Gambiólogos 2.0
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
Livro-catálogo da exposição "Gambiólogos 2.0: a gambiarra nos tempos do digital". Realizada na Galeria Oi Futuro - Belo Horizonte/MG, entre junho e agosto de 2014. Curadoria: Fred Paulino. Textos: Giselle Beiguelman, Juliana Gontijo, Raquel Rennó. Realização: Gambiologia
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um vídeo na locadora!
Sem querer criar traumas sobre uma suposta infeliz
infância que eu teria vivido, murmurei, meio
vacilando, mas enfática:
– Quando a mamãe era pequeninha, não existia
vídeo.
E confessei, de supetão:
– Nem internet.
Ponto.
Foi demais... Mayara ficou absolutamente chocada
e pensativa. Até hoje me pergunto o que ela,
naqueles poucos segundos, refletiu sobre o que
havia sido a meninice de sua mãe. Além de viver
num mundo de imagens quebradas e sem cor, não
tinha tevê 24h, locadora de vídeos nem internet.
Percebendo minha falta de tato na condução da
conversa, achei que era melhor redirecionar. Nessa
época, tínhamos uma estante onde ficavam o CD
player, o aparelho de tevê e o vídeo, então vivo e
operante. Resolvi, como boa professora que sou,
“didatizar” a relação. E passei a contrapor situações,
contando que não existiam CDs, mas tínhamos
LPs. E mostrei nossa bela coleção de vinis. O que
realmente encheu seus olhos. A dimensão das
capas era incrível para ela... O capítulo “tevê”, eu
pulei, por já ter sido muito comentado, e, seguindo
a ordem das prateleiras, quando estava pronta
para falar do vídeo, ela me interrompeu:
– Mamãe, quando você era pequena, já existiam
estantes?
BELO HORIZONTE, 20 ANOS DEPOIS
Flora Mol Álvares Paulino, filha de Fred, curador
de "Gambiólogos 2.0", nasceu em 2014, poucos dias
depois da abertura da exposição que ocupou o Oi
Futuro de 10 de junho a 17 de agosto na capital
mineira. O mundo dela era e será muito diferente
do que vivêramos até então. Ao final da mostra,
no seu primeiro mês de vida, estávamos em plena
ressaca da Copa do Mundo e à véspera da eleição
que colocou às claras os ódios de classe que, por
um brevíssimo período, foi dissimulado, ao menos
nos grandes centros brasileiros.
Minha visita aconteceu no último fim de semana
da exposição, enquanto um workshop gambiológico
acontecia, intensamente povoado e ativo. A sala
expositiva estava calma. Com público, mas sem
as filas ou acotovelamentos que eu presenciara
alguns dias antes, em São Paulo. Na época, estava
em cartaz, no Instituto Tomie Ohtake, uma
retrospectiva da artista Yayoi Kusama, intitulada
“Obsessão infinita”, com multidões a dobrar quarteirões
para entrar.
Malgrado a importância da obra, especialmente
a produzida nos anos 1970, tensionando o papel
de submissão da mulher no Japão, por meio de
formulações pop entre o erótico e o pornográfico,
o que “bombou” foram as obsessões da artista por
bolas e bolinhas. Melhor: o que “bombou” foram
as obras que o público podia usar como cenário
para selfies nas redes sociais.
Não vou entrar aqui no mérito da banalização
da doença mental e do desserviço que esse
tipo de apropriação promove, nem do quanto é
importante, ou não, mobilizar hordas de público
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