Haru e Natsu - Imigrantesjaponeses.com.br
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Sugako Hashida (pseudônimo de Sugako<<strong>br</strong> />
Iwasaki) nasceu em 1925 em Seul, Coréia, que<<strong>br</strong> />
à época fazia parte do Império do Japão.<<strong>br</strong> />
Formada em Letras pela Universidade Feminina<<strong>br</strong> />
Nippon e em Artes Cênicas pela Universidade<<strong>br</strong> />
de Waseda.<<strong>br</strong> />
Trabalhou <strong>com</strong>o roteirista na Empresa<<strong>br</strong> />
Cinematográfica Shochiku, vindo a ser roteirista<<strong>br</strong> />
autônoma, anos depois.<<strong>br</strong> />
Foi diversas vezes premiada <strong>com</strong> seus roteiros,<<strong>br</strong> />
destacando-se o Prêmio Kan Kikuchi (1984)<<strong>br</strong> />
para seriados de TV, pela o<strong>br</strong>a Oshin, dublada<<strong>br</strong> />
e transmitida para dezenas de países.<<strong>br</strong> />
Masato Ninomiya é Bacharel em Direito e<<strong>br</strong> />
Língua e Literatura japonesa pela Universidade<<strong>br</strong> />
de São Paulo. Mestns e Doutor em Direito<<strong>br</strong> />
pela Universidade de Tóquio. Advogado<<strong>br</strong> />
militante e Professor Doutor da Universidade<<strong>br</strong> />
de São Paulo. ProfessorVisitante da Faculdade<<strong>br</strong> />
de Direito da Universidade deTóquio.Tradutor<<strong>br</strong> />
Público e Intérprete Comercial.<<strong>br</strong> />
Sônia Regina Longhí Ninomiya é licenciada em<<strong>br</strong> />
Língua Japonesa pela Universidade de São<<strong>br</strong> />
Paulo e Universidade de Tóquio para Estudos<<strong>br</strong> />
Estrangeiros, <strong>com</strong> pós-graduação na<<strong>br</strong> />
Universidade Tsukuba no Japão. E professora<<strong>br</strong> />
de língua e literatura japonesa na Universidade<<strong>br</strong> />
Federal do Rio de janeiro.
O destino de duas mulheres que atravessaram a história de dois países durante 70 anos.<<strong>br</strong> />
Minissérie <strong>com</strong>emorativa dos 80 anos de atividades de NHK - Rádio eTV do Japão<<strong>br</strong> />
Grande sucesso de audiência no Japão e no Brasil.<<strong>br</strong> />
Participação das atrizes:<<strong>br</strong> />
Mitsuko Mori,Yoko Nogiwa (dias atuais), RyokoYonekura, Yukie Nakama (Era Showa).
HARU E NATSU<<strong>br</strong> />
- As cartas que não chegaram -
HARU TO NATSU, TODOKANAKATTA TEGAMI<<strong>br</strong> />
By HASHIDA Sugako<<strong>br</strong> />
Copyright © 2005 Hashida Sugako<<strong>br</strong> />
All rights reserved.<<strong>br</strong> />
Originally published in Japan by JAPAN BROADCAST PUBLISHING CO., LTD.,<<strong>br</strong> />
Tokyo.<<strong>br</strong> />
Portuguese translation rights arranged with<<strong>br</strong> />
JAPAN BROADCAST PUBLISHING CO.,LTD., Japan through THE SAKAI AGENCY.<<strong>br</strong> />
Kaleidos-Primus Consultoria e Comunicação Integrada S/C Ltda.<<strong>br</strong> />
Av. Dr. Arnaldo, 1980 - Sumaré - CEP 01255-000 - São Paulo - SP<<strong>br</strong> />
Tel.: (0XX11) 3672-1400 - FAX (0XX11) 3675-6755<<strong>br</strong> />
Tradução e Coordenação: Masato Ninomiya e Sônia Regina Longhi Ninomiya<<strong>br</strong> />
Assistente de Tradução: Helena Yukiko Tanaka e Tereza Kamogawa<<strong>br</strong> />
Assistência Editorial: Tereza Kamogawa<<strong>br</strong> />
Revisão: Áurea Christine Tanaka<<strong>br</strong> />
Capa: Érika Kamogawa<<strong>br</strong> />
Ilustração da capa: Tomoo Handa, <strong>com</strong> autorização do Museu Histórico da Imigração<<strong>br</strong> />
Japonesa no Brasil<<strong>br</strong> />
Impresso por Editora Gráfica Topan-Press Ltda.<<strong>br</strong> />
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<<strong>br</strong> />
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<<strong>br</strong> />
Hashida,Sugako<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>: as cartas que não chegaram /<<strong>br</strong> />
Sugako Hashida;tradução de Masato Ninomiya.--<<strong>br</strong> />
São Paulo: Kaleidos-Primus Consultoria e<<strong>br</strong> />
Comunicação Integrada,2005 .<<strong>br</strong> />
Título original:<strong>Haru</strong> to <strong>Natsu</strong>:todokanakatta<<strong>br</strong> />
tegami<<strong>br</strong> />
1. Ficção japonesa I.Ti tulo<<strong>br</strong> />
05-7836 CDD-895.63<<strong>br</strong> />
índices para catálogo sistemático:<<strong>br</strong> />
1. Ficção : Literatura japonesa 895.63
A tradução desta o<strong>br</strong>a é dedicada à<<strong>br</strong> />
Sra. Tomi Nakagawa, que chegou ao Brasil<<strong>br</strong> />
no dia 18 de junho de 1908, a bordo do<<strong>br</strong> />
vapor Kasato Maru. Dessa primeira leva<<strong>br</strong> />
de imigrantes japoneses, ela é a única que<<strong>br</strong> />
permanece viva.
HARU E NATSU<<strong>br</strong> />
. As cartas que não chegaram .<<strong>br</strong> />
Índice<<strong>br</strong> />
Capítzrlo I -As cartas que não chegaram ............................ 1<<strong>br</strong> />
Capitulo 11 . O encontro e a despedida ........................... 101<<strong>br</strong> />
Capitulo III . Ao Novo Mundo ...................................... 179<<strong>br</strong> />
Capitulo IV . O orgulho de ser japonês .......................... 251<<strong>br</strong> />
Capitulo V . A nossa Pátria, o Brasil .............................. 329
Capítulo I<<strong>br</strong> />
As cartas que não chegaram<<strong>br</strong> />
Uma senhora idosa de estatura baixa e um jovem bem<<strong>br</strong> />
alto caminhavam, lentamente, por um bairro residencial no<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
de Tóquio.<<strong>br</strong> />
Era março de 2005. A temperatura estava elevada para<<strong>br</strong> />
a época do ano, a ponto de se sentir calor. Num lance de<<strong>br</strong> />
olhar, podia-se ver os arranha-céus contra o céu límpido, e<<strong>br</strong> />
nitidamente, ao longe, o Monte Fuji.<<strong>br</strong> />
Este era o Japão após 70 anos de ausência. Finalmente<<strong>br</strong> />
ela conseguira pisar em solo pátrio, após ter cruzado os mares<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o emigrante, aos nove anos, rumo ao Brasil, juntamente<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> seus familiares.<<strong>br</strong> />
Muitas pessoas emigraram para o Brasil naquela época<<strong>br</strong> />
e muitas foram lá enterradas, sem nunca mais terem podido<<strong>br</strong> />
pisar em solo pátrio!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> Takakura já <strong>com</strong>pletara 80 anos. A sua fisionomia<<strong>br</strong> />
e o seu olhar tranqüilo eram de uma pessoa que conseguira<<strong>br</strong> />
atravessar os anos <strong>com</strong> muito trabalho e humildade. Os seus<<strong>br</strong> />
passos eram firmes, não deixando transparecer a idade.<<strong>br</strong> />
Yamato, neto de <strong>Haru</strong>, caminhava junto a ela,<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhando os seus passos. Fora aceito por uma<<strong>br</strong> />
universidade japonesa e viera <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, a fim de iniciar os<<strong>br</strong> />
seus estudos a partir de a<strong>br</strong>il.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Yamato pararam <strong>com</strong>o que incrédulos, em frente<<strong>br</strong> />
- 1 -
a uma grande mansão luxuosa, em estilo ocidental.<<strong>br</strong> />
-Nossa! Que casa grande! É aqui mesmo o lugar onde<<strong>br</strong> />
sua irmã mora? - exclamou Yamato em português.<<strong>br</strong> />
- Quando mostrei o endereço e o nome no posto policial,<<strong>br</strong> />
disseram que era aqui. E a placa diz que é a casa da família<<strong>br</strong> />
Yamabe.<<strong>br</strong> />
- Chegamos aqui, procurando esse endereço tendo <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
única referência o registro civil de 70 anos atrás. Pode ser<<strong>br</strong> />
que tenha havido algum engano.<<strong>br</strong> />
A placa, de fato, indicava ser a residência dos Yamabe,<<strong>br</strong> />
mas não havia certeza se era realmente a casa de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> Yamabe era o nome da irmã de quem <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />
separara há 70 anos.<<strong>br</strong> />
Finalmente <strong>Haru</strong> voltara do Brasil ansiosa por reencontrar<<strong>br</strong> />
sua irmã <strong>Natsu</strong>. Como não sabia o local de sua residência,<<strong>br</strong> />
voara <strong>com</strong> o neto a Hokkaido, ilha ao norte do arquipélago<<strong>br</strong> />
japonês, em busca de eventuais contatos. A casa onde nascera,<<strong>br</strong> />
contudo, já não mais existia e tiveram que seguir as pegadas<<strong>br</strong> />
da irmã através de anotações de mudanças de domicílio no<<strong>br</strong> />
registro civil. Conseguiram finalmente encontrar o endereço<<strong>br</strong> />
atual e chegar nessa luxuosa mansão em Tóquio.<<strong>br</strong> />
- De qualquer forma, que casa luxuosa!... Se realmente<<strong>br</strong> />
a <strong>Natsu</strong> vive nesta casa, acho que poderei voltar para o Brasil,<<strong>br</strong> />
deixando aqui o peso que trago na consciência por 70 anos.<<strong>br</strong> />
- balbuciou <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o se fosse um monólogo.<<strong>br</strong> />
- Bem, em todo o caso, vamos perguntar.<<strong>br</strong> />
- Será que ela está bem?<<strong>br</strong> />
- 2 -
- Acho que sim. No registro civil não constava o seu<<strong>br</strong> />
óbito. Deve estar viva.<<strong>br</strong> />
Yamato, nascido e criado no Brasil, fazia parte da terceira<<strong>br</strong> />
geração da família, filho de Kunio, segundo filho de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Crescera sem conhecer o Japão, mas de acordo <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />
diretrizes da família, fora registrado no Consulado e, portanto,<<strong>br</strong> />
possuía a nacionalidade japonesa. Para atender ao desejo<<strong>br</strong> />
expresso de <strong>Haru</strong>, fora educado de tal modo a falar a língua<<strong>br</strong> />
japonesa. Embora falasse a língua sem dificuldades, percebiase<<strong>br</strong> />
na sua fala um certo sotaque da língua portuguesa.<<strong>br</strong> />
Sem hesitar, Yamato estendeu a mão para apertar a<<strong>br</strong> />
campainha ao lado do portão.<<strong>br</strong> />
- Sim? - respondeu a voz de uma mulher ao interfone.<<strong>br</strong> />
Parecia não ser a voz de <strong>Natsu</strong>. <strong>Haru</strong> hesitou por um<<strong>br</strong> />
momento, mas Yamato fez sinal para que perguntasse. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
parecia querer que Yamato falasse, mas logo se aproximou<<strong>br</strong> />
do interfone e disse:<<strong>br</strong> />
- Por favor, aqui é a casa da sra. <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />
-Sim.<<strong>br</strong> />
- A sra. <strong>Natsu</strong> se encontra?<<strong>br</strong> />
- Quem deseja falar <strong>com</strong> ela?<<strong>br</strong> />
- Meu nome é <strong>Haru</strong> Takakura. Queria me encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a sra. <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- A sra. <strong>Natsu</strong> foi para a empresa. Se deseja algo, faça o<<strong>br</strong> />
favor de se dirigir para lá.<<strong>br</strong> />
- Empresa?... Qual empresa?<<strong>br</strong> />
- A matriz da Indústria de Doces Hokuô. - respondeu a<<strong>br</strong> />
- 3 -
voz rapidamente, parecendo estar in<strong>com</strong>odada, desligando o<<strong>br</strong> />
interfone.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Yamato se entreolharam <strong>com</strong> fisionomia confusa.<<strong>br</strong> />
Disseram que era a Indústria de Doces Hokuô, mas não sabiam<<strong>br</strong> />
que tipo de empresa ou onde se localizava. Desligaram o<<strong>br</strong> />
interfone sem que tivessem tido tempo de pedir estas<<strong>br</strong> />
informações.<<strong>br</strong> />
- Talvez ela retorne à noite. Vamos voltar depois?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> parecia estar abalada e se colocava numa posição<<strong>br</strong> />
passiva.<<strong>br</strong> />
- Se ela está na empresa é mais rápido irmos até lá, mesmo<<strong>br</strong> />
que voltemos depois. Não deve ser fácil falar <strong>com</strong> alguém<<strong>br</strong> />
que mora numa mansão <strong>com</strong>o essa que até parece um castelo.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong> é dois anos mais nova do que eu e, portanto, já<<strong>br</strong> />
está <strong>com</strong> 78 anos. O que ela terá ido fazer nessa empresa?<<strong>br</strong> />
Será que eles saberão responder, se perguntarmos por uma<<strong>br</strong> />
senhora chamada dona <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />
- Vovó, levamos vários dias procurando, de Hokkaido<<strong>br</strong> />
até aqui. Devemos tentar seguir qualquer indício, mesmo que<<strong>br</strong> />
seja em vão.<<strong>br</strong> />
De todo modo, conseguiram certificar-se de que uma<<strong>br</strong> />
pessoa chamada <strong>Natsu</strong> Yamabe morava naquela casa.<<strong>br</strong> />
Encorajada pelo entusiasmo de Yamato, <strong>Haru</strong> aquiesceu,<<strong>br</strong> />
sorrindo.<<strong>br</strong> />
A matriz da Indústria de Doces Hokuô ficava num dos<<strong>br</strong> />
andares de um arranha-céu moderno. Caminhando por um<<strong>br</strong> />
- 4 -
corredor cercado de vidro por todos os lados, <strong>Haru</strong> olhou em<<strong>br</strong> />
volta, constrangida. Sentia um certo desconforto por se<<strong>br</strong> />
encontrar num lugar ao qual não estava habituada.<<strong>br</strong> />
Yamato havia encontrado, pela lista telefônica, o<<strong>br</strong> />
endereço da empresa e, sem saber <strong>com</strong>o, ele tinha em mãos o<<strong>br</strong> />
panfleto que apresentava a Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />
- A Indústria de Doces Hokuô fa<strong>br</strong>icava queijos e depois<<strong>br</strong> />
da guerra ampliaram a sua produção para o segmento de<<strong>br</strong> />
biscoitos, transformando-se hoje numa grande fá<strong>br</strong>ica de<<strong>br</strong> />
doces.<<strong>br</strong> />
- Será que vão saber informar so<strong>br</strong>e a <strong>Natsu</strong> numa<<strong>br</strong> />
empresa tão grande <strong>com</strong>o esta?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se mostrava receosa diante da entrada pomposa da<<strong>br</strong> />
empresa, mas Yamato se adiantara rumo à recepção, sem<<strong>br</strong> />
demonstrar constrangimentos. Duas recepcionistas<<strong>br</strong> />
uniformizadas atenderam sorridentes os visitantes que ali<<strong>br</strong> />
chegavam.<<strong>br</strong> />
- Por favor, será que aqui se encontra uma pessoa de<<strong>br</strong> />
nome <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />
A recepcionista fitou Yamato <strong>com</strong> certo ar de<<strong>br</strong> />
desconfiança e em seguida, olhou para <strong>Haru</strong>, que estava um<<strong>br</strong> />
passo atrás de Yamato.<<strong>br</strong> />
- Estão procurando a presidente?<<strong>br</strong> />
- Presidente? <strong>Natsu</strong> Yamabe é presidente dessa empresa?<<strong>br</strong> />
Incrédula, <strong>Haru</strong> se de<strong>br</strong>uçou so<strong>br</strong>e o balcão da recepção.<<strong>br</strong> />
Quando se separaram, <strong>Natsu</strong> só tinha sete anos e chorava<<strong>br</strong> />
esfregando os olhos avermelhados. Ela vivia sempre junto<<strong>br</strong> />
- 5 -
de <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />
- Não há outra pessoa <strong>com</strong> este nome.<<strong>br</strong> />
- Então, <strong>Natsu</strong> se encontra aqui, agora! - <strong>Haru</strong> exclamou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> alegria, esquecendo-se de tudo quanto havia ao seu redor.<<strong>br</strong> />
- Que bom... Ela está bem. Podemos reencontrar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Por favor, diga a <strong>Natsu</strong> que <strong>Haru</strong> Takakura veio vê-la.<<strong>br</strong> />
- A senhora tem hora marcada?<<strong>br</strong> />
- Sou a irmã de <strong>Natsu</strong> Yamabe. Voltei do Brasil após 70<<strong>br</strong> />
anos de ausência para me encontrar <strong>com</strong> ela. Não sabia do<<strong>br</strong> />
seu paradeiro há muito tempo e finalmente consegui encontrála.<<strong>br</strong> />
Nem sabia que era a presidente dessa empresa. <strong>Natsu</strong> nem<<strong>br</strong> />
imagina, a estas alturas, que eu vim vê-la. Mas, finalmente,<<strong>br</strong> />
poderei encontrá-la. Diga-lhe, por favor, que <strong>Haru</strong>, a irmã<<strong>br</strong> />
mais velha dela, está aqui.<<strong>br</strong> />
- Por favor, aguarde um instante.<<strong>br</strong> />
A recepcionista, sempre formal, acessou pelo telefone um<<strong>br</strong> />
dos ramais, explicando a situação de forma <strong>br</strong>eve ao seu<<strong>br</strong> />
interlocutor.<<strong>br</strong> />
- Um momento. O secretário virá atendê-la.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, muito excitada, teve vontade de <strong>com</strong>partilhar a sua<<strong>br</strong> />
alegria <strong>com</strong> as recepcionistas.<<strong>br</strong> />
- Devido a diversas razões, eu e minha irmã ficamos<<strong>br</strong> />
separadas. Eu no Brasil, ela no Japão. Nós nos separamos<<strong>br</strong> />
quando eu tinha nove anos e, sem sabermos uma da outra,<<strong>br</strong> />
passaram-se 70 anos. Mas, até que enfim pude voltar para<<strong>br</strong> />
encontrá-la. Valeu a pena ter voltado para o Japão.<<strong>br</strong> />
- 6 -
Yamato assistia sorridente à alegria da avó que mostrava<<strong>br</strong> />
sua imensa satisfação, parecendo flutuar no ar. Até parecia<<strong>br</strong> />
uma criança.<<strong>br</strong> />
As recepcionistas, <strong>com</strong> fisionomia de indiferença,<<strong>br</strong> />
tentaram esconder o riso cínico, trocando sinais <strong>com</strong> os olhos.<<strong>br</strong> />
Yamato estava indignado <strong>com</strong> o <strong>com</strong>portamento insolente<<strong>br</strong> />
das duas, quando um homem de terno se dirigiu a <strong>Haru</strong>, de<<strong>br</strong> />
forma aparentemente gentil.<<strong>br</strong> />
- Trabalho na secretaria da presidência. É a senhora <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
Takakura?<<strong>br</strong> />
- Sim, desculpe-me por ter vindo sem avisar.<<strong>br</strong> />
- Apesar da sua visita, a presidente diz que não conhece<<strong>br</strong> />
ninguém <strong>com</strong> o nome de <strong>Haru</strong> Takakura, nem tem uma irmã.<<strong>br</strong> />
Deve ter havido algum engano. Lamento, mas gostaríamos<<strong>br</strong> />
que se retirasse.<<strong>br</strong> />
- Que bobagem! Minha irmã se chama <strong>Natsu</strong> Yamabe e<<strong>br</strong> />
venho procurando através dos dados do registro civil. Assim<<strong>br</strong> />
desco<strong>br</strong>i que ela está aqui. Se a presidente desta empresa se<<strong>br</strong> />
chama <strong>Natsu</strong> Yamabe, <strong>com</strong> certeza ela é a minha irmã. Deixeme<<strong>br</strong> />
vê-la. Encontrando-a, tudo ficará claro.<<strong>br</strong> />
- Sinto muito. Acho que a senhora está confundindo-a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> outra pessoa. A própria presidente está dizendo que<<strong>br</strong> />
sequer conhece o seu nome. Não há razão para ela se encontrar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a senhora...<<strong>br</strong> />
A fisionomia de <strong>Haru</strong> se alterou. Não era possível que<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> tivesse se esquecido da existência dela.<<strong>br</strong> />
- Só uma olhada! Deixe-me confirmar <strong>com</strong> os meus<<strong>br</strong> />
- 7 -
próprios olhos se ela é, ou não, minha irmã.<<strong>br</strong> />
- É incômodo para nós que a senhora permaneça aqui.<<strong>br</strong> />
Não queremos ser o<strong>br</strong>igados a chamar a polícia.<<strong>br</strong> />
Que situação! Os dois pediram para ver a presidente após<<strong>br</strong> />
identificar-se e estavam sendo tratados <strong>com</strong>o se fossem<<strong>br</strong> />
suspeitos de alguma coisa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava atônita. Seus sentimentos ultrapassavam a<<strong>br</strong> />
raiva.<<strong>br</strong> />
Vendo a avó naquela situação, Yamato a chamou:<<strong>br</strong> />
-Vamos embora, vó!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se desfez do <strong>br</strong>aço que Yamato lhe estendera, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se fosse uma criança mimada.<<strong>br</strong> />
- Mas, chegamos até aqui <strong>com</strong> tanto sacrifício...<<strong>br</strong> />
-Vamos, vó!<<strong>br</strong> />
Yamato puxou-a para fora do saguão de entrada.<<strong>br</strong> />
Enquanto isso, no gabinete da presidência da Indústria<<strong>br</strong> />
de Doces Hokuô, <strong>Natsu</strong> Yamabe olhava para a grande janela,<<strong>br</strong> />
de costas para a sua escrivanhinha. Via-se o <strong>br</strong>ilho do sol<<strong>br</strong> />
crepuscular através da cortina. Como ela estava de costas,<<strong>br</strong> />
não se percebia se lia os papéis que estavam em suas mãos<<strong>br</strong> />
ou se estava pensando em alguma coisa.<<strong>br</strong> />
Ouvindo batidas, <strong>Natsu</strong> se virou para a porta.<<strong>br</strong> />
- Pedi para que fossem embora. Não sei que malentendido<<strong>br</strong> />
houve, mas ela está convencida de que a senhora é<<strong>br</strong> />
sua irmã. - disse, entrando, o secretário que atendera <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
há pouco, relatando o ocorrido e <strong>com</strong>eçando a rir,<<strong>br</strong> />
- 8 -
idicularizando a figura de <strong>Haru</strong>, que alegava ser a irmã da<<strong>br</strong> />
presidente <strong>com</strong> tanta seriedade.<<strong>br</strong> />
Não sentiu, contudo, a reação da própria presidente. Como<<strong>br</strong> />
estava de costas para a luz que entrava pela janela, a<<strong>br</strong> />
fisionomia de <strong>Natsu</strong> estava na penum<strong>br</strong>a, mas podia sentirse<<strong>br</strong> />
nela uma atmosfera severa.<<strong>br</strong> />
O secretário mudou de atitude e anunciou, educadamente,<<strong>br</strong> />
a presença do representante do banco.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Yamato, depois de sair do saguão da Indústria de<<strong>br</strong> />
Doces Hokuô <strong>com</strong>o se tivessem sido expulsos, estavam no<<strong>br</strong> />
subsolo do prédio onde ficava o estacionamento. Em algumas<<strong>br</strong> />
das vagas estava escrito o nome da empresa Hokuô e havia<<strong>br</strong> />
um automóvel de luxo estacionado.<<strong>br</strong> />
- É perda de tempo. Estão dizendo claramente que é um<<strong>br</strong> />
equívoco. Acho que nós acabamos nos enganando em algum<<strong>br</strong> />
lugar. Fizemos tudo o que foi possível. Vamos desistir, vó...<<strong>br</strong> />
- Não posso desistir. Aconteça o que acontecer, tenho<<strong>br</strong> />
que contar algo à <strong>Natsu</strong> antes de morrer. Foi para isso que<<strong>br</strong> />
voltei ao Japão. Enfim, pude voltar... Encontrando-me <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
ela, poderei confirmar se é a <strong>Natsu</strong> ou não. Só me convencerei<<strong>br</strong> />
se a vir <strong>com</strong> meus próprios olhos. Não consigo desistir assim.<<strong>br</strong> />
Esta era a última aposta de <strong>Haru</strong>. Se ela fosse a presidente<<strong>br</strong> />
da Indústria de Doces Hokuô, iria para casa no automóvel<<strong>br</strong> />
presidencial ali estacionado. Se ficasse ali, <strong>com</strong> certeza,<<strong>br</strong> />
poderia encontrar-se <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Seria possível certificar se<<strong>br</strong> />
se tratava de sua irmã. Aguardar por <strong>Natsu</strong> naquele lugar era<<strong>br</strong> />
- 9 -
a última chance que lhe restava.<<strong>br</strong> />
- Só me convencerei se a vir <strong>com</strong> meus próprios olhos.<<strong>br</strong> />
Não vou desistir assim.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou espreitando a saída, escondida atrás de um<<strong>br</strong> />
veículo. Yamato, um pouco farto da situação, agachou-se ao<<strong>br</strong> />
lado de <strong>Haru</strong>, a fim de satisfazer a vontade de sua avó.<<strong>br</strong> />
No gabinete da presidência, <strong>Natsu</strong> se preparava para sair.<<strong>br</strong> />
Felizmente, hoje não havia nenhuma reunião marcada. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
procurava não demonstrar, na medida do possível, o abalo<<strong>br</strong> />
que sentira <strong>com</strong> o surgimento da mulher que se dizia sua<<strong>br</strong> />
irmã e o cansaço da conversa mantida <strong>com</strong> o representante<<strong>br</strong> />
do banco.<<strong>br</strong> />
O secretário, contudo, resmungou <strong>com</strong>o querendo agradar<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, pensando talvez que fosse sua o<strong>br</strong>igação dizer algo.<<strong>br</strong> />
- Mas, os bancos são todos terríveis, não é mesmo?<<strong>br</strong> />
Quando a empresa está bem, eles querem emprestar dinheiro.<<strong>br</strong> />
Brigam entre si para ver quem oferece mais. Porém, quando<<strong>br</strong> />
a gente mais necessita, eles viram as costas. Pior! Ficam<<strong>br</strong> />
co<strong>br</strong>ando os empréstimos anteriores... Será que eles não<<strong>br</strong> />
sabem que levando a empresa que financiaram à falência, no<<strong>br</strong> />
final, será pior para eles?<<strong>br</strong> />
- Bom descanso.<<strong>br</strong> />
O secretário seguiu <strong>Natsu</strong> às pressas, que, sem lhe dar a<<strong>br</strong> />
menor atenção, havia saído do gabinete. Fazia parte do seu<<strong>br</strong> />
trabalho a<strong>com</strong>panhar a presidente até que ela entrasse no<<strong>br</strong> />
automóvel, despedindo-se dela.<<strong>br</strong> />
- 10 -
Não se sabe quanto tempo <strong>Haru</strong> e Yamato aguardaram<<strong>br</strong> />
no estacionamento. Enfim, notou-se um movimento no<<strong>br</strong> />
estacionamento privativo da Indústria de Doces Hokuô. O<<strong>br</strong> />
motorista tomou assento no automóvel presidencial.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> olhou atenta para a porta de saída do<<strong>br</strong> />
estacionamento. Apareceu, do outro lado da porta de vidro,<<strong>br</strong> />
uma mulher de cabelos prateados, elegantemente vestida <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
um conjunto bem cortado. De postura ereta, notava-se a autoconfiança<<strong>br</strong> />
de uma pessoa que galgara a presidência de uma<<strong>br</strong> />
grande empresa <strong>com</strong> esforço próprio. O rigor que transparecia<<strong>br</strong> />
em seu semblante parecia não permitir a aproximação fácil<<strong>br</strong> />
de quem quer que fosse.<<strong>br</strong> />
Os seus passos pararam por um momento, a fim de<<strong>br</strong> />
aguardar a aproximação do seu automóvel. O homem que<<strong>br</strong> />
dizia ser seu secretário se colocou logo à sua retaguarda.<<strong>br</strong> />
- Aquela mulher é a presidente da Indústria de Doces<<strong>br</strong> />
Hokuô. Não, ela é <strong>Natsu</strong>!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> saiu correndo, sem pensar em nada. O automóvel<<strong>br</strong> />
que se aproximava para levar a presidente, freou <strong>br</strong>uscamente<<strong>br</strong> />
para não atropelar <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>! É você mesma! Seu rosto é o mesmo de<<strong>br</strong> />
antigamente. Você não mudou nada! <strong>Natsu</strong>, sou eu! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> fitou <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> atenção... Um sentimento de abalo<<strong>br</strong> />
estampou-se no rosto de <strong>Natsu</strong>. Num instante, diversos<<strong>br</strong> />
sentimentos vieram à tona: surpresa, saudade, ódio... Ela<<strong>br</strong> />
desviou o olhar de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- 11 -
- <strong>Natsu</strong>, sou eu! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> agarrou-se à <strong>Natsu</strong>, sem pensar em nada, e pôs-se<<strong>br</strong> />
a rir e a chorar ao mesmo tempo. O secretário, desesperado,<<strong>br</strong> />
tentou separar <strong>Haru</strong> de sua presidente, mas ela se agarrou à<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força ainda maior.<<strong>br</strong> />
- Queria tanto encontrá-la. Não poderia morrer sem<<strong>br</strong> />
vê-la.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> afastou calmamente <strong>Haru</strong> para o lado,<<strong>br</strong> />
distanciando-se.<<strong>br</strong> />
- Eu não tenho pais, nem irmãos. Fui abandonada por<<strong>br</strong> />
meus pais e minha irmã, há 70 anos.<<strong>br</strong> />
- Nós não a abandonamos. Nos 70 anos que passamos<<strong>br</strong> />
no Brasil, não esquecemos de você, nem por um dia sequer.<<strong>br</strong> />
Todos os dias, sonhava em voltar para o Japão... Sonhava em<<strong>br</strong> />
poder voltar a viver <strong>com</strong> você... Suportamos as agruras de<<strong>br</strong> />
uma vida sacrificada no Brasil. Mas não havia dinheiro, nem<<strong>br</strong> />
tempo, para voltar para o Japão. Não deu, de jeito nenhum.<<strong>br</strong> />
Se você me acusa desse jeito, nem poderei morrer em paz.<<strong>br</strong> />
Por isso, queria contar, de todo jeito, porque nós não pudemos<<strong>br</strong> />
vir vê-la... Eu já estou <strong>com</strong> 80 anos. Se não lhe contar agora,<<strong>br</strong> />
ficarei <strong>com</strong> remorsos... Já não resta muito tempo...<<strong>br</strong> />
- De que adianta ouvir isso agora? Vocês me<<strong>br</strong> />
abandonaram prometendo que voltariam em três anos... Mas<<strong>br</strong> />
não veio nem uma carta depois que foram para o Brasil. Fiquei<<strong>br</strong> />
abandonada à própria sorte, durante 70 anos, sem nenhuma<<strong>br</strong> />
notícia. Sentia-me muito só e vivia insegura. Ainda que<<strong>br</strong> />
quisesse encontrar os familiares, não tinha nenhuma notícia,<<strong>br</strong> />
- 12 -
nem sabia onde e <strong>com</strong>o vocês viviam no Brasil. Não sabia<<strong>br</strong> />
quando viriam me buscar. Não conseguia enxergar o futuro,<<strong>br</strong> />
mas aguardava a chegada de cartas do Brasil. Tentei<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>eviver desesperadamente desde os sete anos. Por isso, já<<strong>br</strong> />
desisti há muito tempo. Resolvi que não tenho pais nem<<strong>br</strong> />
irmãos. Pois, se eu pensasse que tinha, só iria sofrer e teria<<strong>br</strong> />
somente revolta e rancor no meu coração. Quando decidi que<<strong>br</strong> />
não tinha pais nem irmãos, fiquei aliviada. E agora, você me<<strong>br</strong> />
vem <strong>com</strong> essa história de que é minha irmã... Isso só me<<strong>br</strong> />
causa incômodo.<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> perdera a fala. Com a idade de 80 anos, não lhe<<strong>br</strong> />
restava muito tempo para encontrar, pedir perdão e buscar o<<strong>br</strong> />
entendimento <strong>com</strong> a irmã. Foi por isso que procurara, buscara<<strong>br</strong> />
e afinal conseguira encontrar <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />
Por outro lado, a única forma de <strong>Natsu</strong> so<strong>br</strong>eviver fora<<strong>br</strong> />
desistir da família de quem se separara e cortar todas as<<strong>br</strong> />
esperanças de reencontro. Não fosse assim, não suportaria as<<strong>br</strong> />
agruras de ter que viver só. Para <strong>Natsu</strong>, a existência de pais e<<strong>br</strong> />
irmãos era algo tão frágil <strong>com</strong>o um castelo construído so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
a areia. Se dependesse deles, a própria <strong>Natsu</strong> desmoronaria.<<strong>br</strong> />
Precisamente porque procurara so<strong>br</strong>eviver<<strong>br</strong> />
desesperadamente, as palavras de <strong>Natsu</strong> eram duras.<<strong>br</strong> />
-Você se enganou redondamente se achou que o encontro<<strong>br</strong> />
seria de lágrimas e emoções. Você nem imagina o mal que<<strong>br</strong> />
me fez. Por favor, nunca mais apareça na minha frente!<<strong>br</strong> />
- Mas, eu escrevi cartas! Mandei cartas e mais cartas desde<<strong>br</strong> />
- 13 -
que chegamos ao Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> queria que <strong>Natsu</strong> entendesse que apesar de ter ido<<strong>br</strong> />
para o Brasil e apesar das dificuldades de so<strong>br</strong>evivência,<<strong>br</strong> />
guardara um pouco de dinheiro, colocando-o dentro das cartas.<<strong>br</strong> />
- Agora você pode dizer qualquer coisa, não é?<<strong>br</strong> />
Apesar de <strong>Haru</strong> argumentar <strong>com</strong> afinco, foi impossível<<strong>br</strong> />
tocar o coração fechado de <strong>Natsu</strong>, que recusava aceitar a irmã.<<strong>br</strong> />
E não foi só isso...<<strong>br</strong> />
- O que você quer, vindo me procurar depois de 70 anos?<<strong>br</strong> />
Vocês também vieram trabalhar aqui <strong>com</strong>o dekassegui?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhou para <strong>Haru</strong> e Yamato, que se vestiam<<strong>br</strong> />
modestamente, <strong>com</strong>o se estivesse a avaliá-los pela forma de<<strong>br</strong> />
vestir. Quando <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> eram crianças, os japoneses que<<strong>br</strong> />
não conseguiam viver no Japão, iam <strong>com</strong>o dekasseguis para<<strong>br</strong> />
o Brasil. Nos últimos 15 anos, contudo, descendentes de<<strong>br</strong> />
japoneses, os nisseis e sanseis, vinham trabalhar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
dekasseguis no Japão.<<strong>br</strong> />
- Porém, não adianta contar <strong>com</strong>igo, só por ser minha<<strong>br</strong> />
irmã. Vocês que se desfizeram de mim há 70 anos. Depois<<strong>br</strong> />
do que fizeram <strong>com</strong>igo, não sei <strong>com</strong>o podem aparecer na<<strong>br</strong> />
minha frente. Não sei <strong>com</strong>o souberam a meu respeito, se<<strong>br</strong> />
perguntaram a alguém ou de que forma investigaram. Não<<strong>br</strong> />
adianta vir ao Japão, contando <strong>com</strong> a irmã bem sucedida. É<<strong>br</strong> />
tarde demais. Vocês não imaginam <strong>com</strong>o sofri sozinha,<<strong>br</strong> />
abandonada à própria sorte. Vocês não têm idéia de <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>evivi. Se vocês realmente pensavam em mim, deveriam<<strong>br</strong> />
ter escrito pelo menos uma carta para aliviar o inferno que eu<<strong>br</strong> />
- 14 -
vivia, sozinha, nesta terra. Acho que vocês não podem<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preender o meu sentimento, esperando, dia após dia, a<<strong>br</strong> />
chegada de uma notícia do Brasil.<<strong>br</strong> />
- Mas, é verdade. Eu escrevi. Sempre continuei a enviar<<strong>br</strong> />
cartas à casa do tio de Hokkaido, <strong>com</strong> quem você foi deixada.<<strong>br</strong> />
Você é que não me mandou respostas. Por isso mesmo é que<<strong>br</strong> />
continuei a mandar cartas e mais cartas. Não é possível que<<strong>br</strong> />
você não as tenha recebido.<<strong>br</strong> />
- Como eu iria receber cartas que não foram enviadas?<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, eu continuei a escrever para vocês. Como não<<strong>br</strong> />
tinha dinheiro para selos, cheguei a roubar do tio que cuidava<<strong>br</strong> />
de mim para poder mandar as cartas. Mesmo assim, não recebi<<strong>br</strong> />
respostas.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, é verdade que você nos escreveu?<<strong>br</strong> />
- Não adianta fingir que não recebeu. As cartas não<<strong>br</strong> />
voltaram.<<strong>br</strong> />
Os olhares das irmãs se cruzaram.<<strong>br</strong> />
Cada uma alegava que enviara cartas para outra. Nenhuma<<strong>br</strong> />
das duas recebera uma só carta. Naquela época, o Japão e o<<strong>br</strong> />
Brasil eram países muito distantes, mas pelo relato das irmãs,<<strong>br</strong> />
tinha havido, ao que parecia, idas e vindas de cartas.<<strong>br</strong> />
Se <strong>Natsu</strong> não recebera as cartas que <strong>Haru</strong> escrevera, ela<<strong>br</strong> />
ficara, simplesmente, à espera dos familiares que foram para<<strong>br</strong> />
o Brasil, sem saber que tipo de vida eles levavam ou porquê<<strong>br</strong> />
não conseguiram voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />
Por outro lado, <strong>Natsu</strong> não tinha meios de saber do<<strong>br</strong> />
sofrimento e do dilema enfrentados por <strong>Haru</strong>, que não podia<<strong>br</strong> />
- 15 -
vir buscar a irmã, ainda que quisesse fazê-lo. Sem saber de<<strong>br</strong> />
nada, <strong>Natsu</strong> ficara à espera de seus familiares.<<strong>br</strong> />
Seria cruel demais se fosse verdade que não recebera as<<strong>br</strong> />
cartas. Talvez não se pudesse criticá-la pelo fato de ter<<strong>br</strong> />
ressentimento ou ódio de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Para <strong>Natsu</strong>, que era pequena, o consolo era escrever para<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>. O seu único apoio espiritual era aguardar a chegada<<strong>br</strong> />
das cartas de <strong>Haru</strong>. <strong>Natsu</strong>, contudo, sentira-se abandonada.<<strong>br</strong> />
- Você não imagina <strong>com</strong>o me senti miserável... Ninguém<<strong>br</strong> />
pode entender essa solidão, esse sentimento de abandono...<<strong>br</strong> />
Não quero falar nem ouvir so<strong>br</strong>e coisas do passado. Não<<strong>br</strong> />
adianta mais falar ou ouvir essas histórias. Eu não tenho pais,<<strong>br</strong> />
nem irmãos. Por isso, não tenho rancor nem ódio. E está tudo<<strong>br</strong> />
bem assim. Bem, acho que nunca mais nos veremos. Passe<<strong>br</strong> />
bem...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> fez uma reverência ao final e entrou no automóvel<<strong>br</strong> />
de luxo. <strong>Haru</strong> ficou paralisada, mesmo depois que as lanternas<<strong>br</strong> />
traseiras do automóvel desapareceram no escuro.<<strong>br</strong> />
Voltando para o quarto do hotel, <strong>Haru</strong>, parecendo<<strong>br</strong> />
fatigada, sentou-se no sofá. <strong>Natsu</strong> não só estava bem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
havia se tornado a presidente de uma grande empresa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> pedia a todos os conhecidos no Brasil que iam<<strong>br</strong> />
visitar o Japão, que investigassem so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> Takakura. Com<<strong>br</strong> />
o casamento poderia ter havido mudança de so<strong>br</strong>enome, mas<<strong>br</strong> />
ninguém poderia saber que era Yamabe. Qualquer pesquisa<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> Takakura seria infrutífera, se não se soubesse do<<strong>br</strong> />
- 16 -
novo so<strong>br</strong>enome. É por isso que não se tinha qualquer<<strong>br</strong> />
informação do seu paradeiro.<<strong>br</strong> />
Era impossível pedir a pessoas estranhas que<<strong>br</strong> />
investigassem a partir do registro civil <strong>com</strong>o fizeram <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />
Yamato.<<strong>br</strong> />
- Uma no Brasil e a outra no Japão por 70 anos. É um<<strong>br</strong> />
tempo demasiadamente longo para ficar sem contato.<<strong>br</strong> />
- Mas que velha chata! - Yamato <strong>com</strong>eçou a falar em<<strong>br</strong> />
português, <strong>com</strong>o querendo desabafar.<<strong>br</strong> />
- Nem leva em consideração a presença de uma<<strong>br</strong> />
octogenária que veio do outro lado do globo, querendo<<strong>br</strong> />
encontrar mais uma vez a sua irmã, antes de morrer. A mulher<<strong>br</strong> />
falou <strong>com</strong>o se a senhora estivesse passando fome no Brasil e<<strong>br</strong> />
tivesse vindo trabalhar <strong>com</strong>o dekassegui no Japão, junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
o neto. E, ainda por cima, visando o dinheiro da irmã rica...<<strong>br</strong> />
Não dá para agüentar tamanha humilhação...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Yamato, não imaginando que <strong>Natsu</strong> fosse tomar<<strong>br</strong> />
uma atitude tão dura, procuraram por seu paradeiro.<<strong>br</strong> />
Entretanto, o seu <strong>com</strong>portamento fora rude, dizendo que não<<strong>br</strong> />
eram mais irmãs.<<strong>br</strong> />
Para Yamato, a atitude de <strong>Natsu</strong> era preconceituosa, pois<<strong>br</strong> />
ela insistia em dizer, repetidas vezes, que fora abandonada.<<strong>br</strong> />
- Eu é que me recuso a ser parente daquela velha...<<strong>br</strong> />
Prometo me formar, às minhas próprias custas, em uma<<strong>br</strong> />
faculdade no Japão. Não preciso de conhecidos, nem de<<strong>br</strong> />
parentes.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> respondeu em japonês ao desabafo de Yamato feito<<strong>br</strong> />
- 17 -
em português:<<strong>br</strong> />
- Era meu sonho fazer você estudar no Japão.<<strong>br</strong> />
Setenta anos de Brasil não puderam impedir a influência<<strong>br</strong> />
da cultura <strong>br</strong>asileira na vida cotidiana. Era natural que os<<strong>br</strong> />
filhos e netos de <strong>Haru</strong>, que nasceram e cresceram no Brasil,<<strong>br</strong> />
se integrassem à maneira de ser <strong>br</strong>asileira, não só em termos<<strong>br</strong> />
de língua, <strong>com</strong>o também nos usos e costumes e até mesmo<<strong>br</strong> />
na maneira de pensar. Apesar disso, <strong>Haru</strong> sempre se<<strong>br</strong> />
considerara japonesa.<<strong>br</strong> />
- Queria que pelo menos um dos meus descendentes,<<strong>br</strong> />
sangue do meu sangue, vivesse <strong>com</strong> orgulho <strong>com</strong>o japonês.<<strong>br</strong> />
Por isso, eu o trouxe para o Japão. Mas não procurei minha<<strong>br</strong> />
irmã para que ela pagasse seus estudos. Procurei-a porque<<strong>br</strong> />
tenho uma coisa que precisava lhe contar, de todo jeito...<<strong>br</strong> />
Enquanto não desaparecesse o ressentimento e o ódio de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> por <strong>Haru</strong>, que surgira e se enraizara dentro dela, desde<<strong>br</strong> />
a infância, a infelicidade de <strong>Natsu</strong>, guardada no fundo do<<strong>br</strong> />
coração persistiria. Apesar de ser a presidente de uma grande<<strong>br</strong> />
empresa e viver de forma luxuosa, a dureza de sua atitude<<strong>br</strong> />
demonstrava a profundidade da ferida existente.<<strong>br</strong> />
- A ferida do coração não desapareceu, ainda que tenha<<strong>br</strong> />
se tornado rica. Talvez seja tarde demais, mas queria lhe contar<<strong>br</strong> />
a minha história antes que eu venha a morrer. Se, <strong>com</strong> isso,<<strong>br</strong> />
desaparecer o ressentimento e o ódio dela por nós, talvez<<strong>br</strong> />
pudesse tranqüilizá-la. Eu também ficaria tanqüila. Não posso<<strong>br</strong> />
morrer desse jeito, tendo-a machucado tanto.<<strong>br</strong> />
- Não sei o que a senhora tem para dizer, mas eu acho<<strong>br</strong> />
- 18 -
que não adianta dizer nada para aquela velha. Ela não vai<<strong>br</strong> />
ouvi-la, porque não acredita na senhora. Não é bobagem falar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> alguém que não acredita na senhora?<<strong>br</strong> />
- Bom, se ela não acredita em mim, é culpa nossa. Por<<strong>br</strong> />
isso é que eu queria explicar <strong>com</strong>o tudo isso aconteceu. Queria<<strong>br</strong> />
que ela entendesse... Há 70 anos que venho pensando em<<strong>br</strong> />
contar tudo a ela.<<strong>br</strong> />
- Afinal, o que aconteceu há 70 anos?<<strong>br</strong> />
- Eu sempre fiquei calada porque ainda que contasse a<<strong>br</strong> />
vocês, achei que nem conseguiriam imaginar a situação.<<strong>br</strong> />
Pareceriam meras lamúrias. Bem, há 70 anos, morávamos<<strong>br</strong> />
em Hokkaido, onde estivemos há pouco, em meio à neve.<<strong>br</strong> />
Yamato acabara de visitar Hokkaido, ainda coberto de<<strong>br</strong> />
neve, juntamente <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Já era primavera, mas o frio ainda<<strong>br</strong> />
estava rigoroso e Yamato, tocando a neve pela primeira vez,<<strong>br</strong> />
sentira o quanto era gelada.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a falar aos poucos. Não imaginava que<<strong>br</strong> />
um dia contaria para o neto histórias de um passado tão<<strong>br</strong> />
longínquo.<<strong>br</strong> />
A família Takakura imigrara para Hokkaido no início da<<strong>br</strong> />
era Meiji. Os avós de <strong>Haru</strong> foram os primeiros colonos a<<strong>br</strong> />
des<strong>br</strong>avar Hokkaido, incentivados pelo novo governo Meiji<<strong>br</strong> />
que substituíra o governo feudal.<<strong>br</strong> />
A cidade de Sapporo, capital de Hokkaido, hoje uma<<strong>br</strong> />
grande metrópole, estava coberta de bosques virgens,<<strong>br</strong> />
totalmente inexplorados.<<strong>br</strong> />
- 19 -
Tratava-se, além do mais, de uma zona fria. Os ventos<<strong>br</strong> />
gelados penetravam pelas frestas das choupanas. Nas noites<<strong>br</strong> />
de inverno, os acolchoados chegavam a congelar, <strong>com</strong> o ar<<strong>br</strong> />
solto pela respiração de quem dormia. Nestas condições, os<<strong>br</strong> />
colonos se empenhavam no des<strong>br</strong>avamento da terra,<<strong>br</strong> />
derrubavam árvores, cultivavam a terra e plantavam.<<strong>br</strong> />
Na medida em que a vida se estabelecia, a família<<strong>br</strong> />
Takakura foi aumentando. E em 1933, há cerca de 70 anos,<<strong>br</strong> />
quando <strong>Haru</strong> tinha nove anos, uma família <strong>com</strong> 15 pessoas<<strong>br</strong> />
tentava so<strong>br</strong>eviver, agarrada a uma pequena gleba de terra.<<strong>br</strong> />
A família de 15 pessoas era <strong>com</strong>posta de <strong>Haru</strong>, seus pais,<<strong>br</strong> />
seus dois irmãos e irmã, a avó, o casal de tios, irmão mais<<strong>br</strong> />
velho do pai, <strong>com</strong> quatro filhos e um outro casal de tios, irmão<<strong>br</strong> />
mais novo do pai, recém casados. Em condições normais, já<<strong>br</strong> />
seria difícil sustentar uma família tão numerosa, mas o Japão<<strong>br</strong> />
enfrentava muitas dificuldades, na transição da década de<<strong>br</strong> />
1920 para a de 1930.<<strong>br</strong> />
A zona rural japonesa vivia uma recessão crônica, desde<<strong>br</strong> />
a Revolta do Arroz de 1918. A situação se agravou <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
Grande Terremoto de Kantô de 1923, que destruíra a cidade<<strong>br</strong> />
de Tóquio. Dezenas de milhares de pessoas morreram e suas<<strong>br</strong> />
casas foram destruídas, muitos ficaram desa<strong>br</strong>igados e<<strong>br</strong> />
desempregados, perambulando ao relento. Além disso, o<<strong>br</strong> />
número de desempregados continuava a aumentar em virtude<<strong>br</strong> />
da Grande Recessão Mundial, que teve início em 1929, sem<<strong>br</strong> />
que o Japão ainda tivesse se recuperado da crise financeira<<strong>br</strong> />
de 1920.<<strong>br</strong> />
- 20 -
Como se isso não bastasse, em 1931, a região nordeste<<strong>br</strong> />
da ilha principal do arquipélago japonês e Hokkaido foram<<strong>br</strong> />
devastados por uma grande onda de frio que praticamente<<strong>br</strong> />
liquidou a safra agrícola. Os agricultores estavam<<strong>br</strong> />
mergulhados numa situação de miséria sem par. Muitos<<strong>br</strong> />
lavradores que estavam à beira da morte por falta do que<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>er, foram o<strong>br</strong>igados a vender suas próprias filhas para a<<strong>br</strong> />
prostituição. Os jovens de hoje, jamais entenderiam o<<strong>br</strong> />
significado dessa tragédia, que parecia ocorrer só na ficção.<<strong>br</strong> />
Foram, contudo, fatos verídicos que solaparam o Japão da<<strong>br</strong> />
era moderna nos anos de 1930.<<strong>br</strong> />
Muitas famílias se dispersaram após vender as porções<<strong>br</strong> />
ínfimas de terras que possuíam, havendo até mesmo suicídios<<strong>br</strong> />
coletivos de pais e filhos.<<strong>br</strong> />
A família de <strong>Haru</strong> não era exceção. Do jeito que iam as<<strong>br</strong> />
coisas, os 15 mem<strong>br</strong>os da família estariam às vésperas de<<strong>br</strong> />
morrer de fome. Foi quando souberam da emigração japonesa<<strong>br</strong> />
para o Brasil.<<strong>br</strong> />
A emigração para o Brasil, cujo início fora em 1908,<<strong>br</strong> />
aumentou de forma vertiginosa na década de 1920 e, em 1933,<<strong>br</strong> />
o ano em que o pai de <strong>Haru</strong> havia se inscrito, o maior<<strong>br</strong> />
contingente de japoneses atravessou os oceanos rumo ao<<strong>br</strong> />
Brasil. O subsídio financeiro oferecido pelo governo também<<strong>br</strong> />
incentivara o aumento rápido da emigração.<<strong>br</strong> />
Dentro deste contexto, a família Takakura, que vivia de<<strong>br</strong> />
forma paupérrima em Hokkaido devido à que<strong>br</strong>a da safra,<<strong>br</strong> />
decidiu que emigraria para o Brasil, ficando no Japão o casal<<strong>br</strong> />
- 21 -
do filho primogênito <strong>com</strong> os seus filhos.<<strong>br</strong> />
Seriam seis pessoas, <strong>Haru</strong>, o irmão seis anos mais velho,<<strong>br</strong> />
o segundo irmão, três anos mais velho, a irmã <strong>Natsu</strong>, dois<<strong>br</strong> />
anos mais nova e os pais. Iriam, também, o casal de tios,<<strong>br</strong> />
irmão mais novo do pai, recém casados e sem filhos. Eram<<strong>br</strong> />
ao todo, oito pessoas.<<strong>br</strong> />
A inscrição da família para a emigração ocorrera num<<strong>br</strong> />
dia de nevasca. <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> olhavam para o cartaz de<<strong>br</strong> />
propaganda da emigração, tomando a tijela de canja oferecida<<strong>br</strong> />
pela empresa de emigração.<<strong>br</strong> />
- Vamos todos, em família, para a América do Sul.<<strong>br</strong> />
O cartaz parecia uma nota promissória que prometia um<<strong>br</strong> />
futuro iluminado para todos. Finalmente, a família poderia<<strong>br</strong> />
se livrar do frio e levar uma vida mais aconchegante no Novo<<strong>br</strong> />
Mundo. <strong>Haru</strong> já não se importava mais <strong>com</strong> o frio da nevasca<<strong>br</strong> />
que parecia cortar o seu corpo.<<strong>br</strong> />
- Que situação difícil! - Yamato interrompeu de repente<<strong>br</strong> />
a fala de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
A dificuldade enfrentada pela família era inimaginável.<<strong>br</strong> />
- No Japão, existia uma infinidade de pessoas na miséria,<<strong>br</strong> />
que não tinham <strong>com</strong>o viver, senão indo ao Brasil. Mas não<<strong>br</strong> />
eram todos que podiam ir... Eu estava muito contente, pois<<strong>br</strong> />
foi muita sorte a nossa família ter sido escolhida, já que<<strong>br</strong> />
somente uma pequena parte das famílias que se candidatavam<<strong>br</strong> />
conseguiam ir. Disseram-nos que uma vida muito mais feliz<<strong>br</strong> />
do que a de Hokkaido nos aguardava no Brasil. - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
- 22 -
continuou, no quarto de hotel em Tóquio, buscando as<<strong>br</strong> />
memórias de 70 anos atrás.<<strong>br</strong> />
Tudo acontecera em dezem<strong>br</strong>o de 1933.<<strong>br</strong> />
Estavam reunidos na sala do case<strong>br</strong>e da família Takakura,<<strong>br</strong> />
o filho primogênito Yosaku, tio de <strong>Haru</strong>; Chûji, pai de <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
Shizu, sua esposa e mãe de <strong>Haru</strong>, Shigeru, primogênito de<<strong>br</strong> />
Chûji e irmão mais velho de <strong>Haru</strong>, Minoru, segundo filho e<<strong>br</strong> />
também irmão mais velho de <strong>Haru</strong>, e <strong>Natsu</strong>, a irmã mais nova<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong>. Além desses, Yozo, o terceiro filho da família<<strong>br</strong> />
Takakura e tio de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong> a sua esposa Kiyo. A avó de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, Nobu, estava sentada reservadamente atrás de Yosaku.<<strong>br</strong> />
Com mais de 60 anos, aparentava a humildade de quem<<strong>br</strong> />
cultivara a terra por toda a vida, distante de qualquer tipo de<<strong>br</strong> />
luxo.<<strong>br</strong> />
O frio era intenso e tanto <strong>Haru</strong> quanto <strong>Natsu</strong> estavam<<strong>br</strong> />
usando diversas camadas de roupas para enfrentá-lo.<<strong>br</strong> />
Na cozinha de chão de terra batida, Kane, esposa de<<strong>br</strong> />
Yosaku, trabalhava enquanto prestava atenção na conversa<<strong>br</strong> />
da família. Os quatro filhos de Yosaku e Kane, primos de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, iam e vinham entre o local onde estavam os<<strong>br</strong> />
adultos e a cozinha, mas de vez em quando esticavam o<<strong>br</strong> />
pescoço para saber o conteúdo da conversa. Tratava-se, de<<strong>br</strong> />
qualquer modo, de uma casa muito pequena.<<strong>br</strong> />
Apesar de cerca de 20.000 japoneses terem emigrado para<<strong>br</strong> />
o Brasil por ano, o país ainda era de um lugar desconhecido<<strong>br</strong> />
que ficava do outro lado do globo terrestre. Yosaku, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
- 23 -
primogênito da família, sentia-se responsável e ao mesmo<<strong>br</strong> />
tempo impotente por ter de despachar os dois irmãos menores<<strong>br</strong> />
e respectivos familiares, <strong>com</strong>o se estivesse expulsando-os.<<strong>br</strong> />
- Sinto muito mesmo. Acabei expulsando vocês de casa...<<strong>br</strong> />
- Você não tem que pedir desculpas. Você não tem culpa.<<strong>br</strong> />
O que está errado é uma família tão grande viver dependendo<<strong>br</strong> />
deste mísero terreno. Você é o sucessor da família Takakura<<strong>br</strong> />
e não pode abandonar esta roça que papai deixou, depois de<<strong>br</strong> />
sofrer tanto, vindo da província de Akita <strong>com</strong>o des<strong>br</strong>avador.<<strong>br</strong> />
Então, o correto é que eu, o segundo filho, e Yozo, o terceiro<<strong>br</strong> />
filho, saiamos daqui. Dizem que no Brasil, a falta de mãode-o<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />
é grande. Como a cultura do café está em alta, o salário<<strong>br</strong> />
também é bom. Parece que trabalhando três anos, dá para<<strong>br</strong> />
ganhar o suficiente para regressar ao Japão e <strong>com</strong>prar uma<<strong>br</strong> />
roça grande e construir uma casa.<<strong>br</strong> />
Pelo tom da conversa, Chûji parecia ter levado a sério as<<strong>br</strong> />
explicações e o conteúdo do folheto da <strong>com</strong>panhia de<<strong>br</strong> />
emigração, mas Yozo, seu irmão mais novo, parecia estar<<strong>br</strong> />
um pouco incrédulo.<<strong>br</strong> />
- Você está confiando muito na propaganda de<<strong>br</strong> />
recrutamento de emigrantes para o Brasil. Será que existe<<strong>br</strong> />
mesmo uma conversa tão boa?<<strong>br</strong> />
- Ainda está dizendo uma coisa dessas? O tamanho do<<strong>br</strong> />
Brasil nem se <strong>com</strong>para <strong>com</strong> o do Japão, este minúsculo<<strong>br</strong> />
arquipélago. Aqui em Hokkaido, não se pode trabalhar metade<<strong>br</strong> />
do ano devido à neve. Porém, no Brasil, é verão o ano inteiro.<<strong>br</strong> />
Imagine você trabalhando o ano inteiro! Conforme aquele<<strong>br</strong> />
- 24 -
folheto de emigração, se você trabalhar três anos, vai se tornar<<strong>br</strong> />
um ricaço. Depois de três anos, vamos voltar para o Japão e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar uma terra fértil em algum lugar bom, diferente da<<strong>br</strong> />
terra árida daqui. Um lugar onde tenha sol em abundância,<<strong>br</strong> />
sem problemas de temperaturas baixas, estiagem e outras<<strong>br</strong> />
desgraças. Estou muito contente por ter nascido <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
segundo filho. Posso ir para qualquer lugar, quando quiser.<<strong>br</strong> />
Posso ir para o Brasil em busca de um grande sonho.<<strong>br</strong> />
A avó Nobu procurava não dar palpites, mas não escondia<<strong>br</strong> />
a insegurança.<<strong>br</strong> />
Yosaku sabia que não era possível ficarem todos na<<strong>br</strong> />
dependência de um punhado de terra desgastada mas, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
primogênito, precisava se preocupar <strong>com</strong> todos os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />
da família.<<strong>br</strong> />
- Se você fosse sozinho, tudo bem. Mas o requisito para<<strong>br</strong> />
emigrar para o Brasil é ir <strong>com</strong> a família. Vai ser bastante<<strong>br</strong> />
difícil para as crianças.<<strong>br</strong> />
- Eu não tenho medo. O papai, a mamãe, Shigeru, Minoru,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, todos estarão juntos... É duro viver aqui <strong>com</strong> todo<<strong>br</strong> />
mundo, mas, no Brasil, vamos poder viver por nós mesmos.<<strong>br</strong> />
Não vamos precisar nos preocupar <strong>com</strong> ninguém... - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
respondeu corajosamente, antes dos seus irmãos mais velhos.<<strong>br</strong> />
Naquele momento, Kane, a esposa de Yosaku que estava<<strong>br</strong> />
na cozinha, ouvindo a conversa, <strong>com</strong>entou:<<strong>br</strong> />
- Ah, é? Quer dizer, <strong>Haru</strong>, que você estava preocupada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> os outros? Você, que sempre <strong>br</strong>igou <strong>com</strong> os meus filhos<<strong>br</strong> />
e os fez chorar!<<strong>br</strong> />
- 25 -
- Desculpe... <strong>Haru</strong> é muito geniosa. - disse Shizu, a mãe<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong>, que estava encolhida e cabisbaixa. Mas <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
demonstrava força e coragem ao dizer:<<strong>br</strong> />
- Não sou eu a culpada. Os primos é que são metidos,<<strong>br</strong> />
dizendo que são filhos do primogênito, e maltratam a mim e<<strong>br</strong> />
a <strong>Natsu</strong>. Eu até agüento, porém, não admito que maltratem a<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>. - <strong>Haru</strong> respondeu a Kane, de forma despreocupada,<<strong>br</strong> />
parecendo não mais lhe dever satisfação.<<strong>br</strong> />
- Se a gente for para o Brasil, estas coisas ruins também<<strong>br</strong> />
vão acabar. Só por isso, vale a pena, não é?<<strong>br</strong> />
-Nós também vamos ficar aliviados. Essa ida de vocês<<strong>br</strong> />
para o Brasil vai ser algo bom para todos! - disse Kane<<strong>br</strong> />
descarregando sua irritação so<strong>br</strong>e <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> Shizu, que era<<strong>br</strong> />
mais quieta, de forma irônica.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> pôs-se a falar <strong>com</strong> a irmã <strong>Natsu</strong>, mas na verdade, a<<strong>br</strong> />
farpa se destinava a Kane:<<strong>br</strong> />
- Dizem que no Brasil não neva... Não vamos mais ter<<strong>br</strong> />
que passar a noite sem poder dormir, <strong>com</strong> a neve penetrando<<strong>br</strong> />
pelas frestas até a nossa cabeceira. É verão o ano inteiro.<<strong>br</strong> />
Então, parece que as plantas estão sempre floridas.<<strong>br</strong> />
Falou à <strong>Natsu</strong>, que ficava extasiada imaginando as cenas:<<strong>br</strong> />
- Para você, <strong>Natsu</strong>, que gosta de flores, o Brasil será um<<strong>br</strong> />
paraíso! Além disso, a gente nunca viu o mar, mas para ir ao<<strong>br</strong> />
Brasil, vamos viajar dezenas de dias de navio. Vamos ver o<<strong>br</strong> />
mar todos os dias, até dizer chega! Meu coração bate forte só<<strong>br</strong> />
de pensar. - <strong>com</strong>plementou <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Que maravilha, não? Tantas coisas boas...<<strong>br</strong> />
- 26 -
Para Kane, <strong>Haru</strong> era uma so<strong>br</strong>inha insolente e incômoda.<<strong>br</strong> />
- As crianças são felizes. Nem imaginam a vida que as<<strong>br</strong> />
espera... - disse Yozo, pasmo <strong>com</strong> a batalha verbal entre a tia<<strong>br</strong> />
e a so<strong>br</strong>inha, <strong>com</strong>o querendo apartá-las.<<strong>br</strong> />
E então, Chüji deu a última palavra a Yozo:<<strong>br</strong> />
- Olha, pode ser que não seja fácil trabalhar em fazenda<<strong>br</strong> />
de café. Porém, não quer dizer que vamos morar<<strong>br</strong> />
definitivamente no Brasil. É um trabalho de decasségui, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
previsão de volta em três anos. Não vamos dramatizar as<<strong>br</strong> />
coisas. Mesmo vocês dois, Yozo e Kiyo, se não ganharem<<strong>br</strong> />
dinheiro no Brasil, nem filhos poderão ter.<<strong>br</strong> />
Ouvindo falar de filhos, Kiyo, esposa de Yozo cutucou o<<strong>br</strong> />
marido num misto de sentimento de constrangimento e<<strong>br</strong> />
alegria:<<strong>br</strong> />
- Querido, Chûji tem razão.<<strong>br</strong> />
Na época, o governo japonês adotava <strong>com</strong>o política<<strong>br</strong> />
emigratória, o envio de japoneses para o Brasil. Tratava-se<<strong>br</strong> />
de uma medida para fazer face ao aumento de desemprego<<strong>br</strong> />
devido à recessão.<<strong>br</strong> />
E para a maioria dos japoneses que decidiram emigrar,<<strong>br</strong> />
este era o último meio para sair da po<strong>br</strong>eza. Era uma questão<<strong>br</strong> />
de vida ou morte. Ir <strong>com</strong>o decasségui para o Brasil era a forma<<strong>br</strong> />
de conseguir obter um certo montante de dinheiro e <strong>com</strong> isso<<strong>br</strong> />
levar uma vida decente no Japão, uma vida na qual se pudesse<<strong>br</strong> />
alimentar os filhos <strong>com</strong> fartura...<<strong>br</strong> />
Tratava-se de um desejo trivial, mas era o sonho da<<strong>br</strong> />
maioria dos japoneses que iam para o Brasil. Muitos eram<<strong>br</strong> />
- 27 -
pessoas paupérrimas, provenientes da zona rural. Aqueles que<<strong>br</strong> />
podiam vender a sua propriedade e levar algum dinheiro<<strong>br</strong> />
consigo tinham uma certa folga, mas a família Takakura nem<<strong>br</strong> />
podia fazer isso, porque a família do primogênito iria ficar.<<strong>br</strong> />
- Não posso fazer nada para ajudar na partida de vocês<<strong>br</strong> />
para o Brasil. Perdoem-me.<<strong>br</strong> />
Chûji respondeu <strong>com</strong> ternura, diante do pedido de<<strong>br</strong> />
desculpas de Nobu:<<strong>br</strong> />
- Não precisamos de nada. A passagem de navio, de<<strong>br</strong> />
duzentos ienes, será paga pelo governo. Até a hospedaria,<<strong>br</strong> />
onde ficaremos por uma semana em Kobe, até a partida do<<strong>br</strong> />
navio, será de graça. Além disso, o governo fornece cinqüenta<<strong>br</strong> />
ienes por cabeça para os preparativos. Mesmo <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
vão receber vinte e cinco ienes. Podemos ir para o Brasil,<<strong>br</strong> />
mesmo sem ter um centavo sequer. No Brasil, o dono da<<strong>br</strong> />
fazenda estará esperando <strong>com</strong> uma casa para a gente morar,<<strong>br</strong> />
e vamos <strong>com</strong>eçar a trabalhar imediatamente. Trabalhando, a<<strong>br</strong> />
gente pode viver. Então, não há <strong>com</strong> o quê se preocupar.<<strong>br</strong> />
- Que inveja! Se o Yosaku não fosse o primogênito, nós<<strong>br</strong> />
é que queríamos ir.<<strong>br</strong> />
Chûji não ligou para Kane, que falava em tom de ironia.<<strong>br</strong> />
- Yosaku, por favor, cuide da mamãe até eu voltar.<<strong>br</strong> />
Mamãe, voltando do Brasil, vou construir uma casa para a<<strong>br</strong> />
senhora numa região que não neva, e virei buscá-la. Espereme.<<strong>br</strong> />
Agüente firme por três anos.<<strong>br</strong> />
Contendo os seus sentimentos de tristeza, Nobu aquiesceu<<strong>br</strong> />
sorrindo.<<strong>br</strong> />
- 28 -
No depósito atrás da modesta casa dos Takakura, dois<<strong>br</strong> />
coelhos estavam sendo criados num viveiro de bambu. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
e <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iram o viveiro <strong>com</strong> cuidado e cada uma carregou<<strong>br</strong> />
um coelho para fora.<<strong>br</strong> />
- Vamos ter que nos separar destes dois em <strong>br</strong>eve. Não<<strong>br</strong> />
podemos levá-los para o Brasil. - <strong>Natsu</strong> balbuciou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
tristeza.<<strong>br</strong> />
- Vamos devolvê-los ao velho Guen, que nos deu. Se<<strong>br</strong> />
deixarmos aqui, a tia Kane vai matá-los e todos vão <strong>com</strong>êlos.<<strong>br</strong> />
Eles estavam ansiosos, dizendo que quando os dois<<strong>br</strong> />
crescerem mais um pouco, estarão bons para servirem de<<strong>br</strong> />
alimento...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> fitou <strong>com</strong> ternura o coelho que carregava. O velho<<strong>br</strong> />
Guen que morava na vizinhança, tivera pena de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
e presenteara-as <strong>com</strong> os dois coelhos. Desde então, as duas<<strong>br</strong> />
vinham criando-os <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />
- O velho Guen deu um para cada uma de nós. Ele ficou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> dó porque não tínhamos bonecas nem <strong>br</strong>inquedos. Ele<<strong>br</strong> />
disse para a gente cuidar bem deles.<<strong>br</strong> />
- Os coelhos nos consolaram muito. A despedida é triste,<<strong>br</strong> />
mas não tem outro jeito.<<strong>br</strong> />
- Vamos devolver os coelhinhos agora, antes que alguém<<strong>br</strong> />
descu<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />
- Depressa!<<strong>br</strong> />
Apressada por <strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong>, que se demorava na<<strong>br</strong> />
despedida, finalmente se levantou. As duas <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />
- 29 -
andar por caminhos cheios de neve carregando cada uma o<<strong>br</strong> />
seu coelho, quando ouviram as vozes de Kenta e Kyûsaku,<<strong>br</strong> />
filhos de Yosaku e Kane.<<strong>br</strong> />
- Onde vocês vão levar os coelhos?<<strong>br</strong> />
- Vocês vão vendê-los?<<strong>br</strong> />
-Não é da sua conta! São nossos coelhos!<<strong>br</strong> />
- Vocês estão indo para o Brasil. Não precisam mais dos<<strong>br</strong> />
coelhos. Eles ficarão conosco.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> deu uns passos para trás.<<strong>br</strong> />
- Vocês é que pensam! Nós ganhamos os coelhos do velho<<strong>br</strong> />
Guen, e então vamos devolvê-los.<<strong>br</strong> />
- Vamos cuidar deles <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />
- Jamais os entregaremos para vocês. <strong>Natsu</strong>, não deixe<<strong>br</strong> />
que eles apanhem o seu coelho.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> saiu correndo, segurando firme o seu coelho. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
a seguiu não querendo se atrasar. Contudo, Kyûsaku e Kenta<<strong>br</strong> />
as alcançaram facilmente e agarrando-as pelas costas,<<strong>br</strong> />
tentaram arrancar-lhes os coelhos das mãos.<<strong>br</strong> />
- Vamos deixá-los fugir!<<strong>br</strong> />
Vendo <strong>Haru</strong> soltar o seu coelho, <strong>Natsu</strong> também soltou o<<strong>br</strong> />
seu. Os coelhos fugiram aos pulos, no meio da neve.<<strong>br</strong> />
- Vivam felizes! - gritou <strong>Haru</strong>, dirigindo-se aos coelhos.<<strong>br</strong> />
Seu desejo era que os coelhos so<strong>br</strong>evivessem tranqüilos.<<strong>br</strong> />
- Como é que vocês puderam deixá-los fugir!<<strong>br</strong> />
Kyûsaku ergueu o punho cerrado.<<strong>br</strong> />
- Você achou que iria encher a barriga <strong>com</strong> os nossos<<strong>br</strong> />
coelhos?<<strong>br</strong> />
- 30 -
- O quê? Vocês são uns parasitas que viveram <strong>com</strong>endo<<strong>br</strong> />
às nossas custas e nem vão nos deixar os coelhos?<<strong>br</strong> />
Kyûsaku deu um empurrão em <strong>Haru</strong>. Ela se levantou e<<strong>br</strong> />
tentou enfrentá-lo, mas novamente foi derrubada no chão.<<strong>br</strong> />
- Mana!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> avançou chorando em direção a Kenta, mas também<<strong>br</strong> />
foi derrubada e se agarrou a <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
-Não lhes dê atenção!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> resistia, lançando olhares de ira e desprezo contra<<strong>br</strong> />
os primos. Diante da falta de resistência física das duas,<<strong>br</strong> />
Kyûsaku e Kenta desistiram, abandonando o local.<<strong>br</strong> />
- Nós iremos para o Brasil. Lá, não vamos mais precisar<<strong>br</strong> />
ver a cara deles. Vamos criar coelhos novamente. No Brasil,<<strong>br</strong> />
não tem inverno. Sempre vai ter <strong>com</strong>ida para eles. Vamos<<strong>br</strong> />
criar tantos coelhos quanto quisermos!<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>! Está sangrando? Tudo bem?<<strong>br</strong> />
- Tudo bem. Aqui, eles sempre maltrataram a gente. Mas,<<strong>br</strong> />
no Brasil, eles não poderão mais fazer isso. Vamos ajudar<<strong>br</strong> />
bastante o papai e a mamãe, e vamos viver felizes. Mas, haja<<strong>br</strong> />
o que houver, eu e você vamos estar sempre juntas. Eu vou<<strong>br</strong> />
protegê-la. Vamos para o Brasil sem preocupações.<<strong>br</strong> />
- Estando <strong>com</strong> você, não tenho medo de nada.<<strong>br</strong> />
- Vamos pedir desculpas ao velho Guen por termos<<strong>br</strong> />
soltado os coelhos e nos despedirmos dele.<<strong>br</strong> />
- No Brasil, vamos criar bastante coelhos, né?<<strong>br</strong> />
Apesar de criança, <strong>Haru</strong> sentia que a fome deixava ríspido<<strong>br</strong> />
o coração das pessoas. O sacrifício, porém, estava próximo<<strong>br</strong> />
- 31 -
do fim.<<strong>br</strong> />
No ano seguinte, em março de 1934, chegara enfim, o<<strong>br</strong> />
dia da partida tão esperada por todos. Chûji e Shizu pregaram<<strong>br</strong> />
tábuas na porta, lacrando a casa congelada pelo frio e pelos<<strong>br</strong> />
ventos que penetravam pelas frestas. Não precisavam mais<<strong>br</strong> />
morar naquela casa, onde levaram uma vida paupérrima.<<strong>br</strong> />
O trenó, puxado a cavalo, lançou-se na neve, levando a<<strong>br</strong> />
família de <strong>Haru</strong> em direção ao país da felicidade, o Brasil.<<strong>br</strong> />
- Naquela época, o Brasil nos parecia ser um paraíso.<<strong>br</strong> />
Acreditávamos que sairíamos da vida po<strong>br</strong>e de Hokkaido,<<strong>br</strong> />
em que não havia <strong>com</strong>ida suficiente para uma família grande,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eríamos sem preocupações e levaríamos uma vida feliz...<<strong>br</strong> />
Não víamos a hora de partir para o Brasil. - <strong>Haru</strong> continuava<<strong>br</strong> />
a contar a longa história de sua infância a Yamato, no<<strong>br</strong> />
confortável quarto do hotel.<<strong>br</strong> />
- Por isso, não sentia nem um pouco de tristeza ou pena<<strong>br</strong> />
de ter que deixar Hokkaido, nossa terra natal. Vivíamos<<strong>br</strong> />
eufóricas, eu e minha irmã, <strong>com</strong>o se estivéssemos nos<<strong>br</strong> />
preparando para ir a um piquenique. Contudo, assim que<<strong>br</strong> />
chegamos a Kobe, de onde partia o navio... aconteceu um<<strong>br</strong> />
imprevisto. Todos os sonhos ruíram de uma só vez. A minha<<strong>br</strong> />
longa vida foi marcada de sofrimentos, porém, aquele foi o<<strong>br</strong> />
dia mais triste.<<strong>br</strong> />
Naquela época, os navios de emigração zarpavam do porto<<strong>br</strong> />
de Kobe. Os emigrantes e seus familiares que se dirigiam<<strong>br</strong> />
- 32 -
para o Brasil vinham de todo o Japão e se reuniam no Centro<<strong>br</strong> />
de Instrução dos Emigrantes de Kobe, vulgarmente conhecido<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o Hospedaria dos Emigrantes, onde permaneciam por<<strong>br</strong> />
cerca de uma semana.<<strong>br</strong> />
Recebiam explicações e re<strong>com</strong>endações so<strong>br</strong>e a vida no<<strong>br</strong> />
Brasil, cuidavam de diversos procedimentos e faziam os<<strong>br</strong> />
últimos preparativos antes de embarcarem no navio que os<<strong>br</strong> />
levariam para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Naquele ano, houve o embarque mais numeroso de<<strong>br</strong> />
emigrantes, <strong>com</strong> cerca de 20.000 pessoas. O número de<<strong>br</strong> />
passageiros que embarcavam a cada viagem nos navios era<<strong>br</strong> />
de algumas centenas a cerca de mil.<<strong>br</strong> />
A família Takakura fizera uma longa viagem terrestre,<<strong>br</strong> />
saindo de Hokkaido até Kobe, mas chegaram bem na<<strong>br</strong> />
Hospedaria dos Emigrantes onde viram hasteadas as bandeiras<<strong>br</strong> />
do Japão e do Brasil.<<strong>br</strong> />
O funcionário que os atendeu estava de uniforme <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
quepe e parecia um policial. Conferiu os nomes <strong>com</strong> a lista<<strong>br</strong> />
de passageiros e finalmente foram conduzidos para uma sala<<strong>br</strong> />
de espera, que mais parecia um depósito.<<strong>br</strong> />
Nem houve tempo para descansar da longa viagem. Uma<<strong>br</strong> />
multidão se aglomerava no local.<<strong>br</strong> />
- Agora vamos nos submeter a exames médicos. - Chûji<<strong>br</strong> />
acordou os familiares que, cansados, estavam deitados.<<strong>br</strong> />
- Exame médico? Temos que nos submeter a isso? - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
perguntou meio atônita, no meio dos irmãos Shigeru, Minoru<<strong>br</strong> />
e <strong>Natsu</strong>, que ainda <strong>br</strong>incavam cheios de energia.<<strong>br</strong> />
- 33 -
Naquela época, a situação de higiene no Japão era<<strong>br</strong> />
calamitosa, em especial na zona rural. Houve emigrantes que<<strong>br</strong> />
apesar de terem chegado ao porto de Santos, não conseguiram<<strong>br</strong> />
passar pela quarentena e foram o<strong>br</strong>igados a voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão.<<strong>br</strong> />
As autoridades sanitárias <strong>br</strong>asileiras estavam mais alertas<<strong>br</strong> />
à medida que aumentava o número de imigrantes que<<strong>br</strong> />
chegavam do Japão, em especial, quanto a doenças<<strong>br</strong> />
contagiosas. Havia forte solicitação por parte daquelas<<strong>br</strong> />
autoridades no sentido de identificar as doenças enquanto<<strong>br</strong> />
estivessem no Japão para que estes não viessem a embarcar.<<strong>br</strong> />
Assim, os emigrantes eram o<strong>br</strong>igados a se submeterem aos<<strong>br</strong> />
exames médicos em Kobe.<<strong>br</strong> />
Chûji explicou de forma simplificada o porquê dos<<strong>br</strong> />
exames para as crianças, que ficaram meio atordoadas.<<strong>br</strong> />
- Vão verificar se temos ou não alguma doença. Se<<strong>br</strong> />
tivermos alguma doença ruim, não poderemos entrar no<<strong>br</strong> />
Brasil... Por isso, vão nos examinar aqui e, se desco<strong>br</strong>irem<<strong>br</strong> />
alguma doença, temos que voltar para casa.<<strong>br</strong> />
- Então, se encontrarem alguma doença, essa pessoa não<<strong>br</strong> />
pode embarcar no navio? - perguntou Shigeru.<<strong>br</strong> />
- É lógico. Mesmo chegando no Brasil depois de dezenas<<strong>br</strong> />
de dias de viagem, ela vai ser mandada de volta. Terá sido<<strong>br</strong> />
inútil a viagem, não é? - explicou Chûji.<<strong>br</strong> />
- Coitada dessa pessoa! - <strong>com</strong>entou <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Não tem jeito. É o regulamento. Nós não temos<<strong>br</strong> />
problemas. Fiz vocês passarem fome, mas ninguém até hoje<<strong>br</strong> />
- 34 -
ficou gravemente doente. - respondeu Chûji, <strong>com</strong> força na<<strong>br</strong> />
voz, querendo tranqüilizar Shigeru e <strong>Haru</strong>, que se alternavam<<strong>br</strong> />
nas perguntas.<<strong>br</strong> />
- É verdade! Todos nós somos saudáveis. - concordou<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Confortada pelas palavras do pai de que não haveria<<strong>br</strong> />
problemas, <strong>Haru</strong> riu alegremente.<<strong>br</strong> />
Chegara a vez da família Takakura se submeter aos<<strong>br</strong> />
exames médicos e foram todos chamados para a enfermaria.<<strong>br</strong> />
Chûji, Shizu, Shigeru e Minoru foram liberados sem maiores<<strong>br</strong> />
problemas. A seguir, o médico <strong>com</strong>eçou a examinar <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Esta menina também está subnutrida. Vocês são de<<strong>br</strong> />
Hokkaido? Parece que em Hokkaido a vida está difícil devido<<strong>br</strong> />
à baixa temperatura e que<strong>br</strong>a de safra. Vocês praticamente<<strong>br</strong> />
não tinham o que <strong>com</strong>er, não é?<<strong>br</strong> />
Colocando o estetoscópio no peito de <strong>Haru</strong>, o médico<<strong>br</strong> />
examinou sua ficha.<<strong>br</strong> />
- Então, ela não poderá ir para o Brasil? - perguntou Chüji<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> insegurança, retraído.<<strong>br</strong> />
- Subnutrição não é doença. Se ela se alimentar bem<<strong>br</strong> />
durante a viagem, ficará boa. Não tem <strong>com</strong> o quê se preocupar.<<strong>br</strong> />
Próxima...<<strong>br</strong> />
Outras pessoas que estavam no local, médicos e<<strong>br</strong> />
enfermeiras riram e então, <strong>Haru</strong>, tranqüila, trocou de lugar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
O médico, ao examinar <strong>Natsu</strong>, num relance enrijeceu a<<strong>br</strong> />
fisionomia, após ter virado a pálpe<strong>br</strong>a do olho de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- 35 -
- Essa não! A menina está <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a num estado grave!<<strong>br</strong> />
- Tra<strong>com</strong>a? - perguntou Chüji.<<strong>br</strong> />
Tra<strong>com</strong>a era o nome vulgar de uma oftalmopatia crônica,<<strong>br</strong> />
de origem bacteriana, altamente transmissível, que<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prometia a córnea e a conjuntiva. Hoje, já se tornou<<strong>br</strong> />
doença do passado, mas naquela época, a incidência de<<strong>br</strong> />
tra<strong>com</strong>a era muito alta porque havia carência de<<strong>br</strong> />
conhecimentos ou instalações higiênicas para preveni-la.<<strong>br</strong> />
- Desse jeito, ela não pode ir para o Brasil. Ela morava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> vocês?<<strong>br</strong> />
- Sim. - respondeu Chûji.<<strong>br</strong> />
- Que sorte que não passou para os outros. Só por isso,<<strong>br</strong> />
têm que se dar por felizes.<<strong>br</strong> />
A situação não ficara muito clara, mas todos os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />
da família Takakura se submeteram aos exames médicos e<<strong>br</strong> />
somente <strong>Natsu</strong> foi levada à uma sala à parte, para exames<<strong>br</strong> />
pormenorizados.<<strong>br</strong> />
Voltaram para o quarto que lhes fora destinado na<<strong>br</strong> />
Hospedaria dos Emigrantes, mas todos estavam apreensivos.<<strong>br</strong> />
Não só <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o também <strong>Haru</strong>, Shizu e os demais,<<strong>br</strong> />
sentaram-se mudos <strong>com</strong> expressão aterrorizada.<<strong>br</strong> />
- Essa doença nos olhos não é nada... Ela não tem outros<<strong>br</strong> />
problemas. O seu pai está pedindo para que possa viajar.<<strong>br</strong> />
- disse Yozo, tio de <strong>Natsu</strong>, dirigindo-se a ela.<<strong>br</strong> />
- Não pensei que ela estivesse <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. Ela tinha<<strong>br</strong> />
remelas e estava piscando bastante, mas não se queixava de<<strong>br</strong> />
dor, nem de que não estava enxergando. Nunca pensei que<<strong>br</strong> />
- 36 -
fosse doença. Se soubesse, tinha tratado antes. - disse Shizu,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> profundo remorso.<<strong>br</strong> />
- Vai dar tudo certo! Mesmo <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a, ela pode fazer<<strong>br</strong> />
de tudo, igual a uma pessoa normal.<<strong>br</strong> />
Somente Yozo procurava confortar o resto dos familiares.<<strong>br</strong> />
Passos pesados, que vinham do longo e escuro corredor<<strong>br</strong> />
da hospedaria, pararam em frente ao quarto da família<<strong>br</strong> />
Takakura.<<strong>br</strong> />
Todos olharam ao mesmo tempo para a porta do quarto.<<strong>br</strong> />
Era Chüji.<<strong>br</strong> />
- Pedi <strong>com</strong> insistência ao encarregado. Porém, ele disse<<strong>br</strong> />
que o Brasil proíbe terminantemente a entrada de pessoas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. A inspeção para entrada no país está ficando<<strong>br</strong> />
mais difícil a cada ano.<<strong>br</strong> />
- Então, não podemos levar <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
Shizu olhou transtornada para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Vamos pedir ao médico que trate dela e a cure até a<<strong>br</strong> />
partida do navio!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> fez bico, inconformada, pensando que não poderia<<strong>br</strong> />
deixar <strong>Natsu</strong> para trás.<<strong>br</strong> />
- Parece que não é tão simples assim... - respondeu Chüji.<<strong>br</strong> />
- Quando eu estava na escola primária, tinha muitas<<strong>br</strong> />
crianças <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. Elas não se tratavam, mas eram<<strong>br</strong> />
saudáveis e <strong>br</strong>incavam sem problemas.<<strong>br</strong> />
Como se podia depreender da fala de Shigeru, havia pouca<<strong>br</strong> />
conscientização acerca da gravidade do tra<strong>com</strong>a entre a<<strong>br</strong> />
população.<<strong>br</strong> />
- 37 -
Anos antes da viagem da família Takakura, houvera um<<strong>br</strong> />
surto de tra<strong>com</strong>a em Santos. A origem do surto parecia ter<<strong>br</strong> />
sido algum imigrante infectado, vindo do Japão. Desde então,<<strong>br</strong> />
os exames tornaram-se mais rigorosos e ainda que fizessem<<strong>br</strong> />
vista grossa em Kobe, poderia ser-lhes negado o desembarque<<strong>br</strong> />
no Brasil.<<strong>br</strong> />
Parece que explicaram detalhadamente a situação para<<strong>br</strong> />
Chûji.<<strong>br</strong> />
- O tra<strong>com</strong>a é uma doença contagiosa. E se passar para<<strong>br</strong> />
outras pessoas dentro do navio? O que é que a gente faz? É<<strong>br</strong> />
uma doença perigosa, e se ela não for tratada, pode danificar<<strong>br</strong> />
a córnea e cegar a pessoa. Dizem que é impossível curar a<<strong>br</strong> />
doença até o dia da partida. Não temos outro jeito a não ser<<strong>br</strong> />
deixar <strong>Natsu</strong> no Japão...<<strong>br</strong> />
- Como!?... Se a gente não pode mesmo levar <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
temos que desistir de ir para o Brasil...<<strong>br</strong> />
- É verdade! Como a gente vai poder deixar <strong>Natsu</strong> sozinha<<strong>br</strong> />
aqui?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Shizu se revezavam na argumentação.<<strong>br</strong> />
- Desistindo da ida para o Brasil, para onde é que podemos<<strong>br</strong> />
ir? Voltando a Hokkaido, só nos resta morrer de fome. Mesmo<<strong>br</strong> />
indo para outro lugar, não temos a quem pedir ajuda. Se nós<<strong>br</strong> />
tivéssemos alguma forma de viver por conta própria, quem<<strong>br</strong> />
iria querer ir para o Brasil, deixando <strong>Natsu</strong> aqui? Nós não<<strong>br</strong> />
temos mais nem um centavo. Não temos mais <strong>com</strong>o continuar<<strong>br</strong> />
vivendo no Japão. Para continuar a viver, só nos resta a<<strong>br</strong> />
alternativa de ir para o Brasil. Todos vocês sabem disso...<<strong>br</strong> />
- 38 -
Chüji tentou disfarçar a batida rápida do seu coração e a<<strong>br</strong> />
insegurança. Haviam tomado a decisão a muito custo, afinal os<<strong>br</strong> />
pais não podiam abandonar uma filha sozinha.<<strong>br</strong> />
- Então, <strong>com</strong>o fica <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
- Se for só ela, acho que a família de meu irmão poderá<<strong>br</strong> />
cuidar.<<strong>br</strong> />
- Você está dizendo que vai mandá-la de volta para<<strong>br</strong> />
Hokkaido?<<strong>br</strong> />
A pergunta de Shizu continha doses silenciosa de ira<<strong>br</strong> />
contra o marido.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, por sua vez, argumentou desesperada, <strong>com</strong> o pai:<<strong>br</strong> />
- O senhor não pode fazer isso! Mandar <strong>Natsu</strong> sozinha<<strong>br</strong> />
de volta para aquela tia e aqueles primos malvados... Acho<<strong>br</strong> />
que nem <strong>com</strong>ida vão dar a ela...<<strong>br</strong> />
- Lá está a vovó. Dentre todos os netos, a vovó gostava,<<strong>br</strong> />
em particular, de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>. Ela protegerá a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- argumentou o pai.<<strong>br</strong> />
- Nãão! Po<strong>br</strong>ezinha da <strong>Natsu</strong>! A gente não pode fazer<<strong>br</strong> />
isso <strong>com</strong> ela!<<strong>br</strong> />
Em segundos, os olhos de <strong>Haru</strong> se encheram de lágrimas.<<strong>br</strong> />
- Então, <strong>Haru</strong>, você fica <strong>com</strong> a <strong>Natsu</strong> no Japão? Assim,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se sentirá mais encorajada.<<strong>br</strong> />
- Eu prefiro morrer a voltar para Hokkaido.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> negou prontamente a possibilidade de ficar <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
irmã no Japão, e lágrimas escorreram por seu rosto.<<strong>br</strong> />
Por um instante, <strong>Natsu</strong> teve esperanças na resposta da<<strong>br</strong> />
irmã, mas desviou os olhos de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong> fisionomia triste.<<strong>br</strong> />
- 39 -
- <strong>Natsu</strong>, nós não podemos mais voltar atrás. Não temos<<strong>br</strong> />
outro jeito se não ir para o Brasil. Porém, vamos ficar lá por<<strong>br</strong> />
três anos. Se trabalharmos três anos, vamos ganhar bastante<<strong>br</strong> />
dinheiro. Então, retornaremos para o Japão e vamos buscá-la<<strong>br</strong> />
em Hokkaido. Agüente apenas três anos. Eu também não<<strong>br</strong> />
quero deixá-la aqui. Mas, se eu não fizer isso, a família inteira<<strong>br</strong> />
morrerá de fome. Agüente três anos em Hokkaido. Com isso,<<strong>br</strong> />
todos serão salvos.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se agarrou assustada a Shizu e Chüji procurava<<strong>br</strong> />
convencê-la, <strong>com</strong>o se estivesse a implorar.<<strong>br</strong> />
- Vamos juntar bastante dinheiro no Brasil, voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão, <strong>com</strong>prar terras e construir uma casa em uma região<<strong>br</strong> />
onde não neva. Ali, poderemos viver novamente <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
Você nos espera, não é, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> procurava controlar o choro.<<strong>br</strong> />
Três anos. Para os adultos podia ser apenas três anos,<<strong>br</strong> />
mas <strong>Natsu</strong> tinha somente sete anos. Para uma criança naquela<<strong>br</strong> />
idade, um mês ou uma semana custavam a passar. A espera<<strong>br</strong> />
de três anos devia ter-lhe parecido uma espera infinitamente<<strong>br</strong> />
longa.<<strong>br</strong> />
Resolveram escrever para Nobu, avó de <strong>Natsu</strong>, que estava<<strong>br</strong> />
em Hokkaido, para vir buscá-la em Kobe. Isso também não<<strong>br</strong> />
era fácil, pois ela não tinha <strong>com</strong>o pagar as passagens de trem<<strong>br</strong> />
para as duas.<<strong>br</strong> />
- Eu vou dar a ela cem ienes do dinheiro que o governo<<strong>br</strong> />
nos deu <strong>com</strong>o ajuda de custo. Vamos ter que so<strong>br</strong>eviver <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
o resto. Está bem assim?<<strong>br</strong> />
- 40 -
Ninguém podia negar a decisão de Chüji, que embora<<strong>br</strong> />
contrariado, teria de deixar <strong>Natsu</strong> no Japão. Não havia outra<<strong>br</strong> />
escolha, ainda que se pensasse no íntimo que era uma atitude<<strong>br</strong> />
fria do pai. Se chamasse a isso de crime, então, todos os<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da família Takakura seriam criminosos.<<strong>br</strong> />
Ficar em Hokkaido tornara-se uma realidade nua e crua.<<strong>br</strong> />
Até então, <strong>Natsu</strong> se contivera, mas passou a chorar <strong>com</strong> voz<<strong>br</strong> />
abafada, os om<strong>br</strong>os trêmulos. Shizu a a<strong>br</strong>açava <strong>com</strong> toda a<<strong>br</strong> />
força, mas também não era possível conter as lágrimas.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, prometo que vou lhe escrever... Vou contar para<<strong>br</strong> />
você so<strong>br</strong>e a nossa vida no Brasil, para você sentir que está lá<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a gente. Eu vou escrever, sempre pensando em você...<<strong>br</strong> />
Por isso, escreva-me também, <strong>Natsu</strong>. Prometa. Vou ficar<<strong>br</strong> />
esperando...<<strong>br</strong> />
Ainda que <strong>Haru</strong> tentasse consolá-la <strong>com</strong> todo afinco,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apenas chorava nos <strong>br</strong>aços de Shizu.<<strong>br</strong> />
O coração de <strong>Haru</strong> parecia sangrar. Apesar de ter<<strong>br</strong> />
prometido a ela que estariam sempre juntas, em quaisquer<<strong>br</strong> />
circunstâncias, acabou por trair <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Todos os pés de cerejeiras da Hospedaria dos Emigrantes<<strong>br</strong> />
estavam em flor. Até parecia haver uma chuva de pétalas de<<strong>br</strong> />
cerejeiras. As famílias tiravam fotos para recordação. <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> colocaram seus únicos e melhores vestidos e se<<strong>br</strong> />
colocaram <strong>com</strong> os demais familiares em frente à placa onde<<strong>br</strong> />
estava escrito Centro de Instrução de Emigrantes de Kobe.<<strong>br</strong> />
Chüji e Yozo também estavam bem trajados, vestindo terno,<<strong>br</strong> />
- 41 -
que nunca haviam usado até então.<<strong>br</strong> />
Ouvia-se o barulho do disparador. Depois dos Takakura,<<strong>br</strong> />
outra família ocupou o mesmo espaço para foto. Faltava pouco<<strong>br</strong> />
tempo para se dirigirem ao cais e outras famílias estavam a<<strong>br</strong> />
trocar sorrisos entre si.<<strong>br</strong> />
Afastada dos demais, <strong>Natsu</strong> fitava as pétalas das flores<<strong>br</strong> />
de cerejeira que eram levadas pelo vento.<<strong>br</strong> />
Os dias passaram rapidamente na Hospedaria dos<<strong>br</strong> />
Emigrantes, em meio a aulas intensivas de língua portuguesa,<<strong>br</strong> />
vacinações etc. E eis que era chegado o dia da partida.<<strong>br</strong> />
A avó Nobu que vinha buscar <strong>Natsu</strong>, de Hokkaido, ainda<<strong>br</strong> />
não chegara em Kobe. Os mem<strong>br</strong>os da família Takakura<<strong>br</strong> />
teriam que embarcar no navio de emigração, deixando <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
sozinha na Hospedaria.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Natsu</strong> voltou para o quarto, Shizu colocou uma<<strong>br</strong> />
pequena trouxa ao seu lado.<<strong>br</strong> />
- Esta é a sua trouxa. Leve <strong>com</strong> cuidado.<<strong>br</strong> />
Shizu colocou uma caixa de caramelos na trouxa e<<strong>br</strong> />
pendurou um amuleto no seu pescoço.<<strong>br</strong> />
- Escrevi uma carta para a vovó, explicando tudo em<<strong>br</strong> />
detalhes, e enviei junto, o dinheiro das passagens de trem.<<strong>br</strong> />
Ela mandou um telegrama dizendo que vem buscá-la<<strong>br</strong> />
imediatamente. Espere aqui, sem se preocupar <strong>com</strong> nada.<<strong>br</strong> />
Chüji entregou uma pequena, mas preciosa para a família,<<strong>br</strong> />
importância em dinheiro nas mãos de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />
- Se tiver alguma coisa que quiser enquanto ficar aqui,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pre <strong>com</strong> esse dinheiro. Você agüenta, não? Você pode<<strong>br</strong> />
- 42 -
esperar sozinha, não?<<strong>br</strong> />
Até mesmo a voz de Chüji ficou embargada.<<strong>br</strong> />
- Cuide-se bem.<<strong>br</strong> />
Shizu não conseguiu conter a emoção e a voz também<<strong>br</strong> />
não saiu.<<strong>br</strong> />
O pensamento de todos era um só. Se pudessem levá-la,<<strong>br</strong> />
levariam-na junto. Yozo estava carregando um baú de vime,<<strong>br</strong> />
Shizu uma grande trouxa nas costas. Minoru, Kiyo e os outros<<strong>br</strong> />
olhavam pesarosos para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, que tentava suportar <strong>com</strong> galhardia, <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
piscar e, ao olhar para baixo, lágrimas caíram de seus olhos.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, eu vou voltar <strong>com</strong> você para Hokkaido. Não<<strong>br</strong> />
posso deixá-la sozinha no Japão. Prometi ficar sempre junto<<strong>br</strong> />
de você. Não vou deixá-la sozinha. - <strong>Haru</strong> exclamou, não<<strong>br</strong> />
podendo mais se conter, <strong>com</strong>o se protestasse contra Chüji.<<strong>br</strong> />
- De novo? Quantas vezes preciso dizer para você<<strong>br</strong> />
entender? Se for só a <strong>Natsu</strong>, o tio de Hokkaido poderá cuidar.<<strong>br</strong> />
Mas, se forem vocês duas, pode ser que o tio se recuse.<<strong>br</strong> />
- Tudo bem, <strong>Haru</strong>. Depois de três anos, poderemos voltar<<strong>br</strong> />
a morar juntas. Eu esperarei.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> procurou se mostrar alegre e forte. Ainda assim,<<strong>br</strong> />
os seus olhos logo se encheram de lágrimas e o sorriso que<<strong>br</strong> />
procurou forçar acabou se transformando em choro.<<strong>br</strong> />
- Este é o endereço da fazenda de café em que vamos<<strong>br</strong> />
trabalhar. Eles disseram que só poderiam dar o endereço<<strong>br</strong> />
depois que chegássemos no Brasil, porém, expliquei a<<strong>br</strong> />
situação e eles me deram. Escreva para nós neste endereço.<<strong>br</strong> />
- 43 -
<strong>Natsu</strong> olhou atentamente o papel que Chüji lhe entregara.<<strong>br</strong> />
As letras do alfabeto que <strong>Natsu</strong> não conseguia ler estavam<<strong>br</strong> />
enfileiradas <strong>com</strong>o se fossem símbolos. A família viveria feliz<<strong>br</strong> />
na fazenda de café, naquele endereço.<<strong>br</strong> />
- A foto que tiramos em família ficou pronta. Mandei<<strong>br</strong> />
fazer uma cópia a mais para você. Guarde-a!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> estavam na frente e atrás se perfilaram os<<strong>br</strong> />
pais, irmãos e o casal de tios, bem formais. <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
aca<strong>br</strong>unhada, fitava um ponto.<<strong>br</strong> />
- Perdoe-nos, <strong>Natsu</strong>! Perdoe-nos por deixá-la sozinha...<<strong>br</strong> />
- Eu vou olhar para esta fotografia e me lem<strong>br</strong>ar de vocês.<<strong>br</strong> />
Com essa foto, vou sentir que estamos sempre juntas, que<<strong>br</strong> />
não estarei sozinha...<<strong>br</strong> />
- Então, temos que ir. Não venha se despedir de nós. Lá<<strong>br</strong> />
no cais haverá uma grande multidão. Vai ser uma confusão e<<strong>br</strong> />
você poderá ser pisoteada.<<strong>br</strong> />
Chüji dirigia-se a <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a voz mais mansa possível,<<strong>br</strong> />
e Shizu procurava explicar à <strong>Natsu</strong> em tom de apelo:<<strong>br</strong> />
- É melhor a gente se despedir aqui. A despedida no cais<<strong>br</strong> />
é triste demais. Não venha! Fique aqui. Fique aqui, está bem?<<strong>br</strong> />
Convencida pelas as argumentações de Chûji e Shizu,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> engoliu o choro e aquiesceu em silêncio.<<strong>br</strong> />
Saíram do quarto e ao do<strong>br</strong>ar o corredor, <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />
agüentou e olhou para trás. Não viu <strong>Natsu</strong> no corredor. Chüji<<strong>br</strong> />
colocou o <strong>br</strong>aço nas costas de <strong>Haru</strong> e fez <strong>com</strong> que ela<<strong>br</strong> />
continuasse a caminhar.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficou só no quarto e tentava suportar a insegurança<<strong>br</strong> />
- 44 -
e a terrível solidão, olhando para a foto da família que fora deixada<<strong>br</strong> />
em suas mãos.<<strong>br</strong> />
O porto de Kobe estava lotado de pessoas que haviam<<strong>br</strong> />
vindo se despedir dos emigrantes que partiam rumo ao Brasil,<<strong>br</strong> />
incluindo os alunos da escola situada nas proximidades.<<strong>br</strong> />
Centenas de bandeiras japonesas tremulavam no cais.<<strong>br</strong> />
Vencendo a multidão que se aglomerava, <strong>Haru</strong> viu, pela<<strong>br</strong> />
primeira vez na vida, um grande navio atracado no cais. Era<<strong>br</strong> />
o vapor Santos Maru, navio de imigração que transportaria<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e os demais emigrantes para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Centenas de familiares embarcavam em grupos, buscando<<strong>br</strong> />
a última esperança no Novo Mundo, ainda por eles<<strong>br</strong> />
desconhecido. Tendo subido o passadiço, já não mais se podia<<strong>br</strong> />
retornar à terra. Estava para <strong>com</strong>eçar uma viagem de um mês<<strong>br</strong> />
e meio no mar.<<strong>br</strong> />
Apesar de ser o local onde passariam bastante tempo, o<<strong>br</strong> />
ambiente do navio não podia ser chamado, exatamente, de<<strong>br</strong> />
confortável. Os camarotes não eram individuais. Era um<<strong>br</strong> />
espaço parecido <strong>com</strong> um depósito onde haviam sido montados<<strong>br</strong> />
diversos beliches de tubos de ferro. Chamavam-nos de<<strong>br</strong> />
"prateleiras para criação de bichos-de-seda" e eram espaços<<strong>br</strong> />
sem privacidade, isolados apenas <strong>com</strong> cortinas. Era ali que<<strong>br</strong> />
diversas famílias viveriam juntas durante a viagem.<<strong>br</strong> />
De qualquer modo, <strong>Haru</strong> e os demais mem<strong>br</strong>os da família<<strong>br</strong> />
Takakura descarregaram os seus pertences nos espaços a eles<<strong>br</strong> />
reservados.<<strong>br</strong> />
Logo o navio estaria zarpando. Outras famílias foram para<<strong>br</strong> />
- 45 -
o convés, mas não havia ninguém para se despedir dos<<strong>br</strong> />
Takakura. Assim, <strong>com</strong>eçaram a desmanchar as suas bagagens<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> calma. Não se tratava de um adeus definitivo ao Japão,<<strong>br</strong> />
pois o retorno seria em apenas três anos.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não parava de pensar na sua irmã <strong>Natsu</strong>. Prometera<<strong>br</strong> />
que estariam sempre juntas, mas acabou descumprindo a<<strong>br</strong> />
promessa por não querer voltar para Hokkaido. <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />
censurava por isso. Da janela redonda da cabine podia<<strong>br</strong> />
enxergar o cais.<<strong>br</strong> />
Os colegiais ali reunidos, entoavam o Hino de Despedida<<strong>br</strong> />
aos Patrícios que Emigram para o Brasil:<<strong>br</strong> />
"Avante <strong>com</strong>patriotas, cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />
Para o Brasil, na longínqua América do Sul<<strong>br</strong> />
Irradia a luz da Pátria<<strong>br</strong> />
E quão corajosa é a partida de hoje.<<strong>br</strong> />
Viva! Viva! Muitas vivas!"<<strong>br</strong> />
De repente, <strong>Haru</strong> saiu correndo para fora da cabine.<<strong>br</strong> />
- Eu vou ver o navio zarpar!<<strong>br</strong> />
- Eu também!<<strong>br</strong> />
Shigeru saiu correndo atrás de <strong>Haru</strong> e Minoru também<<strong>br</strong> />
seguiu o irmão.<<strong>br</strong> />
- Estou preocupado <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
Com estas palavras ditas para Shizu, Chüji também saiu<<strong>br</strong> />
às pressas da cabine.<<strong>br</strong> />
- 46 -
O convés estava lotado de passageiros que se despediam<<strong>br</strong> />
do Japão e cada um segurava as pontas de diversas serpentinas<<strong>br</strong> />
coloridas. As fitas de serpentina eram os últimos laços que<<strong>br</strong> />
uniam os emigrantes no convés aos familiares e amigos que<<strong>br</strong> />
se despediam no cais.<<strong>br</strong> />
Os emigrantes haviam desistido de viver no Japão e<<strong>br</strong> />
estavam rumando para o Brasil, quer fosse para ganhar<<strong>br</strong> />
dinheiro, quer fosse para fugir do Japão. Entretanto, no último<<strong>br</strong> />
momento da despedida, já sentiam saudades da terra natal.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> corria pelo convés. Correndo, olhou para o cais,<<strong>br</strong> />
quando avistou <strong>Natsu</strong>, que vinha correndo desesperadamente<<strong>br</strong> />
rumo ao navio.<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>!...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhou para cima, reconhecendo a voz de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Mana, eu também vou! Eu também quero ir junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
vocês.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> aquiesceu <strong>com</strong> a cabeça e atravessou correndo o<<strong>br</strong> />
convés onde se aglomeravam pessoas e mais pessoas que<<strong>br</strong> />
gritavam vivas e mais vivas. Finalmente, encontrou o lugar<<strong>br</strong> />
onde estava o passadiço para descer do navio, mas assim que<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>iu o portão de segurança, foi barrada por um tripulante<<strong>br</strong> />
assustado, que impediu <strong>Haru</strong> de ir adiante, imobilizando-a.<<strong>br</strong> />
Na parte inferior do passadiço, <strong>Natsu</strong> também procurava<<strong>br</strong> />
se livrar desesperadamente de um outro tripulante que tentava<<strong>br</strong> />
impedir que ela subisse. Ela gritava agarrada ao corrimão:<<strong>br</strong> />
-Não me deixe!<<strong>br</strong> />
- Eu vou ficar no Japão <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Vou descer. Deixe-<<strong>br</strong> />
- 47 -
me descer!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, desesperada, mordeu a mão do tripulante que a<<strong>br</strong> />
segurava. E no instante em que foi solta, desceu o passadiço.<<strong>br</strong> />
Ao mesmo tempo, <strong>Natsu</strong> também conseguira se desvencilhar<<strong>br</strong> />
e correu em direção a <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
E assim, <strong>Haru</strong> conseguiu agarrar <strong>Natsu</strong> nos seus <strong>br</strong>aços.<<strong>br</strong> />
Naquele instante, o tempo pareceu ter parado.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>, que estupidez!<<strong>br</strong> />
Chüji desceu correndo o passadiço, aos gritos, segurando<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong> força, tentando levá-la de volta ao navio. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
também foi agarrada, pelas costas, por um tripulante. As duas<<strong>br</strong> />
mãos fortemente entrelaçadas das irmãs acabaram se soltando.<<strong>br</strong> />
Os dedos flutuaram no vazio.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, carregada por Chüji, ainda tentou resistir.<<strong>br</strong> />
- Não posso deixar <strong>Natsu</strong> sozinha!<<strong>br</strong> />
-Mana!<<strong>br</strong> />
Mesmo depois que fora carregada pelos tripulantes para<<strong>br</strong> />
fora do passadiço, <strong>Natsu</strong> não parou de gritar.<<strong>br</strong> />
- Mana! Mana!<<strong>br</strong> />
Continuou a chamar inúmeras vezes, enquanto pôde falar.<<strong>br</strong> />
- Tenha paciência! Agüente firme por três anos!<<strong>br</strong> />
- exclamou Chûji.<<strong>br</strong> />
Começaram a bater o gongo, cujo som ecoava sem<<strong>br</strong> />
piedade, anunciando a partida do navio. A um sinal, o<<strong>br</strong> />
passadiço foi retirado e gritos cada vez mais fortes de viva<<strong>br</strong> />
partiam tanto dos que haviam embarcado no navio <strong>com</strong>o da<<strong>br</strong> />
multidão que se aglomerava no cais.<<strong>br</strong> />
- 48 -
Os gritos de <strong>Natsu</strong>, que, ofegante, continuava a chamar pela<<strong>br</strong> />
irmã, transformaram-se em apelos.<<strong>br</strong> />
-Mana...<<strong>br</strong> />
O navio lentamente deixou o cais e as serpentinas<<strong>br</strong> />
coloridas se romperam flutuando nas águas. A distância foi<<strong>br</strong> />
se a<strong>br</strong>indo entre <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
"Avante <strong>com</strong>patriotas cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />
Para o Brasil, na longíngua América do Sul"<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> já não conseguia ouvir nem a canção, nem os vivas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficou soluçando no meio da multidão que acenava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
as mãos e desfraldava bandeiras do Japão. A medida em que<<strong>br</strong> />
o navio se distanciava, as pessoas que se aglomeravam<<strong>br</strong> />
próximas a <strong>Natsu</strong> recuavam, <strong>com</strong>o as águas do mar na maré<<strong>br</strong> />
vazante. Por fim, <strong>Natsu</strong> ficou solitária na ponta do cais.<<strong>br</strong> />
A silhueta da menina parecia muito frágil e triste,<<strong>br</strong> />
despertando sentimentos de <strong>com</strong>paixão.<<strong>br</strong> />
- Foi uma despedida realmente dolorosa.<<strong>br</strong> />
Ao recordar aquela despedida, <strong>Haru</strong> ainda sentia as<<strong>br</strong> />
mesmas dores, mesmo decorridos 70 anos.<<strong>br</strong> />
- Senti que o meu corpo estava sendo rasgado em dois<<strong>br</strong> />
pedaços. Mesmo depois que o navio se afastou, permaneci<<strong>br</strong> />
no convés e continuei a olhar para o cais. Na sua extremidade,<<strong>br</strong> />
podia ver <strong>Natsu</strong>, parada, sozinha... Aquela imagem ainda<<strong>br</strong> />
continua gravada na minha memória. Po<strong>br</strong>ezinha, <strong>com</strong>o deve<<strong>br</strong> />
ter se sentido triste e insegura! Depois daquilo, ela ainda teve<<strong>br</strong> />
que ficar sozinha... Ela ficou esperando a avó vir buscá-la,<<strong>br</strong> />
- 49 -
naquela enorme hospedaria vazia. Pensando no sentimento<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong> naquela hora, não posso recriminá-la por guardar<<strong>br</strong> />
ressentimentos de nós.<<strong>br</strong> />
Com o ambiente pesado que pairava no quarto, Yamato<<strong>br</strong> />
se aproximou da janela <strong>com</strong>o se sentisse falta de ar. Sem<<strong>br</strong> />
perceberem, fora da janela <strong>com</strong> cortina de renda estava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente escuro. Já era noite.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava <strong>com</strong>pletamente abatida <strong>com</strong> as dores que<<strong>br</strong> />
carregava há 70 anos e parecia nem se dar conta da presença<<strong>br</strong> />
de Yamato.<<strong>br</strong> />
- Apesar de ter prometido de forma tão veemente, nunca<<strong>br</strong> />
mais pudemos ver <strong>Natsu</strong>, desde aquele dia em que nos<<strong>br</strong> />
separamos no cais...<<strong>br</strong> />
A vida no Brasil não era nada fácil, <strong>com</strong>o sonhavam os<<strong>br</strong> />
imigrantes. Mesmo que quisessem, era impossível voltar.<<strong>br</strong> />
Foram 70 anos lutando contra esse conflito interno.<<strong>br</strong> />
- Escrevi muitas e muitas cartas à <strong>Natsu</strong>, contando da<<strong>br</strong> />
vida no Brasil. Porém, por uma razão ou outra, <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />
recebeu as cartas. <strong>Natsu</strong> também disse que enviou cartas para<<strong>br</strong> />
o Brasil, mas eu não as recebi. Desde aquela separação no<<strong>br</strong> />
cais, não soubemos que tipo de vida cada uma levou, e só<<strong>br</strong> />
nos reencontramos hoje, de forma repentina.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> permanecera no convés até <strong>Natsu</strong> desaparecer<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente da sua vista. Ficara pensando se <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
conseguira voltar até a Hospedaria, em <strong>com</strong>o ela teria passado<<strong>br</strong> />
o tempo sozinha até que a avó viesse buscá-la. Certamente<<strong>br</strong> />
- 50 -
sentira-se abandonada. Por mais que <strong>Haru</strong> se preocupasse <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a irmã, os seus sentimentos não haviam chegado a ela.<<strong>br</strong> />
Além disso, pensara de que forma ela teria vivido em<<strong>br</strong> />
Hokkaido, se a tia lhe dera <strong>com</strong>ida e se não teria sido judiada<<strong>br</strong> />
por Kyûsaku e demais primos.<<strong>br</strong> />
- Como será que ela viveu nesses 70 anos? Não sei de<<strong>br</strong> />
nada! <strong>Natsu</strong>, igualmente, não sabe nada de nós! Ela não sabe<<strong>br</strong> />
que eu queria encontrá-la o mais rápido possível, que trabalhei<<strong>br</strong> />
arduamente pensando somente em voltar para buscá-la, que<<strong>br</strong> />
tive motivos para não poder cumprir a promessa de voltar<<strong>br</strong> />
em três anos. Ela não tem culpa em achar que foi abandonada.<<strong>br</strong> />
E acho que ela não vai acreditar, mesmo que eu conte tudo<<strong>br</strong> />
agora... Tenho que me conformar. Afinal, acho que essa era<<strong>br</strong> />
a nossa sina.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava tão abatida que dava pena. Para <strong>Natsu</strong>, a<<strong>br</strong> />
realidade era uma só. As promessas não tinham sido<<strong>br</strong> />
cumpridas.<<strong>br</strong> />
- Mas, vovó, onde foram parar as cartas que a senhora<<strong>br</strong> />
escreveu? Se a dona <strong>Natsu</strong> tivesse lido suas cartas, ela teria<<strong>br</strong> />
entendido...<<strong>br</strong> />
- Deixe... Vamos esquecer... <strong>Natsu</strong> agora é presidente de<<strong>br</strong> />
uma grande empresa. Saber disso já me conforta e acho que<<strong>br</strong> />
valeu a pena ter vindo ao Japão. O que importa é que ela está<<strong>br</strong> />
feliz agora.<<strong>br</strong> />
- Como é triste essa história toda... Ela é a sua única<<strong>br</strong> />
irmã...<<strong>br</strong> />
- O que tinha que ser feito, fizemos. Estou <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
- 51 -
consciência tranqüila. Vamos agora procurar um quarto para<<strong>br</strong> />
você em Tóquio e, depois que eu me certificar que se<<strong>br</strong> />
matriculou direitinho na faculdade, voltarei para o Brasil.<<strong>br</strong> />
- Ué? A senhora não disse que se a sua irmã estivesse<<strong>br</strong> />
viva e pudesse reencontrá-la, queria passar a velhice <strong>com</strong> ela<<strong>br</strong> />
no Japão? Não disse que, <strong>com</strong>o japonesa, queria morrer e ser<<strong>br</strong> />
enterrada em solo japonês?<<strong>br</strong> />
A insistência de Yamato, <strong>Haru</strong> respondeu <strong>com</strong> um sorriso<<strong>br</strong> />
triste.<<strong>br</strong> />
Dias depois, no gabinete da presidência da Indústria de<<strong>br</strong> />
Doces Hokuô, <strong>Natsu</strong> Yamabe estava concentrada na leitura<<strong>br</strong> />
de papéis <strong>com</strong> uma fisionomia séria. O seu semblante se<<strong>br</strong> />
tornou ainda mais sério, quando alguém bateu em sua mesa<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> os dedos.<<strong>br</strong> />
Era o seu filho primogênito Teruhiko, que, sem ligar para<<strong>br</strong> />
as preocupações da mãe, sentou à vontade no sofá, num<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>portamento insolente. Tirou a gravata que parecia ser de<<strong>br</strong> />
alguma marca famosa, enfiando-a de qualquer jeito no bolso<<strong>br</strong> />
do paletó.<<strong>br</strong> />
- É verdade que uma velha, que diz ser sua irmã, veio do<<strong>br</strong> />
Brasil <strong>com</strong> o neto?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> fulminou <strong>com</strong> os olhos o secretário que estava de<<strong>br</strong> />
pé, ao seu lado. Ota, o secretário, se ajeitou de forma<<strong>br</strong> />
desconfortável. Teria sido ele quem falara de <strong>Haru</strong> para o<<strong>br</strong> />
seu filho.<<strong>br</strong> />
Teruhiko era um homem maduro, <strong>com</strong> seus 58 anos e<<strong>br</strong> />
- 52 -
não seria estranho se estivesse sentado no assento de presidente<<strong>br</strong> />
da empresa, mas parecia que <strong>Natsu</strong> não pretendia ceder-lhe o<<strong>br</strong> />
lugar.<<strong>br</strong> />
Teruhiko, por sua vez, parecia ter insatisfações<<strong>br</strong> />
acumuladas. Uma delas era que <strong>Natsu</strong> participara de um<<strong>br</strong> />
programa de TV. Ela fora apresentada no programa "Top<<strong>br</strong> />
Woman", <strong>com</strong>o uma mulher vigorosa, uma super-empresária<<strong>br</strong> />
que conseguira erguer a Indústria de Doces Hokuô numa única<<strong>br</strong> />
geração. Quando alguém se tornava famoso, <strong>com</strong>eçava-se a<<strong>br</strong> />
juntar gente à sua volta e, entre elas havia as que não eram de<<strong>br</strong> />
boa índole.<<strong>br</strong> />
- Começam a aparecer os que se dizem parentes, amigos<<strong>br</strong> />
de infância, e sabe-se lá quem são. Ao final, acaba aparecendo<<strong>br</strong> />
uma tal de irmã do Brasil que não a vê há dezenas de anos.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> pareceu ignorar o <strong>com</strong>entário e nem levantou o<<strong>br</strong> />
rosto dos papéis que estava lendo.<<strong>br</strong> />
- Parece-me que, dias atrás, a senhora recebeu uma carta<<strong>br</strong> />
de uma velha, que dizia ser sua "prima" e que foram criadas<<strong>br</strong> />
juntas em Hokkaido. A carta dizia que ela achava que a<<strong>br</strong> />
senhora era a pequena <strong>Natsu</strong> e, que se fosse, queria reencontrála.<<strong>br</strong> />
A senhora não vai me dizer que respondeu à carta, vai?<<strong>br</strong> />
Olha, não se sabe o que essa gente está tramando, sabendo<<strong>br</strong> />
que a senhora tem dinheiro. Essa velha também, que diz ser<<strong>br</strong> />
sua irmã, é a mesma coisa. É melhor tomar cuidado!<<strong>br</strong> />
- Você veio só para falar isso?<<strong>br</strong> />
- É que a senhora é muito ingênua.<<strong>br</strong> />
Teruhiko estava preocupado <strong>com</strong> o descaramento das<<strong>br</strong> />
- 53 -
pessoas que se aproximavam da mãe. Desta vez, não se tratava<<strong>br</strong> />
de prima e sim de uma irmã que não ficou somente nas cartas,<<strong>br</strong> />
mas resolvera ir até a empresa para forçar um encontro.<<strong>br</strong> />
- Não lhe interessa <strong>com</strong> quem mantenho relação ou o<<strong>br</strong> />
que eu faço. Retirei você e o Kimihiko do quadro da diretoria<<strong>br</strong> />
da empresa. Não sei <strong>com</strong> que cara você aparece aqui ainda.<<strong>br</strong> />
Seus palpites são desnecessários nos meus negócios. Montei<<strong>br</strong> />
uma firma para você e outra para o Kimihiko. Vocês já não<<strong>br</strong> />
têm nenhuma relação <strong>com</strong> a Indústria de Doces Hokuô. É<<strong>br</strong> />
incômodo vê-lo perambular por aqui.<<strong>br</strong> />
Tendo sido tratado pela própria mãe <strong>com</strong>o se fosse um<<strong>br</strong> />
estranho no ninho, Teruhiko demonstrou claramente a sua<<strong>br</strong> />
insatisfação pelo tratamento recebido. Era quase um<<strong>br</strong> />
sexagenário, mas deixava transparecer um ar de filho mimado<<strong>br</strong> />
que queria se aproximar da mãe.<<strong>br</strong> />
Aliás, Kimihiko era o segundo filho de <strong>Natsu</strong> e assim<<strong>br</strong> />
ficava evidente que tanto o primogênito quanto o segundo<<strong>br</strong> />
filho tinham sido destituídos dos cargos de diretores da<<strong>br</strong> />
Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />
Deixando transparecer que a conversa havia terminado,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se preparou para sair e disse ao seu secretário:<<strong>br</strong> />
- Vou sair. Chame o carro.<<strong>br</strong> />
- Para onde a senhora vai?<<strong>br</strong> />
- Hoje volto direto para casa.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a gaveta de sua escrivaninha e <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />
não queria nada, retirou um envelope e o guardou na sua bolsa.<<strong>br</strong> />
- Como? Eu vim aqui para falar da nova empresa.<<strong>br</strong> />
- 54 -
- reclamou Teruhiko.<<strong>br</strong> />
- Se é para dar mais dinheiro, não darei mais. Dei o mesmo<<strong>br</strong> />
valor para você e para o Kimihiko, para usarem <strong>com</strong>o capital<<strong>br</strong> />
de seus empreendimentos. Não posso dar atenção especial<<strong>br</strong> />
só para você.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> saiu do gabinete, deixando Teruhiko para trás,<<strong>br</strong> />
inconformado.<<strong>br</strong> />
O automóvel de <strong>Natsu</strong> mudou de direção durante o<<strong>br</strong> />
percurso. <strong>Natsu</strong>, sentada no banco traseiro, tirou da bolsa um<<strong>br</strong> />
envelope cujo remetente era Ine Nakahara. O carro parou<<strong>br</strong> />
numa ruela apinhada de casas pequenas e velhas no meio de<<strong>br</strong> />
pequenas fá<strong>br</strong>icas, no subúrbio de Tóquio.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apertou a campainha de uma casa popular e uma<<strong>br</strong> />
mulher de meia idade atendeu a porta. Ao ver <strong>Natsu</strong>, a<strong>br</strong>iu<<strong>br</strong> />
um sorriso <strong>com</strong>o querendo dizer "É ela!"<<strong>br</strong> />
- Chamo-me <strong>Natsu</strong> Yamabe. Recebi a carta de dona Ine<<strong>br</strong> />
e queria vê-la de todo jeito.<<strong>br</strong> />
- Então, a senhora é realmente a pessoa que a minha sogra<<strong>br</strong> />
estava <strong>com</strong>entando. Espere um pouco. Ela ficará muito feliz.<<strong>br</strong> />
A mulher, que aparentemente era a nora de Ine Nakahara,<<strong>br</strong> />
convidou <strong>Natsu</strong> a entrar na casa e correu para dentro,<<strong>br</strong> />
chamando pela sogra.<<strong>br</strong> />
A casa parecia não dispor de uma sala de visitas. Havia<<strong>br</strong> />
um cômodo que parecia ser uma sala de estar onde haviam<<strong>br</strong> />
diversas cômodas e so<strong>br</strong>e uma delas estavam colocados, de<<strong>br</strong> />
forma desordenada, bonecas, telefone etc.<<strong>br</strong> />
- 55 -
Ine parecia ser uma mulher totalmente acostumada a levar a<<strong>br</strong> />
vida <strong>com</strong>o sogra. Aparentava ter cerca de 80 anos e recebeu a<<strong>br</strong> />
visita inesperada de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> alegria e um sorriso<<strong>br</strong> />
despreocupado.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada por ter vindo. Enviei a carta, mas <strong>com</strong>o não<<strong>br</strong> />
recebi resposta, pensei que havia me enganado. Não<<strong>br</strong> />
imaginava que pudéssemos nos encontrar <strong>com</strong> saúde outra<<strong>br</strong> />
vez...<<strong>br</strong> />
- Você foi muito boa <strong>com</strong>igo nos tempos em que vivi em<<strong>br</strong> />
Hokkaido...<<strong>br</strong> />
- Você foi deixada pela família que foi para o Brasil e<<strong>br</strong> />
voltou sozinha para Hokkaido. Sentia muita pena de você.<<strong>br</strong> />
Naquela época, não podíamos fazer nada para ajudá-la, pois<<strong>br</strong> />
vivíamos na miséria... E, antes de <strong>com</strong>pletar um ano você<<strong>br</strong> />
fugiu de casa... E não voltou mais. Não sabíamos do seu<<strong>br</strong> />
paradeiro... Pensávamos que você tinha morrido há muito<<strong>br</strong> />
tempo.<<strong>br</strong> />
Ine disfarçou a fala <strong>com</strong> riso, procurando dar um tom de<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>incadeira.<<strong>br</strong> />
- Por isso, quando eu a vi na televisão, não acreditei.<<strong>br</strong> />
- Realmente, é o destino. Hoje, vim aqui para perguntar<<strong>br</strong> />
algo daquela época.<<strong>br</strong> />
- Você sabe se a minha irmã mandou cartas do Brasil?<<strong>br</strong> />
Bem, é coisa de 70 anos atrás. Sei que é difícil, mas pensei<<strong>br</strong> />
que talvez você se lem<strong>br</strong>asse de algo... Não teriam chegado<<strong>br</strong> />
cartas depois que eu fugi de casa....?<<strong>br</strong> />
- 56 -
Naquele momento, Misa, a nora, trouxe chá para <strong>Natsu</strong>. Ine<<strong>br</strong> />
fez sinal para a nora, que tirou um pacote que estava guardado<<strong>br</strong> />
no altar budista, colocando-o na mesa.<<strong>br</strong> />
- Pois é... Eu estava exatamente preocupada <strong>com</strong> as cartas.<<strong>br</strong> />
Por isso é que lhe escrevi quando a vi na televisão, pensando<<strong>br</strong> />
se não seria você...<<strong>br</strong> />
- Minha falecida mãe me incumbiu, à beira da morte, de<<strong>br</strong> />
entregar estas cartas, caso viesse a me reencontrar <strong>com</strong> você...<<strong>br</strong> />
Mas <strong>com</strong>o eu não sabia do seu paradeiro... Deixei-as<<strong>br</strong> />
guardadas, sem conseguir jogá-las fora.<<strong>br</strong> />
Ine a<strong>br</strong>iu o pacote que em<strong>br</strong>ulhava uma caixa velha.<<strong>br</strong> />
Retirando-lhe a tampa, podia-se ver diversas cartas amarradas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> barbante. <strong>Natsu</strong> olhou incrédula para o maço de cartas.<<strong>br</strong> />
- Nunca pensei que um dia pudesse lhe entregar estas<<strong>br</strong> />
cartas.<<strong>br</strong> />
- Todas essas cartas foram enviadas por minha irmã?<<strong>br</strong> />
Acenando positivamente, Ine empurrou o maço de cartas<<strong>br</strong> />
para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ine era a filha dos tios Yosaku e Kane, que haviam ficado<<strong>br</strong> />
em Hokkaido. Era a irmã menor de Kyusaku e Kenta, que<<strong>br</strong> />
judiavam de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>. Portanto, tratava-se de uma prima,<<strong>br</strong> />
a única que tratara <strong>Natsu</strong>, que ficara sozinha no Japão, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
carinho.<<strong>br</strong> />
A família de Yosaku ficou em Hokkaido até o término<<strong>br</strong> />
da guerra, tentando se dedicar à lavoura. Mas as dívidas se<<strong>br</strong> />
avolumaram e saíram de lá <strong>com</strong>o se estivessem fugindo dos<<strong>br</strong> />
- 57 -
credores. Sacrifícaram-se muito em busca de emprego. Kyûsaku<<strong>br</strong> />
e outros conseguiram emprego de torneiro mecânico naquela<<strong>br</strong> />
cidade e assim todos fixaram a residência naquele lugar. Ainda<<strong>br</strong> />
assim, temendo ser procurados pelos credores, tiveram que<<strong>br</strong> />
ocultar o endereço por muito tempo.<<strong>br</strong> />
Assim, as cartas que estavam na posse de Ine eram as<<strong>br</strong> />
que haviam sido enviadas até o término de guerra. Mesmo<<strong>br</strong> />
que <strong>Haru</strong> tivesse escrito depois, o destinatário seria<<strong>br</strong> />
considerado desconhecido.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> pegou a carta que estava em cima do maço e que<<strong>br</strong> />
parecia ser a primeira enviada por <strong>Haru</strong>. Viu a data aposta no<<strong>br</strong> />
envelope descolorido. A carta chegara antes de <strong>Natsu</strong> ter<<strong>br</strong> />
fugido da casa dos tios.<<strong>br</strong> />
Ine sabia o porquê das dúvidas de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- É verdade. A mamãe pediu que a desculpasse por isso...<<strong>br</strong> />
Junto <strong>com</strong> a carta havia dinheiro e <strong>com</strong>o ela acabou se<<strong>br</strong> />
apossando dos valores ali contidos, não pôde lhe entregar as<<strong>br</strong> />
cartas.<<strong>br</strong> />
Ouvindo as explicações de Ine, <strong>Natsu</strong> estava atônita. Seu<<strong>br</strong> />
sentimento havia ultrapassado a ira.<<strong>br</strong> />
- Mamãe ficou <strong>com</strong> peso na consciência até a hora da<<strong>br</strong> />
morte. Parece que ela leu todas as cartas, mas o seu maior<<strong>br</strong> />
remorso foi que os sentimentos de <strong>Haru</strong> não puderam ser<<strong>br</strong> />
transmitidos a você, <strong>Natsu</strong>. Mas foi bom ter conseguido<<strong>br</strong> />
entregar-lhe as cartas. Talvez seja muito tarde entregá-las<<strong>br</strong> />
somente agora...<<strong>br</strong> />
- Agradeço por você tê-las guardado... Muito o<strong>br</strong>igada!<<strong>br</strong> />
- 58 -
- Essas cartas são de quando ela tinha nove anos até mais ou<<strong>br</strong> />
menos 16 anos. Em Hokkaido, ela mal foi à escola. Então, ela<<strong>br</strong> />
deve ter feito muito esforço para escrevê-las. Se o sentimento<<strong>br</strong> />
por você não fosse tão forte, ela não poderia ter escrito tantas<<strong>br</strong> />
cartas.<<strong>br</strong> />
Com a consciência tranqüila por ter conseguido entregar<<strong>br</strong> />
as cartas para o seu destinatário, Ine passou a recordar o<<strong>br</strong> />
passado <strong>com</strong> muito saudosismo. <strong>Haru</strong> protegia <strong>Natsu</strong> e sempre<<strong>br</strong> />
enfrentava Kyûsaku e Kenta nas <strong>br</strong>igas. Mesmo as crianças<<strong>br</strong> />
tinham sentimentos ásperos motivados pela po<strong>br</strong>eza, pela falta<<strong>br</strong> />
de <strong>com</strong>ida. Estavam sempre irritados e <strong>br</strong>igavam<<strong>br</strong> />
constantemente sem necessidade, devido a pequenas coisas.<<strong>br</strong> />
Os anos se passaram sem que Ine tivesse tido notícias de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e de sua família, que emigraram para o Brasil. Aos<<strong>br</strong> />
poucos foi diminuindo o número de pessoas ao seu redor e<<strong>br</strong> />
hoje não havia mais ninguém <strong>com</strong> quem podia conversar<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e Hokkaido.<<strong>br</strong> />
- Você sabe o que <strong>Haru</strong> está fazendo atualmente?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, ainda atônita, voltou a si e abanou a cabeça<<strong>br</strong> />
negativamente, dizendo:<<strong>br</strong> />
-Não...<<strong>br</strong> />
A luz se acendeu no andar superior da luxuosa mansão<<strong>br</strong> />
dos Yamabe. Era o quarto de <strong>Natsu</strong>. Tendo voltado para casa,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficou a contemplar por alguns momentos o maço de<<strong>br</strong> />
cartas que estava guardado longe de seus olhos.<<strong>br</strong> />
As cartas estavam endereçadas <strong>com</strong> a caligrafia<<strong>br</strong> />
- 59 -
caprichada de <strong>Haru</strong>. O endereço estava escrito em katakana,<<strong>br</strong> />
fonograma mais simples, <strong>com</strong> exceção do país e província:<<strong>br</strong> />
Hokkaido, Japão, em ideograma chinês. No verso, estava<<strong>br</strong> />
escrito o endereço do Brasil. Os dedos de <strong>Natsu</strong> ficaram<<strong>br</strong> />
paralisados por um instante, em cima do endereço.<<strong>br</strong> />
Ao a<strong>br</strong>ir a carta, viam-se alinhadas as letras caprichadas<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong>. <strong>Natsu</strong> teve a impressão de que ouvia a voz de <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
cheia de ternura.<<strong>br</strong> />
"<strong>Natsu</strong>, finalmente chegamos no Brasil. Uma viagem<<strong>br</strong> />
de mais ou menos 47 dias, vendo, diariamente,<<strong>br</strong> />
somente o mar... Realmente viemos parar bem longe.<<strong>br</strong> />
Durante todo o trajeto, eu e mamãe falamos de você<<strong>br</strong> />
e choramos. No navio, puseram-nos numa cabine<<strong>br</strong> />
grande, na terceira classe.<<strong>br</strong> />
No quarto, viajavam também a família Yamashita,<<strong>br</strong> />
da província de Chiba, <strong>com</strong>posta de quatro pessoas,<<strong>br</strong> />
e o casal Nakayama, da província de Hiroshima.<<strong>br</strong> />
Não podemos reclamar, pois estamos viajando de<<strong>br</strong> />
graça. A família Yamashita é <strong>com</strong>posta de pai, mãe,<<strong>br</strong> />
e dois rapazes, mais ou menos da idade dos nossos<<strong>br</strong> />
manos. O casal Nakayama disse que vai ajudar o<<strong>br</strong> />
tio, que imigrou anteriormente para o Brasil. "<<strong>br</strong> />
Quase todos os navios de emigração no período anterior<<strong>br</strong> />
à Segunda Guerra Mundial, tomaram a rota ocidental. O navio<<strong>br</strong> />
onde viajava a família de <strong>Haru</strong> também seguira o mesmo<<strong>br</strong> />
- 60 -
umo. Tendo saído de Kobe, seguira para Hong Kong, Cingapura,<<strong>br</strong> />
Sri Lanka 1 , e, do<strong>br</strong>ando o Cabo da Boa Esperança, na África,<<strong>br</strong> />
finalmente chegava ao Brasil.<<strong>br</strong> />
Durante um mês e meio de viagem em que o navio<<strong>br</strong> />
percorria metade do diâmetro do globo terrestre, os imigrantes<<strong>br</strong> />
permaneciam juntos. Para passar o tempo, organizavam festas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>emorativas pela passagem da linha do Equador, gincanas<<strong>br</strong> />
esportivas e outros eventos.<<strong>br</strong> />
Os pais também se divertiam participando das gincanas<<strong>br</strong> />
esportivas. Nas mãos que normalmente puxavam enxadas,<<strong>br</strong> />
levavam colheres <strong>com</strong> bolas, disputando, para ver quem<<strong>br</strong> />
chegava primeiro, sem derrubá-las.<<strong>br</strong> />
As pessoas se sentiam inseguras na medida em que o dia<<strong>br</strong> />
da chegada ao Brasil se aproximava. Todos sentiam uma<<strong>br</strong> />
mescla de tensão e insegurança, embora houvesse uma grande<<strong>br</strong> />
expectativa na vida que os aguardava no Novo Mundo. As<<strong>br</strong> />
gincanas serviam para aliviar temporariamente a tensão e<<strong>br</strong> />
contribuíam, também, para fazer novas amizades e<<strong>br</strong> />
relacionamentos.<<strong>br</strong> />
Na verdade, a maioria dos emigrantes provinha de famílias<<strong>br</strong> />
rurais pouco abastadas e as circunstâncias de origem eram<<strong>br</strong> />
parecidas. Assim, não precisavam de muito tempo para<<strong>br</strong> />
estreitarem o relacionamento entre si.<<strong>br</strong> />
Conhecendo-se uns aos outros, era possível falar de<<strong>br</strong> />
assuntos mais reservados. Aos poucos ia surgindo e crescendo<<strong>br</strong> />
1 N.T.: Na época denominava-se Ceilão.<<strong>br</strong> />
- 61 -
o sentimento de <strong>com</strong>panheirismo. Fortaleceu-se, assim, o<<strong>br</strong> />
sentimento de fazerem parte de uma <strong>com</strong>unidade, auxiliandose<<strong>br</strong> />
mutuamente.<<strong>br</strong> />
Aos poucos, isto ia tendo um significado maior, exercendo<<strong>br</strong> />
influência na vida de cada um.<<strong>br</strong> />
A família Takakura conseguira se entrosar <strong>com</strong> a família<<strong>br</strong> />
Yamashita, <strong>com</strong>posta de quatro pessoas, e <strong>com</strong> um jovem<<strong>br</strong> />
casal chamado Nakayama. O marido, Shozo, tinha 25 anos e<<strong>br</strong> />
a esposa, Mitsu, apenas 20 anos.<<strong>br</strong> />
- Invejável! - Shizu falou a Shozo. - Vocês estão indo<<strong>br</strong> />
para a fazenda própria do seu tio no Brasil, não é? Que bom!<<strong>br</strong> />
Não precisam se preocupar <strong>com</strong> nada!<<strong>br</strong> />
- Parece que ele tem muitos empregados, mas está<<strong>br</strong> />
precisando de alguém que cuide da contabilidade. Então, ele<<strong>br</strong> />
me chamou para ir de Hiroshima para lá.<<strong>br</strong> />
- Que sucesso seu tio teve no Brasil!<<strong>br</strong> />
Tanto Shizu <strong>com</strong>o Chûji pensaram que apenas pelo fato<<strong>br</strong> />
de terem conhecidos no Brasil, poderiam se sentir bem mais<<strong>br</strong> />
confortáveis.<<strong>br</strong> />
Passou-se um quarto de século desde que os japoneses<<strong>br</strong> />
chegaram pela primeira vez no Brasil <strong>com</strong>o imigrantes. Já<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçava a aparecer alguns fazendeiros japoneses, que<<strong>br</strong> />
conseguiram possuir a sua própria fazenda, decididos a viver<<strong>br</strong> />
no Brasil, fincando ali as suas raízes. Havia, até mesmo,<<strong>br</strong> />
alguns bem-sucedidos fazendeiros que ampliavam suas<<strong>br</strong> />
propriedades, arrendando ou vendendo parte de suas terras<<strong>br</strong> />
para os imigrantes recém-chegados. Eram, contudo, uma<<strong>br</strong> />
- 62 -
minoria, considerando o total de imigrantes existentes até<<strong>br</strong> />
então.<<strong>br</strong> />
O tio de Shozo Nakayama era um desses imigrantes<<strong>br</strong> />
bem- sucedidos. Shozo decidira emigrar para o Brasil porque,<<strong>br</strong> />
além de ser contratado pelo tio, queria ampliar seus horizontes,<<strong>br</strong> />
saindo do Japão que se encontrava num período de forte<<strong>br</strong> />
recessão.<<strong>br</strong> />
Heizo Yamashita ia ao Brasil em busca de riqueza fácil.<<strong>br</strong> />
Como não conhecia ninguém, teria de <strong>com</strong>eçar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
trabalhador na lavoura, mas o objetivo não era tornar-se<<strong>br</strong> />
fazendeiro. Pretendia trabalhar alguns anos e, conseguindo<<strong>br</strong> />
juntar dinheiro, largar o campo e <strong>com</strong>eçar um grande<<strong>br</strong> />
empreendimento. Ele pensava em fazer uma fortuna no Brasil.<<strong>br</strong> />
- Um país pequeno e insular <strong>com</strong>o o Japão não tem futuro.<<strong>br</strong> />
O Brasil é grande, é extenso... é um país do futuro. É um país<<strong>br</strong> />
promissor, seja lá o que for. Eu pretendo ficar definitivamente,<<strong>br</strong> />
enterrar os meus ossos por lá.<<strong>br</strong> />
- Então, você não pretende mais voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />
- disse Chûji, assustado <strong>com</strong> as idéias inusitadas de<<strong>br</strong> />
Yamashita.<<strong>br</strong> />
- Não tenho nada que me prenda ao Japão. E você,<<strong>br</strong> />
Takakura?<<strong>br</strong> />
- Eu sou um simples decasségui. Quero economizar o<<strong>br</strong> />
máximo possível no Brasil e, quando conseguir dinheiro<<strong>br</strong> />
suficiente, quero trabalhar na lavoura no Japão. Afinal, sou<<strong>br</strong> />
japonês!<<strong>br</strong> />
- Eu pretendo viver para sempre no Brasil, mas não penso<<strong>br</strong> />
- 63 -
em me tornar <strong>br</strong>asileiro. Quero continuar japonês, e mostrar aos<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiros <strong>com</strong>o o japonês é valente e forte. Quero aumentar o<<strong>br</strong> />
prestígio do Japão.<<strong>br</strong> />
Ainda que os objetivos buscados fossem diferentes, todos<<strong>br</strong> />
eram imigrantes que se encontravam no mesmo ponto de<<strong>br</strong> />
partida. Todos estavam em pé de igualdade, na medida em<<strong>br</strong> />
que, até o desembarque no porto de Santos, ninguém sabia<<strong>br</strong> />
em que fazenda iria trabalhar.<<strong>br</strong> />
Apenas a família Takakura se constituía exceção.<<strong>br</strong> />
- Parece que você Takakura, já sabe para onde vai.<<strong>br</strong> />
- Sim. É que tivemos que deixar uma filha <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a<<strong>br</strong> />
no Japão. Por isso, pedi ao encarregado que me dissesse pelo<<strong>br</strong> />
menos o nosso endereço para deixar <strong>com</strong> ela. O encarregado<<strong>br</strong> />
escreveu às escondidas o nosso provável endereço, e eu o<<strong>br</strong> />
entreguei para a minha filha. Acho que é para lá que nós<<strong>br</strong> />
vamos.<<strong>br</strong> />
Shozo se dirigiu a Chûji:<<strong>br</strong> />
- O dono da fazenda é <strong>br</strong>asileiro?<<strong>br</strong> />
- Parece que sim.<<strong>br</strong> />
- Parece haver diferenças de tratamento, dependendo da<<strong>br</strong> />
fazenda para onde são enviados os imigrantes.<<strong>br</strong> />
Shozo Nakayama havia obtido algumas informações <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
seu tio.<<strong>br</strong> />
Em primeiro lugar, os trabalhadores contratados, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
os imigrantes, eram denominados "colonos",<<strong>br</strong> />
independentemente de serem japoneses ou não. As plantações<<strong>br</strong> />
de café eram denominadas fazendas e nas grandes fazendas,<<strong>br</strong> />
- 64 -
trabalhavam, também, colonos de outras nacionalidades, além<<strong>br</strong> />
dos japoneses. Provinham de diversos países <strong>com</strong>o Portugal,<<strong>br</strong> />
Itália, Alemanha etc.<<strong>br</strong> />
O primeiro problema que os colonos japoneses<<strong>br</strong> />
enfrentavam era a língua. No Brasil, a língua oficial era a<<strong>br</strong> />
portuguesa.<<strong>br</strong> />
Havia intérpretes japoneses nas fazendas onde havia<<strong>br</strong> />
muitos colonos japoneses. Contudo, se fossem enviados, por<<strong>br</strong> />
falta de sorte, para fazendas que não dispusessem de<<strong>br</strong> />
intérpretes, a <strong>com</strong>unicação se tornava um sacrifício.<<strong>br</strong> />
O problema não era somente a língua. Dependendo da<<strong>br</strong> />
personalidade do fazendeiro ou do administrador ser pessoa<<strong>br</strong> />
de boa ou má índole, os colonos estavam sujeitos a uma<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>ecarga de estresse.<<strong>br</strong> />
A encruzilhada entre a sorte ou o azar estava, também,<<strong>br</strong> />
no fato do proprietário da fazenda ou o administrador<<strong>br</strong> />
simpatizarem ou não <strong>com</strong> os japoneses.<<strong>br</strong> />
- De qualquer maneira precisamos aprender o português<<strong>br</strong> />
o quanto antes.<<strong>br</strong> />
Pelo jeito de Shozo falar, parecia que ainda ia <strong>com</strong>eçar a<<strong>br</strong> />
aprender português.<<strong>br</strong> />
- Como pretendo viver para sempre no Brasil, estudei<<strong>br</strong> />
um pouco de português, mas não sei se vão me entender...<<strong>br</strong> />
Heizo Yamashita parecia ter estudado um pouco, mas não<<strong>br</strong> />
se achava muito confiante.<<strong>br</strong> />
- Eu não estudei nada porque pretendo voltar logo ao<<strong>br</strong> />
Japão. Achei que trabalhando do jeito que mandassem, estaria<<strong>br</strong> />
- 65 -
em. Por isso, se ficar na mesma fazenda, Heizo, conto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
você. - disse Chüji, fazendo uma reverência para Heizo.<<strong>br</strong> />
- Vamos nos ajudar mutuamente...<<strong>br</strong> />
Um pouco distante, Shigeru e Minoru <strong>br</strong>incavam <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
dois filhos da família Yamashita. Pareciam ter idades<<strong>br</strong> />
próximas e se tornaram bons amigos.<<strong>br</strong> />
Naquela ocasião, Shigeru tinha 15 anos e Minoru, 12,<<strong>br</strong> />
Takeshi, o primogênito dos Yamashita tinha 16 anos e<<strong>br</strong> />
Takuya, 13. Como outros meninos daquela idade, estavam<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>incando no convés, concentrados no jogo de argolas.<<strong>br</strong> />
E <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />
- Você ainda está olhando para esta foto? Não adianta<<strong>br</strong> />
ficar abatida a esta altura. Vamos, ânimo!<<strong>br</strong> />
De repente, Takuya, que participava do jogo de argolas,<<strong>br</strong> />
estava ao lado de <strong>Haru</strong>. Devia ter ficado preocupado <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
ela, que não participava de <strong>br</strong>incadeiras e ficava somente a<<strong>br</strong> />
olhar a foto da família, tirada antes da saída de Kobe.<<strong>br</strong> />
- Eu sei. Mas, sinto tanta pena de minha irmã. Parece<<strong>br</strong> />
que só eu é que sou feliz... Ficávamos sonhando <strong>com</strong> a ida ao<<strong>br</strong> />
Brasil... Sinto-me culpada... Fico então imaginando que ela<<strong>br</strong> />
está junto e fico mostrando o mar, falando so<strong>br</strong>e a viagem<<strong>br</strong> />
para a <strong>Natsu</strong>, que está na fotografia. Ela também queria tanto<<strong>br</strong> />
ir ao Brasil... Ela queria viajar de navio e ver o mar...<<strong>br</strong> />
Falávamos so<strong>br</strong>e isso todos os dias...<<strong>br</strong> />
Quando convidada por Takuya, <strong>Haru</strong> disse à <strong>Natsu</strong> na<<strong>br</strong> />
foto:<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>, vamos <strong>br</strong>incar de jogo de argolas? É divertido!<<strong>br</strong> />
- 66 -
<strong>Haru</strong> guardou a fotografia no bolso e entrou no grupo do<<strong>br</strong> />
jogo de argolas. <strong>Haru</strong> lançou a argola, que girou e caiu bem<<strong>br</strong> />
no pino. <strong>Haru</strong> finalmente sorriu, tal qual uma menina inocente<<strong>br</strong> />
de nove anos.<<strong>br</strong> />
- Acho que a gente vai poder ficar nessa folga somente<<strong>br</strong> />
agora, enquanto estamos a bordo. Chegando no Brasil, essa<<strong>br</strong> />
moleza vai acabar. - Shigeru balbuciou repentinamente.<<strong>br</strong> />
As crianças <strong>com</strong>eçavam a <strong>com</strong>preender a situação de cada<<strong>br</strong> />
uma das famílias na medida em que se tornavam amigos.<<strong>br</strong> />
Cada um encarava <strong>com</strong> indiferença a inexistência de famílias<<strong>br</strong> />
que viajavam a passeio.<<strong>br</strong> />
- Meu pai tinha uma fa<strong>br</strong>iqueta, mas teve que fechá-la<<strong>br</strong> />
devido à recessão desses últimos dois ou três anos. Por isso,<<strong>br</strong> />
ele se candidatou para emigrar ao Brasil. Mas, nós não<<strong>br</strong> />
entendemos nada de lavoura. Será que conseguiremos<<strong>br</strong> />
trabalhar num cafezal? - Takuya balbuciou inseguro.<<strong>br</strong> />
A família Yamashita não tinha qualquer experiência <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
agricultura.<<strong>br</strong> />
- Parece que, quando os pés de café dão frutos, nós<<strong>br</strong> />
colhemos e, durante o resto do tempo, é só ficar capinando.<<strong>br</strong> />
Foi assim que o encarregado explicou... Que até mulheres e<<strong>br</strong> />
crianças conseguem fazer esse serviço... - explicou Shigeru,<<strong>br</strong> />
tentando encorajar Takuya.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> disse então orgulhosamente:<<strong>br</strong> />
- Eu não tenho medo, pois ajudava na roça lá em<<strong>br</strong> />
Hokkaido. Mas... e a escola?<<strong>br</strong> />
- Dizem que tem escola para japoneses, mas eu prefiro ir<<strong>br</strong> />
- 67 -
para uma de <strong>br</strong>asileiros. Não adianta ir à escola para japoneses,<<strong>br</strong> />
se não pretendemos mais voltar para o Japão. - <strong>com</strong>entou<<strong>br</strong> />
Takuya.<<strong>br</strong> />
E <strong>Haru</strong> insistiu em dizer:<<strong>br</strong> />
- Nós vamos voltar para o Japão em três anos. Eu quero<<strong>br</strong> />
ir a uma escola japonesa.<<strong>br</strong> />
No Brasil, onde havia muitos imigrantes japoneses, havia<<strong>br</strong> />
escolas japonesas nos locais onde se concentravam um grande<<strong>br</strong> />
contingente de des<strong>br</strong>avadores.<<strong>br</strong> />
Mudando de assunto, Takuya perguntou a Shigeru e<<strong>br</strong> />
Minoru:<<strong>br</strong> />
- Vocês jogam beisebol?<<strong>br</strong> />
- Beisebol? - perguntou Shigeru.<<strong>br</strong> />
- Eu trouxe bolas. Vamos formar um time de beisebol.<<strong>br</strong> />
Estou ansioso para fazer isso. - respondeu Takuya.<<strong>br</strong> />
- Takuya, quantos sonhos você tem em relação ao Brasil!<<strong>br</strong> />
Eu também preciso ter sonhos <strong>com</strong>o você... Já que vamos<<strong>br</strong> />
para lá, precisamos tentar viver da forma mais feliz possível.<<strong>br</strong> />
A figura de Takuya parecia deslum<strong>br</strong>ante aos olhos de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>. Estava viajando para o Brasil <strong>com</strong> muitos planos a<<strong>br</strong> />
serem executados. Os sonhos de <strong>Haru</strong> eram fugir da po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />
ter uma vida livre da tia Kane e dos primos que a maltratavam.<<strong>br</strong> />
Não ter que suportar a fome, ficando encolhida de forma<<strong>br</strong> />
cerimoniosa perante os parentes.<<strong>br</strong> />
Já que estava viajando para o Brasil, <strong>Haru</strong> gostaria de ter<<strong>br</strong> />
o seu próprio sonho, a exemplo de Takuya. Gostaria de levar<<strong>br</strong> />
os dias alegres e joviais <strong>com</strong> todo empenho, inclusive pela<<strong>br</strong> />
- 68 -
<strong>Natsu</strong>, que não viera.<<strong>br</strong> />
Mudando a maneira de pensar, <strong>Haru</strong> encheu o peito de<<strong>br</strong> />
expectativas.<<strong>br</strong> />
Com o passar dos dias, a vida a bordo chegou a assustar<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>. Uma menina, de oito anos, veio a falecer. <strong>Haru</strong> não a<<strong>br</strong> />
conhecera, mas, disseram que devido a enjôos violentos, não<<strong>br</strong> />
conseguia se alimentar e acabou morrendo de fraqueza.<<strong>br</strong> />
Muitos emigrantes sofreram de enjôo. Felizmente, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
não teve tanto problema, mas havia adultos sadios que<<strong>br</strong> />
padeciam de enjôo e muitos não conseguiam sair de suas<<strong>br</strong> />
camas por muitos dias.<<strong>br</strong> />
Quando alguém morria a bordo, não só de enjôo, mas<<strong>br</strong> />
devido à doença grave, era sepultado no mar. Sem chegar no<<strong>br</strong> />
Brasil, seu destino final, e nem podendo retornar ao Japão, o<<strong>br</strong> />
corpo era lançado num ponto qualquer do mar desconhecido.<<strong>br</strong> />
Qual não terá sido a sua solidão!<<strong>br</strong> />
No momento em que o corpo daquela menina era lançado<<strong>br</strong> />
ao mar, <strong>Haru</strong> dedicou-lhe preces vislum<strong>br</strong>ando o sol que se<<strong>br</strong> />
punha no Oceano Índico, que formava uma bela imagem de<<strong>br</strong> />
crepúsculo. Era preciso agradecer, se conseguissem chegar<<strong>br</strong> />
ao Brasil sãos e salvos. Era preciso viver bem, até mesmo<<strong>br</strong> />
por aqueles que faleceram e foram sepultados em alto mar.<<strong>br</strong> />
Era o que <strong>Haru</strong> prometia para si mesma.<<strong>br</strong> />
"Além daquela menina, mais dois homens morreram<<strong>br</strong> />
a bordo e foram sepultados no mar. Fora isso,<<strong>br</strong> />
consegui fazer boas amizades e a viagem se tornou<<strong>br</strong> />
- 69 -
inesquecível. Enfim, chegamos a um porto chamado<<strong>br</strong> />
Santos, no Brasil. Mesmo em terra, o corpo balançava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o se eu ainda estivesse no navio. Em Santos, nós<<strong>br</strong> />
nos separamos do casal Nakayama. Lá, embarcamos<<strong>br</strong> />
num trem e... chegamos a um lugar chamado<<strong>br</strong> />
"Hospedaria dos Imigrantes ", em São Paulo. "<<strong>br</strong> />
Do convés do navio encostado no cais do porto de Santos,<<strong>br</strong> />
os imigrantes saíam cruzando o passadiço, desembarcando<<strong>br</strong> />
em fila. Eis que haviam chegado ao Brasil. Os imigrantes<<strong>br</strong> />
caminhavam entre os armazéns, construídos de alvenaria, e<<strong>br</strong> />
seguiam em fila, <strong>com</strong>o se fossem formigas trabalhadeiras.<<strong>br</strong> />
As filas entravam nos vagões de imigrantes que eram<<strong>br</strong> />
puxados por uma lo<strong>com</strong>otiva. O trem subiu a serra e chegou<<strong>br</strong> />
à cidade de São Paulo. Uma vez na Hospedaria dos<<strong>br</strong> />
Imigrantes, seria-lhes <strong>com</strong>unicado em que fazenda iriam<<strong>br</strong> />
trabalhar.<<strong>br</strong> />
- Chûji Takakura, de Hokkaido.<<strong>br</strong> />
-Sim.<<strong>br</strong> />
Chamados pelo funcionário da Companhia de Emigração,<<strong>br</strong> />
os mem<strong>br</strong>os da família Takakura se levantaram.<<strong>br</strong> />
- Esposa Shizu, primogênito Shigeru, segundo filho<<strong>br</strong> />
Minoru, primogênita <strong>Haru</strong>. Irmão mais novo Yozo e sua<<strong>br</strong> />
esposa, Kiyo. Estes sete irão para a Fazenda Santana, da<<strong>br</strong> />
estação Paraíso, da Estrada de Ferro Mogiana.<<strong>br</strong> />
- Essa fazenda é a que está escrita aqui?<<strong>br</strong> />
O funcionário olhou para o endereço anotado num pedaço<<strong>br</strong> />
- 70 -
de papel, estendido timidamente por Chûji.<<strong>br</strong> />
- Não, não é. Mas, <strong>com</strong>o o senhor conseguiu isso?<<strong>br</strong> />
- O encarregado me informou quando parti do Japão.<<strong>br</strong> />
- Nós estamos no Brasil. O senhor tem que respeitar as<<strong>br</strong> />
regras daqui.<<strong>br</strong> />
- Sim senhor.<<strong>br</strong> />
- Próximo, de Hokkaido.<<strong>br</strong> />
- Papai, precisamos escrever imediatemente para <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
dando o novo endereço...<<strong>br</strong> />
A maior preocupação de <strong>Haru</strong> era <strong>Natsu</strong>, que vira pela<<strong>br</strong> />
última vez, de pé, na ponta do cais do porto de Kobe. Se<<strong>br</strong> />
houvesse desencontro de cartas, <strong>Haru</strong> não poderia cumprir<<strong>br</strong> />
sua promessa.<<strong>br</strong> />
Eles passaram a noite na Hospedaria dos Imigrantes e no<<strong>br</strong> />
dia seguinte foram para a fazenda de café, onde <strong>com</strong>eçariam<<strong>br</strong> />
a vida de colono. Na cama, ao lado dos familiares que<<strong>br</strong> />
dormiam exaustos pelo cansaço da longa viagem, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
escrevia uma carta.<<strong>br</strong> />
"Por isso, estou escrevendo esta carta às pressas.<<strong>br</strong> />
Vou colocar dinheiro dentro da carta. A mamãe disse<<strong>br</strong> />
para mandar este dinheiro para você, pois aqui não<<strong>br</strong> />
é possível usar dinheiro do Japão.<<strong>br</strong> />
Papai e mamãe dizem estar muito cansados e sem<<strong>br</strong> />
forças para escrever cartas. Mas vou lhe escrever<<strong>br</strong> />
sempre que puder. Aqui, nós daremos um jeito. Você<<strong>br</strong> />
pode gastar esse dinheiro. Sei que você se sente<<strong>br</strong> />
- 71 -
solitária, mas agüente firme e espere-nos por três<<strong>br</strong> />
anos. Escreverei novamente."<<strong>br</strong> />
Terminava ali a primeira carta escrita por <strong>Haru</strong> a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Sentimentos de ternura <strong>com</strong>eçaram a inundar o coração<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong>. Logo após a chegada no Brasil, sua irmã escrevera<<strong>br</strong> />
informando a mudança de endereço. Como <strong>Natsu</strong> não soubera<<strong>br</strong> />
daquilo, continuara a escrever e enviar cartas para o Brasil<<strong>br</strong> />
no endereço anterior. Assim, as cartas de <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />
encontraram a destinatária, já que <strong>Haru</strong> e os demais familiares<<strong>br</strong> />
estavam em outra fazenda.<<strong>br</strong> />
Os anos eram irrecuperáveis. Já não adiantava lamentar<<strong>br</strong> />
ou culpar alguém. Mas <strong>Natsu</strong> não podia deixar de pensar se<<strong>br</strong> />
teria agido daquela forma <strong>com</strong> a irmã, se antes tivesse recebido<<strong>br</strong> />
aquelas cartas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> recolocou cuidadosamente a carta no envelope.<<strong>br</strong> />
Naturalmente, o dinheiro que <strong>Haru</strong> dissera ter colocado no<<strong>br</strong> />
envelope, não estava lá.<<strong>br</strong> />
Pegou um outro envelope, que supunha ter chegado em<<strong>br</strong> />
seguida, e <strong>com</strong>eçou a ler.<<strong>br</strong> />
"Passaram-se dois meses, num piscar de olhos, desde<<strong>br</strong> />
a última carta. Queria muito lhe escrever, mas não<<strong>br</strong> />
tive tempo nem disposição. Aqui faz muito calor todos<<strong>br</strong> />
os dias e até sinto saudades da neve de Hokkaido,<<strong>br</strong> />
que tanto detestava quando estava aí. Saímos da<<strong>br</strong> />
Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, e nos<<strong>br</strong> />
- 72 -
puseram outra vez no trem.<<strong>br</strong> />
As pessoas que viajaram conosco no navio foram<<strong>br</strong> />
enviadas para locais diferentes. Além da nossa, mais<<strong>br</strong> />
três famílias desembarcaram na estação. A família<<strong>br</strong> />
Yamashita também desembarcou aqui. Subimos em<<strong>br</strong> />
carroças puxadas por bois, que vieram nos buscar.<<strong>br</strong> />
Passamos por bosques e colinas, e chegamos na<<strong>br</strong> />
fazenda.<<strong>br</strong> />
Todas essas árvores a perder de vista são pés de café.<<strong>br</strong> />
Estão carregadas defrutinhas vermelhas, que serão<<strong>br</strong> />
colhidas <strong>br</strong>evemente."<<strong>br</strong> />
Até chegar ao seu destino, o trem da Estrada de Ferro<<strong>br</strong> />
Mogiana parou em diversas estações. Ainda que<<strong>br</strong> />
perguntassem os nomes destas paradas, não havia <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
guardá-los. Pouco familiarizados <strong>com</strong> o português, a única<<strong>br</strong> />
coisa que podiam dizer era que o trem percorrera a imensidão<<strong>br</strong> />
da planície a céu aberto.<<strong>br</strong> />
Diversas famílias foram descendo nas estações por onde<<strong>br</strong> />
paravam, e eram levadas para as repectivas fazendas. Quando<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e seus familiares chegaram na estação de destino,<<strong>br</strong> />
também havia o pessoal da fazenda que viera buscá-los.<<strong>br</strong> />
Os <strong>br</strong>asileiros tinham vindo a cavalo, mas as mulheres e<<strong>br</strong> />
as crianças <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>, foram colocadas, juntamente <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
bagagem, nas carroças puxadas por bois. Os homens adultos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o Chüji e os outros, a<strong>com</strong>panharam as carroças a pé.<<strong>br</strong> />
As trilhas por onde passavam estavam cobertas de capim,<<strong>br</strong> />
- 73 -
que ultrapassava a altura dos adultos e os caminhos eram cheios<<strong>br</strong> />
de altos e baixos. Todas as vezes em que as carroças balançavam<<strong>br</strong> />
ao passar pelos buracos, <strong>Haru</strong> e os outros passageiros tinham<<strong>br</strong> />
que se agarrar em algum lugar para não caírem. Chûji e os demais<<strong>br</strong> />
caminhavam a pé, por entre o capim.<<strong>br</strong> />
Finalmente, avistou-se uma grande placa indicando a entrada<<strong>br</strong> />
da fazenda. Seguindo um pouco mais, havia um mar de cafezal<<strong>br</strong> />
que se estendia por todo o raio de visão. Os pés de café verdes<<strong>br</strong> />
estavam cheios de frutos vermelhos que pareciam cachos de uvas.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> pulou da carroça, movida pela curiosidade, e foi seguida<<strong>br</strong> />
por Takuya.<<strong>br</strong> />
- Isso é que é um pé de café? É a primeira vez que vejo.<<strong>br</strong> />
- Você já tomou café?<<strong>br</strong> />
- Não. Este fruto é que vira café?<<strong>br</strong> />
- Olhe, dentro deste fruto, tem uma semente. As sementes<<strong>br</strong> />
são secadas ao sol, e depois, torradas no fogo. Aí, são moídas<<strong>br</strong> />
e transformadas em pó. Coloca-se o pó na água quente e passase<<strong>br</strong> />
pelo coador. Então, tem-se o café para tomar.<<strong>br</strong> />
- Puxa, Takuya, <strong>com</strong>o você é sabido!<<strong>br</strong> />
Correndo atrás da carroça que seguia adiante, viram<<strong>br</strong> />
colonos de outras nacionalidades que não a japonesa, que<<strong>br</strong> />
trabalhavam na colheita do café. As crianças que ali estavam,<<strong>br</strong> />
provavelmente seus filhos, faziam caretas para <strong>Haru</strong> e Takuya,<<strong>br</strong> />
que ali passavam por ali.<<strong>br</strong> />
Então, por trás dos dois, passou um automóvel, dirigido<<strong>br</strong> />
por um motorista que tansportava um homem <strong>com</strong> aparência<<strong>br</strong> />
fidalga, o dono da fazenda. Tudo que via era novidade e <strong>com</strong>ovia<<strong>br</strong> />
- 74 -
<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
O grupo de imigrantes que chegou no mesmo navio foi<<strong>br</strong> />
reunido em frente a algumas casas geminadas, de estilo<<strong>br</strong> />
rústico. Um <strong>br</strong>asileiro barrigudo subiu numa espécie de<<strong>br</strong> />
pedestal, <strong>com</strong> chicote na mão, e falou em japonês, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
sotaque muito forte.<<strong>br</strong> />
- Eu, administrador. Aqui, casa de vocês.<<strong>br</strong> />
- Não é que o administrador fala japonês? - Chûji disse a<<strong>br</strong> />
Heizo e perguntou diretamente ao administrador em japonês:<<strong>br</strong> />
- Qual a casa para cada família?<<strong>br</strong> />
O administrador respondeu em português:<<strong>br</strong> />
- Eu não entendo japonês. Logo mais, virá uma pessoa<<strong>br</strong> />
para explicar.<<strong>br</strong> />
Chúji se decepcionou e falou <strong>com</strong> Heizo:<<strong>br</strong> />
- É, ele não fala japonês mesmo. O que é que ele está<<strong>br</strong> />
dizendo?<<strong>br</strong> />
- Sei lá. Ele fala muito rápido... Eu estudei um pouco no<<strong>br</strong> />
Japão, mas acho que não vai servir para nada. Que situação...<<strong>br</strong> />
Parecia que não se podia contar <strong>com</strong> Heizo.<<strong>br</strong> />
Nisso, chegou correndo um homem aparentando cerca<<strong>br</strong> />
de 40 anos.<<strong>br</strong> />
- Sejam bem-vindos. Desculpe-me o atraso. Os senhores<<strong>br</strong> />
chegaram mais cedo do que eu pensava. Meu nome é Kurita<<strong>br</strong> />
e estou aqui há dois anos. Como colega mais antigo, cuidarei<<strong>br</strong> />
de vocês.<<strong>br</strong> />
Kurita falou aos novos colonos e cumprimentou o<<strong>br</strong> />
administrador <strong>com</strong> respeito, tirando o chapéu, e falando<<strong>br</strong> />
- 75 -
algumas coisas em português.<<strong>br</strong> />
- Pode deixar que eu cuido do resto...<<strong>br</strong> />
O administrador aquiesceu <strong>com</strong> a cabeça, numa atitude<<strong>br</strong> />
arrogante, e se afastou, montado no cavalo.<<strong>br</strong> />
- Cavalo...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Takuya a<strong>com</strong>panharam os passos do administrador<<strong>br</strong> />
barrigudo que se afastara, <strong>com</strong> olhares cheios de curiosidade.<<strong>br</strong> />
Enquanto Chûji ouvia as explicações de Kurita, <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />
os demais mem<strong>br</strong>os da família resolveram entrar na casa que<<strong>br</strong> />
fora indicada e esperar lá dentro. A porta estava emperrada e<<strong>br</strong> />
Yozo, ao forçar as do<strong>br</strong>adiças acabou por que<strong>br</strong>á-las. Yozo<<strong>br</strong> />
caiu para dentro da casa junto <strong>com</strong> a porta, arrancada <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
suas próprias forças, levantando uma nuvem de poeira.<<strong>br</strong> />
Dentro da casa estava escuro, parecendo um lugar<<strong>br</strong> />
abandonado, cheio de teias de aranha. Cada movimento<<strong>br</strong> />
levantava uma nuvem de poeira.<<strong>br</strong> />
Shizu e Kiyo não tinham a menor idéia por onde <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />
o trabalho.<<strong>br</strong> />
- Não tem nem teto nem assoalho. Chamam isso de casa?<<strong>br</strong> />
Será que a gente tem que dormir <strong>com</strong> o acolchoado estendido<<strong>br</strong> />
nesse chão de terra? - es<strong>br</strong>avejou Shigeru, mostrando sua<<strong>br</strong> />
insatisfação.<<strong>br</strong> />
- Bem, cada lugar tem o seu modo de viver. Agora seu<<strong>br</strong> />
pai está perguntando os detalhes para o sr. Kurita. Quando<<strong>br</strong> />
ele voltar, vai nos explicar. Vamos tirar da bagagem as coisas<<strong>br</strong> />
que vamos usar agora.<<strong>br</strong> />
Shizu <strong>com</strong>eçou a tossir <strong>com</strong> a poeira, enquanto procurava<<strong>br</strong> />
- 76 -
contemporizar.<<strong>br</strong> />
- Será que temos que ir buscar água em algum lugar?<<strong>br</strong> />
Minoru procurou dentro da casa, meio constrangido.<<strong>br</strong> />
- Lá fora tem um poço <strong>com</strong>unitário, não é? Ah! Vamos<<strong>br</strong> />
precisar de uma tina ou um balde.<<strong>br</strong> />
- Tem isso na bagagem?<<strong>br</strong> />
- Lógico que não! Havia restrição para a bagagem e não<<strong>br</strong> />
dava para trazer essas coisas.<<strong>br</strong> />
- Que fome! - disse <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Daqui a pouco é hora do jantar. Mas, nem sei <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
cozinhar. - resmungou Shizu, quando Chüji voltou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
Kurita.<<strong>br</strong> />
- O sr. Kurita preparou bolinhos de arroz para a gente.<<strong>br</strong> />
- Bolinho de arroz? - disse Minoru, aparentando alegria.<<strong>br</strong> />
Num prato grande estavam colocados bolinhos de arroz<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>anco, parecendo muito apetitosos. O <strong>br</strong>ilho nos olhos das<<strong>br</strong> />
crianças voltou, ao ver os bolinhos de arroz.<<strong>br</strong> />
- As sementes foram trazidas do Japão, mas o arroz foi<<strong>br</strong> />
cultivado aqui.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />
Shizu recebeu o prato grande <strong>com</strong> bolinhos de arroz e<<strong>br</strong> />
todos estenderam as mãos para pegá-los.<<strong>br</strong> />
Quanto ao trabalho em si, cada família iria cuidar de um<<strong>br</strong> />
setor no extenso cafezal da fazenda, trabalhar na colheita e<<strong>br</strong> />
todos os demais afazeres.<<strong>br</strong> />
- Como nossa família tem seis pessoas, vamos cuidar de<<strong>br</strong> />
oito mil pés. - Chûji relatou orgulhosamente aos familiares.<<strong>br</strong> />
- 77 -
-Oito mil...?<<strong>br</strong> />
- Quanto mais pés cuidarmos, maior será o nosso ganho.<<strong>br</strong> />
E, quanto à colheita de grãos de café, que <strong>com</strong>eça depois de<<strong>br</strong> />
amanhã, o pagamento é feito por saca. Por isso, quanto mais<<strong>br</strong> />
pessoas tiver, maior será o ganho.<<strong>br</strong> />
Chüji não sabia objetivamente, que volume de trabalho<<strong>br</strong> />
representava a colheita de oito mil pés de café.<<strong>br</strong> />
O requisito para cada família de imigrante contratada<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o colono ou trabalhador contratado, era ter mais de três<<strong>br</strong> />
pessoas, acima de 12 anos, aptas para o trabalho. Essa era a<<strong>br</strong> />
idade considerada apta ao trabalho de colheita. Assim, haviam<<strong>br</strong> />
seis pessoas na família Takakura que podiam trabalhar: Chüji,<<strong>br</strong> />
Shizu, Shigeru, Minoru, Yozo e Kiyo. <strong>Haru</strong>, que tinha apenas<<strong>br</strong> />
nove anos, não era considerada capaz.<<strong>br</strong> />
Raciocinando de forma simples, quanto mais pés de café<<strong>br</strong> />
e mão-de-o<strong>br</strong>a tivessem, o volume de colheita diário e o<<strong>br</strong> />
número de sacas aumentariam. E assim, a receita também<<strong>br</strong> />
aumentaria. Contudo, tanto <strong>Haru</strong> quanto Chüji e os demais<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da família iam perceber que a lógica não funcionava<<strong>br</strong> />
de forma tão simples.<<strong>br</strong> />
- Como a sua área fica no fundo da fazenda, dá um pouco<<strong>br</strong> />
de trabalho ir até lá e voltar a pé, mas vocês se acostumarão<<strong>br</strong> />
logo.<<strong>br</strong> />
Essa fala de Kurita ocultava qualquer conotação de<<strong>br</strong> />
difilculdade. Disse ainda:<<strong>br</strong> />
- Durante os intevalos nos trabalhos do cafezal, podem<<strong>br</strong> />
cultivar arroz ou verduras para sua subsistência. É um método<<strong>br</strong> />
- 78 -
chamado cultivo intercalado.<<strong>br</strong> />
A<strong>br</strong>iu a porta do fundo e saiu, mostrando o terreno vazio<<strong>br</strong> />
fora da casa. De acordo <strong>com</strong> as explicações de Kurita, os<<strong>br</strong> />
imigrantes podiam aproveitar o terreno vazio para se dedicar<<strong>br</strong> />
livremente à cultura de hortaliças e legumes. Como o clima<<strong>br</strong> />
era quente, as verduras cresciam rapidamente. Trabalhando<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> afinco, dava para produzir tanta verdura que seria<<strong>br</strong> />
impossível consumir tudo em casa, podendo-se até vender<<strong>br</strong> />
para outros colonos.<<strong>br</strong> />
Naquela fazenda trabalhavam, também, colonos italianos<<strong>br</strong> />
e portugueses. Como não eram trabalhadores <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />
japoneses, não costumavam plantar verduras e aceitavam bem<<strong>br</strong> />
as verduras que os japoneses vendiam. Esses rendimentos<<strong>br</strong> />
extras ficavam para cada uma das famílias.<<strong>br</strong> />
O fazendeiro e o administrador permitiam, assim, que os<<strong>br</strong> />
imigrantes tivessem uma receita secundária. Mais tarde, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
e seus familiares ficariam sabendo o porquê daquilo.<<strong>br</strong> />
- Sr. Kurita, o senhor é o encarregado de cuidar dos<<strong>br</strong> />
japoneses?<<strong>br</strong> />
- Não. Eu também sou colono <strong>com</strong>o todos, <strong>com</strong> contrato<<strong>br</strong> />
de um ano. Pretendo trabalhar bastante por mais dois ou três<<strong>br</strong> />
anos aqui, e depois, tornar-me independente e <strong>com</strong>prar terras<<strong>br</strong> />
no interior. É costume daqui os mais antigos orientarem os<<strong>br</strong> />
novatos so<strong>br</strong>e as coisas do cotidiano... Não há intérprete de<<strong>br</strong> />
japonês. Eu também cheguei sem saber nada de português,<<strong>br</strong> />
mas, em um ano, aprendi a me virar e a me <strong>com</strong>unicar em<<strong>br</strong> />
conversas simples. Se tiverem alguma dúvida, perguntem sem<<strong>br</strong> />
- 79 -
cerimônia.<<strong>br</strong> />
- Bem..., <strong>com</strong>o fazemos para morar aqui? - Shizu<<strong>br</strong> />
perguntou timidamente.<<strong>br</strong> />
- Para dormir, façam camas <strong>com</strong> as madeiras que têm<<strong>br</strong> />
por aí. Como colchão, usa-se palha seca de milho no lugar<<strong>br</strong> />
do algodão...<<strong>br</strong> />
Ouvindo o barulho do martelo, Chûji olhou para o lado e<<strong>br</strong> />
viu Heizo Yamashita e os filhos montando as suas camas.<<strong>br</strong> />
- Se precisar de ferramentas, eu empresto. Se for um<<strong>br</strong> />
pouco, eu tenho pregos também.<<strong>br</strong> />
Apesar das palavras gentis de Kurita, Chüji percebeu que<<strong>br</strong> />
teria que <strong>com</strong>eçar tudo da estaca zero. Era muito mais do que<<strong>br</strong> />
podia ter imaginado.<<strong>br</strong> />
- Não, pode deixar que eu <strong>com</strong>pro. Vamos ter mesmo<<strong>br</strong> />
que fazer outros móveis também...<<strong>br</strong> />
- Dentro da fazenda há uma venda para artigos do dia-adia.<<strong>br</strong> />
Lá se vendem sal, feijão, óleo, roupas..., praticamente<<strong>br</strong> />
tudo de que precisamos.<<strong>br</strong> />
Yozo resmungou, retratando a situação da família<<strong>br</strong> />
Takakura, que não tinha dinheiro:<<strong>br</strong> />
- Não adianta nada ter a venda, se a gente não tem<<strong>br</strong> />
dinheiro.<<strong>br</strong> />
- Se a gente trabalhar, a gente recebe dinheiro, não é?<<strong>br</strong> />
Kiyo reprime o marido. Contudo...<<strong>br</strong> />
- Nesta fazenda, o salário é pago de uma só vez, uma vez<<strong>br</strong> />
por ano.<<strong>br</strong> />
-Uma vez por ano? Então, <strong>com</strong>o vamos so<strong>br</strong>eviver durante<<strong>br</strong> />
- 80 -
um ano? Eu resolvi tentar a vida aqui, porque disseram que o<<strong>br</strong> />
imigrante no Brasil consegue viver sem nenhum dinheiro. - Yozo<<strong>br</strong> />
exclamou, cuspindo grão de arroz pela boca, juntamente <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />
palavras de descontentamento.<<strong>br</strong> />
- Não precisa de dinheiro. Você <strong>com</strong>pra fiado e paga de<<strong>br</strong> />
uma vez quando receber o salário. - Chûji explicou,<<strong>br</strong> />
procurando acalmar a situação, mas também não deixando<<strong>br</strong> />
de aparentar insegurança.<<strong>br</strong> />
Kurita também se apressou em acrescentar:<<strong>br</strong> />
- Só que na venda tudo é caro. Além disso, <strong>com</strong>prando<<strong>br</strong> />
fiado, a gente acaba perdendo a noção dos valores e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prando coisas demais. Na hora de pagar, não é raro a<<strong>br</strong> />
dívida estar maior que a receita.<<strong>br</strong> />
Os colonos não possuíam meios de transporte. Não<<strong>br</strong> />
poderiam, pois, se lo<strong>com</strong>over até a cidade, que era distante, e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar mercadorias a preços mais baratos. Sem outra<<strong>br</strong> />
alternativa, eram o<strong>br</strong>igados a <strong>com</strong>prar mercadorias na venda,<<strong>br</strong> />
mesmo sabendo que eram mais caras. A administração da<<strong>br</strong> />
fazenda colocava preços altos nas mercadorias, sabendo que<<strong>br</strong> />
os imigrantes eram o<strong>br</strong>igados a <strong>com</strong>prar ali. Assim, o<<strong>br</strong> />
faturamento da venda se convertia em lucro da fazenda.<<strong>br</strong> />
A razão verdadeira pela qual Kurita sugerira <strong>com</strong>eçar o<<strong>br</strong> />
quanto antes a cultura intercalada estava ali. Cultivando a<<strong>br</strong> />
própria horta, e se tornando auto-suficientes em legumes e<<strong>br</strong> />
hortaliças, não precisariam <strong>com</strong>prar mercadorias caras da<<strong>br</strong> />
venda.<<strong>br</strong> />
Naquela ocasião, contudo, ninguém havia percebido o<<strong>br</strong> />
- 81 -
quanto isto seria necessário na vida real.<<strong>br</strong> />
Enquanto Chûji e outros falavam da venda, <strong>Haru</strong> teve<<strong>br</strong> />
um estalo.<<strong>br</strong> />
- Quanto tempo demora para uma carta chegar ao Japão?<<strong>br</strong> />
- Leva uns dois meses. Se tem alguém no Japão<<strong>br</strong> />
aguardando notícias, é melhor avisar logo que já se<<strong>br</strong> />
estabeleceram aqui.<<strong>br</strong> />
Dizendo aquilo à <strong>Haru</strong>, Kurita se voltou para Chüji:<<strong>br</strong> />
- Já sabem o endereço daqui?<<strong>br</strong> />
- Sim, me ensinaram.<<strong>br</strong> />
Chûji tirou um pedaço de papel do bolso e mostrou a<<strong>br</strong> />
Kurita.<<strong>br</strong> />
- É este o endereço daqui?<<strong>br</strong> />
-Sim.<<strong>br</strong> />
-Porém, viemos parar numa fazenda diferente daquela<<strong>br</strong> />
que nos informaram no Japão...<<strong>br</strong> />
- Deve ter havido alguma razão para essa troca. Isso<<strong>br</strong> />
costuma acontecer <strong>com</strong> freqüência. - Kurita respondeu <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se fosse algo sem importância.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> correu para dentro de casa e logo voltou.<<strong>br</strong> />
- Queria enviar esta carta ao Japão, por favor.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> pedia a Kurita que enviasse a carta para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Finalmente, o trabalho da fazenda <strong>com</strong>eçou. Sob um sol<<strong>br</strong> />
escaldante, todos os mem<strong>br</strong>os da família Takakura, se<<strong>br</strong> />
empenhavam na colheita de café. Depois de um dia de trabalho,<<strong>br</strong> />
Shizu e Kiyo se dedicavam aos trabalhos domésticos, enquanto<<strong>br</strong> />
- 82 -
Chûji e Yozo, no quintal, tomavam banho numa banheira<<strong>br</strong> />
improvisada num tambor.<<strong>br</strong> />
As mulheres cantarolavam o Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />
Patrícios que Emigram para o Brasil e os homens entoavam<<strong>br</strong> />
a Canção dos Mineiros de Carvão sob a claridade da lua. As<<strong>br</strong> />
vozes femininas aumentavam, <strong>com</strong>o querendo <strong>com</strong>petir,<<strong>br</strong> />
provocando os homens, também, a cantar mais alto.<<strong>br</strong> />
Essa era a vida da roça no Brasil, que acabava de <strong>com</strong>eçar.<<strong>br</strong> />
O trabalho era árduo, mas havia momentos de sossego na<<strong>br</strong> />
família, que alimentava esperanças no seu futuro.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> procurava encontrar tempo, ainda que <strong>br</strong>eve, para<<strong>br</strong> />
escrever cartas à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
"No dia seguinte da chegada, papai, Shigeru e<<strong>br</strong> />
Minoru fizeram as camas, epudemos dormir melhor.<<strong>br</strong> />
Desde então, a família inteira está colhendo frutos<<strong>br</strong> />
de café. Aqui o sino toca às cinco horas, e temos que<<strong>br</strong> />
acordar. Com o toque do sino das seis horas,<<strong>br</strong> />
partimos para o cafezal. O serviço termina às seis<<strong>br</strong> />
ou seis e meia da tarde. Temos que trabalhar sem<<strong>br</strong> />
descanso, sob o sol escaldante. Por isso, no fim do<<strong>br</strong> />
dia, estamos tão cansados que quase não temos<<strong>br</strong> />
forças para voltar para casa. "<<strong>br</strong> />
Pela manhã, às cinco horas, ainda escuro, o sino da<<strong>br</strong> />
fazenda <strong>com</strong>eçava a tocar. O toque do sino, de conotação<<strong>br</strong> />
pastoral, parecia <strong>com</strong>binar, <strong>com</strong> perfeição, ao quadro de Millet<<strong>br</strong> />
- 83 -
so<strong>br</strong>e a paisagem de uma fazenda na Vila de Barbizon. Na<<strong>br</strong> />
verdade, porém, era o sinal que anunciava o início do trabalho<<strong>br</strong> />
rigoroso dos colonos.<<strong>br</strong> />
Ouviram dizer que o clima do Brasil era ameno, mas a<<strong>br</strong> />
temperatura da manhã era espantosamente baixa. Tremendo<<strong>br</strong> />
de frio, vestiam-se rapidamente. Ao sair de casa, já viam as<<strong>br</strong> />
filas dos colonos que caminhavam silenciosamente rumo aos<<strong>br</strong> />
respectivos setores da fazenda cafeeira.<<strong>br</strong> />
O setor da família Takakura ficava no local mais<<strong>br</strong> />
longínquo, no interior da fazenda. A caminhada já se tornara<<strong>br</strong> />
um bom exercício físico e ao chegar, o céu já estava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente claro.<<strong>br</strong> />
Iniciado o trabalho, os raios solares <strong>com</strong>eçavam a queimar<<strong>br</strong> />
impiedosamente a pele de todos, já que não havia nenhum<<strong>br</strong> />
obstáculo que podia interceptá-los. O suor <strong>com</strong>eçava a <strong>br</strong>otar<<strong>br</strong> />
por todo o corpo e escorria, consumindo a energia das pessoas.<<strong>br</strong> />
Ao colher os frutos do café, um pequeno descuido acabava<<strong>br</strong> />
fazendo <strong>com</strong> que espetassem <strong>com</strong> as pontas dos galhos, as<<strong>br</strong> />
mãos e os dedos que <strong>com</strong>eçavam a sangrar e a doer por causa<<strong>br</strong> />
do suor. Aquele trabalho pesado continuava até o toque dos<<strong>br</strong> />
sinos do crepúsculo.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também se dedicava, durante o dia, <strong>com</strong> Chüji e<<strong>br</strong> />
demais pessoas da família, à colheita dos frutos do café,<<strong>br</strong> />
trabalho esse para o qual ainda não estava pronta.<<strong>br</strong> />
Havia uma forma apropriada de trabalho na colheita de<<strong>br</strong> />
café. Em primeiro lugar, estendia-se um pano grande sob os pés<<strong>br</strong> />
de café. Depois, <strong>com</strong> a palma das mãos, procurava-se tirar os<<strong>br</strong> />
- 84 -
frutos que <strong>br</strong>otavam nos galhos. Os frutos que estavam nos galhos<<strong>br</strong> />
mais altos eram derrubados <strong>com</strong> cuidado, subindo-se em uma<<strong>br</strong> />
escada ou tripé. Era terminantemente proibido balançar ou bater<<strong>br</strong> />
nos galhos <strong>com</strong> o intuito de a<strong>br</strong>eviar o trabalho, uma vez que<<strong>br</strong> />
poderiam machucar os cafeeiros.<<strong>br</strong> />
Os frutos do café que caíam no pano eram peneirados a<<strong>br</strong> />
fim de se retirar a terra, pequenos galhos ou folhas secas. Era<<strong>br</strong> />
um grande sacrifício conseguir aprender o jeito apropriado<<strong>br</strong> />
de peneirar.<<strong>br</strong> />
O conteúdo da peneira era lançado para o alto e deixavase<<strong>br</strong> />
cair a terra e demais impurezas, <strong>com</strong>o as folhas secas ou<<strong>br</strong> />
poeira, recolhendo os frutos que estavam no ar.<<strong>br</strong> />
Enquanto não estavam acostumados, não conseguiam<<strong>br</strong> />
peneirar direito, ou então, os frutos acabavam caindo fora da<<strong>br</strong> />
peneira. Se deixassem de recolher os frutos caídos, eram<<strong>br</strong> />
repreendidos pelo capataz.<<strong>br</strong> />
Com o passar dos dias, acumulavam-se desilusões e<<strong>br</strong> />
de s contentamento s.<<strong>br</strong> />
Os pés de café que haviam visto pela primeira vez, quando<<strong>br</strong> />
chegaram na fazenda, estavam de tal forma cheios de frutos<<strong>br</strong> />
que os galhos até envergavam. Contudo, os que foram<<strong>br</strong> />
atribuídos à família Takakura não tinham tantos frutos e assim,<<strong>br</strong> />
o volume de colheita era bem menor, ainda que passassem o<<strong>br</strong> />
mesmo tempo no trabalho.<<strong>br</strong> />
No <strong>com</strong>eço, trabalhavam de forma redo<strong>br</strong>ada, pois ainda<<strong>br</strong> />
não estavam acostumados ao trabalho. Contudo, à medida<<strong>br</strong> />
em que <strong>com</strong>eçaram a entender melhor a situação e o ambiente<<strong>br</strong> />
- 85 -
de trabalho, chegaram à conclusão de que havia uma visível<<strong>br</strong> />
discriminação. Além do mais, as idas e vindas ao local do<<strong>br</strong> />
trabalho demandavam um tempo maior, pois os pés de café<<strong>br</strong> />
atribuídos à família Takakura ficavam no outro extremo da<<strong>br</strong> />
fazenda. Assim, uma parte do tempo de permanência no local<<strong>br</strong> />
do trabalho acabava sendo sacrificada pela caminhada.<<strong>br</strong> />
Na medida em que o pagamento do trabalho era feito por<<strong>br</strong> />
sacas de café colhidas, o volume de colheita da família<<strong>br</strong> />
Takakura era mínimo, já que tanto os pés de café distantes<<strong>br</strong> />
ou próximos, bem <strong>com</strong>o os que tinham muito ou pouco fruto<<strong>br</strong> />
estavam todos nivelados numa mesma forma de pagamento.<<strong>br</strong> />
Os preços dos mantimentos adquiridos na venda da<<strong>br</strong> />
fazenda eram caros e havia uma certa aflição pelo fato de<<strong>br</strong> />
quererem voltar para o Japão em três anos. Não podiam,<<strong>br</strong> />
contudo, externar abertamente o descontentamento e assim<<strong>br</strong> />
estavam sempre irritados, <strong>com</strong> os nervos à flor da pele.<<strong>br</strong> />
Certo dia, essa situação serviu de estopim para um<<strong>br</strong> />
incidente.<<strong>br</strong> />
Naquele dia, <strong>Haru</strong> e seus familiares trabalhavam,<<strong>br</strong> />
arduamente, sob um sol escaldante, quando chegou um<<strong>br</strong> />
capataz montado a cavalo, que inspecionava os colonos e<<strong>br</strong> />
gritou de forma autoritária:<<strong>br</strong> />
- A família de vocês está produzindo muito pouco.<<strong>br</strong> />
Trabalhem todos <strong>com</strong> mais empenho!<<strong>br</strong> />
Naturalmente, ele falou em português, mas deu para<<strong>br</strong> />
perceber do que se tratava. Yozo parou de trabalhar, atirando os<<strong>br</strong> />
utensílios, num gesto que demonstrava resistência.<<strong>br</strong> />
- 86 -
O grito em português se dirigiu, desta feita, a Yozo:<<strong>br</strong> />
- A produção de vocês é baixa, porque você está fazendo<<strong>br</strong> />
corpo mole.<<strong>br</strong> />
Irado, Yozo perdeu a cabeça e atirou os frutos de café em<<strong>br</strong> />
direção ao capataz. O capataz logo sacou seu revólver e<<strong>br</strong> />
lentamente o apontou para Yozo. Paralisado, ele fitava o cano<<strong>br</strong> />
do revólver <strong>com</strong> fisionomia abobada.<<strong>br</strong> />
Amedrontada, Kiyo ajoelhou-se e esfregou a cabeça no<<strong>br</strong> />
chão.<<strong>br</strong> />
- Desculpe, desculpe, desculpe.<<strong>br</strong> />
Imediatamente Chûji e Shizu também se puseram de<<strong>br</strong> />
joelhos pedindo perdão e <strong>com</strong> isso puderam contornar a<<strong>br</strong> />
situação.<<strong>br</strong> />
Os fazendeiros tinham poder de manutenção da ordem<<strong>br</strong> />
dentro de suas fazendas. Assim, os capatazes eram<<strong>br</strong> />
encarregados pelos fazendeiros de administrar os colonos e<<strong>br</strong> />
podiam castigar os que não obedeciam ou demonstravam<<strong>br</strong> />
resistência às suas ordens.<<strong>br</strong> />
O revólver apontado contra Yozo naquela ocasião teria<<strong>br</strong> />
sido apenas para intimidá-lo, mas serviu para amedrontar toda<<strong>br</strong> />
a família.<<strong>br</strong> />
Mesmo após ouvirem o toque do sino de recolher, Chûji<<strong>br</strong> />
e os demais mem<strong>br</strong>os da família caminharam lentamente de<<strong>br</strong> />
volta para casa. O desespero era <strong>com</strong>um à família Yamashita.<<strong>br</strong> />
Por mais que trabalhassem, não chegavam a resultados<<strong>br</strong> />
promissores. Heizo fitava em silêncio as suas mãos, enquanto<<strong>br</strong> />
caminhava desanimado.<<strong>br</strong> />
- 87 -
Ouvia-se de longe a melodia da música Furusato - Terra<<strong>br</strong> />
Natal, tocada na gaita por Takuya.<<strong>br</strong> />
A letra da música <strong>com</strong>eçava <strong>com</strong> a frase: "Um dia<<strong>br</strong> />
voltaremos à terra natal, tendo cumprido a nossa aspiração."<<strong>br</strong> />
Hokkaido era o lugar em que padeceram de fome e de<<strong>br</strong> />
frio. Portanto, não seria a inolvidável terra natal. Eles não<<strong>br</strong> />
tinham um recanto de que pudessem lem<strong>br</strong>ar <strong>com</strong> saudades.<<strong>br</strong> />
O som melodioso da gaita ecoava no peito machucado de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e de seus familiares, penetrando-lhes as entranhas.<<strong>br</strong> />
Ao chegar em casa, Chûji e os seus familiares sentaramse<<strong>br</strong> />
no chão de terra batida, sem forças nem para falar. Shizu,<<strong>br</strong> />
apesar de cansada, pôs-se a cozinhar, a fim de preparar o<<strong>br</strong> />
jantar.<<strong>br</strong> />
- Outra vez feijão cozido <strong>com</strong> sal e mandioca?<<strong>br</strong> />
- O que você quer? Aqui não tem shoyu (molho de soja),<<strong>br</strong> />
e arroz e carne são caros. Comprando, tudo se transforma em<<strong>br</strong> />
dívidas. Não tem outro jeito, senão agüentar.<<strong>br</strong> />
- Mas, no almoço, a gente só <strong>com</strong>e bananas e toma água.<<strong>br</strong> />
Assim, não temos forças para trabalhar.<<strong>br</strong> />
Não era sem razão que Shigeru e Minoru, que eram jovens<<strong>br</strong> />
em idade de crescimento, reclamavam. De fato, não dava para<<strong>br</strong> />
se sustentar somente <strong>com</strong> feijão.<<strong>br</strong> />
- Não reclame. Em Hokkaido, <strong>com</strong>íamos só uma tigela<<strong>br</strong> />
de papa de painço, que tinha mais água que outra coisa. Pelo<<strong>br</strong> />
menos aqui, podemos <strong>com</strong>er até ficarmos satisfeitos, pois o<<strong>br</strong> />
feijão é barato. Se reclamar, Deus vai castigar, -tentou confortar<<strong>br</strong> />
Chûji, mas Shigeru reagiu, contrariado:<<strong>br</strong> />
- 88 -
- Quem falou que o Brasil era um paraíso? Fomos enganados!<<strong>br</strong> />
Chûji sabia que não apenas o filho, mas todos tinham queixas<<strong>br</strong> />
e descontentamentos.<<strong>br</strong> />
- Trabalhando, vamos receber. Aqui é diferente de<<strong>br</strong> />
Hokkaido, onde o inverno é longo. Dá para trabalhar o ano<<strong>br</strong> />
inteiro. Temos que <strong>com</strong>er duas vezes ao dia, ao invés de três,<<strong>br</strong> />
para juntar dinheiro e voltar logo ao Japão.<<strong>br</strong> />
- Mas a nossa porção do cafezal é a mais distante e é<<strong>br</strong> />
duro ir até lá e voltar. Além do mais, os nossos pés de café<<strong>br</strong> />
estão ruins. Só tem metade dos frutos de outros pés.<<strong>br</strong> />
Devido ao incidente <strong>com</strong> o capataz, a paciência de Yozo<<strong>br</strong> />
já estava no limite. Ainda que fossem colonos, os japoneses,<<strong>br</strong> />
de uma forma geral, recebiam um tratamento discriminado<<strong>br</strong> />
em <strong>com</strong>paração aos colonos provenientes da Europa, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
os italianos, espanhóis, portugueses e outros. A desigualdade<<strong>br</strong> />
era patente, tanto em termos de localização dos pés de café<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o em volume de frutos do café. Ainda que levassem em<<strong>br</strong> />
consideração o fato de que os japoneses eram novatos, a<<strong>br</strong> />
situação era demais.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que a gente trabalhe <strong>com</strong> todas as nossas forças,<<strong>br</strong> />
vamos colher a metade dos outros. Ou seja, a nossa renda<<strong>br</strong> />
também será a metade. Não existe injustiça maior! Você tem<<strong>br</strong> />
que reclamar, mano!<<strong>br</strong> />
- Não tem jeito se nos foi destinado um local <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />
safra po<strong>br</strong>e. Se reclamarmos, vão nos mandar embora. O sr.<<strong>br</strong> />
Kurita me advertiu so<strong>br</strong>e isso.<<strong>br</strong> />
Yozo se calou, <strong>com</strong> fisionomia ressentida e Chûji<<strong>br</strong> />
- 89 -
continuou a aconselhar:<<strong>br</strong> />
- Por mais que tentemos, os japoneses serão sempre<<strong>br</strong> />
japoneses. Por isso, não há outro jeito senão vencer. Vamos<<strong>br</strong> />
mostrar-lhes que o japonês é um povo esforçado, trabalhador,<<strong>br</strong> />
para que os outros não nos façam de bobos.<<strong>br</strong> />
- Não dá para agüentar tamanha besteira! - es<strong>br</strong>avejou<<strong>br</strong> />
Yozo num acesso de ira, jogando o hashi.<<strong>br</strong> />
- O quê? - Chûji gritou, irado.<<strong>br</strong> />
- Querido! - tentou apaziguar Shizu.<<strong>br</strong> />
- Se soubesse que era assim, seria bem melhor ter ficado<<strong>br</strong> />
no Japão. Por mais que sofrêssemos, não seríamos<<strong>br</strong> />
discriminado por sermos japoneses, não é mesmo?<<strong>br</strong> />
Yozo já estava cheio das ponderações do irmão. Começou<<strong>br</strong> />
a descarregar sua raiva, esmurrando a parede. Kiyo <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />
a chorar, agarrando os <strong>br</strong>aços do seu marido.<<strong>br</strong> />
O trabalho da fazenda era pesado, mas diziam que não<<strong>br</strong> />
era insuportável para os lavradores japoneses, que vinham<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> experiências de sofrimento <strong>com</strong>o a que<strong>br</strong>a de safra ou<<strong>br</strong> />
estragos ocasionados pelo frio. O que causava o sofrimento e<<strong>br</strong> />
agressividade nos japoneses eram a discriminação racial e a<<strong>br</strong> />
dominação psicológica pelas armas.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> saiu. Era insuportável assistir à <strong>br</strong>iga dos seus<<strong>br</strong> />
familiares. As desavenças que ocorriam dentro de casa<<strong>br</strong> />
pareciam ser mentiras ao fitar a lua maravilhosa que iluminava<<strong>br</strong> />
o céu noturno.<<strong>br</strong> />
Quando resolveram emigrar, sonharam <strong>com</strong> uma vida<<strong>br</strong> />
abastada junto <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Cama quente e fartura nas<<strong>br</strong> />
- 90 -
efeições. Uma vida em família, repleta de risos. <strong>Haru</strong> nada podia<<strong>br</strong> />
fazer diante do vazio que sentia em ver transformado em ilusões,<<strong>br</strong> />
o pequeno luxo que chegara a sonhar.<<strong>br</strong> />
"A colheita dos frutos do café terminou e estamos<<strong>br</strong> />
carpindo o cafezal. Esse é o nosso trabalho até a<<strong>br</strong> />
próxima colheita e achávamos que a jornada seria<<strong>br</strong> />
mais amena. Contudo, as ervas daninhas crescem<<strong>br</strong> />
sem parar, por mais que façamos o trabalho de<<strong>br</strong> />
capinação. Se descuidarmos, o trabalho atrasa e o<<strong>br</strong> />
capataz vem chamar a nossa atenção. Assim sendo,<<strong>br</strong> />
ninguém descansa e continua a trabalhar. "<<strong>br</strong> />
A boa frutificação dos pés de café depende enormemente<<strong>br</strong> />
do trabalho de capinação das ervas daninhas, após a colheita.<<strong>br</strong> />
Para que os pés de café que estavam a cargo da família<<strong>br</strong> />
Takakura frutificassem bem, era necessário cortar bem o<<strong>br</strong> />
capim que crescia ao redor. Se voltassem a crescer, era preciso<<strong>br</strong> />
cortar de novo e assim sucessivamente. Tratava-se de um<<strong>br</strong> />
ciclo que não tinha fim.<<strong>br</strong> />
Até mesmo Chûji que vinha encorajando a família, por<<strong>br</strong> />
vezes passando pitos, trabalhando à frente de todos, estava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a fisionomia cansada. Ao terminar o trabalho, ficava a<<strong>br</strong> />
fumar e a<strong>com</strong>panhava <strong>com</strong> os olhos a fumaça pairando no ar.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçara a preparar a sua horta nos momentos de<<strong>br</strong> />
descanso do seu trabalho no cafezal. Logo, as folhas das<<strong>br</strong> />
hortaliças ficaram verdes. Kurita tinha razão ao dizer que as plantas<<strong>br</strong> />
- 91 -
cresciam rápido nesse país.<<strong>br</strong> />
Sentindo-se encorajada <strong>com</strong> os resultados, <strong>Haru</strong> molhava<<strong>br</strong> />
as plantas <strong>com</strong> freqüência, carregando os baldes d'água.<<strong>br</strong> />
- Como você é forte, <strong>Haru</strong>! - <strong>com</strong>entou Takuya, que já<<strong>br</strong> />
perdera a forma jovial tão peculiar à sua maneira de ser.<<strong>br</strong> />
- Estão todos exaustos. E eu não tenho para onde lançar<<strong>br</strong> />
os meus sentimentos. Há uma grande diferença entre o sonho<<strong>br</strong> />
e a realidade.<<strong>br</strong> />
- E eu que pensava em formar um time de beisebol...<<strong>br</strong> />
Ninguém consegue fazer mais nada além de trabalhar,<<strong>br</strong> />
trabalhar e <strong>com</strong>er... Não era para ser assim...<<strong>br</strong> />
- É mesmo! Eu até agüento trabalhar ou <strong>com</strong>er feijão<<strong>br</strong> />
todos os dias. Mas, ainda bem que a minha irmã teve tra<strong>com</strong>a.<<strong>br</strong> />
Não precisou passar por essa privação.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> procurava encarar alegremente os fatos, ainda que<<strong>br</strong> />
fossem pesados.<<strong>br</strong> />
- Recebi uma carta de um amigo. Ele disse que estava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> inveja de mim, que vim ao Brasil cheio de sonhos. No<<strong>br</strong> />
Japão, todos pensam assim. Mesmo essas cartas, não são<<strong>br</strong> />
entregues aqui. As cartas são deixadas na estação, e alguém<<strong>br</strong> />
da fazenda que passa por lá, de vez em quando, as traz para<<strong>br</strong> />
nós. Não temos tempo nem de ir buscá-las pessoalmente.<<strong>br</strong> />
- Que bom que você tem alguém que lhe escreve!<<strong>br</strong> />
- Mas não consigo responder, contando da vida miserável<<strong>br</strong> />
que levamos aqui!<<strong>br</strong> />
- Agora que terminamos a colheita dos frutos de café, está<<strong>br</strong> />
dando para fazer a minha própria horta. Aí, acho que a vida vai<<strong>br</strong> />
- 92 -
melhorar um pouco...<<strong>br</strong> />
Takuya estava sentado, segurando os seus joelhos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
melancolia.<<strong>br</strong> />
- Vamos jogar bola. Eu também sei jogar bola.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> tomou a bola de Takuya e a jogou para ele. Takuya,<<strong>br</strong> />
por sua vez devolveu de tal forma que <strong>Haru</strong> pudesse pegá-la<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> facilidade. O vai e vem do jogo de bola continuou. Era o<<strong>br</strong> />
jogo chamado "catch bali". Incentivado por <strong>Haru</strong>, Takuya<<strong>br</strong> />
voltou a sorrir <strong>com</strong>o sempre.<<strong>br</strong> />
Aconteceu, contudo, um incidente num certo dia em que<<strong>br</strong> />
a rotina da capinação e as refeições de feijão continuavam.<<strong>br</strong> />
- Pai, não agüento mais. Já chega!<<strong>br</strong> />
De repente, Minoru atirou a enxada.<<strong>br</strong> />
- Minoru, Minoru. - gritou Chûji.<<strong>br</strong> />
Shizu segurou o marido, que a passos largos tentava<<strong>br</strong> />
alcançar Minoru, e procurou falar <strong>com</strong> o filho de forma mansa<<strong>br</strong> />
e delicada. Ela fitou os olhos do seu filho, chamando-o<<strong>br</strong> />
carinhosamente pelo nome:<<strong>br</strong> />
- Minoru...<<strong>br</strong> />
Com isso, Minoru voltou ao trabalho parecendo estar mais<<strong>br</strong> />
conformado. <strong>Haru</strong> e os demais, que haviam parado de<<strong>br</strong> />
trabalhar, e assistiam ao desenrolar dos acontecimentos,<<strong>br</strong> />
respiraram aliviados e também voltaram aos respectivos<<strong>br</strong> />
trabalhos. Todos pensavam da mesma forma. O esgotamento<<strong>br</strong> />
da paciência de Minoru, bem <strong>com</strong>o a resistência de Chûji,<<strong>br</strong> />
refletiam a corda bamba em que caminhavam. E assim os<<strong>br</strong> />
dias foram passando.<<strong>br</strong> />
- 93 -
"Estou bem. Mas agora, <strong>Natsu</strong>, realmente acho que<<strong>br</strong> />
foi melhor tê-la deixado no Japão. Esforce-se e não<<strong>br</strong> />
desanime mesmo que a tia a maltrate. Avisei-a antes<<strong>br</strong> />
que o endereço é diferente do que deixamos <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
Contudo, <strong>com</strong>o as suas cartas não chegam, estamos<<strong>br</strong> />
todos preocupados. Escreva-me mesmo que seja uma<<strong>br</strong> />
carta curta, por favor. Estarei esperando. "<<strong>br</strong> />
Na sua residência em Tóquio, <strong>Natsu</strong> se concentrava na<<strong>br</strong> />
leitura das cartas de <strong>Haru</strong>, esquecendo o avançar das horas.<<strong>br</strong> />
As cartas que chegaram em suas mãos após 70 anos<<strong>br</strong> />
transpareciam a sinceridade de sua irmã.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a gaveta e tirou a foto da Hospedaria dos<<strong>br</strong> />
Emigrantes de Kobe. O olhar de <strong>Natsu</strong> era acanhado e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
tinha um ar sério.<<strong>br</strong> />
Era a última foto de família da qual não conseguira se<<strong>br</strong> />
desfazer.<<strong>br</strong> />
Yamato a<strong>br</strong>iu a cortina do quarto do hotel <strong>com</strong> força, e<<strong>br</strong> />
contemplou a vista noturna de Tóquio.<<strong>br</strong> />
- É a primeira vez que ouço so<strong>br</strong>e o que a senhora passou!<<strong>br</strong> />
- Não adianta ficar chorando as mágoas do passado. E,<<strong>br</strong> />
além disso, eu sempre estive ocupada. Você, também, não tinha<<strong>br</strong> />
tempo nem interesse para conversar <strong>com</strong>igo, não é?<<strong>br</strong> />
- Mas não dá para acreditar que, naquela época, o correio<<strong>br</strong> />
não entregava as cartas em casa e as pessoas tinham que ir<<strong>br</strong> />
- 94 -
uscá-las na estação!<<strong>br</strong> />
- Isso indica o quanto as fazendas de café eram extensas<<strong>br</strong> />
e situadas em locais de difícil acesso.<<strong>br</strong> />
- Então, será que as cartas que a dona <strong>Natsu</strong> lhe enviou<<strong>br</strong> />
não estavam sendo entregues em outra estação? A sua família<<strong>br</strong> />
foi enviada para outra fazenda de café, diferente daquela do<<strong>br</strong> />
endereço entregue para a dona <strong>Natsu</strong>, não é?<<strong>br</strong> />
- Por isso, eu avisei logo por carta que o endereço era<<strong>br</strong> />
outro...<<strong>br</strong> />
- Mas a dona <strong>Natsu</strong> falou que não recebeu nenhuma carta<<strong>br</strong> />
sua, vovó! Não dá para saber o porquê, mas isso quer dizer<<strong>br</strong> />
que ela não recebeu tampouco a sua carta avisando da<<strong>br</strong> />
mudança de endereço, não é?<<strong>br</strong> />
-...?<<strong>br</strong> />
- A dona <strong>Natsu</strong> teimou que havia mandado cartas para a<<strong>br</strong> />
senhora! Talvez ela tenha mandado cartas para o endereço<<strong>br</strong> />
que lhe fora dado em Kobe, na despedida, sem saber que a<<strong>br</strong> />
fazenda na qual sua família foi trabalhar havia mudado... Onde<<strong>br</strong> />
era mesmo a fazenda que vocês iam?<<strong>br</strong> />
- Ah!... Eu ainda tenho o papel <strong>com</strong> o endereço...<<strong>br</strong> />
- Então, se verificarmos nessa estação e perguntarmos<<strong>br</strong> />
pelas cartas remetidas pela dona <strong>Natsu</strong>, pode ser que elas<<strong>br</strong> />
ainda estejam lá...<<strong>br</strong> />
- Imagine! São coisas de 70 anos atrás! Não acredito que<<strong>br</strong> />
eles tenham guardado até hoje. Além disso, pode ser que essa<<strong>br</strong> />
estação nem exista mais.<<strong>br</strong> />
- Se as cartas chegaram lá, pode ser que alguém as tenha<<strong>br</strong> />
- 95 -
guardado. Bem, não custa tentar. Vamos telefonar para o papai<<strong>br</strong> />
e pedir para ele verificar.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada pela intenção. Mas, vamos deixar para lá...<<strong>br</strong> />
Eu já estive nessa estação tempos atrás, perguntando pelas<<strong>br</strong> />
cartas.<<strong>br</strong> />
- Pude me certificar de que ela está feliz. Já é o suficiente.<<strong>br</strong> />
Aquela vontade de passar a velhice <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> no Japão, não<<strong>br</strong> />
passou de um sonho tolo. Não tenho mais nada que me prenda<<strong>br</strong> />
aqui. Quero voltar logo para o Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se esforçava para parecer otimista.<<strong>br</strong> />
Yamato pensou consigo mesmo que a avó, na realidade,<<strong>br</strong> />
gostaria de vê-la e disse:<<strong>br</strong> />
- Vou ligar para o pai!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panhou <strong>com</strong> perplexidade, Yamato, que se<<strong>br</strong> />
levantara para telefonar. Ainda que Kunio, pai de Yamato,<<strong>br</strong> />
procurasse, era provável que as cartas não fossem encontradas.<<strong>br</strong> />
Ainda que tenha perdido as esperanças, não gostaria de ouvir<<strong>br</strong> />
a resposta "não". Quanto maior a esperança, maior é o<<strong>br</strong> />
desespero que fere <strong>com</strong> profundidade o coração do ser<<strong>br</strong> />
humano. <strong>Haru</strong> vinha experimentando tal sentimento ao longo<<strong>br</strong> />
desses anos.<<strong>br</strong> />
Já tarde da noite, mesmo após Yamato ter adormecido,<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conseguia adormecer por estar tensa e excitada.<<strong>br</strong> />
" Vocês me abandonaram há 70 anos quando eu tinha sete<<strong>br</strong> />
anos."<<strong>br</strong> />
As palavras lançadas por <strong>Natsu</strong> ainda ecoavam nos seus<<strong>br</strong> />
- 96 -
ouvidos.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, que a<strong>br</strong>açara <strong>Haru</strong> em prantos chamando-a de<<strong>br</strong> />
"mana" no passadiço do navio no porto de Kobe...<<strong>br</strong> />
"Avante <strong>com</strong>patriotas, cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />
Para o Brasil, na longínqua América do Sul<<strong>br</strong> />
Irradia a luz da Pátria<<strong>br</strong> />
E quão corajosa é a partida de hoje.<<strong>br</strong> />
Viva! Viva! Muitas vivas!"<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> cantarolava baixo a letra do Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />
Patrícios que Emigram para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Aquela <strong>Natsu</strong>, que chorava na ponta do cais do porto de<<strong>br</strong> />
Kobe, tornara-se a presidente de uma grande empresa e<<strong>br</strong> />
recusara-se a receber <strong>Haru</strong>, que tinha ido vê-la, vinda de tão<<strong>br</strong> />
longe. Para <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, qual teria sido o significado<<strong>br</strong> />
daqueles vivas?<<strong>br</strong> />
Dali a cerca de três dias, numa manhã de céu límpido,<<strong>br</strong> />
Yamato acordou <strong>com</strong> um grande bocejo, junto ao raiar do<<strong>br</strong> />
sol que entrava pela janela. <strong>Haru</strong> já estava fazendo as malas.<<strong>br</strong> />
O apartamento em que Yamato iria morar durante a vida<<strong>br</strong> />
universitária, já havia sido alugado, assim <strong>com</strong>o tinha<<strong>br</strong> />
encontrado um emprego. Apresentaram-lhe uma empresa de<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ércio exterior que tinha negócios <strong>com</strong> o Brasil e o seu<<strong>br</strong> />
conhecimento da língua portuguesa seria útil.<<strong>br</strong> />
- Com isso, terminou minha missão aqui no Japão. Posso<<strong>br</strong> />
- 97 -
voltar tranqüila ao Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> respirou aliviada, mas ainda tinha algo para deixar<<strong>br</strong> />
dito a Yamato.<<strong>br</strong> />
- Vai ser difícil ir à faculdade e trabalhar, mas eu quero<<strong>br</strong> />
que, ao menos você, viva <strong>com</strong>o um japonês. É o meu último<<strong>br</strong> />
desejo!<<strong>br</strong> />
- Tudo bem, vovó! Eu tenho nacionalidade japonesa<<strong>br</strong> />
também. Pretendo me esforçar no treino de judô, e participar<<strong>br</strong> />
das olimpíadas representando o Japão. Quero que esteja bem<<strong>br</strong> />
até lá, viu?<<strong>br</strong> />
O talento de judô de Yamato já chegara a um nível<<strong>br</strong> />
respeitável no Brasil.<<strong>br</strong> />
- Esforce-se na faculdade, e participe das olimpíadas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a bandeira japonesa no peito. Assim, ficarei muito orgulhosa.<<strong>br</strong> />
Naquele momento, tocou o celular de Yamato. O visor<<strong>br</strong> />
indicava que a ligação era do Brasil.<<strong>br</strong> />
- Papai? É verdade? Que maravilha!<<strong>br</strong> />
Yamato falava em português quando estava eufórico. A<<strong>br</strong> />
ligação era de Kunio, pai de Yamato.<<strong>br</strong> />
Yamato sorriu para <strong>Haru</strong>, de forma matreira.<<strong>br</strong> />
- Acharam as cartas de dona <strong>Natsu</strong>!<<strong>br</strong> />
- As cartas de <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
Excitada, <strong>Haru</strong> pegou o celular da mão de Yamato.<<strong>br</strong> />
- Kunio, sou eu!<<strong>br</strong> />
Kunio estava em frente a uma loja, numa cidade do interior<<strong>br</strong> />
do estado de São Paulo. Segurava firmemente em suas mãos um<<strong>br</strong> />
pacote antigo.<<strong>br</strong> />
- 98 -
- Mamãe, aquela estação não existe mais. Porém, o<<strong>br</strong> />
funcionário da estação havia deixado as cartas na loja de um<<strong>br</strong> />
japonês, nas proximidades. O remetente é, <strong>com</strong> certeza, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
Takakura. Vou enviá-las imediatamente. Espere uns três ou<<strong>br</strong> />
quatro dias.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada, o<strong>br</strong>igada, Kunio... Se eu puder ler as cartas<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong> e souber <strong>com</strong>o ela viveu aqui, pode ser que possamos<<strong>br</strong> />
conversar de novo. Vou esperar as cartas chegarem... Vou<<strong>br</strong> />
esperar...<<strong>br</strong> />
Os olhos de <strong>Haru</strong>, úmidos, <strong>br</strong>ilhavam de alegria.<<strong>br</strong> />
- 99 -
Capítulo II<<strong>br</strong> />
O Encontro e a Despedida<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Yamato haviam encontrado <strong>Natsu</strong> no final do mês<<strong>br</strong> />
de março. Nesse intervalo, as cerejeiras floriram em Tóquio.<<strong>br</strong> />
Do apartamento de quarto e cozinha que Yamato alugara,<<strong>br</strong> />
podia se dar ao luxo de assistir as cerejeiras em plena floração.<<strong>br</strong> />
Yamato suspirava, entretanto, olhando atentamente para o<<strong>br</strong> />
recibo de <strong>com</strong>pras.<<strong>br</strong> />
- Realmente, no Japão as coisas são caras. Não é fácil<<strong>br</strong> />
alugar um apartamento e viver aqui.<<strong>br</strong> />
Achando graça na sua maneira de falar, estranha a um<<strong>br</strong> />
jovem, <strong>Haru</strong> parou de passar pano no chão.<<strong>br</strong> />
- Em <strong>com</strong>pensação, ganha-se bem trabalhando no Japão.<<strong>br</strong> />
Esse dinheiro no Brasil vale muitas vezes mais. Dá para<<strong>br</strong> />
entender porque tantos nisseis e sanseis estão vindo para cá<<strong>br</strong> />
trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis.<<strong>br</strong> />
- Para nós que ganhamos dinheiro <strong>com</strong> tanto suor,<<strong>br</strong> />
lavrando terras no Brasil, parece bobagem gastá-lo no Japão.<<strong>br</strong> />
- Deixe disso! Pelo menos, podemos <strong>com</strong>er sem<<strong>br</strong> />
precisarmos trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis. Tenho que agradecer<<strong>br</strong> />
por ter podido voltar ao Japão.<<strong>br</strong> />
Acreditando que, ao trabalhar por três anos, poderia juntar<<strong>br</strong> />
dinheiro suficiente para viver <strong>com</strong> fartura no Japão, muitos<<strong>br</strong> />
japoneses foram para o Brasil <strong>com</strong>o decasséguis. Agora, está<<strong>br</strong> />
ocorrendo o fenômeno inverso. Os descendentes de japoneses<<strong>br</strong> />
- 101 -
estão indo trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis no Japão. <strong>Haru</strong> é<<strong>br</strong> />
tomada por uma emoção profunda, quando pensa na<<strong>br</strong> />
"mudança dos tempos".<<strong>br</strong> />
- São 70 anos desde que a senhora foi para o Brasil, vovó!<<strong>br</strong> />
É natural que tudo mude... tanto no Brasil <strong>com</strong>o no Japão.<<strong>br</strong> />
O que não muda é a grande dádiva que o Brasil recebe do<<strong>br</strong> />
sol e do solo. Antigamente, os produtos agrícolas ficavam à<<strong>br</strong> />
mercê do clima e os lavradores tinham que ficar de <strong>br</strong>aços<<strong>br</strong> />
cruzados, sofrendo <strong>com</strong> as intempéries da natureza. Mesmo<<strong>br</strong> />
assim, continuaram a trabalhar e conseguiram realizar o desejo<<strong>br</strong> />
de retornar ao Japão.<<strong>br</strong> />
O temperamento alegre dos <strong>br</strong>asileiros e o progresso da<<strong>br</strong> />
civilização ajudaram muito. A distância que separa o Japão e<<strong>br</strong> />
o Brasil, cujo percurso demorava um mês e meio no vapor de<<strong>br</strong> />
imigrantes, é feita, atualmente, em 24 horas de avião. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
se sentia grata por ter so<strong>br</strong>evivido, até os dias de hoje, para<<strong>br</strong> />
usufruir destes benefícios.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> voltou novamente a passar o pano no quarto. Yamato<<strong>br</strong> />
estava desfazendo as bagagens e arrumando os móveis e os<<strong>br</strong> />
utensílios. Yamato levará a vida de universitário naquele<<strong>br</strong> />
quarto.<<strong>br</strong> />
- Pode deixar, vovó! A senhora vai se cansar. Pode deixar<<strong>br</strong> />
que eu faço o resto. Volte logo ao hotel e descanse.<<strong>br</strong> />
- É que não consigo ficar sem fazer nada, só esperando<<strong>br</strong> />
as cartas de <strong>Natsu</strong> chegarem. Os movimentos ajudam a me<<strong>br</strong> />
distrair.<<strong>br</strong> />
Kunio despachara as cartas de <strong>Natsu</strong> via aérea, mas não<<strong>br</strong> />
- 102 -
se sabia quando chegariam. Poderia ser hoje ou talvez amanhã.<<strong>br</strong> />
Se ficasse apenas esperando, certamente ficaria impaciente,<<strong>br</strong> />
sem saber o que fazer.<<strong>br</strong> />
De repente, <strong>com</strong>o se estivesse lem<strong>br</strong>ando de algo e <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
os olhos <strong>br</strong>ilhando iguais aos de uma criança, <strong>Haru</strong> disse:<<strong>br</strong> />
- Vou cancelar a reserva do hotel e ficar aqui, já que<<strong>br</strong> />
arrumamos um apartamento para você. Vou lhe causar<<strong>br</strong> />
incômodo, pois <strong>com</strong>igo aqui ficará apertado, mas agüente<<strong>br</strong> />
por algum tempo. É desperdício ficar gastando <strong>com</strong> hotel.<<strong>br</strong> />
- Por mim, tudo bem. Mas, a senhora juntou dinheiro<<strong>br</strong> />
pensando em passar a velhice no Japão <strong>com</strong> sua irmã, se ela<<strong>br</strong> />
estivesse viva. Pode ser que esta seja a sua última estada no<<strong>br</strong> />
Japão. É melhor aproveitar um pouco!<<strong>br</strong> />
- Por isso mesmo, enquanto eu permanecer aqui, quero<<strong>br</strong> />
passar o máximo de tempo <strong>com</strong> você, que ficará no Japão.<<strong>br</strong> />
- Depois de ler as cartas da dona <strong>Natsu</strong>, pode ser que a<<strong>br</strong> />
senhora mude de idéia.<<strong>br</strong> />
Talvez Yamato estivesse certo. Se ele não tivesse ligado<<strong>br</strong> />
para Kunio, <strong>Haru</strong> teria voltado desiludida e triste para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Essas cartas chegarão logo. Com a sua leitura poderá saber<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o <strong>Natsu</strong> viveu desde que se separou da família.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ainda estava sofrendo. Se, ao ler as cartas de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
pudesse <strong>com</strong>preender um pouco da sua solidão, poderia<<strong>br</strong> />
encontrá-la mais uma vez e conversar <strong>com</strong> calma. Mesmo<<strong>br</strong> />
que fosse a partir daquele momento, poderia <strong>com</strong>partilhar,<<strong>br</strong> />
ainda que somente por um <strong>br</strong>eve período, o sofrimento que<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> carregou durante 70 anos.<<strong>br</strong> />
- 103 -
Nisso, Yamato recebe um recado do hotel no telefone<<strong>br</strong> />
celular, informando que havia chegado um pacote via aérea<<strong>br</strong> />
do Brasil.<<strong>br</strong> />
- São as cartas da dona <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou grata ao Yamato, Kunio e à <strong>Natsu</strong>, que<<strong>br</strong> />
escrevera aquelas cartas há 70 anos. Correu ao hotel e, ansiosa,<<strong>br</strong> />
recebeu o envelope de papel que Kunio enviara, agradecendo<<strong>br</strong> />
as recepcionistas do hotel.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada, estava esperando a chegada deste pacote.<<strong>br</strong> />
Espiando <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> o rosto iluminado pela euforia,<<strong>br</strong> />
Yamato sorriu feliz.<<strong>br</strong> />
No quarto de hotel, <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu o envelope de papel, não<<strong>br</strong> />
podendo esperar nem um minuto a mais, tirando<<strong>br</strong> />
cuidadosamente o maço de cartas. O destinatário estava<<strong>br</strong> />
escrito em alfabeto na parte frontal do envelope, em letras<<strong>br</strong> />
bem vacilantes.<<strong>br</strong> />
- É a letra de <strong>Natsu</strong>. Esta é a letra de <strong>Natsu</strong> quando ela<<strong>br</strong> />
tinha sete anos. Esse endereço, escrito em alfabeto... é o que<<strong>br</strong> />
um encarregado da empresa de emigração escreveu num<<strong>br</strong> />
papel. Nós o entregamos a <strong>Natsu</strong> na hora de nos separarmos<<strong>br</strong> />
em Kobe. Coitada, deve ter sido difícil imitar, pois ela nunca<<strong>br</strong> />
tinha visto letras desse tipo. É admirável que, <strong>com</strong> estas letras,<<strong>br</strong> />
a carta tenha chegado naquela estação do interior do Brasil...<<strong>br</strong> />
- E mesmo... É incrível que o pessoal tenha guardado as<<strong>br</strong> />
cartas durante 70 anos.<<strong>br</strong> />
Só por isso, <strong>Haru</strong> já estava profundamente emocionada.<<strong>br</strong> />
A estação estava, há muito, desativada. Na ocasião do<<strong>br</strong> />
- 104 -
fechamento, algum funcionário da estação deixara as cartas<<strong>br</strong> />
endereçadas aos japoneses numa loja administrada por<<strong>br</strong> />
nikkeis, nas proximidades.<<strong>br</strong> />
E o dono da loja também deve ter ficado in<strong>com</strong>odado<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> as cartas cuja destinatária não <strong>com</strong>parecia. Entretanto,<<strong>br</strong> />
não as jogou fora e deixou tudo guardado. O gesto do<<strong>br</strong> />
funcionário da estação e do dono da loja demonstrava a<<strong>br</strong> />
generosidade e a integridade da índole dos <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />
Na Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, <strong>Haru</strong> havia<<strong>br</strong> />
escrito uma carta no mesmo dia em que soubera acerca da<<strong>br</strong> />
mudança de endereço, pelo fato de terem sido designados<<strong>br</strong> />
para uma outra fazenda. Essa foi a primeira das diversas cartas<<strong>br</strong> />
que <strong>Haru</strong> escrevera para <strong>Natsu</strong>. O fato das cartas enviadas<<strong>br</strong> />
pela <strong>Natsu</strong> estarem <strong>com</strong> endereço que lhe fora dado em Kobe,<<strong>br</strong> />
era uma prova de que as cartas de <strong>Haru</strong>, desde a primeira,<<strong>br</strong> />
jamais haviam chegado às mãos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> enviara <strong>com</strong> certeza, as cartas endereçadas para a<<strong>br</strong> />
casa de Yosaku, o tio de Hokkaido. Aliás, mandara diversas<<strong>br</strong> />
cartas. O que, teria acontecido afinal?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu <strong>com</strong> cuidado o envelope já desbotado, usando<<strong>br</strong> />
uma tesoura, e tirou a carta.<<strong>br</strong> />
"Mana, você já chegou no Brasil? O Brasil deve ser<<strong>br</strong> />
um lugar maravilhoso. Estou muito triste em não ter<<strong>br</strong> />
podido ir <strong>com</strong> vocês, por causa do tra<strong>com</strong>a. Mas,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o vocês vão voltar em três anos, vou agüentar e<<strong>br</strong> />
esperar. Até agora, vejo em sonhos a cena em que<<strong>br</strong> />
- 105 -
fui deixada em Kobe, e acordo chorando.<<strong>br</strong> />
Mana, depois que o navio que levou vocês partiu,<<strong>br</strong> />
fiquei no cais até não poder mais vê-lo. Quando<<strong>br</strong> />
percebi, não tinha mais ninguém. Então, voltei<<strong>br</strong> />
chorando à hospedaria. Até há algumas horas atrás,<<strong>br</strong> />
a hospedaria estava cheia de gente, mas agora não<<strong>br</strong> />
há mais ninguém. Então, me dei conta de que só eu<<strong>br</strong> />
fui deixada. E chorei, solitária.<<strong>br</strong> />
Por três dias fiquei esperando a vovó vir me<<strong>br</strong> />
buscar. Durante esse tempo, passei os dias chorando<<strong>br</strong> />
de tristeza. Nem conseguia <strong>com</strong>er as refeições que<<strong>br</strong> />
me deram. Por isso, quando a vovó chegou, fiquei<<strong>br</strong> />
feliz de verdade."<<strong>br</strong> />
Numa sala semi-escura da Hospedaria dos Emigrantes<<strong>br</strong> />
de Kobe, <strong>Natsu</strong> está sentada no chão, cabisbaixa, a<strong>br</strong>açada<<strong>br</strong> />
aos joelhos. Era muito bonito observar as pétalas das cerejeiras<<strong>br</strong> />
caindo, nas imediações da Hospedaria. O consolo que este<<strong>br</strong> />
espetáculo proporcionava, entretanto era instantâneo. Logo,<<strong>br</strong> />
voltava a lem<strong>br</strong>ar do momento da despedida no cais.<<strong>br</strong> />
Passavam-se os dias e <strong>Natsu</strong> continuava agachada num canto<<strong>br</strong> />
da sala.<<strong>br</strong> />
A<strong>br</strong>iu-se a porta e <strong>Natsu</strong> se so<strong>br</strong>essaltou, mas ao ver o<<strong>br</strong> />
encarregado de pé, baixou os olhos novamente.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, sua avó chegou!<<strong>br</strong> />
Os olhos de <strong>Natsu</strong> procuraram por Nobu.<<strong>br</strong> />
-Não sei <strong>com</strong>o lhe agradecer...<<strong>br</strong> />
- 106 -
Viu os cabelos <strong>br</strong>ancos despenteados e as costas curvadas<<strong>br</strong> />
da avó agradecendo ao encarregado.<<strong>br</strong> />
-Vovó!<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>!...<<strong>br</strong> />
Nobu correu para a<strong>br</strong>açar <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força. <strong>Natsu</strong> se<<strong>br</strong> />
lançou nos <strong>br</strong>aços de Nobu e chorou em voz alta. Nesses três<<strong>br</strong> />
dias, mesmo que quisesse chorar em voz alta, não havia <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
quem fazê-lo.<<strong>br</strong> />
- Coitadinha! Você estava tão ansiosa para ir ao Brasil!<<strong>br</strong> />
Como é que foi acontecer uma desgraça dessas? Queria chegar<<strong>br</strong> />
mais cedo, mas do interior de Hokkaido até Kobe é muito<<strong>br</strong> />
longe. Você, sozinha neste lugar, me esperando... Deve ter<<strong>br</strong> />
sido muito triste.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> soluçava sem poder falar.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que volte a Hokkaido, seus pais não estarão lá.<<strong>br</strong> />
A vida vai ser dura outra vez... Mas eu vou protegê-la, <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Sua avó vai estar ao seu lado. Vou protegê-la <strong>com</strong> todas as<<strong>br</strong> />
minhas forças...<<strong>br</strong> />
"Eu não queria voltar para casa do tio, mas não<<strong>br</strong> />
tinha outro lugar para ir. Sem outra alternativa,<<strong>br</strong> />
acabei voltando <strong>com</strong> a vovó. "<<strong>br</strong> />
O apito do trem ressoava ao percorrer o sopé das<<strong>br</strong> />
montanhas cobertas de neve. O vento forte fazia <strong>com</strong> que os<<strong>br</strong> />
flocos de neve esvoaçassem, provocando um estrondo. A<<strong>br</strong> />
paisagem ao redor da casa do tio, bem <strong>com</strong>o o telhado,<<strong>br</strong> />
- 107 -
estavam todos cobertos de neve.<<strong>br</strong> />
O barulho que Kane provocava preparando o jantar,<<strong>br</strong> />
mostrava claramente o seu descontentamento. Kyusaku e<<strong>br</strong> />
Kenta, filhos do casal, e os demais, <strong>br</strong>incavam, ignorando<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Com pena de <strong>Natsu</strong>, que estava encolhida demostrando<<strong>br</strong> />
constrangimento, Yosaku quis mostrar sua bondade <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
tio.<<strong>br</strong> />
- Que desgraça. No Japão, o tra<strong>com</strong>a é uma doença<<strong>br</strong> />
insignificante, mas no Brasil, ela é considerada uma doença<<strong>br</strong> />
contagiosa e terrível. Se eles não aceitam sua entrada no<<strong>br</strong> />
Brasil, não há outro jeito a não ser esperar aqui a volta de<<strong>br</strong> />
todos.<<strong>br</strong> />
De todo modo, Kane não tinha gostado da situação.<<strong>br</strong> />
- Você fala de um jeito tão fácil, mas a coisa não é bem<<strong>br</strong> />
assim. Ela ainda nem ajuda direito na roça, mas vamos ter<<strong>br</strong> />
que lhe dar de <strong>com</strong>er. Como é que os pais podem abandonar<<strong>br</strong> />
a menina assim, sem nem mesmo deixar dinheiro para a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ida? Será que eles pretendem mandar dinheiro do Brasil?<<strong>br</strong> />
- Você não precisa falar assim na frente dela! Contenhase<<strong>br</strong> />
um pouco! <strong>Natsu</strong> é filha do meu irmão. Se ela está passando<<strong>br</strong> />
por dificuldades, é natural que eu, o primogênito e herdeiro<<strong>br</strong> />
da família, cuide dela. Você não tem que se intrometer.<<strong>br</strong> />
Kane não era de se intimidar só porque Yosaku lhe<<strong>br</strong> />
chamara a atenção. Se ficasse intimidada não conseguiria<<strong>br</strong> />
administrar a cozinha <strong>com</strong> tão pouco dinheiro.<<strong>br</strong> />
- Olhe quem fala! Herdeiro? Herdeiro dessa porcaria de<<strong>br</strong> />
- 108 -
oça que não produz quase nada e de uma casa que só tem<<strong>br</strong> />
dívidas? E ainda por cima, deve cuidar da filha do irmão?<<strong>br</strong> />
Nós mesmos não temos o que <strong>com</strong>er! Faça-me o favor...!<<strong>br</strong> />
- Eu também trabalho. Dê a parte que me cabe à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Eu não preciso <strong>com</strong>er...<<strong>br</strong> />
-Vovó...!<<strong>br</strong> />
Nobu normalmente agia <strong>com</strong> parcimônia em relação à<<strong>br</strong> />
nora, mas teve que falar dessa forma. E isso fez <strong>Natsu</strong> sofrer<<strong>br</strong> />
ainda mais.<<strong>br</strong> />
- Não se preocupe. Tenho en<strong>com</strong>endas de costura das<<strong>br</strong> />
pessoas da cidade. Se eu conseguir trabalhos extras, você<<strong>br</strong> />
não passará por dificuldades. Fique sossegada.<<strong>br</strong> />
- A senhora não precisa se sacrificar desse jeito. Se ficar<<strong>br</strong> />
doente, será pior.<<strong>br</strong> />
Kane, de semblante mal-humorado, virou-se e lançou um<<strong>br</strong> />
olhar fulminante para Nobu e Yosaku.<<strong>br</strong> />
Chüji e sua família trabalharão durante três anos no Brasil,<<strong>br</strong> />
e trarão poupança para o Japão. Agüentar durante três anos.<<strong>br</strong> />
Essa era a meta, tanto para <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o para Nobu.<<strong>br</strong> />
Algumas semanas se passaram, sem que ocorressem<<strong>br</strong> />
problemas maiores.<<strong>br</strong> />
- Vou para a escola! - <strong>Natsu</strong> cumprimentou Nobu e os<<strong>br</strong> />
demais familiares e saiu para fora de casa, onde o frio<<strong>br</strong> />
continuava.<<strong>br</strong> />
Kane não gostava que <strong>Natsu</strong> freqüentasse a escola.<<strong>br</strong> />
- Não sei por que você insiste em mandá-los à escola.<<strong>br</strong> />
Não tem nenhuma utilidade.<<strong>br</strong> />
- 109 -
- Nós temos que mandar as crianças à escola. Temos que<<strong>br</strong> />
fazer <strong>com</strong> que elas não fiquem presas a esta terra árida, e<<strong>br</strong> />
sim, que um dia, elas possam trabalhar na cidade. Basta que<<strong>br</strong> />
nós tenhamos uma vida miserável <strong>com</strong>o esta. Fiz até dívidas,<<strong>br</strong> />
porque quero que elas levem pelo menos, uma marmita.<<strong>br</strong> />
- Você sabe que se fizermos dívidas, teremos que pagar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a produção deste ano. Se a safra for ruim outra vez, vamos<<strong>br</strong> />
ter que fugir mesmo daqui. Não adianta eu economizar aqui<<strong>br</strong> />
e ali.<<strong>br</strong> />
- Não se preocupe. A roça é a mesma, mas a família de<<strong>br</strong> />
Chûji e de Yozo não estão mais aqui. Há menos bocas para<<strong>br</strong> />
sustentar. Se a safra for boa, vai so<strong>br</strong>ar colheita para a gente<<strong>br</strong> />
poder pagar as dívidas.<<strong>br</strong> />
Não havia qualquer garantia de que a colheita seria boa<<strong>br</strong> />
naquele ano. A roça árida não mudara e <strong>com</strong> a diminuição de<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>aços, o trabalho não rendia, aumentando os encargos para<<strong>br</strong> />
os que ficaram.<<strong>br</strong> />
Ao imaginar que Chûji e a família estavam vivendo felizes<<strong>br</strong> />
no Brasil, Kane estava descontente <strong>com</strong> o fato de ter que<<strong>br</strong> />
cuidar de <strong>Natsu</strong> e ficava irritada <strong>com</strong> Yosaku, que tentava<<strong>br</strong> />
protegê-la.<<strong>br</strong> />
- Não é por isso que precisamos mandar até <strong>Natsu</strong> para a<<strong>br</strong> />
escola. Se quiserem educá-la, poderá estudar depois que os<<strong>br</strong> />
pais voltarem do Brasil.<<strong>br</strong> />
-Não diga tolices! O curso primário é ensino o<strong>br</strong>igatório.<<strong>br</strong> />
É nossa o<strong>br</strong>igação, uma vez que vamos ficar <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. É<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igação da família do herdeiro.<<strong>br</strong> />
- 110 -
- Já estou cheia dessa história de família do herdeiro.<<strong>br</strong> />
Tenho inveja do pessoal que foi para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Nobu continuava a trabalhar em silêncio. Queria tapar os<<strong>br</strong> />
ouvidos para não ouvir a voz de Kane. Proteger <strong>Natsu</strong> de<<strong>br</strong> />
Kane era tudo o que Nobu poderia fazer.<<strong>br</strong> />
Já passava da metade do mês de a<strong>br</strong>il, mas em Hokkaido,<<strong>br</strong> />
onde morava <strong>Natsu</strong> e os demais mem<strong>br</strong>os da família, ainda<<strong>br</strong> />
restava muita neve. Ao passar pelo bosque que levava à escola,<<strong>br</strong> />
de repente, Kyûsaku e o irmão, que já deviam ter ido na frente,<<strong>br</strong> />
impediram a passagem, parando <strong>Natsu</strong>, que caminhava so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
a neve. Eles estavam preparando uma emboscada.<<strong>br</strong> />
- Pegue a marmita de <strong>Natsu</strong>. - ordenou Kyûsaku a Kenta,<<strong>br</strong> />
agarrando <strong>Natsu</strong> pela gola, de repente, jogando-a no chão.<<strong>br</strong> />
Kenta arrancou a mala de <strong>Natsu</strong> e tirou de dentro o<<strong>br</strong> />
em<strong>br</strong>ulho da marmita.<<strong>br</strong> />
- O que você está fazendo?!<<strong>br</strong> />
- Você, que está morando de favor em nossa casa, não<<strong>br</strong> />
tem o direito de levar marmita para a escola. Meus pais estão<<strong>br</strong> />
trabalhando quase sem <strong>com</strong>er. Se você levar marmita, diminui<<strong>br</strong> />
a nossa parte da <strong>com</strong>ida. Não vou deixar que isso aconteça.<<strong>br</strong> />
Se quiser ir à escola, vá sem marmita. Entendeu?<<strong>br</strong> />
-Mano!<<strong>br</strong> />
Por mais que Ine se <strong>com</strong>padecesse de <strong>Natsu</strong>, não<<strong>br</strong> />
conseguia ir contra Kyûsaku.<<strong>br</strong> />
- Você, cale a boca! Vamos.<<strong>br</strong> />
Kyûsaku levou a marmita de <strong>Natsu</strong> e caminhava <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
fosse um cacique, seguido por Kenta, que o a<strong>com</strong>panhava<<strong>br</strong> />
- 111 -
feito um lacaio. À Ine não restava outra alternativa senão<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhar os irmãos, mas ela caminhava <strong>com</strong> os olhos<<strong>br</strong> />
voltados para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ao ser deixada para trás, <strong>Natsu</strong> ficou olhando deconsolada<<strong>br</strong> />
para o caminho da escola. Levantou-se <strong>br</strong>uscamente, fez meia<<strong>br</strong> />
volta e retornou pelo caminho que viera.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> resolveu ajudar Nobu no trabalho da roça.<<strong>br</strong> />
Preocupada se Yosaku e Kane poderiam ouvir, Nobu<<strong>br</strong> />
perguntou em voz baixa para <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />
- Por que você não vai à escola?<<strong>br</strong> />
- Não gosto de estudar.<<strong>br</strong> />
- O que aconteceu? Você adorava a escola, e suas notas<<strong>br</strong> />
da primeira série eram ótimas.<<strong>br</strong> />
- É que eu ia <strong>com</strong> a <strong>Haru</strong> e era divertido andar pela longa<<strong>br</strong> />
estrada a caminho da escola. Mas ela não está mais aqui. Já<<strong>br</strong> />
sei ler e escrever cartas. É o que basta. É mais divertido ficar<<strong>br</strong> />
ajudando a senhora na roça.<<strong>br</strong> />
Nobu podia imaginar o que havia acontecido. Era melhor<<strong>br</strong> />
ter <strong>Natsu</strong> à sua vista do que forçá-la a ir para a escola. O<<strong>br</strong> />
único lugar em que <strong>Natsu</strong> ficaria tranqüila era ao lado de<<strong>br</strong> />
Nobu, já que não havia outra aliada.<<strong>br</strong> />
Ao terminar de ler a primeira carta, <strong>Haru</strong> imaginara as<<strong>br</strong> />
cenas. Conseguia visualizar nitidamente, <strong>com</strong>o se estivesse<<strong>br</strong> />
naquele lugar. Como <strong>Natsu</strong> deve ter se ressentido e ficado<<strong>br</strong> />
triste.<<strong>br</strong> />
- Então, ela sofreu mesmo. Foi maltratada pelos primos.<<strong>br</strong> />
- 112 -
Se lhe tomaram a marmita, acho que ela não devia ter mesmo<<strong>br</strong> />
vontade de ir à escola.<<strong>br</strong> />
Abatida, <strong>Haru</strong> escolheu o que parecia ser a segunda carta<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong>, e a<strong>br</strong>iu o envelope.<<strong>br</strong> />
"Espero todos os dias sua carta <strong>com</strong> muita<<strong>br</strong> />
ansiedade. Já se passaram três meses depois da sua<<strong>br</strong> />
ida para o Brasil, mas hoje também não chegou<<strong>br</strong> />
nenhuma carta."<<strong>br</strong> />
Finalmente, a primavera chegara também em Hokkaido,<<strong>br</strong> />
um pouco atrasada em relação ao resto do arquipélago.<<strong>br</strong> />
Pequenas flores <strong>br</strong>ancas co<strong>br</strong>iam a roça. <strong>Natsu</strong> trabalhava<<strong>br</strong> />
sem parar e Yosaku e Nobu também se esforçavam mais um<<strong>br</strong> />
pouco até o entardecer. Atraída pelos gritos dos primos que<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>incavam despreocupados, <strong>Natsu</strong> se levantou para olhar e<<strong>br</strong> />
viu o carteiro, montado a cavalo, chegando em sua casa.<<strong>br</strong> />
Kane preparava o jantar no fogão à lenha, na cozinha de<<strong>br</strong> />
chão de terra batida.<<strong>br</strong> />
- Dona Kane, chegou uma carta do Brasil. É para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ela está?<<strong>br</strong> />
- Todos ainda estão na roça. Eu voltei mais cedo para<<strong>br</strong> />
preparar o jantar.<<strong>br</strong> />
- Então, por favor, entregue a ela.<<strong>br</strong> />
O carteiro entrega o envelope a Kane e vai embora. Ao<<strong>br</strong> />
ver a carta que lhe foi entregue, Kane é tomada por um<<strong>br</strong> />
sentimento de raiva.<<strong>br</strong> />
- 113 -
- Quê? Senhorita <strong>Natsu</strong> Takakura? Não mandam nem<<strong>br</strong> />
uma carta de agradecimento para nós! Deviam escrever<<strong>br</strong> />
primeiro para nós contando so<strong>br</strong>e a vida que levam no Brasil...<<strong>br</strong> />
Irritada, a<strong>br</strong>iu o envelope <strong>br</strong>uscamente para retirar a carta.<<strong>br</strong> />
Com o impulso, caíram aos pés de Kane algumas folhas. Ao<<strong>br</strong> />
apanhar, verificou que eram notas de dinheiro japonês. Leu<<strong>br</strong> />
rapidamente a carta, preocupada <strong>com</strong> a chegada de alguém,<<strong>br</strong> />
guardando o dinheiro no cinto do quimono.<<strong>br</strong> />
- Eu vou ficar <strong>com</strong> esse dinheiro. O que essa família está<<strong>br</strong> />
pensando? Não manda dinheiro para o sustento da <strong>Natsu</strong> e<<strong>br</strong> />
fica mandando mesada para ela escondido?<<strong>br</strong> />
E acabou guardando também a carta que ainda estava em<<strong>br</strong> />
suas mãos. Esta era a primeira carta de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
O sol se punha <strong>com</strong>pletamente. Kyusaku e os outros<<strong>br</strong> />
estavam cansados de <strong>br</strong>incar e corriam atrás de Yosaku e<<strong>br</strong> />
Nobu, que retornavam da roça.<<strong>br</strong> />
-Ai, que fome!<<strong>br</strong> />
- Como é que você diz isso se nem ajudou seus pais?<<strong>br</strong> />
Veja a <strong>Natsu</strong>. Ela está deixando de ir à escola para ajudar na<<strong>br</strong> />
roça. Ela trabalha <strong>com</strong>o um adulto. Sigam o exemplo da<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> guardou os instrumentos de trabalho e sem poder<<strong>br</strong> />
esperar mais, correu para a cozinha. Vendo de relance <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
entrar, Kane fingiu estar muito ocupada, andando para lá e<<strong>br</strong> />
para cá, entre a cozinha e a sala. <strong>Natsu</strong> perguntou a Kane:<<strong>br</strong> />
- Não chegou carta do Brasil?<<strong>br</strong> />
-Não. Com certeza, eles já se esqueceram de você.<<strong>br</strong> />
- 114 -
Mesmo que não lhe agradasse ficar <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>, se<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preendesse ao menos um pouco sua tristeza, jamais diria<<strong>br</strong> />
aquelas palavras, pois era o que <strong>Natsu</strong> mais temia.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> mordeu os lábios.<<strong>br</strong> />
Kane devia ter sentido remorsos, pois num rompante de<<strong>br</strong> />
generosidade, virou-se <strong>com</strong> uma fisionomia mais gentil. No<<strong>br</strong> />
entanto, virou-se de costas constrangida.<<strong>br</strong> />
No quarto escuro, já era tarde, mas Nobu ainda trabalhava<<strong>br</strong> />
sob a luz de uma lamparina. <strong>Natsu</strong> procurou aconchego no<<strong>br</strong> />
colo da avó, e Nobu conversava <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> enquanto<<strong>br</strong> />
movimentava a agulha de costura, <strong>com</strong>o se estivesse contando<<strong>br</strong> />
uma história de ninar.<<strong>br</strong> />
- Imagine se eles vão se esquecer de você. Eles devem<<strong>br</strong> />
estar muito ocupados, tentando se adaptar ao Brasil, e não<<strong>br</strong> />
têm tempo para escrever cartas. Qualquer dia chegará uma<<strong>br</strong> />
carta!<<strong>br</strong> />
Kane a<strong>br</strong>iu a porta de correr, levou a filha ao banheiro e<<strong>br</strong> />
atravessou o quarto, dizendo:<<strong>br</strong> />
- Vovó, a senhora ainda está acordada? O óleo de<<strong>br</strong> />
lamparina não é de graça. Mesmo que seja para ajudar <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
não dá para a senhora ficar trabalhando todas as noites até<<strong>br</strong> />
tarde.<<strong>br</strong> />
- Kane! - disse Nobu, tentando se levantar, não<<strong>br</strong> />
suportando mais ficar calada.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, porém, puxou apressadamente a manga da avó.<<strong>br</strong> />
-Vovó, vamos dormir. Trabalhando desse jeito a senhora<<strong>br</strong> />
vai ficar doente!<<strong>br</strong> />
- 115 -
Nobu sorriu, para <strong>Natsu</strong>, suspirando, dando por encerrado<<strong>br</strong> />
o trabalho de costura.<<strong>br</strong> />
- Kane está nervosa porque a vida é dura para ela também.<<strong>br</strong> />
Não ligue para o que ela diz. A vovó também vai parar por<<strong>br</strong> />
hoje.<<strong>br</strong> />
Nobu se levantou para apagar a luz da lamparina, e de<<strong>br</strong> />
repente levou a mão às costas, tentando se apoiar, ao sentir<<strong>br</strong> />
as pernas cambalearem. Sentiu uma dor no coração e caiu.<<strong>br</strong> />
-Vovó?<<strong>br</strong> />
Assustada, <strong>Natsu</strong> tentou ajudar Nobu, que caíra,<<strong>br</strong> />
desfalecida.<<strong>br</strong> />
-Vovó... Vovó...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> tentou levantar Nobu, mas ela não se mexia mais.<<strong>br</strong> />
-Vovó? Alguém ajude!... Vovó!... Vovó!...<<strong>br</strong> />
"A vovó faleceu de repente. Tudo aconteceu de<<strong>br</strong> />
uma hora para outra. Disseram que foi um ataque<<strong>br</strong> />
cardíaco. Ela ficou <strong>com</strong> o coração ruim porque<<strong>br</strong> />
trabalhou demais na roça, afim de <strong>com</strong>pensar o<<strong>br</strong> />
trabalho dos que haviam ido para o Brasil. A tia disse<<strong>br</strong> />
que a vovó ficou doente porque teve que trabalhar<<strong>br</strong> />
até tarde, costurando para fora, por minha causa.<<strong>br</strong> />
Ela falou de um jeito <strong>com</strong>o se eu fosse a culpada<<strong>br</strong> />
pela morte da vovó. O enterro foi triste. A única que<<strong>br</strong> />
chorava era eu. No fim, acabei ficando realmente<<strong>br</strong> />
sozinha nesta casa ".<<strong>br</strong> />
- 116 -
O cortejo em que participavam a família e o monge,<<strong>br</strong> />
passavam pelo caminho entre as roças. Era um enterro simples<<strong>br</strong> />
de uma pessoa que vivera modestamente.<<strong>br</strong> />
O nome budista de Nobu era Shak-uni Myôshin. Não<<strong>br</strong> />
havia propriamente um oratório budista, mas no canto do<<strong>br</strong> />
quarto onde dormiam Nobu e <strong>Natsu</strong>, encontrava-se uma lápide<<strong>br</strong> />
de madeira so<strong>br</strong>e uma caixa de laranjas vazia, o sino e um<<strong>br</strong> />
incenso. <strong>Natsu</strong> estava sentada em frente, desolada. Parecia<<strong>br</strong> />
ter perdido a vontade de falar e de se movimentar.<<strong>br</strong> />
Na sala onde havia uma lareira, Kyûsaku, Kenta e Ine<<strong>br</strong> />
estavam <strong>br</strong>incando alegremente. Só <strong>Natsu</strong> parecia estar<<strong>br</strong> />
profundamente entristecida <strong>com</strong> a morte da avó, pensando<<strong>br</strong> />
no significado da vida de Nobu, que sempre vivera à som<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />
dos demais. A existência de <strong>Natsu</strong>, que dependia de Nobu,<<strong>br</strong> />
passaria a ser insignificante, mas continuaria a ser um estorvo.<<strong>br</strong> />
- Venham jantar! - Kane gritava <strong>com</strong> Kyûsaku e outros,<<strong>br</strong> />
quando a porta de correr foi puxada.<<strong>br</strong> />
Ine disse, espiando o quarto:<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>, venha jantar. Você não <strong>com</strong>eu nada desde que a<<strong>br</strong> />
vovó morreu. Desse jeito, você também vai morrer...<<strong>br</strong> />
Kane apareceu na porta empurrando Ine para o lado.<<strong>br</strong> />
- Se não quiser, não precisa <strong>com</strong>er o<strong>br</strong>igada. Mas, já que<<strong>br</strong> />
a vovó morreu, você, <strong>Natsu</strong>, vai ter que trabalhar por ela.<<strong>br</strong> />
Nossa família não é tão abastada a ponto de poder dar de<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>er aos outros. Você vai ter que trabalhar no campo para<<strong>br</strong> />
ganhar pelo menos o que <strong>com</strong>e.<<strong>br</strong> />
Dizendo isso para <strong>Natsu</strong>, Kane levou Ine para perto da<<strong>br</strong> />
- 117 -
lareira. A refeição era bastante frugal.<<strong>br</strong> />
-Você diz coisas duras somente para a <strong>Natsu</strong>. Antes disso,<<strong>br</strong> />
você devia falar para Kyûsaku e Kenta ajudarem mais. Eles<<strong>br</strong> />
estão indo à escola, mas não aprendem nada e <strong>br</strong>incam o dia<<strong>br</strong> />
inteiro. Você os mima demais.<<strong>br</strong> />
Enquanto defendia <strong>Natsu</strong>, Yosaku tomava a papa de grãos,<<strong>br</strong> />
mastigando o nabo em conserva. Kane não se rebaixava só<<strong>br</strong> />
porque o marido havia ralhado <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />
- Eles têm pais que trabalham. Nós estamos trabalhando<<strong>br</strong> />
muito mais do que os outros para dar de <strong>com</strong>er aos meninos.<<strong>br</strong> />
Por isso, eles não precisam trabalhar. Mas não pretendo<<strong>br</strong> />
trabalhar para dar de <strong>com</strong>er à filha de um cunhado. Nossos<<strong>br</strong> />
filhos e <strong>Natsu</strong> são diferentes.<<strong>br</strong> />
Ao recordar os dias repletos de amargura de 70 anos atrás,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> Yamabe, hoje presidente da Indústria de Doces Hokuô,<<strong>br</strong> />
sentiu-se sufocada.<<strong>br</strong> />
Quantas lágrimas de humilhação havia derramado por<<strong>br</strong> />
causa da violência das palavras de Kane. Dias e meses<<strong>br</strong> />
passavam sem que houvesse qualquer notícia dos pais e<<strong>br</strong> />
irmãos que estavam no Brasil. Depois do falecimento de<<strong>br</strong> />
Nobu, <strong>Natsu</strong> foi ficando cada vez mais solitária.<<strong>br</strong> />
Desde que lera a carta de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>eçara a relem<strong>br</strong>ar o<<strong>br</strong> />
que havia afastado da sua memória. Embora estivesse<<strong>br</strong> />
recostada tranqüilamente na cadeira de presidente, vestindo<<strong>br</strong> />
um conjunto feito sob medida, levando uma vida confortável<<strong>br</strong> />
e dedicada ao trabalho, era possível evocar a imagem de sua<<strong>br</strong> />
- 118 -
infância, em que o choro era uma constante.<<strong>br</strong> />
- Que megera era essa sua tia de Hokkaido!<<strong>br</strong> />
Yamato sentiu que podia perdoar um pouco a atitude fria<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a avó, que, após longos anos, tinha vindo<<strong>br</strong> />
especialmente do Brasil para encontrá-la. Realmente, podia<<strong>br</strong> />
imaginar <strong>com</strong>o seu cotidiano deveria ser uma tortura e o que<<strong>br</strong> />
ela sentira ao saber que não existia outra alternativa a não ser<<strong>br</strong> />
voltar para Hokkaido, apesar de ter certeza de que seria<<strong>br</strong> />
maltratada.<<strong>br</strong> />
- Quando nós estávamos em Hokkaido, fomos muito<<strong>br</strong> />
maltratadas pela tia e pelos primos. Mas isso é até<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preensível. Num estado de miséria absoluta, sem ter o<<strong>br</strong> />
que <strong>com</strong>er, não há <strong>com</strong>o ser amável. Até pessoas tranqüilas<<strong>br</strong> />
se transformam. Quando estávamos em Hokkaido, ainda que<<strong>br</strong> />
nossos pais estivessem junto conosco, éramos maltratadas.<<strong>br</strong> />
Depois que fomos para o Brasil deixando <strong>Natsu</strong> sozinha,<<strong>br</strong> />
posso imaginar <strong>com</strong>o ela foi tratada.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se lem<strong>br</strong>ava muito bem do temperamento ríspido<<strong>br</strong> />
de Kane. <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong> certeza, devia ter ficado abalada, menina<<strong>br</strong> />
dócil que era, sem ninguém para protegê-la. Havia apenas as<<strong>br</strong> />
cartas de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o a última esperança para fortalecer o<<strong>br</strong> />
coração de <strong>Natsu</strong>, dando-lhe a certeza de que não estava<<strong>br</strong> />
sozinha.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, entretanto, não conseguia entender onde foram parar<<strong>br</strong> />
as muitas cartas que foram enviadas. Era até <strong>com</strong>preensível<<strong>br</strong> />
se o desaparecimento tivesse ocorrido numa área de<<strong>br</strong> />
- 119 -
aglomeração residencial urbana, onde houvesse uma<<strong>br</strong> />
movimentação intensa e constante de pessoas.<<strong>br</strong> />
A família Takakura morava em Hokkaido desde o período<<strong>br</strong> />
de des<strong>br</strong>avamento da era Meiji, dedicando-se à lavoura. Além<<strong>br</strong> />
disso, naquele tempo, o carteiro era conhecido e conhecia o<<strong>br</strong> />
nome de <strong>Haru</strong> e da família.<<strong>br</strong> />
As cartas teriam chegado à casa do tio. Não há <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
pensar de outra forma. Teriam sido entregues, mas <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />
as havia lido. De repente, <strong>Haru</strong> pensou em voz alta, pois<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ara de algo:<<strong>br</strong> />
- É verdade, coloquei dinheiro na primeira carta. Como<<strong>br</strong> />
era carta de uma criança, a tia não deve ter levado muito a<<strong>br</strong> />
sério e a<strong>br</strong>iu o envelope. E, <strong>com</strong>o haviam algumas notas de<<strong>br</strong> />
dinheiro japonês...<<strong>br</strong> />
- Quer dizer que ela se apossou do dinheiro?<<strong>br</strong> />
- As dificuldades eram tão grandes em termos financeiros<<strong>br</strong> />
que é possível que isso tenha acontecido. Depois que subtraiu<<strong>br</strong> />
o dinheiro, não havia <strong>com</strong>o entregar a carta para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- É evidente. Se mostrasse, <strong>Natsu</strong> desco<strong>br</strong>iria que havia<<strong>br</strong> />
dinheiro no envelope.<<strong>br</strong> />
- Assim, a carta seguinte também não poderia ser<<strong>br</strong> />
entregue. Provavelmente jogou fora fingindo não saber de<<strong>br</strong> />
nada. Acho que foi isso mesmo que aconteceu.<<strong>br</strong> />
Tudo ocorrera exatamente <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong> havia imaginado.<<strong>br</strong> />
Ao rasgar o envelope <strong>com</strong> raiva, Kane percebeu notas de<<strong>br</strong> />
dinheiro no meio da carta. A frase que dizia "Você pode gastar<<strong>br</strong> />
o dinheiro <strong>com</strong>o quiser" foi <strong>com</strong>o jogar mais lenha na fogueira<<strong>br</strong> />
- 120 -
de raiva de Kane. Não deixaram dinheiro nem para alimentar<<strong>br</strong> />
a filha, <strong>com</strong>o poderiam mandar mesada escondida...<<strong>br</strong> />
Kane pegara o dinheiro <strong>com</strong>o se fosse um direito seu. Só<<strong>br</strong> />
que uma vez tirado o dinheiro, não poderia deixar <strong>Natsu</strong> ler a<<strong>br</strong> />
carta. Temendo que desco<strong>br</strong>isse que havia ficado <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
dinheiro, Kane também reteve a segunda carta. E, temendo<<strong>br</strong> />
vir à tona a mentira de que as cartas não haviam chegado,<<strong>br</strong> />
Kane não conseguira mais entregar as cartas para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ine explicou estas circunstâncias à <strong>Natsu</strong> quando ela a<<strong>br</strong> />
visitou, mas a estas alturas, <strong>Haru</strong> apenas imaginava que fora<<strong>br</strong> />
isto o que acontecera.<<strong>br</strong> />
- Se for verdade que dona <strong>Natsu</strong> não recebeu nenhuma<<strong>br</strong> />
carta do Brasil, é natural que tenha pensado que fora<<strong>br</strong> />
abandonada pela família. É <strong>com</strong>preensível que ela tenha<<strong>br</strong> />
guardado somente sentimentos de rancor.<<strong>br</strong> />
Na medida em que a situação se aclarava, <strong>com</strong>o malentendido<<strong>br</strong> />
sendo esclarecido, a primeira impressão nefasta<<strong>br</strong> />
que Yamato havia tido de <strong>Natsu</strong> foi também se dissipando.<<strong>br</strong> />
Concordando <strong>com</strong> Yamato, <strong>Haru</strong> estendeu a mão para pegar<<strong>br</strong> />
outra carta.<<strong>br</strong> />
"Mana, já se passaram quatro meses desde que<<strong>br</strong> />
vocês foram para o Brasil. Todos os dias espero<<strong>br</strong> />
ansiosamente por uma carta, mas hoje também não<<strong>br</strong> />
chegou nenhuma. A tia insiste toda hora, em dizer<<strong>br</strong> />
que vocês já se esqueceram de mim. Mas eu não<<strong>br</strong> />
acredito. Eu acho que, <strong>com</strong> certeza, vocês devem<<strong>br</strong> />
- 121 -
estar muito ocupados e não têm tempo de me<<strong>br</strong> />
escrever. Trabalho arduamente na roça, todos os<<strong>br</strong> />
dias. Se eu não trabalhar, não me deixam <strong>com</strong>er. É<<strong>br</strong> />
duro e sinto falta de você, mana, mas estou<<strong>br</strong> />
agüentando, porque sei que daqui a três anos todos<<strong>br</strong> />
vocês voltarão. Escreva-me. Estou aguardando. "<<strong>br</strong> />
Mesmo em Hokkaido, o sol era muito forte no mês de<<strong>br</strong> />
agosto. Se o trabalho na roça for em um lugar sem som<strong>br</strong>as,<<strong>br</strong> />
o suor <strong>br</strong>ota da pele, e chega a gotejar. <strong>Natsu</strong>, que tinha<<strong>br</strong> />
deixado de ir para a escola, não tinha férias de verão.<<strong>br</strong> />
Dedicava-se ao trabalho da roça o dia inteiro, enxugando o<<strong>br</strong> />
suor <strong>com</strong> as mãos, juntamente <strong>com</strong> Yosaku e Kane.<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, quando ouvia, por perto, vozes de crianças<<strong>br</strong> />
conversando e rindo alegremente, sua atenção se voltava sem<<strong>br</strong> />
querer para eles e ficava distraída, parando de trabalhar.<<strong>br</strong> />
Imediatemente, ouviam-se os gritos de Kane:<<strong>br</strong> />
- O que você está fazendo parada? Se não fizer o que eu<<strong>br</strong> />
mandar, vai ficar sem <strong>com</strong>ida, hein?<<strong>br</strong> />
-Kane!<<strong>br</strong> />
Kane não ligava para a repreensão de Yosaku, e então<<strong>br</strong> />
passou a contra-atacar:<<strong>br</strong> />
- Se ficar dando moleza <strong>com</strong>o você, ela não vai fazer<<strong>br</strong> />
nada. Temos que ser severos, senão <strong>com</strong>eça logo a abusar...<<strong>br</strong> />
Se ao menos a família mandasse algum dinheiro do Brasil<<strong>br</strong> />
para o sustento dela, eu não reclamaria, mesmo que ela ficasse<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>incando. Se pensam que vamos cuidar dela sem dizer nada,<<strong>br</strong> />
- 122 -
estão enganados.<<strong>br</strong> />
Fazendo Yosaku se calar, voltou a descarregar sua raiva<<strong>br</strong> />
novamente contra <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o se não fosse suficiente:<<strong>br</strong> />
- Você, também, que azarada! Ter pais e irmãos daquela<<strong>br</strong> />
laia. Se está <strong>com</strong> raiva de mim porque lhe falo essas coisas,<<strong>br</strong> />
está errada. Você tem que ter raiva é dos seus pais e irmãos<<strong>br</strong> />
que a abandonaram.<<strong>br</strong> />
Cada palavra de Kane parecia uma ferroada. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
suportava calada, mordendo os lábios. Só tinha que trabalhar.<<strong>br</strong> />
Finalmente à noite, <strong>Natsu</strong> conseguira ficar só. Saiu para<<strong>br</strong> />
o quintal, onde os insetos pareciam concorrer <strong>com</strong> os seus<<strong>br</strong> />
cantos e se agachou, <strong>com</strong> uma tábua so<strong>br</strong>e as pernas. Começou<<strong>br</strong> />
a escrever no caderno da escola, que não voltaria a usar, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
papel de carta, escrevendo à luz da lua, porque não podia<<strong>br</strong> />
utilizar a lamparina, que gastava óleo.<<strong>br</strong> />
Um cãozinho, que não se sabia de onde estava vindo, se<<strong>br</strong> />
aproximou dela. Parecia ser um vira-lata. Perambulando por<<strong>br</strong> />
aquelas redondezas, nada encontraria para saciar a sua fome.<<strong>br</strong> />
- Você também está <strong>com</strong> fome? Não tenho nada para lhe<<strong>br</strong> />
dar. Sinto muito, cãozinho.<<strong>br</strong> />
Pegou o cãozinho no colo carinhosamente e sentiu uma<<strong>br</strong> />
sensação reconfortante <strong>com</strong> o calor do seu corpo. O<<strong>br</strong> />
cachorrinho encosta a ponta do seu focinho frio em <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Eles se consolaram mutuamente. Duas crianças carentes, sem<<strong>br</strong> />
pais.<<strong>br</strong> />
"Quando vocês voltarem do Brasil, quero criar<<strong>br</strong> />
- 123 -
cachorros. Estou esperando <strong>com</strong> ansiedade. "<<strong>br</strong> />
O dia <strong>com</strong>eçava muito cedo na casa de um lavrador. Kane<<strong>br</strong> />
estava a preparar a refeição. Embora não tivesse se dado conta,<<strong>br</strong> />
já era outu<strong>br</strong>o e as folhas do sopé da montanha <strong>com</strong>eçavam a<<strong>br</strong> />
se avermelhar, refletindo o sol da manhã.<<strong>br</strong> />
- Bom dia.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> entrou na cozinha hesitante, pois havia algo que<<strong>br</strong> />
queria e encontrava certa dificuldade em pedir. Kane nem<<strong>br</strong> />
olhou para a <strong>Natsu</strong> e, apontando <strong>com</strong> o queixo as folhas de<<strong>br</strong> />
nabo que estavam aos seus pés, disse:<<strong>br</strong> />
- Vá lavar essas folhas.<<strong>br</strong> />
- Sim. Tia, por favor, poderia me dar dinheiro para mandar<<strong>br</strong> />
uma carta para o Brasil?<<strong>br</strong> />
- Dinheiro para selo? Você não ganhava mesada de sua<<strong>br</strong> />
avó? Você já gastou tudo?<<strong>br</strong> />
- Não ganhei tanto assinL.. Mandei algumas cartas para<<strong>br</strong> />
o Brasil, e... já...<<strong>br</strong> />
- Você não vê que é desperdício mandar cartas para quem<<strong>br</strong> />
não lhe responde? É o mesmo que jogar dinheiro fora. Não<<strong>br</strong> />
tem dinheiro so<strong>br</strong>ando nesta casa.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> mordeu os lábios.<<strong>br</strong> />
- A gente já está fazendo um sacrifício, dando de <strong>com</strong>er<<strong>br</strong> />
a você, não entende? Vá logo lavar os nabos.<<strong>br</strong> />
Como se estivesse conformada, <strong>Natsu</strong> obedeceu,<<strong>br</strong> />
carregando o cesto de bambu <strong>com</strong> os nabos e folhas. Se<<strong>br</strong> />
houvesse, naquele local, alguma pessoa <strong>com</strong> sensibilidade<<strong>br</strong> />
- 124 -
maior, teria notado na sua fisionomia uma decisão firme que<<strong>br</strong> />
ela havia tomado.<<strong>br</strong> />
Na água gelada do riacho que corria no quintal, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
lavou o barro grudado no nabo. A dúvida que <strong>Natsu</strong> tinha,<<strong>br</strong> />
parecia escorrer junto <strong>com</strong> a sujeira do nabo. Ao terminar de<<strong>br</strong> />
lavar e devolver os nabos no cesto de bambu, o sentimento<<strong>br</strong> />
que a fazia permanecer naquela casa havia desaparecido.<<strong>br</strong> />
Voltou às pressas para a casa pela porta dos fundos,<<strong>br</strong> />
colocou o cesto de bambu na porta da cozinha e saiu correndo.<<strong>br</strong> />
Neste dia, <strong>Natsu</strong> não foi vista na roça, mesmo na hora do<<strong>br</strong> />
almoço. Apenas Yosaku e Kane estavam trabalhando,<<strong>br</strong> />
escondidos no meio da plantação.<<strong>br</strong> />
- Onde será que foi <strong>Natsu</strong>? Ela nem mesmo fez a refeição<<strong>br</strong> />
da manhã...<<strong>br</strong> />
- Sei lá! - disse Kane, pensando que ela provavelmente<<strong>br</strong> />
deveria estar vadiando em algum lugar. Por mais que houvesse<<strong>br</strong> />
justificativa, não deixaria Yosaku dar moleza.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava escondida perto da casa, observando Yosaku<<strong>br</strong> />
e Kane. Parecia que os dois continuariam a trabalhar ainda<<strong>br</strong> />
por algum tempo na roça. Ao certificar-se disso, <strong>Natsu</strong> entrou<<strong>br</strong> />
correndo na casa.<<strong>br</strong> />
Com a fisionomia séria, procurou uma gaveta da cômoda<<strong>br</strong> />
e pegou um porta-moedas. Colocou as moedas na palma da<<strong>br</strong> />
mão, e ao colocar no bolso duas moedas de prata de 50 sen<<strong>br</strong> />
de que precisava, devolveu o porta-moedas na mesma gaveta.<<strong>br</strong> />
Pegou uma trouxinha que já estava preparada <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
antecedência e, ao sair, correu em direção ao bosque dos<<strong>br</strong> />
- 125 -
fundos da casa. Não havia hesitação na atitude de <strong>Natsu</strong>, pois<<strong>br</strong> />
ela havia planejado tudo.<<strong>br</strong> />
Ao sair do bosque, passou pela margem do rio cheio de<<strong>br</strong> />
pedregulhos, um lugar difícil de caminhar. Ao correr por<<strong>br</strong> />
algum tempo, sua respiração <strong>com</strong>eçou a ficar ofegante, mas<<strong>br</strong> />
ela não diminuiu os passos. Carregando firme a trouxinha,<<strong>br</strong> />
continuou correndo <strong>com</strong> todas as suas forças. Quando a<<strong>br</strong> />
paisagem mudou, percebeu que chegara na vila. Finalmente<<strong>br</strong> />
parou em frente a um prédio, onde funcionava o correio.<<strong>br</strong> />
-Por favor...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> colocou so<strong>br</strong>e o balcão a carta endereçada ao Brasil<<strong>br</strong> />
para <strong>Haru</strong> e a entregou para o encarregado, juntamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a moeda de prata de 50 sen que tinha tirado do bolso. Quando<<strong>br</strong> />
ele pegou a carta, <strong>Natsu</strong> deu um grande suspiro, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
tivesse alcançado um objetivo muito importante.<<strong>br</strong> />
Ao sair do correio, <strong>Natsu</strong> seguiu para a estação. Havia<<strong>br</strong> />
algumas pessoas na sala de espera e na plataforma. Era uma<<strong>br</strong> />
vila pequena e não queria ser vista por conhecidos. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
demonstrava uma leve hesitação. Ouvia-se o apito do trem,<<strong>br</strong> />
que se aproximava. <strong>Natsu</strong> criou coragem e caminhou para a<<strong>br</strong> />
plataforma.<<strong>br</strong> />
O aquecedor a carvão de pedra estava aceso, e devido ao<<strong>br</strong> />
cansaço e calor, <strong>Natsu</strong> ficou sonolenta e acabou dormindo,<<strong>br</strong> />
acalentada pelo balançar agradável do trem que corria pelos<<strong>br</strong> />
trilhos. <strong>Natsu</strong> despertou <strong>com</strong> a voz do co<strong>br</strong>ador. Ao virar-se<<strong>br</strong> />
para trás, viu um policial junto <strong>com</strong> o co<strong>br</strong>ador, na entrada<<strong>br</strong> />
do vagão. Provavelmente estavam verificando os bilhetes.<<strong>br</strong> />
- 126 -
<strong>Natsu</strong> se afastou do assento confortável e se deslocou<<strong>br</strong> />
para o vagão vizinho, a fim de fugir.<<strong>br</strong> />
Estranhando a ausência de <strong>Natsu</strong>, Yosaku e Kane<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçaram a procurá-la <strong>com</strong> seriedade depois do almoço.<<strong>br</strong> />
Naturalmente, os objetivos da <strong>br</strong>onca diferiam entre Yosaku<<strong>br</strong> />
e Kane.<<strong>br</strong> />
- O que você quer dizer <strong>com</strong> "<strong>Natsu</strong> não está"?<<strong>br</strong> />
- Já procurei por todos os lugares, mas ela não está. Achei<<strong>br</strong> />
estranho a ponta do kimono estar aparecendo da gaveta desta<<strong>br</strong> />
cômoda. E estão faltando duas moedas de prata de 50 sen<<strong>br</strong> />
que estavam dentro deste porta-moedas. <strong>Natsu</strong> pegou-as e<<strong>br</strong> />
fugiu.<<strong>br</strong> />
- Não é possível <strong>Natsu</strong> fazer uma coisa dessas...<<strong>br</strong> />
- Vamos logo ao posto de polícia. Mesmo que a peguem,<<strong>br</strong> />
nunca mais a deixarei entrar nesta casa.<<strong>br</strong> />
- Se <strong>Natsu</strong> saiu de casa levando o dinheiro, deve ter<<strong>br</strong> />
decidido nunca mais voltar. Ela sabia que se voltasse, teria<<strong>br</strong> />
que sofrer as conseqüências. Deixe estar. Mas... se ia sair de<<strong>br</strong> />
casa, poderia ter levado todo esse dinheiro. Foi só um ien.<<strong>br</strong> />
Perdoe-a.<<strong>br</strong> />
- É verdade, se pensarmos que nos livramos de um estorvo<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> apenas um ien, acho que foi barato.<<strong>br</strong> />
Assim mesmo, Kane ainda pretendia pedir a devolução<<strong>br</strong> />
do dinheiro quando Chûji e a família voltassem do Brasil.<<strong>br</strong> />
Com isso resolveu esquecer o assunto.<<strong>br</strong> />
- Onde ela pretende ir?<<strong>br</strong> />
- 127 -
Yosaku sentia <strong>com</strong>paixão de <strong>Natsu</strong>. O inverno estava para<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçar. Além disso, pensava em <strong>com</strong>o explicar para a<<strong>br</strong> />
família do irmão, quando viessem buscar <strong>Natsu</strong>. Yosaku<<strong>br</strong> />
estava perplexo.<<strong>br</strong> />
Após 70 anos, na biblioteca de sua casa luxuosa em<<strong>br</strong> />
Tóquio, <strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong> seus pensamentos num passado<<strong>br</strong> />
longínquo. Não teria sido estranho se tivesse morrido. O<<strong>br</strong> />
estranho era ter so<strong>br</strong>evivido e estar hoje ali.<<strong>br</strong> />
Tendo as cartas de <strong>Haru</strong> na sua frente, <strong>Natsu</strong> pensava<<strong>br</strong> />
novamente na vida tumultuada que <strong>com</strong>eçara a trilhar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
apenas sete anos de idade.<<strong>br</strong> />
O trem diminuirá a velocidade e estava quase parando,<<strong>br</strong> />
quando <strong>Natsu</strong> pulou so<strong>br</strong>e os trilhos e <strong>com</strong>eçou a andar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
muito esforço. Não havia destino, nem rumo. Apenas<<strong>br</strong> />
continuou a andar, arrastando os pés para longe, cada vez<<strong>br</strong> />
mais longe. A garganta estava seca. Passando pelos arvoredos<<strong>br</strong> />
do campo, cambaleando, ouviu o barulho de um riacho. Ao<<strong>br</strong> />
molhar a garganta <strong>com</strong> a água do rio, sentiu-se segura e,<<strong>br</strong> />
cansada, caiu num sono profundo.<<strong>br</strong> />
A luz do sol que batia so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> diminuía. Entardecia<<strong>br</strong> />
e o sol se punha no horizonte. <strong>Natsu</strong> continuou a dormir,<<strong>br</strong> />
parecendo estar morta.<<strong>br</strong> />
Um homem de certa idade, vestindo roupa de trabalho,<<strong>br</strong> />
aproximou-se de <strong>Natsu</strong> um tanto desconfiado, e ficou a<<strong>br</strong> />
observá-la. Sentindo sua presença, <strong>Natsu</strong> despertou assustada.<<strong>br</strong> />
- 128 -
Como se estivesse aliviado, o homem esboçou um sorriso<<strong>br</strong> />
no canto da boca. Era Tokuji, um criador de vacas.<<strong>br</strong> />
- Ei, menina, já está escurecendo. Se você continuar a<<strong>br</strong> />
dormir, vai ficar <strong>com</strong>pletamente escuro e não vai achar o<<strong>br</strong> />
caminho de casa.<<strong>br</strong> />
Instintivamente, <strong>Natsu</strong> recuou, tentando se proteger.<<strong>br</strong> />
- Que susto! Pensei que estava morta. Vá logo para casa!<<strong>br</strong> />
- Não tenho para onde ir. Vou dormir aqui.<<strong>br</strong> />
- Onde é a sua casa?<<strong>br</strong> />
- Não tenho casa. Deixe-me em paz!<<strong>br</strong> />
Tokuji fechou os lábios, virou as costas e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
andar. Fazia-o de propósito. <strong>Natsu</strong> se sentia só e estava<<strong>br</strong> />
apreensiva. Como se estivesse prevendo, Tokuji virou<<strong>br</strong> />
novamente para a <strong>Natsu</strong> e sorriu afetuosamente.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> levantou o olhar da carta que lia, e falou para<<strong>br</strong> />
Yamato:<<strong>br</strong> />
- O motivo para <strong>Natsu</strong> sair da casa do tio ter sido o<<strong>br</strong> />
dinheiro do selo que não queriam lhe dar, era de se admirar.<<strong>br</strong> />
Para <strong>Natsu</strong>, que era tão dócil, tomar tal decisão, é porque<<strong>br</strong> />
deveria estar suportando coisas além da minha imaginação.<<strong>br</strong> />
- Eu a entendo. Por mais que trabalhasse <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
perseverança, deve ter sido insuportável ficar numa casa onde<<strong>br</strong> />
não lhe davam nem dinheiro para o selo da carta para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Era <strong>com</strong>o Yamato dissera. A carta para o Brasil era o<<strong>br</strong> />
único elo entre <strong>Natsu</strong> e a família. E Kane quis romper esse<<strong>br</strong> />
elo. A solidão em que <strong>Natsu</strong> megulhou foi muito mais<<strong>br</strong> />
- 129 -
profunda do que Kane imaginava. Naturalmente, Kane não<<strong>br</strong> />
tinha se dado conta daquilo.<<strong>br</strong> />
De qualquer modo, <strong>Natsu</strong> não tinha nenhum lugar para<<strong>br</strong> />
ficar. <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a ler a continuação das suas cartas.<<strong>br</strong> />
"O senhor que me acordou quando estava a<<strong>br</strong> />
dormir, escondida no mato, era uma pessoa muito<<strong>br</strong> />
boar<<strong>br</strong> />
Ao entardecer, uma carroça carregada de capim cortado<<strong>br</strong> />
seguia por um caminho. Tokuji conduzia tranqüilamente as<<strong>br</strong> />
rédeas do cavalo e na carroceria da carroça, <strong>Natsu</strong> estava quase<<strong>br</strong> />
afundando no monte de capim.<<strong>br</strong> />
Quando chegaram à casa de Tokuji, já anoitecia à sua<<strong>br</strong> />
volta. Ao entrar na casa, convidada por Tokuji, percebeu que<<strong>br</strong> />
o homem levava uma vida simples, mas tudo estava muito<<strong>br</strong> />
bem arrumado.<<strong>br</strong> />
- Aqui não tem ninguém. Vou ver as vacas e logo vou<<strong>br</strong> />
preparar o jantar. Fique descansando.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficou pensando se poderia confiar naquele senhor<<strong>br</strong> />
e no que faria se ele avisasse a polícia. Tokuji olhou para<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, adivinhando o que ia em seu íntimo.<<strong>br</strong> />
- Se não quiser voltar para a casa do seu tio, não volte. Se<<strong>br</strong> />
você roubou dinheiro, não poderia voltar, mesmo que<<strong>br</strong> />
quisesse, não é? Se não se importar em ficar num lugar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
este, fique o tempo que quiser.<<strong>br</strong> />
Tokuji lhe dava a atenção necessária e passou a que<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />
- 130 -
os galhos para acender a lareira ao estilo japonês.<<strong>br</strong> />
- Pode deixar que eu sei acender o fogo. - diz <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
dirigindo-se a Tokuji, agachado em frente à lareira.<<strong>br</strong> />
- Faça isso, por favor. Vou ver as vacas.<<strong>br</strong> />
- O senhor tem vacas?<<strong>br</strong> />
- Eu crio vacas. Tinha ido colher capim para dar às vacas,<<strong>br</strong> />
quando a encontrei. Se não fosse por isso, não teríamos nos<<strong>br</strong> />
encontrado. - riu Tokuji, achando graça.<<strong>br</strong> />
Saiu para fora, acendendo a lanterna, iluminando o<<strong>br</strong> />
caminho para <strong>Natsu</strong>, que o seguia. A luz da lanterna foi<<strong>br</strong> />
balançando pelo caminho escuro até o estábulo.<<strong>br</strong> />
No estábulo havia cinco vacas leiteiras, que esperavam<<strong>br</strong> />
por Tokuji. Enquanto colocava o feno na manjedoura, elas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>iam <strong>com</strong> gosto. <strong>Natsu</strong> acariciava a cabeça das vacas sem<<strong>br</strong> />
medo.<<strong>br</strong> />
- Elas têm olhos bonitinhos.<<strong>br</strong> />
- Você não tem medo delas?<<strong>br</strong> />
- Eu gosto de animais. Cachorro, cavalo, vaca. Se pudesse,<<strong>br</strong> />
queria criá-los.<<strong>br</strong> />
- Que bom. Se você não gostasse de vacas, não ia poder<<strong>br</strong> />
ficar aqui.<<strong>br</strong> />
- O senhor cria as vacas sozinho?<<strong>br</strong> />
-Sim.<<strong>br</strong> />
- O que o senhor faz <strong>com</strong> essas vacas?<<strong>br</strong> />
- Eu tiro leite delas.<<strong>br</strong> />
- Não dá para o senhor consumir todo o leite sozinho,<<strong>br</strong> />
não é?<<strong>br</strong> />
- 131 -
- Eu faço queijos também.<<strong>br</strong> />
- Queijos...?<<strong>br</strong> />
- Eu forneço uma parte do leite à cooperativa e <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
resto, faço queijos e entrego aos fregueses.<<strong>br</strong> />
- Posso ajudar em alguma coisa? Se não ajudar, não<<strong>br</strong> />
poderei ficar aqui, não é?<<strong>br</strong> />
Desde que encontrara <strong>Natsu</strong>, Tokuji ficou sério pela<<strong>br</strong> />
primeira vez.<<strong>br</strong> />
- Uma criança <strong>com</strong>o você não tem que se preocupar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
essas coisas!<<strong>br</strong> />
- Eu não vou mais para a escola. Eu vou ajudá-lo. Deixeme<<strong>br</strong> />
ajudá-lo. Por favor. Por favor. - pediu <strong>Natsu</strong>, abaixando<<strong>br</strong> />
a cabeça diversas vezes, <strong>com</strong> muita seriedade. Curvava o seu<<strong>br</strong> />
pequeno corpo, e baixava a cabeça <strong>com</strong> toda a força.<<strong>br</strong> />
Tokuji observava <strong>Natsu</strong> e sentia uma certa emoção. As<<strong>br</strong> />
condições da vida que <strong>Natsu</strong> relatara a ele deveriam ser<<strong>br</strong> />
apenas uma pequena parte, mas dava para imaginar a situação<<strong>br</strong> />
que ela teve de suportar. Mesmo que lhe diga para não<<strong>br</strong> />
trabalhar, ela não dará ouvidos. Tokuji cerrou a boca <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
firmeza, talvez por costume. Deveria deixá-la fazer <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
quisesse.<<strong>br</strong> />
"O senhor Tokuji tinha perdido a esposa e afilha,<<strong>br</strong> />
e estava vivendo sozinho, apenas <strong>com</strong> as vacas. Como<<strong>br</strong> />
tinha serviço para mim, ele deixou que eu ficasse<<strong>br</strong> />
aqui. Eu vou aprender a ordenhar as vacas e fazer<<strong>br</strong> />
queijo. E vou esperar vocês voltarem do Brasil nesta<<strong>br</strong> />
- 132 -
casa. O meu endereço mudou. Por isso, de agora em<<strong>br</strong> />
diante, escreva-me para este endereço. "<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> do<strong>br</strong>ou a carta que acabara de ler.<<strong>br</strong> />
- Não fazia idéia de que tinha chegado uma carta assim.<<strong>br</strong> />
Sem saber da mudança de endereço, continuei mandando<<strong>br</strong> />
cartas para a casa do tio de Hokkaido.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se sentia desalentada quando pensou nas cartas que<<strong>br</strong> />
continuara enviando, sem saber que <strong>Natsu</strong> havia fugido de<<strong>br</strong> />
casa. Achou que as cartas haviam sido jogadas pela Kane,<<strong>br</strong> />
desconhecendo que as cartas, apesar de tudo, tinham chegado<<strong>br</strong> />
nas mãos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Quando <strong>Natsu</strong> passava por tudo isso, o que será que<<strong>br</strong> />
estávamos fazendo no Brasil?<<strong>br</strong> />
Yamato olhou a data da carta.<<strong>br</strong> />
- Dona <strong>Natsu</strong> saiu da casa do tio de Hokkaido em outu<strong>br</strong>o.<<strong>br</strong> />
- Outu<strong>br</strong>o.... Nas fazendas de café do Brasil, era uma<<strong>br</strong> />
época em que estávamos tratando dos cafeeiros e capinando<<strong>br</strong> />
as ervas daninhas, pois a colheita havia terminado.<<strong>br</strong> />
Poderia referir-se à capinação de forma simples, mas a<<strong>br</strong> />
área era muito vasta. Foram designados 8.000 pés de café<<strong>br</strong> />
para a família Takakura. Tinham que carpir as ervas daninhas<<strong>br</strong> />
de toda a área. O clima do Brasil era propício para as plantas<<strong>br</strong> />
crescerem. Ainda que capinassem as ervas daninhas, logo<<strong>br</strong> />
em seguida cresciam outras em volta. Passavam dias e dias<<strong>br</strong> />
se dedicando à capinação.<<strong>br</strong> />
- Isso também eu escrevi nas cartas à <strong>Natsu</strong>. Bem, não<<strong>br</strong> />
- 133 -
adianta contar isso agora, pois ela não vai acreditar.<<strong>br</strong> />
Tudo isso pareciam lamúrias e justificativas, se ditas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
palavras. Era isso que <strong>Haru</strong> lamentava e que a deixava<<strong>br</strong> />
desgostosa. Eram tão amigas, mas ainda que fosse contra a<<strong>br</strong> />
vontade, tiveram vidas totalmente diferentes. Ficava pensando<<strong>br</strong> />
se seria possível diminuir a distância que havia surgido entre<<strong>br</strong> />
as duas irmãs.<<strong>br</strong> />
Havia sido um dia muito atarefado. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ava, nos intervalos de descanso, so<strong>br</strong>e as cartas. Ao<<strong>br</strong> />
retornar à sua residência após o trabalho, <strong>Natsu</strong> ficou a refletir<<strong>br</strong> />
diante das cartas de <strong>Haru</strong>. Apesar de <strong>Haru</strong> ter escrito as cartas<<strong>br</strong> />
controlando os sentimentos, à sua maneira, a leitura da carta<<strong>br</strong> />
trazia, nas entrelinhas, o sofrimento da família.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> imaginara que a sua família no Brasil, <strong>Haru</strong>, Chüji<<strong>br</strong> />
e os outros, estavam ocupados <strong>com</strong> as colheitas em<<strong>br</strong> />
abundância a cada safra. Pensava que nada faltava para <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
e os demais. Eles eram felizes mesmo sem ela, e assim tinhamna<<strong>br</strong> />
esquecido. Era por isso que não vinham as cartas, por mais<<strong>br</strong> />
que pedisse para enviarem resposta.<<strong>br</strong> />
Mas, na realidade, eles levavam uma vida muito diferente.<<strong>br</strong> />
A empregada Sachiko entrou <strong>com</strong> um copo de leite quente<<strong>br</strong> />
na bandeja. <strong>Natsu</strong> colocou documentos so<strong>br</strong>e as cartas de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> às pressas, escondendo-as da vista de Sachiko. No<<strong>br</strong> />
momento, não queria que ninguém as visse.<<strong>br</strong> />
- Ainda está trabalhando? É melhor não se esforçar<<strong>br</strong> />
- 134 -
demais...<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada. Não preciso de mais nada por hoje. Pode<<strong>br</strong> />
dormir.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada. Então, boa noite!<<strong>br</strong> />
Depois que Sachiko saiu do quarto, <strong>Natsu</strong> voltou a ler as<<strong>br</strong> />
cartas de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
"No mês de outu<strong>br</strong>o, em Hokkaido, à noite o frio<<strong>br</strong> />
é tão rigoroso <strong>com</strong>o se fosse inverno. No Brasil, ao<<strong>br</strong> />
contrário, <strong>com</strong>eça o verão. O verão do Brasil é um<<strong>br</strong> />
calor inimaginável para quem se encontra no Japão,<<strong>br</strong> />
e o trabalho de capinação é realmente árduo.<<strong>br</strong> />
As pessoas que trabalham na fazenda sob<<strong>br</strong> />
contrato, são chamadas de colonos. Está<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletando quase meio ano que chegamos a esta<<strong>br</strong> />
fazenda para trabalhar <strong>com</strong>o colonos, mas a vida<<strong>br</strong> />
aqui é <strong>com</strong>pletamente diferente daquela que ouvimos<<strong>br</strong> />
falar no Japão. São coisas que nem imaginávamos.<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, todos estão trabalhando sem<<strong>br</strong> />
descansar. Mas, <strong>com</strong>o temos um contrato <strong>com</strong> o dono<<strong>br</strong> />
da fazenda, temos que fazer a nossa parte. Todos<<strong>br</strong> />
estão dizendo que foi bom você ter ficado no Japão.<<strong>br</strong> />
Quero voltar logo para o Japão e me encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
você, <strong>Natsu</strong>."<<strong>br</strong> />
As ervas daninhas cresciam próximas às raízes dos pés<<strong>br</strong> />
de café. Para não permitir que a parte nutritiva dos pés de<<strong>br</strong> />
- 135 -
café fossem tiradas pelas ervas daninhas, tinham que carpir o<<strong>br</strong> />
quanto antes. Toda a família de <strong>Haru</strong> fazia esse trabalho de<<strong>br</strong> />
capinação, mas em virtude do calor escaldante que<<strong>br</strong> />
experimentavam pela primeira vez e também pelo trabalho<<strong>br</strong> />
pesado, estavam todos tão exaustos que não tinham ânimo<<strong>br</strong> />
nem para falar.<<strong>br</strong> />
Falavam de capinação, mas não era <strong>com</strong>o arrancar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
as mãos as ervas daninhas do quintal. Utilizava-se uma<<strong>br</strong> />
ferramenta apropriada para capinação, denominada enxada,<<strong>br</strong> />
que deveria ser fincada duas a três vezes nas raízes do mato e<<strong>br</strong> />
puxado, cortando as ervas. Se o ângulo de entrada da enxada<<strong>br</strong> />
na terra fosse muito fundo, a raiz da planta que ficou coberta<<strong>br</strong> />
de terra <strong>com</strong>eçava a crescer em pouco tempo, nascendo um<<strong>br</strong> />
novo <strong>br</strong>oto. Se o ângulo fosse muito raso, a enxada<<strong>br</strong> />
escorregava pela superfície das ervas daninhas e nada seria<<strong>br</strong> />
capinado. O difícil era ajustar a força. A limpeza da área <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
8.000 pés de café era realizada dessa forma.<<strong>br</strong> />
Como era um trabalho para o qual não estavam<<strong>br</strong> />
acostumados, acabavam fazendo força desnecessária no<<strong>br</strong> />
corpo. Os quadris e as costas se enrijeciam, ficando logo sem<<strong>br</strong> />
movimento. Apoiava-se o corpo na enxada, controlando a<<strong>br</strong> />
respiração e segurando-a de novo. Embora o espírito seja<<strong>br</strong> />
impaciente, às vezes, o corpo não obedece. No céu, raios<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>asadores queimavam impiedosamente a cabeça dos<<strong>br</strong> />
colonos, que acabavam perdendo as forças até para enxugar<<strong>br</strong> />
o suor.<<strong>br</strong> />
Para <strong>Haru</strong>, já era trabalhoso fincar a enxada. Mesmo<<strong>br</strong> />
- 136-
assim, puxava a enxada <strong>com</strong> afinco, juntamente <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
adultos. Isto porque a frutificação de café do ano seguinte<<strong>br</strong> />
dependia da proteção que se conseguia dar aos pés de café<<strong>br</strong> />
através da capinação.<<strong>br</strong> />
Apesar disso, os pés de café que estavam sob os cuidados<<strong>br</strong> />
da família Takakura eram franzinos, pois eram recém<<strong>br</strong> />
plantados, não frutificando em grande quantidade. Por causa<<strong>br</strong> />
disso, Yozo discutira <strong>com</strong> o capataz, correndo o perigo de<<strong>br</strong> />
entrar em atrito a qualquer momento. Era necessário aumentar<<strong>br</strong> />
a quantidade da colheita do próximo ano. Em três anos,<<strong>br</strong> />
voltariam para o Japão, onde <strong>Natsu</strong> os esperava.<<strong>br</strong> />
Yozo apoiou-se na enxada, e se queixava <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
estivesse a suspirar:<<strong>br</strong> />
- Até quando este sofrimento vai continuar?<<strong>br</strong> />
- Temos que carpir mais algumas vezes até a época da<<strong>br</strong> />
colheita do ano que vem. - disse Chüji, continuando a<<strong>br</strong> />
trabalhar silenciosamente <strong>com</strong> a sua enxada.<<strong>br</strong> />
- Durante um semestre, no verão, fazemos a capinação e,<<strong>br</strong> />
no outono, ou seja, do final de a<strong>br</strong>il a meados de julho,<<strong>br</strong> />
colhemos os frutos de café... Só isso já é um trabalho duro.<<strong>br</strong> />
Entre capinação e colheita, passa-se um ano... Será que<<strong>br</strong> />
trabalhando desse jeito durante três anos, conseguiremos<<strong>br</strong> />
mesmo dinheiro para viver <strong>com</strong> dignidade no Japão?<<strong>br</strong> />
- Meu bem... É promessa... E este é o trabalho dos<<strong>br</strong> />
colonos... - repreendeu Kiyo.<<strong>br</strong> />
- No Japão, só nos contaram coisas boas. Fomos<<strong>br</strong> />
ludi<strong>br</strong>iados. Se soubesse que seria assim, era bem melhor ter<<strong>br</strong> />
- 137 -
ficado lá. - disse Yozo, entrando na conversa.<<strong>br</strong> />
- Em Hokkaido, não tínhamos nem o que <strong>com</strong>er no dia a<<strong>br</strong> />
dia! Aqui, pelo menos, podemos <strong>com</strong>er feijão e arroz.<<strong>br</strong> />
- Só que as <strong>com</strong>pras se transformam em dívidas na venda.<<strong>br</strong> />
- No Japão, nem dívida podíamos contrair. Aqui,<<strong>br</strong> />
podemos <strong>com</strong>prar na venda sem ter dinheiro. Não morremos<<strong>br</strong> />
de fome. Quando a colheita de café terminar, vamos receber<<strong>br</strong> />
o salário e poderemos quitar a dívida da venda. E aqui<<strong>br</strong> />
podemos trabalhar o ano inteiro. Trabalhando, se recebe. Se<<strong>br</strong> />
você ficar reclamando que é duro, que é difícil, será castigado<<strong>br</strong> />
pelos céus.<<strong>br</strong> />
Ecoa pela fazenda o badalar tranqüilo do sino.<<strong>br</strong> />
- É hora do almoço.<<strong>br</strong> />
Shigeru e Minoru a<strong>br</strong>iram a tampa da panela que Shizu e<<strong>br</strong> />
Kiyo haviam deixado no fogo. Os dois se entreolharam e<<strong>br</strong> />
logo devolveram a tampa no lugar. A fisionomia de Shigeru<<strong>br</strong> />
era de desgosto.<<strong>br</strong> />
- Feijão e mandioca de novo?<<strong>br</strong> />
Mandioca era uma raiz produzida no Brasil, e feijão, uma<<strong>br</strong> />
das espécies de kuromame. Os japoneses daquela época não<<strong>br</strong> />
tinham o costume de fritar batata <strong>com</strong> óleo, e por isso, na<<strong>br</strong> />
maioria das vezes, só cozinhavam junto <strong>com</strong> o feijão, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
fazia Shizu.<<strong>br</strong> />
- À noite, vou cozinhar arroz sempre que puder. Por isso,<<strong>br</strong> />
tenham paciência no almoço.<<strong>br</strong> />
- Não seja exigente. Na verdade, precisamos juntar o<<strong>br</strong> />
máximo de dinheiro, inclusive podíamos ficar sem almoço,<<strong>br</strong> />
- 138 -
<strong>com</strong> o intuito de voltar para o Japão. Mas sua mãe está<<strong>br</strong> />
preocupada, e quer dar, ao menos, feijão para vocês...<<strong>br</strong> />
- Mas já estou farto de <strong>com</strong>er só feijão e mandioca.<<strong>br</strong> />
- Não fale assim. Se não <strong>com</strong>er, vai enfraquecer, pois o<<strong>br</strong> />
trabalho é duro.<<strong>br</strong> />
Shigeru e Minoru eram meninos em fase de crescimento.<<strong>br</strong> />
Shizu tentou convencê-los a <strong>com</strong>er, falando serenamente, mas<<strong>br</strong> />
Shigeru virou as costas e, amuado vai para outro lugar.<<strong>br</strong> />
- Eu também não quero almoçar. Na hora de descanso,<<strong>br</strong> />
preciso cuidar, o quanto puder, da horta... - diz <strong>Haru</strong>, largando<<strong>br</strong> />
a enxada e correndo em direção a horta.<<strong>br</strong> />
Na horta preparada por <strong>Haru</strong> no terreno baldio do cafezal,<<strong>br</strong> />
encontravam-se cultivados <strong>com</strong> grande cuidado, arroz de<<strong>br</strong> />
sequeiro, milho, tomate e outras hortaliças.<<strong>br</strong> />
Arroz de sequeiro era o arroz cultivado em terra seca,<<strong>br</strong> />
que não necessitava de campo irrigado, nem do trabalho duro<<strong>br</strong> />
de plantio. Não se podia deixar de capinar e de cuidar dos<<strong>br</strong> />
insetos.<<strong>br</strong> />
Sem demonstrar cansaço do trabalho pesado que<<strong>br</strong> />
enfrentara até há pouco, <strong>com</strong>eçou a retirar vermes e insetos,<<strong>br</strong> />
regando as plantas <strong>com</strong> cuidado.<<strong>br</strong> />
Takuya achava que não conseguiria imitar o vigor de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Como as plantas cresceram! Você é uma ótima<<strong>br</strong> />
horticultora.<<strong>br</strong> />
- Não sei fazer outra coisa, mas me ensinaram o trabalho<<strong>br</strong> />
de roça desde pequena.<<strong>br</strong> />
- Minha família tinha fá<strong>br</strong>ica, então, ninguém sabe<<strong>br</strong> />
- 139 -
trabalhar na lavoura. Mas, graças a você, nós também<<strong>br</strong> />
conseguimos formar uma hortinha e teremos verduras, pelo<<strong>br</strong> />
menos para o nosso consumo.<<strong>br</strong> />
A família Yamashita, bem <strong>com</strong>o a família Takakura<<strong>br</strong> />
receberam cafeeiros <strong>com</strong> poucos frutos. Era a primeira vez<<strong>br</strong> />
que trabalhavam na lavoura e, portanto o esforço que<<strong>br</strong> />
despendiam para a colheita e capinação era maior do que as<<strong>br</strong> />
pessoas <strong>com</strong> experiência. Até Takuya, que normalmente era<<strong>br</strong> />
cheio de vigor, estava desnorteado. Entretanto, <strong>Haru</strong> ainda<<strong>br</strong> />
tinha forças para dizer:<<strong>br</strong> />
- Quando terminar o trabalho, irei cuidar também da sua<<strong>br</strong> />
horta. A tarde precisamos dar muita água.<<strong>br</strong> />
- Deixe que eu busco a água. Buscarei também para a sua<<strong>br</strong> />
horta.<<strong>br</strong> />
Takuya achava que se não fosse buscar pelo menos a água,<<strong>br</strong> />
o seu lado masculino seria afetado.<<strong>br</strong> />
- Não é ótimo poder preparar sua própria horta no terreno<<strong>br</strong> />
onde não plantaram os pés de café? Além disso, <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiros são cristãos, não trabalham aos domingos. Tendo<<strong>br</strong> />
folga uma vez por semana, dá para trabalhar bastante na horta.<<strong>br</strong> />
Vou plantar bastante e vender as verduras. Os colonos vindos<<strong>br</strong> />
de outros países não cultivam as hortaliças <strong>com</strong>o nós, os<<strong>br</strong> />
japoneses, e então, <strong>com</strong>pram <strong>com</strong> satisfação.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava animada. Plantar cada vez mais verduras,<<strong>br</strong> />
fazendo <strong>com</strong> que as pessoas se sentissem felizes. Além disso,<<strong>br</strong> />
o dinheiro obtido <strong>com</strong> a venda, poderia ajudar na subsistência.<<strong>br</strong> />
Seria muito bom se pudesse ganhar o suficiente para enviar<<strong>br</strong> />
- 140 -
também para <strong>Natsu</strong>, que haviam deixado em Hokkaido.<<strong>br</strong> />
- Será que já posso vender? Perderá o sabor se crescer<<strong>br</strong> />
demais.<<strong>br</strong> />
O crescimento das verduras significava, para <strong>Haru</strong>, o<<strong>br</strong> />
crescimento dos frutos da esperança.<<strong>br</strong> />
Ao entardecer deste dia, Shizu saiu da roça um pouco<<strong>br</strong> />
antes de tocar o sino do término e foi para a venda. Segurando<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> cuidado os mantimentos <strong>com</strong>prados, Shizu voltava para<<strong>br</strong> />
casa contente, algo raro. As crianças ficariam felizes. Quando<<strong>br</strong> />
imaginava seus rostinhos alegres, o sorriso aflorava,<<strong>br</strong> />
naturalmente.<<strong>br</strong> />
Quando Shizu e Kiyo terminaram de preparar o jantar,<<strong>br</strong> />
Chüji e os outros chegaram, cansados.<<strong>br</strong> />
- Hoje, cozinhei arroz depois de muito tempo. Criei<<strong>br</strong> />
coragem e <strong>com</strong>prei carne de porco também...<<strong>br</strong> />
- Carne de porco...? - repetiu Chüji.<<strong>br</strong> />
-Oh!<<strong>br</strong> />
Yozo foi o primeiro a dar um grito de alegria ao ver a<<strong>br</strong> />
refeição preparada so<strong>br</strong>e a mesa. Os rostos de Shigeru e<<strong>br</strong> />
Minoru também se iluminaram e sorriam mostrando os dentes<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>ancos.<<strong>br</strong> />
- É que Shigeru está sem apetite há dias... Então, pensei<<strong>br</strong> />
que podíamos fazer um pouco de extravagância de vez em<<strong>br</strong> />
quando... Além disso, o sr. Kurita disse que o pagamento<<strong>br</strong> />
sairá em <strong>br</strong>eve...<<strong>br</strong> />
- Recebendo o salário, teremos que pagar as dívidas das<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pras na venda. Depois de pagar todas essas contas, sabe-<<strong>br</strong> />
- 141 -
se lá quanto vai so<strong>br</strong>ar. Não é por isso que podemos nos dar<<strong>br</strong> />
ao luxo de fazer extravagâncias. - falou Chûji, em tom de<<strong>br</strong> />
censura, quando <strong>Haru</strong> entrou carregando espigas de milho<<strong>br</strong> />
nas mãos.<<strong>br</strong> />
- Colhi quando fui regar as plantas. Já dá para <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />
- Puxa! Milhos... Que saudades! - fala Minoru <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
alegria.<<strong>br</strong> />
Shigeru <strong>com</strong>eçou a descascar o milho.<<strong>br</strong> />
- As espigas estão bem formadas. Parecem gostosos!<<strong>br</strong> />
Quando morávamos em Hokkaido <strong>com</strong>íamos só milhos e<<strong>br</strong> />
batatas, e estávamos fartos, mas por aqui, milho é um<<strong>br</strong> />
banquete.<<strong>br</strong> />
- No domingo que vem, vou vender verduras. Quero<<strong>br</strong> />
vender bastante e produzir cada vez mais.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> parecia estar <strong>com</strong> os pés fincados no solo <strong>br</strong>asileiro<<strong>br</strong> />
mais do que qualquer um da família. Kiyo admirava a<<strong>br</strong> />
persistência de <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />
- Como você é esforçada, <strong>Haru</strong>. Com o trabalho do dia,<<strong>br</strong> />
ninguém tem forças nem para preparar uma horta. Mas você<<strong>br</strong> />
se dedica sozinha à sua horta...<<strong>br</strong> />
- Como sou criança, nem me contam <strong>com</strong>o um dos<<strong>br</strong> />
"colonos". Por isso, faço capinação sem caprichar muito e<<strong>br</strong> />
me dedico mais à minha horta.<<strong>br</strong> />
Apesar de sua modéstia, <strong>Haru</strong> ficara feliz ao ser elogiada.<<strong>br</strong> />
- É verdade. Se vender o que produzir na horta, o dinheiro<<strong>br</strong> />
será nosso. Os homens também deveriam ajudá-la um pouco...<<strong>br</strong> />
- disse Kiyo, tentando encorajar os homens em tom de<<strong>br</strong> />
- 142 -
incadeira, mas <strong>Haru</strong> levava a sério e demonstrava autoconfiança<<strong>br</strong> />
em conduzir sua horta sozinha.<<strong>br</strong> />
- Papai e os manos estão cansados porque têm que capinar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> empenho. Eu dou conta sozinha. Ainda tem bastante<<strong>br</strong> />
terra para se cultivar. Vou ampliar a horta cada vez mais.<<strong>br</strong> />
Colocaram, sem demora, uma panela grande no fogo para<<strong>br</strong> />
cozinhar o milho. Nesta noite, a família Takakura teria, de<<strong>br</strong> />
uma forma inesperada, um jantar <strong>com</strong> muitas iguarias.<<strong>br</strong> />
Nisso, entrou Kurita <strong>com</strong> um caderno nas mãos.<<strong>br</strong> />
- Ainda não jantaram? Desculpe-me. Tive conhecimento<<strong>br</strong> />
do salário a ser pago, e vim lhes <strong>com</strong>unicar...<<strong>br</strong> />
Não havia ninguém que sabia falar português na família<<strong>br</strong> />
Takakura. Assim, precisavam da ajuda de Kurita nas<<strong>br</strong> />
negociações <strong>com</strong> a administração da fazenda. Ele sabia disso<<strong>br</strong> />
e ajudava sem se in<strong>com</strong>odar.<<strong>br</strong> />
- Como pretendemos voltar logo para o Japão, não nos<<strong>br</strong> />
animamos a aprender português... - Chüji falou num tom de<<strong>br</strong> />
desculpas, e Kurita tirou o chapéu, <strong>com</strong> fisionomia<<strong>br</strong> />
preocupada.<<strong>br</strong> />
- Falam em voltar logo... mas nas circunstâncias atuais,<<strong>br</strong> />
não é tão fácil.<<strong>br</strong> />
Tendo uma mesa farta à sua frente, o que há muito não<<strong>br</strong> />
ocorria, reinava um ambiente tranqüilo entre os mem<strong>br</strong>os da<<strong>br</strong> />
família Takakura. Mas as palavras de Kurita trouxeram<<strong>br</strong> />
preocupação.<<strong>br</strong> />
- Parece que neste ano, a produção do café foi novamente<<strong>br</strong> />
excessiva, e o preço não está bom. Sabem que o nosso salário<<strong>br</strong> />
- 143 -
é calculado <strong>com</strong> base na distribuição da renda que é<<strong>br</strong> />
proporcional à quantidade de colheita. Porém, o proprietário<<strong>br</strong> />
da fazenda disse que o valor do salário não pode ser calculado<<strong>br</strong> />
da mesma forma, se uma saca de café é vendida por cinqüenta<<strong>br</strong> />
mil réis, ao invés de cem mil.<<strong>br</strong> />
- Então, o senhor está querendo dizer que, <strong>com</strong>o o preço<<strong>br</strong> />
do café caiu neste ano, o nosso salário também baixou?<<strong>br</strong> />
- Parece que sim. Além disso, sua família colheu menos<<strong>br</strong> />
que as outras, tendo em vista a extensão da área destinada. É<<strong>br</strong> />
verdade que a família Yamashita também produziu pouco...<<strong>br</strong> />
Comunicar para diversas famílias esse tipo de informação<<strong>br</strong> />
era uma incumbência difícil para Kurita. Mesmo sabendo que<<strong>br</strong> />
a culpa não era dele, Yozo acabou por gritar <strong>com</strong> Kurita,<<strong>br</strong> />
uma vez que ele era o intermediário e o porta-voz do<<strong>br</strong> />
fazendeiro.<<strong>br</strong> />
- A área destinada para nós ficava bem no fundo da<<strong>br</strong> />
fazenda, e os cafeeiros, talvez por serem novos, não<<strong>br</strong> />
frutificaram muito. A quantidade de frutos foi, mais ou menos,<<strong>br</strong> />
a metade dos pés de cafés dos outros colonos. Não tem jeito<<strong>br</strong> />
se nos deram uma porção de terra <strong>com</strong>o aquela. Por mais que<<strong>br</strong> />
nos esforçássemos, não tínhamos <strong>com</strong>o melhorar a colheita.<<strong>br</strong> />
Eles nos deram essa área por acharem que nós, os novatos<<strong>br</strong> />
japoneses, éramos bobos... E, o pior é que, nem por isso,<<strong>br</strong> />
podemos reclamar...<<strong>br</strong> />
- Se, mesmo num local assim, os senhores agüentarem e<<strong>br</strong> />
forem reconhecidos, poderão, no futuro, receber uma área<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> cafeeiros melhores. É importante neste momento<<strong>br</strong> />
- 144 -
agüentarem calados.<<strong>br</strong> />
- Não podemos ir embora para o Japão só porque estamos<<strong>br</strong> />
insatisfeitos... - Chüji falou sem entusiasmo.<<strong>br</strong> />
- O pagamento das <strong>com</strong>pras feitas na venda, nesta<<strong>br</strong> />
temporada, foi maior que o salário. Feita a <strong>com</strong>pensação,<<strong>br</strong> />
restou ainda um saldo de dívida... - tentou explicar Kurita,<<strong>br</strong> />
mas sua voz foi diminuindo. Afinal entregou o caderno para<<strong>br</strong> />
Chûji.<<strong>br</strong> />
-Não acredito!... Trabalhamos tanto, não recebemos um<<strong>br</strong> />
tostão e, além disso, temos uma dívida? - Chûji falou,<<strong>br</strong> />
alterando a sua voz.<<strong>br</strong> />
A maioria dos colonos tinha vindo para o Brasil quase<<strong>br</strong> />
sem dinheiro porque a empresa de emigração anunciava que<<strong>br</strong> />
no Brasil seria possível viver, mesmo sem dinheiro. De fato,<<strong>br</strong> />
isso não era mentira, pois podiam <strong>com</strong>prar fiado na venda.<<strong>br</strong> />
Se a família Takakura quisesse <strong>com</strong>er arroz e carne de porco<<strong>br</strong> />
poderia fazê-lo.<<strong>br</strong> />
Entretanto, o preço das mercadorias na venda era elevado.<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, os colonos não tinham outra alternativa senão<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar na venda. Vender produtos caros aproveitando da<<strong>br</strong> />
fraqueza dos colonos trazia lucros para a administração da<<strong>br</strong> />
fazenda.<<strong>br</strong> />
Por outro lado, para o colono que não tinha dinheiro,<<strong>br</strong> />
mesmo que o saldo da dívida fosse <strong>com</strong>pensado <strong>com</strong> o salário,<<strong>br</strong> />
também podiam continuar <strong>com</strong>prando fiado. O próprio<<strong>br</strong> />
Chüji havia dito à Yozo, numa certa ocasião, que se<<strong>br</strong> />
estivessem em Hokkaido, não poderiam nem fazer dívidas.<<strong>br</strong> />
- 145 -
Por estarem na fazenda de café, poderiam <strong>com</strong>er fartamente,<<strong>br</strong> />
ainda que fossem acumular dívidas.<<strong>br</strong> />
- Se trabalharem <strong>com</strong> esforço no próximo ano, poderão<<strong>br</strong> />
passar a receber o salário normalmente...<<strong>br</strong> />
Kurita falava de tal maneira que não se sabia se estava<<strong>br</strong> />
tentando persuadi-los ou consolá-los.<<strong>br</strong> />
A razão pela qual a fazenda permitia os colonos praticarem<<strong>br</strong> />
o cultivo intercalado, arando a terra desocupada para fazer<<strong>br</strong> />
sua horta, e ganhar dinheiro vendendo os legumes e verduras<<strong>br</strong> />
ali produzidas, refletia a situação econômica difícil dos<<strong>br</strong> />
colonos japoneses que estavam atados à dívida.<<strong>br</strong> />
Para alcançar auto-suficiência, eles tinham que se esforçar<<strong>br</strong> />
nas hortas, além do trabalho normal da fazenda, a fim de<<strong>br</strong> />
diminuir as dívidas e obter uma renda extra. Porém, era incerta<<strong>br</strong> />
a perspectiva de retornar ao Japão, realizando os objetivos<<strong>br</strong> />
de decasségui.<<strong>br</strong> />
- Se quiserem se manifestar so<strong>br</strong>e alguma coisa, falem<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>igo. Transmitirei ao administrador ou ao capataz. E se<<strong>br</strong> />
tiverem algum problema, podem me consultar à vontade. Não<<strong>br</strong> />
fiquem desanimados e cuidem da saúde.<<strong>br</strong> />
Kurita resolveu ir embora sentindo pena deles.<<strong>br</strong> />
- Desculpe o incômodo.<<strong>br</strong> />
Fora o máximo que conseguiram falar. A decepção era<<strong>br</strong> />
tão grande que havia um grande vazio na cabeça de todos.<<strong>br</strong> />
Yozo estava indignado e cuspia pelo canto da boca ao<<strong>br</strong> />
falar:<<strong>br</strong> />
- Acordamos às cinco da manhã, ao toque do sino, e<<strong>br</strong> />
- 146 -
saímos às seis horas para o trabalho. Depois, trabalhamos o<<strong>br</strong> />
dia inteiro debaixo de um sol escaldante, voltando para casa<<strong>br</strong> />
às seis, seis e meia... Não <strong>com</strong>emos nada que preste, nem<<strong>br</strong> />
fazemos nada que seja divertido. Voltando do serviço, todo<<strong>br</strong> />
mundo está tão cansado que só quer dormir. Vivemos só para<<strong>br</strong> />
o trabalho e no fim, so<strong>br</strong>am dívidas? Afinal, o que viemos<<strong>br</strong> />
fazer no Brasil?<<strong>br</strong> />
- Não adianta chorar so<strong>br</strong>e o leite derramado. Ninguém<<strong>br</strong> />
tem culpa. Tivemos azar por causa da queda no preço do<<strong>br</strong> />
café. Se estivéssemos em Hokkaido estaríamos numa situação<<strong>br</strong> />
em que a única saída seria o suicídio coletivo. Como viemos<<strong>br</strong> />
para o Brasil, toda a família está so<strong>br</strong>evivendo. Não estou<<strong>br</strong> />
nem um pouco arrependido. Talvez, na próxima temporada,<<strong>br</strong> />
o preço do café suba. Faremos o possível para não <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />
na venda. - Chûji falava para toda a família.<<strong>br</strong> />
- Não se preocupem. No Brasil, plantando, tudo cresce.<<strong>br</strong> />
Ampliando a minha horta e plantando arroz, ao menos teremos<<strong>br</strong> />
o suficiente para a família. Teremos receita em dinheiro, se<<strong>br</strong> />
vendermos as verduras. Se nos tornarmos auto-suficientes<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o a família Kurita, poderemos guardar todo o salário. Os<<strong>br</strong> />
adultos terão que se dedicar ao trabalho do cafezal, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
colonos. Por isso, da horta cuido eu. - disse <strong>Haru</strong>, sem perder<<strong>br</strong> />
as esperanças.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conhecia outra vida se não a da po<strong>br</strong>eza e na<<strong>br</strong> />
sua maneira pura de viver, aceitava as condições adversas,<<strong>br</strong> />
arranjando-se melhor do que os adultos. Essas atitudes<<strong>br</strong> />
demonstravam sua firmeza de caráter e sua facilidade de<<strong>br</strong> />
- 147 -
adaptação.<<strong>br</strong> />
- Eu também vou ajudá-la na horta. É a única maneira de<<strong>br</strong> />
juntar dinheiro sem ter que contrair dívidas. - disse Chûji,<<strong>br</strong> />
arrastado pelo vigor de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Mesmo querendo voltar ao Japão, não temos dinheiro.<<strong>br</strong> />
Pelo jeito, só nos resta batalhar por aqui. - resignou-se Yozo,<<strong>br</strong> />
finalmente se decidindo a trabalhar também.<<strong>br</strong> />
Contudo, Shizu, que até aquele momento estava calada,<<strong>br</strong> />
de repente <strong>com</strong>eçou a chorar.<<strong>br</strong> />
- Vim economizando o máximo e procurei <strong>com</strong>prar o<<strong>br</strong> />
mínimo necessário na venda. Porém, <strong>com</strong>o todos estavam<<strong>br</strong> />
trabalhando tanto, acabei ficando <strong>com</strong> pena, e resolvi <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />
um pouco de <strong>com</strong>ida decente. E olhe o que acabou<<strong>br</strong> />
acontecendo...<<strong>br</strong> />
Justo num dia <strong>com</strong>o este, em que havia <strong>com</strong>prado arroz e<<strong>br</strong> />
carne de porco. Não era porque ela quisesse se dar ao luxo...<<strong>br</strong> />
- Fomos forçados a <strong>com</strong>er aquele feijão horrível e<<strong>br</strong> />
mandioca todos os dias... Mas, assim mesmo, só restaram<<strong>br</strong> />
dívidas... É de perder <strong>com</strong>pletamente a vontade de trabalhar.<<strong>br</strong> />
- Pensei que, depois que recebêssemos o salário,<<strong>br</strong> />
poderíamos <strong>com</strong>er alguma coisa mais decente.<<strong>br</strong> />
Quando Shigeru e Minoru se queixaram alternadamente,<<strong>br</strong> />
Chûji ralhou <strong>com</strong> os dois filhos:<<strong>br</strong> />
- Homens não devem ficar reclamando de <strong>com</strong>ida!<<strong>br</strong> />
- Vou cozinhar os milhos... Daqui a pouco, poderemos<<strong>br</strong> />
colher batatinhas e arroz. Aguardem! - disse <strong>Haru</strong>, tentando<<strong>br</strong> />
agir alegremente para que o pai e os irmãos não discutissem.<<strong>br</strong> />
- 148 -
Não queria que a família ficasse irritada. Mesmo po<strong>br</strong>e, queria<<strong>br</strong> />
que fossem uma família alegre.<<strong>br</strong> />
A família Takakura decidira emigrar para o Brasil em<<strong>br</strong> />
1933. Nos idos de 1920, o Brasil estava num período de<<strong>br</strong> />
prosperidade econômica, <strong>com</strong> o segundo boom do café.<<strong>br</strong> />
Entretanto, <strong>com</strong> a crise mundial de 1929, o preço do café<<strong>br</strong> />
sofrerá uma queda <strong>br</strong>usca.<<strong>br</strong> />
Apesar disso, as fazendas de café haviam aumentado o<<strong>br</strong> />
plantio das mudas no período de prosperidade econômica e<<strong>br</strong> />
quando houve a queda <strong>br</strong>usca de preço, no início dos anos<<strong>br</strong> />
30, a colheita de café estava no auge. Com a economia em<<strong>br</strong> />
queda, e <strong>com</strong> excesso de produção, o preço da saca de café<<strong>br</strong> />
continuou a cair.<<strong>br</strong> />
Na época, o governo <strong>br</strong>asileiro tomou medidas drásticas<<strong>br</strong> />
para impedir a queda de preço e proteger os produtores de<<strong>br</strong> />
café. Por outro lado, promulgou um decreto proibindo a<<strong>br</strong> />
plantação de café por três anos.<<strong>br</strong> />
Quando a família Takakura <strong>com</strong>eçou a trabalhar na<<strong>br</strong> />
fazenda de café, infelizmente, o Brasil estava no meio dessa<<strong>br</strong> />
crise econômica.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a lavar roupa à beira do poço, já tarde da<<strong>br</strong> />
noite. Colocou uma tábua de lavar dentro de uma bacia cheia<<strong>br</strong> />
d'água e <strong>com</strong>eçou a esfregar <strong>com</strong> as mãos. Apenas a luz do<<strong>br</strong> />
luar iluminava os arredores.<<strong>br</strong> />
- Hoje você está lavando roupas tarde...<<strong>br</strong> />
Takuya senta-se próximo a <strong>Haru</strong>, e parece não ter sono.<<strong>br</strong> />
- É que todos estavam conversando até há pouco.<<strong>br</strong> />
- 149 -
- Em casa também. Papai e o meu irmão estavam<<strong>br</strong> />
conversando so<strong>br</strong>e muitas coisas até agora...<<strong>br</strong> />
- Na sua casa também?<<strong>br</strong> />
- Ah, na sua também?<<strong>br</strong> />
- Em casa, <strong>com</strong>o não tínhamos o que <strong>com</strong>er, nem<<strong>br</strong> />
tampouco dinheiro, não trouxemos nada. Precisávamos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prar os artigos de primeira necessidade, assim <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />
alimentos.... E tudo se transformou em dívida... A dívida é<<strong>br</strong> />
maior que o salário...<<strong>br</strong> />
- Conosco aconteceu o mesmo. O salário a receber é tão<<strong>br</strong> />
pequeno que dispensa <strong>com</strong>entários. Além disso, também<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pramos fiado na venda. Essa dívida também foi<<strong>br</strong> />
descontada. Papai está zangado, dizendo que foi ludi<strong>br</strong>iado.<<strong>br</strong> />
Meu irmão e mamãe estão deprimidos... Não sei <strong>com</strong>o será<<strong>br</strong> />
daqui para a frente...<<strong>br</strong> />
Não imaginava que a família de Takuya estivesse<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prando fiado. A família Yamashita viera para o Brasil<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o intuito inicial de se estabelecer permanentemente.<<strong>br</strong> />
Havia trazido muitas coisas do Japão e não padeciam de falta<<strong>br</strong> />
de dinheiro. Pelo menos, isso era o que <strong>Haru</strong> imaginava.<<strong>br</strong> />
Embora a família Yamashita tivesse decidido emigrar para<<strong>br</strong> />
o Brasil por não poder continuar administrando a fá<strong>br</strong>ica no<<strong>br</strong> />
Japão, pretendiam trabalhar durante três anos <strong>com</strong>o colonos,<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong> o capital obtido do trabalho, queriam construir uma<<strong>br</strong> />
fá<strong>br</strong>ica em São Paulo, a exemplo do que faziam no Japão.<<strong>br</strong> />
Porém, <strong>com</strong>o acontecera <strong>com</strong> a família de <strong>Haru</strong>, os pés<<strong>br</strong> />
de café eram improdutivos e a quantidade de colheita era<<strong>br</strong> />
- 150 -
pequena. Compensando o salário <strong>com</strong> a dívida, o que lhes<<strong>br</strong> />
restara era mínimo. Se continuassem a trabalhar naquele local,<<strong>br</strong> />
não conseguiriam poupar fundos para construir a fá<strong>br</strong>ica.<<strong>br</strong> />
A empresa de imigração pregava que em três anos de<<strong>br</strong> />
trabalho, seria possível voltarem ricos para o Japão.<<strong>br</strong> />
- Quem acreditou foi idiota... Mas, pode ser que só aqui<<strong>br</strong> />
seja ruim, e existam outras fazendas melhores, não é?<<strong>br</strong> />
A família Yamashita deveria estar falando a esse respeito<<strong>br</strong> />
até tarde da noite.<<strong>br</strong> />
- Isso eu não sei, mas, mesmo que existam lugares<<strong>br</strong> />
melhores, de que forma saberemos? Não há nem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
verificar. É melhor desistir de pensar nisso e se esforçar aqui,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o pensamento positivo...<<strong>br</strong> />
- Como você é forte, <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Imaginando o quanto a minha irmãzinha deve estar<<strong>br</strong> />
sofrendo, não tem <strong>com</strong>o ficar choramingando. Haja o que<<strong>br</strong> />
houver, temos que ir buscá-la em três anos...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> era mais nova que Takuya, mas sua determinação<<strong>br</strong> />
em busca de seu objetivo quase a fazia superá-lo. No momento<<strong>br</strong> />
seguinte, <strong>Haru</strong> deixou escapar uma lamentação.<<strong>br</strong> />
- Mas, foi bom a maninha não ter vindo. Em <strong>com</strong>paração<<strong>br</strong> />
à vida daqui, a do Japão é menos ruim.<<strong>br</strong> />
Trazido pelo vento ouvia-se ao longe, o som de música.<<strong>br</strong> />
- Tem uma festa. Vamos até lá... - Takuya se levanta,<<strong>br</strong> />
convidando <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Conforme se aproximavam de onde vinha a música, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
viu uma praça iluminada pelo clarão da fogueira e ouviu os<<strong>br</strong> />
- 151 -
isos alegres dos colonos que dançavam <strong>com</strong> trajes típicos.<<strong>br</strong> />
A música alegre talvez fizesse parte do folclore italiano.<<strong>br</strong> />
Não sabiam que tipo de festa era, mas os colonos vindos<<strong>br</strong> />
de outros países estavam se divertindo. Na vida deles havia<<strong>br</strong> />
sonhos e risos. <strong>Haru</strong> e Takuya, trocavam sorrisos, seduzidos<<strong>br</strong> />
pelo som da música agradável.<<strong>br</strong> />
A conversa <strong>com</strong> Takuya havia dado coragem para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Takuya também fora estimulado pela retidão da maneira de<<strong>br</strong> />
viver de <strong>Haru</strong>, que ainda tinha a ingenuidade de menina.<<strong>br</strong> />
Takuya também não perdera a pureza de menino.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Takuya se esqueceram das tristezas ouvindo o<<strong>br</strong> />
ritmo alegre das músicas da festa, sem saber que estava se<<strong>br</strong> />
formando uma grande onda que arrastaria o destino dos dois.<<strong>br</strong> />
No hotel de Tóquio, <strong>Haru</strong> estava a recordar aquele ritmo<<strong>br</strong> />
de 70 anos atrás. Na vida de colono, foram poucas as ocasiões<<strong>br</strong> />
em que <strong>Haru</strong> pôde rir. Aquela festa tinha sido um dos raros<<strong>br</strong> />
momentos agradáveis.<<strong>br</strong> />
'iamo, 'iamo... funiculi, funicula...<<strong>br</strong> />
O espelho refletia a imagem, não da <strong>Haru</strong> daquela época,<<strong>br</strong> />
mas da <strong>Haru</strong> de 80 anos, lem<strong>br</strong>ando o ritmo da música. Ao<<strong>br</strong> />
voltar a si, <strong>Haru</strong> pegou a carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Até a respeito do dia em que nos <strong>com</strong>unicaram so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />
primeiro pagamento, escrevi detalhadamente para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Lendo as cartas dela, pode-se ver que nem aquela carta lhe<<strong>br</strong> />
chegara em mãos.<<strong>br</strong> />
- 152 -
"Eu escrevi uma carta <strong>com</strong>unicando a mudança<<strong>br</strong> />
de endereço, porém, para variar, não recebi resposta.<<strong>br</strong> />
Será que vocês realmente se esqueceram de mim?<<strong>br</strong> />
Ou estão tão ocupados que não têm tempo para<<strong>br</strong> />
escrever?<<strong>br</strong> />
Não se preocupem <strong>com</strong>igo. Fui acolhida pelo<<strong>br</strong> />
vovô Toku, e estou sendo criada <strong>com</strong>o se fosse sua<<strong>br</strong> />
filha... Muitos pecuaristas da região vêm consultálo.<<strong>br</strong> />
Eles dizem que o vovô Toku é um pecuarista de<<strong>br</strong> />
mão cheia ".<<strong>br</strong> />
Iniciava-se um novo ano. Era janeiro de 1935 e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
havia <strong>com</strong>pletado oito anos.<<strong>br</strong> />
Os campos de Hokkaido estavam cobertos de neve<<strong>br</strong> />
acumulada. A porta da casa de Tokuji se a<strong>br</strong>iu e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
apareceu, <strong>com</strong> dois baldes nas mãos, caminhando no meio<<strong>br</strong> />
da neve. Ambos os baldes estavam cheios de água quente, e<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> cambaleou <strong>com</strong> o peso por causa da neve sob os pés,<<strong>br</strong> />
mas o seu rosto estava iluminado, a caminho do estábulo.<<strong>br</strong> />
Trabalhar ajudando Tokuji deixava <strong>Natsu</strong> feliz. Cuidar<<strong>br</strong> />
de vacas era um trabalho pesado e era preciso mais força do<<strong>br</strong> />
que na roça. Mas isso não in<strong>com</strong>odava <strong>Natsu</strong>. A bondade de<<strong>br</strong> />
Tokuji e o carinho pelas vacas preenchiam seu coração.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se tornara uma presença necessária para Tokuji.<<strong>br</strong> />
Ela entrou no estábulo, onde o feno estava empilhado até<<strong>br</strong> />
o teto, pisando firme por causa do peso dos baldes.<<strong>br</strong> />
Tokuji estava ordenhando a vaca. O leite enchia o balde<<strong>br</strong> />
- 153 -
<strong>com</strong> o vigor de uma rajada de pistola d'água.<<strong>br</strong> />
- Vovô Toku, foi o senhor quem juntou sozinho todo<<strong>br</strong> />
aquele feno no estábulo? - disse <strong>Natsu</strong>, puxando conversa ao<<strong>br</strong> />
colocar o feno na manjedoura para as vacas.<<strong>br</strong> />
- Foi. As vacas não podem pastar fora no inverno. Então,<<strong>br</strong> />
para isso, corto e seco o feno durante o verão e outono. Isso<<strong>br</strong> />
também é um serviço muito importante para o criador de<<strong>br</strong> />
vacas.<<strong>br</strong> />
- Quando o senhor me encontrou, estava fazendo esse<<strong>br</strong> />
serviço, não é?<<strong>br</strong> />
- Você se acostumou bem, hein?<<strong>br</strong> />
Tokuji observava, <strong>com</strong> carinho, as mãos de <strong>Natsu</strong>, que<<strong>br</strong> />
ordenhava a vaca.<<strong>br</strong> />
- Minha filha faleceu quando tinha sua idade. Apanhou<<strong>br</strong> />
uma gripe violenta e morreu de repente.<<strong>br</strong> />
- Ela morreu <strong>com</strong> oito anos?<<strong>br</strong> />
- Vendo você, parece que ela voltou para casa. Você é<<strong>br</strong> />
muito parecida <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />
- E sua esposa, quando...?<<strong>br</strong> />
- Foi logo em seguida... <strong>com</strong>o se fosse atrás da nossa<<strong>br</strong> />
filha. Menos de um ano depois da morte da menina, ela saiu<<strong>br</strong> />
de casa e, logo depois, fui avisado que ela tinha se atirado ao<<strong>br</strong> />
mar, da balsa que liga a ilha de Hokkaido à ilha de Honshu<<strong>br</strong> />
do arquipélago japonês. Seu corpo nunca foi encontrado...<<strong>br</strong> />
Mas agora ela deve estar feliz junto à nossa filha.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, não morra de jeito nenhum, aconteça o que<<strong>br</strong> />
- 154 -
acontecer. A morte pode ser boa para quem morre, mas você<<strong>br</strong> />
não imagina o quanto sofrem os que ficam... É um sacrilégio.<<strong>br</strong> />
- Por isso o senhor está sozinho até agora?<<strong>br</strong> />
-... Continue ordenhando.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ordenhava obedientemente, mas podia-se notar<<strong>br</strong> />
ainda uma certa insegurança. Mesmo assim, a vaca se<<strong>br</strong> />
entregava sem relutar aos cuidados de <strong>Natsu</strong>. A vaca era quem<<strong>br</strong> />
sabia melhor que <strong>Natsu</strong> se esforçara muito para aprender a<<strong>br</strong> />
ordenhar, sem machucá-la, sendo às vezes repreendida por<<strong>br</strong> />
Tokuji.<<strong>br</strong> />
- Um criador de vacas me ensinou muitas coisas e disse<<strong>br</strong> />
que criar vacas tem três vantagens: a primeira é que você não<<strong>br</strong> />
precisa baixar a cabeça para outras pessoas, a segunda é que<<strong>br</strong> />
não precisa mentir. E a terceira, é que dá saúde aos japoneses.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ruminava as palavras de Tokuji:<<strong>br</strong> />
- Dá saúde para o corpo dos japoneses...<<strong>br</strong> />
Mais do que <strong>com</strong>preender algo, <strong>Natsu</strong> sentiu que estava<<strong>br</strong> />
aprendendo algo muito importante nessa ocasião. Essas<<strong>br</strong> />
palavras influenciariam enormemente o futuro dela.<<strong>br</strong> />
Através da cortina, podia-se notar que já escurecia lá fora.<<strong>br</strong> />
No quarto de hotel, <strong>Haru</strong> lia as cartas de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a claridade<<strong>br</strong> />
do abajur e tirou os óculos, sorrindo.<<strong>br</strong> />
Quando leu que havia fugido de casa sem ter um destino,<<strong>br</strong> />
ficara pasma <strong>com</strong> a imprudência, mas por outro lado, ficara<<strong>br</strong> />
indignada <strong>com</strong> a tia. Porém, não existiam apenas infortúnios.<<strong>br</strong> />
- Mesmo quando estava levando uma vida árdua no Brasil,<<strong>br</strong> />
- 155 -
não teve um dia sequer em que eu deixasse de lem<strong>br</strong>ar de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>. Eu sentia meu coração dolorido, imaginando que ela<<strong>br</strong> />
estava chorando, solitária. Porém, graças a Deus, ela estava<<strong>br</strong> />
feliz... Ela era uma menina de sorte.<<strong>br</strong> />
- O fato de ela ter contraído tra<strong>com</strong>a e não ter podido ir<<strong>br</strong> />
para o Brasil pode ter sido sorte, e não azar.<<strong>br</strong> />
Yamato também achava que esse encontro estranho de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> Tokuji fora, mais do que uma coincidência, uma<<strong>br</strong> />
sorte muito grande que <strong>Natsu</strong> possuía desde que tinha nascido.<<strong>br</strong> />
- É verdade. Não sei <strong>com</strong>o foi a vida dela, mas agora é<<strong>br</strong> />
presidente de uma empresa grande. Em <strong>com</strong>paração, sua avó<<strong>br</strong> />
sempre teve azar. Eu trabalhei praticamente quase sem dormir,<<strong>br</strong> />
pois tínhamos que juntar dinheiro na primeira fazenda de café<<strong>br</strong> />
que trabalhamos, pois senão, não teríamos condições de ir<<strong>br</strong> />
buscar <strong>Natsu</strong>. Então, as verduras que plantamos, não eram só<<strong>br</strong> />
para o nosso consumo. Vendíamos aos demais colonos<<strong>br</strong> />
estrangeiros. Consegui chegar a esse ponto e, quando me senti<<strong>br</strong> />
um pouco aliviada, aconteceram seguidas desgraças. Sinto<<strong>br</strong> />
arrepios só de lem<strong>br</strong>ar, ainda hoje.<<strong>br</strong> />
A fisionomia tranqüila de <strong>Haru</strong> se transformara. Um<<strong>br</strong> />
acontecimento a fizera perder forças até para pegar o lápis<<strong>br</strong> />
para escrever cartas à <strong>Natsu</strong>, o que até então ocorria <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
assiduidade. O fato abalara <strong>Haru</strong> de tal forma que não<<strong>br</strong> />
conseguira reagir...<<strong>br</strong> />
"Desculpe-me <strong>Natsu</strong>. Você deve ter ficado triste,<<strong>br</strong> />
pois fiquei quase meio ano sem lhe enviar uma<<strong>br</strong> />
- 156 -
carta..."<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> lia a carta de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o se a devorasse. Deixava<<strong>br</strong> />
transparecer o cansaço do trabalho de um dia, mas não<<strong>br</strong> />
conseguia largar as cartas. Contrariando a imaginação de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, a família que estava no Brasil sofrerá muito. Tomava<<strong>br</strong> />
conhecimento, pela primeira vez, da realidade que sua família<<strong>br</strong> />
vivera desde que se separaram quando tinha sete anos.<<strong>br</strong> />
"Aconteceram tantas coisas tristes e difíceis, que<<strong>br</strong> />
nem tive tempo para escrever. Porém, estou muito<<strong>br</strong> />
preocupada, pois não recebi nenhuma carta sua.<<strong>br</strong> />
Você está bem? Você está lendo ao menos as cartas<<strong>br</strong> />
que estou lhe enviando? Quando parti do Japão...<<strong>br</strong> />
eu pensava que indo ao Brasil, só aconteceria coisas<<strong>br</strong> />
boas e que poderia escrever cartas alegres e felizes.<<strong>br</strong> />
Porém, tenho escrito somente coisas tristes, não é<<strong>br</strong> />
mesmo? Mas é que só acontecem desgraças, uma<<strong>br</strong> />
após outra... Shigeru ficou doente... "<<strong>br</strong> />
Entusiasmada, <strong>Haru</strong> corria, de manhã cedo, pela plantação<<strong>br</strong> />
de café, quase perdendo o fôlego. Pela claridade do céu devia<<strong>br</strong> />
ser quase a hora de tocar o sino, para o início do trabalho. De<<strong>br</strong> />
fato, quando entrou correndo em casa, Chûji, Minoru e os<<strong>br</strong> />
outros estavam se preparando para sair para o trabalho.<<strong>br</strong> />
- A esposa do colono para quem fui entregar verduras<<strong>br</strong> />
me convidou para tomar o café da manhã. Comi o pão que<<strong>br</strong> />
- 157 -
ela mesma fez. Estava muito gostoso. Por isso acabei<<strong>br</strong> />
demorando... - disse <strong>Haru</strong>, falando num fôlego só. Enfiou a<<strong>br</strong> />
mão no bolso e ficou remexendo.<<strong>br</strong> />
- Cadê a mamãe?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> entregou <strong>com</strong> alegria e orgulho o dinheiro que tirou<<strong>br</strong> />
do bolso para Shizu, que vinha do quarto dos fundos.<<strong>br</strong> />
- Vendi as verduras! Esse é o dinheiro... Vendi para três<<strong>br</strong> />
casas.<<strong>br</strong> />
No lugar de Shizu, Kiyo manifestou o seu apreço dirigindo<<strong>br</strong> />
um sorriso à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Eles elogiaram dizendo que estava gostoso... Disseram<<strong>br</strong> />
que nunca tinham <strong>com</strong>ido pepino... Ainda bem que trouxe a<<strong>br</strong> />
semente de pepino. Como cresce rápido, dá para <strong>com</strong>er logo...<<strong>br</strong> />
Finalmente, <strong>Haru</strong> notou a fisionomia preocupada de Shizu<<strong>br</strong> />
e olhou desconfiada para o quarto dos fundos.<<strong>br</strong> />
- Cadê o mano Shigeru?<<strong>br</strong> />
- Desde ontem à noite estava dizendo que estava <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
corpo lânguido. Dormiu sem jantar e hoje de manhã está <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
fe<strong>br</strong>e...<<strong>br</strong> />
Shizu estava apreensiva <strong>com</strong> a malária. Possuía apenas<<strong>br</strong> />
um conhecimento vago de que era uma doença temerosa, pois<<strong>br</strong> />
um colono japonês havia falecido há alguns dias.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se ajoelhou, próximo a Shigeru, que estava deitado<<strong>br</strong> />
numa cama no canto do quarto, e colocou levemente a mão<<strong>br</strong> />
na sua testa.<<strong>br</strong> />
- Mãe! A fe<strong>br</strong>e do Shigeru está muito alta! Podemos<<strong>br</strong> />
deixá-lo assim?<<strong>br</strong> />
- 158 -
Deveria ser o acúmulo de cansaço, desnutrição e calor,<<strong>br</strong> />
mas não havia outro jeito senão deixá-lo deitado.<<strong>br</strong> />
Para não atrasar o trabalho da fazenda, tanto Chûji <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
Shizu não poderiam ficar cuidando apenas de Shigeru. Yozo<<strong>br</strong> />
e Kiyo também precisavam ir trabalhar.<<strong>br</strong> />
Shigeru acenou a cabeça, querendo dizer que estava tudo<<strong>br</strong> />
bem para <strong>Haru</strong>, que estava a seu lado.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong> não se esforce demais... por mais que consiga<<strong>br</strong> />
ganhar dinheiro, se ficar doente, será o fim.<<strong>br</strong> />
-Mano...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se levantou relutantemente.<<strong>br</strong> />
Era fevereiro de 1935. Pleno verão no Brasil. Sob o sol<<strong>br</strong> />
escaldante, Chüji, Yozo, Minoru, Kiyo, Shizu e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
continuavam o trabalho de capinação.<<strong>br</strong> />
Aproveitando um pouco do tempo, <strong>Haru</strong> corria para cuidar<<strong>br</strong> />
da horta. O arroz de sequeiro havia espigado. Mais um mês e<<strong>br</strong> />
poderia ceifar o arroz.<<strong>br</strong> />
- Poderia espigar logo, para dar arroz <strong>br</strong>anco para o mano.<<strong>br</strong> />
- Shigeru está doente?<<strong>br</strong> />
- Não é nada grave. Está apenas <strong>com</strong> fe<strong>br</strong>e alta...<<strong>br</strong> />
Takuya, que estava apreciando o arroz de sequeiro da<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, ficou sério e perguntou:<<strong>br</strong> />
- Como? Não se pode fazer pouco caso de fe<strong>br</strong>e alta.<<strong>br</strong> />
Deveriam chamar o médico...<<strong>br</strong> />
- Há médico na fazenda...?<<strong>br</strong> />
- Não, tem um perto da estação... Se pedir, parece que<<strong>br</strong> />
ele vem até aqui.<<strong>br</strong> />
- 159 -
- Impossível. É muito longe... Amanhã, levarei verduras<<strong>br</strong> />
na casa do colono que cria galinha e trocarei <strong>com</strong> uns ovos<<strong>br</strong> />
para alimentar Shigeru.<<strong>br</strong> />
Shigeru era um irmão gentil e sensível.<<strong>br</strong> />
Logo que os sinos da tarde tocaram, Shizu e Chûji, vindos<<strong>br</strong> />
do outro extremo da fazenda, caminhavam apressadamente<<strong>br</strong> />
para chegarem logo em casa, carregando os instrumentos<<strong>br</strong> />
agrícolas, passando pelos colonos que caminhavam na frente.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> colhera tomates maduros da horta. Queria dar para<<strong>br</strong> />
Shigeru e envolvia-os cuidadosamente no avental, para não<<strong>br</strong> />
amassarem.<<strong>br</strong> />
Shigeru, <strong>com</strong> quem ainda trocara algumas palavras de<<strong>br</strong> />
manhã, já estava inconsciente por causa da fe<strong>br</strong>e alta. Estava<<strong>br</strong> />
em estado de <strong>com</strong>a.<<strong>br</strong> />
- Shigeru! Shigeru! - Shizu chamava desesperadamente<<strong>br</strong> />
o nome do filho.<<strong>br</strong> />
- Shigeru, <strong>com</strong>o está? - Chûji o sacudiu, mas Shigeru<<strong>br</strong> />
não reagia.<<strong>br</strong> />
- Os tomates já estão maduros! Dê para o Shigeru <strong>com</strong>er!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> entrou correndo, mas ficou paralisada <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
ambiente pesado da casa. Além dos familiares, estavam Heizo,<<strong>br</strong> />
pai de Takuya e Kurita. Os dois estavam calados e estavam<<strong>br</strong> />
também em volta da cama de Shigeru, <strong>com</strong> Shizu e Chûji.<<strong>br</strong> />
Isso aumentou a preocupação de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Kurita fez sinal para Chûji <strong>com</strong> o olhar, afastando-se de<<strong>br</strong> />
Shigeru e informando em voz baixa:<<strong>br</strong> />
- Com certeza é malária.<<strong>br</strong> />
- 160 -
- O que é que se pode fazer?<<strong>br</strong> />
- Do jeito que está, já não podemos fazer mais nada.<<strong>br</strong> />
Re<strong>com</strong>endo que chame o médico...<<strong>br</strong> />
- E onde tem um médico?<<strong>br</strong> />
- Tem um perto da estação...<<strong>br</strong> />
- Perto da estação? Mas, são quase vinte quilômetros até<<strong>br</strong> />
lá... Ele virá?<<strong>br</strong> />
- Posso estar sendo cruel, mas acho que não adiantaria<<strong>br</strong> />
muito consultar o médico... Eu já vi muitos doentes <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
malária... Acho que é perda de tempo o sacrifício de chamar<<strong>br</strong> />
o médico de tão longe... Além disso, terão que pagar uma<<strong>br</strong> />
quantia exorbitante pela consulta. Mas, se os senhores<<strong>br</strong> />
quiserem chamar o médico mesmo assim, é melhor fazê-lo...<<strong>br</strong> />
Ele é filho de vocês...<<strong>br</strong> />
Diante do diagnóstico de Kurita que não inspirava<<strong>br</strong> />
qualquer esperança, Chûji se calou.<<strong>br</strong> />
- Perdoe-me por não poder ajudá-lo. Ah, se quiser chamar<<strong>br</strong> />
o médico, chame sem cerimônia.<<strong>br</strong> />
- Vamos pedir para que alguém vá a cavalo. - Shizu<<strong>br</strong> />
implora a Chûji e se certifica <strong>com</strong> Kurita:<<strong>br</strong> />
- Será que não adianta mesmo pedir para o médico vir?<<strong>br</strong> />
- Sinto muito, mas não sou médico. Disse aquilo pela<<strong>br</strong> />
experiência que tive até agora. Pode ser que aconteça um<<strong>br</strong> />
milagre. É melhor fazer o que manda o seu coração... Estimo<<strong>br</strong> />
as melhoras...<<strong>br</strong> />
Kurita vai embora <strong>com</strong>o se estivesse recuando. Shizu<<strong>br</strong> />
despede-se dele, e implora novamente a Chûji:<<strong>br</strong> />
- 161 -
- Chame o médico, por favor!<<strong>br</strong> />
- Eu também quero fazer o melhor. Não quero abandonálo.<<strong>br</strong> />
Conheço, porém, o horror da malária. Tenho pena, mas<<strong>br</strong> />
do jeito que ele está, acho que não há mais nada a fazer. -<<strong>br</strong> />
disse Chûji, desabafando suas mágoas.<<strong>br</strong> />
- Por favor, chame o médico imediatamente!... - interveio<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, mal conseguindo acreditar. Era impossível o pai desistir<<strong>br</strong> />
do irmão daquela forma.<<strong>br</strong> />
Se o médico pudesse curá-lo, Chûji faria qualquer<<strong>br</strong> />
sacrifício. Contudo, mesmo aos olhos de Chûji, eram mínimas<<strong>br</strong> />
as chances de Shigeru se salvar.<<strong>br</strong> />
- É melhor nos conformarmos, acreditando que esta era<<strong>br</strong> />
a sina de Shigeru...<<strong>br</strong> />
Não suportando mais, Minoru protestou contra as palavras<<strong>br</strong> />
do pai:<<strong>br</strong> />
- O senhor quer dizer que não dá para desperdiçar dinheiro<<strong>br</strong> />
por alguém que vai morrer?<<strong>br</strong> />
- Mesmo sabendo que não teria jeito, se eu tivesse<<strong>br</strong> />
dinheiro, gostaria que o médico o examinasse. Eu faria isso...<<strong>br</strong> />
Mas a questão é que não temos esse dinheiro. Mesmo que<<strong>br</strong> />
Shigeru não so<strong>br</strong>eviva, se chamarmos o médico, ele vai co<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />
a consulta. Nós, que estamos vivos é que vamos sofrer <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
aumento da dívida.<<strong>br</strong> />
Eles não sabiam quando e <strong>com</strong>o precisariam de dinheiro.<<strong>br</strong> />
Mesmo que a doença de Shigeru não tivesse acontecido,<<strong>br</strong> />
faltava dinheiro para so<strong>br</strong>eviver, pois mal conseguiam se<<strong>br</strong> />
manter.<<strong>br</strong> />
- 162 -
Na cabeceira do filho que gemia <strong>com</strong> a fe<strong>br</strong>e alta, Chüji,<<strong>br</strong> />
cabisbaixo, não cansava de pedir perdão:<<strong>br</strong> />
- Shigeru, perdoe-me! Devido à minha falta de<<strong>br</strong> />
capacidade, acabei trazendo você para um lugar <strong>com</strong>o este...<<strong>br</strong> />
É minha responsabilidade. Não tenho <strong>com</strong>o lhe pedir<<strong>br</strong> />
desculpas. - disse Chûji, soluçando.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> sai calada do local e, ao sair de casa, <strong>com</strong>eça a correr.<<strong>br</strong> />
- Como está seu irmão?<<strong>br</strong> />
Takuya vinha atrás. Ele percebera que algo estava<<strong>br</strong> />
acontecendo.<<strong>br</strong> />
- Vou chamar o médico...<<strong>br</strong> />
-<strong>Haru</strong>...?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava perfeitamente ciente de que a família não<<strong>br</strong> />
tinha dinheiro para pagar o médico. Entretanto, isso seria<<strong>br</strong> />
muito cruel para Shigeru. Se por acaso houvesse alguma<<strong>br</strong> />
esperança de salvá-lo, deveria fazer o que estivesse ao seu<<strong>br</strong> />
alcance. Se Shigeru morresse assim, <strong>Haru</strong> se arrependeria,<<strong>br</strong> />
pelo resto da vida.<<strong>br</strong> />
- Entendi, eu vou <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> observou Takuya <strong>com</strong>o se tivesse ouvido algo<<strong>br</strong> />
estranho.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o você é imprudente. Já escureceu e você<<strong>br</strong> />
pensa em caminhar nessa escuridão...<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
Na cabeça de <strong>Haru</strong> só havia a idéia de ir chamar o médico.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a caminhar em direção à cidade, que ficava a<<strong>br</strong> />
20 km, na <strong>com</strong>panhia de Takuya, um jovem cavalheiro que<<strong>br</strong> />
- 163 -
inspirava confiança.<<strong>br</strong> />
Chegando na cidade ao alvorecer, <strong>Haru</strong> e Takuya<<strong>br</strong> />
procuraram pela casa do médico. Ao encontrar a placa escrita<<strong>br</strong> />
em português, Takuya disse: "É aqui" e <strong>com</strong>eçou a bater na<<strong>br</strong> />
porta. Não era horário para atender pacientes. O próprio<<strong>br</strong> />
médico atendeu a porta, desconfiado.<<strong>br</strong> />
- É um caso urgente. Venha conosco, por favor. - Takuya<<strong>br</strong> />
explicava num português trôpego.<<strong>br</strong> />
O médico olhou para <strong>Haru</strong> e Takuya, parecendo um pouco<<strong>br</strong> />
assustado, e entrou dentro de casa, dizendo: "Esperem um<<strong>br</strong> />
pouco".<<strong>br</strong> />
-Ele irá...?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não entendeu o diálogo em português, trocado entre<<strong>br</strong> />
Takuya e o médico.<<strong>br</strong> />
- Não sei muito bem se ele entendeu ou não...<<strong>br</strong> />
Takuya não estava muito seguro. <strong>Haru</strong> caiu sentada no<<strong>br</strong> />
lugar onde estavam, toda desanimada.<<strong>br</strong> />
- É muito difícil não ter dinheiro. Não se pode andar nem<<strong>br</strong> />
de carro, nem de carroça...<<strong>br</strong> />
- Apesar de tudo, pode ser que ele não atenda se o colono<<strong>br</strong> />
for japonês...<<strong>br</strong> />
Uma charrete se aproximou. O médico já estava nela e<<strong>br</strong> />
gritava algo em português, dirigindo-se para <strong>Haru</strong>, que estava<<strong>br</strong> />
assustada.<<strong>br</strong> />
Takuya empurrou <strong>Haru</strong>, que estava sem palavras.<<strong>br</strong> />
- Ele está falando para subir na charrete.<<strong>br</strong> />
Os dois subiram correndo. O médico incitou os cavalos a<<strong>br</strong> />
- 164 -
grito e a charrete <strong>com</strong>eçou a se movimentar. O campo em<<strong>br</strong> />
que haviam caminhado há algumas horas era percorrido pela<<strong>br</strong> />
charrete em velocidade máxima, guiados apenas pelo luar.<<strong>br</strong> />
Ao chegar em frente à casa dos Takakura, <strong>Haru</strong>, sem poder<<strong>br</strong> />
esperar o cavalo parar, saltou da charrete e entrou correndo<<strong>br</strong> />
no quarto onde Shigeru dormia.<<strong>br</strong> />
- O médico chegou!<<strong>br</strong> />
Em volta da cama de Shigeru estavam Chûji, Shizu,<<strong>br</strong> />
Minoru, Yozo, Kiyo, e também, Heizo. So<strong>br</strong>e o prato na<<strong>br</strong> />
cabeceira, o tomate vermelho que <strong>Haru</strong> havia colhido ainda<<strong>br</strong> />
estava intacto.<<strong>br</strong> />
- Onde você estava? - perguntou Shizu, triste, <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
olhos vermelhos e inchados.<<strong>br</strong> />
- Fui buscar o médico...<<strong>br</strong> />
- Médico? - disse Chûji, levantando-se afobado e Yozo<<strong>br</strong> />
falou vagarosamente para <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />
- Shigeru acabou de falecer.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> voltou seu olhar para a cama e Shigeru parecia<<strong>br</strong> />
dormir tranqüilamente, sem gemidos de fe<strong>br</strong>e.<<strong>br</strong> />
Takuya entrou no quarto a<strong>com</strong>panhado do médico, um<<strong>br</strong> />
pouco atrasado. O médico examinou Shigeru e, sem palavras,<<strong>br</strong> />
balançou a cabeça negativamente, <strong>com</strong> ares de pesar.<<strong>br</strong> />
- Ele morreu mesmo?<<strong>br</strong> />
Embora não entendesse japonês, o médico <strong>com</strong>preendeu<<strong>br</strong> />
o sentimento de <strong>Haru</strong>. Ele colocou a mão em seu om<strong>br</strong>o,<<strong>br</strong> />
tentando consolá-la e explicou em português:<<strong>br</strong> />
- Era malária. Foi uma pena que não chegamos a tempo.<<strong>br</strong> />
- 165 -
- Ninguém pediu para chamar o médico! Onde vamos<<strong>br</strong> />
arranjar dinheiro para pagar a consulta? Agora vamos ter que<<strong>br</strong> />
fazer mais dívidas! - falou Chûji, <strong>com</strong> voz fanhosa e cheia<<strong>br</strong> />
de lágrimas, repreendendo <strong>Haru</strong>, que trouxera o médico sem<<strong>br</strong> />
pedir permissão.<<strong>br</strong> />
- Pensei que se o médico examinasse Shigeru e desse<<strong>br</strong> />
remédio, ele poderia se salvar...<<strong>br</strong> />
Heizo, que conversava <strong>com</strong> o médico, virou-se para Chûji.<<strong>br</strong> />
- O médico lamenta, dizendo que se ele tivesse sido<<strong>br</strong> />
chamado antes, quem sabe, poderia tê-lo salvo.<<strong>br</strong> />
O médico continuou a falar em português <strong>com</strong> Heizo.<<strong>br</strong> />
- Não precisam pagar a consulta. Eu vim porque fiquei<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ovido <strong>com</strong> o esforço daqueles meninos, que caminharam<<strong>br</strong> />
de tão longe para me pedir que atendesse a um doente. Não<<strong>br</strong> />
quero receber nada.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado. Seremos gratos pelo resto da vida.<<strong>br</strong> />
Agradecendo em português no lugar de Chûji e seus<<strong>br</strong> />
familiares, Heizo fez uma reverência profunda para o médico.<<strong>br</strong> />
Apesar de ser <strong>br</strong>asileiro, ele era totalmente diferente do<<strong>br</strong> />
administrador e do capataz da fazenda. O gesto humano do<<strong>br</strong> />
médico <strong>com</strong>overa a todos.<<strong>br</strong> />
- Por favor, não fique zangado <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Ao ouvir de Takuya o gesto gentil do médico, Chûji se<<strong>br</strong> />
calou. Nesse mesmo instante, <strong>Haru</strong> chorava convulsivamente<<strong>br</strong> />
na cabeceira de Shigeru.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me, Shigeru... Desculpe por não ter chegado<<strong>br</strong> />
a tempo... O Brasil foi realmente um lugar ruim para você,<<strong>br</strong> />
- 166 -
não é mesmo? Mas agora, você pode descansar. Não precisa<<strong>br</strong> />
mais trabalhar... Não precisa, também, <strong>com</strong>er coisas que não<<strong>br</strong> />
gosta. De agora em diante, faça livremente o que quiser.<<strong>br</strong> />
Descanse... Seja feliz no paraíso. - <strong>Haru</strong> falou soluçando.<<strong>br</strong> />
Shizu também chorava em silêncio.<<strong>br</strong> />
De repente, Kiyo, <strong>com</strong> a paciência esgotada, <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
chorar e a gritar descontrolada:<<strong>br</strong> />
- Chega! Se ficarmos aqui, vai ser a ruína de todos! Quero<<strong>br</strong> />
voltar para o Japão! Quero, não. Vou voltar!<<strong>br</strong> />
-Kiyo...!?<<strong>br</strong> />
- Que esperanças podemos ter neste lugar? Quantos anos<<strong>br</strong> />
dessa vida miserável teremos que viver para poder enxergar<<strong>br</strong> />
o futuro? Eu não quero! Não quero ficar aqui nem mais um<<strong>br</strong> />
dia!<<strong>br</strong> />
Diziam que o sofrimento do colono japonês ultrapassava<<strong>br</strong> />
o limite da paciência quando algum parente, descendente ou<<strong>br</strong> />
cônjuge falecia. Quando a morte vinha pela providência divina<<strong>br</strong> />
ou pelas regras da natureza, ainda era possível se conformar.<<strong>br</strong> />
O inconformismo chegava ao auge quando se desperdiçava<<strong>br</strong> />
uma vida que poderia ter sido salva, se tivessem levado o<<strong>br</strong> />
doente ao médico, ou tivessem-no tratado <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />
alimentação nutritiva. Era exatamente o caso de Shigeru.<<strong>br</strong> />
Heizo se levantou, cambaleando <strong>com</strong>o um espírito<<strong>br</strong> />
perdido.<<strong>br</strong> />
- O tratamento dispensado aos colonos neste lugar é muito<<strong>br</strong> />
desumano. Se permanecermos aqui, estaremos presos às<<strong>br</strong> />
dividas e vamos ter que trabalhar <strong>com</strong>o escravos a vida inteira.<<strong>br</strong> />
- 167 -
- estava contendo sua voz, mas seus olhos diziam que ele<<strong>br</strong> />
estava decidido.<<strong>br</strong> />
- Nós é que fomos tolos em acreditar na propaganda<<strong>br</strong> />
enganosa da empresa de emigração. - Yozo falou num tom<<strong>br</strong> />
ríspido.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Haru</strong> e os demais embarcaram no navio de<<strong>br</strong> />
imigração em 1934, estava escrito nos folhetos de<<strong>br</strong> />
recrutamento de emigrantes para o Brasil, a seguinte frase:<<strong>br</strong> />
"Um paraíso para lavradores, <strong>com</strong> solo fértil e clima ameno.<<strong>br</strong> />
Não há impostos, nem é necessário adubar a terra". Havia<<strong>br</strong> />
anúncios que escreviam o nome "Brasil" utilizando<<strong>br</strong> />
ideogramas chineses que significavam "Dançar alegremente<<strong>br</strong> />
e permanecer".<<strong>br</strong> />
- Desde que chegamos aqui, tenho buscado informações<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e outras fazendas, mas nem todas são ruins <strong>com</strong>o essa.<<strong>br</strong> />
Existem fazendas em que, na medida do possível, querem<<strong>br</strong> />
empregar mais japoneses porque eles trabalham bem. Falando<<strong>br</strong> />
francamente, já não espero mais nada deste lugar. Pretendo<<strong>br</strong> />
ir embora...<<strong>br</strong> />
- Sr. Yamashita...? - falou Chûji, so<strong>br</strong>essaltado, fitando<<strong>br</strong> />
Heizo.<<strong>br</strong> />
- Não é coisa para se contar aos outros. O senhor também<<strong>br</strong> />
se conscientizou de que não há <strong>com</strong>o vencer na vida ficando<<strong>br</strong> />
nesta fazenda. Então, é melhor pensar em sair daqui o quanto<<strong>br</strong> />
antes.<<strong>br</strong> />
Yozo logo se sentiu atraído pela idéia, mas ainda assim,<<strong>br</strong> />
respondeu <strong>com</strong> cautela:<<strong>br</strong> />
- 168 -
- Nós também temos muita vontade de fugir daqui. Mas,<<strong>br</strong> />
ainda que façamos isso, não temos para onde ir. Além disso,<<strong>br</strong> />
um colono endividado não pode sair daqui. De que forma<<strong>br</strong> />
poderemos fugir se a vigilância é constante e rigorosa?<<strong>br</strong> />
- Posso arrumar um lugar onde nos acolherão. Se vocês<<strong>br</strong> />
quiserem mesmo fugir, dá-se um jeito.<<strong>br</strong> />
-E o senhor...?<<strong>br</strong> />
- Se vocês quiserem, podemos sair juntos... Eu prepararei<<strong>br</strong> />
a fuga.<<strong>br</strong> />
- Se for possível, eu gostaria de sair daqui... Um lugar<<strong>br</strong> />
que levou Shigeru a essa situação. Não gostaria de continuar<<strong>br</strong> />
mais neste lugar onde Shigeru morreu. Não consigo mais ficar<<strong>br</strong> />
aqui. - falou Shizu, ofegante e <strong>com</strong> a voz embargada.<<strong>br</strong> />
- Eu <strong>com</strong>preendo. Vocês são meus <strong>com</strong>panheiros.<<strong>br</strong> />
Viajamos juntos no mesmo navio que nos trouxe para cá e<<strong>br</strong> />
viemos para a mesma fazenda. Sabia que tinham o mesmo<<strong>br</strong> />
sentimento. Então, vamos fugir juntos...<<strong>br</strong> />
- Porém, é muito arriscado... E se nos pegarem?... Se<<strong>br</strong> />
levarmos uns tiros, não teremos o direito de reclamar. Eu<<strong>br</strong> />
não quero! - disse Chûji, que tinha que manter o equilí<strong>br</strong>io<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o chefe da família.<<strong>br</strong> />
- Então, vamos ficar aqui, e nos conformar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
destino...? - falou Yozo, num tom de censura.<<strong>br</strong> />
- Aqui também, se trabalharmos direito, poderemos ter<<strong>br</strong> />
uma vida <strong>com</strong>o a do Kurita. <strong>Haru</strong> está se esforçando para<<strong>br</strong> />
preparar a horta e já estamos colhendo verduras a ponto de<<strong>br</strong> />
vendê-las. Não sabemos o que acontecerá se formos para outra<<strong>br</strong> />
- 169 -
fazenda. Não acho que vale a pena fugir, arriscando tanto...<<strong>br</strong> />
- Shigeru morreu! Se continuarmos assim, Minoru e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
poderão ter o mesmo destino. Precisamos proteger pelo menos<<strong>br</strong> />
as crianças.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> colocou a mão nas costas de Shizu que, perturbada,<<strong>br</strong> />
se queixava para Chûji.<<strong>br</strong> />
- Tudo bem, mamãe. A vida deve ser igual em qualquer<<strong>br</strong> />
fazenda. Vamos ficar aqui. Eu vou me esforçar. Se nos<<strong>br</strong> />
tornarmos auto-suficientes, vamos conseguir guardar<<strong>br</strong> />
dinheiro...<<strong>br</strong> />
Com o ânimo de <strong>Haru</strong>, Chûji e também Heizo abaixaram<<strong>br</strong> />
a cabeça, sem poder dizer mais nada.<<strong>br</strong> />
- Voltarei para assistir ao funeral de Shigeru...<<strong>br</strong> />
Heizo desistiu de tentar persuadi-los e se retirou da casa<<strong>br</strong> />
dos Takakura em luto.<<strong>br</strong> />
Shizu continuou a chorar, agarrada ao corpo de Shigeru.<<strong>br</strong> />
Ela estava envergonhada por observar o sofrimento do próprio<<strong>br</strong> />
filho, sem nada ter feito e pedia perdão pela sua fraqueza em<<strong>br</strong> />
não ter podido cuidar dele.<<strong>br</strong> />
Contudo, não havia nada que pudesse ter feito. No meio<<strong>br</strong> />
do dilema de não poder avançar e nem recuar, o tempo passava<<strong>br</strong> />
devagar em meio ao desânimo.<<strong>br</strong> />
No dia seguinte, os colonos <strong>com</strong>eçaram a se movimentar,<<strong>br</strong> />
ao alvorecer. Da mesma forma que no dia anterior, o dia<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçou <strong>com</strong> o trabalho de capinação. Por maior que fosse a<<strong>br</strong> />
infelicidade que tinha assolado a família de <strong>Haru</strong>, as ervas<<strong>br</strong> />
daninhas continuavam a crescer <strong>com</strong> muita força. Por mais<<strong>br</strong> />
- 170 -
que carpissem, voltavam logo a crescer.<<strong>br</strong> />
Comparada à vitalidade de crescimento das ervas<<strong>br</strong> />
daninhas, Chûji, Shizu e outros movimentavam a enxada sem<<strong>br</strong> />
forças, totalmente desanimados.<<strong>br</strong> />
Após o término do trabalho do dia, não havia mais sorrisos<<strong>br</strong> />
na familia Takakura, nem mesmo pelo fato de voltarem para<<strong>br</strong> />
casa.<<strong>br</strong> />
Mesmo cansada, <strong>Haru</strong> falou <strong>com</strong> Shizu, que estava<<strong>br</strong> />
preparando o jantar:<<strong>br</strong> />
- Mãe, eu vou até a estação onde fica a fazenda cujo<<strong>br</strong> />
endereço recebemos no Japão, para ver se chegou alguma<<strong>br</strong> />
carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Mas essa estação fica longe, e nem sabemos se chegou<<strong>br</strong> />
alguma carta ou não...<<strong>br</strong> />
- Mas, mesmo assim, vou até lá.<<strong>br</strong> />
-Não faça isso!<<strong>br</strong> />
Com a resposta severa de Shizu, aliás in<strong>com</strong>um, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
ficou desolada e saiu de casa para o quintal.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>, eu vou <strong>com</strong> você!<<strong>br</strong> />
Era Kiyo. Os olhos de <strong>Haru</strong> se iluminaram e balançou a<<strong>br</strong> />
cabeça em sinal de anuência.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Kiyo caminharam so<strong>br</strong>e os trilhos que pareciam<<strong>br</strong> />
não ter fim. Num país estranho onde não se conhecia nem a<<strong>br</strong> />
língua e nem a geografia, a estrada de ferro era o melhor<<strong>br</strong> />
guia.<<strong>br</strong> />
"Avante <strong>com</strong>patriotas cruzando os oceanos...<<strong>br</strong> />
Viva! Viva! Muitas vivas!"...<<strong>br</strong> />
- 171 -
Para terem forças e se animarem, cantavam o Hino de<<strong>br</strong> />
Despedida aos Patrícios que Emigram para o Brasil,<<strong>br</strong> />
balançando as mãos e trocando olhares. Passaram por algumas<<strong>br</strong> />
estações, e num campo sem nenhuma claridade, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
experimentou, pela primeira vez, dormir ao relento. Logo<<strong>br</strong> />
pegou no sono enrolada num cobertor <strong>com</strong> Kiyo.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apareceu no sonho de <strong>Haru</strong>. Ora chorava, ora ria.<<strong>br</strong> />
Ao despertar durante a noite, viu as estrelas reluzindo no céu<<strong>br</strong> />
do Brasil. Sentiu o calor do corpo de Kiyo, que dormia<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>açada a <strong>Haru</strong> de costas. Caiu novamente no sono.<<strong>br</strong> />
Finalmente avistaram a estação que procuravam.<<strong>br</strong> />
Confirmaram o nome da estação <strong>com</strong> o pedaço de papel que<<strong>br</strong> />
lhes foi entregue em Kobe. Era esta a estação. O cansaço de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e de Kiyo pareceu desaparecer de uma só vez. <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />
aproximou correndo do balcão e se dirigiu ao funcionário da<<strong>br</strong> />
estação:<<strong>br</strong> />
- Não chegou carta do Japão? Não chegou carta de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
Takakura?<<strong>br</strong> />
O funcionário da estação não entendia a língua japonesa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Kiyo também não entendiam o que o funcionário da<<strong>br</strong> />
estação estava falando. <strong>Haru</strong> foi a outro guichê e perguntou a<<strong>br</strong> />
mesma coisa:<<strong>br</strong> />
- Por favor, me diga! Por favor...<<strong>br</strong> />
- O que é que você está gritando?<<strong>br</strong> />
Quanto mais <strong>Haru</strong> insistia, mais o funcionário gritava em<<strong>br</strong> />
português, in<strong>com</strong>odado.<<strong>br</strong> />
Ela só queria as cartas e não sabia <strong>com</strong>o deveria perguntar<<strong>br</strong> />
- 172 -
para obter uma resposta.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, então, desatou a chorar.<<strong>br</strong> />
Ao voltar para a fazenda, <strong>Haru</strong> se dedicou mais do que<<strong>br</strong> />
antes à sua horta. Perdera Shigeru e não tinha notícias de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>. Mas, mesmo assim, o arroz de sequeiro estava<<strong>br</strong> />
crescendo e os tomates já estavam maduros o suficiente para<<strong>br</strong> />
serem colhidos.<<strong>br</strong> />
Takuya olhou para o céu, que estava escurecendo.<<strong>br</strong> />
- Talvez hoje não precise dar água. Parece que vai chover.<<strong>br</strong> />
- É... Vai ser bom se chover.<<strong>br</strong> />
- Ainda não se passou um ano desde que chegamos aqui<<strong>br</strong> />
e você já conseguiu fazer uma horta tão grande! Dá para<<strong>br</strong> />
entender porque você não quer sair daqui.<<strong>br</strong> />
- Vocês vão mesmo...?<<strong>br</strong> />
- Meu pai disse que não agüenta mais ficar neste lugar...<<strong>br</strong> />
Ele só queria aproveitar a oportunidade de vir para o Brasil e<<strong>br</strong> />
não quer mais saber de ser colono. Ele quer ser livre.<<strong>br</strong> />
Heizo também havia vindo para o Brasil acreditando no<<strong>br</strong> />
slogan da empresa de emigração que dizia que "trabalhando<<strong>br</strong> />
três anos numa fazenda de café, conseguia-se acumular<<strong>br</strong> />
capital." Contudo, era muito grande a diferença entre o sonho<<strong>br</strong> />
e a realidade e acabou perdendo as esperanças.<<strong>br</strong> />
- Então, vamos nos separar em <strong>br</strong>eve.<<strong>br</strong> />
- Não sei quando meu pai pretende fugir... Mas, saindo<<strong>br</strong> />
daqui, pode ser que não nos encontremos mais. O Brasil é<<strong>br</strong> />
imenso.<<strong>br</strong> />
- 173 -
- Eu lhe escrevo.<<strong>br</strong> />
- Não pode. Eu não posso mandar cartas para cá. Se eles<<strong>br</strong> />
souberem para onde nós fugimos, não sei o que eles fariam...<<strong>br</strong> />
- É difícil mesmo fugir daqui. Se tiver alguma coisa que<<strong>br</strong> />
eu possa fazer para ajudar, diga-me. Faço qualquer coisa.<<strong>br</strong> />
-Não quero envolvê-la. Não queremos causar problemas<<strong>br</strong> />
para quem vai ficar.<<strong>br</strong> />
- Vou sentir sua falta...<<strong>br</strong> />
Takuya era amigo de <strong>Haru</strong> e entendia seus pensamentos.<<strong>br</strong> />
Não poderia mais ouvir a sua gaita e, não tendo <strong>com</strong>o <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />
uma lem<strong>br</strong>ança de despedida, <strong>Haru</strong> colheu um tomate maduro<<strong>br</strong> />
e ofereceu para Takuya.<<strong>br</strong> />
- Coma.<<strong>br</strong> />
- Não, eu não quero. Vamos levar <strong>com</strong>o oferenda a<<strong>br</strong> />
Shigeru.<<strong>br</strong> />
Shigeru estava enterrado no cemitério público que ficava<<strong>br</strong> />
num canto da fazenda. Parecia uma estupa, pois várias tábuas<<strong>br</strong> />
estreitas e <strong>com</strong>pridas estavam alinhadas. Sob um desses<<strong>br</strong> />
túmulos novos descansava Shigeru.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> colocou o tomate em frente à placa de madeira <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
o nome de Shigeru.<<strong>br</strong> />
-Meu irmão Shigeru está descansando aqui. É muito triste<<strong>br</strong> />
abandoná-lo aqui.<<strong>br</strong> />
- Sim, é verdade.<<strong>br</strong> />
Takuya, em <strong>br</strong>eve, fugirá e não deverá mais visitar este<<strong>br</strong> />
túmulo. <strong>Haru</strong> e Takuya juntam as palmas das mãos em frente<<strong>br</strong> />
ao túmulo de Shigeru.<<strong>br</strong> />
- 174 -
- Ai! - grita <strong>Haru</strong>, por causa da chuva que <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
cair.<<strong>br</strong> />
Sem terem notado, o céu estava coberto de nuvens negras<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong>eçara a chover granizo de vários centímetros, que caíam<<strong>br</strong> />
no chão fazendo barulho.<<strong>br</strong> />
- É granizo! Vamos nos a<strong>br</strong>igar.<<strong>br</strong> />
Takuya e <strong>Haru</strong> se refugiaram debaixo do galho de uma<<strong>br</strong> />
grande árvore. <strong>Haru</strong> observou apavorada, os granizos que<<strong>br</strong> />
caíam, fazendo tremer tudo em volta. <strong>Haru</strong> estava muito<<strong>br</strong> />
insegura.<<strong>br</strong> />
Quando a chuva de granizo parou, <strong>Haru</strong> saiu correndo<<strong>br</strong> />
para a horta. O arroz de sequeiro e também as verduras<<strong>br</strong> />
estavam todas destruídas pelo granizo, que se acumulava<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e as plantas. Estavam <strong>com</strong>pletamente dizimadas.<<strong>br</strong> />
Durante quase um ano, aproveitara os intervalos de<<strong>br</strong> />
trabalho da fazenda, economizando as horas de refeições, e<<strong>br</strong> />
em poucos minutos, todo o esforço de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> a horta era<<strong>br</strong> />
destruído.<<strong>br</strong> />
No cafezal, Chûji e os demais também estavam atônitos<<strong>br</strong> />
observando os granizos caídos, que mais pareciam pedaços<<strong>br</strong> />
de açúcar cristalizado. O céu tinha dado uma reviravolta e<<strong>br</strong> />
agora estava límpido.<<strong>br</strong> />
- Que lugar incrível é o Brasil! Nunca vi granizos deste<<strong>br</strong> />
tamanho!<<strong>br</strong> />
Após inspecionar os arredores, Yozo retornou abismado.<<strong>br</strong> />
- Os cafeeiros do outro lado também estão bastante<<strong>br</strong> />
danificados. Também, <strong>com</strong> essa chuva de granizos... Desse<<strong>br</strong> />
- 175 -
jeito, não podemos ter esperanças, tampouco nesta safra. Se<<strong>br</strong> />
não pudermos colher café, o que será de nós?<<strong>br</strong> />
- Não é possível... Nós demos nosso suor e sangue na<<strong>br</strong> />
capinação e no cuidado dos cafeeiros.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> apareceu caminhando desiludida, aparentando todo<<strong>br</strong> />
o seu desalento.<<strong>br</strong> />
- A horta foi <strong>com</strong>pletamente destruída pela chuva de<<strong>br</strong> />
granizos. Acabou-se tudo.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> parecia ter perdido toda sua vitalidade e força, ao<<strong>br</strong> />
sentar-se no chão.<<strong>br</strong> />
- Papai, o senhor estava tão feliz em poder <strong>com</strong>er arroz...<<strong>br</strong> />
Não podemos mais vender verduras também. Pensava que,<<strong>br</strong> />
assim, podíamos pagar a dívida, mesmo que fosse aos poucos.<<strong>br</strong> />
Agora, não dá mais. No ano que vem, só vão aumentar as<<strong>br</strong> />
dívidas... Desse jeito, nunca vamos conseguir juntar dinheiro<<strong>br</strong> />
para voltar para o Japão. Vamos ter que ficar para sempre<<strong>br</strong> />
nesta fazenda, presos à dívida. Vamos fugir, papai... Ficando<<strong>br</strong> />
aqui, não vai acontecer nada de bom.<<strong>br</strong> />
Era a primeira vez que <strong>Haru</strong> se queixava de forma chorosa.<<strong>br</strong> />
Chûji estava atordoado, observando o cafeeiro sem conseguir<<strong>br</strong> />
reagir. <strong>Haru</strong> reclamou para o pai <strong>com</strong> muita veemência:<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong> está à nossa espera no Japão. Nós lhe dissemos<<strong>br</strong> />
que voltaríamos em três anos, que iríamos buscá-la... Desse<<strong>br</strong> />
jeito não vai dar para voltarmos para o Japão. Vamos fugir<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a família de Takuya. Vamos, pai!<<strong>br</strong> />
Fugir da fazenda enquanto o contrato ainda estava em<<strong>br</strong> />
vigor... Chüji pensava no perigo que correriam, lem<strong>br</strong>ando-<<strong>br</strong> />
- 176 -
se do episódio em que a arma tinha sido apontada para eles<<strong>br</strong> />
pelo capataz de plantão.<<strong>br</strong> />
Além do mais, a fuga noturna poderia causar um confronto<<strong>br</strong> />
entre o fazendeiro e os colonos, levando a um derramamento<<strong>br</strong> />
de sangue. Dentro da fazenda, havia um guarda noturno<<strong>br</strong> />
munido de arma, fazendo ronda a noite toda. Tratava-se de<<strong>br</strong> />
uma precaução contra a fuga. Sem dúvida alguma, haveria<<strong>br</strong> />
risco de vida.<<strong>br</strong> />
Comparando <strong>com</strong> o período inicial da imigração, a fuga<<strong>br</strong> />
de colonos japoneses nos anos 30, já havia diminuído bastante,<<strong>br</strong> />
pela melhoria do sistema de trabalho. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />
continuavam existindo administradores arrogantes, e assim,<<strong>br</strong> />
terem sido enviados para uma dessas fazendas era um sinal<<strong>br</strong> />
de azar.<<strong>br</strong> />
Depois de ter suportado todas as agruras de economizar<<strong>br</strong> />
na alimentação, passado dia após dia executando trabalhos<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>açais, fazendo cultivo intercalado, enfrentado uma<<strong>br</strong> />
catástrofe da natureza <strong>com</strong>o a chuva de granizo, vislum<strong>br</strong>ado<<strong>br</strong> />
uma luz no final do túnel e depois vê-la apagada, era mais do<<strong>br</strong> />
que podiam agüentar.<<strong>br</strong> />
Apesar de estar sentada numa cadeira confortável, cercada<<strong>br</strong> />
de móveis só<strong>br</strong>ios na sua residência, o rosto de <strong>Natsu</strong>, que lia<<strong>br</strong> />
a carta de <strong>Haru</strong>, era de tristeza.<<strong>br</strong> />
Antes de <strong>com</strong>pletar um ano após a despedida em Kobe,<<strong>br</strong> />
Shigeru havia falecido. Sofreram <strong>com</strong> o granizo que destruíra<<strong>br</strong> />
toda a produção agrícola em questão de minutos.<<strong>br</strong> />
- 177 -
- Eu vivia <strong>com</strong> inveja de <strong>Haru</strong>. Cheguei a ficar <strong>com</strong> raiva<<strong>br</strong> />
dela, achando que ela estava feliz no Brasil e tinha se<<strong>br</strong> />
esquecido de mim. Nem imaginava que ela estava levando<<strong>br</strong> />
uma vida tão sofrida... - murmurou <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Não sabia que a senhora tinha sofrido tanto no Brasil.<<strong>br</strong> />
Quando Yamato atingira a idade da razão, a família<<strong>br</strong> />
Takakura já era grande e levava uma vida estável e normal<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o as demais.<<strong>br</strong> />
- São histórias que não adianta ficar contando para os<<strong>br</strong> />
jovens de hoje.<<strong>br</strong> />
- E vocês fugiram da primeira fazenda? Fugiram mesmo,<<strong>br</strong> />
vovó?<<strong>br</strong> />
Em meio às lem<strong>br</strong>anças do temor, da escuridão, do vigia<<strong>br</strong> />
noturno armado e da despedida, <strong>Haru</strong> voltou os olhos para o<<strong>br</strong> />
passado, <strong>com</strong> o semblante carregado de tristeza.<<strong>br</strong> />
- 178 -
Capítulo III<<strong>br</strong> />
Ao Novo Mundo<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> recordou <strong>com</strong> amargura o episódio da noite em que<<strong>br</strong> />
arriscara a vida.<<strong>br</strong> />
- Ao invés de voltar para o Japão em três anos, a dívida só<<strong>br</strong> />
acumulava. Nós fomos tolos em termos sido ludi<strong>br</strong>iados pela<<strong>br</strong> />
falácia de que no Brasil havia árvores que davam dinheiro. Quando<<strong>br</strong> />
percebemos, já estávamos atolados na lama... Eu estava<<strong>br</strong> />
impaciente em cumprir a promessa que fizera à <strong>Natsu</strong> de voltarmos<<strong>br</strong> />
em três anos, <strong>com</strong> dinheiro suficiente para podermos levar uma<<strong>br</strong> />
vida digna. Estávamos crentes que <strong>Natsu</strong> estava sofrendo na casa<<strong>br</strong> />
do tio em Hokkaido, à nossa espera...<<strong>br</strong> />
"Se"... Por mais que os pensamentos se voltassem para o<<strong>br</strong> />
passado, não havia <strong>com</strong>o corrigir os erros <strong>com</strong>etidos. Mesmo<<strong>br</strong> />
sabendo disso, continuava a pensar: "Se tivesse lido as cartas de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>..."<<strong>br</strong> />
Se soubessem que <strong>Natsu</strong> tivera um encontro feliz <strong>com</strong> Tokuji,<<strong>br</strong> />
o criador de vacas, não teriam fugido da primeira fazenda, por<<strong>br</strong> />
mais que a situação fosse difícil, arriscando as próprias vidas.<<strong>br</strong> />
- Perdemos Shigeru devido à malária, e também o arroz e as<<strong>br</strong> />
verduras da horta <strong>com</strong> a chuva de granizo. Achamos que era<<strong>br</strong> />
melhor fugir do que continuar naquela fazenda onde não víamos<<strong>br</strong> />
nenhum futuro, mesmo que morrêssemos caso nos desco<strong>br</strong>issem.<<strong>br</strong> />
Mas agora, ao recordar, tenho calafrios ao lem<strong>br</strong>ar o que fizemos.<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, o pensamento de que isso era pelo bem de <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
- 179 -
que estava no Japão, era mais forte.<<strong>br</strong> />
- Se encontrasse <strong>com</strong> a dona <strong>Natsu</strong> mais uma vez, e contasse<<strong>br</strong> />
tudo isso, será que ela não <strong>com</strong>preenderia?<<strong>br</strong> />
- Deixe para lá... Nada poderá apagar o ressentimento que<<strong>br</strong> />
ela tem de ter sido deixada para trás e abandonada por nós no<<strong>br</strong> />
Japão.<<strong>br</strong> />
- Se ao menos a dona <strong>Natsu</strong> lesse as cartas que a vovó disse<<strong>br</strong> />
que enviara do Brasil, ela teria a chance de acreditar nos seus<<strong>br</strong> />
próprios sentimentos e em tudo o que vocês sofreram naquela<<strong>br</strong> />
época.<<strong>br</strong> />
-Não há razões para que essas cartas ainda existam.<<strong>br</strong> />
- Mas as cartas da dona <strong>Natsu</strong> foram encontradas. Talvez<<strong>br</strong> />
as suas também estejam em algum lugar.<<strong>br</strong> />
Yamato queria ajudar sua avó. Nas cartas de <strong>Natsu</strong> havia<<strong>br</strong> />
alguma vi<strong>br</strong>ação que tocava o coração de Yamato.<<strong>br</strong> />
Alegre <strong>com</strong> a boa vontade do neto, <strong>Haru</strong>, porém, não tinha<<strong>br</strong> />
esperança de que um milagre poderia acontecer...<<strong>br</strong> />
Entretanto, não se tratava de um milagre. As cartas de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
haviam sido encontradas, apesar de terem decorrido 70 anos até<<strong>br</strong> />
que chegassem nas mãos de sua destinatária, a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Os olhos de <strong>Natsu</strong> se enchiam de lágrimas ao ler as cartas.<<strong>br</strong> />
-Não esqueceram de mim... Por minha causa...<<strong>br</strong> />
Não tinha <strong>com</strong>o expressar o resto em palavras. <strong>Haru</strong>, seu<<strong>br</strong> />
pai, sua mãe, todos arriscaram as suas próprias vidas por ela.<<strong>br</strong> />
"Se continuarmos a trabalhar aqui durante três<<strong>br</strong> />
- 180 -
anos e pudermos voltar para o Japão, para junto de<<strong>br</strong> />
você, <strong>Natsu</strong>, agüentaríamos qualquer sofrimento.<<strong>br</strong> />
Mas, permanecendo nesta fazenda, não temos <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
ir buscá-la. Por isso decidimos fugir. "<<strong>br</strong> />
O sol se punha no horizonte da terra roxa do Brasil. Na<<strong>br</strong> />
fazenda, podia-se ver a mesma paisagem ao entardecer de todos<<strong>br</strong> />
os dias... Os colonos caminhando em direção às suas respectivas<<strong>br</strong> />
casas, levando nos om<strong>br</strong>os os instrumentos agrícolas.<<strong>br</strong> />
Era uma noite do mês de fevereiro de 1935.<<strong>br</strong> />
Heizo Yamashita estava na casa dos Takakura, seus vizinhos.<<strong>br</strong> />
Tratava-se aparentemente de uma cena trivial do cotidiano.<<strong>br</strong> />
Os adultos, Chûji, Shizu, Yozo e Kiyo, ouviam atentamente<<strong>br</strong> />
as palavras de Heizo.<<strong>br</strong> />
- Sr. Takakura, sentimo-nos fortalecidos porque o senhor e<<strong>br</strong> />
os seus decidiram sair daqui também. Juntos, ajudando um ao<<strong>br</strong> />
outro, conseguiremos escapar daqui.<<strong>br</strong> />
- Mas, mesmo saindo daqui, não teremos para onde ir...<<strong>br</strong> />
-Deixe <strong>com</strong>igo. Tenho muitos <strong>com</strong>panheiros japoneses, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
quem tenho mantido contatos desde que chegamos aqui. Há um<<strong>br</strong> />
lugar que reúne cerca de 20 famílias de japoneses que<<strong>br</strong> />
des<strong>br</strong>avaram terras virgens arrendadas de um grande fazendeiro<<strong>br</strong> />
americano. Plantam algodão, batatinhas e outros produtos. Eles<<strong>br</strong> />
podem ajudar os que fugiram da vida de colono.<<strong>br</strong> />
-Não é uma fazenda de colonos?<<strong>br</strong> />
-Não. Basta pagar o aluguel ao arrendador, e o que se colhe<<strong>br</strong> />
é livre. Como os japoneses são diligentes e honestos, produzem<<strong>br</strong> />
- 181 -
<strong>com</strong> seriedade e pagam pontualmente, gozando da confiança do<<strong>br</strong> />
proprietário, que é americano. Há garantias de que receberá os<<strong>br</strong> />
japoneses <strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />
- Isso é muito animador.<<strong>br</strong> />
Chûji e Yozo se entreolharam, <strong>com</strong> alívio.<<strong>br</strong> />
- O senhor também vai para lá? - Shizu indagou.<<strong>br</strong> />
Heizo respondeu, um pouco cansado:<<strong>br</strong> />
- Não. Para mim, já chega de agricultura. Quando eu me<<strong>br</strong> />
inscrevi <strong>com</strong>o imigrante, pretendia, depois de trabalhar durante<<strong>br</strong> />
três anos na fazenda e juntar dinheiro, montar uma fá<strong>br</strong>ica em<<strong>br</strong> />
São Paulo <strong>com</strong> esses recursos. Já desco<strong>br</strong>i, porém, que não<<strong>br</strong> />
adianta mais trabalhar <strong>com</strong>o colono, pois não será possível<<strong>br</strong> />
economizar. De qualquer modo, irei para Santos... Trata-se de<<strong>br</strong> />
uma cidade portuária, e pretendo juntar dinheiro trabalhando <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
estivador.<<strong>br</strong> />
Se o imigrante não se importasse <strong>com</strong> a lavoura ou seu futuro,<<strong>br</strong> />
o trabalho de estivador ou em o<strong>br</strong>as eram os que mais rendiam<<strong>br</strong> />
de imediato.<<strong>br</strong> />
-Huum, então existe essa alternativa? Será que posso ir para<<strong>br</strong> />
Santos também?<<strong>br</strong> />
Chüji chamou a atenção de Yozo, que falara de uma forma<<strong>br</strong> />
despreocupada.<<strong>br</strong> />
-Não fale bobagens. O trabalho de estivador é pesado, e<<strong>br</strong> />
quem sabe se existe mesmo trabalho por lá.<<strong>br</strong> />
O Brasil era um país agraciado pela natureza. Tornar-se<<strong>br</strong> />
grande fazendeiro não era um mero sonho, desde que tivesse<<strong>br</strong> />
terra e houvesse esforço.<<strong>br</strong> />
- 182 -
Até mesmo Heizo, que não tinha conhecimento so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
agricultura, reconhecia tal fato.<<strong>br</strong> />
- Sairemos de madrugada. É melhor não levar nada, somente<<strong>br</strong> />
a roupa do corpo...<<strong>br</strong> />
Heizo disse que iria apresentar um japonês que trabalhava<<strong>br</strong> />
na agricultura. Entretanto, ele mesmo não pretendia usufruir deste<<strong>br</strong> />
contato, e quem iria era a família Takakura, que no entanto, não<<strong>br</strong> />
o conhecia. Tinham dúvidas se poderiam abusar de tamanha boa<<strong>br</strong> />
vontade mas, mesmo que quisessem retribuir, não tinham <strong>com</strong>o,<<strong>br</strong> />
pois estavam numa situação tal que eram o<strong>br</strong>igados a fugir no<<strong>br</strong> />
meio da noite.<<strong>br</strong> />
Heizo relaxou um pouco <strong>com</strong> um leve sorriso amargo, diante<<strong>br</strong> />
da preocupação excessiva de Shizu.<<strong>br</strong> />
- Todos os japoneses que vieram para o Brasil, estão<<strong>br</strong> />
sofrendo, de uma forma ou de outra. Entendem que é óbvio<<strong>br</strong> />
estender as mãos aos patrícios que estão <strong>com</strong> problemas. Um<<strong>br</strong> />
dia, talvez, estaremos na situação de ajudar os nossos<<strong>br</strong> />
conterrâneos.<<strong>br</strong> />
Shizu meneou a cabeça aquiescendo. A expressão de Heizo<<strong>br</strong> />
voltou a ser severa e continuou:<<strong>br</strong> />
- Só que estamos fugindo sem termos cumprido o contrato e<<strong>br</strong> />
além do mais deixando dívidas. Não sabemos o que poderá<<strong>br</strong> />
acontecer se nos pegarem... Estejam bem conscientes disso...<<strong>br</strong> />
Deixem tudo <strong>com</strong>o está... Não deixem que ninguém suspeite...<<strong>br</strong> />
Tanto Chûji <strong>com</strong>o Heizo queriam evitar, acima de tudo,<<strong>br</strong> />
arriscar a vida das crianças.<<strong>br</strong> />
- A ronda está chegando!<<strong>br</strong> />
- 183 -
De repente, <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu a porta de entrada e deu o alarme,<<strong>br</strong> />
voltando imediatamente para o quintal. <strong>Haru</strong> puxava o balde <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
água do poço, junto <strong>com</strong> Minora e Takuya. Montado a cavalo, o<<strong>br</strong> />
vigilante inspecionava a área residencial dos colonos. Quando<<strong>br</strong> />
passou por perto do poço, Takuya cumprimentou-o em<<strong>br</strong> />
português.<<strong>br</strong> />
- Vão dormir logo! - repreendeu o vigilante, em português,<<strong>br</strong> />
passando por ali.<<strong>br</strong> />
- Tudo bem. Nada de suspeitas.<<strong>br</strong> />
As conversas em segredo realizadas dentro da casa e as<<strong>br</strong> />
decisões tomadas pelos pais, influenciaram enormemente as<<strong>br</strong> />
crianças.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, mais do que outros, tinha forte consciência de que<<strong>br</strong> />
precisava voltar para encontrar <strong>Natsu</strong>, no Japão, dali a três anos.<<strong>br</strong> />
Takuya sabia disso e consolou <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />
- Não há <strong>com</strong> o que se preocupar. Meu pai está preparando<<strong>br</strong> />
tudo direitinho, contatando diversas pessoas.<<strong>br</strong> />
- Mas, mesmo que fujamos juntos, Takuya, iremos para<<strong>br</strong> />
lugares diferentes. Se nos separarmos, talvez nunca mais voltemos<<strong>br</strong> />
a nos encontrar. Sinto-me muito insegura.<<strong>br</strong> />
- Fugindo daqui, vamos nos esforçar em outros lugares, e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> certeza nos encontraremos um dia.<<strong>br</strong> />
- Vai dar na mesma, onde quer que a gente vá. - Minora<<strong>br</strong> />
estava totalmente desgostoso. - Por mais que a vida em Hokkaido<<strong>br</strong> />
fosse miserável, ainda era melhor do que no Brasil.<<strong>br</strong> />
- Minora, se você não apoiar o papai, quem o apoiará? Não<<strong>br</strong> />
sei <strong>com</strong>o será, nem para onde iremos, mas precisamos <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />
- 184 -
do nada, poupar logo e voltar para o Japão... <strong>Natsu</strong> está à nossa<<strong>br</strong> />
espera...<<strong>br</strong> />
- Por mais que trabalhemos, não há <strong>com</strong>o ganhar dinheiro a<<strong>br</strong> />
fim de voltarmos para o Japão. Foi um erro virmos para o Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> sentiu-se magoada. Não queria ver o irmão falando<<strong>br</strong> />
daquela maneira naquele momento difícil.<<strong>br</strong> />
Naquela noite, depois que <strong>Haru</strong> e Minoru adormeceram,<<strong>br</strong> />
Chüji, Shizu, Yozo e Kiyo continuaram <strong>com</strong> a conversa.<<strong>br</strong> />
- Vão mesmo sair daqui, mesmo sabendo do perigo?<<strong>br</strong> />
Yozo tentou confirmar, <strong>com</strong> prudência, a decisão irredutível<<strong>br</strong> />
de Chüji.<<strong>br</strong> />
- Vamos nos preocupar <strong>com</strong> as conseqüências quando nos<<strong>br</strong> />
desco<strong>br</strong>irem. Pelo menos, temos alguma esperança e não ficamos<<strong>br</strong> />
aqui parados, sem fazer nada. Podem vir conosco?<<strong>br</strong> />
- Sim, o que fazer? Não podemos ficar sozinnhos neste lugar.<<strong>br</strong> />
- Só que... Quero fazer <strong>com</strong> que pelo menos Minoru consiga<<strong>br</strong> />
voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />
Shizu olhou assustada para o marido.<<strong>br</strong> />
- Shigeru morreu de malária porque o trouxemos para o<<strong>br</strong> />
Brasil. Não quero que Minoru siga o mesmo caminho.<<strong>br</strong> />
Shizu também nutria os mesmos sentimentos.<<strong>br</strong> />
- Como é que vai mandá-lo de volta para o Japão? Não é<<strong>br</strong> />
possível voltar de graça. Como pretende arrumar a passagem de<<strong>br</strong> />
navio que custa duzentos ienes...?<<strong>br</strong> />
- Em Santos devem atracar navios japoneses. O jeito é tentar<<strong>br</strong> />
arrumar trabalho a bordo e voltar desta forma. Francamente,<<strong>br</strong> />
não sabemos quando vamos poder voltar para o Japão. Do jeito<<strong>br</strong> />
- 185 -
que estão as coisas, talvez acabemos morando no Brasil.<<strong>br</strong> />
Contudo, Minoru é o nosso filho varão. Gostaria que ele voltasse<<strong>br</strong> />
para o Japão e vivesse <strong>com</strong>o japonês. Queria que fosse assim.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que volte para o Japão, não há a quem recorrer.<<strong>br</strong> />
Vai fazer <strong>com</strong> que ele sofra de novo na casa do seu irmão lá em<<strong>br</strong> />
Hokkaido?<<strong>br</strong> />
-Não precisa viver de favor na casa do meu irmão. Minoru<<strong>br</strong> />
já tem idade para trabalhar <strong>com</strong>o aprendiz, num emprego que<<strong>br</strong> />
possam oferecer moradia. Voltando para o Japão, dá-se um jeito.<<strong>br</strong> />
Por mais que trabalhemos, no Brasil a renda é insignificante. Nem<<strong>br</strong> />
sabemos se conseguiremos o suficiente para sustentar a família,<<strong>br</strong> />
quanto mais voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />
-Nem sabemos se Minoru vai querer voltar sozinho...?<<strong>br</strong> />
Enquanto Shizu refletia, em meio a suspiros, Minoru, que,<<strong>br</strong> />
sem sono, ouvia a conversa de Chüji e os demais adultos,<<strong>br</strong> />
apareceu na sala.<<strong>br</strong> />
-Irei para Santos. Lá em Santos entram e saem muitos navios.<<strong>br</strong> />
Com sorte, talvez consiga embarcar em algum navio que volta<<strong>br</strong> />
para o Japão. Poderá demorar anos, mas esperarei a<<strong>br</strong> />
oportunidade, trabalhando em Santos.<<strong>br</strong> />
-Minoru...<<strong>br</strong> />
-Não quero passar pelo que Shigeru passou! Detesto o<<strong>br</strong> />
Brasil!<<strong>br</strong> />
Os olhos de <strong>Haru</strong>, que estava no quarto, encheram-se de<<strong>br</strong> />
lágrimas. Ela também ouvia a conversa dos familiares, sem<<strong>br</strong> />
conseguir dormir.<<strong>br</strong> />
Ficava pensando no que seria da família, dali para a frente,<<strong>br</strong> />
- 186 -
fitando a escuridão do quarto <strong>com</strong> as luzes apagadas.<<strong>br</strong> />
No dia seguinte, os trabalhos de capinação continuavam na<<strong>br</strong> />
fazenda, sob o sol escaldante. Um capataz armado passava<<strong>br</strong> />
montado a cavalo, vigiando o trabalho dos colonos.<<strong>br</strong> />
Heizo se aproximou discretamente de Chûji que, calado,<<strong>br</strong> />
puxava a enxada. Parecia querer falar de amenidades.<<strong>br</strong> />
- Decidi que vamos fugir amanhã à noite. É repentino, mas é<<strong>br</strong> />
devido à conveniência da pessoa que vem nos buscar... Compre<<strong>br</strong> />
bastante <strong>com</strong>ida, alimente-se bem para ter força física suficiente...<<strong>br</strong> />
- Quanto ao Minoru...<<strong>br</strong> />
- Estou ciente. Cuidarei dele e o levarei até Santos. É possível<<strong>br</strong> />
que tenha alguma sorte por lá.<<strong>br</strong> />
- Lamento o incômodo e agradeço-lhe a gentileza. - Shizu<<strong>br</strong> />
abaixou a cabeça em sinal de agradecimento, e a seu lado, Minoru<<strong>br</strong> />
também tirou o chapéu, demonstrando sua gratidão.<<strong>br</strong> />
-Até mais...<<strong>br</strong> />
Enquanto Heizo se afastava, Chûji observou discretamente<<strong>br</strong> />
os arredores.<<strong>br</strong> />
Ao entardecer, a família de <strong>Haru</strong> resolvera visitar o cemitério<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>unitário. Shizu trouxera <strong>com</strong>o oferenda um bolinho de arroz<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>anco para o túmulo de Shigeru.<<strong>br</strong> />
- Shigeru, hoje à noite cozinhei arroz <strong>br</strong>anco. Você queria<<strong>br</strong> />
tanto <strong>com</strong>er arroz <strong>br</strong>anco, mas não pudemos servir em vida.<<strong>br</strong> />
Desculpe.<<strong>br</strong> />
A voz de Shizu se embargou, enquanto se dirigia à Shigeru<<strong>br</strong> />
em oração.<<strong>br</strong> />
Se havia algo que prendia os sentimentos de <strong>Haru</strong> nesta<<strong>br</strong> />
- 187 -
fazenda, era somente a memória de Shigeru.<<strong>br</strong> />
-Vamos deixar Shigeru sozinho neste lugar...<<strong>br</strong> />
-Não temos jeito. Não podemos levá-lo conosco...<<strong>br</strong> />
Chûji pedia perdão a Shigeru, em seu íntimo.<<strong>br</strong> />
Minoru não se manifestara, mas, <strong>com</strong> certeza, estava falando<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Shigeru. Ainda que de forma solitária, viveria forte também<<strong>br</strong> />
pelo irmão. E voltaria a pisar o solo japonês <strong>com</strong> vida...<<strong>br</strong> />
-Perdoe-nos Shigeru, perdoe... - Shizu ajoelhou-se diante<<strong>br</strong> />
do túmulo de Shigeru em prantos. <strong>Haru</strong> prometia ao irmão:<<strong>br</strong> />
-Virei visitá-lo de novo. Virei sem falta...<<strong>br</strong> />
Quantos túmulos haveria neste cemitério, de pessoas que<<strong>br</strong> />
morreram sem realizar os seus sonhos, que foram abandonados<<strong>br</strong> />
por seus familiares?<<strong>br</strong> />
Por mais que fosse pela so<strong>br</strong>evivência da família, Chûji não<<strong>br</strong> />
se conformava.<<strong>br</strong> />
Naquela noite, a mesa de jantar da família Takakura, estava<<strong>br</strong> />
cheia de iguarias <strong>com</strong>o arroz <strong>br</strong>anco cozido e pratos à base de<<strong>br</strong> />
carne suína.<<strong>br</strong> />
Podiam <strong>com</strong>prar fiado na venda o quanto quisessem. Por<<strong>br</strong> />
isso, se a preocupação pelo ressarcimento da dívida não fosse<<strong>br</strong> />
tão grande, podiam se alimentar <strong>com</strong> certo requinte, se quisessem.<<strong>br</strong> />
Não havia motivos para se arriscarem.<<strong>br</strong> />
- Talvez não fosse tão ruim, viver por aqui. - deixou escapar<<strong>br</strong> />
Yozo.<<strong>br</strong> />
A maioria dos colonos japoneses vinha para o Brasil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
decasséguis, isto é, trabalhadores temporários. Esperavam<<strong>br</strong> />
enriquecer em poucos anos e voltar triunfantes à terra natal, pois,<<strong>br</strong> />
- 188 -
caso contrário, não tinham <strong>com</strong>o encarar os parentes e amigos.<<strong>br</strong> />
Nesse sentido, eles eram mais migrantes temporários do que<<strong>br</strong> />
imigrantes propriamente ditos.<<strong>br</strong> />
Os colonos de outros países vinham <strong>com</strong> a intenção de viver<<strong>br</strong> />
permanentemente no Brasil. Mesmo contraindo dívidas,<<strong>br</strong> />
encaravam-nas a longo prazo, pagando-as na medida do possível.<<strong>br</strong> />
Se não tivessem pressa em quitar as dívidas, poderiam usufruir<<strong>br</strong> />
da vida na fazenda por não precisarem se preocupar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
moradia, trabalho e <strong>com</strong>ida.<<strong>br</strong> />
Um dos motivos que levou os japoneses a se sentirem<<strong>br</strong> />
impacientes <strong>com</strong> a vida de colono era a diferença de propósitos,<<strong>br</strong> />
pois os japoneses queriam juntar dinheiro em poucos anos.<<strong>br</strong> />
Os que incentivavam a emigração estavam cientes disso e,<<strong>br</strong> />
ainda assim, estimulavam os imigrantes japoneses a sonharem<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> um futuro promissor no Brasil, onde ganhariam dinheiro<<strong>br</strong> />
facilmente.<<strong>br</strong> />
- Ainda que existam outros lugares, não há onde possamos<<strong>br</strong> />
viver <strong>com</strong> facilidade. Se não há esperanças no futuro, não sei se<<strong>br</strong> />
vale a pena fugir daqui nos arriscando.<<strong>br</strong> />
- Ficou <strong>com</strong> medo?<<strong>br</strong> />
Yozo se calou, <strong>com</strong> a dura repreensão de Chüji.<<strong>br</strong> />
Minoru <strong>com</strong>ia <strong>com</strong> gosto os bolinhos de arroz <strong>br</strong>anco cozido.<<strong>br</strong> />
Mesmo que consigam escapar <strong>com</strong> êxito, talvez esta fosse a última<<strong>br</strong> />
refeição que Minoru faria <strong>com</strong> a família.<<strong>br</strong> />
- Se por acaso acontecer de sermos descobertos, ao menos<<strong>br</strong> />
você poderá fugir e voltar para o Japão. Talvez não voltemos a<<strong>br</strong> />
pisar o solo japonês. Viva feliz no Japão por nós. <strong>Natsu</strong> está no<<strong>br</strong> />
- 189 -
Japão. Sejam felizes.<<strong>br</strong> />
Ao ouvir a solidez da determinação de Chûji, Minoru parou<<strong>br</strong> />
de <strong>com</strong>er e olhou para a sua irmã.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>. E você, está bem?<<strong>br</strong> />
- Prometi que iria buscar <strong>Natsu</strong> depois de três anos. E<<strong>br</strong> />
pretendo cumprir a promessa, trabalhando para onde formos...<<strong>br</strong> />
Se você encontrá-la, diga-lhe por favor.<<strong>br</strong> />
Uma resposta animadora, típica de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Era de madrugada quando alguns colonos se movimentavam<<strong>br</strong> />
em silêncio na escuridão da imensa fazenda: seis pessoas da família<<strong>br</strong> />
Takakura, incluindo <strong>Haru</strong>, e quatro pessoas da família Yamashita.<<strong>br</strong> />
Escondendo-se entre as folhas e os galhos dos cafeeiros,<<strong>br</strong> />
Heizo seguia em frente, a<strong>com</strong>panhado dos demais homens, e as<<strong>br</strong> />
mulheres os seguiam, <strong>com</strong> esforço, tentando não se atrasar. Shizu<<strong>br</strong> />
e <strong>Haru</strong> incentivavam Kiyo, que ficara para trás.<<strong>br</strong> />
Heizo, que ia na frente, parou e falou em voz baixa:<<strong>br</strong> />
- Mais um pouco e sairemos da fazenda. Saindo fora da<<strong>br</strong> />
cerca, nada mais nos segurará.<<strong>br</strong> />
Naquele momento, Kiyo, que se apressara em alcançar o<<strong>br</strong> />
grupo, caiu tropeçando numa raiz d'árvore. <strong>Haru</strong> e Shizu<<strong>br</strong> />
estenderam as mãos para ajudá-la a levantar-se.<<strong>br</strong> />
-Ai!!<<strong>br</strong> />
-Que houve!?<<strong>br</strong> />
Yozo agachou-se ao lado de Kiyo, apavorado.<<strong>br</strong> />
-Não consigo me levantar. Acho que destranquei o pé.<<strong>br</strong> />
- Vou carregá-la nas costas.<<strong>br</strong> />
Yozo virou de costas e <strong>Haru</strong> e Shizu ajudaram a levantar<<strong>br</strong> />
- 190 -
Kiyo, fazendo <strong>com</strong> que Yozo <strong>com</strong>eçasse a levá-la. Faltava pouco<<strong>br</strong> />
até a cerca. Seguindo Heizo e os outros, que iam à frente, Yozo,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Kiyo nas costas, seguia alguns passos atrás.<<strong>br</strong> />
No momento em que iam cruzar uma vereda entre as matas,<<strong>br</strong> />
viram balançar o lampião dos vigilantes, o que fez as pernas de<<strong>br</strong> />
Yozo paralisarem. Ummovimento emfalso e os vigilantes sentiriam<<strong>br</strong> />
a presença das pessoas.<<strong>br</strong> />
Chüji e os demais se esconderam entre as árvores, prendendo<<strong>br</strong> />
a respiração, sem fazer movimentos. A luz do lampião subia e<<strong>br</strong> />
descia, <strong>com</strong>o se farejasse algo.<<strong>br</strong> />
-Ficarei aqui. Os demais, fujam logo!<<strong>br</strong> />
- Deixe-me, vá você <strong>com</strong> os outros. - Kiyo murmurou nas<<strong>br</strong> />
costas de Yozo.<<strong>br</strong> />
- Aconteça o que acontecer, somos marido e mulher.<<strong>br</strong> />
Ficaremos juntos.<<strong>br</strong> />
Ouviram os passos dos vigilantes se aproximando.<<strong>br</strong> />
- Não se preocupe conosco! Daremos um jeito. Fujam<<strong>br</strong> />
depressa!<<strong>br</strong> />
Yozo se aproximou dos vigilantes <strong>com</strong> um sorriso sem graça.<<strong>br</strong> />
A luz do lampião iluminava Yozo e Kiyo, e por pouco não<<strong>br</strong> />
alcançava Chûji e os demais.<<strong>br</strong> />
-O que fazem aí!?<<strong>br</strong> />
Ao português ríspido do vigilante, Yozo respondeu, num<<strong>br</strong> />
português rudimentar:<<strong>br</strong> />
- Esposa machucou. Ajuda.<<strong>br</strong> />
O vigilante observou <strong>com</strong> cuidado a situação de Yozo e Kiyo,<<strong>br</strong> />
que estava sendo carregada nas costas.<<strong>br</strong> />
- 191 -
-Aqui machucar. Não anda. Favor levar cavalo.<<strong>br</strong> />
Yozo apontou o tornozelo de Kiyo, tentando explicar a<<strong>br</strong> />
situação, entre gestos e mímicas, <strong>com</strong> o parco português que<<strong>br</strong> />
sabia.<<strong>br</strong> />
O vigia apontou a arma para Yozo. Ao perceber que este<<strong>br</strong> />
não oferecia resistência, verificou o pé de Kiyo e colocou-a no<<strong>br</strong> />
cavalo. Por fim, os vigilantes, apontando as armas para Yozo,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçaram a caminhar, puxando o cavalo.<<strong>br</strong> />
Escondidos entre as árvores, Chûji e os demais observavam<<strong>br</strong> />
o acontecimento em meio a muita preocupação. Quando Yozo,<<strong>br</strong> />
Kiyo e os vigilantes se distanciaram, Chûji levantou os joelhos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> alívio.<<strong>br</strong> />
- Agora estamos seguros.<<strong>br</strong> />
- O que acontecerá <strong>com</strong> os tios?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> já vira muita violência e rispidez por parte do capataz e<<strong>br</strong> />
dos vigilantes da fazenda. Estava preocupada <strong>com</strong> Yozo e Kiyo.<<strong>br</strong> />
- Yozo se deixou apanhar de propósito para possibilitar a<<strong>br</strong> />
nossa fuga.<<strong>br</strong> />
A fuga de Chûji e os demais seria rapidamente descoberta.<<strong>br</strong> />
As suspeitas e as averiguações contra Yozo deviam ser rigorosas.<<strong>br</strong> />
Ciente disso tudo, Yozo protegera Kiyo e ajudara o grupo de<<strong>br</strong> />
Chûji a escapar. Aparecera espontaneamente diante do vigilante,<<strong>br</strong> />
pedindo ajuda. Fora a melhor alternativa no meio daquela situação<<strong>br</strong> />
dificílima. O resto era rezar para que consegisse contornar a<<strong>br</strong> />
situação.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e os demais conseguiram sair da fazenda, salvos do<<strong>br</strong> />
pior perigo, graças à ajuda de Yozo. Apertaram o passo, rumo<<strong>br</strong> />
- 192 -
ao local do encontro <strong>com</strong>binado por Heizo, deslocando-se<<strong>br</strong> />
rapidamente no meio da escuridão. O grupo havia diminuído para<<strong>br</strong> />
oito pessoas: <strong>Haru</strong>, Chûji, Shizu e Minoru, da família Takakura e<<strong>br</strong> />
Heizo, Mitsu, Takashi e Takuya, da família Yamashita.<<strong>br</strong> />
Na fazenda, houve grande agitação na casa do administrador<<strong>br</strong> />
e alguns vigilantes saíram às pressas a cavalo. Era para procurar<<strong>br</strong> />
por Chüji e os outros, que haviam fugido. Desnecessário dizer<<strong>br</strong> />
que eles estavam armados.<<strong>br</strong> />
Yozo foi jogado aos pés do administrador <strong>br</strong>asileiro de origem<<strong>br</strong> />
italiana. Viam-se nele marcas de diversos socos recebidos.<<strong>br</strong> />
Kurita tentava acalmar o <strong>br</strong>asileiro que segurava Yozo pelos<<strong>br</strong> />
colarinhos para lhe dar outros socos. Ele havia sido chamado às<<strong>br</strong> />
pressas.<<strong>br</strong> />
Yozo socava o chão várias vezes, <strong>com</strong> os seus punhos<<strong>br</strong> />
cerrados.<<strong>br</strong> />
- O meu irmão pretendia fugir só <strong>com</strong> a família dele. Eu e a<<strong>br</strong> />
minha esposa dormíamos sem saber de nada. Então, ela acordou<<strong>br</strong> />
no meio da noite e ao perceber que não havia ninguém, saiu<<strong>br</strong> />
apavorada à procura deles, para dizer que desistissem da idéia<<strong>br</strong> />
quando os encontrasse. Mas, no meio do caminho ela se<<strong>br</strong> />
machucou... Se o vigilante não viesse, não saberíamos o que fazer.<<strong>br</strong> />
Kurita interpretou tudo o que Yozo dizia ao administrador.<<strong>br</strong> />
O administrador gritou algo, <strong>com</strong> semblante severo. Kurita<<strong>br</strong> />
traduziu as palavras para Yozo:<<strong>br</strong> />
- Está perguntando se não pretendiam fugir juntos.<<strong>br</strong> />
-Não! Nós fomos deixados para trás! Eles sabiam o que<<strong>br</strong> />
iria acontecer conosco se fôssemos deixados para trás. O meu<<strong>br</strong> />
- 193 -
irmão é um desumano.<<strong>br</strong> />
Cada vez que Yozo socava a terra aos choros e gritos,<<strong>br</strong> />
levantavam sob seus punhos cerrados a poeira vermelha típica<<strong>br</strong> />
da terra roxa do Brasil. Era a grande encenação de Yozo.<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, Kurita perguntou também a Kiyo, para ter<<strong>br</strong> />
certeza.<<strong>br</strong> />
- Senhora, isso é verdade?<<strong>br</strong> />
Assustada e trêmula, Kiyo acenou, concordando <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
cabeça.<<strong>br</strong> />
Kurita voltou-se novamente ao administrador, falando algo<<strong>br</strong> />
em português <strong>com</strong> insistência:<<strong>br</strong> />
-Deixaram toda a dívida nas nossas costas... O que faremos<<strong>br</strong> />
agora...<<strong>br</strong> />
Yozo estava transtornado, demonstrando sincera<<strong>br</strong> />
preocupação.<<strong>br</strong> />
- Explicarei bem a situação e discutirei alternativas <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
administrador... Provavelmente vocês terão que trabalhar aqui<<strong>br</strong> />
até terminarem de pagar as dívidas da venda.<<strong>br</strong> />
Ao que parecia, o pior fora evitado. Estavam salvos. Agora,<<strong>br</strong> />
só bastava orar para Chüji e os demais, para que conseguissem<<strong>br</strong> />
encontrar o colaborador. Yozo respondeu <strong>com</strong> expressão de<<strong>br</strong> />
obediência a Kurita:<<strong>br</strong> />
- O que vamos fazer? Ainda que tenhamos sido traídos, as<<strong>br</strong> />
dívidas deixadas pelo meu irmão serão minha responsabilidade...<<strong>br</strong> />
Não se soube exatamente o que se passou pela cabeça de<<strong>br</strong> />
Kurita naquele momento, mas ele levantou o rosto e lançou o<<strong>br</strong> />
olhar para o interior da fazenda escura.<<strong>br</strong> />
- 194 -
- Aqui não deixa de ser um bom lugar para viver, desde que<<strong>br</strong> />
se saiba <strong>com</strong>o fazê-lo.<<strong>br</strong> />
O fato de Kurita ter conquistado uma posição peculiar nesta<<strong>br</strong> />
fazenda, devia-se ao fato de ter aprendido rapidamente o idioma<<strong>br</strong> />
português. Nas fazendas onde não havia intérpretes de japonês,<<strong>br</strong> />
os j aponeses que sabiam falar as duas línguas recebiam tratamento<<strong>br</strong> />
privilegiado.<<strong>br</strong> />
Sentindo que isso poderia ser uma saída, Yozo a<strong>br</strong>açou Kiyo<<strong>br</strong> />
para tranqüilizá-la, pois ela não parava de chorar.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, Chûji, Heizo e os demais, caminharam pelo<<strong>br</strong> />
descampado por toda a noite, saindo finalmente da mata ao<<strong>br</strong> />
amanhecer, guiados pela alvorada. Quando atravessavam o rio a<<strong>br</strong> />
pé, em direção à capela, que era o ponto de encontro, <strong>Haru</strong> teve<<strong>br</strong> />
que se agarrar firmemente no <strong>br</strong>aço de Chüji para não ser levada<<strong>br</strong> />
pela correnteza.<<strong>br</strong> />
Enquanto os humanos arriscavam as respectivas vidas na fuga,<<strong>br</strong> />
os animais da floresta viviam tranqüilamente nos seus respectivos<<strong>br</strong> />
habitats.<<strong>br</strong> />
Ao chegarem em frente à capela, apareceu um caminhão que<<strong>br</strong> />
aguardava pelos fugitivos.<<strong>br</strong> />
Heizo virou-se para Chûji e os outros:<<strong>br</strong> />
- Estavam à nossa espera, conforme prometido. Sr.<<strong>br</strong> />
Takakura, o senhor irá <strong>com</strong> sua família, naquele caminhão, até o<<strong>br</strong> />
seu destino final. Nós os a<strong>com</strong>panharemos até uma certa estação<<strong>br</strong> />
de onde tomaremos o trem que nos levará a Santos.<<strong>br</strong> />
Chûji, <strong>Haru</strong> e Shizu olharam o caminhão em silêncio. Um<<strong>br</strong> />
estranho estava no volante. Se fossem acreditar em Heizo, teriam<<strong>br</strong> />
- 195 -
que confiar nele também.<<strong>br</strong> />
O caminhão que levava <strong>Haru</strong> e os demais atravessou o imenso<<strong>br</strong> />
descampado. O Brasil realmente era um país imenso.<<strong>br</strong> />
O caminhão parou diante de uma estação.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igado por tudo.<<strong>br</strong> />
Chüji, que apertou a mão de Heizo, foi tomado por uma<<strong>br</strong> />
emoção sem par.<<strong>br</strong> />
- Sr. Takakura, espero que vocês consigam alcançar sucesso<<strong>br</strong> />
na agricultura, de tal forma que não se arrependam de ter vindo<<strong>br</strong> />
para o Brasil.<<strong>br</strong> />
- Que vocês também consigam realizar os seus sonhos...<<strong>br</strong> />
Vamos rezar pelo seu sucesso, Sr. Yamashita.<<strong>br</strong> />
Chüji virou-se para Minoru, que estava <strong>com</strong> ar sério.<<strong>br</strong> />
-Nós nos despedimos aqui.<<strong>br</strong> />
- Não pude fazer nada por você, Minoru. Deve ser difícil<<strong>br</strong> />
empreender sozinho, mas tente voltar para o Japão, e que pelo<<strong>br</strong> />
menos você consiga ser feliz e ter uma vida normal. Espero que<<strong>br</strong> />
na próxima vez que nos reencontrarmos, possamos estar<<strong>br</strong> />
sorrindo...<<strong>br</strong> />
Sem poder expressar nem a metade do que gostaria de dizer<<strong>br</strong> />
para Minoru, Shizu reverenciou Mitsu, esposa de Heizo, aos<<strong>br</strong> />
prantos.<<strong>br</strong> />
- Por favor, cuide de Minoru.<<strong>br</strong> />
- Deixe conosco.<<strong>br</strong> />
Mitsu sorriu alegremente. Shizu e Mitsu estenderam as mãos<<strong>br</strong> />
ao mesmo tempo, para se despedirem.<<strong>br</strong> />
- Cuide bem da saúde, pelo menos....<<strong>br</strong> />
- 196 -
- Você também, Shizu.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estendeu o dedinho para Takuya, para fazer a promessa<<strong>br</strong> />
de reencontro.<<strong>br</strong> />
- Talvez não consigamos nos encontrar de novo nessa vida.<<strong>br</strong> />
Entretanto, jamais esquecerei de você, Takuya. Não quero me<<strong>br</strong> />
esquecer. Por isso escreverei cartas. E quero receber suas cartas.<<strong>br</strong> />
Promete?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Takuya trocaram cumprimentos de despedida,<<strong>br</strong> />
entrelaçando os dedinhos, em sinal de promessa.<<strong>br</strong> />
Deixaram a família Yamashita e Minoru na estação, onde<<strong>br</strong> />
embarcariam num trem. O caminhão <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu,<<strong>br</strong> />
reiniciou a jornada. Os mem<strong>br</strong>os da família Yamashita, ao se<<strong>br</strong> />
despedirem do caminhão, acenaram as mãos <strong>com</strong> vigor.<<strong>br</strong> />
Minoru deu dois ou três passos para a frente, <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />
quisesse retardar a despedida.<<strong>br</strong> />
- Mano!! Diga à <strong>Natsu</strong> que voltaremos <strong>com</strong> certeza! - gritou<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, acenando <strong>com</strong> a mão.<<strong>br</strong> />
No hotel em Tóquio, Yamato ouvia atentamente a história<<strong>br</strong> />
contada por <strong>Haru</strong>. Parecia um romance de aventura, mas fora<<strong>br</strong> />
uma experiência concreta de sua avó.<<strong>br</strong> />
Quando a família de <strong>Haru</strong> imigrara para o Brasil, eram oito<<strong>br</strong> />
pessoas. <strong>Natsu</strong> fora deixada em Kobe e Shigeru morrera na<<strong>br</strong> />
fazenda para onde tinham sido enviados. Yozo e Kiyo se<<strong>br</strong> />
sacrificaram para que os demais pudessem fugir, e Minoru seguira<<strong>br</strong> />
sozinho para o porto de Santos.<<strong>br</strong> />
Apenas <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu iriam para esta nova fazenda.<<strong>br</strong> />
- 197 -
- De repente, ficamos em apenas três pessoas, eu e meus<<strong>br</strong> />
pais, para irmos a uma terra desconhecida. Nunca me senti tão<<strong>br</strong> />
desprotegida <strong>com</strong>o daquela vez.<<strong>br</strong> />
As imagens daquela ocasião ainda podiam ser reproduzidas<<strong>br</strong> />
vivamente nos seus olhos.<<strong>br</strong> />
- Mas... - continuava <strong>Haru</strong>, sem demonstrar cansaço.<<strong>br</strong> />
- Este lugar novo era diferente da fazenda anterior, onde<<strong>br</strong> />
éramos contratados <strong>com</strong>o colonos. Desta vez, arrendaríamos a<<strong>br</strong> />
terra de um proprietário americano, e nós mesmos des<strong>br</strong>avaríamos<<strong>br</strong> />
e prepararíamos a nossa lavoura.<<strong>br</strong> />
- Os j aponeses que ali moravam, prepararam a nossa primeira<<strong>br</strong> />
moradia, apesar de ser uma pequena cabana. Já havia desde<<strong>br</strong> />
cama, roupas, utensílios de cozinha e até alimentos. Como nós<<strong>br</strong> />
nos sentimos gratos por tudo aquilo...<<strong>br</strong> />
- Depois que a lavoura ficou pronta, logo em seguida<<strong>br</strong> />
plantamos algodão... Não tínhamos tempo para ficarmos tristes...<<strong>br</strong> />
O algodoeiro cresceu, gerou frutos, e quando estes se a<strong>br</strong>iram, a<<strong>br</strong> />
vasta plantação de algodão ficou <strong>br</strong>anca. Pareciam flores que<<strong>br</strong> />
haviam desa<strong>br</strong>ochado de uma só vez. Aquela alegria foi<<strong>br</strong> />
inesquecível.<<strong>br</strong> />
Na propriedade do americano para onde <strong>Haru</strong> e sua família<<strong>br</strong> />
foram levados, havia muitos japoneses, a ponto de poderem<<strong>br</strong> />
fundar uma vila de japoneses. Todos viviam da agricultura.<<strong>br</strong> />
A família Takakura conseguira arrendar imediatamente uma<<strong>br</strong> />
gleba de terra, e já pudera iniciar o preparo da lavoura logo no<<strong>br</strong> />
dia seguinte. Apesar de chamarem de terra, era, na realidade,<<strong>br</strong> />
- 198 -
mata virgem. Iniciaram <strong>com</strong> a derrubada de árvores enormes e<<strong>br</strong> />
altas, cujo diâmetro era tal que os <strong>br</strong>aços de um adulto não<<strong>br</strong> />
conseguiam envolvê-las.<<strong>br</strong> />
Muitos japoneses, <strong>com</strong> machados nas mãos, ajudaram Chûji<<strong>br</strong> />
na derrubada.<<strong>br</strong> />
Depois da derrubada, realizavam a queimada, que consistia<<strong>br</strong> />
em atear fogo nas árvores e galhos caídos. Depois do fogo<<strong>br</strong> />
apagado, a terra coberta de cinzas se tornaria a lavoura de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
e sua família.<<strong>br</strong> />
Em 1935, Chûji semeara algodão na lavoura recém<<strong>br</strong> />
des<strong>br</strong>avada.<<strong>br</strong> />
Na década de 1930, verificou-se uma tendência notável no<<strong>br</strong> />
crescimento do número de imigrantes japoneses que plantavam<<strong>br</strong> />
algodão. A principal causa era a crise cafeeira no Brasil, que se<<strong>br</strong> />
prolongava por muitos anos.<<strong>br</strong> />
Ao verificarmos o volume de colheita de algodão dos<<strong>br</strong> />
japoneses no estado de São Paulo, em 1933, era possível<<strong>br</strong> />
constatar apenas 10% da produção total do estado.<<strong>br</strong> />
Surpreendentemente, porém, o número havia saltado para 50%<<strong>br</strong> />
em 1935.<<strong>br</strong> />
A cultura de algodão teve um grande desempenho na<<strong>br</strong> />
reestruturação econômica de muitos japoneses que foram<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igados a fugir no meio da noite, <strong>com</strong>o a família Takakura, ou<<strong>br</strong> />
que estavam sujeitos à uma vida semelhante à de escravos.<<strong>br</strong> />
A família Takakura também não era exceção, e no terceiro<<strong>br</strong> />
ano de estadia no Brasil, os frutos do algodão que haviam<<strong>br</strong> />
plantado, estouraram de uma só vez. Parecia um campo de flores<<strong>br</strong> />
- 199 -
ancas. O avental de <strong>Haru</strong>, que colhia um por um os frutos do<<strong>br</strong> />
algodão que pareciam uma flor <strong>br</strong>anca, enchia num instante. Seu<<strong>br</strong> />
rosto mostrava uma alegria que até então não havia aparecido.<<strong>br</strong> />
"Os pés de algodão que semeamos na nova terra<<strong>br</strong> />
cresceram. Deram frutos que pareciam ser flores<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>ancas. Mas embora tenhamos chegado ao terceiro<<strong>br</strong> />
ano, época em que prometemos voltar, estamos numa<<strong>br</strong> />
situação difícil. Mal sabemos se conseguiremos nos<<strong>br</strong> />
sustentar. Por isso, ainda não podemos voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão. Queremos, de todas as maneiras, ter sucesso<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o plantio de algodão para, <strong>com</strong> isso, ganharmos<<strong>br</strong> />
dinheiro e voltarmos o quanto antes. Deve estar sendo<<strong>br</strong> />
difícil para você, mas espere mais um pouco, por<<strong>br</strong> />
favor.<<strong>br</strong> />
O mano Minoru está numa cidade portuária<<strong>br</strong> />
chamada Santos, trabalhando e aguardando a<<strong>br</strong> />
oportunidade de embarcar num navio afim de voltar<<strong>br</strong> />
para o Japão."<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ergueu os olhos da carta que lia.<<strong>br</strong> />
- Como estará o mano Minoru neste momento...? Será que<<strong>br</strong> />
está bem no Japão...?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhava atentamente para a foto de família tirada na<<strong>br</strong> />
Hospedaria dos Emigrantes em Kobe, em que os dois irmãos<<strong>br</strong> />
posavam <strong>com</strong> seriedade.<<strong>br</strong> />
Mal passara um ano de separação, Shigeru estava morto e<<strong>br</strong> />
- 200 -
no terceiro ano em que o retorno estava prometido, Minoru<<strong>br</strong> />
aguardava sozinho em Santos a oportunidade de voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão.<<strong>br</strong> />
O terceiro ano era o de 1937.<<strong>br</strong> />
Nessa época, <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />
Em uma região de aldeias po<strong>br</strong>es cobertas de grande<<strong>br</strong> />
quantidade de neve em Hokkaido, o avô e sua neta observavam<<strong>br</strong> />
uma casa humilde de longe. Eram Tokuji e <strong>Natsu</strong>. Ela vivera<<strong>br</strong> />
retraída naquela casa, sendo maltratada por Kane.<<strong>br</strong> />
"Este é o terceiro ano em que a mana prometera<<strong>br</strong> />
voltar do Brasil. Recentemente, pedi ao vovô Toku<<strong>br</strong> />
para me levar de trem, e discretamente fui ver a casa<<strong>br</strong> />
do tio. Vovô Toku perguntou na vizinhança, mas<<strong>br</strong> />
ninguém havia voltado do Brasil".<<strong>br</strong> />
Eu já me conformei. Vocês se esqueceram de mim.<<strong>br</strong> />
Talvez eu seja uma criança indesejada e fui<<strong>br</strong> />
abandonada. Mas, ainda assim, escrevo esta carta<<strong>br</strong> />
pois gostaria que lem<strong>br</strong>assem, pelo menos um pouco,<<strong>br</strong> />
de mim."<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> fazia queijo na cabana de Tokuji. Naquele local,<<strong>br</strong> />
apropriado para a fa<strong>br</strong>icação de queijo, <strong>Natsu</strong> coava o leite <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
todo o cuidado, <strong>com</strong> as mãos firmes e o semblante sério.<<strong>br</strong> />
Tokuji, que a<strong>com</strong>panhava o trabalho de perto, experimentou<<strong>br</strong> />
um pedaço do queijo que <strong>Natsu</strong> havia feito.<<strong>br</strong> />
- Bom! Este é o melhor que você fez até agora! Parece que<<strong>br</strong> />
- 201 -
conseguiu aprender o ponto certo. Você pode fazer sozinha!<<strong>br</strong> />
Tokuji aprovara o queijo feito por <strong>Natsu</strong> que, <strong>com</strong> isso se<<strong>br</strong> />
sentia feliz e fortalecida cem vezes.<<strong>br</strong> />
- Queria que a sra. Tanimoto, de Sapporo, experimentasse<<strong>br</strong> />
esse queijo.<<strong>br</strong> />
Ao visitar os clientes junto <strong>com</strong> Tokuji, <strong>Natsu</strong> havia ficado<<strong>br</strong> />
conhecida em diversos lugares, sendo querida também por<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da cooperativa.<<strong>br</strong> />
- A sra. Tanimoto tem muito carinho por você, não é? Aliás,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, você está de parabéns. Familiarizou-se e ficou conhecida<<strong>br</strong> />
pelos clientes para quem entregamos os nossos queijos. Já é<<strong>br</strong> />
profissional tanto no cuidado <strong>com</strong> as vacas <strong>com</strong>o na ordenha,<<strong>br</strong> />
superando muitas pessoas. Agora posso me aposentar quando<<strong>br</strong> />
quiser.<<strong>br</strong> />
- Eu me animo porque estou sempre junto <strong>com</strong> você, vovô<<strong>br</strong> />
Toku. Por melhor que eu consiga fazer as coisas, não quero<<strong>br</strong> />
trabalhar sozinha. Trabalharei junto <strong>com</strong> o senhor, de manhã até<<strong>br</strong> />
a noite, até o dia da sua morte. Se você pensa em ficar na moleza<<strong>br</strong> />
empurrando tudo para mim, está muito enganado!<<strong>br</strong> />
Tokuji cerrava os lábios firmemente, <strong>com</strong>o sempre. Mas, no<<strong>br</strong> />
fundo, ele estava muito contente.<<strong>br</strong> />
Acontecera num dia claro e ameno de maio. <strong>Natsu</strong> e Tokuji<<strong>br</strong> />
alimentavam as vacas <strong>com</strong> feno e as ordenhavam. No momento<<strong>br</strong> />
em que Tokuji levantou <strong>com</strong> o balde cheio de leite, o balde rolou<<strong>br</strong> />
e o leite se esparramou à sua volta. Tokuji ficara inconsciente e<<strong>br</strong> />
caíra ali mesmo.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Natsu</strong> se aproximou às pressas e tentou levantá-lo,<<strong>br</strong> />
- 202 -
sentiu o corpo de Tokuji quente. Ela colocou a mão em sua testa.<<strong>br</strong> />
- Oh não! Vovô Toku, você está <strong>com</strong> fe<strong>br</strong>e muito alta!<<strong>br</strong> />
-Uma fe<strong>br</strong>ezinha dessas, não é nada...<<strong>br</strong> />
- Acho que é gripe, mas vou chamar o médico. Tem que<<strong>br</strong> />
entrar logo em casa e se deitar...<<strong>br</strong> />
- Médico? Que exagero! Seria preciso ir buscá-lo a quatro<<strong>br</strong> />
quilômetros de distância... É só tomar uns chás medicinais que<<strong>br</strong> />
melhoro numa noite. Não há <strong>com</strong> o que se preocupar.<<strong>br</strong> />
- De jeito nenhum! O resto eu faço. Vovô Toku vai ficar<<strong>br</strong> />
quieto e deitado!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apoiou Tokuji nos seus pequenos om<strong>br</strong>os, levando-o<<strong>br</strong> />
para dentro de casa.<<strong>br</strong> />
Ao deitá-lo no acolchoado que <strong>Natsu</strong> ajeitou, Tokuji caiu<<strong>br</strong> />
num sono profundo.<<strong>br</strong> />
Nesse meio tempo, <strong>Natsu</strong> correu desesperadamente para<<strong>br</strong> />
chamar o médico. Quando o Dr. Kudo chegou, a<strong>com</strong>panhado<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong>, já estava quase entardecendo.<<strong>br</strong> />
- O médico chegou.<<strong>br</strong> />
Ao entrar correndo para dentro de casa, ainda ofegante, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
se dirigiu à Tokuji, que ainda dormia, levando o médico para<<strong>br</strong> />
junto de sua cabeceira.<<strong>br</strong> />
- Por favor.<<strong>br</strong> />
Tokuji a<strong>br</strong>iu os olhos ainda sonolentos, querendo mostrar<<strong>br</strong> />
que estava bem.<<strong>br</strong> />
- Falei que não precisava de médico.<<strong>br</strong> />
- Também não queria vir tão longe. Mas, tendo'recebido o<<strong>br</strong> />
pedido de uma criança, não há <strong>com</strong>o recusar. Você será castigado<<strong>br</strong> />
- 203 -
se não sentir gratidão.<<strong>br</strong> />
Quando Dr. Kudo <strong>com</strong>eçou a examinar Tokuji, <strong>Natsu</strong> atuou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> diligência, trazendo bacia <strong>com</strong> água, entre outras coisas.<<strong>br</strong> />
O médico tirou o estetoscópio do seu ouvido, e aconselhou<<strong>br</strong> />
Tokuji.<<strong>br</strong> />
- Está havendo um surto de gripe. Durma bem, evitando<<strong>br</strong> />
esforços. Deixarei remédios. Tome-os direitinho.<<strong>br</strong> />
- Viu, não é nada grave. Fez um alarde desnecessário<<strong>br</strong> />
chamando o médico. Foi um constrangimento para ele... -<<strong>br</strong> />
resmungou Tokuji, o que deixara <strong>Natsu</strong> sossegada.<<strong>br</strong> />
- Estou aliviada, que bom.<<strong>br</strong> />
- A carteira está na gaveta da cômoda. Pague a consulta.<<strong>br</strong> />
-Deixe isso para quando quiser. Receberei quando melhorar.<<strong>br</strong> />
Bom, cuide-se...<<strong>br</strong> />
Quando o Dr. Kudo levantou-se para sair, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhou o médico que viera de tão longe, para atender ao<<strong>br</strong> />
seu pedido.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada pela consulta.<<strong>br</strong> />
- Você deve olhar o seu avô de perto. No estado em que ele<<strong>br</strong> />
está, pode acontecer qualquer coisa a qualquer momento. Não<<strong>br</strong> />
há muito mais que se possa fazer por ele, mas, para não haver<<strong>br</strong> />
arrependimentos...<<strong>br</strong> />
-Doutor!?<<strong>br</strong> />
-Ele está <strong>com</strong> pneumonia. Temos tido, em Sapporo, muitos<<strong>br</strong> />
pacientes <strong>com</strong> sintomas parecidos, que têm morrido sem que<<strong>br</strong> />
possamos fazer nada. O seu avô foi a Sapporo recentemente...?<<strong>br</strong> />
-... Sim, para vender queijos... Também fui junto...<<strong>br</strong> />
- 204 -
-É melhor você se cuidar também. Há casos de pessoas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> sorte que conseguem se restabelecer. De hoje à noite para<<strong>br</strong> />
amanhã, será o momento mais crítico. Amanhã virei de novo para<<strong>br</strong> />
ver <strong>com</strong>o ele estará. Até mais...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficou atônita, de pé, olhando para as costas do médico<<strong>br</strong> />
que se afastava. Não posso chorar, dizia para si mesma.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Natsu</strong> voltou para o quarto, levando para a cabeceira<<strong>br</strong> />
de Tokuji, uma bandeja <strong>com</strong> papa de arroz <strong>com</strong> ovo,<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhado de umeboshi (ameixa curtida), voltara a ser aquela<<strong>br</strong> />
menina obediente e alegre de sempre.<<strong>br</strong> />
- A Papa está pronta. Vamos <strong>com</strong>er?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> segurou Tokuji, que se esforçava para se levantar.<<strong>br</strong> />
- Fique deitado! Darei a <strong>com</strong>ida na sua boca.<<strong>br</strong> />
- Huum, está bem. Aceitarei a oferta...<<strong>br</strong> />
Tokuj i encostou a cabeça languidamente no travesseiro e fixou<<strong>br</strong> />
o olhar em <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Ao olhar para você, costumava pensar que, se a minha<<strong>br</strong> />
filha estivesse viva, talvez eu tivesse uma neta de sua idade... Ao<<strong>br</strong> />
recebê-la das mãos de Deus, <strong>com</strong> a mesma idade de quando<<strong>br</strong> />
minha filha morreu, sentia <strong>com</strong>o se ela tivesse voltado para mim.<<strong>br</strong> />
Mas, pensando bem, já estou em uma idade em que não seria<<strong>br</strong> />
estranho se tivesse uma neta. Sou um felizardo em receber seus<<strong>br</strong> />
cuidados, <strong>Natsu</strong>, que é <strong>com</strong>o se fosse uma neta, na idade em<<strong>br</strong> />
que estou.<<strong>br</strong> />
- Vai cansar se falar muito. Vamos <strong>com</strong>er antes que esfrie...<<strong>br</strong> />
Tem que se alimentar bem...<<strong>br</strong> />
Apanhando a tigela de papa que estava a fumegar numa<<strong>br</strong> />
- 205 -
colher, <strong>Natsu</strong> soprou diversas vezes a fim de chegar a uma<<strong>br</strong> />
temperatura ideal.<<strong>br</strong> />
- Desde que perdi minha mulher e filha, vivi sozinho. Sempre<<strong>br</strong> />
pensei que morreria sozinho quando adoecesse. Mas pude viver<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> você. Foi <strong>com</strong>o uma chama se acendendo para iluminar<<strong>br</strong> />
essa casa tão triste, aquecendo-a. O<strong>br</strong>igada <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />
- Não diga essas coisas.<<strong>br</strong> />
-Estava me lem<strong>br</strong>ando agora, de quando aminha filha morreu.<<strong>br</strong> />
Foi num desses surtos de gripe. De repente, veio a fe<strong>br</strong>e alta.<<strong>br</strong> />
Fiquei perdido, sem saber o que fazer... Foi numa noite só.<<strong>br</strong> />
-VovôToku!<<strong>br</strong> />
- Não vou morrer. Não sou tão fraco assim. Mas um dia<<strong>br</strong> />
morrerei antes de você. Quando isso acontecer, venda as vacas<<strong>br</strong> />
e vá para o Brasil, à procura de seus pais. Se vender as vacas,<<strong>br</strong> />
deve conseguir o dinheiro necessário. Se você falar <strong>com</strong> clientes<<strong>br</strong> />
que <strong>com</strong>pram queijo em Sapporo, qualquer um poderá ajudar a<<strong>br</strong> />
vender as vacas. No momento, era isso que eu queria deixar dito<<strong>br</strong> />
para você.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> repreendeu carinhosamente Tokuji, contendo a sua<<strong>br</strong> />
tristeza.<<strong>br</strong> />
- O que adianta falar agora, de algo que sabe-se lá quando<<strong>br</strong> />
irá acontecer? O mais importante agora é <strong>com</strong>er a papa.<<strong>br</strong> />
Tokuji engoliu <strong>com</strong> muita dificuldade, a colherada de papa<<strong>br</strong> />
que <strong>Natsu</strong> levou à sua boca.<<strong>br</strong> />
-Delicioso! Papa servida por você, <strong>Natsu</strong>, é mais saborosa.<<strong>br</strong> />
O semblante de Tokuji, que estava feliz, apresentava uma<<strong>br</strong> />
expressão tão profunda e sublime, <strong>com</strong>o o sorriso do deus Vajra-<<strong>br</strong> />
- 206 -
dhara, o protetor do budismo, cujas feições normais<<strong>br</strong> />
amedrontariam qualquer um.<<strong>br</strong> />
Era uma noite silenciosa. Tokuji dormia profundamente. A<<strong>br</strong> />
cabeça de <strong>Natsu</strong>, que observava Tokuji, em sua cabeceira, pendeu<<strong>br</strong> />
para a frente.<<strong>br</strong> />
A luz tênue do alvorecer adentrou pelo quarto, e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
acordou de repente, olhando apressadamente para Tokuji.<<strong>br</strong> />
"Nessa noite, olhei pelo vovô Toku a noite inteira.<<strong>br</strong> />
Acabei, contudo, cochilando num momento de<<strong>br</strong> />
cansaço. Durante aqueles instantes, vovô Toku parou<<strong>br</strong> />
de respirar. Agora, enfim, o vovô Toku poderá<<strong>br</strong> />
encontrar-se <strong>com</strong> sua esposa e filha. Estava <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />
sorriso no rosto, <strong>com</strong>o se estivesse sonhando <strong>com</strong> algo<<strong>br</strong> />
feliz."<<strong>br</strong> />
Chamando pelo nome de Tokuji, <strong>Natsu</strong> chorou até se<<strong>br</strong> />
conformar. Derramou todas as lágrimas que estavam contidas<<strong>br</strong> />
enquanto cuidava dele.<<strong>br</strong> />
O funeral de Tokuji fora realizado por pessoas que o<<strong>br</strong> />
consideravam muito. Ainda que não tivesse vínculo sangüíneo<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o falecido, <strong>Natsu</strong> foi considerada a sucessora de Tokuji e<<strong>br</strong> />
presidiu a cerimônia. A despedida foi simples, mas transmitia calor<<strong>br</strong> />
humano, refletindo a personalidade de Tokuji.<<strong>br</strong> />
Assim, <strong>Natsu</strong> ficou realmente só. Jamais pensara que a<<strong>br</strong> />
despedida <strong>com</strong> Tokuji viria tão rápida e de forma tão inesperada.<<strong>br</strong> />
Sua avó Nobu também falecera repentinamente, e essa era a<<strong>br</strong> />
- 207 -
segunda perda que <strong>Natsu</strong> sofria, de pessoas que lhe eram caras<<strong>br</strong> />
e que a protegiam.<<strong>br</strong> />
Dos olhos de <strong>Haru</strong>, que lia as cartas de <strong>Natsu</strong>, também<<strong>br</strong> />
transbordaram lágrimas.<<strong>br</strong> />
"Os mem<strong>br</strong>os da cooperativa de criadores de<<strong>br</strong> />
vacas, e os clientes de Sapporo que sempre<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pravam queijos do vovô Toku, se reuniram para<<strong>br</strong> />
realizar seu funeral. O trabalho de criador de vacas<<strong>br</strong> />
é árduo, pois o cuidado é diário. Todo mundo se<<strong>br</strong> />
preocupa <strong>com</strong>igo porque fiquei sozinha, e até me<<strong>br</strong> />
aconselharam a vender o estábulo e as vacas. Mas<<strong>br</strong> />
eu recusei. Disse que iria cuidar das vacas e fazer<<strong>br</strong> />
queijo, ainda que estivesse só. O vovô Toku disse para<<strong>br</strong> />
eu vender as vacas e ir para o Brasil. Não posso,<<strong>br</strong> />
porém, pensar em me separar das vacas que o vovô<<strong>br</strong> />
Toku criou <strong>com</strong> tanto cuidado e carinho. Desisti de ir<<strong>br</strong> />
para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Vocês não voltaram, mesmo após os três anos que<<strong>br</strong> />
prometeram, nem recebi qualquer carta. Como vocês<<strong>br</strong> />
me abandonaram, acho que serei feliz, morando e<<strong>br</strong> />
cuidando das vacas do vovô Toku, no Japão. Não se<<strong>br</strong> />
preocupem <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />
Não estou sozinha, pois as vacas são minha<<strong>br</strong> />
família. Estando junto <strong>com</strong> as vacas, sinto-me <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se estivesse junto <strong>com</strong> o vovô Toku. As pessoas que<<strong>br</strong> />
esperam pelos queijos que faço são <strong>com</strong>o se fossem<<strong>br</strong> />
- 208 -
meus pais. Os colegas de vovô Toku me ajudam<<strong>br</strong> />
bastante."<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> cuidou das vacas <strong>com</strong> afinco. Limpava o estábulo,<<strong>br</strong> />
levava-as para o pasto para alimentá-las <strong>com</strong> capim, e assim,<<strong>br</strong> />
todos os dias eram cheios de tarefas. O calor do corpo e os<<strong>br</strong> />
olhos dóceis das vacas traziam harmonia para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
A noite, trancava-se na cabana de fa<strong>br</strong>icação de queijos,<<strong>br</strong> />
dedicando-se à produção, cujo método fora ensinado por Tokuji.<<strong>br</strong> />
Dia após dia, a alegria voltava para o rosto de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
A janela do hotel estava ficando <strong>br</strong>anco-transparente,<<strong>br</strong> />
recebendo a luz tênue do amanhecer.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, que lia as cartas de <strong>Natsu</strong>, falou para Yamato,<<strong>br</strong> />
conferindo as chancelas so<strong>br</strong>e os selos contidos nos envelopes:<<strong>br</strong> />
- Faltam cartas durante vários anos, depois dessa carta.<<strong>br</strong> />
- A dona <strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong> uns 10 anos de idade, nessa<<strong>br</strong> />
época, não é? Imagine uma criança dessa idade, que criava vacas,<<strong>br</strong> />
ordenhando-as e fazendo queijos. Não havia tempo para escrever<<strong>br</strong> />
cartas.<<strong>br</strong> />
- Naquela época, as crianças também trabalhavam muito.<<strong>br</strong> />
Era normal trabalharmos, e não encarávamos isso <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
sofrimento. <strong>Natsu</strong> conseguira algo mais importante que nós.<<strong>br</strong> />
Proteger as vacas e os queijos do vovô Toku tornara-se mais<<strong>br</strong> />
importante para ela. Talvez essa tivesse sido a época mais feliz.<<strong>br</strong> />
Por isso, podia viver, mesmo sem escrever cartas.<<strong>br</strong> />
- Já vai amanhecer. Deite-se um pouquinho...<<strong>br</strong> />
- 209 -
<strong>Haru</strong> tocou de leve a mão de Yamato, carinhosamente<<strong>br</strong> />
colocada so<strong>br</strong>e seu om<strong>br</strong>o, <strong>com</strong>o que dizendo "o<strong>br</strong>igada".<<strong>br</strong> />
- Falando nisso, acho que eu também não escrevi cartas<<strong>br</strong> />
para <strong>Natsu</strong>, na mesma época. Fugimos da fazenda de café,<<strong>br</strong> />
arrendamos as terras do proprietário americano, tivemos que<<strong>br</strong> />
des<strong>br</strong>avá-las e cultivamos algodão.<<strong>br</strong> />
As reminiscências de <strong>Haru</strong>, retrocediam rapidamente no<<strong>br</strong> />
tempo, retardando o cansaço.<<strong>br</strong> />
Os três anos prometidos à <strong>Natsu</strong> passaram rapidamente. A<<strong>br</strong> />
família Takakura se dedicara à cultura de algodão e enfim haviam<<strong>br</strong> />
conseguido construir uma casa. No quarto ano, estabilizaram-se<<strong>br</strong> />
aponto da família não passar necessidades quanto à alimentação.<<strong>br</strong> />
Como o algodão podia ser vendido a um bom preço naquela<<strong>br</strong> />
época, conseguiram, pelo menos, acalentar esperanças de, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
mais três anos de êxito na safra, ter condições de voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão.<<strong>br</strong> />
Por outro lado, Minoru, que havia se separado da família e<<strong>br</strong> />
aguardava, solitário, a oportunidade de voltar para o Japão,<<strong>br</strong> />
trabalhava <strong>com</strong>o estivador no porto de Santos. A oportunidade,<<strong>br</strong> />
contudo não aparecia.<<strong>br</strong> />
Em maio de 1938, no quarto ano após a chegada no Brasil,<<strong>br</strong> />
uma boa oportunidade estava para ocorrer. Aconteceria o<<strong>br</strong> />
encontro <strong>com</strong> a pessoa que decidiria o destino de Minoru.<<strong>br</strong> />
Via-se a figura de Minoru entre os estivadores que carregavam<<strong>br</strong> />
as cargas de um navio cargueiro atracado no porto. Minoru<<strong>br</strong> />
trabalhava <strong>com</strong> muita diligência, coberto de poeira e suor, apesar<<strong>br</strong> />
- 210 -
de seu físico não ser muito privilegiado em relação aos demais<<strong>br</strong> />
trabalhadores robustos.<<strong>br</strong> />
Um automóvel passou por perto e a janela do banco traseiro<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>iu-se rapidamente. Um japonês <strong>com</strong> uniforme de oficial<<strong>br</strong> />
colocou a cabeça para fora da janela, dirigindo-se a Minoru, em<<strong>br</strong> />
tom de indagação:<<strong>br</strong> />
- Você é japonês?<<strong>br</strong> />
-...?Sim.<<strong>br</strong> />
- O que faz aqui?<<strong>br</strong> />
- Sou estivador.<<strong>br</strong> />
- Logo se vê. Estou perguntando porque gostaria de saber<<strong>br</strong> />
porque um jovem <strong>com</strong>o você está trabalhando dessa forma, numa<<strong>br</strong> />
terra estrangeira.<<strong>br</strong> />
- Eu vim para o Brasil <strong>com</strong>o imigrante, mas me decepcionei<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o país e quero voltar para o Japão. Como não tenho dinheiro<<strong>br</strong> />
para pagar a passagem de navio, estou trabalhando aqui há três<<strong>br</strong> />
anos, na esperança de encontrar algum navio cargueiro que volte<<strong>br</strong> />
para o Japão e que me deixe embarcar, <strong>com</strong> a condição de poder<<strong>br</strong> />
trabalhar durante a viagem.<<strong>br</strong> />
- Lamento muito. Venha até o hotel onde estou hospedado<<strong>br</strong> />
na sua próxima folga para podermos conversar.<<strong>br</strong> />
Devido à proposta repentina, Minoru não conseguia<<strong>br</strong> />
responder de imediato, quando ouviu-se um grito em português.<<strong>br</strong> />
O capataz repreendia Minoru:<<strong>br</strong> />
- Ei, japonês, não faça corpo mole. Se não trabalhar, será<<strong>br</strong> />
despedido!!<<strong>br</strong> />
Minoru cumprimentou o oficial <strong>com</strong> educação e voltou para<<strong>br</strong> />
- 211 -
o trabalho.<<strong>br</strong> />
- O hotel fica logo ali. Basta procurar pelo Capitão de Fragata<<strong>br</strong> />
Unno. Estarei à sua espera.<<strong>br</strong> />
Passados alguns dias, Minora foi, numa tarde, ainda incrédulo,<<strong>br</strong> />
ao saguão do Hotel Santos. Usava uma camisa de algodão, puída<<strong>br</strong> />
porém limpa. Era um rapaz de 16 anos, cheio de vida.<<strong>br</strong> />
Atendendo à voz de Minoru, que perguntava pelo<<strong>br</strong> />
Comandante Unno na recepção, levantou-se do sofá um cavalheiro<<strong>br</strong> />
que lia um jornal japonês. Unno aguardava Minoru, conforme<<strong>br</strong> />
havia prometido.<<strong>br</strong> />
O carro que levava o Comandante Unno e Minoru, parou<<strong>br</strong> />
numa praia, tendo percorrido a costa litorânea por algum tempo.<<strong>br</strong> />
- O Japão encontra-se numa situação de emergência. Como<<strong>br</strong> />
japonês não se sente envergonhado de trabalhar nesta terra<<strong>br</strong> />
estrangeira, além de ser explorado e receber ordens aos gritos<<strong>br</strong> />
de um <strong>br</strong>asileiro?<<strong>br</strong> />
Minoru respondeu <strong>com</strong> sinceridade o questionamento<<strong>br</strong> />
rigoroso de Unno:<<strong>br</strong> />
- Sim. Eu também gostaria de me tornar alguém útil para a<<strong>br</strong> />
minha Pátria, o Japão. Mas não tenho nem <strong>com</strong>o voltar...<<strong>br</strong> />
- Se você realmente tem essa vontade, posso tomar<<strong>br</strong> />
providências para que regresse ao Japão. Basta arranjar trabalho<<strong>br</strong> />
num navio que esteja levando carga para a Marinha Imperial<<strong>br</strong> />
Japonesa.<<strong>br</strong> />
Minora olhou assustado para Unno. Conhecera-o apenas há<<strong>br</strong> />
alguns dias, e a demonstração de boa vontade de Unno o<<strong>br</strong> />
espantara.<<strong>br</strong> />
- 212 -
- Em troca, gostaria que, ao retornar ao Japão, faça algo<<strong>br</strong> />
que possa ser útil à Pátria. No momento, o Japão está recrutando<<strong>br</strong> />
jovens para que se tornem pilotos. A guerra moderna só poderá<<strong>br</strong> />
ser vencida <strong>com</strong> a união das forças de terra, mar e ar. Há maior<<strong>br</strong> />
urgência em formar pilotos. Regressando ao Japão, gostaria que<<strong>br</strong> />
jovens <strong>com</strong>o você se voluntariassem para a aviação.<<strong>br</strong> />
- Mesmo uma pessoa <strong>com</strong>o eu poderia se alistar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
voluntário?<<strong>br</strong> />
- Mas é claro. Você tem muita capacidade. Basta se alistar e<<strong>br</strong> />
ser aprovado nas provas escritas e de aptidão física.<<strong>br</strong> />
- Se isso for possível, não há nada mais gratificante. Mesmo<<strong>br</strong> />
querendo voltar para o Japão, não sabia o que fazer depois.<<strong>br</strong> />
Apenas desejava voltar e viver <strong>com</strong>o um japonês... Mas agora,<<strong>br</strong> />
tenho grandes esperanças.<<strong>br</strong> />
- E se não houver para quem recorrer quando voltar para o<<strong>br</strong> />
Japão, posso ser o seu responsável. Se puder ajudar na formação<<strong>br</strong> />
de um jovem piloto <strong>com</strong> capacidade e que, <strong>com</strong>o um bom soldado<<strong>br</strong> />
do Imperador puder ser útil à Pátria, não medirei esforços <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
oficial da Marinha Imperial.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado! Estou determinado a tornar-me um exímio<<strong>br</strong> />
militar e súdito do Imperador. Estou disposto a servir de corpo e<<strong>br</strong> />
alma nossa Pátria. - Minoru desceu do carro e em posição de<<strong>br</strong> />
sentido, respondeu a Unno, batendo continência.<<strong>br</strong> />
Unno também respondeu <strong>com</strong> uma continência, e balançou<<strong>br</strong> />
a cabeça, satisfeito por ter encontrado um jovem japonês, de<<strong>br</strong> />
rosto corado e futuro promissor.<<strong>br</strong> />
Logo em seguida, Minoru conseguira voltar são e salvo ao<<strong>br</strong> />
- 213 -
Japão.<<strong>br</strong> />
No outono de 1941, três anos após o regresso de Minoru<<strong>br</strong> />
para o Japão, e sete anos depois da chegada de <strong>Haru</strong> e sua<<strong>br</strong> />
família ao Brasil, o algodoal cultivado por Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
produzia bastante, e o preço de venda daquele ano também era<<strong>br</strong> />
satisfatório. Chûji e os demais japoneses resolveram apostar alto,<<strong>br</strong> />
no intuito de realizar uma colheita no ano seguinte que<<strong>br</strong> />
possibilitasse o regresso para o Japão.<<strong>br</strong> />
Arrendou mais terras, cuja área era quase o do<strong>br</strong>o da atual,<<strong>br</strong> />
contratando até <strong>br</strong>asileiros para des<strong>br</strong>avá-la. Terminando <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
sucesso a semeadura na lavoura ampliada, restava esperar para<<strong>br</strong> />
que a lavoura ficasse toda <strong>br</strong>anca, coberta de algodão.<<strong>br</strong> />
Após a colheita de maio do próximo ano, realizaria, enfim, o<<strong>br</strong> />
sonho de voltar para o Japão. <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu só falavam a<<strong>br</strong> />
respeito disso, em êxtase, de tanta alegria.<<strong>br</strong> />
O ano de 1941, entretanto seria lem<strong>br</strong>ado pelos japoneses.<<strong>br</strong> />
Naquele ano, <strong>Haru</strong> havia <strong>com</strong>pletado 16 anos.<<strong>br</strong> />
"No Brasil, nos meses de outu<strong>br</strong>o e novem<strong>br</strong>o, é<<strong>br</strong> />
primavera, e semeamos algodão nesta época. Neste<<strong>br</strong> />
ano arrendamos e des<strong>br</strong>avamos uma nova área, de<<strong>br</strong> />
tal forma que semeamos em do<strong>br</strong>o. E em maio do<<strong>br</strong> />
ano que vem, quando pudermos colher o algodão,<<strong>br</strong> />
poderemos voltar para o Japão. Estamos <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />
atraso de cinco anos em relação à nossa promessa,<<strong>br</strong> />
mas, desta vez, vamos voltar de verdade. Espere-nos,<<strong>br</strong> />
por favor.<<strong>br</strong> />
- 214 -
Não temos notícias de você, <strong>Natsu</strong>, e nem dos<<strong>br</strong> />
tios de Hokkaido. Mesmo assim, estou escrevendo<<strong>br</strong> />
porque acredito que a carta chegará em suas mãos,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o sempre. Estou ansiosa pelo nosso reencontro.<<strong>br</strong> />
I o . de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />
De <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
Para <strong>Natsu</strong>."<<strong>br</strong> />
Lendo as cartas na sua casa em Tóquio, <strong>Natsu</strong> murmurava<<strong>br</strong> />
inconscientemente:<<strong>br</strong> />
- Faltava dois meses para <strong>com</strong>eçar a guerra <strong>com</strong> os Estados<<strong>br</strong> />
Unidos... Mesmo que tivessem dinheiro, não deviam ter<<strong>br</strong> />
conseguido voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />
Enquanto lia as cartas de <strong>Haru</strong>, esquecera-se da hora de<<strong>br</strong> />
dormir. Já era quase de manhã.<<strong>br</strong> />
No interior de São Paulo, no Brasil, era dezem<strong>br</strong>o, mês em<<strong>br</strong> />
que os <strong>br</strong>otos novos de algodão <strong>com</strong>eçavam a nascer na<<strong>br</strong> />
plantação de algodão de <strong>Haru</strong> e sua família.<<strong>br</strong> />
De repente, Shizu saiu às pressas de casa e gritou, correndo<<strong>br</strong> />
para a lavoura.<<strong>br</strong> />
- Meu bem! <strong>Haru</strong>! Chegou uma carta de Minoru!<<strong>br</strong> />
Chüji se levantou do algodoal e correu rapidamente ao<<strong>br</strong> />
encontro de Shizu. A<strong>br</strong>iu às pressas a carta que Shizu lhe entregara<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong>eçou a ler.<<strong>br</strong> />
-<strong>Haru</strong>! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
Com o vozeirão do Chûji, <strong>Haru</strong>, que cuidava da plantação<<strong>br</strong> />
- 215 -
mais distante levantou-se. Ela havia crescido cheia de saúde e se<<strong>br</strong> />
tornara uma bela moça. Os raios de sol do início do verão refletiam<<strong>br</strong> />
nela, iluminando-a.<<strong>br</strong> />
- É uma carta de Minoru!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> correu às pressas em meio à plantação até onde estava<<strong>br</strong> />
Chûji.<<strong>br</strong> />
- Minoru conseguiu concluir o curso preparatório do Corpo<<strong>br</strong> />
de Aviadores de Reserva da Marinha Imperial japonesa. Foi para<<strong>br</strong> />
Santos sozinho, trabalhou por três anos e conseguiu enfim voltar<<strong>br</strong> />
para o Japão... Alistou-se na Aviação Naval... Agora ele é um<<strong>br</strong> />
perfeito soldado do Império. Que maravilha! No Japão, os<<strong>br</strong> />
militares são importantes, mais respeitados do que políticos ou<<strong>br</strong> />
empresários, e o seu trabalho será útil à Pátria. Foi bom ele ter<<strong>br</strong> />
voltado para o Japão.<<strong>br</strong> />
Choravam e riam ao mesmo tempo, olhando um para o outro,<<strong>br</strong> />
orgulhosos do filho e irmão. Com o falecimento do primogênito<<strong>br</strong> />
Shigeru, Minoru era o sucessor da família Takakura. Chûji estava<<strong>br</strong> />
cheio de orgulho por saber que Minoru seguia a carreira de<<strong>br</strong> />
Reserva da Aviação Naval.<<strong>br</strong> />
- Na carta tem alguma coisa escrita so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong>? - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
perguntou impaciente.<<strong>br</strong> />
- Diz que não consegue nenhuma resposta do tio de<<strong>br</strong> />
Hokkaido, por mais que mande cartas, e mesmo querendo ir ver<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o andam as coisas em Hokkaido, está sem tempo... Escreveu<<strong>br</strong> />
a mesma coisa da vez anterior.<<strong>br</strong> />
- Não recebemos sequer um cartão postal, nem do tio e<<strong>br</strong> />
nem de <strong>Natsu</strong>. O que será que esta acontecendo? - queixou-se<<strong>br</strong> />
- 216 -
<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- É, já se passaram sete anos...<<strong>br</strong> />
Ao pensar em <strong>Natsu</strong>, Shizu sentia um aperto no coração.<<strong>br</strong> />
Não querendo estragar o clima de alegria proporcionado pela<<strong>br</strong> />
carta de Minoru, Chûji encorajou <strong>Haru</strong> e Shizu.<<strong>br</strong> />
- De qualquer forma, colhendo algodão no ano que vem,<<strong>br</strong> />
conseguiremos, pelo menos, dinheiro para <strong>com</strong>prar as passagens<<strong>br</strong> />
de navio de volta para o Japão. Voltando, saberemos de tudo.<<strong>br</strong> />
Até lá, não adianta se preocupar <strong>com</strong> isso ou aquilo, estando no<<strong>br</strong> />
Brasil. Devemos ser gratos, ao menos pelo fato do Minoru ter se<<strong>br</strong> />
tornado militar no Japão...<<strong>br</strong> />
- Se todos esses pés de algodão crescerem sem problemas,<<strong>br</strong> />
poderemos voltar para o Japão sem falta no ano que vem. Desta<<strong>br</strong> />
vez voltaremos de verdade, não é? - <strong>Haru</strong> falava, <strong>com</strong>o se quisesse<<strong>br</strong> />
convencer a si mesma.<<strong>br</strong> />
- Ao pensar que temos que deixar essa lavoura, que foi<<strong>br</strong> />
marcada <strong>com</strong> nosso suor desde que a des<strong>br</strong>avamos, sinto pena,<<strong>br</strong> />
mas não viemos para ficar para sempre. Quando chegar a hora<<strong>br</strong> />
de voltar, voltaremos. <strong>Natsu</strong> nos espera e Minoru também.<<strong>br</strong> />
Com uma certa tristeza, Shizu olhou para a plantação de<<strong>br</strong> />
algodão, que estava verde, pois acabara de <strong>br</strong>otar.<<strong>br</strong> />
- Os j aponeses devem voltar para o Japão e viver orgulhosos<<strong>br</strong> />
de serem japoneses.<<strong>br</strong> />
Enquanto Chûji falava em tom de conselho, um <strong>com</strong>panheiro<<strong>br</strong> />
da mesma vila aproximou-se, chamando o seu nome. Ele<<strong>br</strong> />
aparentava estar na mesma faixa etária de Chûji.<<strong>br</strong> />
- Sr. Takakura!<<strong>br</strong> />
- 217 -
- Olá, sr. Kitagawa.<<strong>br</strong> />
- Ouviu a transmissão de rádio do Japão de anteontem?<<strong>br</strong> />
Disseram que os aviões japoneses atacaram Pearl Harbor no<<strong>br</strong> />
Havaí...<<strong>br</strong> />
- Guerra contra os Estados Unidos?<<strong>br</strong> />
- Não ouvi o rádio pessoalmente, mas correm boatos a<<strong>br</strong> />
respeito.<<strong>br</strong> />
- O Japão estava em guerra contra a China. Não tomaria<<strong>br</strong> />
uma atitude impensada de declarar guerra contra os Estados<<strong>br</strong> />
Unidos. Mas, se for verdade, é formidável. O Japão decidiu entrar<<strong>br</strong> />
em guerra contra os Estados Unidos!<<strong>br</strong> />
Enquanto Chûji e Kitagawa <strong>com</strong>entavam so<strong>br</strong>e a notícia que<<strong>br</strong> />
não fazia o menor sentido, um mensageiro <strong>br</strong>asileiro, montado a<<strong>br</strong> />
cavalo, veio a galope, gritando em português:<<strong>br</strong> />
- Os japoneses devem se reunir imediatamente na praça em<<strong>br</strong> />
frente ao escritório. São ordens do nosso proprietário. É para já.<<strong>br</strong> />
Rápido!<<strong>br</strong> />
Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong> se entreolharam <strong>com</strong> ares de<<strong>br</strong> />
preocupação.<<strong>br</strong> />
Na praça em frente ao escritório do proprietário, estavam<<strong>br</strong> />
reunidos vários japoneses que cultivavam lavoura <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
arrendatários.<<strong>br</strong> />
Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong> juntaram-se ao grupo, apreensivos, sem<<strong>br</strong> />
saber o que acontecia.<<strong>br</strong> />
O administrador, a mando do proprietário americano, subira<<strong>br</strong> />
num palanque e <strong>com</strong>eçara a falar <strong>com</strong> imponência em português.<<strong>br</strong> />
A sua fala era vertida para o japonês por um intérprete:<<strong>br</strong> />
- 218 -
- Transmito um aviso urgente do proprietário: "Há três dias,<<strong>br</strong> />
na manhã do dia 7 de dezem<strong>br</strong>o, hora local, os japoneses<<strong>br</strong> />
atacaram de surpresa a frota americana atracada em Pearl Harbor<<strong>br</strong> />
no Havaí, e os Estados Unidos entraram em guerra contra o<<strong>br</strong> />
Japão. A partir de hoje, os japoneses são inimigos dos Estados<<strong>br</strong> />
Unidos. Os Estados Unidos sofreram grandes danos. Não há<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o perdoar o Japão! Havia arrendado a minha propriedade<<strong>br</strong> />
aos japoneses, mas não vou mais fazê-lo aos nacionais do país<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> quem estamos em guerra. Os contratos estão todos<<strong>br</strong> />
cancelados. Os japoneses devem sair daqui imediatamente!"<<strong>br</strong> />
- Sair daqui... Estão nos expulsando?! - Chûji foi o primeiro<<strong>br</strong> />
a protestar.<<strong>br</strong> />
- Como fica a lavoura?! Nós des<strong>br</strong>avamos a mata e<<strong>br</strong> />
transformamos a terra em lavoura.<<strong>br</strong> />
- As casas também! Fomos nós que trabalhamos e<<strong>br</strong> />
construímos!<<strong>br</strong> />
Surgiram vozes de insatisfação, vindas de Kitagawa e outros<<strong>br</strong> />
japoneses.<<strong>br</strong> />
- O terreno pode ter sido arrendado, mas as lavouras, as<<strong>br</strong> />
casas e as plantações são nossas. Ainda que pense ser o<<strong>br</strong> />
proprietário, não pode fazer o que bem entender!<<strong>br</strong> />
Seguindo os protestos de Chûji, os demais japoneses fizeram<<strong>br</strong> />
coro. Naquele momento, os seguranças do administrador<<strong>br</strong> />
apontaram, ao mesmo tempo, os rifles para Chûji e os demais<<strong>br</strong> />
manifestantes.<<strong>br</strong> />
- Saiam em 24 horas! Se não saírem, atiraremos para matar,<<strong>br</strong> />
sem piedade! Isto é uma guerra dos Estados Unidos contra o<<strong>br</strong> />
- 219 -
Japão!! - ordenou taxativamente o administrador.<<strong>br</strong> />
O prazo dado era de apenas 24 horas. Preparando-se para<<strong>br</strong> />
sair às pressas, <strong>Haru</strong> não podia conter a sua indignação:<<strong>br</strong> />
- Agora que tivemos a esperança de colher o algodão no<<strong>br</strong> />
ano que vem, e voltarmos para o Japão... Vamos perder tudo!<<strong>br</strong> />
Como pode acontecer uma coisa dessas?!<<strong>br</strong> />
- O azar foi termos arrendado terras de um americano.<<strong>br</strong> />
Até mesmo Chûji, que costumava incentivar a família, não<<strong>br</strong> />
escondia o desalento.<<strong>br</strong> />
- Não podemos voltar já para o Japão? Se a guerra <strong>com</strong>eçar,<<strong>br</strong> />
precisamos estar no Japão... Se ficarmos aqui, o que poderá nos<<strong>br</strong> />
acontecer...? E <strong>Natsu</strong>? Não podemos deixá-la <strong>com</strong>o está...<<strong>br</strong> />
- O dinheiro que temos não é suficiente para três passagens<<strong>br</strong> />
de navio até o Japão. E além disso, <strong>com</strong> o início da guerra, não<<strong>br</strong> />
haverá navio para o Japão.<<strong>br</strong> />
Em dezem<strong>br</strong>o de 1941, a Guerra do Pacífico teve início e<<strong>br</strong> />
as relações diplomáticas entre o Brasil, que se alinhou <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
Estados Unidos, e o Japão, foram rompidas. No ano seguinte,<<strong>br</strong> />
em 1942, todos os órgãos de representação diplomática japonesa<<strong>br</strong> />
no Brasil saíram do país, e os imigrantes japoneses que<<strong>br</strong> />
atravessaram os oceanos para trabalharem no Brasil, incentivados<<strong>br</strong> />
pelo governo, foram pegos de surpresa e deixados no Brasil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
súditos inimigos.<<strong>br</strong> />
Shizu estava desolada, e nem tinha ânimo para se mover.<<strong>br</strong> />
- Saindo daqui, para onde iremos?<<strong>br</strong> />
-No Brasil há muitos japoneses. Não há outro jeito senão<<strong>br</strong> />
irmos em busca dos <strong>com</strong>panheiros e conhecidos.<<strong>br</strong> />
- 220 -
-Nós não temos contatos...<<strong>br</strong> />
-E a família Yamashita, de Santos...?<<strong>br</strong> />
Chûji interrompeu <strong>Haru</strong>, balançando negativamente a cabeça.<<strong>br</strong> />
- O sr. Yamashita ainda não conseguiu montar sua fá<strong>br</strong>ica e<<strong>br</strong> />
trabalha <strong>com</strong>o estivador. Sua esposa teria conseguido um emprego<<strong>br</strong> />
de doméstica, e mal conseguem se sustentar. Não podemos<<strong>br</strong> />
procurar por eles numa situação dessas. Nós precisamos de um<<strong>br</strong> />
lugar onde haja terra... Não sabemos fazer nada a não ser trabalho<<strong>br</strong> />
de lavoura...<<strong>br</strong> />
Mesmo assim, não havia <strong>com</strong>o voltar para a fazenda onde<<strong>br</strong> />
Yozo havia ficado. Havia uma única esperança:<<strong>br</strong> />
- Lem<strong>br</strong>am do jovem casal que estava no mesmo camarote<<strong>br</strong> />
do navio de imigração para o Brasil?<<strong>br</strong> />
- Ah sim, o sr. Nakayama de Hiroshima. Eu recebi uma carta<<strong>br</strong> />
de sua esposa. Parece ser bem no interior, mas tem muitos<<strong>br</strong> />
japoneses aponto de formar uma vila... -<strong>Haru</strong> disse, lem<strong>br</strong>andose<<strong>br</strong> />
do casal.<<strong>br</strong> />
Quando o navio chegou no porto de Santos, o casal<<strong>br</strong> />
Nakayama seguira para seu destino, despedindo-se de <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />
sua família, que iriam para a Hospedaria dos Imigrantes.<<strong>br</strong> />
- Eles foram chamados por seu tio, que possui a maior gleba<<strong>br</strong> />
de terra dessa vila. Ao redor ainda existem muitas terras virgens<<strong>br</strong> />
que, des<strong>br</strong>avando, podem se tornar uma boa lavoura. Parece<<strong>br</strong> />
que ainda recebem japoneses.<<strong>br</strong> />
- Vamos <strong>com</strong>eçar tudo de novo? - disse Shizu, ainda<<strong>br</strong> />
inconformada e desanimada.<<strong>br</strong> />
Faltava tão pouco. Tomaram a grande decisão de ampliar a<<strong>br</strong> />
- 221 -
plantação de algodão e estavam eufóricos, pois poderiam voltar<<strong>br</strong> />
para o Japão no ano seguinte. Era <strong>com</strong>o se tivessem caído, do<<strong>br</strong> />
céu para o inferno. Esse era o estado de espírito de <strong>Haru</strong> e seus<<strong>br</strong> />
pais.<<strong>br</strong> />
- Não podemos regressar enquanto o Japão não vencer a<<strong>br</strong> />
guerra. Vamos aguardar o término da guerra por lá... Ei, não<<strong>br</strong> />
adianta empacotar tudo isso! Será uma longa viagem de trem.<<strong>br</strong> />
Leve somente os pertences necessários.<<strong>br</strong> />
Advertida por Chûji, a desolação de Shizu se acentuou.<<strong>br</strong> />
- Todo o sacrifício foi em vão. Teremos que deixar a lavoura,<<strong>br</strong> />
a casa... Agora que tínhamos conseguido chegar até aqui...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ajudou Shizu em silêncio, colocando os alimentos numa<<strong>br</strong> />
bolsa.<<strong>br</strong> />
Na manhã seguinte, antes do céu clarear, <strong>Haru</strong> cuidava dos<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>otos na plantação, quando Chüji, que acabara de acordar,<<strong>br</strong> />
apareceu:<<strong>br</strong> />
- O que está fazendo na lavoura, apesar de não ter dormido?<<strong>br</strong> />
-Ainda temos um pouco de tempo até sairmos daqui. Queria<<strong>br</strong> />
cuidar um pouco mais da plantação...<<strong>br</strong> />
Chüji olhou para <strong>Haru</strong>, sem palavras.<<strong>br</strong> />
-Vejam estes <strong>br</strong>otos firmes. Com certeza crescerão fortes e<<strong>br</strong> />
terão belos frutos de algodão. Mas quem cuidará deles depois<<strong>br</strong> />
que partirmos?<<strong>br</strong> />
Era a lavoura que <strong>Haru</strong> e sua família cultivara após árduo<<strong>br</strong> />
des<strong>br</strong>avamento. Não importava quem ficasse, mas <strong>Haru</strong> desejava<<strong>br</strong> />
que cuidassem bem da lavoura. Se alguém cultivasse algo nessa<<strong>br</strong> />
terra, os sacrifícios de <strong>Haru</strong> e sua família não teriam sido em vão.<<strong>br</strong> />
- 222 -
Poderia retribuir, ainda que fosse o mínimo, para o Brasil.<<strong>br</strong> />
- O algodão que semeamos... Que cresçam fortes e tenham<<strong>br</strong> />
muitos frutos. - disse <strong>Haru</strong>, em prantos, aos <strong>br</strong>otos de algodão,<<strong>br</strong> />
despedindo-se da lavoura.<<strong>br</strong> />
O trem percorria a planície <strong>br</strong>asileira, lotado de famílias<<strong>br</strong> />
japonesas que haviam sido expulsas pelo proprietário americano.<<strong>br</strong> />
Chüji, Shizu, <strong>Haru</strong>, e também a família Kitagawa, estavam<<strong>br</strong> />
todos calados, no limite do esgotamento, tanto físico quanto<<strong>br</strong> />
psicológico.<<strong>br</strong> />
O trem parou numa certa estação. A família Kitagawa e outras<<strong>br</strong> />
desembarcaram. Estavam todos <strong>com</strong> a aparência séria de quem<<strong>br</strong> />
enfrentaria grandes dificuldades.<<strong>br</strong> />
- Vamos ficar todos separados...<<strong>br</strong> />
Shizu sentia-se desamparada pela separação dos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>panheiros que haviam conhecido e ajudado mutuamente.<<strong>br</strong> />
- Vamos nos encontrar quando terminar a guerra.<<strong>br</strong> />
Esperaremos ansiosamente!<<strong>br</strong> />
Kitagawa concordou, balançando a cabeça <strong>com</strong> firmeza ao<<strong>br</strong> />
encorajamento de Chûji.<<strong>br</strong> />
- Cuidem da saúde!!<<strong>br</strong> />
O trem <strong>com</strong>eçou a andar devagar. Chûji e a família acenavam<<strong>br</strong> />
para Kitagawa, <strong>com</strong> o corpo para fora da janela do trem em<<strong>br</strong> />
andamento.<<strong>br</strong> />
O trem <strong>com</strong>eçou a aumentar a velocidade.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> desviou o olhar da janela, de onde se via a vastidão da<<strong>br</strong> />
planície.<<strong>br</strong> />
- Estamos em número cada vez menor... Todos ficaram sem<<strong>br</strong> />
- 223 -
nada... Espero que dêem certo no novo local...<<strong>br</strong> />
-Numa hora dessas, os japoneses são fortes. Ajudando uns<<strong>br</strong> />
aos outros e unindo forças, transporemos as dificuldades. Essa é<<strong>br</strong> />
a índole do japonês, que jamais será vencido, onde quer que<<strong>br</strong> />
esteja. Nós também alcançaremos a vitória final, e aqueles que<<strong>br</strong> />
menosprezaram os japoneses se arrependerão. O Japão vencerá,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> certeza. Lutaremos confiantes.<<strong>br</strong> />
A fúria de Chûji se transformara no apego ao fato de ser<<strong>br</strong> />
japonês.<<strong>br</strong> />
O trem fazia a curva, apitando longamente.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> voltou a si, no momento em que o trem ressuscitara em<<strong>br</strong> />
sua mente e se afastava até desaparecer por <strong>com</strong>pleto.<<strong>br</strong> />
As cartas de <strong>Natsu</strong> haviam sido abertas, uma a uma, e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
pegou a última carta, cujo carimbo era de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />
Esta carta fora remetida uns dois meses antes do ataque<<strong>br</strong> />
japonês a Pearl Harbor... Esta era a última carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Curiosamente, as duas haviam remetido as respectivas cartas,<<strong>br</strong> />
cerca de dois meses antes do início da guerra.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu a última carta, Yamato espiou por trás<<strong>br</strong> />
da avó.<<strong>br</strong> />
"Depois que o vovô Toku morreu, fiquei só.<<strong>br</strong> />
Preocupados <strong>com</strong>igo, os meninos que vovô Toku<<strong>br</strong> />
tratava <strong>com</strong> carinho, bem <strong>com</strong>o as pessoas para<<strong>br</strong> />
quem ele fez favores enquanto vivo, vêm me ajudar<<strong>br</strong> />
e trazer <strong>com</strong>ida para mim. Estou vivendo rodeada<<strong>br</strong> />
de gente, mais do que quando vivia <strong>com</strong> vovô Toku.<<strong>br</strong> />
- 224 -
Os clientes que <strong>com</strong>pravam queijo se preocupam<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>igo, e sou muito grata por isso.<<strong>br</strong> />
Já se passaram sete anos desde que vocês foram<<strong>br</strong> />
para o Brasil. Esperei muito, mas agora não estou<<strong>br</strong> />
esperando mais. Mesmo que não consigam voltar<<strong>br</strong> />
para o Japão, o que importa é que vocês estejam<<strong>br</strong> />
bem no Brasil. Não tenho recebido qualquer notícia.<<strong>br</strong> />
Estou lhe enviando as minhas últimas notícias,<<strong>br</strong> />
temendo que estejam preocupados por mim. Cuide<<strong>br</strong> />
bem da saúde.<<strong>br</strong> />
3 de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> "<<strong>br</strong> />
Com um olhar vivido, <strong>Natsu</strong> cuidava alegremente das vacas.<<strong>br</strong> />
A menina que cerrava os lábios para suportar os dias árduos<<strong>br</strong> />
e vivia chorando por ter sido deixada só em Hokkaido,<<strong>br</strong> />
desaparecera totalmente. <strong>Natsu</strong>, nos seus 14 anos, exalava alegria<<strong>br</strong> />
e vitalidade.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu entraram correndo no estábulo deixado por<<strong>br</strong> />
Tokuji. Eram dois amigos de infância, ambos <strong>com</strong> 16 anos de<<strong>br</strong> />
idade, moradores da vizinhança.<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>, ouviu o noticiário?! -Kinta ainda estava ofegante.<<strong>br</strong> />
- Sim. Que os aviões da Marinha Imperial atacaram um porto<<strong>br</strong> />
não sei do quê no Havaí, e afundaram muitos navios de guerra<<strong>br</strong> />
dos Estados Unidos. -<strong>Natsu</strong> respondeu, sem descansar as mãos.<<strong>br</strong> />
- Começou a guerra <strong>com</strong> os Estados Unidos. O que será<<strong>br</strong> />
que vai acontecer daqui para frente? - disse Tsutomu, aparentando<<strong>br</strong> />
- 225 -
preocupação.<<strong>br</strong> />
- Entrando em guerra <strong>com</strong> os Estados Unidos, seus pais e<<strong>br</strong> />
sua família vão conseguir voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />
Ao olhar preocupado de Kinta, <strong>Natsu</strong> respondeu <strong>com</strong> ar de<<strong>br</strong> />
alívio:<<strong>br</strong> />
- Já desisti deles há muito tempo. Devem ter esquecido de<<strong>br</strong> />
mim. Não importa se estamos em guerra ou não, vou continuar<<strong>br</strong> />
protegendo e cuidando das vacas do vovô Toku, e continuarei<<strong>br</strong> />
fazendo queijos para os clientes que os apreciam. Nada vai mudar<<strong>br</strong> />
para vocês também, não é?<<strong>br</strong> />
- Não há <strong>com</strong>o mudar, mesmo que o país esteja em guerra.<<strong>br</strong> />
Vou continuar ajudando no pasto do meu pai..., ajudar você,<<strong>br</strong> />
quando der... - Kinta balbuciou, meio sem jeito.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, então, incitou-o a trabalhar:<<strong>br</strong> />
- Vá alimentar logo as vacas!<<strong>br</strong> />
- Eu sei. É para isso que viemos. Vovô Toku nos deu tanto<<strong>br</strong> />
carinho, mas não pudemos retribuir enquanto ele esteve vivo.<<strong>br</strong> />
Por isso estou retribuindo ao vovô Toku, e não para ajudar você.<<strong>br</strong> />
Não tenho razões para ser explorado por você. Não me dê<<strong>br</strong> />
ordens!<<strong>br</strong> />
Mesmo reclamando, Kinta alimentou as vacas <strong>com</strong> ração,<<strong>br</strong> />
conforme as instruções de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Pare <strong>com</strong> ladainhas e trabalhe sem reclamar.<<strong>br</strong> />
Apesar das discussões, Kinta e <strong>Natsu</strong> se davam muito bem.<<strong>br</strong> />
Amanhecera em Tóquio, sem <strong>Haru</strong> tivesse conseguido dormir.<<strong>br</strong> />
- 226 -
Ao terminar de ler a última carta de <strong>Natsu</strong>, <strong>Haru</strong> devolveu-a<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>e o maço, juntamente <strong>com</strong> as outras cartas. Cansada da<<strong>br</strong> />
leitura, tirou os óculos e piscou os olhos por algumas vezes.<<strong>br</strong> />
- Graças a essas cartas que foram encontradas, pude saber<<strong>br</strong> />
um pouco da <strong>Natsu</strong>, que deixamos no Japão. É óbvio que gostaria<<strong>br</strong> />
de saber dela no período pós-guerra... Queria encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> e conversar so<strong>br</strong>e muitas coisas. Mas, se <strong>Natsu</strong> não quer<<strong>br</strong> />
me ver, o que posso fazer? Pelo menos pude ver <strong>com</strong>o ela está<<strong>br</strong> />
e, só por isso, valeu a pena ter vindo para o Japão. Não tenho<<strong>br</strong> />
mais nada que me prenda aqui.<<strong>br</strong> />
- A vovó lhe escreveu depois?<<strong>br</strong> />
- Escrevi o que se passara desde o início da guerra até o seu<<strong>br</strong> />
término, e enviei quando os serviços postais para o Japão foram<<strong>br</strong> />
reiniciados. Mas creio que não tenha chegado nas mãos de<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />
- Mesmo o tio de Hokkaido não tinha <strong>com</strong>o entregar as<<strong>br</strong> />
cartas por não saber o paradeiro da dona <strong>Natsu</strong>. Quem sabe,<<strong>br</strong> />
eles as tenham guardado até hoje. Se ela pudesse ler aquelas<<strong>br</strong> />
cartas, certamente <strong>com</strong>preenderia seus verdadeiros sentimentos.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> riu amargamente. <strong>Natsu</strong> não recebera as cartas que<<strong>br</strong> />
deveriam ter chegado enquanto estava na casa do tio. Agora, a<<strong>br</strong> />
casa de Hokkaido fora demolida, e nenhum vizinho sabia do<<strong>br</strong> />
paradeiro da família.<<strong>br</strong> />
-Não há razão para que aquelas cartas ainda existam.<<strong>br</strong> />
- A senhora não queria passar o resto da sua vida <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
dona <strong>Natsu</strong> aqui no Japão? Não foi para isso que veio para o<<strong>br</strong> />
Japão? Vovó, vamos procurar as suas cartas!<<strong>br</strong> />
- 227 -
- Não há ninguém que possa ter guardado aquelas cartas.<<strong>br</strong> />
As pessoas da família do tio foram frias conosco. As minhas<<strong>br</strong> />
cartas eram <strong>com</strong>o se fosse lixo para eles.<<strong>br</strong> />
- Conseguindo reservar o vôo de amanhã, irei embora. O<<strong>br</strong> />
Japão me cansa. Quero voltar para o Brasil. A terra natal da<<strong>br</strong> />
vovó é o Brasil, não é o Japão. Senti isso ao vir para cá.<<strong>br</strong> />
Sentindo-se satisfeita pela preocupação sincera de Yamato,<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> deitou seu corpo cansado na cama.<<strong>br</strong> />
O cansaço não era somente pela falta de sono. O peso no<<strong>br</strong> />
coração de <strong>Haru</strong>, por não ter feito as pazes <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>, iria<<strong>br</strong> />
sufocá-la dali em diante.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> Yamabe também passara a noite em claro, <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Havia, nas mãos de <strong>Natsu</strong>, a última carta que <strong>Haru</strong> postara<<strong>br</strong> />
após o termino da guerra.<<strong>br</strong> />
- Outu<strong>br</strong>o de 1946... Um ano depois do término da guerra...<<strong>br</strong> />
- murmurando para si mesma, <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou a lê-la.<<strong>br</strong> />
"Foi uma longa guerra. Espero que você esteja<<strong>br</strong> />
bem. Sempre nos preocupávamos <strong>com</strong> você, mas<<strong>br</strong> />
mesmo escrevendo, não havia <strong>com</strong>o enviar cartas<<strong>br</strong> />
para o Japão. Por isso, desisti de escrever. Finalmente,<<strong>br</strong> />
re<strong>com</strong>eçaram a aceitar correspondências para o<<strong>br</strong> />
Japão, e volto a escrever depois de cinco anos.<<strong>br</strong> />
Com o inesperado início da guerra entre o Japão<<strong>br</strong> />
e os Estados Unidos, a lavoura, a casa, os sonhos,<<strong>br</strong> />
- 228 -
tudo foi tomado de repente de nós, e tivemos que fugir<<strong>br</strong> />
para uma terra desconhecida. "<<strong>br</strong> />
Expulsos das terras do americano, <strong>Haru</strong> e sua família foram<<strong>br</strong> />
atrás de Shozo Nakayama, na vila de japoneses no interior do<<strong>br</strong> />
estado de São Paulo, contando <strong>com</strong> a sua ajuda, pelo fato de<<strong>br</strong> />
terem viajado no mesmo navio de emigração.<<strong>br</strong> />
Algumas famílias, inclusive os Takakura, desceram do trem<<strong>br</strong> />
numa determinada estação e foram colocadas num caminhão.<<strong>br</strong> />
À medida em que o caminhão, que transportava <strong>Haru</strong>, sua<<strong>br</strong> />
família e outros japoneses na carroceria, adentrava, aos poucos,<<strong>br</strong> />
pelo interior, puderam ver a terra des<strong>br</strong>avada e também avistar<<strong>br</strong> />
os japoneses que ali moravam.<<strong>br</strong> />
O caminhão parou diante de um grande galpão.<<strong>br</strong> />
Em frente ao prédio, estavam reunidos vários japoneses.<<strong>br</strong> />
Fazendeiros da vila esperavam pelos japoneses, que haviam sido<<strong>br</strong> />
expulsos das terras que cultivavam, a exemplo da família Takakura.<<strong>br</strong> />
Entre eles, estava Kotaro Nakayama, que possuía a maior<<strong>br</strong> />
gleba de terra da vila e era também o presidente da Associação<<strong>br</strong> />
de Japoneses e seus descendentes. Com seus cinqüenta e poucos<<strong>br</strong> />
anos, deixava transparecer simpatia, em meio à sua forte presença.<<strong>br</strong> />
- Sejam bem-vindos. Estávamos esperando por vocês. Já<<strong>br</strong> />
previa que alguns viriam para nossa vila, e por isso enviei pessoas<<strong>br</strong> />
para buscá-los na estação. Vocês sofreram muito <strong>com</strong> o início<<strong>br</strong> />
da guerra do Japão contra os Estados Unidos, não?<<strong>br</strong> />
Perplexo <strong>com</strong> a atitude de Kotaro, que correra em direção<<strong>br</strong> />
ao caminhão para receber as pessoas que estavam na carroceria,<<strong>br</strong> />
- 229 -
Chûji perguntou:<<strong>br</strong> />
- Como souberam de nós?<<strong>br</strong> />
- Esse tipo de notícia se espalha rapidamente entre os<<strong>br</strong> />
japoneses.<<strong>br</strong> />
Quem ajudou <strong>Haru</strong> e Shizu a descerem da carroceria foi Ryuta,<<strong>br</strong> />
o filho mais velho de Kotaro. <strong>Haru</strong>, que nunca havia sido<<strong>br</strong> />
escoltada, apoiou-se <strong>com</strong> timidez na mão de Ryuta. Tratava-se<<strong>br</strong> />
de um jovem simpático de 24 anos.<<strong>br</strong> />
Shozo Nakayama, que viajara no mesmo camarote do navio<<strong>br</strong> />
de emigração, rapidamente avistou e chamou Chûji:<<strong>br</strong> />
- Sr. Takakura!<<strong>br</strong> />
Tratava-se do so<strong>br</strong>inho de Kotaro, que havia sido chamado<<strong>br</strong> />
de Hiroshima para vir para o Brasil, pois precisavam de alguém<<strong>br</strong> />
para cuidar da contabilidade. Shozo, que à época da viagem de<<strong>br</strong> />
navio ainda estava <strong>com</strong> vinte e poucos anos, já devia ter passado<<strong>br</strong> />
um pouco dos trinta.<<strong>br</strong> />
- Finalmente chegamos, sr. Nakayama. Não conseguimos<<strong>br</strong> />
pensar em ir para outro lugar... Foi tudo muito de repente e não<<strong>br</strong> />
tivemos tempo de avisar. Viemos, sabendo que iríamos causar<<strong>br</strong> />
incômodo...<<strong>br</strong> />
Percebendo o constrangimento de Chûji, Shozo recebeu-os<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />
- Com tudo que tem acontecido, estávamos a espera de que<<strong>br</strong> />
alguns dos nossos conhecidos viessem para cá em busca de ajuda.<<strong>br</strong> />
Achávamos que talvez vocês também viessem. São para ocasiões<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o esta que servem os patrícios. Sejam bem-vindos. Que bom<<strong>br</strong> />
que sua esposa e <strong>Haru</strong> estejam sãs e salvas.<<strong>br</strong> />
- 230 -
Aqui e ali, conhecidos se a<strong>br</strong>açavam e <strong>com</strong>emoravam por<<strong>br</strong> />
estarem bem e pelo reencontro.<<strong>br</strong> />
- Com o início da guerra, as coisas ficarão perigosas por aí,<<strong>br</strong> />
mas aqui é uma colônia de japoneses. Manteremos a ordem para<<strong>br</strong> />
que todos vivam sem preocupação.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada pela hospitalidade, e por ter nos recebido.<<strong>br</strong> />
- Shizu agradeceu, educadamente, o gesto cordial de Shozo.<<strong>br</strong> />
Percebendo que Kotaro e Ryuta estavam ao seu lado, Shozo<<strong>br</strong> />
apresentou sua família a Chûji:<<strong>br</strong> />
- Meu tio Kotaro e Ryuta, o seu filho mais velho.<<strong>br</strong> />
E depois, apresentou para Kotaro e Ryuta:<<strong>br</strong> />
- Esta é a família do sr. Takakura, <strong>com</strong> quem viajei no navio<<strong>br</strong> />
de emigração.<<strong>br</strong> />
- Vocês passaram por muitas dificuldades, não?<<strong>br</strong> />
Providenciamos um teto para se protegerem das chuvas e sereno,<<strong>br</strong> />
embora não seja mais do que uma cabana. Mais tarde podemos<<strong>br</strong> />
conversar <strong>com</strong> calma quanto ao que fazer no futuro. Vão<<strong>br</strong> />
descansar primeiro. Jantaremos juntos esta noite, quando<<strong>br</strong> />
poderemos conversar so<strong>br</strong>e vários assuntos.<<strong>br</strong> />
Após confortar Chûji, Kotaro virou para seu filho Ryuta e<<strong>br</strong> />
disse:<<strong>br</strong> />
- A<strong>com</strong>panhe os Takakura, então.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e sua família foram levados por Ryuta até uma<<strong>br</strong> />
construção que, de fato, mais parecia uma cabana, onde viveriam<<strong>br</strong> />
provisoriamente. Era antiga e simples, mas estava limpa e<<strong>br</strong> />
arrumada, podendo-se sentir as providências e a consideração<<strong>br</strong> />
dos Nakayama.<<strong>br</strong> />
- 231 -
- Foi tudo muito de repente e não pudemos preparar nada<<strong>br</strong> />
melhor. As pessoas da vila trouxeram os apetrechos necessários,<<strong>br</strong> />
tais <strong>com</strong>o roupa de cama e outras coisas mais. Se precisarem de<<strong>br</strong> />
alguma outra coisa, não façam cerimônia. Faremos o possível<<strong>br</strong> />
para atendê-los.<<strong>br</strong> />
- Quanta preocupação... Fazem tudo isso por nós sem nos<<strong>br</strong> />
conhecer... - Shizu se curvou agradecendo.<<strong>br</strong> />
Ryuta, a<strong>br</strong>indo um sorriso afetuoso, disse:<<strong>br</strong> />
- Nós também fomos ajudados quando precisamos. No<<strong>br</strong> />
Brasil, os japoneses precisam se ajudar uns aos outros. Esta vila<<strong>br</strong> />
surgiu desta forma.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada. - Shizu agradeceu, curvando-se várias<<strong>br</strong> />
vezes.<<strong>br</strong> />
- Bom, primeiramente, gostaria de avisar algumas coisas.<<strong>br</strong> />
O sorriso de Ryuta desapareceu, sendo substituído por um<<strong>br</strong> />
semblante sério e enrijecido.<<strong>br</strong> />
- Dentro de casa podem conversar em japonês, mas, uma<<strong>br</strong> />
vez fora, falem o mais que puderem em português. Isto por causa<<strong>br</strong> />
da fiscalização da polícia <strong>br</strong>asileira...<<strong>br</strong> />
Chûji olhou incrédulo.<<strong>br</strong> />
- Como o Brasil é aliado dos Estados Unidos, estão<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçando a pressionar os japoneses. É melhor não ouvir<<strong>br</strong> />
abertamente as transmissões de noticiários em japonês pelo rádio,<<strong>br</strong> />
pois estão atentos se não estamos em contato <strong>com</strong> informações<<strong>br</strong> />
que lhes são inconvenientes. É melhor não provocarmos muito<<strong>br</strong> />
os <strong>br</strong>asileiros nessas horas... Não há outra saída, a não ser<<strong>br</strong> />
obedecermos as regras até o término da guerra. Se criarmos<<strong>br</strong> />
- 232 -
caso <strong>com</strong> os <strong>br</strong>asileiros agora, poderemos causar incômodo a<<strong>br</strong> />
todos os japoneses desta vila...<<strong>br</strong> />
A preocupação de Ryuta dizia respeito auma série de medidas<<strong>br</strong> />
rigorosas que o Brasil havia imposto aos imigrantes japoneses<<strong>br</strong> />
residentes no país.<<strong>br</strong> />
Quando a guerra <strong>com</strong>eçou, os japoneses residentes no<<strong>br</strong> />
território <strong>br</strong>asileiro, foram considerados súditos inimigos, não lhes<<strong>br</strong> />
sendo permitido o uso da língua japonesa fora das respectivas<<strong>br</strong> />
residências. Além disso, proibiram reuniões ou encontros entre<<strong>br</strong> />
japoneses e, suspeitavam de programas de rádio transmitidos do<<strong>br</strong> />
Japão, pois achavam que poderiam estar tramando algo que<<strong>br</strong> />
pudesse prejudicar a segurança nacional. Assim, nem podiam<<strong>br</strong> />
mais ouvir o rádio <strong>com</strong> sossego.<<strong>br</strong> />
Os jornais em idiomajaponês que circulavam até então foram<<strong>br</strong> />
proibidos a partir de outu<strong>br</strong>o, pouco antes do início da guerra.<<strong>br</strong> />
Assim, os únicos meios de tomarem conhecimento do que<<strong>br</strong> />
acontecia no mundo eram através de pequenos grupos de nisseis<<strong>br</strong> />
que conseguiam ler os jornais <strong>br</strong>asileiros, ou ouvir o rádio em<<strong>br</strong> />
segredo.<<strong>br</strong> />
Por isso, durante a guerra, os japoneses foram forçados a<<strong>br</strong> />
viverem fechados e isolados da sociedade, sem receber quase<<strong>br</strong> />
nenhuma informação.<<strong>br</strong> />
Isso traria, mais tarde uma grande tragédia para a <strong>com</strong>unidade<<strong>br</strong> />
japonesa do Brasil...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficara constrangida, quando Ryuta lhe dissera para falar<<strong>br</strong> />
em português.<<strong>br</strong> />
- Huumm... É que eu quase não falo português...<<strong>br</strong> />
- 233 -
- Como? Já não estão aqui há sete anos? E não falam<<strong>br</strong> />
português?<<strong>br</strong> />
Chûji respondeu no lugar de <strong>Haru</strong>, diante da surpresa de<<strong>br</strong> />
Ryuta:<<strong>br</strong> />
-É que até então, só mantivemos contatos <strong>com</strong> japoneses, e<<strong>br</strong> />
assim não precisávamos falar português. E <strong>com</strong>o não<<strong>br</strong> />
pretendíamos morar no Brasil para sempre, não incentivei a minha<<strong>br</strong> />
filha a aprender o português. Acho que está tudo bem assim.<<strong>br</strong> />
- Mas agora não se aceita esta forma de pensar. Não<<strong>br</strong> />
podemos viver sem ter contato <strong>com</strong> os <strong>br</strong>asileiros e, saindo da<<strong>br</strong> />
colônia, mesmo os japoneses têm que conversar em português<<strong>br</strong> />
entre si...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou envergonhada.<<strong>br</strong> />
- Se quiser, eu posso ensinar. Durante o dia, trabalho na<<strong>br</strong> />
lavoura, mas se puder ajudar no meu serviço, posso ensinar<<strong>br</strong> />
enquanto trabalhamos. Se for à noite, pode vir em casa...<<strong>br</strong> />
- De qualquer maneira, precisamos trabalhar. Então, se<<strong>br</strong> />
pudermos ajudar o sr. Nakayama...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se sentira aliviada <strong>com</strong> a gentileza de Ryuta e aceitou a<<strong>br</strong> />
sua proposta. Shizu também se mostrou interessada:<<strong>br</strong> />
- Realmente, nós não podemos ficar sem fazer nada. Pode<<strong>br</strong> />
ser qualquer tipo de serviço... Papai também poderia trabalhar<<strong>br</strong> />
conosco...<<strong>br</strong> />
- Serviço tem bastante. A lavoura é imensa e estamos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
falta de mão-de-o<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />
Ryuta ofereceu ajuda, pensando no futuro da família Takakura,<<strong>br</strong> />
mas Chûji não gostou da idéia.<<strong>br</strong> />
- 234 -
- Se possível, gostaria de <strong>com</strong>prar terras. Quero fazer uma<<strong>br</strong> />
lavoura na minha terra e cultivar o que eu quiser. Preciso que a<<strong>br</strong> />
minha filha me ajude no trabalho e, portanto não poderá trabalhar<<strong>br</strong> />
na sua lavoura. Agradeço muito, mas...<<strong>br</strong> />
- Entendi. Quanto à aquisição da terra, vamos cuidar logo.<<strong>br</strong> />
Como nos encontraremos hoje à noite, por ora, descansem.<<strong>br</strong> />
Quando Ryuta foi embora, Chüji encarou suas costas, e sequer<<strong>br</strong> />
saiu para a<strong>com</strong>panhá-lo.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> irritou-se <strong>com</strong> a atitude do pai:<<strong>br</strong> />
-Não é falta de educação? Ele está falando pelo nosso bem...<<strong>br</strong> />
- Quem ele pensa que é querendo mandar em nós? Faça<<strong>br</strong> />
isso, faça aquilo... É claro que lhe sou grato portemos ajudado.<<strong>br</strong> />
Mas não há motivo para recebermos ordens ou sermos<<strong>br</strong> />
explorados por eles. Se <strong>com</strong>prarmos nossa terra e fizermos uma<<strong>br</strong> />
lavoura seremos iguais, ainda que tenhamos chegado depois. Não<<strong>br</strong> />
há motivo para eles estarem <strong>com</strong> ar de superioridade.<<strong>br</strong> />
- Papai, por que você está <strong>br</strong>avo?<<strong>br</strong> />
- Que negocio é esse de que devemos falar em português,<<strong>br</strong> />
mesmo entre os japoneses, quando estivermos fora dessa vila?<<strong>br</strong> />
Não importa o país onde estamos. Nós somos japoneses. Que<<strong>br</strong> />
mal há em falarmos japonês? De fato, estamos no Brasil, vivendo<<strong>br</strong> />
neste país. Mas não devemos nada aos <strong>br</strong>asileiros e nem ao Brasil.<<strong>br</strong> />
Os japoneses des<strong>br</strong>avaram essa terra árida, que, largada, não<<strong>br</strong> />
prestaria para nada. E hoje, colhem-se ótimos produtos.<<strong>br</strong> />
Deveríamos ser agradecidos pelo Brasil, ao invés de abaixarmos<<strong>br</strong> />
a cabeça.<<strong>br</strong> />
-Não tem jeito, afinal, estamos em guerra.<<strong>br</strong> />
- 235 -
- O Japão está em guerra contra os Estados Unidos. É por<<strong>br</strong> />
isso que devemos lutar contra o Brasil, que é aliado dos Estados<<strong>br</strong> />
Unidos, <strong>com</strong> o orgulho de sermos japoneses. Não se pode<<strong>br</strong> />
chamar de japonês quem tem medo da polícia <strong>br</strong>asileira!<<strong>br</strong> />
Chûji não conseguia conter a raiva. A família de Kotaro<<strong>br</strong> />
Nakayama levava uma vida abastada, mas conforme os interesses<<strong>br</strong> />
do Brasil. Eram japoneses, mas faziam o que a polícia <strong>br</strong>asileira<<strong>br</strong> />
mandava. A boa vontade de Ryuta em querer ser amável talvez<<strong>br</strong> />
tivesse provocado a irritação de Chûji.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> preocupava-se <strong>com</strong> Chûji que, quanto mais dificuldades<<strong>br</strong> />
encontrava, mais obstinado se tornava.<<strong>br</strong> />
Nessa noite, fora oferecido um jantar de boas vindas à família<<strong>br</strong> />
Takakura, na residência de Kotaro Nakayama. Naturalmente,<<strong>br</strong> />
os convidados foram Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
A família Nakayama estava sentada à mesa <strong>com</strong> Kotaro no<<strong>br</strong> />
centro, Ryuta e Shozo. A esposa de Kotaro, Toki, a filha mais<<strong>br</strong> />
velha, Sachi, e Aki, a esposa de Shozo, iam e vinham da cozinha<<strong>br</strong> />
para a sala, trazendo os pratos para a mesa.<<strong>br</strong> />
O casal Kotaro e Toki eram quase da mesma idade do casal<<strong>br</strong> />
Chûji e Shizu.<<strong>br</strong> />
A sala estava ornamentada e decorada <strong>com</strong> móveis elegantes<<strong>br</strong> />
no estilo ocidental, e na mesa eram servidos vários pratos da<<strong>br</strong> />
cozinha <strong>br</strong>asileira, o que deixara <strong>Haru</strong> perplexa.<<strong>br</strong> />
- É a primeira vez que me sirvo de pratos tão requintados. -<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>entava <strong>com</strong> sinceridade.<<strong>br</strong> />
Toki respondeu, <strong>com</strong> alegria:<<strong>br</strong> />
-Passaram mais de vinte anos desde que viemos de Hiroshima<<strong>br</strong> />
- 236 -
e por isso acabamos acostumando mais <strong>com</strong> a <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira...<<strong>br</strong> />
No <strong>com</strong>eço, meu marido sentia falta de <strong>com</strong>ida japonesa, mas<<strong>br</strong> />
as crianças não apreciavam muito. E assim, ele não tem co<strong>br</strong>ado<<strong>br</strong> />
muito pela <strong>com</strong>ida japonesa ultimamente...<<strong>br</strong> />
Toki dispensava atenção, não só para <strong>Haru</strong>, mas também<<strong>br</strong> />
paraShizu:<<strong>br</strong> />
- Espero que seja do seu agrado.<<strong>br</strong> />
-Não se preocupe. Mesmo quando vivíamos no Japão, mal<<strong>br</strong> />
podíamos <strong>com</strong>er. Muito menos pratos tão requintados <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
esses... Fico contente em saber que há pessoas que vieram <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
imigrantes e conseguiram obter tanto sucesso. Agradecemos pela<<strong>br</strong> />
gentileza... -falou Shizu, <strong>com</strong> simplicidade.<<strong>br</strong> />
- Soube que meu so<strong>br</strong>inho Shozo e sua esposa receberam<<strong>br</strong> />
apoio de vocês no navio de emigração. Esperamos poder contar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a amizade de vocês daqui para frente. - Kotaro agradeceu<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> humildade, procurando valorizar a família Takakura.<<strong>br</strong> />
- E quanto a <strong>Haru</strong>, é muito esforçada e sem desânimo, apesar<<strong>br</strong> />
de ter passado por dificuldades. - disse Aki, esposa de Shozo,<<strong>br</strong> />
admirando <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
-Nós também passamos por diversas dificuldades... Mas<<strong>br</strong> />
chegamos até aqui pois a família estava unida. Esperemos que o<<strong>br</strong> />
Sr. Takakura também, <strong>com</strong> a união de sua família, possa obter<<strong>br</strong> />
sucesso.<<strong>br</strong> />
A forma de falar de Toki exalava tranqüilidade.<<strong>br</strong> />
Quando o ambiente ficou mais harmonioso, Kotaro dirigiuse<<strong>br</strong> />
a Chûji.<<strong>br</strong> />
- Então, sr. Takakura, <strong>com</strong> certeza ajudarei na aquisição de<<strong>br</strong> />
- 237 -
sua terra. Mas o que pretende cultivar?<<strong>br</strong> />
-Até agora vinha cultivando algodão.<<strong>br</strong> />
- Bom, nós também produzimos algodão. Mas estamos<<strong>br</strong> />
criando bicho-da-seda também. Como o casulo está sendo<<strong>br</strong> />
exportado para os Estados Unidos, os <strong>com</strong>pradores pagam<<strong>br</strong> />
preços razoavelmente altos. Estou convidando os demais a criar<<strong>br</strong> />
bicho-da-seda, mas algodão e café dão menos trabalho. Por isso<<strong>br</strong> />
as pessoas evitam bicho-da-seda, e há poucos produtores. Se<<strong>br</strong> />
pretendem des<strong>br</strong>avar a terra para fazer lavoura, talvez o bichoda-seda<<strong>br</strong> />
traga resultados melhores.<<strong>br</strong> />
- É que só entendo de lavoura. Prefiro cultivar algodão ou<<strong>br</strong> />
legumes...<<strong>br</strong> />
- Acho que vou tentar criar bicho-da-seda. Pedirei ao sr.<<strong>br</strong> />
Nakayama para me ensinar e ... - <strong>Haru</strong> disse repentinamente,<<strong>br</strong> />
demonstrando interesse por bicho-da-seda.<<strong>br</strong> />
Chûji, entretanto, cortou a conversa <strong>br</strong>uscamente:<<strong>br</strong> />
- Não se meta onde não é chamada!<<strong>br</strong> />
- Huumm, será que bicho-da-seda tem futuro? Estamos em<<strong>br</strong> />
guerra contra os Estados Unidos e não sabemos se continuaremos<<strong>br</strong> />
a vender... - Shozo falou em tom duvidoso, mas Kotaro<<strong>br</strong> />
demonstrou segurança.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que se exporte para os Estados Unidos, quem<<strong>br</strong> />
vem <strong>com</strong>prar os casulos são os intermediários <strong>br</strong>asileiros. Os<<strong>br</strong> />
Estados Unidos <strong>com</strong>pram do Brasil. Não importa quem tenha<<strong>br</strong> />
criado os casulos. Os Estados Unidos precisam de casulos para<<strong>br</strong> />
fa<strong>br</strong>icar pára-quedas. Não é preciso se preocupar <strong>com</strong> a venda.<<strong>br</strong> />
- Sr. Nakayama, o senhor não se importa em criar casulos<<strong>br</strong> />
- 238 -
para vender para os Estados Unidos?<<strong>br</strong> />
Kotaro se esquiva de Chûji, que se irritara, sorrindo:<<strong>br</strong> />
- Não há amigos ou inimigos nos negócios. Se não<<strong>br</strong> />
produzirmos o que podemos vender, não temos <strong>com</strong>o nos<<strong>br</strong> />
sustentar.<<strong>br</strong> />
Chûji cerrou os lábios, irritado.<<strong>br</strong> />
Ryuta colocou um disco na vitrola para amenizar o ambiente,<<strong>br</strong> />
mas era a música "Aquarela do Brasil". O humor de Chûji piorou.<<strong>br</strong> />
- Ah, sim. Desculpe-me se não o agradar.<<strong>br</strong> />
Sachi, filha de Kotaro, virou-se para <strong>Haru</strong>, alegre <strong>com</strong> a idéia<<strong>br</strong> />
que acabara de ter:<<strong>br</strong> />
- Vocês tiveram que sair da fazenda sem roupas, não? Se<<strong>br</strong> />
não se importar, gostaria de usar as minhas?<<strong>br</strong> />
Ryuta resolveu dar uma ajuda para <strong>Haru</strong> que, assustada, não<<strong>br</strong> />
sabia o que responder.<<strong>br</strong> />
- Como você tem estatura quase igual a da minha irmã, acho<<strong>br</strong> />
que vai servir sim.<<strong>br</strong> />
-Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
- Se tiver algum problema, fale <strong>com</strong> minha irmã. A conversa<<strong>br</strong> />
entre mulheres deve ser mais fácil.<<strong>br</strong> />
-Agradeço muito. Aceitarei a proposta.<<strong>br</strong> />
Sachi sorriu de forma simpática para <strong>Haru</strong>, que aceitou a<<strong>br</strong> />
proposta de bom grado.<<strong>br</strong> />
- Vamos ser boas amigas.<<strong>br</strong> />
Vendo a aproximação entre <strong>Haru</strong> e Sachi, que tinham quase<<strong>br</strong> />
a mesma idade, Toki e Kotaro dialogaram <strong>com</strong> naturalidade em<<strong>br</strong> />
português:<<strong>br</strong> />
- 239 -
- Que bom que conseguiu uma boa amiga.<<strong>br</strong> />
- Com a presença de uma mocinha graciosa <strong>com</strong>o ela, a vila<<strong>br</strong> />
ganhará <strong>br</strong>ilho.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> olhou boquiaberta. Parecia que estavam <strong>com</strong>entando a<<strong>br</strong> />
seu respeito, mas...<<strong>br</strong> />
-Oh, não.<<strong>br</strong> />
Percebendo a situação, Ryuta explicou rapidamente:<<strong>br</strong> />
-Nós conversamos em português também em casa. Meus<<strong>br</strong> />
pais estão contentes por ter aparecido uma mocinha graciosa<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o você, pois Sachi conseguiu uma amiga, e a vila ganhará<<strong>br</strong> />
mais <strong>br</strong>ilho.<<strong>br</strong> />
Ao ver <strong>Haru</strong> e sua filha Sachi, que ficaram contentes, porém<<strong>br</strong> />
encabuladas, Toki e Kotaro sorriram alegremente.<<strong>br</strong> />
Somente Chûji estava mal-humorado dentro do ambiente<<strong>br</strong> />
animado.<<strong>br</strong> />
Voltando para a casa que lhes fora cedida, <strong>Haru</strong> vestiu<<strong>br</strong> />
imediatamente o vestido que ganhou de Sachi. A medida era<<strong>br</strong> />
exatamente igual a dela.<<strong>br</strong> />
Quando olhou para a sala, viu Shizu arrumando as bagagens<<strong>br</strong> />
e Chûji contando dinheiro.<<strong>br</strong> />
- Olhem o vestido que ganhei da Sachi! É a primeira vez que<<strong>br</strong> />
uso uma roupa dessas!<<strong>br</strong> />
Shizu parou o que fazia e olhou para <strong>Haru</strong>, que falava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
voz animada, o que era raro.<<strong>br</strong> />
-Nossa! Ficou bem em você. Parece outra pessoa.<<strong>br</strong> />
- O que é isso? Pare de usar essas roupas cafonas! Tire<<strong>br</strong> />
logo! Não é roupa para ser usada por uma mulher japonesa.<<strong>br</strong> />
- 240 -
Não vista mais!<<strong>br</strong> />
- Querido! - Shizu advertiu rispidamente Chûji, que estava<<strong>br</strong> />
muito mal-humorado.<<strong>br</strong> />
Chûji estava magoando <strong>Haru</strong>, que apenas curtia um pouco<<strong>br</strong> />
da juventude.<<strong>br</strong> />
Chûji, porém, não <strong>com</strong>preendia tal delicadeza.<<strong>br</strong> />
- Eles não são mais japoneses. Morando numa casa<<strong>br</strong> />
ocidentalizada de mau gosto, e <strong>com</strong>endo <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira!<<strong>br</strong> />
Falando em português! Ganham dinheiro de forma descarada<<strong>br</strong> />
vendendo casulos para os Estados Unidos. Isso são coisas que<<strong>br</strong> />
um japonês faça?<<strong>br</strong> />
Shizu queria consolar <strong>Haru</strong>, que estava prestes a chorar, mas<<strong>br</strong> />
Chüjicontinuou:<<strong>br</strong> />
-Mesmo estando no exterior, o japonês será sempre japonês.<<strong>br</strong> />
Por estarmos num país estrangeiro é que devemos manter a<<strong>br</strong> />
dignidade <strong>com</strong>o japoneses. Não se aproxime daquele anti<<strong>br</strong> />
patriota. Eu não quero nem falar <strong>com</strong> eles!<<strong>br</strong> />
Falando isso, levantou-se e foi para o quarto.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Shizu se sentiram desanimadas, pensando nos dias<<strong>br</strong> />
que viriam pela frente.<<strong>br</strong> />
Na nova localidade, a família Takakura teve que re<strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />
as atividades de des<strong>br</strong>avar novamente as terras. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />
o descampado que haviam conquistado pertencia à família<<strong>br</strong> />
Takakura.<<strong>br</strong> />
Mesmo sendo agricultores po<strong>br</strong>es, muitos dos imigrantes<<strong>br</strong> />
conseguiam se tornar proprietários de terras, onde tinham<<strong>br</strong> />
lavouras.<<strong>br</strong> />
- 241 -
Entretanto, no Brasil, tornaram-se colonos ou, em outras<<strong>br</strong> />
palavras, agricultores contratados. No caso da família Takakura,<<strong>br</strong> />
depois de terem sido colonos, tornaram-se arrendatários que<<strong>br</strong> />
pagavam pela terra arrendada ao proprietário americano e, tendo<<strong>br</strong> />
passado sete anos, finalmente conseguiram obter a sua própria<<strong>br</strong> />
terra.<<strong>br</strong> />
Terminada a derrubada de árvores, enquanto Chûji, Shizu e<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> limpavam o resto da queimada, um japonês da vila passou<<strong>br</strong> />
pela estrada próxima.<<strong>br</strong> />
- Estão se esforçando, hein? - falou em português.<<strong>br</strong> />
Quando Chûji levantou a cabeça para reclamar em japonês,<<strong>br</strong> />
Shizu segurou rapidamente o marido, e retribuiu os cumprimentos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> sorriso.<<strong>br</strong> />
- Quando a lavoura ficar pronta, o que vão plantar?<<strong>br</strong> />
O homem tentava puxar conversa de forma amistosa, mas<<strong>br</strong> />
Shizu só conseguia responder negativamente, <strong>com</strong> a cabeça.<<strong>br</strong> />
Depois que o homem se foi, Shizu chamou atenção de Chûji,<<strong>br</strong> />
em voz baixa:<<strong>br</strong> />
- Não fale japonês! Não sabemos quem pode estar nos<<strong>br</strong> />
ouvindo.<<strong>br</strong> />
Chûji, todo rabugento, falou em voz alta, de propósito:<<strong>br</strong> />
- O que tem de errado em um japonês falar sua língua?<<strong>br</strong> />
- Pai... - não se contendo, <strong>Haru</strong> gritou.<<strong>br</strong> />
No final da tarde deste mesmo dia, <strong>Haru</strong> esperava, após o<<strong>br</strong> />
seu trabalho, Ryuta retornar dos seus afazeres, perto da residência<<strong>br</strong> />
da família Nakayama.<<strong>br</strong> />
- Tenho um pedido a fazer.<<strong>br</strong> />
- 242 -
Ryuta se espantou <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Saiu da beira da estrada e<<strong>br</strong> />
desligou o motor do caminhão.<<strong>br</strong> />
- Por favor, ensine-me português. Irei a qualquer hora, de<<strong>br</strong> />
acordo <strong>com</strong> sua conveniência. Por favor.<<strong>br</strong> />
Ryuta olhava atônito, sem saber o que responder, diante de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, que se curvava <strong>com</strong> determinação.<<strong>br</strong> />
Na residência dos Takakura, Chûji bebia pinga malhumorado.<<strong>br</strong> />
Pinga era uma bebida destilada <strong>br</strong>asileira. Muitos<<strong>br</strong> />
japoneses que levavam uma vida difícil, bebiam pinga para<<strong>br</strong> />
afogarem suas mágoas.<<strong>br</strong> />
Nesta noite, a causa do mau humor de Chûji era <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Onde você estava? - Chûji censurou <strong>Haru</strong>, assim que ela<<strong>br</strong> />
chegou em casa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também sabia o porquê do mau humor do pai.<<strong>br</strong> />
- Vou aprender português <strong>com</strong> Ryuta.<<strong>br</strong> />
- O quê?<<strong>br</strong> />
- Se eu não entender português, não posso conversar e nem<<strong>br</strong> />
me relacionar <strong>com</strong> ninguém. Assim não dá para viver aqui. Ryuta<<strong>br</strong> />
aceitou <strong>com</strong> prazer. A partir de amanhã, ele vai me dar aulas<<strong>br</strong> />
intensivas.<<strong>br</strong> />
- Eu já falei para não se relacionar <strong>com</strong> as pessoas daquela<<strong>br</strong> />
casa. Não permito.<<strong>br</strong> />
Shizu, que preparava o jantar, defendeu <strong>Haru</strong> dizendo:<<strong>br</strong> />
-Não adianta você falar assim. Se não soubermos português,<<strong>br</strong> />
não conseguiremos nem fazer <strong>com</strong>pras. Eu também pretendo<<strong>br</strong> />
aprender.<<strong>br</strong> />
Chûji, indignado por estar sendo contrariado até mesmo por<<strong>br</strong> />
- 243 -
Shizu, virou seu copo de pinga.<<strong>br</strong> />
Assim, <strong>Haru</strong> passou a aprender português na casa da família<<strong>br</strong> />
Nakayama, após o término do trabalho.<<strong>br</strong> />
Porém, em uma noite...<<strong>br</strong> />
No quarto de Sachi, Ryuta e a irmã ouviam a transmissão de<<strong>br</strong> />
rádio em japonês, encostando o ouvido no aparelho.<<strong>br</strong> />
- O exército japonês é incrível. Avançou em várias frentes, e<<strong>br</strong> />
até a Cingapura se rendeu aos japoneses. Se continuar assim, a<<strong>br</strong> />
guerra terminará logo.<<strong>br</strong> />
- Será uma grande vitória do Japão!<<strong>br</strong> />
Os dois irmãos estavam a cochichar em voz baixa. Nesta<<strong>br</strong> />
casa, aconteciam coisas que surpreendiam <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Todos ouvem transmissões de rádio em japonês, desse<<strong>br</strong> />
jeito?<<strong>br</strong> />
- Se a polícia <strong>br</strong>asileira desco<strong>br</strong>ir, será um desastre. - Sachi<<strong>br</strong> />
sussurrou.<<strong>br</strong> />
- Só sabemos <strong>com</strong>o está o desenrolar da guerra através do<<strong>br</strong> />
rádio. Os jornais em língua japonesa foram proibidos há muito<<strong>br</strong> />
tempo...<<strong>br</strong> />
Ryuta escondeu o rádio <strong>com</strong> cuidado, e mudou rapidamente<<strong>br</strong> />
de assunto.<<strong>br</strong> />
- Bom, agora vamos estudar português. Quando o Japão<<strong>br</strong> />
ganhar, poderemos voltar a falar japonês em voz alta. Mas se<<strong>br</strong> />
quisermos mesmo viver no Brasil, precisamos <strong>com</strong>preender a<<strong>br</strong> />
língua portuguesa. Não perderemos nada se aprendermos.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> acenou a cabeça consentindo. Enquanto as aulas de<<strong>br</strong> />
português estão sendo dadas no quarto de Sachi, na residência<<strong>br</strong> />
- 244 -
da família Takakura, Shizu se esforçava em treinar o seu<<strong>br</strong> />
português, lendo o livro em voz alta.<<strong>br</strong> />
- Cale a boca! Se você quer estudar isso, vá lá para fora.<<strong>br</strong> />
Ainda que Chûji gritasse <strong>com</strong> a esposa devido ao efeito da<<strong>br</strong> />
pinga, Shizu não dava a menor atenção para o seu mau humor.<<strong>br</strong> />
Tendo passado várias noites desta maneira, num certo dia, em<<strong>br</strong> />
meio à chuva torrencial, <strong>Haru</strong> e Chüji faziam <strong>com</strong>pras na cidade.<<strong>br</strong> />
Quando estavam saindo de uma mercearia situada em frente<<strong>br</strong> />
à uma praça, carregando uma sacola cheia de <strong>com</strong>pras, viu a<<strong>br</strong> />
formação de um tumulto em frente à loja. Verificando de onde<<strong>br</strong> />
vinham as vozes, viu um homem japonês sendo levado pelos<<strong>br</strong> />
policiais <strong>br</strong>asileiros. O homem resistia à prisão, gritando algo em<<strong>br</strong> />
português:<<strong>br</strong> />
- Eu não estava ouvindo transmissão em japonês. Eu ouvia<<strong>br</strong> />
músicas de uma emissora <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />
- O que houve? - Chûji perguntou em japonês e o homem<<strong>br</strong> />
também respondeu em japonês, inconscientemente.<<strong>br</strong> />
- Confiscaram o meu rádio porque eu estava ouvindo<<strong>br</strong> />
transmissões...<<strong>br</strong> />
- Seus desgraçados. Ele não estava ouvindo rádio <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
aparelho roubado. O que há de errado em xmvir o seu próprio<<strong>br</strong> />
rádio? Ainda que ouça transmissão em língua japonesa, nós somos<<strong>br</strong> />
japoneses. Não há motivo para que sejamos criticados por vocês.<<strong>br</strong> />
Solte-o.<<strong>br</strong> />
Chûji saiu correndo na chuva e atacou os policiais <strong>br</strong>asileiros<<strong>br</strong> />
aos gritos.<<strong>br</strong> />
- Que é isso? Levem este aqui também!<<strong>br</strong> />
- 245 -
Os policiais queriam prender Chûji, que tentou resisitir.<<strong>br</strong> />
- Ei! O que vocês estão fazendo! O que eu fiz de errado?<<strong>br</strong> />
Chûji resistiu violentamente aos policiais e formou-se uma<<strong>br</strong> />
grande <strong>br</strong>iga.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou fora de si e se colocou entre os policiais e Chûji,<<strong>br</strong> />
desculpando-se desesperadamente no português que acabara de<<strong>br</strong> />
aprender. Os policiais, contudo, estavam enfurecidos e ela foi<<strong>br</strong> />
derrubada no chão encharcado. <strong>Haru</strong> olhou ao seu redor, em<<strong>br</strong> />
busca de auxílio.<<strong>br</strong> />
- Alguém nos ajude...<<strong>br</strong> />
Tanto os <strong>com</strong>erciantes da loja <strong>com</strong>o os clientes, desviaram o<<strong>br</strong> />
olhar para não se envolverem, e entraram na loja parecendo querer<<strong>br</strong> />
se esconder.<<strong>br</strong> />
Afinal, Chûji foi capturado e colocado na viatura juntamente<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o outro homem, mas, mesmo assim, continuava a gritar<<strong>br</strong> />
grosserias em japonês.<<strong>br</strong> />
-Nós somos japoneses! Pensam que vão ficar impunes<<strong>br</strong> />
tratando-nos dessa maneira?! Esperem a guerra acabar. Quando<<strong>br</strong> />
o Japão vencer, vocês terão o que merecem. Não esqueçam!<<strong>br</strong> />
-Papai!<<strong>br</strong> />
Chûji fora levado pela polícia, e <strong>Haru</strong> olhava para ele sem<<strong>br</strong> />
poder fazer nada, chorando e sendo castigada pela chuva.<<strong>br</strong> />
Nesta época, havia japoneses que eram presos na cidade<<strong>br</strong> />
somente por soltar desprevenidamente palavras em japonês. As<<strong>br</strong> />
delegacias estavam cheias dejaponeses presos que superlotavam<<strong>br</strong> />
as minúsculas celas.<<strong>br</strong> />
Chûji, que fora preso naquela ocasião, também fora colocado<<strong>br</strong> />
- 246 -
numa daquelas celas.<<strong>br</strong> />
"Papai acabou parando numa cela da delegacia.<<strong>br</strong> />
Era acusado de falar japonês em local público epor<<strong>br</strong> />
ter resistido e agredido uma autoridade policial. "<<strong>br</strong> />
No quarto de sua residência, <strong>Natsu</strong> lia as cartas de <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ava-se da teimosia de seu pai.<<strong>br</strong> />
- Durante a guerra eu também passei por muitas dificuldades,<<strong>br</strong> />
mas no Brasil, enfrentaram situações muito piores.<<strong>br</strong> />
Ao perceber a aproximação de alguém, <strong>Natsu</strong> do<strong>br</strong>ou<<strong>br</strong> />
rapidamente a carta e a devolveu ao envelope. Seus filhos,<<strong>br</strong> />
Teruhiko e Kimihiko resolveram visitá-la logo cedo.<<strong>br</strong> />
- Que foi? - perguntou <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- É que na empresa não podemos conversar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
tranqüilidade. - Teruhiko, o primogênito, falou numa voz<<strong>br</strong> />
estranhamente dócil.<<strong>br</strong> />
- Eu não tenho mais o que tratar <strong>com</strong> vocês. E nem mais o<<strong>br</strong> />
que falar.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> tentou dispensá-los, mas Kimihiko, o filho mais novo,<<strong>br</strong> />
insistiu:<<strong>br</strong> />
- Não é bem assim. Nós somos seus filhos. Somos os<<strong>br</strong> />
herdeiros da Indústria de Doces Hokuô. De repente, fomos<<strong>br</strong> />
destituídos da diretoria e, por mais que tenham constituído novas<<strong>br</strong> />
empresas e nos colocado <strong>com</strong>o presidentes, ambas são empresas<<strong>br</strong> />
tão frágeis que podem que<strong>br</strong>ar facilmente.<<strong>br</strong> />
- Isso é um assunto encerrado. Se vocês não estão satisfeitos,<<strong>br</strong> />
- 247 -
podemos cortar os vínculos de filiação. Eu estou preparada para<<strong>br</strong> />
isto.<<strong>br</strong> />
- Por que não nos quer?<<strong>br</strong> />
Teruhiko a<strong>br</strong>iu a cortina do quarto de <strong>Natsu</strong>. A luz da manhã<<strong>br</strong> />
penetrou pela janela e se espalhou pelo quarto.<<strong>br</strong> />
Era uma atitude que contrariava os sentimentos de <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
que estava magoada e de coração partido, após ter lido as cartas<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong> a noite toda, <strong>com</strong>partilhando os sofrimentos da família<<strong>br</strong> />
de que se separara há 70 anos.<<strong>br</strong> />
- Vocês não imaginam o sacrifício e preocupação de uma<<strong>br</strong> />
mãe... Vocês não <strong>com</strong>preendem os meus sentimentos.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> segurou o maço de cartas e levantou-se <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />
queria interromper a conversa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> arrumava as suas coisas para deixar o hotel, a fim de<<strong>br</strong> />
tomar o vôo rumo ao Brasil naquela tarde. Colocara em ordem<<strong>br</strong> />
as cartas de <strong>Natsu</strong> e guardara-as na sacola <strong>com</strong>o se manuseasse<<strong>br</strong> />
um tesouro.<<strong>br</strong> />
O telefone do quarto tocou. Yamato, que atendeu ao telefone,<<strong>br</strong> />
olhou para <strong>Haru</strong> incrédulo e disse:<<strong>br</strong> />
- Estão dizendo que "A senhora <strong>Natsu</strong> os aguarda no<<strong>br</strong> />
saguão"...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se vira <strong>com</strong> uma expressão de espanto, porém,<<strong>br</strong> />
procurando conter sua expectativa.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>...? Será mesmo...? Não há motivos para <strong>Natsu</strong> vir<<strong>br</strong> />
até aqui. Não será engano?<<strong>br</strong> />
- Ela veio se encontrar <strong>com</strong> a senhora, vovó. É melhor a<<strong>br</strong> />
- 248 -
senhora verificar.<<strong>br</strong> />
A<strong>com</strong>panhada por Yamato, <strong>Haru</strong> desceu ao saguão do hotel.<<strong>br</strong> />
Quando a porta do elevador se a<strong>br</strong>iu, <strong>Haru</strong> procurou por <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> uma mistura de expectativa e insegurança por uma nova<<strong>br</strong> />
decepção.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> levantou o olhar ao barulho do elevador. Reconheceu<<strong>br</strong> />
a figura de sua irmã, levantando-se lentamente.<<strong>br</strong> />
- Mana!!<<strong>br</strong> />
-<strong>Natsu</strong>?!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> correu ao encontro de <strong>Haru</strong>, que apertou o passo em<<strong>br</strong> />
direção à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Mana, desculpe-me, eu não sabia de nada. Desculpe-me<<strong>br</strong> />
mesmo.<<strong>br</strong> />
Sem conseguir emitir outras palavras, <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>açou<<strong>br</strong> />
fortemente <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Você veio me encontrar. Você veio para se encontrar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>igo, não é?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também a<strong>br</strong>açou <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, não dando importância aos olhares das pessoas<<strong>br</strong> />
que circulavam pelo hotel, a<strong>br</strong>açaram-se <strong>com</strong> força, não querendo<<strong>br</strong> />
mais se separar.<<strong>br</strong> />
- 249 -
Capítulo IV<<strong>br</strong> />
Orgulho de ser japonês<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> viera até o hotel encontrar <strong>Haru</strong>. Eis que poderia<<strong>br</strong> />
haver um entendimento entre as duas. Ao convidar <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
para ir ao seu quarto, <strong>Haru</strong> não conseguia esconder a sua<<strong>br</strong> />
ansiedade. <strong>Haru</strong> sentia que não lhes restava muito tempo.<<strong>br</strong> />
- Por que você veio só agora? Fiz reserva para o avião de<<strong>br</strong> />
hoje à noite, <strong>com</strong> intenções de voltar para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Imediatamente, Yamato intervém na conversa:<<strong>br</strong> />
- Ainda não fiz reserva. Estava pensando em fazê-la por<<strong>br</strong> />
telefone, quando a senhora apareceu...<<strong>br</strong> />
- Perdoe-me. Eu não sabia que vida você levava no Brasil.<<strong>br</strong> />
Eu fui deixada sozinha aqui no Japão, e sofri a ponto de pensar<<strong>br</strong> />
que era melhor ter morrido. Pensei que vocês haviam se<<strong>br</strong> />
esquecido <strong>com</strong>pletamente de mim e que estavam vivendo<<strong>br</strong> />
confortavelmente no Brasil. Mas, pela primeira vez fiquei<<strong>br</strong> />
sabendo que, mesmo no Brasil, os japoneses sofreram, e que<<strong>br</strong> />
papai foi preso pela polícia <strong>br</strong>asileira... Não consegui ficar<<strong>br</strong> />
sem fazer nada... Tinha que vir vê-la...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> olhou para <strong>Natsu</strong>, surpresa ao ouvir suas palavras,<<strong>br</strong> />
mas <strong>Natsu</strong>, sem perceber nada no semblante de <strong>Haru</strong>, estava<<strong>br</strong> />
entusiasmada <strong>com</strong> a idéia que tivera naquele momento.<<strong>br</strong> />
- Mana, vamos para Hakone. Tem um hotel em estilo<<strong>br</strong> />
japonês de que gosto muito. As águas termais desse hotel<<strong>br</strong> />
são ótimas e dá para ver o Monte Fuji bem em frente. Lá,<<strong>br</strong> />
- 251 -
<strong>com</strong> certeza, você vai se sentir de volta ao Japão...<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o você ficou sabendo que papai foi preso no<<strong>br</strong> />
Brasil? - falou <strong>Haru</strong>, interrompendo as palavras da irmã.<<strong>br</strong> />
-Ah...<<strong>br</strong> />
Com olhar travesso, <strong>Natsu</strong> tirou da bolsa um maço de<<strong>br</strong> />
cartas velhas e as entregou para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Reconhece estas cartas?<<strong>br</strong> />
Reconheceu de imediato. Só que a surpresa era tão<<strong>br</strong> />
inacreditável que simplesmente não conseguia falar. Por mais<<strong>br</strong> />
que passassem os anos, não poderia esquecer os sentimentos<<strong>br</strong> />
que aquelas cartas continham.<<strong>br</strong> />
Estavam endereçadas para srta. <strong>Natsu</strong> Takakura,<<strong>br</strong> />
Hokkaido, Japão. E o remetente era <strong>Haru</strong> Takakura, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
endereço de São Paulo.<<strong>br</strong> />
- Não são as cartas que a senhora mandou do Brasil? -<<strong>br</strong> />
disse Yamato, <strong>com</strong> voz de espanto, antes que <strong>Haru</strong> pudesse<<strong>br</strong> />
se pronunciar.<<strong>br</strong> />
- Como elas apareceram agora...? - <strong>Haru</strong> perguntou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
muito custo.<<strong>br</strong> />
- Os tios de Hokkaido não tinham uma filha chamada<<strong>br</strong> />
Ine? Aquela prima que tinha a mesma idade que você?<<strong>br</strong> />
- Ah... Tinham sim. Uma menina boazinha...<<strong>br</strong> />
- Um dia, casualmente, eu apareci num programa de<<strong>br</strong> />
televisão. A Ine assistiu a esse programa e me enviou uma<<strong>br</strong> />
carta, dizendo que queria se encontrar <strong>com</strong>igo. Porém, eu a<<strong>br</strong> />
ignorei. Aí, você veio me procurar e insistiu que tinha escrito<<strong>br</strong> />
cartas do Brasil. Então, achei que Ine poderia saber de algo, e<<strong>br</strong> />
- 252 -
procurei por ela para perguntar se naquela época haviam<<strong>br</strong> />
chegado cartas do Brasil. Então, Ine disse que a tia, na hora<<strong>br</strong> />
de sua morte, pediu-lhe que entregasse estas cartas para mim,<<strong>br</strong> />
se porventura me encontrasse algum dia.<<strong>br</strong> />
- Mas que incrível! Como é que ela foi guardar essas<<strong>br</strong> />
cartas?<<strong>br</strong> />
- Até mesmo no coração daquela tia maldosa, existia<<strong>br</strong> />
ainda alguma lucidez.<<strong>br</strong> />
Depois de todos aqueles anos, <strong>Natsu</strong> conseguia falar rindo<<strong>br</strong> />
de Kane, em tom de ironia.<<strong>br</strong> />
Kane não havia entregue à <strong>Natsu</strong> as cartas recebidas porque<<strong>br</strong> />
na primeira carta havia o dinheiro que <strong>Haru</strong> enviara à<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, e Kane acabou embolsando o dinheiro às escondidas.<<strong>br</strong> />
Era o último dinheiro de Chûji e da família que fora para<<strong>br</strong> />
o Brasil. Eram paupérrimos e o valor não era elevado, mas os<<strong>br</strong> />
tios também levavam uma vida de extrema miséria, e<<strong>br</strong> />
acabaram por embolsar aquele dinheiro.<<strong>br</strong> />
Uma vez furtado o dinheiro, Kane não podia entregar a<<strong>br</strong> />
carta. E, portanto, as cartas seguintes também não podiam<<strong>br</strong> />
ser entregues. Ao final, Kane ocultara todas as cartas.<<strong>br</strong> />
A suspeita de <strong>Haru</strong> e Yamato estava <strong>com</strong>provada.<<strong>br</strong> />
Apesar disso, Kane ainda tivera um mínimo de<<strong>br</strong> />
consciência e não conseguira se desfazer das cartas,<<strong>br</strong> />
confíando-as no final, à sua filha Ine.<<strong>br</strong> />
Se <strong>Natsu</strong> tivesse recebido pelo menos a primeira carta, as<<strong>br</strong> />
duas irmãs não teriam ficado sem se <strong>com</strong>unicar durante 70<<strong>br</strong> />
anos.<<strong>br</strong> />
- 253 -
- Se eu tivesse recebido a carta em que você disse que foi<<strong>br</strong> />
acolhida por vovô Toku e que tinha mudado de endereço,<<strong>br</strong> />
minhas cartas teriam chegado até você.<<strong>br</strong> />
Agora era a vez de <strong>Natsu</strong> ficar surpresa.<<strong>br</strong> />
- Mana?! E você, <strong>com</strong>o soube que eu vivi na casa do<<strong>br</strong> />
vovô Toku?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> sorriu e retirou <strong>com</strong> cuidado um maço de cartas<<strong>br</strong> />
antigas da bolsa, passando - as à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Essas são as cartas que eu mandei para o Brasil!... -<<strong>br</strong> />
disse <strong>Natsu</strong>, quase sem palavras.<<strong>br</strong> />
- Quando nos falamos no outro dia, você me disse que<<strong>br</strong> />
havia enviado cartas para o Brasil. Então, pedi para<<strong>br</strong> />
verificarem. Naquela época, as cartas não eram entregues na<<strong>br</strong> />
fazenda. Elas chegavam somente até a estação mais próxima.<<strong>br</strong> />
- Elas estavam lá! O pessoal da estação as tinha guardado!<<strong>br</strong> />
- Um japonês que tem uma mercearia perto da estação<<strong>br</strong> />
tinha guardado as cartas <strong>com</strong> cuidado. - acrescentou Yamato,<<strong>br</strong> />
pacientemente.<<strong>br</strong> />
- Então, você leu as minhas cartas... Leu todas elas...<<strong>br</strong> />
- Só tinha cartas até antes da guerra...<<strong>br</strong> />
- Durante a guerra, a situação era tal que não tive<<strong>br</strong> />
condições de escrever. E, depois que terminou, o mundo se<<strong>br</strong> />
transformou de tal forma que parecia que todos os japoneses<<strong>br</strong> />
haviam renascido. Eu tive que deixar de ser eu mesma e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçar do zero. E resolvi esquecer vocês.<<strong>br</strong> />
- Você leu as minhas cartas também?<<strong>br</strong> />
- Se estas cartas não tivessem aparecido, eu nunca mais<<strong>br</strong> />
- 254 -
teria me encontrado <strong>com</strong> você. Acho que iria morrer <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
rancor. Estas cartas me salvaram. Compreendi que não fui<<strong>br</strong> />
abandonada, que ainda sou amada por você... Se tivesse<<strong>br</strong> />
conservado aquele sentimento, eu morreria triste e solitária.<<strong>br</strong> />
Acho que foi bom ter vivido <strong>com</strong> persistência até esta idade...<<strong>br</strong> />
- Eu estava agradecendo a Deus por poder ir embora para<<strong>br</strong> />
o Brasil tranqüila, vendo que você venceu na vida. Agora,<<strong>br</strong> />
não tenho mais nada a desejar.<<strong>br</strong> />
- Vencer na vida? Eu? Você não imagina os sofrimentos<<strong>br</strong> />
por que passei...<<strong>br</strong> />
- Suas cartas nada revelavam so<strong>br</strong>e isso...<<strong>br</strong> />
- Quero que você me ouça. Não tinha intenções de contar<<strong>br</strong> />
a ninguém, mas, pelo menos para você, mana, preciso contar<<strong>br</strong> />
tudo o que se passou na minha vida.<<strong>br</strong> />
A última carta de <strong>Natsu</strong> era de quando a guerra <strong>com</strong>eçara.<<strong>br</strong> />
Tokuji havia falecido e <strong>Natsu</strong> cuidava sozinha do estábulo e<<strong>br</strong> />
das vacas. Dois meninos que moravam na vizinhança, Kinta<<strong>br</strong> />
e Tsutomu, por quem Tokuji tinha afeição, ajudavam-na.<<strong>br</strong> />
Da vida de ordenha de algumas cabeças de vaca, até a<<strong>br</strong> />
construção de uma grande empresa denominada Indústria de<<strong>br</strong> />
Doces Hokuô, a vida de <strong>Natsu</strong> fora marcada por muitas<<strong>br</strong> />
dificuldades e sofrimentos.<<strong>br</strong> />
- Eu quero saber mais so<strong>br</strong>e a vida de vocês no Brasil.<<strong>br</strong> />
Eu queria ir para o Brasil, mas não pude. Por isso, quero<<strong>br</strong> />
ouvir tudo nos mínimos detalhes. Na verdade, era para eu ter<<strong>br</strong> />
ido <strong>com</strong> vocês e passado por esses momentos juntos, mas<<strong>br</strong> />
não tive essa oportunidade.<<strong>br</strong> />
- 255 -
<strong>Natsu</strong> parecia fazer manha, <strong>com</strong>o uma criança. Apesar<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong> ter se tornado presidente de uma grande empresa e<<strong>br</strong> />
levar uma vida abastada, existia ainda a cicatriz da tristeza<<strong>br</strong> />
de ter perdido a família aos sete anos.<<strong>br</strong> />
- Você poderia ficar ainda por algum tempo no Japão?<<strong>br</strong> />
Finalmente, eu também posso descansar. De qualquer<<strong>br</strong> />
maneira, vamos passear. Tomar banhos em teimas, deliciarnos<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> as iguarias japonesas... Vamos conversar <strong>com</strong> calma<<strong>br</strong> />
e recuperar o tempo que vivemos separadas. Senão, não<<strong>br</strong> />
poderei morrer em paz.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também havia vindo ao Japão <strong>com</strong> o mesmo<<strong>br</strong> />
sentimento. Não poderia morrer se <strong>Natsu</strong> não a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preendesse. Com esse desejo ardente, seguira o registro<<strong>br</strong> />
civil desde Hokkaido e, <strong>com</strong> muito custo, conseguira<<strong>br</strong> />
encontrar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Era encantador para Yamato observar a avó e a tia-avó,<<strong>br</strong> />
alegres <strong>com</strong>o crianças, depois do reencontro.<<strong>br</strong> />
Dependendo do lugar de onde se observa, o Monte Fuji<<strong>br</strong> />
tem um formato diferente. Embora possa ser visto por entre<<strong>br</strong> />
os prédios de Tóquio, seu perfil imponente entre as montanhas<<strong>br</strong> />
torna sua vista e o Japão, mais especiais.<<strong>br</strong> />
Yamato contemplava o jardim do hotel, de onde avistava<<strong>br</strong> />
o Monte Fuji, símbolo do espírito japonês, encantado <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
sua beleza. Depois de ter tomado banho nas águas termais,<<strong>br</strong> />
vestia o yukata e tanzen que estavam à disposição no quarto,<<strong>br</strong> />
sentindo que em suas veias corria o sangue japonês.<<strong>br</strong> />
- 256 -
<strong>Haru</strong> também tomara um banho demorado, sentindo que<<strong>br</strong> />
o cansaço da viagem desde que chegara ao Japão, finalmente<<strong>br</strong> />
se esvaía. Além do mais, <strong>Natsu</strong> estava ao seu lado.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se sentia muito à vontade. Esse tipo de termas e<<strong>br</strong> />
hotéis em estilo japonês aparecia muito na televisão japonesa,<<strong>br</strong> />
mas jamais poderia imaginar que se hospedaria num deles.<<strong>br</strong> />
- Voltei ao Japão para procurá-la, e fui até a casa onde o<<strong>br</strong> />
tio morava em Hokkaido, mas nem pensei em usufruir de um<<strong>br</strong> />
luxo <strong>com</strong>o esse, ou mesmo tomar banho em uma terma. Não<<strong>br</strong> />
sabia quando poderia voltar ao Japão, mas, enfim, consegui.<<strong>br</strong> />
Só isso já é suficiente.<<strong>br</strong> />
- Agora, o Brasil e o Japão estão próximos. Dá para ir e<<strong>br</strong> />
vir quando quisermos...<<strong>br</strong> />
Ao ver que era muito grande a emoção de <strong>Haru</strong>, achando<<strong>br</strong> />
que o balneário era luxuoso, <strong>Natsu</strong> riu baixinho.<<strong>br</strong> />
- Para nós era muito longe. Quando o Japão estava em<<strong>br</strong> />
guerra contra os Estados Unidos, nem imaginávamos que um<<strong>br</strong> />
dia <strong>com</strong>o esse chegaria. Essa facilidade de voltar ao Japão.<<strong>br</strong> />
Gostaria de ter trazido papai para um lugar <strong>com</strong>o este.<<strong>br</strong> />
- Papai também sofreu, não...? Ser preso só porque falou<<strong>br</strong> />
em japonês...<<strong>br</strong> />
- O Brasil era aliado dos Estados Unidos e o Japão era<<strong>br</strong> />
inimigo. Mas papai nem tentava aprender português, dizendo<<strong>br</strong> />
que não havia nada de mal nos japoneses falarem sua língua.<<strong>br</strong> />
- Isso é bem o estilo de papai.<<strong>br</strong> />
- Foi Ryuta quem foi buscá-lo na delegacia, abaixando a<<strong>br</strong> />
cabeça para os policiais.<<strong>br</strong> />
- 257 -
Durante a guerra, os japoneses que estavam no Brasil eram<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igados a se conscientizar de sua identidade, já que<<strong>br</strong> />
recebiam pressões externas, somente pelo fato de serem<<strong>br</strong> />
japoneses.<<strong>br</strong> />
Isso fez <strong>com</strong> que Chûji ficasse cada vez mais obstinado e<<strong>br</strong> />
foi fortalecendo a revolta contra os japoneses que levavam<<strong>br</strong> />
uma vida integrada ao Brasil, <strong>com</strong>o a família Nakayama.<<strong>br</strong> />
O caminhão de Ryuta parou em frente à casa dos Takakura,<<strong>br</strong> />
na vila japonesa no interior do estado de São Paulo. Havia<<strong>br</strong> />
trazido Chûji, que estava <strong>com</strong> a barba por fazer.<<strong>br</strong> />
Fazia dez dias que a polícia havia levado Chûji da praça<<strong>br</strong> />
em frente ao prédio da Associação Japonesa.<<strong>br</strong> />
- O sr. Takakura está de volta! - gritou Ryuta, descendo<<strong>br</strong> />
do carro.<<strong>br</strong> />
Shizu e <strong>Haru</strong> saíram correndo para recebê-lo.<<strong>br</strong> />
- Seja bem-vindo. - disse Shizu para Chûji. Em seguida,<<strong>br</strong> />
curvou-se para Ryuta, dizendo:<<strong>br</strong> />
- Graças ao esforço do senhor, ele saiu a salvo... Muito<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
- Não há de quê. Eu só expliquei a situação à polícia no<<strong>br</strong> />
lugar do sr. Takakura, que não fala português...<<strong>br</strong> />
- Você pôde sair da cadeia graças ao esforço de Ryuta.<<strong>br</strong> />
Agradeça-lhe bastante...<<strong>br</strong> />
Enquanto <strong>Haru</strong> insistia, Chûji entrava rabugento dentro<<strong>br</strong> />
de casa, pisando firme.<<strong>br</strong> />
-Papai!<<strong>br</strong> />
- 258 -
-Não é preciso agradecer. Como japonês, é natural ajudar<<strong>br</strong> />
um patrício em dificuldades. Principalmente porque o sr.<<strong>br</strong> />
Takakura veio para cá contando <strong>com</strong> o meu pai. Nós também<<strong>br</strong> />
somos responsáveis...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficava aflita, mas Ryuta parecia não ter se aborrecido,<<strong>br</strong> />
pois sorria abertamente.<<strong>br</strong> />
- Depois desta, ele precisa aprender a falar português,<<strong>br</strong> />
não é?<<strong>br</strong> />
- Ele fica teimando que não precisa porque é japonês...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Shizu ficaram sem saber o que fazer, e se viram<<strong>br</strong> />
para casa, onde Chûji acabara de entrar.<<strong>br</strong> />
- Ele precisa descansar bastante. A cadeia está<<strong>br</strong> />
superlotada, pois a cada dia aumenta o número de pessoas<<strong>br</strong> />
que são presas porque estavam ouvindo transmissões em<<strong>br</strong> />
japonês pelo rádio, estavam jantando em grupo, ignorando a<<strong>br</strong> />
proibição de reuniões de japoneses, falar em japonês, e outros<<strong>br</strong> />
motivos. Ele deve estar muito cansado... Então, vou indo...<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me por não lhe oferecer nada... - lamentava<<strong>br</strong> />
Shizu profundamente, abaixando de novo a cabeça.<<strong>br</strong> />
- Eu a espero à noite. - disse Ryuta para <strong>Haru</strong>, enquanto<<strong>br</strong> />
ligava o motor do caminhão.<<strong>br</strong> />
Dentro de casa, Chûji pegou a garrafa de pinga.<<strong>br</strong> />
- Ainda bem que você saiu em 10 dias. Foi graças ao sr.<<strong>br</strong> />
Nakayama! - Shizu censurava-lhe a falta de educação.<<strong>br</strong> />
Chûji estava literalmente mal-humorado.<<strong>br</strong> />
- Não pedi para ele fazer isso! Não fico nada feliz nem<<strong>br</strong> />
agradecido por ter saído da cadeia, abaixando a cabeça na<<strong>br</strong> />
- 259 -
frente dos policiais. Que isso! Um japonês ficar se humilhando<<strong>br</strong> />
perante os <strong>br</strong>asileiros...<<strong>br</strong> />
Para Chûji, Nakayama tinha perdido o orgulho de ser<<strong>br</strong> />
japonês, ao conquistar a simpatia da polícia <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />
Na realidade, não se tratava de conquistar a simpatia dos<<strong>br</strong> />
policiais, mas de conseguir manter um bom relacionamento,<<strong>br</strong> />
para que os japoneses, embora súditos de um país inimigo,<<strong>br</strong> />
pudessem levar uma vida segura na vila japonesa.<<strong>br</strong> />
- Desde que não façamos nada contra a polícia <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />
podemos viver normalmente, <strong>com</strong>o temos feito até agora.<<strong>br</strong> />
Não faça nada para que o prendam de novo, está bem? Isso<<strong>br</strong> />
causa incômodo também para os demais japoneses. - pediu<<strong>br</strong> />
Shizu para Chûji, que parecia não lhe dar ouvidos.<<strong>br</strong> />
- Esse pessoal vai ver só! Esta guerra vai terminar logo,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a vitória do Japão, que está vencendo no Sudeste Asiático<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> uma força irresistível. Precisamos agüentar somente mais<<strong>br</strong> />
um pouco. Quando chegar o dia da vitória, não deixarei por<<strong>br</strong> />
menos!<<strong>br</strong> />
-Não fale tão alto assim... O que será de nós se os outros<<strong>br</strong> />
ouvirem?<<strong>br</strong> />
- Eu falo isso na frente de qualquer um! O japonês tem<<strong>br</strong> />
que viver <strong>com</strong> orgulho... Não podemos perdê-lo porque<<strong>br</strong> />
vivemos num país inimigo. O nosso filho Minoru tornou-se<<strong>br</strong> />
um militar e está lutando pelo Japão. Também por ele, não<<strong>br</strong> />
vou, de jeito nenhum, abaixar a cabeça para os <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />
Não perdoarei os que ficam adulando os <strong>br</strong>asileiros ou<<strong>br</strong> />
colaborando <strong>com</strong> os inimigos. - falou Chûji, quase gritando,<<strong>br</strong> />
- 260 -
já bastante aborrecido, em meio a goles de pinga.<<strong>br</strong> />
Durante a guerra, mesmo no Japão, muita gente acreditava<<strong>br</strong> />
que as tropas japonesas avançavam de forma invencível.<<strong>br</strong> />
Para os imigrantes japoneses que estavam no Brasil, as<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>unicações tinham sido interrompidas <strong>com</strong> o exterior e as<<strong>br</strong> />
informações dependiam dos rádios de ondas curtas, cujas<<strong>br</strong> />
transmissões do Japão eram ouvidas às escondidas. Nos<<strong>br</strong> />
noticiários que eles ouviam, o Quartel General das Forças<<strong>br</strong> />
Armadas continuava divulgando notícias acerca das vitórias<<strong>br</strong> />
do Japão so<strong>br</strong>e os aliados, e isso fazia <strong>com</strong> que os imigrantes<<strong>br</strong> />
japoneses acreditassem na vitória de sua pátria <strong>com</strong>o algo<<strong>br</strong> />
inevitável.<<strong>br</strong> />
- De qualquer forma, durante algum tempo, continuamos<<strong>br</strong> />
a trabalhar em silêncio, dedicando-nos à lavoura. As plantas<<strong>br</strong> />
cresciam, e não tínhamos problemas para <strong>com</strong>er. Até<<strong>br</strong> />
chegamos a construir uma casa nova. Vivíamos em paz, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se não estivéssemos em guerra. Contudo, <strong>com</strong>eçaram a correr<<strong>br</strong> />
boatos de que as forças japonesas estavam perdendo batalhas<<strong>br</strong> />
em diversos lugares... Aí, aconteceu novamente um fato<<strong>br</strong> />
terrível...<<strong>br</strong> />
Arava a terra que conseguira adquirir <strong>com</strong> muito custo,<<strong>br</strong> />
plantando e cuidando dos seus produtos. Como trabalhador,<<strong>br</strong> />
Chüji era uma pessoa que não tinha do que reclamar.<<strong>br</strong> />
Um japonês residente na mesma vila, de nome Yamada,<<strong>br</strong> />
veio até a plantação onde Chûji e a família estavam a trabalhar.<<strong>br</strong> />
- 261 -
Shizu falou <strong>com</strong> Yamada no português rudimentar que<<strong>br</strong> />
aprendera:<<strong>br</strong> />
- Bom dia. Como está a dor lombar de sua esposa?<<strong>br</strong> />
Yamada, contudo, apenas acenou <strong>com</strong> a cabeça para Shizu<<strong>br</strong> />
e fez sinal <strong>com</strong> os olhos para Chüji. Os dois <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />
conversar em voz baixa, <strong>com</strong>o se estivessem tramando algo.<<strong>br</strong> />
Shizu e <strong>Haru</strong> observavam apreensivamente a conversa<<strong>br</strong> />
dos dois, esperando que Chûji não provocasse outras<<strong>br</strong> />
confusões.<<strong>br</strong> />
Quando voltaram para casa depois do trabalho na roça,<<strong>br</strong> />
Chûji nem descansou e ficou cuidando dos instrumentos<<strong>br</strong> />
agrícolas. Shizu tentou puxar conversa de forma natural:<<strong>br</strong> />
- O que Yamada veio fazer na nossa plantação?<<strong>br</strong> />
- Ele apenas estava de passagem por lá.<<strong>br</strong> />
- Vocês pareciam estar trocando segredos... Ele queria<<strong>br</strong> />
alguma coisa?<<strong>br</strong> />
- Nada em especial... - respondeu secamente Chûji, que<<strong>br</strong> />
costumava falar muito e <strong>com</strong> voz alta.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> saiu, depois de trocar a roupa que usava para fazer<<strong>br</strong> />
o trabalho da lavoura. Usava um vestido que tinha ganhado<<strong>br</strong> />
de Sachi tentando, cuidar um pouco de sua aparência.<<strong>br</strong> />
- Vou à casa do sr. Nakayama. Vou ajudar a preparar o<<strong>br</strong> />
jantar e aprender a fazer <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira. Depois do jantar,<<strong>br</strong> />
praticarei português <strong>com</strong> Ryuta e voltarei para casa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> parecia ser uma moça alegre e apesar de tentar<<strong>br</strong> />
segurar o entusiasmo, acabava deixando transparecê-lo.<<strong>br</strong> />
Chüji olhou <strong>com</strong> uma fisionomia severa para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- 262 -
- Disse para não freqüentar a casa dos Nakayama.<<strong>br</strong> />
- De novo?... <strong>Haru</strong> está sendo bem tratada pelo pessoal<<strong>br</strong> />
da família Nakayama. Como eu não sou instruída, não posso<<strong>br</strong> />
educar <strong>Haru</strong> adequadamente. Ela tem aprendido muitas<<strong>br</strong> />
coisas. Temos que agradecer...<<strong>br</strong> />
- Por isso, fiz vista grossa até agora. Porém, recentemente,<<strong>br</strong> />
a situação da guerra entre o Japão e os Estados Unidos está<<strong>br</strong> />
ficando cada vez mais preocupante. Não permito que você<<strong>br</strong> />
freqüente a casa daqueles traidores da Pátria. Para que<<strong>br</strong> />
aprender a fazer <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira? Não pretendo me tornar<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiro.<<strong>br</strong> />
- Por que o senhor diz que os Nakayama são traidores? O<<strong>br</strong> />
que eles fizeram de errado? - perguntou <strong>Haru</strong>, pasma,<<strong>br</strong> />
virando-se para Chûji.<<strong>br</strong> />
- Eles criam bichos-de-seda e enriqueceram <strong>com</strong> isso.<<strong>br</strong> />
São traidores!<<strong>br</strong> />
- Que mal há em criar bichos-de-seda? Cada um cria ou<<strong>br</strong> />
cultiva o que quiser. Qual a diferença se cultivamos algodão?<<strong>br</strong> />
- Sabe para onde estão vendendo os casulos de bichosde-seda?<<strong>br</strong> />
- É um <strong>br</strong>asileiro que vem <strong>com</strong>prar, não é?<<strong>br</strong> />
- Os casulos vendidos para ele são exportados para os<<strong>br</strong> />
Estados Unidos e lá são transformados em tecidos para<<strong>br</strong> />
confecção de pára-quedas, que é um material bélico. Os<<strong>br</strong> />
Nakayama sabem disso, mas continuam produzindo e<<strong>br</strong> />
vendendo casulos. Eles estão colaborando <strong>com</strong> os americanos,<<strong>br</strong> />
que estão em guerra <strong>com</strong> a nossa Pátria, o Japão. São iguais<<strong>br</strong> />
- 263 -
àqueles que produzem menta. Todos eles são traidores da<<strong>br</strong> />
Pátria.<<strong>br</strong> />
- Por que não se pode vender um pouco de casulo para<<strong>br</strong> />
quem quiser? Para se so<strong>br</strong>eviver no Brasil, não se pode ficar<<strong>br</strong> />
preso a mesquinharias. É melhor o senhor parar de falar<<strong>br</strong> />
bobagens. - argumentou <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o se passasse um sermão<<strong>br</strong> />
no pai, saindo às pressas.<<strong>br</strong> />
-<strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
Chûji tentou ir atrás de <strong>Haru</strong> e Shizu o segurou <strong>com</strong> força.<<strong>br</strong> />
- Já chega! Você não tem que ficar falando coisas que<<strong>br</strong> />
causem desarmonia entre os japoneses. Mesmo em guerra,<<strong>br</strong> />
enquanto permanecermos aqui, poderemos viver sem nos<<strong>br</strong> />
envolvermos.<<strong>br</strong> />
Enfrentando a resistência não só de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o também<<strong>br</strong> />
de Shizu, Chûji procurava fuga na pinga, não sabendo o que<<strong>br</strong> />
fazer <strong>com</strong> a sua indignação.<<strong>br</strong> />
Como a menta era utilizada <strong>com</strong>o insumo para fa<strong>br</strong>icação<<strong>br</strong> />
de explosivos, era exportado para os Estados Unidos, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
finalidade bélica, assim <strong>com</strong>o os casulos. Em virtude disso,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o início da guerra, os preços tanto de casulos <strong>com</strong>o de<<strong>br</strong> />
menta,haviam subido muito. Houve até lavradores que<<strong>br</strong> />
interromperam o cultivo de arroz ou verduras, passando<<strong>br</strong> />
repentinamente, a cultivar menta.<<strong>br</strong> />
Com relação à menta, registros indicavam que cerca de<<strong>br</strong> />
90% da quantidade total produzida no estado de São Paulo<<strong>br</strong> />
na época do término da guerra, provinha da plantação de<<strong>br</strong> />
agricultores japoneses.<<strong>br</strong> />
- 264 -
Para Chûji, que possuía uma forte consciência de<<strong>br</strong> />
pertencer à nação japonesa, quanto mais aumentava o número<<strong>br</strong> />
de pessoas que fornecia casulo e menta para os Estados<<strong>br</strong> />
Unidos, mais sentia que aumentavam os traidores que<<strong>br</strong> />
abandonaram o orgulho de serem japoneses.<<strong>br</strong> />
Chûji direcionava sua raiva pra Kotaro e Ryuta Nakayama,<<strong>br</strong> />
pai e filho, por serem pessoas que estavam próximas à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Enquanto Chûji estava bebendo pinga, <strong>com</strong>eçava um<<strong>br</strong> />
jantar animado, na casa dos Nakayama, <strong>com</strong> <strong>com</strong>idas<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiras. Estavam em volta da mesa, Kotaro, Toki, Ryuta,<<strong>br</strong> />
Sachi, Shozo, Aki e <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
O assunto da conversa de Kotaro acabou sendo a respeito<<strong>br</strong> />
da guerra.<<strong>br</strong> />
- Parece que o Japão está sendo bombardeado pelos<<strong>br</strong> />
americanos. Era óbvio que não se podia ganhar uma guerra<<strong>br</strong> />
contra uma grande potência <strong>com</strong>o os Estados Unidos. Por<<strong>br</strong> />
que será que o Japão fez uma bobagem dessas?<<strong>br</strong> />
-No Japão temos tantos parentes... Como estarão todos...?<<strong>br</strong> />
Embora nos preocupemos <strong>com</strong> eles, nada podemos fazer...<<strong>br</strong> />
Ainda bem que viemos para o Brasil. Os policiais <strong>br</strong>asileiros<<strong>br</strong> />
nos aborrecem, porém não nos perseguem... - falou Toki,<<strong>br</strong> />
calmamente, quando Sachi <strong>com</strong>entou:<<strong>br</strong> />
- O que será de nós se o Japão perder?<<strong>br</strong> />
- Não vai acontecer nada! As tropas japonesas ou os<<strong>br</strong> />
japoneses não ameaçaram diretamente o Brasil. Pelo<<strong>br</strong> />
contrário, os japoneses vêm convivendo bem <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiros. Terminada a guerra, voltaremos, novamente, a<<strong>br</strong> />
- 265 -
ser livres. Deverão liberar o uso da língua japonesa e mesmo<<strong>br</strong> />
ouvir rádio. Poderemos, mais uma vez nos reunir abertamente<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> as pessoas.<<strong>br</strong> />
Ryuta, mais do que a vitória ou derrota do Japão, queria<<strong>br</strong> />
que a guerra terminasse logo.<<strong>br</strong> />
- Mas se o Japão perder a guerra, será ocupado pelos<<strong>br</strong> />
Estados Unidos, não é? Então, o Japão deixará de existir <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
um Estado?<<strong>br</strong> />
- É possível que isso aconteça.<<strong>br</strong> />
Kotaro concordava <strong>com</strong> a preocupação de Toki. Como<<strong>br</strong> />
tinham parentes em Hiroshima, sua terra natal, havia um<<strong>br</strong> />
sentimento de preocupação.<<strong>br</strong> />
- Para nós, não importa se o Japão vai ganhar ou perder a<<strong>br</strong> />
guerra, pois já somos <strong>br</strong>asileiros. - disse Ryuta, a exemplo<<strong>br</strong> />
do que pensavam as gerações modernas naquela época.<<strong>br</strong> />
Shozo, que estava calado até então, pediu uma opinião<<strong>br</strong> />
do tio, insinuando insatisfação:<<strong>br</strong> />
- Para o senhor está bem assim?<<strong>br</strong> />
- Lógico que não. Porém, se esse dia chegar, temos que<<strong>br</strong> />
nos esforçar ao máximo para sermos úteis ao Japão, não é?<<strong>br</strong> />
Shozo se calou <strong>com</strong> uma expressão dura.<<strong>br</strong> />
- Você, <strong>Haru</strong>, tem alguém no Japão que a preocupa?<<strong>br</strong> />
- Sim, minha irmãzinha...<<strong>br</strong> />
Com a pergunta de Toki, <strong>Haru</strong> pensou em <strong>Natsu</strong> e abaixou<<strong>br</strong> />
os olhos.<<strong>br</strong> />
Era para terem emigrado juntas, mas <strong>Natsu</strong> não pôde<<strong>br</strong> />
embarcar no navio por causa do tra<strong>com</strong>a. Na primeira fazenda,<<strong>br</strong> />
- 266 -
o sofrimento era tanto que chegou a pensar que fora melhor<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> não ter vindo para o Brasil. Entretanto, desde que<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçara a guerra, e ouvira falar que o Japão estava sofrendo<<strong>br</strong> />
ataques aéreos, restava apenas orar pelo bem-estar da irmã.<<strong>br</strong> />
Aki, esposa de Shozo, falou suspirando:<<strong>br</strong> />
- Ah... Não dá para esquecer aquela menina... Ela ficou<<strong>br</strong> />
no cais de Kobe, olhando o navio até desaparecer de vista...<<strong>br</strong> />
- E a sua irmãzinha continua no Japão?...<<strong>br</strong> />
Ryuta tentou espiar os olhos de <strong>Haru</strong>, que estavam<<strong>br</strong> />
voltados para baixo.<<strong>br</strong> />
- Nós prometemos voltar em três anos, mas até agora,<<strong>br</strong> />
não pudemos cumprir a promessa... Não temos nem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
entrar em contato para saber <strong>com</strong>o ela está...<<strong>br</strong> />
- Quando a guerra terminar, será possível viajar entre o<<strong>br</strong> />
Brasil e o Japão novamente. Você então poderá se encontrar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> ela. A guerra deverá terminar dentro de pouco tempo...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não podia expor seus confusos sentimentos naquele<<strong>br</strong> />
momento. Logicamente, queria que a guerra terminasse logo.<<strong>br</strong> />
Contudo, Kotaro, bem <strong>com</strong>o Ryuta, afirmavam que o Japão<<strong>br</strong> />
iria perder. Se o Japão perdesse, fosse ocupado pelos Estados<<strong>br</strong> />
Unidos e deixasse de existir <strong>com</strong>o Estado, da forma <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
expusera Toki, não sabia <strong>com</strong>o poderia procurar <strong>Natsu</strong>. Não<<strong>br</strong> />
havia certeza de que poderia ir e vir entre o Japão e o Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Ryuta caminhavam, desfrutando de um passeio<<strong>br</strong> />
numa noite tranqüila. Ryuta estava levando <strong>Haru</strong> até a casa<<strong>br</strong> />
dos Takakura, conversando naturalmente em português.<<strong>br</strong> />
- Vou <strong>com</strong> você buscar sua irmãzinha.<<strong>br</strong> />
- 267 -
- Gostaria que essa viagem fosse a nossa lua-de-mel.<<strong>br</strong> />
- Ryuta...? - exclamou <strong>Haru</strong>, espantada, deixando que<<strong>br</strong> />
algumas palavras em japonês escapassem de seus lábios.<<strong>br</strong> />
- Em português... Nunca se sabe se há alguém nos<<strong>br</strong> />
escutando.<<strong>br</strong> />
- Se a sua irmã vier para o Brasil, você poderá se casar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>igo, não é mesmo? Como não sabia da existência de sua<<strong>br</strong> />
irmã, eu tinha achado que era impossível me casar <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
Agora que fiquei sabendo de sua irmã, fico mais tranqüilo.<<strong>br</strong> />
Assim que terminar a guerra, vou falar <strong>com</strong> seu pai e pedi-la<<strong>br</strong> />
em casamento. Você concorda?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se esforçava para ouvir o português de Ryuta. Estava<<strong>br</strong> />
recebendo uma proposta de casamento.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou paralisada <strong>com</strong> a confissão repentina e Ryuta<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>açou-a <strong>com</strong> ternura. Sem reagir, <strong>Haru</strong> se aninhou em<<strong>br</strong> />
silêncio no om<strong>br</strong>o forte de Ryuta, que a a<strong>br</strong>açou <strong>com</strong> mais<<strong>br</strong> />
força.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Ryuta se entreolharam <strong>com</strong>o se certificassem dos<<strong>br</strong> />
seus sentimentos.<<strong>br</strong> />
De repente ouviu-se de longe os gritos tensos de um<<strong>br</strong> />
homem:<<strong>br</strong> />
-Fogo! Fogo!<<strong>br</strong> />
Os dois ergueram os olhos e se voltaram para a direção<<strong>br</strong> />
de onde vinha a voz, vendo grandes labaredas.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> prendeu a respiração.<<strong>br</strong> />
- 268 -
- Não é o seu barracão de sericultura?...<<strong>br</strong> />
Ryuta já estava correndo em direção ao incêndio. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
seguiu-o desesperadamente.<<strong>br</strong> />
De fato, o incêndio havia ocorrido no barracão de<<strong>br</strong> />
sericultura da família Nakayama.<<strong>br</strong> />
Uma multidão se encontrava no local tentando apagar o<<strong>br</strong> />
fogo, mas não podiam fazer mais nada.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Haru</strong> e Ryuta chegaram ao local, o enorme<<strong>br</strong> />
barracão de sericultura estava em chamas e desabava aos<<strong>br</strong> />
poucos.<<strong>br</strong> />
Kotaro, sem poder fazer nada, olhava atônito para o<<strong>br</strong> />
barracão de sericultura que desmoronava em chamas.<<strong>br</strong> />
- Puseram fogo. Já sei quem é o culpado! - disse Kotaro<<strong>br</strong> />
para Ryuta em português.<<strong>br</strong> />
Ryuta alternava o olhar entre o barracão que ardia e<<strong>br</strong> />
Kotaro.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> sentia que o seu coração ia parar de bater, atacada<<strong>br</strong> />
por uma sensação de temor.<<strong>br</strong> />
Correu de volta até sua casa num fôlego só e entrou na<<strong>br</strong> />
sala. Somente Shizu se encontrava na casa.<<strong>br</strong> />
- Onde está o papai?...<<strong>br</strong> />
- Ele saiu depois do jantar e não voltou ainda... Onde foi<<strong>br</strong> />
o incêndio?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> parecia desfalecida, sem fôlego, e Shizu ia dizer<<strong>br</strong> />
algo, quando Chûji chegou.<<strong>br</strong> />
- Que bom que você voltou. Parece que o incêndio foi<<strong>br</strong> />
grande, não é?<<strong>br</strong> />
- 269 -
- Dizem que alguém deve ter posto fogo... - disse <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
olhando para o pai de forma interrogativa.<<strong>br</strong> />
Chûji respondeu em poucas palavras:<<strong>br</strong> />
- Foi castigo do céu.<<strong>br</strong> />
- Onde foi o incêndio?<<strong>br</strong> />
- No barracão de sericultura do Nakayama.<<strong>br</strong> />
- Quem terá feito uma coisa dessas?...- Shizu ia continuar<<strong>br</strong> />
a pergunta e olhou assustada para Chûji.<<strong>br</strong> />
- Você? Não pode ter sido você!...<<strong>br</strong> />
- Qualquer pessoa que tem amor à Pátria poderia ter feito<<strong>br</strong> />
isso. Nesta vila, existem muitas pessoas que não perdoam os<<strong>br</strong> />
que ganham vendendo casulos para os Estados Unidos. Acho<<strong>br</strong> />
que o Nakayama deve ter aprendido a lição.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não dizia nada, embora o olhar direcionado a Chûji,<<strong>br</strong> />
contivesse uma crítica silenciosa.<<strong>br</strong> />
Os mem<strong>br</strong>os da família Nakayama estavam reunidos no<<strong>br</strong> />
local onde o barracão se encontrava totalmente destruído pelas<<strong>br</strong> />
chamas.<<strong>br</strong> />
- Takakura retribuiu os favores que nós prestamos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
este gesto de inimizade. - disse Kotaro.<<strong>br</strong> />
- Você não pode fazer tais acusações enquanto não tiver<<strong>br</strong> />
provas. - falou Ryuta, procurando apaziguar os ânimos.<<strong>br</strong> />
Kotaro, contudo foi categórico:<<strong>br</strong> />
-Ele provocava os demais, dizendo que eu era antipatriota<<strong>br</strong> />
ou traidor da Pátria.<<strong>br</strong> />
-Embora sejamos todos japoneses, existem diversos tipos<<strong>br</strong> />
de pensamento. Mas ainda assim, continuamos amando o<<strong>br</strong> />
- 270 -
Japão.<<strong>br</strong> />
- Sim, eu sei.<<strong>br</strong> />
O incêndio em si era um fato grave, mas Kotaro tinha<<strong>br</strong> />
uma outra preocupação. Se o incêndio criminoso chegasse<<strong>br</strong> />
ao conhecimento da polícia <strong>br</strong>asileira, poderia vir a ser uma<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>plicação a mais. Seriam presas fáceis da polícia <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />
que prendia japoneses causadores de problemas.<<strong>br</strong> />
Incidentes de incêndio e destruição de barracões de<<strong>br</strong> />
sericultura e fá<strong>br</strong>icas de menta ocorreram não só <strong>com</strong> a família<<strong>br</strong> />
Nakayama, mas em diversas regiões do estado de São Paulo.<<strong>br</strong> />
Todos estes casos tinham a conotação de punir os<<strong>br</strong> />
antipatriotas que estariam a ganhar dinheiro às custas da<<strong>br</strong> />
produção de materiais bélicos que favoreciam os Estados<<strong>br</strong> />
Unidos.<<strong>br</strong> />
Como as razões eram conhecidas, as vítimas titubearam<<strong>br</strong> />
em processar os patrícios, autores desses crimes. Procuravam<<strong>br</strong> />
evitar a interferência da polícia.<<strong>br</strong> />
Kotaro não era exceção. Na qualidade de presidente da<<strong>br</strong> />
Associação de Japoneses, não gostaria que a polícia <strong>br</strong>asileira<<strong>br</strong> />
interviesse nos assuntos internos da vila.<<strong>br</strong> />
- Vamos fazer de conta que o incidente de hoje foi<<strong>br</strong> />
provocado por nossa culpa. Nós vamos insistir no fato de<<strong>br</strong> />
que não tivemos o devido cuidado <strong>com</strong> o fogo e isso acabou<<strong>br</strong> />
provocando o incêndio. Todos devem estar de acordo <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
esta argumentação.<<strong>br</strong> />
Kotaro olhou para cada mem<strong>br</strong>o da família, ao fazer esta<<strong>br</strong> />
afirmação e disse, em especial para Ryuta:<<strong>br</strong> />
- 271 -
- Só que não teremos mais qualquer contato <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da família Takakura, inclusive <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Isto deve<<strong>br</strong> />
ficar bem claro.<<strong>br</strong> />
Ryuta não teve <strong>com</strong>o contra-argumentar. Os atos de Chûji<<strong>br</strong> />
tinham sido graves e injustificáveis.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong> e Yamato estavam sentados no chão, em volta<<strong>br</strong> />
de uma mesa, num quarto de tatami de um hotel em estilo<<strong>br</strong> />
japonês nas teimas de Hakone. Para quem nada sabia, parecia<<strong>br</strong> />
ser uma família que estava a descansar, mas o relato de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
era chocante.<<strong>br</strong> />
- Então você não pôde se casar <strong>com</strong> Ryuta?<<strong>br</strong> />
- Ryuta não era uma pessoa que desistia tão facilmente.<<strong>br</strong> />
Ele disse que, quando a guerra terminasse, não haveria mais<<strong>br</strong> />
essa história de antipatriota ou traidor da Pátria. Pediu-me<<strong>br</strong> />
para esperar até lá...<<strong>br</strong> />
- Durante a guerra, a vida no Brasil foi difícil, não? Mas<<strong>br</strong> />
as coisas em Hokkaido também foram difíceis.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> passou a recordar os episódios ocorridos em<<strong>br</strong> />
Hokkaido durante a guerra.<<strong>br</strong> />
Os jovens convocados para servirem nas forças armadas,<<strong>br</strong> />
caminhavam no meio da neve. Os familiares e os vizinhos<<strong>br</strong> />
entoavam marchas militares, desfraldando as bandeiras do<<strong>br</strong> />
Japão. Apesar de não conhecê-los, <strong>Natsu</strong> se despedia deles<<strong>br</strong> />
desejando sua segurança. Quantas vezes essas cenas não se<<strong>br</strong> />
repetiram...<<strong>br</strong> />
- 272 -
Mesmo durante a guerra, <strong>Natsu</strong> trabalhava o dia todo.<<strong>br</strong> />
Quando precisava ir até Sapporo, capital da província, ia de<<strong>br</strong> />
carroça, puxada a cavalo, mesmo no meio da nevasca. Quando<<strong>br</strong> />
voltava, continuava a ordenhar as vacas no celeiro. Kinta e<<strong>br</strong> />
Tsutomu também ajudavam <strong>Natsu</strong>, cuidando sempre das<<strong>br</strong> />
vacas.<<strong>br</strong> />
- Não houve bombardeios, mas havia poucos homens<<strong>br</strong> />
trabalhando na roça, uma vez que eles foram convocados para<<strong>br</strong> />
servir às forças armadas. Na ausência de quem cuidasse das<<strong>br</strong> />
plantações, não se conseguia mais obter safras agrícolas.<<strong>br</strong> />
Havia as vacas que o velho Toku tinha deixado, mas logo<<strong>br</strong> />
que <strong>com</strong>eçou a guerra, criaram uma entidade para<<strong>br</strong> />
regulamentação e controle do leite que recolhiam de toda a<<strong>br</strong> />
produção. Usavam a caseina produzida do leite para colar<<strong>br</strong> />
peças de avião. Eles nos ameaçavam dizendo que o leite<<strong>br</strong> />
também era material bélico e, mesmo entregando todo o leite,<<strong>br</strong> />
eles pagavam uma ninharia. Não tínhamos alimentos e então<<strong>br</strong> />
tentávamos <strong>com</strong>prá-los no mercado negro. Porém, as coisas<<strong>br</strong> />
eram muito caras... Passamos muita fome... Mesmo morrendo<<strong>br</strong> />
de fome, íamos capinar...<<strong>br</strong> />
A neve que se acumulara durante o inverno no pasto havia<<strong>br</strong> />
derretido, e sentia-se o calor do sol de verão.<<strong>br</strong> />
Tanto <strong>Natsu</strong> quanto Kinta e Tsutomu, estavam<<strong>br</strong> />
desanimados e trabalhavam em silêncio, <strong>com</strong>o se estivessem<<strong>br</strong> />
querendo preservar forças. Cortavam os capins em silêncio e<<strong>br</strong> />
- 273 -
iam colocando na carroça. Nem parecia o trio animado de<<strong>br</strong> />
sempre.<<strong>br</strong> />
Ao chegaren no celeiro de Tokuji, empurrando a carroça,<<strong>br</strong> />
não tinham forças para descarregar o capim. Kinta e Tsutomu<<strong>br</strong> />
se esticavam no chão.<<strong>br</strong> />
- Não dá! É impossível fazer um trabalho tão pesado,<<strong>br</strong> />
depois de ter <strong>com</strong>ido somente duas batatinhas pela manhã.<<strong>br</strong> />
Por que você não vende as vacas de uma vez? Não adianta<<strong>br</strong> />
ficar criando vacas se você não tem liberdade para vender o<<strong>br</strong> />
leite ordenhado, não acha?<<strong>br</strong> />
- É verdade. Não sabemos quando a guerra irá terminar.<<strong>br</strong> />
É melhor você vender as vacas para alguém e ficar tranqüila.<<strong>br</strong> />
Não se agüentando de fome, Kinta soltou uma voz chorosa<<strong>br</strong> />
e Tsutomu aderira à sua queixa.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> conseguiu descarregar uma porção de capim da<<strong>br</strong> />
carroça, mas acabou se deitando ao lado dos dois que estavam<<strong>br</strong> />
estirados no chão. Ainda assim, <strong>Natsu</strong> procurou ser forte:<<strong>br</strong> />
- Olha, se vocês não querem trabalhar, não precisam me<<strong>br</strong> />
ajudar. Mas, não se esqueçam de que vocês estão dispensados<<strong>br</strong> />
da mobilização estudantil para prestação <strong>com</strong>pulsória de<<strong>br</strong> />
serviços porque estão cuidando das minhas vacas.<<strong>br</strong> />
Era necessário contar <strong>com</strong> trabalhadores para poder<<strong>br</strong> />
entregar leite bovino à entidade monopolizadora de produtos<<strong>br</strong> />
lácteos, constituída na época da guerra. Como <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />
dispunha de <strong>br</strong>aços para o trabalho, Kinta e Tsutomu foram<<strong>br</strong> />
dispensados do trabalho <strong>com</strong>pulsório nas fá<strong>br</strong>icas para poder<<strong>br</strong> />
ajudá-la.<<strong>br</strong> />
- 274 -
- Eu sei, eu sei. Porém, você <strong>Natsu</strong>, não precisa sofrer<<strong>br</strong> />
tanto pelo país. Se não fosse por essas vacas, você poderia<<strong>br</strong> />
ser recrutada para um trabalho bem mais leve.<<strong>br</strong> />
- Não estou trabalhando para o bem do país. Vocês<<strong>br</strong> />
pensam que existe algum idiota contente por servir a Pátria,<<strong>br</strong> />
enquanto confiscam todo o leite ordenhado? E mesmo quanto<<strong>br</strong> />
às vacas, não sabemos quando elas serão levadas para o<<strong>br</strong> />
matadouro para fornecimento de carne. Se elas puderem<<strong>br</strong> />
so<strong>br</strong>eviver enquanto dão leite, vou continuar a cuidar delas,<<strong>br</strong> />
custe o que custar. Essas são vacas preciosas que o velho<<strong>br</strong> />
Toku confiou a mim.<<strong>br</strong> />
As vacas que não davam leite eram confiscadas para o<<strong>br</strong> />
corte. Havia falta de carne bovina e tudo se destinava aos<<strong>br</strong> />
serviços da Pátria. Tanto Kinta <strong>com</strong>o Tsutomu não gostariam<<strong>br</strong> />
que as vacas de Tokuji tivessem tais destinos. Ambos se<<strong>br</strong> />
calaram, pois sabiam perfeitamente o que poderia acontecer.<<strong>br</strong> />
- Além disso, podemos tomar escondido um pouco do<<strong>br</strong> />
leite, todos os dias. Com isso, não morremos de fome.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> riu <strong>com</strong> expressão marota. Kinta e Tsutomu não<<strong>br</strong> />
tinham argumentos diante de <strong>Natsu</strong>. Levantaram-se <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
muito esforço e <strong>com</strong>eçaram a alimentar as vacas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> acordava todas as manhãs bem cedo, antes do céu<<strong>br</strong> />
clarear, para ordenhar as vacas no celeiro, ocasião em que<<strong>br</strong> />
aproveitava para tomar um copo do leite que acabara de<<strong>br</strong> />
ordenhar.<<strong>br</strong> />
Perto de meio-dia, <strong>Natsu</strong> estava colocando o vasilhame<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> leite ordenhado para fora do celeiro, quando o funcionário<<strong>br</strong> />
- 275 -
da entidade monopolizadora chegou para recolhê-lo.<<strong>br</strong> />
- Bom dia.<<strong>br</strong> />
O homem nem respondeu aos cumprimentos de <strong>Natsu</strong> e<<strong>br</strong> />
foi direto verificar o conteúdo do vasilhame, tirando a tampa.<<strong>br</strong> />
Fez cara feia ao constatar o seu volume.<<strong>br</strong> />
- Hoje, também, você não atingiu o volume da norma<<strong>br</strong> />
atribuída. Se você estiver desviando leite, as coisas vão se<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>plicar, hein? A fiscalização está ficando cada vez mais<<strong>br</strong> />
rigorosa, viu?<<strong>br</strong> />
- Estou dando de <strong>com</strong>er o suficiente para as vacas, mas é<<strong>br</strong> />
que o tempo está cada vez mais quente...<<strong>br</strong> />
- As vacas que não dão mais leite têm que ser entregues<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o gado de corte. Está faltando carne bovina também.<<strong>br</strong> />
- Todas as vacas estão dando leite. Por favor, não diga<<strong>br</strong> />
bobagens. Estou dando a minha vida para criá-las!...<<strong>br</strong> />
- Todos trabalham pela Pátria. Ontem, bombardearam<<strong>br</strong> />
Sapporo. A cidade de Muroran, então, foi <strong>com</strong>pletamente<<strong>br</strong> />
devastada, pois lá existiam fá<strong>br</strong>icas de materiais bélicos. O<<strong>br</strong> />
Japão se encontra no momento mais crítico. Ordenhar vacas<<strong>br</strong> />
também é servir à Pátria.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> não deu a mínima atenção para o sermão do homem.<<strong>br</strong> />
Naquele dia, o sol de verão castigava o pessoal que carpia<<strong>br</strong> />
no campo. Os três continuavam a trabalhar, suspirando de<<strong>br</strong> />
cansaço e fome.<<strong>br</strong> />
- Parece que hoje também vai esquentar, - disse Tsutomu,<<strong>br</strong> />
olhando para o ceú e enxugando o suor.<<strong>br</strong> />
Não havia indícios de ataques aéreos nesta região e o<<strong>br</strong> />
- 276 -
campo verde <strong>br</strong>ilhava <strong>com</strong> vitalidade. Seria bom se não<<strong>br</strong> />
precisasse trabalhar tanto <strong>com</strong> o estômago vazio...<<strong>br</strong> />
- Ah! Hoje de manhã, antes de sair de casa, meu pai disse<<strong>br</strong> />
que ao meio-dia, o Imperador faria um pronunciamento<<strong>br</strong> />
importante pelo rádio. O que será? - falou Kinta dirigindo-se<<strong>br</strong> />
à <strong>Natsu</strong>, que continuava a carpir.<<strong>br</strong> />
- Será que finalmente as tropas americanas vão<<strong>br</strong> />
desembarcar no Japão? Acho que vão nos mandar enfrentar<<strong>br</strong> />
o inimigo <strong>com</strong> lanças de bambu. Será que chegou a hora da<<strong>br</strong> />
nossa morte?<<strong>br</strong> />
- Nossa morte?...<<strong>br</strong> />
- Morrendo, terei paz. Não aconteceu nada de bom até<<strong>br</strong> />
agora, estando viva. E não tem quem chore a minha morte. É<<strong>br</strong> />
tudo um vazio!<<strong>br</strong> />
- Você não queria ir para o Brasil encontrar sua irmã? -<<strong>br</strong> />
Kinta disse a <strong>Natsu</strong>, tentando sondá-la so<strong>br</strong>e suas verdadeiras<<strong>br</strong> />
intenções, sem que ela percebesse.<<strong>br</strong> />
- O pessoal do Brasil não existe mais para mim... É <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se todos tivessem morrido... Então, nada mais me prende neste<<strong>br</strong> />
mundo. Por isso, não tenho medo de morrer.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> continuou a carpir sem parar.<<strong>br</strong> />
Os três iam puxando a carroça carregada de capim a<<strong>br</strong> />
caminho do estábulo. Passaram em frente a uma casa e viram<<strong>br</strong> />
um grupo de lavradores no quintal, todos a chorar. Os três<<strong>br</strong> />
olharam intrigados.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhou para dentro do quintal e viu os lavradores<<strong>br</strong> />
em volta do rádio que estava colocado cerimoniosamente em<<strong>br</strong> />
- 277 -
cima de uma mesa forrada de pano <strong>br</strong>anco. Só se conseguia<<strong>br</strong> />
ouvir chiados fortes.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> perguntou intrigada:<<strong>br</strong> />
- O que aconteceu?<<strong>br</strong> />
- Houve uma transmissão <strong>com</strong> o pronunciamento de Sua<<strong>br</strong> />
Majestade, o Imperador. Ele disse que a guerra terminou...<<strong>br</strong> />
- O Japão ganhou a guerra?<<strong>br</strong> />
-Não, sua tonta!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhou boquiaberta para o rádio e voltou para a casa<<strong>br</strong> />
de Tokuji. Eis que Kinta e Tsutomu aparecem trazendo<<strong>br</strong> />
notícias obtidas de outras fontes.<<strong>br</strong> />
- Parece que é verdade que o Japão perdeu a guerra. <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
é melhor você fugir para as montanhas. Se os soldados<<strong>br</strong> />
americanos chegarem, sabe-se lá o que eles farão <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
- De que adianta fugir? Vou deixar o barco correr e<<strong>br</strong> />
proteger as vacas até o fim. Se vocês estão <strong>com</strong> medo de<<strong>br</strong> />
morrer, fujam. Não se preocupem <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava definitivamente decidida.<<strong>br</strong> />
- Nós vamos proteger você e as vacas. Agora, você é a<<strong>br</strong> />
pessoa mais importante para nós neste mundo.<<strong>br</strong> />
Kinta também parecia estar decidido.<<strong>br</strong> />
- Será que o exército japonês vai nos proteger?<<strong>br</strong> />
Kinta deu um tapa na cabeça de Tsutomu.<<strong>br</strong> />
- Seu burro! O Japão perdeu a guerra! O exército japonês<<strong>br</strong> />
não existe mais!<<strong>br</strong> />
- Verdade?... Então, já não vão mais levar o nosso leite!<<strong>br</strong> />
O leite vai ser todo nosso, não é? - a voz de <strong>Natsu</strong> soou de<<strong>br</strong> />
- 278 -
forma dinâmica e vivida.<<strong>br</strong> />
- Será que, <strong>com</strong> a chegada dos americanos, eles não vão<<strong>br</strong> />
levar o leite?<<strong>br</strong> />
- Não é possível saber quanto tempo o exército americano<<strong>br</strong> />
vai levar para chegar até o interior do país... Até lá, poderei<<strong>br</strong> />
fazer queijos <strong>com</strong> o leite ordenhado. Vou poder fazer queijos<<strong>br</strong> />
depois de muito tempo. Finalmente poderei voltar a fazê-los<<strong>br</strong> />
novamente!<<strong>br</strong> />
- Você vai fazer queijos sem saber o que vai acontecer<<strong>br</strong> />
amanhã?<<strong>br</strong> />
- Só o fato de poder produzir, para mim já está bom.<<strong>br</strong> />
Fazer queijos me faz sentir viva.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong>pletamente eufórica. Kinta e Tsutomu<<strong>br</strong> />
se entreolharam meio atônitos ao vê-la assim.<<strong>br</strong> />
- Com o fim da guerra, tudo o que era controlado pelo<<strong>br</strong> />
governo acabou, e de repente, veio a liberdade... As tropas<<strong>br</strong> />
americanas, que tanto nos preocuparam, acabaram não vindo.<<strong>br</strong> />
E fiz queijos, muitos queijos, dia após dia. Certo dia, percebi<<strong>br</strong> />
que tinha me esquecido de que queria morrer.<<strong>br</strong> />
- No Brasil, chegou também a notícia do fim da guerra.<<strong>br</strong> />
A hostilidade criada pelo Brasil, aliado aos Estados Unidos,<<strong>br</strong> />
em relação ao Japão, terminou, e voltaram novamente a paz<<strong>br</strong> />
e a liberdade. Não posso me esquecer da expressão feliz de<<strong>br</strong> />
Ryuta, dizendo que os japoneses do Brasil também poderiam,<<strong>br</strong> />
de agora em diante, fazer negócios no mercado mundial.<<strong>br</strong> />
- 279 -
Numa colina da vila dos japoneses, <strong>Haru</strong> passava<<strong>br</strong> />
momentos de descanso após o almoço junto <strong>com</strong> Ryuta. Eram<<strong>br</strong> />
momentos de singela felicidade.<<strong>br</strong> />
Ryuta falava dos seus sonhos futuros <strong>com</strong> <strong>br</strong>ilho nos olhos<<strong>br</strong> />
e o coração de <strong>Haru</strong> palpitava de felicidade, ouvindo falar de<<strong>br</strong> />
sonhos que eram <strong>com</strong>o se fossem os seus.<<strong>br</strong> />
Aos 20 anos, era a primeira vez que <strong>Haru</strong> sentia a<<strong>br</strong> />
juventude desa<strong>br</strong>ochando.<<strong>br</strong> />
- Mas <strong>com</strong> papai, foi diferente. Ele não queria aceitar, de<<strong>br</strong> />
forma nenhuma, a derrota do Japão. Na época, apareceram<<strong>br</strong> />
no Brasil muitos boatos de que teriam ouvido no rádio de<<strong>br</strong> />
que o Japão havia vencido a guerra, e apareceram fotos e<<strong>br</strong> />
folhetos que mostravam a vitória do Japão. Muitas pessoas<<strong>br</strong> />
acreditaram nesses boatos e, assim, elas passaram a ser<<strong>br</strong> />
conhecidas <strong>com</strong>o 'kachigumi'.<<strong>br</strong> />
Com o término da guerra, o confronto ideológico entre<<strong>br</strong> />
os japoneses havia se agravado ainda mais.<<strong>br</strong> />
Os que não aceitavam a derrota do Japão, acreditando na<<strong>br</strong> />
sua vitória, eram chamados de kachigumi, que significava os<<strong>br</strong> />
adeptos da vitória.<<strong>br</strong> />
Em contrapartida, as pessoas que aceitavam a derrota eram<<strong>br</strong> />
chamadas de makegumi, pois, reconheciam a situação<<strong>br</strong> />
verdadeira dos fatos.<<strong>br</strong> />
Numa certa sala, reunia-se um grupo de kachigumi, dentre<<strong>br</strong> />
os quais se encontrava Chûji. Estavam a ouvir o rádio, quando<<strong>br</strong> />
- 280 -
um homem entrou correndo <strong>com</strong> um folheto na mão, cuja<<strong>br</strong> />
leitura foi acolhida <strong>com</strong> gritos de satisfação por pessoas que<<strong>br</strong> />
ali se encontravam.<<strong>br</strong> />
O folheto falava da vitória do Japão.<<strong>br</strong> />
Durante a guerra, a <strong>com</strong>unidade japonesa estava cerceada<<strong>br</strong> />
de informações. Os imigrantes não puderam satisfazer o<<strong>br</strong> />
desejo de voltar para a Pátria e viviam na po<strong>br</strong>eza. O seu<<strong>br</strong> />
único conforto espiritual eram as notícias da "grande vitória"<<strong>br</strong> />
do Quartel General das Forças Armadas do Japão, que<<strong>br</strong> />
chegavam esparsamente, mas faziam os imigrantes<<strong>br</strong> />
acreditarem que o "País Divino" jamais seria vencido.<<strong>br</strong> />
Ainda que chegassem as notícias de que Tóquio e demais<<strong>br</strong> />
cidades principais tivessem sido transformadas em cinzas<<strong>br</strong> />
pelos bombardeios, de que a batalha de Okinawa tivesse<<strong>br</strong> />
terminado numa triste derrota, e até mesmo so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />
lançamento das bombas atômicas, achavam que eram medidas<<strong>br</strong> />
estratégicas para aproximar o inimigo do território japonês<<strong>br</strong> />
para derrotá-lo de uma só vez. Os imigrantes aguardavam<<strong>br</strong> />
ansiosos o sucesso da batalha final onde se proclamaria a<<strong>br</strong> />
vitória do Japão, quando receberam, de repente e de forma<<strong>br</strong> />
inesperada, a notícia da "rendição incondicional".<<strong>br</strong> />
Em pouco tempo, contudo, espalhou-se o boato de que a<<strong>br</strong> />
notícia da derrota do Japão era falsa e teria sido forjada pelos<<strong>br</strong> />
aliados para enganá-los. Para os imigrantes que não queriam<<strong>br</strong> />
acreditar na derrota do Japão, a notícia de sua vitória era a<<strong>br</strong> />
esperança e o conforto de poder retornar à Pátria.<<strong>br</strong> />
No fundo, havia o sentimento de amor e saudade pela<<strong>br</strong> />
- 281 -
Pátria e era possível dizer que, num certo momento, 90% dos<<strong>br</strong> />
imigrantes chegaram a a<strong>br</strong>açar a notícia da vitória do Japão.<<strong>br</strong> />
Por mais que tenha havido falta de informações, o motivo<<strong>br</strong> />
pelo qual a maioria dos imigrantes japoneses acreditou na<<strong>br</strong> />
vitória do Japão, deveu-se ao fato de não ter existido uma<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>unicação direta do Japão para o Brasil.<<strong>br</strong> />
De fato, o Edito Imperial so<strong>br</strong>e a rendição fora telegrafado<<strong>br</strong> />
do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão para a Cruz<<strong>br</strong> />
Vermelha suíça que, por sua vez retransmitira a mensagem<<strong>br</strong> />
para a Cruz Vermelha da Argentina, que a retransmitira à<<strong>br</strong> />
Cruz Vermelha <strong>br</strong>asileira. Assim, a notícia viera através da<<strong>br</strong> />
Cruz Vermelha e não do governo japonês.<<strong>br</strong> />
A notícia que chegara ao Brasil fora transmitida às pessoas<<strong>br</strong> />
consideradas influentes entre os japoneses residentes no país.<<strong>br</strong> />
E estas pessoas reuniram outras pessoas que estariam na<<strong>br</strong> />
liderança dos imigrantes. Assim, a transmissão da notícia<<strong>br</strong> />
havia sido realizada de uma forma um tanto quanto ambígua.<<strong>br</strong> />
Os <strong>com</strong>ponentes do grupo makegumi,ou seja, dos que se<<strong>br</strong> />
conscientizaram da derrota japonesa, procuraram divulgar<<strong>br</strong> />
estas idéias através de um movimento de reconhecimento da<<strong>br</strong> />
realidade. Contudo, muitos dos mem<strong>br</strong>os do grupo makegumi<<strong>br</strong> />
ou eram pessoas que estavam integradas ao Brasil desde o<<strong>br</strong> />
período anterior à guerra ou eram pessoas que haviam<<strong>br</strong> />
acumulado bens através da produção de menta ou de<<strong>br</strong> />
sericultura. Eram, portanto, pessoas que não eram do agrado<<strong>br</strong> />
dos kachigumi.<<strong>br</strong> />
Os partidários do grupo makegumi eram considerados<<strong>br</strong> />
- 282 -
traidores que haviam se despojado do orgulho japonês, e<<strong>br</strong> />
assim, os kachigumi não quiseram dar ouvidos àqueles que<<strong>br</strong> />
teriam vendido as suas almas para o Brasil.<<strong>br</strong> />
O confronto entre os kachigumi e makegumi continuou<<strong>br</strong> />
por anos a fio após a derrota do Japão.<<strong>br</strong> />
Chüji, por sua vez, insistia na maneira de ser de um<<strong>br</strong> />
japonês tradicional e por dar demasiado valor ao seu orgulho,<<strong>br</strong> />
era um dos que não podia acreditar na derrota do Japão.<<strong>br</strong> />
- O pai do Ryuta, por outro lado, aceitou serenamente a<<strong>br</strong> />
derrota, e queria fazer <strong>com</strong> que os que reconheciam a vitória<<strong>br</strong> />
do Japão se convencessem do fato.<<strong>br</strong> />
Uma grande festa estava sendo realizada no salão da<<strong>br</strong> />
Associação dos Japoneses. Os patrocinadores eram alguns<<strong>br</strong> />
japoneses influentes encabeçados por Kotaro Nakayama.<<strong>br</strong> />
Havia muitos japoneses, dentre eles Ryuta, Toki, Sachi, da<<strong>br</strong> />
família Nakayama, que já estavam sentados à mesa<<strong>br</strong> />
juntamente <strong>com</strong> os so<strong>br</strong>inhos Shozo e Aki. Um pouco<<strong>br</strong> />
atrasados, chegaram ao local, Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>. Kotaro<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhava os passos de Chûji <strong>com</strong> os olhos.<<strong>br</strong> />
Dali a pouco, Kotaro se levantou para erguer um <strong>br</strong>inde e<<strong>br</strong> />
fazer um discurso. Na parede estava colocada a bandeira<<strong>br</strong> />
nacional japonesa.<<strong>br</strong> />
- Enfim, terminou a longa guerra, um resultado muito<<strong>br</strong> />
triste para nós, japoneses. Japão, Alemanha e Itália foram<<strong>br</strong> />
derrotados, mas finalmente o Japão poderá viver uma<<strong>br</strong> />
- 283 -
democracia. Dizem que o país está <strong>com</strong>pletamente destruído<<strong>br</strong> />
devido aos bombardeios, mas, <strong>com</strong>o diz o poeta, "mesmo<<strong>br</strong> />
que uma nação seja derrotada, restam-lhe as montanhas e os<<strong>br</strong> />
rios"... Acredito que o Japão renascerá, <strong>com</strong>o uma fênix, em<<strong>br</strong> />
meio à paz e à liberdade obtidas pelos nossos conterrâneos<<strong>br</strong> />
em troca da derrota. Nós, que estamos no exterior, devemos<<strong>br</strong> />
nos esforçar para ajudar na reconstrução da nossa terra natal.<<strong>br</strong> />
Quero ressaltar o orgulho de ser japonês, e renovar nossa<<strong>br</strong> />
decisão de continuar a viver no Brasil.<<strong>br</strong> />
-Não minta! - Chüji se levantou, de repente, e <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />
a atacar Kotaro. - Realmente, a guerra acabou. Porém, o Japão<<strong>br</strong> />
não foi derrotado. O Japão é um país divino. É a nação onde<<strong>br</strong> />
sopra o vento sagrado. Não é admissível uma derrota. Com<<strong>br</strong> />
que fundamento vocês estão dizendo que o Japão foi<<strong>br</strong> />
derrotado? Ainda assim vocês se consideram japoneses?<<strong>br</strong> />
- Eu entendo o seu sentimento de não querer acreditar na<<strong>br</strong> />
derrota do Japão. Eu também não quero acreditar. Contudo,<<strong>br</strong> />
Sua Majestade, o Imperador, leu pessoalmente no rádio o<<strong>br</strong> />
Edito Imperial que reconhece a derrota do Japão.<<strong>br</strong> />
- Pois, se nessas mesmas transmissões, diziam até há<<strong>br</strong> />
pouco que o Japão estava invicto, <strong>com</strong>o é que, de repente,<<strong>br</strong> />
ele poderia estar em uma situação de rendição incondicional?<<strong>br</strong> />
Tudo isso é invenção. Vocês estão sendo enganados por<<strong>br</strong> />
aqueles que debocham dos japoneses. Como podem tentar<<strong>br</strong> />
nos convencer disso? Não têm vergonha de serem japoneses?<<strong>br</strong> />
Chüji que<strong>br</strong>ou o copo que tinha na mão, atirando-o no<<strong>br</strong> />
chão e surgiram então, aqui e acolá, diversas vozes que<<strong>br</strong> />
- 284 -
concordavam <strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />
- Isso mesmo! Retire o que você disse a respeito da derrota<<strong>br</strong> />
do Japão! - gritou Yamada, que numa certa ocasião estivera<<strong>br</strong> />
a cochichar <strong>com</strong> Chûji.<<strong>br</strong> />
De repente, Shozo, so<strong>br</strong>inho de Kotaro, adere ao coro<<strong>br</strong> />
gritando:<<strong>br</strong> />
- O Japão venceu! A guerra acabou porque o Japão<<strong>br</strong> />
venceu! Vamos acabar <strong>com</strong> esta festa que <strong>com</strong>emora a derrota<<strong>br</strong> />
do Japão. Vamos acabar agora!<<strong>br</strong> />
Shozo se levantou e virou a mesa. Encorajados pelo ato,<<strong>br</strong> />
logo <strong>com</strong>eçou a confusão, <strong>com</strong> diversas mesas sendo viradas.<<strong>br</strong> />
- Shozo, você também? - gemeu Kotaro, <strong>com</strong> amargura<<strong>br</strong> />
Shozo confirmou:<<strong>br</strong> />
- Tio, eu não estou errado! O Japão não foi derrotado!<<strong>br</strong> />
- Foi bom o Japão ter sido derrotado. Até agora, o Japão<<strong>br</strong> />
estava seguindo um caminho errado. Com a derrota,<<strong>br</strong> />
finalmente eles caíram na realidade.<<strong>br</strong> />
- O quê?! Você ainda insiste...?! - gritou Chûji, ao mesmo<<strong>br</strong> />
tempo que o agarrou pelos <strong>br</strong>aços. Ryuta procurou intermediar<<strong>br</strong> />
colocando-se entre Kotaro e Chûji, mas os três acabaram<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>igando.<<strong>br</strong> />
Foi o <strong>com</strong>eço de uma grande luta corporal entre os grupos<<strong>br</strong> />
dos makegumi e dos kachigumi.<<strong>br</strong> />
- Pare, papai! - <strong>Haru</strong> gritava desesperada, mas nada podia<<strong>br</strong> />
fazer.<<strong>br</strong> />
- E papai e os outros foram presos outra vez.<<strong>br</strong> />
- 285 -
A<strong>com</strong>panhado por <strong>Haru</strong>, Chûji saiu da delegacia de<<strong>br</strong> />
polícia, sujo e <strong>com</strong> a barba por fazer.<<strong>br</strong> />
Diversos policiais corriam em frente à delegacia, o que<<strong>br</strong> />
evidenciava que outras confusões estavam ocorrendo em<<strong>br</strong> />
algum lugar.<<strong>br</strong> />
Depois que os policiais se foram, um homem japonês<<strong>br</strong> />
surgiu repentinamente da som<strong>br</strong>a de um prédio. Parecia ser<<strong>br</strong> />
mais um dos mem<strong>br</strong>os dos kachigumi que estava no salão de<<strong>br</strong> />
festas. Trazia uma arma de fogo nas mãos.<<strong>br</strong> />
Sem se preocupar em ter sido visto por Chûji e outros, o<<strong>br</strong> />
homem desapareceu rapidamente por trás do prédio.<<strong>br</strong> />
Se a notícia de vitória do Japão fosse um boato passageiro<<strong>br</strong> />
que tivesse emergido do patriotismo ou de esperança, não<<strong>br</strong> />
haveria problemas maiores. Tudo não passaria de uma <strong>br</strong>iga<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o a que ocorrera <strong>com</strong> Chûji e os demais mem<strong>br</strong>os da<<strong>br</strong> />
vila.<<strong>br</strong> />
Contudo, a situação se agravou cada vez mais e progrediu<<strong>br</strong> />
em tragédias, <strong>com</strong> derramamento de sangue entre os<<strong>br</strong> />
partidários dos kachigumi e makegumi.<<strong>br</strong> />
Os incidentes surgiram tendo <strong>com</strong>o pivô a entidade<<strong>br</strong> />
extremista Shindô Renmei, que significava a Liga do<<strong>br</strong> />
Caminho dos Súditos. Este grupo perseguia os líderes do<<strong>br</strong> />
grupo que reconhecia a derrota do Japão e acabaram<<strong>br</strong> />
provocando dezenas de homicídios.<<strong>br</strong> />
Contudo, apenas um pequeno grupo de pessoas ingressou<<strong>br</strong> />
formalmente na Shindô Renmei. A maioria dos que<<strong>br</strong> />
pertenciam aos kachigumi eram pessoas que não admitiam a<<strong>br</strong> />
- 286 -
derrota do Japão, baseados no puro sentimento patriótico.<<strong>br</strong> />
Tanto os kachigumi, que defendiam desesperadamente o<<strong>br</strong> />
orgulho dos japoneses, quanto os makegumi, que admitiam a<<strong>br</strong> />
derrota do Japão, sofreram perdas, <strong>com</strong> dezenas de vítimas.<<strong>br</strong> />
Ambos os grupos foram vítimas da guerra.<<strong>br</strong> />
Essa <strong>br</strong>iga interna entre os japoneses foi uma verdadeira<<strong>br</strong> />
tragédia dos imigrantes no Brasil causada pela guerra.<<strong>br</strong> />
A <strong>br</strong>iga iniciada pelo grupo de Chûji fora de alguma forma<<strong>br</strong> />
contornada, graças à mano<strong>br</strong>a de Nakayama, que não queria<<strong>br</strong> />
dar maior ênfase ao acontecimento.<<strong>br</strong> />
Shizu aguardava em casa a volta de Chûji, que seria solto<<strong>br</strong> />
pela polícia. Não queria que houvesse outras confusões. Tendo<<strong>br</strong> />
causado diversos constrangimentos à família Nakayama,<<strong>br</strong> />
Shizu quis externar algumas palavras de queixa ao ver o seu<<strong>br</strong> />
marido:<<strong>br</strong> />
- Você foi solto logo porque o sr. Nakayama depôs a seu<<strong>br</strong> />
favor. A polícia ficou em alvoroço dizendo que um tumulto<<strong>br</strong> />
estava acontecendo... O sr. Nakayama foi bondoso, dizendo<<strong>br</strong> />
à polícia que foi apenas uma <strong>br</strong>iga de bêbados... Coitada da<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> que tem que aturar um pai desses. Você tem que pensar<<strong>br</strong> />
um pouco na <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />
Calado e mal humorado, Chûji tentou tomar um gole de<<strong>br</strong> />
pinga.<<strong>br</strong> />
- Não queira disfarçar <strong>com</strong> bebidas! - disse Shizu,<<strong>br</strong> />
arrancando a garrafa de bebida.<<strong>br</strong> />
- Não é porque o Japão perdeu a guerra que nós vamos<<strong>br</strong> />
sofrer ameaças dos <strong>br</strong>asileiros ou que eles vão nos fazer de<<strong>br</strong> />
- 287 -
obos. Não vê que eles estão mais amistosos agora? Não vejo<<strong>br</strong> />
razões para <strong>br</strong>igar por causa da vitória ou da derrota. É mais<<strong>br</strong> />
importante pensar em <strong>com</strong>o continuar a nossa vida aqui!...<<strong>br</strong> />
Chûji não conseguia suportar a desonra de ser tratado<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o súdito de um estado derrotado no Brasil, pais que tratara<<strong>br</strong> />
os japoneses <strong>com</strong>o inimigos. Ainda assim, <strong>Haru</strong> não podia<<strong>br</strong> />
deixar de falar:<<strong>br</strong> />
- O senhor está enganado, pai. Tem que reconhecer a<<strong>br</strong> />
derrota.<<strong>br</strong> />
- Podem falar o que quiserem, mas eu acredito na vitória<<strong>br</strong> />
do Japão. Mesmo que todos insistam que o Japão perdeu, eu<<strong>br</strong> />
continuarei a acreditar na vitória do Japão ainda que seja o<<strong>br</strong> />
único no mundo. Tenho orgulho de ser japonês. Vou continuar<<strong>br</strong> />
a viver <strong>com</strong>o filho de um Japão vitorioso. - continuou Chûji<<strong>br</strong> />
diante de <strong>Haru</strong> e Shizu, que se calaram.<<strong>br</strong> />
- Não é verdade? O nosso filho Mmoru está defendendo<<strong>br</strong> />
o Japão <strong>com</strong>o militar do Império Japonês. Existe alguém mais<<strong>br</strong> />
aqui que tenha um filho militar? Esse pessoal pode ser<<strong>br</strong> />
enganado facilmente, e pode acreditar na derrota do Japão.<<strong>br</strong> />
Mas eu não! Temos o Minoru! O Japão, pelo qual o Minoru<<strong>br</strong> />
está batalhando, não pode ser derrotado!<<strong>br</strong> />
Provavelmente, Chûji devia pensar que se acreditasse na<<strong>br</strong> />
derrota do Japão, não poderia encarar o seu filho Minoru <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
pai. Este devia ser o seu sentimento.<<strong>br</strong> />
Shizu e <strong>Haru</strong> também <strong>com</strong>eçaram a ficar tristes.<<strong>br</strong> />
- Não sei quando poderei me encontrar <strong>com</strong> ele, mas, no<<strong>br</strong> />
dia em que isso acontecer, quero <strong>br</strong>indar à vitória do Japão<<strong>br</strong> />
- 288 -
que o Minoru está defendendo.<<strong>br</strong> />
Este era o desejo ardente de Chüji. Era o calor do<<strong>br</strong> />
sentimento familiar que ultrapassava a realidade da vitória<<strong>br</strong> />
ou da derrota.<<strong>br</strong> />
Parecendo mais conformada, Shizu serviu bebida ao seu<<strong>br</strong> />
marido.<<strong>br</strong> />
- É verdade... Se não acreditarmos na vitória do Japão,<<strong>br</strong> />
coitado do Minoru, não é?...<<strong>br</strong> />
Lágrimas vieram aos olhos de Chûji. <strong>Haru</strong> se <strong>com</strong>oveu<<strong>br</strong> />
diante da cena.<<strong>br</strong> />
Sentindo a presença de alguém, <strong>Haru</strong> olhou pela janela e<<strong>br</strong> />
viu que Ryuta estava chegando.<<strong>br</strong> />
- Com licença?<<strong>br</strong> />
Ao ouvir a voz de Ryuta, Chûji se levantou <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
fisionomia alterada. Afobada, Shizu conteve o seu marido.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se apressou em enxugar suas lágrimas e recebeu<<strong>br</strong> />
Ryuta fora de casa.<<strong>br</strong> />
O semblante de Ryuta estava mais rígido, devido ao<<strong>br</strong> />
incidente.<<strong>br</strong> />
- Que bom que seu pai pôde voltar ileso.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-nos o incômodo...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> abaixou a cabeça, demonstrando também ares de<<strong>br</strong> />
seriedade.<<strong>br</strong> />
- Queria conversar so<strong>br</strong>e <strong>com</strong>o vamos proceder a partir<<strong>br</strong> />
de agora... E so<strong>br</strong>e você, também...<<strong>br</strong> />
No momento em que Ryuta <strong>com</strong>eçou a falar, apareceu<<strong>br</strong> />
Chûji, que conseguira se livrar de Shizu.<<strong>br</strong> />
- 289 -
- Não temos nada para conversar. Não tenho intenções<<strong>br</strong> />
de manter relações <strong>com</strong> sua família. Posso ser boicotado por<<strong>br</strong> />
todos da vila, porém, não vou abaixar a cabeça para vocês.<<strong>br</strong> />
Não quero. Vá embora!<<strong>br</strong> />
- Sr. Takakura...<<strong>br</strong> />
- Suma daqui! Não quero vê-lo nunca mais!<<strong>br</strong> />
Ryuta tinha muita coisa a dizer para Chûji. Contudo, ele<<strong>br</strong> />
engoliu as palavras que tinha para falar e deixou a casa dos<<strong>br</strong> />
Takakura.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> hesitou um instante entre o pai e Ryuta. E então,<<strong>br</strong> />
lançando um olhar de condenação a Chûji, apressou-se em<<strong>br</strong> />
correr atrás de Ryuta.<<strong>br</strong> />
- Não permito que você se encontre <strong>com</strong> esse sujeito!<<strong>br</strong> />
Volte!<<strong>br</strong> />
Shizu tocou de leve em Chûji e acenou negativamente.<<strong>br</strong> />
Diante da fisionomia triste de Shizu, Chûji se calou, nada mais<<strong>br</strong> />
podendo dizer.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se desculpou a Ryuta, que caminhava adiante.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me pela maneira <strong>com</strong>o ele o tratou...<<strong>br</strong> />
- Seu pai acabou de sair da cadeia hoje e ainda está<<strong>br</strong> />
nervoso. Falarei <strong>com</strong> ele um outro dia.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> nada respondeu e caminhou ao lado de Ryuta.<<strong>br</strong> />
- Em casa, as coisas também não vão bem. Shozo tornouse<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>o dos kachigumi e foi embora. Papai está muito<<strong>br</strong> />
zangado, dizendo que ele foi instigado por seu pai. Mas acho<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong> o passar do tempo, ele vai entender que você e seu<<strong>br</strong> />
pai são pessoas diferentes, e vai concordar que eu me case<<strong>br</strong> />
- 290 -
<strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
- Meu pai não é uma pessoa <strong>com</strong> um coração tão grande<<strong>br</strong> />
assim. Ele está <strong>com</strong>pletamente crente quanto à vitória do<<strong>br</strong> />
Japão... Nem posso falar so<strong>br</strong>e você... Eu já me conformei...<<strong>br</strong> />
Ryuta parou de caminhar e olhou para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Estando no Brasil, não importa se o Japão ganhou ou<<strong>br</strong> />
perdeu a guerra. Pessoas <strong>com</strong> idéias fixas <strong>com</strong>o meu pai são<<strong>br</strong> />
desprezadas e humilhadas. Porém, eu entendo o sentimento<<strong>br</strong> />
de meu pai, de querer acreditar que o Japão venceu a guerra.<<strong>br</strong> />
Quero tratar seu sentimento <strong>com</strong> carinho. Acho que isso é<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igação de filha. Não posso trair o meu pai.<<strong>br</strong> />
Chûji só tinha <strong>Haru</strong> e Shizu. Não era <strong>com</strong>o Kotaro ou<<strong>br</strong> />
Ryuta, que eram cercados de muitas pessoas, que os<<strong>br</strong> />
respeitavam e buscavam apoio. E, antes de tudo, a própria<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> era o tipo de japonesa à moda antiga, que pensava acima<<strong>br</strong> />
de tudo nos pais.<<strong>br</strong> />
- Eu queria passar a minha vida junto de você, Ryuta.<<strong>br</strong> />
Mas, por mais tolo que seja, para mim, ele é meu único pai.<<strong>br</strong> />
A fisionomia de Ryuta, que olhava <strong>Haru</strong> de forma rígida,<<strong>br</strong> />
transformou-se num semblante carinhoso.<<strong>br</strong> />
Talvez pelo fato de <strong>Haru</strong> ser assim é que Ryuta passara a<<strong>br</strong> />
gostar dela. O ambiente que os cercava, não era, contudo, tão<<strong>br</strong> />
favorável a ponto de permitir o relacionamento dos dois, pelo<<strong>br</strong> />
simples fato de que eles se gostavam.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> virou as costas, dirigindo-se para casa e Ryuta<<strong>br</strong> />
seguiu seu caminho. A distância entre os dois foi<<strong>br</strong> />
aumentando...<<strong>br</strong> />
- 291 -
Num dos quartos do hotel em estilo japonês em Hakone,<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> estavam a falar so<strong>br</strong>e as respectivas vidas que<<strong>br</strong> />
levaram, cheias de altos e baixos. <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou a falar so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
a parte inicial de sua vida, logo após a guerra.<<strong>br</strong> />
- A presença do papai foi um peso para você, não é, <strong>Haru</strong>?<<strong>br</strong> />
Eu sentia rancor, achando que tinha sido abandonada por meus<<strong>br</strong> />
pais e irmãos, mas, talvez tenha sido feliz por não ter que<<strong>br</strong> />
carregar esse peso ou estar presa a algo. Depois que terminou<<strong>br</strong> />
a guerra, de repente, o mundo ficou livre e vivi <strong>com</strong>o quis.<<strong>br</strong> />
Na fa<strong>br</strong>iqueta de queijo de Tokuji, em Hokkaido, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
estava totalmente concentrada no trabalho, desde que tomara<<strong>br</strong> />
conhecimento do término da guerra.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu continuavam colaborando e nada havia<<strong>br</strong> />
mudado. Estavam se dedicando à fa<strong>br</strong>icação de queijo,<<strong>br</strong> />
esquecendo-se do passar do tempo.<<strong>br</strong> />
- Ih, já faz muito tempo que passou da meia-noite. É<<strong>br</strong> />
melhor vocês irem para casa.<<strong>br</strong> />
Finalmente, <strong>Natsu</strong> se dera conta de que a data no<<strong>br</strong> />
calendário já havia mudado.<<strong>br</strong> />
- O que tem que ser feito hoje, será feito.<<strong>br</strong> />
- Mas vocês não podem ficar fazendo isso sempre.<<strong>br</strong> />
Precisam viver no novo Japão. Precisam estudar ou arranjar<<strong>br</strong> />
um emprego decente, pensando no futuro.<<strong>br</strong> />
- Ah, então você está in<strong>com</strong>odada conosco?<<strong>br</strong> />
-Não é isso! Achei que homens fortes <strong>com</strong>o vocês não<<strong>br</strong> />
deveriam estar ajudando numa fá<strong>br</strong>ica de queijo num lugarejo<<strong>br</strong> />
- 292 -
desses.<<strong>br</strong> />
Tsutomu, que ouvia o diálogo entre <strong>Natsu</strong> e Kinta,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçou a falar:<<strong>br</strong> />
- Eu não gosto de estudar. A minha família é de lavradores<<strong>br</strong> />
e não podem pagar os meus estudos. Não sirvo para<<strong>br</strong> />
agricultura e sou o terceiro filho, de tal forma que não poderei<<strong>br</strong> />
suceder na propriedade da família. Acho que a melhor coisa<<strong>br</strong> />
para mim é ajudar você, <strong>Natsu</strong> a fa<strong>br</strong>icar queijos.<<strong>br</strong> />
- A minha situação é a mesma de Tsutomu. Sou o caçula<<strong>br</strong> />
de cinco irmãos e estou so<strong>br</strong>ando em casa. Tenho que me<<strong>br</strong> />
preocupar em trabalhar e ganhar a vida. Seria bom se eu<<strong>br</strong> />
pudesse trabalhar aqui e garantir o meu sustento para o resto<<strong>br</strong> />
da vida.<<strong>br</strong> />
- Um dia, eu tinha mesmo que conversar seriamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
vocês a respeito deste assunto. Se vocês pretendem, de fato,<<strong>br</strong> />
fa<strong>br</strong>icar queijos, vamos unir nossas forças e trabalhar em três.<<strong>br</strong> />
Cuidar das vacas, fa<strong>br</strong>icar queijos e <strong>com</strong>ercializá-los, tudo<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o vínhamos fazendo até agora. Os ganhos seriam<<strong>br</strong> />
igualmente divididos em três. Que tal?<<strong>br</strong> />
- Para mim, quero o suficiente para poder <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> falou vigorosamente para Kinta, que era uma pessoa<<strong>br</strong> />
sem grandes pretensões, uma vez que a oportunidade para<<strong>br</strong> />
ganhar dinheiro era agora em que não havia o que <strong>com</strong>er e os<<strong>br</strong> />
queijos poderiam ser vendidos por um preço alto:<<strong>br</strong> />
- O que está dizendo? Se levarmos queijos a Sapporo,<<strong>br</strong> />
podemos vender à vontade no mercado negro. Vai ser<<strong>br</strong> />
divertido ganhar dinheiro. Vamos <strong>com</strong>er bem, criar as vacas,<<strong>br</strong> />
- 293 -
ordenhá-las, fa<strong>br</strong>icar queijos, vendê-los... Podemos até<<strong>br</strong> />
trabalhar sem dormir. Vamos economizar e um dia, a<strong>br</strong>ir uma<<strong>br</strong> />
empresa de verdade. Nossa indústria de queijos!<<strong>br</strong> />
- Uma empresa nossa... Que legal... - Kinta disse<<strong>br</strong> />
satisfeito, e, imediatamente Tsutomu passou a <strong>br</strong>adar:<<strong>br</strong> />
- Então, vamos trabalhar! Se não trabalharmos agora,<<strong>br</strong> />
quando iremos fazê-lo?<<strong>br</strong> />
Os três já se conheciam bem. Nada os impedia...<<strong>br</strong> />
Levavam os queijos frescos de carroça até o mercado<<strong>br</strong> />
negro. O queijo fa<strong>br</strong>icado <strong>com</strong> a técnica de Tokuji já era tão<<strong>br</strong> />
famoso a ponto de ter clientela própria no mercado de<<strong>br</strong> />
Sapporo.<<strong>br</strong> />
- Queijo caseiro! Nós mesmos criamos as vacas,<<strong>br</strong> />
ordenhamos o leite e fa<strong>br</strong>icamos os queijos. É um queijo muito<<strong>br</strong> />
gostoso! Que tal?<<strong>br</strong> />
- O seu queijo é realmente gostoso. Dê-me dois.<<strong>br</strong> />
Kinta respondeu <strong>com</strong> voz vigorosa para a cliente que<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prava em volumes maiores:<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado pela preferência.<<strong>br</strong> />
- Quero cinco queijos para mim!<<strong>br</strong> />
Os pedidos não cessavam, e os queijos foram vendidos<<strong>br</strong> />
num instante.<<strong>br</strong> />
À noite, <strong>Natsu</strong> e seus sócios voltaram de Sapporo e se<<strong>br</strong> />
reuniram na casa de Tokuji, virando a mala <strong>com</strong> a féria do<<strong>br</strong> />
dia. Da mala, saíram muitas notas de dinheiro. <strong>Natsu</strong>, Kinta<<strong>br</strong> />
e Tsutomu riram e se dividiram para contá-las.<<strong>br</strong> />
- 294 -
- Começamos a vender queijos no mercado negro quatro<<strong>br</strong> />
meses depois que terminou a guerra. Vendia-se num instante,<<strong>br</strong> />
mesmo co<strong>br</strong>ando caro... Só <strong>com</strong> as vacas do vovô Toku já<<strong>br</strong> />
não dávamos conta... E tivemos que <strong>com</strong>prar leite de outros<<strong>br</strong> />
produtores para fa<strong>br</strong>icar mais e mais queijos. Ganhamos<<strong>br</strong> />
bastante dinheiro. Porém, logo depois, uma grande empresa<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçou a fa<strong>br</strong>icar queijos e o nosso negócio <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
estagnar. Não dava para <strong>com</strong>petir, de forma alguma, <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />
empresa grande. Essa era a situação naquela época...<<strong>br</strong> />
Uma vez, quando vendiam queijos no mercado negro,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o sempre, um homem <strong>com</strong> uniforme do exército<<strong>br</strong> />
americano apareceu para <strong>com</strong>prar. Seu nome era George<<strong>br</strong> />
Harada. A primeira vista, tinha fisionomia de japonês, mas<<strong>br</strong> />
pelo uniforme e graduação, parecia ser tenente do exército<<strong>br</strong> />
americano, que ocupava o Japão. Tratava-se de um jovem<<strong>br</strong> />
oficial.<<strong>br</strong> />
George parecia estar acostumado a <strong>com</strong>prar os queijos e<<strong>br</strong> />
vinha puxando conversa em japonês, de forma amistosa.<<strong>br</strong> />
- Dê-me cinco queijos. O queijo de vocês é mais gostoso<<strong>br</strong> />
que o dos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> sorriu, demonstrando simpatia:<<strong>br</strong> />
- Ah, muito o<strong>br</strong>igada! Fico muito contente <strong>com</strong> o elogio,<<strong>br</strong> />
principalmente vindo de uma pessoa que conhece queijos.<<strong>br</strong> />
Vou lhe dar um presente.<<strong>br</strong> />
-Presente...?<<strong>br</strong> />
- Um queijo a mais.<<strong>br</strong> />
- 295 -
- Oh, muito o<strong>br</strong>igado. Em troca, tome. São biscoitos.<<strong>br</strong> />
George entregou a <strong>Natsu</strong>, uma caixa <strong>com</strong> estampa de um<<strong>br</strong> />
quadro estrangeiro.<<strong>br</strong> />
- Biscoitos? Que gosto terão? Deixe-me experimentar...<<strong>br</strong> />
- À vontade!<<strong>br</strong> />
Com a caixa aberta por George, <strong>Natsu</strong> pegou o biscoito<<strong>br</strong> />
na mão, ainda incrédula, e deu uma mordida.<<strong>br</strong> />
- Que delícia! Parece uma bolacha, mas o sabor é<<strong>br</strong> />
totalmente diferente.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu também ganharam um e ficaram<<strong>br</strong> />
deliciados <strong>com</strong> a novidade.<<strong>br</strong> />
- Hum, muito gostoso. O aroma também é bom...<<strong>br</strong> />
George olhava sorrindo para <strong>Natsu</strong>, que saboreava a<<strong>br</strong> />
novidade <strong>com</strong> satisfação.<<strong>br</strong> />
- É a primeira vez que experimento... Como será que são<<strong>br</strong> />
feitos?<<strong>br</strong> />
- É fácil fazer biscoitos... Minha mãe sempre assava para<<strong>br</strong> />
mim.<<strong>br</strong> />
- Ah, sua família fa<strong>br</strong>ica biscoitos?...<<strong>br</strong> />
- Não. - disse George, quase caindo na risada.<<strong>br</strong> />
- Então, dá para fazer biscoitos em uma cozinha <strong>com</strong>um?<<strong>br</strong> />
-Sim.<<strong>br</strong> />
- Gostaria de aprender. Você sabe fazer?<<strong>br</strong> />
- Eu sempre ajudava minha mãe a fazer biscoitos. Tenho<<strong>br</strong> />
saudades daquela época!<<strong>br</strong> />
- Você pode me ensinar?<<strong>br</strong> />
Kinta <strong>com</strong>eçou a cochichar no pé do ouvido da <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
- 296 -
que de repente demonstrava grande interesse:<<strong>br</strong> />
- De que adianta aprender a fazê-los? Se quiser <strong>com</strong>er, é<<strong>br</strong> />
só pedir para <strong>com</strong>prar.<<strong>br</strong> />
Voltou-se então para George e perguntou:<<strong>br</strong> />
- Você pode nos <strong>com</strong>prar esses biscoitos?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se adiantou e respondeu no lugar de George:<<strong>br</strong> />
- Não. Eu não quero <strong>com</strong>er. Se pudesse, eu queria<<strong>br</strong> />
aprender a fazê-los.<<strong>br</strong> />
- Tudo bem. - George respondeu afirmativamente, de<<strong>br</strong> />
forma desembaraçada.<<strong>br</strong> />
- Posso mesmo?<<strong>br</strong> />
- Ainda não tenho amigos no Japão. Ficarei feliz se vocês<<strong>br</strong> />
puderem ser meus amigos.<<strong>br</strong> />
- Eu é que lhe peço este favor.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apertou de forma acanhada a mão estendida por<<strong>br</strong> />
George.<<strong>br</strong> />
Nesta noite, <strong>Natsu</strong> e os dois sócios fizeram um luxuoso<<strong>br</strong> />
jantar, deliciando-se <strong>com</strong> sukiyaki. Os três conversavam<<strong>br</strong> />
harmoniosamente em volta da panela.<<strong>br</strong> />
- A carne já está cozida. Comam bastante! Há tempos<<strong>br</strong> />
que não <strong>com</strong>emos sukiyaki.<<strong>br</strong> />
Tsutomu demonstrava estar faminto.<<strong>br</strong> />
- Passamos a poder <strong>com</strong>er uma iguaria destas, graças ao<<strong>br</strong> />
Japão ter perdido a guerra.<<strong>br</strong> />
- É verdade. Chegou a época em que se pode viver<<strong>br</strong> />
somente do trabalho, sem necessidade de ser letrado. Basta<<strong>br</strong> />
querer.<<strong>br</strong> />
- 297 -
Kinta parou de movimentar o seu hashi, ao ouvir as<<strong>br</strong> />
palavras de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Você não está pensando em fa<strong>br</strong>icar biscoitos, está?<<strong>br</strong> />
- O queijo já não tem futuro. Precisamos pensar num<<strong>br</strong> />
negócio novo... Veja, mesmo no mercado negro, os doces<<strong>br</strong> />
americanos têm grande saída. Os japoneses estão <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
carência de doces. Nós podemos fa<strong>br</strong>icar manteiga. Estava<<strong>br</strong> />
achando que se fa<strong>br</strong>icássemos doces ocidentais usando<<strong>br</strong> />
bastante manteiga, eles venderiam bem. Eu acho que vai ser<<strong>br</strong> />
uma excelente saída.<<strong>br</strong> />
- Mesmo tendo manteiga, não dá para fazer biscoitos sem<<strong>br</strong> />
açúcar. E se <strong>com</strong>prarmos açúcar no mercado negro, não<<strong>br</strong> />
teremos lucros.<<strong>br</strong> />
- O tenente do exército americano é nosso amigo. Ele<<strong>br</strong> />
nos arrumará o açúcar de que precisamos. Foi para isso que<<strong>br</strong> />
me aproximei dele.<<strong>br</strong> />
Conforme prometera, George <strong>com</strong>eçou a ensinar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se faziam biscoitos. Era preciso, em primeiro lugar, preparar<<strong>br</strong> />
os apetrechos necessários. Para poder fazer os biscoitos,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçaram a preparar um forno improvisado na casa de<<strong>br</strong> />
Tokuji.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu soldaram as chapas de ferro que<<strong>br</strong> />
conseguiram, e acabaram fazendo algo parecido <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />
forno. As placas haviam sido encontradas nos destroços de<<strong>br</strong> />
um bombardeio e portanto, não tiveram nenhum custo.<<strong>br</strong> />
Até George, que estava orientando os dois, ficara<<strong>br</strong> />
admirado <strong>com</strong> a capacidade de improvisação.<<strong>br</strong> />
- 298 -
- Vocês dois levam jeito. Temos um belo forno. As massas<<strong>br</strong> />
formatadas são colocadas so<strong>br</strong>e esta placa de ferro e assadas<<strong>br</strong> />
aqui. Tudo bem! Vai dar tudo certo.<<strong>br</strong> />
Quando o forno ficou pronto, <strong>Natsu</strong> apareceu carregando<<strong>br</strong> />
um grande saco de papel.<<strong>br</strong> />
- Consegui farinha de trigo. É incrível! Quem tem, tem<<strong>br</strong> />
mesmo! Troquei queijo por trigo numa casa de lavradores e<<strong>br</strong> />
pedi para moê-lo no moinho. Consegui ovos também.<<strong>br</strong> />
- Eu trouxe açúcar. Tem chocolate. Biscoitos de chocolate<<strong>br</strong> />
também são deliciosos. O açúcar e o chocolate são presentes<<strong>br</strong> />
para vocês.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se negava a aceitar o gesto de George.<<strong>br</strong> />
- Isso não está certo. Deixe-me pagar por eles.<<strong>br</strong> />
- Eu acho maravilhoso o sonho de vocês. Deixe-me entrar<<strong>br</strong> />
no grupo. Quero viver esse sonho junto.<<strong>br</strong> />
- Então, se a gente conseguir fa<strong>br</strong>icar biscoitos e vendêlos,<<strong>br</strong> />
vamos dividir o lucro em quatro.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava bem humorada e decidiu sozinha a<<strong>br</strong> />
participação de George, que, por sua vez, estava<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente entusiasmado <strong>com</strong> a proposta de <strong>Natsu</strong>, já se<<strong>br</strong> />
sentindo mem<strong>br</strong>o do grupo.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu acharam que tinham sido preteridos, mas<<strong>br</strong> />
quando <strong>com</strong>eçaram a fazer os biscoitos, juntaram-se à <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
e acabaram se concentrando no trabalho. Com farinha por<<strong>br</strong> />
todo lado, <strong>com</strong>eçaram a preparar a massa do biscoito,<<strong>br</strong> />
perfurando <strong>com</strong> as formas, de acordo <strong>com</strong> as orientações de<<strong>br</strong> />
George.<<strong>br</strong> />
- 299 -
Não existia uma medida exata, tanto para a manteiga,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o para o açúcar ou ovos. Devia-se pensar que gosto teria<<strong>br</strong> />
o biscoito. A essência de aroma também deveria ser escolhida<<strong>br</strong> />
a gosto. É o toque que daria o sabor de quem havia feito o<<strong>br</strong> />
biscoito.<<strong>br</strong> />
Aprendendo <strong>com</strong>o se preparava a massa, o tipo de biscoito<<strong>br</strong> />
que seria feito dependia da criatividade. Esse era o ponto<<strong>br</strong> />
mais importante para se fazer biscoito, e era onde se<<strong>br</strong> />
questionava o bom gosto de quem o fazia.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> procurava absorver cada palavra de George <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
mente e o corpo e ia preparando os biscoitos.<<strong>br</strong> />
Depois que os biscoitos estavam formatados, George<<strong>br</strong> />
acendeu o forno, controlando a intensidade do fogo <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
quantidade de lenha.<<strong>br</strong> />
- É muito importante regular a intensidade do fogo. Os<<strong>br</strong> />
biscoitos não ficarão bons se o fogo for fraco ou forte demais.<<strong>br</strong> />
Com o rosto vermelho devido aos reflexos das labaredas,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> disse:<<strong>br</strong> />
- Puxa, que tensão! Sinto o meu coração palpitar.<<strong>br</strong> />
- Fazia muito tempo que não ficávamos tão nervosos<<strong>br</strong> />
assim, não é?<<strong>br</strong> />
- É mesmo. Há tempos que o meu coração não bate desse<<strong>br</strong> />
jeito.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu aguardavam ansiosos os biscoitos<<strong>br</strong> />
ficarem prontos.<<strong>br</strong> />
George controlava o tempo no seu relógio de pulso.<<strong>br</strong> />
- Pronto. Já podemos tirá-los.<<strong>br</strong> />
- 300 -
<strong>Natsu</strong> pegou a chapa quente <strong>com</strong> o pano e tirou para fora<<strong>br</strong> />
do forno. O biscoito crescera e ficara arredondado,<<strong>br</strong> />
ligeiramente queimado. Estavam enfileirados so<strong>br</strong>e a chapa<<strong>br</strong> />
e parecem ser apetitosos. Sentia-se o cheiro da manteiga e<<strong>br</strong> />
tinha-se a sensação de estar <strong>com</strong> água na boca.<<strong>br</strong> />
- Ficaram rechonchudos e <strong>com</strong> rachaduras, mas<<strong>br</strong> />
bonitinhos. - falou <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o se estivesse a suspirar.<<strong>br</strong> />
George riu e disse:<<strong>br</strong> />
- Até aqui está ótimo. O mais importante é experimentar<<strong>br</strong> />
para saber se estão saborosos ou não.<<strong>br</strong> />
- Vamos ver!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> colocou um biscoito recém saído do forno na boca...<<strong>br</strong> />
e ficou em silêncio.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu experimentaram também e exclamaram:<<strong>br</strong> />
- Uau!... Nunca <strong>com</strong>i algo tão gostoso em toda a minha<<strong>br</strong> />
vida!<<strong>br</strong> />
- Deu certo! Estão bem assados, crocantes...<<strong>br</strong> />
Embora tenha sido a primeira vez que fizeram o biscoito,<<strong>br</strong> />
o sabor e a textura ficaram excelentes. Haviam acertado no<<strong>br</strong> />
açúcar e no tempo de forno.<<strong>br</strong> />
- Estes são os seus biscoitos. Ninguém mais pode fazer<<strong>br</strong> />
biscoitos caseiros iguais a estes. Eles se parecem <strong>com</strong> os que<<strong>br</strong> />
a minha mãe fazia. Que saudades!<<strong>br</strong> />
George também estava <strong>com</strong>endo o biscoito e estava<<strong>br</strong> />
satisfeito <strong>com</strong> o sabor.<<strong>br</strong> />
- Será que vamos conseguir vendê-los? - <strong>Natsu</strong> indagou.<<strong>br</strong> />
Kinta respondeu na hora:<<strong>br</strong> />
- 301 -
- Eu <strong>com</strong>praria.<<strong>br</strong> />
- Vamos assar vários tipos de biscoitos. Vamos em frente!<<strong>br</strong> />
Nessa ocasião, <strong>Natsu</strong> parecia plenamente satisfeita.<<strong>br</strong> />
- E foi aí que a sua empresa <strong>com</strong>eçou, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
- Pensando bem, foi sim. A nossa empresa teve início<<strong>br</strong> />
naquele barracão. Relem<strong>br</strong>ando agora, acho que foi a melhor<<strong>br</strong> />
época da minha vida.<<strong>br</strong> />
Finalmente, a nova fá<strong>br</strong>ica de doces de <strong>Natsu</strong> e seus sócios<<strong>br</strong> />
fora inaugurada em Sapporo. Era uma fá<strong>br</strong>ica pequena, mas<<strong>br</strong> />
limpa, <strong>com</strong> equipamentos novos.<<strong>br</strong> />
Desprovidos de recursos de capital, se George não tivesse<<strong>br</strong> />
usado de sua influência para importar os equipamentos dos<<strong>br</strong> />
Estados Unidos, <strong>Natsu</strong> e seus sócios nada poderiam ter feito<<strong>br</strong> />
no Japão do pós-guerra. Não teriam chegado até ali.<<strong>br</strong> />
- Um <strong>br</strong>inde à inauguração da nova fá<strong>br</strong>ica, que era o<<strong>br</strong> />
nosso sonho. A partir de amanhã, vamos <strong>com</strong>eçar a fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />
e vender montanhas e montanhas de biscoitos.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu já aceitavam George <strong>com</strong>o <strong>com</strong>panheiro<<strong>br</strong> />
e <strong>com</strong>partilharam da satisfação de terem alcançado a meta.<<strong>br</strong> />
- Conseguimos montar a nossa tão desejada fá<strong>br</strong>ica em<<strong>br</strong> />
Sapporo. Não precisamos mais vir até aqui para vender os<<strong>br</strong> />
nossos produtos.<<strong>br</strong> />
- Tudo isso foi graças a você, George.<<strong>br</strong> />
- Aqui, dá para assar pães também. Vou lhes ensinar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
fazê-los. Aprendam direito, hein?<<strong>br</strong> />
- 302 -
- Pães? Pode ser que vendam mais que biscoitos.<<strong>br</strong> />
Tsutomu estava contente <strong>com</strong> os planos para o futuro,<<strong>br</strong> />
mas Kinta tinha uma postura mais conservadora.<<strong>br</strong> />
- O pão ainda está sob racionamento. A fiscalização das<<strong>br</strong> />
transações clandestinas é rigorosa. Não será tão fácil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
vender biscoitos.<<strong>br</strong> />
- Não há problemas. Se a fiscalização pegar, darei um<<strong>br</strong> />
jeito. Ao menos o exército americano tem poderes para isso.<<strong>br</strong> />
- Mas vamos tentar fazer as coisas <strong>com</strong> cuidado, sem<<strong>br</strong> />
causar incômodos ao George. Toda a população <strong>com</strong>pra e<<strong>br</strong> />
vende no mercado negro. Se esse <strong>com</strong>ércio não existisse,<<strong>br</strong> />
todos os japoneses teriam morrido de fome. A quantidade<<strong>br</strong> />
racionada e distribuída pelo governo não é suficiente. Afinal,<<strong>br</strong> />
o governo não faz nada para nós...<<strong>br</strong> />
- Estamos ajudando as outras pessoas, não é?<<strong>br</strong> />
De repente, <strong>Natsu</strong> se colocou ao lado de George.<<strong>br</strong> />
- E tenho mais uma coisa para contar a vocês. Eu e George<<strong>br</strong> />
ficamos noivos.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu ficaram boquiabertos, <strong>com</strong>o se tivessem<<strong>br</strong> />
levado uma rasteira.<<strong>br</strong> />
- Eu amo <strong>Natsu</strong> de todo o coração.<<strong>br</strong> />
George beijou <strong>Natsu</strong> e ela o recebeu <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />
- Se eu me casar <strong>com</strong> George, não terei medo de mais<<strong>br</strong> />
nada. Vamos ganhar bastante dinheiro. Agora que não tem<<strong>br</strong> />
muita mercadoria na praça, é o momento certo. A falta de<<strong>br</strong> />
mercadorias continuará. Vamos nos dedicar, trabalhar, e<<strong>br</strong> />
construir uma empresa ainda maior. Chegou a época em que<<strong>br</strong> />
- 303 -
nós podemos fazer isso!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava ainda mais entusiasmada, tendo George<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o marido e protetor. Kinta e Tsutomu tinham a impressão<<strong>br</strong> />
de estarem no fundo de um buraco e não tinham palavras<<strong>br</strong> />
para responder à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Agora, eles tinham a fá<strong>br</strong>ica em Sapporo. Ainda teriam<<strong>br</strong> />
apego à casa de Tokuji, mas já não precisavam viver ali. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
fez preces relatando o ocorrido ao oratório onde se cultuava<<strong>br</strong> />
a memória de Tokuji e se voltou para Kinta e Tsutomu, que<<strong>br</strong> />
estavam desanimados.<<strong>br</strong> />
- Então, chegou a hora de nos despedirmos desta casa.<<strong>br</strong> />
Amanhã, levarei as minhas coisas para a fá<strong>br</strong>ica. Trabalharei<<strong>br</strong> />
e dormirei lá. E vocês, Kinta e Tsutomu, <strong>com</strong>o vão fazer?...<<strong>br</strong> />
Nós três podemos dormir no chão da fá<strong>br</strong>ica até vocês<<strong>br</strong> />
encontrarem um local para morar em Sapporo, não é?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ainda não percebera o verdadeiro motivo do<<strong>br</strong> />
desânimo dos dois.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, você vai morar <strong>com</strong> George?<<strong>br</strong> />
- Não posso morar <strong>com</strong> ele até me casar oficialmente. A<<strong>br</strong> />
casa de George é residência do exército.<<strong>br</strong> />
- Eu sou contra o seu casamento <strong>com</strong> o George. - Kinta<<strong>br</strong> />
falou claramente à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- O George é nissei, mas é americano. Não posso aceitar<<strong>br</strong> />
que você se case <strong>com</strong> um americano. Você sabe quantos<<strong>br</strong> />
japoneses foram mortos por americanos, não sabe, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />
- Era a guerra... Eles mataram os japoneses, <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />
- 304 -
japoneses mataram os americanos. Não tinha jeito, era a<<strong>br</strong> />
guerra.<<strong>br</strong> />
- Não, os americanos não. Eles bombardearam o Japão<<strong>br</strong> />
indiscriminadamente. Mataram, sem hesitação, idosos,<<strong>br</strong> />
mulheres e crianças. E no fim, jogaram até bombas atômicas.<<strong>br</strong> />
Não existe arma tão cruel <strong>com</strong>o aquela. É desumano demais!<<strong>br</strong> />
Não posso perdoar a bomba atômica! Não posso perdoar os<<strong>br</strong> />
americanos! E você vai se casar <strong>com</strong> um deles? Desista dessa<<strong>br</strong> />
loucura. Não faça isso, de jeito nenhum!<<strong>br</strong> />
- O que você está falando? George nos ajudou tanto... Se<<strong>br</strong> />
você tem tanto ódio dos americanos, por que trabalhou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
ele? Devia ter recusado desde o início.<<strong>br</strong> />
- Eu só queria me aproveitar dele o quanto pudesse. Não<<strong>br</strong> />
imaginei que você fosse se casar <strong>com</strong> ele. Uma japonesa não<<strong>br</strong> />
teria coragem de fazer isso...<<strong>br</strong> />
- Isso não é atitude de uma japonesa. O soldado americano<<strong>br</strong> />
tem dinheiro, tem poder, tem muitas coisas. Muitas japonesas<<strong>br</strong> />
se tornaram amantes dos americanos, atraídas por esses bens<<strong>br</strong> />
materiais. Mas não quero que você, <strong>Natsu</strong>, seja igual a elas.<<strong>br</strong> />
Se você tem orgulho de ser japonesa, não pode fazer uma<<strong>br</strong> />
bobagem dessas.<<strong>br</strong> />
- Mas, se mesmo assim, você insiste em se casar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
ele, vou-me embora. Não quero trabalhar <strong>com</strong> uma mulher<<strong>br</strong> />
dessas.<<strong>br</strong> />
- Agora é tarde demais. Já estou esperando um filho de<<strong>br</strong> />
- 305 -
George.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu ficaram paralisados, pois aquilo era<<strong>br</strong> />
demais.<<strong>br</strong> />
Os dois não tinham tido a menor noção de quando e <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
o relacionamento de <strong>Natsu</strong> e George havia evoluído.<<strong>br</strong> />
Depois da morte de Tokuji, os três estiveram sempre<<strong>br</strong> />
juntos criando as vacas. Estiveram unidos também para<<strong>br</strong> />
enfrentar a guerra. George não passava de um intruso que<<strong>br</strong> />
aparecera subitamente na vida dos três.<<strong>br</strong> />
Usando as palavras de Kinta, eles queriam somente se<<strong>br</strong> />
aproveitar de George. A própria <strong>Natsu</strong> dizia que "estava de<<strong>br</strong> />
olho num tenente do exército americano" para usá-lo nos<<strong>br</strong> />
negócios. Não se sabia a partir de quando <strong>Natsu</strong> havia criado<<strong>br</strong> />
um laço especial <strong>com</strong> George.<<strong>br</strong> />
- Achei que nem precisava falar, pois pensei que você,<<strong>br</strong> />
sendo japonesa, pensava da mesma forma... Estou<<strong>br</strong> />
decepcionado <strong>com</strong> você, <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Mas foi bom termos trabalhado juntos por estes dez<<strong>br</strong> />
anos. Não estou arrependido. Espero que seja feliz no<<strong>br</strong> />
casamento.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava machucada e Kinta também sofria. Ele estava<<strong>br</strong> />
rompendo, por conta própria, tudo o que havia construído<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ao sair atrás de Kinta, Tsutomu titubeou. Não se sentia à<<strong>br</strong> />
vontade em deixar <strong>Natsu</strong> sozinha no momento em que ela<<strong>br</strong> />
estava precisando dele. Contudo, o seu verdadeiro sentimento<<strong>br</strong> />
- 306 -
em relação a George era o mesmo de Kinta.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> lutava também <strong>com</strong> seus próprios sentimentos, que<<strong>br</strong> />
ardiam dentro de si de forma violenta. Será que ela havia<<strong>br</strong> />
sido atraída somente pelo dinheiro e influência de George?<<strong>br</strong> />
Não, não era verdade. Ela também tinha o seu orgulho de<<strong>br</strong> />
japonesa. A ordem das coisas era diferente da que Kinta<<strong>br</strong> />
questionava. O homem de quem <strong>Natsu</strong> passara a gostar era<<strong>br</strong> />
um americano chamado George.<<strong>br</strong> />
Entretanto, Kinta e Tsutomu tinham resolvido deixá-la.<<strong>br</strong> />
O abismo criado entre os três já não podia ser transposto.<<strong>br</strong> />
Na manhã seguinte, a única que entrou na nova fá<strong>br</strong>ica<<strong>br</strong> />
de Sapporo, foi <strong>Natsu</strong>. A fá<strong>br</strong>ica estava vazia. Se Kinta e<<strong>br</strong> />
Tsutomu chegassem dali a pouco, <strong>Natsu</strong> não sentiria solidão<<strong>br</strong> />
naquele vazio.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> sentia a perda de dois amigos insubstituíveis. Com<<strong>br</strong> />
as forças se esvaindo de seu corpo, <strong>Natsu</strong> chorava, agachada<<strong>br</strong> />
naquele lugar.<<strong>br</strong> />
- Bom dia.<<strong>br</strong> />
Era George. Quando <strong>Natsu</strong> se levantou, <strong>com</strong> as lágrimas<<strong>br</strong> />
enxutas, ela já estava novamente decidida a seguir em frente.<<strong>br</strong> />
- Hoje tirei licença. Vim trabalhar <strong>com</strong> vocês neste<<strong>br</strong> />
primeiro dia de operação da fá<strong>br</strong>ica. - George falou<<strong>br</strong> />
alegremente para <strong>Natsu</strong> e olhou em volta à procura de Kinta<<strong>br</strong> />
e Tsutomu.<<strong>br</strong> />
- Onde estão Kinta e Tsutomu...?<<strong>br</strong> />
- Deixaram o trabalho.<<strong>br</strong> />
_ ?<<strong>br</strong> />
- 307 -
- George, por favor, ensine-me a fazer todos os doces<<strong>br</strong> />
que você conhece. Eu vou tocar esta fá<strong>br</strong>ica, mesmo que seja<<strong>br</strong> />
sozinha. Vou ser a melhor doceira do Japão. Senão, não tem<<strong>br</strong> />
sentido eu me casar <strong>com</strong> você. Nem que seja por teimosia,<<strong>br</strong> />
vou ser a melhor doceira do Japão!<<strong>br</strong> />
- No Japão existiam também pessoas orgulhosas depois<<strong>br</strong> />
da guerra, não é? Igualzinho ao papai. No caso dele, não é<<strong>br</strong> />
que ele odiava os americanos. Ele não admitia, de jeito<<strong>br</strong> />
nenhum, que o Japão tivesse sido derrotado na guerra. Por<<strong>br</strong> />
causa dele, a vila se dividiu e sofremos muito.<<strong>br</strong> />
As recordações passaram da fá<strong>br</strong>ica de biscoitos de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
em Hokkaido, para os dias de <strong>Haru</strong>, no Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se dedicava ao trabalho na plantação de algodão,<<strong>br</strong> />
juntamente <strong>com</strong> Chûji e Shizu, na sua gleba de terra situada<<strong>br</strong> />
na vila dos japoneses.<<strong>br</strong> />
Pessoas vestidas para uma festa iam andando pelo<<strong>br</strong> />
caminho, próximo à plantação, dos Takakura. Dentre eles,<<strong>br</strong> />
estava Yamada, que outrora <strong>com</strong>ungara dos mesmos ideais<<strong>br</strong> />
de Chüji.<<strong>br</strong> />
- Esse sujeito também vai ao casamento do Nakayama?<<strong>br</strong> />
Até outro dia, ele era kachigumil Ficou <strong>com</strong> medo de<<strong>br</strong> />
Nakayama e virou a casaca... - Chûji desabafou seus<<strong>br</strong> />
sentimentos cheios de amargura.<<strong>br</strong> />
- Todos estão cansados de continuar a insistir no mesmo<<strong>br</strong> />
assunto. Além disso, é uma <strong>com</strong>emoração. Deixe esse orgulho<<strong>br</strong> />
- 308 -
inútil de lado, e deseje de coração a felicidade do casal. -<<strong>br</strong> />
disse Shizu, tentando apaziguar os ânimos, mas a ira de Chúji<<strong>br</strong> />
se aguçou.<<strong>br</strong> />
- O que você quer dizer <strong>com</strong> orgulho inútil? Mesmo<<strong>br</strong> />
estando no Brasil, aliás, exatamente por estarmos no Brasil é<<strong>br</strong> />
que o japonês tem que preservar sua dignidade. Senão, deixa<<strong>br</strong> />
de ser japonês. Além do mais, Ryuta, da família Nakayama,<<strong>br</strong> />
vai se casar <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira. Como japonês, não posso<<strong>br</strong> />
aceitar isso. Esses que vão participar da cerimônia deixaram<<strong>br</strong> />
de ser japoneses para mim.<<strong>br</strong> />
Os sinos da igreja <strong>com</strong>eçaram a repicar, do<strong>br</strong>ando para<<strong>br</strong> />
cele<strong>br</strong>ar o casamento de Ryuta. <strong>Haru</strong> trabalhava em silêncio,<<strong>br</strong> />
procurando conter os seus sentimentos.<<strong>br</strong> />
Estava sendo realizada uma grande festa do casamento<<strong>br</strong> />
de Ryuta, na residência dos Nakayama. A noiva era uma<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileira muito bonita, que parecia muito feliz de <strong>br</strong>aços<<strong>br</strong> />
dados <strong>com</strong> Ryuta, caminhando entre os convidados para<<strong>br</strong> />
receber os cumprimentos.<<strong>br</strong> />
No caminho de volta para casa, <strong>Haru</strong> era o<strong>br</strong>igada a ouvir<<strong>br</strong> />
vozes de felicitações e palmas. Ela teve ímpetos de tapar os<<strong>br</strong> />
ouvidos, mas passou pela casa em festa, sem olhar, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
nada estivesse acontecendo.<<strong>br</strong> />
Já desistira de Ryuta há muito tempo. Entretanto, a tristeza<<strong>br</strong> />
enchia o seu coração. A única coisa que Shizu podia fazer<<strong>br</strong> />
por ela era ficar em silêncio, sem dizer nada.<<strong>br</strong> />
Ao chegar em casa, de volta do trabalho, uma visita<<strong>br</strong> />
inesperada os aguardava. O casal Yozo, irmão mais novo de<<strong>br</strong> />
- 309 -
Chüji, e sua esposa Kiyo, estavam sentados no banco do<<strong>br</strong> />
jardim da casa dos Takakura.<<strong>br</strong> />
- Yozo! - Chûji chamou o nome do irmão e não conseguiu<<strong>br</strong> />
dar continuidade à sua fala.<<strong>br</strong> />
Quando a família Takakura fugira da primeira fazenda<<strong>br</strong> />
em que trabalharam <strong>com</strong>o colonos, Yozo teve que permanecer<<strong>br</strong> />
lá porque Kiyo destrancara o pé na fuga. Com isso, os demais<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da família puderam escapar.<<strong>br</strong> />
Yozo estava usando um terno <strong>br</strong>anco muito elegante e<<strong>br</strong> />
Kiyo também estava bem vestida. Ao ver Chûji e os familiares<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> roupas de roça, Yozo falou, <strong>com</strong>o sempre, em tom de<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>incadeira:<<strong>br</strong> />
- Mano, vocês ainda estão trabalhando na roça?<<strong>br</strong> />
- Puxa, há quanto tempo! - disse Shizu, não conseguindo<<strong>br</strong> />
falar mais do que isso.<<strong>br</strong> />
Kiyo devolveu os cumprimentos <strong>com</strong> cortesia.<<strong>br</strong> />
- Até que em fim, pudemos vir para cá.<<strong>br</strong> />
- Quando chegamos aqui, há pouco, disseram que havia<<strong>br</strong> />
uma grande festa de casamento. Pensei que vocês também<<strong>br</strong> />
tinham ido para lá e resolvemos esperá-los aqui. Por que vocês<<strong>br</strong> />
não foram? - Yozo perguntou inocentemente, sem saber das<<strong>br</strong> />
circunstâncias.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conseguia responder.<<strong>br</strong> />
- O que você veio fazer aqui? - falou Chûji, já malhumorado,<<strong>br</strong> />
passando em frente ao Yozo <strong>com</strong> os instrumentos<<strong>br</strong> />
agrícolas.<<strong>br</strong> />
- Isso são modos de falar <strong>com</strong> quem se encontra depois<<strong>br</strong> />
- 310 -
de dez anos? - Yozo gritou para Chûji, que estava de costas.<<strong>br</strong> />
Apesar do gesto antipático de Chûji, Yozo parecia<<strong>br</strong> />
tranqüilo por encontrar o irmão <strong>com</strong> saúde, aparentando ainda<<strong>br</strong> />
ser o mesmo.<<strong>br</strong> />
Shizu procurou contornar a situação e os convidou a entrar<<strong>br</strong> />
em casa. Kiyo, em primeiro lugar, vai fazer preces para a<<strong>br</strong> />
tabuleta mortuária <strong>com</strong> o nome de Shigueru.<<strong>br</strong> />
Chûji, ainda vestido <strong>com</strong> roupa de trabalho, fumava malhumorado.<<strong>br</strong> />
Yozo retrucou:<<strong>br</strong> />
- Você ainda está insistindo nessa história de kachigumi<<strong>br</strong> />
e makegumil Que bobagem... A guerra já acabou! Por que<<strong>br</strong> />
viver assim, estreitando seu mundo? Agora que estamos numa<<strong>br</strong> />
época em que podemos fazer tudo o que nos dá prazer? Desse<<strong>br</strong> />
jeito, <strong>Haru</strong> não vai conseguir ninguém para se casar.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava preparando chá para as visitas e não deu<<strong>br</strong> />
atenção.<<strong>br</strong> />
- Você ainda está naquela fazenda de café? - perguntou<<strong>br</strong> />
Chüji, de forma estúpida, fazendo <strong>com</strong> que Shizu abaixasse<<strong>br</strong> />
a cabeça.<<strong>br</strong> />
- Quero pedir desculpas pelo que aconteceu daquela vez.<<strong>br</strong> />
Vocês se sacrificaram para nos salvar...<<strong>br</strong> />
- Aquilo até foi bom para nós... Quando fomos levados<<strong>br</strong> />
de volta à fazenda, não sabíamos o que aconteceria conosco,<<strong>br</strong> />
pois teríamos que pagar a dívida de todos. Dissemos que seria<<strong>br</strong> />
difícil para nós dois continuarmos, sozinhos, a cuidar daquele<<strong>br</strong> />
cafezal. E então, fui contratada <strong>com</strong>o doméstica na casa do<<strong>br</strong> />
proprietário da fazenda.<<strong>br</strong> />
- 311 -
Kiyo parecia estar mais alegre do que antigamente.<<strong>br</strong> />
- No meu caso, procurei agradar o administrador e passei<<strong>br</strong> />
a trabalhar <strong>com</strong>o ajudante do capataz. Estudei português<<strong>br</strong> />
desesperadamente. Graças a Deus, nós dois conseguimos<<strong>br</strong> />
conquistar a confiança do pessoal da fazenda e cheguei ao<<strong>br</strong> />
cargo de administrador. As dívidas também já foram todas<<strong>br</strong> />
quitadas há muito tempo...- Yozo riu orgulhosamente e Shizu<<strong>br</strong> />
pediu desculpas <strong>com</strong> toda sinceridade:<<strong>br</strong> />
- Sinto muito pelo incômodo.<<strong>br</strong> />
- Deixe disso. Graças ao fato de termos permanecido lá,<<strong>br</strong> />
pude trabalhar <strong>com</strong>o administrador sem problemas, mesmo<<strong>br</strong> />
durante a guerra. Levamos uma vida tranqüila. Porém, já se<<strong>br</strong> />
foi o tempo de levar uma vida a<strong>com</strong>odada naquele fim de<<strong>br</strong> />
mundo. Por isso, pedi demissão e resolvi ir para São Paulo.<<strong>br</strong> />
Mas antes, passei por aqui, para ver <strong>com</strong>o vocês estavam.<<strong>br</strong> />
- O que você pretende fazer em São Paulo?<<strong>br</strong> />
- Quero negociar café das fazendas de São Paulo e Paraná,<<strong>br</strong> />
para vender em outros países... Consegui firmar um contrato<<strong>br</strong> />
para negociar o café produzido na fazenda em que trabalhei<<strong>br</strong> />
até agora... Pretendo vender também para o Japão.<<strong>br</strong> />
Depois da guerra, havia chegado uma era em que se tinha<<strong>br</strong> />
que viver abertamente em relação ao mundo e Yozo pretendia<<strong>br</strong> />
colocar essa idéia em prática. Daquele momento em diante,<<strong>br</strong> />
o consumo de café no Japão só iria aumentar e jamais<<strong>br</strong> />
diminuir.<<strong>br</strong> />
Desde há pouco, somente Shizu respondia a Yozo, que<<strong>br</strong> />
resolveu perguntar a Chûji:<<strong>br</strong> />
- 312 -
- Mano, o que você está plantando agora?<<strong>br</strong> />
Como Chûji continuava calado, Shizu respondeu<<strong>br</strong> />
novamente:<<strong>br</strong> />
- Plantamos algodão, principalmente...<<strong>br</strong> />
- Algodão já não tem futuro. Os Estados Unidos estão<<strong>br</strong> />
fa<strong>br</strong>icando um novo tipo de fi<strong>br</strong>a sintética. Acho melhor vocês<<strong>br</strong> />
mudarem para café, enquanto é tempo.<<strong>br</strong> />
- Não pedi sua opinião. Para o ser humano, algodão é<<strong>br</strong> />
imprescindível. Por mais que os americanos inventem fi<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />
sintéticas maravilhosas, elas não vão conseguir substituir o<<strong>br</strong> />
algodão. O algodão é o melhor material para o homem. Vou<<strong>br</strong> />
continuar a produzir algodão em qualquer época.<<strong>br</strong> />
A resposta dada era bem característica de Chûji.<<strong>br</strong> />
- Então, vocês pretendem ficar aqui para sempre? A po<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não vai poder sair daqui?<<strong>br</strong> />
Kiyo olhou para <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> ares de <strong>com</strong>placência.<<strong>br</strong> />
- Se pelo menos Minoru voltasse, <strong>Haru</strong> poderia ficar livre.<<strong>br</strong> />
Shizu estava preocupada <strong>com</strong> Minoru. Mesmo <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
término da guerra, não haviam recebido notícias dele.<<strong>br</strong> />
Yozo não podia deixar de <strong>com</strong>preender os sentimentos<<strong>br</strong> />
do irmão, mas não se conteve e acabou dizendo:<<strong>br</strong> />
- A guerra foi terrível. Será que ele está bem? Ainda não<<strong>br</strong> />
dá para trocar correspondências <strong>com</strong> o Japão. Não se sabe<<strong>br</strong> />
quando o Japão se erguerá das cinzas, mas parece que a<<strong>br</strong> />
situação é caótica... E <strong>Natsu</strong>, que deixamos no Japão, estará<<strong>br</strong> />
viva?<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> prendeu a respiração e olhou para Yozo, que havia<<strong>br</strong> />
- 313 -
se tornado uma pessoa bem informada.<<strong>br</strong> />
- O Japão ganhou a guerra. Não se deixe levar pelos<<strong>br</strong> />
boatos. Tanto <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>o Minoru estão muito bem no Japão.<<strong>br</strong> />
Vou aumentar a plantação e quando tiver dinheiro suficiente,<<strong>br</strong> />
vamos voltar para o Japão. Vamos buscar <strong>Natsu</strong>. encontrar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Minoru e arranjar um bom marido para <strong>Haru</strong> no Japão.<<strong>br</strong> />
Não vou deixá-la às traças neste lugar. Eu também não quero<<strong>br</strong> />
terminar os meus dias no Brasil desse jeito. Vim apenas<<strong>br</strong> />
trabalhar para ganhar dinheiro. Vamos voltar para o Japão de<<strong>br</strong> />
qualquer maneira. Afinal, somos japoneses! - explodiu,Chüji<<strong>br</strong> />
expondo a sua retórica costumeira.<<strong>br</strong> />
Yozo olhou incrédulo para o seu próprio irmão. Vendo<<strong>br</strong> />
Shizu e <strong>Haru</strong>, porém, constatou que ambas já haviam desistido<<strong>br</strong> />
e se conformado à vontade de Chûji.<<strong>br</strong> />
Enquanto jantavam no hotel em Hakone, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
estavam a relatar, uma à outra, as respectivas vidas, cheias<<strong>br</strong> />
de altos e baixos.<<strong>br</strong> />
- O tio Yozo tornou-se exportador de café. Fazia negócios<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> países do mundo inteiro, indo também a Nova Iorque.<<strong>br</strong> />
Ele morreu há muito tempo e, agora, quem cuida dos negócios<<strong>br</strong> />
é o filho. Parece que você, <strong>Natsu</strong>, puxou mais ao tio Yozo<<strong>br</strong> />
que ao papai. O seu estilo de vida parece-se <strong>com</strong> o dele.<<strong>br</strong> />
Com as palavras de <strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong> se lem<strong>br</strong>ou da fisionomia<<strong>br</strong> />
de Yozo, terceiro filho de uma família po<strong>br</strong>e de agricultores.<<strong>br</strong> />
- Será?... Eu estava farta de ser po<strong>br</strong>e. Dentro daquela<<strong>br</strong> />
confusão do pós-guerra, queria escapar da po<strong>br</strong>eza, agarrando-<<strong>br</strong> />
- 314 -
me a qualquer oportunidade... Você não teve liberdade para<<strong>br</strong> />
fazer o que queria, pois estava presa ao papai e à mamãe.<<strong>br</strong> />
Pensando agora, acho que eu, que fui deixada sozinha no<<strong>br</strong> />
Japão, tive maior liberdade e fui mais feliz que você. - disse<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, que podia dizer isso somente agora, depois que tudo<<strong>br</strong> />
havia passado.<<strong>br</strong> />
Na fá<strong>br</strong>ica de <strong>Natsu</strong> em Sapporo, havia novas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>panheiras. <strong>Natsu</strong> estava preparando a massa para biscoitos<<strong>br</strong> />
junto <strong>com</strong> Aiko, de 22 anos e Ritsuko, de 23 anos.<<strong>br</strong> />
Logo após a guerra, não havia tantos empregos decentes<<strong>br</strong> />
e <strong>Natsu</strong> conseguira contratar pessoas acima de suas<<strong>br</strong> />
expectativas para trabalhar <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />
- Eu não queria mais contratar homens. Por isso, recrutei<<strong>br</strong> />
meninas. Então, apareceram duas que disseram ter estudado<<strong>br</strong> />
confecção de doces no curso de economia doméstica em uma<<strong>br</strong> />
universidade feminina de Tóquio e voltado a Hokkaido. Elas<<strong>br</strong> />
eram muito mais esforçadas do que eu na fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />
biscoitos, e suas técnicas eram bem superiores. Eram boas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>panheiras. Vivíamos ocupadas todos os dias, mas éramos<<strong>br</strong> />
felizes. Mas a vida não era tão fácil. Até lá, havia sido atirada<<strong>br</strong> />
por diversas vezes no fundo do poço, mas sempre consegui<<strong>br</strong> />
me recuperar. Porém, daquela vez foi duro. Pensei que nunca<<strong>br</strong> />
mais pudesse me levantar.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> e Aiko observavam <strong>com</strong> grande curiosidade os<<strong>br</strong> />
- 315 -
iscoitos que estavam no forno. Ritsuko resolvera<<strong>br</strong> />
experimentar uma nova receita de biscoitos.<<strong>br</strong> />
Verificando o momento propício, Ritsuko retirou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
cuidado os biscoitos que ficaram prontos.<<strong>br</strong> />
- É um novo produto. Eu moí as amêndoas que o sr.<<strong>br</strong> />
George trouxe e usei-as aqui. Na época da faculdade, tive<<strong>br</strong> />
uma aula so<strong>br</strong>e biscoitos de amêndoas, mas <strong>com</strong>o não havia<<strong>br</strong> />
ingredientes, não pude fazê-los na prática. Por isso, na<<strong>br</strong> />
primeira oportunidade que aparecesse, queria fazer biscoitos<<strong>br</strong> />
de amêndoas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> experimentou o biscoito ainda quente.<<strong>br</strong> />
- É bom! Tem um sabor apropriado para adultos!<<strong>br</strong> />
- Aprendi so<strong>br</strong>e muitos doces na época da faculdade, mas<<strong>br</strong> />
só podia anotar no caderno, sem poder fazê-los. Quando puder<<strong>br</strong> />
obter ingredientes em abundância, gostaria de enfrentar o<<strong>br</strong> />
desafio de tentar fazê-los.<<strong>br</strong> />
Aiko estava bem disposta ao trabalho, <strong>com</strong>endo o biscoito<<strong>br</strong> />
de amêndoas feito pela Ritsuko.<<strong>br</strong> />
- A nossa empresa está repleta de sonhos. Quero montar<<strong>br</strong> />
uma equipe excelente e não será um simples sonho nos<<strong>br</strong> />
tornarmos a maior fá<strong>br</strong>ica de doces do Japão.<<strong>br</strong> />
O sonho traçado por Kinta e Tsutomu parecia se realizar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a participação de Aiko e Ritsuko. A fisionomia de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
era de alegria, cheia de satisfação.<<strong>br</strong> />
Era fevereiro de 1947.<<strong>br</strong> />
- Ainda estão trabalhando? Já são onze horas da noite! -<<strong>br</strong> />
exclamou George, arregalando os olhos de espanto.<<strong>br</strong> />
- 316 -
- Ainda é cedo. Recentemente, aumentou o número de<<strong>br</strong> />
clientes que fazem grandes pedidos... Não estamos dando<<strong>br</strong> />
conta... Tem pessoas que vêm de longe para levar as nossas<<strong>br</strong> />
mercadorias em quantidade, e revendê-las nas cafeterias e<<strong>br</strong> />
casas de chá locais. Os nossos biscoitos estão ficando<<strong>br</strong> />
famosos.<<strong>br</strong> />
Durante o dia, elas precisavam dar atenção para os clientes<<strong>br</strong> />
que vinham <strong>com</strong>prar. A confecção de amostras para novos<<strong>br</strong> />
produtos só podia ser feita à noite. Aquele horário era o<<strong>br</strong> />
momento decisivo para experiências de confeitaria.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, preciso conversar <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />
George parecia angustiado, mas <strong>Natsu</strong> estava concentrada<<strong>br</strong> />
em preparar a massa para os biscoitos e parecia não querer<<strong>br</strong> />
interromper o trabalho.<<strong>br</strong> />
- Agora não posso largar o serviço. Fale aqui mesmo.<<strong>br</strong> />
Não tenho nada a esconder das meninas...<<strong>br</strong> />
Sem alternativas, George resolveu falar ali mesmo.<<strong>br</strong> />
- Vou ter que voltar aos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />
-...?<<strong>br</strong> />
- Quero que você vá <strong>com</strong>igo. Quero que você conheça<<strong>br</strong> />
minha mãe e se case <strong>com</strong>igo nos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />
- Poderemos voltar logo ao Japão?<<strong>br</strong> />
- Deram-me baixa. Voltando aos Estados Unidos, preciso<<strong>br</strong> />
administrar o restaurante que minha mãe vem cuidando até<<strong>br</strong> />
agora. Não vou mais voltar ao Japão. Ou melhor, não vou<<strong>br</strong> />
poder voltar.<<strong>br</strong> />
Aiko e Ritsuko alternavam os olhares inseguros entre<<strong>br</strong> />
- 317 -
George e <strong>Natsu</strong>. A gravidez de <strong>Natsu</strong> já estava num tal estado<<strong>br</strong> />
que era visível aos olhos de todos.<<strong>br</strong> />
- Vamos tocar o restaurante juntos. Já <strong>com</strong>uniquei à<<strong>br</strong> />
mamãe. Ela nos deu permissão. Ela ficou feliz em saber que<<strong>br</strong> />
vamos ter um filho.<<strong>br</strong> />
-Não! Então, se eu a<strong>com</strong>panhá-lo aos Estados Unidos,<<strong>br</strong> />
não poderei mais voltar para o Japão? Terei que passar o resto<<strong>br</strong> />
da vida nos Estados Unidos?<<strong>br</strong> />
- Você poderá fazer biscoitos em qualquer lugar.<<strong>br</strong> />
- Não <strong>br</strong>inque. Como é que eu posso ir para os Estados<<strong>br</strong> />
Unidos? Se você vai dar baixa do exército, então, fique no<<strong>br</strong> />
Japão.<<strong>br</strong> />
- Isso não é possível. Tenho minha mãe para cuidar. Tenho<<strong>br</strong> />
responsabilidade <strong>com</strong>o filho.<<strong>br</strong> />
- Não adianta falar isso agora... Não tenho intenção<<strong>br</strong> />
nenhuma de ir para os Estados Unidos.<<strong>br</strong> />
- Então, <strong>com</strong>o fica o nosso casamento? Como ficará o<<strong>br</strong> />
bebê que você está esperando?<<strong>br</strong> />
- Por favor, fique você no Japão.<<strong>br</strong> />
- Meu pai, minha mãe e meus irmãos estão no Brasil.<<strong>br</strong> />
Agora que acabou a guerra, pode ser que eles voltem para o<<strong>br</strong> />
Japão. Se isso acontecer, quero falar <strong>com</strong> orgulho que vim<<strong>br</strong> />
me esforçando sozinha. Por isso, eu quero esperá-los aqui no<<strong>br</strong> />
Japão!<<strong>br</strong> />
- Volte uma vez aos Estados Unidos e converse <strong>com</strong> sua<<strong>br</strong> />
- 318 -
mãe. Eu esperarei pela sua volta, seja quando for.<<strong>br</strong> />
George suspirou, olhando para cima, resignado.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> nunca soubera que pensamento George havia tido<<strong>br</strong> />
naquele momento ou quais eram seus conflitos internos.<<strong>br</strong> />
- George regressou aos Estados Unidos prometendo vir<<strong>br</strong> />
buscar a mim e ao nosso filho. Porém, nunca mais voltou.<<strong>br</strong> />
Escrevi cartas, mas ele nem me respondeu. As<<strong>br</strong> />
circunstâncias e os sentimentos devem ter mudado depois<<strong>br</strong> />
que ele voltou aos Estados Unidos, mas... De qualquer forma,<<strong>br</strong> />
acho que não era um homem que valesse muito.<<strong>br</strong> />
- E a criança?<<strong>br</strong> />
- Eu tive a criança porque acreditava que George iria<<strong>br</strong> />
voltar. Era um menino. Mas, não houve reconhecimento pelo<<strong>br</strong> />
pai... Coitado, nem conheceu o pai.<<strong>br</strong> />
- Não sabíamos de nada. Você também sofreu bastante,<<strong>br</strong> />
não?<<strong>br</strong> />
- Foi castigo. Eu traí Kinta e Tsutomu e confiei num<<strong>br</strong> />
americano... Mas, eu tinha minha fá<strong>br</strong>ica de biscoitos. E tive<<strong>br</strong> />
novas <strong>com</strong>panheiras. Por isso, consegui me reerguer. O mais<<strong>br</strong> />
difícil foi deixar que meu filho se tornasse uma criança sem<<strong>br</strong> />
pai...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> dedicava a maior parte do dia à fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />
biscoitos. O bebê recém-nascido dormia num canto da fá<strong>br</strong>ica.<<strong>br</strong> />
Aiko e Ritsuko vinham pela manhã e se dedicavam à<<strong>br</strong> />
fa<strong>br</strong>icação de biscoitos em grande quantidade para os clientes<<strong>br</strong> />
- 319 -
maiores. Ao terminar, enfrentavam novos desafios na<<strong>br</strong> />
confecção de biscoitos diversos.<<strong>br</strong> />
No meio dessa correria, o bebê crescia a olhos vistos e o<<strong>br</strong> />
seu sorriso inocente trazia harmonia às mulheres cansadas<<strong>br</strong> />
de trabalhar.<<strong>br</strong> />
Era primavera, mas nevava nas termas de Hakone.<<strong>br</strong> />
Do quarto do hotel em estilo japonês, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
contemplavam a neve que caía incessantemente.<<strong>br</strong> />
- Parece um sonho poder conversar <strong>com</strong> você, hospedada<<strong>br</strong> />
em um hotel luxuoso <strong>com</strong>o este.<<strong>br</strong> />
- Ah, se tivéssemos nos encontrado antes. Queria ter visto<<strong>br</strong> />
o papai e a mamãe... Se eu soubesse que Minoru tinha se<<strong>br</strong> />
tornado aviador e que estava no Japão, poderia ter me<<strong>br</strong> />
encontrado <strong>com</strong> ele também...<<strong>br</strong> />
- Se nossas cartas tivessem chegado para cada uma de<<strong>br</strong> />
nós...<<strong>br</strong> />
- Eu já tinha me conformado. Porém, se você tivesse<<strong>br</strong> />
voltado ao Japão e me procurado enquanto papai e mamãe<<strong>br</strong> />
estivessem vivos...<<strong>br</strong> />
- Sinto muito. Naturalmente, queria ter voltado. Porém,<<strong>br</strong> />
a gente não tinha dinheiro para isso... Não tínhamos condição<<strong>br</strong> />
de sair daquela vila, embora trabalhássemos, os três,<<strong>br</strong> />
exaustivamente. Não podia me casar, abandonando papai e<<strong>br</strong> />
mamãe por lá. Esperava, pelo menos, uma <strong>com</strong>unicação e a<<strong>br</strong> />
volta de Minoru.<<strong>br</strong> />
- 320 -
Os acontecimentos daquele dia estavam claramente<<strong>br</strong> />
gravados na memória de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Quando recolhia as roupas lavadas e secas, <strong>Haru</strong> sentira que<<strong>br</strong> />
um estranho a olhava. O homem caminhou em direção à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- A senhorita é da família Takakura?<<strong>br</strong> />
- Sim. O senhor veio do Japão?<<strong>br</strong> />
- Meu nome é Unno. Eu vim do Japão para falar so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
Minoru Takakura.<<strong>br</strong> />
O rosto de <strong>Haru</strong> <strong>br</strong>ilhou instantaneamente de alegria.<<strong>br</strong> />
- So<strong>br</strong>e meu irmão?<<strong>br</strong> />
- Então, é a senhorita <strong>Haru</strong>, irmã do Minoru? Ele me<<strong>br</strong> />
falou so<strong>br</strong>e você. Seus pais estão bem?<<strong>br</strong> />
- Sim. Por favor, espere um momento.<<strong>br</strong> />
Os passos de <strong>Haru</strong>, que correu para dentro da casa, eram<<strong>br</strong> />
leves e alegres, mas Unno desviou o olhar, constrangido.<<strong>br</strong> />
Como Capitão de Fragata da Marinha Imperial japonesa,<<strong>br</strong> />
Unno conhecera Minoru, que trabalhava <strong>com</strong>o estivador no<<strong>br</strong> />
porto de Santos, antes da guerra. Nessa ocasião, Minoru<<strong>br</strong> />
aguardava uma oportunidade para embarcar num navio e<<strong>br</strong> />
voltar para o Japão. Unno o aconselhara a ingressar na Aviação<<strong>br</strong> />
Naval de Reserva e Minoru aceitara prontamente. Unno se<<strong>br</strong> />
tornara também o responsável por ele.<<strong>br</strong> />
Minoru escrevera a Chûji contando so<strong>br</strong>e as<<strong>br</strong> />
circunstâncias.<<strong>br</strong> />
- Minoru nos escreveu cartas a seu respeito... Graças ao<<strong>br</strong> />
senhor, ele conseguiu se tornar um militar honrado. Ele estava<<strong>br</strong> />
muito agradecido, dizendo que devia tudo ao Comandante<<strong>br</strong> />
- 321 -
Unno.<<strong>br</strong> />
Diferentemente de outras ocasiões, Chûji estava mais<<strong>br</strong> />
tenso e o seu discurso era mais formal. Shizu se <strong>com</strong>portava<<strong>br</strong> />
de forma recatada, <strong>com</strong>o sempre.<<strong>br</strong> />
- E o Minoru, <strong>com</strong>o está?<<strong>br</strong> />
Foi preciso um pouco de tempo para que Unno <strong>com</strong>eçasse<<strong>br</strong> />
a falar.<<strong>br</strong> />
- Eu o trouxe <strong>com</strong>igo. - Unno falou, num tom pesaroso.<<strong>br</strong> />
Levantou-se e tirou da caixa algo em<strong>br</strong>ulhado num pano<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>anco e a<strong>br</strong>iu o em<strong>br</strong>ulho <strong>com</strong>o se estivesse a lidar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
algo muito frágil.<<strong>br</strong> />
Era o quepe e uma gaita.<<strong>br</strong> />
- É o quepe e a gaita que Minoru usava em vida.<<strong>br</strong> />
Shizu fitou atentamente o quepe.<<strong>br</strong> />
- Minoru foi enviado <strong>com</strong>o piloto suicida para a Ilha de<<strong>br</strong> />
Leyte, nas Filipinas. Teve uma morte honrosa, afundando uma<<strong>br</strong> />
belo nave inimiga <strong>com</strong> seu avião. Por isso, não há restos<<strong>br</strong> />
mortais... No lugar de seus restos, trouxe este quepe.<<strong>br</strong> />
Chûji e Shizu ficaram sem reação.<<strong>br</strong> />
- Meu irmão morreu na guerra?<<strong>br</strong> />
- Eu fui o responsável por Minoru. Assim, o <strong>com</strong>unicado<<strong>br</strong> />
oficial de sua morte em <strong>com</strong>bate chegou a mim. Eu devia<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>unicar imediatamente aos senhores, mas foi impossível<<strong>br</strong> />
devido à situação crítica do pós-guerra. Somente agora, que<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçaram a autorizar as viagens ao exterior, é que pude vir<<strong>br</strong> />
até aqui.<<strong>br</strong> />
- O senhor veio especialmente do Japão para nos<<strong>br</strong> />
- 322 -
<strong>com</strong>unicar a morte do Minoru?... - Chûji perguntou<<strong>br</strong> />
emocionado, tentando suportar o impacto da notícia.<<strong>br</strong> />
- Sim. Queria <strong>com</strong>unicar-lhes antes, mas não pude sair<<strong>br</strong> />
do país enquanto não se restabelecessem as relações<<strong>br</strong> />
diplomáticas. Peço-lhes desculpas pela demora.<<strong>br</strong> />
Unno se ajoelhou, juntou as mãos e encostou a testa no<<strong>br</strong> />
chão.<<strong>br</strong> />
- Minoru!... - Shizu gritou, <strong>com</strong> voz cheia de tristeza,<<strong>br</strong> />
a<strong>br</strong>açando o quepe.<<strong>br</strong> />
Ainda que tentasse abafar a voz para não chorar, as<<strong>br</strong> />
soluços não paravam de sair.<<strong>br</strong> />
- Não chore! Minoru teve uma morte honrosa, cumprindo<<strong>br</strong> />
a importante missão <strong>com</strong>o súdito de Sua Majestade, o<<strong>br</strong> />
Imperador, e defendendo o Grande Império do Japão. Sorria<<strong>br</strong> />
e elogie-o!<<strong>br</strong> />
Chûji tomou o quepe das mãos de Shizu e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
falar <strong>com</strong>o se estivesse falando <strong>com</strong> o filho.<<strong>br</strong> />
- Muito bem Minoru! Seu pai é um imprestável que não<<strong>br</strong> />
conseguiu voltar para o Japão, nem pôde ser útil ao seu país.<<strong>br</strong> />
Mas você, <strong>com</strong>o japonês, serviu à Pátria, dedicando-se<<strong>br</strong> />
inclusive por mim. Minoru, você é o orgulho da família<<strong>br</strong> />
Takakura. Eu também posso andar de cabeça erguida <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
japonês, por ter tido um filho <strong>com</strong>o você. Jovens <strong>com</strong>o você<<strong>br</strong> />
é que protegeram o Japão. Descanse, <strong>com</strong>o herói nacional,<<strong>br</strong> />
junto <strong>com</strong> seus <strong>com</strong>panheiros de luta.<<strong>br</strong> />
Chûji se colocou em posição de sentido e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />
cantar "Umiyukaba".<<strong>br</strong> />
- 323 -
Unno também se colocou imediatamente em posição de<<strong>br</strong> />
sentido e pôs-se a a<strong>com</strong>panhar:<<strong>br</strong> />
"Nós morreremos no mar.<<strong>br</strong> />
Nós morreremos nas montanhas.<<strong>br</strong> />
De qualquer maneira,<<strong>br</strong> />
Nós morreremos ao lado do Imperador.<<strong>br</strong> />
Jamais olharemos para trás."<<strong>br</strong> />
A letra desta canção era baseada no poema de Yakamochi<<strong>br</strong> />
Otomo, poeta japonês do século VIII, e traduzia o firme<<strong>br</strong> />
propósito de dedicar a vida ao Imperador.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> procurava conter o corpo que quase desfalecia,<<strong>br</strong> />
ouvindo o pai e o benfeitor de Minoru entoarem a canção<<strong>br</strong> />
"Umi Yukaba" em homenagem ao irmão.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panhou Unno para fora de casa e não pôde<<strong>br</strong> />
deixar de falar so<strong>br</strong>e os sentimentos do pai, que tinha em<<strong>br</strong> />
Minoru seu apoio espiritual.<<strong>br</strong> />
- Então, seu pai não acredita na derrota do Japão?<<strong>br</strong> />
- Ele não quer acreditar. Mas, eu quero que ele continue<<strong>br</strong> />
a acreditar na vitória do Japão. Senão, a morte do meu irmão<<strong>br</strong> />
terá sido em vão.<<strong>br</strong> />
Unno aquiesceu em silêncio. Ele batalhou, correndo risco<<strong>br</strong> />
de vida pelo império japonês e não podia deixar de<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preender as dores de Chûji.<<strong>br</strong> />
- O Japão já se restabeleceu um pouco?<<strong>br</strong> />
- Atualmente, estou trabalhando <strong>com</strong> pesca, num navio<<strong>br</strong> />
- 324 -
pesqueiro transoceânico. Podemos vir até a África do Sul<<strong>br</strong> />
para pescar atuns.<<strong>br</strong> />
- Trabalhando <strong>com</strong> pesca?... - <strong>Haru</strong> perguntou incrédula<<strong>br</strong> />
e Unno riu, desprezando a si mesmo.<<strong>br</strong> />
- Vocês não vão voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />
- Não podemos... Por mais que tenhamos trabalhado, não<<strong>br</strong> />
conseguimos juntar o suficiente para voltar para o Japão,<<strong>br</strong> />
mesmo passados 18 anos. Quando viemos para o Brasil,<<strong>br</strong> />
fomos esquecidos pelo Japão. Porém, estava <strong>com</strong> esperanças<<strong>br</strong> />
de que, depois que o Minoru voltasse para cá, eu poderia, um<<strong>br</strong> />
dia, voltar para o Japão. Mas, esse sonho também ruiu... Eu<<strong>br</strong> />
acho que nunca mais poderei sair daqui. Não posso abandonar<<strong>br</strong> />
meus pais... Já me conformei.<<strong>br</strong> />
- Perdoe-me. Eu é que fiz você perder o seu precioso<<strong>br</strong> />
irmão.<<strong>br</strong> />
- Não. Meu pai está tão feliz! Foi muito bom para nós.<<strong>br</strong> />
Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
Ainda que contrariado, Unno perdera muitos<<strong>br</strong> />
subordinados durante a guerra. Os agradecimentos de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
não tinham o significado de salvação para Unno, mas ao<<strong>br</strong> />
contrário, talvez tivessem servido para fortalecer os seus<<strong>br</strong> />
sentimentos de culpa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se despediu de Unno, que andava curvado,<<strong>br</strong> />
transparecendo seu cansaço.<<strong>br</strong> />
O sentimento de perda sentido por <strong>Haru</strong> era grande. Ao<<strong>br</strong> />
mesmo tempo em que Minoru era o único irmão, era também<<strong>br</strong> />
a corda de salvação para a liberdade de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- 325 -
Já tarde da noite, Chüji continuava a beber em frente ao<<strong>br</strong> />
quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />
- Viu <strong>com</strong>o o Japão ganhou a guerra? Senão, o<<strong>br</strong> />
Comandante Unno, que era Capitão de Fragata da Marinha<<strong>br</strong> />
Imperial japonesa, não poderia ter vindo vivo até o Brasil...<<strong>br</strong> />
Se o Japão tivesse perdido, todos os militares teriam se<<strong>br</strong> />
suicidado. Não poderiam suportar a vergonha de continuar<<strong>br</strong> />
vivendo. Ele trouxe o quepe do Minoru até o Brasil. Isso<<strong>br</strong> />
prova que o Japão ganhou a guerra, não é, Minoru?<<strong>br</strong> />
Shizu o deixou só, e Chüji continuou a conversar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />
Chûji se fechara nas suas convicções e jamais a<strong>br</strong>iria mão<<strong>br</strong> />
delas. Só assim ele poderia so<strong>br</strong>eviver.<<strong>br</strong> />
- Quantos anos você tinha nessa época, mana...?<<strong>br</strong> />
- Tinha <strong>com</strong>pletado 27 anos.<<strong>br</strong> />
- Havia desistido do casamento <strong>com</strong> essa idade?<<strong>br</strong> />
- Tinha resolvido me dedicar ao papai e à mamãe,<<strong>br</strong> />
enquanto eles vivessem. Mas, então, uma pessoa inesperada<<strong>br</strong> />
veio nos visitar.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>, que havia desistido de casar para cuidar dos pais,<<strong>br</strong> />
dedicava-se aos afazeres no algodoal, sob calor intenso,<<strong>br</strong> />
quanto ouviu alguém gritar:<<strong>br</strong> />
-<strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />
Ela se voltou em direção à voz, curiosa para saber quem<<strong>br</strong> />
era. Um jovem forte acenava <strong>com</strong> os <strong>br</strong>aços, <strong>com</strong> a intimidade<<strong>br</strong> />
- 326 -
de um velho amigo.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> encontrou no seu semblante o rosto de um menino<<strong>br</strong> />
saudoso.<<strong>br</strong> />
-Takuya...?<<strong>br</strong> />
- Era o menino que viajara conosco no mesmo navio de<<strong>br</strong> />
emigração. Entramos <strong>com</strong>o colonos na mesma fazenda e era<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> quem me dava melhor. Não podia acreditar. Era uma<<strong>br</strong> />
pessoa inesquecível para mim, mas achei que nunca mais o<<strong>br</strong> />
veria de novo. O mano Minoru fez <strong>com</strong> que nos<<strong>br</strong> />
reencontrássemos.<<strong>br</strong> />
Takuya veio correndo e falou ofegante.<<strong>br</strong> />
- Ouvi do sr. Unno que o Minoru faleceu durante a guerra.<<strong>br</strong> />
Queria rezar pela alma dele...<<strong>br</strong> />
- Naquele momento, pressenti que uma pequena<<strong>br</strong> />
primavera tinha chegado na minha vida.<<strong>br</strong> />
Dezessete anos haviam passado desde que fugiram da<<strong>br</strong> />
primeira fazenda, arriscando a própria vida.<<strong>br</strong> />
Takuya fitava <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o se olhasse algo ofuscante.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também retribuía o olhar de Takuya, fazendo votos<<strong>br</strong> />
para que este reencontro não fosse um sonho.<<strong>br</strong> />
- 327 -
Capítulo V<<strong>br</strong> />
A nossa Pátria, o Brasil<<strong>br</strong> />
Após a fuga noturna, as famílias Takakura e Yamashita<<strong>br</strong> />
haviam se separado. <strong>Haru</strong> pensara que nunca mais voltaria a<<strong>br</strong> />
ver Takuya Yamashita, mas o falecido Minoru acabara por<<strong>br</strong> />
promover o reencontro.<<strong>br</strong> />
A inesperada visita de Takuya ocorrera em junho de<<strong>br</strong> />
1952.<<strong>br</strong> />
O quepe de Minoru, que morrera <strong>com</strong>o piloto suicida<<strong>br</strong> />
na Ilha de Leyte, estava colocado em cima de uma estante, na<<strong>br</strong> />
sala de visitas da família Takakura, no lugar de seus restos<<strong>br</strong> />
mortais.<<strong>br</strong> />
Takuya tocou <strong>com</strong> sua gaita, o Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />
Patrícios que Emigram para o Brasil, para homenagear<<strong>br</strong> />
Minoru. A gaita, devolvida por Unno, junto <strong>com</strong> o quepe,<<strong>br</strong> />
fora presenteada a Minoru por Takuya, quando ele decidira<<strong>br</strong> />
ingressar no Corpo de Aviadores de Reserva da Marinha<<strong>br</strong> />
Imperial japonesa.<<strong>br</strong> />
Chûji ouvia atentamente a gaita tocada por Takuya,<<strong>br</strong> />
cabisbaixo.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado por ter vindo de São Paulo até este local<<strong>br</strong> />
distante. Minoru também deve estar muito contente.<<strong>br</strong> />
As duas famílias estiveram no mesmo camarote desde<<strong>br</strong> />
que haviam embarcado no navio de emigração em Kobe.<<strong>br</strong> />
Foram designadas para trabalhar na mesma fazenda de café e<<strong>br</strong> />
- 329 -
<strong>com</strong>partilharam os sacrifícios num cafezal <strong>com</strong> pouca<<strong>br</strong> />
colheita. As famílias se encorajavam e se confortavam<<strong>br</strong> />
mutuamente, a fim de suportar as agruras. Estiveram juntos<<strong>br</strong> />
também naquela fuga noturna. Após a morte de Shigeru, que<<strong>br</strong> />
contraíra malária, e a destruição das plantações pelas chuvas<<strong>br</strong> />
de granizo, decidiram empreender a fuga. Num gesto de<<strong>br</strong> />
desespero, Chûji desejou que ao menos Minoru retornasse<<strong>br</strong> />
ao Japão e confiou-o à família Yamashita, que se dirigia para<<strong>br</strong> />
Santos.<<strong>br</strong> />
Heizo, pai de Takuya, aquiescera prontamente e levara<<strong>br</strong> />
Minoru até Santos.<<strong>br</strong> />
Desde então, Minoru trabalhara por três anos <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
estivador no porto de Santos, aguardando a oportunidade de<<strong>br</strong> />
embarcar num navio que o levasse de volta ao Japão, até que<<strong>br</strong> />
encontrou o Comandante Unno. Durante esse período, a<<strong>br</strong> />
família Yamashita zelara por Minoru.<<strong>br</strong> />
Takuya se lem<strong>br</strong>ava desta época <strong>com</strong>o se tudo tivesse<<strong>br</strong> />
ocorrido no dia anterior. O único que podia falar da vida de<<strong>br</strong> />
Minoru <strong>com</strong>o estivador no porto de Santos era Takuya.<<strong>br</strong> />
- Brincávamos e <strong>br</strong>igávamos <strong>com</strong>o se fôssemos irmãos<<strong>br</strong> />
de verdade... Não posso me esquecer dele. Quando ele<<strong>br</strong> />
conheceu o Comandante Unno e ficou sabendo que poderia<<strong>br</strong> />
voltar ao Japão, parecia tão feliz... Ele estava radiante, cheio<<strong>br</strong> />
de esperanças, dizendo que, chegando ao Japão, iria se alistar<<strong>br</strong> />
no Corpo de Aviadores da Reserva da Marinha Imperial... O<<strong>br</strong> />
Comandante Unno providenciou um lugar no navio de carga<<strong>br</strong> />
que saiu do porto de Santos, e Minoru embarcou <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
- 330 -
aprendiz de marinheiro. Aquilo foi a nossa última despedida...<<strong>br</strong> />
Quando recebeu a licença de piloto da Aviação Naval, mandou<<strong>br</strong> />
uma carta descrevendo o orgulho de ter-se tornado um militar<<strong>br</strong> />
da Marinha Imperial. Nós também ficamos muito felizes <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a notícia. Com a eclosão da guerra, perdemos o contato e<<strong>br</strong> />
estávamos preocupados <strong>com</strong> ele. Então, outro dia recebemos<<strong>br</strong> />
um recado do Comandante Unno, dizendo que estava no<<strong>br</strong> />
Brasil e que havia vindo para entregar uma relíquia de Minoru<<strong>br</strong> />
para a família. Assim, ficamos sabendo que o Minoru havia<<strong>br</strong> />
morrido na guerra...<<strong>br</strong> />
Emocionado, Takuya engasgou e ficou sem voz.<<strong>br</strong> />
Chûji continuou o relato, falando so<strong>br</strong>e o filho:<<strong>br</strong> />
- Minoru teve uma morte honrosa, lutando para defender<<strong>br</strong> />
o Japão. É a grande aspiração de todos os homens japoneses.<<strong>br</strong> />
Ele também deve estar satisfeito.<<strong>br</strong> />
- Pude reencontrar Minoru de alguma forma... Sinto-me<<strong>br</strong> />
aliviado.<<strong>br</strong> />
Takuya soube que Minoru morrera em <strong>com</strong>bate e desejou<<strong>br</strong> />
também "se encontrar" <strong>com</strong> ele. Unno, contudo, dispunha de<<strong>br</strong> />
pouquíssimo tempo, pois o seu navio estava atracado no porto<<strong>br</strong> />
de Santos por poucos dias e mal conseguiria entregar o quepe<<strong>br</strong> />
e a gaita de Minoru à família Takakura. Assim, Takuya não<<strong>br</strong> />
pôde ver os objetos pessoais de Minoru e, querendo satisfazer<<strong>br</strong> />
tal desejo, fora até o interior de São Paulo, onde morava a<<strong>br</strong> />
família Takakura.<<strong>br</strong> />
- Agradeço por ter querido tão bem ao Minoru...<<strong>br</strong> />
Estivemos tão ocupados em so<strong>br</strong>eviver, que não tivemos nem<<strong>br</strong> />
- 331 -
oportunidade para visitá-los e agradecer-lhes por tudo que<<strong>br</strong> />
fizeram... Nem tenho palavras para me desculpar. - Shizu<<strong>br</strong> />
agradeceu formalmente o gesto de Takuya, que também<<strong>br</strong> />
respondeu cerimoniosamente:<<strong>br</strong> />
- Este sentimento é mútuo. Já faz mais ou menos 17 anos<<strong>br</strong> />
que nós nos separamos, quando fugimos da fazenda de café,<<strong>br</strong> />
não é?<<strong>br</strong> />
Heizo, pai de Takuya, havia imigrado para o Brasil <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />
firme intenção de enterrar os seus restos mortais no país.<<strong>br</strong> />
Contudo, durante o período da guerra fora preso pela polícia<<strong>br</strong> />
apenas pelo fato de ter-se reunido <strong>com</strong> alguns amigos<<strong>br</strong> />
japoneses e ficou detido por quase um ano.<<strong>br</strong> />
O sacrifício dos familiares enquanto o pai estivera detido<<strong>br</strong> />
deveria ter sido enorme.<<strong>br</strong> />
Com o término da guerra, os seus negócios entraram no<<strong>br</strong> />
eixo e agora estava muito ocupado, totalmente sem tempo.<<strong>br</strong> />
Takuya relatou o que se passara <strong>com</strong> os seus, desculpandose<<strong>br</strong> />
por não ter escrito à <strong>Haru</strong>. Shizu lhe perguntou:<<strong>br</strong> />
- Você disse que estava morando em São Paulo. O que<<strong>br</strong> />
estão fazendo?...<<strong>br</strong> />
- Estamos fa<strong>br</strong>icando e consertando implementos<<strong>br</strong> />
agrícolas simples...<<strong>br</strong> />
- Então, vocês a<strong>br</strong>iram uma fá<strong>br</strong>ica?...<<strong>br</strong> />
- Sim, uma pequena...<<strong>br</strong> />
As notícias de sucesso dos seus antigos vizinhos<<strong>br</strong> />
alegraram também a Chûji.<<strong>br</strong> />
- Que ótimo! Seu pai me disse que se candidatou <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
- 332 -
imigrante para conseguir capital e a<strong>br</strong>ir uma fá<strong>br</strong>ica no Brasil.<<strong>br</strong> />
Quer dizer que ele realizou os seus sonhos...<<strong>br</strong> />
- Bem, ainda estamos no <strong>com</strong>eço.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> preparou café e trouxe à mesa, mas Chûji abanou a<<strong>br</strong> />
cabeça de forma negativa.<<strong>br</strong> />
- Está pensando em servir café? Deixe disso. Sirva pinga.<<strong>br</strong> />
Traga pinga.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> soltou um riso. Há muito tempo que não via Chûji<<strong>br</strong> />
tão bem humorado.<<strong>br</strong> />
- É um feliz reencontro, depois de muito tempo. Vamos<<strong>br</strong> />
beber <strong>com</strong> Minoru. É uma casa po<strong>br</strong>e, mas fique à vontade.<<strong>br</strong> />
Vamos passar a noite bebendo, relem<strong>br</strong>ando os velhos tempos.<<strong>br</strong> />
Para Chûji, esta seria uma noite agradável em que poderia<<strong>br</strong> />
beber em <strong>com</strong>panhia de Takuya e também de Minoru.<<strong>br</strong> />
- Por aqui é muito gostoso. Terra <strong>com</strong> muito verde... Aqui,<<strong>br</strong> />
sinto paz no espírito. Acho que não gosto de cidade grande...<<strong>br</strong> />
- Mas você está ajudando na fá<strong>br</strong>ica de seu pai, não é?<<strong>br</strong> />
- Meu irmão mais velho se casou <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira e<<strong>br</strong> />
está trabalhando na fá<strong>br</strong>ica <strong>com</strong> meu pai. Porém, eu não sei<<strong>br</strong> />
lidar <strong>com</strong> máquinas. Fiz curso de agronomia na universidade<<strong>br</strong> />
e me especializei em tecnologia de melhoramento de espécies<<strong>br</strong> />
de verduras e flores. Entretanto não gosto de ficar trancado<<strong>br</strong> />
num laboratório. Meu sonho é cultivar os espécimes que<<strong>br</strong> />
pesquisei numa fazenda. Um dia, quero deixar a casa dos<<strong>br</strong> />
meus pais em São Paulo e procurar terras para plantar. Só<<strong>br</strong> />
que ainda não tenho capital para arrendar terras.<<strong>br</strong> />
- Puxa, e eu pensava que você, Takuya, já estava farto da<<strong>br</strong> />
- 333 -
agricultura, depois de ter sofrido tanto na fazenda de café.<<strong>br</strong> />
Chûji ficou surpreso <strong>com</strong> as idéias de Takuya, que pensava<<strong>br</strong> />
em desenvolver suas próprias terras <strong>com</strong> o dinheiro que<<strong>br</strong> />
pouparia trabalhando em alguma fazenda. Aos olhos de Chûji,<<strong>br</strong> />
a insistência na agricultura era bem vista.<<strong>br</strong> />
- Eu sempre via <strong>Haru</strong> cultivando, <strong>com</strong> dedicação, seus<<strong>br</strong> />
legumes e verduras e aprendi, assim, o prazer de cultivá-los.<<strong>br</strong> />
Então, <strong>com</strong>ecei a pensar em plantar verduras e flores das quais<<strong>br</strong> />
eu gosto...<<strong>br</strong> />
A família Yamashita se dedicara à indústria no Japão.<<strong>br</strong> />
Como emigraram para o Brasil sem nada saber so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
agricultura, Takuya nem pensava, no início, em se dedicar à<<strong>br</strong> />
lavoura. Fora, sem dúvida, influenciado por <strong>Haru</strong> e se sentia<<strong>br</strong> />
mais estimulado ainda ao contemplar o verde da fazenda dos<<strong>br</strong> />
Takakura se estender pelo horizonte.<<strong>br</strong> />
- Invejo os senhores... Ah, <strong>com</strong>o seria bom se pudesse<<strong>br</strong> />
plantar o que se deseja num lugar <strong>com</strong>o este!<<strong>br</strong> />
- Você diz isso porque veio para este lugar depois de<<strong>br</strong> />
muito tempo. Às vezes, as plantas crescem bem, porém, vem<<strong>br</strong> />
a geada ou a chuva de granizos e destrói tudo, ou então, ocorre<<strong>br</strong> />
uma proliferação de pragas, que devasta a plantação... As<<strong>br</strong> />
coisas não correm <strong>com</strong>o planejamos. Mas, <strong>com</strong>o não sabemos<<strong>br</strong> />
fazer outra coisa senão plantar, estamos agarrados a esta<<strong>br</strong> />
terra...<<strong>br</strong> />
Shizu procurou explicar indiretamente que a agricultura<<strong>br</strong> />
era uma atividade muito sacrificada por depender do sol e do<<strong>br</strong> />
clima, mas Chûji parecia estar contente <strong>com</strong> o firme propósito<<strong>br</strong> />
- 334 -
de Takuya.<<strong>br</strong> />
- Mas, se gostou realmente daqui, fique por algum tempo.<<strong>br</strong> />
Aí, você poderá saber se aqui é, realmente, o lugar ideal para<<strong>br</strong> />
concretizar seus sonhos.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />
Takuya ficaria algum tempo na fazenda. <strong>Haru</strong> ouvira a<<strong>br</strong> />
notícia <strong>com</strong> satisfação enquanto preparava as bebidas.<<strong>br</strong> />
Tendo passado 17 anos desde a chegada ao Brasil, Takuya,<<strong>br</strong> />
que à época tinha 14 anos, devia estar <strong>com</strong> 31 anos.<<strong>br</strong> />
Passara a sua adolescência em meio às tormentas. Há<<strong>br</strong> />
quem mude de personalidade, mas Takuya conservara parte<<strong>br</strong> />
do seu jeito de ser daquela época, de tal forma que não dava<<strong>br</strong> />
para sentir o passar dos anos.<<strong>br</strong> />
No dia seguinte, Takuya <strong>com</strong>eçou a trabalhar na colheita<<strong>br</strong> />
de algodão na lavoura da família Takakura. Enquanto<<strong>br</strong> />
trabalhavam, Takuya confidenciou a <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />
- Essas terras são boas, mas se continuar plantando só<<strong>br</strong> />
algodão, ela vai acabar ficando improdutiva. É melhor mudar<<strong>br</strong> />
para outro produto.<<strong>br</strong> />
- Papai teima em continuar a cultivar algodão. Porém, na<<strong>br</strong> />
realidade, ele não sabe o que plantar. Plantando algodão, ele<<strong>br</strong> />
fica sossegado. Acho que não devemos contrariá-lo, enquanto<<strong>br</strong> />
estiver trabalhando <strong>com</strong> saúde.<<strong>br</strong> />
- Assim, vocês nunca poderão voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />
- Há muito tempo que já desistimos de voltar.<<strong>br</strong> />
- Mas, sua irmã não está no Japão?<<strong>br</strong> />
- Nunca mais consegui entrar em contato <strong>com</strong> ela... Não<<strong>br</strong> />
- 335 -
sei se ela continua viva ou morreu na guerra... Eu já estou<<strong>br</strong> />
conformada.<<strong>br</strong> />
- Então, você pretende ficar para sempre no Brasil?<<strong>br</strong> />
- Não tem outro jeito, tem?<<strong>br</strong> />
Quando estava na fazenda, <strong>Haru</strong> sempre falava so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, preocupada <strong>com</strong> a irmã. Takuya hesitava em falar um<<strong>br</strong> />
assunto <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, que parecia ter desistido do seu desejo de<<strong>br</strong> />
retornar para o Japão a fim de rever <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Achava que você tinha se casado há muito tempo...<<strong>br</strong> />
Surpreendeu-me o fato de você ainda estar solteira.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> sorriu abertamente.<<strong>br</strong> />
- É que não tenho <strong>com</strong> quem me casar... E sua esposa,<<strong>br</strong> />
Takuya...? Está em São Paulo...?<<strong>br</strong> />
-Não tenho esposa...<<strong>br</strong> />
- Você ainda é solteiro...?<<strong>br</strong> />
- Não tenho ninguém. Em São Paulo, não há nenhuma<<strong>br</strong> />
moça japonesa que queira se casar <strong>com</strong> um homem que quer<<strong>br</strong> />
trabalhar na lavoura... Acho que não me casei porque não<<strong>br</strong> />
consegui esquecer você. - disse Takuya, rindo para esconder<<strong>br</strong> />
o embaraço.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também riu para disfarçar.<<strong>br</strong> />
- Não diga bobagens. Vou acabar acreditando, hein?<<strong>br</strong> />
Takuya estava ansioso, querendo saber o que <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
pensava so<strong>br</strong>e aquilo, mas ela saiu rapidamente dali, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
se estivesse fugindo.<<strong>br</strong> />
No chão de tatami do hotel em Hakone, os acolchoados<<strong>br</strong> />
- 336 -
já estavam estendidos para dormir. Yamato já se encontrava<<strong>br</strong> />
num sono profundo. Num quarto contíguo, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
continuavam a conversar, sentadas em frente a uma mesa.<<strong>br</strong> />
- Como? Então, você não se casou <strong>com</strong> esse tal de<<strong>br</strong> />
Takuya?<<strong>br</strong> />
- Naquela época, já tinha desistido de me casar. Tínhamos<<strong>br</strong> />
vontade de voltar para o Japão, mas não sabíamos quando<<strong>br</strong> />
isso poderia acontecer. Acho que papai também já estava meio<<strong>br</strong> />
conformado. Não podia me casar e sair de casa deixando papai<<strong>br</strong> />
naquela situação. Tinha me convencido a passar a vida<<strong>br</strong> />
sozinha, cuidando da plantação junto <strong>com</strong> meus pais. Mesmo<<strong>br</strong> />
que me casasse <strong>com</strong> Takuya, não poderia deixar papai e<<strong>br</strong> />
mamãe sozinhos lá, e também não queria que ele falasse que<<strong>br</strong> />
se casaria <strong>com</strong>igo e que permaneceria lá. Não podia fazer<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> que Takuya ficasse naquele lugar por minha causa...<<strong>br</strong> />
- Mana, você é muito boazinha. Pensa primeiro nos outros<<strong>br</strong> />
para depois pensar em si... Sou justamente o contrário. Eu<<strong>br</strong> />
sempre pensei só em mim mesma. Fui deixada sozinha no<<strong>br</strong> />
Japão, e tive que a<strong>br</strong>ir meu próprio caminho para so<strong>br</strong>eviver...<<strong>br</strong> />
Porém, depois que meu filho nasceu, passei a pensar nele em<<strong>br</strong> />
primeiro lugar, antes de qualquer outra pessoa ou coisa. Eu<<strong>br</strong> />
tinha pena do Teruhiko, uma criança sem pai, pois George<<strong>br</strong> />
havia nos abandonado...<<strong>br</strong> />
Era setem<strong>br</strong>o de 1949 no Japão, pouco antes do episódio<<strong>br</strong> />
do reencontro de <strong>Haru</strong> e Takuya. Havia transcorrido quatro<<strong>br</strong> />
anos após o término da guerra.<<strong>br</strong> />
- 337 -
O filho de <strong>Natsu</strong> e de George se chamava Teruhiko. Era<<strong>br</strong> />
muito amável em seus dois anos. Provavelmente ciente de<<strong>br</strong> />
que a mãe estava ocupada, ficava a <strong>br</strong>incar sozinho no canto<<strong>br</strong> />
da fá<strong>br</strong>ica, o que por si só, já ajudava a mãe.<<strong>br</strong> />
De fato, <strong>Natsu</strong> quase sempre estava ocupada, ora<<strong>br</strong> />
preparando a massa ora tirando os biscoitos do forno. Não<<strong>br</strong> />
tinha tempo para cuidar do filho.<<strong>br</strong> />
Suas colegas, Ritsuko e Aiko, também se dedicavam<<strong>br</strong> />
intensamente ao trabalho, quando chegou Yasuo Yamabe, um<<strong>br</strong> />
rapaz de cerca de 30 anos, cliente antigo da casa.<<strong>br</strong> />
- Bom dia.<<strong>br</strong> />
- Desculpe, sr. Yamabe, a sua en<strong>com</strong>enda ainda não está<<strong>br</strong> />
pronta.<<strong>br</strong> />
Ritsuko olhou-o de relance e voltou ao trabalho. Nem<<strong>br</strong> />
parecia se in<strong>com</strong>odar <strong>com</strong> a presença de Yamabe, que sequer<<strong>br</strong> />
pedira licença para ficar ali. Sua presença já parecia ser uma<<strong>br</strong> />
rotina entre eles.<<strong>br</strong> />
- Vocês me deixaram para depois outra vez, não é?<<strong>br</strong> />
- Temos outros fregueses a atender também, além do<<strong>br</strong> />
senhor. Espere mais um pouco. Aprontaremos sua en<strong>com</strong>enda<<strong>br</strong> />
até a hora do almoço.<<strong>br</strong> />
- Vocês não estão aceitando en<strong>com</strong>endas demais, só<<strong>br</strong> />
porque seus produtos estão famosos?<<strong>br</strong> />
Ouviu-se então a voz frívola de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />
- Se você não estiver contente, não precisa <strong>com</strong>prar. Pode<<strong>br</strong> />
até cancelar a en<strong>com</strong>enda, pois não falta quem queira...<<strong>br</strong> />
- Você sempre apela. Ô, mulher <strong>br</strong>ava... Esperarei o tempo<<strong>br</strong> />
- 338 -
que for preciso. Também tenho muitos fregueses esperando<<strong>br</strong> />
por seus biscoitos.<<strong>br</strong> />
Yamabe foi para junto da criança na ausência do que fazer.<<strong>br</strong> />
- Vou ficar <strong>br</strong>incando <strong>com</strong> o Teruzinho. Teruzinho...<<strong>br</strong> />
Vamos <strong>br</strong>incar juntos, já que fomos colocados de lado.<<strong>br</strong> />
Yamabe levantou Teruhiko, que, por sua vez, se mostrou<<strong>br</strong> />
contente, parecendo já estar acostumado.<<strong>br</strong> />
- Que bom. Quando o senhor vem, o Teruzinho fica<<strong>br</strong> />
contente. - Aiko disse, aliviada.<<strong>br</strong> />
- Po<strong>br</strong>ezinho! Sempre largado sozinho no canto da<<strong>br</strong> />
fá<strong>br</strong>ica...<<strong>br</strong> />
- Não tem problema. Ele está sempre vendo a mãe por<<strong>br</strong> />
perto. Não está solitário.<<strong>br</strong> />
Yamabe desprezou a presença de <strong>Natsu</strong> de propósito,<<strong>br</strong> />
dirigindo-se somente a Teruhiko:<<strong>br</strong> />
- Ela é que pensa, não é? Ela não <strong>com</strong>preende seus<<strong>br</strong> />
sentimentos... Vem, vem <strong>br</strong>incar <strong>com</strong> seu mano.<<strong>br</strong> />
- Sr. Yamabe, o senhor não tem idade para dizer que é<<strong>br</strong> />
irmão do Teruzinho. É titio, e tio velho!<<strong>br</strong> />
- Deixe de ser intrometida. Para o Teruzinho, não importa<<strong>br</strong> />
que eu seja irmão ou tio. Ele quer alguém que lhe dê atenção,<<strong>br</strong> />
não é?<<strong>br</strong> />
Apesar de Aiko estar caçoando de um rapaz <strong>com</strong> seus<<strong>br</strong> />
trinta anos, Yamabe não se importava. Parecia gostar<<strong>br</strong> />
realmente de crianças, apesar da fisionomia de bon vivant.<<strong>br</strong> />
Tocou o telefone. Yasuo percebeu que <strong>Natsu</strong> e as outras<<strong>br</strong> />
estavam ocupadas, e resolveu atender:<<strong>br</strong> />
- 339 -
-Aqui é a Indústria de Doces Hokuô. Sim? Sr. Morikawa?<<strong>br</strong> />
O<strong>br</strong>igado pela preferência. Sim? Sim, entendi. Muito<<strong>br</strong> />
o<strong>br</strong>igado. - atendeu <strong>com</strong> educação, desligando em seguida.<<strong>br</strong> />
- Era um tal de Morikawa... Esse Morikawa não é aquele<<strong>br</strong> />
que, <strong>com</strong>o eu, <strong>com</strong>pra seus produtos em grande quantidade e<<strong>br</strong> />
vende para casas de chá e lojas de venda a varejo? Ele<<strong>br</strong> />
cancelou suas en<strong>com</strong>endas. Disse que vai suspender por uns<<strong>br</strong> />
tempos...<<strong>br</strong> />
- Cancelou?... Ele fechou o seu negócio?<<strong>br</strong> />
- Você não está sabendo de nada? Você conhece a<<strong>br</strong> />
Laticínios Shirakaba, a empresa que cresceu produzindo<<strong>br</strong> />
manteigas e queijos, não é? Pois então, eles <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />
fa<strong>br</strong>icar biscoitos e bolos também. Como produzem em<<strong>br</strong> />
grande escala, estão vendendo barato. Será que o Morikawa<<strong>br</strong> />
passou a <strong>com</strong>prar deles?<<strong>br</strong> />
- Pensando bem, ultimamente está havendo vários<<strong>br</strong> />
cancelamentos de grandes en<strong>com</strong>endas. Não estava me<<strong>br</strong> />
preocupando muito porque a maioria dos nossos fregueses<<strong>br</strong> />
são particulares... - disse Ritsuko, parecendo lem<strong>br</strong>ar de algo.<<strong>br</strong> />
-Não sei que tipo de biscoitos essa empresa produz, mas<<strong>br</strong> />
o biscoito caseiro que fazemos é <strong>com</strong>pletamente diferente,<<strong>br</strong> />
pois eles produzem em massa.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> tinha confiança nos seus produtos, pois achava que<<strong>br</strong> />
se o sabor fosse <strong>com</strong>parado, os clientes certamente<<strong>br</strong> />
entenderiam...<<strong>br</strong> />
- Isso é verdade. Porém, a vida está se estabilizando aos<<strong>br</strong> />
poucos e o número de concorrentes está aumentando. Acho<<strong>br</strong> />
- 340 -
que chegou o momento em que, para so<strong>br</strong>eviver à situação, é<<strong>br</strong> />
necessário fazer inovações.<<strong>br</strong> />
Tratava-se de uma opinião razoável so<strong>br</strong>e um problema<<strong>br</strong> />
emergente. Tendo sido apontado por Yamabe, <strong>br</strong>otou em<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> uma certa insegurança.<<strong>br</strong> />
Mesmo que tivesse confiança no que estava vendendo,<<strong>br</strong> />
se uma grande empresa quisesse acabar <strong>com</strong> o grupo de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
ou entrar numa <strong>com</strong>petição, elas não teriam <strong>com</strong>o vencer.<<strong>br</strong> />
O verdadeiro pensamento de <strong>Natsu</strong> era conseguir fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />
biscoitos <strong>com</strong> as suas amigas, de tal forma a satisfazer seus<<strong>br</strong> />
clientes <strong>com</strong> qualidade e assim levar a vida.<<strong>br</strong> />
Yamabe parecia conseguir ler seu pensamento e continuou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> sua argumentação:<<strong>br</strong> />
- Não é o caso de se estar tão tranqüila. Até agora, os<<strong>br</strong> />
biscoitos eram uma raridade, vendiam bem, mesmo a preços<<strong>br</strong> />
altos. Porém, <strong>com</strong> o aumento de concorrentes, a situação<<strong>br</strong> />
mudou. Devem elevar a <strong>com</strong>petitividade, passando, o mais<<strong>br</strong> />
rápido possível, para a produção em massa.<<strong>br</strong> />
- O dinheiro ganho deve ser investido na <strong>com</strong>pra de<<strong>br</strong> />
equipamentos que possibilitem uma produção em massa.<<strong>br</strong> />
- Mas isso estragará a nossa imagem, que é de produto<<strong>br</strong> />
totalmente caseiro. - disse Ritsuko, tentando de alguma forma<<strong>br</strong> />
contra-argumentar no lugar de <strong>Natsu</strong>, que havia se calado.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que sejam produzidos em massa, bastam que<<strong>br</strong> />
sejam biscoitos que pareçam caseiros. Olha, se não adotarem<<strong>br</strong> />
esse novo sistema imediatamente, será tarde, hein?...<<strong>br</strong> />
- 341 -
- Se isso acontecer, os produtos não terão grande saída.<<strong>br</strong> />
Se ficarem à espera dos clientes, eles não aparecerão. Vocês<<strong>br</strong> />
têm que sair em busca de clientes, fazer entregas... Logo,<<strong>br</strong> />
logo, estaremos numa época assim.<<strong>br</strong> />
-Nós não servimos para fazer vendas. - Aiko respondeu,<<strong>br</strong> />
olhando de relance para <strong>Natsu</strong>, que nada dizia.<<strong>br</strong> />
- É lógico. Vocês devem só fa<strong>br</strong>icar. Podem deixar que<<strong>br</strong> />
eu as ajudo nas vendas.<<strong>br</strong> />
- Isso parece mais um sonho...<<strong>br</strong> />
- Eu não tenho nenhum <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> vocês. Se a<<strong>br</strong> />
firma de vocês fechar, eu posso <strong>com</strong>prar de outros e vendêlos<<strong>br</strong> />
às lojas de varejo. Mas não quero que os doces desta casa<<strong>br</strong> />
se acabem. Dá muita pena fechar essa empresa...<<strong>br</strong> />
- Mesmo para o bem deste garoto, quero que vocês<<strong>br</strong> />
tenham sucesso neste mundo. Não é, Teruzinho?<<strong>br</strong> />
Yamabe procurava demonstrar que não tinha segundas<<strong>br</strong> />
intenções ao <strong>br</strong>incar <strong>com</strong> Teruhiko.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> e as amigas moravam num quarto modesto<<strong>br</strong> />
construído nos fundos da fá<strong>br</strong>ica. Ritsuko e Aiko cuidavam<<strong>br</strong> />
também de Teruhiko e pareciam ser uma família.<<strong>br</strong> />
Até para o bem de Teruhiko, que estava em fase de<<strong>br</strong> />
crescimento, era preciso pensar em construir uma casa<<strong>br</strong> />
decente, saindo de uma morada provisória <strong>com</strong>o o atual quarto<<strong>br</strong> />
onde moravam.<<strong>br</strong> />
Já havia poupança para isso e estavam numa época<<strong>br</strong> />
- 342 -
propícia, mas <strong>Natsu</strong> estava sob o efeito do conselho que ouvira<<strong>br</strong> />
de Yamabe durante o dia.<<strong>br</strong> />
- Quero construir uma casa, mas <strong>com</strong>ecei a pensar se<<strong>br</strong> />
não seria melhor ampliar a fá<strong>br</strong>ica primeiro. -<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />
a falar, olhando para o rosto de Teruhiko, que já estava<<strong>br</strong> />
adormecido.<<strong>br</strong> />
Contudo, a poupança era o fruto do esforço das três. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
não poderia tomar qualquer decisão sozinha. Precisava da<<strong>br</strong> />
aquiescência de Ritsuko e Aiko.<<strong>br</strong> />
- Eu também quero continuar <strong>com</strong> este trabalho. Pretendo<<strong>br</strong> />
trabalhar neste ramo por toda a vida... Porém, se ampliarmos<<strong>br</strong> />
a empresa, vamos ter que contratar mais empregados. Não<<strong>br</strong> />
só para fazer doces. Precisaremos, também, de pessoas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
capacidade de administrar a empresa. Pensando nisso, não<<strong>br</strong> />
sei o que é melhor...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>preendia bem a hesitação de Ritsuko.<<strong>br</strong> />
- Eu acho que o sr. Yamabe é uma pessoa eficiente. Por<<strong>br</strong> />
isso, estou pensando em deixar <strong>com</strong> ele as vendas e a<<strong>br</strong> />
contabilidade da empresa.<<strong>br</strong> />
- Eu não confio totalmente naquele homem. Eu acho que<<strong>br</strong> />
ele está se aproveitando de nós porque sabe que temos<<strong>br</strong> />
dinheiro guardado...<<strong>br</strong> />
- Que ótimo! Eu também estou pensando em aproveitar<<strong>br</strong> />
esse espírito ambicioso dele...<<strong>br</strong> />
- Pode ser que ele esteja querendo fazer a empresa crescer<<strong>br</strong> />
para, depois, tomá-la da gente. Eu acho que ele vai nos passar<<strong>br</strong> />
- 343 -
a perna. - falou Ritsuko, que procurava sempre ser<<strong>br</strong> />
conservadora.<<strong>br</strong> />
- Exatamente por isso, estou achando que posso me casar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />
Ritsuko e Aiko ficaram boquiabertas <strong>com</strong> a declaração<<strong>br</strong> />
repentina de <strong>Natsu</strong>. Diante da surpresa das duas, <strong>Natsu</strong> tirou<<strong>br</strong> />
algumas cartas de dentro da gaveta da cômoda.<<strong>br</strong> />
- Leiam.<<strong>br</strong> />
Ritsuko pegou um dos envelopes e Aiko verificou<<strong>br</strong> />
rapidamente quem era o remetente.<<strong>br</strong> />
- Mas, são do sr. Yamabe!<<strong>br</strong> />
- Está chegando a hora de lhe dar uma resposta.<<strong>br</strong> />
Ritsuko e Aiko leram as cartas, soltando vozes de espanto<<strong>br</strong> />
quase ao mesmo tempo.<<strong>br</strong> />
- São cartas de amor!<<strong>br</strong> />
- O sr. Yamabe gosta de você! Ele está lhe propondo<<strong>br</strong> />
casamento, dizendo que quer ser o pai do Teruzinho.<<strong>br</strong> />
Parecia que Yamabe freqüentava a fá<strong>br</strong>ica de forma<<strong>br</strong> />
desinteressada, mas possuía um sentimento especial pela<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> a ponto de...<<strong>br</strong> />
- Eu acho que ele está interessado na nossa empresa. Mas,<<strong>br</strong> />
tudo bem. Se ele se casar <strong>com</strong>igo e trabalhar <strong>com</strong> afinco,<<strong>br</strong> />
pensando que a empresa é dele, ótimo. E, se, <strong>com</strong> isso, a<<strong>br</strong> />
empresa crescer, melhor ainda. Sendo marido e mulher, não<<strong>br</strong> />
haverá preocupação quanto a perder a empresa ou ele nos<<strong>br</strong> />
passar a perna, pois ela será patrimônio dos dois.<<strong>br</strong> />
- Para você está bem assim, <strong>Natsu</strong>? Se você ama o sr.<<strong>br</strong> />
- 344 -
Yamabe, nós não temos que nos intrometer, mas... - disse<<strong>br</strong> />
Aiko, que parecia não acreditar totalmente, colocando alguns<<strong>br</strong> />
obstáculos.<<strong>br</strong> />
Ritsuko <strong>com</strong>ungava da mesma opinião:<<strong>br</strong> />
- É verdade! Você não deve se casar <strong>com</strong> quem não ama,<<strong>br</strong> />
só por causa da empresa...<<strong>br</strong> />
- Yamabe disse que pode registrar Teruhiko <strong>com</strong>o sendo<<strong>br</strong> />
nosso filho. Se, <strong>com</strong> isso, Teruhiko deixar de ser filho sem<<strong>br</strong> />
pai, para mim pode ser qualquer pessoa. Eu vou me casar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> vinha, até então, conduzindo as duas <strong>com</strong> a força<<strong>br</strong> />
do seu caráter, mas o assunto de Teruhiko parecia ser o seu<<strong>br</strong> />
ponto fraco.<<strong>br</strong> />
Ritsuko e Aiko conheciam os pormenores da separação<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> George. Vivendo juntas <strong>com</strong>o se fossem parentes,<<strong>br</strong> />
passaram a nutrir um sentimento de amor por Teruhiko, que<<strong>br</strong> />
não conhecera o pai, e ao mesmo tempo, sentiam pena dele.<<strong>br</strong> />
Elas não puderam mais contrariar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Além disso, se Yamabe se esforçar e a empresa crescer,<<strong>br</strong> />
será <strong>com</strong>o matar dois coelhos <strong>com</strong> uma só cajadada. Vocês<<strong>br</strong> />
não concordam?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> parecia conseguir separar bem as coisas.<<strong>br</strong> />
Enquanto Ritsuko e Aiko tentavam se articular, a fim de<<strong>br</strong> />
expressar a insegurança que sentiam, <strong>Natsu</strong> decidiu se casar,<<strong>br</strong> />
parecendo que estava fechando um negócio.<<strong>br</strong> />
- Teruzinho... Você já não é mais uma criança sem pai.<<strong>br</strong> />
Eu não quero que você se sinta rejeitado pela sociedade. -<<strong>br</strong> />
- 345 -
<strong>Natsu</strong> falava <strong>com</strong> ternura para Teruhiko, que dormia<<strong>br</strong> />
inocentemente.<<strong>br</strong> />
A luz do luar refletia no pequeno jardim japonês junto ao<<strong>br</strong> />
quarto do hotel, criando uma atmosfera agradável.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> conversavam sem parar, tendo por trás esta<<strong>br</strong> />
paisagem.<<strong>br</strong> />
- E você se casou mesmo <strong>com</strong> esse tal de Yamabe? Casouse,<<strong>br</strong> />
não? Pois seu so<strong>br</strong>enome é Yamabe. Mas você conseguiu<<strong>br</strong> />
se casar, levando em consideração somente o trabalho e o<<strong>br</strong> />
bem-estar do seu filho?<<strong>br</strong> />
- Yamabe poderia levar a empresa para frente e ser pai de<<strong>br</strong> />
Teruhiko... Só isso já era uma condição ótima. E, ainda que<<strong>br</strong> />
ele estivesse interessado só no nosso dinheiro, não era<<strong>br</strong> />
desagradável receber várias cartas de alguém, dizendo<<strong>br</strong> />
repetidas vezes que me amava.<<strong>br</strong> />
Tendo passado quatro a cinco anos após o término da<<strong>br</strong> />
guerra, a situação alimentar do Japão havia melhorado muito,<<strong>br</strong> />
apesar dos preços ainda serem altos devido à inflação. Era<<strong>br</strong> />
necessário so<strong>br</strong>eviver fa<strong>br</strong>icando biscoitos.<<strong>br</strong> />
Como <strong>Natsu</strong> tinha experiência de sofrer <strong>com</strong> a po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />
não gostaria de fazer <strong>com</strong> que Teruhiko levasse uma vida de<<strong>br</strong> />
privações. Já padecera <strong>com</strong> a experiência que tivera <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
George. Para <strong>Natsu</strong>, os assuntos relacionados ao amor ou<<strong>br</strong> />
paixão, já haviam se tornado secundários.<<strong>br</strong> />
- E você foi feliz no casamento?<<strong>br</strong> />
- Casei-me oficialmente <strong>com</strong> Yamabe e meu nome entrou<<strong>br</strong> />
- 346 -
no seu registro civil. Yamabe também registrou Teruhiko<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o nosso filho...<<strong>br</strong> />
Aproveitando essa oportunidade, Yamabe ampliou a<<strong>br</strong> />
fá<strong>br</strong>ica, equipando-a <strong>com</strong> máquinas para produção em grande<<strong>br</strong> />
escala. Oficialmente, <strong>Natsu</strong> era presidente e Ritsuko e Aiko,<<strong>br</strong> />
diretoras. Porém, as três se dedicavam à fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />
produtos. Yamabe, que era o diretor de vendas, cuidava da<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ercialização e até da contabilidade, ou seja, era ele quem<<strong>br</strong> />
administrava tudo.<<strong>br</strong> />
- Como Yamabe era ambicioso, dava idéias para tornar<<strong>br</strong> />
nossos produtos mais atraentes, e não media esforços para<<strong>br</strong> />
vender. Criamos um produto que foi denominado "biscoitos<<strong>br</strong> />
da mamãe". Foi um sucesso! Tínhamos até uma variedade<<strong>br</strong> />
de biscoitos dessa série. Meu olho clínico so<strong>br</strong>e Yamabe<<strong>br</strong> />
estava certo.<<strong>br</strong> />
- Acho que não agüentaria um casamento assim. O fato<<strong>br</strong> />
de ter sido deixada sozinha no Japão <strong>com</strong> apenas sete anos,<<strong>br</strong> />
separada da família, foi um acontecimento realmente grave<<strong>br</strong> />
que mudou até o seu caráter.<<strong>br</strong> />
Dentro de <strong>Natsu</strong>, estava sempre presente o ressentimento<<strong>br</strong> />
por não ter podido ir ao Brasil. Tinha que viver sozinha. Por<<strong>br</strong> />
isso, teve que conseguir tudo o que queria <strong>com</strong> as próprias<<strong>br</strong> />
mãos, tornando-se corajosa de forma <strong>com</strong>pulsória.<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>, perdoe-me. Quantas vezes eu me amargurei,<<strong>br</strong> />
arrependida por não ter ficado <strong>com</strong> você no Japão...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> apenas sorriu <strong>com</strong> tristeza.<<strong>br</strong> />
- Nem a promessa de voltar em três anos pude cumprir...<<strong>br</strong> />
- 347 -
Mesmo depois de restabelecidas as relações diplomáticas<<strong>br</strong> />
entre o Brasil e o Japão, não pude vir procurá-la, deixando o<<strong>br</strong> />
papai e a mamãe no Brasil... Perdoe-me, <strong>Natsu</strong>, perdoe-me...<<strong>br</strong> />
- Não diga mais nada. Se vocês não tivessem continuado<<strong>br</strong> />
a trabalhar no Brasil, não poderiam ter so<strong>br</strong>evivido até hoje.<<strong>br</strong> />
- Mesmo que eu tivesse ido ao Brasil, não teria acontecido<<strong>br</strong> />
nada de bom, não é? Iria sofrer <strong>com</strong>o você, que, além de<<strong>br</strong> />
ficar presa aos pais, nem pôde se casar <strong>com</strong> a pessoa de quem<<strong>br</strong> />
gostava...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> se referia ao fato de <strong>Haru</strong> ter respeitado a vontade<<strong>br</strong> />
do pai e desistido de casar <strong>com</strong> Ryuta Nakayama.<<strong>br</strong> />
-Mas...<<strong>br</strong> />
Brotos de primavera floresceram nos olhos de <strong>Haru</strong> que<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ava dos acontecimentos daqueles tempos.<<strong>br</strong> />
A colheita daquele ano na plantação de algodão da família<<strong>br</strong> />
Takakura, situada no interior do estado de São Paulo, havia<<strong>br</strong> />
terminado. Raios fortes de sol cintilavam so<strong>br</strong>e as plantações.<<strong>br</strong> />
Não havia nenhuma som<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />
Era agosto de 1952, e dois meses tinha se passado desde<<strong>br</strong> />
que Takuya passara a morar <strong>com</strong> a família Takakura.<<strong>br</strong> />
Takuya arava a terra utilizando mulas, juntamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
Chüji, <strong>Haru</strong> e os diaristas que trabalhavam na fazenda.<<strong>br</strong> />
Takuya ainda não se acostumara no manejo das mulas e<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> vinha ajudar um pouco, mas, envergonhada, saía de<<strong>br</strong> />
perto. Takuya procurava não forçar a situação em relação à<<strong>br</strong> />
- 348 -
<strong>Haru</strong>, mas não conseguia afastar o seu pensamento dela.<<strong>br</strong> />
Nesse dia, Takuya se aproximou de Chûji e Shizu, que<<strong>br</strong> />
lavavam as mãos e os pés depois de um dia de trabalho e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>eçou a falar de forma decidida:<<strong>br</strong> />
- Tendo ficado alguns dias aqui, pude pesquisar o solo e<<strong>br</strong> />
o clima da região, e cheguei à conclusão de que esta é a terra<<strong>br</strong> />
ideal, perfeita, que satisfaz as condições que eu estava<<strong>br</strong> />
buscando. Eu gostaria de cultivar aqui as verduras e as flores<<strong>br</strong> />
que tenho em mente.<<strong>br</strong> />
- Falando francamente, não possuo capital para <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />
terras. Será que não existe um proprietário que possa arrendar<<strong>br</strong> />
terras para mim?<<strong>br</strong> />
- Você está pensando seriamente em vir morar aqui?<<strong>br</strong> />
- Eu quero apostar meus sonhos nas terras desta região.<<strong>br</strong> />
Os senhores também moram aqui.<<strong>br</strong> />
- Você, um rapaz formado na faculdade, <strong>com</strong> um futuro<<strong>br</strong> />
promissor, vir se enterrar neste interior... Deve haver tantos<<strong>br</strong> />
lugares melhores do que aqui. - Shizu falava, pelo bem de<<strong>br</strong> />
Takuya.<<strong>br</strong> />
- Eu quero plantar diversos produtos nesta terra, porque<<strong>br</strong> />
percebi que aqui se oferecem as melhores condições para o<<strong>br</strong> />
trabalho que desejo desenvolver.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava lavando os utensílios agrícolas usados na<<strong>br</strong> />
cultura de algodão. Ouvia, naturalmente, a conversa entre<<strong>br</strong> />
seus pais e Takuya.<<strong>br</strong> />
- 349 -
- Tenho só um pedido a fazer. Se os senhores permitirem,<<strong>br</strong> />
gostaria de pedir a mão de sua filha <strong>Haru</strong>. Ainda não lhe<<strong>br</strong> />
disse nada, mas quero lhe propor casamento depois de receber<<strong>br</strong> />
a autorização dos senhores.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conseguia conter o palpitar do seu coração e<<strong>br</strong> />
entrou correndo em casa, <strong>com</strong>o se estivesse fugindo de algo.<<strong>br</strong> />
Ao ouvir os seus passos, Chûji seguiu <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Takuya co<strong>br</strong>iu o rosto, sem saber o que fazer.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava ofegante na cozinha, procurando controlar a<<strong>br</strong> />
respiração, quando Chüji se dirigiu a ela, por trás. Havia na<<strong>br</strong> />
sua voz, um carinho nunca percebido até então.<<strong>br</strong> />
- Aceite a proposta.<<strong>br</strong> />
Assustada, <strong>Haru</strong> não conseguia nem responder.<<strong>br</strong> />
- Não é coisa que se decida assim, tão simplesmente. -<<strong>br</strong> />
disse Shizu, tentando considerar a vontade da filha.<<strong>br</strong> />
- Você não percebeu os sentimentos de sua filha? - Chûji<<strong>br</strong> />
reprimiu calmamente Shizu, que estava transtornada e se<<strong>br</strong> />
dirigiu à <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />
- Takuya tem o sonho de cultivar os seus produtos aqui.<<strong>br</strong> />
Para você, será uma realização <strong>com</strong>o mulher, estar junto dele<<strong>br</strong> />
e ajudá-lo a concretizar seus sonhos.<<strong>br</strong> />
Takuya entrou na casa de forma cerimoniosa.<<strong>br</strong> />
- Se quiser, use nossas terras. Só que...<<strong>br</strong> />
Apesar de reticente, Chûji resolveu externar algo que<<strong>br</strong> />
gostaria que Takuya considerasse.<<strong>br</strong> />
- 350 -
- A <strong>Haru</strong> é a única sucessora da família Takakura. Se<<strong>br</strong> />
possível, gostaríamos que você adotasse o so<strong>br</strong>enome<<strong>br</strong> />
Takakura e sucedesse à família...<<strong>br</strong> />
- Sim, eu sou o segundo filho da família Yamashita e não<<strong>br</strong> />
faço falta lá. Por isso, se puder ser o seu sucessor... - Takuya<<strong>br</strong> />
resolveu aceitar, <strong>com</strong> firme convicção, o desejo de Chûji.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igado... Passei noites em claro, sem poder<<strong>br</strong> />
dormir, <strong>com</strong> remorso por ter trazido <strong>Haru</strong> para um lugar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
este somente por nossa conveniência, pensando que ela iria<<strong>br</strong> />
passar a vida aqui, sem ninguém, sozinha... Porém, hoje me<<strong>br</strong> />
sinto aliviado. Depois que eu puder ver a minha filha feliz, a<<strong>br</strong> />
qualquer momento, poderei ir tranqüilo para onde me<<strong>br</strong> />
aguardam Shigeru e Minoru.<<strong>br</strong> />
Chûji se ajoelhou e abaixou o máximo possível sua cabeça<<strong>br</strong> />
para Takuya, confiando-lhe a filha:<<strong>br</strong> />
- Por favor, faça <strong>Haru</strong> feliz.<<strong>br</strong> />
Chûji sempre tivera uma personalidade muito forte e os<<strong>br</strong> />
seus desejos sempre vinham em primeiro lugar. Entretanto,<<strong>br</strong> />
naquele instante, ele demonstrara, <strong>com</strong>o pai, todo o amor e<<strong>br</strong> />
carinho que tinha pela filha.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou o pai, que estava ajoelhado por sua causa,<<strong>br</strong> />
tomada por sentimentos de gratidão e ternura. Chorava<<strong>br</strong> />
copiosamente.<<strong>br</strong> />
Naquela noite, enquanto <strong>Haru</strong> alimentava os suínos, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
sempre, Takuya se aproximou dela e <strong>com</strong>eçou a falar de forma<<strong>br</strong> />
acanhada:<<strong>br</strong> />
- Desde a época da fazenda de café, eu me sentia atraído<<strong>br</strong> />
- 351 -
por você, pois era uma menina valente e interessante. É. Acho<<strong>br</strong> />
que este era o nosso destino.<<strong>br</strong> />
Estava escuro e não se podia enxergar direito a fisionomia<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong>. Sem obter uma resposta de <strong>Haru</strong>, Takuya, que estava<<strong>br</strong> />
tranqüilo <strong>com</strong> a aquiescência de Chûji, <strong>com</strong>eçou a se inquietar.<<strong>br</strong> />
- Na verdade, eu queria pedir você em casamento<<strong>br</strong> />
diretamente. Mas eu estava <strong>com</strong> medo de ser recusado, então,<<strong>br</strong> />
acabei falando <strong>com</strong> seu pai. Se você não quiser aceitar, digame<<strong>br</strong> />
agora.<<strong>br</strong> />
- Eu não queria prender você neste fim de mundo por<<strong>br</strong> />
minha causa. Mas você disse que queria cultivar seu sonho<<strong>br</strong> />
aqui... Se for assim, talvez eu possa ajudar a realizá-lo.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> voltou-se para Takuya <strong>com</strong> o rosto cheio de alegria:<<strong>br</strong> />
- Deixe-me que eu o siga para sempre.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igado, <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />
Takuya a<strong>br</strong>açou <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> firmeza, tentando traduzir<<strong>br</strong> />
todos os seus sentimentos.<<strong>br</strong> />
Desde a época da fazenda, Takuya, quatro anos mais<<strong>br</strong> />
velho, sempre fora seu confidente e constantemente lhe dera<<strong>br</strong> />
apoio. Guardava uma doce recordação de alguém que nunca<<strong>br</strong> />
mais veria e que, inesperadamente, se tornaria o seu<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>panheiro para o resto da vida.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> curtia a felicidade nos <strong>br</strong>aços de Takuya.<<strong>br</strong> />
- Eu tinha me conformado, achando que, estando naquele<<strong>br</strong> />
local, nunca poderia me casar. Mas, graças a Deus, pude me<<strong>br</strong> />
reencontrar <strong>com</strong> Takuya... Papai e mamãe também ficaram<<strong>br</strong> />
- 352 -
contentes...<<strong>br</strong> />
Finalmente, Chûji conseguira um genro, na <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />
de quem poderia tomar sua pinga.<<strong>br</strong> />
Enquanto <strong>Haru</strong> e seus pais faziam a refeição na <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />
de Takuya, ouviu-se uma voz na entrada da casa.<<strong>br</strong> />
- Com licença.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> foi atender e ali estava Toki Nakayama.<<strong>br</strong> />
Chüji acreditava na vitória do Japão e Kotaro Nakayama,<<strong>br</strong> />
fazia parte do grupo dos que aceitavam a derrota do seu país.<<strong>br</strong> />
O relacionamento entre os dois havia deteriorado e sete anos<<strong>br</strong> />
haviam passado, sem que tivessem reatado a amizade.<<strong>br</strong> />
Kotaro havia se tornado uma figura de destaque naquela<<strong>br</strong> />
vila de japoneses e a família Takakura, que se opunha a eles,<<strong>br</strong> />
estava numa posição de isolamento entre os demais.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me ter vindo de repente... Hoje, eu vim fazer<<strong>br</strong> />
um pedido para o sr. Takakura. Posso ver seu pai?<<strong>br</strong> />
- Sim, entre, por favor.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> queria receber bem Toki, que dedicara muito carinho<<strong>br</strong> />
por ela há um tempo atrás.<<strong>br</strong> />
- É a sra. Nakayama.<<strong>br</strong> />
Chûji levantou-se <strong>br</strong>uscamente, puxando a cadeira. Tentou<<strong>br</strong> />
sair dali, mas naquele momento, Toki já havia entrado,<<strong>br</strong> />
trazendo uma grande trouxa nas mãos.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me não avisar antes.<<strong>br</strong> />
A sua fala era lenta, <strong>com</strong>o de costume, mas a sua ação<<strong>br</strong> />
era rápida.<<strong>br</strong> />
- 353 -
- Papai, a sra. Nakayama veio especialmente para vê-lo.<<strong>br</strong> />
É falta de educação não ouvir o que ela tem a dizer. - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
falou, num tom de crítica.<<strong>br</strong> />
Chûji acabou ficando ali, resmungando.<<strong>br</strong> />
Toki abaixou a cabeça levemente para Chûji, tendo em<<strong>br</strong> />
vista os acontecimentos do passado.<<strong>br</strong> />
- Eu vim aqui, pois tenho um favor a lhe pedir - Toki<<strong>br</strong> />
falou de forma educada.<<strong>br</strong> />
Shizu fez uma profunda reverência <strong>com</strong> a cabeça. Por<<strong>br</strong> />
ela, havia muito a agradecer a Toki e aos mem<strong>br</strong>os da família<<strong>br</strong> />
Nakayama, não havendo razões para qualquer rancor ou<<strong>br</strong> />
ressentimento.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-nos por ter nos afastado por uma coisa à toa,<<strong>br</strong> />
depois de tudo o que fizeram por nós...<<strong>br</strong> />
- Coisa à toa? A vitória ou a derrota do Japão é muito<<strong>br</strong> />
importante para nós, japoneses, que vivemos no Brasil! -<<strong>br</strong> />
disse Chûji, <strong>com</strong>eçando tudo de novo.<<strong>br</strong> />
- Querido! - Shizu chamou a atenção do marido, o que<<strong>br</strong> />
raramente fazia, voltando-se para Toki:<<strong>br</strong> />
- Por favor, diga-nos o que a traz aqui. Não sei se<<strong>br</strong> />
poderemos ser úteis...<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong> vai se casar, não é? Por acaso é <strong>com</strong> esse rapaz...?<<strong>br</strong> />
Takuya estava pálido na cadeira, diante da atmosfera<<strong>br</strong> />
pesada, mas levantou-se, dizendo, ante o olhar terno de Toki:<<strong>br</strong> />
- Sou Takuya Yamashita.<<strong>br</strong> />
- Meus parabéns, senhor. Parece ser um ótimo rapaz...<<strong>br</strong> />
Que ótimo! Quando será a cerimônia...?<<strong>br</strong> />
- 354 -
Toki moveu o olhar de Takuya para Chûji e depois para<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
- Não temos intenção de fazer festa...<<strong>br</strong> />
- Pois, faça uma festa, por favor. Todos os moradores da<<strong>br</strong> />
vila ficarão felizes <strong>com</strong> o acontecimento. A maioria dos jovens<<strong>br</strong> />
está indo morar em cidades grandes. Por isso, estamos<<strong>br</strong> />
ansiosos para poder assistir, depois de muito tempo, a um<<strong>br</strong> />
casamento no estilo japonês. Você já en<strong>com</strong>endou o traje de<<strong>br</strong> />
noiva?<<strong>br</strong> />
-Como?... Ah não...<<strong>br</strong> />
Não passara pela sua cabeça um luxo <strong>com</strong>o um vestido<<strong>br</strong> />
de noiva...<<strong>br</strong> />
- Bem, quando eu vim do Japão para me casar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
meu marido, eu atravessei oceanos trazendo um conjunto<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pleto de traje de noiva. E o guardei, durante todo este<<strong>br</strong> />
tempo, <strong>com</strong> o maior carinho. Eu queria que a noiva de Ryuta<<strong>br</strong> />
usasse o traje no seu casamento.<<strong>br</strong> />
Um sentimento de perplexidade percorreu o corpo inteiro<<strong>br</strong> />
de <strong>Haru</strong>, que havia sido enamorada de Ryuta.<<strong>br</strong> />
- Porém, Ryuta acabou se casando <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />
Então, achei que pelo menos Sachi poderia vesti-lo, mas ela<<strong>br</strong> />
saiu de casa para trabalhar em São Paulo, e, de repente, acabou<<strong>br</strong> />
se casando <strong>com</strong> um americano que trabalhava na mesma<<strong>br</strong> />
empresa, sem nem mesmo pedir nosso consentimento. Não<<strong>br</strong> />
fizeram nem uma cerimônia... Por isso, não pude fazer Sachi<<strong>br</strong> />
usá-lo. Então, pensei <strong>com</strong>o seria bom se você o vestisse...<<strong>br</strong> />
- 355 -
Toki desamarrou a trouxa, e então apareceu um belo<<strong>br</strong> />
vestido de noiva japonês <strong>com</strong> bordados de motivos clássicos.<<strong>br</strong> />
- É este o traje. Se você puder usá-lo, terei certeza de que<<strong>br</strong> />
valeu a pena tê-lo guardado <strong>com</strong> tanto carinho até agora. Será<<strong>br</strong> />
que você não poderia se casar <strong>com</strong> este traje?<<strong>br</strong> />
- É uma coisa muito valiosa... Não estou à altura para<<strong>br</strong> />
usá-lo...- <strong>Haru</strong> se recusou prontamente, impressionada pelo<<strong>br</strong> />
luxo do vestido.<<strong>br</strong> />
Chûji lançou um olhar de relance diversas vezes so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />
vestido, mas tinha no rosto uma expressão de quem nada<<strong>br</strong> />
queria.<<strong>br</strong> />
- Sei que eu estou forçando-a a realizar um capricho meu,<<strong>br</strong> />
mas gostaria muito que você, <strong>Haru</strong>, o usasse... Gostaria de<<strong>br</strong> />
vê-la <strong>com</strong> este traje de noiva. - Toki argumentou <strong>com</strong> todo o<<strong>br</strong> />
afinco.<<strong>br</strong> />
Se o vestido envelhecesse pela falta de uso, o desejo de<<strong>br</strong> />
Toki, que viera do Japão para se casar, carregando o vestido<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> tanto carinho, seria frustrado. O que se passava no âmago<<strong>br</strong> />
de Toki não era a simples questão de usar o vestido de noiva.<<strong>br</strong> />
Na realidade, o assunto evocava sentimentos <strong>com</strong>plexos,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o o fato de ser uma mulher japonesa, a solidão que<<strong>br</strong> />
enfrentava após ter os filhos já criados e longe dos seus<<strong>br</strong> />
cuidados.<<strong>br</strong> />
Shizu teve a impressão de que podia entender o sentimento<<strong>br</strong> />
de Toki. É claro que também gostaria de ver <strong>Haru</strong> usando o<<strong>br</strong> />
vestido.<<strong>br</strong> />
- 356 -
- Querido... - Shizu chamou o marido, que, saindo da<<strong>br</strong> />
sala, concordou <strong>com</strong> a cabeça, apesar da expressão rabugenta.<<strong>br</strong> />
Chûji nem acabou de sair e a atmosfera se transformou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente, <strong>com</strong>o se uma <strong>br</strong>isa fresca tivesse soprado na<<strong>br</strong> />
sala. O ambiente se tornara alegre e o rosto de <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />
iluminou. Shizu e Toki estavam tão contentes que pareciam<<strong>br</strong> />
ter voltado à infância, fazendo <strong>Haru</strong> experimentar o vestido.<<strong>br</strong> />
Takuya também demonstrava <strong>com</strong> sinceridade sua alegria.<<strong>br</strong> />
- Por ter aceitado usar o traje, o sr. Nakayama e sua esposa<<strong>br</strong> />
acabaram sendo os padrinhos do nosso casamento. Eles nos<<strong>br</strong> />
prepararam a festa e, graças a isso, os moradores da vila<<strong>br</strong> />
puderam participar.<<strong>br</strong> />
O casamento fora cele<strong>br</strong>ado um mês após Takuya ter<<strong>br</strong> />
pedido a mão de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Toki vestiu a noiva e também fez o arranjo do seu cabelo.<<strong>br</strong> />
Quando <strong>Haru</strong>, vestida de noiva, e Takuya, <strong>com</strong> seu traje<<strong>br</strong> />
de noivo, saíram, a multidão que se aglomerava na frente da<<strong>br</strong> />
casa soltava gritos de exclamação.<<strong>br</strong> />
A figura principal fora, naturalmente, <strong>Haru</strong>, que parecia<<strong>br</strong> />
uma verdadeira boneca japonesa.<<strong>br</strong> />
Um homem deixou o grupo de convidados e se<<strong>br</strong> />
aproximou. Era Ryuta.<<strong>br</strong> />
- Parabéns, <strong>Haru</strong>. Está muito bonita.<<strong>br</strong> />
Ryuta estendeu a mão para Takuya, sem hesitação.<<strong>br</strong> />
- Meus parabéns.<<strong>br</strong> />
- 357 -
Takuya apertou firme a mão de Ryuta.<<strong>br</strong> />
Não importava o que havia se passado entre <strong>Haru</strong> e Ryuta.<<strong>br</strong> />
Hoje, cada um trilhava caminhos diferentes. Era por isso que<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> conseguira se unir a Takuya. Se aquilo pudesse ser<<strong>br</strong> />
chamado de o<strong>br</strong>a do destino, Takuya gostaria sinceramente<<strong>br</strong> />
de agradecê-lo.<<strong>br</strong> />
Ryuta cumprimentou também Chûji e Shizu, que saíram<<strong>br</strong> />
logo atrás.<<strong>br</strong> />
- Parabéns pelo dia de hoje.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />
Agradecendo <strong>com</strong> sinceridade, Chûji apertou firmemente<<strong>br</strong> />
a mão de Ryuta.<<strong>br</strong> />
Enquanto a emoção não passava, chegou um caminhão,<<strong>br</strong> />
de onde desceram Heizo Yamashita e sua esposa Mitsu, pais<<strong>br</strong> />
de Takuya. A fisionomia de Chûji se transfigurou, não sabendo<<strong>br</strong> />
se ria ou chorava.<<strong>br</strong> />
Era o reencontro, desde o momento da fuga da fazenda,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Heizo, amigo <strong>com</strong> quem havia <strong>com</strong>partilhado todas as<<strong>br</strong> />
agruras desde a viagem no navio de emigração.<<strong>br</strong> />
Enquanto um caminhava em direção ao outro, Chûji já<<strong>br</strong> />
assoava o nariz.<<strong>br</strong> />
Eles externaram os seus sentimentos de emoção por meio<<strong>br</strong> />
de um forte a<strong>br</strong>aço, chorando pelo fato de estarem vivos e<<strong>br</strong> />
acima de tudo, porque a partir de agora, passariam a ter<<strong>br</strong> />
relações de parentesco.<<strong>br</strong> />
No banquete que se realizara no salão do kaikan, a<<strong>br</strong> />
Associação de Japoneses e seus descendentes, <strong>Haru</strong> e Takuya<<strong>br</strong> />
- 358 -
eceberam calorosos cumprimentos por parte dos moradores<<strong>br</strong> />
da vila. Todos bebiam contentes, serviam bebidas uns aos<<strong>br</strong> />
outros, conversando alegremente so<strong>br</strong>e assuntos diversos.<<strong>br</strong> />
De repente, ouviu-se a voz de choro de Chûji, que se<<strong>br</strong> />
aproximou em prantos de Kotaro.<<strong>br</strong> />
Fez-se um silêncio absoluto no salão.<<strong>br</strong> />
Quase todos ali presentes tinham conhecimento das<<strong>br</strong> />
intrigas havidas entre Chûji e Kotaro. Todos engoliram seco,<<strong>br</strong> />
olhando para Chûji. A fisionomia de Kotaro também se<<strong>br</strong> />
tornara tensa.<<strong>br</strong> />
Chûji estendeu os dois <strong>br</strong>aços e pegou a mão de Kotaro.<<strong>br</strong> />
- Sr. Nakayama.... Meu sonho era fazer <strong>Haru</strong> se casar<<strong>br</strong> />
vestida <strong>com</strong> traje de noiva do Japão. Então, aceitei a gentileza<<strong>br</strong> />
de sua senhora. Pude ver <strong>Haru</strong> trajando um vestido de noiva...<<strong>br</strong> />
Posso morrer tranqüilo. Muito o<strong>br</strong>igado!<<strong>br</strong> />
Chûji abaixou a cabeça <strong>com</strong> profundidade e a sua voz<<strong>br</strong> />
estava embargada de emoção. Finalmente, Chûji havia cedido,<<strong>br</strong> />
depois de tanto egoísmo.<<strong>br</strong> />
Kotaro colocou a outra mão so<strong>br</strong>e a que estava nas mãos<<strong>br</strong> />
de Chûji, aceitando os seus sentimentos, dizendo para os<<strong>br</strong> />
demais convidados:<<strong>br</strong> />
- Vamos cantar o Hino de Despedida aos Patrícios que<<strong>br</strong> />
Emigram para o Brasil!<<strong>br</strong> />
- Sim. Vamos! - aquiesceu Ryuta prontamente.<<strong>br</strong> />
Todos ali presentes eram imigrantes e seus familiares,<<strong>br</strong> />
que tinham atravessado os oceanos, vindos do Japão, e<<strong>br</strong> />
passado por diversas dificuldades.<<strong>br</strong> />
- 359 -
Ao ouvir aquela canção, <strong>Haru</strong> sentiu que a ternura<<strong>br</strong> />
inundava seu coração. Todos os sacrifícios, tristezas e outros<<strong>br</strong> />
sofrimentos haviam sido <strong>com</strong>pensados. A alegria de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
era tal que queria agradecer a todos os seres vivos do universo.<<strong>br</strong> />
- O nosso casamento foi o marco do desaparecimento<<strong>br</strong> />
das intrigas entre os que acreditavam na vitória ou na derrota<<strong>br</strong> />
do Japão. Não havia felicidade maior. Pude esquecer todos<<strong>br</strong> />
os sofrimentos pelos quais havia passado. De repente, papai<<strong>br</strong> />
também ficou bonzinho e tratou bem Takuya. Todos os dias<<strong>br</strong> />
eram de paz e felicidade.<<strong>br</strong> />
Já era tarde em Hakone, mas <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> continuavam<<strong>br</strong> />
a conversar, esquecidas das horas de sono.<<strong>br</strong> />
Enquanto <strong>Haru</strong> relatava os dias que vivera <strong>com</strong> Takuya,<<strong>br</strong> />
podia-se ver emergir em seu rosto a felicidade de outrora.<<strong>br</strong> />
- Logo depois, nasceu o nosso primeiro filho, Tatsuo e,<<strong>br</strong> />
três anos depois, o segundo filho, Kunio... Takuya aumentou<<strong>br</strong> />
a área de plantio, plantando novas espécies de verduras e<<strong>br</strong> />
frutas... Papai e mamãe se derreteram <strong>com</strong> os dois netos. Sem<<strong>br</strong> />
que eu percebesse, estava cuidando da família toda, no lugar<<strong>br</strong> />
deles. Nem tive mais tempo de pensar em voltar para o Japão...<<strong>br</strong> />
Com o casamento, tanto <strong>Haru</strong> quanto <strong>Natsu</strong> tinham que<<strong>br</strong> />
se dedicar ao trabalho e aos afazeres do lar.<<strong>br</strong> />
Porém, enquanto Takuya, marido de <strong>Haru</strong> tinha uma<<strong>br</strong> />
personalidade sincera, Yamabe, o marido de <strong>Natsu</strong>, por ser<<strong>br</strong> />
ativo e talentoso, vivia cercado de mulheres.<<strong>br</strong> />
- 360 -
Apesar de <strong>Natsu</strong> e Yamabe terem casado por interesse,<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficava <strong>com</strong> ciúmes quando desco<strong>br</strong>ia que Yamabe a<<strong>br</strong> />
traía <strong>com</strong> outras. Enquanto só pensava em aumentar os<<strong>br</strong> />
negócios, estava muito claro que, se Yamabe a abandonasse,<<strong>br</strong> />
podia vir a perder tudo.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> pensou, então, que se tivesse um filho de Yamabe,<<strong>br</strong> />
poderia evitar que ele a abandonasse... Logo teve um filho<<strong>br</strong> />
que tinha seu sangue e que passou a constar no registro civil<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o o segundo filho da família Yamabe.<<strong>br</strong> />
- Ele se chama Kimihiko... Foi duro criar dois filhos e,<<strong>br</strong> />
ao mesmo tempo, me dedicar ao trabalho. Mas, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
trabalhávamos, acabamos deixando nossos filhos a cargo de<<strong>br</strong> />
outras pessoas... Isso me fazia ficar <strong>com</strong> dó dos meninos e,<<strong>br</strong> />
assim, acabei mimando-os demais. Naturalmente, <strong>com</strong> tudo<<strong>br</strong> />
isso, eles não se tornaram bons adultos. Na realidade, deram<<strong>br</strong> />
muito trabalho... Agora sei que tudo isso é responsabilidade<<strong>br</strong> />
minha, <strong>com</strong>o mãe...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, entretanto, não possuía um coração de aço e ainda<<strong>br</strong> />
que a razão falasse alto, acabara por mimá-los. Hoje estava<<strong>br</strong> />
arrependida pela constante repetição do ciclo vicioso.<<strong>br</strong> />
- Por mais que nos dediquemos, os filhos nunca crescem<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o os pais querem...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> também tivera dois filhos e a vida era difícil, pois<<strong>br</strong> />
tinha que cuidar da lavoura e da casa. Se desejasse a perfeição,<<strong>br</strong> />
não haveria fim. <strong>Haru</strong> também passara por ocasiões em que<<strong>br</strong> />
tivera de se conformar. Sentia-se, porém, muito agradecida<<strong>br</strong> />
por seus pais, Chûji e Shizu, terem resolvido ajudá-la na<<strong>br</strong> />
- 361 -
criação dos netos <strong>com</strong> muito amor e carinho.<<strong>br</strong> />
- Enquanto o papai estava vivo, ele dizia que iria criar os<<strong>br</strong> />
meninos à moda japonesa, e nesse ponto era muito rigoroso.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> tinha saudade do pai, que até o último momento se<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>portara <strong>com</strong>o um típico japonês.<<strong>br</strong> />
- Não posso me esquecer daquele dia.<<strong>br</strong> />
Era primavera de 1959.<<strong>br</strong> />
Num canto da Flora Takakura, encontrava-se uma grande<<strong>br</strong> />
flor de crisântemo, símbolo e flor nacional do Japão.<<strong>br</strong> />
Chüji e os dois netos contemplavam o maravilhoso<<strong>br</strong> />
crisântemo em flor. O filho primogênito de <strong>Haru</strong>, Tatsuo, já<<strong>br</strong> />
tinha seis anos e Kunio, o segundo filho, futuro pai de Yamato,<<strong>br</strong> />
tinha quatro anos.<<strong>br</strong> />
- Veja! Os crisântemos não estão lindos? - disse <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
que viera correndo da plantação de algodão para poder<<strong>br</strong> />
vangloriar o trabalho de Takuya para Chûji.<<strong>br</strong> />
- É mesmo! Que saudades! Nunca imaginei que pudesse<<strong>br</strong> />
ver crisântemos no Brasil. São, realmente, as flores que<<strong>br</strong> />
representam o Japão.<<strong>br</strong> />
- Ainda há poucas pessoas que plantam crisântemos no<<strong>br</strong> />
Brasil, não é mesmo? Tudo isto é resultado do esforço de<<strong>br</strong> />
Takuya. Diziam que era difícil cultivar crisântemos no interior<<strong>br</strong> />
do país, mas Takuya quis plantá-los de todo jeito. Ele havia<<strong>br</strong> />
pesquisado so<strong>br</strong>e isso na universidade. São crisântemos<<strong>br</strong> />
florescidos no Brasil.<<strong>br</strong> />
- Takuya é um rapaz fabuloso...<<strong>br</strong> />
- 362 -
- Obtendo êxito nessa cultura, ele quer plantar<<strong>br</strong> />
crisântemos em grande escala e colocá-los no mercado. Esse<<strong>br</strong> />
é o sonho de Takuya.<<strong>br</strong> />
Naquele momento, Takuya estava arando <strong>com</strong> o trator,<<strong>br</strong> />
um terreno baldio situado num ponto distante da fazenda.<<strong>br</strong> />
Quando o terreno estivesse preparado, ele pretendia se dedicar<<strong>br</strong> />
à cultura do crisântemo.<<strong>br</strong> />
- Ainda que o cultivo de crisântemos dê certo, o que ele<<strong>br</strong> />
pretende, num interior <strong>com</strong>o esse, onde só há um punhado de<<strong>br</strong> />
japoneses? Brasileiros não <strong>com</strong>prarão crisântemos. Há tantas<<strong>br</strong> />
outras flores bonitas!<<strong>br</strong> />
Numa terra abençoada por um clima privilegiado, as flores<<strong>br</strong> />
tinham uma beleza exuberante, pois refletiam o sol tropical.<<strong>br</strong> />
Porém, não se sabia se os <strong>br</strong>asileiros <strong>com</strong>prariam crisântemos,<<strong>br</strong> />
flores aparentemente pouco vistosas.<<strong>br</strong> />
Pessoalmente, <strong>com</strong>o japonês, Chûji nutria um sentimento<<strong>br</strong> />
especial por crisântemos. Os esforços de Takuya eram dignos<<strong>br</strong> />
de elogios. Não se podia dizer, contudo, que a plantação de<<strong>br</strong> />
crisântemos era um sucesso, se não fosse <strong>com</strong>ercializada.<<strong>br</strong> />
- Eu também penso dessa forma. Mas Takuya quer que<<strong>br</strong> />
os <strong>br</strong>asileiros também amem essa flor do Japão e que a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>prem. Está cultivando frutas e verduras diferentes, que<<strong>br</strong> />
estão sendo bem aceitas no mercado.Por isso, deixe ele fazer<<strong>br</strong> />
o que quiser.<<strong>br</strong> />
Os sonhos de Takuya eram os sonhos de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Voltando seus pensamentos para o período da infância,<<strong>br</strong> />
em que viajava no navio de emigração, <strong>Haru</strong> chegava a ter<<strong>br</strong> />
- 363 -
inveja de Takuya, que sempre tivera muitos sonhos.<<strong>br</strong> />
- É verdade. Ele é um ótimo marido para você. Por isso,<<strong>br</strong> />
não pretendo dar palpites. O crisântemo é a flor-símbolo do<<strong>br</strong> />
Japão e dos japoneses. Tomara que os <strong>br</strong>asileiros gostem e<<strong>br</strong> />
que elas façam sucesso aqui.<<strong>br</strong> />
O futuro da família Takakura estava nas mãos de Takuya.<<strong>br</strong> />
Chûji evitava se intrometer.<<strong>br</strong> />
Ainda não fazia muito tempo que a floricultura passara a<<strong>br</strong> />
ser economicamente viável. Começara a partir do final da<<strong>br</strong> />
década de 1950 e se propagara rapidamente entre os japoneses,<<strong>br</strong> />
principalmente entre a geração relativamente jovem,<<strong>br</strong> />
progredindo até se transformar no núcleo de produção de<<strong>br</strong> />
flores no Brasil.<<strong>br</strong> />
Os japoneses, que imigraram para o Brasil nos últimos<<strong>br</strong> />
100 anos, desenvolveram diversos tipos de produtos agrícolas.<<strong>br</strong> />
Incluindo os que tiveram as espécies melhoradas, os produtos<<strong>br</strong> />
que se tornaram as forças motrizes da diversificação de<<strong>br</strong> />
produtos foram a batata, o tomate, o repolho, a acelga, o caqui,<<strong>br</strong> />
a ameixa, o chá, a juta, a pimenta do reino, e mais<<strong>br</strong> />
recentemente, a pêra, dentre outros.<<strong>br</strong> />
Desde o <strong>com</strong>eço, a forma de conduzir a agricultura no<<strong>br</strong> />
Brasil e no Japão era <strong>com</strong>pletamente diferente. O Brasil era<<strong>br</strong> />
um país que possuía dimensões continentais e a agricultura<<strong>br</strong> />
se desenvolvia <strong>com</strong> a derrubada de mata virgem. Quando o<<strong>br</strong> />
nutriente natural da terra se esgotava, mudava-se o local do<<strong>br</strong> />
plantio, desmatando-se as árvores e assim por diante.<<strong>br</strong> />
Os japoneses adubavam terras <strong>com</strong> pequenas dimensões<<strong>br</strong> />
- 364 -
e a sua agricultura era desenvolvida <strong>com</strong> a utilização de<<strong>br</strong> />
tecnologia concentrada. Os imigrantes que trabalharam<<strong>br</strong> />
exaustivamente <strong>com</strong>o colonos, depois que conseguiram as<<strong>br</strong> />
suas próprias terras, ainda que de pequenas dimensões, faziam<<strong>br</strong> />
uso da tecnologia agrícola que haviam trazido do Japão,<<strong>br</strong> />
aumentando, de forma concreta, tanto a produtividade <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
a lucratividade em suas propriedades.<<strong>br</strong> />
A metodologia da agricultura japonesa, utilizada<<strong>br</strong> />
inicialmente apenas para a cultura de subsistência, trouxera<<strong>br</strong> />
um novo sopro de tecnologia ao Brasil.<<strong>br</strong> />
A floricultura <strong>com</strong>eçara <strong>com</strong>o atividade secundária da<<strong>br</strong> />
lavoura em meados da década de 1950 e foi, aos poucos,<<strong>br</strong> />
transformada em atividade principal.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou os dois filhos no meio da plantação de<<strong>br</strong> />
crisântemos e disse:<<strong>br</strong> />
- Essas flores são representativas do Japão. O pai de vocês<<strong>br</strong> />
conseguiu fazê-las florescer depois de muito esforço. Ele é<<strong>br</strong> />
formidável, não é?<<strong>br</strong> />
- Eu prefiro as flores do Brasil. Têm muitas flores grandes<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> cores bonitas e um perfume muito bom...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conteve o riso. Tatsuo não estava nada<<strong>br</strong> />
preocupado <strong>com</strong> as aspirações dos adultos.<<strong>br</strong> />
- Não diga essas coisas para o papai. Ele vai ficar<<strong>br</strong> />
chateado...<<strong>br</strong> />
- Crianças são sinceras. - disse Chûji, sorrindo<<strong>br</strong> />
amargamente.<<strong>br</strong> />
Seus cabelos <strong>br</strong>ancos estavam ficando cada vez mais ralos<<strong>br</strong> />
- 365 -
e as costas cada vez mais curvadas. Chûji já não conseguia<<strong>br</strong> />
vencer os netos.<<strong>br</strong> />
- Mamãe, volte cedo hoje. - falou Tatsuo, de forma<<strong>br</strong> />
mimada.<<strong>br</strong> />
Estava prevista uma sessão de cinema naquela noite.<<strong>br</strong> />
- Antigamente, nós não tínhamos a oportunidade de<<strong>br</strong> />
assistir filmes japoneses. Agora, o tráfego entre o Brasil e o<<strong>br</strong> />
Japão se tornou livre, e estão trazendo muitos filmes.<<strong>br</strong> />
Realmente, os tempos melhoraram.<<strong>br</strong> />
- É verdade. Agora é possível ir ao Japão de avião em<<strong>br</strong> />
uns cinco dias. Vamos voltar para lá um dia, não é mesmo?<<strong>br</strong> />
Já fazia mais de 10 anos que a guerra terminara. O correio<<strong>br</strong> />
esteve paralisado durante a guerra, mas, embora a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>unicação tivesse se tornado mais freqüente, não pudera<<strong>br</strong> />
entrar em contato <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> e nem <strong>com</strong> a família dos tios,<<strong>br</strong> />
que aparentemente estariam ainda cuidando dela. Gostaria<<strong>br</strong> />
que pelo menos Chûji e Shizu pudessem voltar para o Japão<<strong>br</strong> />
enquanto estivessem vivos. Queria, também, saber do<<strong>br</strong> />
paradeiro de <strong>Natsu</strong>. Estes eram os desejos mais profundos de<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Naquela noite, o local a céu aberto onde haveria a projeção<<strong>br</strong> />
do filme, estava repleto de japoneses e seus familiares. A<<strong>br</strong> />
família de Kotaro Nakayama, Toki, Ryuta e os filhos também<<strong>br</strong> />
estavam presentes.<<strong>br</strong> />
A projeção se iniciou <strong>com</strong> as notícias do Japão: eram<<strong>br</strong> />
cenas do casamento do então Príncipe Herdeiro.<<strong>br</strong> />
- 366 -
- A exibição de filmes em diversos locais do interior do<<strong>br</strong> />
Brasil era um acontecimento esperado por todos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
ansiedade. Naquela noite, acho que estavam presentes todos<<strong>br</strong> />
os moradores japoneses da vila. A primeira cena do noticiário<<strong>br</strong> />
foi a da suntuosa parada nupcial do então Príncipe Herdeiro<<strong>br</strong> />
e da Princesa Michiko. Levei o maior susto. Para nós, o<<strong>br</strong> />
Imperador era um deus e acreditávamos que ele nunca<<strong>br</strong> />
apareceria perante seus súditos. No entanto, o Príncipe<<strong>br</strong> />
Herdeiro estava sorridente, desfilando numa carruagem<<strong>br</strong> />
aberta, acenando para o povo que enchia as ruas. Fiquei<<strong>br</strong> />
abismada vendo as cenas. Não conseguia entender o que tinha<<strong>br</strong> />
acontecido <strong>com</strong> o Japão. Papai, então, nem se fala...<<strong>br</strong> />
Um homem aplaudia de pé o acontecimento feliz da<<strong>br</strong> />
família imperial. Era Chüji. Algumas pessoas que estavam<<strong>br</strong> />
no local, também se levantaram e <strong>com</strong>eçaram a aplaudir,<<strong>br</strong> />
emocionados, juntando-se a ele.<<strong>br</strong> />
Podia-se ver, assim, <strong>com</strong>o era importante a presença do<<strong>br</strong> />
Imperador <strong>com</strong>o um pilar espiritual para os primeiros<<strong>br</strong> />
imigrantes.<<strong>br</strong> />
Depois da projeção, Chûji aceitou o convite para passar<<strong>br</strong> />
pela casa dos Nakayama e <strong>com</strong>eçou a beber <strong>com</strong> Kotaro.<<strong>br</strong> />
- Sr. Nakayama, o Japão venceu mesmo a Grande Guerra,<<strong>br</strong> />
tal <strong>com</strong>o eu pensava. Claro, alguns locais foram destruídos<<strong>br</strong> />
pelos bombardeios americanos. Também houve as<<strong>br</strong> />
devastações causadas pelas bombas atômicas. Mas acho que,<<strong>br</strong> />
no final, o Japão saiu vitorioso graças à sua persistência.<<strong>br</strong> />
- 367 -
Senão, a família imperial teria sido dizimada. O noticiário<<strong>br</strong> />
do casamento do Príncipe, que assistimos hoje, é uma prova<<strong>br</strong> />
disso. E as milhares e milhares de bandeiras japonesas<<strong>br</strong> />
tremulando nas mãos das pessoas que foram <strong>com</strong>emorar o<<strong>br</strong> />
casamento nas ruas? Se o Japão tivesse perdido a guerra, não<<strong>br</strong> />
seria possível ficar agitando a bandeira nacional daquela<<strong>br</strong> />
forma. Hoje foi uma noite maravilhosa. Pude confirmar que<<strong>br</strong> />
o Japão ganhou a guerra. O senhor também admite, não é?<<strong>br</strong> />
- Bem, de qualquer maneira, passaram-se quatorze anos<<strong>br</strong> />
desde que terminou a guerra, e o Japão ressurgiu<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente das cinzas. Com o noticiário de hoje, deu para<<strong>br</strong> />
ver a recuperação do país. Não há felicidade maior. O japonês<<strong>br</strong> />
é um povo maravilhoso. Podemos nos orgulhar por sermos<<strong>br</strong> />
japoneses. Viva os japoneses! - esquivou-se sutilmente<<strong>br</strong> />
Kotaro, sorrindo.<<strong>br</strong> />
- Puxa vida! Que alegria! Até que enfim você me<<strong>br</strong> />
entendeu. Foi ótimo ter nascido japonês. Saúde para o Japão!<<strong>br</strong> />
Saúde para os japoneses!<<strong>br</strong> />
Chûji <strong>br</strong>indou <strong>com</strong> Kotaro e bebeu num gole só. Era uma<<strong>br</strong> />
felicidade singela, mas ele parecia estar desfrutando da<<strong>br</strong> />
primavera de sua existência.<<strong>br</strong> />
Chûji bebeu muito e se em<strong>br</strong>iagou a ponto de não poder<<strong>br</strong> />
caminhar direito. Ryuta trouxe Chûji até a casa dos Takakura.<<strong>br</strong> />
-Cheguei!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e Shizu foram correndo até a entrada, ao ouvirem a<<strong>br</strong> />
voz pastosa de Chûji. Haviam se perdido de Chûji na confusão<<strong>br</strong> />
da saída da projeção. Estavam desconfiadas de que certamente<<strong>br</strong> />
- 368 -
ele estava bebendo <strong>com</strong> algum conhecido.<<strong>br</strong> />
- Como ele estava muito em<strong>br</strong>iagado, eu o a<strong>com</strong>panhei<<strong>br</strong> />
até aqui. - disse Ryuta, sem qualquer constrangimento ao se<<strong>br</strong> />
dirigir a <strong>Haru</strong>, que também se sentia à vontade na sua<<strong>br</strong> />
presença.<<strong>br</strong> />
- Ele estava na sua casa? Puxa, desculpe o incômodo.<<strong>br</strong> />
- Parece que ele e meu pai chegaram a um acordo, e os<<strong>br</strong> />
dois beberam alegremente. Os japoneses da idade deles<<strong>br</strong> />
ficaram tocados <strong>com</strong> o noticiário de hoje. Então, <strong>com</strong> licença.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
Chûji estava muito falante por causa da bebida. Shizu<<strong>br</strong> />
ofereceu água, mas Chûji não parava de falar.<<strong>br</strong> />
- Puxa vida, hoje a bebida estava realmente deliciosa. O<<strong>br</strong> />
Nakayama também é japonês. Ele admitiu que o Japão ganhou<<strong>br</strong> />
a guerra, e estava feliz. Eu acho que ele estava contente por<<strong>br</strong> />
ter recuperado a dignidade de ser japonês. Nós somos<<strong>br</strong> />
japoneses!<<strong>br</strong> />
Chûji encheu dois copos de pinga e colocou um dos copos<<strong>br</strong> />
em frente ao quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />
- Minoru, você defendeu o Japão. Você é o meu orgulho!<<strong>br</strong> />
Completamente satisfeito, Chûji <strong>br</strong>indou em homenagem<<strong>br</strong> />
a Minoru, mas em seguida, caiu no chão.<<strong>br</strong> />
- Papai! - <strong>Haru</strong> procurou acudir Chûji, aflita, mas Chûji<<strong>br</strong> />
já estava inconsciente.<<strong>br</strong> />
- Papai! - <strong>Haru</strong> gritava desesperada.<<strong>br</strong> />
Shizu estava <strong>com</strong>pletamente paralizada diante da imagem<<strong>br</strong> />
do marido imóvel, nos <strong>br</strong>aços da filha, <strong>com</strong> os olhos cerrados.<<strong>br</strong> />
- 369 -
No silêncio do quarto em Hakone, as duas irmãs estavam<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> os olhos cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />
- Ele não recuperou mais a consciência. Papai teve uma<<strong>br</strong> />
vida cheia de sofrimentos, mas morreu no período mais feliz<<strong>br</strong> />
de sua vida. Seu rosto era de <strong>com</strong>pleta serenidade. Tinha<<strong>br</strong> />
somente 63 anos. Estava pensando em mandá-lo de volta ao<<strong>br</strong> />
Japão... Ele afogou todas as dores da vida na bebida e seu<<strong>br</strong> />
fígado, seu coração e suas veias estavam em frangalhos. Como<<strong>br</strong> />
ele gostaria de ter encontrado <strong>com</strong> você...! - balbuciou <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o olhar baixo.<<strong>br</strong> />
Chûji insistira sempre no fato de ser japonês. Exaltavase<<strong>br</strong> />
acreditando no Japão e <strong>com</strong>andava os seus familiares <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
base nessas crenças. Eis que a sua luta, de repente, chegara<<strong>br</strong> />
ao fim.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> achou que seu pai fora fiel aos seus ideais e que o<<strong>br</strong> />
seu final era digno de sua personalidade. A vida do pai fora<<strong>br</strong> />
exatamente a mesma das memórias de sua infância.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, que nada sabia so<strong>br</strong>e a morte do pai, dedicava-se,<<strong>br</strong> />
à época, de corpo e alma para a empresa.<<strong>br</strong> />
-... Naquela época, eu estava muito preocupada em<<strong>br</strong> />
ampliar a empresa, e estava correndo para lá e para cá, sem<<strong>br</strong> />
me lem<strong>br</strong>ar do Brasil e do papai. Transferimos a matriz para<<strong>br</strong> />
Tóquio, deixando apenas a fá<strong>br</strong>ica em Sapporo. Também<<strong>br</strong> />
construímos uma casa em Tóquio... Quando fomos para lá,<<strong>br</strong> />
nossa empresa estava ficando famosa, não somente pelos<<strong>br</strong> />
biscoitos, mas também pelos doces ocidentais. Não me<<strong>br</strong> />
esqueço que, nessa época, reencontrei-me <strong>com</strong> Kinta e<<strong>br</strong> />
- 370 -
Tsutomu. Levei um susto, pois não tivera mais contato <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
eles desde que haviam saído da empresa, por eu ter ficado<<strong>br</strong> />
noiva do George.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> pensava no tipo de biscoito que cairia no agrado<<strong>br</strong> />
dos consumidores, para que pudessem <strong>com</strong>prar <strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />
Assim, buscava obter idéias de Ritsuko e Aiko, <strong>com</strong> quem<<strong>br</strong> />
trabalhava desde a fundação da empresa. O produto definido<<strong>br</strong> />
era <strong>com</strong>ercializado por Yamabe, responsável pela ampliação<<strong>br</strong> />
do mercado. Foram surgindo, então, diversos produtos de<<strong>br</strong> />
sucesso.<<strong>br</strong> />
A Indústria de Doces Hokuô crescera gradativamente e<<strong>br</strong> />
no ano de 1959, quando o Japão inteiro cele<strong>br</strong>ou o casamento<<strong>br</strong> />
do Príncipe Herdeiro, conseguiram instalar a matriz em<<strong>br</strong> />
Tóquio. Foi precisamente no ano em que Chûji havia falecido.<<strong>br</strong> />
Em 1963, às vésperas da Olimpíada em Tóquio, foi<<strong>br</strong> />
realizada uma festa de confraternização dos fa<strong>br</strong>icantes de<<strong>br</strong> />
doces num hotel de Tóquio, <strong>com</strong> a participação das pessoas<<strong>br</strong> />
mais conceituadas do ramo. O casal Yamabe também<<strong>br</strong> />
resolvera <strong>com</strong>parecer.<<strong>br</strong> />
- Há quanto tempo!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>, que se <strong>com</strong>portava efetivamente <strong>com</strong>o a presidente<<strong>br</strong> />
de uma grande empresa, voltou-se para trás ao ouvir seu nome<<strong>br</strong> />
e viu dois homens conhecidos, de trinta e poucos anos,<<strong>br</strong> />
sorrindo para ela.<<strong>br</strong> />
- Kinta? É você, Kinta? Tsutomu? O que significa isso?<<strong>br</strong> />
Vocês dois... aqui?<<strong>br</strong> />
- 371 -
-<strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o você está elegante e bonita!<<strong>br</strong> />
Apesar de ter se tornado a presidente de uma grande<<strong>br</strong> />
indústria de doces, ela continuava sendo, para Tsutomu, a<<strong>br</strong> />
mulher que gostaria de chamar de Natchan, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
antigamente.<<strong>br</strong> />
- Vocês também, vestindo terno! Nem os reconheci. Se<<strong>br</strong> />
vocês estão participando desta festa significa que trabalhamos<<strong>br</strong> />
no mesmo ramo?...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> também se esqueceu dos cumprimentos formais e<<strong>br</strong> />
falou de forma desembaraçada, dirigindo-se aos amigos de<<strong>br</strong> />
outrora.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu tiraram respectivamente os seus cartões<<strong>br</strong> />
de visita e entregaram a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Trabalhamos nesta empresa.<<strong>br</strong> />
- Laticínios Shirakaba...? - disse <strong>Natsu</strong>, incrédula, ao<<strong>br</strong> />
olhar os cartões.<<strong>br</strong> />
Laticínios Shirakaba era a maior empresa do ramo. Na<<strong>br</strong> />
época em que <strong>Natsu</strong> e seus auxiliares produziam biscoitos<<strong>br</strong> />
caseiros, chegara a ameaçar os seus negócios ao colocar uma<<strong>br</strong> />
grande quantidade de biscoitos baratos no mercado.<<strong>br</strong> />
- Eu sou o gerente da filial de Tóquio e Tsutomu é o<<strong>br</strong> />
diretor do departamento de produção de doces. Hoje, viemos<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhando o presidente da empresa... Estávamos falando<<strong>br</strong> />
na possibilidade de encontrarmos você. Afinal, você é a dona<<strong>br</strong> />
da Indústria de Doces Hokuô, uma das maiores empresas do<<strong>br</strong> />
ramo.<<strong>br</strong> />
Kinta lançou um olhar para Yamabe, que conversava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
- 372 -
outro cliente.<<strong>br</strong> />
- Ah... E, aquele, suponho, é o famoso Yamabe, parceiro<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong>, conhecido <strong>com</strong>o um homem de vendas de grande<<strong>br</strong> />
fi<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />
- Até há pouco, pensávamos que você estava <strong>com</strong> George.<<strong>br</strong> />
As palavras de Tsutomu faziam <strong>Natsu</strong> se conscientizar<<strong>br</strong> />
do passar do tempo.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu tinham ficado revoltados <strong>com</strong> o noivado<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong> e George e resolveram sair da empresa. Depois disso,<<strong>br</strong> />
nunca mais se encontraram. Ambos pareciam só ter ouvido<<strong>br</strong> />
falar do desempenho de <strong>Natsu</strong>, desconhecendo o fato de<<strong>br</strong> />
George ter voltado para os Estados Unidos logo depois da<<strong>br</strong> />
saída deles do grupo, e de <strong>Natsu</strong> ter tido o bebê sozinha.<<strong>br</strong> />
- Mas, a Laticínios Shirakaba é nossa rival. Não sabia<<strong>br</strong> />
que vocês estavam nesta empresa.<<strong>br</strong> />
- Depois que a deixamos, o presidente da Laticínios<<strong>br</strong> />
Shirakaba nos acolheu. O próprio presidente da empresa<<strong>br</strong> />
também <strong>com</strong>eçou <strong>com</strong>o criador de vacas. Ele nos tratou bem<<strong>br</strong> />
e conseguimos chegar a estes cargos.<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu só sabiam cuidar das vacas e fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />
queijos e biscoitos. Contudo, o fato de terem cuidado das<<strong>br</strong> />
vacas durante a guerra agradou o presidente da Laticínios<<strong>br</strong> />
Shirakaba.<<strong>br</strong> />
- Que bom que vocês conseguiram ter êxito...!<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> e Kinta eram tão amigos que, quando se<<strong>br</strong> />
encontravam, acabavam <strong>br</strong>igando.<<strong>br</strong> />
- Vamos nos encontrar de vez em quando. Tenho muitas<<strong>br</strong> />
- 373 -
saudades da época em que criávamos vacas e fazíamos<<strong>br</strong> />
queijos. Acho que nos dias de hoje, a vida é por demais<<strong>br</strong> />
difícil...<<strong>br</strong> />
- Daqui para frente, o Japão vai progredir mais e mais.<<strong>br</strong> />
Se ficarmos ligados ao passado, vocês não poderão avançar.<<strong>br</strong> />
Se formos passados para trás, será o fim. Preciso lançar<<strong>br</strong> />
produtos de maior sucesso, para não perder da Laticínios<<strong>br</strong> />
Shirakaba.<<strong>br</strong> />
Nessa época, <strong>Natsu</strong> pensava em ampliar cada vez mais a<<strong>br</strong> />
sua empresa, para poder a<strong>com</strong>panhar as tendências do<<strong>br</strong> />
mercado, durante o período de crescimento econômico<<strong>br</strong> />
contínuo do Japão.<<strong>br</strong> />
- Fique à vontade. Nós vamos levar nossa <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />
num ritmo tranqüilo. Não adianta <strong>com</strong>petir <strong>com</strong> sua empresa<<strong>br</strong> />
porque não vamos conseguir vencê-la <strong>com</strong> novos produtos.<<strong>br</strong> />
A nossa política é continuar a fa<strong>br</strong>icar produtos tradicionais.<<strong>br</strong> />
- É uma empresa digna a de vocês, não é? Se vocês<<strong>br</strong> />
tivessem continuado na minha, acho que estaríamos sempre<<strong>br</strong> />
em choque quanto às diretrizes administrativas, pois eu adoro<<strong>br</strong> />
novidades. Acho que, por um lado, foi bom termos nos<<strong>br</strong> />
separado, não é?<<strong>br</strong> />
Embora a despedida tivesse sido desagradável, o<<strong>br</strong> />
inesperado reencontro trouxera satisfação à <strong>Natsu</strong> que se<<strong>br</strong> />
sentira fortalecida, por poder conversar sinceramente <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
dois amigos de outrora.<<strong>br</strong> />
- Naquela época, o Japão se encontrava no auge do<<strong>br</strong> />
- 374 -
crescimento econômico. A linha de trem-bala e as rodovias<<strong>br</strong> />
expressas estavam sendo construídas, tendo em vista a<<strong>br</strong> />
aproximação dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Eu trabalhava<<strong>br</strong> />
a todo vapor, acreditando seriamente que o ideal era crescer<<strong>br</strong> />
cada vez mais. Nada tinha a temer.<<strong>br</strong> />
- Na nossa família também houve grandes mudanças <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a morte do papai.<<strong>br</strong> />
Em 1963, no Brasil, na mesma época em que <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
reencontrara Kinta e Tsutomu, <strong>Haru</strong> e sua família levavam<<strong>br</strong> />
uma vida, de certa forma estável, numa colônia de japoneses<<strong>br</strong> />
no interior do estado de São Paulo. As idéias de Takuya,<<strong>br</strong> />
contudo, mudariam enormemente a vida deles.<<strong>br</strong> />
Apesar de estar a par dos planos de Takuya, <strong>Haru</strong> estava<<strong>br</strong> />
indecisa e constrangida. Takuya, então, passou a tentar<<strong>br</strong> />
convencer Shizu.<<strong>br</strong> />
- Quero, de todas as maneiras, cultivar crisântemos em<<strong>br</strong> />
grande escala. Porém, aqui, não há quem <strong>com</strong>pre essas flores.<<strong>br</strong> />
Elas têm que ser cultivadas em um local onde possam ser<<strong>br</strong> />
transportadas de caminhão aos mercados consumidores de<<strong>br</strong> />
uma grande cidade. O ideal seria possuir uma plantação nos<<strong>br</strong> />
subúrbios de São Paulo. Pedi ao meu irmão para procurar e<<strong>br</strong> />
ele encontrou terras que foram aradas por japoneses. Os filhos<<strong>br</strong> />
não querem continuar <strong>com</strong> a lavoura e pretendem voltar para<<strong>br</strong> />
o Japão. Então, o japonês está querendo passar as terras para<<strong>br</strong> />
alguém. O local é ideal para o plantio de crisântemos, tanto<<strong>br</strong> />
em termos de solo <strong>com</strong>o em condições climáticas. Por isso,<<strong>br</strong> />
- 375 -
estou pensando em cultivar flores naquele lugar.<<strong>br</strong> />
O falecido Chûji já tinha demonstrado certa preocupação<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> o fato de Takuya se dedicar à cultura de crisântemo,<<strong>br</strong> />
perguntando o que faria <strong>com</strong> as flores numa localidade do<<strong>br</strong> />
interior <strong>com</strong> poucos japoneses.<<strong>br</strong> />
- Quero mudar <strong>com</strong> a família toda. Lá existem escolas<<strong>br</strong> />
melhores do que as daqui para Tatsuo e Kunio. É muito mais<<strong>br</strong> />
prático também para viver... Estou consciente de que é difícil<<strong>br</strong> />
para a senhora aceitar ir morar em novas terras. O que você<<strong>br</strong> />
acha? - Takuya indagou <strong>Haru</strong> em busca de apoio.<<strong>br</strong> />
- Quero respeitar os sentimentos de minha mãe. Não há<<strong>br</strong> />
outra forma senão você ir sozinho para lá...<<strong>br</strong> />
Se fosse só por ela, certamente <strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panharia Takuya<<strong>br</strong> />
para qualquer lugar, onde quer que ele fosse. Mas ela não<<strong>br</strong> />
queria o<strong>br</strong>igar Shizu a fazer o mesmo, pois ela poderia ter<<strong>br</strong> />
algum apego ao local e à situação em que viviam.<<strong>br</strong> />
Takuya se colocava entre o trabalho e a família. Podia<<strong>br</strong> />
sentir o seu carinho pela família, que o deixava indeciso,<<strong>br</strong> />
apesar de querer executar o seu projeto. <strong>Haru</strong>, por sua vez,<<strong>br</strong> />
também não sabia o que fazer, querendo a<strong>com</strong>panhar Takuya<<strong>br</strong> />
de um lado, mas, por outro, pensando em sua mãe.<<strong>br</strong> />
Shizu, então, decidiu-se:<<strong>br</strong> />
- Que bobagem você está dizendo. É claro que eu vou<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> vocês. É verdade que aqui é a terra onde seu pai e nós<<strong>br</strong> />
trabalhamos <strong>com</strong> afinco. Demos nosso sangue e suor, mas<<strong>br</strong> />
nada me prende aqui. Se pudermos <strong>com</strong>eçar uma vida nova,<<strong>br</strong> />
num novo local, <strong>com</strong> toda a família, acho que seremos felizes.<<strong>br</strong> />
- 376 -
- O<strong>br</strong>igada mamãe!<<strong>br</strong> />
Com o início da guerra, a família de Chûji fora expulsa<<strong>br</strong> />
da terra arrendada de um fazendeiro americano e viera para<<strong>br</strong> />
este lugar em busca de novos horizontes. Chûji acabou<<strong>br</strong> />
morrendo ali, embora tivesse planos para novos e maiores<<strong>br</strong> />
empreendimentos, querendo afinal, poupar para poder voltar<<strong>br</strong> />
ao Japão.<<strong>br</strong> />
Se Takuya pudesse realizar um pouco dos sonhos de Chûji,<<strong>br</strong> />
que não vingaram <strong>com</strong>pletamente, ele ficaria muito satisfeito,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> certeza.<<strong>br</strong> />
- Vamos construir o túmulo do papai na nova terra, para<<strong>br</strong> />
que ele possa nos assistir... E para que possamos visitá-lo<<strong>br</strong> />
sempre...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou a mãe, que acenava <strong>com</strong> a cabeça, os olhos<<strong>br</strong> />
cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />
Aquela era a terra que eles des<strong>br</strong>avaram a partir da mata<<strong>br</strong> />
virgem e haviam transformado numa bela fazenda. Era a<<strong>br</strong> />
despedida da primeira propriedade que tinham adquirido<<strong>br</strong> />
depois que chegaram ao Brasil.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> continuavam a conversar no quarto do hotel<<strong>br</strong> />
em Hakone. Os episódios de suas vidas, que contavam uma<<strong>br</strong> />
à outra, estavam chegando ao fim. Parecia, contudo, que<<strong>br</strong> />
continuariam a conversar até o raiar do sol.<<strong>br</strong> />
- Eu disse subúrbio de São Paulo, mas a nova propriedade<<strong>br</strong> />
ficava a 100 quilômetros do centro da capital. Podíamos<<strong>br</strong> />
- 377 -
transportar de caminhão, em duas horas, flores ou verduras<<strong>br</strong> />
para o mercado de São Paulo. Depois de vencermos muitos<<strong>br</strong> />
obstáculos, a Flora Takakura tornou-se conhecida pelos<<strong>br</strong> />
crisântemos. Tatsuo e Kunio decidiram suceder o pai e<<strong>br</strong> />
passaram a trabalhar e ajudar na fazenda. Não quiseram fazer<<strong>br</strong> />
curso superior e se dedicaram integralmente a auxiliar Takuya.<<strong>br</strong> />
Vendo a cena do pai e dos dois filhos trabalhando juntos na<<strong>br</strong> />
fazenda, eu sentia a felicidade de estar num lar. Adorava ir à<<strong>br</strong> />
plantação todos os dias. Nessa época, finalmente <strong>com</strong>ecei a<<strong>br</strong> />
sentir que tinha sido bom ter ido para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Depois de algum tempo, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> voltaram a sorrir.<<strong>br</strong> />
Havia muitas vantagens em estarem próximos a São<<strong>br</strong> />
Paulo, uma grande metrópole, principalmente nos aspectos<<strong>br</strong> />
culturais. Podiam, inclusive, escolher escolas para a<<strong>br</strong> />
aprendizagem da língua japonesa. Os japoneses eram<<strong>br</strong> />
tradicionalmente dedicados à educação de seus filhos e esse<<strong>br</strong> />
costume fora preservado, mesmo <strong>com</strong> a imigração para o<<strong>br</strong> />
Brasil. Assim, havia escolas japonesas desde os primórdios<<strong>br</strong> />
da imigração. No entanto, algumas crianças, <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>, não<<strong>br</strong> />
tinham tido a sorte de ter uma escola na fazenda onde foram<<strong>br</strong> />
trabalhar ou não puderam estudar porque as escolas haviam<<strong>br</strong> />
sido fechadas <strong>com</strong> a eclosão da guerra.<<strong>br</strong> />
Apesar de terem nascido em tempo de paz, Tatsuo e<<strong>br</strong> />
Kunio, filhos de <strong>Haru</strong>, escolheram um caminho mais árduo.<<strong>br</strong> />
Embora pudessem freqüentar a universidade, resolveram<<strong>br</strong> />
- 378 -
a<strong>com</strong>panhar o pai no novo empreendimento, numa nova terra,<<strong>br</strong> />
preferindo enfrentar desafios.<<strong>br</strong> />
Os sacrifícios não foram poucos, mas valera a pena, pois<<strong>br</strong> />
os dois filhos se dedicaram de corpo e alma na construção da<<strong>br</strong> />
Flora Takakura. Os negócios foram se expandindo, na medida<<strong>br</strong> />
em que a cultura de crisântemo e de outras flores foram se<<strong>br</strong> />
ampliando.<<strong>br</strong> />
- Que bom que seus dois filhos se tornaram bons moços.<<strong>br</strong> />
Deve ser porque eles sempre viram os pais trabalhando <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
fervor e os ajudavam na fazenda, não é? No caso dos meus<<strong>br</strong> />
filhos, tanto o pai <strong>com</strong>o a mãe viviam sempre ocupados e<<strong>br</strong> />
nunca estavam em casa. Eles sabiam que os pais davam duro,<<strong>br</strong> />
mas não os viam trabalhando realmente. Não podíamos fazer<<strong>br</strong> />
as refeições juntos, ou pior, tinha dias em que nem víamos o<<strong>br</strong> />
rosto dos meninos, pois saíamos cedo de casa e voltávamos<<strong>br</strong> />
tarde da noite... Embora achasse que, pelo menos a mãe<<strong>br</strong> />
deveria ficar junto deles, isso era impossível. Se eu, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
presidente, não <strong>com</strong>andasse a empresa, ela não iria para<<strong>br</strong> />
frente... Acho que devia ser uma reação à po<strong>br</strong>eza da infância,<<strong>br</strong> />
pois sofri muito quando criança por não ter dinheiro. - <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
riu meio que zombando de si mesma.<<strong>br</strong> />
A época em que os filhos de <strong>Natsu</strong> demandavam maior<<strong>br</strong> />
atenção, coincidira <strong>com</strong> o período em que era necessária a<<strong>br</strong> />
dedicação aos negócios. Os cuidados <strong>com</strong> os filhos acabaram<<strong>br</strong> />
sendo confiados a estranhos.<<strong>br</strong> />
- O trabalho, na verdade, era para garantir uma vida<<strong>br</strong> />
tranqüila, sem privações, mas já era tarde quando percebi<<strong>br</strong> />
- 379 -
que os valores estavam invertidos. - <strong>Natsu</strong> lamentou em tom<<strong>br</strong> />
de autocrítica, pensando que não tinha adiantado ter ampliado<<strong>br</strong> />
os negócios.<<strong>br</strong> />
- Para nós, também, não aconteceram somente coisas<<strong>br</strong> />
boas. Papai era uma pessoa que só falava japonês, mesmo<<strong>br</strong> />
vivendo no Brasil. Sempre quis manter rigidamente o<<strong>br</strong> />
pensamento de viver <strong>com</strong>o japonês. Então, sem perceber,<<strong>br</strong> />
acabei herdando o orgulho de papai.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> era a filha que havia herdado a personalidade de<<strong>br</strong> />
Chûji. Acontecera algo que a fizera sentir este fato<<strong>br</strong> />
concretamente...<<strong>br</strong> />
A casa da família Takakura, situada no subúrbio de São<<strong>br</strong> />
Paulo, era superior a outras casas habitadas por eles no<<strong>br</strong> />
passado. <strong>Haru</strong> e Shizu preparavam o jantar na cozinha, que<<strong>br</strong> />
seria frugal, <strong>com</strong> feijão cozido, salada e outros pratos.<<strong>br</strong> />
- Tatsuo vai trazer uma moça de quem gosta pela primeira<<strong>br</strong> />
vez. Não é necessário preparar nada?<<strong>br</strong> />
Shizu gostaria de expressar hospitalidade preparando<<strong>br</strong> />
pratos mais sofisticados, mas parecia que <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ungava da mesma intenção.<<strong>br</strong> />
Quando Tatsuo chegou na idade de se casar, <strong>Haru</strong> havia<<strong>br</strong> />
pedido para algumas pessoas conhecidas apresentarem uma<<strong>br</strong> />
moça japonesa para ele.<<strong>br</strong> />
Contudo, quando <strong>Haru</strong> falou a respeito do assunto para<<strong>br</strong> />
Tatsuo, ele disse que já tinha decidido <strong>com</strong> quem se casaria.<<strong>br</strong> />
Então, resolveram convidá-la para jantar, a fim de<<strong>br</strong> />
- 380 -
apresentá-la aos mem<strong>br</strong>os da família.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> havia perguntado que tipo de moça era, mas Tatsuo<<strong>br</strong> />
insistira, dizendo que falaria depois de apresentá-la. <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />
teve outra alternativa senão aguardar.<<strong>br</strong> />
- Por melhor que seja a família dela, quero que ela veja a<<strong>br</strong> />
nossa vida normal, a nossa rotina. Se ela não gostar, é melhor<<strong>br</strong> />
desistir do meu filho...<<strong>br</strong> />
O gênio forte de <strong>Haru</strong> vinha da infância. Shizu, por sua<<strong>br</strong> />
vez, tinha a experiência de viver retraída em Hokkaido, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
mulher do irmão mais novo, que morava <strong>com</strong> os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />
da família do primogênito.<<strong>br</strong> />
- É a moça que Tatsuo escolheu. Ficarei <strong>com</strong> pena dele<<strong>br</strong> />
se vocês não a aprovarem.<<strong>br</strong> />
- Eu desejo que ele case <strong>com</strong> a mulher da qual gosta,<<strong>br</strong> />
mas...<<strong>br</strong> />
Enquanto mãe e filha conversavam entre si, Tatsuo<<strong>br</strong> />
chegou. <strong>Haru</strong> achava que ele só chegaria depois de terminar<<strong>br</strong> />
os trabalhos da fazenda e, portanto, era bem mais cedo do<<strong>br</strong> />
que o previsto.<<strong>br</strong> />
- Papai insistiu em terminar mais cedo porque hoje é um<<strong>br</strong> />
dia especial... Maria disse, então, que gostaria de ajudar em<<strong>br</strong> />
algo, e assim, viemos juntos.<<strong>br</strong> />
Tatsuo chamou Maria, que esperava no corredor.<<strong>br</strong> />
- Esta é a Maria... Nossa convidada de hoje.<<strong>br</strong> />
O rosto da moça, de traços bem feitos, era de uma<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileira sem ascendência japonesa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> falou baixo, não querendo que a visita ouvisse um<<strong>br</strong> />
- 381 -
<strong>com</strong>entário familiar.<<strong>br</strong> />
- Convidada? Eu não fui avisada de que teríamos outra<<strong>br</strong> />
convidada hoje. Vamos ter que preparar mais <strong>com</strong>ida. Você<<strong>br</strong> />
devia ter nos avisado <strong>com</strong> antecedência...<<strong>br</strong> />
- O que a senhora está dizendo? O jantar de hoje não é<<strong>br</strong> />
para ela?<<strong>br</strong> />
-Então, ela...?<<strong>br</strong> />
- É a minha noiva, Maria.<<strong>br</strong> />
E dirigindo-se para Maria:<<strong>br</strong> />
- Minha avó e minha mãe.<<strong>br</strong> />
- Sou Maria. Muito prazer em conhecê-las. - Maria<<strong>br</strong> />
cumprimentou <strong>Haru</strong> e Shizu em japonês, quase sem nenhum<<strong>br</strong> />
sotaque e Tatsuo fez uma rápida apresentação.<<strong>br</strong> />
- Ela trabalha na fá<strong>br</strong>ica do vovô Yamashita e fala japonês.<<strong>br</strong> />
O vovô e o tio Takeshi gostam muito dela e a conheci quando<<strong>br</strong> />
fui passear na casa do vovô. Estamos namorando há três anos.<<strong>br</strong> />
Papai também conhece bem Maria.<<strong>br</strong> />
- Meu pai também trabalha na fá<strong>br</strong>ica do sr. Yamashita.<<strong>br</strong> />
Desde pequena, eu ajudava a sra. Yamashita. Então, pude<<strong>br</strong> />
aprender japonês.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> se sentia <strong>com</strong>o um pombo abatido por um tiro.<<strong>br</strong> />
- Tatsuo, vá tomar banho! Eu vou ajudar sua mãe.<<strong>br</strong> />
- Ah, não se preocupe. Mamãe e vovó vão gostar de você.<<strong>br</strong> />
Os dois trocaram um diálogo em português, e Tatsuo saiu,<<strong>br</strong> />
beijando levemente Maria.<<strong>br</strong> />
- Em que posso ajudá-las?<<strong>br</strong> />
Talvez o <strong>com</strong>portamento aberto e despreocupado de Maria<<strong>br</strong> />
- 382 -
tivesse dado uma impressão ainda mais forte de que se tratava<<strong>br</strong> />
de uma <strong>br</strong>asileira sem ascendência japonesa.<<strong>br</strong> />
- Lamento dizer isso a você, que veio nos visitar hoje,<<strong>br</strong> />
mas, por favor, poderia se retirar? Eu quero deixar bem claro.<<strong>br</strong> />
Não tenho intenção de deixar meu filho se casar <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />
- <strong>Haru</strong>! - Shizu procurou conter as palavras da filha, mas<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> não conseguiu segurar seus sentimentos.<<strong>br</strong> />
- Essas coisas têm que ser deixadas bem claras desde o<<strong>br</strong> />
início.<<strong>br</strong> />
- Entendi perfeitamente. Vou-me embora por hoje. Com<<strong>br</strong> />
licença.<<strong>br</strong> />
Maria fez uma reverência, contendo a sua fisionomia<<strong>br</strong> />
entristecida e deixou a casa da família Takakura.<<strong>br</strong> />
Shizu a<strong>com</strong>panhou a saída de Maria, cujo rosto<<strong>br</strong> />
transparecia a dor que sentia. <strong>Haru</strong> acrescentou, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
estivesse a dar explicações:<<strong>br</strong> />
- É preciso fazer <strong>com</strong> que ela entenda ser inútil continuar<<strong>br</strong> />
este relacionamento. É para o seu próprio bem.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava convencida de que a <strong>com</strong>panheira escolhida<<strong>br</strong> />
por seu filho era uma japonesa e a chegada de Maria fora um<<strong>br</strong> />
grande choque.<<strong>br</strong> />
Houve uma verdadeira tempestade durante o jantar da<<strong>br</strong> />
família Takakura naquela noite. Naturalmente, Tatsuo<<strong>br</strong> />
explodia, demonstrando sua raiva e decepção.<<strong>br</strong> />
- Que mal há nela ser <strong>br</strong>asileira? Apesar de termos<<strong>br</strong> />
nacionalidade japonesa, nós somos <strong>br</strong>asileiros e vivemos no<<strong>br</strong> />
- 383 -
Brasil. - Tatsuo gritava em português <strong>com</strong>o se quisesse<<strong>br</strong> />
fortalecer a sua argumentação.<<strong>br</strong> />
- Não é uma questão de lógica. Exatamente por vivermos<<strong>br</strong> />
no exterior é que eu quero preservar para sempre o espírito<<strong>br</strong> />
japonês. Essa era a vontade do vovô, quando resolveu imigrar<<strong>br</strong> />
para cá. E quero respeitar essa vontade.<<strong>br</strong> />
- Tanto os japoneses <strong>com</strong>o os <strong>br</strong>asileiros são seres<<strong>br</strong> />
humanos iguais. Uma discriminação racial <strong>com</strong>o essa é<<strong>br</strong> />
imperdoável. Isso é uma barbaridade!<<strong>br</strong> />
- Você pode reclamar o quanto quiser. Eu não quero! Nós<<strong>br</strong> />
somos japoneses. Não quero que nos tornemos <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />
- E o senhor, papai, o que o senhor tem a dizer? O senhor<<strong>br</strong> />
não disse que conhecia bem Maria e que ela era uma boa<<strong>br</strong> />
moça?<<strong>br</strong> />
- Quando vou a São Paulo, sempre passo na casa dos<<strong>br</strong> />
meus pais e conheço tanto a Maria <strong>com</strong>o os pais dela. Eles<<strong>br</strong> />
são ótimas pessoas. Porém, a conversa é outra quando se fala<<strong>br</strong> />
nela se tornar nossa nora. Ela fará parte da família. Se sua<<strong>br</strong> />
mãe é contra, não há <strong>com</strong>o aceitá-la. Isso será doloroso para<<strong>br</strong> />
a Maria, mas nossa família também se desintegraria.<<strong>br</strong> />
- Tatsuo, para que a gente possa viver aqui no Brasil, a<<strong>br</strong> />
família tem que estar unida. Não faça coisas que provoquem<<strong>br</strong> />
desarmonia na família. Eu penso assim.<<strong>br</strong> />
Não se tratava mais de diferença de opiniões baseada num<<strong>br</strong> />
conflito entre gerações. Até mesmo Kunio estava contra o<<strong>br</strong> />
irmão. Tatsuo ficara totalmente isolado, mas ele acabou por<<strong>br</strong> />
encontrar uma saída, curiosamente, nas palavras de <strong>Haru</strong>, que<<strong>br</strong> />
- 384 -
lhe disse:<<strong>br</strong> />
- Se, mesmo assim, você quiser se casar <strong>com</strong> Maria, vai<<strong>br</strong> />
ter que sair desta casa!<<strong>br</strong> />
- Tudo bem. Vou embora.<<strong>br</strong> />
-Tatsuo!<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou muito chateada, mas Takuya não segurou o<<strong>br</strong> />
filho. Queria apenas que Tatsuo se conscientizasse de que a<<strong>br</strong> />
sua presença era necessária na Flora Takakura e que assumisse<<strong>br</strong> />
as responsabilidades de primogênito da família.<<strong>br</strong> />
Para <strong>Haru</strong>, não importava se Maria era querida ou não na<<strong>br</strong> />
família Yamashita ou se era uma pessoa boa ou má. Era uma<<strong>br</strong> />
questão de consciência, que não podia ser explicada pela<<strong>br</strong> />
lógica.<<strong>br</strong> />
Nem <strong>Haru</strong> nem Tatsuo cederam às respectivas posições.<<strong>br</strong> />
Nesse sentido, eram, de fato, mãe e filho.<<strong>br</strong> />
- Tatsuo saiu de casa e se casou <strong>com</strong> Maria sem a bênção<<strong>br</strong> />
de ninguém. Assim <strong>com</strong>eçaram a vida a dois. Nós nem<<strong>br</strong> />
pudemos realizar a cerimônia de casamento. Tatsuo e Maria<<strong>br</strong> />
vinham trabalhar na fazenda, mas eu não trocava nenhuma<<strong>br</strong> />
palavra <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />
- Que sogra malvada.<<strong>br</strong> />
- Mas, em <strong>com</strong>pensação, Kunio disse que, para ele, eu<<strong>br</strong> />
podia procurar uma noiva... Então, solicitei a uma pessoa<<strong>br</strong> />
conhecida que nos apresentasse uma moça do Japão.<<strong>br</strong> />
Enviaram-nos uma fotografia para o miai (apresentação para<<strong>br</strong> />
arranjos matrimoniais). Achamos que a moça era impecável<<strong>br</strong> />
- 385 -
e Kunio também gostou dela...<<strong>br</strong> />
A moça tipicamente japonesa que vira na foto concordou<<strong>br</strong> />
em se casar <strong>com</strong> Kunio e decidiu vir morar no Brasil.<<strong>br</strong> />
Era 1979 quando uma grande festa de casamento num<<strong>br</strong> />
hotel de São Paulo se realizou, traduzindo o tamanho da<<strong>br</strong> />
alegria de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Tanto Kunio, o noivo, quanto Midori, a noiva, estavam<<strong>br</strong> />
em trajes ocidentais. <strong>Haru</strong> não podia conter a sua satisfação<<strong>br</strong> />
ao ver os noivos, que posavam para a foto <strong>com</strong>emorativa.<<strong>br</strong> />
Porém, as palavras de Midori, que na imaginação de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
era uma moça tipicamente japonesa, que teria recebido uma<<strong>br</strong> />
educação rígida e os mesmos valores que ela, foram uma<<strong>br</strong> />
grande decepção.<<strong>br</strong> />
A culpa não podia recair somente na Midori. Houve<<strong>br</strong> />
também falta de explicação por parte da pessoa que<<strong>br</strong> />
intermediara o casamento.<<strong>br</strong> />
- A partir de hoje, os afazeres da casa ficarão por sua<<strong>br</strong> />
conta. Logicamente, eu lhe ensinarei os costumes da nossa<<strong>br</strong> />
casa. Depois de lhe ensinar, não me intrometerei. Assim, fica<<strong>br</strong> />
mais fácil para você também, não é? - <strong>Haru</strong> achava que havia<<strong>br</strong> />
feito concessões à nora.<<strong>br</strong> />
- Não tem empregada doméstica nesta casa?<<strong>br</strong> />
- A senhora está dizendo para eu assumir todo o trabalho<<strong>br</strong> />
doméstico?<<strong>br</strong> />
- Essa é a função da nora.<<strong>br</strong> />
- 386 -
- Tinha ouvido dizer que a família Takakura era<<strong>br</strong> />
proprietária de uma grande fazenda. Então, achei que teria<<strong>br</strong> />
uma ou duas empregadas. Disseram-me que a mão-de-o<strong>br</strong>a é<<strong>br</strong> />
barata no Brasil...<<strong>br</strong> />
- Uma dona-de-casa pode cuidar muito bem de uma<<strong>br</strong> />
família <strong>com</strong> cinco ou seis pessoas, sem precisar de empregada.<<strong>br</strong> />
- Eu não vim para cá <strong>com</strong> essa intenção... No Japão de<<strong>br</strong> />
hoje, o casal costuma viver separado dos pais. Ainda mais<<strong>br</strong> />
aqui no Brasil, onde o terreno é grande e barato para construir<<strong>br</strong> />
uma casa. Tinha certeza de que não teria que morar <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />
sogros... No Japão atual, mesmo morando em uma mesma<<strong>br</strong> />
casa, o jovem casal vive <strong>com</strong>pletamente independente dos<<strong>br</strong> />
pais ou sogros, e uma família não interfere na outra. Já se foi<<strong>br</strong> />
a época em que a nora era empregada doméstica. A senhora<<strong>br</strong> />
tem que nos dar liberdade para levarmos nossa vida<<strong>br</strong> />
livremente. Além do mais, até hoje nunca fiz serviço<<strong>br</strong> />
doméstico. Por isso, é impossível atendê-la.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ficou sem fala e Midori continuou, sem qualquer<<strong>br</strong> />
constrangimento:<<strong>br</strong> />
- A senhora deveria ter verificado <strong>com</strong>o é atualmente o<<strong>br</strong> />
relacionamento entre sogras e noras no Japão. Se não gosta<<strong>br</strong> />
do que lhe digo, não me importo que me mande de volta para<<strong>br</strong> />
o Japão.<<strong>br</strong> />
- E aí, o que aconteceu?<<strong>br</strong> />
- Não podíamos mandá-la de volta para o Japão, depois<<strong>br</strong> />
de termos feito o maior alvoroço para recebê-la. Seria um<<strong>br</strong> />
- 387 -
vexame...No fim, acabamos construindo uma casa ao lado<<strong>br</strong> />
da nossa, para os dois morarem...<<strong>br</strong> />
- As moças do Japão pós-guerra são assim mesmo.<<strong>br</strong> />
- No Brasil, era normal viver numa grande família, e foi<<strong>br</strong> />
assim, desde que éramos crianças... Porém, no ano seguinte,<<strong>br</strong> />
aconteceu um fato que me fez ver Maria, esposa de Tatsuo,<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> outros olhos.<<strong>br</strong> />
Em 1980, ano seguinte ao do casamento de Kunio, uma<<strong>br</strong> />
grande onda de recessão assolara o país e o mercado de flores<<strong>br</strong> />
fora profundamente afetado. Houve uma grande queda nos<<strong>br</strong> />
preços do crisântemo.<<strong>br</strong> />
Mesmo colocando os crisântemos no mercado, não só<<strong>br</strong> />
era difícil vendê-los, <strong>com</strong>o as despesas eram muito maiores.<<strong>br</strong> />
A última opção era desfazer-se dos crisântemos em flor, que<<strong>br</strong> />
tinham sido cultivados <strong>com</strong> tanto esmero e cuja<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>ercialização era inviável.<<strong>br</strong> />
Os crisântemos, que estavam maravilhosamente floridos,<<strong>br</strong> />
tinham que ser arrancados e jogados no chão. O trabalho trazia<<strong>br</strong> />
dor no coração de todos, mas tinha que ser executado dia<<strong>br</strong> />
após dia e todos o faziam em silêncio.<<strong>br</strong> />
Maria soluçava sem parar. As lágrimas não paravam de<<strong>br</strong> />
cair por seu rosto.<<strong>br</strong> />
De repente, Maria levantou o rosto sentindo o olhar de<<strong>br</strong> />
alguém e lá estava <strong>Haru</strong>, que, <strong>com</strong>ovida, não parava de fitála.<<strong>br</strong> />
Se os sentimentos pudessem tomar alguma forma, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
- 388 -
e Maria <strong>com</strong>partilhavam, naquele momento, de uma tristeza<<strong>br</strong> />
da mesma cor e de mesma forma. Nos corações não existem<<strong>br</strong> />
diferenças de país. <strong>Haru</strong> tomara consciência deste fato, vendo<<strong>br</strong> />
as lágrimas de Maria.<<strong>br</strong> />
Como se pedisse perdão por tê-la maltratado até então,<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou-a fortemente.<<strong>br</strong> />
Tatsuo, Takuya e até mesmo Kunio se sentiram bem pelo<<strong>br</strong> />
fato de não existir mais nenhum obstáculo que separava <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
de Maria.<<strong>br</strong> />
- Fiquei muito <strong>com</strong>ovida... Maria realmente amava as<<strong>br</strong> />
flores. Ela estava triste por ter que destruir os crisântemos<<strong>br</strong> />
que cuidara <strong>com</strong> tanto carinho. Naquele momento, cheguei à<<strong>br</strong> />
conclusão de que ela era digna de confiança, que era uma<<strong>br</strong> />
moça que vivia no mesmo mundo... Esqueci-me<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>pletamente de que ela era <strong>br</strong>asileira e decidi recebê-la<<strong>br</strong> />
em casa, <strong>com</strong>o nora e esposa de Tatsuo.<<strong>br</strong> />
- Que ótimo!<<strong>br</strong> />
- Maria também ficou muito contente... E, sem reclamar,<<strong>br</strong> />
aceitou fazer as coisas de casa. Para nós, Maria era muito<<strong>br</strong> />
mais japonesa que Midori.<<strong>br</strong> />
Quando Tatsuo e Maria passaram a morar conosco, quem<<strong>br</strong> />
ficou mais feliz foi a mamãe. Maria era muito carinhosa <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a mamãe. Logo depois, nasceu um menino... E mamãe ficou<<strong>br</strong> />
realmente muito feliz por ter podido ver o seu bisneto...<<strong>br</strong> />
Embora existisse a casa principal da família Takakura, e<<strong>br</strong> />
- 389 -
casas separadas para as famílias de Tatsuo e Kunio, reinava<<strong>br</strong> />
um ambiente de harmonia entre eles, pois constituíam uma<<strong>br</strong> />
grande família.<<strong>br</strong> />
Era época de colheita de batatas no Brasil. Todos os que<<strong>br</strong> />
podiam trabalhar estavam na plantação e Shizu ficara a cuidar<<strong>br</strong> />
o dia todo do seu bisneto, ainda bebê.<<strong>br</strong> />
Naquela tarde, quando <strong>Haru</strong> voltou para casa um pouco<<strong>br</strong> />
mais cedo, o bebê dormia <strong>com</strong>o um anjo na cadeira da<<strong>br</strong> />
varanda. Shizu também adormecera a seu lado, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />
estivesse a lhe fazer <strong>com</strong>panhia.<<strong>br</strong> />
O sol se punha no horizonte, na imensidão do solo<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileiro.<<strong>br</strong> />
Shizu havia adormecido para sempre, naturalmente.<<strong>br</strong> />
- Parecia estar sorrindo. Como papai, morreu no auge da<<strong>br</strong> />
felicidade. Tive a impressão de que uma era havia chegado<<strong>br</strong> />
ao fim.<<strong>br</strong> />
Um quarto de século já se passara desde a morte de Shizu.<<strong>br</strong> />
Já era quase de manhã, o início de um novo dia nas termas<<strong>br</strong> />
de Hakone. <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> haviam passado a noite conversando.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> ficara triste <strong>com</strong> a notícia da morte de Shizu, mas<<strong>br</strong> />
para ela, que não pôde presenciar nem a morte do pai e nem<<strong>br</strong> />
a da mãe, foi um alívio saber que nenhum dos dois morreu<<strong>br</strong> />
após enfrentar longa doença, e que encontraram a morte num<<strong>br</strong> />
período feliz de suas vidas.<<strong>br</strong> />
- Porém, não pudemos fazê-la voltar para o Japão...<<strong>br</strong> />
- 390 -
- De que adiantaria tê-la feito voltar para o Japão? Ela<<strong>br</strong> />
foi feliz porque estava no Brasil e viveu cercada do carinho<<strong>br</strong> />
dos familiares.<<strong>br</strong> />
- Eu também queria voltar para o Japão. Takuya faleceu<<strong>br</strong> />
no ano passado. Os netos cresceram e não necessitavam mais<<strong>br</strong> />
dos meus cuidados. Assim, fiquei livre de todo o peso que<<strong>br</strong> />
carregava nas costas. Então, tive uma vontade terrível de<<strong>br</strong> />
voltar para o Japão. Coincidentemente, o filho caçula de<<strong>br</strong> />
Kunio, Yamato, que veio <strong>com</strong>igo e que pratica judô desde<<strong>br</strong> />
pequeno, quis vir estudar e praticar judô numa faculdade do<<strong>br</strong> />
Japão, onde havia sido aceito. A família, que era contra o<<strong>br</strong> />
fato de eu vir sozinha para cá, permitiu que eu viesse desde<<strong>br</strong> />
que a<strong>com</strong>panhada por Yamato... Sozinha, eu nunca teria<<strong>br</strong> />
conseguido encontrá-la aqui.<<strong>br</strong> />
Embora não tivesse ouvido falar dele, Yamato, que dormia<<strong>br</strong> />
no quarto vizinho, acordou e disse:<<strong>br</strong> />
- Achei estranho, pois despertei e ouvi vozes. Ainda estão<<strong>br</strong> />
conversando? Já vai amanhecer! - disse Yamato,<<strong>br</strong> />
espreguiçando-se, pois parecia que o corpo ainda não havia<<strong>br</strong> />
despertado <strong>com</strong>pletamente.<<strong>br</strong> />
- Nós nos encontramos após 70 anos de separação...<<strong>br</strong> />
Queremos saber, o mais rápido possível, de que maneira cada<<strong>br</strong> />
uma so<strong>br</strong>eviveu até agora. Então, não queríamos desperdiçar<<strong>br</strong> />
o tempo.<<strong>br</strong> />
- Mas, que bom que nos encontramos ainda <strong>com</strong> saúde!<<strong>br</strong> />
A mana já está <strong>com</strong> 80 anos, não é?<<strong>br</strong> />
- Por estar <strong>com</strong> 80 anos é que pude tomar a decisão de<<strong>br</strong> />
- 391 -
vir para o Japão. Achei que restava pouco tempo... E o sr.<<strong>br</strong> />
Yamabe?...<<strong>br</strong> />
- Já morreu. Este ano fizemos uma cerimônia budista<<strong>br</strong> />
pelo 16°. aniversário de seu falecimento... Ele morreu no<<strong>br</strong> />
melhor período da bolha econômica... Acho que foi feliz,<<strong>br</strong> />
sem ter visto a queda da economia.<<strong>br</strong> />
- Mas você tem dois filhos maravilhosos... E ainda, é<<strong>br</strong> />
presidente da Indústria de Doces Hokuô. Não tem a vida<<strong>br</strong> />
sossegada <strong>com</strong>o a minha... Volto para o Brasil tranqüila em<<strong>br</strong> />
saber que você está bem. Porém, eu gostaria de me encontrar,<<strong>br</strong> />
pelo menos uma vez, <strong>com</strong> seus filhos.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> apenas desejava que <strong>Natsu</strong> pudesse ter um final feliz.<<strong>br</strong> />
E, muito embora nada fosse mudar, ela queria ter a<<strong>br</strong> />
oportunidade de conhecer os filhos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Acho melhor não encontrá-los. Você poderá se sentir<<strong>br</strong> />
mal. Atualmente, muitos nisseis e sanseis do Brasil estão<<strong>br</strong> />
vindo trabalhar no Japão <strong>com</strong>o decasséguis, não é? Então, se<<strong>br</strong> />
eu disser para os meus filhos que vocês vieram do Brasil<<strong>br</strong> />
para me encontrar, <strong>com</strong> certeza, pensarão que vieram<<strong>br</strong> />
contando <strong>com</strong>igo para trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis. Os meus<<strong>br</strong> />
filhos são assim.<<strong>br</strong> />
- Para os japoneses, aqueles que emigraram para o Brasil<<strong>br</strong> />
têm a imagem de pessoas miseráveis que não conseguiram<<strong>br</strong> />
viver no Japão e foram ganhar a vida lá, não é? Ninguém<<strong>br</strong> />
sabe <strong>com</strong> que sentimento batalhamos no Brasil...<<strong>br</strong> />
- Todos esqueceram o Japão da época da miséria. Eu<<strong>br</strong> />
também só fiquei sabendo da vida dos que emigraram para o<<strong>br</strong> />
- 392 -
Brasil agora, que ouvi as suas histórias.<<strong>br</strong> />
- Você entendeu porque não pude vir ao Japão procurála?<<strong>br</strong> />
- Sim. -<strong>Natsu</strong> aquiesceu em lágrimas, abaixando a cabeça<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o uma criança.<<strong>br</strong> />
- O<strong>br</strong>igada... Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
- Foi bom tê-la encontrado e saber que ainda era amada<<strong>br</strong> />
por você. Foi de fato a minha salvação. Muito o<strong>br</strong>igada, mana.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> buscaram as mãos uma da outra e as<<strong>br</strong> />
seguraram <strong>com</strong> firmeza.<<strong>br</strong> />
Ao voltarem para o hotel em Tóquio, a recepcionista deulhes<<strong>br</strong> />
boas-vindas <strong>com</strong> sorrisos e entregou um envelope junto<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a chave.<<strong>br</strong> />
- Chegou uma carta para a senhora.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />
Ao verificar o remetente, <strong>Haru</strong> olhou alegremente para<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong>. Era uma carta que chegara do Brasil via aérea.<<strong>br</strong> />
Ao a<strong>br</strong>ir o envelope, encontrou o cartão <strong>com</strong> uma foto.<<strong>br</strong> />
- É uma fotografia da família. "Feliz aniversário! Com<<strong>br</strong> />
muito amor, da família." Depois de amanhã é meu aniversário,<<strong>br</strong> />
e por isso, eles me mandaram...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> mostrou a foto para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Esta é a minha família.<<strong>br</strong> />
- Nossa! São quantas pessoas?<<strong>br</strong> />
- Estes são Tatsuo e Maria... Estes são os três filhos do<<strong>br</strong> />
Tatsuo, as mulheres dos filhos e o marido da filha. Esses dois<<strong>br</strong> />
- 393 -
são os netos do Tatsuo, ou seja, meus bisnetos...<<strong>br</strong> />
- Ah, mana! Você tem até bisnetos...<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> já estava próxima de <strong>com</strong>pletar 81 anos, idade em<<strong>br</strong> />
que Shizu falecera, dormindo junto ao bisneto que acabara<<strong>br</strong> />
de nascer.<<strong>br</strong> />
- Este é o casal Kunio e Midori e sua família. Yamato<<strong>br</strong> />
está aqui, por isso não está na fotografia.<<strong>br</strong> />
- Todos moram juntos?<<strong>br</strong> />
- Sim, pois trabalham na nossa fazenda. Cada um tem<<strong>br</strong> />
sua casa no mesmo terreno... Porém, fazemos as refeições<<strong>br</strong> />
juntos, na minha casa. Maria cozinha para todos nós. Midori,<<strong>br</strong> />
mulher do Kunio, <strong>com</strong> o passar do tempo, <strong>com</strong>eçou a ajudála<<strong>br</strong> />
nos afazeres domésticos. Ela trabalha na fazenda também...<<strong>br</strong> />
Houve muitos altos e baixos até que as famílias dos dois<<strong>br</strong> />
filhos e <strong>Haru</strong> viessem a constituir uma verdadeira família. Se<<strong>br</strong> />
não transpusessem obstáculos e uns não ajudassem os outros,<<strong>br</strong> />
não teria sido possível desempenhar os papéis de fazendeira,<<strong>br</strong> />
dona de casa e mãe.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> ainda pretendia continuar trabalhando enquanto<<strong>br</strong> />
pudesse mexer seu corpo. O fato de poder trabalhar lhe<<strong>br</strong> />
agradava. O trabalho estava estampado tanto no corpo, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
em sua alma.<<strong>br</strong> />
- Que bom, você vive cercada por uma família tão<<strong>br</strong> />
grande... E todos a cumprimentam pelo seu aniversário... No<<strong>br</strong> />
Japão, já não existem pessoas tão felizes assim.<<strong>br</strong> />
- Se você conseguir tempo livre, vá ao Brasil.<<strong>br</strong> />
Yamato imediatamente acrescentou:<<strong>br</strong> />
- 394 -
- Sim, é isso mesmo. Todos lhe darão boas-vindas. Vá<<strong>br</strong> />
sem falta...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> estava profundamente emocionada. A certeza de<<strong>br</strong> />
ser bem recebida aqueceu seu coração.<<strong>br</strong> />
- Mana, o<strong>br</strong>igada por ter me procurado. Sou-lhe muito<<strong>br</strong> />
grata. Viva muitos anos, gozando de boa saúde.<<strong>br</strong> />
- Quero que você também esteja bem. Quando tiver tempo<<strong>br</strong> />
vá ao Brasil sem falta. Estarei aguardando.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> segurou a mão de <strong>Haru</strong>, no lugar da resposta. Os<<strong>br</strong> />
seus olhos estavam cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />
Eram <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, uma <strong>com</strong> 80 e a outra <strong>com</strong> 78 anos.<<strong>br</strong> />
Quando será que as duas irmãs, que se reencontraram após<<strong>br</strong> />
70 anos, poderiam se ver novamente?<<strong>br</strong> />
No dia em que <strong>Haru</strong> partia do Japão, Yamato<<strong>br</strong> />
a<strong>com</strong>panhou-a até o saguão de embarque do Aeroporto de<<strong>br</strong> />
Narita.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada, Yamato. Graças a você, pude me<<strong>br</strong> />
encontrar <strong>com</strong> a <strong>Natsu</strong>. Não pude realizar o sonho de viver<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> ela no Japão, mas pude revê-la. A vovó, também, já não<<strong>br</strong> />
tem mais nada a desejar nesta vida. Você, Yamato, veio<<strong>br</strong> />
praticando judô, dizendo que queria viver <strong>com</strong>o japonês no<<strong>br</strong> />
Japão, para realizar o desejo do seu avô. A vovó também<<strong>br</strong> />
pensava em passar o resto de seus dias <strong>com</strong>o japonesa, no<<strong>br</strong> />
Japão. Mas, cheguei à conclusão de que gosto do Brasil...<<strong>br</strong> />
Quero viver no Brasil, cercada por todos. Eu vou ser <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />
Quero que meus restos sejam enterrados naquela terra.<<strong>br</strong> />
Despertou-me esse sentimento depois que vim ao Japão. Por<<strong>br</strong> />
- 395 -
isso, Yamato, quando terminar a faculdade, volte ao Brasil.<<strong>br</strong> />
Volte sem falta!<<strong>br</strong> />
O jovem Yamato aceitou sorrindo essa mudança de<<strong>br</strong> />
disposição de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />
Após observar o avião em que <strong>Haru</strong> havia embarcado<<strong>br</strong> />
levantar vôo no Aeroporto de Narita, Yamato se afastou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
passos firmes. A partir daquele momento ele viveria sozinho<<strong>br</strong> />
no Japão.<<strong>br</strong> />
No avião, a <strong>com</strong>issária de bordo estava distribuindo a<<strong>br</strong> />
edição vespertina do jornal, que acabara de ser impresso. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
pediu um exemplar e a<strong>br</strong>iu suas páginas, prendendo a<<strong>br</strong> />
respiração ao ver a manchete da primeira página <strong>com</strong> a foto<<strong>br</strong> />
de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />
"Indústria de Doces Hokuô, grande empresa fa<strong>br</strong>icante<<strong>br</strong> />
de doces, é incorporada pela Laticínios Shirakaba. Com um<<strong>br</strong> />
passivo de 18 bilhões de ienes, trata-se, na realidade, de uma<<strong>br</strong> />
falência..."<<strong>br</strong> />
Numa sala reservada de um restaurante japonês luxuoso,<<strong>br</strong> />
no centro de Tóquio, estavam reunidas algumas pessoas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> entrou na sala, conduzida pela funcionária do<<strong>br</strong> />
restaurante. Cumprimentou dois senhores de idade que<<strong>br</strong> />
estavam à sua espera. Ela apoiou suas mãos no chão de tatami<<strong>br</strong> />
e abaixou a cabeça profundamente.<<strong>br</strong> />
- Desculpe-me pelo incômodo causado.<<strong>br</strong> />
- Deixe disso... Felizmente, tudo terminou bem. - disse<<strong>br</strong> />
- 396 -
Kinta, num tom de voz para confortar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
- Muito o<strong>br</strong>igada mesmo! Se não fossem vocês, Kinta e<<strong>br</strong> />
Tsutomu, não sei o que teria acontecido... Se vocês não fossem<<strong>br</strong> />
o Presidente do Conselho e Conselheiro da Laticínios<<strong>br</strong> />
Shirakaba... Graças a Deus, fui salva.<<strong>br</strong> />
- Por mais que tenhamos poderes, não poderíamos fazer<<strong>br</strong> />
algo impossível. A Indústria de Doces Hokuô possui uma<<strong>br</strong> />
grande rede de vendas. Conta <strong>com</strong> funcionários exemplares,<<strong>br</strong> />
capazes de desenvolver produtos que sempre fazem sucesso.<<strong>br</strong> />
Na reunião de diretoria da nossa empresa, concluiu-se que<<strong>br</strong> />
teríamos vantagem na absorção da sua empresa, mesmo<<strong>br</strong> />
arcando <strong>com</strong> a dívida de 18 bilhões de ienes... Você, <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
construiu tudo isso.<<strong>br</strong> />
- Mas, realmente, foi um susto. Não imaginava que sua<<strong>br</strong> />
empresa estivesse tão ruim assim. - disse Tsutomu, <strong>com</strong> pesar.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> esteve sempre na vanguarda, agindo de forma<<strong>br</strong> />
calculada, o que causara inclusive a saída de Tsutomu e Kinta.<<strong>br</strong> />
- Quase todas as empresas que faliram e que estão<<strong>br</strong> />
solicitando os benefícios da lei de recuperação empresarial<<strong>br</strong> />
investiram, na época da bolha econômica, em outros setores<<strong>br</strong> />
que não eram a sua especialidade. Depois da que<strong>br</strong>a da bolha<<strong>br</strong> />
econômica, esses investimentos estão acabando <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />
empresas. Sua empresa também investiu em campos de golfe<<strong>br</strong> />
e hotéis de lazer, não é? Mesmo uma empresária <strong>com</strong> visão<<strong>br</strong> />
de futuro <strong>com</strong>o você, <strong>Natsu</strong>, foi ludi<strong>br</strong>iada pela bolha<<strong>br</strong> />
econômica.<<strong>br</strong> />
- A razão foi ter mimado demais os meus filhos. - <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />
- 397 -
disse <strong>com</strong> amargura.<<strong>br</strong> />
O pai do Teruhiko, o primogênito, era George e Kimihiko<<strong>br</strong> />
era filho de Yamabe.<<strong>br</strong> />
Quando Kimihiko <strong>com</strong>eçou a administrar um campo de<<strong>br</strong> />
golfe, <strong>Natsu</strong> foi totalmente contra. Entretanto, Yamabe, que<<strong>br</strong> />
tinha adoração pelo seu filho, juntou-se a ele.<<strong>br</strong> />
Então, Teruhiko <strong>com</strong>eçou a planejar a construção de um<<strong>br</strong> />
hotel de lazer. Com pena do filho que não queria perder do<<strong>br</strong> />
irmão mais novo, <strong>Natsu</strong> não teve alternativa senão concordar.<<strong>br</strong> />
Os dois filhos de pais diferentes disputavam entre si.<<strong>br</strong> />
Apesar de ter dúvidas so<strong>br</strong>e a capacidade administrativa dos<<strong>br</strong> />
filhos, <strong>Natsu</strong> não podia imaginar que a bolha econômica<<strong>br</strong> />
que<strong>br</strong>aria e colocaria numa situação tão crítica a Indústria de<<strong>br</strong> />
Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />
Por mais que se arrependesse, a única coisa que poderia<<strong>br</strong> />
dizer é que ela própria mimara os filhos. E as coisas<<strong>br</strong> />
assumiram um nível de tamanha gravidade que já não bastava<<strong>br</strong> />
assumir a responsabilidade, demitindo-se da presidência da<<strong>br</strong> />
empresa.<<strong>br</strong> />
Queria evitar, pelo menos, a falência, que levaria os<<strong>br</strong> />
funcionários a serem demitidos. Por isso, fora pedir ajuda à<<strong>br</strong> />
concorrente, Laticínios Shirakaba. A empresa construída por<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> passaria para mãos alheias por ela mesma.<<strong>br</strong> />
- Na verdade teria sido a falência total da empresa, mas<<strong>br</strong> />
graças a vocês, Kinta e Tsutomu, a empresa foi absorvida<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> todo o passivo. Nem sei <strong>com</strong>o lhes agradecer.<<strong>br</strong> />
- E você, <strong>Natsu</strong>, o que pretende fazer? A sua casa também<<strong>br</strong> />
- 398 -
está hipotecada. - disse Kinta, franzindo as so<strong>br</strong>ancelhas,<<strong>br</strong> />
preocupado.<<strong>br</strong> />
- Eu sei disso.<<strong>br</strong> />
-E seus filhos...?<<strong>br</strong> />
- Com esse acontecimento, acho que despertaram e<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preenderam que não podem viver eternamente na moleza.<<strong>br</strong> />
Pelo menos, deixei alguma coisa para eles poderem <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />
de novo. - <strong>Natsu</strong> riu, <strong>com</strong> vergonha de ainda estar mimando<<strong>br</strong> />
os filhos.<<strong>br</strong> />
A fusão das empresas estava sendo negociada de forma<<strong>br</strong> />
reservada <strong>com</strong> a Laticínios Shirakaba. Os únicos que tinham<<strong>br</strong> />
conhecimento do assunto eram a cúpula administrativa das<<strong>br</strong> />
duas empresas.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> entendeu que a presença dos dois filhos na empresa<<strong>br</strong> />
seria um empecilho para a fusão e fez <strong>com</strong> que eles saíssem<<strong>br</strong> />
da administração da matriz da Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />
Tanto Teruhiko quanto Kimihiko tomariam conhecimento da<<strong>br</strong> />
novidade por meio da imprensa.<<strong>br</strong> />
Estavam tranqüilos por não terem conhecimento da<<strong>br</strong> />
situação difícil da empresa, mas se os dois filhos, que<<strong>br</strong> />
reclamavam da frieza da mãe, pudessem deixar de serem<<strong>br</strong> />
mimados e passassem a viver de acordo <strong>com</strong> a realidade,<<strong>br</strong> />
cuidando das respectivas famílias, <strong>Natsu</strong> ficaria bem.<<strong>br</strong> />
- Se você não está bem <strong>com</strong> seus filhos, nem vai dar para<<strong>br</strong> />
viver <strong>com</strong> eles, não é?<<strong>br</strong> />
- Não estou contando <strong>com</strong> eles. Quem vai querer cuidar<<strong>br</strong> />
de uma mãe que não tem nenhum dinheiro? Eles também<<strong>br</strong> />
- 399 -
têm esposas para cuidar...<<strong>br</strong> />
- <strong>Natsu</strong>... - Tsutomu não encontrava palavras adequadas<<strong>br</strong> />
para prosseguir.<<strong>br</strong> />
- Não se preocupe <strong>com</strong>igo, não quero depender de<<strong>br</strong> />
ninguém. Sempre vivi sozinha desde a infância. Estou<<strong>br</strong> />
acostumada a ser só. É só voltar novamente à solidão.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> sorriu tranqüilamente, <strong>com</strong>o se estivesse contando<<strong>br</strong> />
um segredo.<<strong>br</strong> />
Tanto Kinta quanto Tsutomu conheciam <strong>Natsu</strong> desde a<<strong>br</strong> />
idade de sete ou oito anos, época em que ela havia ido morar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> Tokuji. Quando ele morreu, <strong>Natsu</strong> ficara solitária. Mas,<<strong>br</strong> />
naquela ocasião, eles estavam lá para apoiá-la. O mesmo<<strong>br</strong> />
poderia ocorrer a partir de agora...<<strong>br</strong> />
Kinta e Tsutomu engoliram as palavras que quase estavam<<strong>br</strong> />
para dizer.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> não aceitaria gestos de simpatia ou <strong>com</strong>paixão.<<strong>br</strong> />
Com certeza ela iria rebatê-las. Ela sempre vivera assim, desde<<strong>br</strong> />
antigamente. Era uma mulher que conduzira a vida dessa<<strong>br</strong> />
forma.<<strong>br</strong> />
Caminhões de mudança saíram da luxuosa mansão dos<<strong>br</strong> />
Yamabe, situada num elegante bairro residencial de Tóquio.<<strong>br</strong> />
Despedindo-se de sua mudança, <strong>Natsu</strong> pôs-se de pé, em frente<<strong>br</strong> />
à sua residência, de forma pensativa.<<strong>br</strong> />
- Está de mudança?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> virou-se assustada.<<strong>br</strong> />
- Yamato?<<strong>br</strong> />
- 400 -
- Ah... Indo à falência, perde-se até a casa!<<strong>br</strong> />
- Então, você sabia... Entre, por favor.<<strong>br</strong> />
Seguindo <strong>Natsu</strong>, Yamato entrou na casa e olhou para o<<strong>br</strong> />
espaço vazio. Justamente por ser uma casa grande, era<<strong>br</strong> />
possível sentir ainda mais o vazio.<<strong>br</strong> />
- Desfiz-me dos móveis e utensílios, deixando apenas<<strong>br</strong> />
alguns pertences pessoais. Foi bastante difícil, mas voltei à<<strong>br</strong> />
vida sem nada de antigamente. Agora estou aliviada...<<strong>br</strong> />
Ela não estava se gabando. Cargos, responsabilidades,<<strong>br</strong> />
bens, cuidado <strong>com</strong> a vida dos funcionários, o fato de ter tudo<<strong>br</strong> />
isso, significava pesos adicionais em seus om<strong>br</strong>os.<<strong>br</strong> />
De repente, <strong>Natsu</strong> se deu conta e acrescentou:<<strong>br</strong> />
- Mas, por favor, não diga nada a sua avó. Não quero<<strong>br</strong> />
preocupá-la. É que eu também tenho orgulho próprio. Quis<<strong>br</strong> />
me despedir da sua avó na qualidade de presidente da Indústria<<strong>br</strong> />
de Doces Hokuô. Ela estava muito satisfeita. Acho que é<<strong>br</strong> />
melhor assim.<<strong>br</strong> />
- O que vai fazer agora?<<strong>br</strong> />
- Não é a primeira vez que vou <strong>com</strong>eçar do nada, na<<strong>br</strong> />
po<strong>br</strong>eza. Não se preocupe. - disse <strong>Natsu</strong>, dando um tapinha<<strong>br</strong> />
nas costas de Yamato.<<strong>br</strong> />
- A senhora não vai viver <strong>com</strong> seus filhos?<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> não respondeu. Yamato não se conformava por<<strong>br</strong> />
saber que o silêncio era a sua resposta.<<strong>br</strong> />
- Não é a sua família...?<<strong>br</strong> />
- Aqui é diferente do Brasil.<<strong>br</strong> />
Yamato procurou algo no seu bolso.<<strong>br</strong> />
- 401 -
- A vovó mandou uma carta para a senhora e pediu-me<<strong>br</strong> />
que lhe entregasse...<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> olhou a carta, um tanto incrédula.<<strong>br</strong> />
- A vovó sabe de tudo. Ela disse que leu no jornal, no<<strong>br</strong> />
avião de volta para o Brasil.<<strong>br</strong> />
Acenando positivamente <strong>com</strong> a cabeça, <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a<<strong>br</strong> />
carta.<<strong>br</strong> />
"Enfim, <strong>Natsu</strong>, chegou a hora de você vir para o<<strong>br</strong> />
Brasil. Há 70 anos, quando a deixamos sozinha no<<strong>br</strong> />
Japão, vivi <strong>com</strong> todas as minhas forças, sempre<<strong>br</strong> />
sonhando em poder encontrá-la. Parece que esse dia<<strong>br</strong> />
chegou.<<strong>br</strong> />
Você já não está presa à empresa. Já cumpriu<<strong>br</strong> />
seu papel de mãe perante seus filhos. Você está livre.<<strong>br</strong> />
Por favor, <strong>Natsu</strong>, deixe-me <strong>com</strong>pensar os 70 anos em<<strong>br</strong> />
que a deixei abandonada.<<strong>br</strong> />
Na verdade, era para nós termos vindo juntas<<strong>br</strong> />
para o Brasil há 70 anos, sofrido juntas e fundado a<<strong>br</strong> />
atual Flora Takakura. Por isso, você não deixa de<<strong>br</strong> />
ser mem<strong>br</strong>o da família Takakura. Todos aqui<<strong>br</strong> />
entenderam meus sentimentos e estão ansiosos para<<strong>br</strong> />
recebê-la. Querem que você venha viver no Brasil e<<strong>br</strong> />
fazer parte da nossa família.<<strong>br</strong> />
Não precisa trazer nada do Japão, venha só <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
a roupa do corpo e o mais rápido possível. Estou<<strong>br</strong> />
esperando. Ou melhor, toda a família está<<strong>br</strong> />
- 402 -
esperando."<<strong>br</strong> />
Na casa da família Takakura, no subúrbio de São Paulo,<<strong>br</strong> />
Midori, esposa de Kunio e as netas estão trabalhando, entre a<<strong>br</strong> />
cozinha e a sala. Parece que vão servir iguarias preparadas<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> todo empenho.<<strong>br</strong> />
<strong>Natsu</strong> saiu da área restrita do Aeroporto Internacional de<<strong>br</strong> />
São Paulo. De repente, pára de caminhar. Avistou no meio<<strong>br</strong> />
das pessoas que vieram receber os passageiros, um homem<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> um cartaz escrito "NATSU YAMABE". <strong>Natsu</strong> se<<strong>br</strong> />
lem<strong>br</strong>ou de tê-lo visto na foto que <strong>Haru</strong> lhe mostrara.<<strong>br</strong> />
- Você é o Tatsuo?<<strong>br</strong> />
-Sim!<<strong>br</strong> />
Tatsuo, o primogênito de <strong>Haru</strong>, e sua esposa Maria,<<strong>br</strong> />
haviam vindo buscá-la. O rosto de Nastu se a<strong>br</strong>iu num grande<<strong>br</strong> />
sorriso.<<strong>br</strong> />
São Paulo é uma grande metrópole. O automóvel dirigido<<strong>br</strong> />
por Tatsuo percorria as grandes avenidas por onde trafegavam<<strong>br</strong> />
muitos veículos. <strong>Natsu</strong> contemplava a paisagem pela janela<<strong>br</strong> />
do carro, incansavelmente.<<strong>br</strong> />
Se tivesse chegado há 70 anos, certamente veria uma<<strong>br</strong> />
cidade <strong>com</strong>pletamente diferente.<<strong>br</strong> />
- Mana, enfim cheguei. Viverei <strong>com</strong> você no Brasil. Esse<<strong>br</strong> />
era o meu sonho. Estou <strong>com</strong> sete anos novamente...<<strong>br</strong> />
Recuperarei, a partir de agora, todo aquele tempo que eu<<strong>br</strong> />
- 403 -
deveria ter vivido no Brasil, junto <strong>com</strong> você, mana...<<strong>br</strong> />
O automóvel onde estava <strong>Natsu</strong> tomou o rumo da Flora<<strong>br</strong> />
Takakura.<<strong>br</strong> />
Na parede da sala da casa da família Takakura, havia uma<<strong>br</strong> />
faixa onde estava escrito "Seja bem-vinda, <strong>Natsu</strong>", junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
as bandeiras do Japão e Brasil. Diversos pratos <strong>com</strong> iguarias<<strong>br</strong> />
estavam colocados so<strong>br</strong>e a mesa.<<strong>br</strong> />
<strong>Haru</strong> estava profundamente agradecida a todos da família.<<strong>br</strong> />
Tatsuo, Kunio e todos os filhos, enfim, toda a família Takakura<<strong>br</strong> />
estava para dar, de coração, as boas-vindas à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />
Ouviu-se o barulho do motor do carro lá fora e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />
estremeceu.<<strong>br</strong> />
- Vovó, ela chegou!<<strong>br</strong> />
Kunio apertou o om<strong>br</strong>o da mãe.<<strong>br</strong> />
Os olhos de <strong>Haru</strong> estavam úmidos, transbordando de<<strong>br</strong> />
alegria.<<strong>br</strong> />
- 404 -
Posfácio do tradutor<<strong>br</strong> />
A minissérie <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> - As cartas que não chegaram<<strong>br</strong> />
- produção <strong>com</strong>emorativa do 80°. aniversário do início das<<strong>br</strong> />
transmissões da NHK - Rádio e TV do Japão (NHK), levou<<strong>br</strong> />
cerca de cinco anos desde a aprovação do projeto até a sua<<strong>br</strong> />
transmissão simultânea para as audiências japonesa e<<strong>br</strong> />
<strong>br</strong>asileira, por cinco dias consecutivos, de 2 a 6 de outu<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />
de 2005. No Japão, a audiência alcançou mais de 18%, um<<strong>br</strong> />
recorde para este tipo de programa.<<strong>br</strong> />
Comecei a participar do projeto a partir de meados de<<strong>br</strong> />
2003, inicialmente <strong>com</strong>o advogado da NHK nas negociações<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a produtora <strong>br</strong>asileira Casablanca, que iria auxiliar a parte<<strong>br</strong> />
japonesa nas filmagens que ocorreriam no Brasil. A equipe<<strong>br</strong> />
do meu escritório colaborou na elaboração dos contratos que<<strong>br</strong> />
iriam nortear os trabalhos de pesquisa, filmagem, contratação<<strong>br</strong> />
de atores e figurantes, parte artística e outros assuntos afins.<<strong>br</strong> />
Diversas outras entidades e pessoas físicas, tanto no Brasil<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>o no Japão, participaram intensamente da parte<<strong>br</strong> />
preparatória das pesquisas, coleta de materiais e<<strong>br</strong> />
reconhecimento de locais onde aconteceriam as filmagens.<<strong>br</strong> />
Enquanto isso, a elaboração do roteiro da minissérie estava<<strong>br</strong> />
em andamento. Nesse meio tempo, a<strong>com</strong>panhados de outros<<strong>br</strong> />
mem<strong>br</strong>os da equipe, houve a visita dos senhores Koji<<strong>br</strong> />
Kanazawa, Yasuhiro Abe e Mineyo Sato, produtores e<<strong>br</strong> />
diretores da NHK ao Brasil para conhecerem as diversas<<strong>br</strong> />
localidades onde haveria a filmagem da parte <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />
- 405 -
inclusive a Fazenda Tozan de Campinas, que acabaria<<strong>br</strong> />
sediando a maior parte da produção no Brasil. Fiquei muito<<strong>br</strong> />
feliz por ser um dos idealizadores da sugestão daquele local<<strong>br</strong> />
e também pelos serviços que viriam a ser prestados pelo<<strong>br</strong> />
Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, de cuja<<strong>br</strong> />
Comissão de Administração faço parte há quinze anos. Não<<strong>br</strong> />
poderia deixar de mencionar a colaboração prestada pela sua<<strong>br</strong> />
mantenedora, a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa,<<strong>br</strong> />
que criou especialmente o Comitê de Apoio à <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />
que prestou serviços relevantes para o sucesso do projeto,<<strong>br</strong> />
destacando-se, dentre outras atividades, a coordenação de<<strong>br</strong> />
voluntários da <strong>com</strong>unidade nipo-<strong>br</strong>asileira que atuaram <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />
figurantes, chegando a mobilizar cerca de mil pessoas.<<strong>br</strong> />
Uma vez elaborado o roteiro, havia a necessidade de<<strong>br</strong> />
traduzi-lo para a língua portuguesa, a fim de possibilitar à<<strong>br</strong> />
equipe <strong>br</strong>asileira o conhecimento do seu conteúdo. O trabalho<<strong>br</strong> />
coube à equipe de tradutores nipo-<strong>br</strong>asileiros residentes em<<strong>br</strong> />
Tóquio, sob a coordenação de Kyoko Tsukamoto. Terminada<<strong>br</strong> />
a tradução, coube a mim, por solicitação da NHK, o trabalho<<strong>br</strong> />
de revisão do texto produzido, que, aliás, facilitou a tradução<<strong>br</strong> />
do presente livro, que constitui a prosa narrativa do roteiro<<strong>br</strong> />
da minissérie.<<strong>br</strong> />
Tenho dito sempre que o trabalho de tradução não é um<<strong>br</strong> />
trabalho fácil de ser executado. Mais difícil ainda é rever o<<strong>br</strong> />
trabalho realizado por outras pessoas. Felizmente, pude contar<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong> a <strong>com</strong>preensão dos tradutores, que acataram minhas<<strong>br</strong> />
sugestões e eis que finalmente, o roteiro bilíngüe foi<<strong>br</strong> />
- 406 -
concluído. O roteiro bilíngüe pode ser considerado um<<strong>br</strong> />
trabalho pioneiro de projeto cultural entre o Brasil e o Japão,<<strong>br</strong> />
pois a filmagem da minissérie é um trabalho inédito na história<<strong>br</strong> />
do intercâmbio cultural entre os dois países.<<strong>br</strong> />
Enquanto traduzia o livro, tive mais um contato <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />
roteiro do primeiro capítulo da minissérie, pois era preciso<<strong>br</strong> />
preparar sua legenda para a apresentação no Festival de<<strong>br</strong> />
Imagens da NHK, a ser realizado em quatro cidades: Londrina,<<strong>br</strong> />
Campinas, São Paulo e Brasília, durante o mês de novem<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />
de 2005. A tradução da legenda foi preparada por Nilva<<strong>br</strong> />
Kurotsu e além de mim, participaram da revisão, Toru Iwasaki<<strong>br</strong> />
e Kyoko Tsukamoto.<<strong>br</strong> />
Uma primeira versão do que seria o livro que acabo de<<strong>br</strong> />
traduzir, me foi apresentada em fins de julho pela NHK<<strong>br</strong> />
Publishing Co. Ltd., <strong>com</strong> lançamento previsto para fins de<<strong>br</strong> />
setem<strong>br</strong>o deste ano. Achei ser da maior importância apresentar<<strong>br</strong> />
o conteúdo deste livro para os leitores <strong>br</strong>asileiros, porquanto<<strong>br</strong> />
nem todos poderiam ter acesso aos quatro capítulos restantes<<strong>br</strong> />
da minissérie, cuja legenda ainda não está programada.<<strong>br</strong> />
Apressei-me, então, a contatar o Escritório Sakai, agente da<<strong>br</strong> />
NHK Publishing Co., Ltd., a fim de obter os direitos de<<strong>br</strong> />
tradução para a língua portuguesa.<<strong>br</strong> />
Comecei, simultaneamente, os trabalhos de tradução <strong>com</strong><<strong>br</strong> />
Sônia Ninomiya, contando <strong>com</strong> a colaboração de Tereza<<strong>br</strong> />
Kamogawa e Helena Tanaka. Não poderia deixar de<<strong>br</strong> />
reconhecer o esforço de Áurea Tanaka na fase final de revisão<<strong>br</strong> />
e uniformização de todos os capítulos. Enfim, não fora o<<strong>br</strong> />
- 407 -
esforço conjugado de todos, não teria sido possível concluir<<strong>br</strong> />
o trabalho num período recorde, em tempo para lançá-lo no<<strong>br</strong> />
Festival de Imagens da NHK, acima mencionado.<<strong>br</strong> />
Este humilde trabalho de tradução, visa levar ao<<strong>br</strong> />
conhecimento do público <strong>br</strong>asileiro e lusófono uma pequena<<strong>br</strong> />
parcela da epopéia vivida pelos imigrantes japoneses no<<strong>br</strong> />
Brasil. Embora já existam outros trabalhos <strong>br</strong>ilhantes, tanto<<strong>br</strong> />
científicos <strong>com</strong>o de ficção, parece haver um consenso quanto<<strong>br</strong> />
à sua importância em ter despertado o público japonês para<<strong>br</strong> />
as <strong>com</strong>emorações do centenário da imigração japonesa para<<strong>br</strong> />
o Brasil, que ocorrerão no decorrer do ano de 2008.<<strong>br</strong> />
Este trabalho foi dedicado à Sra. Tomi Nakagawa, cujo<<strong>br</strong> />
nome dispensa apresentações. Na fase final da elaboração<<strong>br</strong> />
deste livro, participei de forma intensa da história da imigração<<strong>br</strong> />
japonesa, a<strong>com</strong>panhando minha mãe em duas hospitahzações<<strong>br</strong> />
recentes na UTI do Hospital Santa Cruz, ouvindo muitas<<strong>br</strong> />
histórias. Não apenas Matsu Ninomiya, hoje num leito<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>um, aos 82 anos, 51 dos quais vividos no Brasil, mas<<strong>br</strong> />
outros imigrantes também conhecidos e anônimos, buscam a<<strong>br</strong> />
atenção, solidariedade e excelência médica dessa casa de<<strong>br</strong> />
saúde, cuja história se mistura <strong>com</strong> a da imigração japonesa.<<strong>br</strong> />
O hospital foi inaugurado em 1939, época em que se<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>emorava o 30°. aniversário da imigração japonesa no<<strong>br</strong> />
Brasil, materializando os esforços da colônia e da Casa<<strong>br</strong> />
Imperial japonesa, cujo objetivo primordial era oferecer<<strong>br</strong> />
atendimento aos imigrantes japoneses que não conseguiam<<strong>br</strong> />
se <strong>com</strong>unicar em português. Médicos vieram do Japão no<<strong>br</strong> />
- 408 -
início de suas atividades e vários mem<strong>br</strong>os de sua equipe<<strong>br</strong> />
ainda atendem os pacientes em japonês. Assim, gostaria de<<strong>br</strong> />
agradecer o trabalho dessas pessoas que, durante os quase 70<<strong>br</strong> />
anos de existência do hospital, têm se dedicado especialmente<<strong>br</strong> />
aos imigrantes japoneses e seus descendentes.<<strong>br</strong> />
Em vigília no quarto 326 do Hospital Santa Cruz, no dia<<strong>br</strong> />
22 de outu<strong>br</strong>o de 2005.<<strong>br</strong> />
- 409 -<<strong>br</strong> />
Masato Ninomiya
O texto deste livro foi elaborado <strong>com</strong> base no roteiro original<<strong>br</strong> />
utilizado na filmagem da minissérie. Solicita-se a<<strong>br</strong> />
<strong>com</strong>preensão do leitor para o fato de que o conteúdo do livro<<strong>br</strong> />
poder estar ligeiramente diferente da minissérie.<<strong>br</strong> />
- 410 -