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Pense no Garfo! - Bee Wilson

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cozida, ou ingerida crua, pode ocasionar uma doença chamada konzo, que causa

paralisia. A partir do momento em que foi possível cozinhar a mandioca numa

panela, ela passou de toxina inútil a valioso produto essencial, uma fonte polpuda

e doce de cálcio, fósforo e vitamina C (embora tenha poucas proteínas). O aipim

cozido é uma fonte fundamental de energia na Nigéria, em Serra Leoa e em

Gana, entre outros países, habitualmente ingerido depois de apenas se amassar o

tubérculo fervido até formar um purê saboroso, talvez com alguns temperos.

Esse é o clássico alimento cozido na panela: o tipo que aquece o estômago e

acalma o coração.

Os guisados são um prazer para o paladar, sobretudo por causa dos sumos:

aquela poderosa mistura de ervas, vinho e caldos. Desde o início, as panelas

permitiram que os cozinheiros captassem caldos que, sem elas, se perderiam nas

chamas. As panelas parecem ter sido particularmente valorizadas entre os povos

que comiam muitos frutos do mar, porque o barro retinha o saboroso sumo dos

moluscos. A cerâmica foi um enorme avanço por mais outra razão: era muito

mais difícil queimar o alimento do que quando ele era preparado diretamente no

fogo (embora também não seja impossível, como muitos podem atestar). Desde

que não se deixe a panela secar, a comida não queima.

As primeiras receitas de que se tem registro vieram da Mesopotâmia (região

dos atuais Iraque, Irã e Síria). Foram grafadas em escrita cuneiforme em três

tabuletas de pedra, há cerca de 4 mil anos, e oferecem um vislumbre instigante

de como os mesopotâmios deviam cozinhar. A vasta maioria das receitas é para

cozimento em panelas, quase todas para caldos. “Coloque todos os ingredientes

na panela” é uma instrução frequente. Pela primeira vez, as panelas fizeram do

ato de cozinhar uma prática refinada e sutil; mas preparar os alimentos nelas

também era mais fácil do que assá-los diretamente no fogo. Não dava muito

trabalho ferver a carne de carneiro com água, acrescentar um pouco de alhoporó,

alho e ervas amassados, e deixar tudo fervilhando em fogo brando. O

padrão elementar dessas receitas da Mesopotâmia era o seguinte: prepare a água

com gordura e sal a gosto; acrescente carne, alho-poró e alho; cozinhe na panela;

acrescente talvez coentro ou hortelã frescos, e sirva.

Toda uma gama de técnicas inaugurou-se com a olaria. Ferver alimentos foi a

mais importante delas, mas também se tornou possível usar grelhas de cerâmica

para assar bolos finos de milho, bolos de aipim e pães sem levedura; usar grandes

vasos para fermentar e destilar bebidas alcoólicas; e usar uma panela seca com

tampa para tostar grãos, sendo o mais notável exemplo disso o milho tostado da

Mesoamérica – a pipoca!

As pessoas também gostaram das panelas de barro por outra razão: o sabor

que elas davam aos alimentos. Nos tempos modernos, em geral descartamos a

ideia de que a superfície de um recipiente se misture com seu conteúdo.

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