BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)
Barthes auf Portugiesisch
Barthes auf Portugiesisch
- No tags were found...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
políticos e, mesmo quando se reivindicava a favor do gozo, era num tom
cominatório. Viram-se assim a maior parte das liberações postuladas, as da
sociedade, da cultura, da arte, da sexualidade, enunciar-se sob as espécies de um
discurso de poder: vangloriavam-se de pôr em evidência o que havia sido esmagado,
sem ver o que, assim fazendo, se esmagava alhures.
Se a semiologia de que falo voltou então ao Texto é que, nesse concerto de
pequenas dominações, o Texto lhe apareceu como o próprio índice do despoder. O
Texto contém nele a força de fugir infinitamente da palavra gregária (aquela que se
agrega), mesmo quando [pág. 33] nele ela procura reconstituir-se; ele empurra
sempre para mais longe — e é esse movimento de miragem que tentei descrever e
justificar há pouco, ao falar da literatura — ele empurra para outro lugar, um lugar
inclassificado, atópico, por assim dizer, longe dos topoi da cultura politizada, “esse
constrangimento de formar conceitos, espécies, formas, fins, leis... esse mundo de
casos idênticos”, de que fala Nietzsche; ele soergue, de modo frágil e transitório,
essa chapa de generalidade, de moralidade, de in-diferença (separemos bem o
prefixo do radial), que pesa sobre nosso discurso coletivo. A literatura e a
semiologia acabam assim por conjugar-se e por corrigir-se uma a outra. Por um lado,
a volta incessante ao texto, antigo ou moderno, o mergulho regular na mais
complexa das práticas significantes, isto é, a escritura (já que ela se opera a partir de
signos prontos), obrigam a semiologia a trabalhar sobre as diferenças e impedem-na
de dogmatizar, de “pegar” — de tornar-se pelo discurso universal que ela não é. E
por sua vez, o olhar semiótico pousado sobre o texto, obriga a recusar o mito a que
ordinariamente se recorre para salvar [pág. 34] a literatura da palavra gregária de
que ela está cercada, e que a comprime, e que é o mito da criatividade pura: o signo
deve ser pensado — ou repensado — para que melhor se decepcione.
A semiologia de que falo é ao mesmo tempo negativa e ativa. Alguém em
quem se debateu, nos bons e nos maus momentos, essa diabrura, a linguagem, só
pode ser fascinado pelas formas de seu vazio — que é o contrário absoluto de seu
oco. A semiologia aqui proposta é pois negativa — ou melhor ainda, por mais
pesado que seja o termo: apofática: não porque ela negue o signo, mas porque nega
que seja possível atribuir-lhe caracteres positivos, fixos, a-históricos, a-corpóreos,