Gambiólogos 2.0
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
revolucionários tradicionais, ser reavaliado.
Não por acaso, desde meados dos anos 1990, vêm
sendo formuladas definições sobre o tema. Para o
sociólogo espanhol Manuel Castells, autor do referencial
“A sociedade em rede”, vivemos hoje um
capitalismo informacional e baseado na produção,
no consumo e na circulação de informações. Para
Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, o que vigora
é um capitalismo cognitivo, em que a posse do
saber é a riqueza (e não mais a posse do trabalho
do outro). Até Bill Gates arriscou o seu conceito –
capitalismo criativo –, conclamando os grandes
empresários a investir parte de seus lucros em
atividades sociais.
A essas definições, propomos mais uma: “capitalismo
fofinho”. Trata-se de um regime cuja lógica
se explicita na iconografia da Web 2.0. Ele celebra,
por meio de ícones gordinhos e arredondados, um
mundo cor-de-rosa e azul-celeste, que se expressa
a partir de onomatopeias e exclamações pueris.
Basta pensar em Flickr, Google, Yahoo! e nas fofuras
do passarinho do Twitter ou no coraçãozinho
do Instagram que a afirmação se autoesclarece.
Mas é preciso reforçar, ainda, que essa celebração
de um mundo apaziguado opera por meio de um
design de informação, cujo objetivo parece ser
suprimir a possibilidade de conflito. A forma mais
bem-acabada desse tipo de design é a do Facebook,
o empreendimento online mais bem-sucedido de
todos os tempos.
Espaço de relacionamento protegido, espécie
de jardim murado de redes dentro das redes, o
Facebook é uma máquina de aceitação feliz do
mundo. Não por acaso, não há um recurso nativo
para “descurtir”. Trata-se de uma plataforma para a
aceitação e a construção de rebanhos. Literalmente.
O pai do seu amigo morreu? Sua mãe? O Japão foi
inundado por um tsunami? Uma jornalista sumiu
na Líbia? Quantas pessoas morreram no acidente
de ônibus em Florianópolis? Não importa... Você
pode apertar o botão Like e curtir isso tudo com
seus amigos. E todos saberão que você já está “por
dentro do fato”. Que tal compartilhar?
No limite, essa aceitação de tudo e o aprisionamento,
via algoritmos, entre pares cada vez mais
iguais cria uma verdadeira rede antissocial, pois
esse modelo tende à rarefação dos conflitos, uma
vez que suprime a necessidade de negociação
entre as partes.
Consolidam-se aí mundos planos, de comunidades
cujos membros replicam os gostos uns dos outros
e nos quais entram apenas aqueles que são nossos
semelhantes. Isso não implica, porém, que organizem
redes de inteligência coletiva ou vocação para
o comum. Pelo contrário, fomentam, paradoxalmente,
uma aspiração individualista que calibra o
sucesso de apologias do “faça você mesmo” (DIY,
de preferência, sozinho e sem nenhuma mediação
intelectual. Just do it).
Contudo, são em grande parte os mecanismos
disponíveis nas redes sociais e no seu imaginário
o que permite também a articulação de novas
formas de fazer política, grupos de contestação
que estão dando cara ao século XXI, como ficou
patente com as ações do WikiLeaks, do 15 de maio
espanhol e das manifestações de junho de 2013
no Brasil, todas bastante discutidas nas mídias
de todos os portes.
Mais diluídas e, no entanto, cada vez mais constantes
49