Lina Bo Bardi e a Fábrica da Pompéia: relações entre pensamento crítico, projeto e apropriação da arquitetura
Escola da Cidade Trabalho de Curso Graduação em Arquitetura e Urbanismo Aluna: Gabriela Fuganholi Silva Orientador: Cesar Shundi Iwamizu Banca avaliadora: André Vainer e Marina Grinover
Escola da Cidade
Trabalho de Curso
Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Aluna: Gabriela Fuganholi Silva
Orientador: Cesar Shundi Iwamizu
Banca avaliadora: André Vainer e Marina Grinover
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30 CAPÍTULO 1 LINA BO BARDI - O PENSAMENTO CRÍTICO 31
dação de um modernismo singular que expressasse brasilidade
– pautado nos princípios de Le Corbusier e sua estética do
funcionalismo – convocava arquitetos brasileiros a aprender
com “a nossa antiga arquitetura”. 6 Este revivalismo colonial
expôs os ideais de uma supremacia branca, possuindo fortíssimo
caráter racista nos discursos de toda uma geração de
pensadores, não somente do campo da arquitetura, como
também da historiografia e sociologia. 7 Ainda que sem a intenção
direta de reforçar os discursos eugenistas e supremacistas
– em alta no debate acadêmico contemporâneo – as
noções românticas de Lúcio Costa e Gilberto Freyre sobre a
sociedade colonial brasileira esconderam a natureza violenta
das contradições raciais do Brasil, em nome da construção de
uma idealizada “democracia racial” moderna e progressista.
A oposição entre os dois pensamentos, de Lina Bo Bardi e Lúcio
Costa, ia para além das divergências de forma, era uma
divergência política. O pensamento racista, por se tratar de
um componente fundamental do espírito da época, era ainda
mais difícil de ser superado e permitir a visão além.
As particularidades de Lina Bo Bardi fizeram com que ela enxergasse
uma outra origem para a modernidade brasileira – e
quisesse produzir essa nova forma de arquitetura moderna.
Sua arquitetura resgatava as origens do Brasil pela chave do
índio, do negro, do sertanejo, do artesão, do operário, do
não-branco, nisso estava a força brasileira. Nesses elementos,
ela encontrou uma conjuntura cultural extremamente favorável
para fundir as experiências que trouxe consigo da Itália. 8
“Esta força latente existe em alto grau no Brasil, onde
uma forma primordial de civilização primitiva (não
no sentido de ingênua, e sim composta de elementos
essenciais, reais e concretos) coincide com as formas
mais avançadas do pensamento moderno.” 9
De 1958 a 1964, a arquiteta morou na Bahia, período de fundamental
importância para a sua visão a respeito da cultura
brasileira, especificamente sobre o artesanato nordestino.
Lina via nessa forma de agremiação popular – partindo do
princípio de que o artesanato encontrado no Brasil equivalia
as corporações da Antiguidade Clássica até a Idade Média
européia 10 – uma cultura desinstitucionalizada, dotada de liberdade
coletiva, ciente de sua responsabilidade social, que
não tinha como objetivo a erudição, mas sim a busca pelas
condições de sobrevivência. 11
“Importante na minha vida foi a minha viagem ao Nordeste
e o trabalho que desenvolvi em todo o Polígono
da Seca. Aí eu vi a liberdade. A não importância da beleza,
da proporção, dessas coisas, mas a de um outro
sentido profundo, que eu aprendi com a arquitetura,
especialmente a arquitetura dos fortes, ou primitivas,
6 TAVARES, Paulo. Lúcio Costa era racista? Notas sobre raça, colonialismo
e a arquitetura moderna brasileira. São Paulo: N-1 edições, 2022.
7 Lúcio Costa não foi o primeiro arquiteto a expor suas reflexões sobre
o passado colonial. Ricardo Severo e José Marianno, na década de
1920, já haviam mostrado que a arquitetura brasileira tinha suas raízes
na arquitetura vernacular colonial, branca e européia. E antes mesmo
desse pensamento chegar à arquitetura, autores de outros campos do
conhecimento como Gilberto Freyre já expressavam pensamentos que
hoje em dia podemos enxergar como claramente racistas. O pensamento
colonial, era mais que um conceito, era um espírito de época.
8 GRINOVER, Marina. A forma a partir do espaço em uso, construções de
Lina Bo Bardi. 9º Seminário Docomomo, Brasília, 2011.
9 BARDI, Lina Bo. Cultura e não cultura. Diário de Notícias, Salvador, 1958.
In:RUBINO, Silvana; GRINOVER, Marina (org.). Lina por escrito: Textos
escolhidos de Lina Bo Bardi. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
10 BARDI, Lina Bo. Discurso sobre a significação da palavra artesanato. In:
FERRAZ, Isa Grinspum (Org.). Tempos de grossura. O design no impasse.
Série Pontos sobre o Brasil, São Paulo, Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 1994.
11 PAPPALARDO, Laura. Em uma Fábrica Cultural, um Pensamento
Popular: Lina Bo Bardi e o SESC Pompéia. 2014.