27.03.2013 Views

BURAKA SOM SISTEMA - Câmara Municipal de Oeiras

BURAKA SOM SISTEMA - Câmara Municipal de Oeiras

BURAKA SOM SISTEMA - Câmara Municipal de Oeiras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

L<br />

leituras<br />

reading<br />

28 { 30 Dias em <strong>Oeiras</strong> Jul. Agt’12<br />

IDEIAS INVISÍVEIS<br />

EM PARTE NENHUMA<br />

INVISIBLE IDEAS . NOWHERE<br />

sugestões do escritor . Author’s recommendations<br />

} JOÃO TORDO<br />

Durante o mês <strong>de</strong> Junho, um homem sueco <strong>de</strong> 59 anos passou um mês no aeroporto<br />

<strong>de</strong> Faro. Chegara ao Algarve não se sabe quando e <strong>de</strong>ixara a Suécia havia quinze anos<br />

para “fazer um périplo” pela Europa. Comia o que encontrava, lavava-se na casa <strong>de</strong><br />

banho, era discreto, tinha bom aspecto e passava <strong>de</strong>spercebido entre os passageiros.<br />

Depois, o azar bateu-lhe à porta: torceu um pé, teve <strong>de</strong> pedir assistência médica e,<br />

como não tinha dinheiro, o seu caso alertou as autorida<strong>de</strong>s – e a imprensa. Faz lembrar<br />

a história <strong>de</strong> Tom Hanks no filme Terminal, certo? Os contornos da realida<strong>de</strong>, porém,<br />

são sempre mais negros. A embaixada da Suécia foi contactada; o homem foi visitado<br />

por dois amigos que vieram <strong>de</strong> propósito para falar com ele; os jornais começaram a<br />

relatar a sua história. E, <strong>de</strong>pois, foi abordado por agentes da Polícia e <strong>de</strong>clarou, apenas:<br />

“Eu não fiz mal a ninguém.” Para este mundo, contudo, fez. Fez mal a uma invenção<br />

estranhíssima chamada socieda<strong>de</strong> civil que não permite a uma pessoa estar em parte<br />

nenhuma. Esse direito primordial, reclamado por Rousseau em Emílio – e metaforicamente<br />

contado por Daniel Defoe em Robinson Crusoe – tornou-se uma impossibilida<strong>de</strong><br />

nos nossos dias. Num mundo dividido tiranicamente em Estados e fronteiras,<br />

cruelmente <strong>de</strong>finido por raças e religiões, o dilema do indivíduo no aeroporto não tem<br />

solução. Após quinze anos <strong>de</strong> errância, é possível que um homem não se sinta parte <strong>de</strong><br />

coisa alguma; é possível que, <strong>de</strong>senraizado, queria permanecer assim, sem ter <strong>de</strong> se refugiar<br />

numa ilha <strong>de</strong>serta, como Crusoe, nem castrar os seus instintos naturais em favor<br />

<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> cruel, como Emílio. Não o permitimos; a i<strong>de</strong>ia invisível <strong>de</strong> homem,<br />

<strong>de</strong> cidadão do mundo, <strong>de</strong> nativo <strong>de</strong> uma natureza sem nome, já falada por Platão, é inconcebível<br />

neste novo planeta. Talvez a escolha do aeroporto esteja certa: um território<br />

internacional é, por <strong>de</strong>finição, um território tão abrangente com o espaço si<strong>de</strong>ral, ou<br />

seja: pertence a todos, não pertence a ninguém. E, contudo, a Suécia reclama este cidadão,<br />

quer ajudá-lo, levá-lo para casa. Da mesma maneira que os satélites americanos<br />

e russos lutam pela conquista do espaço. A resposta, quase infantil, é certíssima: “Eu<br />

não fiz mal a ninguém”. Excepto, claro, a toda a gente. }

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!