BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)
Barthes auf Portugiesisch
Barthes auf Portugiesisch
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du gros boulot”, dizia Céline numa entrevista). [pág. 66]
Porque, para o escritor, a língua não é uma mina de riquezas ou um repertório
de possibilidades; a língua é insuficiência e resistência. Isso pode servir de consolo,
ou de ânimo, para o tradutor, que tende freqüentemente a crer que a segunda língua é
carente ou imprópria, confrontada aos desempenhos do texto em sua língua original.
Se não é fácil, para o tradutor, achar o dizer exato, também não o foi para o escritor,
ao enfrentar sua própria língua. Traduzir é recomeçar a luta da escritura para
transformá-la novamente em dança. A única vantagem do tradutor, é que ele dispõe
de uma coreografia previamente traçada.
O tradutor deve pois conhecer a tática de luta e os passos da dança, o “pulo do
gato” efetuado pelo escritor. Como, na outra língua, os obstáculos são outros, ele
deve recompor esse pulo, variando seu jeito e seu percurso segundo os acidentes do
novo terreno.
No caso de Barthes, o “pulo do gato” é cheio de manhas. Mas, já que seus
textos são, ao mesmo tempo, prática e teoria da escritura, o tradutor pode apoiar uma
tática de tradução sobre a própria teoria barthesiana. Essa tática de tradução pode
afinar-se, numa circulação permanente, entre o que o texto diz como auto-teoria e o
que o [pág. 67] texto oferece ou recusa, como possibilidade de o reescrever em outra
língua.
Nessa ronda, o tradutor pode perceber alguns processos da escritura
barthesiana que uma leitura crítica, sem essa experiência interna do texto que é a
tradução, não revelaria de modo tão imediato. É esse aspecto da tradução que me
interessa particularmente: o fato de que seja, para um crítico, um exercício
extremamente revelador. Ao traduzir, o crítico deixa de ser um mero espectador para
entrar na dança.
À primeira vista, Barthes não é difícil de traduzir. Não é um daqueles
escritores que levam a língua ao extremo da agramaticalidade, que desafiam o
arbitrário do signo, que transtornam a língua em todos os níveis e criam um idioleto.
O trabalho barthesiano é mais delicado. Barthes subverte a língua sem violentá-la.
Seus enunciados são perfeitamente gramaticais, seu estilo é clássico, seus textos
pertencem a um gênero flexível, mas conhecido e reconhecido: o ensaio. Entretanto,
sob esse aparente conformismo (poder-se-ia dizer: essa polidez), trama-se um desvio