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O <strong>menino</strong> <strong>que</strong> <strong>não</strong> <strong>que</strong>ria <strong>ser</strong> <strong>ele</strong> <strong>mesmo</strong><br />
http://www.catraios.pt/avo_continhos.htm<br />
de Emílio Carlos<br />
Era uma vez um <strong>menino</strong><br />
chamado Joel <strong>que</strong> tinha dez<br />
anos.<br />
Joel vivia com seu pai e sua<br />
mão, <strong>que</strong> o adoravam. Sua irmã<br />
também gostava muito d<strong>ele</strong> e<br />
<strong>ele</strong>s brincavam todos os dias<br />
até o anoitecer.<br />
Joel ia bem na escola. A<br />
professora gostava d<strong>ele</strong>. Muitos<br />
colegas também gostavam d<strong>ele</strong>.<br />
Alem disso Joel era actor e<br />
desenhista. Já tinha participado<br />
de várias peças de teatro na escola e na igreja – e o público adorava o Joel. Seus<br />
desenhos – <strong>que</strong> <strong>ele</strong> criava do nada – agradavam crianças e adultos.<br />
Todo mundo gostava do Joel. Menos <strong>ele</strong> <strong>mesmo</strong>. Começando pelo nome: <strong>que</strong>ria <strong>ser</strong><br />
Jociel, Josel, Micael, Rafael, qual<strong>que</strong>r outro “el” – menos Joel.<br />
Joel olhava para os outros <strong>menino</strong>s com admiração. E tentava usar o cabelo de um,<br />
o tipo de roupa de outro, falar como um outro falava.<br />
Joel tentava copiar comportamentos até da t<strong>ele</strong>visão. Uma vez inventou <strong>que</strong> adorava<br />
insectos. E quis figurinhas de insectos, desenhos de insectos, revistas de insectos.<br />
Um dia, porém, ao ajudar na limpeza da casa o Joel viu um insecto em baixo da<br />
cadeira. Frente a frente, cara a cara. Foi uma péssima experiência. Joel saiu<br />
correndo. Descobriu <strong>que</strong> insectos pareciam legais no desenho – mas <strong>que</strong> ao vivo <strong>ele</strong>s<br />
<strong>não</strong> pareciam nada legais...<br />
Esse era o Joel – <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria <strong>ser</strong> qual<strong>que</strong>r pessoa, menos <strong>ele</strong> <strong>mesmo</strong>. Mas porquê? –<br />
perguntou seu amigo João.<br />
O Joel <strong>não</strong> sabia dizer. Não tinha resposta para isso. Mas tentava <strong>ser</strong> todo mundo,<br />
ter cara de todo mundo, <strong>ser</strong> comum.<br />
Os colegas gostavam do Joel como <strong>ele</strong> era – e <strong>ele</strong> lá fazendo força pra se<br />
transformar... no <strong>que</strong> <strong>ele</strong> <strong>não</strong> era.<br />
Um dia o Joel conseguiu. De tanto tentar agora <strong>ele</strong> <strong>não</strong> parecia mais <strong>ele</strong> <strong>mesmo</strong>:<br />
roupa parecida com um, cabelo parecido com outro, jeito de andar de outro, papo de<br />
outro ainda. De estudioso passou a <strong>ser</strong> bagunceiro. De bom filho passou a <strong>ser</strong><br />
desobediente.<br />
O Joel tinha absorvido um pouco de cada pessoa e montado um novo Joel. Um tanto<br />
Frankstein, com um pedaço de um, um pedaço de outro, pedaços diferentes de<br />
pessoas diferentes. E achou <strong>que</strong> assim <strong>ser</strong>ia popular, assim todos o notariam, todos<br />
gostariam d<strong>ele</strong>. Mudou até seu nome para Jorel.<br />
Aconteceu o contrário: os amigos foram se afastando d<strong>ele</strong>. E o Jorel foi ficando<br />
sozinho, cada vez mais sozinho. E cada vez sem entender mais nada.
Mas porquê? Por <strong>que</strong> <strong>ele</strong> <strong>não</strong> fazia sucesso com as meninas? Por <strong>que</strong> <strong>ele</strong> <strong>não</strong> era<br />
popular?<br />
Ele pensava nisso o tempo todo. Um dia ficou ali amuado, num canto do recreio,<br />
triste de dar pena. E seu antigo amigo – o João – se aproximou d<strong>ele</strong>. Chegou e<br />
sentou do lado do Jorel.<br />
E conversaram. E o Jorel explicou tudo <strong>que</strong> fez para <strong>ser</strong> igual a todos, pra <strong>ser</strong><br />
popular, para <strong>que</strong> todos gostassem d<strong>ele</strong>. Daí o João explicou:<br />
- Você era diferente, Joel. E todo mundo gostava de você como você era. Muitos lhe<br />
admiravam.<br />
O Jorel pôs as mãos na cabeça. Não entendia isso. Tudo <strong>que</strong> <strong>ele</strong> <strong>que</strong>ria era <strong>ser</strong> igual<br />
a todo mundo. E o João disse assim:<br />
- Sabe Joel: no fundo ninguém é igual a ninguém. Todos são diferentes. Por isso <strong>não</strong><br />
dá pra <strong>ser</strong> igual a todo mundo.<br />
- Mas eu só <strong>que</strong>ria <strong>ser</strong> popular... – disse o Jorel.<br />
- E você era popular – respondeu o João. – Você era tão popular <strong>que</strong> todo mundo<br />
<strong>que</strong>ria <strong>ser</strong> como você, desenhar como você, actuar como você, fazer o <strong>que</strong> você<br />
fazia.<br />
Aquilo era novidade. Quando o Jorel era Joel todos gostavam d<strong>ele</strong>. Agora <strong>que</strong> era<br />
Jorel todos se afastaram d<strong>ele</strong>.<br />
O Jorel foi pra casa, almoçou e ficou no seu quarto pensando e pensando. Pensou e<br />
pensou até <strong>que</strong> tomou uma decisão.<br />
No dia seguinte o Jorel <strong>não</strong> foi à escola. Mas o Joel foi: com seu cabelo de sempre,<br />
as velhas roupas e o caderno de desenho debaixo do braço. O pessoal notou e o<br />
comentário correu antes do sinal da entrada tocar.<br />
Com o passar da manhã os antigos colegas foram se aproximando d<strong>ele</strong>, falando com<br />
<strong>ele</strong>. E no recreio fez até fila de tanta gente <strong>que</strong> <strong>que</strong>ria os desenhos do Joel.<br />
Ali desenhando para os colegas, feliz da vida, o Joel só teve um pensamento. E foi:<br />
“Adeus Jorel! Bem-vindo Joel!”.<br />
“Goste de você <strong>mesmo</strong> e o mundo vai gostar de você.”<br />
Emílio Carlos<br />
(todos os direitos re<strong>ser</strong>vados)<br />
http://www.catraios.pt/avo_continhos.htm