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Pense no Garfo! - Bee Wilson

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com as panelas. Mas cozer na água quente não devia parecer um próximo passo

evidente para quem nunca o tinha feito.

Portanto, os primeiros atos conscientes de ferver água exigiram um salto de

inventividade. Criar um recipiente para cozinhar, onde antes não havia nenhum, é

uma proeza de enorme criatividade. Ao cozinhar em fontes geotérmicas, embora

se possam usar vários sacos e cordas, eles não são essenciais: a própria terra que

contém a água fervilhante transforma-se na panela. Na falta de fontes termais,

porém, ferver exige um recipiente que seja forte o bastante para resistir ao calor

e do qual a comida não vaze.

ANTES QUE O PRIMEIRO OLEIRO fizesse a primeira panela, alguns alimentos

vinham prontos para serem cozidos em seus próprios recipientes. Os moluscos e

diversos répteis, em especial as tartarugas, têm seu próprio envoltório, como se

fosse uma peça de cerâmica. Até hoje ainda se usam conchas como utensílios e

para servir. Ao comer uma tigela fumegante de moules marinière, primeiro você

escolhe um dos mexilhões como uma pinça jeitosa para tirar a carne dos outros.

Similarmente, o antigo povo indígena yahgan, da Terra do Fogo, usava conchas

de mexilhões como pingadeira, para colher a gordura que escorria das focas ao

assar. Vários antropólogos sugeriram que passar desse uso de conchas de

moluscos para os recipientes para cozinhar teria sido um pequeno passo. Falou-se

muitas vezes nas conchas como uma etapa na transição para as panelas de

fabricação humana. Mas será que elas o foram?

Um mexilhão está longe de ter tamanho suficiente para ferver ou fritar

qualquer coisa além dele mesmo. Colher pingos de gordura está mais para a

ação de uma colher que de uma panela. Os índios norte-americanos incluíam-se

entre os que usavam conchas de mariscos como colheres e conchas afiadas de

mexilhão como facas para cortar peixe, mas, ao que se saiba, não os usavam

como panelas. Uma panela perolada de molusco – que é uma ideia atraente – só

comportaria uma quantidade de comida para alimentar um camundongo. Mas, e

quanto a moluscos maiores, e a répteis? Afirmou-se que o exemplo da culinária

com o uso de tartarugas – tal como a praticada por várias tribos amazônicas –

prova que a fervura era “viável” muito antes da invenção da cerâmica. Não há

dúvida de que cozinhar num casco de tartaruga é uma ideia romântica. Se algo

mais, além das próprias tartarugas, era preparado nesses cascos é outra história.

Além das conchas, há alguns candidatos mais plausíveis como primeiros

recipientes para cozinhar. Vários tipos de cabaças vegetais duras serviram de

tigelas, garrafas e cuias pré-históricas muito práticas. Outra família de

recipientes de cozinha baseados em plantas era a dos talos côncavos de bambu,

usados em toda a Ásia. Mas o bambu e as cabaças só eram encontrados em

algumas partes do mundo. Um recipiente mais universal, depois da descoberta de

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