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VERÃO 2022 – EDIÇÃO 6

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Professor nato<br />

Em 2011, o então estudante de linguagem<br />

audiovisual e cinema Mohamad<br />

Alsaheb trabalhava em um popular<br />

canal de televisão infantil em Damasco<br />

quando eclodiu a guerra civil que<br />

dilaceraria a Síria. Enquanto a maioria<br />

de seus familiares fugia para o Egito,<br />

Mohamad partia para Dubai, na esperança<br />

de seguir trabalhando em sua<br />

área e concluir seus estudos. Sem permissão<br />

para permanecer nos Emirados<br />

Árabes, seguiu para Beirute, no Líbano.<br />

Pouco mais de dois anos depois,<br />

novamente sem conseguir regularizar<br />

sua situação, ele teria de deixar o país.<br />

Mohamad já vivia havia três anos<br />

longe de casa quando descobriu que<br />

o consulado brasileiro estava concedendo<br />

vistos a refugiados. Ele queria<br />

ir para a Europa e, como o voo para o<br />

Brasil fazia escala em Paris, resolveu<br />

pegar o visto para tentar ficar na França.<br />

“Não consegui nem sair do aeroporto.<br />

Me colocaram no voo para o Brasil<br />

e cheguei aqui com a roupa do corpo,<br />

um par de tênis e uma mochila.” Seu<br />

conhecimento do país resumia-se ao<br />

trio clichê carnaval-praia-futebol. Não<br />

conseguiu se comunicar com os agentes<br />

da Polícia Federal porque, embora<br />

falasse muito bem inglês, ninguém ali<br />

sabia outro idioma além do português.<br />

“Sozinho, com medo e nervoso, quase<br />

arrumei briga, fui muito maltratado”,<br />

recorda-se. Em São Paulo, ele morou<br />

em abrigos comunitários e passou<br />

oito meses procurando emprego, sem<br />

sucesso. Para se manter ocupado, tornou-se<br />

instrutor voluntário de inglês<br />

na própria ONG em que estudava português,<br />

o Instituto Base Gênesis. “Eu<br />

nunca tinha dado aulas, mas me encontrei<br />

como professor”, explica.<br />

Foi contratado como professor de inglês<br />

na ONG Abraço Cultural, onde<br />

era incentivado a também oferecer<br />

aulas a alunos interessados em aprender<br />

árabe. Quatro anos depois, Mohamad<br />

inaugurava sua própria escola<br />

de caligrafia e língua árabe, no centro<br />

de São Paulo. “O estudante de árabe é<br />

diferente da pessoa que estuda inglês.<br />

Ninguém aprende árabe porque é necessário<br />

ou o trabalho exige. Estudam<br />

porque querem, se interessam mesmo<br />

pela língua e pela cultura”, relata. Na<br />

busca por um imóvel para instalar sua<br />

escola, o novo empreendedor deparou-se<br />

com diferenças culturais. “Nós,<br />

árabes, gostamos de negociar tudo,<br />

até na compra de um lanche nas ruas.<br />

No Brasil, vale o preço anunciado.” Por<br />

causa do hábito de sempre oferecer<br />

contrapropostas, chegou a perder bons<br />

contratos de locação.<br />

Quando ele finalmente conseguiu<br />

alugar um espaço e se estabelecer, a<br />

pandemia o obrigou a fechar a escola.<br />

Versado em tecnologia, adaptou rapidamente<br />

seus cursos para o modelo<br />

online. Apostando nas redes sociais <strong>–</strong><br />

e também graças à propaganda boca a<br />

boca de seus estudantes <strong>–</strong>, sua escola<br />

cresceu em um período em que muitos<br />

negócios faliram. Hoje, Mohamad tem<br />

mais de 200 alunos em todo o Brasil e<br />

no exterior, e ele teve de contratar outros<br />

quatro professores. “Meus alunos<br />

são médicos, advogados e empresários<br />

descendentes de sírios e libaneses, estudantes<br />

e professores da USP, jogadores<br />

de futebol que estão em países<br />

árabes e outros interessados”, explica.<br />

Comunicativo e inquieto, fechou<br />

parceria com a Câmara de Comércio<br />

Árabe-Brasileira para ensinar funcionários<br />

de empresas nacionais que têm<br />

contatos com países árabes. E, enquanto<br />

esperava a volta das aulas presenciais,<br />

Mohamad instalou uma churrasqueira,<br />

uma grande mesa e cadeiras na<br />

área externa da escola, ansiando por<br />

confraternizar com seus alunos.<br />

Mohamad Alsaheb | foto: reprodução redes sociais<br />

<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 31<br />

<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 30

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