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Revista Dr Plinio 280

Julho de 2021

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Editorial<br />

Do fastio da sacralidade à hora da Revolução<br />

A<br />

época em que arrebentou a Revolução Francesa tinha atrás de si uma longa tradição monárquica e aristocrática.<br />

Os fautores da Revolução, antes de semear no povo francês a dificuldade em suportar a imobilidade de<br />

uma tradição quase milenar e de abalar a confiança filial que a massa da população depositava nesse edifício<br />

da grandeza da França, espalharam uma certa saciedade em relação a todo o requinte da mais delicada e espirituosa<br />

das nobrezas, para cujos fastos afluíam admiradores da Europa inteira, de todas as classes sociais. Em alguma<br />

medida, até os nobres ficaram fartos disso.<br />

Com efeito, um dos maiores perigos para alma humana é o momento em que a admiração se cansa. Quando o homem é<br />

carregado pelas asas do entusiasmo não lhe é difícil voar pelos céus do maravilhoso. Mas quando, pelo contrário, ele sente<br />

não partir mais de si aquele dinamismo que o levantava contra as leis da gravidade para sulcar os ares, e se vê obrigado a elevar-se,<br />

admirar, amar sem vontade sensível, na aridez, e experimenta essa espécie de tédio moral que a rotina pode causar<br />

até em relação às coisas mais magníficas, então lhe é pedido aquele heroísmo do qual dão exemplo os Santos.<br />

Esse fenômeno se passa com todas as instituições e com os governantes em relação aos seus governados. Por essa<br />

razão, os dirigentes precisam tomar muito cuidado, pois quando isso acontece, há um peso que faz com que, os<br />

entusiasmos morrendo, as oposições alcem voo.<br />

Essa teoria do cansaço explica certos fenômenos da Revolução Francesa. Com muita habilidade, os inimigos da Civilização<br />

Cristã souberam difundir a sensação de que aquele requinte era muito bonito, porém antinatural: cadeiras douradas<br />

belíssimas, mas incômodas; trajes lindos, preceitos de educação magníficos, mas exigindo um contínuo sacrifício.<br />

Assim, todo aquele esplendor do Ancien Régime estava baseado sobre um grande cansaço. Quando o entusiasmo<br />

desaparecia, sentia-se só o enfado. Surgia, então, uma vontade intemperante de desabotoar as roupas, tirar os sapatos,<br />

enfim, uma vaga tendência à anarquia.<br />

Em uma sociedade assim cansada de uma série de valores concernentes à civilização, as palavras liberté, égalité e<br />

fraternité soavam com tonalidades inebriantes.<br />

Liberdade: para longe tudo quanto nos amarra, constringe, aperta. Queremos ser livres como um bárbaro.<br />

Igualdade: a superioridade nos inspira respeito – esse sentimento sem o qual o mundo é um inferno – que se traduz<br />

em reverências e atitudes graves. Isso nos é pesado e nos confina. Acabemos com o respeito! Todos são iguais,<br />

não somos obrigados a inclinar a cabeça diante de ninguém. Não admitimos, berramos, quebramos e guilhotinamos<br />

quem achar-se superior.<br />

Fraternidade: por sermos iguais, somos irmãos. Desde que se mantenha entre nós a completa igualdade, nos unimos<br />

num abraço fraterno no qual não se permite que um supere o outro.<br />

Tal trilogia disseminada nesse ambiente de saturação produziu uma cócega deliciosa de esperanças e vontade de<br />

desamarrar, desabotoar, desordenar, ser sujo, abandonar-se à natureza com quanto nela haja como efeito do pecado<br />

original. Portanto, um mundo de imundície e ausência de tudo que seja quintessenciado. A barbárie acabou<br />

constituindo o desabafo de um povo que levou a civilização até certo ponto, mas não soube equilibrá-la.<br />

Quando se tem Fé, ama-se a sacralidade e sente-se a necessidade dela em tudo, desde a oficina de um trabalhador<br />

manual até o palácio de um rei, no alto de cuja coroa quer-se ver a cruz de Cristo, sem a qual o diadema não vale<br />

nada; encimado pelo símbolo da Redenção, entretanto, ele se torna sagrado.<br />

Então aparece na alma o equilíbrio que suscita as grandes admirações, os magnânimos devotamentos, os notáveis<br />

afetos da fidelidade levada até o martírio.<br />

O que faltava à corte francesa? Uma sacralidade que ela perdera. Essa dessacralização, encantadora à primeira<br />

vista, ao cabo de algum tempo sacia e caminha para a morte, conduzida pelos seus próprios chefes.<br />

Luís XVI sorriu ante as primeiras efervescências da Revolução Francesa, as quais se lhe apresentavam em esplêndidos<br />

salões palacianos, embaladas, por vezes, ao som argênteo do cravo ou luzindo discretamente nos ambientes<br />

e nas cenas bucólicas à maneira do Hameau, uma espécie de aldeia artificial onde Maria Antonieta, vestida de<br />

pastora e acompanhada de outras damas da corte, ia tirar leite de vaca, num mundo em que as pastoras já estavam<br />

fartas e não queriam saber de rainha. Chegara o momento da Revolução. *<br />

* Cf. Conferência de 1/7/1994.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

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