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BARTHES, Roland. Aula inaugural da cadeira de semiologia do Colégio de França (07-01-1977)

Barthes auf Portugiesisch

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dualismo ou, pior, de sua perversão (em nome da gregariedade). Essa esquerda

puritana e ascética [pág. 58] (asséptica) encarava seus deslocamentos como imorais,

sua defesa do jogo e do prazer como irresponsável. Todo o protestantismo de certos

intelectuais militantes se arrepia diante de afirmações como a que figura na Aula: “A

escritura faz do saber uma festa.” (A conotação pejorativa do adjetivo “festivo”,

entre nós, exprime bem esse gosto do sacrifício de uma esquerda que, para ser séria,

precisa ser sinistra.)

Esse marxismo que condena o deslocamento parece esquecer o próprio

princípio da dialética, e se torna antimarxista na medida em que transforma a ciência

em ideologia, fonte de boa consciência e instrumento de poder. O discurso “marxista”

dirigido contra Barthes impunha-se então como discurso triunfante, e o

triunfalismo é a própria marca da opressão e da recusa do outro.

Barthes teve então a coragem de resistir a esses grupos de pressão, evitando, ao

mesmo tempo, tanto a submissão à Doxa de esquerda quanto a abjuração do

marxismo. Não se tratava, para ele, de abandonar o marxismo, mas de resistir a certo

discurso de esquerda que tomava ares policiais com relação a qualquer discurso

divergente; sem, com isso (o que seria uma contradição inaceitável), tomar uma

atitude policial com relação [pág. 59] a esse discurso marxista, sem se colocar a

serviço da ideologia historicamente contrária e colaborar assim para uma nova “caça

às bruxas”, como fizeram os “novos filósofos” e outros anticomunistas, tão

cominatórios e “donos da verdade” quanto seus adversários.

A situação atual na França, onde uma recente Doxa anticomunista — nascida

das decepções tardias dos antigos militantes, que haviam feito o jogo da avestruz

diante dos poderes comunistas instalados — ameaça difundir-se e grudar nos

discursos intelectuais, com todo o apoio das forças capitalistas, é uma situação

particularmente delicada para o intelectual. Mas como Barthes nunca pregou,

pontificou ou triunfou, sua posição continua sendo mais lúcida e mais livre do que a

da maioria dos intelectuais franceses, órfãos de Lenin ou de Mao.

Seu combate sempre foi e é um combate de linguagem (e seria mais justo falar

de “pesquisa” ou “encaminhamento”, já que “combate” supõe “vitória”), o que evita

o apoio numa ideologia para atacar outra. Nenhuma linguagem, é claro, está isenta

de ideologia, e Barthes sempre teve a mais aguda consciência desse fato. Mas a luta

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