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ANO 1
Nº 3
AGOSTO/SET.
2021
AMANDA COELHO
Petrolina - PE
Amanda Barbosa
Coelho, 25 anos,
atualmente graduada
em Direito Pela
Facape. Trabalha com performances
de intervenção urbana
e literárias desde 2017. E, desde
de 2019, também com audiovisual.
ELIZABETH
A
oeste o céu estava iluminado pela derradeira luz do poente.
O pôr do sol banhava a fragilidade daqueles minutos.
Os melhores momentos, eu acho, são aqueles que, quando revisitados na memória,
a gente sabe que, enquanto os viveu, não os reconheceu como momento. E é talvez
por isso que sejam especiais: não foram estragados pelo desejo de perpetuar cada instante de
saciedade.
Minha pupila dilata.
A vontade do abraço aumenta.
Permaneço segurando a grade do píer; a água abaixo bate calma e silenciosa contra as pedras
nuas que evidenciavam o inicio da seca.
Sentia o tempo esticado e preguiçoso como um gato que dorme.
- A água costumava bater ali naquela marca mais escura. Tá vendo? – debruçou-se ousadamente
por cima das grades.
- Tô sim – projetei a cabeça timidamente. Um arrepio me percorreu a espinha.
Um passo pra trás. O vinho derrama. Risos.
Olhares que se encontram e fogem outra vez
Foi como num piscar de olhos, o tempo passou. Como o virar de uma página, tanto tempo
passou.
O píer hoje estava vazio.
O céu estampava o mesmo tom de rosa alaranjado daquela data.
O crepúsculo vindo do leste investia impiedoso contra o adeus singelo de luz do sol. Absorta
eu observava a batalha silenciosa sendo travada na abóbada do céu.
Era possível ouvir o farfalhar de asas e a sinfonia desarmoniosa dos pardais que se acomodavam
nos galhos de árvore. Como se só o sono dos passarinhos inaugurasse oficialmente a
noite.
- Vê, Liz? o mundo é tão lindo, mas você se matou no inicio daquele novembro.
É estranho pensar na comunhão da vida que o universo rege lá fora. Nada mudou desde que
você se foi. E nada vai mudar!
Não lá fora, eu sei...
Amanhã é o primeiro dia do outono. Depois vem o verão. O inverno. A primavera e então
outono outro vez. O ciclo se completa e se perpetua. O mundo existe independentemente de
mim ou de você.
Essa indiferença do universo em relação a nossa insignificância é o que me conforma e me
conforta. O movimento continua. É assim que tem que ser.
No céu, a lua iluminava a escuridão com uma luz branca em um halo perfeitamente anelar.
Amanhã não estarei mais aqui. Não sei se no amanhã que se anuncia ou um outro maior ainda,
mas amanhã, eu sei, poderemos andar de mão dadas novamente, com nossos corpos de
memória, que já nem projetam sombra no chão.
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