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Pense no Garfo! - Bee Wilson

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alimento era cozido no vapor, e não fervido. As raízes leguminosas ou os pedaços

de carne podiam ser embrulhados em folhas de plantas e deitados no forno em

camadas, com as pedras quentes e sem o acréscimo de água, caso em que o

forno subterrâneo assemelhava-se mais a um forno comum que a uma caldeira.

Cozinhar com pedras quentes é algo que ainda se faz nos piqueniques litorâneos

de frutos do mar na Nova Inglaterra, Estados Unidos, nos quais mariscos recémcolhidos

são cozidos ali mesmo, na praia, dispostos num poço de pedras quentes,

madeira trazida pela ressaca do mar e algas marinhas, o que mantém a

suculência dos mexilhões. O método também é usado nos luaus havaianos, nos

quais um porco é envolvido em folhas de bananeira ou de taioba e enterrado num

forno quente (o imu) durante quase um dia inteiro, e depois desenterrado com

grande cerimônia e alegria. No Velho Mundo, entretanto, o cozimento com

pedras aquecidas não durou muito tempo depois do surgimento das cerâmicas.

Assim, é fácil presumir que cozinhar com pedras seja meramente uma

tecnologia inferior a ferver algo numa panela. Mas será verdade? Não há dúvida

de que se trata de uma forma inconveniente e tortuosa de preparar uma refeição

quente. A fervura num forno subterrâneo seria um método inviável para fazer o

tipo de cozimento com água quente que a maioria de nós faz no dia-a-dia:

macarrão, batatas ou arroz se perderiam na lama, e seria um modo

absurdamente ineficiente de cozinhar coisas como ovos ou aspargos, o que leva

apenas alguns minutos.

Entretanto, cozinhar com pedras quentes foi uma tecnologia esplêndida para

muitos usos que os cozinheiros do passado lhe davam. Era ótima para cozinhar

alimentos em grande quantidade, como mostra o exemplo do porco do luau. A

outra coisa notável era que o forno subterrâneo permitia que se comessem

diversas plantas silvestres que, de outro modo, não eram muito comestíveis. Os

alimentos tradicionalmente cozidos no calor brando e úmido do forno subterrâneo

tendiam a ser bulbos e raízes tuberosas, ricos em inulina, um carboidrato não

digerível pelo estômago humano (e presente no girassol-batateiro, razão dos seus

notórios efeitos de flatulência). O cozimento nas pedras quentes transformava

essas plantas por meio da hidrólise, um processo que libera a frutose digerível do

carboidrato. Em alguns casos, as plantas precisavam ser cozidas por até sessenta

horas para que ocorresse a hidrólise. Um agradável efeito colateral era que o

cozimento prolongado e úmido dava a bulbos silvestres pouco promissores um

sabor fantasticamente doce.

Algumas pessoas tinham tanto apego aos fornos subterrâneos e à fervura com

pedras quentes que achavam os recipientes para cozinhar inferiores ou mesmo

desnecessários. Os polinésios dos primórdios da era cristã – as pessoas que

viajaram para as ilhas do Pacífico oriental no primeiro milênio d.C., indo de

Samoa e Tonga para o Havaí, a Nova Zelândia e a Ilha de Páscoa – são um

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