BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)
Barthes auf Portugiesisch
Barthes auf Portugiesisch
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um instrumento dócil e transparente. Reconhecendo [pág. 62] na linguagem “o
objeto em que se inscreve o poder desde toda a eternidade humana”, Barthes se
lança a um trabalho nos próprios mecanismos desse objeto, em vez de visar aos
conceitos que ele encarnaria inocentemente. Esse trabalho é muito mais libertário,
colabora muito mais para o advento de “outra coisa” (“Mudar a língua, mudar o
mundo”) do que os discursos militantes, autorizados e autoritários, que visam a
substituir um poder por outro, mantendo intactos a noção de hierarquia e os velhos
mecanismos de dominação aos quais o discurso pode servir de instrumento.
Está claro que é preciso ter, como Barthes, uma confiança nas potencialidades
da linguagem, igual à desconfiança com relação a suas manhas e suas resistências. E
afirmar sem temor a função utópica da literatura nesse jogo turvo dos discursos.
Politicamente, um escritor só pode ser anarquista; as propostas concretas e positivas,
as estratégias com os devidos alvos são próprias de outros discursos, os discursos
transitivos da “escrevência”.
Barthes não propõe um objetivo, um lugar a salvo, uma verdade a ser atingida
pela linguagem. Ele expõe e pratica uma diligência ao mesmo tempo obstinada e
modesta: deslocar-se, praticar [pág. 63] o indireto, abjurar, se necessário. Essa falta
de objetivo prévio e de certezas reconfortantes o caracteriza como “decepcionante”,
enquanto Mestre; ele se autodestitui de todo mestrado, recusa-se a ocupar o lugar do
Pai e ousa propor como objetivo de seu ensino uma “miragem” ou um “fantasma”. E
é aí que reside, talvez, a ironia maior dessa Aula que, sob o título pejado de
conotações hierárquicas, institucionais e moralistas — Leçon — desmonta, em seu
desenvolvimento, essas conotações.
A situação da luta dos discursos, aqui em casa, neste momento brasileiro de
“abertura democrática”, torna essas questões particularmente oportunas. Lendo
certos textos da imprensa brasileira depois da relativa suspensão da censura, tem-se
a impressão de reconhecer o que Barthes descreve na Aula: “À medida que os
aparelhos de contestação se multiplicavam, o próprio poder, como categoria
discursiva, se dividia, se estendia como uma água que escorre por toda parte, cada
grupo opositor tornando-se por sua vez e à sua maneira um grupo de pressão, e
entoando em seu próprio nome o próprio discurso do poder, o discurso universal: