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<strong>Mentira</strong> <strong>tem</strong> <strong>perna</strong> <strong>curta</strong><br />
http://www.catraios.pt/avo_continhos.htm<br />
de Emílio Carlos<br />
Era uma tarde como<br />
outra qualquer. Pedro<br />
e Ana tinham chegado<br />
da escola e almoçado.<br />
Depois viram um<br />
pouco de TV e agora<br />
era a hora de fazer a<br />
tarefa.<br />
Enquanto Pedro e Ana<br />
faziam a tarefa da<br />
escola a mãe deles foi<br />
até a padaria buscar<br />
uns pãezinhos bem<br />
gostosos para o café<br />
da tarde.<br />
- Façam a tarefa<br />
direitinho, certo<br />
crianças? – indagou<br />
a mãe ao sair.<br />
- Certo! –<br />
responderam Pedro<br />
e Ana em coro, com<br />
caras de anjinhos.<br />
Porém mal a mãe saiu<br />
Pedro disse assim:<br />
- Que chato fazer tarefa. Eu queria jogar bola.<br />
- A mamãe disse que bola só depois de fazer a tarefa – respondeu Ana.<br />
Um grande silêncio se abateu sobre os dois irmãos. Pedro até suspirou,<br />
entediado. Foi aí que Ana deu a ideia:<br />
- A gente podia brincar só um pouco agora.<br />
Nem precisou falar duas vezes. Pedro, que estava fazendo a tarefa com<br />
o pé em cima da bola, rapidamente pegou a redonda debaixo da mesa e<br />
jogou para Ana.<br />
Ana rebateu e a sala virou uma quadra de voleibol de praia.<br />
- Jogue Ana!<br />
- Pegue essa, Pedro!
Os dois se divertiam quando de repente... a bola saiu do controle e<br />
bateu nas paredes e nos quadros, ricocheteando pela sala até crás!<br />
Acertar o vaso de flores que foi ao chão se partindo em mil pedaços.<br />
- O vaso da mamãe! – exclamou Ana.<br />
- O vaso que ela ganhou de presente de casamento! – exclamou Pedro<br />
pondo as mãos na cabeça.<br />
Os dois entraram em pânico. Tinham arranjado encrenca feia com a<br />
mãe. Justo o vaso que ela mais gostava?<br />
- Foi idéia sua – disse Pedro à irmã.<br />
- Minha? Foi você que pegou a bola – retrucou a irmã.<br />
Se acusar agora não adiantava nada. O vaso estava quebrado e nada ia mudar isso.<br />
Como explicar para a mamãe?<br />
- Vamos varrer os cacos para baixo do tapete – disse Ana.<br />
- Não vai dar <strong>tem</strong>po – respondeu Pedro – A mamãe já deve estar<br />
chegando da padaria.<br />
Se existisse mágica, se desse para voltar no <strong>tem</strong>po, se eles não tivessem<br />
jogado bola na sala... todos os “se” passaram pelas cabeças dos dois<br />
como um turbilhão de ideias voando à velocidade da luz.<br />
- Vamos inventar uma história - disse Ana.<br />
- Mentir pra mamãe? – indagou Pedro.<br />
- É o único jeito – respondeu Ana.<br />
Nisso os dois ouviram o barulho do portão se abrindo.<br />
- É a mamãe! – exclamaram os dois juntos.<br />
- O que vamos dizer? – quis saber Pedro.<br />
- Não sei – disse Ana apavorada.<br />
Nisso a porta da sala se abriu. Pedro e Ana voltaram voando para suas<br />
tarefas com as caras mais santas deste mundo.<br />
- Tudo bem, crianças? – perguntou a mãe.<br />
- Tudo - responderam Pedro e Ana em coro e com dois sorrisos<br />
amarelos.<br />
A mãe foi para a cozinha carregando as sacolinhas com pães. Tinha<br />
comprado pães de sal, pães de creme que a Ana adorava e pães de<br />
milho que eram os preferidos de Pedro.<br />
- Ela não percebeu anda – disse Ana.<br />
- Por enquanto – respondeu Pedro.<br />
Nisso a mãe voltou à sala e andando perto da TV pisou num caquinho do<br />
vaso que fez “Cléc”.<br />
- Cléc? – pensou a mãe olhando para o chão.<br />
Pedro e Ana prenderam a respiração. E no instante seguinte a rua inteira<br />
ouviu o grito de pavor e horror da mãe:<br />
http://www.catraios.pt/avo_continhos.htm
- Aaaaahhhh!!! Meu vasooooo!!!!<br />
A mãe estava estupefacta. Justo o seu vaso de casamento que foi<br />
presente da sua madrinha? Quem fez isso? Como? Por quê?<br />
- Não sei – disse Pedro.<br />
- Eu não vi nada – completou Ana.<br />
- A mãe percebeu no ar a mentira – porque mãe sempre percebe essas<br />
coisas. Olhou fixamente para os olhos de Pedro, que desviou o olhar.<br />
Depois olhou para Ana, que olhou para o chão.<br />
Eles sabiam o que tinha acontecido. Por que não contavam? Quem faz<br />
errado <strong>tem</strong> que assumir o erro.<br />
Como ninguém dizia nada a mãe chamou Ana para conversar no quarto.<br />
Pedro ficou fazendo sua tarefa na sala. Mas nem conseguia se<br />
concentrar porque seu coração pulava forte no peito e ele suava frio de<br />
medo.<br />
No quarto a mãe quis saber:<br />
- Muito bem, Ana: o que aconteceu aqui?<br />
Ana pensou rápido em inventou uma história:<br />
- O gato da dona Maricota – nossa vizinha aí do lado – entrou na sala<br />
atrás de um rato. Correu e correu por toda a sala atrás do rato, que<br />
corria mais ainda. Daí o rato pulou em cima da televisão derrubando<br />
o vaso no chão, e seguido de perto pelo gato. Nem deu pra saber se<br />
o gato pegou o rato porque na hora eu me levantei e corri pra tentar<br />
salvar o vaso. Mas já era tarde demais.<br />
A mãe olhou com aquele olhar de “não me convenceu” para Ana. As<br />
janelas estavam fechadas, assim como as portas porque era mês de abril<br />
e ventava muito frio. Como é que o gato poderia ter entrado?<br />
- Acho que ele atravessou o vidro da porta com seu campo de força e<br />
depois fechou o vidro com a mágica que ele herdou de seus parentes<br />
gatos do oriente – disse Ana sorrindo um sorrisinho pra lá de<br />
amarelo.<br />
Sem nenhum sorriso a mãe disse:<br />
- Certo, Ana. Chame seu irmão aqui.<br />
- Ana saiu do quarto preocupada. Sabia que a mãe estava desconfiada.<br />
Chegou à sala e chamou Pedro, que gelou ainda mais dentro da<br />
camiseta e da calça de moletom.<br />
- O que foi que você disse? - quis saber Pedro.<br />
Ana tentou contar:<br />
- Eu disse que...<br />
- Pedro: venha logo!<br />
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Mais que depressa Pedro voou para o quarto da mãe. Entrou e se sentou<br />
na cadeira. E aí a mãe perguntou:<br />
- O que aconteceu aqui?<br />
Pedro engoliu em seco. E caprichou:<br />
- Mãe, você não sabe! Eu estava fazendo a tarefa quando ouvi um<br />
barulho estranho. Até pensei que era a barriga da Ana roncando de<br />
fome. O barulho foi aumentando e aumentando. E eu pensei: - Gente,<br />
a Ana está com fome mesmo. Foi nessa hora que o barulho aumentou<br />
de vez. Um barulho monstruoso, tenebroso, horrível. Eu me assustei e<br />
até me levantei da cadeira. Nessa hora a porta se abriu e nós<br />
pudemos ver... o monstro verde!!! Ele entrou pela porta, gigantesco<br />
como ele só. Mais do que depressa eu e a Ana nos escondemos<br />
debaixo da mesa. O monstro verde nem olhou para os lados. Foi<br />
direto para a televisão. Nós achamos que ele queria assistir desenho.<br />
Mas ele estendeu sua mão monstruosa e com a ponta do dedo<br />
derrubou seu vaso no chão. Depois sorriu monstruosamente, se virou<br />
e foi-se embora.<br />
- E ele fechou a porta quando saiu? – perguntou a mãe.<br />
- Claro, mãe – respondeu Pedro.<br />
A mãe olhava fixamente para Pedro, que se sentiu desconfortável.<br />
Tentou até disfarçar olhando para os lados. Mas os olhos da mãe<br />
pareciam penetrar fundo em sua alma.<br />
Pedro sorriu um sorriso bem amarelo e disse:<br />
- História impressionante, não é mesmo?<br />
A mãe nem se deu ao trabalho de responder. Só disse assim:<br />
- Venha para a sala, Pedro.<br />
A mãe foi na frente seguida de Pedro. Ana esperava na sala nervosa,<br />
roendo as unhas. O que Pedro teria dito à mãe? Será que ele tinha<br />
convencido?<br />
- Eu ouvi vocês dois – disse a mãe perto do vaso quebrado.<br />
- E acreditou, né? – perguntou Pedro.<br />
- Mas é claro... – respondeu a mãe.<br />
- Ufa! – exclamou Pedro.<br />
- ... que não! – continuou a mãe – Um gato, não é Ana?<br />
- Gato? – indagou Pedro pensando algo.<br />
- É mamãe: um gato mal e mal. – respondeu Ana.<br />
- Um monstro verde, não é Pedro? – indagou a mãe.<br />
- Monstro verde? – disse Ana pensando alto.<br />
- É, mãe: enorme, gigantesco, maior do que esta casa.<br />
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- E como é que ele passou pela porta se era tão grande assim, hein? –<br />
perguntou a mãe.<br />
- Bem... é que... quer dizer... – disse Pedro gaguejando de<br />
nervoso.<br />
- É que ele se transformou num gato pra entrar aqui em casa. Rê, rê. –<br />
disse Ana improvisando.<br />
- Ah: agora é um gato-monstro então? – concluiu a mãe.<br />
- Isso: um gato-monstro! – completou Pedro.<br />
A mãe olhou para o alto e respirou fundo. Pedro e Ana se entreolharam<br />
e ainda fizeram sinal de positivo. Tinham conseguido enrolar a mãe.<br />
Foi nessa hora que a mãe olhou para o seu vaso estilhaçado no chão e<br />
reparou que logo ali, ao lado, estava a bola de Pedro.<br />
- É... e essa bola? – perguntou a mãe desconfiada.<br />
- Bem... essa bola... – disse Ana tentando achar uma resposta.<br />
- É que... o monstro, que virou gato, entrou aqui, pegou a bola e jogou<br />
no seu vaso – emendou Pedro falando devagar para poder inventar<br />
outra desculpa.<br />
- Ah, sei: e depois ele saiu, né? – disse a mãe incrédula.<br />
- É – responderam os dois irmãos juntos.<br />
- Gatinho mal, né? – disse a mãe.<br />
- É: muito mal – completou Ana.<br />
- Sabem o que esse gatinho-monstro merecia? Ficar de castigo. – disse<br />
a mãe.<br />
- É verdade – concordou Pedro.<br />
- E pagar outro vaso pra mim com o dinheiro da mesada dele –<br />
completou a mãe.<br />
- É? – indagou Ana sentindo que a coisa estava ficando feia.<br />
A mãe colocou os dois irmãos de castigo para pensarem nas duas coisas<br />
erradas que eles tinham feito: desobedecê-la jogando bola na sala e<br />
mentir para encobrir o erro.<br />
- A melhor coisa é não fazer errado. Aí depois a gente não precisa<br />
mentir, né Pedro?- disse Ana no quarto de castigo.<br />
- É – concordou Pedro cabisbaixo.<br />
Os dois pediram desculpas à mãe e compraram outro vaso para ela com<br />
o dinheiro de suas mesadas. E aprenderam que mentira <strong>tem</strong> <strong>perna</strong><br />
<strong>curta</strong>.<br />
Emílio Carlos<br />
(todos os direitos reservados)<br />
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