Frédéric Bastiat - Ensaios - Ordem Livre
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Que é melhor para o homem e para a sociedade: a abundância ou a miséria?<br />
Como! —na certa exclamarão—será que isso pode suscitar alguma dúvida? Porventura alguém já<br />
disse que é possível a miséria ser o fundamento do bem-estar dos homens?<br />
Sim, isto foi dito! Tal tese já foi defendida! Defendem-na diariamente e eu não tenho nenhum receio<br />
de dizer que a teoria da miséria é, há muito, a mais popular. Ela é assunto das conversas, dos<br />
jornais, dos livros, dos discursos dos políticos e, embora possa parecer estranho, ê certo que a<br />
economia política não terá cumprido seu dever e sua missão prática até que se tenha popularizado<br />
e se tornado irrefutável a seguinte proposição tão simples: "A riqueza dos homens consiste na<br />
abundância das coisas".<br />
Não se ouve dizer todos os dias: "Os estrangeiros vão-nos inundar com seus produtos"? Logo,<br />
receia-se a abundância.<br />
O Sr. de Saint-Cricq* (* Pierre Laurent Barthélemy, conde de Saint-Cricq, membro da Câmara dos Deputados,<br />
ministro do Comércio de 04/01/1828 a 08/08/1829) já não afirmou que a produção era superabundante?<br />
Logo, ele receava a abundância.<br />
Os operários não estragam as máquinas? Conclui-se então que eles temem o excesso de<br />
produção ou a abundância! (103)<br />
O Sr Bugeaud* (* T. R. Bugeaud de la Piconnerie (1784-1849), conhecido principalmente como chefe militar;<br />
foi também membro da Câmara dos Deputados. Interessava-se por agricultura e endossou os princípios<br />
protecionistas) não pronunciou as seguintes palavras: "Deixem o pão ficar caro, pois o agricultor ficará<br />
rico"? Ora, o pão não pode ficar caro, a não ser que fique raro. Logo, o Sr. Bugeaud estava<br />
preconizando a miséria.<br />
O Sr. d'Argout** (** Antoine Maurice Apollinaire, conde d'Argout (1782-1858), administrador e fiscal, presidente do<br />
Banco de França) não arranjou um argumento contra a industria açucareira, a partir de sua própria<br />
fertilidade? Ele dizia: "A beterraba não tem futuro, e sua cultura não pode expandir-se, pois bastariam<br />
alguns hectares por região reservados à sua cultura para que se atendesse a todas as necessidades<br />
de consumo da França". Portanto, a seus olhos, o bem está na esterilidade, na fome; o mal está na<br />
fertilidade, na abundância.<br />
Os jornais La Presse, Le Commerce e a maior parte dos outros quotidianos não publicam, a cada<br />
manhã, um ou mais artigos para demonstrar às câmaras* (* O poder legislativo francês compreendia a<br />
Câmara dos Pares e a Câmara dos Deputados) e ao governo que é de boa política elevar legislativamente os<br />
preços de todas as coisas através da manipulação das tarifas? Os três poderes não se curvam todos<br />
os dias a esta imposição da imprensa? Ora, as tarifas só elevam os preços das coisas porque<br />
diminuem a quantidade oferecida no mercado! Portanto, os jornais, as câmaras, o ministério<br />
colocam em prática a teoria da miséria. E eu tinha razão em dizer que esta teoria é, de muito, a<br />
mais popular.<br />
Como pode acontecer que, aos olhos do trabalhdor, dos escritores, dos homens públicos, a<br />
abundância se apresente como receável e a miséria como vantajosa? Proponho-me a ir até as<br />
origens desta ilusão.<br />
Diz-se que um homem enriquece em função do fato de obter um melhor proveito de seu trabalho,<br />
ou seja, por vender seus produtos por um preço mais alto. Ele vende por preço mais (104) elevado na<br />
proporção da escassez desses produtos na praça. Conclui-se então que, pelo menos para ele, a<br />
escassez é enri-quecedora. Aplicando-se sucessivamente este raciocínio a to-dos os trabalhadores,<br />
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