1 Narrativas de experiências sexuais em torno da internet: a ...
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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Po<strong>de</strong>r<br />
Florianópolis, <strong>de</strong> 25 a 28 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2008<br />
<strong>Narrativas</strong> <strong>de</strong> <strong>experiências</strong> <strong>sexuais</strong> <strong>em</strong> <strong>torno</strong> <strong>da</strong> <strong>internet</strong>: a construção do gênero e <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>em</strong> uma "Lan House"<br />
Thayse Figueira Guimarães (UFRJ)<br />
<strong>Narrativas</strong>, I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s; Vi<strong>da</strong> social.<br />
ST 56: Novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> configuração heterossexual<br />
Introdução<br />
Narrar é um processo conjunto “instaurador <strong>de</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais” (FABRÍCIO, 2006:192) i .<br />
Ao nos engajarmos <strong>em</strong> histórias sobre nós mesmos, freqüent<strong>em</strong>ente, reforçamos e às vezes re-criamos<br />
o tipo <strong>de</strong> pessoa que nós somos (WORTHAM, 2000) ii . Narrar nossas <strong>experiências</strong> é um modo <strong>de</strong> nos<br />
(re)criarmos <strong>em</strong> contextos sociais. Nesse sentido, há uma indissociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> entre narrativas e<br />
performances i<strong>de</strong>ntitárias (WORTHAM, 2000ii ; MOITA LOPES, 2006 iii ), pois as narrativas são<br />
pacotes <strong>de</strong> conhecimentos que mostram como as pessoas são e ag<strong>em</strong> <strong>em</strong> um contexto sócio-histórico. É<br />
nessa inseparabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que este trabalho se apóia para construir seu objeto <strong>de</strong> estudo.<br />
Meu objetivo aqui é enten<strong>de</strong>r o modo como a matriz heterossexual <strong>em</strong>erge na<br />
cont<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong>, e como os novos espaços <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> contribu<strong>em</strong> para a construção <strong>de</strong><br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s subversivas <strong>de</strong> gênero e sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. O foco <strong>de</strong> análise <strong>de</strong>sse trabalho está nas<br />
narrativizações <strong>da</strong>s <strong>experiências</strong> <strong>sexuais</strong> <strong>de</strong> um jov<strong>em</strong> <strong>de</strong> classe média baixa, <strong>em</strong> uma “Lan-house”. A<br />
história é narra<strong>da</strong> por Fábio, que se constrói como um homossexual contando <strong>experiências</strong><br />
heteros<strong>sexuais</strong>.<br />
Para tal, utilizo uma visão socioconstrucionista dos discursos (CHOULIARAKI &<br />
FAIRCLOUGH, 1999 iv ; MOITA LOPES, 2003 v ), a construção performática do gênero e <strong>da</strong><br />
sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> (BUTLER, 1990/2003) vi e o papel <strong>da</strong>s narrativas orais e dos posicionamentos interacionais<br />
na construção <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais (DAVIES & HARRÉ, 1990 vii ; WORTHAM, 2000vii; MOITA<br />
LOPES, 2006iii). Recupero também o conceito <strong>de</strong> pistas contextuais (GUMPERZ, 1998) viii para<br />
enten<strong>de</strong>rmos o modo como os significados são construídos <strong>em</strong> um contexto interacional. Por fim, para<br />
análise dos <strong>da</strong>dos utilizo as pistas <strong>de</strong> contextualização (GUMPERZ, 1998viii) e as ferramentas <strong>de</strong><br />
análise dos posicionamentos nas narrativas autobiográficas ofereci<strong>da</strong>s por Wortham (2000ii).<br />
Revisitando narrativas <strong>sexuais</strong><br />
A compreensão <strong>de</strong> discurso que perpassa este trabalho está relaciona<strong>da</strong> à força constitutiva <strong>da</strong>s<br />
práticas discursivas, no sentido <strong>de</strong> que os discursos diários que nos circun<strong>da</strong>m não só reproduz<strong>em</strong> o<br />
mundo social, mas nos constro<strong>em</strong> como atores sociais <strong>de</strong> um evento situado (CHOULIARAKI &<br />
1
FAIRCLOUGH, 1999iv; MOITA LOPES, 2003v). Esta compreensão coloca como ponto central a<br />
natureza socioconstrucionista do discurso, sendo seu entendimento básico o fato <strong>de</strong> os objetos sociais<br />
ser<strong>em</strong> produtos <strong>de</strong> nossas negociações nos esforços <strong>de</strong> fazer sentido no mundo (MOITA LOPES,<br />
2003v).<br />
Essa compreensão <strong>de</strong> discurso como constitutivo <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> social (FOUCAULT,<br />
1979/1995) ix , nos possibilita enten<strong>de</strong>r que a narrativa, como prática discursiva, é um processo<br />
instaurador <strong>de</strong> modos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, já que narrar é um modo <strong>de</strong> nos construirmos, construir o outro, o<br />
contexto social <strong>em</strong> que nos engajamos e <strong>de</strong> resgatar nossas histórias que perpassam nossas <strong>experiências</strong><br />
<strong>de</strong> gênero e sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
A idéia <strong>de</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> t<strong>em</strong> sido manti<strong>da</strong> tradicionalmente pelo dualismo hetero-homo e sob<br />
uma abor<strong>da</strong>g<strong>em</strong> “fisicalista” <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que “localiza o <strong>de</strong>sejo sexual e sua expressão na biologia<br />
<strong>de</strong> nossos corpos” (FOUCAULT, 1998/2001) x . Essa regulação, segundo Foucault, está pauta<strong>da</strong> numa<br />
“vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>” sobre a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, que evoca exercício <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e relações “assimétricas” dos<br />
que têm <strong>de</strong>sejo pelo sexo oposto sob aqueles que traz<strong>em</strong> uma “androginia interior” (FOUCAULT,<br />
1998/2001 p. 44x), pois possu<strong>em</strong> <strong>de</strong>sejos <strong>de</strong>sregulares, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nados, “voltados para o sexo oposto”.<br />
Tal modo <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> v<strong>em</strong> regulando as histórias que construíram nossas <strong>experiências</strong><br />
<strong>sexuais</strong> e simultaneamente sendo reafirma<strong>da</strong>s por elas.<br />
Entretanto, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que somos test<strong>em</strong>unhas <strong>de</strong>sse “binômio homo/hetero”, as<br />
gran<strong>de</strong>s mu<strong>da</strong>nças na cont<strong>em</strong>poranei<strong>da</strong><strong>de</strong> têm permitido a circulação <strong>de</strong> outros discursos e formas <strong>de</strong><br />
vi<strong>da</strong>. Viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> um momento impar, no que se refere a múltiplos modos <strong>de</strong> práticas <strong>sexuais</strong> e <strong>de</strong><br />
“i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s alternativas”. A mídia e o <strong>de</strong>senvolvimento tecnológico, <strong>em</strong> geral, têm sido co-<br />
responsáveis pela circulação <strong>de</strong> outras formas <strong>de</strong> experienciar a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Essas mu<strong>da</strong>nças<br />
colaboram na construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> sexual menos aprisionadora e mais híbri<strong>da</strong>, permitindo<br />
pensá-las não mais como um construto “biologizante” ou como uma essência a ser revela<strong>da</strong>, mas como<br />
característica t<strong>em</strong>porária, construí<strong>da</strong> discursivamente (MOITA LOPES, 2003v), <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> on<strong>de</strong><br />
estamos e <strong>de</strong> qu<strong>em</strong> está nos ouvindo.<br />
Este modo <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r a construção <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais está ligado a ações performáticas,<br />
como propunha Butler (1990/2003vi). Para autora as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais são fruto <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong><br />
ações repeti<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um enquadre regulatório sustentado <strong>em</strong> nossas práticas discursivas. Essa é<br />
uma visão que relega nossas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> gênero e sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> ao âmbito dos efeitos <strong>de</strong> sentido, já<br />
que, segundo Butler (1990/2003vi), não há uma idéia <strong>de</strong> gênero por trás <strong>da</strong>s expressões <strong>de</strong> gênero, as<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s são um constante fazer performático. Dessa forma, Butler mantém dialogo direto com o<br />
que já propunha Foucault: <strong>de</strong> que o gênero e a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> não é um domínio exterior ao po<strong>de</strong>r, mas<br />
2
instrumento <strong>de</strong> seus agenciamentos. Assim, uma simples conversa informal ou uma pequena história<br />
conta<strong>da</strong> merece ser leva<strong>da</strong> a sério <strong>em</strong> qualquer tentativa que <strong>de</strong>fina nossa sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> que é construí<strong>da</strong><br />
discursivamente, na dinâmica <strong>da</strong> flui<strong>de</strong>z do aqui e agora (MOITA LOPES, 2005 xi ). Dessa forma, as<br />
narrativas, enquanto práticas discursivas, não po<strong>de</strong>m ser estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s separa<strong>da</strong>mente dos aspectos<br />
contextuais e locais <strong>da</strong>s relações sociais (MOITA LOPES, 2006iii).<br />
Seguindo as pistas <strong>de</strong> um contexto e os posicionamentos interacionais<br />
Os participantes <strong>de</strong> uma interação faz<strong>em</strong> uso <strong>de</strong> uma série <strong>de</strong> sinalização, que são aprendi<strong>da</strong>s<br />
socioculturalmente, para enten<strong>de</strong>r e interpretar um conjunto <strong>de</strong> informações que estão <strong>em</strong> “potencial <strong>de</strong><br />
significar”. A esses sinais Gumperz (1998viii) cunha o termo “pista <strong>de</strong> contextualização”, que são <strong>em</strong><br />
termos mais amplos todos os traços <strong>de</strong> natureza lingüísticas, paralingüísticas e não- lingüísticas que<br />
contribu<strong>em</strong> para a sinalização contextual (GUMPERZ, 1998viii).<br />
Um outro construto teórico válido para enten<strong>de</strong>rmos o modo como os participantes se<br />
constro<strong>em</strong> e um contexto interacional, mais especificamente aqui narrativo, refere-se ao<br />
posicionamento interacional. O posicionamento é um fenômeno conversacional que evoca os aspectos<br />
dinâmicos do processo interacional. Uma conversa revela, através <strong>de</strong> ações conjuntas entre todos os<br />
participantes, como eles se constro<strong>em</strong> (ou tentam fazer isso) e constro<strong>em</strong> o outro <strong>em</strong> ações socialmente<br />
<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s, isto é, nos contextos interpessoais.<br />
Posicionamento é um processo interativo, <strong>em</strong> que o que uma pessoa diz posiciona a outra<br />
(DAVIES & HARRÉ, 1990vii);ou seja, uma pessoa é posiciona<strong>da</strong> pelo outro interlocutor. Essa visão<br />
interacioanal dos posicionamentos também é segui<strong>da</strong> por Wortham (2000ii), que oferece ferramentas<br />
analíticas úteis para a análise dos posicionamentos <strong>em</strong> uma narrativa. Através <strong>da</strong>s ferramentas<br />
analíticas ofereci<strong>da</strong>s por Wortham (2000ii) analisarei o posicionamento interacional dos participantes<br />
envolvidos nas histórias analisa<strong>da</strong>s. Essas ferramentas são: “referência e predicação, <strong>de</strong>scrição<br />
metapragmática, citação, in<strong>de</strong>xicais avaliativos e mo<strong>da</strong>lização epistêmica” (MOITA LOPES, 2006iii).<br />
Com relação à referência e predicação, ao narrar faz<strong>em</strong>os escolhas <strong>de</strong> palavras e expressões<br />
com as quais estamos familiarizados, como adjetivos, substantivos e outras formas <strong>de</strong> predicar. A<br />
<strong>de</strong>scrição metapragmática inclui os verbos <strong>de</strong> dizer, que o narrador utiliza para <strong>de</strong>screver os eventos, o<br />
modo como algo foi dito e avaliado por ele. Ao escolher verbos e nomes metapragmáticos, os<br />
narradores freqüent<strong>em</strong>ente refer<strong>em</strong>-se a qu<strong>em</strong> disse o que nos eventos narrados. Dessa forma, citar os<br />
personagens é um ato <strong>de</strong> “ventriloquar” outras vozes e ao mesmo t<strong>em</strong>po posicionar-se <strong>em</strong> relação a<br />
elas.<br />
3
Narradores também usam in<strong>de</strong>xicais avaliativos, estas pistas pressupõ<strong>em</strong> algo sobre as<br />
posições sociais dos personagens e a posição do narrador com relação a elas. Faz isso, através <strong>de</strong> itens<br />
lexicais, construções gramaticais, sotaques e outros pares lingüísticos que se refer<strong>em</strong> a um <strong>de</strong>terminado<br />
grupo e funcionam como índices para esses grupos, quando usado pelo narrador.<br />
Por fim, com relação à mo<strong>da</strong>lização epistêmica, que t<strong>em</strong> a ver com o tipo <strong>de</strong> acesso que o<br />
narrador t<strong>em</strong> no evento narrado e com a posição que toma nas histórias. Por ex<strong>em</strong>plo, ele po<strong>de</strong> se<br />
posicionar como um espectador privilegiado ou como um participante mais contingente.<br />
Essas pistas têm sido, freqüent<strong>em</strong>ente, utiliza<strong>da</strong>s por Wortham (2000ii) <strong>em</strong> análises <strong>de</strong><br />
contextos etnográficos particulares. De maneira próxima, elas também serão utiliza<strong>da</strong>s aqui para<br />
analisar os posicionamentos <strong>de</strong> Fábio num evento narrativo. Consi<strong>de</strong>ro que este é um caminho útil para<br />
enten<strong>de</strong>rmos como as i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> são construí<strong>da</strong>s nos processos interativos.<br />
Metodologia e contexto<br />
A narrativa analisa<strong>da</strong> abaixo foi gera<strong>da</strong> através <strong>de</strong> uma investigação etnográfica <strong>em</strong> uma “Lan<br />
House”, na ci<strong>da</strong><strong>de</strong> do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Mais especificamente, essa “Lan House” localiza-se no subúrbio<br />
do Rio, on<strong>de</strong> os freqüentadores, <strong>em</strong> gran<strong>de</strong> parte, são <strong>de</strong> classe média baixa. Os <strong>da</strong>dos foram gerados<br />
através <strong>de</strong> gravação <strong>em</strong> áudio. A narrativa <strong>em</strong> análise foi conta<strong>da</strong> no dia <strong>de</strong>zessete <strong>de</strong> <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro <strong>de</strong><br />
2007, numa interação <strong>de</strong> 28min e 38 segundos.<br />
Entre os participantes <strong>da</strong>quela narrativa estão: Lívia, Carlos, Cazu, Diego, Paulo, Sandro e eu.<br />
Todos possu<strong>em</strong> computador <strong>em</strong> casa, mas freqüentam com assidui<strong>da</strong><strong>de</strong> a “Lan House”, por causa <strong>da</strong><br />
re<strong>de</strong> <strong>de</strong> amigos feitas lá. Com relação a Fábio, este t<strong>em</strong> 20 anos e durante a interação ele é levado a faz<br />
performances f<strong>em</strong>ininas ao narrar uma experiência heterossexual. De todo material gravado, selecionei<br />
um pequeno fragmento <strong>em</strong> que Fábio conta essa experiência.<br />
Adotei neste estudo uma visão interpretativista <strong>de</strong> pesquisa (MOITA LOPES, 1994) xii , visto<br />
que este tipo <strong>de</strong> investigação reconhece o conhecimento como produto <strong>da</strong> interpretação interpessoal <strong>da</strong><br />
linguag<strong>em</strong>, ou seja, consi<strong>de</strong>ra o conhecimento como fabricado, produto <strong>da</strong> força discursiva nas<br />
interações sociais. Desse modo, é importante ressaltar que também sou participante ativa na construção<br />
do contexto narrativo analisado.<br />
Para facilitar as análises dos <strong>da</strong>dos feitas abaixo tomo como base algumas convenções <strong>de</strong><br />
transcrição propostas por Schanck et al ( 2005) xiii .<br />
A análise e consi<strong>de</strong>rações finais<br />
Nas histórias que me contaram, naquela pequena sala cheia <strong>de</strong> computadores, o que mais me<br />
impressionava, não era o enredo, o <strong>de</strong>sfecho, a morali<strong>da</strong><strong>de</strong>; e sim o fato <strong>de</strong> elas ser<strong>em</strong> conta<strong>da</strong>s ali e<br />
não a meia voz, entre sussurros e promessas <strong>de</strong> segredos. A sala escura, as pessoas s<strong>em</strong>pre à meia luz,<br />
4
ouvindo uma música, ora suave ora mais ritma<strong>da</strong>. Entre uma conversa e outra, Fábio volta-se para mim<br />
questiona se eu já havia ido a uma “chopa<strong>da</strong>” <strong>da</strong> Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> on<strong>de</strong> estu<strong>da</strong>va. Notei que ele que estava<br />
preste a contar alguma história e alguma coisa interessante, porque ele já <strong>da</strong>va aquele sorriso amarelo...<br />
(...)<br />
1 Fábio: Eta:: t<strong>em</strong> uma piscina lá que está <strong>em</strong> obra que é um fervor , eh:: Já fui<br />
2 lá, lá-lá no dia <strong>da</strong> chopa<strong>da</strong>. Chopa<strong>da</strong> <strong>da</strong> EBA<br />
3 Thayse: Lá-lá na::<br />
4 Fábio: na Ufrj!<br />
5 Thayse: [Na Letras ou::<br />
6 Fábio: [No-no na-no Campus, perto <strong>da</strong> Reitoria.<br />
7 Thayse: Ah tá::<br />
8 Fábio: T<strong>em</strong> uma piscina ali, que tá <strong>em</strong> construção:: Ei/ ATÉ MULHER EU<br />
9 JÁ PEGUEI ALI!<br />
10 Thayse: Nossa (tom baixo)<br />
11 Lívia: [O quê?????<br />
12 Todos: (risos)<br />
13 Lívia: O QUÊ? Já pegou mulher lá?<br />
14Carlos: Eh, ele já pegou mulher!<br />
15 Fábio: Na chopa<strong>da</strong> <strong>da</strong> EBA! Tinha uma piscina lá//SEI LÁ SE É PISCINA<br />
16 OU QUADRA que estava <strong>em</strong> construção! Eu já louca <strong>de</strong> cerveja//<br />
17 Lívia: [Ai veio uma mulherzinha e tu pegou.<br />
18 Fábio: Era a amiga <strong>de</strong> Cristina, “Aí:: fica comigo-fica comigo!”(imita a voz <strong>da</strong> menina) “Eu não 19<br />
quero, mapoa!”<br />
10 Todos: (risos)<br />
21 Fábio: “Fica comigo”, aí eu falei: “vai, então, pega logo!”<br />
22 Todos: (coversas e risos)<br />
23 Lívia: Fez o que com ela Fábio?<br />
24 Fábio: Bei::jei, né Lívia!<br />
25 Lívia: SÓ?!<br />
26Fábio: Por favor, né Lívia. Não tava tão bêba<strong>da</strong> assim! (...)<br />
A narrativa analisa<strong>da</strong> está encaixa<strong>da</strong> no evento conversacional <strong>da</strong>quele contexto, por isso,<br />
para que a análise possa fazer sentido, os outros fragmentos também foram transcritos.<br />
Durante a narração Fábio refere-se a si próprio utilizando o adjetivo “louca” (l. 16) e “mapoa”<br />
(l. 19). Esses itens lexicais serv<strong>em</strong> como in<strong>de</strong>xicais avaliativos que o lançam ao grupo dos que faz<strong>em</strong><br />
performances i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>s como homo eróticos, já que este último é uma gíria comum entre os que<br />
constro<strong>em</strong> i<strong>de</strong>ntitariamente neste grupo.<br />
A análise <strong>da</strong> história que a narrativa conta sobre Fábio indica que, na perspectiva <strong>da</strong>s<br />
constituições <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais, Fábio ao contar uma experiência heterossexual é levado a fazer<br />
performances <strong>de</strong> f<strong>em</strong>inili<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
No <strong>de</strong>correr do evento Fábio utiliza-se do fragmento “até mulher eu já peguei ali” (l. 8/9)<br />
como uma pista para a introdução <strong>de</strong> um contexto narrativo. Aqui ele se posiciona como alguém que<br />
5
t<strong>em</strong> uma experiência sexual para contar. Neste fragmento toma discursivamente uma postura <strong>de</strong><br />
agência, permiti<strong>da</strong> pelo índice lexical “pegar”. Contudo esta postura é questiona<strong>da</strong> pelos outros<br />
participantes, quando estes se espantam: “O QUÊ? Já pegou mulher lá? /Eh, ele já pegou mulher!” (l.<br />
13/14).<br />
Esses questionamentos parec<strong>em</strong> ter levado Fábio a construir uma avaliação <strong>da</strong>quela história.<br />
Ao justificar seu comportamento “eu já louca <strong>de</strong> cerveja” (l. 16), Fábio lança aquela experiência sexual<br />
ao campo do não habitual, no sentido <strong>de</strong> que uma experiência com o sexo oposto não ratifica a<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> que evoca. Aqui, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> homossexual que Fábio constrói é posta <strong>em</strong> xeque pelos<br />
participantes, que colaboram na construção <strong>de</strong> uma outra performance para Fábio, pois a idéia <strong>de</strong><br />
agência trazi<strong>da</strong> com verbo “pegar” parece que lhe é nega<strong>da</strong> pelo grupo.<br />
Fábio agora assume um outro posicionamento. Durante a narração, cita a voz dos<br />
personagens “Aí:: fica comigo-fica comigo!”/ “Eu não quero, mapoa!”/(l. 18/19) “Fica comigo”, aí eu<br />
falei: “vai, então, pega logo!” (l. 21), <strong>de</strong>monstrando ter acesso epistêmico sobre o evento narrado e<br />
construindo a amiga <strong>de</strong> Cristina como a agência na história. Fábio a coloca numa posição ativa no<br />
<strong>de</strong>senrolar <strong>da</strong> ação narra<strong>da</strong>, já que é ela qu<strong>em</strong> toma a iniciativa <strong>de</strong> querer “ficar” com Fábio.<br />
Esse posicionamento é ratificado quando ele redireciona a agência e utiliza o verbo “pegar”<br />
para se referir à amiga <strong>de</strong> Cristina, pois a ação <strong>de</strong> pegar agora cabe a ela. Essa é uma performance<br />
comumente evoca<strong>da</strong> pela masculini<strong>da</strong><strong>de</strong> heg<strong>em</strong>ônica, pois viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>em</strong> que, no<br />
senso comum, o hom<strong>em</strong> é construído como aquele que possui uma incontinência sexual, sendo as<br />
<strong>de</strong>mais i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s vítimas <strong>de</strong>ssa incontinência. Contudo, o modo como narrador se posiciona e<br />
posiciona a garota vai <strong>de</strong> encontro ao esperado <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> e <strong>de</strong> uma mulher, já que há uma inversão<br />
dos papéis e qu<strong>em</strong> precisa ser sacia<strong>da</strong> ali é a garota.<br />
Esses posicionamentos contam que Fábio, quando veste a máscara <strong>de</strong> “hetero” é levado a fazer<br />
performances f<strong>em</strong>ininas. Essa narrativa colabora para enten<strong>de</strong>rmos o modo como a matrix<br />
heterossexual é aprisionadora e não permite uma movimentação para além do binômio “homo-hetero”.<br />
De modo que fixa i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um contínuo aparent<strong>em</strong>ente lógico reivindicado pela<br />
heterossexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> compulsória: gênero, sexo e <strong>de</strong>sejo.<br />
Assim, Fábio movimenta-se <strong>em</strong> direção ao híbrido, contudo este posicionamento lhe é<br />
questionado <strong>da</strong>do a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> que evoca. Mesmo assim, aquelas narrativas subvert<strong>em</strong> a matrix<br />
heterossexual, pois nos convocam a pensar as nossas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>sexuais</strong> como não fixas e<br />
historicamente situa<strong>da</strong>s, po<strong>de</strong>ndo mu<strong>da</strong>r nos contextos sociais pelos quais circulamos.<br />
i FABRÍCIO, B.F. (2006)“Narrativização <strong>da</strong> experiência: o triunfo <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m sobre o acaso”. In Magalhares, I.; Griogoleto, M.; Coracini<br />
M. J. (Org.) Práticas I<strong>de</strong>ntitárias: Língua e Discurso. São Carlos: Claraluz, p. 191-209.<br />
6
ii WORTHAM, Stanton. (2000) Interacional Positioning and narrative self-construcitons. Narrative Inquiry, 10 1), p. 157-184.<br />
iii MOITA LOPES, L.P. (2006) “On being white, heterosexual and male at school: Multiple positionings in oral narratives”. In: D.<br />
SCGUFFRUB; A. DE FINNA e M.BAMBERG, I<strong>de</strong>ntity an discourse. Oxford, Oxford University Press.<br />
iv CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. (1999) “The critical analysis of dicourse”. Discourse in Late Mo<strong>de</strong>rnity, Edinburgh: Edinburg<br />
University Press.<br />
v<br />
MOITA LOPES, L.P. ( 2003) Socioconstrucionismo: Discurso e I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s Sociais. In:<br />
MOITA LOPES, L.P. (Org) (2004) Discursos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s: discurso como espaço <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> gênero, sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, raça, i<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
profissão na escola e na família. São Paulo: Mercado <strong>de</strong> Letras.<br />
vi<br />
BUTLER, J. (1990/2003) Probl<strong>em</strong>as <strong>de</strong> gênero: f<strong>em</strong>inismo e a subversão <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro, Civilização Brasileira,<br />
Edinburgh University Press.<br />
vii<br />
DAVIES, B.; HARRÉ R. (1990) Positioning: The Discursive Production of selves. Journal for the Theory of Social Behaviour 20 (1),<br />
p. 43-63.<br />
viii GUMPERZ, J. (1998)“Convenções <strong>de</strong> contextualização”. In: RIBEIRO, B.T. e GARCEZ, P.M. (Orgs.) Sociolingüística Interacional:<br />
Antropologia, Lingüística e Sociologia <strong>em</strong> Analise do Discurso. Porto Alegre: AGE, 1998, p. 98-119.<br />
ix FOUCAULT, M. (1979/1995) Microfísica do po<strong>de</strong>r. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal.<br />
x FOUCAULT, M. (1998/2001) História <strong>da</strong> Sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>: A Vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saber. 14. ed. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Graal<br />
xi MOITA LOPES, L.P. (2005) “A construção do gênero e do letramento na escola: como um tipo <strong>de</strong> conhecimento gera o outro”.<br />
Investigações Lingüística e Teoria Literária. Vol. 17, no.2 p. 47-68.<br />
xii MOITA LOPES, L.P. (1994) Pesquisa Interpretativista <strong>em</strong> Lingüística Aplica<strong>da</strong>: a Linguag<strong>em</strong> como condição e Solução, DELTA, 10<br />
(2), pp.329-338<br />
xiii Com base <strong>em</strong> algumas convenções propostas por Schanck et al (2005), foram adota<strong>da</strong>s ao longo dos excertos as seguintes convenções<br />
<strong>de</strong> transcrição: quando houver qualquer pausa na fala dos interactantes, elas serão marca<strong>da</strong>s com / (uma barra) para pausas mais<br />
breves e com // (duas barras) para pausas mais longas; qualquer comentário explicativo do pesquisador será feito entre parênteses; as<br />
falas sobrepostas serão marca<strong>da</strong>s com [ ] (colchetes); o alongamento do som será marcado com : (dois pontos); quando houver uma fala<br />
mais rápi<strong>da</strong> usarei ___ (grifos), já para fala com volume mais alto usarei TEXTO (caixa alta), por fim, quando o narrador usa o discurso<br />
direto na história coloco entre “ ”( aspas).<br />
SCHNACK, C. M., PISONI, T. D., OSTERMAN, A. C. (2005) “Transcrição <strong>da</strong> fala: do evento real à representação <strong>da</strong> escrita”. In:<br />
Revista Entrelinhas, Ano II, no. 2, maio/agosto.<br />
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