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BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)

Barthes auf Portugiesisch

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descendente de tabeliães, Barthes comenta: “Não foi a escritura, durante séculos, o

reconhecimento de uma dívida, a garantia de uma troca, a firma de uma

representação? Mas, hoje, a escritura vai indo lentamente para o abandono das

dívidas burguesas, para a perversão, a extremidade do sentido, o texto...” (Roland

Barthes por Roland Barthes). Quanto à conotação “sagrada”, esta só enobrece o

termo escritura, com relação à escrita, geral e instrumental. [pág. 81]

Se esses argumentos ainda não forem suficientes, podemos ainda lembrar que

a palavra escritura, no sentido de escrita literária, está documentada em grandes

autores portugueses e brasileiros. Este não é, aqui, um argumento de autoridade, mas

um argumento “escriturai”: as palavras têm uma história e uma vida em determinadas

áreas de fala ou de escrita; e, no texto literário, quando vêm carregadas de

uma ascendência escriturai, elas entram num “intertexto” que só pode ser bemvindo.

Camões, por exemplo, usou a palavra escritura nos Lusíadas (IV, 56; V, 22;

V, 23; V, 89) como sinônimo de escrita ou de obra escrita; e, pelo menos uma vez,

essa palavra se refere exatamente à escrita poética, num poema lírico: “Cara minha

inimiga em cuja mão... Será minha escritura teu letreiro” (Soneto XLIX, col.

Hernani Cidade).

Vieira, na Introdução aos Sermões (I), diz: “Nunca me persuadi a sair à luz

com semelhante gênero de escritura, de que o mundo está cheio.” E Antônio de

Morais Silva explica, ao dar esse exemplo em seu Dicionário, que se trata aí da

acepção “obra literária” ou “literatura”.

Mário de Andrade, na página 181 dos Aspectos da Literatura Brasileira,

refere-se à diferença [pág. 82] entre o estilo do jornalista e o do escritor Raul

Pompéia: “O grande artista... Quem quer leia os veementes artigos de jornal de Raul

Pompéia e mesmo as suas mais discretas Canções sem Metro, se surpreenderá com a

distância inexplicável que medeia entre estes e a escritura do Ateneu.” E mais

adiante: “Mas conseguiu o que pretendia, a escritura artista, artificial, original,

pessoal, tão sincera e legítima como qualquer simplicidade” (p. 183). (Devo a

lembrança dessas citações camonianas e marioandradinas a Haroldo de Campos. A

de Vieira me foi indicada por Segismundo Spina.)

Para terminar, citarei Clarice Lispector, que diz lindamente, pela boca de uma

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