06.02.2021 Views

BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)

Barthes auf Portugiesisch

Barthes auf Portugiesisch

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

du gros boulot”, dizia Céline numa entrevista). [pág. 66]

Porque, para o escritor, a língua não é uma mina de riquezas ou um repertório

de possibilidades; a língua é insuficiência e resistência. Isso pode servir de consolo,

ou de ânimo, para o tradutor, que tende freqüentemente a crer que a segunda língua é

carente ou imprópria, confrontada aos desempenhos do texto em sua língua original.

Se não é fácil, para o tradutor, achar o dizer exato, também não o foi para o escritor,

ao enfrentar sua própria língua. Traduzir é recomeçar a luta da escritura para

transformá-la novamente em dança. A única vantagem do tradutor, é que ele dispõe

de uma coreografia previamente traçada.

O tradutor deve pois conhecer a tática de luta e os passos da dança, o “pulo do

gato” efetuado pelo escritor. Como, na outra língua, os obstáculos são outros, ele

deve recompor esse pulo, variando seu jeito e seu percurso segundo os acidentes do

novo terreno.

No caso de Barthes, o “pulo do gato” é cheio de manhas. Mas, já que seus

textos são, ao mesmo tempo, prática e teoria da escritura, o tradutor pode apoiar uma

tática de tradução sobre a própria teoria barthesiana. Essa tática de tradução pode

afinar-se, numa circulação permanente, entre o que o texto diz como auto-teoria e o

que o [pág. 67] texto oferece ou recusa, como possibilidade de o reescrever em outra

língua.

Nessa ronda, o tradutor pode perceber alguns processos da escritura

barthesiana que uma leitura crítica, sem essa experiência interna do texto que é a

tradução, não revelaria de modo tão imediato. É esse aspecto da tradução que me

interessa particularmente: o fato de que seja, para um crítico, um exercício

extremamente revelador. Ao traduzir, o crítico deixa de ser um mero espectador para

entrar na dança.

À primeira vista, Barthes não é difícil de traduzir. Não é um daqueles

escritores que levam a língua ao extremo da agramaticalidade, que desafiam o

arbitrário do signo, que transtornam a língua em todos os níveis e criam um idioleto.

O trabalho barthesiano é mais delicado. Barthes subverte a língua sem violentá-la.

Seus enunciados são perfeitamente gramaticais, seu estilo é clássico, seus textos

pertencem a um gênero flexível, mas conhecido e reconhecido: o ensaio. Entretanto,

sob esse aparente conformismo (poder-se-ia dizer: essa polidez), trama-se um desvio

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!