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Traços 3

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ANO 1

Nº 3

AGOSTO/SET.

2021

DAIANA FRANCO

NOGUEIRA

Santa Catarina

SINAL

Era meu último dia de férias e eu

estava decidido a aproveitá-lo

intensamente.

Nem bem o sol despontara e eu

já me preparava para uma vigorosa caminhada,

obedecendo a recomendações

médicas. Vinha cumprindo fielmente esta

rotina de exercícios durante todos os dias

de descanso, com a satisfação redobrada

de passear pelo bairro enquanto tudo ainda

era orvalho e sono. Gostava especialmente

de me demorar explorando um pequeno

parque, diminuindo o passo para

examinar as plantas, as árvores, as tocas

de animais desconhecidos e, sobretudo, as

trilhas que levavam à paisagem deslumbrante

de uma pequena praia escondida

ao fundo da vegetação. Era ali que me

recompensava ao final do esforço diário.

No caminho, encontrava resquícios da civilização

recente – tocos de cigarro, papeis

de bala, preservativos, seringas –, sempre

me surpreendendo com a capacidade destrutiva

dos homens e com a paciência resignada

da natureza de tudo absorver e

transformar.

Cheguei ao parque naquela hora preciosa

em que o céu muda de tom, despindo azul

para vestir amarelo. Não havia ninguém

além de mim e da revoada de pássaros

madrugadores que anunciavam, com estridência,

o início do novo dia. Fazia frio,

mas sabia que em poucos minutos, energizado

pelas passadas rápidas e pelo jorro

de endorfina, eu recobraria o calor. Dei

uma, duas, três voltas em torno da pista

de jogging e então enxerguei, embrenhado

no mato, ao fim de uma passagem de

difícil acesso, um cobertor puído e amarfanhado,

largado de qualquer jeito, que

com absoluta certeza não estava ali no dia

anterior.

Curioso que sou, desviei da rota e me

aproximei. Para a minha surpresa, o pano

se mexia discretamente. Imaginei logo: é

bicho. Alguém prendeu um bicho neste

trapo. Procurei no entorno uma varinha,

um pedaço de madeira, e encontrei um galho

longo o suficiente para erguer o tecido

com segurança. Cuidadosamente, espetei

uma ponta e a levantei, a tempo de ver

que não havia animal algum ali dentro,

mas sim uma criança recém-nascida, fraca,

suja e coberta de formigas.

Levei um susto e derrubei desajeitadamente

a coberta. Meu Deus, um bebê,

largado ali sozinho, no sereno, sabe lá há

quantas horas! Olhei ao redor, desesperado,

mas não havia ainda gente acordada

ou carros passando, nada nem ninguém a

quem gritar por socorro. Lancei-me sobre

o embrulho, abri, examinei rapidamente

e vi que o tempo era pouco. A criança,

uma menina, gemia baixo, sofrendo. Res-

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