Gambiólogos 2.0
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
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de peças de celulares desmontados, que parece
fadado a viver em um zoológico futurístico e
apocalíptico; Bambozzi apresenta uma máquinaorganismo
de grandes dimensões, com engrenagens
mecânicas que remetem aos primórdios da
industrialização e que deglute celulares, pois já
não sabemos mais onde descartá-los; Zaven Paré
transforma uma banal coleção de meccanos em
belos ornamentos indígenas; Sara Ramo, artista
que “investiga o momento em que os objetos
param de fazer sentido na vida das pessoas para
criar situações em que a calma e a ordem se
perdem” 2 , problematiza, em duas obras, nosso
vínculo com o que é afetivo e o que é descartável;
e, finalmente, Bispo do Rosário brinda-nos com
"painéis de apetrechos" que contêm não só
matéria coletada, mas o peso de toda uma vida.
O artista gambiólogo acumula objetos por apreço
estético com todas as épocas e cria obras respondendo
à pergunta: “o que eu posso fazer com isso?”.
As coisas inúteis, quando deslocadas do lugar
de origem, ganham múltiplos sentidos e valor.
Terceiro. A aceitação (ou não) da influência da
cultura popular e do artesanato no campo das
artes plásticas.
A história da arte mostra-nos uma relação
ambígua com os saberes populares. Por um lado,
as origens dos termos “arte” e “artesão” – do latim
ars – são comuns e remetem aos “preceitos para
execução de qualquer coisa” ou aos processos
relacionados a um “ofício manual” 3 . Mais que
isso, o conhecimento das culturas primitivas,
desde sempre, tem sido alimento para artistas
de diversas gerações e origens. Trabalhos
de caráter artesanal evidenciam o status de
peça única, fator que contribui para a maior
valorização das obras. Mas, por outro lado, a
apresentação da arte popular é frequentemente
limitada a espaços ou eventos segmentados, não
integrados ao chamado “contemporâneo”, possuindo,
inclusive, rótulos específicos, como naïf
e frequentemente confundidos com o kitsch.
Suponho que os processos criativos gambiológicos
tensionam essa relação, por se articularem
com estratégias essencialmente populares em
um contexto inédito, em que as linguagens eletrônicas
e a tecnologia digital são cada vez mais
acessíveis. Os trabalhos de gambiologia estão
integrados às práticas contemporâneas, mas esboçam
um frescor e uma espontaneidade muitas
vezes mais evidentes nas criações anônimas
que nos círculos artísticos mais reconhecidos 4 .
A participação dos artistas-artesãos Mauro Alvim
e Lúcio Bittencourt, escultores do aço que apresentam
obras não figurativas extremamente
expressivas, é, dessa maneira, importantíssima
para o conjunto da mostra.
As obras expostas, no entanto, propõem aproximações
e distanciamentos entre esses três
eixos, de forma quase caótica. A instalação em
progresso do Coletivo Gambiologia, disposta
em uma galeria anexa à exposição, talvez seja
o que melhor resume tais contaminações e, não
por acaso, encerra esta publicação. Na caótica
oficina de Jean Baptiste Gambièrre, instalação
que nunca estará pronta, há rastros de tudo o
que foi falado até aqui e mais um pouco.
Diferentemente da primeira edição, a montagem
da “Gambiólogos 2.0” deu-se em um espaço expositivo
mais tradicional, a Galeria Oi Futuro BH,
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