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<strong>ED</strong>ITORIAL<br />
Não avisaram a vaca que<br />
haveria crise em 2015<br />
Araraquara a partir dos anos 40, passou a ser considerada<br />
uma das mais importantes bacias leiteiras do interior brasileiro; já<br />
naquela época sua posição estratégica, bem no centro no Estado<br />
de São Paulo, despertou principalmente a atenção da Nestlé e em<br />
1946, logo após a Segunda Guerra Mundial, a inauguração da<br />
fábrica nos altos da Vila Xavier era para responder à crescente<br />
demanda de Leite Ninho em termos nacionais.<br />
A economia local ganhou força; a empresa passou a gerar<br />
divisas e empregos e Araraquara se projetou com a Nestlé, agora<br />
incorporada ao poder que a Lupo dispunha pela sua apresentação<br />
como carro-chefe industrial fabricando meias. Ambas detinham<br />
esse simbolismo no engatinhar da industrialização caipira<br />
e empregavam quase 35% dos trabalhadores, de forma direta e<br />
indireta, num universo de 40 mil habitantes.<br />
É verdade, contam os antigos, que a presença da Nestlé no<br />
mercado absorvia um índice maior de profissionais, pois além dos<br />
colaboradores que operavam no interior da fábrica, havia a concentração<br />
dos pequenos, médios e grandes fornecedores de leite.<br />
O produto por sinal saia das fazendas na região de maneira simplória:<br />
os latões aluminizados eram deixados ao lado das porteiras<br />
de acesso às propriedades e transportados para a fábrica em<br />
Araraquara, se transformando em ouro branco e enriquecendo o<br />
agronegócio. Lupo e Nestlé viviam esta expansão industrial com<br />
o suporte logístico da Estrada de Ferro Araraquara e Companhia<br />
Paulista, ambas arrebanhando enorme contingente de trabalhadores,<br />
embora qualificados para a função.<br />
Só que o provérbio português é claro: “não há bem que sempre<br />
dure, nem mal que nunca se acabe...” e a frase passou a valer<br />
a partir de 2006, quando a Nestlé ainda era vista como a maior<br />
empresa mundial de alimentos e bebidas, também consagrada<br />
como a maior autoridade do mundo em Nutrição, Saúde e Bem-<br />
Estar. Em todos os países onde estava presente, o foco de suas<br />
atividades era de melhorar a qualidade de vida das pessoas com<br />
produtos saudáveis e saborosos.<br />
Mas, seria só isso? Absolutamente.<br />
A Nestlé precisava de números favoráveis<br />
em seus projetos e impulsionada<br />
pela proximidade de uma crise econômica,<br />
foi envolvida por comentários que<br />
Isenção de ICMS<br />
para produção<br />
de leite, permitiu<br />
a reestruturação<br />
da bacia leiteira<br />
na região de<br />
Araraquara<br />
poderiam levá-la ao fechamento da fábrica. Lembro bem, uma<br />
série de iniciativas do governo paulista, entre elas a isenção de<br />
ICMS para produção de leite, permitiu a reestruturação da bacia<br />
leiteira na região de Araraquara. Diante disso um sinal foi dado<br />
pela Nestlé do Brasil: a empresa anunciou investimento de R$<br />
120 milhões para construção de uma segunda fábrica em Araraquara.<br />
O investimento foi considerado um marco para colocar<br />
fim às especulações, mas sempre com o alerta da Nestlé fechar a<br />
unidade de Araraquara, hipótese admitida, inclusive, pelo presidente<br />
da Nestlé no Brasil na época, Ivan Zurita.<br />
Com os investimentos efetuados no reaparelhamento, a fábrica<br />
na cidade com novas instalações, implantou a montagem de<br />
duas novas linhas para produção de leite “in natura” e passou a<br />
produzir leite em caixinha com as marcas Ninho e Molico. Com<br />
isso a tonelagem produzida aumentou significativamente. Estes<br />
novos produtos acabaram por se tornar no ponto alto da unidade.<br />
Os produtos fabricados anteriormente, Leite Condensado e<br />
Moça Fiesta continuaram e continuam a ser produzidos.<br />
Todo este trabalho, já que o Estado de São Paulo consome<br />
40% dos derivados de leite produzidos no País, restabeleceu o<br />
equilíbrio do mercado, agregando pequenos produtores e assentados<br />
rurais, organizados em cooperativas ou individualmente.<br />
Só que se a crise naquela época não pegou o fornecedor,<br />
talvez agora, cause um terrorismo já que o consumo do leite caiu,<br />
os supermercados e as padarias compram menos e o produtor<br />
não sabe onde enfiar o leite. Consequentemente a produção nos<br />
laticínios também cai. Se tivesse jeito até poderiam conversar com<br />
a vaca e dizer: “Dá um tempo, solte o leite quando a crise passar,<br />
porque fazemos parte de uma cadeia produtiva”. Mas, não é bem<br />
assim. Hoje com o preço da carne em alta, as vacas correm o<br />
risco de assumir papel diferente no mercado e virar churrasco ou<br />
mistura na mesa, pois o produtor também não tem como sustentar<br />
o animal. Quem deve estar agradecido à crise é o porco, pois<br />
diminuindo o consumo da carne suína, é verdade que aumenta<br />
seu tempo de vida. Grandes indústrias alimentícias que passaram<br />
aperto na metade da última década, como a Nestlé que ameaçou<br />
ir embora, correm o risco de rever seus projetos.<br />
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