera que circunda As cinzas e que explica seu tom pessimista, fruto da<br />
recusa pelo poeta do historicismo vulgar, fatalista, metafísico dos partidos<br />
comunistas. Afinal, “a ilusão que abrandava a vida resta [agora] na morte”.<br />
Trata-se, porém, de um pessimismo construtivo que clama por uma correta<br />
avaliação das circunstâncias históricas para enfrentar eficazmente seus desafios<br />
e contradições. Na realidade, para Coutinho, Pasolini compartilha do<br />
historicismo dialético de <strong>Gramsci</strong>, “segundo o qual o conhecimento da história<br />
orienta a práxis política”, ainda que o peso daquelas circunstâncias lançasse<br />
dúvidas sobre e eficácia da teoria gramsciana. “De que serve a luz?”, pergunta o<br />
poeta. Esse pessimismo construtivo repercute também nas paixões retratadas<br />
no po<strong>em</strong>a: a paixão revolucionária, expressa no ardor pela luta comunista, do<br />
qual <strong>Gramsci</strong> era o símbolo maior e que, agora, parecia não mais arder, sepulto<br />
16