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BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)

Barthes auf Portugiesisch

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E, na medida em que sua prática engloba sua teoria, mesmo quando esta parece mais

avançada do que aquela, o que ocorre é uma tensão entre ambas; e é exatamente

dessa tensão entre o antigo e o novo que vive sua escritura. [pág. 70]

Barthes termina suas frases, mas deixa-as abertas de outro modo: pela maneira

de as enunciar. Um modo de trapacear com a sintaxe clássica, de sacudir a

hierarquia imposta pela subordinação, de tornar menos absolutista a lógica implícita

na ordem das sentenças (atente-se para as conotações desses termos gramaticais), é a

justaposição; e o uso abundante de recursos gráficos que podem substituir,

economicamente, um verbo, um conectivo lógico ou todo um desenvolvimento

explicativo.

Qualquer fragmento de O Prazer do Texto ou de Roland Barthes por Roland

Barthes (a Aula é um pouco diferente, devido ao jogo retórico a que já aludi)

poderia servir de exemplo: vírgulas, pon-tos-e-vírgulas, dois-pontos, pontos de

interrogação se sucedem, evitando ou adiando o ponto final; travessões e parênteses

marcam numerosos encaixes; e, como as aspas não são suficientes para indicar as

diferentes razões ou maneiras de isolar certas palavras, estas são freqüentemente grifadas.

Só falta o “ponto de ironia”, que um certo Alcanter de Brahm inventou, sem

grande êxito, no século passado.

Graças a esses recursos gráficos, Barthes modela volumes em sua enunciação:

os sucessivos [pág. 71] dois-pontos (que, encarrilhados no mesmo período ou na

mesma linha, constituem uma estranheza) abrem perspectivas infinitas e

especulares; os parênteses cavam concavidades; os grifos moldam saliências; as

aspas pinçam certas palavras, descolando-as do chão discursivo; os travessões

estiram certas linhas de fala, descontinuamente; etc. Musicalmente, essa modelagem

é uma modulação.

Tal abundância de pontuação produz um texto sintético e complexo, disposto

em vários patamares (ou várias pautas) da enunciação. A pontuação barthesiana

atomiza a frase, evitando que ela siga sua inclinação natural para a asserção; torna-a

mais arejada, cria nela zonas de sugestão e reflexividade, protegendo certos recantos

de maior intimidade locucional ou abrindo escapes para a digressão. E os diversos

níveis enunciativos, marcados por essa pontuação, mobilizam, pluralizam o sujeito

da enunciação. São armas leves mas eficazes, para combater a “fatalidade do poder

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