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Traços 3

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ANO 1

Nº 3

AGOSTO/SET.

2021

BERNARDO A.

CARVALHO

Brasília - DF

A POLCA FINLANDESA

nós, ficou sendo, já que alguém nos tinha dito

que era (olhando na internet, vejo que eles

curtem polcas, mazurcas e até um “tango finlandês”...).

O fato é que havia um grupo de

pessoas fazendo uma exibição, vestida com

roupas tradicionais da Finlândia. A grande

maioria era de louros, com aquela pele quase

transparente e muitos olhos azuis. Mas havia

um rapaz mulato, mostrando que alguém da

comunidade não resistiu aos encantos tropicais

e rompeu as barreiras étnicas do lugar...

E ele dançava bem, misturando a ginga brasileira

às evoluções escandinavas.

Assistimos ao show, aguardando o momento

de poder participar.

Lá pelas tantas os “astros” se retiraram e o

salão foi tomado pelo público, com a “polca”

prosseguindo. Era chegada a tão esperada

hora. Enchi o peito de coragem, escolhi uma

garota atraente, me aproximei e perguntei:

“Vamos dançar?”. E a resposta foi curta:

“Não”.

“Levar uma tábua”, como se diz em Minas,

era parte do métier de um candidato a dançarino.

Escolhi outra garota, repeti a pergunta e

recebi a mesma resposta: “Não”.

Disposto a não sair dali sem dançar, aproximei-me

de uma terceira e o ritual foi o mesmo:

“Não”.

“Tenho que mudar de tática”, pensei. Na

quarta tentativa, eu disse: “Você me ensina

a dançar essa música?”. Quem sabe ela tinha

uma certa vocação para professora, e gostaria

de compartilhar sua cultura comigo? Mas a

resposta não variou: “Não”.

Encontrei o José do Rosário e perguntei se ele

tinha tido sucesso. Ele disse que tinha feito

várias tentativas, infrutíferas.

Aos poucos me dei conta de que aquela era

uma comunidade fechada, que via a festa dos

sábados como uma reunião de família. Estranhos

não eram bem-vindos...

Sem saber o que fazer, ficamos os dois parados,

olhando a turma se divertir. Foi quando

vi duas garotas dançando juntas. Aí me veio

uma ideia pouco ortodoxa: “Zé, eu não vou

embora sem dançar esse diabo dessa polca.

Vamos dançar nós dois? Olha ali, duas mulheres

podem, então dois homens também

podem...”

Ele tomou um susto, mas logo abriu um sorriso

e disse: “Vamos”.

Entramos no salão e começamos a deslizar

para lá e para cá, imitando os passos dos outros

pares. Era muito divertido, as pessoas

fingiam que não estavam olhando, mas dava

para ver um rabo de olho quando elas passavam

ao nosso lado. Minha irmã acompanhava

tudo, incrédula.

Dançamos dolentemente, percorrendo todo

o salão, olhando diretamente nos olhos das

pessoas. Mas, como costuma acontecer em

Minas Gerais, ninguém passou recibo de que

estava interessado em olhar.

Muitas voltas depois, agradeci ao Zé pela

dança e exclamei: “Pronto, agora podemos ir

embora. Já dancei a polca finlandesa”.

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