Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Professor nato<br />
Em 2011, o então estudante de linguagem<br />
audiovisual e cinema Mohamad<br />
Alsaheb trabalhava em um popular<br />
canal de televisão infantil em Damasco<br />
quando eclodiu a guerra civil que<br />
dilaceraria a Síria. Enquanto a maioria<br />
de seus familiares fugia para o Egito,<br />
Mohamad partia para Dubai, na esperança<br />
de seguir trabalhando em sua<br />
área e concluir seus estudos. Sem permissão<br />
para permanecer nos Emirados<br />
Árabes, seguiu para Beirute, no Líbano.<br />
Pouco mais de dois anos depois,<br />
novamente sem conseguir regularizar<br />
sua situação, ele teria de deixar o país.<br />
Mohamad já vivia havia três anos<br />
longe de casa quando descobriu que<br />
o consulado brasileiro estava concedendo<br />
vistos a refugiados. Ele queria<br />
ir para a Europa e, como o voo para o<br />
Brasil fazia escala em Paris, resolveu<br />
pegar o visto para tentar ficar na França.<br />
“Não consegui nem sair do aeroporto.<br />
Me colocaram no voo para o Brasil<br />
e cheguei aqui com a roupa do corpo,<br />
um par de tênis e uma mochila.” Seu<br />
conhecimento do país resumia-se ao<br />
trio clichê carnaval-praia-futebol. Não<br />
conseguiu se comunicar com os agentes<br />
da Polícia Federal porque, embora<br />
falasse muito bem inglês, ninguém ali<br />
sabia outro idioma além do português.<br />
“Sozinho, com medo e nervoso, quase<br />
arrumei briga, fui muito maltratado”,<br />
recorda-se. Em São Paulo, ele morou<br />
em abrigos comunitários e passou<br />
oito meses procurando emprego, sem<br />
sucesso. Para se manter ocupado, tornou-se<br />
instrutor voluntário de inglês<br />
na própria ONG em que estudava português,<br />
o Instituto Base Gênesis. “Eu<br />
nunca tinha dado aulas, mas me encontrei<br />
como professor”, explica.<br />
Foi contratado como professor de inglês<br />
na ONG Abraço Cultural, onde<br />
era incentivado a também oferecer<br />
aulas a alunos interessados em aprender<br />
árabe. Quatro anos depois, Mohamad<br />
inaugurava sua própria escola<br />
de caligrafia e língua árabe, no centro<br />
de São Paulo. “O estudante de árabe é<br />
diferente da pessoa que estuda inglês.<br />
Ninguém aprende árabe porque é necessário<br />
ou o trabalho exige. Estudam<br />
porque querem, se interessam mesmo<br />
pela língua e pela cultura”, relata. Na<br />
busca por um imóvel para instalar sua<br />
escola, o novo empreendedor deparou-se<br />
com diferenças culturais. “Nós,<br />
árabes, gostamos de negociar tudo,<br />
até na compra de um lanche nas ruas.<br />
No Brasil, vale o preço anunciado.” Por<br />
causa do hábito de sempre oferecer<br />
contrapropostas, chegou a perder bons<br />
contratos de locação.<br />
Quando ele finalmente conseguiu<br />
alugar um espaço e se estabelecer, a<br />
pandemia o obrigou a fechar a escola.<br />
Versado em tecnologia, adaptou rapidamente<br />
seus cursos para o modelo<br />
online. Apostando nas redes sociais <strong>–</strong><br />
e também graças à propaganda boca a<br />
boca de seus estudantes <strong>–</strong>, sua escola<br />
cresceu em um período em que muitos<br />
negócios faliram. Hoje, Mohamad tem<br />
mais de 200 alunos em todo o Brasil e<br />
no exterior, e ele teve de contratar outros<br />
quatro professores. “Meus alunos<br />
são médicos, advogados e empresários<br />
descendentes de sírios e libaneses, estudantes<br />
e professores da USP, jogadores<br />
de futebol que estão em países<br />
árabes e outros interessados”, explica.<br />
Comunicativo e inquieto, fechou<br />
parceria com a Câmara de Comércio<br />
Árabe-Brasileira para ensinar funcionários<br />
de empresas nacionais que têm<br />
contatos com países árabes. E, enquanto<br />
esperava a volta das aulas presenciais,<br />
Mohamad instalou uma churrasqueira,<br />
uma grande mesa e cadeiras na<br />
área externa da escola, ansiando por<br />
confraternizar com seus alunos.<br />
Mohamad Alsaheb | foto: reprodução redes sociais<br />
<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 31<br />
<strong>VERÃO</strong> <strong>2022</strong> | <strong>EDIÇÃO</strong> 6 • PÁG. 30