BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)
Barthes auf Portugiesisch
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E
u deveria começar por interrogar-me acerca das razões que inclinaram o
Colégio de França a receber um sujeito incerto, no qual cada atributo é, de certo
modo, imediatamente combatido por seu contrário. Pois, se minha carreira foi
universitária, não tenho entretanto os títulos que dão geralmente acesso a tal carreira.
E se é verdade que, por longo tempo, quis inscrever meu trabalho no campo da
ciência, literária, lexicológica ou sociológica, devo reconhecer que produzi tãosomente
ensaios, gênero incerto onde a escritura rivaliza com a análise. E se é ainda
verdade que, desde muito cedo, liguei minha pesquisa ao nascimento e ao
desenvolvimento da semiótica, [pág. 07] é também verdade que tenho pouco direito
de a representar, tendo sido tão propenso a deslocar sua definição, mal esta me
parecia constituída, e a apoiar-me nas forças excêntricas da modernidade, mais
próximo da revista Tel Quel do que das numerosas revistas que, através do mundo,
atestam o vigor da pesquisa semiológica.
É pois, manifestamente, um sujeito impuro que se acolhe numa casa onde
reinam a ciência, o saber, o rigor e a invenção disciplinada. Assim sendo, quer por
prudência, quer por aquela disposição que me leva freqüentemente a sair de um
embaraço intelectual por uma interrogação dirigida a meu prazer, desviar-me-ei das
razões que levaram o Colégio de França a acolher-me — pois elas são incertas a
meus olhos — e direi aquelas que, para mim, fazem de minha entrada neste lugar
uma alegria mais do que uma honra; pois a honra pode ser imerecida, a alegria
nunca o é. A alegria, é a de reencontrar aqui a lembrança ou a presença de autores
que amo e que ensinaram ou ensinam no Colégio de França: primeiramente, é claro,
Michelet, a quem devo a descoberta, desde a origem de minha vida [pág. 08]
intelectual, do lugar soberano da História entre as ciências antropológicas, e da força
da escritura, desde que o saber aceite com ela comprometer-se; em seguida, mais