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Haru e Natsu - Imigrantesjaponeses.com.br

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Sugako Hashida (pseudônimo de Sugako<<strong>br</strong> />

Iwasaki) nasceu em 1925 em Seul, Coréia, que<<strong>br</strong> />

à época fazia parte do Império do Japão.<<strong>br</strong> />

Formada em Letras pela Universidade Feminina<<strong>br</strong> />

Nippon e em Artes Cênicas pela Universidade<<strong>br</strong> />

de Waseda.<<strong>br</strong> />

Trabalhou <strong>com</strong>o roteirista na Empresa<<strong>br</strong> />

Cinematográfica Shochiku, vindo a ser roteirista<<strong>br</strong> />

autônoma, anos depois.<<strong>br</strong> />

Foi diversas vezes premiada <strong>com</strong> seus roteiros,<<strong>br</strong> />

destacando-se o Prêmio Kan Kikuchi (1984)<<strong>br</strong> />

para seriados de TV, pela o<strong>br</strong>a Oshin, dublada<<strong>br</strong> />

e transmitida para dezenas de países.<<strong>br</strong> />

Masato Ninomiya é Bacharel em Direito e<<strong>br</strong> />

Língua e Literatura japonesa pela Universidade<<strong>br</strong> />

de São Paulo. Mestns e Doutor em Direito<<strong>br</strong> />

pela Universidade de Tóquio. Advogado<<strong>br</strong> />

militante e Professor Doutor da Universidade<<strong>br</strong> />

de São Paulo. ProfessorVisitante da Faculdade<<strong>br</strong> />

de Direito da Universidade deTóquio.Tradutor<<strong>br</strong> />

Público e Intérprete Comercial.<<strong>br</strong> />

Sônia Regina Longhí Ninomiya é licenciada em<<strong>br</strong> />

Língua Japonesa pela Universidade de São<<strong>br</strong> />

Paulo e Universidade de Tóquio para Estudos<<strong>br</strong> />

Estrangeiros, <strong>com</strong> pós-graduação na<<strong>br</strong> />

Universidade Tsukuba no Japão. E professora<<strong>br</strong> />

de língua e literatura japonesa na Universidade<<strong>br</strong> />

Federal do Rio de janeiro.


O destino de duas mulheres que atravessaram a história de dois países durante 70 anos.<<strong>br</strong> />

Minissérie <strong>com</strong>emorativa dos 80 anos de atividades de NHK - Rádio eTV do Japão<<strong>br</strong> />

Grande sucesso de audiência no Japão e no Brasil.<<strong>br</strong> />

Participação das atrizes:<<strong>br</strong> />

Mitsuko Mori,Yoko Nogiwa (dias atuais), RyokoYonekura, Yukie Nakama (Era Showa).


HARU E NATSU<<strong>br</strong> />

- As cartas que não chegaram -


HARU TO NATSU, TODOKANAKATTA TEGAMI<<strong>br</strong> />

By HASHIDA Sugako<<strong>br</strong> />

Copyright © 2005 Hashida Sugako<<strong>br</strong> />

All rights reserved.<<strong>br</strong> />

Originally published in Japan by JAPAN BROADCAST PUBLISHING CO., LTD.,<<strong>br</strong> />

Tokyo.<<strong>br</strong> />

Portuguese translation rights arranged with<<strong>br</strong> />

JAPAN BROADCAST PUBLISHING CO.,LTD., Japan through THE SAKAI AGENCY.<<strong>br</strong> />

Kaleidos-Primus Consultoria e Comunicação Integrada S/C Ltda.<<strong>br</strong> />

Av. Dr. Arnaldo, 1980 - Sumaré - CEP 01255-000 - São Paulo - SP<<strong>br</strong> />

Tel.: (0XX11) 3672-1400 - FAX (0XX11) 3675-6755<<strong>br</strong> />

Tradução e Coordenação: Masato Ninomiya e Sônia Regina Longhi Ninomiya<<strong>br</strong> />

Assistente de Tradução: Helena Yukiko Tanaka e Tereza Kamogawa<<strong>br</strong> />

Assistência Editorial: Tereza Kamogawa<<strong>br</strong> />

Revisão: Áurea Christine Tanaka<<strong>br</strong> />

Capa: Érika Kamogawa<<strong>br</strong> />

Ilustração da capa: Tomoo Handa, <strong>com</strong> autorização do Museu Histórico da Imigração<<strong>br</strong> />

Japonesa no Brasil<<strong>br</strong> />

Impresso por Editora Gráfica Topan-Press Ltda.<<strong>br</strong> />

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<<strong>br</strong> />

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<<strong>br</strong> />

Hashida,Sugako<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>: as cartas que não chegaram /<<strong>br</strong> />

Sugako Hashida;tradução de Masato Ninomiya.--<<strong>br</strong> />

São Paulo: Kaleidos-Primus Consultoria e<<strong>br</strong> />

Comunicação Integrada,2005 .<<strong>br</strong> />

Título original:<strong>Haru</strong> to <strong>Natsu</strong>:todokanakatta<<strong>br</strong> />

tegami<<strong>br</strong> />

1. Ficção japonesa I.Ti tulo<<strong>br</strong> />

05-7836 CDD-895.63<<strong>br</strong> />

índices para catálogo sistemático:<<strong>br</strong> />

1. Ficção : Literatura japonesa 895.63


A tradução desta o<strong>br</strong>a é dedicada à<<strong>br</strong> />

Sra. Tomi Nakagawa, que chegou ao Brasil<<strong>br</strong> />

no dia 18 de junho de 1908, a bordo do<<strong>br</strong> />

vapor Kasato Maru. Dessa primeira leva<<strong>br</strong> />

de imigrantes japoneses, ela é a única que<<strong>br</strong> />

permanece viva.


HARU E NATSU<<strong>br</strong> />

. As cartas que não chegaram .<<strong>br</strong> />

Índice<<strong>br</strong> />

Capítzrlo I -As cartas que não chegaram ............................ 1<<strong>br</strong> />

Capitulo 11 . O encontro e a despedida ........................... 101<<strong>br</strong> />

Capitulo III . Ao Novo Mundo ...................................... 179<<strong>br</strong> />

Capitulo IV . O orgulho de ser japonês .......................... 251<<strong>br</strong> />

Capitulo V . A nossa Pátria, o Brasil .............................. 329


Capítulo I<<strong>br</strong> />

As cartas que não chegaram<<strong>br</strong> />

Uma senhora idosa de estatura baixa e um jovem bem<<strong>br</strong> />

alto caminhavam, lentamente, por um bairro residencial no<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

de Tóquio.<<strong>br</strong> />

Era março de 2005. A temperatura estava elevada para<<strong>br</strong> />

a época do ano, a ponto de se sentir calor. Num lance de<<strong>br</strong> />

olhar, podia-se ver os arranha-céus contra o céu límpido, e<<strong>br</strong> />

nitidamente, ao longe, o Monte Fuji.<<strong>br</strong> />

Este era o Japão após 70 anos de ausência. Finalmente<<strong>br</strong> />

ela conseguira pisar em solo pátrio, após ter cruzado os mares<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o emigrante, aos nove anos, rumo ao Brasil, juntamente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> seus familiares.<<strong>br</strong> />

Muitas pessoas emigraram para o Brasil naquela época<<strong>br</strong> />

e muitas foram lá enterradas, sem nunca mais terem podido<<strong>br</strong> />

pisar em solo pátrio!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> Takakura já <strong>com</strong>pletara 80 anos. A sua fisionomia<<strong>br</strong> />

e o seu olhar tranqüilo eram de uma pessoa que conseguira<<strong>br</strong> />

atravessar os anos <strong>com</strong> muito trabalho e humildade. Os seus<<strong>br</strong> />

passos eram firmes, não deixando transparecer a idade.<<strong>br</strong> />

Yamato, neto de <strong>Haru</strong>, caminhava junto a ela,<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhando os seus passos. Fora aceito por uma<<strong>br</strong> />

universidade japonesa e viera <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, a fim de iniciar os<<strong>br</strong> />

seus estudos a partir de a<strong>br</strong>il.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Yamato pararam <strong>com</strong>o que incrédulos, em frente<<strong>br</strong> />

- 1 -


a uma grande mansão luxuosa, em estilo ocidental.<<strong>br</strong> />

-Nossa! Que casa grande! É aqui mesmo o lugar onde<<strong>br</strong> />

sua irmã mora? - exclamou Yamato em português.<<strong>br</strong> />

- Quando mostrei o endereço e o nome no posto policial,<<strong>br</strong> />

disseram que era aqui. E a placa diz que é a casa da família<<strong>br</strong> />

Yamabe.<<strong>br</strong> />

- Chegamos aqui, procurando esse endereço tendo <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

única referência o registro civil de 70 anos atrás. Pode ser<<strong>br</strong> />

que tenha havido algum engano.<<strong>br</strong> />

A placa, de fato, indicava ser a residência dos Yamabe,<<strong>br</strong> />

mas não havia certeza se era realmente a casa de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> Yamabe era o nome da irmã de quem <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />

separara há 70 anos.<<strong>br</strong> />

Finalmente <strong>Haru</strong> voltara do Brasil ansiosa por reencontrar<<strong>br</strong> />

sua irmã <strong>Natsu</strong>. Como não sabia o local de sua residência,<<strong>br</strong> />

voara <strong>com</strong> o neto a Hokkaido, ilha ao norte do arquipélago<<strong>br</strong> />

japonês, em busca de eventuais contatos. A casa onde nascera,<<strong>br</strong> />

contudo, já não mais existia e tiveram que seguir as pegadas<<strong>br</strong> />

da irmã através de anotações de mudanças de domicílio no<<strong>br</strong> />

registro civil. Conseguiram finalmente encontrar o endereço<<strong>br</strong> />

atual e chegar nessa luxuosa mansão em Tóquio.<<strong>br</strong> />

- De qualquer forma, que casa luxuosa!... Se realmente<<strong>br</strong> />

a <strong>Natsu</strong> vive nesta casa, acho que poderei voltar para o Brasil,<<strong>br</strong> />

deixando aqui o peso que trago na consciência por 70 anos.<<strong>br</strong> />

- balbuciou <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o se fosse um monólogo.<<strong>br</strong> />

- Bem, em todo o caso, vamos perguntar.<<strong>br</strong> />

- Será que ela está bem?<<strong>br</strong> />

- 2 -


- Acho que sim. No registro civil não constava o seu<<strong>br</strong> />

óbito. Deve estar viva.<<strong>br</strong> />

Yamato, nascido e criado no Brasil, fazia parte da terceira<<strong>br</strong> />

geração da família, filho de Kunio, segundo filho de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Crescera sem conhecer o Japão, mas de acordo <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

diretrizes da família, fora registrado no Consulado e, portanto,<<strong>br</strong> />

possuía a nacionalidade japonesa. Para atender ao desejo<<strong>br</strong> />

expresso de <strong>Haru</strong>, fora educado de tal modo a falar a língua<<strong>br</strong> />

japonesa. Embora falasse a língua sem dificuldades, percebiase<<strong>br</strong> />

na sua fala um certo sotaque da língua portuguesa.<<strong>br</strong> />

Sem hesitar, Yamato estendeu a mão para apertar a<<strong>br</strong> />

campainha ao lado do portão.<<strong>br</strong> />

- Sim? - respondeu a voz de uma mulher ao interfone.<<strong>br</strong> />

Parecia não ser a voz de <strong>Natsu</strong>. <strong>Haru</strong> hesitou por um<<strong>br</strong> />

momento, mas Yamato fez sinal para que perguntasse. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

parecia querer que Yamato falasse, mas logo se aproximou<<strong>br</strong> />

do interfone e disse:<<strong>br</strong> />

- Por favor, aqui é a casa da sra. <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />

-Sim.<<strong>br</strong> />

- A sra. <strong>Natsu</strong> se encontra?<<strong>br</strong> />

- Quem deseja falar <strong>com</strong> ela?<<strong>br</strong> />

- Meu nome é <strong>Haru</strong> Takakura. Queria me encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a sra. <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- A sra. <strong>Natsu</strong> foi para a empresa. Se deseja algo, faça o<<strong>br</strong> />

favor de se dirigir para lá.<<strong>br</strong> />

- Empresa?... Qual empresa?<<strong>br</strong> />

- A matriz da Indústria de Doces Hokuô. - respondeu a<<strong>br</strong> />

- 3 -


voz rapidamente, parecendo estar in<strong>com</strong>odada, desligando o<<strong>br</strong> />

interfone.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Yamato se entreolharam <strong>com</strong> fisionomia confusa.<<strong>br</strong> />

Disseram que era a Indústria de Doces Hokuô, mas não sabiam<<strong>br</strong> />

que tipo de empresa ou onde se localizava. Desligaram o<<strong>br</strong> />

interfone sem que tivessem tido tempo de pedir estas<<strong>br</strong> />

informações.<<strong>br</strong> />

- Talvez ela retorne à noite. Vamos voltar depois?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> parecia estar abalada e se colocava numa posição<<strong>br</strong> />

passiva.<<strong>br</strong> />

- Se ela está na empresa é mais rápido irmos até lá, mesmo<<strong>br</strong> />

que voltemos depois. Não deve ser fácil falar <strong>com</strong> alguém<<strong>br</strong> />

que mora numa mansão <strong>com</strong>o essa que até parece um castelo.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong> é dois anos mais nova do que eu e, portanto, já<<strong>br</strong> />

está <strong>com</strong> 78 anos. O que ela terá ido fazer nessa empresa?<<strong>br</strong> />

Será que eles saberão responder, se perguntarmos por uma<<strong>br</strong> />

senhora chamada dona <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />

- Vovó, levamos vários dias procurando, de Hokkaido<<strong>br</strong> />

até aqui. Devemos tentar seguir qualquer indício, mesmo que<<strong>br</strong> />

seja em vão.<<strong>br</strong> />

De todo modo, conseguiram certificar-se de que uma<<strong>br</strong> />

pessoa chamada <strong>Natsu</strong> Yamabe morava naquela casa.<<strong>br</strong> />

Encorajada pelo entusiasmo de Yamato, <strong>Haru</strong> aquiesceu,<<strong>br</strong> />

sorrindo.<<strong>br</strong> />

A matriz da Indústria de Doces Hokuô ficava num dos<<strong>br</strong> />

andares de um arranha-céu moderno. Caminhando por um<<strong>br</strong> />

- 4 -


corredor cercado de vidro por todos os lados, <strong>Haru</strong> olhou em<<strong>br</strong> />

volta, constrangida. Sentia um certo desconforto por se<<strong>br</strong> />

encontrar num lugar ao qual não estava habituada.<<strong>br</strong> />

Yamato havia encontrado, pela lista telefônica, o<<strong>br</strong> />

endereço da empresa e, sem saber <strong>com</strong>o, ele tinha em mãos o<<strong>br</strong> />

panfleto que apresentava a Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />

- A Indústria de Doces Hokuô fa<strong>br</strong>icava queijos e depois<<strong>br</strong> />

da guerra ampliaram a sua produção para o segmento de<<strong>br</strong> />

biscoitos, transformando-se hoje numa grande fá<strong>br</strong>ica de<<strong>br</strong> />

doces.<<strong>br</strong> />

- Será que vão saber informar so<strong>br</strong>e a <strong>Natsu</strong> numa<<strong>br</strong> />

empresa tão grande <strong>com</strong>o esta?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se mostrava receosa diante da entrada pomposa da<<strong>br</strong> />

empresa, mas Yamato se adiantara rumo à recepção, sem<<strong>br</strong> />

demonstrar constrangimentos. Duas recepcionistas<<strong>br</strong> />

uniformizadas atenderam sorridentes os visitantes que ali<<strong>br</strong> />

chegavam.<<strong>br</strong> />

- Por favor, será que aqui se encontra uma pessoa de<<strong>br</strong> />

nome <strong>Natsu</strong> Yamabe?<<strong>br</strong> />

A recepcionista fitou Yamato <strong>com</strong> certo ar de<<strong>br</strong> />

desconfiança e em seguida, olhou para <strong>Haru</strong>, que estava um<<strong>br</strong> />

passo atrás de Yamato.<<strong>br</strong> />

- Estão procurando a presidente?<<strong>br</strong> />

- Presidente? <strong>Natsu</strong> Yamabe é presidente dessa empresa?<<strong>br</strong> />

Incrédula, <strong>Haru</strong> se de<strong>br</strong>uçou so<strong>br</strong>e o balcão da recepção.<<strong>br</strong> />

Quando se separaram, <strong>Natsu</strong> só tinha sete anos e chorava<<strong>br</strong> />

esfregando os olhos avermelhados. Ela vivia sempre junto<<strong>br</strong> />

- 5 -


de <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />

- Não há outra pessoa <strong>com</strong> este nome.<<strong>br</strong> />

- Então, <strong>Natsu</strong> se encontra aqui, agora! - <strong>Haru</strong> exclamou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> alegria, esquecendo-se de tudo quanto havia ao seu redor.<<strong>br</strong> />

- Que bom... Ela está bem. Podemos reencontrar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Por favor, diga a <strong>Natsu</strong> que <strong>Haru</strong> Takakura veio vê-la.<<strong>br</strong> />

- A senhora tem hora marcada?<<strong>br</strong> />

- Sou a irmã de <strong>Natsu</strong> Yamabe. Voltei do Brasil após 70<<strong>br</strong> />

anos de ausência para me encontrar <strong>com</strong> ela. Não sabia do<<strong>br</strong> />

seu paradeiro há muito tempo e finalmente consegui encontrála.<<strong>br</strong> />

Nem sabia que era a presidente dessa empresa. <strong>Natsu</strong> nem<<strong>br</strong> />

imagina, a estas alturas, que eu vim vê-la. Mas, finalmente,<<strong>br</strong> />

poderei encontrá-la. Diga-lhe, por favor, que <strong>Haru</strong>, a irmã<<strong>br</strong> />

mais velha dela, está aqui.<<strong>br</strong> />

- Por favor, aguarde um instante.<<strong>br</strong> />

A recepcionista, sempre formal, acessou pelo telefone um<<strong>br</strong> />

dos ramais, explicando a situação de forma <strong>br</strong>eve ao seu<<strong>br</strong> />

interlocutor.<<strong>br</strong> />

- Um momento. O secretário virá atendê-la.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, muito excitada, teve vontade de <strong>com</strong>partilhar a sua<<strong>br</strong> />

alegria <strong>com</strong> as recepcionistas.<<strong>br</strong> />

- Devido a diversas razões, eu e minha irmã ficamos<<strong>br</strong> />

separadas. Eu no Brasil, ela no Japão. Nós nos separamos<<strong>br</strong> />

quando eu tinha nove anos e, sem sabermos uma da outra,<<strong>br</strong> />

passaram-se 70 anos. Mas, até que enfim pude voltar para<<strong>br</strong> />

encontrá-la. Valeu a pena ter voltado para o Japão.<<strong>br</strong> />

- 6 -


Yamato assistia sorridente à alegria da avó que mostrava<<strong>br</strong> />

sua imensa satisfação, parecendo flutuar no ar. Até parecia<<strong>br</strong> />

uma criança.<<strong>br</strong> />

As recepcionistas, <strong>com</strong> fisionomia de indiferença,<<strong>br</strong> />

tentaram esconder o riso cínico, trocando sinais <strong>com</strong> os olhos.<<strong>br</strong> />

Yamato estava indignado <strong>com</strong> o <strong>com</strong>portamento insolente<<strong>br</strong> />

das duas, quando um homem de terno se dirigiu a <strong>Haru</strong>, de<<strong>br</strong> />

forma aparentemente gentil.<<strong>br</strong> />

- Trabalho na secretaria da presidência. É a senhora <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

Takakura?<<strong>br</strong> />

- Sim, desculpe-me por ter vindo sem avisar.<<strong>br</strong> />

- Apesar da sua visita, a presidente diz que não conhece<<strong>br</strong> />

ninguém <strong>com</strong> o nome de <strong>Haru</strong> Takakura, nem tem uma irmã.<<strong>br</strong> />

Deve ter havido algum engano. Lamento, mas gostaríamos<<strong>br</strong> />

que se retirasse.<<strong>br</strong> />

- Que bobagem! Minha irmã se chama <strong>Natsu</strong> Yamabe e<<strong>br</strong> />

venho procurando através dos dados do registro civil. Assim<<strong>br</strong> />

desco<strong>br</strong>i que ela está aqui. Se a presidente desta empresa se<<strong>br</strong> />

chama <strong>Natsu</strong> Yamabe, <strong>com</strong> certeza ela é a minha irmã. Deixeme<<strong>br</strong> />

vê-la. Encontrando-a, tudo ficará claro.<<strong>br</strong> />

- Sinto muito. Acho que a senhora está confundindo-a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> outra pessoa. A própria presidente está dizendo que<<strong>br</strong> />

sequer conhece o seu nome. Não há razão para ela se encontrar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a senhora...<<strong>br</strong> />

A fisionomia de <strong>Haru</strong> se alterou. Não era possível que<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> tivesse se esquecido da existência dela.<<strong>br</strong> />

- Só uma olhada! Deixe-me confirmar <strong>com</strong> os meus<<strong>br</strong> />

- 7 -


próprios olhos se ela é, ou não, minha irmã.<<strong>br</strong> />

- É incômodo para nós que a senhora permaneça aqui.<<strong>br</strong> />

Não queremos ser o<strong>br</strong>igados a chamar a polícia.<<strong>br</strong> />

Que situação! Os dois pediram para ver a presidente após<<strong>br</strong> />

identificar-se e estavam sendo tratados <strong>com</strong>o se fossem<<strong>br</strong> />

suspeitos de alguma coisa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava atônita. Seus sentimentos ultrapassavam a<<strong>br</strong> />

raiva.<<strong>br</strong> />

Vendo a avó naquela situação, Yamato a chamou:<<strong>br</strong> />

-Vamos embora, vó!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se desfez do <strong>br</strong>aço que Yamato lhe estendera, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se fosse uma criança mimada.<<strong>br</strong> />

- Mas, chegamos até aqui <strong>com</strong> tanto sacrifício...<<strong>br</strong> />

-Vamos, vó!<<strong>br</strong> />

Yamato puxou-a para fora do saguão de entrada.<<strong>br</strong> />

Enquanto isso, no gabinete da presidência da Indústria<<strong>br</strong> />

de Doces Hokuô, <strong>Natsu</strong> Yamabe olhava para a grande janela,<<strong>br</strong> />

de costas para a sua escrivanhinha. Via-se o <strong>br</strong>ilho do sol<<strong>br</strong> />

crepuscular através da cortina. Como ela estava de costas,<<strong>br</strong> />

não se percebia se lia os papéis que estavam em suas mãos<<strong>br</strong> />

ou se estava pensando em alguma coisa.<<strong>br</strong> />

Ouvindo batidas, <strong>Natsu</strong> se virou para a porta.<<strong>br</strong> />

- Pedi para que fossem embora. Não sei que malentendido<<strong>br</strong> />

houve, mas ela está convencida de que a senhora é<<strong>br</strong> />

sua irmã. - disse, entrando, o secretário que atendera <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

há pouco, relatando o ocorrido e <strong>com</strong>eçando a rir,<<strong>br</strong> />

- 8 -


idicularizando a figura de <strong>Haru</strong>, que alegava ser a irmã da<<strong>br</strong> />

presidente <strong>com</strong> tanta seriedade.<<strong>br</strong> />

Não sentiu, contudo, a reação da própria presidente. Como<<strong>br</strong> />

estava de costas para a luz que entrava pela janela, a<<strong>br</strong> />

fisionomia de <strong>Natsu</strong> estava na penum<strong>br</strong>a, mas podia sentirse<<strong>br</strong> />

nela uma atmosfera severa.<<strong>br</strong> />

O secretário mudou de atitude e anunciou, educadamente,<<strong>br</strong> />

a presença do representante do banco.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Yamato, depois de sair do saguão da Indústria de<<strong>br</strong> />

Doces Hokuô <strong>com</strong>o se tivessem sido expulsos, estavam no<<strong>br</strong> />

subsolo do prédio onde ficava o estacionamento. Em algumas<<strong>br</strong> />

das vagas estava escrito o nome da empresa Hokuô e havia<<strong>br</strong> />

um automóvel de luxo estacionado.<<strong>br</strong> />

- É perda de tempo. Estão dizendo claramente que é um<<strong>br</strong> />

equívoco. Acho que nós acabamos nos enganando em algum<<strong>br</strong> />

lugar. Fizemos tudo o que foi possível. Vamos desistir, vó...<<strong>br</strong> />

- Não posso desistir. Aconteça o que acontecer, tenho<<strong>br</strong> />

que contar algo à <strong>Natsu</strong> antes de morrer. Foi para isso que<<strong>br</strong> />

voltei ao Japão. Enfim, pude voltar... Encontrando-me <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ela, poderei confirmar se é a <strong>Natsu</strong> ou não. Só me convencerei<<strong>br</strong> />

se a vir <strong>com</strong> meus próprios olhos. Não consigo desistir assim.<<strong>br</strong> />

Esta era a última aposta de <strong>Haru</strong>. Se ela fosse a presidente<<strong>br</strong> />

da Indústria de Doces Hokuô, iria para casa no automóvel<<strong>br</strong> />

presidencial ali estacionado. Se ficasse ali, <strong>com</strong> certeza,<<strong>br</strong> />

poderia encontrar-se <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Seria possível certificar se<<strong>br</strong> />

se tratava de sua irmã. Aguardar por <strong>Natsu</strong> naquele lugar era<<strong>br</strong> />

- 9 -


a última chance que lhe restava.<<strong>br</strong> />

- Só me convencerei se a vir <strong>com</strong> meus próprios olhos.<<strong>br</strong> />

Não vou desistir assim.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou espreitando a saída, escondida atrás de um<<strong>br</strong> />

veículo. Yamato, um pouco farto da situação, agachou-se ao<<strong>br</strong> />

lado de <strong>Haru</strong>, a fim de satisfazer a vontade de sua avó.<<strong>br</strong> />

No gabinete da presidência, <strong>Natsu</strong> se preparava para sair.<<strong>br</strong> />

Felizmente, hoje não havia nenhuma reunião marcada. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

procurava não demonstrar, na medida do possível, o abalo<<strong>br</strong> />

que sentira <strong>com</strong> o surgimento da mulher que se dizia sua<<strong>br</strong> />

irmã e o cansaço da conversa mantida <strong>com</strong> o representante<<strong>br</strong> />

do banco.<<strong>br</strong> />

O secretário, contudo, resmungou <strong>com</strong>o querendo agradar<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, pensando talvez que fosse sua o<strong>br</strong>igação dizer algo.<<strong>br</strong> />

- Mas, os bancos são todos terríveis, não é mesmo?<<strong>br</strong> />

Quando a empresa está bem, eles querem emprestar dinheiro.<<strong>br</strong> />

Brigam entre si para ver quem oferece mais. Porém, quando<<strong>br</strong> />

a gente mais necessita, eles viram as costas. Pior! Ficam<<strong>br</strong> />

co<strong>br</strong>ando os empréstimos anteriores... Será que eles não<<strong>br</strong> />

sabem que levando a empresa que financiaram à falência, no<<strong>br</strong> />

final, será pior para eles?<<strong>br</strong> />

- Bom descanso.<<strong>br</strong> />

O secretário seguiu <strong>Natsu</strong> às pressas, que, sem lhe dar a<<strong>br</strong> />

menor atenção, havia saído do gabinete. Fazia parte do seu<<strong>br</strong> />

trabalho a<strong>com</strong>panhar a presidente até que ela entrasse no<<strong>br</strong> />

automóvel, despedindo-se dela.<<strong>br</strong> />

- 10 -


Não se sabe quanto tempo <strong>Haru</strong> e Yamato aguardaram<<strong>br</strong> />

no estacionamento. Enfim, notou-se um movimento no<<strong>br</strong> />

estacionamento privativo da Indústria de Doces Hokuô. O<<strong>br</strong> />

motorista tomou assento no automóvel presidencial.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> olhou atenta para a porta de saída do<<strong>br</strong> />

estacionamento. Apareceu, do outro lado da porta de vidro,<<strong>br</strong> />

uma mulher de cabelos prateados, elegantemente vestida <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

um conjunto bem cortado. De postura ereta, notava-se a autoconfiança<<strong>br</strong> />

de uma pessoa que galgara a presidência de uma<<strong>br</strong> />

grande empresa <strong>com</strong> esforço próprio. O rigor que transparecia<<strong>br</strong> />

em seu semblante parecia não permitir a aproximação fácil<<strong>br</strong> />

de quem quer que fosse.<<strong>br</strong> />

Os seus passos pararam por um momento, a fim de<<strong>br</strong> />

aguardar a aproximação do seu automóvel. O homem que<<strong>br</strong> />

dizia ser seu secretário se colocou logo à sua retaguarda.<<strong>br</strong> />

- Aquela mulher é a presidente da Indústria de Doces<<strong>br</strong> />

Hokuô. Não, ela é <strong>Natsu</strong>!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> saiu correndo, sem pensar em nada. O automóvel<<strong>br</strong> />

que se aproximava para levar a presidente, freou <strong>br</strong>uscamente<<strong>br</strong> />

para não atropelar <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>! É você mesma! Seu rosto é o mesmo de<<strong>br</strong> />

antigamente. Você não mudou nada! <strong>Natsu</strong>, sou eu! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> fitou <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> atenção... Um sentimento de abalo<<strong>br</strong> />

estampou-se no rosto de <strong>Natsu</strong>. Num instante, diversos<<strong>br</strong> />

sentimentos vieram à tona: surpresa, saudade, ódio... Ela<<strong>br</strong> />

desviou o olhar de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- 11 -


- <strong>Natsu</strong>, sou eu! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> agarrou-se à <strong>Natsu</strong>, sem pensar em nada, e pôs-se<<strong>br</strong> />

a rir e a chorar ao mesmo tempo. O secretário, desesperado,<<strong>br</strong> />

tentou separar <strong>Haru</strong> de sua presidente, mas ela se agarrou à<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força ainda maior.<<strong>br</strong> />

- Queria tanto encontrá-la. Não poderia morrer sem<<strong>br</strong> />

vê-la.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> afastou calmamente <strong>Haru</strong> para o lado,<<strong>br</strong> />

distanciando-se.<<strong>br</strong> />

- Eu não tenho pais, nem irmãos. Fui abandonada por<<strong>br</strong> />

meus pais e minha irmã, há 70 anos.<<strong>br</strong> />

- Nós não a abandonamos. Nos 70 anos que passamos<<strong>br</strong> />

no Brasil, não esquecemos de você, nem por um dia sequer.<<strong>br</strong> />

Todos os dias, sonhava em voltar para o Japão... Sonhava em<<strong>br</strong> />

poder voltar a viver <strong>com</strong> você... Suportamos as agruras de<<strong>br</strong> />

uma vida sacrificada no Brasil. Mas não havia dinheiro, nem<<strong>br</strong> />

tempo, para voltar para o Japão. Não deu, de jeito nenhum.<<strong>br</strong> />

Se você me acusa desse jeito, nem poderei morrer em paz.<<strong>br</strong> />

Por isso, queria contar, de todo jeito, porque nós não pudemos<<strong>br</strong> />

vir vê-la... Eu já estou <strong>com</strong> 80 anos. Se não lhe contar agora,<<strong>br</strong> />

ficarei <strong>com</strong> remorsos... Já não resta muito tempo...<<strong>br</strong> />

- De que adianta ouvir isso agora? Vocês me<<strong>br</strong> />

abandonaram prometendo que voltariam em três anos... Mas<<strong>br</strong> />

não veio nem uma carta depois que foram para o Brasil. Fiquei<<strong>br</strong> />

abandonada à própria sorte, durante 70 anos, sem nenhuma<<strong>br</strong> />

notícia. Sentia-me muito só e vivia insegura. Ainda que<<strong>br</strong> />

quisesse encontrar os familiares, não tinha nenhuma notícia,<<strong>br</strong> />

- 12 -


nem sabia onde e <strong>com</strong>o vocês viviam no Brasil. Não sabia<<strong>br</strong> />

quando viriam me buscar. Não conseguia enxergar o futuro,<<strong>br</strong> />

mas aguardava a chegada de cartas do Brasil. Tentei<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>eviver desesperadamente desde os sete anos. Por isso, já<<strong>br</strong> />

desisti há muito tempo. Resolvi que não tenho pais nem<<strong>br</strong> />

irmãos. Pois, se eu pensasse que tinha, só iria sofrer e teria<<strong>br</strong> />

somente revolta e rancor no meu coração. Quando decidi que<<strong>br</strong> />

não tinha pais nem irmãos, fiquei aliviada. E agora, você me<<strong>br</strong> />

vem <strong>com</strong> essa história de que é minha irmã... Isso só me<<strong>br</strong> />

causa incômodo.<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> perdera a fala. Com a idade de 80 anos, não lhe<<strong>br</strong> />

restava muito tempo para encontrar, pedir perdão e buscar o<<strong>br</strong> />

entendimento <strong>com</strong> a irmã. Foi por isso que procurara, buscara<<strong>br</strong> />

e afinal conseguira encontrar <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />

Por outro lado, a única forma de <strong>Natsu</strong> so<strong>br</strong>eviver fora<<strong>br</strong> />

desistir da família de quem se separara e cortar todas as<<strong>br</strong> />

esperanças de reencontro. Não fosse assim, não suportaria as<<strong>br</strong> />

agruras de ter que viver só. Para <strong>Natsu</strong>, a existência de pais e<<strong>br</strong> />

irmãos era algo tão frágil <strong>com</strong>o um castelo construído so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

a areia. Se dependesse deles, a própria <strong>Natsu</strong> desmoronaria.<<strong>br</strong> />

Precisamente porque procurara so<strong>br</strong>eviver<<strong>br</strong> />

desesperadamente, as palavras de <strong>Natsu</strong> eram duras.<<strong>br</strong> />

-Você se enganou redondamente se achou que o encontro<<strong>br</strong> />

seria de lágrimas e emoções. Você nem imagina o mal que<<strong>br</strong> />

me fez. Por favor, nunca mais apareça na minha frente!<<strong>br</strong> />

- Mas, eu escrevi cartas! Mandei cartas e mais cartas desde<<strong>br</strong> />

- 13 -


que chegamos ao Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> queria que <strong>Natsu</strong> entendesse que apesar de ter ido<<strong>br</strong> />

para o Brasil e apesar das dificuldades de so<strong>br</strong>evivência,<<strong>br</strong> />

guardara um pouco de dinheiro, colocando-o dentro das cartas.<<strong>br</strong> />

- Agora você pode dizer qualquer coisa, não é?<<strong>br</strong> />

Apesar de <strong>Haru</strong> argumentar <strong>com</strong> afinco, foi impossível<<strong>br</strong> />

tocar o coração fechado de <strong>Natsu</strong>, que recusava aceitar a irmã.<<strong>br</strong> />

E não foi só isso...<<strong>br</strong> />

- O que você quer, vindo me procurar depois de 70 anos?<<strong>br</strong> />

Vocês também vieram trabalhar aqui <strong>com</strong>o dekassegui?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhou para <strong>Haru</strong> e Yamato, que se vestiam<<strong>br</strong> />

modestamente, <strong>com</strong>o se estivesse a avaliá-los pela forma de<<strong>br</strong> />

vestir. Quando <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> eram crianças, os japoneses que<<strong>br</strong> />

não conseguiam viver no Japão, iam <strong>com</strong>o dekasseguis para<<strong>br</strong> />

o Brasil. Nos últimos 15 anos, contudo, descendentes de<<strong>br</strong> />

japoneses, os nisseis e sanseis, vinham trabalhar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

dekasseguis no Japão.<<strong>br</strong> />

- Porém, não adianta contar <strong>com</strong>igo, só por ser minha<<strong>br</strong> />

irmã. Vocês que se desfizeram de mim há 70 anos. Depois<<strong>br</strong> />

do que fizeram <strong>com</strong>igo, não sei <strong>com</strong>o podem aparecer na<<strong>br</strong> />

minha frente. Não sei <strong>com</strong>o souberam a meu respeito, se<<strong>br</strong> />

perguntaram a alguém ou de que forma investigaram. Não<<strong>br</strong> />

adianta vir ao Japão, contando <strong>com</strong> a irmã bem sucedida. É<<strong>br</strong> />

tarde demais. Vocês não imaginam <strong>com</strong>o sofri sozinha,<<strong>br</strong> />

abandonada à própria sorte. Vocês não têm idéia de <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>evivi. Se vocês realmente pensavam em mim, deveriam<<strong>br</strong> />

ter escrito pelo menos uma carta para aliviar o inferno que eu<<strong>br</strong> />

- 14 -


vivia, sozinha, nesta terra. Acho que vocês não podem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preender o meu sentimento, esperando, dia após dia, a<<strong>br</strong> />

chegada de uma notícia do Brasil.<<strong>br</strong> />

- Mas, é verdade. Eu escrevi. Sempre continuei a enviar<<strong>br</strong> />

cartas à casa do tio de Hokkaido, <strong>com</strong> quem você foi deixada.<<strong>br</strong> />

Você é que não me mandou respostas. Por isso mesmo é que<<strong>br</strong> />

continuei a mandar cartas e mais cartas. Não é possível que<<strong>br</strong> />

você não as tenha recebido.<<strong>br</strong> />

- Como eu iria receber cartas que não foram enviadas?<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, eu continuei a escrever para vocês. Como não<<strong>br</strong> />

tinha dinheiro para selos, cheguei a roubar do tio que cuidava<<strong>br</strong> />

de mim para poder mandar as cartas. Mesmo assim, não recebi<<strong>br</strong> />

respostas.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, é verdade que você nos escreveu?<<strong>br</strong> />

- Não adianta fingir que não recebeu. As cartas não<<strong>br</strong> />

voltaram.<<strong>br</strong> />

Os olhares das irmãs se cruzaram.<<strong>br</strong> />

Cada uma alegava que enviara cartas para outra. Nenhuma<<strong>br</strong> />

das duas recebera uma só carta. Naquela época, o Japão e o<<strong>br</strong> />

Brasil eram países muito distantes, mas pelo relato das irmãs,<<strong>br</strong> />

tinha havido, ao que parecia, idas e vindas de cartas.<<strong>br</strong> />

Se <strong>Natsu</strong> não recebera as cartas que <strong>Haru</strong> escrevera, ela<<strong>br</strong> />

ficara, simplesmente, à espera dos familiares que foram para<<strong>br</strong> />

o Brasil, sem saber que tipo de vida eles levavam ou porquê<<strong>br</strong> />

não conseguiram voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />

Por outro lado, <strong>Natsu</strong> não tinha meios de saber do<<strong>br</strong> />

sofrimento e do dilema enfrentados por <strong>Haru</strong>, que não podia<<strong>br</strong> />

- 15 -


vir buscar a irmã, ainda que quisesse fazê-lo. Sem saber de<<strong>br</strong> />

nada, <strong>Natsu</strong> ficara à espera de seus familiares.<<strong>br</strong> />

Seria cruel demais se fosse verdade que não recebera as<<strong>br</strong> />

cartas. Talvez não se pudesse criticá-la pelo fato de ter<<strong>br</strong> />

ressentimento ou ódio de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Para <strong>Natsu</strong>, que era pequena, o consolo era escrever para<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>. O seu único apoio espiritual era aguardar a chegada<<strong>br</strong> />

das cartas de <strong>Haru</strong>. <strong>Natsu</strong>, contudo, sentira-se abandonada.<<strong>br</strong> />

- Você não imagina <strong>com</strong>o me senti miserável... Ninguém<<strong>br</strong> />

pode entender essa solidão, esse sentimento de abandono...<<strong>br</strong> />

Não quero falar nem ouvir so<strong>br</strong>e coisas do passado. Não<<strong>br</strong> />

adianta mais falar ou ouvir essas histórias. Eu não tenho pais,<<strong>br</strong> />

nem irmãos. Por isso, não tenho rancor nem ódio. E está tudo<<strong>br</strong> />

bem assim. Bem, acho que nunca mais nos veremos. Passe<<strong>br</strong> />

bem...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> fez uma reverência ao final e entrou no automóvel<<strong>br</strong> />

de luxo. <strong>Haru</strong> ficou paralisada, mesmo depois que as lanternas<<strong>br</strong> />

traseiras do automóvel desapareceram no escuro.<<strong>br</strong> />

Voltando para o quarto do hotel, <strong>Haru</strong>, parecendo<<strong>br</strong> />

fatigada, sentou-se no sofá. <strong>Natsu</strong> não só estava bem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

havia se tornado a presidente de uma grande empresa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> pedia a todos os conhecidos no Brasil que iam<<strong>br</strong> />

visitar o Japão, que investigassem so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> Takakura. Com<<strong>br</strong> />

o casamento poderia ter havido mudança de so<strong>br</strong>enome, mas<<strong>br</strong> />

ninguém poderia saber que era Yamabe. Qualquer pesquisa<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> Takakura seria infrutífera, se não se soubesse do<<strong>br</strong> />

- 16 -


novo so<strong>br</strong>enome. É por isso que não se tinha qualquer<<strong>br</strong> />

informação do seu paradeiro.<<strong>br</strong> />

Era impossível pedir a pessoas estranhas que<<strong>br</strong> />

investigassem a partir do registro civil <strong>com</strong>o fizeram <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />

Yamato.<<strong>br</strong> />

- Uma no Brasil e a outra no Japão por 70 anos. É um<<strong>br</strong> />

tempo demasiadamente longo para ficar sem contato.<<strong>br</strong> />

- Mas que velha chata! - Yamato <strong>com</strong>eçou a falar em<<strong>br</strong> />

português, <strong>com</strong>o querendo desabafar.<<strong>br</strong> />

- Nem leva em consideração a presença de uma<<strong>br</strong> />

octogenária que veio do outro lado do globo, querendo<<strong>br</strong> />

encontrar mais uma vez a sua irmã, antes de morrer. A mulher<<strong>br</strong> />

falou <strong>com</strong>o se a senhora estivesse passando fome no Brasil e<<strong>br</strong> />

tivesse vindo trabalhar <strong>com</strong>o dekassegui no Japão, junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

o neto. E, ainda por cima, visando o dinheiro da irmã rica...<<strong>br</strong> />

Não dá para agüentar tamanha humilhação...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Yamato, não imaginando que <strong>Natsu</strong> fosse tomar<<strong>br</strong> />

uma atitude tão dura, procuraram por seu paradeiro.<<strong>br</strong> />

Entretanto, o seu <strong>com</strong>portamento fora rude, dizendo que não<<strong>br</strong> />

eram mais irmãs.<<strong>br</strong> />

Para Yamato, a atitude de <strong>Natsu</strong> era preconceituosa, pois<<strong>br</strong> />

ela insistia em dizer, repetidas vezes, que fora abandonada.<<strong>br</strong> />

- Eu é que me recuso a ser parente daquela velha...<<strong>br</strong> />

Prometo me formar, às minhas próprias custas, em uma<<strong>br</strong> />

faculdade no Japão. Não preciso de conhecidos, nem de<<strong>br</strong> />

parentes.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> respondeu em japonês ao desabafo de Yamato feito<<strong>br</strong> />

- 17 -


em português:<<strong>br</strong> />

- Era meu sonho fazer você estudar no Japão.<<strong>br</strong> />

Setenta anos de Brasil não puderam impedir a influência<<strong>br</strong> />

da cultura <strong>br</strong>asileira na vida cotidiana. Era natural que os<<strong>br</strong> />

filhos e netos de <strong>Haru</strong>, que nasceram e cresceram no Brasil,<<strong>br</strong> />

se integrassem à maneira de ser <strong>br</strong>asileira, não só em termos<<strong>br</strong> />

de língua, <strong>com</strong>o também nos usos e costumes e até mesmo<<strong>br</strong> />

na maneira de pensar. Apesar disso, <strong>Haru</strong> sempre se<<strong>br</strong> />

considerara japonesa.<<strong>br</strong> />

- Queria que pelo menos um dos meus descendentes,<<strong>br</strong> />

sangue do meu sangue, vivesse <strong>com</strong> orgulho <strong>com</strong>o japonês.<<strong>br</strong> />

Por isso, eu o trouxe para o Japão. Mas não procurei minha<<strong>br</strong> />

irmã para que ela pagasse seus estudos. Procurei-a porque<<strong>br</strong> />

tenho uma coisa que precisava lhe contar, de todo jeito...<<strong>br</strong> />

Enquanto não desaparecesse o ressentimento e o ódio de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> por <strong>Haru</strong>, que surgira e se enraizara dentro dela, desde<<strong>br</strong> />

a infância, a infelicidade de <strong>Natsu</strong>, guardada no fundo do<<strong>br</strong> />

coração persistiria. Apesar de ser a presidente de uma grande<<strong>br</strong> />

empresa e viver de forma luxuosa, a dureza de sua atitude<<strong>br</strong> />

demonstrava a profundidade da ferida existente.<<strong>br</strong> />

- A ferida do coração não desapareceu, ainda que tenha<<strong>br</strong> />

se tornado rica. Talvez seja tarde demais, mas queria lhe contar<<strong>br</strong> />

a minha história antes que eu venha a morrer. Se, <strong>com</strong> isso,<<strong>br</strong> />

desaparecer o ressentimento e o ódio dela por nós, talvez<<strong>br</strong> />

pudesse tranqüilizá-la. Eu também ficaria tanqüila. Não posso<<strong>br</strong> />

morrer desse jeito, tendo-a machucado tanto.<<strong>br</strong> />

- Não sei o que a senhora tem para dizer, mas eu acho<<strong>br</strong> />

- 18 -


que não adianta dizer nada para aquela velha. Ela não vai<<strong>br</strong> />

ouvi-la, porque não acredita na senhora. Não é bobagem falar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> alguém que não acredita na senhora?<<strong>br</strong> />

- Bom, se ela não acredita em mim, é culpa nossa. Por<<strong>br</strong> />

isso é que eu queria explicar <strong>com</strong>o tudo isso aconteceu. Queria<<strong>br</strong> />

que ela entendesse... Há 70 anos que venho pensando em<<strong>br</strong> />

contar tudo a ela.<<strong>br</strong> />

- Afinal, o que aconteceu há 70 anos?<<strong>br</strong> />

- Eu sempre fiquei calada porque ainda que contasse a<<strong>br</strong> />

vocês, achei que nem conseguiriam imaginar a situação.<<strong>br</strong> />

Pareceriam meras lamúrias. Bem, há 70 anos, morávamos<<strong>br</strong> />

em Hokkaido, onde estivemos há pouco, em meio à neve.<<strong>br</strong> />

Yamato acabara de visitar Hokkaido, ainda coberto de<<strong>br</strong> />

neve, juntamente <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Já era primavera, mas o frio ainda<<strong>br</strong> />

estava rigoroso e Yamato, tocando a neve pela primeira vez,<<strong>br</strong> />

sentira o quanto era gelada.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a falar aos poucos. Não imaginava que<<strong>br</strong> />

um dia contaria para o neto histórias de um passado tão<<strong>br</strong> />

longínquo.<<strong>br</strong> />

A família Takakura imigrara para Hokkaido no início da<<strong>br</strong> />

era Meiji. Os avós de <strong>Haru</strong> foram os primeiros colonos a<<strong>br</strong> />

des<strong>br</strong>avar Hokkaido, incentivados pelo novo governo Meiji<<strong>br</strong> />

que substituíra o governo feudal.<<strong>br</strong> />

A cidade de Sapporo, capital de Hokkaido, hoje uma<<strong>br</strong> />

grande metrópole, estava coberta de bosques virgens,<<strong>br</strong> />

totalmente inexplorados.<<strong>br</strong> />

- 19 -


Tratava-se, além do mais, de uma zona fria. Os ventos<<strong>br</strong> />

gelados penetravam pelas frestas das choupanas. Nas noites<<strong>br</strong> />

de inverno, os acolchoados chegavam a congelar, <strong>com</strong> o ar<<strong>br</strong> />

solto pela respiração de quem dormia. Nestas condições, os<<strong>br</strong> />

colonos se empenhavam no des<strong>br</strong>avamento da terra,<<strong>br</strong> />

derrubavam árvores, cultivavam a terra e plantavam.<<strong>br</strong> />

Na medida em que a vida se estabelecia, a família<<strong>br</strong> />

Takakura foi aumentando. E em 1933, há cerca de 70 anos,<<strong>br</strong> />

quando <strong>Haru</strong> tinha nove anos, uma família <strong>com</strong> 15 pessoas<<strong>br</strong> />

tentava so<strong>br</strong>eviver, agarrada a uma pequena gleba de terra.<<strong>br</strong> />

A família de 15 pessoas era <strong>com</strong>posta de <strong>Haru</strong>, seus pais,<<strong>br</strong> />

seus dois irmãos e irmã, a avó, o casal de tios, irmão mais<<strong>br</strong> />

velho do pai, <strong>com</strong> quatro filhos e um outro casal de tios, irmão<<strong>br</strong> />

mais novo do pai, recém casados. Em condições normais, já<<strong>br</strong> />

seria difícil sustentar uma família tão numerosa, mas o Japão<<strong>br</strong> />

enfrentava muitas dificuldades, na transição da década de<<strong>br</strong> />

1920 para a de 1930.<<strong>br</strong> />

A zona rural japonesa vivia uma recessão crônica, desde<<strong>br</strong> />

a Revolta do Arroz de 1918. A situação se agravou <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

Grande Terremoto de Kantô de 1923, que destruíra a cidade<<strong>br</strong> />

de Tóquio. Dezenas de milhares de pessoas morreram e suas<<strong>br</strong> />

casas foram destruídas, muitos ficaram desa<strong>br</strong>igados e<<strong>br</strong> />

desempregados, perambulando ao relento. Além disso, o<<strong>br</strong> />

número de desempregados continuava a aumentar em virtude<<strong>br</strong> />

da Grande Recessão Mundial, que teve início em 1929, sem<<strong>br</strong> />

que o Japão ainda tivesse se recuperado da crise financeira<<strong>br</strong> />

de 1920.<<strong>br</strong> />

- 20 -


Como se isso não bastasse, em 1931, a região nordeste<<strong>br</strong> />

da ilha principal do arquipélago japonês e Hokkaido foram<<strong>br</strong> />

devastados por uma grande onda de frio que praticamente<<strong>br</strong> />

liquidou a safra agrícola. Os agricultores estavam<<strong>br</strong> />

mergulhados numa situação de miséria sem par. Muitos<<strong>br</strong> />

lavradores que estavam à beira da morte por falta do que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er, foram o<strong>br</strong>igados a vender suas próprias filhas para a<<strong>br</strong> />

prostituição. Os jovens de hoje, jamais entenderiam o<<strong>br</strong> />

significado dessa tragédia, que parecia ocorrer só na ficção.<<strong>br</strong> />

Foram, contudo, fatos verídicos que solaparam o Japão da<<strong>br</strong> />

era moderna nos anos de 1930.<<strong>br</strong> />

Muitas famílias se dispersaram após vender as porções<<strong>br</strong> />

ínfimas de terras que possuíam, havendo até mesmo suicídios<<strong>br</strong> />

coletivos de pais e filhos.<<strong>br</strong> />

A família de <strong>Haru</strong> não era exceção. Do jeito que iam as<<strong>br</strong> />

coisas, os 15 mem<strong>br</strong>os da família estariam às vésperas de<<strong>br</strong> />

morrer de fome. Foi quando souberam da emigração japonesa<<strong>br</strong> />

para o Brasil.<<strong>br</strong> />

A emigração para o Brasil, cujo início fora em 1908,<<strong>br</strong> />

aumentou de forma vertiginosa na década de 1920 e, em 1933,<<strong>br</strong> />

o ano em que o pai de <strong>Haru</strong> havia se inscrito, o maior<<strong>br</strong> />

contingente de japoneses atravessou os oceanos rumo ao<<strong>br</strong> />

Brasil. O subsídio financeiro oferecido pelo governo também<<strong>br</strong> />

incentivara o aumento rápido da emigração.<<strong>br</strong> />

Dentro deste contexto, a família Takakura, que vivia de<<strong>br</strong> />

forma paupérrima em Hokkaido devido à que<strong>br</strong>a da safra,<<strong>br</strong> />

decidiu que emigraria para o Brasil, ficando no Japão o casal<<strong>br</strong> />

- 21 -


do filho primogênito <strong>com</strong> os seus filhos.<<strong>br</strong> />

Seriam seis pessoas, <strong>Haru</strong>, o irmão seis anos mais velho,<<strong>br</strong> />

o segundo irmão, três anos mais velho, a irmã <strong>Natsu</strong>, dois<<strong>br</strong> />

anos mais nova e os pais. Iriam, também, o casal de tios,<<strong>br</strong> />

irmão mais novo do pai, recém casados e sem filhos. Eram<<strong>br</strong> />

ao todo, oito pessoas.<<strong>br</strong> />

A inscrição da família para a emigração ocorrera num<<strong>br</strong> />

dia de nevasca. <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> olhavam para o cartaz de<<strong>br</strong> />

propaganda da emigração, tomando a tijela de canja oferecida<<strong>br</strong> />

pela empresa de emigração.<<strong>br</strong> />

- Vamos todos, em família, para a América do Sul.<<strong>br</strong> />

O cartaz parecia uma nota promissória que prometia um<<strong>br</strong> />

futuro iluminado para todos. Finalmente, a família poderia<<strong>br</strong> />

se livrar do frio e levar uma vida mais aconchegante no Novo<<strong>br</strong> />

Mundo. <strong>Haru</strong> já não se importava mais <strong>com</strong> o frio da nevasca<<strong>br</strong> />

que parecia cortar o seu corpo.<<strong>br</strong> />

- Que situação difícil! - Yamato interrompeu de repente<<strong>br</strong> />

a fala de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

A dificuldade enfrentada pela família era inimaginável.<<strong>br</strong> />

- No Japão, existia uma infinidade de pessoas na miséria,<<strong>br</strong> />

que não tinham <strong>com</strong>o viver, senão indo ao Brasil. Mas não<<strong>br</strong> />

eram todos que podiam ir... Eu estava muito contente, pois<<strong>br</strong> />

foi muita sorte a nossa família ter sido escolhida, já que<<strong>br</strong> />

somente uma pequena parte das famílias que se candidatavam<<strong>br</strong> />

conseguiam ir. Disseram-nos que uma vida muito mais feliz<<strong>br</strong> />

do que a de Hokkaido nos aguardava no Brasil. - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

- 22 -


continuou, no quarto de hotel em Tóquio, buscando as<<strong>br</strong> />

memórias de 70 anos atrás.<<strong>br</strong> />

Tudo acontecera em dezem<strong>br</strong>o de 1933.<<strong>br</strong> />

Estavam reunidos na sala do case<strong>br</strong>e da família Takakura,<<strong>br</strong> />

o filho primogênito Yosaku, tio de <strong>Haru</strong>; Chûji, pai de <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

Shizu, sua esposa e mãe de <strong>Haru</strong>, Shigeru, primogênito de<<strong>br</strong> />

Chûji e irmão mais velho de <strong>Haru</strong>, Minoru, segundo filho e<<strong>br</strong> />

também irmão mais velho de <strong>Haru</strong>, e <strong>Natsu</strong>, a irmã mais nova<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong>. Além desses, Yozo, o terceiro filho da família<<strong>br</strong> />

Takakura e tio de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong> a sua esposa Kiyo. A avó de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, Nobu, estava sentada reservadamente atrás de Yosaku.<<strong>br</strong> />

Com mais de 60 anos, aparentava a humildade de quem<<strong>br</strong> />

cultivara a terra por toda a vida, distante de qualquer tipo de<<strong>br</strong> />

luxo.<<strong>br</strong> />

O frio era intenso e tanto <strong>Haru</strong> quanto <strong>Natsu</strong> estavam<<strong>br</strong> />

usando diversas camadas de roupas para enfrentá-lo.<<strong>br</strong> />

Na cozinha de chão de terra batida, Kane, esposa de<<strong>br</strong> />

Yosaku, trabalhava enquanto prestava atenção na conversa<<strong>br</strong> />

da família. Os quatro filhos de Yosaku e Kane, primos de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, iam e vinham entre o local onde estavam os<<strong>br</strong> />

adultos e a cozinha, mas de vez em quando esticavam o<<strong>br</strong> />

pescoço para saber o conteúdo da conversa. Tratava-se, de<<strong>br</strong> />

qualquer modo, de uma casa muito pequena.<<strong>br</strong> />

Apesar de cerca de 20.000 japoneses terem emigrado para<<strong>br</strong> />

o Brasil por ano, o país ainda era de um lugar desconhecido<<strong>br</strong> />

que ficava do outro lado do globo terrestre. Yosaku, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

- 23 -


primogênito da família, sentia-se responsável e ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo impotente por ter de despachar os dois irmãos menores<<strong>br</strong> />

e respectivos familiares, <strong>com</strong>o se estivesse expulsando-os.<<strong>br</strong> />

- Sinto muito mesmo. Acabei expulsando vocês de casa...<<strong>br</strong> />

- Você não tem que pedir desculpas. Você não tem culpa.<<strong>br</strong> />

O que está errado é uma família tão grande viver dependendo<<strong>br</strong> />

deste mísero terreno. Você é o sucessor da família Takakura<<strong>br</strong> />

e não pode abandonar esta roça que papai deixou, depois de<<strong>br</strong> />

sofrer tanto, vindo da província de Akita <strong>com</strong>o des<strong>br</strong>avador.<<strong>br</strong> />

Então, o correto é que eu, o segundo filho, e Yozo, o terceiro<<strong>br</strong> />

filho, saiamos daqui. Dizem que no Brasil, a falta de mãode-o<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />

é grande. Como a cultura do café está em alta, o salário<<strong>br</strong> />

também é bom. Parece que trabalhando três anos, dá para<<strong>br</strong> />

ganhar o suficiente para regressar ao Japão e <strong>com</strong>prar uma<<strong>br</strong> />

roça grande e construir uma casa.<<strong>br</strong> />

Pelo tom da conversa, Chûji parecia ter levado a sério as<<strong>br</strong> />

explicações e o conteúdo do folheto da <strong>com</strong>panhia de<<strong>br</strong> />

emigração, mas Yozo, seu irmão mais novo, parecia estar<<strong>br</strong> />

um pouco incrédulo.<<strong>br</strong> />

- Você está confiando muito na propaganda de<<strong>br</strong> />

recrutamento de emigrantes para o Brasil. Será que existe<<strong>br</strong> />

mesmo uma conversa tão boa?<<strong>br</strong> />

- Ainda está dizendo uma coisa dessas? O tamanho do<<strong>br</strong> />

Brasil nem se <strong>com</strong>para <strong>com</strong> o do Japão, este minúsculo<<strong>br</strong> />

arquipélago. Aqui em Hokkaido, não se pode trabalhar metade<<strong>br</strong> />

do ano devido à neve. Porém, no Brasil, é verão o ano inteiro.<<strong>br</strong> />

Imagine você trabalhando o ano inteiro! Conforme aquele<<strong>br</strong> />

- 24 -


folheto de emigração, se você trabalhar três anos, vai se tornar<<strong>br</strong> />

um ricaço. Depois de três anos, vamos voltar para o Japão e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prar uma terra fértil em algum lugar bom, diferente da<<strong>br</strong> />

terra árida daqui. Um lugar onde tenha sol em abundância,<<strong>br</strong> />

sem problemas de temperaturas baixas, estiagem e outras<<strong>br</strong> />

desgraças. Estou muito contente por ter nascido <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

segundo filho. Posso ir para qualquer lugar, quando quiser.<<strong>br</strong> />

Posso ir para o Brasil em busca de um grande sonho.<<strong>br</strong> />

A avó Nobu procurava não dar palpites, mas não escondia<<strong>br</strong> />

a insegurança.<<strong>br</strong> />

Yosaku sabia que não era possível ficarem todos na<<strong>br</strong> />

dependência de um punhado de terra desgastada mas, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

primogênito, precisava se preocupar <strong>com</strong> todos os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />

da família.<<strong>br</strong> />

- Se você fosse sozinho, tudo bem. Mas o requisito para<<strong>br</strong> />

emigrar para o Brasil é ir <strong>com</strong> a família. Vai ser bastante<<strong>br</strong> />

difícil para as crianças.<<strong>br</strong> />

- Eu não tenho medo. O papai, a mamãe, Shigeru, Minoru,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, todos estarão juntos... É duro viver aqui <strong>com</strong> todo<<strong>br</strong> />

mundo, mas, no Brasil, vamos poder viver por nós mesmos.<<strong>br</strong> />

Não vamos precisar nos preocupar <strong>com</strong> ninguém... - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

respondeu corajosamente, antes dos seus irmãos mais velhos.<<strong>br</strong> />

Naquele momento, Kane, a esposa de Yosaku que estava<<strong>br</strong> />

na cozinha, ouvindo a conversa, <strong>com</strong>entou:<<strong>br</strong> />

- Ah, é? Quer dizer, <strong>Haru</strong>, que você estava preocupada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> os outros? Você, que sempre <strong>br</strong>igou <strong>com</strong> os meus filhos<<strong>br</strong> />

e os fez chorar!<<strong>br</strong> />

- 25 -


- Desculpe... <strong>Haru</strong> é muito geniosa. - disse Shizu, a mãe<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong>, que estava encolhida e cabisbaixa. Mas <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

demonstrava força e coragem ao dizer:<<strong>br</strong> />

- Não sou eu a culpada. Os primos é que são metidos,<<strong>br</strong> />

dizendo que são filhos do primogênito, e maltratam a mim e<<strong>br</strong> />

a <strong>Natsu</strong>. Eu até agüento, porém, não admito que maltratem a<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>. - <strong>Haru</strong> respondeu a Kane, de forma despreocupada,<<strong>br</strong> />

parecendo não mais lhe dever satisfação.<<strong>br</strong> />

- Se a gente for para o Brasil, estas coisas ruins também<<strong>br</strong> />

vão acabar. Só por isso, vale a pena, não é?<<strong>br</strong> />

-Nós também vamos ficar aliviados. Essa ida de vocês<<strong>br</strong> />

para o Brasil vai ser algo bom para todos! - disse Kane<<strong>br</strong> />

descarregando sua irritação so<strong>br</strong>e <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> Shizu, que era<<strong>br</strong> />

mais quieta, de forma irônica.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> pôs-se a falar <strong>com</strong> a irmã <strong>Natsu</strong>, mas na verdade, a<<strong>br</strong> />

farpa se destinava a Kane:<<strong>br</strong> />

- Dizem que no Brasil não neva... Não vamos mais ter<<strong>br</strong> />

que passar a noite sem poder dormir, <strong>com</strong> a neve penetrando<<strong>br</strong> />

pelas frestas até a nossa cabeceira. É verão o ano inteiro.<<strong>br</strong> />

Então, parece que as plantas estão sempre floridas.<<strong>br</strong> />

Falou à <strong>Natsu</strong>, que ficava extasiada imaginando as cenas:<<strong>br</strong> />

- Para você, <strong>Natsu</strong>, que gosta de flores, o Brasil será um<<strong>br</strong> />

paraíso! Além disso, a gente nunca viu o mar, mas para ir ao<<strong>br</strong> />

Brasil, vamos viajar dezenas de dias de navio. Vamos ver o<<strong>br</strong> />

mar todos os dias, até dizer chega! Meu coração bate forte só<<strong>br</strong> />

de pensar. - <strong>com</strong>plementou <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Que maravilha, não? Tantas coisas boas...<<strong>br</strong> />

- 26 -


Para Kane, <strong>Haru</strong> era uma so<strong>br</strong>inha insolente e incômoda.<<strong>br</strong> />

- As crianças são felizes. Nem imaginam a vida que as<<strong>br</strong> />

espera... - disse Yozo, pasmo <strong>com</strong> a batalha verbal entre a tia<<strong>br</strong> />

e a so<strong>br</strong>inha, <strong>com</strong>o querendo apartá-las.<<strong>br</strong> />

E então, Chüji deu a última palavra a Yozo:<<strong>br</strong> />

- Olha, pode ser que não seja fácil trabalhar em fazenda<<strong>br</strong> />

de café. Porém, não quer dizer que vamos morar<<strong>br</strong> />

definitivamente no Brasil. É um trabalho de decasségui, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

previsão de volta em três anos. Não vamos dramatizar as<<strong>br</strong> />

coisas. Mesmo vocês dois, Yozo e Kiyo, se não ganharem<<strong>br</strong> />

dinheiro no Brasil, nem filhos poderão ter.<<strong>br</strong> />

Ouvindo falar de filhos, Kiyo, esposa de Yozo cutucou o<<strong>br</strong> />

marido num misto de sentimento de constrangimento e<<strong>br</strong> />

alegria:<<strong>br</strong> />

- Querido, Chûji tem razão.<<strong>br</strong> />

Na época, o governo japonês adotava <strong>com</strong>o política<<strong>br</strong> />

emigratória, o envio de japoneses para o Brasil. Tratava-se<<strong>br</strong> />

de uma medida para fazer face ao aumento de desemprego<<strong>br</strong> />

devido à recessão.<<strong>br</strong> />

E para a maioria dos japoneses que decidiram emigrar,<<strong>br</strong> />

este era o último meio para sair da po<strong>br</strong>eza. Era uma questão<<strong>br</strong> />

de vida ou morte. Ir <strong>com</strong>o decasségui para o Brasil era a forma<<strong>br</strong> />

de conseguir obter um certo montante de dinheiro e <strong>com</strong> isso<<strong>br</strong> />

levar uma vida decente no Japão, uma vida na qual se pudesse<<strong>br</strong> />

alimentar os filhos <strong>com</strong> fartura...<<strong>br</strong> />

Tratava-se de um desejo trivial, mas era o sonho da<<strong>br</strong> />

maioria dos japoneses que iam para o Brasil. Muitos eram<<strong>br</strong> />

- 27 -


pessoas paupérrimas, provenientes da zona rural. Aqueles que<<strong>br</strong> />

podiam vender a sua propriedade e levar algum dinheiro<<strong>br</strong> />

consigo tinham uma certa folga, mas a família Takakura nem<<strong>br</strong> />

podia fazer isso, porque a família do primogênito iria ficar.<<strong>br</strong> />

- Não posso fazer nada para ajudar na partida de vocês<<strong>br</strong> />

para o Brasil. Perdoem-me.<<strong>br</strong> />

Chûji respondeu <strong>com</strong> ternura, diante do pedido de<<strong>br</strong> />

desculpas de Nobu:<<strong>br</strong> />

- Não precisamos de nada. A passagem de navio, de<<strong>br</strong> />

duzentos ienes, será paga pelo governo. Até a hospedaria,<<strong>br</strong> />

onde ficaremos por uma semana em Kobe, até a partida do<<strong>br</strong> />

navio, será de graça. Além disso, o governo fornece cinqüenta<<strong>br</strong> />

ienes por cabeça para os preparativos. Mesmo <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

vão receber vinte e cinco ienes. Podemos ir para o Brasil,<<strong>br</strong> />

mesmo sem ter um centavo sequer. No Brasil, o dono da<<strong>br</strong> />

fazenda estará esperando <strong>com</strong> uma casa para a gente morar,<<strong>br</strong> />

e vamos <strong>com</strong>eçar a trabalhar imediatamente. Trabalhando, a<<strong>br</strong> />

gente pode viver. Então, não há <strong>com</strong> o quê se preocupar.<<strong>br</strong> />

- Que inveja! Se o Yosaku não fosse o primogênito, nós<<strong>br</strong> />

é que queríamos ir.<<strong>br</strong> />

Chûji não ligou para Kane, que falava em tom de ironia.<<strong>br</strong> />

- Yosaku, por favor, cuide da mamãe até eu voltar.<<strong>br</strong> />

Mamãe, voltando do Brasil, vou construir uma casa para a<<strong>br</strong> />

senhora numa região que não neva, e virei buscá-la. Espereme.<<strong>br</strong> />

Agüente firme por três anos.<<strong>br</strong> />

Contendo os seus sentimentos de tristeza, Nobu aquiesceu<<strong>br</strong> />

sorrindo.<<strong>br</strong> />

- 28 -


No depósito atrás da modesta casa dos Takakura, dois<<strong>br</strong> />

coelhos estavam sendo criados num viveiro de bambu. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

e <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iram o viveiro <strong>com</strong> cuidado e cada uma carregou<<strong>br</strong> />

um coelho para fora.<<strong>br</strong> />

- Vamos ter que nos separar destes dois em <strong>br</strong>eve. Não<<strong>br</strong> />

podemos levá-los para o Brasil. - <strong>Natsu</strong> balbuciou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

tristeza.<<strong>br</strong> />

- Vamos devolvê-los ao velho Guen, que nos deu. Se<<strong>br</strong> />

deixarmos aqui, a tia Kane vai matá-los e todos vão <strong>com</strong>êlos.<<strong>br</strong> />

Eles estavam ansiosos, dizendo que quando os dois<<strong>br</strong> />

crescerem mais um pouco, estarão bons para servirem de<<strong>br</strong> />

alimento...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> fitou <strong>com</strong> ternura o coelho que carregava. O velho<<strong>br</strong> />

Guen que morava na vizinhança, tivera pena de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

e presenteara-as <strong>com</strong> os dois coelhos. Desde então, as duas<<strong>br</strong> />

vinham criando-os <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />

- O velho Guen deu um para cada uma de nós. Ele ficou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> dó porque não tínhamos bonecas nem <strong>br</strong>inquedos. Ele<<strong>br</strong> />

disse para a gente cuidar bem deles.<<strong>br</strong> />

- Os coelhos nos consolaram muito. A despedida é triste,<<strong>br</strong> />

mas não tem outro jeito.<<strong>br</strong> />

- Vamos devolver os coelhinhos agora, antes que alguém<<strong>br</strong> />

descu<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />

- Depressa!<<strong>br</strong> />

Apressada por <strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong>, que se demorava na<<strong>br</strong> />

despedida, finalmente se levantou. As duas <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />

- 29 -


andar por caminhos cheios de neve carregando cada uma o<<strong>br</strong> />

seu coelho, quando ouviram as vozes de Kenta e Kyûsaku,<<strong>br</strong> />

filhos de Yosaku e Kane.<<strong>br</strong> />

- Onde vocês vão levar os coelhos?<<strong>br</strong> />

- Vocês vão vendê-los?<<strong>br</strong> />

-Não é da sua conta! São nossos coelhos!<<strong>br</strong> />

- Vocês estão indo para o Brasil. Não precisam mais dos<<strong>br</strong> />

coelhos. Eles ficarão conosco.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> deu uns passos para trás.<<strong>br</strong> />

- Vocês é que pensam! Nós ganhamos os coelhos do velho<<strong>br</strong> />

Guen, e então vamos devolvê-los.<<strong>br</strong> />

- Vamos cuidar deles <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />

- Jamais os entregaremos para vocês. <strong>Natsu</strong>, não deixe<<strong>br</strong> />

que eles apanhem o seu coelho.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> saiu correndo, segurando firme o seu coelho. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

a seguiu não querendo se atrasar. Contudo, Kyûsaku e Kenta<<strong>br</strong> />

as alcançaram facilmente e agarrando-as pelas costas,<<strong>br</strong> />

tentaram arrancar-lhes os coelhos das mãos.<<strong>br</strong> />

- Vamos deixá-los fugir!<<strong>br</strong> />

Vendo <strong>Haru</strong> soltar o seu coelho, <strong>Natsu</strong> também soltou o<<strong>br</strong> />

seu. Os coelhos fugiram aos pulos, no meio da neve.<<strong>br</strong> />

- Vivam felizes! - gritou <strong>Haru</strong>, dirigindo-se aos coelhos.<<strong>br</strong> />

Seu desejo era que os coelhos so<strong>br</strong>evivessem tranqüilos.<<strong>br</strong> />

- Como é que vocês puderam deixá-los fugir!<<strong>br</strong> />

Kyûsaku ergueu o punho cerrado.<<strong>br</strong> />

- Você achou que iria encher a barriga <strong>com</strong> os nossos<<strong>br</strong> />

coelhos?<<strong>br</strong> />

- 30 -


- O quê? Vocês são uns parasitas que viveram <strong>com</strong>endo<<strong>br</strong> />

às nossas custas e nem vão nos deixar os coelhos?<<strong>br</strong> />

Kyûsaku deu um empurrão em <strong>Haru</strong>. Ela se levantou e<<strong>br</strong> />

tentou enfrentá-lo, mas novamente foi derrubada no chão.<<strong>br</strong> />

- Mana!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> avançou chorando em direção a Kenta, mas também<<strong>br</strong> />

foi derrubada e se agarrou a <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

-Não lhes dê atenção!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> resistia, lançando olhares de ira e desprezo contra<<strong>br</strong> />

os primos. Diante da falta de resistência física das duas,<<strong>br</strong> />

Kyûsaku e Kenta desistiram, abandonando o local.<<strong>br</strong> />

- Nós iremos para o Brasil. Lá, não vamos mais precisar<<strong>br</strong> />

ver a cara deles. Vamos criar coelhos novamente. No Brasil,<<strong>br</strong> />

não tem inverno. Sempre vai ter <strong>com</strong>ida para eles. Vamos<<strong>br</strong> />

criar tantos coelhos quanto quisermos!<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>! Está sangrando? Tudo bem?<<strong>br</strong> />

- Tudo bem. Aqui, eles sempre maltrataram a gente. Mas,<<strong>br</strong> />

no Brasil, eles não poderão mais fazer isso. Vamos ajudar<<strong>br</strong> />

bastante o papai e a mamãe, e vamos viver felizes. Mas, haja<<strong>br</strong> />

o que houver, eu e você vamos estar sempre juntas. Eu vou<<strong>br</strong> />

protegê-la. Vamos para o Brasil sem preocupações.<<strong>br</strong> />

- Estando <strong>com</strong> você, não tenho medo de nada.<<strong>br</strong> />

- Vamos pedir desculpas ao velho Guen por termos<<strong>br</strong> />

soltado os coelhos e nos despedirmos dele.<<strong>br</strong> />

- No Brasil, vamos criar bastante coelhos, né?<<strong>br</strong> />

Apesar de criança, <strong>Haru</strong> sentia que a fome deixava ríspido<<strong>br</strong> />

o coração das pessoas. O sacrifício, porém, estava próximo<<strong>br</strong> />

- 31 -


do fim.<<strong>br</strong> />

No ano seguinte, em março de 1934, chegara enfim, o<<strong>br</strong> />

dia da partida tão esperada por todos. Chûji e Shizu pregaram<<strong>br</strong> />

tábuas na porta, lacrando a casa congelada pelo frio e pelos<<strong>br</strong> />

ventos que penetravam pelas frestas. Não precisavam mais<<strong>br</strong> />

morar naquela casa, onde levaram uma vida paupérrima.<<strong>br</strong> />

O trenó, puxado a cavalo, lançou-se na neve, levando a<<strong>br</strong> />

família de <strong>Haru</strong> em direção ao país da felicidade, o Brasil.<<strong>br</strong> />

- Naquela época, o Brasil nos parecia ser um paraíso.<<strong>br</strong> />

Acreditávamos que sairíamos da vida po<strong>br</strong>e de Hokkaido,<<strong>br</strong> />

em que não havia <strong>com</strong>ida suficiente para uma família grande,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eríamos sem preocupações e levaríamos uma vida feliz...<<strong>br</strong> />

Não víamos a hora de partir para o Brasil. - <strong>Haru</strong> continuava<<strong>br</strong> />

a contar a longa história de sua infância a Yamato, no<<strong>br</strong> />

confortável quarto do hotel.<<strong>br</strong> />

- Por isso, não sentia nem um pouco de tristeza ou pena<<strong>br</strong> />

de ter que deixar Hokkaido, nossa terra natal. Vivíamos<<strong>br</strong> />

eufóricas, eu e minha irmã, <strong>com</strong>o se estivéssemos nos<<strong>br</strong> />

preparando para ir a um piquenique. Contudo, assim que<<strong>br</strong> />

chegamos a Kobe, de onde partia o navio... aconteceu um<<strong>br</strong> />

imprevisto. Todos os sonhos ruíram de uma só vez. A minha<<strong>br</strong> />

longa vida foi marcada de sofrimentos, porém, aquele foi o<<strong>br</strong> />

dia mais triste.<<strong>br</strong> />

Naquela época, os navios de emigração zarpavam do porto<<strong>br</strong> />

de Kobe. Os emigrantes e seus familiares que se dirigiam<<strong>br</strong> />

- 32 -


para o Brasil vinham de todo o Japão e se reuniam no Centro<<strong>br</strong> />

de Instrução dos Emigrantes de Kobe, vulgarmente conhecido<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o Hospedaria dos Emigrantes, onde permaneciam por<<strong>br</strong> />

cerca de uma semana.<<strong>br</strong> />

Recebiam explicações e re<strong>com</strong>endações so<strong>br</strong>e a vida no<<strong>br</strong> />

Brasil, cuidavam de diversos procedimentos e faziam os<<strong>br</strong> />

últimos preparativos antes de embarcarem no navio que os<<strong>br</strong> />

levariam para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Naquele ano, houve o embarque mais numeroso de<<strong>br</strong> />

emigrantes, <strong>com</strong> cerca de 20.000 pessoas. O número de<<strong>br</strong> />

passageiros que embarcavam a cada viagem nos navios era<<strong>br</strong> />

de algumas centenas a cerca de mil.<<strong>br</strong> />

A família Takakura fizera uma longa viagem terrestre,<<strong>br</strong> />

saindo de Hokkaido até Kobe, mas chegaram bem na<<strong>br</strong> />

Hospedaria dos Emigrantes onde viram hasteadas as bandeiras<<strong>br</strong> />

do Japão e do Brasil.<<strong>br</strong> />

O funcionário que os atendeu estava de uniforme <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

quepe e parecia um policial. Conferiu os nomes <strong>com</strong> a lista<<strong>br</strong> />

de passageiros e finalmente foram conduzidos para uma sala<<strong>br</strong> />

de espera, que mais parecia um depósito.<<strong>br</strong> />

Nem houve tempo para descansar da longa viagem. Uma<<strong>br</strong> />

multidão se aglomerava no local.<<strong>br</strong> />

- Agora vamos nos submeter a exames médicos. - Chûji<<strong>br</strong> />

acordou os familiares que, cansados, estavam deitados.<<strong>br</strong> />

- Exame médico? Temos que nos submeter a isso? - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

perguntou meio atônita, no meio dos irmãos Shigeru, Minoru<<strong>br</strong> />

e <strong>Natsu</strong>, que ainda <strong>br</strong>incavam cheios de energia.<<strong>br</strong> />

- 33 -


Naquela época, a situação de higiene no Japão era<<strong>br</strong> />

calamitosa, em especial na zona rural. Houve emigrantes que<<strong>br</strong> />

apesar de terem chegado ao porto de Santos, não conseguiram<<strong>br</strong> />

passar pela quarentena e foram o<strong>br</strong>igados a voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão.<<strong>br</strong> />

As autoridades sanitárias <strong>br</strong>asileiras estavam mais alertas<<strong>br</strong> />

à medida que aumentava o número de imigrantes que<<strong>br</strong> />

chegavam do Japão, em especial, quanto a doenças<<strong>br</strong> />

contagiosas. Havia forte solicitação por parte daquelas<<strong>br</strong> />

autoridades no sentido de identificar as doenças enquanto<<strong>br</strong> />

estivessem no Japão para que estes não viessem a embarcar.<<strong>br</strong> />

Assim, os emigrantes eram o<strong>br</strong>igados a se submeterem aos<<strong>br</strong> />

exames médicos em Kobe.<<strong>br</strong> />

Chûji explicou de forma simplificada o porquê dos<<strong>br</strong> />

exames para as crianças, que ficaram meio atordoadas.<<strong>br</strong> />

- Vão verificar se temos ou não alguma doença. Se<<strong>br</strong> />

tivermos alguma doença ruim, não poderemos entrar no<<strong>br</strong> />

Brasil... Por isso, vão nos examinar aqui e, se desco<strong>br</strong>irem<<strong>br</strong> />

alguma doença, temos que voltar para casa.<<strong>br</strong> />

- Então, se encontrarem alguma doença, essa pessoa não<<strong>br</strong> />

pode embarcar no navio? - perguntou Shigeru.<<strong>br</strong> />

- É lógico. Mesmo chegando no Brasil depois de dezenas<<strong>br</strong> />

de dias de viagem, ela vai ser mandada de volta. Terá sido<<strong>br</strong> />

inútil a viagem, não é? - explicou Chûji.<<strong>br</strong> />

- Coitada dessa pessoa! - <strong>com</strong>entou <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não tem jeito. É o regulamento. Nós não temos<<strong>br</strong> />

problemas. Fiz vocês passarem fome, mas ninguém até hoje<<strong>br</strong> />

- 34 -


ficou gravemente doente. - respondeu Chûji, <strong>com</strong> força na<<strong>br</strong> />

voz, querendo tranqüilizar Shigeru e <strong>Haru</strong>, que se alternavam<<strong>br</strong> />

nas perguntas.<<strong>br</strong> />

- É verdade! Todos nós somos saudáveis. - concordou<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Confortada pelas palavras do pai de que não haveria<<strong>br</strong> />

problemas, <strong>Haru</strong> riu alegremente.<<strong>br</strong> />

Chegara a vez da família Takakura se submeter aos<<strong>br</strong> />

exames médicos e foram todos chamados para a enfermaria.<<strong>br</strong> />

Chûji, Shizu, Shigeru e Minoru foram liberados sem maiores<<strong>br</strong> />

problemas. A seguir, o médico <strong>com</strong>eçou a examinar <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Esta menina também está subnutrida. Vocês são de<<strong>br</strong> />

Hokkaido? Parece que em Hokkaido a vida está difícil devido<<strong>br</strong> />

à baixa temperatura e que<strong>br</strong>a de safra. Vocês praticamente<<strong>br</strong> />

não tinham o que <strong>com</strong>er, não é?<<strong>br</strong> />

Colocando o estetoscópio no peito de <strong>Haru</strong>, o médico<<strong>br</strong> />

examinou sua ficha.<<strong>br</strong> />

- Então, ela não poderá ir para o Brasil? - perguntou Chüji<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> insegurança, retraído.<<strong>br</strong> />

- Subnutrição não é doença. Se ela se alimentar bem<<strong>br</strong> />

durante a viagem, ficará boa. Não tem <strong>com</strong> o quê se preocupar.<<strong>br</strong> />

Próxima...<<strong>br</strong> />

Outras pessoas que estavam no local, médicos e<<strong>br</strong> />

enfermeiras riram e então, <strong>Haru</strong>, tranqüila, trocou de lugar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

O médico, ao examinar <strong>Natsu</strong>, num relance enrijeceu a<<strong>br</strong> />

fisionomia, após ter virado a pálpe<strong>br</strong>a do olho de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- 35 -


- Essa não! A menina está <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a num estado grave!<<strong>br</strong> />

- Tra<strong>com</strong>a? - perguntou Chüji.<<strong>br</strong> />

Tra<strong>com</strong>a era o nome vulgar de uma oftalmopatia crônica,<<strong>br</strong> />

de origem bacteriana, altamente transmissível, que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prometia a córnea e a conjuntiva. Hoje, já se tornou<<strong>br</strong> />

doença do passado, mas naquela época, a incidência de<<strong>br</strong> />

tra<strong>com</strong>a era muito alta porque havia carência de<<strong>br</strong> />

conhecimentos ou instalações higiênicas para preveni-la.<<strong>br</strong> />

- Desse jeito, ela não pode ir para o Brasil. Ela morava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> vocês?<<strong>br</strong> />

- Sim. - respondeu Chûji.<<strong>br</strong> />

- Que sorte que não passou para os outros. Só por isso,<<strong>br</strong> />

têm que se dar por felizes.<<strong>br</strong> />

A situação não ficara muito clara, mas todos os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />

da família Takakura se submeteram aos exames médicos e<<strong>br</strong> />

somente <strong>Natsu</strong> foi levada à uma sala à parte, para exames<<strong>br</strong> />

pormenorizados.<<strong>br</strong> />

Voltaram para o quarto que lhes fora destinado na<<strong>br</strong> />

Hospedaria dos Emigrantes, mas todos estavam apreensivos.<<strong>br</strong> />

Não só <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o também <strong>Haru</strong>, Shizu e os demais,<<strong>br</strong> />

sentaram-se mudos <strong>com</strong> expressão aterrorizada.<<strong>br</strong> />

- Essa doença nos olhos não é nada... Ela não tem outros<<strong>br</strong> />

problemas. O seu pai está pedindo para que possa viajar.<<strong>br</strong> />

- disse Yozo, tio de <strong>Natsu</strong>, dirigindo-se a ela.<<strong>br</strong> />

- Não pensei que ela estivesse <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. Ela tinha<<strong>br</strong> />

remelas e estava piscando bastante, mas não se queixava de<<strong>br</strong> />

dor, nem de que não estava enxergando. Nunca pensei que<<strong>br</strong> />

- 36 -


fosse doença. Se soubesse, tinha tratado antes. - disse Shizu,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> profundo remorso.<<strong>br</strong> />

- Vai dar tudo certo! Mesmo <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a, ela pode fazer<<strong>br</strong> />

de tudo, igual a uma pessoa normal.<<strong>br</strong> />

Somente Yozo procurava confortar o resto dos familiares.<<strong>br</strong> />

Passos pesados, que vinham do longo e escuro corredor<<strong>br</strong> />

da hospedaria, pararam em frente ao quarto da família<<strong>br</strong> />

Takakura.<<strong>br</strong> />

Todos olharam ao mesmo tempo para a porta do quarto.<<strong>br</strong> />

Era Chüji.<<strong>br</strong> />

- Pedi <strong>com</strong> insistência ao encarregado. Porém, ele disse<<strong>br</strong> />

que o Brasil proíbe terminantemente a entrada de pessoas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. A inspeção para entrada no país está ficando<<strong>br</strong> />

mais difícil a cada ano.<<strong>br</strong> />

- Então, não podemos levar <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

Shizu olhou transtornada para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Vamos pedir ao médico que trate dela e a cure até a<<strong>br</strong> />

partida do navio!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> fez bico, inconformada, pensando que não poderia<<strong>br</strong> />

deixar <strong>Natsu</strong> para trás.<<strong>br</strong> />

- Parece que não é tão simples assim... - respondeu Chüji.<<strong>br</strong> />

- Quando eu estava na escola primária, tinha muitas<<strong>br</strong> />

crianças <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a. Elas não se tratavam, mas eram<<strong>br</strong> />

saudáveis e <strong>br</strong>incavam sem problemas.<<strong>br</strong> />

Como se podia depreender da fala de Shigeru, havia pouca<<strong>br</strong> />

conscientização acerca da gravidade do tra<strong>com</strong>a entre a<<strong>br</strong> />

população.<<strong>br</strong> />

- 37 -


Anos antes da viagem da família Takakura, houvera um<<strong>br</strong> />

surto de tra<strong>com</strong>a em Santos. A origem do surto parecia ter<<strong>br</strong> />

sido algum imigrante infectado, vindo do Japão. Desde então,<<strong>br</strong> />

os exames tornaram-se mais rigorosos e ainda que fizessem<<strong>br</strong> />

vista grossa em Kobe, poderia ser-lhes negado o desembarque<<strong>br</strong> />

no Brasil.<<strong>br</strong> />

Parece que explicaram detalhadamente a situação para<<strong>br</strong> />

Chûji.<<strong>br</strong> />

- O tra<strong>com</strong>a é uma doença contagiosa. E se passar para<<strong>br</strong> />

outras pessoas dentro do navio? O que é que a gente faz? É<<strong>br</strong> />

uma doença perigosa, e se ela não for tratada, pode danificar<<strong>br</strong> />

a córnea e cegar a pessoa. Dizem que é impossível curar a<<strong>br</strong> />

doença até o dia da partida. Não temos outro jeito a não ser<<strong>br</strong> />

deixar <strong>Natsu</strong> no Japão...<<strong>br</strong> />

- Como!?... Se a gente não pode mesmo levar <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

temos que desistir de ir para o Brasil...<<strong>br</strong> />

- É verdade! Como a gente vai poder deixar <strong>Natsu</strong> sozinha<<strong>br</strong> />

aqui?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Shizu se revezavam na argumentação.<<strong>br</strong> />

- Desistindo da ida para o Brasil, para onde é que podemos<<strong>br</strong> />

ir? Voltando a Hokkaido, só nos resta morrer de fome. Mesmo<<strong>br</strong> />

indo para outro lugar, não temos a quem pedir ajuda. Se nós<<strong>br</strong> />

tivéssemos alguma forma de viver por conta própria, quem<<strong>br</strong> />

iria querer ir para o Brasil, deixando <strong>Natsu</strong> aqui? Nós não<<strong>br</strong> />

temos mais nem um centavo. Não temos mais <strong>com</strong>o continuar<<strong>br</strong> />

vivendo no Japão. Para continuar a viver, só nos resta a<<strong>br</strong> />

alternativa de ir para o Brasil. Todos vocês sabem disso...<<strong>br</strong> />

- 38 -


Chüji tentou disfarçar a batida rápida do seu coração e a<<strong>br</strong> />

insegurança. Haviam tomado a decisão a muito custo, afinal os<<strong>br</strong> />

pais não podiam abandonar uma filha sozinha.<<strong>br</strong> />

- Então, <strong>com</strong>o fica <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

- Se for só ela, acho que a família de meu irmão poderá<<strong>br</strong> />

cuidar.<<strong>br</strong> />

- Você está dizendo que vai mandá-la de volta para<<strong>br</strong> />

Hokkaido?<<strong>br</strong> />

A pergunta de Shizu continha doses silenciosa de ira<<strong>br</strong> />

contra o marido.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, por sua vez, argumentou desesperada, <strong>com</strong> o pai:<<strong>br</strong> />

- O senhor não pode fazer isso! Mandar <strong>Natsu</strong> sozinha<<strong>br</strong> />

de volta para aquela tia e aqueles primos malvados... Acho<<strong>br</strong> />

que nem <strong>com</strong>ida vão dar a ela...<<strong>br</strong> />

- Lá está a vovó. Dentre todos os netos, a vovó gostava,<<strong>br</strong> />

em particular, de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>. Ela protegerá a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- argumentou o pai.<<strong>br</strong> />

- Nãão! Po<strong>br</strong>ezinha da <strong>Natsu</strong>! A gente não pode fazer<<strong>br</strong> />

isso <strong>com</strong> ela!<<strong>br</strong> />

Em segundos, os olhos de <strong>Haru</strong> se encheram de lágrimas.<<strong>br</strong> />

- Então, <strong>Haru</strong>, você fica <strong>com</strong> a <strong>Natsu</strong> no Japão? Assim,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se sentirá mais encorajada.<<strong>br</strong> />

- Eu prefiro morrer a voltar para Hokkaido.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> negou prontamente a possibilidade de ficar <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

irmã no Japão, e lágrimas escorreram por seu rosto.<<strong>br</strong> />

Por um instante, <strong>Natsu</strong> teve esperanças na resposta da<<strong>br</strong> />

irmã, mas desviou os olhos de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong> fisionomia triste.<<strong>br</strong> />

- 39 -


- <strong>Natsu</strong>, nós não podemos mais voltar atrás. Não temos<<strong>br</strong> />

outro jeito se não ir para o Brasil. Porém, vamos ficar lá por<<strong>br</strong> />

três anos. Se trabalharmos três anos, vamos ganhar bastante<<strong>br</strong> />

dinheiro. Então, retornaremos para o Japão e vamos buscá-la<<strong>br</strong> />

em Hokkaido. Agüente apenas três anos. Eu também não<<strong>br</strong> />

quero deixá-la aqui. Mas, se eu não fizer isso, a família inteira<<strong>br</strong> />

morrerá de fome. Agüente três anos em Hokkaido. Com isso,<<strong>br</strong> />

todos serão salvos.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se agarrou assustada a Shizu e Chüji procurava<<strong>br</strong> />

convencê-la, <strong>com</strong>o se estivesse a implorar.<<strong>br</strong> />

- Vamos juntar bastante dinheiro no Brasil, voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão, <strong>com</strong>prar terras e construir uma casa em uma região<<strong>br</strong> />

onde não neva. Ali, poderemos viver novamente <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

Você nos espera, não é, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> procurava controlar o choro.<<strong>br</strong> />

Três anos. Para os adultos podia ser apenas três anos,<<strong>br</strong> />

mas <strong>Natsu</strong> tinha somente sete anos. Para uma criança naquela<<strong>br</strong> />

idade, um mês ou uma semana custavam a passar. A espera<<strong>br</strong> />

de três anos devia ter-lhe parecido uma espera infinitamente<<strong>br</strong> />

longa.<<strong>br</strong> />

Resolveram escrever para Nobu, avó de <strong>Natsu</strong>, que estava<<strong>br</strong> />

em Hokkaido, para vir buscá-la em Kobe. Isso também não<<strong>br</strong> />

era fácil, pois ela não tinha <strong>com</strong>o pagar as passagens de trem<<strong>br</strong> />

para as duas.<<strong>br</strong> />

- Eu vou dar a ela cem ienes do dinheiro que o governo<<strong>br</strong> />

nos deu <strong>com</strong>o ajuda de custo. Vamos ter que so<strong>br</strong>eviver <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

o resto. Está bem assim?<<strong>br</strong> />

- 40 -


Ninguém podia negar a decisão de Chüji, que embora<<strong>br</strong> />

contrariado, teria de deixar <strong>Natsu</strong> no Japão. Não havia outra<<strong>br</strong> />

escolha, ainda que se pensasse no íntimo que era uma atitude<<strong>br</strong> />

fria do pai. Se chamasse a isso de crime, então, todos os<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da família Takakura seriam criminosos.<<strong>br</strong> />

Ficar em Hokkaido tornara-se uma realidade nua e crua.<<strong>br</strong> />

Até então, <strong>Natsu</strong> se contivera, mas passou a chorar <strong>com</strong> voz<<strong>br</strong> />

abafada, os om<strong>br</strong>os trêmulos. Shizu a a<strong>br</strong>açava <strong>com</strong> toda a<<strong>br</strong> />

força, mas também não era possível conter as lágrimas.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, prometo que vou lhe escrever... Vou contar para<<strong>br</strong> />

você so<strong>br</strong>e a nossa vida no Brasil, para você sentir que está lá<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a gente. Eu vou escrever, sempre pensando em você...<<strong>br</strong> />

Por isso, escreva-me também, <strong>Natsu</strong>. Prometa. Vou ficar<<strong>br</strong> />

esperando...<<strong>br</strong> />

Ainda que <strong>Haru</strong> tentasse consolá-la <strong>com</strong> todo afinco,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apenas chorava nos <strong>br</strong>aços de Shizu.<<strong>br</strong> />

O coração de <strong>Haru</strong> parecia sangrar. Apesar de ter<<strong>br</strong> />

prometido a ela que estariam sempre juntas, em quaisquer<<strong>br</strong> />

circunstâncias, acabou por trair <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Todos os pés de cerejeiras da Hospedaria dos Emigrantes<<strong>br</strong> />

estavam em flor. Até parecia haver uma chuva de pétalas de<<strong>br</strong> />

cerejeiras. As famílias tiravam fotos para recordação. <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> colocaram seus únicos e melhores vestidos e se<<strong>br</strong> />

colocaram <strong>com</strong> os demais familiares em frente à placa onde<<strong>br</strong> />

estava escrito Centro de Instrução de Emigrantes de Kobe.<<strong>br</strong> />

Chüji e Yozo também estavam bem trajados, vestindo terno,<<strong>br</strong> />

- 41 -


que nunca haviam usado até então.<<strong>br</strong> />

Ouvia-se o barulho do disparador. Depois dos Takakura,<<strong>br</strong> />

outra família ocupou o mesmo espaço para foto. Faltava pouco<<strong>br</strong> />

tempo para se dirigirem ao cais e outras famílias estavam a<<strong>br</strong> />

trocar sorrisos entre si.<<strong>br</strong> />

Afastada dos demais, <strong>Natsu</strong> fitava as pétalas das flores<<strong>br</strong> />

de cerejeira que eram levadas pelo vento.<<strong>br</strong> />

Os dias passaram rapidamente na Hospedaria dos<<strong>br</strong> />

Emigrantes, em meio a aulas intensivas de língua portuguesa,<<strong>br</strong> />

vacinações etc. E eis que era chegado o dia da partida.<<strong>br</strong> />

A avó Nobu que vinha buscar <strong>Natsu</strong>, de Hokkaido, ainda<<strong>br</strong> />

não chegara em Kobe. Os mem<strong>br</strong>os da família Takakura<<strong>br</strong> />

teriam que embarcar no navio de emigração, deixando <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

sozinha na Hospedaria.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Natsu</strong> voltou para o quarto, Shizu colocou uma<<strong>br</strong> />

pequena trouxa ao seu lado.<<strong>br</strong> />

- Esta é a sua trouxa. Leve <strong>com</strong> cuidado.<<strong>br</strong> />

Shizu colocou uma caixa de caramelos na trouxa e<<strong>br</strong> />

pendurou um amuleto no seu pescoço.<<strong>br</strong> />

- Escrevi uma carta para a vovó, explicando tudo em<<strong>br</strong> />

detalhes, e enviei junto, o dinheiro das passagens de trem.<<strong>br</strong> />

Ela mandou um telegrama dizendo que vem buscá-la<<strong>br</strong> />

imediatamente. Espere aqui, sem se preocupar <strong>com</strong> nada.<<strong>br</strong> />

Chüji entregou uma pequena, mas preciosa para a família,<<strong>br</strong> />

importância em dinheiro nas mãos de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />

- Se tiver alguma coisa que quiser enquanto ficar aqui,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pre <strong>com</strong> esse dinheiro. Você agüenta, não? Você pode<<strong>br</strong> />

- 42 -


esperar sozinha, não?<<strong>br</strong> />

Até mesmo a voz de Chüji ficou embargada.<<strong>br</strong> />

- Cuide-se bem.<<strong>br</strong> />

Shizu não conseguiu conter a emoção e a voz também<<strong>br</strong> />

não saiu.<<strong>br</strong> />

O pensamento de todos era um só. Se pudessem levá-la,<<strong>br</strong> />

levariam-na junto. Yozo estava carregando um baú de vime,<<strong>br</strong> />

Shizu uma grande trouxa nas costas. Minoru, Kiyo e os outros<<strong>br</strong> />

olhavam pesarosos para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, que tentava suportar <strong>com</strong> galhardia, <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

piscar e, ao olhar para baixo, lágrimas caíram de seus olhos.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, eu vou voltar <strong>com</strong> você para Hokkaido. Não<<strong>br</strong> />

posso deixá-la sozinha no Japão. Prometi ficar sempre junto<<strong>br</strong> />

de você. Não vou deixá-la sozinha. - <strong>Haru</strong> exclamou, não<<strong>br</strong> />

podendo mais se conter, <strong>com</strong>o se protestasse contra Chüji.<<strong>br</strong> />

- De novo? Quantas vezes preciso dizer para você<<strong>br</strong> />

entender? Se for só a <strong>Natsu</strong>, o tio de Hokkaido poderá cuidar.<<strong>br</strong> />

Mas, se forem vocês duas, pode ser que o tio se recuse.<<strong>br</strong> />

- Tudo bem, <strong>Haru</strong>. Depois de três anos, poderemos voltar<<strong>br</strong> />

a morar juntas. Eu esperarei.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> procurou se mostrar alegre e forte. Ainda assim,<<strong>br</strong> />

os seus olhos logo se encheram de lágrimas e o sorriso que<<strong>br</strong> />

procurou forçar acabou se transformando em choro.<<strong>br</strong> />

- Este é o endereço da fazenda de café em que vamos<<strong>br</strong> />

trabalhar. Eles disseram que só poderiam dar o endereço<<strong>br</strong> />

depois que chegássemos no Brasil, porém, expliquei a<<strong>br</strong> />

situação e eles me deram. Escreva para nós neste endereço.<<strong>br</strong> />

- 43 -


<strong>Natsu</strong> olhou atentamente o papel que Chüji lhe entregara.<<strong>br</strong> />

As letras do alfabeto que <strong>Natsu</strong> não conseguia ler estavam<<strong>br</strong> />

enfileiradas <strong>com</strong>o se fossem símbolos. A família viveria feliz<<strong>br</strong> />

na fazenda de café, naquele endereço.<<strong>br</strong> />

- A foto que tiramos em família ficou pronta. Mandei<<strong>br</strong> />

fazer uma cópia a mais para você. Guarde-a!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> estavam na frente e atrás se perfilaram os<<strong>br</strong> />

pais, irmãos e o casal de tios, bem formais. <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

aca<strong>br</strong>unhada, fitava um ponto.<<strong>br</strong> />

- Perdoe-nos, <strong>Natsu</strong>! Perdoe-nos por deixá-la sozinha...<<strong>br</strong> />

- Eu vou olhar para esta fotografia e me lem<strong>br</strong>ar de vocês.<<strong>br</strong> />

Com essa foto, vou sentir que estamos sempre juntas, que<<strong>br</strong> />

não estarei sozinha...<<strong>br</strong> />

- Então, temos que ir. Não venha se despedir de nós. Lá<<strong>br</strong> />

no cais haverá uma grande multidão. Vai ser uma confusão e<<strong>br</strong> />

você poderá ser pisoteada.<<strong>br</strong> />

Chüji dirigia-se a <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a voz mais mansa possível,<<strong>br</strong> />

e Shizu procurava explicar à <strong>Natsu</strong> em tom de apelo:<<strong>br</strong> />

- É melhor a gente se despedir aqui. A despedida no cais<<strong>br</strong> />

é triste demais. Não venha! Fique aqui. Fique aqui, está bem?<<strong>br</strong> />

Convencida pelas as argumentações de Chûji e Shizu,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> engoliu o choro e aquiesceu em silêncio.<<strong>br</strong> />

Saíram do quarto e ao do<strong>br</strong>ar o corredor, <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />

agüentou e olhou para trás. Não viu <strong>Natsu</strong> no corredor. Chüji<<strong>br</strong> />

colocou o <strong>br</strong>aço nas costas de <strong>Haru</strong> e fez <strong>com</strong> que ela<<strong>br</strong> />

continuasse a caminhar.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficou só no quarto e tentava suportar a insegurança<<strong>br</strong> />

- 44 -


e a terrível solidão, olhando para a foto da família que fora deixada<<strong>br</strong> />

em suas mãos.<<strong>br</strong> />

O porto de Kobe estava lotado de pessoas que haviam<<strong>br</strong> />

vindo se despedir dos emigrantes que partiam rumo ao Brasil,<<strong>br</strong> />

incluindo os alunos da escola situada nas proximidades.<<strong>br</strong> />

Centenas de bandeiras japonesas tremulavam no cais.<<strong>br</strong> />

Vencendo a multidão que se aglomerava, <strong>Haru</strong> viu, pela<<strong>br</strong> />

primeira vez na vida, um grande navio atracado no cais. Era<<strong>br</strong> />

o vapor Santos Maru, navio de imigração que transportaria<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e os demais emigrantes para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Centenas de familiares embarcavam em grupos, buscando<<strong>br</strong> />

a última esperança no Novo Mundo, ainda por eles<<strong>br</strong> />

desconhecido. Tendo subido o passadiço, já não mais se podia<<strong>br</strong> />

retornar à terra. Estava para <strong>com</strong>eçar uma viagem de um mês<<strong>br</strong> />

e meio no mar.<<strong>br</strong> />

Apesar de ser o local onde passariam bastante tempo, o<<strong>br</strong> />

ambiente do navio não podia ser chamado, exatamente, de<<strong>br</strong> />

confortável. Os camarotes não eram individuais. Era um<<strong>br</strong> />

espaço parecido <strong>com</strong> um depósito onde haviam sido montados<<strong>br</strong> />

diversos beliches de tubos de ferro. Chamavam-nos de<<strong>br</strong> />

"prateleiras para criação de bichos-de-seda" e eram espaços<<strong>br</strong> />

sem privacidade, isolados apenas <strong>com</strong> cortinas. Era ali que<<strong>br</strong> />

diversas famílias viveriam juntas durante a viagem.<<strong>br</strong> />

De qualquer modo, <strong>Haru</strong> e os demais mem<strong>br</strong>os da família<<strong>br</strong> />

Takakura descarregaram os seus pertences nos espaços a eles<<strong>br</strong> />

reservados.<<strong>br</strong> />

Logo o navio estaria zarpando. Outras famílias foram para<<strong>br</strong> />

- 45 -


o convés, mas não havia ninguém para se despedir dos<<strong>br</strong> />

Takakura. Assim, <strong>com</strong>eçaram a desmanchar as suas bagagens<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> calma. Não se tratava de um adeus definitivo ao Japão,<<strong>br</strong> />

pois o retorno seria em apenas três anos.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não parava de pensar na sua irmã <strong>Natsu</strong>. Prometera<<strong>br</strong> />

que estariam sempre juntas, mas acabou descumprindo a<<strong>br</strong> />

promessa por não querer voltar para Hokkaido. <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />

censurava por isso. Da janela redonda da cabine podia<<strong>br</strong> />

enxergar o cais.<<strong>br</strong> />

Os colegiais ali reunidos, entoavam o Hino de Despedida<<strong>br</strong> />

aos Patrícios que Emigram para o Brasil:<<strong>br</strong> />

"Avante <strong>com</strong>patriotas, cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />

Para o Brasil, na longínqua América do Sul<<strong>br</strong> />

Irradia a luz da Pátria<<strong>br</strong> />

E quão corajosa é a partida de hoje.<<strong>br</strong> />

Viva! Viva! Muitas vivas!"<<strong>br</strong> />

De repente, <strong>Haru</strong> saiu correndo para fora da cabine.<<strong>br</strong> />

- Eu vou ver o navio zarpar!<<strong>br</strong> />

- Eu também!<<strong>br</strong> />

Shigeru saiu correndo atrás de <strong>Haru</strong> e Minoru também<<strong>br</strong> />

seguiu o irmão.<<strong>br</strong> />

- Estou preocupado <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

Com estas palavras ditas para Shizu, Chüji também saiu<<strong>br</strong> />

às pressas da cabine.<<strong>br</strong> />

- 46 -


O convés estava lotado de passageiros que se despediam<<strong>br</strong> />

do Japão e cada um segurava as pontas de diversas serpentinas<<strong>br</strong> />

coloridas. As fitas de serpentina eram os últimos laços que<<strong>br</strong> />

uniam os emigrantes no convés aos familiares e amigos que<<strong>br</strong> />

se despediam no cais.<<strong>br</strong> />

Os emigrantes haviam desistido de viver no Japão e<<strong>br</strong> />

estavam rumando para o Brasil, quer fosse para ganhar<<strong>br</strong> />

dinheiro, quer fosse para fugir do Japão. Entretanto, no último<<strong>br</strong> />

momento da despedida, já sentiam saudades da terra natal.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> corria pelo convés. Correndo, olhou para o cais,<<strong>br</strong> />

quando avistou <strong>Natsu</strong>, que vinha correndo desesperadamente<<strong>br</strong> />

rumo ao navio.<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>!...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhou para cima, reconhecendo a voz de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Mana, eu também vou! Eu também quero ir junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

vocês.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> aquiesceu <strong>com</strong> a cabeça e atravessou correndo o<<strong>br</strong> />

convés onde se aglomeravam pessoas e mais pessoas que<<strong>br</strong> />

gritavam vivas e mais vivas. Finalmente, encontrou o lugar<<strong>br</strong> />

onde estava o passadiço para descer do navio, mas assim que<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>iu o portão de segurança, foi barrada por um tripulante<<strong>br</strong> />

assustado, que impediu <strong>Haru</strong> de ir adiante, imobilizando-a.<<strong>br</strong> />

Na parte inferior do passadiço, <strong>Natsu</strong> também procurava<<strong>br</strong> />

se livrar desesperadamente de um outro tripulante que tentava<<strong>br</strong> />

impedir que ela subisse. Ela gritava agarrada ao corrimão:<<strong>br</strong> />

-Não me deixe!<<strong>br</strong> />

- Eu vou ficar no Japão <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Vou descer. Deixe-<<strong>br</strong> />

- 47 -


me descer!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, desesperada, mordeu a mão do tripulante que a<<strong>br</strong> />

segurava. E no instante em que foi solta, desceu o passadiço.<<strong>br</strong> />

Ao mesmo tempo, <strong>Natsu</strong> também conseguira se desvencilhar<<strong>br</strong> />

e correu em direção a <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

E assim, <strong>Haru</strong> conseguiu agarrar <strong>Natsu</strong> nos seus <strong>br</strong>aços.<<strong>br</strong> />

Naquele instante, o tempo pareceu ter parado.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>, que estupidez!<<strong>br</strong> />

Chüji desceu correndo o passadiço, aos gritos, segurando<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong> força, tentando levá-la de volta ao navio. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

também foi agarrada, pelas costas, por um tripulante. As duas<<strong>br</strong> />

mãos fortemente entrelaçadas das irmãs acabaram se soltando.<<strong>br</strong> />

Os dedos flutuaram no vazio.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, carregada por Chüji, ainda tentou resistir.<<strong>br</strong> />

- Não posso deixar <strong>Natsu</strong> sozinha!<<strong>br</strong> />

-Mana!<<strong>br</strong> />

Mesmo depois que fora carregada pelos tripulantes para<<strong>br</strong> />

fora do passadiço, <strong>Natsu</strong> não parou de gritar.<<strong>br</strong> />

- Mana! Mana!<<strong>br</strong> />

Continuou a chamar inúmeras vezes, enquanto pôde falar.<<strong>br</strong> />

- Tenha paciência! Agüente firme por três anos!<<strong>br</strong> />

- exclamou Chûji.<<strong>br</strong> />

Começaram a bater o gongo, cujo som ecoava sem<<strong>br</strong> />

piedade, anunciando a partida do navio. A um sinal, o<<strong>br</strong> />

passadiço foi retirado e gritos cada vez mais fortes de viva<<strong>br</strong> />

partiam tanto dos que haviam embarcado no navio <strong>com</strong>o da<<strong>br</strong> />

multidão que se aglomerava no cais.<<strong>br</strong> />

- 48 -


Os gritos de <strong>Natsu</strong>, que, ofegante, continuava a chamar pela<<strong>br</strong> />

irmã, transformaram-se em apelos.<<strong>br</strong> />

-Mana...<<strong>br</strong> />

O navio lentamente deixou o cais e as serpentinas<<strong>br</strong> />

coloridas se romperam flutuando nas águas. A distância foi<<strong>br</strong> />

se a<strong>br</strong>indo entre <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

"Avante <strong>com</strong>patriotas cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />

Para o Brasil, na longíngua América do Sul"<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> já não conseguia ouvir nem a canção, nem os vivas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficou soluçando no meio da multidão que acenava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

as mãos e desfraldava bandeiras do Japão. A medida em que<<strong>br</strong> />

o navio se distanciava, as pessoas que se aglomeravam<<strong>br</strong> />

próximas a <strong>Natsu</strong> recuavam, <strong>com</strong>o as águas do mar na maré<<strong>br</strong> />

vazante. Por fim, <strong>Natsu</strong> ficou solitária na ponta do cais.<<strong>br</strong> />

A silhueta da menina parecia muito frágil e triste,<<strong>br</strong> />

despertando sentimentos de <strong>com</strong>paixão.<<strong>br</strong> />

- Foi uma despedida realmente dolorosa.<<strong>br</strong> />

Ao recordar aquela despedida, <strong>Haru</strong> ainda sentia as<<strong>br</strong> />

mesmas dores, mesmo decorridos 70 anos.<<strong>br</strong> />

- Senti que o meu corpo estava sendo rasgado em dois<<strong>br</strong> />

pedaços. Mesmo depois que o navio se afastou, permaneci<<strong>br</strong> />

no convés e continuei a olhar para o cais. Na sua extremidade,<<strong>br</strong> />

podia ver <strong>Natsu</strong>, parada, sozinha... Aquela imagem ainda<<strong>br</strong> />

continua gravada na minha memória. Po<strong>br</strong>ezinha, <strong>com</strong>o deve<<strong>br</strong> />

ter se sentido triste e insegura! Depois daquilo, ela ainda teve<<strong>br</strong> />

que ficar sozinha... Ela ficou esperando a avó vir buscá-la,<<strong>br</strong> />

- 49 -


naquela enorme hospedaria vazia. Pensando no sentimento<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong> naquela hora, não posso recriminá-la por guardar<<strong>br</strong> />

ressentimentos de nós.<<strong>br</strong> />

Com o ambiente pesado que pairava no quarto, Yamato<<strong>br</strong> />

se aproximou da janela <strong>com</strong>o se sentisse falta de ar. Sem<<strong>br</strong> />

perceberem, fora da janela <strong>com</strong> cortina de renda estava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente escuro. Já era noite.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava <strong>com</strong>pletamente abatida <strong>com</strong> as dores que<<strong>br</strong> />

carregava há 70 anos e parecia nem se dar conta da presença<<strong>br</strong> />

de Yamato.<<strong>br</strong> />

- Apesar de ter prometido de forma tão veemente, nunca<<strong>br</strong> />

mais pudemos ver <strong>Natsu</strong>, desde aquele dia em que nos<<strong>br</strong> />

separamos no cais...<<strong>br</strong> />

A vida no Brasil não era nada fácil, <strong>com</strong>o sonhavam os<<strong>br</strong> />

imigrantes. Mesmo que quisessem, era impossível voltar.<<strong>br</strong> />

Foram 70 anos lutando contra esse conflito interno.<<strong>br</strong> />

- Escrevi muitas e muitas cartas à <strong>Natsu</strong>, contando da<<strong>br</strong> />

vida no Brasil. Porém, por uma razão ou outra, <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />

recebeu as cartas. <strong>Natsu</strong> também disse que enviou cartas para<<strong>br</strong> />

o Brasil, mas eu não as recebi. Desde aquela separação no<<strong>br</strong> />

cais, não soubemos que tipo de vida cada uma levou, e só<<strong>br</strong> />

nos reencontramos hoje, de forma repentina.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> permanecera no convés até <strong>Natsu</strong> desaparecer<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente da sua vista. Ficara pensando se <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

conseguira voltar até a Hospedaria, em <strong>com</strong>o ela teria passado<<strong>br</strong> />

o tempo sozinha até que a avó viesse buscá-la. Certamente<<strong>br</strong> />

- 50 -


sentira-se abandonada. Por mais que <strong>Haru</strong> se preocupasse <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a irmã, os seus sentimentos não haviam chegado a ela.<<strong>br</strong> />

Além disso, pensara de que forma ela teria vivido em<<strong>br</strong> />

Hokkaido, se a tia lhe dera <strong>com</strong>ida e se não teria sido judiada<<strong>br</strong> />

por Kyûsaku e demais primos.<<strong>br</strong> />

- Como será que ela viveu nesses 70 anos? Não sei de<<strong>br</strong> />

nada! <strong>Natsu</strong>, igualmente, não sabe nada de nós! Ela não sabe<<strong>br</strong> />

que eu queria encontrá-la o mais rápido possível, que trabalhei<<strong>br</strong> />

arduamente pensando somente em voltar para buscá-la, que<<strong>br</strong> />

tive motivos para não poder cumprir a promessa de voltar<<strong>br</strong> />

em três anos. Ela não tem culpa em achar que foi abandonada.<<strong>br</strong> />

E acho que ela não vai acreditar, mesmo que eu conte tudo<<strong>br</strong> />

agora... Tenho que me conformar. Afinal, acho que essa era<<strong>br</strong> />

a nossa sina.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava tão abatida que dava pena. Para <strong>Natsu</strong>, a<<strong>br</strong> />

realidade era uma só. As promessas não tinham sido<<strong>br</strong> />

cumpridas.<<strong>br</strong> />

- Mas, vovó, onde foram parar as cartas que a senhora<<strong>br</strong> />

escreveu? Se a dona <strong>Natsu</strong> tivesse lido suas cartas, ela teria<<strong>br</strong> />

entendido...<<strong>br</strong> />

- Deixe... Vamos esquecer... <strong>Natsu</strong> agora é presidente de<<strong>br</strong> />

uma grande empresa. Saber disso já me conforta e acho que<<strong>br</strong> />

valeu a pena ter vindo ao Japão. O que importa é que ela está<<strong>br</strong> />

feliz agora.<<strong>br</strong> />

- Como é triste essa história toda... Ela é a sua única<<strong>br</strong> />

irmã...<<strong>br</strong> />

- O que tinha que ser feito, fizemos. Estou <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

- 51 -


consciência tranqüila. Vamos agora procurar um quarto para<<strong>br</strong> />

você em Tóquio e, depois que eu me certificar que se<<strong>br</strong> />

matriculou direitinho na faculdade, voltarei para o Brasil.<<strong>br</strong> />

- Ué? A senhora não disse que se a sua irmã estivesse<<strong>br</strong> />

viva e pudesse reencontrá-la, queria passar a velhice <strong>com</strong> ela<<strong>br</strong> />

no Japão? Não disse que, <strong>com</strong>o japonesa, queria morrer e ser<<strong>br</strong> />

enterrada em solo japonês?<<strong>br</strong> />

A insistência de Yamato, <strong>Haru</strong> respondeu <strong>com</strong> um sorriso<<strong>br</strong> />

triste.<<strong>br</strong> />

Dias depois, no gabinete da presidência da Indústria de<<strong>br</strong> />

Doces Hokuô, <strong>Natsu</strong> Yamabe estava concentrada na leitura<<strong>br</strong> />

de papéis <strong>com</strong> uma fisionomia séria. O seu semblante se<<strong>br</strong> />

tornou ainda mais sério, quando alguém bateu em sua mesa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> os dedos.<<strong>br</strong> />

Era o seu filho primogênito Teruhiko, que, sem ligar para<<strong>br</strong> />

as preocupações da mãe, sentou à vontade no sofá, num<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>portamento insolente. Tirou a gravata que parecia ser de<<strong>br</strong> />

alguma marca famosa, enfiando-a de qualquer jeito no bolso<<strong>br</strong> />

do paletó.<<strong>br</strong> />

- É verdade que uma velha, que diz ser sua irmã, veio do<<strong>br</strong> />

Brasil <strong>com</strong> o neto?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> fulminou <strong>com</strong> os olhos o secretário que estava de<<strong>br</strong> />

pé, ao seu lado. Ota, o secretário, se ajeitou de forma<<strong>br</strong> />

desconfortável. Teria sido ele quem falara de <strong>Haru</strong> para o<<strong>br</strong> />

seu filho.<<strong>br</strong> />

Teruhiko era um homem maduro, <strong>com</strong> seus 58 anos e<<strong>br</strong> />

- 52 -


não seria estranho se estivesse sentado no assento de presidente<<strong>br</strong> />

da empresa, mas parecia que <strong>Natsu</strong> não pretendia ceder-lhe o<<strong>br</strong> />

lugar.<<strong>br</strong> />

Teruhiko, por sua vez, parecia ter insatisfações<<strong>br</strong> />

acumuladas. Uma delas era que <strong>Natsu</strong> participara de um<<strong>br</strong> />

programa de TV. Ela fora apresentada no programa "Top<<strong>br</strong> />

Woman", <strong>com</strong>o uma mulher vigorosa, uma super-empresária<<strong>br</strong> />

que conseguira erguer a Indústria de Doces Hokuô numa única<<strong>br</strong> />

geração. Quando alguém se tornava famoso, <strong>com</strong>eçava-se a<<strong>br</strong> />

juntar gente à sua volta e, entre elas havia as que não eram de<<strong>br</strong> />

boa índole.<<strong>br</strong> />

- Começam a aparecer os que se dizem parentes, amigos<<strong>br</strong> />

de infância, e sabe-se lá quem são. Ao final, acaba aparecendo<<strong>br</strong> />

uma tal de irmã do Brasil que não a vê há dezenas de anos.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> pareceu ignorar o <strong>com</strong>entário e nem levantou o<<strong>br</strong> />

rosto dos papéis que estava lendo.<<strong>br</strong> />

- Parece-me que, dias atrás, a senhora recebeu uma carta<<strong>br</strong> />

de uma velha, que dizia ser sua "prima" e que foram criadas<<strong>br</strong> />

juntas em Hokkaido. A carta dizia que ela achava que a<<strong>br</strong> />

senhora era a pequena <strong>Natsu</strong> e, que se fosse, queria reencontrála.<<strong>br</strong> />

A senhora não vai me dizer que respondeu à carta, vai?<<strong>br</strong> />

Olha, não se sabe o que essa gente está tramando, sabendo<<strong>br</strong> />

que a senhora tem dinheiro. Essa velha também, que diz ser<<strong>br</strong> />

sua irmã, é a mesma coisa. É melhor tomar cuidado!<<strong>br</strong> />

- Você veio só para falar isso?<<strong>br</strong> />

- É que a senhora é muito ingênua.<<strong>br</strong> />

Teruhiko estava preocupado <strong>com</strong> o descaramento das<<strong>br</strong> />

- 53 -


pessoas que se aproximavam da mãe. Desta vez, não se tratava<<strong>br</strong> />

de prima e sim de uma irmã que não ficou somente nas cartas,<<strong>br</strong> />

mas resolvera ir até a empresa para forçar um encontro.<<strong>br</strong> />

- Não lhe interessa <strong>com</strong> quem mantenho relação ou o<<strong>br</strong> />

que eu faço. Retirei você e o Kimihiko do quadro da diretoria<<strong>br</strong> />

da empresa. Não sei <strong>com</strong> que cara você aparece aqui ainda.<<strong>br</strong> />

Seus palpites são desnecessários nos meus negócios. Montei<<strong>br</strong> />

uma firma para você e outra para o Kimihiko. Vocês já não<<strong>br</strong> />

têm nenhuma relação <strong>com</strong> a Indústria de Doces Hokuô. É<<strong>br</strong> />

incômodo vê-lo perambular por aqui.<<strong>br</strong> />

Tendo sido tratado pela própria mãe <strong>com</strong>o se fosse um<<strong>br</strong> />

estranho no ninho, Teruhiko demonstrou claramente a sua<<strong>br</strong> />

insatisfação pelo tratamento recebido. Era quase um<<strong>br</strong> />

sexagenário, mas deixava transparecer um ar de filho mimado<<strong>br</strong> />

que queria se aproximar da mãe.<<strong>br</strong> />

Aliás, Kimihiko era o segundo filho de <strong>Natsu</strong> e assim<<strong>br</strong> />

ficava evidente que tanto o primogênito quanto o segundo<<strong>br</strong> />

filho tinham sido destituídos dos cargos de diretores da<<strong>br</strong> />

Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />

Deixando transparecer que a conversa havia terminado,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se preparou para sair e disse ao seu secretário:<<strong>br</strong> />

- Vou sair. Chame o carro.<<strong>br</strong> />

- Para onde a senhora vai?<<strong>br</strong> />

- Hoje volto direto para casa.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a gaveta de sua escrivaninha e <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />

não queria nada, retirou um envelope e o guardou na sua bolsa.<<strong>br</strong> />

- Como? Eu vim aqui para falar da nova empresa.<<strong>br</strong> />

- 54 -


- reclamou Teruhiko.<<strong>br</strong> />

- Se é para dar mais dinheiro, não darei mais. Dei o mesmo<<strong>br</strong> />

valor para você e para o Kimihiko, para usarem <strong>com</strong>o capital<<strong>br</strong> />

de seus empreendimentos. Não posso dar atenção especial<<strong>br</strong> />

só para você.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> saiu do gabinete, deixando Teruhiko para trás,<<strong>br</strong> />

inconformado.<<strong>br</strong> />

O automóvel de <strong>Natsu</strong> mudou de direção durante o<<strong>br</strong> />

percurso. <strong>Natsu</strong>, sentada no banco traseiro, tirou da bolsa um<<strong>br</strong> />

envelope cujo remetente era Ine Nakahara. O carro parou<<strong>br</strong> />

numa ruela apinhada de casas pequenas e velhas no meio de<<strong>br</strong> />

pequenas fá<strong>br</strong>icas, no subúrbio de Tóquio.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apertou a campainha de uma casa popular e uma<<strong>br</strong> />

mulher de meia idade atendeu a porta. Ao ver <strong>Natsu</strong>, a<strong>br</strong>iu<<strong>br</strong> />

um sorriso <strong>com</strong>o querendo dizer "É ela!"<<strong>br</strong> />

- Chamo-me <strong>Natsu</strong> Yamabe. Recebi a carta de dona Ine<<strong>br</strong> />

e queria vê-la de todo jeito.<<strong>br</strong> />

- Então, a senhora é realmente a pessoa que a minha sogra<<strong>br</strong> />

estava <strong>com</strong>entando. Espere um pouco. Ela ficará muito feliz.<<strong>br</strong> />

A mulher, que aparentemente era a nora de Ine Nakahara,<<strong>br</strong> />

convidou <strong>Natsu</strong> a entrar na casa e correu para dentro,<<strong>br</strong> />

chamando pela sogra.<<strong>br</strong> />

A casa parecia não dispor de uma sala de visitas. Havia<<strong>br</strong> />

um cômodo que parecia ser uma sala de estar onde haviam<<strong>br</strong> />

diversas cômodas e so<strong>br</strong>e uma delas estavam colocados, de<<strong>br</strong> />

forma desordenada, bonecas, telefone etc.<<strong>br</strong> />

- 55 -


Ine parecia ser uma mulher totalmente acostumada a levar a<<strong>br</strong> />

vida <strong>com</strong>o sogra. Aparentava ter cerca de 80 anos e recebeu a<<strong>br</strong> />

visita inesperada de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> alegria e um sorriso<<strong>br</strong> />

despreocupado.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada por ter vindo. Enviei a carta, mas <strong>com</strong>o não<<strong>br</strong> />

recebi resposta, pensei que havia me enganado. Não<<strong>br</strong> />

imaginava que pudéssemos nos encontrar <strong>com</strong> saúde outra<<strong>br</strong> />

vez...<<strong>br</strong> />

- Você foi muito boa <strong>com</strong>igo nos tempos em que vivi em<<strong>br</strong> />

Hokkaido...<<strong>br</strong> />

- Você foi deixada pela família que foi para o Brasil e<<strong>br</strong> />

voltou sozinha para Hokkaido. Sentia muita pena de você.<<strong>br</strong> />

Naquela época, não podíamos fazer nada para ajudá-la, pois<<strong>br</strong> />

vivíamos na miséria... E, antes de <strong>com</strong>pletar um ano você<<strong>br</strong> />

fugiu de casa... E não voltou mais. Não sabíamos do seu<<strong>br</strong> />

paradeiro... Pensávamos que você tinha morrido há muito<<strong>br</strong> />

tempo.<<strong>br</strong> />

Ine disfarçou a fala <strong>com</strong> riso, procurando dar um tom de<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>incadeira.<<strong>br</strong> />

- Por isso, quando eu a vi na televisão, não acreditei.<<strong>br</strong> />

- Realmente, é o destino. Hoje, vim aqui para perguntar<<strong>br</strong> />

algo daquela época.<<strong>br</strong> />

- Você sabe se a minha irmã mandou cartas do Brasil?<<strong>br</strong> />

Bem, é coisa de 70 anos atrás. Sei que é difícil, mas pensei<<strong>br</strong> />

que talvez você se lem<strong>br</strong>asse de algo... Não teriam chegado<<strong>br</strong> />

cartas depois que eu fugi de casa....?<<strong>br</strong> />

- 56 -


Naquele momento, Misa, a nora, trouxe chá para <strong>Natsu</strong>. Ine<<strong>br</strong> />

fez sinal para a nora, que tirou um pacote que estava guardado<<strong>br</strong> />

no altar budista, colocando-o na mesa.<<strong>br</strong> />

- Pois é... Eu estava exatamente preocupada <strong>com</strong> as cartas.<<strong>br</strong> />

Por isso é que lhe escrevi quando a vi na televisão, pensando<<strong>br</strong> />

se não seria você...<<strong>br</strong> />

- Minha falecida mãe me incumbiu, à beira da morte, de<<strong>br</strong> />

entregar estas cartas, caso viesse a me reencontrar <strong>com</strong> você...<<strong>br</strong> />

Mas <strong>com</strong>o eu não sabia do seu paradeiro... Deixei-as<<strong>br</strong> />

guardadas, sem conseguir jogá-las fora.<<strong>br</strong> />

Ine a<strong>br</strong>iu o pacote que em<strong>br</strong>ulhava uma caixa velha.<<strong>br</strong> />

Retirando-lhe a tampa, podia-se ver diversas cartas amarradas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> barbante. <strong>Natsu</strong> olhou incrédula para o maço de cartas.<<strong>br</strong> />

- Nunca pensei que um dia pudesse lhe entregar estas<<strong>br</strong> />

cartas.<<strong>br</strong> />

- Todas essas cartas foram enviadas por minha irmã?<<strong>br</strong> />

Acenando positivamente, Ine empurrou o maço de cartas<<strong>br</strong> />

para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ine era a filha dos tios Yosaku e Kane, que haviam ficado<<strong>br</strong> />

em Hokkaido. Era a irmã menor de Kyusaku e Kenta, que<<strong>br</strong> />

judiavam de <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>. Portanto, tratava-se de uma prima,<<strong>br</strong> />

a única que tratara <strong>Natsu</strong>, que ficara sozinha no Japão, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

carinho.<<strong>br</strong> />

A família de Yosaku ficou em Hokkaido até o término<<strong>br</strong> />

da guerra, tentando se dedicar à lavoura. Mas as dívidas se<<strong>br</strong> />

avolumaram e saíram de lá <strong>com</strong>o se estivessem fugindo dos<<strong>br</strong> />

- 57 -


credores. Sacrifícaram-se muito em busca de emprego. Kyûsaku<<strong>br</strong> />

e outros conseguiram emprego de torneiro mecânico naquela<<strong>br</strong> />

cidade e assim todos fixaram a residência naquele lugar. Ainda<<strong>br</strong> />

assim, temendo ser procurados pelos credores, tiveram que<<strong>br</strong> />

ocultar o endereço por muito tempo.<<strong>br</strong> />

Assim, as cartas que estavam na posse de Ine eram as<<strong>br</strong> />

que haviam sido enviadas até o término de guerra. Mesmo<<strong>br</strong> />

que <strong>Haru</strong> tivesse escrito depois, o destinatário seria<<strong>br</strong> />

considerado desconhecido.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> pegou a carta que estava em cima do maço e que<<strong>br</strong> />

parecia ser a primeira enviada por <strong>Haru</strong>. Viu a data aposta no<<strong>br</strong> />

envelope descolorido. A carta chegara antes de <strong>Natsu</strong> ter<<strong>br</strong> />

fugido da casa dos tios.<<strong>br</strong> />

Ine sabia o porquê das dúvidas de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- É verdade. A mamãe pediu que a desculpasse por isso...<<strong>br</strong> />

Junto <strong>com</strong> a carta havia dinheiro e <strong>com</strong>o ela acabou se<<strong>br</strong> />

apossando dos valores ali contidos, não pôde lhe entregar as<<strong>br</strong> />

cartas.<<strong>br</strong> />

Ouvindo as explicações de Ine, <strong>Natsu</strong> estava atônita. Seu<<strong>br</strong> />

sentimento havia ultrapassado a ira.<<strong>br</strong> />

- Mamãe ficou <strong>com</strong> peso na consciência até a hora da<<strong>br</strong> />

morte. Parece que ela leu todas as cartas, mas o seu maior<<strong>br</strong> />

remorso foi que os sentimentos de <strong>Haru</strong> não puderam ser<<strong>br</strong> />

transmitidos a você, <strong>Natsu</strong>. Mas foi bom ter conseguido<<strong>br</strong> />

entregar-lhe as cartas. Talvez seja muito tarde entregá-las<<strong>br</strong> />

somente agora...<<strong>br</strong> />

- Agradeço por você tê-las guardado... Muito o<strong>br</strong>igada!<<strong>br</strong> />

- 58 -


- Essas cartas são de quando ela tinha nove anos até mais ou<<strong>br</strong> />

menos 16 anos. Em Hokkaido, ela mal foi à escola. Então, ela<<strong>br</strong> />

deve ter feito muito esforço para escrevê-las. Se o sentimento<<strong>br</strong> />

por você não fosse tão forte, ela não poderia ter escrito tantas<<strong>br</strong> />

cartas.<<strong>br</strong> />

Com a consciência tranqüila por ter conseguido entregar<<strong>br</strong> />

as cartas para o seu destinatário, Ine passou a recordar o<<strong>br</strong> />

passado <strong>com</strong> muito saudosismo. <strong>Haru</strong> protegia <strong>Natsu</strong> e sempre<<strong>br</strong> />

enfrentava Kyûsaku e Kenta nas <strong>br</strong>igas. Mesmo as crianças<<strong>br</strong> />

tinham sentimentos ásperos motivados pela po<strong>br</strong>eza, pela falta<<strong>br</strong> />

de <strong>com</strong>ida. Estavam sempre irritados e <strong>br</strong>igavam<<strong>br</strong> />

constantemente sem necessidade, devido a pequenas coisas.<<strong>br</strong> />

Os anos se passaram sem que Ine tivesse tido notícias de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e de sua família, que emigraram para o Brasil. Aos<<strong>br</strong> />

poucos foi diminuindo o número de pessoas ao seu redor e<<strong>br</strong> />

hoje não havia mais ninguém <strong>com</strong> quem podia conversar<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e Hokkaido.<<strong>br</strong> />

- Você sabe o que <strong>Haru</strong> está fazendo atualmente?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, ainda atônita, voltou a si e abanou a cabeça<<strong>br</strong> />

negativamente, dizendo:<<strong>br</strong> />

-Não...<<strong>br</strong> />

A luz se acendeu no andar superior da luxuosa mansão<<strong>br</strong> />

dos Yamabe. Era o quarto de <strong>Natsu</strong>. Tendo voltado para casa,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficou a contemplar por alguns momentos o maço de<<strong>br</strong> />

cartas que estava guardado longe de seus olhos.<<strong>br</strong> />

As cartas estavam endereçadas <strong>com</strong> a caligrafia<<strong>br</strong> />

- 59 -


caprichada de <strong>Haru</strong>. O endereço estava escrito em katakana,<<strong>br</strong> />

fonograma mais simples, <strong>com</strong> exceção do país e província:<<strong>br</strong> />

Hokkaido, Japão, em ideograma chinês. No verso, estava<<strong>br</strong> />

escrito o endereço do Brasil. Os dedos de <strong>Natsu</strong> ficaram<<strong>br</strong> />

paralisados por um instante, em cima do endereço.<<strong>br</strong> />

Ao a<strong>br</strong>ir a carta, viam-se alinhadas as letras caprichadas<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong>. <strong>Natsu</strong> teve a impressão de que ouvia a voz de <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

cheia de ternura.<<strong>br</strong> />

"<strong>Natsu</strong>, finalmente chegamos no Brasil. Uma viagem<<strong>br</strong> />

de mais ou menos 47 dias, vendo, diariamente,<<strong>br</strong> />

somente o mar... Realmente viemos parar bem longe.<<strong>br</strong> />

Durante todo o trajeto, eu e mamãe falamos de você<<strong>br</strong> />

e choramos. No navio, puseram-nos numa cabine<<strong>br</strong> />

grande, na terceira classe.<<strong>br</strong> />

No quarto, viajavam também a família Yamashita,<<strong>br</strong> />

da província de Chiba, <strong>com</strong>posta de quatro pessoas,<<strong>br</strong> />

e o casal Nakayama, da província de Hiroshima.<<strong>br</strong> />

Não podemos reclamar, pois estamos viajando de<<strong>br</strong> />

graça. A família Yamashita é <strong>com</strong>posta de pai, mãe,<<strong>br</strong> />

e dois rapazes, mais ou menos da idade dos nossos<<strong>br</strong> />

manos. O casal Nakayama disse que vai ajudar o<<strong>br</strong> />

tio, que imigrou anteriormente para o Brasil. "<<strong>br</strong> />

Quase todos os navios de emigração no período anterior<<strong>br</strong> />

à Segunda Guerra Mundial, tomaram a rota ocidental. O navio<<strong>br</strong> />

onde viajava a família de <strong>Haru</strong> também seguira o mesmo<<strong>br</strong> />

- 60 -


umo. Tendo saído de Kobe, seguira para Hong Kong, Cingapura,<<strong>br</strong> />

Sri Lanka 1 , e, do<strong>br</strong>ando o Cabo da Boa Esperança, na África,<<strong>br</strong> />

finalmente chegava ao Brasil.<<strong>br</strong> />

Durante um mês e meio de viagem em que o navio<<strong>br</strong> />

percorria metade do diâmetro do globo terrestre, os imigrantes<<strong>br</strong> />

permaneciam juntos. Para passar o tempo, organizavam festas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>emorativas pela passagem da linha do Equador, gincanas<<strong>br</strong> />

esportivas e outros eventos.<<strong>br</strong> />

Os pais também se divertiam participando das gincanas<<strong>br</strong> />

esportivas. Nas mãos que normalmente puxavam enxadas,<<strong>br</strong> />

levavam colheres <strong>com</strong> bolas, disputando, para ver quem<<strong>br</strong> />

chegava primeiro, sem derrubá-las.<<strong>br</strong> />

As pessoas se sentiam inseguras na medida em que o dia<<strong>br</strong> />

da chegada ao Brasil se aproximava. Todos sentiam uma<<strong>br</strong> />

mescla de tensão e insegurança, embora houvesse uma grande<<strong>br</strong> />

expectativa na vida que os aguardava no Novo Mundo. As<<strong>br</strong> />

gincanas serviam para aliviar temporariamente a tensão e<<strong>br</strong> />

contribuíam, também, para fazer novas amizades e<<strong>br</strong> />

relacionamentos.<<strong>br</strong> />

Na verdade, a maioria dos emigrantes provinha de famílias<<strong>br</strong> />

rurais pouco abastadas e as circunstâncias de origem eram<<strong>br</strong> />

parecidas. Assim, não precisavam de muito tempo para<<strong>br</strong> />

estreitarem o relacionamento entre si.<<strong>br</strong> />

Conhecendo-se uns aos outros, era possível falar de<<strong>br</strong> />

assuntos mais reservados. Aos poucos ia surgindo e crescendo<<strong>br</strong> />

1 N.T.: Na época denominava-se Ceilão.<<strong>br</strong> />

- 61 -


o sentimento de <strong>com</strong>panheirismo. Fortaleceu-se, assim, o<<strong>br</strong> />

sentimento de fazerem parte de uma <strong>com</strong>unidade, auxiliandose<<strong>br</strong> />

mutuamente.<<strong>br</strong> />

Aos poucos, isto ia tendo um significado maior, exercendo<<strong>br</strong> />

influência na vida de cada um.<<strong>br</strong> />

A família Takakura conseguira se entrosar <strong>com</strong> a família<<strong>br</strong> />

Yamashita, <strong>com</strong>posta de quatro pessoas, e <strong>com</strong> um jovem<<strong>br</strong> />

casal chamado Nakayama. O marido, Shozo, tinha 25 anos e<<strong>br</strong> />

a esposa, Mitsu, apenas 20 anos.<<strong>br</strong> />

- Invejável! - Shizu falou a Shozo. - Vocês estão indo<<strong>br</strong> />

para a fazenda própria do seu tio no Brasil, não é? Que bom!<<strong>br</strong> />

Não precisam se preocupar <strong>com</strong> nada!<<strong>br</strong> />

- Parece que ele tem muitos empregados, mas está<<strong>br</strong> />

precisando de alguém que cuide da contabilidade. Então, ele<<strong>br</strong> />

me chamou para ir de Hiroshima para lá.<<strong>br</strong> />

- Que sucesso seu tio teve no Brasil!<<strong>br</strong> />

Tanto Shizu <strong>com</strong>o Chûji pensaram que apenas pelo fato<<strong>br</strong> />

de terem conhecidos no Brasil, poderiam se sentir bem mais<<strong>br</strong> />

confortáveis.<<strong>br</strong> />

Passou-se um quarto de século desde que os japoneses<<strong>br</strong> />

chegaram pela primeira vez no Brasil <strong>com</strong>o imigrantes. Já<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçava a aparecer alguns fazendeiros japoneses, que<<strong>br</strong> />

conseguiram possuir a sua própria fazenda, decididos a viver<<strong>br</strong> />

no Brasil, fincando ali as suas raízes. Havia, até mesmo,<<strong>br</strong> />

alguns bem-sucedidos fazendeiros que ampliavam suas<<strong>br</strong> />

propriedades, arrendando ou vendendo parte de suas terras<<strong>br</strong> />

para os imigrantes recém-chegados. Eram, contudo, uma<<strong>br</strong> />

- 62 -


minoria, considerando o total de imigrantes existentes até<<strong>br</strong> />

então.<<strong>br</strong> />

O tio de Shozo Nakayama era um desses imigrantes<<strong>br</strong> />

bem- sucedidos. Shozo decidira emigrar para o Brasil porque,<<strong>br</strong> />

além de ser contratado pelo tio, queria ampliar seus horizontes,<<strong>br</strong> />

saindo do Japão que se encontrava num período de forte<<strong>br</strong> />

recessão.<<strong>br</strong> />

Heizo Yamashita ia ao Brasil em busca de riqueza fácil.<<strong>br</strong> />

Como não conhecia ninguém, teria de <strong>com</strong>eçar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

trabalhador na lavoura, mas o objetivo não era tornar-se<<strong>br</strong> />

fazendeiro. Pretendia trabalhar alguns anos e, conseguindo<<strong>br</strong> />

juntar dinheiro, largar o campo e <strong>com</strong>eçar um grande<<strong>br</strong> />

empreendimento. Ele pensava em fazer uma fortuna no Brasil.<<strong>br</strong> />

- Um país pequeno e insular <strong>com</strong>o o Japão não tem futuro.<<strong>br</strong> />

O Brasil é grande, é extenso... é um país do futuro. É um país<<strong>br</strong> />

promissor, seja lá o que for. Eu pretendo ficar definitivamente,<<strong>br</strong> />

enterrar os meus ossos por lá.<<strong>br</strong> />

- Então, você não pretende mais voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />

- disse Chûji, assustado <strong>com</strong> as idéias inusitadas de<<strong>br</strong> />

Yamashita.<<strong>br</strong> />

- Não tenho nada que me prenda ao Japão. E você,<<strong>br</strong> />

Takakura?<<strong>br</strong> />

- Eu sou um simples decasségui. Quero economizar o<<strong>br</strong> />

máximo possível no Brasil e, quando conseguir dinheiro<<strong>br</strong> />

suficiente, quero trabalhar na lavoura no Japão. Afinal, sou<<strong>br</strong> />

japonês!<<strong>br</strong> />

- Eu pretendo viver para sempre no Brasil, mas não penso<<strong>br</strong> />

- 63 -


em me tornar <strong>br</strong>asileiro. Quero continuar japonês, e mostrar aos<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiros <strong>com</strong>o o japonês é valente e forte. Quero aumentar o<<strong>br</strong> />

prestígio do Japão.<<strong>br</strong> />

Ainda que os objetivos buscados fossem diferentes, todos<<strong>br</strong> />

eram imigrantes que se encontravam no mesmo ponto de<<strong>br</strong> />

partida. Todos estavam em pé de igualdade, na medida em<<strong>br</strong> />

que, até o desembarque no porto de Santos, ninguém sabia<<strong>br</strong> />

em que fazenda iria trabalhar.<<strong>br</strong> />

Apenas a família Takakura se constituía exceção.<<strong>br</strong> />

- Parece que você Takakura, já sabe para onde vai.<<strong>br</strong> />

- Sim. É que tivemos que deixar uma filha <strong>com</strong> tra<strong>com</strong>a<<strong>br</strong> />

no Japão. Por isso, pedi ao encarregado que me dissesse pelo<<strong>br</strong> />

menos o nosso endereço para deixar <strong>com</strong> ela. O encarregado<<strong>br</strong> />

escreveu às escondidas o nosso provável endereço, e eu o<<strong>br</strong> />

entreguei para a minha filha. Acho que é para lá que nós<<strong>br</strong> />

vamos.<<strong>br</strong> />

Shozo se dirigiu a Chûji:<<strong>br</strong> />

- O dono da fazenda é <strong>br</strong>asileiro?<<strong>br</strong> />

- Parece que sim.<<strong>br</strong> />

- Parece haver diferenças de tratamento, dependendo da<<strong>br</strong> />

fazenda para onde são enviados os imigrantes.<<strong>br</strong> />

Shozo Nakayama havia obtido algumas informações <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

seu tio.<<strong>br</strong> />

Em primeiro lugar, os trabalhadores contratados, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

os imigrantes, eram denominados "colonos",<<strong>br</strong> />

independentemente de serem japoneses ou não. As plantações<<strong>br</strong> />

de café eram denominadas fazendas e nas grandes fazendas,<<strong>br</strong> />

- 64 -


trabalhavam, também, colonos de outras nacionalidades, além<<strong>br</strong> />

dos japoneses. Provinham de diversos países <strong>com</strong>o Portugal,<<strong>br</strong> />

Itália, Alemanha etc.<<strong>br</strong> />

O primeiro problema que os colonos japoneses<<strong>br</strong> />

enfrentavam era a língua. No Brasil, a língua oficial era a<<strong>br</strong> />

portuguesa.<<strong>br</strong> />

Havia intérpretes japoneses nas fazendas onde havia<<strong>br</strong> />

muitos colonos japoneses. Contudo, se fossem enviados, por<<strong>br</strong> />

falta de sorte, para fazendas que não dispusessem de<<strong>br</strong> />

intérpretes, a <strong>com</strong>unicação se tornava um sacrifício.<<strong>br</strong> />

O problema não era somente a língua. Dependendo da<<strong>br</strong> />

personalidade do fazendeiro ou do administrador ser pessoa<<strong>br</strong> />

de boa ou má índole, os colonos estavam sujeitos a uma<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>ecarga de estresse.<<strong>br</strong> />

A encruzilhada entre a sorte ou o azar estava, também,<<strong>br</strong> />

no fato do proprietário da fazenda ou o administrador<<strong>br</strong> />

simpatizarem ou não <strong>com</strong> os japoneses.<<strong>br</strong> />

- De qualquer maneira precisamos aprender o português<<strong>br</strong> />

o quanto antes.<<strong>br</strong> />

Pelo jeito de Shozo falar, parecia que ainda ia <strong>com</strong>eçar a<<strong>br</strong> />

aprender português.<<strong>br</strong> />

- Como pretendo viver para sempre no Brasil, estudei<<strong>br</strong> />

um pouco de português, mas não sei se vão me entender...<<strong>br</strong> />

Heizo Yamashita parecia ter estudado um pouco, mas não<<strong>br</strong> />

se achava muito confiante.<<strong>br</strong> />

- Eu não estudei nada porque pretendo voltar logo ao<<strong>br</strong> />

Japão. Achei que trabalhando do jeito que mandassem, estaria<<strong>br</strong> />

- 65 -


em. Por isso, se ficar na mesma fazenda, Heizo, conto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

você. - disse Chüji, fazendo uma reverência para Heizo.<<strong>br</strong> />

- Vamos nos ajudar mutuamente...<<strong>br</strong> />

Um pouco distante, Shigeru e Minoru <strong>br</strong>incavam <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

dois filhos da família Yamashita. Pareciam ter idades<<strong>br</strong> />

próximas e se tornaram bons amigos.<<strong>br</strong> />

Naquela ocasião, Shigeru tinha 15 anos e Minoru, 12,<<strong>br</strong> />

Takeshi, o primogênito dos Yamashita tinha 16 anos e<<strong>br</strong> />

Takuya, 13. Como outros meninos daquela idade, estavam<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>incando no convés, concentrados no jogo de argolas.<<strong>br</strong> />

E <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />

- Você ainda está olhando para esta foto? Não adianta<<strong>br</strong> />

ficar abatida a esta altura. Vamos, ânimo!<<strong>br</strong> />

De repente, Takuya, que participava do jogo de argolas,<<strong>br</strong> />

estava ao lado de <strong>Haru</strong>. Devia ter ficado preocupado <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ela, que não participava de <strong>br</strong>incadeiras e ficava somente a<<strong>br</strong> />

olhar a foto da família, tirada antes da saída de Kobe.<<strong>br</strong> />

- Eu sei. Mas, sinto tanta pena de minha irmã. Parece<<strong>br</strong> />

que só eu é que sou feliz... Ficávamos sonhando <strong>com</strong> a ida ao<<strong>br</strong> />

Brasil... Sinto-me culpada... Fico então imaginando que ela<<strong>br</strong> />

está junto e fico mostrando o mar, falando so<strong>br</strong>e a viagem<<strong>br</strong> />

para a <strong>Natsu</strong>, que está na fotografia. Ela também queria tanto<<strong>br</strong> />

ir ao Brasil... Ela queria viajar de navio e ver o mar...<<strong>br</strong> />

Falávamos so<strong>br</strong>e isso todos os dias...<<strong>br</strong> />

Quando convidada por Takuya, <strong>Haru</strong> disse à <strong>Natsu</strong> na<<strong>br</strong> />

foto:<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>, vamos <strong>br</strong>incar de jogo de argolas? É divertido!<<strong>br</strong> />

- 66 -


<strong>Haru</strong> guardou a fotografia no bolso e entrou no grupo do<<strong>br</strong> />

jogo de argolas. <strong>Haru</strong> lançou a argola, que girou e caiu bem<<strong>br</strong> />

no pino. <strong>Haru</strong> finalmente sorriu, tal qual uma menina inocente<<strong>br</strong> />

de nove anos.<<strong>br</strong> />

- Acho que a gente vai poder ficar nessa folga somente<<strong>br</strong> />

agora, enquanto estamos a bordo. Chegando no Brasil, essa<<strong>br</strong> />

moleza vai acabar. - Shigeru balbuciou repentinamente.<<strong>br</strong> />

As crianças <strong>com</strong>eçavam a <strong>com</strong>preender a situação de cada<<strong>br</strong> />

uma das famílias na medida em que se tornavam amigos.<<strong>br</strong> />

Cada um encarava <strong>com</strong> indiferença a inexistência de famílias<<strong>br</strong> />

que viajavam a passeio.<<strong>br</strong> />

- Meu pai tinha uma fa<strong>br</strong>iqueta, mas teve que fechá-la<<strong>br</strong> />

devido à recessão desses últimos dois ou três anos. Por isso,<<strong>br</strong> />

ele se candidatou para emigrar ao Brasil. Mas, nós não<<strong>br</strong> />

entendemos nada de lavoura. Será que conseguiremos<<strong>br</strong> />

trabalhar num cafezal? - Takuya balbuciou inseguro.<<strong>br</strong> />

A família Yamashita não tinha qualquer experiência <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

agricultura.<<strong>br</strong> />

- Parece que, quando os pés de café dão frutos, nós<<strong>br</strong> />

colhemos e, durante o resto do tempo, é só ficar capinando.<<strong>br</strong> />

Foi assim que o encarregado explicou... Que até mulheres e<<strong>br</strong> />

crianças conseguem fazer esse serviço... - explicou Shigeru,<<strong>br</strong> />

tentando encorajar Takuya.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> disse então orgulhosamente:<<strong>br</strong> />

- Eu não tenho medo, pois ajudava na roça lá em<<strong>br</strong> />

Hokkaido. Mas... e a escola?<<strong>br</strong> />

- Dizem que tem escola para japoneses, mas eu prefiro ir<<strong>br</strong> />

- 67 -


para uma de <strong>br</strong>asileiros. Não adianta ir à escola para japoneses,<<strong>br</strong> />

se não pretendemos mais voltar para o Japão. - <strong>com</strong>entou<<strong>br</strong> />

Takuya.<<strong>br</strong> />

E <strong>Haru</strong> insistiu em dizer:<<strong>br</strong> />

- Nós vamos voltar para o Japão em três anos. Eu quero<<strong>br</strong> />

ir a uma escola japonesa.<<strong>br</strong> />

No Brasil, onde havia muitos imigrantes japoneses, havia<<strong>br</strong> />

escolas japonesas nos locais onde se concentravam um grande<<strong>br</strong> />

contingente de des<strong>br</strong>avadores.<<strong>br</strong> />

Mudando de assunto, Takuya perguntou a Shigeru e<<strong>br</strong> />

Minoru:<<strong>br</strong> />

- Vocês jogam beisebol?<<strong>br</strong> />

- Beisebol? - perguntou Shigeru.<<strong>br</strong> />

- Eu trouxe bolas. Vamos formar um time de beisebol.<<strong>br</strong> />

Estou ansioso para fazer isso. - respondeu Takuya.<<strong>br</strong> />

- Takuya, quantos sonhos você tem em relação ao Brasil!<<strong>br</strong> />

Eu também preciso ter sonhos <strong>com</strong>o você... Já que vamos<<strong>br</strong> />

para lá, precisamos tentar viver da forma mais feliz possível.<<strong>br</strong> />

A figura de Takuya parecia deslum<strong>br</strong>ante aos olhos de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>. Estava viajando para o Brasil <strong>com</strong> muitos planos a<<strong>br</strong> />

serem executados. Os sonhos de <strong>Haru</strong> eram fugir da po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />

ter uma vida livre da tia Kane e dos primos que a maltratavam.<<strong>br</strong> />

Não ter que suportar a fome, ficando encolhida de forma<<strong>br</strong> />

cerimoniosa perante os parentes.<<strong>br</strong> />

Já que estava viajando para o Brasil, <strong>Haru</strong> gostaria de ter<<strong>br</strong> />

o seu próprio sonho, a exemplo de Takuya. Gostaria de levar<<strong>br</strong> />

os dias alegres e joviais <strong>com</strong> todo empenho, inclusive pela<<strong>br</strong> />

- 68 -


<strong>Natsu</strong>, que não viera.<<strong>br</strong> />

Mudando a maneira de pensar, <strong>Haru</strong> encheu o peito de<<strong>br</strong> />

expectativas.<<strong>br</strong> />

Com o passar dos dias, a vida a bordo chegou a assustar<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>. Uma menina, de oito anos, veio a falecer. <strong>Haru</strong> não a<<strong>br</strong> />

conhecera, mas, disseram que devido a enjôos violentos, não<<strong>br</strong> />

conseguia se alimentar e acabou morrendo de fraqueza.<<strong>br</strong> />

Muitos emigrantes sofreram de enjôo. Felizmente, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

não teve tanto problema, mas havia adultos sadios que<<strong>br</strong> />

padeciam de enjôo e muitos não conseguiam sair de suas<<strong>br</strong> />

camas por muitos dias.<<strong>br</strong> />

Quando alguém morria a bordo, não só de enjôo, mas<<strong>br</strong> />

devido à doença grave, era sepultado no mar. Sem chegar no<<strong>br</strong> />

Brasil, seu destino final, e nem podendo retornar ao Japão, o<<strong>br</strong> />

corpo era lançado num ponto qualquer do mar desconhecido.<<strong>br</strong> />

Qual não terá sido a sua solidão!<<strong>br</strong> />

No momento em que o corpo daquela menina era lançado<<strong>br</strong> />

ao mar, <strong>Haru</strong> dedicou-lhe preces vislum<strong>br</strong>ando o sol que se<<strong>br</strong> />

punha no Oceano Índico, que formava uma bela imagem de<<strong>br</strong> />

crepúsculo. Era preciso agradecer, se conseguissem chegar<<strong>br</strong> />

ao Brasil sãos e salvos. Era preciso viver bem, até mesmo<<strong>br</strong> />

por aqueles que faleceram e foram sepultados em alto mar.<<strong>br</strong> />

Era o que <strong>Haru</strong> prometia para si mesma.<<strong>br</strong> />

"Além daquela menina, mais dois homens morreram<<strong>br</strong> />

a bordo e foram sepultados no mar. Fora isso,<<strong>br</strong> />

consegui fazer boas amizades e a viagem se tornou<<strong>br</strong> />

- 69 -


inesquecível. Enfim, chegamos a um porto chamado<<strong>br</strong> />

Santos, no Brasil. Mesmo em terra, o corpo balançava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o se eu ainda estivesse no navio. Em Santos, nós<<strong>br</strong> />

nos separamos do casal Nakayama. Lá, embarcamos<<strong>br</strong> />

num trem e... chegamos a um lugar chamado<<strong>br</strong> />

"Hospedaria dos Imigrantes ", em São Paulo. "<<strong>br</strong> />

Do convés do navio encostado no cais do porto de Santos,<<strong>br</strong> />

os imigrantes saíam cruzando o passadiço, desembarcando<<strong>br</strong> />

em fila. Eis que haviam chegado ao Brasil. Os imigrantes<<strong>br</strong> />

caminhavam entre os armazéns, construídos de alvenaria, e<<strong>br</strong> />

seguiam em fila, <strong>com</strong>o se fossem formigas trabalhadeiras.<<strong>br</strong> />

As filas entravam nos vagões de imigrantes que eram<<strong>br</strong> />

puxados por uma lo<strong>com</strong>otiva. O trem subiu a serra e chegou<<strong>br</strong> />

à cidade de São Paulo. Uma vez na Hospedaria dos<<strong>br</strong> />

Imigrantes, seria-lhes <strong>com</strong>unicado em que fazenda iriam<<strong>br</strong> />

trabalhar.<<strong>br</strong> />

- Chûji Takakura, de Hokkaido.<<strong>br</strong> />

-Sim.<<strong>br</strong> />

Chamados pelo funcionário da Companhia de Emigração,<<strong>br</strong> />

os mem<strong>br</strong>os da família Takakura se levantaram.<<strong>br</strong> />

- Esposa Shizu, primogênito Shigeru, segundo filho<<strong>br</strong> />

Minoru, primogênita <strong>Haru</strong>. Irmão mais novo Yozo e sua<<strong>br</strong> />

esposa, Kiyo. Estes sete irão para a Fazenda Santana, da<<strong>br</strong> />

estação Paraíso, da Estrada de Ferro Mogiana.<<strong>br</strong> />

- Essa fazenda é a que está escrita aqui?<<strong>br</strong> />

O funcionário olhou para o endereço anotado num pedaço<<strong>br</strong> />

- 70 -


de papel, estendido timidamente por Chûji.<<strong>br</strong> />

- Não, não é. Mas, <strong>com</strong>o o senhor conseguiu isso?<<strong>br</strong> />

- O encarregado me informou quando parti do Japão.<<strong>br</strong> />

- Nós estamos no Brasil. O senhor tem que respeitar as<<strong>br</strong> />

regras daqui.<<strong>br</strong> />

- Sim senhor.<<strong>br</strong> />

- Próximo, de Hokkaido.<<strong>br</strong> />

- Papai, precisamos escrever imediatemente para <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

dando o novo endereço...<<strong>br</strong> />

A maior preocupação de <strong>Haru</strong> era <strong>Natsu</strong>, que vira pela<<strong>br</strong> />

última vez, de pé, na ponta do cais do porto de Kobe. Se<<strong>br</strong> />

houvesse desencontro de cartas, <strong>Haru</strong> não poderia cumprir<<strong>br</strong> />

sua promessa.<<strong>br</strong> />

Eles passaram a noite na Hospedaria dos Imigrantes e no<<strong>br</strong> />

dia seguinte foram para a fazenda de café, onde <strong>com</strong>eçariam<<strong>br</strong> />

a vida de colono. Na cama, ao lado dos familiares que<<strong>br</strong> />

dormiam exaustos pelo cansaço da longa viagem, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

escrevia uma carta.<<strong>br</strong> />

"Por isso, estou escrevendo esta carta às pressas.<<strong>br</strong> />

Vou colocar dinheiro dentro da carta. A mamãe disse<<strong>br</strong> />

para mandar este dinheiro para você, pois aqui não<<strong>br</strong> />

é possível usar dinheiro do Japão.<<strong>br</strong> />

Papai e mamãe dizem estar muito cansados e sem<<strong>br</strong> />

forças para escrever cartas. Mas vou lhe escrever<<strong>br</strong> />

sempre que puder. Aqui, nós daremos um jeito. Você<<strong>br</strong> />

pode gastar esse dinheiro. Sei que você se sente<<strong>br</strong> />

- 71 -


solitária, mas agüente firme e espere-nos por três<<strong>br</strong> />

anos. Escreverei novamente."<<strong>br</strong> />

Terminava ali a primeira carta escrita por <strong>Haru</strong> a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Sentimentos de ternura <strong>com</strong>eçaram a inundar o coração<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong>. Logo após a chegada no Brasil, sua irmã escrevera<<strong>br</strong> />

informando a mudança de endereço. Como <strong>Natsu</strong> não soubera<<strong>br</strong> />

daquilo, continuara a escrever e enviar cartas para o Brasil<<strong>br</strong> />

no endereço anterior. Assim, as cartas de <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />

encontraram a destinatária, já que <strong>Haru</strong> e os demais familiares<<strong>br</strong> />

estavam em outra fazenda.<<strong>br</strong> />

Os anos eram irrecuperáveis. Já não adiantava lamentar<<strong>br</strong> />

ou culpar alguém. Mas <strong>Natsu</strong> não podia deixar de pensar se<<strong>br</strong> />

teria agido daquela forma <strong>com</strong> a irmã, se antes tivesse recebido<<strong>br</strong> />

aquelas cartas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> recolocou cuidadosamente a carta no envelope.<<strong>br</strong> />

Naturalmente, o dinheiro que <strong>Haru</strong> dissera ter colocado no<<strong>br</strong> />

envelope, não estava lá.<<strong>br</strong> />

Pegou um outro envelope, que supunha ter chegado em<<strong>br</strong> />

seguida, e <strong>com</strong>eçou a ler.<<strong>br</strong> />

"Passaram-se dois meses, num piscar de olhos, desde<<strong>br</strong> />

a última carta. Queria muito lhe escrever, mas não<<strong>br</strong> />

tive tempo nem disposição. Aqui faz muito calor todos<<strong>br</strong> />

os dias e até sinto saudades da neve de Hokkaido,<<strong>br</strong> />

que tanto detestava quando estava aí. Saímos da<<strong>br</strong> />

Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo, e nos<<strong>br</strong> />

- 72 -


puseram outra vez no trem.<<strong>br</strong> />

As pessoas que viajaram conosco no navio foram<<strong>br</strong> />

enviadas para locais diferentes. Além da nossa, mais<<strong>br</strong> />

três famílias desembarcaram na estação. A família<<strong>br</strong> />

Yamashita também desembarcou aqui. Subimos em<<strong>br</strong> />

carroças puxadas por bois, que vieram nos buscar.<<strong>br</strong> />

Passamos por bosques e colinas, e chegamos na<<strong>br</strong> />

fazenda.<<strong>br</strong> />

Todas essas árvores a perder de vista são pés de café.<<strong>br</strong> />

Estão carregadas defrutinhas vermelhas, que serão<<strong>br</strong> />

colhidas <strong>br</strong>evemente."<<strong>br</strong> />

Até chegar ao seu destino, o trem da Estrada de Ferro<<strong>br</strong> />

Mogiana parou em diversas estações. Ainda que<<strong>br</strong> />

perguntassem os nomes destas paradas, não havia <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

guardá-los. Pouco familiarizados <strong>com</strong> o português, a única<<strong>br</strong> />

coisa que podiam dizer era que o trem percorrera a imensidão<<strong>br</strong> />

da planície a céu aberto.<<strong>br</strong> />

Diversas famílias foram descendo nas estações por onde<<strong>br</strong> />

paravam, e eram levadas para as repectivas fazendas. Quando<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e seus familiares chegaram na estação de destino,<<strong>br</strong> />

também havia o pessoal da fazenda que viera buscá-los.<<strong>br</strong> />

Os <strong>br</strong>asileiros tinham vindo a cavalo, mas as mulheres e<<strong>br</strong> />

as crianças <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>, foram colocadas, juntamente <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

bagagem, nas carroças puxadas por bois. Os homens adultos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o Chüji e os outros, a<strong>com</strong>panharam as carroças a pé.<<strong>br</strong> />

As trilhas por onde passavam estavam cobertas de capim,<<strong>br</strong> />

- 73 -


que ultrapassava a altura dos adultos e os caminhos eram cheios<<strong>br</strong> />

de altos e baixos. Todas as vezes em que as carroças balançavam<<strong>br</strong> />

ao passar pelos buracos, <strong>Haru</strong> e os outros passageiros tinham<<strong>br</strong> />

que se agarrar em algum lugar para não caírem. Chûji e os demais<<strong>br</strong> />

caminhavam a pé, por entre o capim.<<strong>br</strong> />

Finalmente, avistou-se uma grande placa indicando a entrada<<strong>br</strong> />

da fazenda. Seguindo um pouco mais, havia um mar de cafezal<<strong>br</strong> />

que se estendia por todo o raio de visão. Os pés de café verdes<<strong>br</strong> />

estavam cheios de frutos vermelhos que pareciam cachos de uvas.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> pulou da carroça, movida pela curiosidade, e foi seguida<<strong>br</strong> />

por Takuya.<<strong>br</strong> />

- Isso é que é um pé de café? É a primeira vez que vejo.<<strong>br</strong> />

- Você já tomou café?<<strong>br</strong> />

- Não. Este fruto é que vira café?<<strong>br</strong> />

- Olhe, dentro deste fruto, tem uma semente. As sementes<<strong>br</strong> />

são secadas ao sol, e depois, torradas no fogo. Aí, são moídas<<strong>br</strong> />

e transformadas em pó. Coloca-se o pó na água quente e passase<<strong>br</strong> />

pelo coador. Então, tem-se o café para tomar.<<strong>br</strong> />

- Puxa, Takuya, <strong>com</strong>o você é sabido!<<strong>br</strong> />

Correndo atrás da carroça que seguia adiante, viram<<strong>br</strong> />

colonos de outras nacionalidades que não a japonesa, que<<strong>br</strong> />

trabalhavam na colheita do café. As crianças que ali estavam,<<strong>br</strong> />

provavelmente seus filhos, faziam caretas para <strong>Haru</strong> e Takuya,<<strong>br</strong> />

que ali passavam por ali.<<strong>br</strong> />

Então, por trás dos dois, passou um automóvel, dirigido<<strong>br</strong> />

por um motorista que tansportava um homem <strong>com</strong> aparência<<strong>br</strong> />

fidalga, o dono da fazenda. Tudo que via era novidade e <strong>com</strong>ovia<<strong>br</strong> />

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<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

O grupo de imigrantes que chegou no mesmo navio foi<<strong>br</strong> />

reunido em frente a algumas casas geminadas, de estilo<<strong>br</strong> />

rústico. Um <strong>br</strong>asileiro barrigudo subiu numa espécie de<<strong>br</strong> />

pedestal, <strong>com</strong> chicote na mão, e falou em japonês, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

sotaque muito forte.<<strong>br</strong> />

- Eu, administrador. Aqui, casa de vocês.<<strong>br</strong> />

- Não é que o administrador fala japonês? - Chûji disse a<<strong>br</strong> />

Heizo e perguntou diretamente ao administrador em japonês:<<strong>br</strong> />

- Qual a casa para cada família?<<strong>br</strong> />

O administrador respondeu em português:<<strong>br</strong> />

- Eu não entendo japonês. Logo mais, virá uma pessoa<<strong>br</strong> />

para explicar.<<strong>br</strong> />

Chúji se decepcionou e falou <strong>com</strong> Heizo:<<strong>br</strong> />

- É, ele não fala japonês mesmo. O que é que ele está<<strong>br</strong> />

dizendo?<<strong>br</strong> />

- Sei lá. Ele fala muito rápido... Eu estudei um pouco no<<strong>br</strong> />

Japão, mas acho que não vai servir para nada. Que situação...<<strong>br</strong> />

Parecia que não se podia contar <strong>com</strong> Heizo.<<strong>br</strong> />

Nisso, chegou correndo um homem aparentando cerca<<strong>br</strong> />

de 40 anos.<<strong>br</strong> />

- Sejam bem-vindos. Desculpe-me o atraso. Os senhores<<strong>br</strong> />

chegaram mais cedo do que eu pensava. Meu nome é Kurita<<strong>br</strong> />

e estou aqui há dois anos. Como colega mais antigo, cuidarei<<strong>br</strong> />

de vocês.<<strong>br</strong> />

Kurita falou aos novos colonos e cumprimentou o<<strong>br</strong> />

administrador <strong>com</strong> respeito, tirando o chapéu, e falando<<strong>br</strong> />

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algumas coisas em português.<<strong>br</strong> />

- Pode deixar que eu cuido do resto...<<strong>br</strong> />

O administrador aquiesceu <strong>com</strong> a cabeça, numa atitude<<strong>br</strong> />

arrogante, e se afastou, montado no cavalo.<<strong>br</strong> />

- Cavalo...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Takuya a<strong>com</strong>panharam os passos do administrador<<strong>br</strong> />

barrigudo que se afastara, <strong>com</strong> olhares cheios de curiosidade.<<strong>br</strong> />

Enquanto Chûji ouvia as explicações de Kurita, <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />

os demais mem<strong>br</strong>os da família resolveram entrar na casa que<<strong>br</strong> />

fora indicada e esperar lá dentro. A porta estava emperrada e<<strong>br</strong> />

Yozo, ao forçar as do<strong>br</strong>adiças acabou por que<strong>br</strong>á-las. Yozo<<strong>br</strong> />

caiu para dentro da casa junto <strong>com</strong> a porta, arrancada <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

suas próprias forças, levantando uma nuvem de poeira.<<strong>br</strong> />

Dentro da casa estava escuro, parecendo um lugar<<strong>br</strong> />

abandonado, cheio de teias de aranha. Cada movimento<<strong>br</strong> />

levantava uma nuvem de poeira.<<strong>br</strong> />

Shizu e Kiyo não tinham a menor idéia por onde <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />

o trabalho.<<strong>br</strong> />

- Não tem nem teto nem assoalho. Chamam isso de casa?<<strong>br</strong> />

Será que a gente tem que dormir <strong>com</strong> o acolchoado estendido<<strong>br</strong> />

nesse chão de terra? - es<strong>br</strong>avejou Shigeru, mostrando sua<<strong>br</strong> />

insatisfação.<<strong>br</strong> />

- Bem, cada lugar tem o seu modo de viver. Agora seu<<strong>br</strong> />

pai está perguntando os detalhes para o sr. Kurita. Quando<<strong>br</strong> />

ele voltar, vai nos explicar. Vamos tirar da bagagem as coisas<<strong>br</strong> />

que vamos usar agora.<<strong>br</strong> />

Shizu <strong>com</strong>eçou a tossir <strong>com</strong> a poeira, enquanto procurava<<strong>br</strong> />

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contemporizar.<<strong>br</strong> />

- Será que temos que ir buscar água em algum lugar?<<strong>br</strong> />

Minoru procurou dentro da casa, meio constrangido.<<strong>br</strong> />

- Lá fora tem um poço <strong>com</strong>unitário, não é? Ah! Vamos<<strong>br</strong> />

precisar de uma tina ou um balde.<<strong>br</strong> />

- Tem isso na bagagem?<<strong>br</strong> />

- Lógico que não! Havia restrição para a bagagem e não<<strong>br</strong> />

dava para trazer essas coisas.<<strong>br</strong> />

- Que fome! - disse <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Daqui a pouco é hora do jantar. Mas, nem sei <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

cozinhar. - resmungou Shizu, quando Chüji voltou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Kurita.<<strong>br</strong> />

- O sr. Kurita preparou bolinhos de arroz para a gente.<<strong>br</strong> />

- Bolinho de arroz? - disse Minoru, aparentando alegria.<<strong>br</strong> />

Num prato grande estavam colocados bolinhos de arroz<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>anco, parecendo muito apetitosos. O <strong>br</strong>ilho nos olhos das<<strong>br</strong> />

crianças voltou, ao ver os bolinhos de arroz.<<strong>br</strong> />

- As sementes foram trazidas do Japão, mas o arroz foi<<strong>br</strong> />

cultivado aqui.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />

Shizu recebeu o prato grande <strong>com</strong> bolinhos de arroz e<<strong>br</strong> />

todos estenderam as mãos para pegá-los.<<strong>br</strong> />

Quanto ao trabalho em si, cada família iria cuidar de um<<strong>br</strong> />

setor no extenso cafezal da fazenda, trabalhar na colheita e<<strong>br</strong> />

todos os demais afazeres.<<strong>br</strong> />

- Como nossa família tem seis pessoas, vamos cuidar de<<strong>br</strong> />

oito mil pés. - Chûji relatou orgulhosamente aos familiares.<<strong>br</strong> />

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-Oito mil...?<<strong>br</strong> />

- Quanto mais pés cuidarmos, maior será o nosso ganho.<<strong>br</strong> />

E, quanto à colheita de grãos de café, que <strong>com</strong>eça depois de<<strong>br</strong> />

amanhã, o pagamento é feito por saca. Por isso, quanto mais<<strong>br</strong> />

pessoas tiver, maior será o ganho.<<strong>br</strong> />

Chüji não sabia objetivamente, que volume de trabalho<<strong>br</strong> />

representava a colheita de oito mil pés de café.<<strong>br</strong> />

O requisito para cada família de imigrante contratada<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o colono ou trabalhador contratado, era ter mais de três<<strong>br</strong> />

pessoas, acima de 12 anos, aptas para o trabalho. Essa era a<<strong>br</strong> />

idade considerada apta ao trabalho de colheita. Assim, haviam<<strong>br</strong> />

seis pessoas na família Takakura que podiam trabalhar: Chüji,<<strong>br</strong> />

Shizu, Shigeru, Minoru, Yozo e Kiyo. <strong>Haru</strong>, que tinha apenas<<strong>br</strong> />

nove anos, não era considerada capaz.<<strong>br</strong> />

Raciocinando de forma simples, quanto mais pés de café<<strong>br</strong> />

e mão-de-o<strong>br</strong>a tivessem, o volume de colheita diário e o<<strong>br</strong> />

número de sacas aumentariam. E assim, a receita também<<strong>br</strong> />

aumentaria. Contudo, tanto <strong>Haru</strong> quanto Chüji e os demais<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da família iam perceber que a lógica não funcionava<<strong>br</strong> />

de forma tão simples.<<strong>br</strong> />

- Como a sua área fica no fundo da fazenda, dá um pouco<<strong>br</strong> />

de trabalho ir até lá e voltar a pé, mas vocês se acostumarão<<strong>br</strong> />

logo.<<strong>br</strong> />

Essa fala de Kurita ocultava qualquer conotação de<<strong>br</strong> />

difilculdade. Disse ainda:<<strong>br</strong> />

- Durante os intevalos nos trabalhos do cafezal, podem<<strong>br</strong> />

cultivar arroz ou verduras para sua subsistência. É um método<<strong>br</strong> />

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chamado cultivo intercalado.<<strong>br</strong> />

A<strong>br</strong>iu a porta do fundo e saiu, mostrando o terreno vazio<<strong>br</strong> />

fora da casa. De acordo <strong>com</strong> as explicações de Kurita, os<<strong>br</strong> />

imigrantes podiam aproveitar o terreno vazio para se dedicar<<strong>br</strong> />

livremente à cultura de hortaliças e legumes. Como o clima<<strong>br</strong> />

era quente, as verduras cresciam rapidamente. Trabalhando<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> afinco, dava para produzir tanta verdura que seria<<strong>br</strong> />

impossível consumir tudo em casa, podendo-se até vender<<strong>br</strong> />

para outros colonos.<<strong>br</strong> />

Naquela fazenda trabalhavam, também, colonos italianos<<strong>br</strong> />

e portugueses. Como não eram trabalhadores <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />

japoneses, não costumavam plantar verduras e aceitavam bem<<strong>br</strong> />

as verduras que os japoneses vendiam. Esses rendimentos<<strong>br</strong> />

extras ficavam para cada uma das famílias.<<strong>br</strong> />

O fazendeiro e o administrador permitiam, assim, que os<<strong>br</strong> />

imigrantes tivessem uma receita secundária. Mais tarde, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

e seus familiares ficariam sabendo o porquê daquilo.<<strong>br</strong> />

- Sr. Kurita, o senhor é o encarregado de cuidar dos<<strong>br</strong> />

japoneses?<<strong>br</strong> />

- Não. Eu também sou colono <strong>com</strong>o todos, <strong>com</strong> contrato<<strong>br</strong> />

de um ano. Pretendo trabalhar bastante por mais dois ou três<<strong>br</strong> />

anos aqui, e depois, tornar-me independente e <strong>com</strong>prar terras<<strong>br</strong> />

no interior. É costume daqui os mais antigos orientarem os<<strong>br</strong> />

novatos so<strong>br</strong>e as coisas do cotidiano... Não há intérprete de<<strong>br</strong> />

japonês. Eu também cheguei sem saber nada de português,<<strong>br</strong> />

mas, em um ano, aprendi a me virar e a me <strong>com</strong>unicar em<<strong>br</strong> />

conversas simples. Se tiverem alguma dúvida, perguntem sem<<strong>br</strong> />

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cerimônia.<<strong>br</strong> />

- Bem..., <strong>com</strong>o fazemos para morar aqui? - Shizu<<strong>br</strong> />

perguntou timidamente.<<strong>br</strong> />

- Para dormir, façam camas <strong>com</strong> as madeiras que têm<<strong>br</strong> />

por aí. Como colchão, usa-se palha seca de milho no lugar<<strong>br</strong> />

do algodão...<<strong>br</strong> />

Ouvindo o barulho do martelo, Chûji olhou para o lado e<<strong>br</strong> />

viu Heizo Yamashita e os filhos montando as suas camas.<<strong>br</strong> />

- Se precisar de ferramentas, eu empresto. Se for um<<strong>br</strong> />

pouco, eu tenho pregos também.<<strong>br</strong> />

Apesar das palavras gentis de Kurita, Chüji percebeu que<<strong>br</strong> />

teria que <strong>com</strong>eçar tudo da estaca zero. Era muito mais do que<<strong>br</strong> />

podia ter imaginado.<<strong>br</strong> />

- Não, pode deixar que eu <strong>com</strong>pro. Vamos ter mesmo<<strong>br</strong> />

que fazer outros móveis também...<<strong>br</strong> />

- Dentro da fazenda há uma venda para artigos do dia-adia.<<strong>br</strong> />

Lá se vendem sal, feijão, óleo, roupas..., praticamente<<strong>br</strong> />

tudo de que precisamos.<<strong>br</strong> />

Yozo resmungou, retratando a situação da família<<strong>br</strong> />

Takakura, que não tinha dinheiro:<<strong>br</strong> />

- Não adianta nada ter a venda, se a gente não tem<<strong>br</strong> />

dinheiro.<<strong>br</strong> />

- Se a gente trabalhar, a gente recebe dinheiro, não é?<<strong>br</strong> />

Kiyo reprime o marido. Contudo...<<strong>br</strong> />

- Nesta fazenda, o salário é pago de uma só vez, uma vez<<strong>br</strong> />

por ano.<<strong>br</strong> />

-Uma vez por ano? Então, <strong>com</strong>o vamos so<strong>br</strong>eviver durante<<strong>br</strong> />

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um ano? Eu resolvi tentar a vida aqui, porque disseram que o<<strong>br</strong> />

imigrante no Brasil consegue viver sem nenhum dinheiro. - Yozo<<strong>br</strong> />

exclamou, cuspindo grão de arroz pela boca, juntamente <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

palavras de descontentamento.<<strong>br</strong> />

- Não precisa de dinheiro. Você <strong>com</strong>pra fiado e paga de<<strong>br</strong> />

uma vez quando receber o salário. - Chûji explicou,<<strong>br</strong> />

procurando acalmar a situação, mas também não deixando<<strong>br</strong> />

de aparentar insegurança.<<strong>br</strong> />

Kurita também se apressou em acrescentar:<<strong>br</strong> />

- Só que na venda tudo é caro. Além disso, <strong>com</strong>prando<<strong>br</strong> />

fiado, a gente acaba perdendo a noção dos valores e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prando coisas demais. Na hora de pagar, não é raro a<<strong>br</strong> />

dívida estar maior que a receita.<<strong>br</strong> />

Os colonos não possuíam meios de transporte. Não<<strong>br</strong> />

poderiam, pois, se lo<strong>com</strong>over até a cidade, que era distante, e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prar mercadorias a preços mais baratos. Sem outra<<strong>br</strong> />

alternativa, eram o<strong>br</strong>igados a <strong>com</strong>prar mercadorias na venda,<<strong>br</strong> />

mesmo sabendo que eram mais caras. A administração da<<strong>br</strong> />

fazenda colocava preços altos nas mercadorias, sabendo que<<strong>br</strong> />

os imigrantes eram o<strong>br</strong>igados a <strong>com</strong>prar ali. Assim, o<<strong>br</strong> />

faturamento da venda se convertia em lucro da fazenda.<<strong>br</strong> />

A razão verdadeira pela qual Kurita sugerira <strong>com</strong>eçar o<<strong>br</strong> />

quanto antes a cultura intercalada estava ali. Cultivando a<<strong>br</strong> />

própria horta, e se tornando auto-suficientes em legumes e<<strong>br</strong> />

hortaliças, não precisariam <strong>com</strong>prar mercadorias caras da<<strong>br</strong> />

venda.<<strong>br</strong> />

Naquela ocasião, contudo, ninguém havia percebido o<<strong>br</strong> />

- 81 -


quanto isto seria necessário na vida real.<<strong>br</strong> />

Enquanto Chûji e outros falavam da venda, <strong>Haru</strong> teve<<strong>br</strong> />

um estalo.<<strong>br</strong> />

- Quanto tempo demora para uma carta chegar ao Japão?<<strong>br</strong> />

- Leva uns dois meses. Se tem alguém no Japão<<strong>br</strong> />

aguardando notícias, é melhor avisar logo que já se<<strong>br</strong> />

estabeleceram aqui.<<strong>br</strong> />

Dizendo aquilo à <strong>Haru</strong>, Kurita se voltou para Chüji:<<strong>br</strong> />

- Já sabem o endereço daqui?<<strong>br</strong> />

- Sim, me ensinaram.<<strong>br</strong> />

Chûji tirou um pedaço de papel do bolso e mostrou a<<strong>br</strong> />

Kurita.<<strong>br</strong> />

- É este o endereço daqui?<<strong>br</strong> />

-Sim.<<strong>br</strong> />

-Porém, viemos parar numa fazenda diferente daquela<<strong>br</strong> />

que nos informaram no Japão...<<strong>br</strong> />

- Deve ter havido alguma razão para essa troca. Isso<<strong>br</strong> />

costuma acontecer <strong>com</strong> freqüência. - Kurita respondeu <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se fosse algo sem importância.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> correu para dentro de casa e logo voltou.<<strong>br</strong> />

- Queria enviar esta carta ao Japão, por favor.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> pedia a Kurita que enviasse a carta para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Finalmente, o trabalho da fazenda <strong>com</strong>eçou. Sob um sol<<strong>br</strong> />

escaldante, todos os mem<strong>br</strong>os da família Takakura, se<<strong>br</strong> />

empenhavam na colheita de café. Depois de um dia de trabalho,<<strong>br</strong> />

Shizu e Kiyo se dedicavam aos trabalhos domésticos, enquanto<<strong>br</strong> />

- 82 -


Chûji e Yozo, no quintal, tomavam banho numa banheira<<strong>br</strong> />

improvisada num tambor.<<strong>br</strong> />

As mulheres cantarolavam o Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />

Patrícios que Emigram para o Brasil e os homens entoavam<<strong>br</strong> />

a Canção dos Mineiros de Carvão sob a claridade da lua. As<<strong>br</strong> />

vozes femininas aumentavam, <strong>com</strong>o querendo <strong>com</strong>petir,<<strong>br</strong> />

provocando os homens, também, a cantar mais alto.<<strong>br</strong> />

Essa era a vida da roça no Brasil, que acabava de <strong>com</strong>eçar.<<strong>br</strong> />

O trabalho era árduo, mas havia momentos de sossego na<<strong>br</strong> />

família, que alimentava esperanças no seu futuro.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> procurava encontrar tempo, ainda que <strong>br</strong>eve, para<<strong>br</strong> />

escrever cartas à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

"No dia seguinte da chegada, papai, Shigeru e<<strong>br</strong> />

Minoru fizeram as camas, epudemos dormir melhor.<<strong>br</strong> />

Desde então, a família inteira está colhendo frutos<<strong>br</strong> />

de café. Aqui o sino toca às cinco horas, e temos que<<strong>br</strong> />

acordar. Com o toque do sino das seis horas,<<strong>br</strong> />

partimos para o cafezal. O serviço termina às seis<<strong>br</strong> />

ou seis e meia da tarde. Temos que trabalhar sem<<strong>br</strong> />

descanso, sob o sol escaldante. Por isso, no fim do<<strong>br</strong> />

dia, estamos tão cansados que quase não temos<<strong>br</strong> />

forças para voltar para casa. "<<strong>br</strong> />

Pela manhã, às cinco horas, ainda escuro, o sino da<<strong>br</strong> />

fazenda <strong>com</strong>eçava a tocar. O toque do sino, de conotação<<strong>br</strong> />

pastoral, parecia <strong>com</strong>binar, <strong>com</strong> perfeição, ao quadro de Millet<<strong>br</strong> />

- 83 -


so<strong>br</strong>e a paisagem de uma fazenda na Vila de Barbizon. Na<<strong>br</strong> />

verdade, porém, era o sinal que anunciava o início do trabalho<<strong>br</strong> />

rigoroso dos colonos.<<strong>br</strong> />

Ouviram dizer que o clima do Brasil era ameno, mas a<<strong>br</strong> />

temperatura da manhã era espantosamente baixa. Tremendo<<strong>br</strong> />

de frio, vestiam-se rapidamente. Ao sair de casa, já viam as<<strong>br</strong> />

filas dos colonos que caminhavam silenciosamente rumo aos<<strong>br</strong> />

respectivos setores da fazenda cafeeira.<<strong>br</strong> />

O setor da família Takakura ficava no local mais<<strong>br</strong> />

longínquo, no interior da fazenda. A caminhada já se tornara<<strong>br</strong> />

um bom exercício físico e ao chegar, o céu já estava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente claro.<<strong>br</strong> />

Iniciado o trabalho, os raios solares <strong>com</strong>eçavam a queimar<<strong>br</strong> />

impiedosamente a pele de todos, já que não havia nenhum<<strong>br</strong> />

obstáculo que podia interceptá-los. O suor <strong>com</strong>eçava a <strong>br</strong>otar<<strong>br</strong> />

por todo o corpo e escorria, consumindo a energia das pessoas.<<strong>br</strong> />

Ao colher os frutos do café, um pequeno descuido acabava<<strong>br</strong> />

fazendo <strong>com</strong> que espetassem <strong>com</strong> as pontas dos galhos, as<<strong>br</strong> />

mãos e os dedos que <strong>com</strong>eçavam a sangrar e a doer por causa<<strong>br</strong> />

do suor. Aquele trabalho pesado continuava até o toque dos<<strong>br</strong> />

sinos do crepúsculo.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também se dedicava, durante o dia, <strong>com</strong> Chüji e<<strong>br</strong> />

demais pessoas da família, à colheita dos frutos do café,<<strong>br</strong> />

trabalho esse para o qual ainda não estava pronta.<<strong>br</strong> />

Havia uma forma apropriada de trabalho na colheita de<<strong>br</strong> />

café. Em primeiro lugar, estendia-se um pano grande sob os pés<<strong>br</strong> />

de café. Depois, <strong>com</strong> a palma das mãos, procurava-se tirar os<<strong>br</strong> />

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frutos que <strong>br</strong>otavam nos galhos. Os frutos que estavam nos galhos<<strong>br</strong> />

mais altos eram derrubados <strong>com</strong> cuidado, subindo-se em uma<<strong>br</strong> />

escada ou tripé. Era terminantemente proibido balançar ou bater<<strong>br</strong> />

nos galhos <strong>com</strong> o intuito de a<strong>br</strong>eviar o trabalho, uma vez que<<strong>br</strong> />

poderiam machucar os cafeeiros.<<strong>br</strong> />

Os frutos do café que caíam no pano eram peneirados a<<strong>br</strong> />

fim de se retirar a terra, pequenos galhos ou folhas secas. Era<<strong>br</strong> />

um grande sacrifício conseguir aprender o jeito apropriado<<strong>br</strong> />

de peneirar.<<strong>br</strong> />

O conteúdo da peneira era lançado para o alto e deixavase<<strong>br</strong> />

cair a terra e demais impurezas, <strong>com</strong>o as folhas secas ou<<strong>br</strong> />

poeira, recolhendo os frutos que estavam no ar.<<strong>br</strong> />

Enquanto não estavam acostumados, não conseguiam<<strong>br</strong> />

peneirar direito, ou então, os frutos acabavam caindo fora da<<strong>br</strong> />

peneira. Se deixassem de recolher os frutos caídos, eram<<strong>br</strong> />

repreendidos pelo capataz.<<strong>br</strong> />

Com o passar dos dias, acumulavam-se desilusões e<<strong>br</strong> />

de s contentamento s.<<strong>br</strong> />

Os pés de café que haviam visto pela primeira vez, quando<<strong>br</strong> />

chegaram na fazenda, estavam de tal forma cheios de frutos<<strong>br</strong> />

que os galhos até envergavam. Contudo, os que foram<<strong>br</strong> />

atribuídos à família Takakura não tinham tantos frutos e assim,<<strong>br</strong> />

o volume de colheita era bem menor, ainda que passassem o<<strong>br</strong> />

mesmo tempo no trabalho.<<strong>br</strong> />

No <strong>com</strong>eço, trabalhavam de forma redo<strong>br</strong>ada, pois ainda<<strong>br</strong> />

não estavam acostumados ao trabalho. Contudo, à medida<<strong>br</strong> />

em que <strong>com</strong>eçaram a entender melhor a situação e o ambiente<<strong>br</strong> />

- 85 -


de trabalho, chegaram à conclusão de que havia uma visível<<strong>br</strong> />

discriminação. Além do mais, as idas e vindas ao local do<<strong>br</strong> />

trabalho demandavam um tempo maior, pois os pés de café<<strong>br</strong> />

atribuídos à família Takakura ficavam no outro extremo da<<strong>br</strong> />

fazenda. Assim, uma parte do tempo de permanência no local<<strong>br</strong> />

do trabalho acabava sendo sacrificada pela caminhada.<<strong>br</strong> />

Na medida em que o pagamento do trabalho era feito por<<strong>br</strong> />

sacas de café colhidas, o volume de colheita da família<<strong>br</strong> />

Takakura era mínimo, já que tanto os pés de café distantes<<strong>br</strong> />

ou próximos, bem <strong>com</strong>o os que tinham muito ou pouco fruto<<strong>br</strong> />

estavam todos nivelados numa mesma forma de pagamento.<<strong>br</strong> />

Os preços dos mantimentos adquiridos na venda da<<strong>br</strong> />

fazenda eram caros e havia uma certa aflição pelo fato de<<strong>br</strong> />

quererem voltar para o Japão em três anos. Não podiam,<<strong>br</strong> />

contudo, externar abertamente o descontentamento e assim<<strong>br</strong> />

estavam sempre irritados, <strong>com</strong> os nervos à flor da pele.<<strong>br</strong> />

Certo dia, essa situação serviu de estopim para um<<strong>br</strong> />

incidente.<<strong>br</strong> />

Naquele dia, <strong>Haru</strong> e seus familiares trabalhavam,<<strong>br</strong> />

arduamente, sob um sol escaldante, quando chegou um<<strong>br</strong> />

capataz montado a cavalo, que inspecionava os colonos e<<strong>br</strong> />

gritou de forma autoritária:<<strong>br</strong> />

- A família de vocês está produzindo muito pouco.<<strong>br</strong> />

Trabalhem todos <strong>com</strong> mais empenho!<<strong>br</strong> />

Naturalmente, ele falou em português, mas deu para<<strong>br</strong> />

perceber do que se tratava. Yozo parou de trabalhar, atirando os<<strong>br</strong> />

utensílios, num gesto que demonstrava resistência.<<strong>br</strong> />

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O grito em português se dirigiu, desta feita, a Yozo:<<strong>br</strong> />

- A produção de vocês é baixa, porque você está fazendo<<strong>br</strong> />

corpo mole.<<strong>br</strong> />

Irado, Yozo perdeu a cabeça e atirou os frutos de café em<<strong>br</strong> />

direção ao capataz. O capataz logo sacou seu revólver e<<strong>br</strong> />

lentamente o apontou para Yozo. Paralisado, ele fitava o cano<<strong>br</strong> />

do revólver <strong>com</strong> fisionomia abobada.<<strong>br</strong> />

Amedrontada, Kiyo ajoelhou-se e esfregou a cabeça no<<strong>br</strong> />

chão.<<strong>br</strong> />

- Desculpe, desculpe, desculpe.<<strong>br</strong> />

Imediatamente Chûji e Shizu também se puseram de<<strong>br</strong> />

joelhos pedindo perdão e <strong>com</strong> isso puderam contornar a<<strong>br</strong> />

situação.<<strong>br</strong> />

Os fazendeiros tinham poder de manutenção da ordem<<strong>br</strong> />

dentro de suas fazendas. Assim, os capatazes eram<<strong>br</strong> />

encarregados pelos fazendeiros de administrar os colonos e<<strong>br</strong> />

podiam castigar os que não obedeciam ou demonstravam<<strong>br</strong> />

resistência às suas ordens.<<strong>br</strong> />

O revólver apontado contra Yozo naquela ocasião teria<<strong>br</strong> />

sido apenas para intimidá-lo, mas serviu para amedrontar toda<<strong>br</strong> />

a família.<<strong>br</strong> />

Mesmo após ouvirem o toque do sino de recolher, Chûji<<strong>br</strong> />

e os demais mem<strong>br</strong>os da família caminharam lentamente de<<strong>br</strong> />

volta para casa. O desespero era <strong>com</strong>um à família Yamashita.<<strong>br</strong> />

Por mais que trabalhassem, não chegavam a resultados<<strong>br</strong> />

promissores. Heizo fitava em silêncio as suas mãos, enquanto<<strong>br</strong> />

caminhava desanimado.<<strong>br</strong> />

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Ouvia-se de longe a melodia da música Furusato - Terra<<strong>br</strong> />

Natal, tocada na gaita por Takuya.<<strong>br</strong> />

A letra da música <strong>com</strong>eçava <strong>com</strong> a frase: "Um dia<<strong>br</strong> />

voltaremos à terra natal, tendo cumprido a nossa aspiração."<<strong>br</strong> />

Hokkaido era o lugar em que padeceram de fome e de<<strong>br</strong> />

frio. Portanto, não seria a inolvidável terra natal. Eles não<<strong>br</strong> />

tinham um recanto de que pudessem lem<strong>br</strong>ar <strong>com</strong> saudades.<<strong>br</strong> />

O som melodioso da gaita ecoava no peito machucado de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e de seus familiares, penetrando-lhes as entranhas.<<strong>br</strong> />

Ao chegar em casa, Chûji e os seus familiares sentaramse<<strong>br</strong> />

no chão de terra batida, sem forças nem para falar. Shizu,<<strong>br</strong> />

apesar de cansada, pôs-se a cozinhar, a fim de preparar o<<strong>br</strong> />

jantar.<<strong>br</strong> />

- Outra vez feijão cozido <strong>com</strong> sal e mandioca?<<strong>br</strong> />

- O que você quer? Aqui não tem shoyu (molho de soja),<<strong>br</strong> />

e arroz e carne são caros. Comprando, tudo se transforma em<<strong>br</strong> />

dívidas. Não tem outro jeito, senão agüentar.<<strong>br</strong> />

- Mas, no almoço, a gente só <strong>com</strong>e bananas e toma água.<<strong>br</strong> />

Assim, não temos forças para trabalhar.<<strong>br</strong> />

Não era sem razão que Shigeru e Minoru, que eram jovens<<strong>br</strong> />

em idade de crescimento, reclamavam. De fato, não dava para<<strong>br</strong> />

se sustentar somente <strong>com</strong> feijão.<<strong>br</strong> />

- Não reclame. Em Hokkaido, <strong>com</strong>íamos só uma tigela<<strong>br</strong> />

de papa de painço, que tinha mais água que outra coisa. Pelo<<strong>br</strong> />

menos aqui, podemos <strong>com</strong>er até ficarmos satisfeitos, pois o<<strong>br</strong> />

feijão é barato. Se reclamar, Deus vai castigar, -tentou confortar<<strong>br</strong> />

Chûji, mas Shigeru reagiu, contrariado:<<strong>br</strong> />

- 88 -


- Quem falou que o Brasil era um paraíso? Fomos enganados!<<strong>br</strong> />

Chûji sabia que não apenas o filho, mas todos tinham queixas<<strong>br</strong> />

e descontentamentos.<<strong>br</strong> />

- Trabalhando, vamos receber. Aqui é diferente de<<strong>br</strong> />

Hokkaido, onde o inverno é longo. Dá para trabalhar o ano<<strong>br</strong> />

inteiro. Temos que <strong>com</strong>er duas vezes ao dia, ao invés de três,<<strong>br</strong> />

para juntar dinheiro e voltar logo ao Japão.<<strong>br</strong> />

- Mas a nossa porção do cafezal é a mais distante e é<<strong>br</strong> />

duro ir até lá e voltar. Além do mais, os nossos pés de café<<strong>br</strong> />

estão ruins. Só tem metade dos frutos de outros pés.<<strong>br</strong> />

Devido ao incidente <strong>com</strong> o capataz, a paciência de Yozo<<strong>br</strong> />

já estava no limite. Ainda que fossem colonos, os japoneses,<<strong>br</strong> />

de uma forma geral, recebiam um tratamento discriminado<<strong>br</strong> />

em <strong>com</strong>paração aos colonos provenientes da Europa, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

os italianos, espanhóis, portugueses e outros. A desigualdade<<strong>br</strong> />

era patente, tanto em termos de localização dos pés de café<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o em volume de frutos do café. Ainda que levassem em<<strong>br</strong> />

consideração o fato de que os japoneses eram novatos, a<<strong>br</strong> />

situação era demais.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que a gente trabalhe <strong>com</strong> todas as nossas forças,<<strong>br</strong> />

vamos colher a metade dos outros. Ou seja, a nossa renda<<strong>br</strong> />

também será a metade. Não existe injustiça maior! Você tem<<strong>br</strong> />

que reclamar, mano!<<strong>br</strong> />

- Não tem jeito se nos foi destinado um local <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

safra po<strong>br</strong>e. Se reclamarmos, vão nos mandar embora. O sr.<<strong>br</strong> />

Kurita me advertiu so<strong>br</strong>e isso.<<strong>br</strong> />

Yozo se calou, <strong>com</strong> fisionomia ressentida e Chûji<<strong>br</strong> />

- 89 -


continuou a aconselhar:<<strong>br</strong> />

- Por mais que tentemos, os japoneses serão sempre<<strong>br</strong> />

japoneses. Por isso, não há outro jeito senão vencer. Vamos<<strong>br</strong> />

mostrar-lhes que o japonês é um povo esforçado, trabalhador,<<strong>br</strong> />

para que os outros não nos façam de bobos.<<strong>br</strong> />

- Não dá para agüentar tamanha besteira! - es<strong>br</strong>avejou<<strong>br</strong> />

Yozo num acesso de ira, jogando o hashi.<<strong>br</strong> />

- O quê? - Chûji gritou, irado.<<strong>br</strong> />

- Querido! - tentou apaziguar Shizu.<<strong>br</strong> />

- Se soubesse que era assim, seria bem melhor ter ficado<<strong>br</strong> />

no Japão. Por mais que sofrêssemos, não seríamos<<strong>br</strong> />

discriminado por sermos japoneses, não é mesmo?<<strong>br</strong> />

Yozo já estava cheio das ponderações do irmão. Começou<<strong>br</strong> />

a descarregar sua raiva, esmurrando a parede. Kiyo <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />

a chorar, agarrando os <strong>br</strong>aços do seu marido.<<strong>br</strong> />

O trabalho da fazenda era pesado, mas diziam que não<<strong>br</strong> />

era insuportável para os lavradores japoneses, que vinham<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> experiências de sofrimento <strong>com</strong>o a que<strong>br</strong>a de safra ou<<strong>br</strong> />

estragos ocasionados pelo frio. O que causava o sofrimento e<<strong>br</strong> />

agressividade nos japoneses eram a discriminação racial e a<<strong>br</strong> />

dominação psicológica pelas armas.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> saiu. Era insuportável assistir à <strong>br</strong>iga dos seus<<strong>br</strong> />

familiares. As desavenças que ocorriam dentro de casa<<strong>br</strong> />

pareciam ser mentiras ao fitar a lua maravilhosa que iluminava<<strong>br</strong> />

o céu noturno.<<strong>br</strong> />

Quando resolveram emigrar, sonharam <strong>com</strong> uma vida<<strong>br</strong> />

abastada junto <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. Cama quente e fartura nas<<strong>br</strong> />

- 90 -


efeições. Uma vida em família, repleta de risos. <strong>Haru</strong> nada podia<<strong>br</strong> />

fazer diante do vazio que sentia em ver transformado em ilusões,<<strong>br</strong> />

o pequeno luxo que chegara a sonhar.<<strong>br</strong> />

"A colheita dos frutos do café terminou e estamos<<strong>br</strong> />

carpindo o cafezal. Esse é o nosso trabalho até a<<strong>br</strong> />

próxima colheita e achávamos que a jornada seria<<strong>br</strong> />

mais amena. Contudo, as ervas daninhas crescem<<strong>br</strong> />

sem parar, por mais que façamos o trabalho de<<strong>br</strong> />

capinação. Se descuidarmos, o trabalho atrasa e o<<strong>br</strong> />

capataz vem chamar a nossa atenção. Assim sendo,<<strong>br</strong> />

ninguém descansa e continua a trabalhar. "<<strong>br</strong> />

A boa frutificação dos pés de café depende enormemente<<strong>br</strong> />

do trabalho de capinação das ervas daninhas, após a colheita.<<strong>br</strong> />

Para que os pés de café que estavam a cargo da família<<strong>br</strong> />

Takakura frutificassem bem, era necessário cortar bem o<<strong>br</strong> />

capim que crescia ao redor. Se voltassem a crescer, era preciso<<strong>br</strong> />

cortar de novo e assim sucessivamente. Tratava-se de um<<strong>br</strong> />

ciclo que não tinha fim.<<strong>br</strong> />

Até mesmo Chûji que vinha encorajando a família, por<<strong>br</strong> />

vezes passando pitos, trabalhando à frente de todos, estava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a fisionomia cansada. Ao terminar o trabalho, ficava a<<strong>br</strong> />

fumar e a<strong>com</strong>panhava <strong>com</strong> os olhos a fumaça pairando no ar.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçara a preparar a sua horta nos momentos de<<strong>br</strong> />

descanso do seu trabalho no cafezal. Logo, as folhas das<<strong>br</strong> />

hortaliças ficaram verdes. Kurita tinha razão ao dizer que as plantas<<strong>br</strong> />

- 91 -


cresciam rápido nesse país.<<strong>br</strong> />

Sentindo-se encorajada <strong>com</strong> os resultados, <strong>Haru</strong> molhava<<strong>br</strong> />

as plantas <strong>com</strong> freqüência, carregando os baldes d'água.<<strong>br</strong> />

- Como você é forte, <strong>Haru</strong>! - <strong>com</strong>entou Takuya, que já<<strong>br</strong> />

perdera a forma jovial tão peculiar à sua maneira de ser.<<strong>br</strong> />

- Estão todos exaustos. E eu não tenho para onde lançar<<strong>br</strong> />

os meus sentimentos. Há uma grande diferença entre o sonho<<strong>br</strong> />

e a realidade.<<strong>br</strong> />

- E eu que pensava em formar um time de beisebol...<<strong>br</strong> />

Ninguém consegue fazer mais nada além de trabalhar,<<strong>br</strong> />

trabalhar e <strong>com</strong>er... Não era para ser assim...<<strong>br</strong> />

- É mesmo! Eu até agüento trabalhar ou <strong>com</strong>er feijão<<strong>br</strong> />

todos os dias. Mas, ainda bem que a minha irmã teve tra<strong>com</strong>a.<<strong>br</strong> />

Não precisou passar por essa privação.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> procurava encarar alegremente os fatos, ainda que<<strong>br</strong> />

fossem pesados.<<strong>br</strong> />

- Recebi uma carta de um amigo. Ele disse que estava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> inveja de mim, que vim ao Brasil cheio de sonhos. No<<strong>br</strong> />

Japão, todos pensam assim. Mesmo essas cartas, não são<<strong>br</strong> />

entregues aqui. As cartas são deixadas na estação, e alguém<<strong>br</strong> />

da fazenda que passa por lá, de vez em quando, as traz para<<strong>br</strong> />

nós. Não temos tempo nem de ir buscá-las pessoalmente.<<strong>br</strong> />

- Que bom que você tem alguém que lhe escreve!<<strong>br</strong> />

- Mas não consigo responder, contando da vida miserável<<strong>br</strong> />

que levamos aqui!<<strong>br</strong> />

- Agora que terminamos a colheita dos frutos de café, está<<strong>br</strong> />

dando para fazer a minha própria horta. Aí, acho que a vida vai<<strong>br</strong> />

- 92 -


melhorar um pouco...<<strong>br</strong> />

Takuya estava sentado, segurando os seus joelhos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

melancolia.<<strong>br</strong> />

- Vamos jogar bola. Eu também sei jogar bola.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> tomou a bola de Takuya e a jogou para ele. Takuya,<<strong>br</strong> />

por sua vez devolveu de tal forma que <strong>Haru</strong> pudesse pegá-la<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> facilidade. O vai e vem do jogo de bola continuou. Era o<<strong>br</strong> />

jogo chamado "catch bali". Incentivado por <strong>Haru</strong>, Takuya<<strong>br</strong> />

voltou a sorrir <strong>com</strong>o sempre.<<strong>br</strong> />

Aconteceu, contudo, um incidente num certo dia em que<<strong>br</strong> />

a rotina da capinação e as refeições de feijão continuavam.<<strong>br</strong> />

- Pai, não agüento mais. Já chega!<<strong>br</strong> />

De repente, Minoru atirou a enxada.<<strong>br</strong> />

- Minoru, Minoru. - gritou Chûji.<<strong>br</strong> />

Shizu segurou o marido, que a passos largos tentava<<strong>br</strong> />

alcançar Minoru, e procurou falar <strong>com</strong> o filho de forma mansa<<strong>br</strong> />

e delicada. Ela fitou os olhos do seu filho, chamando-o<<strong>br</strong> />

carinhosamente pelo nome:<<strong>br</strong> />

- Minoru...<<strong>br</strong> />

Com isso, Minoru voltou ao trabalho parecendo estar mais<<strong>br</strong> />

conformado. <strong>Haru</strong> e os demais, que haviam parado de<<strong>br</strong> />

trabalhar, e assistiam ao desenrolar dos acontecimentos,<<strong>br</strong> />

respiraram aliviados e também voltaram aos respectivos<<strong>br</strong> />

trabalhos. Todos pensavam da mesma forma. O esgotamento<<strong>br</strong> />

da paciência de Minoru, bem <strong>com</strong>o a resistência de Chûji,<<strong>br</strong> />

refletiam a corda bamba em que caminhavam. E assim os<<strong>br</strong> />

dias foram passando.<<strong>br</strong> />

- 93 -


"Estou bem. Mas agora, <strong>Natsu</strong>, realmente acho que<<strong>br</strong> />

foi melhor tê-la deixado no Japão. Esforce-se e não<<strong>br</strong> />

desanime mesmo que a tia a maltrate. Avisei-a antes<<strong>br</strong> />

que o endereço é diferente do que deixamos <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

Contudo, <strong>com</strong>o as suas cartas não chegam, estamos<<strong>br</strong> />

todos preocupados. Escreva-me mesmo que seja uma<<strong>br</strong> />

carta curta, por favor. Estarei esperando. "<<strong>br</strong> />

Na sua residência em Tóquio, <strong>Natsu</strong> se concentrava na<<strong>br</strong> />

leitura das cartas de <strong>Haru</strong>, esquecendo o avançar das horas.<<strong>br</strong> />

As cartas que chegaram em suas mãos após 70 anos<<strong>br</strong> />

transpareciam a sinceridade de sua irmã.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a gaveta e tirou a foto da Hospedaria dos<<strong>br</strong> />

Emigrantes de Kobe. O olhar de <strong>Natsu</strong> era acanhado e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

tinha um ar sério.<<strong>br</strong> />

Era a última foto de família da qual não conseguira se<<strong>br</strong> />

desfazer.<<strong>br</strong> />

Yamato a<strong>br</strong>iu a cortina do quarto do hotel <strong>com</strong> força, e<<strong>br</strong> />

contemplou a vista noturna de Tóquio.<<strong>br</strong> />

- É a primeira vez que ouço so<strong>br</strong>e o que a senhora passou!<<strong>br</strong> />

- Não adianta ficar chorando as mágoas do passado. E,<<strong>br</strong> />

além disso, eu sempre estive ocupada. Você, também, não tinha<<strong>br</strong> />

tempo nem interesse para conversar <strong>com</strong>igo, não é?<<strong>br</strong> />

- Mas não dá para acreditar que, naquela época, o correio<<strong>br</strong> />

não entregava as cartas em casa e as pessoas tinham que ir<<strong>br</strong> />

- 94 -


uscá-las na estação!<<strong>br</strong> />

- Isso indica o quanto as fazendas de café eram extensas<<strong>br</strong> />

e situadas em locais de difícil acesso.<<strong>br</strong> />

- Então, será que as cartas que a dona <strong>Natsu</strong> lhe enviou<<strong>br</strong> />

não estavam sendo entregues em outra estação? A sua família<<strong>br</strong> />

foi enviada para outra fazenda de café, diferente daquela do<<strong>br</strong> />

endereço entregue para a dona <strong>Natsu</strong>, não é?<<strong>br</strong> />

- Por isso, eu avisei logo por carta que o endereço era<<strong>br</strong> />

outro...<<strong>br</strong> />

- Mas a dona <strong>Natsu</strong> falou que não recebeu nenhuma carta<<strong>br</strong> />

sua, vovó! Não dá para saber o porquê, mas isso quer dizer<<strong>br</strong> />

que ela não recebeu tampouco a sua carta avisando da<<strong>br</strong> />

mudança de endereço, não é?<<strong>br</strong> />

-...?<<strong>br</strong> />

- A dona <strong>Natsu</strong> teimou que havia mandado cartas para a<<strong>br</strong> />

senhora! Talvez ela tenha mandado cartas para o endereço<<strong>br</strong> />

que lhe fora dado em Kobe, na despedida, sem saber que a<<strong>br</strong> />

fazenda na qual sua família foi trabalhar havia mudado... Onde<<strong>br</strong> />

era mesmo a fazenda que vocês iam?<<strong>br</strong> />

- Ah!... Eu ainda tenho o papel <strong>com</strong> o endereço...<<strong>br</strong> />

- Então, se verificarmos nessa estação e perguntarmos<<strong>br</strong> />

pelas cartas remetidas pela dona <strong>Natsu</strong>, pode ser que elas<<strong>br</strong> />

ainda estejam lá...<<strong>br</strong> />

- Imagine! São coisas de 70 anos atrás! Não acredito que<<strong>br</strong> />

eles tenham guardado até hoje. Além disso, pode ser que essa<<strong>br</strong> />

estação nem exista mais.<<strong>br</strong> />

- Se as cartas chegaram lá, pode ser que alguém as tenha<<strong>br</strong> />

- 95 -


guardado. Bem, não custa tentar. Vamos telefonar para o papai<<strong>br</strong> />

e pedir para ele verificar.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada pela intenção. Mas, vamos deixar para lá...<<strong>br</strong> />

Eu já estive nessa estação tempos atrás, perguntando pelas<<strong>br</strong> />

cartas.<<strong>br</strong> />

- Pude me certificar de que ela está feliz. Já é o suficiente.<<strong>br</strong> />

Aquela vontade de passar a velhice <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> no Japão, não<<strong>br</strong> />

passou de um sonho tolo. Não tenho mais nada que me prenda<<strong>br</strong> />

aqui. Quero voltar logo para o Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se esforçava para parecer otimista.<<strong>br</strong> />

Yamato pensou consigo mesmo que a avó, na realidade,<<strong>br</strong> />

gostaria de vê-la e disse:<<strong>br</strong> />

- Vou ligar para o pai!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panhou <strong>com</strong> perplexidade, Yamato, que se<<strong>br</strong> />

levantara para telefonar. Ainda que Kunio, pai de Yamato,<<strong>br</strong> />

procurasse, era provável que as cartas não fossem encontradas.<<strong>br</strong> />

Ainda que tenha perdido as esperanças, não gostaria de ouvir<<strong>br</strong> />

a resposta "não". Quanto maior a esperança, maior é o<<strong>br</strong> />

desespero que fere <strong>com</strong> profundidade o coração do ser<<strong>br</strong> />

humano. <strong>Haru</strong> vinha experimentando tal sentimento ao longo<<strong>br</strong> />

desses anos.<<strong>br</strong> />

Já tarde da noite, mesmo após Yamato ter adormecido,<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conseguia adormecer por estar tensa e excitada.<<strong>br</strong> />

" Vocês me abandonaram há 70 anos quando eu tinha sete<<strong>br</strong> />

anos."<<strong>br</strong> />

As palavras lançadas por <strong>Natsu</strong> ainda ecoavam nos seus<<strong>br</strong> />

- 96 -


ouvidos.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, que a<strong>br</strong>açara <strong>Haru</strong> em prantos chamando-a de<<strong>br</strong> />

"mana" no passadiço do navio no porto de Kobe...<<strong>br</strong> />

"Avante <strong>com</strong>patriotas, cruzando os oceanos<<strong>br</strong> />

Para o Brasil, na longínqua América do Sul<<strong>br</strong> />

Irradia a luz da Pátria<<strong>br</strong> />

E quão corajosa é a partida de hoje.<<strong>br</strong> />

Viva! Viva! Muitas vivas!"<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> cantarolava baixo a letra do Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />

Patrícios que Emigram para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Aquela <strong>Natsu</strong>, que chorava na ponta do cais do porto de<<strong>br</strong> />

Kobe, tornara-se a presidente de uma grande empresa e<<strong>br</strong> />

recusara-se a receber <strong>Haru</strong>, que tinha ido vê-la, vinda de tão<<strong>br</strong> />

longe. Para <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, qual teria sido o significado<<strong>br</strong> />

daqueles vivas?<<strong>br</strong> />

Dali a cerca de três dias, numa manhã de céu límpido,<<strong>br</strong> />

Yamato acordou <strong>com</strong> um grande bocejo, junto ao raiar do<<strong>br</strong> />

sol que entrava pela janela. <strong>Haru</strong> já estava fazendo as malas.<<strong>br</strong> />

O apartamento em que Yamato iria morar durante a vida<<strong>br</strong> />

universitária, já havia sido alugado, assim <strong>com</strong>o tinha<<strong>br</strong> />

encontrado um emprego. Apresentaram-lhe uma empresa de<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ércio exterior que tinha negócios <strong>com</strong> o Brasil e o seu<<strong>br</strong> />

conhecimento da língua portuguesa seria útil.<<strong>br</strong> />

- Com isso, terminou minha missão aqui no Japão. Posso<<strong>br</strong> />

- 97 -


voltar tranqüila ao Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> respirou aliviada, mas ainda tinha algo para deixar<<strong>br</strong> />

dito a Yamato.<<strong>br</strong> />

- Vai ser difícil ir à faculdade e trabalhar, mas eu quero<<strong>br</strong> />

que, ao menos você, viva <strong>com</strong>o um japonês. É o meu último<<strong>br</strong> />

desejo!<<strong>br</strong> />

- Tudo bem, vovó! Eu tenho nacionalidade japonesa<<strong>br</strong> />

também. Pretendo me esforçar no treino de judô, e participar<<strong>br</strong> />

das olimpíadas representando o Japão. Quero que esteja bem<<strong>br</strong> />

até lá, viu?<<strong>br</strong> />

O talento de judô de Yamato já chegara a um nível<<strong>br</strong> />

respeitável no Brasil.<<strong>br</strong> />

- Esforce-se na faculdade, e participe das olimpíadas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a bandeira japonesa no peito. Assim, ficarei muito orgulhosa.<<strong>br</strong> />

Naquele momento, tocou o celular de Yamato. O visor<<strong>br</strong> />

indicava que a ligação era do Brasil.<<strong>br</strong> />

- Papai? É verdade? Que maravilha!<<strong>br</strong> />

Yamato falava em português quando estava eufórico. A<<strong>br</strong> />

ligação era de Kunio, pai de Yamato.<<strong>br</strong> />

Yamato sorriu para <strong>Haru</strong>, de forma matreira.<<strong>br</strong> />

- Acharam as cartas de dona <strong>Natsu</strong>!<<strong>br</strong> />

- As cartas de <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

Excitada, <strong>Haru</strong> pegou o celular da mão de Yamato.<<strong>br</strong> />

- Kunio, sou eu!<<strong>br</strong> />

Kunio estava em frente a uma loja, numa cidade do interior<<strong>br</strong> />

do estado de São Paulo. Segurava firmemente em suas mãos um<<strong>br</strong> />

pacote antigo.<<strong>br</strong> />

- 98 -


- Mamãe, aquela estação não existe mais. Porém, o<<strong>br</strong> />

funcionário da estação havia deixado as cartas na loja de um<<strong>br</strong> />

japonês, nas proximidades. O remetente é, <strong>com</strong> certeza, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

Takakura. Vou enviá-las imediatamente. Espere uns três ou<<strong>br</strong> />

quatro dias.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada, o<strong>br</strong>igada, Kunio... Se eu puder ler as cartas<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong> e souber <strong>com</strong>o ela viveu aqui, pode ser que possamos<<strong>br</strong> />

conversar de novo. Vou esperar as cartas chegarem... Vou<<strong>br</strong> />

esperar...<<strong>br</strong> />

Os olhos de <strong>Haru</strong>, úmidos, <strong>br</strong>ilhavam de alegria.<<strong>br</strong> />

- 99 -


Capítulo II<<strong>br</strong> />

O Encontro e a Despedida<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Yamato haviam encontrado <strong>Natsu</strong> no final do mês<<strong>br</strong> />

de março. Nesse intervalo, as cerejeiras floriram em Tóquio.<<strong>br</strong> />

Do apartamento de quarto e cozinha que Yamato alugara,<<strong>br</strong> />

podia se dar ao luxo de assistir as cerejeiras em plena floração.<<strong>br</strong> />

Yamato suspirava, entretanto, olhando atentamente para o<<strong>br</strong> />

recibo de <strong>com</strong>pras.<<strong>br</strong> />

- Realmente, no Japão as coisas são caras. Não é fácil<<strong>br</strong> />

alugar um apartamento e viver aqui.<<strong>br</strong> />

Achando graça na sua maneira de falar, estranha a um<<strong>br</strong> />

jovem, <strong>Haru</strong> parou de passar pano no chão.<<strong>br</strong> />

- Em <strong>com</strong>pensação, ganha-se bem trabalhando no Japão.<<strong>br</strong> />

Esse dinheiro no Brasil vale muitas vezes mais. Dá para<<strong>br</strong> />

entender porque tantos nisseis e sanseis estão vindo para cá<<strong>br</strong> />

trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis.<<strong>br</strong> />

- Para nós que ganhamos dinheiro <strong>com</strong> tanto suor,<<strong>br</strong> />

lavrando terras no Brasil, parece bobagem gastá-lo no Japão.<<strong>br</strong> />

- Deixe disso! Pelo menos, podemos <strong>com</strong>er sem<<strong>br</strong> />

precisarmos trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis. Tenho que agradecer<<strong>br</strong> />

por ter podido voltar ao Japão.<<strong>br</strong> />

Acreditando que, ao trabalhar por três anos, poderia juntar<<strong>br</strong> />

dinheiro suficiente para viver <strong>com</strong> fartura no Japão, muitos<<strong>br</strong> />

japoneses foram para o Brasil <strong>com</strong>o decasséguis. Agora, está<<strong>br</strong> />

ocorrendo o fenômeno inverso. Os descendentes de japoneses<<strong>br</strong> />

- 101 -


estão indo trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis no Japão. <strong>Haru</strong> é<<strong>br</strong> />

tomada por uma emoção profunda, quando pensa na<<strong>br</strong> />

"mudança dos tempos".<<strong>br</strong> />

- São 70 anos desde que a senhora foi para o Brasil, vovó!<<strong>br</strong> />

É natural que tudo mude... tanto no Brasil <strong>com</strong>o no Japão.<<strong>br</strong> />

O que não muda é a grande dádiva que o Brasil recebe do<<strong>br</strong> />

sol e do solo. Antigamente, os produtos agrícolas ficavam à<<strong>br</strong> />

mercê do clima e os lavradores tinham que ficar de <strong>br</strong>aços<<strong>br</strong> />

cruzados, sofrendo <strong>com</strong> as intempéries da natureza. Mesmo<<strong>br</strong> />

assim, continuaram a trabalhar e conseguiram realizar o desejo<<strong>br</strong> />

de retornar ao Japão.<<strong>br</strong> />

O temperamento alegre dos <strong>br</strong>asileiros e o progresso da<<strong>br</strong> />

civilização ajudaram muito. A distância que separa o Japão e<<strong>br</strong> />

o Brasil, cujo percurso demorava um mês e meio no vapor de<<strong>br</strong> />

imigrantes, é feita, atualmente, em 24 horas de avião. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

se sentia grata por ter so<strong>br</strong>evivido, até os dias de hoje, para<<strong>br</strong> />

usufruir destes benefícios.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> voltou novamente a passar o pano no quarto. Yamato<<strong>br</strong> />

estava desfazendo as bagagens e arrumando os móveis e os<<strong>br</strong> />

utensílios. Yamato levará a vida de universitário naquele<<strong>br</strong> />

quarto.<<strong>br</strong> />

- Pode deixar, vovó! A senhora vai se cansar. Pode deixar<<strong>br</strong> />

que eu faço o resto. Volte logo ao hotel e descanse.<<strong>br</strong> />

- É que não consigo ficar sem fazer nada, só esperando<<strong>br</strong> />

as cartas de <strong>Natsu</strong> chegarem. Os movimentos ajudam a me<<strong>br</strong> />

distrair.<<strong>br</strong> />

Kunio despachara as cartas de <strong>Natsu</strong> via aérea, mas não<<strong>br</strong> />

- 102 -


se sabia quando chegariam. Poderia ser hoje ou talvez amanhã.<<strong>br</strong> />

Se ficasse apenas esperando, certamente ficaria impaciente,<<strong>br</strong> />

sem saber o que fazer.<<strong>br</strong> />

De repente, <strong>com</strong>o se estivesse lem<strong>br</strong>ando de algo e <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

os olhos <strong>br</strong>ilhando iguais aos de uma criança, <strong>Haru</strong> disse:<<strong>br</strong> />

- Vou cancelar a reserva do hotel e ficar aqui, já que<<strong>br</strong> />

arrumamos um apartamento para você. Vou lhe causar<<strong>br</strong> />

incômodo, pois <strong>com</strong>igo aqui ficará apertado, mas agüente<<strong>br</strong> />

por algum tempo. É desperdício ficar gastando <strong>com</strong> hotel.<<strong>br</strong> />

- Por mim, tudo bem. Mas, a senhora juntou dinheiro<<strong>br</strong> />

pensando em passar a velhice no Japão <strong>com</strong> sua irmã, se ela<<strong>br</strong> />

estivesse viva. Pode ser que esta seja a sua última estada no<<strong>br</strong> />

Japão. É melhor aproveitar um pouco!<<strong>br</strong> />

- Por isso mesmo, enquanto eu permanecer aqui, quero<<strong>br</strong> />

passar o máximo de tempo <strong>com</strong> você, que ficará no Japão.<<strong>br</strong> />

- Depois de ler as cartas da dona <strong>Natsu</strong>, pode ser que a<<strong>br</strong> />

senhora mude de idéia.<<strong>br</strong> />

Talvez Yamato estivesse certo. Se ele não tivesse ligado<<strong>br</strong> />

para Kunio, <strong>Haru</strong> teria voltado desiludida e triste para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Essas cartas chegarão logo. Com a sua leitura poderá saber<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o <strong>Natsu</strong> viveu desde que se separou da família.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ainda estava sofrendo. Se, ao ler as cartas de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

pudesse <strong>com</strong>preender um pouco da sua solidão, poderia<<strong>br</strong> />

encontrá-la mais uma vez e conversar <strong>com</strong> calma. Mesmo<<strong>br</strong> />

que fosse a partir daquele momento, poderia <strong>com</strong>partilhar,<<strong>br</strong> />

ainda que somente por um <strong>br</strong>eve período, o sofrimento que<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> carregou durante 70 anos.<<strong>br</strong> />

- 103 -


Nisso, Yamato recebe um recado do hotel no telefone<<strong>br</strong> />

celular, informando que havia chegado um pacote via aérea<<strong>br</strong> />

do Brasil.<<strong>br</strong> />

- São as cartas da dona <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou grata ao Yamato, Kunio e à <strong>Natsu</strong>, que<<strong>br</strong> />

escrevera aquelas cartas há 70 anos. Correu ao hotel e, ansiosa,<<strong>br</strong> />

recebeu o envelope de papel que Kunio enviara, agradecendo<<strong>br</strong> />

as recepcionistas do hotel.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada, estava esperando a chegada deste pacote.<<strong>br</strong> />

Espiando <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> o rosto iluminado pela euforia,<<strong>br</strong> />

Yamato sorriu feliz.<<strong>br</strong> />

No quarto de hotel, <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu o envelope de papel, não<<strong>br</strong> />

podendo esperar nem um minuto a mais, tirando<<strong>br</strong> />

cuidadosamente o maço de cartas. O destinatário estava<<strong>br</strong> />

escrito em alfabeto na parte frontal do envelope, em letras<<strong>br</strong> />

bem vacilantes.<<strong>br</strong> />

- É a letra de <strong>Natsu</strong>. Esta é a letra de <strong>Natsu</strong> quando ela<<strong>br</strong> />

tinha sete anos. Esse endereço, escrito em alfabeto... é o que<<strong>br</strong> />

um encarregado da empresa de emigração escreveu num<<strong>br</strong> />

papel. Nós o entregamos a <strong>Natsu</strong> na hora de nos separarmos<<strong>br</strong> />

em Kobe. Coitada, deve ter sido difícil imitar, pois ela nunca<<strong>br</strong> />

tinha visto letras desse tipo. É admirável que, <strong>com</strong> estas letras,<<strong>br</strong> />

a carta tenha chegado naquela estação do interior do Brasil...<<strong>br</strong> />

- E mesmo... É incrível que o pessoal tenha guardado as<<strong>br</strong> />

cartas durante 70 anos.<<strong>br</strong> />

Só por isso, <strong>Haru</strong> já estava profundamente emocionada.<<strong>br</strong> />

A estação estava, há muito, desativada. Na ocasião do<<strong>br</strong> />

- 104 -


fechamento, algum funcionário da estação deixara as cartas<<strong>br</strong> />

endereçadas aos japoneses numa loja administrada por<<strong>br</strong> />

nikkeis, nas proximidades.<<strong>br</strong> />

E o dono da loja também deve ter ficado in<strong>com</strong>odado<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as cartas cuja destinatária não <strong>com</strong>parecia. Entretanto,<<strong>br</strong> />

não as jogou fora e deixou tudo guardado. O gesto do<<strong>br</strong> />

funcionário da estação e do dono da loja demonstrava a<<strong>br</strong> />

generosidade e a integridade da índole dos <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />

Na Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, <strong>Haru</strong> havia<<strong>br</strong> />

escrito uma carta no mesmo dia em que soubera acerca da<<strong>br</strong> />

mudança de endereço, pelo fato de terem sido designados<<strong>br</strong> />

para uma outra fazenda. Essa foi a primeira das diversas cartas<<strong>br</strong> />

que <strong>Haru</strong> escrevera para <strong>Natsu</strong>. O fato das cartas enviadas<<strong>br</strong> />

pela <strong>Natsu</strong> estarem <strong>com</strong> endereço que lhe fora dado em Kobe,<<strong>br</strong> />

era uma prova de que as cartas de <strong>Haru</strong>, desde a primeira,<<strong>br</strong> />

jamais haviam chegado às mãos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> enviara <strong>com</strong> certeza, as cartas endereçadas para a<<strong>br</strong> />

casa de Yosaku, o tio de Hokkaido. Aliás, mandara diversas<<strong>br</strong> />

cartas. O que, teria acontecido afinal?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu <strong>com</strong> cuidado o envelope já desbotado, usando<<strong>br</strong> />

uma tesoura, e tirou a carta.<<strong>br</strong> />

"Mana, você já chegou no Brasil? O Brasil deve ser<<strong>br</strong> />

um lugar maravilhoso. Estou muito triste em não ter<<strong>br</strong> />

podido ir <strong>com</strong> vocês, por causa do tra<strong>com</strong>a. Mas,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o vocês vão voltar em três anos, vou agüentar e<<strong>br</strong> />

esperar. Até agora, vejo em sonhos a cena em que<<strong>br</strong> />

- 105 -


fui deixada em Kobe, e acordo chorando.<<strong>br</strong> />

Mana, depois que o navio que levou vocês partiu,<<strong>br</strong> />

fiquei no cais até não poder mais vê-lo. Quando<<strong>br</strong> />

percebi, não tinha mais ninguém. Então, voltei<<strong>br</strong> />

chorando à hospedaria. Até há algumas horas atrás,<<strong>br</strong> />

a hospedaria estava cheia de gente, mas agora não<<strong>br</strong> />

há mais ninguém. Então, me dei conta de que só eu<<strong>br</strong> />

fui deixada. E chorei, solitária.<<strong>br</strong> />

Por três dias fiquei esperando a vovó vir me<<strong>br</strong> />

buscar. Durante esse tempo, passei os dias chorando<<strong>br</strong> />

de tristeza. Nem conseguia <strong>com</strong>er as refeições que<<strong>br</strong> />

me deram. Por isso, quando a vovó chegou, fiquei<<strong>br</strong> />

feliz de verdade."<<strong>br</strong> />

Numa sala semi-escura da Hospedaria dos Emigrantes<<strong>br</strong> />

de Kobe, <strong>Natsu</strong> está sentada no chão, cabisbaixa, a<strong>br</strong>açada<<strong>br</strong> />

aos joelhos. Era muito bonito observar as pétalas das cerejeiras<<strong>br</strong> />

caindo, nas imediações da Hospedaria. O consolo que este<<strong>br</strong> />

espetáculo proporcionava, entretanto era instantâneo. Logo,<<strong>br</strong> />

voltava a lem<strong>br</strong>ar do momento da despedida no cais.<<strong>br</strong> />

Passavam-se os dias e <strong>Natsu</strong> continuava agachada num canto<<strong>br</strong> />

da sala.<<strong>br</strong> />

A<strong>br</strong>iu-se a porta e <strong>Natsu</strong> se so<strong>br</strong>essaltou, mas ao ver o<<strong>br</strong> />

encarregado de pé, baixou os olhos novamente.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, sua avó chegou!<<strong>br</strong> />

Os olhos de <strong>Natsu</strong> procuraram por Nobu.<<strong>br</strong> />

-Não sei <strong>com</strong>o lhe agradecer...<<strong>br</strong> />

- 106 -


Viu os cabelos <strong>br</strong>ancos despenteados e as costas curvadas<<strong>br</strong> />

da avó agradecendo ao encarregado.<<strong>br</strong> />

-Vovó!<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>!...<<strong>br</strong> />

Nobu correu para a<strong>br</strong>açar <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força. <strong>Natsu</strong> se<<strong>br</strong> />

lançou nos <strong>br</strong>aços de Nobu e chorou em voz alta. Nesses três<<strong>br</strong> />

dias, mesmo que quisesse chorar em voz alta, não havia <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

quem fazê-lo.<<strong>br</strong> />

- Coitadinha! Você estava tão ansiosa para ir ao Brasil!<<strong>br</strong> />

Como é que foi acontecer uma desgraça dessas? Queria chegar<<strong>br</strong> />

mais cedo, mas do interior de Hokkaido até Kobe é muito<<strong>br</strong> />

longe. Você, sozinha neste lugar, me esperando... Deve ter<<strong>br</strong> />

sido muito triste.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> soluçava sem poder falar.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que volte a Hokkaido, seus pais não estarão lá.<<strong>br</strong> />

A vida vai ser dura outra vez... Mas eu vou protegê-la, <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Sua avó vai estar ao seu lado. Vou protegê-la <strong>com</strong> todas as<<strong>br</strong> />

minhas forças...<<strong>br</strong> />

"Eu não queria voltar para casa do tio, mas não<<strong>br</strong> />

tinha outro lugar para ir. Sem outra alternativa,<<strong>br</strong> />

acabei voltando <strong>com</strong> a vovó. "<<strong>br</strong> />

O apito do trem ressoava ao percorrer o sopé das<<strong>br</strong> />

montanhas cobertas de neve. O vento forte fazia <strong>com</strong> que os<<strong>br</strong> />

flocos de neve esvoaçassem, provocando um estrondo. A<<strong>br</strong> />

paisagem ao redor da casa do tio, bem <strong>com</strong>o o telhado,<<strong>br</strong> />

- 107 -


estavam todos cobertos de neve.<<strong>br</strong> />

O barulho que Kane provocava preparando o jantar,<<strong>br</strong> />

mostrava claramente o seu descontentamento. Kyusaku e<<strong>br</strong> />

Kenta, filhos do casal, e os demais, <strong>br</strong>incavam, ignorando<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Com pena de <strong>Natsu</strong>, que estava encolhida demostrando<<strong>br</strong> />

constrangimento, Yosaku quis mostrar sua bondade <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

tio.<<strong>br</strong> />

- Que desgraça. No Japão, o tra<strong>com</strong>a é uma doença<<strong>br</strong> />

insignificante, mas no Brasil, ela é considerada uma doença<<strong>br</strong> />

contagiosa e terrível. Se eles não aceitam sua entrada no<<strong>br</strong> />

Brasil, não há outro jeito a não ser esperar aqui a volta de<<strong>br</strong> />

todos.<<strong>br</strong> />

De todo modo, Kane não tinha gostado da situação.<<strong>br</strong> />

- Você fala de um jeito tão fácil, mas a coisa não é bem<<strong>br</strong> />

assim. Ela ainda nem ajuda direito na roça, mas vamos ter<<strong>br</strong> />

que lhe dar de <strong>com</strong>er. Como é que os pais podem abandonar<<strong>br</strong> />

a menina assim, sem nem mesmo deixar dinheiro para a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ida? Será que eles pretendem mandar dinheiro do Brasil?<<strong>br</strong> />

- Você não precisa falar assim na frente dela! Contenhase<<strong>br</strong> />

um pouco! <strong>Natsu</strong> é filha do meu irmão. Se ela está passando<<strong>br</strong> />

por dificuldades, é natural que eu, o primogênito e herdeiro<<strong>br</strong> />

da família, cuide dela. Você não tem que se intrometer.<<strong>br</strong> />

Kane não era de se intimidar só porque Yosaku lhe<<strong>br</strong> />

chamara a atenção. Se ficasse intimidada não conseguiria<<strong>br</strong> />

administrar a cozinha <strong>com</strong> tão pouco dinheiro.<<strong>br</strong> />

- Olhe quem fala! Herdeiro? Herdeiro dessa porcaria de<<strong>br</strong> />

- 108 -


oça que não produz quase nada e de uma casa que só tem<<strong>br</strong> />

dívidas? E ainda por cima, deve cuidar da filha do irmão?<<strong>br</strong> />

Nós mesmos não temos o que <strong>com</strong>er! Faça-me o favor...!<<strong>br</strong> />

- Eu também trabalho. Dê a parte que me cabe à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Eu não preciso <strong>com</strong>er...<<strong>br</strong> />

-Vovó...!<<strong>br</strong> />

Nobu normalmente agia <strong>com</strong> parcimônia em relação à<<strong>br</strong> />

nora, mas teve que falar dessa forma. E isso fez <strong>Natsu</strong> sofrer<<strong>br</strong> />

ainda mais.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe. Tenho en<strong>com</strong>endas de costura das<<strong>br</strong> />

pessoas da cidade. Se eu conseguir trabalhos extras, você<<strong>br</strong> />

não passará por dificuldades. Fique sossegada.<<strong>br</strong> />

- A senhora não precisa se sacrificar desse jeito. Se ficar<<strong>br</strong> />

doente, será pior.<<strong>br</strong> />

Kane, de semblante mal-humorado, virou-se e lançou um<<strong>br</strong> />

olhar fulminante para Nobu e Yosaku.<<strong>br</strong> />

Chüji e sua família trabalharão durante três anos no Brasil,<<strong>br</strong> />

e trarão poupança para o Japão. Agüentar durante três anos.<<strong>br</strong> />

Essa era a meta, tanto para <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o para Nobu.<<strong>br</strong> />

Algumas semanas se passaram, sem que ocorressem<<strong>br</strong> />

problemas maiores.<<strong>br</strong> />

- Vou para a escola! - <strong>Natsu</strong> cumprimentou Nobu e os<<strong>br</strong> />

demais familiares e saiu para fora de casa, onde o frio<<strong>br</strong> />

continuava.<<strong>br</strong> />

Kane não gostava que <strong>Natsu</strong> freqüentasse a escola.<<strong>br</strong> />

- Não sei por que você insiste em mandá-los à escola.<<strong>br</strong> />

Não tem nenhuma utilidade.<<strong>br</strong> />

- 109 -


- Nós temos que mandar as crianças à escola. Temos que<<strong>br</strong> />

fazer <strong>com</strong> que elas não fiquem presas a esta terra árida, e<<strong>br</strong> />

sim, que um dia, elas possam trabalhar na cidade. Basta que<<strong>br</strong> />

nós tenhamos uma vida miserável <strong>com</strong>o esta. Fiz até dívidas,<<strong>br</strong> />

porque quero que elas levem pelo menos, uma marmita.<<strong>br</strong> />

- Você sabe que se fizermos dívidas, teremos que pagar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a produção deste ano. Se a safra for ruim outra vez, vamos<<strong>br</strong> />

ter que fugir mesmo daqui. Não adianta eu economizar aqui<<strong>br</strong> />

e ali.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe. A roça é a mesma, mas a família de<<strong>br</strong> />

Chûji e de Yozo não estão mais aqui. Há menos bocas para<<strong>br</strong> />

sustentar. Se a safra for boa, vai so<strong>br</strong>ar colheita para a gente<<strong>br</strong> />

poder pagar as dívidas.<<strong>br</strong> />

Não havia qualquer garantia de que a colheita seria boa<<strong>br</strong> />

naquele ano. A roça árida não mudara e <strong>com</strong> a diminuição de<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>aços, o trabalho não rendia, aumentando os encargos para<<strong>br</strong> />

os que ficaram.<<strong>br</strong> />

Ao imaginar que Chûji e a família estavam vivendo felizes<<strong>br</strong> />

no Brasil, Kane estava descontente <strong>com</strong> o fato de ter que<<strong>br</strong> />

cuidar de <strong>Natsu</strong> e ficava irritada <strong>com</strong> Yosaku, que tentava<<strong>br</strong> />

protegê-la.<<strong>br</strong> />

- Não é por isso que precisamos mandar até <strong>Natsu</strong> para a<<strong>br</strong> />

escola. Se quiserem educá-la, poderá estudar depois que os<<strong>br</strong> />

pais voltarem do Brasil.<<strong>br</strong> />

-Não diga tolices! O curso primário é ensino o<strong>br</strong>igatório.<<strong>br</strong> />

É nossa o<strong>br</strong>igação, uma vez que vamos ficar <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>. É<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igação da família do herdeiro.<<strong>br</strong> />

- 110 -


- Já estou cheia dessa história de família do herdeiro.<<strong>br</strong> />

Tenho inveja do pessoal que foi para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Nobu continuava a trabalhar em silêncio. Queria tapar os<<strong>br</strong> />

ouvidos para não ouvir a voz de Kane. Proteger <strong>Natsu</strong> de<<strong>br</strong> />

Kane era tudo o que Nobu poderia fazer.<<strong>br</strong> />

Já passava da metade do mês de a<strong>br</strong>il, mas em Hokkaido,<<strong>br</strong> />

onde morava <strong>Natsu</strong> e os demais mem<strong>br</strong>os da família, ainda<<strong>br</strong> />

restava muita neve. Ao passar pelo bosque que levava à escola,<<strong>br</strong> />

de repente, Kyûsaku e o irmão, que já deviam ter ido na frente,<<strong>br</strong> />

impediram a passagem, parando <strong>Natsu</strong>, que caminhava so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

a neve. Eles estavam preparando uma emboscada.<<strong>br</strong> />

- Pegue a marmita de <strong>Natsu</strong>. - ordenou Kyûsaku a Kenta,<<strong>br</strong> />

agarrando <strong>Natsu</strong> pela gola, de repente, jogando-a no chão.<<strong>br</strong> />

Kenta arrancou a mala de <strong>Natsu</strong> e tirou de dentro o<<strong>br</strong> />

em<strong>br</strong>ulho da marmita.<<strong>br</strong> />

- O que você está fazendo?!<<strong>br</strong> />

- Você, que está morando de favor em nossa casa, não<<strong>br</strong> />

tem o direito de levar marmita para a escola. Meus pais estão<<strong>br</strong> />

trabalhando quase sem <strong>com</strong>er. Se você levar marmita, diminui<<strong>br</strong> />

a nossa parte da <strong>com</strong>ida. Não vou deixar que isso aconteça.<<strong>br</strong> />

Se quiser ir à escola, vá sem marmita. Entendeu?<<strong>br</strong> />

-Mano!<<strong>br</strong> />

Por mais que Ine se <strong>com</strong>padecesse de <strong>Natsu</strong>, não<<strong>br</strong> />

conseguia ir contra Kyûsaku.<<strong>br</strong> />

- Você, cale a boca! Vamos.<<strong>br</strong> />

Kyûsaku levou a marmita de <strong>Natsu</strong> e caminhava <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

fosse um cacique, seguido por Kenta, que o a<strong>com</strong>panhava<<strong>br</strong> />

- 111 -


feito um lacaio. À Ine não restava outra alternativa senão<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhar os irmãos, mas ela caminhava <strong>com</strong> os olhos<<strong>br</strong> />

voltados para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ao ser deixada para trás, <strong>Natsu</strong> ficou olhando deconsolada<<strong>br</strong> />

para o caminho da escola. Levantou-se <strong>br</strong>uscamente, fez meia<<strong>br</strong> />

volta e retornou pelo caminho que viera.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> resolveu ajudar Nobu no trabalho da roça.<<strong>br</strong> />

Preocupada se Yosaku e Kane poderiam ouvir, Nobu<<strong>br</strong> />

perguntou em voz baixa para <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />

- Por que você não vai à escola?<<strong>br</strong> />

- Não gosto de estudar.<<strong>br</strong> />

- O que aconteceu? Você adorava a escola, e suas notas<<strong>br</strong> />

da primeira série eram ótimas.<<strong>br</strong> />

- É que eu ia <strong>com</strong> a <strong>Haru</strong> e era divertido andar pela longa<<strong>br</strong> />

estrada a caminho da escola. Mas ela não está mais aqui. Já<<strong>br</strong> />

sei ler e escrever cartas. É o que basta. É mais divertido ficar<<strong>br</strong> />

ajudando a senhora na roça.<<strong>br</strong> />

Nobu podia imaginar o que havia acontecido. Era melhor<<strong>br</strong> />

ter <strong>Natsu</strong> à sua vista do que forçá-la a ir para a escola. O<<strong>br</strong> />

único lugar em que <strong>Natsu</strong> ficaria tranqüila era ao lado de<<strong>br</strong> />

Nobu, já que não havia outra aliada.<<strong>br</strong> />

Ao terminar de ler a primeira carta, <strong>Haru</strong> imaginara as<<strong>br</strong> />

cenas. Conseguia visualizar nitidamente, <strong>com</strong>o se estivesse<<strong>br</strong> />

naquele lugar. Como <strong>Natsu</strong> deve ter se ressentido e ficado<<strong>br</strong> />

triste.<<strong>br</strong> />

- Então, ela sofreu mesmo. Foi maltratada pelos primos.<<strong>br</strong> />

- 112 -


Se lhe tomaram a marmita, acho que ela não devia ter mesmo<<strong>br</strong> />

vontade de ir à escola.<<strong>br</strong> />

Abatida, <strong>Haru</strong> escolheu o que parecia ser a segunda carta<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong>, e a<strong>br</strong>iu o envelope.<<strong>br</strong> />

"Espero todos os dias sua carta <strong>com</strong> muita<<strong>br</strong> />

ansiedade. Já se passaram três meses depois da sua<<strong>br</strong> />

ida para o Brasil, mas hoje também não chegou<<strong>br</strong> />

nenhuma carta."<<strong>br</strong> />

Finalmente, a primavera chegara também em Hokkaido,<<strong>br</strong> />

um pouco atrasada em relação ao resto do arquipélago.<<strong>br</strong> />

Pequenas flores <strong>br</strong>ancas co<strong>br</strong>iam a roça. <strong>Natsu</strong> trabalhava<<strong>br</strong> />

sem parar e Yosaku e Nobu também se esforçavam mais um<<strong>br</strong> />

pouco até o entardecer. Atraída pelos gritos dos primos que<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>incavam despreocupados, <strong>Natsu</strong> se levantou para olhar e<<strong>br</strong> />

viu o carteiro, montado a cavalo, chegando em sua casa.<<strong>br</strong> />

Kane preparava o jantar no fogão à lenha, na cozinha de<<strong>br</strong> />

chão de terra batida.<<strong>br</strong> />

- Dona Kane, chegou uma carta do Brasil. É para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ela está?<<strong>br</strong> />

- Todos ainda estão na roça. Eu voltei mais cedo para<<strong>br</strong> />

preparar o jantar.<<strong>br</strong> />

- Então, por favor, entregue a ela.<<strong>br</strong> />

O carteiro entrega o envelope a Kane e vai embora. Ao<<strong>br</strong> />

ver a carta que lhe foi entregue, Kane é tomada por um<<strong>br</strong> />

sentimento de raiva.<<strong>br</strong> />

- 113 -


- Quê? Senhorita <strong>Natsu</strong> Takakura? Não mandam nem<<strong>br</strong> />

uma carta de agradecimento para nós! Deviam escrever<<strong>br</strong> />

primeiro para nós contando so<strong>br</strong>e a vida que levam no Brasil...<<strong>br</strong> />

Irritada, a<strong>br</strong>iu o envelope <strong>br</strong>uscamente para retirar a carta.<<strong>br</strong> />

Com o impulso, caíram aos pés de Kane algumas folhas. Ao<<strong>br</strong> />

apanhar, verificou que eram notas de dinheiro japonês. Leu<<strong>br</strong> />

rapidamente a carta, preocupada <strong>com</strong> a chegada de alguém,<<strong>br</strong> />

guardando o dinheiro no cinto do quimono.<<strong>br</strong> />

- Eu vou ficar <strong>com</strong> esse dinheiro. O que essa família está<<strong>br</strong> />

pensando? Não manda dinheiro para o sustento da <strong>Natsu</strong> e<<strong>br</strong> />

fica mandando mesada para ela escondido?<<strong>br</strong> />

E acabou guardando também a carta que ainda estava em<<strong>br</strong> />

suas mãos. Esta era a primeira carta de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

O sol se punha <strong>com</strong>pletamente. Kyusaku e os outros<<strong>br</strong> />

estavam cansados de <strong>br</strong>incar e corriam atrás de Yosaku e<<strong>br</strong> />

Nobu, que retornavam da roça.<<strong>br</strong> />

-Ai, que fome!<<strong>br</strong> />

- Como é que você diz isso se nem ajudou seus pais?<<strong>br</strong> />

Veja a <strong>Natsu</strong>. Ela está deixando de ir à escola para ajudar na<<strong>br</strong> />

roça. Ela trabalha <strong>com</strong>o um adulto. Sigam o exemplo da<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> guardou os instrumentos de trabalho e sem poder<<strong>br</strong> />

esperar mais, correu para a cozinha. Vendo de relance <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

entrar, Kane fingiu estar muito ocupada, andando para lá e<<strong>br</strong> />

para cá, entre a cozinha e a sala. <strong>Natsu</strong> perguntou a Kane:<<strong>br</strong> />

- Não chegou carta do Brasil?<<strong>br</strong> />

-Não. Com certeza, eles já se esqueceram de você.<<strong>br</strong> />

- 114 -


Mesmo que não lhe agradasse ficar <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>, se<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preendesse ao menos um pouco sua tristeza, jamais diria<<strong>br</strong> />

aquelas palavras, pois era o que <strong>Natsu</strong> mais temia.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> mordeu os lábios.<<strong>br</strong> />

Kane devia ter sentido remorsos, pois num rompante de<<strong>br</strong> />

generosidade, virou-se <strong>com</strong> uma fisionomia mais gentil. No<<strong>br</strong> />

entanto, virou-se de costas constrangida.<<strong>br</strong> />

No quarto escuro, já era tarde, mas Nobu ainda trabalhava<<strong>br</strong> />

sob a luz de uma lamparina. <strong>Natsu</strong> procurou aconchego no<<strong>br</strong> />

colo da avó, e Nobu conversava <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> enquanto<<strong>br</strong> />

movimentava a agulha de costura, <strong>com</strong>o se estivesse contando<<strong>br</strong> />

uma história de ninar.<<strong>br</strong> />

- Imagine se eles vão se esquecer de você. Eles devem<<strong>br</strong> />

estar muito ocupados, tentando se adaptar ao Brasil, e não<<strong>br</strong> />

têm tempo para escrever cartas. Qualquer dia chegará uma<<strong>br</strong> />

carta!<<strong>br</strong> />

Kane a<strong>br</strong>iu a porta de correr, levou a filha ao banheiro e<<strong>br</strong> />

atravessou o quarto, dizendo:<<strong>br</strong> />

- Vovó, a senhora ainda está acordada? O óleo de<<strong>br</strong> />

lamparina não é de graça. Mesmo que seja para ajudar <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

não dá para a senhora ficar trabalhando todas as noites até<<strong>br</strong> />

tarde.<<strong>br</strong> />

- Kane! - disse Nobu, tentando se levantar, não<<strong>br</strong> />

suportando mais ficar calada.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, porém, puxou apressadamente a manga da avó.<<strong>br</strong> />

-Vovó, vamos dormir. Trabalhando desse jeito a senhora<<strong>br</strong> />

vai ficar doente!<<strong>br</strong> />

- 115 -


Nobu sorriu, para <strong>Natsu</strong>, suspirando, dando por encerrado<<strong>br</strong> />

o trabalho de costura.<<strong>br</strong> />

- Kane está nervosa porque a vida é dura para ela também.<<strong>br</strong> />

Não ligue para o que ela diz. A vovó também vai parar por<<strong>br</strong> />

hoje.<<strong>br</strong> />

Nobu se levantou para apagar a luz da lamparina, e de<<strong>br</strong> />

repente levou a mão às costas, tentando se apoiar, ao sentir<<strong>br</strong> />

as pernas cambalearem. Sentiu uma dor no coração e caiu.<<strong>br</strong> />

-Vovó?<<strong>br</strong> />

Assustada, <strong>Natsu</strong> tentou ajudar Nobu, que caíra,<<strong>br</strong> />

desfalecida.<<strong>br</strong> />

-Vovó... Vovó...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> tentou levantar Nobu, mas ela não se mexia mais.<<strong>br</strong> />

-Vovó? Alguém ajude!... Vovó!... Vovó!...<<strong>br</strong> />

"A vovó faleceu de repente. Tudo aconteceu de<<strong>br</strong> />

uma hora para outra. Disseram que foi um ataque<<strong>br</strong> />

cardíaco. Ela ficou <strong>com</strong> o coração ruim porque<<strong>br</strong> />

trabalhou demais na roça, afim de <strong>com</strong>pensar o<<strong>br</strong> />

trabalho dos que haviam ido para o Brasil. A tia disse<<strong>br</strong> />

que a vovó ficou doente porque teve que trabalhar<<strong>br</strong> />

até tarde, costurando para fora, por minha causa.<<strong>br</strong> />

Ela falou de um jeito <strong>com</strong>o se eu fosse a culpada<<strong>br</strong> />

pela morte da vovó. O enterro foi triste. A única que<<strong>br</strong> />

chorava era eu. No fim, acabei ficando realmente<<strong>br</strong> />

sozinha nesta casa ".<<strong>br</strong> />

- 116 -


O cortejo em que participavam a família e o monge,<<strong>br</strong> />

passavam pelo caminho entre as roças. Era um enterro simples<<strong>br</strong> />

de uma pessoa que vivera modestamente.<<strong>br</strong> />

O nome budista de Nobu era Shak-uni Myôshin. Não<<strong>br</strong> />

havia propriamente um oratório budista, mas no canto do<<strong>br</strong> />

quarto onde dormiam Nobu e <strong>Natsu</strong>, encontrava-se uma lápide<<strong>br</strong> />

de madeira so<strong>br</strong>e uma caixa de laranjas vazia, o sino e um<<strong>br</strong> />

incenso. <strong>Natsu</strong> estava sentada em frente, desolada. Parecia<<strong>br</strong> />

ter perdido a vontade de falar e de se movimentar.<<strong>br</strong> />

Na sala onde havia uma lareira, Kyûsaku, Kenta e Ine<<strong>br</strong> />

estavam <strong>br</strong>incando alegremente. Só <strong>Natsu</strong> parecia estar<<strong>br</strong> />

profundamente entristecida <strong>com</strong> a morte da avó, pensando<<strong>br</strong> />

no significado da vida de Nobu, que sempre vivera à som<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />

dos demais. A existência de <strong>Natsu</strong>, que dependia de Nobu,<<strong>br</strong> />

passaria a ser insignificante, mas continuaria a ser um estorvo.<<strong>br</strong> />

- Venham jantar! - Kane gritava <strong>com</strong> Kyûsaku e outros,<<strong>br</strong> />

quando a porta de correr foi puxada.<<strong>br</strong> />

Ine disse, espiando o quarto:<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>, venha jantar. Você não <strong>com</strong>eu nada desde que a<<strong>br</strong> />

vovó morreu. Desse jeito, você também vai morrer...<<strong>br</strong> />

Kane apareceu na porta empurrando Ine para o lado.<<strong>br</strong> />

- Se não quiser, não precisa <strong>com</strong>er o<strong>br</strong>igada. Mas, já que<<strong>br</strong> />

a vovó morreu, você, <strong>Natsu</strong>, vai ter que trabalhar por ela.<<strong>br</strong> />

Nossa família não é tão abastada a ponto de poder dar de<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>er aos outros. Você vai ter que trabalhar no campo para<<strong>br</strong> />

ganhar pelo menos o que <strong>com</strong>e.<<strong>br</strong> />

Dizendo isso para <strong>Natsu</strong>, Kane levou Ine para perto da<<strong>br</strong> />

- 117 -


lareira. A refeição era bastante frugal.<<strong>br</strong> />

-Você diz coisas duras somente para a <strong>Natsu</strong>. Antes disso,<<strong>br</strong> />

você devia falar para Kyûsaku e Kenta ajudarem mais. Eles<<strong>br</strong> />

estão indo à escola, mas não aprendem nada e <strong>br</strong>incam o dia<<strong>br</strong> />

inteiro. Você os mima demais.<<strong>br</strong> />

Enquanto defendia <strong>Natsu</strong>, Yosaku tomava a papa de grãos,<<strong>br</strong> />

mastigando o nabo em conserva. Kane não se rebaixava só<<strong>br</strong> />

porque o marido havia ralhado <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />

- Eles têm pais que trabalham. Nós estamos trabalhando<<strong>br</strong> />

muito mais do que os outros para dar de <strong>com</strong>er aos meninos.<<strong>br</strong> />

Por isso, eles não precisam trabalhar. Mas não pretendo<<strong>br</strong> />

trabalhar para dar de <strong>com</strong>er à filha de um cunhado. Nossos<<strong>br</strong> />

filhos e <strong>Natsu</strong> são diferentes.<<strong>br</strong> />

Ao recordar os dias repletos de amargura de 70 anos atrás,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> Yamabe, hoje presidente da Indústria de Doces Hokuô,<<strong>br</strong> />

sentiu-se sufocada.<<strong>br</strong> />

Quantas lágrimas de humilhação havia derramado por<<strong>br</strong> />

causa da violência das palavras de Kane. Dias e meses<<strong>br</strong> />

passavam sem que houvesse qualquer notícia dos pais e<<strong>br</strong> />

irmãos que estavam no Brasil. Depois do falecimento de<<strong>br</strong> />

Nobu, <strong>Natsu</strong> foi ficando cada vez mais solitária.<<strong>br</strong> />

Desde que lera a carta de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>eçara a relem<strong>br</strong>ar o<<strong>br</strong> />

que havia afastado da sua memória. Embora estivesse<<strong>br</strong> />

recostada tranqüilamente na cadeira de presidente, vestindo<<strong>br</strong> />

um conjunto feito sob medida, levando uma vida confortável<<strong>br</strong> />

e dedicada ao trabalho, era possível evocar a imagem de sua<<strong>br</strong> />

- 118 -


infância, em que o choro era uma constante.<<strong>br</strong> />

- Que megera era essa sua tia de Hokkaido!<<strong>br</strong> />

Yamato sentiu que podia perdoar um pouco a atitude fria<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a avó, que, após longos anos, tinha vindo<<strong>br</strong> />

especialmente do Brasil para encontrá-la. Realmente, podia<<strong>br</strong> />

imaginar <strong>com</strong>o seu cotidiano deveria ser uma tortura e o que<<strong>br</strong> />

ela sentira ao saber que não existia outra alternativa a não ser<<strong>br</strong> />

voltar para Hokkaido, apesar de ter certeza de que seria<<strong>br</strong> />

maltratada.<<strong>br</strong> />

- Quando nós estávamos em Hokkaido, fomos muito<<strong>br</strong> />

maltratadas pela tia e pelos primos. Mas isso é até<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preensível. Num estado de miséria absoluta, sem ter o<<strong>br</strong> />

que <strong>com</strong>er, não há <strong>com</strong>o ser amável. Até pessoas tranqüilas<<strong>br</strong> />

se transformam. Quando estávamos em Hokkaido, ainda que<<strong>br</strong> />

nossos pais estivessem junto conosco, éramos maltratadas.<<strong>br</strong> />

Depois que fomos para o Brasil deixando <strong>Natsu</strong> sozinha,<<strong>br</strong> />

posso imaginar <strong>com</strong>o ela foi tratada.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se lem<strong>br</strong>ava muito bem do temperamento ríspido<<strong>br</strong> />

de Kane. <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong> certeza, devia ter ficado abalada, menina<<strong>br</strong> />

dócil que era, sem ninguém para protegê-la. Havia apenas as<<strong>br</strong> />

cartas de <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o a última esperança para fortalecer o<<strong>br</strong> />

coração de <strong>Natsu</strong>, dando-lhe a certeza de que não estava<<strong>br</strong> />

sozinha.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, entretanto, não conseguia entender onde foram parar<<strong>br</strong> />

as muitas cartas que foram enviadas. Era até <strong>com</strong>preensível<<strong>br</strong> />

se o desaparecimento tivesse ocorrido numa área de<<strong>br</strong> />

- 119 -


aglomeração residencial urbana, onde houvesse uma<<strong>br</strong> />

movimentação intensa e constante de pessoas.<<strong>br</strong> />

A família Takakura morava em Hokkaido desde o período<<strong>br</strong> />

de des<strong>br</strong>avamento da era Meiji, dedicando-se à lavoura. Além<<strong>br</strong> />

disso, naquele tempo, o carteiro era conhecido e conhecia o<<strong>br</strong> />

nome de <strong>Haru</strong> e da família.<<strong>br</strong> />

As cartas teriam chegado à casa do tio. Não há <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

pensar de outra forma. Teriam sido entregues, mas <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />

as havia lido. De repente, <strong>Haru</strong> pensou em voz alta, pois<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ara de algo:<<strong>br</strong> />

- É verdade, coloquei dinheiro na primeira carta. Como<<strong>br</strong> />

era carta de uma criança, a tia não deve ter levado muito a<<strong>br</strong> />

sério e a<strong>br</strong>iu o envelope. E, <strong>com</strong>o haviam algumas notas de<<strong>br</strong> />

dinheiro japonês...<<strong>br</strong> />

- Quer dizer que ela se apossou do dinheiro?<<strong>br</strong> />

- As dificuldades eram tão grandes em termos financeiros<<strong>br</strong> />

que é possível que isso tenha acontecido. Depois que subtraiu<<strong>br</strong> />

o dinheiro, não havia <strong>com</strong>o entregar a carta para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- É evidente. Se mostrasse, <strong>Natsu</strong> desco<strong>br</strong>iria que havia<<strong>br</strong> />

dinheiro no envelope.<<strong>br</strong> />

- Assim, a carta seguinte também não poderia ser<<strong>br</strong> />

entregue. Provavelmente jogou fora fingindo não saber de<<strong>br</strong> />

nada. Acho que foi isso mesmo que aconteceu.<<strong>br</strong> />

Tudo ocorrera exatamente <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong> havia imaginado.<<strong>br</strong> />

Ao rasgar o envelope <strong>com</strong> raiva, Kane percebeu notas de<<strong>br</strong> />

dinheiro no meio da carta. A frase que dizia "Você pode gastar<<strong>br</strong> />

o dinheiro <strong>com</strong>o quiser" foi <strong>com</strong>o jogar mais lenha na fogueira<<strong>br</strong> />

- 120 -


de raiva de Kane. Não deixaram dinheiro nem para alimentar<<strong>br</strong> />

a filha, <strong>com</strong>o poderiam mandar mesada escondida...<<strong>br</strong> />

Kane pegara o dinheiro <strong>com</strong>o se fosse um direito seu. Só<<strong>br</strong> />

que uma vez tirado o dinheiro, não poderia deixar <strong>Natsu</strong> ler a<<strong>br</strong> />

carta. Temendo que desco<strong>br</strong>isse que havia ficado <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

dinheiro, Kane também reteve a segunda carta. E, temendo<<strong>br</strong> />

vir à tona a mentira de que as cartas não haviam chegado,<<strong>br</strong> />

Kane não conseguira mais entregar as cartas para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ine explicou estas circunstâncias à <strong>Natsu</strong> quando ela a<<strong>br</strong> />

visitou, mas a estas alturas, <strong>Haru</strong> apenas imaginava que fora<<strong>br</strong> />

isto o que acontecera.<<strong>br</strong> />

- Se for verdade que dona <strong>Natsu</strong> não recebeu nenhuma<<strong>br</strong> />

carta do Brasil, é natural que tenha pensado que fora<<strong>br</strong> />

abandonada pela família. É <strong>com</strong>preensível que ela tenha<<strong>br</strong> />

guardado somente sentimentos de rancor.<<strong>br</strong> />

Na medida em que a situação se aclarava, <strong>com</strong>o malentendido<<strong>br</strong> />

sendo esclarecido, a primeira impressão nefasta<<strong>br</strong> />

que Yamato havia tido de <strong>Natsu</strong> foi também se dissipando.<<strong>br</strong> />

Concordando <strong>com</strong> Yamato, <strong>Haru</strong> estendeu a mão para pegar<<strong>br</strong> />

outra carta.<<strong>br</strong> />

"Mana, já se passaram quatro meses desde que<<strong>br</strong> />

vocês foram para o Brasil. Todos os dias espero<<strong>br</strong> />

ansiosamente por uma carta, mas hoje também não<<strong>br</strong> />

chegou nenhuma. A tia insiste toda hora, em dizer<<strong>br</strong> />

que vocês já se esqueceram de mim. Mas eu não<<strong>br</strong> />

acredito. Eu acho que, <strong>com</strong> certeza, vocês devem<<strong>br</strong> />

- 121 -


estar muito ocupados e não têm tempo de me<<strong>br</strong> />

escrever. Trabalho arduamente na roça, todos os<<strong>br</strong> />

dias. Se eu não trabalhar, não me deixam <strong>com</strong>er. É<<strong>br</strong> />

duro e sinto falta de você, mana, mas estou<<strong>br</strong> />

agüentando, porque sei que daqui a três anos todos<<strong>br</strong> />

vocês voltarão. Escreva-me. Estou aguardando. "<<strong>br</strong> />

Mesmo em Hokkaido, o sol era muito forte no mês de<<strong>br</strong> />

agosto. Se o trabalho na roça for em um lugar sem som<strong>br</strong>as,<<strong>br</strong> />

o suor <strong>br</strong>ota da pele, e chega a gotejar. <strong>Natsu</strong>, que tinha<<strong>br</strong> />

deixado de ir para a escola, não tinha férias de verão.<<strong>br</strong> />

Dedicava-se ao trabalho da roça o dia inteiro, enxugando o<<strong>br</strong> />

suor <strong>com</strong> as mãos, juntamente <strong>com</strong> Yosaku e Kane.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, quando ouvia, por perto, vozes de crianças<<strong>br</strong> />

conversando e rindo alegremente, sua atenção se voltava sem<<strong>br</strong> />

querer para eles e ficava distraída, parando de trabalhar.<<strong>br</strong> />

Imediatemente, ouviam-se os gritos de Kane:<<strong>br</strong> />

- O que você está fazendo parada? Se não fizer o que eu<<strong>br</strong> />

mandar, vai ficar sem <strong>com</strong>ida, hein?<<strong>br</strong> />

-Kane!<<strong>br</strong> />

Kane não ligava para a repreensão de Yosaku, e então<<strong>br</strong> />

passou a contra-atacar:<<strong>br</strong> />

- Se ficar dando moleza <strong>com</strong>o você, ela não vai fazer<<strong>br</strong> />

nada. Temos que ser severos, senão <strong>com</strong>eça logo a abusar...<<strong>br</strong> />

Se ao menos a família mandasse algum dinheiro do Brasil<<strong>br</strong> />

para o sustento dela, eu não reclamaria, mesmo que ela ficasse<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>incando. Se pensam que vamos cuidar dela sem dizer nada,<<strong>br</strong> />

- 122 -


estão enganados.<<strong>br</strong> />

Fazendo Yosaku se calar, voltou a descarregar sua raiva<<strong>br</strong> />

novamente contra <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o se não fosse suficiente:<<strong>br</strong> />

- Você, também, que azarada! Ter pais e irmãos daquela<<strong>br</strong> />

laia. Se está <strong>com</strong> raiva de mim porque lhe falo essas coisas,<<strong>br</strong> />

está errada. Você tem que ter raiva é dos seus pais e irmãos<<strong>br</strong> />

que a abandonaram.<<strong>br</strong> />

Cada palavra de Kane parecia uma ferroada. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

suportava calada, mordendo os lábios. Só tinha que trabalhar.<<strong>br</strong> />

Finalmente à noite, <strong>Natsu</strong> conseguira ficar só. Saiu para<<strong>br</strong> />

o quintal, onde os insetos pareciam concorrer <strong>com</strong> os seus<<strong>br</strong> />

cantos e se agachou, <strong>com</strong> uma tábua so<strong>br</strong>e as pernas. Começou<<strong>br</strong> />

a escrever no caderno da escola, que não voltaria a usar, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

papel de carta, escrevendo à luz da lua, porque não podia<<strong>br</strong> />

utilizar a lamparina, que gastava óleo.<<strong>br</strong> />

Um cãozinho, que não se sabia de onde estava vindo, se<<strong>br</strong> />

aproximou dela. Parecia ser um vira-lata. Perambulando por<<strong>br</strong> />

aquelas redondezas, nada encontraria para saciar a sua fome.<<strong>br</strong> />

- Você também está <strong>com</strong> fome? Não tenho nada para lhe<<strong>br</strong> />

dar. Sinto muito, cãozinho.<<strong>br</strong> />

Pegou o cãozinho no colo carinhosamente e sentiu uma<<strong>br</strong> />

sensação reconfortante <strong>com</strong> o calor do seu corpo. O<<strong>br</strong> />

cachorrinho encosta a ponta do seu focinho frio em <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Eles se consolaram mutuamente. Duas crianças carentes, sem<<strong>br</strong> />

pais.<<strong>br</strong> />

"Quando vocês voltarem do Brasil, quero criar<<strong>br</strong> />

- 123 -


cachorros. Estou esperando <strong>com</strong> ansiedade. "<<strong>br</strong> />

O dia <strong>com</strong>eçava muito cedo na casa de um lavrador. Kane<<strong>br</strong> />

estava a preparar a refeição. Embora não tivesse se dado conta,<<strong>br</strong> />

já era outu<strong>br</strong>o e as folhas do sopé da montanha <strong>com</strong>eçavam a<<strong>br</strong> />

se avermelhar, refletindo o sol da manhã.<<strong>br</strong> />

- Bom dia.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> entrou na cozinha hesitante, pois havia algo que<<strong>br</strong> />

queria e encontrava certa dificuldade em pedir. Kane nem<<strong>br</strong> />

olhou para a <strong>Natsu</strong> e, apontando <strong>com</strong> o queixo as folhas de<<strong>br</strong> />

nabo que estavam aos seus pés, disse:<<strong>br</strong> />

- Vá lavar essas folhas.<<strong>br</strong> />

- Sim. Tia, por favor, poderia me dar dinheiro para mandar<<strong>br</strong> />

uma carta para o Brasil?<<strong>br</strong> />

- Dinheiro para selo? Você não ganhava mesada de sua<<strong>br</strong> />

avó? Você já gastou tudo?<<strong>br</strong> />

- Não ganhei tanto assinL.. Mandei algumas cartas para<<strong>br</strong> />

o Brasil, e... já...<<strong>br</strong> />

- Você não vê que é desperdício mandar cartas para quem<<strong>br</strong> />

não lhe responde? É o mesmo que jogar dinheiro fora. Não<<strong>br</strong> />

tem dinheiro so<strong>br</strong>ando nesta casa.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> mordeu os lábios.<<strong>br</strong> />

- A gente já está fazendo um sacrifício, dando de <strong>com</strong>er<<strong>br</strong> />

a você, não entende? Vá logo lavar os nabos.<<strong>br</strong> />

Como se estivesse conformada, <strong>Natsu</strong> obedeceu,<<strong>br</strong> />

carregando o cesto de bambu <strong>com</strong> os nabos e folhas. Se<<strong>br</strong> />

houvesse, naquele local, alguma pessoa <strong>com</strong> sensibilidade<<strong>br</strong> />

- 124 -


maior, teria notado na sua fisionomia uma decisão firme que<<strong>br</strong> />

ela havia tomado.<<strong>br</strong> />

Na água gelada do riacho que corria no quintal, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

lavou o barro grudado no nabo. A dúvida que <strong>Natsu</strong> tinha,<<strong>br</strong> />

parecia escorrer junto <strong>com</strong> a sujeira do nabo. Ao terminar de<<strong>br</strong> />

lavar e devolver os nabos no cesto de bambu, o sentimento<<strong>br</strong> />

que a fazia permanecer naquela casa havia desaparecido.<<strong>br</strong> />

Voltou às pressas para a casa pela porta dos fundos,<<strong>br</strong> />

colocou o cesto de bambu na porta da cozinha e saiu correndo.<<strong>br</strong> />

Neste dia, <strong>Natsu</strong> não foi vista na roça, mesmo na hora do<<strong>br</strong> />

almoço. Apenas Yosaku e Kane estavam trabalhando,<<strong>br</strong> />

escondidos no meio da plantação.<<strong>br</strong> />

- Onde será que foi <strong>Natsu</strong>? Ela nem mesmo fez a refeição<<strong>br</strong> />

da manhã...<<strong>br</strong> />

- Sei lá! - disse Kane, pensando que ela provavelmente<<strong>br</strong> />

deveria estar vadiando em algum lugar. Por mais que houvesse<<strong>br</strong> />

justificativa, não deixaria Yosaku dar moleza.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava escondida perto da casa, observando Yosaku<<strong>br</strong> />

e Kane. Parecia que os dois continuariam a trabalhar ainda<<strong>br</strong> />

por algum tempo na roça. Ao certificar-se disso, <strong>Natsu</strong> entrou<<strong>br</strong> />

correndo na casa.<<strong>br</strong> />

Com a fisionomia séria, procurou uma gaveta da cômoda<<strong>br</strong> />

e pegou um porta-moedas. Colocou as moedas na palma da<<strong>br</strong> />

mão, e ao colocar no bolso duas moedas de prata de 50 sen<<strong>br</strong> />

de que precisava, devolveu o porta-moedas na mesma gaveta.<<strong>br</strong> />

Pegou uma trouxinha que já estava preparada <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

antecedência e, ao sair, correu em direção ao bosque dos<<strong>br</strong> />

- 125 -


fundos da casa. Não havia hesitação na atitude de <strong>Natsu</strong>, pois<<strong>br</strong> />

ela havia planejado tudo.<<strong>br</strong> />

Ao sair do bosque, passou pela margem do rio cheio de<<strong>br</strong> />

pedregulhos, um lugar difícil de caminhar. Ao correr por<<strong>br</strong> />

algum tempo, sua respiração <strong>com</strong>eçou a ficar ofegante, mas<<strong>br</strong> />

ela não diminuiu os passos. Carregando firme a trouxinha,<<strong>br</strong> />

continuou correndo <strong>com</strong> todas as suas forças. Quando a<<strong>br</strong> />

paisagem mudou, percebeu que chegara na vila. Finalmente<<strong>br</strong> />

parou em frente a um prédio, onde funcionava o correio.<<strong>br</strong> />

-Por favor...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> colocou so<strong>br</strong>e o balcão a carta endereçada ao Brasil<<strong>br</strong> />

para <strong>Haru</strong> e a entregou para o encarregado, juntamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a moeda de prata de 50 sen que tinha tirado do bolso. Quando<<strong>br</strong> />

ele pegou a carta, <strong>Natsu</strong> deu um grande suspiro, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

tivesse alcançado um objetivo muito importante.<<strong>br</strong> />

Ao sair do correio, <strong>Natsu</strong> seguiu para a estação. Havia<<strong>br</strong> />

algumas pessoas na sala de espera e na plataforma. Era uma<<strong>br</strong> />

vila pequena e não queria ser vista por conhecidos. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

demonstrava uma leve hesitação. Ouvia-se o apito do trem,<<strong>br</strong> />

que se aproximava. <strong>Natsu</strong> criou coragem e caminhou para a<<strong>br</strong> />

plataforma.<<strong>br</strong> />

O aquecedor a carvão de pedra estava aceso, e devido ao<<strong>br</strong> />

cansaço e calor, <strong>Natsu</strong> ficou sonolenta e acabou dormindo,<<strong>br</strong> />

acalentada pelo balançar agradável do trem que corria pelos<<strong>br</strong> />

trilhos. <strong>Natsu</strong> despertou <strong>com</strong> a voz do co<strong>br</strong>ador. Ao virar-se<<strong>br</strong> />

para trás, viu um policial junto <strong>com</strong> o co<strong>br</strong>ador, na entrada<<strong>br</strong> />

do vagão. Provavelmente estavam verificando os bilhetes.<<strong>br</strong> />

- 126 -


<strong>Natsu</strong> se afastou do assento confortável e se deslocou<<strong>br</strong> />

para o vagão vizinho, a fim de fugir.<<strong>br</strong> />

Estranhando a ausência de <strong>Natsu</strong>, Yosaku e Kane<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçaram a procurá-la <strong>com</strong> seriedade depois do almoço.<<strong>br</strong> />

Naturalmente, os objetivos da <strong>br</strong>onca diferiam entre Yosaku<<strong>br</strong> />

e Kane.<<strong>br</strong> />

- O que você quer dizer <strong>com</strong> "<strong>Natsu</strong> não está"?<<strong>br</strong> />

- Já procurei por todos os lugares, mas ela não está. Achei<<strong>br</strong> />

estranho a ponta do kimono estar aparecendo da gaveta desta<<strong>br</strong> />

cômoda. E estão faltando duas moedas de prata de 50 sen<<strong>br</strong> />

que estavam dentro deste porta-moedas. <strong>Natsu</strong> pegou-as e<<strong>br</strong> />

fugiu.<<strong>br</strong> />

- Não é possível <strong>Natsu</strong> fazer uma coisa dessas...<<strong>br</strong> />

- Vamos logo ao posto de polícia. Mesmo que a peguem,<<strong>br</strong> />

nunca mais a deixarei entrar nesta casa.<<strong>br</strong> />

- Se <strong>Natsu</strong> saiu de casa levando o dinheiro, deve ter<<strong>br</strong> />

decidido nunca mais voltar. Ela sabia que se voltasse, teria<<strong>br</strong> />

que sofrer as conseqüências. Deixe estar. Mas... se ia sair de<<strong>br</strong> />

casa, poderia ter levado todo esse dinheiro. Foi só um ien.<<strong>br</strong> />

Perdoe-a.<<strong>br</strong> />

- É verdade, se pensarmos que nos livramos de um estorvo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> apenas um ien, acho que foi barato.<<strong>br</strong> />

Assim mesmo, Kane ainda pretendia pedir a devolução<<strong>br</strong> />

do dinheiro quando Chûji e a família voltassem do Brasil.<<strong>br</strong> />

Com isso resolveu esquecer o assunto.<<strong>br</strong> />

- Onde ela pretende ir?<<strong>br</strong> />

- 127 -


Yosaku sentia <strong>com</strong>paixão de <strong>Natsu</strong>. O inverno estava para<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçar. Além disso, pensava em <strong>com</strong>o explicar para a<<strong>br</strong> />

família do irmão, quando viessem buscar <strong>Natsu</strong>. Yosaku<<strong>br</strong> />

estava perplexo.<<strong>br</strong> />

Após 70 anos, na biblioteca de sua casa luxuosa em<<strong>br</strong> />

Tóquio, <strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong> seus pensamentos num passado<<strong>br</strong> />

longínquo. Não teria sido estranho se tivesse morrido. O<<strong>br</strong> />

estranho era ter so<strong>br</strong>evivido e estar hoje ali.<<strong>br</strong> />

Tendo as cartas de <strong>Haru</strong> na sua frente, <strong>Natsu</strong> pensava<<strong>br</strong> />

novamente na vida tumultuada que <strong>com</strong>eçara a trilhar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

apenas sete anos de idade.<<strong>br</strong> />

O trem diminuirá a velocidade e estava quase parando,<<strong>br</strong> />

quando <strong>Natsu</strong> pulou so<strong>br</strong>e os trilhos e <strong>com</strong>eçou a andar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muito esforço. Não havia destino, nem rumo. Apenas<<strong>br</strong> />

continuou a andar, arrastando os pés para longe, cada vez<<strong>br</strong> />

mais longe. A garganta estava seca. Passando pelos arvoredos<<strong>br</strong> />

do campo, cambaleando, ouviu o barulho de um riacho. Ao<<strong>br</strong> />

molhar a garganta <strong>com</strong> a água do rio, sentiu-se segura e,<<strong>br</strong> />

cansada, caiu num sono profundo.<<strong>br</strong> />

A luz do sol que batia so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong> diminuía. Entardecia<<strong>br</strong> />

e o sol se punha no horizonte. <strong>Natsu</strong> continuou a dormir,<<strong>br</strong> />

parecendo estar morta.<<strong>br</strong> />

Um homem de certa idade, vestindo roupa de trabalho,<<strong>br</strong> />

aproximou-se de <strong>Natsu</strong> um tanto desconfiado, e ficou a<<strong>br</strong> />

observá-la. Sentindo sua presença, <strong>Natsu</strong> despertou assustada.<<strong>br</strong> />

- 128 -


Como se estivesse aliviado, o homem esboçou um sorriso<<strong>br</strong> />

no canto da boca. Era Tokuji, um criador de vacas.<<strong>br</strong> />

- Ei, menina, já está escurecendo. Se você continuar a<<strong>br</strong> />

dormir, vai ficar <strong>com</strong>pletamente escuro e não vai achar o<<strong>br</strong> />

caminho de casa.<<strong>br</strong> />

Instintivamente, <strong>Natsu</strong> recuou, tentando se proteger.<<strong>br</strong> />

- Que susto! Pensei que estava morta. Vá logo para casa!<<strong>br</strong> />

- Não tenho para onde ir. Vou dormir aqui.<<strong>br</strong> />

- Onde é a sua casa?<<strong>br</strong> />

- Não tenho casa. Deixe-me em paz!<<strong>br</strong> />

Tokuji fechou os lábios, virou as costas e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

andar. Fazia-o de propósito. <strong>Natsu</strong> se sentia só e estava<<strong>br</strong> />

apreensiva. Como se estivesse prevendo, Tokuji virou<<strong>br</strong> />

novamente para a <strong>Natsu</strong> e sorriu afetuosamente.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> levantou o olhar da carta que lia, e falou para<<strong>br</strong> />

Yamato:<<strong>br</strong> />

- O motivo para <strong>Natsu</strong> sair da casa do tio ter sido o<<strong>br</strong> />

dinheiro do selo que não queriam lhe dar, era de se admirar.<<strong>br</strong> />

Para <strong>Natsu</strong>, que era tão dócil, tomar tal decisão, é porque<<strong>br</strong> />

deveria estar suportando coisas além da minha imaginação.<<strong>br</strong> />

- Eu a entendo. Por mais que trabalhasse <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

perseverança, deve ter sido insuportável ficar numa casa onde<<strong>br</strong> />

não lhe davam nem dinheiro para o selo da carta para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Era <strong>com</strong>o Yamato dissera. A carta para o Brasil era o<<strong>br</strong> />

único elo entre <strong>Natsu</strong> e a família. E Kane quis romper esse<<strong>br</strong> />

elo. A solidão em que <strong>Natsu</strong> megulhou foi muito mais<<strong>br</strong> />

- 129 -


profunda do que Kane imaginava. Naturalmente, Kane não<<strong>br</strong> />

tinha se dado conta daquilo.<<strong>br</strong> />

De qualquer modo, <strong>Natsu</strong> não tinha nenhum lugar para<<strong>br</strong> />

ficar. <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a ler a continuação das suas cartas.<<strong>br</strong> />

"O senhor que me acordou quando estava a<<strong>br</strong> />

dormir, escondida no mato, era uma pessoa muito<<strong>br</strong> />

boar<<strong>br</strong> />

Ao entardecer, uma carroça carregada de capim cortado<<strong>br</strong> />

seguia por um caminho. Tokuji conduzia tranqüilamente as<<strong>br</strong> />

rédeas do cavalo e na carroceria da carroça, <strong>Natsu</strong> estava quase<<strong>br</strong> />

afundando no monte de capim.<<strong>br</strong> />

Quando chegaram à casa de Tokuji, já anoitecia à sua<<strong>br</strong> />

volta. Ao entrar na casa, convidada por Tokuji, percebeu que<<strong>br</strong> />

o homem levava uma vida simples, mas tudo estava muito<<strong>br</strong> />

bem arrumado.<<strong>br</strong> />

- Aqui não tem ninguém. Vou ver as vacas e logo vou<<strong>br</strong> />

preparar o jantar. Fique descansando.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficou pensando se poderia confiar naquele senhor<<strong>br</strong> />

e no que faria se ele avisasse a polícia. Tokuji olhou para<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, adivinhando o que ia em seu íntimo.<<strong>br</strong> />

- Se não quiser voltar para a casa do seu tio, não volte. Se<<strong>br</strong> />

você roubou dinheiro, não poderia voltar, mesmo que<<strong>br</strong> />

quisesse, não é? Se não se importar em ficar num lugar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

este, fique o tempo que quiser.<<strong>br</strong> />

Tokuji lhe dava a atenção necessária e passou a que<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />

- 130 -


os galhos para acender a lareira ao estilo japonês.<<strong>br</strong> />

- Pode deixar que eu sei acender o fogo. - diz <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

dirigindo-se a Tokuji, agachado em frente à lareira.<<strong>br</strong> />

- Faça isso, por favor. Vou ver as vacas.<<strong>br</strong> />

- O senhor tem vacas?<<strong>br</strong> />

- Eu crio vacas. Tinha ido colher capim para dar às vacas,<<strong>br</strong> />

quando a encontrei. Se não fosse por isso, não teríamos nos<<strong>br</strong> />

encontrado. - riu Tokuji, achando graça.<<strong>br</strong> />

Saiu para fora, acendendo a lanterna, iluminando o<<strong>br</strong> />

caminho para <strong>Natsu</strong>, que o seguia. A luz da lanterna foi<<strong>br</strong> />

balançando pelo caminho escuro até o estábulo.<<strong>br</strong> />

No estábulo havia cinco vacas leiteiras, que esperavam<<strong>br</strong> />

por Tokuji. Enquanto colocava o feno na manjedoura, elas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>iam <strong>com</strong> gosto. <strong>Natsu</strong> acariciava a cabeça das vacas sem<<strong>br</strong> />

medo.<<strong>br</strong> />

- Elas têm olhos bonitinhos.<<strong>br</strong> />

- Você não tem medo delas?<<strong>br</strong> />

- Eu gosto de animais. Cachorro, cavalo, vaca. Se pudesse,<<strong>br</strong> />

queria criá-los.<<strong>br</strong> />

- Que bom. Se você não gostasse de vacas, não ia poder<<strong>br</strong> />

ficar aqui.<<strong>br</strong> />

- O senhor cria as vacas sozinho?<<strong>br</strong> />

-Sim.<<strong>br</strong> />

- O que o senhor faz <strong>com</strong> essas vacas?<<strong>br</strong> />

- Eu tiro leite delas.<<strong>br</strong> />

- Não dá para o senhor consumir todo o leite sozinho,<<strong>br</strong> />

não é?<<strong>br</strong> />

- 131 -


- Eu faço queijos também.<<strong>br</strong> />

- Queijos...?<<strong>br</strong> />

- Eu forneço uma parte do leite à cooperativa e <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

resto, faço queijos e entrego aos fregueses.<<strong>br</strong> />

- Posso ajudar em alguma coisa? Se não ajudar, não<<strong>br</strong> />

poderei ficar aqui, não é?<<strong>br</strong> />

Desde que encontrara <strong>Natsu</strong>, Tokuji ficou sério pela<<strong>br</strong> />

primeira vez.<<strong>br</strong> />

- Uma criança <strong>com</strong>o você não tem que se preocupar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

essas coisas!<<strong>br</strong> />

- Eu não vou mais para a escola. Eu vou ajudá-lo. Deixeme<<strong>br</strong> />

ajudá-lo. Por favor. Por favor. - pediu <strong>Natsu</strong>, abaixando<<strong>br</strong> />

a cabeça diversas vezes, <strong>com</strong> muita seriedade. Curvava o seu<<strong>br</strong> />

pequeno corpo, e baixava a cabeça <strong>com</strong> toda a força.<<strong>br</strong> />

Tokuji observava <strong>Natsu</strong> e sentia uma certa emoção. As<<strong>br</strong> />

condições da vida que <strong>Natsu</strong> relatara a ele deveriam ser<<strong>br</strong> />

apenas uma pequena parte, mas dava para imaginar a situação<<strong>br</strong> />

que ela teve de suportar. Mesmo que lhe diga para não<<strong>br</strong> />

trabalhar, ela não dará ouvidos. Tokuji cerrou a boca <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

firmeza, talvez por costume. Deveria deixá-la fazer <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

quisesse.<<strong>br</strong> />

"O senhor Tokuji tinha perdido a esposa e afilha,<<strong>br</strong> />

e estava vivendo sozinho, apenas <strong>com</strong> as vacas. Como<<strong>br</strong> />

tinha serviço para mim, ele deixou que eu ficasse<<strong>br</strong> />

aqui. Eu vou aprender a ordenhar as vacas e fazer<<strong>br</strong> />

queijo. E vou esperar vocês voltarem do Brasil nesta<<strong>br</strong> />

- 132 -


casa. O meu endereço mudou. Por isso, de agora em<<strong>br</strong> />

diante, escreva-me para este endereço. "<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> do<strong>br</strong>ou a carta que acabara de ler.<<strong>br</strong> />

- Não fazia idéia de que tinha chegado uma carta assim.<<strong>br</strong> />

Sem saber da mudança de endereço, continuei mandando<<strong>br</strong> />

cartas para a casa do tio de Hokkaido.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se sentia desalentada quando pensou nas cartas que<<strong>br</strong> />

continuara enviando, sem saber que <strong>Natsu</strong> havia fugido de<<strong>br</strong> />

casa. Achou que as cartas haviam sido jogadas pela Kane,<<strong>br</strong> />

desconhecendo que as cartas, apesar de tudo, tinham chegado<<strong>br</strong> />

nas mãos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Quando <strong>Natsu</strong> passava por tudo isso, o que será que<<strong>br</strong> />

estávamos fazendo no Brasil?<<strong>br</strong> />

Yamato olhou a data da carta.<<strong>br</strong> />

- Dona <strong>Natsu</strong> saiu da casa do tio de Hokkaido em outu<strong>br</strong>o.<<strong>br</strong> />

- Outu<strong>br</strong>o.... Nas fazendas de café do Brasil, era uma<<strong>br</strong> />

época em que estávamos tratando dos cafeeiros e capinando<<strong>br</strong> />

as ervas daninhas, pois a colheita havia terminado.<<strong>br</strong> />

Poderia referir-se à capinação de forma simples, mas a<<strong>br</strong> />

área era muito vasta. Foram designados 8.000 pés de café<<strong>br</strong> />

para a família Takakura. Tinham que carpir as ervas daninhas<<strong>br</strong> />

de toda a área. O clima do Brasil era propício para as plantas<<strong>br</strong> />

crescerem. Ainda que capinassem as ervas daninhas, logo<<strong>br</strong> />

em seguida cresciam outras em volta. Passavam dias e dias<<strong>br</strong> />

se dedicando à capinação.<<strong>br</strong> />

- Isso também eu escrevi nas cartas à <strong>Natsu</strong>. Bem, não<<strong>br</strong> />

- 133 -


adianta contar isso agora, pois ela não vai acreditar.<<strong>br</strong> />

Tudo isso pareciam lamúrias e justificativas, se ditas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

palavras. Era isso que <strong>Haru</strong> lamentava e que a deixava<<strong>br</strong> />

desgostosa. Eram tão amigas, mas ainda que fosse contra a<<strong>br</strong> />

vontade, tiveram vidas totalmente diferentes. Ficava pensando<<strong>br</strong> />

se seria possível diminuir a distância que havia surgido entre<<strong>br</strong> />

as duas irmãs.<<strong>br</strong> />

Havia sido um dia muito atarefado. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ava, nos intervalos de descanso, so<strong>br</strong>e as cartas. Ao<<strong>br</strong> />

retornar à sua residência após o trabalho, <strong>Natsu</strong> ficou a refletir<<strong>br</strong> />

diante das cartas de <strong>Haru</strong>. Apesar de <strong>Haru</strong> ter escrito as cartas<<strong>br</strong> />

controlando os sentimentos, à sua maneira, a leitura da carta<<strong>br</strong> />

trazia, nas entrelinhas, o sofrimento da família.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> imaginara que a sua família no Brasil, <strong>Haru</strong>, Chüji<<strong>br</strong> />

e os outros, estavam ocupados <strong>com</strong> as colheitas em<<strong>br</strong> />

abundância a cada safra. Pensava que nada faltava para <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

e os demais. Eles eram felizes mesmo sem ela, e assim tinhamna<<strong>br</strong> />

esquecido. Era por isso que não vinham as cartas, por mais<<strong>br</strong> />

que pedisse para enviarem resposta.<<strong>br</strong> />

Mas, na realidade, eles levavam uma vida muito diferente.<<strong>br</strong> />

A empregada Sachiko entrou <strong>com</strong> um copo de leite quente<<strong>br</strong> />

na bandeja. <strong>Natsu</strong> colocou documentos so<strong>br</strong>e as cartas de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> às pressas, escondendo-as da vista de Sachiko. No<<strong>br</strong> />

momento, não queria que ninguém as visse.<<strong>br</strong> />

- Ainda está trabalhando? É melhor não se esforçar<<strong>br</strong> />

- 134 -


demais...<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada. Não preciso de mais nada por hoje. Pode<<strong>br</strong> />

dormir.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada. Então, boa noite!<<strong>br</strong> />

Depois que Sachiko saiu do quarto, <strong>Natsu</strong> voltou a ler as<<strong>br</strong> />

cartas de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

"No mês de outu<strong>br</strong>o, em Hokkaido, à noite o frio<<strong>br</strong> />

é tão rigoroso <strong>com</strong>o se fosse inverno. No Brasil, ao<<strong>br</strong> />

contrário, <strong>com</strong>eça o verão. O verão do Brasil é um<<strong>br</strong> />

calor inimaginável para quem se encontra no Japão,<<strong>br</strong> />

e o trabalho de capinação é realmente árduo.<<strong>br</strong> />

As pessoas que trabalham na fazenda sob<<strong>br</strong> />

contrato, são chamadas de colonos. Está<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletando quase meio ano que chegamos a esta<<strong>br</strong> />

fazenda para trabalhar <strong>com</strong>o colonos, mas a vida<<strong>br</strong> />

aqui é <strong>com</strong>pletamente diferente daquela que ouvimos<<strong>br</strong> />

falar no Japão. São coisas que nem imaginávamos.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, todos estão trabalhando sem<<strong>br</strong> />

descansar. Mas, <strong>com</strong>o temos um contrato <strong>com</strong> o dono<<strong>br</strong> />

da fazenda, temos que fazer a nossa parte. Todos<<strong>br</strong> />

estão dizendo que foi bom você ter ficado no Japão.<<strong>br</strong> />

Quero voltar logo para o Japão e me encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

você, <strong>Natsu</strong>."<<strong>br</strong> />

As ervas daninhas cresciam próximas às raízes dos pés<<strong>br</strong> />

de café. Para não permitir que a parte nutritiva dos pés de<<strong>br</strong> />

- 135 -


café fossem tiradas pelas ervas daninhas, tinham que carpir o<<strong>br</strong> />

quanto antes. Toda a família de <strong>Haru</strong> fazia esse trabalho de<<strong>br</strong> />

capinação, mas em virtude do calor escaldante que<<strong>br</strong> />

experimentavam pela primeira vez e também pelo trabalho<<strong>br</strong> />

pesado, estavam todos tão exaustos que não tinham ânimo<<strong>br</strong> />

nem para falar.<<strong>br</strong> />

Falavam de capinação, mas não era <strong>com</strong>o arrancar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

as mãos as ervas daninhas do quintal. Utilizava-se uma<<strong>br</strong> />

ferramenta apropriada para capinação, denominada enxada,<<strong>br</strong> />

que deveria ser fincada duas a três vezes nas raízes do mato e<<strong>br</strong> />

puxado, cortando as ervas. Se o ângulo de entrada da enxada<<strong>br</strong> />

na terra fosse muito fundo, a raiz da planta que ficou coberta<<strong>br</strong> />

de terra <strong>com</strong>eçava a crescer em pouco tempo, nascendo um<<strong>br</strong> />

novo <strong>br</strong>oto. Se o ângulo fosse muito raso, a enxada<<strong>br</strong> />

escorregava pela superfície das ervas daninhas e nada seria<<strong>br</strong> />

capinado. O difícil era ajustar a força. A limpeza da área <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

8.000 pés de café era realizada dessa forma.<<strong>br</strong> />

Como era um trabalho para o qual não estavam<<strong>br</strong> />

acostumados, acabavam fazendo força desnecessária no<<strong>br</strong> />

corpo. Os quadris e as costas se enrijeciam, ficando logo sem<<strong>br</strong> />

movimento. Apoiava-se o corpo na enxada, controlando a<<strong>br</strong> />

respiração e segurando-a de novo. Embora o espírito seja<<strong>br</strong> />

impaciente, às vezes, o corpo não obedece. No céu, raios<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>asadores queimavam impiedosamente a cabeça dos<<strong>br</strong> />

colonos, que acabavam perdendo as forças até para enxugar<<strong>br</strong> />

o suor.<<strong>br</strong> />

Para <strong>Haru</strong>, já era trabalhoso fincar a enxada. Mesmo<<strong>br</strong> />

- 136-


assim, puxava a enxada <strong>com</strong> afinco, juntamente <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

adultos. Isto porque a frutificação de café do ano seguinte<<strong>br</strong> />

dependia da proteção que se conseguia dar aos pés de café<<strong>br</strong> />

através da capinação.<<strong>br</strong> />

Apesar disso, os pés de café que estavam sob os cuidados<<strong>br</strong> />

da família Takakura eram franzinos, pois eram recém<<strong>br</strong> />

plantados, não frutificando em grande quantidade. Por causa<<strong>br</strong> />

disso, Yozo discutira <strong>com</strong> o capataz, correndo o perigo de<<strong>br</strong> />

entrar em atrito a qualquer momento. Era necessário aumentar<<strong>br</strong> />

a quantidade da colheita do próximo ano. Em três anos,<<strong>br</strong> />

voltariam para o Japão, onde <strong>Natsu</strong> os esperava.<<strong>br</strong> />

Yozo apoiou-se na enxada, e se queixava <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

estivesse a suspirar:<<strong>br</strong> />

- Até quando este sofrimento vai continuar?<<strong>br</strong> />

- Temos que carpir mais algumas vezes até a época da<<strong>br</strong> />

colheita do ano que vem. - disse Chüji, continuando a<<strong>br</strong> />

trabalhar silenciosamente <strong>com</strong> a sua enxada.<<strong>br</strong> />

- Durante um semestre, no verão, fazemos a capinação e,<<strong>br</strong> />

no outono, ou seja, do final de a<strong>br</strong>il a meados de julho,<<strong>br</strong> />

colhemos os frutos de café... Só isso já é um trabalho duro.<<strong>br</strong> />

Entre capinação e colheita, passa-se um ano... Será que<<strong>br</strong> />

trabalhando desse jeito durante três anos, conseguiremos<<strong>br</strong> />

mesmo dinheiro para viver <strong>com</strong> dignidade no Japão?<<strong>br</strong> />

- Meu bem... É promessa... E este é o trabalho dos<<strong>br</strong> />

colonos... - repreendeu Kiyo.<<strong>br</strong> />

- No Japão, só nos contaram coisas boas. Fomos<<strong>br</strong> />

ludi<strong>br</strong>iados. Se soubesse que seria assim, era bem melhor ter<<strong>br</strong> />

- 137 -


ficado lá. - disse Yozo, entrando na conversa.<<strong>br</strong> />

- Em Hokkaido, não tínhamos nem o que <strong>com</strong>er no dia a<<strong>br</strong> />

dia! Aqui, pelo menos, podemos <strong>com</strong>er feijão e arroz.<<strong>br</strong> />

- Só que as <strong>com</strong>pras se transformam em dívidas na venda.<<strong>br</strong> />

- No Japão, nem dívida podíamos contrair. Aqui,<<strong>br</strong> />

podemos <strong>com</strong>prar na venda sem ter dinheiro. Não morremos<<strong>br</strong> />

de fome. Quando a colheita de café terminar, vamos receber<<strong>br</strong> />

o salário e poderemos quitar a dívida da venda. E aqui<<strong>br</strong> />

podemos trabalhar o ano inteiro. Trabalhando, se recebe. Se<<strong>br</strong> />

você ficar reclamando que é duro, que é difícil, será castigado<<strong>br</strong> />

pelos céus.<<strong>br</strong> />

Ecoa pela fazenda o badalar tranqüilo do sino.<<strong>br</strong> />

- É hora do almoço.<<strong>br</strong> />

Shigeru e Minoru a<strong>br</strong>iram a tampa da panela que Shizu e<<strong>br</strong> />

Kiyo haviam deixado no fogo. Os dois se entreolharam e<<strong>br</strong> />

logo devolveram a tampa no lugar. A fisionomia de Shigeru<<strong>br</strong> />

era de desgosto.<<strong>br</strong> />

- Feijão e mandioca de novo?<<strong>br</strong> />

Mandioca era uma raiz produzida no Brasil, e feijão, uma<<strong>br</strong> />

das espécies de kuromame. Os japoneses daquela época não<<strong>br</strong> />

tinham o costume de fritar batata <strong>com</strong> óleo, e por isso, na<<strong>br</strong> />

maioria das vezes, só cozinhavam junto <strong>com</strong> o feijão, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

fazia Shizu.<<strong>br</strong> />

- À noite, vou cozinhar arroz sempre que puder. Por isso,<<strong>br</strong> />

tenham paciência no almoço.<<strong>br</strong> />

- Não seja exigente. Na verdade, precisamos juntar o<<strong>br</strong> />

máximo de dinheiro, inclusive podíamos ficar sem almoço,<<strong>br</strong> />

- 138 -


<strong>com</strong> o intuito de voltar para o Japão. Mas sua mãe está<<strong>br</strong> />

preocupada, e quer dar, ao menos, feijão para vocês...<<strong>br</strong> />

- Mas já estou farto de <strong>com</strong>er só feijão e mandioca.<<strong>br</strong> />

- Não fale assim. Se não <strong>com</strong>er, vai enfraquecer, pois o<<strong>br</strong> />

trabalho é duro.<<strong>br</strong> />

Shigeru e Minoru eram meninos em fase de crescimento.<<strong>br</strong> />

Shizu tentou convencê-los a <strong>com</strong>er, falando serenamente, mas<<strong>br</strong> />

Shigeru virou as costas e, amuado vai para outro lugar.<<strong>br</strong> />

- Eu também não quero almoçar. Na hora de descanso,<<strong>br</strong> />

preciso cuidar, o quanto puder, da horta... - diz <strong>Haru</strong>, largando<<strong>br</strong> />

a enxada e correndo em direção a horta.<<strong>br</strong> />

Na horta preparada por <strong>Haru</strong> no terreno baldio do cafezal,<<strong>br</strong> />

encontravam-se cultivados <strong>com</strong> grande cuidado, arroz de<<strong>br</strong> />

sequeiro, milho, tomate e outras hortaliças.<<strong>br</strong> />

Arroz de sequeiro era o arroz cultivado em terra seca,<<strong>br</strong> />

que não necessitava de campo irrigado, nem do trabalho duro<<strong>br</strong> />

de plantio. Não se podia deixar de capinar e de cuidar dos<<strong>br</strong> />

insetos.<<strong>br</strong> />

Sem demonstrar cansaço do trabalho pesado que<<strong>br</strong> />

enfrentara até há pouco, <strong>com</strong>eçou a retirar vermes e insetos,<<strong>br</strong> />

regando as plantas <strong>com</strong> cuidado.<<strong>br</strong> />

Takuya achava que não conseguiria imitar o vigor de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Como as plantas cresceram! Você é uma ótima<<strong>br</strong> />

horticultora.<<strong>br</strong> />

- Não sei fazer outra coisa, mas me ensinaram o trabalho<<strong>br</strong> />

de roça desde pequena.<<strong>br</strong> />

- Minha família tinha fá<strong>br</strong>ica, então, ninguém sabe<<strong>br</strong> />

- 139 -


trabalhar na lavoura. Mas, graças a você, nós também<<strong>br</strong> />

conseguimos formar uma hortinha e teremos verduras, pelo<<strong>br</strong> />

menos para o nosso consumo.<<strong>br</strong> />

A família Yamashita, bem <strong>com</strong>o a família Takakura<<strong>br</strong> />

receberam cafeeiros <strong>com</strong> poucos frutos. Era a primeira vez<<strong>br</strong> />

que trabalhavam na lavoura e, portanto o esforço que<<strong>br</strong> />

despendiam para a colheita e capinação era maior do que as<<strong>br</strong> />

pessoas <strong>com</strong> experiência. Até Takuya, que normalmente era<<strong>br</strong> />

cheio de vigor, estava desnorteado. Entretanto, <strong>Haru</strong> ainda<<strong>br</strong> />

tinha forças para dizer:<<strong>br</strong> />

- Quando terminar o trabalho, irei cuidar também da sua<<strong>br</strong> />

horta. A tarde precisamos dar muita água.<<strong>br</strong> />

- Deixe que eu busco a água. Buscarei também para a sua<<strong>br</strong> />

horta.<<strong>br</strong> />

Takuya achava que se não fosse buscar pelo menos a água,<<strong>br</strong> />

o seu lado masculino seria afetado.<<strong>br</strong> />

- Não é ótimo poder preparar sua própria horta no terreno<<strong>br</strong> />

onde não plantaram os pés de café? Além disso, <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiros são cristãos, não trabalham aos domingos. Tendo<<strong>br</strong> />

folga uma vez por semana, dá para trabalhar bastante na horta.<<strong>br</strong> />

Vou plantar bastante e vender as verduras. Os colonos vindos<<strong>br</strong> />

de outros países não cultivam as hortaliças <strong>com</strong>o nós, os<<strong>br</strong> />

japoneses, e então, <strong>com</strong>pram <strong>com</strong> satisfação.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava animada. Plantar cada vez mais verduras,<<strong>br</strong> />

fazendo <strong>com</strong> que as pessoas se sentissem felizes. Além disso,<<strong>br</strong> />

o dinheiro obtido <strong>com</strong> a venda, poderia ajudar na subsistência.<<strong>br</strong> />

Seria muito bom se pudesse ganhar o suficiente para enviar<<strong>br</strong> />

- 140 -


também para <strong>Natsu</strong>, que haviam deixado em Hokkaido.<<strong>br</strong> />

- Será que já posso vender? Perderá o sabor se crescer<<strong>br</strong> />

demais.<<strong>br</strong> />

O crescimento das verduras significava, para <strong>Haru</strong>, o<<strong>br</strong> />

crescimento dos frutos da esperança.<<strong>br</strong> />

Ao entardecer deste dia, Shizu saiu da roça um pouco<<strong>br</strong> />

antes de tocar o sino do término e foi para a venda. Segurando<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> cuidado os mantimentos <strong>com</strong>prados, Shizu voltava para<<strong>br</strong> />

casa contente, algo raro. As crianças ficariam felizes. Quando<<strong>br</strong> />

imaginava seus rostinhos alegres, o sorriso aflorava,<<strong>br</strong> />

naturalmente.<<strong>br</strong> />

Quando Shizu e Kiyo terminaram de preparar o jantar,<<strong>br</strong> />

Chüji e os outros chegaram, cansados.<<strong>br</strong> />

- Hoje, cozinhei arroz depois de muito tempo. Criei<<strong>br</strong> />

coragem e <strong>com</strong>prei carne de porco também...<<strong>br</strong> />

- Carne de porco...? - repetiu Chüji.<<strong>br</strong> />

-Oh!<<strong>br</strong> />

Yozo foi o primeiro a dar um grito de alegria ao ver a<<strong>br</strong> />

refeição preparada so<strong>br</strong>e a mesa. Os rostos de Shigeru e<<strong>br</strong> />

Minoru também se iluminaram e sorriam mostrando os dentes<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ancos.<<strong>br</strong> />

- É que Shigeru está sem apetite há dias... Então, pensei<<strong>br</strong> />

que podíamos fazer um pouco de extravagância de vez em<<strong>br</strong> />

quando... Além disso, o sr. Kurita disse que o pagamento<<strong>br</strong> />

sairá em <strong>br</strong>eve...<<strong>br</strong> />

- Recebendo o salário, teremos que pagar as dívidas das<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pras na venda. Depois de pagar todas essas contas, sabe-<<strong>br</strong> />

- 141 -


se lá quanto vai so<strong>br</strong>ar. Não é por isso que podemos nos dar<<strong>br</strong> />

ao luxo de fazer extravagâncias. - falou Chûji, em tom de<<strong>br</strong> />

censura, quando <strong>Haru</strong> entrou carregando espigas de milho<<strong>br</strong> />

nas mãos.<<strong>br</strong> />

- Colhi quando fui regar as plantas. Já dá para <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />

- Puxa! Milhos... Que saudades! - fala Minoru <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

alegria.<<strong>br</strong> />

Shigeru <strong>com</strong>eçou a descascar o milho.<<strong>br</strong> />

- As espigas estão bem formadas. Parecem gostosos!<<strong>br</strong> />

Quando morávamos em Hokkaido <strong>com</strong>íamos só milhos e<<strong>br</strong> />

batatas, e estávamos fartos, mas por aqui, milho é um<<strong>br</strong> />

banquete.<<strong>br</strong> />

- No domingo que vem, vou vender verduras. Quero<<strong>br</strong> />

vender bastante e produzir cada vez mais.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> parecia estar <strong>com</strong> os pés fincados no solo <strong>br</strong>asileiro<<strong>br</strong> />

mais do que qualquer um da família. Kiyo admirava a<<strong>br</strong> />

persistência de <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />

- Como você é esforçada, <strong>Haru</strong>. Com o trabalho do dia,<<strong>br</strong> />

ninguém tem forças nem para preparar uma horta. Mas você<<strong>br</strong> />

se dedica sozinha à sua horta...<<strong>br</strong> />

- Como sou criança, nem me contam <strong>com</strong>o um dos<<strong>br</strong> />

"colonos". Por isso, faço capinação sem caprichar muito e<<strong>br</strong> />

me dedico mais à minha horta.<<strong>br</strong> />

Apesar de sua modéstia, <strong>Haru</strong> ficara feliz ao ser elogiada.<<strong>br</strong> />

- É verdade. Se vender o que produzir na horta, o dinheiro<<strong>br</strong> />

será nosso. Os homens também deveriam ajudá-la um pouco...<<strong>br</strong> />

- disse Kiyo, tentando encorajar os homens em tom de<<strong>br</strong> />

- 142 -


incadeira, mas <strong>Haru</strong> levava a sério e demonstrava autoconfiança<<strong>br</strong> />

em conduzir sua horta sozinha.<<strong>br</strong> />

- Papai e os manos estão cansados porque têm que capinar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> empenho. Eu dou conta sozinha. Ainda tem bastante<<strong>br</strong> />

terra para se cultivar. Vou ampliar a horta cada vez mais.<<strong>br</strong> />

Colocaram, sem demora, uma panela grande no fogo para<<strong>br</strong> />

cozinhar o milho. Nesta noite, a família Takakura teria, de<<strong>br</strong> />

uma forma inesperada, um jantar <strong>com</strong> muitas iguarias.<<strong>br</strong> />

Nisso, entrou Kurita <strong>com</strong> um caderno nas mãos.<<strong>br</strong> />

- Ainda não jantaram? Desculpe-me. Tive conhecimento<<strong>br</strong> />

do salário a ser pago, e vim lhes <strong>com</strong>unicar...<<strong>br</strong> />

Não havia ninguém que sabia falar português na família<<strong>br</strong> />

Takakura. Assim, precisavam da ajuda de Kurita nas<<strong>br</strong> />

negociações <strong>com</strong> a administração da fazenda. Ele sabia disso<<strong>br</strong> />

e ajudava sem se in<strong>com</strong>odar.<<strong>br</strong> />

- Como pretendemos voltar logo para o Japão, não nos<<strong>br</strong> />

animamos a aprender português... - Chüji falou num tom de<<strong>br</strong> />

desculpas, e Kurita tirou o chapéu, <strong>com</strong> fisionomia<<strong>br</strong> />

preocupada.<<strong>br</strong> />

- Falam em voltar logo... mas nas circunstâncias atuais,<<strong>br</strong> />

não é tão fácil.<<strong>br</strong> />

Tendo uma mesa farta à sua frente, o que há muito não<<strong>br</strong> />

ocorria, reinava um ambiente tranqüilo entre os mem<strong>br</strong>os da<<strong>br</strong> />

família Takakura. Mas as palavras de Kurita trouxeram<<strong>br</strong> />

preocupação.<<strong>br</strong> />

- Parece que neste ano, a produção do café foi novamente<<strong>br</strong> />

excessiva, e o preço não está bom. Sabem que o nosso salário<<strong>br</strong> />

- 143 -


é calculado <strong>com</strong> base na distribuição da renda que é<<strong>br</strong> />

proporcional à quantidade de colheita. Porém, o proprietário<<strong>br</strong> />

da fazenda disse que o valor do salário não pode ser calculado<<strong>br</strong> />

da mesma forma, se uma saca de café é vendida por cinqüenta<<strong>br</strong> />

mil réis, ao invés de cem mil.<<strong>br</strong> />

- Então, o senhor está querendo dizer que, <strong>com</strong>o o preço<<strong>br</strong> />

do café caiu neste ano, o nosso salário também baixou?<<strong>br</strong> />

- Parece que sim. Além disso, sua família colheu menos<<strong>br</strong> />

que as outras, tendo em vista a extensão da área destinada. É<<strong>br</strong> />

verdade que a família Yamashita também produziu pouco...<<strong>br</strong> />

Comunicar para diversas famílias esse tipo de informação<<strong>br</strong> />

era uma incumbência difícil para Kurita. Mesmo sabendo que<<strong>br</strong> />

a culpa não era dele, Yozo acabou por gritar <strong>com</strong> Kurita,<<strong>br</strong> />

uma vez que ele era o intermediário e o porta-voz do<<strong>br</strong> />

fazendeiro.<<strong>br</strong> />

- A área destinada para nós ficava bem no fundo da<<strong>br</strong> />

fazenda, e os cafeeiros, talvez por serem novos, não<<strong>br</strong> />

frutificaram muito. A quantidade de frutos foi, mais ou menos,<<strong>br</strong> />

a metade dos pés de cafés dos outros colonos. Não tem jeito<<strong>br</strong> />

se nos deram uma porção de terra <strong>com</strong>o aquela. Por mais que<<strong>br</strong> />

nos esforçássemos, não tínhamos <strong>com</strong>o melhorar a colheita.<<strong>br</strong> />

Eles nos deram essa área por acharem que nós, os novatos<<strong>br</strong> />

japoneses, éramos bobos... E, o pior é que, nem por isso,<<strong>br</strong> />

podemos reclamar...<<strong>br</strong> />

- Se, mesmo num local assim, os senhores agüentarem e<<strong>br</strong> />

forem reconhecidos, poderão, no futuro, receber uma área<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> cafeeiros melhores. É importante neste momento<<strong>br</strong> />

- 144 -


agüentarem calados.<<strong>br</strong> />

- Não podemos ir embora para o Japão só porque estamos<<strong>br</strong> />

insatisfeitos... - Chüji falou sem entusiasmo.<<strong>br</strong> />

- O pagamento das <strong>com</strong>pras feitas na venda, nesta<<strong>br</strong> />

temporada, foi maior que o salário. Feita a <strong>com</strong>pensação,<<strong>br</strong> />

restou ainda um saldo de dívida... - tentou explicar Kurita,<<strong>br</strong> />

mas sua voz foi diminuindo. Afinal entregou o caderno para<<strong>br</strong> />

Chûji.<<strong>br</strong> />

-Não acredito!... Trabalhamos tanto, não recebemos um<<strong>br</strong> />

tostão e, além disso, temos uma dívida? - Chûji falou,<<strong>br</strong> />

alterando a sua voz.<<strong>br</strong> />

A maioria dos colonos tinha vindo para o Brasil quase<<strong>br</strong> />

sem dinheiro porque a empresa de emigração anunciava que<<strong>br</strong> />

no Brasil seria possível viver, mesmo sem dinheiro. De fato,<<strong>br</strong> />

isso não era mentira, pois podiam <strong>com</strong>prar fiado na venda.<<strong>br</strong> />

Se a família Takakura quisesse <strong>com</strong>er arroz e carne de porco<<strong>br</strong> />

poderia fazê-lo.<<strong>br</strong> />

Entretanto, o preço das mercadorias na venda era elevado.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, os colonos não tinham outra alternativa senão<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prar na venda. Vender produtos caros aproveitando da<<strong>br</strong> />

fraqueza dos colonos trazia lucros para a administração da<<strong>br</strong> />

fazenda.<<strong>br</strong> />

Por outro lado, para o colono que não tinha dinheiro,<<strong>br</strong> />

mesmo que o saldo da dívida fosse <strong>com</strong>pensado <strong>com</strong> o salário,<<strong>br</strong> />

também podiam continuar <strong>com</strong>prando fiado. O próprio<<strong>br</strong> />

Chüji havia dito à Yozo, numa certa ocasião, que se<<strong>br</strong> />

estivessem em Hokkaido, não poderiam nem fazer dívidas.<<strong>br</strong> />

- 145 -


Por estarem na fazenda de café, poderiam <strong>com</strong>er fartamente,<<strong>br</strong> />

ainda que fossem acumular dívidas.<<strong>br</strong> />

- Se trabalharem <strong>com</strong> esforço no próximo ano, poderão<<strong>br</strong> />

passar a receber o salário normalmente...<<strong>br</strong> />

Kurita falava de tal maneira que não se sabia se estava<<strong>br</strong> />

tentando persuadi-los ou consolá-los.<<strong>br</strong> />

A razão pela qual a fazenda permitia os colonos praticarem<<strong>br</strong> />

o cultivo intercalado, arando a terra desocupada para fazer<<strong>br</strong> />

sua horta, e ganhar dinheiro vendendo os legumes e verduras<<strong>br</strong> />

ali produzidas, refletia a situação econômica difícil dos<<strong>br</strong> />

colonos japoneses que estavam atados à dívida.<<strong>br</strong> />

Para alcançar auto-suficiência, eles tinham que se esforçar<<strong>br</strong> />

nas hortas, além do trabalho normal da fazenda, a fim de<<strong>br</strong> />

diminuir as dívidas e obter uma renda extra. Porém, era incerta<<strong>br</strong> />

a perspectiva de retornar ao Japão, realizando os objetivos<<strong>br</strong> />

de decasségui.<<strong>br</strong> />

- Se quiserem se manifestar so<strong>br</strong>e alguma coisa, falem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo. Transmitirei ao administrador ou ao capataz. E se<<strong>br</strong> />

tiverem algum problema, podem me consultar à vontade. Não<<strong>br</strong> />

fiquem desanimados e cuidem da saúde.<<strong>br</strong> />

Kurita resolveu ir embora sentindo pena deles.<<strong>br</strong> />

- Desculpe o incômodo.<<strong>br</strong> />

Fora o máximo que conseguiram falar. A decepção era<<strong>br</strong> />

tão grande que havia um grande vazio na cabeça de todos.<<strong>br</strong> />

Yozo estava indignado e cuspia pelo canto da boca ao<<strong>br</strong> />

falar:<<strong>br</strong> />

- Acordamos às cinco da manhã, ao toque do sino, e<<strong>br</strong> />

- 146 -


saímos às seis horas para o trabalho. Depois, trabalhamos o<<strong>br</strong> />

dia inteiro debaixo de um sol escaldante, voltando para casa<<strong>br</strong> />

às seis, seis e meia... Não <strong>com</strong>emos nada que preste, nem<<strong>br</strong> />

fazemos nada que seja divertido. Voltando do serviço, todo<<strong>br</strong> />

mundo está tão cansado que só quer dormir. Vivemos só para<<strong>br</strong> />

o trabalho e no fim, so<strong>br</strong>am dívidas? Afinal, o que viemos<<strong>br</strong> />

fazer no Brasil?<<strong>br</strong> />

- Não adianta chorar so<strong>br</strong>e o leite derramado. Ninguém<<strong>br</strong> />

tem culpa. Tivemos azar por causa da queda no preço do<<strong>br</strong> />

café. Se estivéssemos em Hokkaido estaríamos numa situação<<strong>br</strong> />

em que a única saída seria o suicídio coletivo. Como viemos<<strong>br</strong> />

para o Brasil, toda a família está so<strong>br</strong>evivendo. Não estou<<strong>br</strong> />

nem um pouco arrependido. Talvez, na próxima temporada,<<strong>br</strong> />

o preço do café suba. Faremos o possível para não <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />

na venda. - Chûji falava para toda a família.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupem. No Brasil, plantando, tudo cresce.<<strong>br</strong> />

Ampliando a minha horta e plantando arroz, ao menos teremos<<strong>br</strong> />

o suficiente para a família. Teremos receita em dinheiro, se<<strong>br</strong> />

vendermos as verduras. Se nos tornarmos auto-suficientes<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o a família Kurita, poderemos guardar todo o salário. Os<<strong>br</strong> />

adultos terão que se dedicar ao trabalho do cafezal, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

colonos. Por isso, da horta cuido eu. - disse <strong>Haru</strong>, sem perder<<strong>br</strong> />

as esperanças.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conhecia outra vida se não a da po<strong>br</strong>eza e na<<strong>br</strong> />

sua maneira pura de viver, aceitava as condições adversas,<<strong>br</strong> />

arranjando-se melhor do que os adultos. Essas atitudes<<strong>br</strong> />

demonstravam sua firmeza de caráter e sua facilidade de<<strong>br</strong> />

- 147 -


adaptação.<<strong>br</strong> />

- Eu também vou ajudá-la na horta. É a única maneira de<<strong>br</strong> />

juntar dinheiro sem ter que contrair dívidas. - disse Chûji,<<strong>br</strong> />

arrastado pelo vigor de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Mesmo querendo voltar ao Japão, não temos dinheiro.<<strong>br</strong> />

Pelo jeito, só nos resta batalhar por aqui. - resignou-se Yozo,<<strong>br</strong> />

finalmente se decidindo a trabalhar também.<<strong>br</strong> />

Contudo, Shizu, que até aquele momento estava calada,<<strong>br</strong> />

de repente <strong>com</strong>eçou a chorar.<<strong>br</strong> />

- Vim economizando o máximo e procurei <strong>com</strong>prar o<<strong>br</strong> />

mínimo necessário na venda. Porém, <strong>com</strong>o todos estavam<<strong>br</strong> />

trabalhando tanto, acabei ficando <strong>com</strong> pena, e resolvi <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />

um pouco de <strong>com</strong>ida decente. E olhe o que acabou<<strong>br</strong> />

acontecendo...<<strong>br</strong> />

Justo num dia <strong>com</strong>o este, em que havia <strong>com</strong>prado arroz e<<strong>br</strong> />

carne de porco. Não era porque ela quisesse se dar ao luxo...<<strong>br</strong> />

- Fomos forçados a <strong>com</strong>er aquele feijão horrível e<<strong>br</strong> />

mandioca todos os dias... Mas, assim mesmo, só restaram<<strong>br</strong> />

dívidas... É de perder <strong>com</strong>pletamente a vontade de trabalhar.<<strong>br</strong> />

- Pensei que, depois que recebêssemos o salário,<<strong>br</strong> />

poderíamos <strong>com</strong>er alguma coisa mais decente.<<strong>br</strong> />

Quando Shigeru e Minoru se queixaram alternadamente,<<strong>br</strong> />

Chûji ralhou <strong>com</strong> os dois filhos:<<strong>br</strong> />

- Homens não devem ficar reclamando de <strong>com</strong>ida!<<strong>br</strong> />

- Vou cozinhar os milhos... Daqui a pouco, poderemos<<strong>br</strong> />

colher batatinhas e arroz. Aguardem! - disse <strong>Haru</strong>, tentando<<strong>br</strong> />

agir alegremente para que o pai e os irmãos não discutissem.<<strong>br</strong> />

- 148 -


Não queria que a família ficasse irritada. Mesmo po<strong>br</strong>e, queria<<strong>br</strong> />

que fossem uma família alegre.<<strong>br</strong> />

A família Takakura decidira emigrar para o Brasil em<<strong>br</strong> />

1933. Nos idos de 1920, o Brasil estava num período de<<strong>br</strong> />

prosperidade econômica, <strong>com</strong> o segundo boom do café.<<strong>br</strong> />

Entretanto, <strong>com</strong> a crise mundial de 1929, o preço do café<<strong>br</strong> />

sofrerá uma queda <strong>br</strong>usca.<<strong>br</strong> />

Apesar disso, as fazendas de café haviam aumentado o<<strong>br</strong> />

plantio das mudas no período de prosperidade econômica e<<strong>br</strong> />

quando houve a queda <strong>br</strong>usca de preço, no início dos anos<<strong>br</strong> />

30, a colheita de café estava no auge. Com a economia em<<strong>br</strong> />

queda, e <strong>com</strong> excesso de produção, o preço da saca de café<<strong>br</strong> />

continuou a cair.<<strong>br</strong> />

Na época, o governo <strong>br</strong>asileiro tomou medidas drásticas<<strong>br</strong> />

para impedir a queda de preço e proteger os produtores de<<strong>br</strong> />

café. Por outro lado, promulgou um decreto proibindo a<<strong>br</strong> />

plantação de café por três anos.<<strong>br</strong> />

Quando a família Takakura <strong>com</strong>eçou a trabalhar na<<strong>br</strong> />

fazenda de café, infelizmente, o Brasil estava no meio dessa<<strong>br</strong> />

crise econômica.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a lavar roupa à beira do poço, já tarde da<<strong>br</strong> />

noite. Colocou uma tábua de lavar dentro de uma bacia cheia<<strong>br</strong> />

d'água e <strong>com</strong>eçou a esfregar <strong>com</strong> as mãos. Apenas a luz do<<strong>br</strong> />

luar iluminava os arredores.<<strong>br</strong> />

- Hoje você está lavando roupas tarde...<<strong>br</strong> />

Takuya senta-se próximo a <strong>Haru</strong>, e parece não ter sono.<<strong>br</strong> />

- É que todos estavam conversando até há pouco.<<strong>br</strong> />

- 149 -


- Em casa também. Papai e o meu irmão estavam<<strong>br</strong> />

conversando so<strong>br</strong>e muitas coisas até agora...<<strong>br</strong> />

- Na sua casa também?<<strong>br</strong> />

- Ah, na sua também?<<strong>br</strong> />

- Em casa, <strong>com</strong>o não tínhamos o que <strong>com</strong>er, nem<<strong>br</strong> />

tampouco dinheiro, não trouxemos nada. Precisávamos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prar os artigos de primeira necessidade, assim <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />

alimentos.... E tudo se transformou em dívida... A dívida é<<strong>br</strong> />

maior que o salário...<<strong>br</strong> />

- Conosco aconteceu o mesmo. O salário a receber é tão<<strong>br</strong> />

pequeno que dispensa <strong>com</strong>entários. Além disso, também<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pramos fiado na venda. Essa dívida também foi<<strong>br</strong> />

descontada. Papai está zangado, dizendo que foi ludi<strong>br</strong>iado.<<strong>br</strong> />

Meu irmão e mamãe estão deprimidos... Não sei <strong>com</strong>o será<<strong>br</strong> />

daqui para a frente...<<strong>br</strong> />

Não imaginava que a família de Takuya estivesse<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prando fiado. A família Yamashita viera para o Brasil<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o intuito inicial de se estabelecer permanentemente.<<strong>br</strong> />

Havia trazido muitas coisas do Japão e não padeciam de falta<<strong>br</strong> />

de dinheiro. Pelo menos, isso era o que <strong>Haru</strong> imaginava.<<strong>br</strong> />

Embora a família Yamashita tivesse decidido emigrar para<<strong>br</strong> />

o Brasil por não poder continuar administrando a fá<strong>br</strong>ica no<<strong>br</strong> />

Japão, pretendiam trabalhar durante três anos <strong>com</strong>o colonos,<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong> o capital obtido do trabalho, queriam construir uma<<strong>br</strong> />

fá<strong>br</strong>ica em São Paulo, a exemplo do que faziam no Japão.<<strong>br</strong> />

Porém, <strong>com</strong>o acontecera <strong>com</strong> a família de <strong>Haru</strong>, os pés<<strong>br</strong> />

de café eram improdutivos e a quantidade de colheita era<<strong>br</strong> />

- 150 -


pequena. Compensando o salário <strong>com</strong> a dívida, o que lhes<<strong>br</strong> />

restara era mínimo. Se continuassem a trabalhar naquele local,<<strong>br</strong> />

não conseguiriam poupar fundos para construir a fá<strong>br</strong>ica.<<strong>br</strong> />

A empresa de imigração pregava que em três anos de<<strong>br</strong> />

trabalho, seria possível voltarem ricos para o Japão.<<strong>br</strong> />

- Quem acreditou foi idiota... Mas, pode ser que só aqui<<strong>br</strong> />

seja ruim, e existam outras fazendas melhores, não é?<<strong>br</strong> />

A família Yamashita deveria estar falando a esse respeito<<strong>br</strong> />

até tarde da noite.<<strong>br</strong> />

- Isso eu não sei, mas, mesmo que existam lugares<<strong>br</strong> />

melhores, de que forma saberemos? Não há nem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

verificar. É melhor desistir de pensar nisso e se esforçar aqui,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o pensamento positivo...<<strong>br</strong> />

- Como você é forte, <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Imaginando o quanto a minha irmãzinha deve estar<<strong>br</strong> />

sofrendo, não tem <strong>com</strong>o ficar choramingando. Haja o que<<strong>br</strong> />

houver, temos que ir buscá-la em três anos...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> era mais nova que Takuya, mas sua determinação<<strong>br</strong> />

em busca de seu objetivo quase a fazia superá-lo. No momento<<strong>br</strong> />

seguinte, <strong>Haru</strong> deixou escapar uma lamentação.<<strong>br</strong> />

- Mas, foi bom a maninha não ter vindo. Em <strong>com</strong>paração<<strong>br</strong> />

à vida daqui, a do Japão é menos ruim.<<strong>br</strong> />

Trazido pelo vento ouvia-se ao longe, o som de música.<<strong>br</strong> />

- Tem uma festa. Vamos até lá... - Takuya se levanta,<<strong>br</strong> />

convidando <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Conforme se aproximavam de onde vinha a música, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

viu uma praça iluminada pelo clarão da fogueira e ouviu os<<strong>br</strong> />

- 151 -


isos alegres dos colonos que dançavam <strong>com</strong> trajes típicos.<<strong>br</strong> />

A música alegre talvez fizesse parte do folclore italiano.<<strong>br</strong> />

Não sabiam que tipo de festa era, mas os colonos vindos<<strong>br</strong> />

de outros países estavam se divertindo. Na vida deles havia<<strong>br</strong> />

sonhos e risos. <strong>Haru</strong> e Takuya, trocavam sorrisos, seduzidos<<strong>br</strong> />

pelo som da música agradável.<<strong>br</strong> />

A conversa <strong>com</strong> Takuya havia dado coragem para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Takuya também fora estimulado pela retidão da maneira de<<strong>br</strong> />

viver de <strong>Haru</strong>, que ainda tinha a ingenuidade de menina.<<strong>br</strong> />

Takuya também não perdera a pureza de menino.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Takuya se esqueceram das tristezas ouvindo o<<strong>br</strong> />

ritmo alegre das músicas da festa, sem saber que estava se<<strong>br</strong> />

formando uma grande onda que arrastaria o destino dos dois.<<strong>br</strong> />

No hotel de Tóquio, <strong>Haru</strong> estava a recordar aquele ritmo<<strong>br</strong> />

de 70 anos atrás. Na vida de colono, foram poucas as ocasiões<<strong>br</strong> />

em que <strong>Haru</strong> pôde rir. Aquela festa tinha sido um dos raros<<strong>br</strong> />

momentos agradáveis.<<strong>br</strong> />

'iamo, 'iamo... funiculi, funicula...<<strong>br</strong> />

O espelho refletia a imagem, não da <strong>Haru</strong> daquela época,<<strong>br</strong> />

mas da <strong>Haru</strong> de 80 anos, lem<strong>br</strong>ando o ritmo da música. Ao<<strong>br</strong> />

voltar a si, <strong>Haru</strong> pegou a carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Até a respeito do dia em que nos <strong>com</strong>unicaram so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

primeiro pagamento, escrevi detalhadamente para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Lendo as cartas dela, pode-se ver que nem aquela carta lhe<<strong>br</strong> />

chegara em mãos.<<strong>br</strong> />

- 152 -


"Eu escrevi uma carta <strong>com</strong>unicando a mudança<<strong>br</strong> />

de endereço, porém, para variar, não recebi resposta.<<strong>br</strong> />

Será que vocês realmente se esqueceram de mim?<<strong>br</strong> />

Ou estão tão ocupados que não têm tempo para<<strong>br</strong> />

escrever?<<strong>br</strong> />

Não se preocupem <strong>com</strong>igo. Fui acolhida pelo<<strong>br</strong> />

vovô Toku, e estou sendo criada <strong>com</strong>o se fosse sua<<strong>br</strong> />

filha... Muitos pecuaristas da região vêm consultálo.<<strong>br</strong> />

Eles dizem que o vovô Toku é um pecuarista de<<strong>br</strong> />

mão cheia ".<<strong>br</strong> />

Iniciava-se um novo ano. Era janeiro de 1935 e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

havia <strong>com</strong>pletado oito anos.<<strong>br</strong> />

Os campos de Hokkaido estavam cobertos de neve<<strong>br</strong> />

acumulada. A porta da casa de Tokuji se a<strong>br</strong>iu e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

apareceu, <strong>com</strong> dois baldes nas mãos, caminhando no meio<<strong>br</strong> />

da neve. Ambos os baldes estavam cheios de água quente, e<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> cambaleou <strong>com</strong> o peso por causa da neve sob os pés,<<strong>br</strong> />

mas o seu rosto estava iluminado, a caminho do estábulo.<<strong>br</strong> />

Trabalhar ajudando Tokuji deixava <strong>Natsu</strong> feliz. Cuidar<<strong>br</strong> />

de vacas era um trabalho pesado e era preciso mais força do<<strong>br</strong> />

que na roça. Mas isso não in<strong>com</strong>odava <strong>Natsu</strong>. A bondade de<<strong>br</strong> />

Tokuji e o carinho pelas vacas preenchiam seu coração.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se tornara uma presença necessária para Tokuji.<<strong>br</strong> />

Ela entrou no estábulo, onde o feno estava empilhado até<<strong>br</strong> />

o teto, pisando firme por causa do peso dos baldes.<<strong>br</strong> />

Tokuji estava ordenhando a vaca. O leite enchia o balde<<strong>br</strong> />

- 153 -


<strong>com</strong> o vigor de uma rajada de pistola d'água.<<strong>br</strong> />

- Vovô Toku, foi o senhor quem juntou sozinho todo<<strong>br</strong> />

aquele feno no estábulo? - disse <strong>Natsu</strong>, puxando conversa ao<<strong>br</strong> />

colocar o feno na manjedoura para as vacas.<<strong>br</strong> />

- Foi. As vacas não podem pastar fora no inverno. Então,<<strong>br</strong> />

para isso, corto e seco o feno durante o verão e outono. Isso<<strong>br</strong> />

também é um serviço muito importante para o criador de<<strong>br</strong> />

vacas.<<strong>br</strong> />

- Quando o senhor me encontrou, estava fazendo esse<<strong>br</strong> />

serviço, não é?<<strong>br</strong> />

- Você se acostumou bem, hein?<<strong>br</strong> />

Tokuji observava, <strong>com</strong> carinho, as mãos de <strong>Natsu</strong>, que<<strong>br</strong> />

ordenhava a vaca.<<strong>br</strong> />

- Minha filha faleceu quando tinha sua idade. Apanhou<<strong>br</strong> />

uma gripe violenta e morreu de repente.<<strong>br</strong> />

- Ela morreu <strong>com</strong> oito anos?<<strong>br</strong> />

- Vendo você, parece que ela voltou para casa. Você é<<strong>br</strong> />

muito parecida <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />

- E sua esposa, quando...?<<strong>br</strong> />

- Foi logo em seguida... <strong>com</strong>o se fosse atrás da nossa<<strong>br</strong> />

filha. Menos de um ano depois da morte da menina, ela saiu<<strong>br</strong> />

de casa e, logo depois, fui avisado que ela tinha se atirado ao<<strong>br</strong> />

mar, da balsa que liga a ilha de Hokkaido à ilha de Honshu<<strong>br</strong> />

do arquipélago japonês. Seu corpo nunca foi encontrado...<<strong>br</strong> />

Mas agora ela deve estar feliz junto à nossa filha.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, não morra de jeito nenhum, aconteça o que<<strong>br</strong> />

- 154 -


acontecer. A morte pode ser boa para quem morre, mas você<<strong>br</strong> />

não imagina o quanto sofrem os que ficam... É um sacrilégio.<<strong>br</strong> />

- Por isso o senhor está sozinho até agora?<<strong>br</strong> />

-... Continue ordenhando.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ordenhava obedientemente, mas podia-se notar<<strong>br</strong> />

ainda uma certa insegurança. Mesmo assim, a vaca se<<strong>br</strong> />

entregava sem relutar aos cuidados de <strong>Natsu</strong>. A vaca era quem<<strong>br</strong> />

sabia melhor que <strong>Natsu</strong> se esforçara muito para aprender a<<strong>br</strong> />

ordenhar, sem machucá-la, sendo às vezes repreendida por<<strong>br</strong> />

Tokuji.<<strong>br</strong> />

- Um criador de vacas me ensinou muitas coisas e disse<<strong>br</strong> />

que criar vacas tem três vantagens: a primeira é que você não<<strong>br</strong> />

precisa baixar a cabeça para outras pessoas, a segunda é que<<strong>br</strong> />

não precisa mentir. E a terceira, é que dá saúde aos japoneses.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ruminava as palavras de Tokuji:<<strong>br</strong> />

- Dá saúde para o corpo dos japoneses...<<strong>br</strong> />

Mais do que <strong>com</strong>preender algo, <strong>Natsu</strong> sentiu que estava<<strong>br</strong> />

aprendendo algo muito importante nessa ocasião. Essas<<strong>br</strong> />

palavras influenciariam enormemente o futuro dela.<<strong>br</strong> />

Através da cortina, podia-se notar que já escurecia lá fora.<<strong>br</strong> />

No quarto de hotel, <strong>Haru</strong> lia as cartas de <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> a claridade<<strong>br</strong> />

do abajur e tirou os óculos, sorrindo.<<strong>br</strong> />

Quando leu que havia fugido de casa sem ter um destino,<<strong>br</strong> />

ficara pasma <strong>com</strong> a imprudência, mas por outro lado, ficara<<strong>br</strong> />

indignada <strong>com</strong> a tia. Porém, não existiam apenas infortúnios.<<strong>br</strong> />

- Mesmo quando estava levando uma vida árdua no Brasil,<<strong>br</strong> />

- 155 -


não teve um dia sequer em que eu deixasse de lem<strong>br</strong>ar de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>. Eu sentia meu coração dolorido, imaginando que ela<<strong>br</strong> />

estava chorando, solitária. Porém, graças a Deus, ela estava<<strong>br</strong> />

feliz... Ela era uma menina de sorte.<<strong>br</strong> />

- O fato de ela ter contraído tra<strong>com</strong>a e não ter podido ir<<strong>br</strong> />

para o Brasil pode ter sido sorte, e não azar.<<strong>br</strong> />

Yamato também achava que esse encontro estranho de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> Tokuji fora, mais do que uma coincidência, uma<<strong>br</strong> />

sorte muito grande que <strong>Natsu</strong> possuía desde que tinha nascido.<<strong>br</strong> />

- É verdade. Não sei <strong>com</strong>o foi a vida dela, mas agora é<<strong>br</strong> />

presidente de uma empresa grande. Em <strong>com</strong>paração, sua avó<<strong>br</strong> />

sempre teve azar. Eu trabalhei praticamente quase sem dormir,<<strong>br</strong> />

pois tínhamos que juntar dinheiro na primeira fazenda de café<<strong>br</strong> />

que trabalhamos, pois senão, não teríamos condições de ir<<strong>br</strong> />

buscar <strong>Natsu</strong>. Então, as verduras que plantamos, não eram só<<strong>br</strong> />

para o nosso consumo. Vendíamos aos demais colonos<<strong>br</strong> />

estrangeiros. Consegui chegar a esse ponto e, quando me senti<<strong>br</strong> />

um pouco aliviada, aconteceram seguidas desgraças. Sinto<<strong>br</strong> />

arrepios só de lem<strong>br</strong>ar, ainda hoje.<<strong>br</strong> />

A fisionomia tranqüila de <strong>Haru</strong> se transformara. Um<<strong>br</strong> />

acontecimento a fizera perder forças até para pegar o lápis<<strong>br</strong> />

para escrever cartas à <strong>Natsu</strong>, o que até então ocorria <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

assiduidade. O fato abalara <strong>Haru</strong> de tal forma que não<<strong>br</strong> />

conseguira reagir...<<strong>br</strong> />

"Desculpe-me <strong>Natsu</strong>. Você deve ter ficado triste,<<strong>br</strong> />

pois fiquei quase meio ano sem lhe enviar uma<<strong>br</strong> />

- 156 -


carta..."<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> lia a carta de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o se a devorasse. Deixava<<strong>br</strong> />

transparecer o cansaço do trabalho de um dia, mas não<<strong>br</strong> />

conseguia largar as cartas. Contrariando a imaginação de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, a família que estava no Brasil sofrerá muito. Tomava<<strong>br</strong> />

conhecimento, pela primeira vez, da realidade que sua família<<strong>br</strong> />

vivera desde que se separaram quando tinha sete anos.<<strong>br</strong> />

"Aconteceram tantas coisas tristes e difíceis, que<<strong>br</strong> />

nem tive tempo para escrever. Porém, estou muito<<strong>br</strong> />

preocupada, pois não recebi nenhuma carta sua.<<strong>br</strong> />

Você está bem? Você está lendo ao menos as cartas<<strong>br</strong> />

que estou lhe enviando? Quando parti do Japão...<<strong>br</strong> />

eu pensava que indo ao Brasil, só aconteceria coisas<<strong>br</strong> />

boas e que poderia escrever cartas alegres e felizes.<<strong>br</strong> />

Porém, tenho escrito somente coisas tristes, não é<<strong>br</strong> />

mesmo? Mas é que só acontecem desgraças, uma<<strong>br</strong> />

após outra... Shigeru ficou doente... "<<strong>br</strong> />

Entusiasmada, <strong>Haru</strong> corria, de manhã cedo, pela plantação<<strong>br</strong> />

de café, quase perdendo o fôlego. Pela claridade do céu devia<<strong>br</strong> />

ser quase a hora de tocar o sino, para o início do trabalho. De<<strong>br</strong> />

fato, quando entrou correndo em casa, Chûji, Minoru e os<<strong>br</strong> />

outros estavam se preparando para sair para o trabalho.<<strong>br</strong> />

- A esposa do colono para quem fui entregar verduras<<strong>br</strong> />

me convidou para tomar o café da manhã. Comi o pão que<<strong>br</strong> />

- 157 -


ela mesma fez. Estava muito gostoso. Por isso acabei<<strong>br</strong> />

demorando... - disse <strong>Haru</strong>, falando num fôlego só. Enfiou a<<strong>br</strong> />

mão no bolso e ficou remexendo.<<strong>br</strong> />

- Cadê a mamãe?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> entregou <strong>com</strong> alegria e orgulho o dinheiro que tirou<<strong>br</strong> />

do bolso para Shizu, que vinha do quarto dos fundos.<<strong>br</strong> />

- Vendi as verduras! Esse é o dinheiro... Vendi para três<<strong>br</strong> />

casas.<<strong>br</strong> />

No lugar de Shizu, Kiyo manifestou o seu apreço dirigindo<<strong>br</strong> />

um sorriso à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Eles elogiaram dizendo que estava gostoso... Disseram<<strong>br</strong> />

que nunca tinham <strong>com</strong>ido pepino... Ainda bem que trouxe a<<strong>br</strong> />

semente de pepino. Como cresce rápido, dá para <strong>com</strong>er logo...<<strong>br</strong> />

Finalmente, <strong>Haru</strong> notou a fisionomia preocupada de Shizu<<strong>br</strong> />

e olhou desconfiada para o quarto dos fundos.<<strong>br</strong> />

- Cadê o mano Shigeru?<<strong>br</strong> />

- Desde ontem à noite estava dizendo que estava <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

corpo lânguido. Dormiu sem jantar e hoje de manhã está <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

fe<strong>br</strong>e...<<strong>br</strong> />

Shizu estava apreensiva <strong>com</strong> a malária. Possuía apenas<<strong>br</strong> />

um conhecimento vago de que era uma doença temerosa, pois<<strong>br</strong> />

um colono japonês havia falecido há alguns dias.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se ajoelhou, próximo a Shigeru, que estava deitado<<strong>br</strong> />

numa cama no canto do quarto, e colocou levemente a mão<<strong>br</strong> />

na sua testa.<<strong>br</strong> />

- Mãe! A fe<strong>br</strong>e do Shigeru está muito alta! Podemos<<strong>br</strong> />

deixá-lo assim?<<strong>br</strong> />

- 158 -


Deveria ser o acúmulo de cansaço, desnutrição e calor,<<strong>br</strong> />

mas não havia outro jeito senão deixá-lo deitado.<<strong>br</strong> />

Para não atrasar o trabalho da fazenda, tanto Chûji <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

Shizu não poderiam ficar cuidando apenas de Shigeru. Yozo<<strong>br</strong> />

e Kiyo também precisavam ir trabalhar.<<strong>br</strong> />

Shigeru acenou a cabeça, querendo dizer que estava tudo<<strong>br</strong> />

bem para <strong>Haru</strong>, que estava a seu lado.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong> não se esforce demais... por mais que consiga<<strong>br</strong> />

ganhar dinheiro, se ficar doente, será o fim.<<strong>br</strong> />

-Mano...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se levantou relutantemente.<<strong>br</strong> />

Era fevereiro de 1935. Pleno verão no Brasil. Sob o sol<<strong>br</strong> />

escaldante, Chüji, Yozo, Minoru, Kiyo, Shizu e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

continuavam o trabalho de capinação.<<strong>br</strong> />

Aproveitando um pouco do tempo, <strong>Haru</strong> corria para cuidar<<strong>br</strong> />

da horta. O arroz de sequeiro havia espigado. Mais um mês e<<strong>br</strong> />

poderia ceifar o arroz.<<strong>br</strong> />

- Poderia espigar logo, para dar arroz <strong>br</strong>anco para o mano.<<strong>br</strong> />

- Shigeru está doente?<<strong>br</strong> />

- Não é nada grave. Está apenas <strong>com</strong> fe<strong>br</strong>e alta...<<strong>br</strong> />

Takuya, que estava apreciando o arroz de sequeiro da<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, ficou sério e perguntou:<<strong>br</strong> />

- Como? Não se pode fazer pouco caso de fe<strong>br</strong>e alta.<<strong>br</strong> />

Deveriam chamar o médico...<<strong>br</strong> />

- Há médico na fazenda...?<<strong>br</strong> />

- Não, tem um perto da estação... Se pedir, parece que<<strong>br</strong> />

ele vem até aqui.<<strong>br</strong> />

- 159 -


- Impossível. É muito longe... Amanhã, levarei verduras<<strong>br</strong> />

na casa do colono que cria galinha e trocarei <strong>com</strong> uns ovos<<strong>br</strong> />

para alimentar Shigeru.<<strong>br</strong> />

Shigeru era um irmão gentil e sensível.<<strong>br</strong> />

Logo que os sinos da tarde tocaram, Shizu e Chûji, vindos<<strong>br</strong> />

do outro extremo da fazenda, caminhavam apressadamente<<strong>br</strong> />

para chegarem logo em casa, carregando os instrumentos<<strong>br</strong> />

agrícolas, passando pelos colonos que caminhavam na frente.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> colhera tomates maduros da horta. Queria dar para<<strong>br</strong> />

Shigeru e envolvia-os cuidadosamente no avental, para não<<strong>br</strong> />

amassarem.<<strong>br</strong> />

Shigeru, <strong>com</strong> quem ainda trocara algumas palavras de<<strong>br</strong> />

manhã, já estava inconsciente por causa da fe<strong>br</strong>e alta. Estava<<strong>br</strong> />

em estado de <strong>com</strong>a.<<strong>br</strong> />

- Shigeru! Shigeru! - Shizu chamava desesperadamente<<strong>br</strong> />

o nome do filho.<<strong>br</strong> />

- Shigeru, <strong>com</strong>o está? - Chûji o sacudiu, mas Shigeru<<strong>br</strong> />

não reagia.<<strong>br</strong> />

- Os tomates já estão maduros! Dê para o Shigeru <strong>com</strong>er!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> entrou correndo, mas ficou paralisada <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

ambiente pesado da casa. Além dos familiares, estavam Heizo,<<strong>br</strong> />

pai de Takuya e Kurita. Os dois estavam calados e estavam<<strong>br</strong> />

também em volta da cama de Shigeru, <strong>com</strong> Shizu e Chûji.<<strong>br</strong> />

Isso aumentou a preocupação de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Kurita fez sinal para Chûji <strong>com</strong> o olhar, afastando-se de<<strong>br</strong> />

Shigeru e informando em voz baixa:<<strong>br</strong> />

- Com certeza é malária.<<strong>br</strong> />

- 160 -


- O que é que se pode fazer?<<strong>br</strong> />

- Do jeito que está, já não podemos fazer mais nada.<<strong>br</strong> />

Re<strong>com</strong>endo que chame o médico...<<strong>br</strong> />

- E onde tem um médico?<<strong>br</strong> />

- Tem um perto da estação...<<strong>br</strong> />

- Perto da estação? Mas, são quase vinte quilômetros até<<strong>br</strong> />

lá... Ele virá?<<strong>br</strong> />

- Posso estar sendo cruel, mas acho que não adiantaria<<strong>br</strong> />

muito consultar o médico... Eu já vi muitos doentes <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

malária... Acho que é perda de tempo o sacrifício de chamar<<strong>br</strong> />

o médico de tão longe... Além disso, terão que pagar uma<<strong>br</strong> />

quantia exorbitante pela consulta. Mas, se os senhores<<strong>br</strong> />

quiserem chamar o médico mesmo assim, é melhor fazê-lo...<<strong>br</strong> />

Ele é filho de vocês...<<strong>br</strong> />

Diante do diagnóstico de Kurita que não inspirava<<strong>br</strong> />

qualquer esperança, Chûji se calou.<<strong>br</strong> />

- Perdoe-me por não poder ajudá-lo. Ah, se quiser chamar<<strong>br</strong> />

o médico, chame sem cerimônia.<<strong>br</strong> />

- Vamos pedir para que alguém vá a cavalo. - Shizu<<strong>br</strong> />

implora a Chûji e se certifica <strong>com</strong> Kurita:<<strong>br</strong> />

- Será que não adianta mesmo pedir para o médico vir?<<strong>br</strong> />

- Sinto muito, mas não sou médico. Disse aquilo pela<<strong>br</strong> />

experiência que tive até agora. Pode ser que aconteça um<<strong>br</strong> />

milagre. É melhor fazer o que manda o seu coração... Estimo<<strong>br</strong> />

as melhoras...<<strong>br</strong> />

Kurita vai embora <strong>com</strong>o se estivesse recuando. Shizu<<strong>br</strong> />

despede-se dele, e implora novamente a Chûji:<<strong>br</strong> />

- 161 -


- Chame o médico, por favor!<<strong>br</strong> />

- Eu também quero fazer o melhor. Não quero abandonálo.<<strong>br</strong> />

Conheço, porém, o horror da malária. Tenho pena, mas<<strong>br</strong> />

do jeito que ele está, acho que não há mais nada a fazer. -<<strong>br</strong> />

disse Chûji, desabafando suas mágoas.<<strong>br</strong> />

- Por favor, chame o médico imediatamente!... - interveio<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, mal conseguindo acreditar. Era impossível o pai desistir<<strong>br</strong> />

do irmão daquela forma.<<strong>br</strong> />

Se o médico pudesse curá-lo, Chûji faria qualquer<<strong>br</strong> />

sacrifício. Contudo, mesmo aos olhos de Chûji, eram mínimas<<strong>br</strong> />

as chances de Shigeru se salvar.<<strong>br</strong> />

- É melhor nos conformarmos, acreditando que esta era<<strong>br</strong> />

a sina de Shigeru...<<strong>br</strong> />

Não suportando mais, Minoru protestou contra as palavras<<strong>br</strong> />

do pai:<<strong>br</strong> />

- O senhor quer dizer que não dá para desperdiçar dinheiro<<strong>br</strong> />

por alguém que vai morrer?<<strong>br</strong> />

- Mesmo sabendo que não teria jeito, se eu tivesse<<strong>br</strong> />

dinheiro, gostaria que o médico o examinasse. Eu faria isso...<<strong>br</strong> />

Mas a questão é que não temos esse dinheiro. Mesmo que<<strong>br</strong> />

Shigeru não so<strong>br</strong>eviva, se chamarmos o médico, ele vai co<strong>br</strong>ar<<strong>br</strong> />

a consulta. Nós, que estamos vivos é que vamos sofrer <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

aumento da dívida.<<strong>br</strong> />

Eles não sabiam quando e <strong>com</strong>o precisariam de dinheiro.<<strong>br</strong> />

Mesmo que a doença de Shigeru não tivesse acontecido,<<strong>br</strong> />

faltava dinheiro para so<strong>br</strong>eviver, pois mal conseguiam se<<strong>br</strong> />

manter.<<strong>br</strong> />

- 162 -


Na cabeceira do filho que gemia <strong>com</strong> a fe<strong>br</strong>e alta, Chüji,<<strong>br</strong> />

cabisbaixo, não cansava de pedir perdão:<<strong>br</strong> />

- Shigeru, perdoe-me! Devido à minha falta de<<strong>br</strong> />

capacidade, acabei trazendo você para um lugar <strong>com</strong>o este...<<strong>br</strong> />

É minha responsabilidade. Não tenho <strong>com</strong>o lhe pedir<<strong>br</strong> />

desculpas. - disse Chûji, soluçando.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> sai calada do local e, ao sair de casa, <strong>com</strong>eça a correr.<<strong>br</strong> />

- Como está seu irmão?<<strong>br</strong> />

Takuya vinha atrás. Ele percebera que algo estava<<strong>br</strong> />

acontecendo.<<strong>br</strong> />

- Vou chamar o médico...<<strong>br</strong> />

-<strong>Haru</strong>...?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava perfeitamente ciente de que a família não<<strong>br</strong> />

tinha dinheiro para pagar o médico. Entretanto, isso seria<<strong>br</strong> />

muito cruel para Shigeru. Se por acaso houvesse alguma<<strong>br</strong> />

esperança de salvá-lo, deveria fazer o que estivesse ao seu<<strong>br</strong> />

alcance. Se Shigeru morresse assim, <strong>Haru</strong> se arrependeria,<<strong>br</strong> />

pelo resto da vida.<<strong>br</strong> />

- Entendi, eu vou <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> observou Takuya <strong>com</strong>o se tivesse ouvido algo<<strong>br</strong> />

estranho.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o você é imprudente. Já escureceu e você<<strong>br</strong> />

pensa em caminhar nessa escuridão...<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

Na cabeça de <strong>Haru</strong> só havia a idéia de ir chamar o médico.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>eçou a caminhar em direção à cidade, que ficava a<<strong>br</strong> />

20 km, na <strong>com</strong>panhia de Takuya, um jovem cavalheiro que<<strong>br</strong> />

- 163 -


inspirava confiança.<<strong>br</strong> />

Chegando na cidade ao alvorecer, <strong>Haru</strong> e Takuya<<strong>br</strong> />

procuraram pela casa do médico. Ao encontrar a placa escrita<<strong>br</strong> />

em português, Takuya disse: "É aqui" e <strong>com</strong>eçou a bater na<<strong>br</strong> />

porta. Não era horário para atender pacientes. O próprio<<strong>br</strong> />

médico atendeu a porta, desconfiado.<<strong>br</strong> />

- É um caso urgente. Venha conosco, por favor. - Takuya<<strong>br</strong> />

explicava num português trôpego.<<strong>br</strong> />

O médico olhou para <strong>Haru</strong> e Takuya, parecendo um pouco<<strong>br</strong> />

assustado, e entrou dentro de casa, dizendo: "Esperem um<<strong>br</strong> />

pouco".<<strong>br</strong> />

-Ele irá...?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não entendeu o diálogo em português, trocado entre<<strong>br</strong> />

Takuya e o médico.<<strong>br</strong> />

- Não sei muito bem se ele entendeu ou não...<<strong>br</strong> />

Takuya não estava muito seguro. <strong>Haru</strong> caiu sentada no<<strong>br</strong> />

lugar onde estavam, toda desanimada.<<strong>br</strong> />

- É muito difícil não ter dinheiro. Não se pode andar nem<<strong>br</strong> />

de carro, nem de carroça...<<strong>br</strong> />

- Apesar de tudo, pode ser que ele não atenda se o colono<<strong>br</strong> />

for japonês...<<strong>br</strong> />

Uma charrete se aproximou. O médico já estava nela e<<strong>br</strong> />

gritava algo em português, dirigindo-se para <strong>Haru</strong>, que estava<<strong>br</strong> />

assustada.<<strong>br</strong> />

Takuya empurrou <strong>Haru</strong>, que estava sem palavras.<<strong>br</strong> />

- Ele está falando para subir na charrete.<<strong>br</strong> />

Os dois subiram correndo. O médico incitou os cavalos a<<strong>br</strong> />

- 164 -


grito e a charrete <strong>com</strong>eçou a se movimentar. O campo em<<strong>br</strong> />

que haviam caminhado há algumas horas era percorrido pela<<strong>br</strong> />

charrete em velocidade máxima, guiados apenas pelo luar.<<strong>br</strong> />

Ao chegar em frente à casa dos Takakura, <strong>Haru</strong>, sem poder<<strong>br</strong> />

esperar o cavalo parar, saltou da charrete e entrou correndo<<strong>br</strong> />

no quarto onde Shigeru dormia.<<strong>br</strong> />

- O médico chegou!<<strong>br</strong> />

Em volta da cama de Shigeru estavam Chûji, Shizu,<<strong>br</strong> />

Minoru, Yozo, Kiyo, e também, Heizo. So<strong>br</strong>e o prato na<<strong>br</strong> />

cabeceira, o tomate vermelho que <strong>Haru</strong> havia colhido ainda<<strong>br</strong> />

estava intacto.<<strong>br</strong> />

- Onde você estava? - perguntou Shizu, triste, <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

olhos vermelhos e inchados.<<strong>br</strong> />

- Fui buscar o médico...<<strong>br</strong> />

- Médico? - disse Chûji, levantando-se afobado e Yozo<<strong>br</strong> />

falou vagarosamente para <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />

- Shigeru acabou de falecer.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> voltou seu olhar para a cama e Shigeru parecia<<strong>br</strong> />

dormir tranqüilamente, sem gemidos de fe<strong>br</strong>e.<<strong>br</strong> />

Takuya entrou no quarto a<strong>com</strong>panhado do médico, um<<strong>br</strong> />

pouco atrasado. O médico examinou Shigeru e, sem palavras,<<strong>br</strong> />

balançou a cabeça negativamente, <strong>com</strong> ares de pesar.<<strong>br</strong> />

- Ele morreu mesmo?<<strong>br</strong> />

Embora não entendesse japonês, o médico <strong>com</strong>preendeu<<strong>br</strong> />

o sentimento de <strong>Haru</strong>. Ele colocou a mão em seu om<strong>br</strong>o,<<strong>br</strong> />

tentando consolá-la e explicou em português:<<strong>br</strong> />

- Era malária. Foi uma pena que não chegamos a tempo.<<strong>br</strong> />

- 165 -


- Ninguém pediu para chamar o médico! Onde vamos<<strong>br</strong> />

arranjar dinheiro para pagar a consulta? Agora vamos ter que<<strong>br</strong> />

fazer mais dívidas! - falou Chûji, <strong>com</strong> voz fanhosa e cheia<<strong>br</strong> />

de lágrimas, repreendendo <strong>Haru</strong>, que trouxera o médico sem<<strong>br</strong> />

pedir permissão.<<strong>br</strong> />

- Pensei que se o médico examinasse Shigeru e desse<<strong>br</strong> />

remédio, ele poderia se salvar...<<strong>br</strong> />

Heizo, que conversava <strong>com</strong> o médico, virou-se para Chûji.<<strong>br</strong> />

- O médico lamenta, dizendo que se ele tivesse sido<<strong>br</strong> />

chamado antes, quem sabe, poderia tê-lo salvo.<<strong>br</strong> />

O médico continuou a falar em português <strong>com</strong> Heizo.<<strong>br</strong> />

- Não precisam pagar a consulta. Eu vim porque fiquei<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ovido <strong>com</strong> o esforço daqueles meninos, que caminharam<<strong>br</strong> />

de tão longe para me pedir que atendesse a um doente. Não<<strong>br</strong> />

quero receber nada.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado. Seremos gratos pelo resto da vida.<<strong>br</strong> />

Agradecendo em português no lugar de Chûji e seus<<strong>br</strong> />

familiares, Heizo fez uma reverência profunda para o médico.<<strong>br</strong> />

Apesar de ser <strong>br</strong>asileiro, ele era totalmente diferente do<<strong>br</strong> />

administrador e do capataz da fazenda. O gesto humano do<<strong>br</strong> />

médico <strong>com</strong>overa a todos.<<strong>br</strong> />

- Por favor, não fique zangado <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Ao ouvir de Takuya o gesto gentil do médico, Chûji se<<strong>br</strong> />

calou. Nesse mesmo instante, <strong>Haru</strong> chorava convulsivamente<<strong>br</strong> />

na cabeceira de Shigeru.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me, Shigeru... Desculpe por não ter chegado<<strong>br</strong> />

a tempo... O Brasil foi realmente um lugar ruim para você,<<strong>br</strong> />

- 166 -


não é mesmo? Mas agora, você pode descansar. Não precisa<<strong>br</strong> />

mais trabalhar... Não precisa, também, <strong>com</strong>er coisas que não<<strong>br</strong> />

gosta. De agora em diante, faça livremente o que quiser.<<strong>br</strong> />

Descanse... Seja feliz no paraíso. - <strong>Haru</strong> falou soluçando.<<strong>br</strong> />

Shizu também chorava em silêncio.<<strong>br</strong> />

De repente, Kiyo, <strong>com</strong> a paciência esgotada, <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

chorar e a gritar descontrolada:<<strong>br</strong> />

- Chega! Se ficarmos aqui, vai ser a ruína de todos! Quero<<strong>br</strong> />

voltar para o Japão! Quero, não. Vou voltar!<<strong>br</strong> />

-Kiyo...!?<<strong>br</strong> />

- Que esperanças podemos ter neste lugar? Quantos anos<<strong>br</strong> />

dessa vida miserável teremos que viver para poder enxergar<<strong>br</strong> />

o futuro? Eu não quero! Não quero ficar aqui nem mais um<<strong>br</strong> />

dia!<<strong>br</strong> />

Diziam que o sofrimento do colono japonês ultrapassava<<strong>br</strong> />

o limite da paciência quando algum parente, descendente ou<<strong>br</strong> />

cônjuge falecia. Quando a morte vinha pela providência divina<<strong>br</strong> />

ou pelas regras da natureza, ainda era possível se conformar.<<strong>br</strong> />

O inconformismo chegava ao auge quando se desperdiçava<<strong>br</strong> />

uma vida que poderia ter sido salva, se tivessem levado o<<strong>br</strong> />

doente ao médico, ou tivessem-no tratado <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

alimentação nutritiva. Era exatamente o caso de Shigeru.<<strong>br</strong> />

Heizo se levantou, cambaleando <strong>com</strong>o um espírito<<strong>br</strong> />

perdido.<<strong>br</strong> />

- O tratamento dispensado aos colonos neste lugar é muito<<strong>br</strong> />

desumano. Se permanecermos aqui, estaremos presos às<<strong>br</strong> />

dividas e vamos ter que trabalhar <strong>com</strong>o escravos a vida inteira.<<strong>br</strong> />

- 167 -


- estava contendo sua voz, mas seus olhos diziam que ele<<strong>br</strong> />

estava decidido.<<strong>br</strong> />

- Nós é que fomos tolos em acreditar na propaganda<<strong>br</strong> />

enganosa da empresa de emigração. - Yozo falou num tom<<strong>br</strong> />

ríspido.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Haru</strong> e os demais embarcaram no navio de<<strong>br</strong> />

imigração em 1934, estava escrito nos folhetos de<<strong>br</strong> />

recrutamento de emigrantes para o Brasil, a seguinte frase:<<strong>br</strong> />

"Um paraíso para lavradores, <strong>com</strong> solo fértil e clima ameno.<<strong>br</strong> />

Não há impostos, nem é necessário adubar a terra". Havia<<strong>br</strong> />

anúncios que escreviam o nome "Brasil" utilizando<<strong>br</strong> />

ideogramas chineses que significavam "Dançar alegremente<<strong>br</strong> />

e permanecer".<<strong>br</strong> />

- Desde que chegamos aqui, tenho buscado informações<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e outras fazendas, mas nem todas são ruins <strong>com</strong>o essa.<<strong>br</strong> />

Existem fazendas em que, na medida do possível, querem<<strong>br</strong> />

empregar mais japoneses porque eles trabalham bem. Falando<<strong>br</strong> />

francamente, já não espero mais nada deste lugar. Pretendo<<strong>br</strong> />

ir embora...<<strong>br</strong> />

- Sr. Yamashita...? - falou Chûji, so<strong>br</strong>essaltado, fitando<<strong>br</strong> />

Heizo.<<strong>br</strong> />

- Não é coisa para se contar aos outros. O senhor também<<strong>br</strong> />

se conscientizou de que não há <strong>com</strong>o vencer na vida ficando<<strong>br</strong> />

nesta fazenda. Então, é melhor pensar em sair daqui o quanto<<strong>br</strong> />

antes.<<strong>br</strong> />

Yozo logo se sentiu atraído pela idéia, mas ainda assim,<<strong>br</strong> />

respondeu <strong>com</strong> cautela:<<strong>br</strong> />

- 168 -


- Nós também temos muita vontade de fugir daqui. Mas,<<strong>br</strong> />

ainda que façamos isso, não temos para onde ir. Além disso,<<strong>br</strong> />

um colono endividado não pode sair daqui. De que forma<<strong>br</strong> />

poderemos fugir se a vigilância é constante e rigorosa?<<strong>br</strong> />

- Posso arrumar um lugar onde nos acolherão. Se vocês<<strong>br</strong> />

quiserem mesmo fugir, dá-se um jeito.<<strong>br</strong> />

-E o senhor...?<<strong>br</strong> />

- Se vocês quiserem, podemos sair juntos... Eu prepararei<<strong>br</strong> />

a fuga.<<strong>br</strong> />

- Se for possível, eu gostaria de sair daqui... Um lugar<<strong>br</strong> />

que levou Shigeru a essa situação. Não gostaria de continuar<<strong>br</strong> />

mais neste lugar onde Shigeru morreu. Não consigo mais ficar<<strong>br</strong> />

aqui. - falou Shizu, ofegante e <strong>com</strong> a voz embargada.<<strong>br</strong> />

- Eu <strong>com</strong>preendo. Vocês são meus <strong>com</strong>panheiros.<<strong>br</strong> />

Viajamos juntos no mesmo navio que nos trouxe para cá e<<strong>br</strong> />

viemos para a mesma fazenda. Sabia que tinham o mesmo<<strong>br</strong> />

sentimento. Então, vamos fugir juntos...<<strong>br</strong> />

- Porém, é muito arriscado... E se nos pegarem?... Se<<strong>br</strong> />

levarmos uns tiros, não teremos o direito de reclamar. Eu<<strong>br</strong> />

não quero! - disse Chûji, que tinha que manter o equilí<strong>br</strong>io<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o chefe da família.<<strong>br</strong> />

- Então, vamos ficar aqui, e nos conformar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

destino...? - falou Yozo, num tom de censura.<<strong>br</strong> />

- Aqui também, se trabalharmos direito, poderemos ter<<strong>br</strong> />

uma vida <strong>com</strong>o a do Kurita. <strong>Haru</strong> está se esforçando para<<strong>br</strong> />

preparar a horta e já estamos colhendo verduras a ponto de<<strong>br</strong> />

vendê-las. Não sabemos o que acontecerá se formos para outra<<strong>br</strong> />

- 169 -


fazenda. Não acho que vale a pena fugir, arriscando tanto...<<strong>br</strong> />

- Shigeru morreu! Se continuarmos assim, Minoru e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

poderão ter o mesmo destino. Precisamos proteger pelo menos<<strong>br</strong> />

as crianças.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> colocou a mão nas costas de Shizu que, perturbada,<<strong>br</strong> />

se queixava para Chûji.<<strong>br</strong> />

- Tudo bem, mamãe. A vida deve ser igual em qualquer<<strong>br</strong> />

fazenda. Vamos ficar aqui. Eu vou me esforçar. Se nos<<strong>br</strong> />

tornarmos auto-suficientes, vamos conseguir guardar<<strong>br</strong> />

dinheiro...<<strong>br</strong> />

Com o ânimo de <strong>Haru</strong>, Chûji e também Heizo abaixaram<<strong>br</strong> />

a cabeça, sem poder dizer mais nada.<<strong>br</strong> />

- Voltarei para assistir ao funeral de Shigeru...<<strong>br</strong> />

Heizo desistiu de tentar persuadi-los e se retirou da casa<<strong>br</strong> />

dos Takakura em luto.<<strong>br</strong> />

Shizu continuou a chorar, agarrada ao corpo de Shigeru.<<strong>br</strong> />

Ela estava envergonhada por observar o sofrimento do próprio<<strong>br</strong> />

filho, sem nada ter feito e pedia perdão pela sua fraqueza em<<strong>br</strong> />

não ter podido cuidar dele.<<strong>br</strong> />

Contudo, não havia nada que pudesse ter feito. No meio<<strong>br</strong> />

do dilema de não poder avançar e nem recuar, o tempo passava<<strong>br</strong> />

devagar em meio ao desânimo.<<strong>br</strong> />

No dia seguinte, os colonos <strong>com</strong>eçaram a se movimentar,<<strong>br</strong> />

ao alvorecer. Da mesma forma que no dia anterior, o dia<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou <strong>com</strong> o trabalho de capinação. Por maior que fosse a<<strong>br</strong> />

infelicidade que tinha assolado a família de <strong>Haru</strong>, as ervas<<strong>br</strong> />

daninhas continuavam a crescer <strong>com</strong> muita força. Por mais<<strong>br</strong> />

- 170 -


que carpissem, voltavam logo a crescer.<<strong>br</strong> />

Comparada à vitalidade de crescimento das ervas<<strong>br</strong> />

daninhas, Chûji, Shizu e outros movimentavam a enxada sem<<strong>br</strong> />

forças, totalmente desanimados.<<strong>br</strong> />

Após o término do trabalho do dia, não havia mais sorrisos<<strong>br</strong> />

na familia Takakura, nem mesmo pelo fato de voltarem para<<strong>br</strong> />

casa.<<strong>br</strong> />

Mesmo cansada, <strong>Haru</strong> falou <strong>com</strong> Shizu, que estava<<strong>br</strong> />

preparando o jantar:<<strong>br</strong> />

- Mãe, eu vou até a estação onde fica a fazenda cujo<<strong>br</strong> />

endereço recebemos no Japão, para ver se chegou alguma<<strong>br</strong> />

carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Mas essa estação fica longe, e nem sabemos se chegou<<strong>br</strong> />

alguma carta ou não...<<strong>br</strong> />

- Mas, mesmo assim, vou até lá.<<strong>br</strong> />

-Não faça isso!<<strong>br</strong> />

Com a resposta severa de Shizu, aliás in<strong>com</strong>um, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

ficou desolada e saiu de casa para o quintal.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>, eu vou <strong>com</strong> você!<<strong>br</strong> />

Era Kiyo. Os olhos de <strong>Haru</strong> se iluminaram e balançou a<<strong>br</strong> />

cabeça em sinal de anuência.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Kiyo caminharam so<strong>br</strong>e os trilhos que pareciam<<strong>br</strong> />

não ter fim. Num país estranho onde não se conhecia nem a<<strong>br</strong> />

língua e nem a geografia, a estrada de ferro era o melhor<<strong>br</strong> />

guia.<<strong>br</strong> />

"Avante <strong>com</strong>patriotas cruzando os oceanos...<<strong>br</strong> />

Viva! Viva! Muitas vivas!"...<<strong>br</strong> />

- 171 -


Para terem forças e se animarem, cantavam o Hino de<<strong>br</strong> />

Despedida aos Patrícios que Emigram para o Brasil,<<strong>br</strong> />

balançando as mãos e trocando olhares. Passaram por algumas<<strong>br</strong> />

estações, e num campo sem nenhuma claridade, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

experimentou, pela primeira vez, dormir ao relento. Logo<<strong>br</strong> />

pegou no sono enrolada num cobertor <strong>com</strong> Kiyo.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apareceu no sonho de <strong>Haru</strong>. Ora chorava, ora ria.<<strong>br</strong> />

Ao despertar durante a noite, viu as estrelas reluzindo no céu<<strong>br</strong> />

do Brasil. Sentiu o calor do corpo de Kiyo, que dormia<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>açada a <strong>Haru</strong> de costas. Caiu novamente no sono.<<strong>br</strong> />

Finalmente avistaram a estação que procuravam.<<strong>br</strong> />

Confirmaram o nome da estação <strong>com</strong> o pedaço de papel que<<strong>br</strong> />

lhes foi entregue em Kobe. Era esta a estação. O cansaço de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e de Kiyo pareceu desaparecer de uma só vez. <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />

aproximou correndo do balcão e se dirigiu ao funcionário da<<strong>br</strong> />

estação:<<strong>br</strong> />

- Não chegou carta do Japão? Não chegou carta de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

Takakura?<<strong>br</strong> />

O funcionário da estação não entendia a língua japonesa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Kiyo também não entendiam o que o funcionário da<<strong>br</strong> />

estação estava falando. <strong>Haru</strong> foi a outro guichê e perguntou a<<strong>br</strong> />

mesma coisa:<<strong>br</strong> />

- Por favor, me diga! Por favor...<<strong>br</strong> />

- O que é que você está gritando?<<strong>br</strong> />

Quanto mais <strong>Haru</strong> insistia, mais o funcionário gritava em<<strong>br</strong> />

português, in<strong>com</strong>odado.<<strong>br</strong> />

Ela só queria as cartas e não sabia <strong>com</strong>o deveria perguntar<<strong>br</strong> />

- 172 -


para obter uma resposta.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, então, desatou a chorar.<<strong>br</strong> />

Ao voltar para a fazenda, <strong>Haru</strong> se dedicou mais do que<<strong>br</strong> />

antes à sua horta. Perdera Shigeru e não tinha notícias de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>. Mas, mesmo assim, o arroz de sequeiro estava<<strong>br</strong> />

crescendo e os tomates já estavam maduros o suficiente para<<strong>br</strong> />

serem colhidos.<<strong>br</strong> />

Takuya olhou para o céu, que estava escurecendo.<<strong>br</strong> />

- Talvez hoje não precise dar água. Parece que vai chover.<<strong>br</strong> />

- É... Vai ser bom se chover.<<strong>br</strong> />

- Ainda não se passou um ano desde que chegamos aqui<<strong>br</strong> />

e você já conseguiu fazer uma horta tão grande! Dá para<<strong>br</strong> />

entender porque você não quer sair daqui.<<strong>br</strong> />

- Vocês vão mesmo...?<<strong>br</strong> />

- Meu pai disse que não agüenta mais ficar neste lugar...<<strong>br</strong> />

Ele só queria aproveitar a oportunidade de vir para o Brasil e<<strong>br</strong> />

não quer mais saber de ser colono. Ele quer ser livre.<<strong>br</strong> />

Heizo também havia vindo para o Brasil acreditando no<<strong>br</strong> />

slogan da empresa de emigração que dizia que "trabalhando<<strong>br</strong> />

três anos numa fazenda de café, conseguia-se acumular<<strong>br</strong> />

capital." Contudo, era muito grande a diferença entre o sonho<<strong>br</strong> />

e a realidade e acabou perdendo as esperanças.<<strong>br</strong> />

- Então, vamos nos separar em <strong>br</strong>eve.<<strong>br</strong> />

- Não sei quando meu pai pretende fugir... Mas, saindo<<strong>br</strong> />

daqui, pode ser que não nos encontremos mais. O Brasil é<<strong>br</strong> />

imenso.<<strong>br</strong> />

- 173 -


- Eu lhe escrevo.<<strong>br</strong> />

- Não pode. Eu não posso mandar cartas para cá. Se eles<<strong>br</strong> />

souberem para onde nós fugimos, não sei o que eles fariam...<<strong>br</strong> />

- É difícil mesmo fugir daqui. Se tiver alguma coisa que<<strong>br</strong> />

eu possa fazer para ajudar, diga-me. Faço qualquer coisa.<<strong>br</strong> />

-Não quero envolvê-la. Não queremos causar problemas<<strong>br</strong> />

para quem vai ficar.<<strong>br</strong> />

- Vou sentir sua falta...<<strong>br</strong> />

Takuya era amigo de <strong>Haru</strong> e entendia seus pensamentos.<<strong>br</strong> />

Não poderia mais ouvir a sua gaita e, não tendo <strong>com</strong>o <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />

uma lem<strong>br</strong>ança de despedida, <strong>Haru</strong> colheu um tomate maduro<<strong>br</strong> />

e ofereceu para Takuya.<<strong>br</strong> />

- Coma.<<strong>br</strong> />

- Não, eu não quero. Vamos levar <strong>com</strong>o oferenda a<<strong>br</strong> />

Shigeru.<<strong>br</strong> />

Shigeru estava enterrado no cemitério público que ficava<<strong>br</strong> />

num canto da fazenda. Parecia uma estupa, pois várias tábuas<<strong>br</strong> />

estreitas e <strong>com</strong>pridas estavam alinhadas. Sob um desses<<strong>br</strong> />

túmulos novos descansava Shigeru.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> colocou o tomate em frente à placa de madeira <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

o nome de Shigeru.<<strong>br</strong> />

-Meu irmão Shigeru está descansando aqui. É muito triste<<strong>br</strong> />

abandoná-lo aqui.<<strong>br</strong> />

- Sim, é verdade.<<strong>br</strong> />

Takuya, em <strong>br</strong>eve, fugirá e não deverá mais visitar este<<strong>br</strong> />

túmulo. <strong>Haru</strong> e Takuya juntam as palmas das mãos em frente<<strong>br</strong> />

ao túmulo de Shigeru.<<strong>br</strong> />

- 174 -


- Ai! - grita <strong>Haru</strong>, por causa da chuva que <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

cair.<<strong>br</strong> />

Sem terem notado, o céu estava coberto de nuvens negras<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong>eçara a chover granizo de vários centímetros, que caíam<<strong>br</strong> />

no chão fazendo barulho.<<strong>br</strong> />

- É granizo! Vamos nos a<strong>br</strong>igar.<<strong>br</strong> />

Takuya e <strong>Haru</strong> se refugiaram debaixo do galho de uma<<strong>br</strong> />

grande árvore. <strong>Haru</strong> observou apavorada, os granizos que<<strong>br</strong> />

caíam, fazendo tremer tudo em volta. <strong>Haru</strong> estava muito<<strong>br</strong> />

insegura.<<strong>br</strong> />

Quando a chuva de granizo parou, <strong>Haru</strong> saiu correndo<<strong>br</strong> />

para a horta. O arroz de sequeiro e também as verduras<<strong>br</strong> />

estavam todas destruídas pelo granizo, que se acumulava<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e as plantas. Estavam <strong>com</strong>pletamente dizimadas.<<strong>br</strong> />

Durante quase um ano, aproveitara os intervalos de<<strong>br</strong> />

trabalho da fazenda, economizando as horas de refeições, e<<strong>br</strong> />

em poucos minutos, todo o esforço de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> a horta era<<strong>br</strong> />

destruído.<<strong>br</strong> />

No cafezal, Chûji e os demais também estavam atônitos<<strong>br</strong> />

observando os granizos caídos, que mais pareciam pedaços<<strong>br</strong> />

de açúcar cristalizado. O céu tinha dado uma reviravolta e<<strong>br</strong> />

agora estava límpido.<<strong>br</strong> />

- Que lugar incrível é o Brasil! Nunca vi granizos deste<<strong>br</strong> />

tamanho!<<strong>br</strong> />

Após inspecionar os arredores, Yozo retornou abismado.<<strong>br</strong> />

- Os cafeeiros do outro lado também estão bastante<<strong>br</strong> />

danificados. Também, <strong>com</strong> essa chuva de granizos... Desse<<strong>br</strong> />

- 175 -


jeito, não podemos ter esperanças, tampouco nesta safra. Se<<strong>br</strong> />

não pudermos colher café, o que será de nós?<<strong>br</strong> />

- Não é possível... Nós demos nosso suor e sangue na<<strong>br</strong> />

capinação e no cuidado dos cafeeiros.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> apareceu caminhando desiludida, aparentando todo<<strong>br</strong> />

o seu desalento.<<strong>br</strong> />

- A horta foi <strong>com</strong>pletamente destruída pela chuva de<<strong>br</strong> />

granizos. Acabou-se tudo.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> parecia ter perdido toda sua vitalidade e força, ao<<strong>br</strong> />

sentar-se no chão.<<strong>br</strong> />

- Papai, o senhor estava tão feliz em poder <strong>com</strong>er arroz...<<strong>br</strong> />

Não podemos mais vender verduras também. Pensava que,<<strong>br</strong> />

assim, podíamos pagar a dívida, mesmo que fosse aos poucos.<<strong>br</strong> />

Agora, não dá mais. No ano que vem, só vão aumentar as<<strong>br</strong> />

dívidas... Desse jeito, nunca vamos conseguir juntar dinheiro<<strong>br</strong> />

para voltar para o Japão. Vamos ter que ficar para sempre<<strong>br</strong> />

nesta fazenda, presos à dívida. Vamos fugir, papai... Ficando<<strong>br</strong> />

aqui, não vai acontecer nada de bom.<<strong>br</strong> />

Era a primeira vez que <strong>Haru</strong> se queixava de forma chorosa.<<strong>br</strong> />

Chûji estava atordoado, observando o cafeeiro sem conseguir<<strong>br</strong> />

reagir. <strong>Haru</strong> reclamou para o pai <strong>com</strong> muita veemência:<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong> está à nossa espera no Japão. Nós lhe dissemos<<strong>br</strong> />

que voltaríamos em três anos, que iríamos buscá-la... Desse<<strong>br</strong> />

jeito não vai dar para voltarmos para o Japão. Vamos fugir<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a família de Takuya. Vamos, pai!<<strong>br</strong> />

Fugir da fazenda enquanto o contrato ainda estava em<<strong>br</strong> />

vigor... Chüji pensava no perigo que correriam, lem<strong>br</strong>ando-<<strong>br</strong> />

- 176 -


se do episódio em que a arma tinha sido apontada para eles<<strong>br</strong> />

pelo capataz de plantão.<<strong>br</strong> />

Além do mais, a fuga noturna poderia causar um confronto<<strong>br</strong> />

entre o fazendeiro e os colonos, levando a um derramamento<<strong>br</strong> />

de sangue. Dentro da fazenda, havia um guarda noturno<<strong>br</strong> />

munido de arma, fazendo ronda a noite toda. Tratava-se de<<strong>br</strong> />

uma precaução contra a fuga. Sem dúvida alguma, haveria<<strong>br</strong> />

risco de vida.<<strong>br</strong> />

Comparando <strong>com</strong> o período inicial da imigração, a fuga<<strong>br</strong> />

de colonos japoneses nos anos 30, já havia diminuído bastante,<<strong>br</strong> />

pela melhoria do sistema de trabalho. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />

continuavam existindo administradores arrogantes, e assim,<<strong>br</strong> />

terem sido enviados para uma dessas fazendas era um sinal<<strong>br</strong> />

de azar.<<strong>br</strong> />

Depois de ter suportado todas as agruras de economizar<<strong>br</strong> />

na alimentação, passado dia após dia executando trabalhos<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>açais, fazendo cultivo intercalado, enfrentado uma<<strong>br</strong> />

catástrofe da natureza <strong>com</strong>o a chuva de granizo, vislum<strong>br</strong>ado<<strong>br</strong> />

uma luz no final do túnel e depois vê-la apagada, era mais do<<strong>br</strong> />

que podiam agüentar.<<strong>br</strong> />

Apesar de estar sentada numa cadeira confortável, cercada<<strong>br</strong> />

de móveis só<strong>br</strong>ios na sua residência, o rosto de <strong>Natsu</strong>, que lia<<strong>br</strong> />

a carta de <strong>Haru</strong>, era de tristeza.<<strong>br</strong> />

Antes de <strong>com</strong>pletar um ano após a despedida em Kobe,<<strong>br</strong> />

Shigeru havia falecido. Sofreram <strong>com</strong> o granizo que destruíra<<strong>br</strong> />

toda a produção agrícola em questão de minutos.<<strong>br</strong> />

- 177 -


- Eu vivia <strong>com</strong> inveja de <strong>Haru</strong>. Cheguei a ficar <strong>com</strong> raiva<<strong>br</strong> />

dela, achando que ela estava feliz no Brasil e tinha se<<strong>br</strong> />

esquecido de mim. Nem imaginava que ela estava levando<<strong>br</strong> />

uma vida tão sofrida... - murmurou <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não sabia que a senhora tinha sofrido tanto no Brasil.<<strong>br</strong> />

Quando Yamato atingira a idade da razão, a família<<strong>br</strong> />

Takakura já era grande e levava uma vida estável e normal<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o as demais.<<strong>br</strong> />

- São histórias que não adianta ficar contando para os<<strong>br</strong> />

jovens de hoje.<<strong>br</strong> />

- E vocês fugiram da primeira fazenda? Fugiram mesmo,<<strong>br</strong> />

vovó?<<strong>br</strong> />

Em meio às lem<strong>br</strong>anças do temor, da escuridão, do vigia<<strong>br</strong> />

noturno armado e da despedida, <strong>Haru</strong> voltou os olhos para o<<strong>br</strong> />

passado, <strong>com</strong> o semblante carregado de tristeza.<<strong>br</strong> />

- 178 -


Capítulo III<<strong>br</strong> />

Ao Novo Mundo<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> recordou <strong>com</strong> amargura o episódio da noite em que<<strong>br</strong> />

arriscara a vida.<<strong>br</strong> />

- Ao invés de voltar para o Japão em três anos, a dívida só<<strong>br</strong> />

acumulava. Nós fomos tolos em termos sido ludi<strong>br</strong>iados pela<<strong>br</strong> />

falácia de que no Brasil havia árvores que davam dinheiro. Quando<<strong>br</strong> />

percebemos, já estávamos atolados na lama... Eu estava<<strong>br</strong> />

impaciente em cumprir a promessa que fizera à <strong>Natsu</strong> de voltarmos<<strong>br</strong> />

em três anos, <strong>com</strong> dinheiro suficiente para podermos levar uma<<strong>br</strong> />

vida digna. Estávamos crentes que <strong>Natsu</strong> estava sofrendo na casa<<strong>br</strong> />

do tio em Hokkaido, à nossa espera...<<strong>br</strong> />

"Se"... Por mais que os pensamentos se voltassem para o<<strong>br</strong> />

passado, não havia <strong>com</strong>o corrigir os erros <strong>com</strong>etidos. Mesmo<<strong>br</strong> />

sabendo disso, continuava a pensar: "Se tivesse lido as cartas de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>..."<<strong>br</strong> />

Se soubessem que <strong>Natsu</strong> tivera um encontro feliz <strong>com</strong> Tokuji,<<strong>br</strong> />

o criador de vacas, não teriam fugido da primeira fazenda, por<<strong>br</strong> />

mais que a situação fosse difícil, arriscando as próprias vidas.<<strong>br</strong> />

- Perdemos Shigeru devido à malária, e também o arroz e as<<strong>br</strong> />

verduras da horta <strong>com</strong> a chuva de granizo. Achamos que era<<strong>br</strong> />

melhor fugir do que continuar naquela fazenda onde não víamos<<strong>br</strong> />

nenhum futuro, mesmo que morrêssemos caso nos desco<strong>br</strong>issem.<<strong>br</strong> />

Mas agora, ao recordar, tenho calafrios ao lem<strong>br</strong>ar o que fizemos.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, o pensamento de que isso era pelo bem de <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

- 179 -


que estava no Japão, era mais forte.<<strong>br</strong> />

- Se encontrasse <strong>com</strong> a dona <strong>Natsu</strong> mais uma vez, e contasse<<strong>br</strong> />

tudo isso, será que ela não <strong>com</strong>preenderia?<<strong>br</strong> />

- Deixe para lá... Nada poderá apagar o ressentimento que<<strong>br</strong> />

ela tem de ter sido deixada para trás e abandonada por nós no<<strong>br</strong> />

Japão.<<strong>br</strong> />

- Se ao menos a dona <strong>Natsu</strong> lesse as cartas que a vovó disse<<strong>br</strong> />

que enviara do Brasil, ela teria a chance de acreditar nos seus<<strong>br</strong> />

próprios sentimentos e em tudo o que vocês sofreram naquela<<strong>br</strong> />

época.<<strong>br</strong> />

-Não há razões para que essas cartas ainda existam.<<strong>br</strong> />

- Mas as cartas da dona <strong>Natsu</strong> foram encontradas. Talvez<<strong>br</strong> />

as suas também estejam em algum lugar.<<strong>br</strong> />

Yamato queria ajudar sua avó. Nas cartas de <strong>Natsu</strong> havia<<strong>br</strong> />

alguma vi<strong>br</strong>ação que tocava o coração de Yamato.<<strong>br</strong> />

Alegre <strong>com</strong> a boa vontade do neto, <strong>Haru</strong>, porém, não tinha<<strong>br</strong> />

esperança de que um milagre poderia acontecer...<<strong>br</strong> />

Entretanto, não se tratava de um milagre. As cartas de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

haviam sido encontradas, apesar de terem decorrido 70 anos até<<strong>br</strong> />

que chegassem nas mãos de sua destinatária, a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Os olhos de <strong>Natsu</strong> se enchiam de lágrimas ao ler as cartas.<<strong>br</strong> />

-Não esqueceram de mim... Por minha causa...<<strong>br</strong> />

Não tinha <strong>com</strong>o expressar o resto em palavras. <strong>Haru</strong>, seu<<strong>br</strong> />

pai, sua mãe, todos arriscaram as suas próprias vidas por ela.<<strong>br</strong> />

"Se continuarmos a trabalhar aqui durante três<<strong>br</strong> />

- 180 -


anos e pudermos voltar para o Japão, para junto de<<strong>br</strong> />

você, <strong>Natsu</strong>, agüentaríamos qualquer sofrimento.<<strong>br</strong> />

Mas, permanecendo nesta fazenda, não temos <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

ir buscá-la. Por isso decidimos fugir. "<<strong>br</strong> />

O sol se punha no horizonte da terra roxa do Brasil. Na<<strong>br</strong> />

fazenda, podia-se ver a mesma paisagem ao entardecer de todos<<strong>br</strong> />

os dias... Os colonos caminhando em direção às suas respectivas<<strong>br</strong> />

casas, levando nos om<strong>br</strong>os os instrumentos agrícolas.<<strong>br</strong> />

Era uma noite do mês de fevereiro de 1935.<<strong>br</strong> />

Heizo Yamashita estava na casa dos Takakura, seus vizinhos.<<strong>br</strong> />

Tratava-se aparentemente de uma cena trivial do cotidiano.<<strong>br</strong> />

Os adultos, Chûji, Shizu, Yozo e Kiyo, ouviam atentamente<<strong>br</strong> />

as palavras de Heizo.<<strong>br</strong> />

- Sr. Takakura, sentimo-nos fortalecidos porque o senhor e<<strong>br</strong> />

os seus decidiram sair daqui também. Juntos, ajudando um ao<<strong>br</strong> />

outro, conseguiremos escapar daqui.<<strong>br</strong> />

- Mas, mesmo saindo daqui, não teremos para onde ir...<<strong>br</strong> />

-Deixe <strong>com</strong>igo. Tenho muitos <strong>com</strong>panheiros japoneses, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

quem tenho mantido contatos desde que chegamos aqui. Há um<<strong>br</strong> />

lugar que reúne cerca de 20 famílias de japoneses que<<strong>br</strong> />

des<strong>br</strong>avaram terras virgens arrendadas de um grande fazendeiro<<strong>br</strong> />

americano. Plantam algodão, batatinhas e outros produtos. Eles<<strong>br</strong> />

podem ajudar os que fugiram da vida de colono.<<strong>br</strong> />

-Não é uma fazenda de colonos?<<strong>br</strong> />

-Não. Basta pagar o aluguel ao arrendador, e o que se colhe<<strong>br</strong> />

é livre. Como os japoneses são diligentes e honestos, produzem<<strong>br</strong> />

- 181 -


<strong>com</strong> seriedade e pagam pontualmente, gozando da confiança do<<strong>br</strong> />

proprietário, que é americano. Há garantias de que receberá os<<strong>br</strong> />

japoneses <strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />

- Isso é muito animador.<<strong>br</strong> />

Chûji e Yozo se entreolharam, <strong>com</strong> alívio.<<strong>br</strong> />

- O senhor também vai para lá? - Shizu indagou.<<strong>br</strong> />

Heizo respondeu, um pouco cansado:<<strong>br</strong> />

- Não. Para mim, já chega de agricultura. Quando eu me<<strong>br</strong> />

inscrevi <strong>com</strong>o imigrante, pretendia, depois de trabalhar durante<<strong>br</strong> />

três anos na fazenda e juntar dinheiro, montar uma fá<strong>br</strong>ica em<<strong>br</strong> />

São Paulo <strong>com</strong> esses recursos. Já desco<strong>br</strong>i, porém, que não<<strong>br</strong> />

adianta mais trabalhar <strong>com</strong>o colono, pois não será possível<<strong>br</strong> />

economizar. De qualquer modo, irei para Santos... Trata-se de<<strong>br</strong> />

uma cidade portuária, e pretendo juntar dinheiro trabalhando <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

estivador.<<strong>br</strong> />

Se o imigrante não se importasse <strong>com</strong> a lavoura ou seu futuro,<<strong>br</strong> />

o trabalho de estivador ou em o<strong>br</strong>as eram os que mais rendiam<<strong>br</strong> />

de imediato.<<strong>br</strong> />

-Huum, então existe essa alternativa? Será que posso ir para<<strong>br</strong> />

Santos também?<<strong>br</strong> />

Chüji chamou a atenção de Yozo, que falara de uma forma<<strong>br</strong> />

despreocupada.<<strong>br</strong> />

-Não fale bobagens. O trabalho de estivador é pesado, e<<strong>br</strong> />

quem sabe se existe mesmo trabalho por lá.<<strong>br</strong> />

O Brasil era um país agraciado pela natureza. Tornar-se<<strong>br</strong> />

grande fazendeiro não era um mero sonho, desde que tivesse<<strong>br</strong> />

terra e houvesse esforço.<<strong>br</strong> />

- 182 -


Até mesmo Heizo, que não tinha conhecimento so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

agricultura, reconhecia tal fato.<<strong>br</strong> />

- Sairemos de madrugada. É melhor não levar nada, somente<<strong>br</strong> />

a roupa do corpo...<<strong>br</strong> />

Heizo disse que iria apresentar um japonês que trabalhava<<strong>br</strong> />

na agricultura. Entretanto, ele mesmo não pretendia usufruir deste<<strong>br</strong> />

contato, e quem iria era a família Takakura, que no entanto, não<<strong>br</strong> />

o conhecia. Tinham dúvidas se poderiam abusar de tamanha boa<<strong>br</strong> />

vontade mas, mesmo que quisessem retribuir, não tinham <strong>com</strong>o,<<strong>br</strong> />

pois estavam numa situação tal que eram o<strong>br</strong>igados a fugir no<<strong>br</strong> />

meio da noite.<<strong>br</strong> />

Heizo relaxou um pouco <strong>com</strong> um leve sorriso amargo, diante<<strong>br</strong> />

da preocupação excessiva de Shizu.<<strong>br</strong> />

- Todos os japoneses que vieram para o Brasil, estão<<strong>br</strong> />

sofrendo, de uma forma ou de outra. Entendem que é óbvio<<strong>br</strong> />

estender as mãos aos patrícios que estão <strong>com</strong> problemas. Um<<strong>br</strong> />

dia, talvez, estaremos na situação de ajudar os nossos<<strong>br</strong> />

conterrâneos.<<strong>br</strong> />

Shizu meneou a cabeça aquiescendo. A expressão de Heizo<<strong>br</strong> />

voltou a ser severa e continuou:<<strong>br</strong> />

- Só que estamos fugindo sem termos cumprido o contrato e<<strong>br</strong> />

além do mais deixando dívidas. Não sabemos o que poderá<<strong>br</strong> />

acontecer se nos pegarem... Estejam bem conscientes disso...<<strong>br</strong> />

Deixem tudo <strong>com</strong>o está... Não deixem que ninguém suspeite...<<strong>br</strong> />

Tanto Chûji <strong>com</strong>o Heizo queriam evitar, acima de tudo,<<strong>br</strong> />

arriscar a vida das crianças.<<strong>br</strong> />

- A ronda está chegando!<<strong>br</strong> />

- 183 -


De repente, <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu a porta de entrada e deu o alarme,<<strong>br</strong> />

voltando imediatamente para o quintal. <strong>Haru</strong> puxava o balde <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

água do poço, junto <strong>com</strong> Minora e Takuya. Montado a cavalo, o<<strong>br</strong> />

vigilante inspecionava a área residencial dos colonos. Quando<<strong>br</strong> />

passou por perto do poço, Takuya cumprimentou-o em<<strong>br</strong> />

português.<<strong>br</strong> />

- Vão dormir logo! - repreendeu o vigilante, em português,<<strong>br</strong> />

passando por ali.<<strong>br</strong> />

- Tudo bem. Nada de suspeitas.<<strong>br</strong> />

As conversas em segredo realizadas dentro da casa e as<<strong>br</strong> />

decisões tomadas pelos pais, influenciaram enormemente as<<strong>br</strong> />

crianças.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, mais do que outros, tinha forte consciência de que<<strong>br</strong> />

precisava voltar para encontrar <strong>Natsu</strong>, no Japão, dali a três anos.<<strong>br</strong> />

Takuya sabia disso e consolou <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />

- Não há <strong>com</strong> o que se preocupar. Meu pai está preparando<<strong>br</strong> />

tudo direitinho, contatando diversas pessoas.<<strong>br</strong> />

- Mas, mesmo que fujamos juntos, Takuya, iremos para<<strong>br</strong> />

lugares diferentes. Se nos separarmos, talvez nunca mais voltemos<<strong>br</strong> />

a nos encontrar. Sinto-me muito insegura.<<strong>br</strong> />

- Fugindo daqui, vamos nos esforçar em outros lugares, e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> certeza nos encontraremos um dia.<<strong>br</strong> />

- Vai dar na mesma, onde quer que a gente vá. - Minora<<strong>br</strong> />

estava totalmente desgostoso. - Por mais que a vida em Hokkaido<<strong>br</strong> />

fosse miserável, ainda era melhor do que no Brasil.<<strong>br</strong> />

- Minora, se você não apoiar o papai, quem o apoiará? Não<<strong>br</strong> />

sei <strong>com</strong>o será, nem para onde iremos, mas precisamos <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />

- 184 -


do nada, poupar logo e voltar para o Japão... <strong>Natsu</strong> está à nossa<<strong>br</strong> />

espera...<<strong>br</strong> />

- Por mais que trabalhemos, não há <strong>com</strong>o ganhar dinheiro a<<strong>br</strong> />

fim de voltarmos para o Japão. Foi um erro virmos para o Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> sentiu-se magoada. Não queria ver o irmão falando<<strong>br</strong> />

daquela maneira naquele momento difícil.<<strong>br</strong> />

Naquela noite, depois que <strong>Haru</strong> e Minoru adormeceram,<<strong>br</strong> />

Chüji, Shizu, Yozo e Kiyo continuaram <strong>com</strong> a conversa.<<strong>br</strong> />

- Vão mesmo sair daqui, mesmo sabendo do perigo?<<strong>br</strong> />

Yozo tentou confirmar, <strong>com</strong> prudência, a decisão irredutível<<strong>br</strong> />

de Chüji.<<strong>br</strong> />

- Vamos nos preocupar <strong>com</strong> as conseqüências quando nos<<strong>br</strong> />

desco<strong>br</strong>irem. Pelo menos, temos alguma esperança e não ficamos<<strong>br</strong> />

aqui parados, sem fazer nada. Podem vir conosco?<<strong>br</strong> />

- Sim, o que fazer? Não podemos ficar sozinnhos neste lugar.<<strong>br</strong> />

- Só que... Quero fazer <strong>com</strong> que pelo menos Minoru consiga<<strong>br</strong> />

voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />

Shizu olhou assustada para o marido.<<strong>br</strong> />

- Shigeru morreu de malária porque o trouxemos para o<<strong>br</strong> />

Brasil. Não quero que Minoru siga o mesmo caminho.<<strong>br</strong> />

Shizu também nutria os mesmos sentimentos.<<strong>br</strong> />

- Como é que vai mandá-lo de volta para o Japão? Não é<<strong>br</strong> />

possível voltar de graça. Como pretende arrumar a passagem de<<strong>br</strong> />

navio que custa duzentos ienes...?<<strong>br</strong> />

- Em Santos devem atracar navios japoneses. O jeito é tentar<<strong>br</strong> />

arrumar trabalho a bordo e voltar desta forma. Francamente,<<strong>br</strong> />

não sabemos quando vamos poder voltar para o Japão. Do jeito<<strong>br</strong> />

- 185 -


que estão as coisas, talvez acabemos morando no Brasil.<<strong>br</strong> />

Contudo, Minoru é o nosso filho varão. Gostaria que ele voltasse<<strong>br</strong> />

para o Japão e vivesse <strong>com</strong>o japonês. Queria que fosse assim.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que volte para o Japão, não há a quem recorrer.<<strong>br</strong> />

Vai fazer <strong>com</strong> que ele sofra de novo na casa do seu irmão lá em<<strong>br</strong> />

Hokkaido?<<strong>br</strong> />

-Não precisa viver de favor na casa do meu irmão. Minoru<<strong>br</strong> />

já tem idade para trabalhar <strong>com</strong>o aprendiz, num emprego que<<strong>br</strong> />

possam oferecer moradia. Voltando para o Japão, dá-se um jeito.<<strong>br</strong> />

Por mais que trabalhemos, no Brasil a renda é insignificante. Nem<<strong>br</strong> />

sabemos se conseguiremos o suficiente para sustentar a família,<<strong>br</strong> />

quanto mais voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />

-Nem sabemos se Minoru vai querer voltar sozinho...?<<strong>br</strong> />

Enquanto Shizu refletia, em meio a suspiros, Minoru, que,<<strong>br</strong> />

sem sono, ouvia a conversa de Chüji e os demais adultos,<<strong>br</strong> />

apareceu na sala.<<strong>br</strong> />

-Irei para Santos. Lá em Santos entram e saem muitos navios.<<strong>br</strong> />

Com sorte, talvez consiga embarcar em algum navio que volta<<strong>br</strong> />

para o Japão. Poderá demorar anos, mas esperarei a<<strong>br</strong> />

oportunidade, trabalhando em Santos.<<strong>br</strong> />

-Minoru...<<strong>br</strong> />

-Não quero passar pelo que Shigeru passou! Detesto o<<strong>br</strong> />

Brasil!<<strong>br</strong> />

Os olhos de <strong>Haru</strong>, que estava no quarto, encheram-se de<<strong>br</strong> />

lágrimas. Ela também ouvia a conversa dos familiares, sem<<strong>br</strong> />

conseguir dormir.<<strong>br</strong> />

Ficava pensando no que seria da família, dali para a frente,<<strong>br</strong> />

- 186 -


fitando a escuridão do quarto <strong>com</strong> as luzes apagadas.<<strong>br</strong> />

No dia seguinte, os trabalhos de capinação continuavam na<<strong>br</strong> />

fazenda, sob o sol escaldante. Um capataz armado passava<<strong>br</strong> />

montado a cavalo, vigiando o trabalho dos colonos.<<strong>br</strong> />

Heizo se aproximou discretamente de Chûji que, calado,<<strong>br</strong> />

puxava a enxada. Parecia querer falar de amenidades.<<strong>br</strong> />

- Decidi que vamos fugir amanhã à noite. É repentino, mas é<<strong>br</strong> />

devido à conveniência da pessoa que vem nos buscar... Compre<<strong>br</strong> />

bastante <strong>com</strong>ida, alimente-se bem para ter força física suficiente...<<strong>br</strong> />

- Quanto ao Minoru...<<strong>br</strong> />

- Estou ciente. Cuidarei dele e o levarei até Santos. É possível<<strong>br</strong> />

que tenha alguma sorte por lá.<<strong>br</strong> />

- Lamento o incômodo e agradeço-lhe a gentileza. - Shizu<<strong>br</strong> />

abaixou a cabeça em sinal de agradecimento, e a seu lado, Minoru<<strong>br</strong> />

também tirou o chapéu, demonstrando sua gratidão.<<strong>br</strong> />

-Até mais...<<strong>br</strong> />

Enquanto Heizo se afastava, Chûji observou discretamente<<strong>br</strong> />

os arredores.<<strong>br</strong> />

Ao entardecer, a família de <strong>Haru</strong> resolvera visitar o cemitério<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unitário. Shizu trouxera <strong>com</strong>o oferenda um bolinho de arroz<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>anco para o túmulo de Shigeru.<<strong>br</strong> />

- Shigeru, hoje à noite cozinhei arroz <strong>br</strong>anco. Você queria<<strong>br</strong> />

tanto <strong>com</strong>er arroz <strong>br</strong>anco, mas não pudemos servir em vida.<<strong>br</strong> />

Desculpe.<<strong>br</strong> />

A voz de Shizu se embargou, enquanto se dirigia à Shigeru<<strong>br</strong> />

em oração.<<strong>br</strong> />

Se havia algo que prendia os sentimentos de <strong>Haru</strong> nesta<<strong>br</strong> />

- 187 -


fazenda, era somente a memória de Shigeru.<<strong>br</strong> />

-Vamos deixar Shigeru sozinho neste lugar...<<strong>br</strong> />

-Não temos jeito. Não podemos levá-lo conosco...<<strong>br</strong> />

Chûji pedia perdão a Shigeru, em seu íntimo.<<strong>br</strong> />

Minoru não se manifestara, mas, <strong>com</strong> certeza, estava falando<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> Shigeru. Ainda que de forma solitária, viveria forte também<<strong>br</strong> />

pelo irmão. E voltaria a pisar o solo japonês <strong>com</strong> vida...<<strong>br</strong> />

-Perdoe-nos Shigeru, perdoe... - Shizu ajoelhou-se diante<<strong>br</strong> />

do túmulo de Shigeru em prantos. <strong>Haru</strong> prometia ao irmão:<<strong>br</strong> />

-Virei visitá-lo de novo. Virei sem falta...<<strong>br</strong> />

Quantos túmulos haveria neste cemitério, de pessoas que<<strong>br</strong> />

morreram sem realizar os seus sonhos, que foram abandonados<<strong>br</strong> />

por seus familiares?<<strong>br</strong> />

Por mais que fosse pela so<strong>br</strong>evivência da família, Chûji não<<strong>br</strong> />

se conformava.<<strong>br</strong> />

Naquela noite, a mesa de jantar da família Takakura, estava<<strong>br</strong> />

cheia de iguarias <strong>com</strong>o arroz <strong>br</strong>anco cozido e pratos à base de<<strong>br</strong> />

carne suína.<<strong>br</strong> />

Podiam <strong>com</strong>prar fiado na venda o quanto quisessem. Por<<strong>br</strong> />

isso, se a preocupação pelo ressarcimento da dívida não fosse<<strong>br</strong> />

tão grande, podiam se alimentar <strong>com</strong> certo requinte, se quisessem.<<strong>br</strong> />

Não havia motivos para se arriscarem.<<strong>br</strong> />

- Talvez não fosse tão ruim, viver por aqui. - deixou escapar<<strong>br</strong> />

Yozo.<<strong>br</strong> />

A maioria dos colonos japoneses vinha para o Brasil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

decasséguis, isto é, trabalhadores temporários. Esperavam<<strong>br</strong> />

enriquecer em poucos anos e voltar triunfantes à terra natal, pois,<<strong>br</strong> />

- 188 -


caso contrário, não tinham <strong>com</strong>o encarar os parentes e amigos.<<strong>br</strong> />

Nesse sentido, eles eram mais migrantes temporários do que<<strong>br</strong> />

imigrantes propriamente ditos.<<strong>br</strong> />

Os colonos de outros países vinham <strong>com</strong> a intenção de viver<<strong>br</strong> />

permanentemente no Brasil. Mesmo contraindo dívidas,<<strong>br</strong> />

encaravam-nas a longo prazo, pagando-as na medida do possível.<<strong>br</strong> />

Se não tivessem pressa em quitar as dívidas, poderiam usufruir<<strong>br</strong> />

da vida na fazenda por não precisarem se preocupar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

moradia, trabalho e <strong>com</strong>ida.<<strong>br</strong> />

Um dos motivos que levou os japoneses a se sentirem<<strong>br</strong> />

impacientes <strong>com</strong> a vida de colono era a diferença de propósitos,<<strong>br</strong> />

pois os japoneses queriam juntar dinheiro em poucos anos.<<strong>br</strong> />

Os que incentivavam a emigração estavam cientes disso e,<<strong>br</strong> />

ainda assim, estimulavam os imigrantes japoneses a sonharem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> um futuro promissor no Brasil, onde ganhariam dinheiro<<strong>br</strong> />

facilmente.<<strong>br</strong> />

- Ainda que existam outros lugares, não há onde possamos<<strong>br</strong> />

viver <strong>com</strong> facilidade. Se não há esperanças no futuro, não sei se<<strong>br</strong> />

vale a pena fugir daqui nos arriscando.<<strong>br</strong> />

- Ficou <strong>com</strong> medo?<<strong>br</strong> />

Yozo se calou, <strong>com</strong> a dura repreensão de Chüji.<<strong>br</strong> />

Minoru <strong>com</strong>ia <strong>com</strong> gosto os bolinhos de arroz <strong>br</strong>anco cozido.<<strong>br</strong> />

Mesmo que consigam escapar <strong>com</strong> êxito, talvez esta fosse a última<<strong>br</strong> />

refeição que Minoru faria <strong>com</strong> a família.<<strong>br</strong> />

- Se por acaso acontecer de sermos descobertos, ao menos<<strong>br</strong> />

você poderá fugir e voltar para o Japão. Talvez não voltemos a<<strong>br</strong> />

pisar o solo japonês. Viva feliz no Japão por nós. <strong>Natsu</strong> está no<<strong>br</strong> />

- 189 -


Japão. Sejam felizes.<<strong>br</strong> />

Ao ouvir a solidez da determinação de Chûji, Minoru parou<<strong>br</strong> />

de <strong>com</strong>er e olhou para a sua irmã.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>. E você, está bem?<<strong>br</strong> />

- Prometi que iria buscar <strong>Natsu</strong> depois de três anos. E<<strong>br</strong> />

pretendo cumprir a promessa, trabalhando para onde formos...<<strong>br</strong> />

Se você encontrá-la, diga-lhe por favor.<<strong>br</strong> />

Uma resposta animadora, típica de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Era de madrugada quando alguns colonos se movimentavam<<strong>br</strong> />

em silêncio na escuridão da imensa fazenda: seis pessoas da família<<strong>br</strong> />

Takakura, incluindo <strong>Haru</strong>, e quatro pessoas da família Yamashita.<<strong>br</strong> />

Escondendo-se entre as folhas e os galhos dos cafeeiros,<<strong>br</strong> />

Heizo seguia em frente, a<strong>com</strong>panhado dos demais homens, e as<<strong>br</strong> />

mulheres os seguiam, <strong>com</strong> esforço, tentando não se atrasar. Shizu<<strong>br</strong> />

e <strong>Haru</strong> incentivavam Kiyo, que ficara para trás.<<strong>br</strong> />

Heizo, que ia na frente, parou e falou em voz baixa:<<strong>br</strong> />

- Mais um pouco e sairemos da fazenda. Saindo fora da<<strong>br</strong> />

cerca, nada mais nos segurará.<<strong>br</strong> />

Naquele momento, Kiyo, que se apressara em alcançar o<<strong>br</strong> />

grupo, caiu tropeçando numa raiz d'árvore. <strong>Haru</strong> e Shizu<<strong>br</strong> />

estenderam as mãos para ajudá-la a levantar-se.<<strong>br</strong> />

-Ai!!<<strong>br</strong> />

-Que houve!?<<strong>br</strong> />

Yozo agachou-se ao lado de Kiyo, apavorado.<<strong>br</strong> />

-Não consigo me levantar. Acho que destranquei o pé.<<strong>br</strong> />

- Vou carregá-la nas costas.<<strong>br</strong> />

Yozo virou de costas e <strong>Haru</strong> e Shizu ajudaram a levantar<<strong>br</strong> />

- 190 -


Kiyo, fazendo <strong>com</strong> que Yozo <strong>com</strong>eçasse a levá-la. Faltava pouco<<strong>br</strong> />

até a cerca. Seguindo Heizo e os outros, que iam à frente, Yozo,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> Kiyo nas costas, seguia alguns passos atrás.<<strong>br</strong> />

No momento em que iam cruzar uma vereda entre as matas,<<strong>br</strong> />

viram balançar o lampião dos vigilantes, o que fez as pernas de<<strong>br</strong> />

Yozo paralisarem. Ummovimento emfalso e os vigilantes sentiriam<<strong>br</strong> />

a presença das pessoas.<<strong>br</strong> />

Chüji e os demais se esconderam entre as árvores, prendendo<<strong>br</strong> />

a respiração, sem fazer movimentos. A luz do lampião subia e<<strong>br</strong> />

descia, <strong>com</strong>o se farejasse algo.<<strong>br</strong> />

-Ficarei aqui. Os demais, fujam logo!<<strong>br</strong> />

- Deixe-me, vá você <strong>com</strong> os outros. - Kiyo murmurou nas<<strong>br</strong> />

costas de Yozo.<<strong>br</strong> />

- Aconteça o que acontecer, somos marido e mulher.<<strong>br</strong> />

Ficaremos juntos.<<strong>br</strong> />

Ouviram os passos dos vigilantes se aproximando.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe conosco! Daremos um jeito. Fujam<<strong>br</strong> />

depressa!<<strong>br</strong> />

Yozo se aproximou dos vigilantes <strong>com</strong> um sorriso sem graça.<<strong>br</strong> />

A luz do lampião iluminava Yozo e Kiyo, e por pouco não<<strong>br</strong> />

alcançava Chûji e os demais.<<strong>br</strong> />

-O que fazem aí!?<<strong>br</strong> />

Ao português ríspido do vigilante, Yozo respondeu, num<<strong>br</strong> />

português rudimentar:<<strong>br</strong> />

- Esposa machucou. Ajuda.<<strong>br</strong> />

O vigilante observou <strong>com</strong> cuidado a situação de Yozo e Kiyo,<<strong>br</strong> />

que estava sendo carregada nas costas.<<strong>br</strong> />

- 191 -


-Aqui machucar. Não anda. Favor levar cavalo.<<strong>br</strong> />

Yozo apontou o tornozelo de Kiyo, tentando explicar a<<strong>br</strong> />

situação, entre gestos e mímicas, <strong>com</strong> o parco português que<<strong>br</strong> />

sabia.<<strong>br</strong> />

O vigia apontou a arma para Yozo. Ao perceber que este<<strong>br</strong> />

não oferecia resistência, verificou o pé de Kiyo e colocou-a no<<strong>br</strong> />

cavalo. Por fim, os vigilantes, apontando as armas para Yozo,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçaram a caminhar, puxando o cavalo.<<strong>br</strong> />

Escondidos entre as árvores, Chûji e os demais observavam<<strong>br</strong> />

o acontecimento em meio a muita preocupação. Quando Yozo,<<strong>br</strong> />

Kiyo e os vigilantes se distanciaram, Chûji levantou os joelhos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> alívio.<<strong>br</strong> />

- Agora estamos seguros.<<strong>br</strong> />

- O que acontecerá <strong>com</strong> os tios?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> já vira muita violência e rispidez por parte do capataz e<<strong>br</strong> />

dos vigilantes da fazenda. Estava preocupada <strong>com</strong> Yozo e Kiyo.<<strong>br</strong> />

- Yozo se deixou apanhar de propósito para possibilitar a<<strong>br</strong> />

nossa fuga.<<strong>br</strong> />

A fuga de Chûji e os demais seria rapidamente descoberta.<<strong>br</strong> />

As suspeitas e as averiguações contra Yozo deviam ser rigorosas.<<strong>br</strong> />

Ciente disso tudo, Yozo protegera Kiyo e ajudara o grupo de<<strong>br</strong> />

Chûji a escapar. Aparecera espontaneamente diante do vigilante,<<strong>br</strong> />

pedindo ajuda. Fora a melhor alternativa no meio daquela situação<<strong>br</strong> />

dificílima. O resto era rezar para que consegisse contornar a<<strong>br</strong> />

situação.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e os demais conseguiram sair da fazenda, salvos do<<strong>br</strong> />

pior perigo, graças à ajuda de Yozo. Apertaram o passo, rumo<<strong>br</strong> />

- 192 -


ao local do encontro <strong>com</strong>binado por Heizo, deslocando-se<<strong>br</strong> />

rapidamente no meio da escuridão. O grupo havia diminuído para<<strong>br</strong> />

oito pessoas: <strong>Haru</strong>, Chûji, Shizu e Minoru, da família Takakura e<<strong>br</strong> />

Heizo, Mitsu, Takashi e Takuya, da família Yamashita.<<strong>br</strong> />

Na fazenda, houve grande agitação na casa do administrador<<strong>br</strong> />

e alguns vigilantes saíram às pressas a cavalo. Era para procurar<<strong>br</strong> />

por Chüji e os outros, que haviam fugido. Desnecessário dizer<<strong>br</strong> />

que eles estavam armados.<<strong>br</strong> />

Yozo foi jogado aos pés do administrador <strong>br</strong>asileiro de origem<<strong>br</strong> />

italiana. Viam-se nele marcas de diversos socos recebidos.<<strong>br</strong> />

Kurita tentava acalmar o <strong>br</strong>asileiro que segurava Yozo pelos<<strong>br</strong> />

colarinhos para lhe dar outros socos. Ele havia sido chamado às<<strong>br</strong> />

pressas.<<strong>br</strong> />

Yozo socava o chão várias vezes, <strong>com</strong> os seus punhos<<strong>br</strong> />

cerrados.<<strong>br</strong> />

- O meu irmão pretendia fugir só <strong>com</strong> a família dele. Eu e a<<strong>br</strong> />

minha esposa dormíamos sem saber de nada. Então, ela acordou<<strong>br</strong> />

no meio da noite e ao perceber que não havia ninguém, saiu<<strong>br</strong> />

apavorada à procura deles, para dizer que desistissem da idéia<<strong>br</strong> />

quando os encontrasse. Mas, no meio do caminho ela se<<strong>br</strong> />

machucou... Se o vigilante não viesse, não saberíamos o que fazer.<<strong>br</strong> />

Kurita interpretou tudo o que Yozo dizia ao administrador.<<strong>br</strong> />

O administrador gritou algo, <strong>com</strong> semblante severo. Kurita<<strong>br</strong> />

traduziu as palavras para Yozo:<<strong>br</strong> />

- Está perguntando se não pretendiam fugir juntos.<<strong>br</strong> />

-Não! Nós fomos deixados para trás! Eles sabiam o que<<strong>br</strong> />

iria acontecer conosco se fôssemos deixados para trás. O meu<<strong>br</strong> />

- 193 -


irmão é um desumano.<<strong>br</strong> />

Cada vez que Yozo socava a terra aos choros e gritos,<<strong>br</strong> />

levantavam sob seus punhos cerrados a poeira vermelha típica<<strong>br</strong> />

da terra roxa do Brasil. Era a grande encenação de Yozo.<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, Kurita perguntou também a Kiyo, para ter<<strong>br</strong> />

certeza.<<strong>br</strong> />

- Senhora, isso é verdade?<<strong>br</strong> />

Assustada e trêmula, Kiyo acenou, concordando <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

cabeça.<<strong>br</strong> />

Kurita voltou-se novamente ao administrador, falando algo<<strong>br</strong> />

em português <strong>com</strong> insistência:<<strong>br</strong> />

-Deixaram toda a dívida nas nossas costas... O que faremos<<strong>br</strong> />

agora...<<strong>br</strong> />

Yozo estava transtornado, demonstrando sincera<<strong>br</strong> />

preocupação.<<strong>br</strong> />

- Explicarei bem a situação e discutirei alternativas <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

administrador... Provavelmente vocês terão que trabalhar aqui<<strong>br</strong> />

até terminarem de pagar as dívidas da venda.<<strong>br</strong> />

Ao que parecia, o pior fora evitado. Estavam salvos. Agora,<<strong>br</strong> />

só bastava orar para Chüji e os demais, para que conseguissem<<strong>br</strong> />

encontrar o colaborador. Yozo respondeu <strong>com</strong> expressão de<<strong>br</strong> />

obediência a Kurita:<<strong>br</strong> />

- O que vamos fazer? Ainda que tenhamos sido traídos, as<<strong>br</strong> />

dívidas deixadas pelo meu irmão serão minha responsabilidade...<<strong>br</strong> />

Não se soube exatamente o que se passou pela cabeça de<<strong>br</strong> />

Kurita naquele momento, mas ele levantou o rosto e lançou o<<strong>br</strong> />

olhar para o interior da fazenda escura.<<strong>br</strong> />

- 194 -


- Aqui não deixa de ser um bom lugar para viver, desde que<<strong>br</strong> />

se saiba <strong>com</strong>o fazê-lo.<<strong>br</strong> />

O fato de Kurita ter conquistado uma posição peculiar nesta<<strong>br</strong> />

fazenda, devia-se ao fato de ter aprendido rapidamente o idioma<<strong>br</strong> />

português. Nas fazendas onde não havia intérpretes de japonês,<<strong>br</strong> />

os j aponeses que sabiam falar as duas línguas recebiam tratamento<<strong>br</strong> />

privilegiado.<<strong>br</strong> />

Sentindo que isso poderia ser uma saída, Yozo a<strong>br</strong>açou Kiyo<<strong>br</strong> />

para tranqüilizá-la, pois ela não parava de chorar.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, Chûji, Heizo e os demais, caminharam pelo<<strong>br</strong> />

descampado por toda a noite, saindo finalmente da mata ao<<strong>br</strong> />

amanhecer, guiados pela alvorada. Quando atravessavam o rio a<<strong>br</strong> />

pé, em direção à capela, que era o ponto de encontro, <strong>Haru</strong> teve<<strong>br</strong> />

que se agarrar firmemente no <strong>br</strong>aço de Chüji para não ser levada<<strong>br</strong> />

pela correnteza.<<strong>br</strong> />

Enquanto os humanos arriscavam as respectivas vidas na fuga,<<strong>br</strong> />

os animais da floresta viviam tranqüilamente nos seus respectivos<<strong>br</strong> />

habitats.<<strong>br</strong> />

Ao chegarem em frente à capela, apareceu um caminhão que<<strong>br</strong> />

aguardava pelos fugitivos.<<strong>br</strong> />

Heizo virou-se para Chûji e os outros:<<strong>br</strong> />

- Estavam à nossa espera, conforme prometido. Sr.<<strong>br</strong> />

Takakura, o senhor irá <strong>com</strong> sua família, naquele caminhão, até o<<strong>br</strong> />

seu destino final. Nós os a<strong>com</strong>panharemos até uma certa estação<<strong>br</strong> />

de onde tomaremos o trem que nos levará a Santos.<<strong>br</strong> />

Chûji, <strong>Haru</strong> e Shizu olharam o caminhão em silêncio. Um<<strong>br</strong> />

estranho estava no volante. Se fossem acreditar em Heizo, teriam<<strong>br</strong> />

- 195 -


que confiar nele também.<<strong>br</strong> />

O caminhão que levava <strong>Haru</strong> e os demais atravessou o imenso<<strong>br</strong> />

descampado. O Brasil realmente era um país imenso.<<strong>br</strong> />

O caminhão parou diante de uma estação.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igado por tudo.<<strong>br</strong> />

Chüji, que apertou a mão de Heizo, foi tomado por uma<<strong>br</strong> />

emoção sem par.<<strong>br</strong> />

- Sr. Takakura, espero que vocês consigam alcançar sucesso<<strong>br</strong> />

na agricultura, de tal forma que não se arrependam de ter vindo<<strong>br</strong> />

para o Brasil.<<strong>br</strong> />

- Que vocês também consigam realizar os seus sonhos...<<strong>br</strong> />

Vamos rezar pelo seu sucesso, Sr. Yamashita.<<strong>br</strong> />

Chüji virou-se para Minoru, que estava <strong>com</strong> ar sério.<<strong>br</strong> />

-Nós nos despedimos aqui.<<strong>br</strong> />

- Não pude fazer nada por você, Minoru. Deve ser difícil<<strong>br</strong> />

empreender sozinho, mas tente voltar para o Japão, e que pelo<<strong>br</strong> />

menos você consiga ser feliz e ter uma vida normal. Espero que<<strong>br</strong> />

na próxima vez que nos reencontrarmos, possamos estar<<strong>br</strong> />

sorrindo...<<strong>br</strong> />

Sem poder expressar nem a metade do que gostaria de dizer<<strong>br</strong> />

para Minoru, Shizu reverenciou Mitsu, esposa de Heizo, aos<<strong>br</strong> />

prantos.<<strong>br</strong> />

- Por favor, cuide de Minoru.<<strong>br</strong> />

- Deixe conosco.<<strong>br</strong> />

Mitsu sorriu alegremente. Shizu e Mitsu estenderam as mãos<<strong>br</strong> />

ao mesmo tempo, para se despedirem.<<strong>br</strong> />

- Cuide bem da saúde, pelo menos....<<strong>br</strong> />

- 196 -


- Você também, Shizu.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estendeu o dedinho para Takuya, para fazer a promessa<<strong>br</strong> />

de reencontro.<<strong>br</strong> />

- Talvez não consigamos nos encontrar de novo nessa vida.<<strong>br</strong> />

Entretanto, jamais esquecerei de você, Takuya. Não quero me<<strong>br</strong> />

esquecer. Por isso escreverei cartas. E quero receber suas cartas.<<strong>br</strong> />

Promete?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Takuya trocaram cumprimentos de despedida,<<strong>br</strong> />

entrelaçando os dedinhos, em sinal de promessa.<<strong>br</strong> />

Deixaram a família Yamashita e Minoru na estação, onde<<strong>br</strong> />

embarcariam num trem. O caminhão <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu,<<strong>br</strong> />

reiniciou a jornada. Os mem<strong>br</strong>os da família Yamashita, ao se<<strong>br</strong> />

despedirem do caminhão, acenaram as mãos <strong>com</strong> vigor.<<strong>br</strong> />

Minoru deu dois ou três passos para a frente, <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />

quisesse retardar a despedida.<<strong>br</strong> />

- Mano!! Diga à <strong>Natsu</strong> que voltaremos <strong>com</strong> certeza! - gritou<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, acenando <strong>com</strong> a mão.<<strong>br</strong> />

No hotel em Tóquio, Yamato ouvia atentamente a história<<strong>br</strong> />

contada por <strong>Haru</strong>. Parecia um romance de aventura, mas fora<<strong>br</strong> />

uma experiência concreta de sua avó.<<strong>br</strong> />

Quando a família de <strong>Haru</strong> imigrara para o Brasil, eram oito<<strong>br</strong> />

pessoas. <strong>Natsu</strong> fora deixada em Kobe e Shigeru morrera na<<strong>br</strong> />

fazenda para onde tinham sido enviados. Yozo e Kiyo se<<strong>br</strong> />

sacrificaram para que os demais pudessem fugir, e Minoru seguira<<strong>br</strong> />

sozinho para o porto de Santos.<<strong>br</strong> />

Apenas <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu iriam para esta nova fazenda.<<strong>br</strong> />

- 197 -


- De repente, ficamos em apenas três pessoas, eu e meus<<strong>br</strong> />

pais, para irmos a uma terra desconhecida. Nunca me senti tão<<strong>br</strong> />

desprotegida <strong>com</strong>o daquela vez.<<strong>br</strong> />

As imagens daquela ocasião ainda podiam ser reproduzidas<<strong>br</strong> />

vivamente nos seus olhos.<<strong>br</strong> />

- Mas... - continuava <strong>Haru</strong>, sem demonstrar cansaço.<<strong>br</strong> />

- Este lugar novo era diferente da fazenda anterior, onde<<strong>br</strong> />

éramos contratados <strong>com</strong>o colonos. Desta vez, arrendaríamos a<<strong>br</strong> />

terra de um proprietário americano, e nós mesmos des<strong>br</strong>avaríamos<<strong>br</strong> />

e prepararíamos a nossa lavoura.<<strong>br</strong> />

- Os j aponeses que ali moravam, prepararam a nossa primeira<<strong>br</strong> />

moradia, apesar de ser uma pequena cabana. Já havia desde<<strong>br</strong> />

cama, roupas, utensílios de cozinha e até alimentos. Como nós<<strong>br</strong> />

nos sentimos gratos por tudo aquilo...<<strong>br</strong> />

- Depois que a lavoura ficou pronta, logo em seguida<<strong>br</strong> />

plantamos algodão... Não tínhamos tempo para ficarmos tristes...<<strong>br</strong> />

O algodoeiro cresceu, gerou frutos, e quando estes se a<strong>br</strong>iram, a<<strong>br</strong> />

vasta plantação de algodão ficou <strong>br</strong>anca. Pareciam flores que<<strong>br</strong> />

haviam desa<strong>br</strong>ochado de uma só vez. Aquela alegria foi<<strong>br</strong> />

inesquecível.<<strong>br</strong> />

Na propriedade do americano para onde <strong>Haru</strong> e sua família<<strong>br</strong> />

foram levados, havia muitos japoneses, a ponto de poderem<<strong>br</strong> />

fundar uma vila de japoneses. Todos viviam da agricultura.<<strong>br</strong> />

A família Takakura conseguira arrendar imediatamente uma<<strong>br</strong> />

gleba de terra, e já pudera iniciar o preparo da lavoura logo no<<strong>br</strong> />

dia seguinte. Apesar de chamarem de terra, era, na realidade,<<strong>br</strong> />

- 198 -


mata virgem. Iniciaram <strong>com</strong> a derrubada de árvores enormes e<<strong>br</strong> />

altas, cujo diâmetro era tal que os <strong>br</strong>aços de um adulto não<<strong>br</strong> />

conseguiam envolvê-las.<<strong>br</strong> />

Muitos japoneses, <strong>com</strong> machados nas mãos, ajudaram Chûji<<strong>br</strong> />

na derrubada.<<strong>br</strong> />

Depois da derrubada, realizavam a queimada, que consistia<<strong>br</strong> />

em atear fogo nas árvores e galhos caídos. Depois do fogo<<strong>br</strong> />

apagado, a terra coberta de cinzas se tornaria a lavoura de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

e sua família.<<strong>br</strong> />

Em 1935, Chûji semeara algodão na lavoura recém<<strong>br</strong> />

des<strong>br</strong>avada.<<strong>br</strong> />

Na década de 1930, verificou-se uma tendência notável no<<strong>br</strong> />

crescimento do número de imigrantes japoneses que plantavam<<strong>br</strong> />

algodão. A principal causa era a crise cafeeira no Brasil, que se<<strong>br</strong> />

prolongava por muitos anos.<<strong>br</strong> />

Ao verificarmos o volume de colheita de algodão dos<<strong>br</strong> />

japoneses no estado de São Paulo, em 1933, era possível<<strong>br</strong> />

constatar apenas 10% da produção total do estado.<<strong>br</strong> />

Surpreendentemente, porém, o número havia saltado para 50%<<strong>br</strong> />

em 1935.<<strong>br</strong> />

A cultura de algodão teve um grande desempenho na<<strong>br</strong> />

reestruturação econômica de muitos japoneses que foram<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igados a fugir no meio da noite, <strong>com</strong>o a família Takakura, ou<<strong>br</strong> />

que estavam sujeitos à uma vida semelhante à de escravos.<<strong>br</strong> />

A família Takakura também não era exceção, e no terceiro<<strong>br</strong> />

ano de estadia no Brasil, os frutos do algodão que haviam<<strong>br</strong> />

plantado, estouraram de uma só vez. Parecia um campo de flores<<strong>br</strong> />

- 199 -


ancas. O avental de <strong>Haru</strong>, que colhia um por um os frutos do<<strong>br</strong> />

algodão que pareciam uma flor <strong>br</strong>anca, enchia num instante. Seu<<strong>br</strong> />

rosto mostrava uma alegria que até então não havia aparecido.<<strong>br</strong> />

"Os pés de algodão que semeamos na nova terra<<strong>br</strong> />

cresceram. Deram frutos que pareciam ser flores<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>ancas. Mas embora tenhamos chegado ao terceiro<<strong>br</strong> />

ano, época em que prometemos voltar, estamos numa<<strong>br</strong> />

situação difícil. Mal sabemos se conseguiremos nos<<strong>br</strong> />

sustentar. Por isso, ainda não podemos voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão. Queremos, de todas as maneiras, ter sucesso<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o plantio de algodão para, <strong>com</strong> isso, ganharmos<<strong>br</strong> />

dinheiro e voltarmos o quanto antes. Deve estar sendo<<strong>br</strong> />

difícil para você, mas espere mais um pouco, por<<strong>br</strong> />

favor.<<strong>br</strong> />

O mano Minoru está numa cidade portuária<<strong>br</strong> />

chamada Santos, trabalhando e aguardando a<<strong>br</strong> />

oportunidade de embarcar num navio afim de voltar<<strong>br</strong> />

para o Japão."<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ergueu os olhos da carta que lia.<<strong>br</strong> />

- Como estará o mano Minoru neste momento...? Será que<<strong>br</strong> />

está bem no Japão...?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhava atentamente para a foto de família tirada na<<strong>br</strong> />

Hospedaria dos Emigrantes em Kobe, em que os dois irmãos<<strong>br</strong> />

posavam <strong>com</strong> seriedade.<<strong>br</strong> />

Mal passara um ano de separação, Shigeru estava morto e<<strong>br</strong> />

- 200 -


no terceiro ano em que o retorno estava prometido, Minoru<<strong>br</strong> />

aguardava sozinho em Santos a oportunidade de voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão.<<strong>br</strong> />

O terceiro ano era o de 1937.<<strong>br</strong> />

Nessa época, <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />

Em uma região de aldeias po<strong>br</strong>es cobertas de grande<<strong>br</strong> />

quantidade de neve em Hokkaido, o avô e sua neta observavam<<strong>br</strong> />

uma casa humilde de longe. Eram Tokuji e <strong>Natsu</strong>. Ela vivera<<strong>br</strong> />

retraída naquela casa, sendo maltratada por Kane.<<strong>br</strong> />

"Este é o terceiro ano em que a mana prometera<<strong>br</strong> />

voltar do Brasil. Recentemente, pedi ao vovô Toku<<strong>br</strong> />

para me levar de trem, e discretamente fui ver a casa<<strong>br</strong> />

do tio. Vovô Toku perguntou na vizinhança, mas<<strong>br</strong> />

ninguém havia voltado do Brasil".<<strong>br</strong> />

Eu já me conformei. Vocês se esqueceram de mim.<<strong>br</strong> />

Talvez eu seja uma criança indesejada e fui<<strong>br</strong> />

abandonada. Mas, ainda assim, escrevo esta carta<<strong>br</strong> />

pois gostaria que lem<strong>br</strong>assem, pelo menos um pouco,<<strong>br</strong> />

de mim."<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> fazia queijo na cabana de Tokuji. Naquele local,<<strong>br</strong> />

apropriado para a fa<strong>br</strong>icação de queijo, <strong>Natsu</strong> coava o leite <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

todo o cuidado, <strong>com</strong> as mãos firmes e o semblante sério.<<strong>br</strong> />

Tokuji, que a<strong>com</strong>panhava o trabalho de perto, experimentou<<strong>br</strong> />

um pedaço do queijo que <strong>Natsu</strong> havia feito.<<strong>br</strong> />

- Bom! Este é o melhor que você fez até agora! Parece que<<strong>br</strong> />

- 201 -


conseguiu aprender o ponto certo. Você pode fazer sozinha!<<strong>br</strong> />

Tokuji aprovara o queijo feito por <strong>Natsu</strong> que, <strong>com</strong> isso se<<strong>br</strong> />

sentia feliz e fortalecida cem vezes.<<strong>br</strong> />

- Queria que a sra. Tanimoto, de Sapporo, experimentasse<<strong>br</strong> />

esse queijo.<<strong>br</strong> />

Ao visitar os clientes junto <strong>com</strong> Tokuji, <strong>Natsu</strong> havia ficado<<strong>br</strong> />

conhecida em diversos lugares, sendo querida também por<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da cooperativa.<<strong>br</strong> />

- A sra. Tanimoto tem muito carinho por você, não é? Aliás,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, você está de parabéns. Familiarizou-se e ficou conhecida<<strong>br</strong> />

pelos clientes para quem entregamos os nossos queijos. Já é<<strong>br</strong> />

profissional tanto no cuidado <strong>com</strong> as vacas <strong>com</strong>o na ordenha,<<strong>br</strong> />

superando muitas pessoas. Agora posso me aposentar quando<<strong>br</strong> />

quiser.<<strong>br</strong> />

- Eu me animo porque estou sempre junto <strong>com</strong> você, vovô<<strong>br</strong> />

Toku. Por melhor que eu consiga fazer as coisas, não quero<<strong>br</strong> />

trabalhar sozinha. Trabalharei junto <strong>com</strong> o senhor, de manhã até<<strong>br</strong> />

a noite, até o dia da sua morte. Se você pensa em ficar na moleza<<strong>br</strong> />

empurrando tudo para mim, está muito enganado!<<strong>br</strong> />

Tokuji cerrava os lábios firmemente, <strong>com</strong>o sempre. Mas, no<<strong>br</strong> />

fundo, ele estava muito contente.<<strong>br</strong> />

Acontecera num dia claro e ameno de maio. <strong>Natsu</strong> e Tokuji<<strong>br</strong> />

alimentavam as vacas <strong>com</strong> feno e as ordenhavam. No momento<<strong>br</strong> />

em que Tokuji levantou <strong>com</strong> o balde cheio de leite, o balde rolou<<strong>br</strong> />

e o leite se esparramou à sua volta. Tokuji ficara inconsciente e<<strong>br</strong> />

caíra ali mesmo.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Natsu</strong> se aproximou às pressas e tentou levantá-lo,<<strong>br</strong> />

- 202 -


sentiu o corpo de Tokuji quente. Ela colocou a mão em sua testa.<<strong>br</strong> />

- Oh não! Vovô Toku, você está <strong>com</strong> fe<strong>br</strong>e muito alta!<<strong>br</strong> />

-Uma fe<strong>br</strong>ezinha dessas, não é nada...<<strong>br</strong> />

- Acho que é gripe, mas vou chamar o médico. Tem que<<strong>br</strong> />

entrar logo em casa e se deitar...<<strong>br</strong> />

- Médico? Que exagero! Seria preciso ir buscá-lo a quatro<<strong>br</strong> />

quilômetros de distância... É só tomar uns chás medicinais que<<strong>br</strong> />

melhoro numa noite. Não há <strong>com</strong> o que se preocupar.<<strong>br</strong> />

- De jeito nenhum! O resto eu faço. Vovô Toku vai ficar<<strong>br</strong> />

quieto e deitado!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apoiou Tokuji nos seus pequenos om<strong>br</strong>os, levando-o<<strong>br</strong> />

para dentro de casa.<<strong>br</strong> />

Ao deitá-lo no acolchoado que <strong>Natsu</strong> ajeitou, Tokuji caiu<<strong>br</strong> />

num sono profundo.<<strong>br</strong> />

Nesse meio tempo, <strong>Natsu</strong> correu desesperadamente para<<strong>br</strong> />

chamar o médico. Quando o Dr. Kudo chegou, a<strong>com</strong>panhado<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong>, já estava quase entardecendo.<<strong>br</strong> />

- O médico chegou.<<strong>br</strong> />

Ao entrar correndo para dentro de casa, ainda ofegante, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

se dirigiu à Tokuji, que ainda dormia, levando o médico para<<strong>br</strong> />

junto de sua cabeceira.<<strong>br</strong> />

- Por favor.<<strong>br</strong> />

Tokuji a<strong>br</strong>iu os olhos ainda sonolentos, querendo mostrar<<strong>br</strong> />

que estava bem.<<strong>br</strong> />

- Falei que não precisava de médico.<<strong>br</strong> />

- Também não queria vir tão longe. Mas, tendo'recebido o<<strong>br</strong> />

pedido de uma criança, não há <strong>com</strong>o recusar. Você será castigado<<strong>br</strong> />

- 203 -


se não sentir gratidão.<<strong>br</strong> />

Quando Dr. Kudo <strong>com</strong>eçou a examinar Tokuji, <strong>Natsu</strong> atuou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> diligência, trazendo bacia <strong>com</strong> água, entre outras coisas.<<strong>br</strong> />

O médico tirou o estetoscópio do seu ouvido, e aconselhou<<strong>br</strong> />

Tokuji.<<strong>br</strong> />

- Está havendo um surto de gripe. Durma bem, evitando<<strong>br</strong> />

esforços. Deixarei remédios. Tome-os direitinho.<<strong>br</strong> />

- Viu, não é nada grave. Fez um alarde desnecessário<<strong>br</strong> />

chamando o médico. Foi um constrangimento para ele... -<<strong>br</strong> />

resmungou Tokuji, o que deixara <strong>Natsu</strong> sossegada.<<strong>br</strong> />

- Estou aliviada, que bom.<<strong>br</strong> />

- A carteira está na gaveta da cômoda. Pague a consulta.<<strong>br</strong> />

-Deixe isso para quando quiser. Receberei quando melhorar.<<strong>br</strong> />

Bom, cuide-se...<<strong>br</strong> />

Quando o Dr. Kudo levantou-se para sair, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhou o médico que viera de tão longe, para atender ao<<strong>br</strong> />

seu pedido.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada pela consulta.<<strong>br</strong> />

- Você deve olhar o seu avô de perto. No estado em que ele<<strong>br</strong> />

está, pode acontecer qualquer coisa a qualquer momento. Não<<strong>br</strong> />

há muito mais que se possa fazer por ele, mas, para não haver<<strong>br</strong> />

arrependimentos...<<strong>br</strong> />

-Doutor!?<<strong>br</strong> />

-Ele está <strong>com</strong> pneumonia. Temos tido, em Sapporo, muitos<<strong>br</strong> />

pacientes <strong>com</strong> sintomas parecidos, que têm morrido sem que<<strong>br</strong> />

possamos fazer nada. O seu avô foi a Sapporo recentemente...?<<strong>br</strong> />

-... Sim, para vender queijos... Também fui junto...<<strong>br</strong> />

- 204 -


-É melhor você se cuidar também. Há casos de pessoas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> sorte que conseguem se restabelecer. De hoje à noite para<<strong>br</strong> />

amanhã, será o momento mais crítico. Amanhã virei de novo para<<strong>br</strong> />

ver <strong>com</strong>o ele estará. Até mais...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficou atônita, de pé, olhando para as costas do médico<<strong>br</strong> />

que se afastava. Não posso chorar, dizia para si mesma.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Natsu</strong> voltou para o quarto, levando para a cabeceira<<strong>br</strong> />

de Tokuji, uma bandeja <strong>com</strong> papa de arroz <strong>com</strong> ovo,<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhado de umeboshi (ameixa curtida), voltara a ser aquela<<strong>br</strong> />

menina obediente e alegre de sempre.<<strong>br</strong> />

- A Papa está pronta. Vamos <strong>com</strong>er?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> segurou Tokuji, que se esforçava para se levantar.<<strong>br</strong> />

- Fique deitado! Darei a <strong>com</strong>ida na sua boca.<<strong>br</strong> />

- Huum, está bem. Aceitarei a oferta...<<strong>br</strong> />

Tokuj i encostou a cabeça languidamente no travesseiro e fixou<<strong>br</strong> />

o olhar em <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Ao olhar para você, costumava pensar que, se a minha<<strong>br</strong> />

filha estivesse viva, talvez eu tivesse uma neta de sua idade... Ao<<strong>br</strong> />

recebê-la das mãos de Deus, <strong>com</strong> a mesma idade de quando<<strong>br</strong> />

minha filha morreu, sentia <strong>com</strong>o se ela tivesse voltado para mim.<<strong>br</strong> />

Mas, pensando bem, já estou em uma idade em que não seria<<strong>br</strong> />

estranho se tivesse uma neta. Sou um felizardo em receber seus<<strong>br</strong> />

cuidados, <strong>Natsu</strong>, que é <strong>com</strong>o se fosse uma neta, na idade em<<strong>br</strong> />

que estou.<<strong>br</strong> />

- Vai cansar se falar muito. Vamos <strong>com</strong>er antes que esfrie...<<strong>br</strong> />

Tem que se alimentar bem...<<strong>br</strong> />

Apanhando a tigela de papa que estava a fumegar numa<<strong>br</strong> />

- 205 -


colher, <strong>Natsu</strong> soprou diversas vezes a fim de chegar a uma<<strong>br</strong> />

temperatura ideal.<<strong>br</strong> />

- Desde que perdi minha mulher e filha, vivi sozinho. Sempre<<strong>br</strong> />

pensei que morreria sozinho quando adoecesse. Mas pude viver<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> você. Foi <strong>com</strong>o uma chama se acendendo para iluminar<<strong>br</strong> />

essa casa tão triste, aquecendo-a. O<strong>br</strong>igada <strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />

- Não diga essas coisas.<<strong>br</strong> />

-Estava me lem<strong>br</strong>ando agora, de quando aminha filha morreu.<<strong>br</strong> />

Foi num desses surtos de gripe. De repente, veio a fe<strong>br</strong>e alta.<<strong>br</strong> />

Fiquei perdido, sem saber o que fazer... Foi numa noite só.<<strong>br</strong> />

-VovôToku!<<strong>br</strong> />

- Não vou morrer. Não sou tão fraco assim. Mas um dia<<strong>br</strong> />

morrerei antes de você. Quando isso acontecer, venda as vacas<<strong>br</strong> />

e vá para o Brasil, à procura de seus pais. Se vender as vacas,<<strong>br</strong> />

deve conseguir o dinheiro necessário. Se você falar <strong>com</strong> clientes<<strong>br</strong> />

que <strong>com</strong>pram queijo em Sapporo, qualquer um poderá ajudar a<<strong>br</strong> />

vender as vacas. No momento, era isso que eu queria deixar dito<<strong>br</strong> />

para você.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> repreendeu carinhosamente Tokuji, contendo a sua<<strong>br</strong> />

tristeza.<<strong>br</strong> />

- O que adianta falar agora, de algo que sabe-se lá quando<<strong>br</strong> />

irá acontecer? O mais importante agora é <strong>com</strong>er a papa.<<strong>br</strong> />

Tokuji engoliu <strong>com</strong> muita dificuldade, a colherada de papa<<strong>br</strong> />

que <strong>Natsu</strong> levou à sua boca.<<strong>br</strong> />

-Delicioso! Papa servida por você, <strong>Natsu</strong>, é mais saborosa.<<strong>br</strong> />

O semblante de Tokuji, que estava feliz, apresentava uma<<strong>br</strong> />

expressão tão profunda e sublime, <strong>com</strong>o o sorriso do deus Vajra-<<strong>br</strong> />

- 206 -


dhara, o protetor do budismo, cujas feições normais<<strong>br</strong> />

amedrontariam qualquer um.<<strong>br</strong> />

Era uma noite silenciosa. Tokuji dormia profundamente. A<<strong>br</strong> />

cabeça de <strong>Natsu</strong>, que observava Tokuji, em sua cabeceira, pendeu<<strong>br</strong> />

para a frente.<<strong>br</strong> />

A luz tênue do alvorecer adentrou pelo quarto, e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

acordou de repente, olhando apressadamente para Tokuji.<<strong>br</strong> />

"Nessa noite, olhei pelo vovô Toku a noite inteira.<<strong>br</strong> />

Acabei, contudo, cochilando num momento de<<strong>br</strong> />

cansaço. Durante aqueles instantes, vovô Toku parou<<strong>br</strong> />

de respirar. Agora, enfim, o vovô Toku poderá<<strong>br</strong> />

encontrar-se <strong>com</strong> sua esposa e filha. Estava <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />

sorriso no rosto, <strong>com</strong>o se estivesse sonhando <strong>com</strong> algo<<strong>br</strong> />

feliz."<<strong>br</strong> />

Chamando pelo nome de Tokuji, <strong>Natsu</strong> chorou até se<<strong>br</strong> />

conformar. Derramou todas as lágrimas que estavam contidas<<strong>br</strong> />

enquanto cuidava dele.<<strong>br</strong> />

O funeral de Tokuji fora realizado por pessoas que o<<strong>br</strong> />

consideravam muito. Ainda que não tivesse vínculo sangüíneo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o falecido, <strong>Natsu</strong> foi considerada a sucessora de Tokuji e<<strong>br</strong> />

presidiu a cerimônia. A despedida foi simples, mas transmitia calor<<strong>br</strong> />

humano, refletindo a personalidade de Tokuji.<<strong>br</strong> />

Assim, <strong>Natsu</strong> ficou realmente só. Jamais pensara que a<<strong>br</strong> />

despedida <strong>com</strong> Tokuji viria tão rápida e de forma tão inesperada.<<strong>br</strong> />

Sua avó Nobu também falecera repentinamente, e essa era a<<strong>br</strong> />

- 207 -


segunda perda que <strong>Natsu</strong> sofria, de pessoas que lhe eram caras<<strong>br</strong> />

e que a protegiam.<<strong>br</strong> />

Dos olhos de <strong>Haru</strong>, que lia as cartas de <strong>Natsu</strong>, também<<strong>br</strong> />

transbordaram lágrimas.<<strong>br</strong> />

"Os mem<strong>br</strong>os da cooperativa de criadores de<<strong>br</strong> />

vacas, e os clientes de Sapporo que sempre<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pravam queijos do vovô Toku, se reuniram para<<strong>br</strong> />

realizar seu funeral. O trabalho de criador de vacas<<strong>br</strong> />

é árduo, pois o cuidado é diário. Todo mundo se<<strong>br</strong> />

preocupa <strong>com</strong>igo porque fiquei sozinha, e até me<<strong>br</strong> />

aconselharam a vender o estábulo e as vacas. Mas<<strong>br</strong> />

eu recusei. Disse que iria cuidar das vacas e fazer<<strong>br</strong> />

queijo, ainda que estivesse só. O vovô Toku disse para<<strong>br</strong> />

eu vender as vacas e ir para o Brasil. Não posso,<<strong>br</strong> />

porém, pensar em me separar das vacas que o vovô<<strong>br</strong> />

Toku criou <strong>com</strong> tanto cuidado e carinho. Desisti de ir<<strong>br</strong> />

para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Vocês não voltaram, mesmo após os três anos que<<strong>br</strong> />

prometeram, nem recebi qualquer carta. Como vocês<<strong>br</strong> />

me abandonaram, acho que serei feliz, morando e<<strong>br</strong> />

cuidando das vacas do vovô Toku, no Japão. Não se<<strong>br</strong> />

preocupem <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

Não estou sozinha, pois as vacas são minha<<strong>br</strong> />

família. Estando junto <strong>com</strong> as vacas, sinto-me <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se estivesse junto <strong>com</strong> o vovô Toku. As pessoas que<<strong>br</strong> />

esperam pelos queijos que faço são <strong>com</strong>o se fossem<<strong>br</strong> />

- 208 -


meus pais. Os colegas de vovô Toku me ajudam<<strong>br</strong> />

bastante."<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> cuidou das vacas <strong>com</strong> afinco. Limpava o estábulo,<<strong>br</strong> />

levava-as para o pasto para alimentá-las <strong>com</strong> capim, e assim,<<strong>br</strong> />

todos os dias eram cheios de tarefas. O calor do corpo e os<<strong>br</strong> />

olhos dóceis das vacas traziam harmonia para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

A noite, trancava-se na cabana de fa<strong>br</strong>icação de queijos,<<strong>br</strong> />

dedicando-se à produção, cujo método fora ensinado por Tokuji.<<strong>br</strong> />

Dia após dia, a alegria voltava para o rosto de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

A janela do hotel estava ficando <strong>br</strong>anco-transparente,<<strong>br</strong> />

recebendo a luz tênue do amanhecer.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, que lia as cartas de <strong>Natsu</strong>, falou para Yamato,<<strong>br</strong> />

conferindo as chancelas so<strong>br</strong>e os selos contidos nos envelopes:<<strong>br</strong> />

- Faltam cartas durante vários anos, depois dessa carta.<<strong>br</strong> />

- A dona <strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong> uns 10 anos de idade, nessa<<strong>br</strong> />

época, não é? Imagine uma criança dessa idade, que criava vacas,<<strong>br</strong> />

ordenhando-as e fazendo queijos. Não havia tempo para escrever<<strong>br</strong> />

cartas.<<strong>br</strong> />

- Naquela época, as crianças também trabalhavam muito.<<strong>br</strong> />

Era normal trabalharmos, e não encarávamos isso <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

sofrimento. <strong>Natsu</strong> conseguira algo mais importante que nós.<<strong>br</strong> />

Proteger as vacas e os queijos do vovô Toku tornara-se mais<<strong>br</strong> />

importante para ela. Talvez essa tivesse sido a época mais feliz.<<strong>br</strong> />

Por isso, podia viver, mesmo sem escrever cartas.<<strong>br</strong> />

- Já vai amanhecer. Deite-se um pouquinho...<<strong>br</strong> />

- 209 -


<strong>Haru</strong> tocou de leve a mão de Yamato, carinhosamente<<strong>br</strong> />

colocada so<strong>br</strong>e seu om<strong>br</strong>o, <strong>com</strong>o que dizendo "o<strong>br</strong>igada".<<strong>br</strong> />

- Falando nisso, acho que eu também não escrevi cartas<<strong>br</strong> />

para <strong>Natsu</strong>, na mesma época. Fugimos da fazenda de café,<<strong>br</strong> />

arrendamos as terras do proprietário americano, tivemos que<<strong>br</strong> />

des<strong>br</strong>avá-las e cultivamos algodão.<<strong>br</strong> />

As reminiscências de <strong>Haru</strong>, retrocediam rapidamente no<<strong>br</strong> />

tempo, retardando o cansaço.<<strong>br</strong> />

Os três anos prometidos à <strong>Natsu</strong> passaram rapidamente. A<<strong>br</strong> />

família Takakura se dedicara à cultura de algodão e enfim haviam<<strong>br</strong> />

conseguido construir uma casa. No quarto ano, estabilizaram-se<<strong>br</strong> />

aponto da família não passar necessidades quanto à alimentação.<<strong>br</strong> />

Como o algodão podia ser vendido a um bom preço naquela<<strong>br</strong> />

época, conseguiram, pelo menos, acalentar esperanças de, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

mais três anos de êxito na safra, ter condições de voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão.<<strong>br</strong> />

Por outro lado, Minoru, que havia se separado da família e<<strong>br</strong> />

aguardava, solitário, a oportunidade de voltar para o Japão,<<strong>br</strong> />

trabalhava <strong>com</strong>o estivador no porto de Santos. A oportunidade,<<strong>br</strong> />

contudo não aparecia.<<strong>br</strong> />

Em maio de 1938, no quarto ano após a chegada no Brasil,<<strong>br</strong> />

uma boa oportunidade estava para ocorrer. Aconteceria o<<strong>br</strong> />

encontro <strong>com</strong> a pessoa que decidiria o destino de Minoru.<<strong>br</strong> />

Via-se a figura de Minoru entre os estivadores que carregavam<<strong>br</strong> />

as cargas de um navio cargueiro atracado no porto. Minoru<<strong>br</strong> />

trabalhava <strong>com</strong> muita diligência, coberto de poeira e suor, apesar<<strong>br</strong> />

- 210 -


de seu físico não ser muito privilegiado em relação aos demais<<strong>br</strong> />

trabalhadores robustos.<<strong>br</strong> />

Um automóvel passou por perto e a janela do banco traseiro<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>iu-se rapidamente. Um japonês <strong>com</strong> uniforme de oficial<<strong>br</strong> />

colocou a cabeça para fora da janela, dirigindo-se a Minoru, em<<strong>br</strong> />

tom de indagação:<<strong>br</strong> />

- Você é japonês?<<strong>br</strong> />

-...?Sim.<<strong>br</strong> />

- O que faz aqui?<<strong>br</strong> />

- Sou estivador.<<strong>br</strong> />

- Logo se vê. Estou perguntando porque gostaria de saber<<strong>br</strong> />

porque um jovem <strong>com</strong>o você está trabalhando dessa forma, numa<<strong>br</strong> />

terra estrangeira.<<strong>br</strong> />

- Eu vim para o Brasil <strong>com</strong>o imigrante, mas me decepcionei<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o país e quero voltar para o Japão. Como não tenho dinheiro<<strong>br</strong> />

para pagar a passagem de navio, estou trabalhando aqui há três<<strong>br</strong> />

anos, na esperança de encontrar algum navio cargueiro que volte<<strong>br</strong> />

para o Japão e que me deixe embarcar, <strong>com</strong> a condição de poder<<strong>br</strong> />

trabalhar durante a viagem.<<strong>br</strong> />

- Lamento muito. Venha até o hotel onde estou hospedado<<strong>br</strong> />

na sua próxima folga para podermos conversar.<<strong>br</strong> />

Devido à proposta repentina, Minoru não conseguia<<strong>br</strong> />

responder de imediato, quando ouviu-se um grito em português.<<strong>br</strong> />

O capataz repreendia Minoru:<<strong>br</strong> />

- Ei, japonês, não faça corpo mole. Se não trabalhar, será<<strong>br</strong> />

despedido!!<<strong>br</strong> />

Minoru cumprimentou o oficial <strong>com</strong> educação e voltou para<<strong>br</strong> />

- 211 -


o trabalho.<<strong>br</strong> />

- O hotel fica logo ali. Basta procurar pelo Capitão de Fragata<<strong>br</strong> />

Unno. Estarei à sua espera.<<strong>br</strong> />

Passados alguns dias, Minora foi, numa tarde, ainda incrédulo,<<strong>br</strong> />

ao saguão do Hotel Santos. Usava uma camisa de algodão, puída<<strong>br</strong> />

porém limpa. Era um rapaz de 16 anos, cheio de vida.<<strong>br</strong> />

Atendendo à voz de Minoru, que perguntava pelo<<strong>br</strong> />

Comandante Unno na recepção, levantou-se do sofá um cavalheiro<<strong>br</strong> />

que lia um jornal japonês. Unno aguardava Minoru, conforme<<strong>br</strong> />

havia prometido.<<strong>br</strong> />

O carro que levava o Comandante Unno e Minoru, parou<<strong>br</strong> />

numa praia, tendo percorrido a costa litorânea por algum tempo.<<strong>br</strong> />

- O Japão encontra-se numa situação de emergência. Como<<strong>br</strong> />

japonês não se sente envergonhado de trabalhar nesta terra<<strong>br</strong> />

estrangeira, além de ser explorado e receber ordens aos gritos<<strong>br</strong> />

de um <strong>br</strong>asileiro?<<strong>br</strong> />

Minoru respondeu <strong>com</strong> sinceridade o questionamento<<strong>br</strong> />

rigoroso de Unno:<<strong>br</strong> />

- Sim. Eu também gostaria de me tornar alguém útil para a<<strong>br</strong> />

minha Pátria, o Japão. Mas não tenho nem <strong>com</strong>o voltar...<<strong>br</strong> />

- Se você realmente tem essa vontade, posso tomar<<strong>br</strong> />

providências para que regresse ao Japão. Basta arranjar trabalho<<strong>br</strong> />

num navio que esteja levando carga para a Marinha Imperial<<strong>br</strong> />

Japonesa.<<strong>br</strong> />

Minora olhou assustado para Unno. Conhecera-o apenas há<<strong>br</strong> />

alguns dias, e a demonstração de boa vontade de Unno o<<strong>br</strong> />

espantara.<<strong>br</strong> />

- 212 -


- Em troca, gostaria que, ao retornar ao Japão, faça algo<<strong>br</strong> />

que possa ser útil à Pátria. No momento, o Japão está recrutando<<strong>br</strong> />

jovens para que se tornem pilotos. A guerra moderna só poderá<<strong>br</strong> />

ser vencida <strong>com</strong> a união das forças de terra, mar e ar. Há maior<<strong>br</strong> />

urgência em formar pilotos. Regressando ao Japão, gostaria que<<strong>br</strong> />

jovens <strong>com</strong>o você se voluntariassem para a aviação.<<strong>br</strong> />

- Mesmo uma pessoa <strong>com</strong>o eu poderia se alistar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

voluntário?<<strong>br</strong> />

- Mas é claro. Você tem muita capacidade. Basta se alistar e<<strong>br</strong> />

ser aprovado nas provas escritas e de aptidão física.<<strong>br</strong> />

- Se isso for possível, não há nada mais gratificante. Mesmo<<strong>br</strong> />

querendo voltar para o Japão, não sabia o que fazer depois.<<strong>br</strong> />

Apenas desejava voltar e viver <strong>com</strong>o um japonês... Mas agora,<<strong>br</strong> />

tenho grandes esperanças.<<strong>br</strong> />

- E se não houver para quem recorrer quando voltar para o<<strong>br</strong> />

Japão, posso ser o seu responsável. Se puder ajudar na formação<<strong>br</strong> />

de um jovem piloto <strong>com</strong> capacidade e que, <strong>com</strong>o um bom soldado<<strong>br</strong> />

do Imperador puder ser útil à Pátria, não medirei esforços <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

oficial da Marinha Imperial.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado! Estou determinado a tornar-me um exímio<<strong>br</strong> />

militar e súdito do Imperador. Estou disposto a servir de corpo e<<strong>br</strong> />

alma nossa Pátria. - Minoru desceu do carro e em posição de<<strong>br</strong> />

sentido, respondeu a Unno, batendo continência.<<strong>br</strong> />

Unno também respondeu <strong>com</strong> uma continência, e balançou<<strong>br</strong> />

a cabeça, satisfeito por ter encontrado um jovem japonês, de<<strong>br</strong> />

rosto corado e futuro promissor.<<strong>br</strong> />

Logo em seguida, Minoru conseguira voltar são e salvo ao<<strong>br</strong> />

- 213 -


Japão.<<strong>br</strong> />

No outono de 1941, três anos após o regresso de Minoru<<strong>br</strong> />

para o Japão, e sete anos depois da chegada de <strong>Haru</strong> e sua<<strong>br</strong> />

família ao Brasil, o algodoal cultivado por Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

produzia bastante, e o preço de venda daquele ano também era<<strong>br</strong> />

satisfatório. Chûji e os demais japoneses resolveram apostar alto,<<strong>br</strong> />

no intuito de realizar uma colheita no ano seguinte que<<strong>br</strong> />

possibilitasse o regresso para o Japão.<<strong>br</strong> />

Arrendou mais terras, cuja área era quase o do<strong>br</strong>o da atual,<<strong>br</strong> />

contratando até <strong>br</strong>asileiros para des<strong>br</strong>avá-la. Terminando <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

sucesso a semeadura na lavoura ampliada, restava esperar para<<strong>br</strong> />

que a lavoura ficasse toda <strong>br</strong>anca, coberta de algodão.<<strong>br</strong> />

Após a colheita de maio do próximo ano, realizaria, enfim, o<<strong>br</strong> />

sonho de voltar para o Japão. <strong>Haru</strong>, Chûji e Shizu só falavam a<<strong>br</strong> />

respeito disso, em êxtase, de tanta alegria.<<strong>br</strong> />

O ano de 1941, entretanto seria lem<strong>br</strong>ado pelos japoneses.<<strong>br</strong> />

Naquele ano, <strong>Haru</strong> havia <strong>com</strong>pletado 16 anos.<<strong>br</strong> />

"No Brasil, nos meses de outu<strong>br</strong>o e novem<strong>br</strong>o, é<<strong>br</strong> />

primavera, e semeamos algodão nesta época. Neste<<strong>br</strong> />

ano arrendamos e des<strong>br</strong>avamos uma nova área, de<<strong>br</strong> />

tal forma que semeamos em do<strong>br</strong>o. E em maio do<<strong>br</strong> />

ano que vem, quando pudermos colher o algodão,<<strong>br</strong> />

poderemos voltar para o Japão. Estamos <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />

atraso de cinco anos em relação à nossa promessa,<<strong>br</strong> />

mas, desta vez, vamos voltar de verdade. Espere-nos,<<strong>br</strong> />

por favor.<<strong>br</strong> />

- 214 -


Não temos notícias de você, <strong>Natsu</strong>, e nem dos<<strong>br</strong> />

tios de Hokkaido. Mesmo assim, estou escrevendo<<strong>br</strong> />

porque acredito que a carta chegará em suas mãos,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o sempre. Estou ansiosa pelo nosso reencontro.<<strong>br</strong> />

I o . de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />

De <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

Para <strong>Natsu</strong>."<<strong>br</strong> />

Lendo as cartas na sua casa em Tóquio, <strong>Natsu</strong> murmurava<<strong>br</strong> />

inconscientemente:<<strong>br</strong> />

- Faltava dois meses para <strong>com</strong>eçar a guerra <strong>com</strong> os Estados<<strong>br</strong> />

Unidos... Mesmo que tivessem dinheiro, não deviam ter<<strong>br</strong> />

conseguido voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />

Enquanto lia as cartas de <strong>Haru</strong>, esquecera-se da hora de<<strong>br</strong> />

dormir. Já era quase de manhã.<<strong>br</strong> />

No interior de São Paulo, no Brasil, era dezem<strong>br</strong>o, mês em<<strong>br</strong> />

que os <strong>br</strong>otos novos de algodão <strong>com</strong>eçavam a nascer na<<strong>br</strong> />

plantação de algodão de <strong>Haru</strong> e sua família.<<strong>br</strong> />

De repente, Shizu saiu às pressas de casa e gritou, correndo<<strong>br</strong> />

para a lavoura.<<strong>br</strong> />

- Meu bem! <strong>Haru</strong>! Chegou uma carta de Minoru!<<strong>br</strong> />

Chüji se levantou do algodoal e correu rapidamente ao<<strong>br</strong> />

encontro de Shizu. A<strong>br</strong>iu às pressas a carta que Shizu lhe entregara<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong>eçou a ler.<<strong>br</strong> />

-<strong>Haru</strong>! <strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

Com o vozeirão do Chûji, <strong>Haru</strong>, que cuidava da plantação<<strong>br</strong> />

- 215 -


mais distante levantou-se. Ela havia crescido cheia de saúde e se<<strong>br</strong> />

tornara uma bela moça. Os raios de sol do início do verão refletiam<<strong>br</strong> />

nela, iluminando-a.<<strong>br</strong> />

- É uma carta de Minoru!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> correu às pressas em meio à plantação até onde estava<<strong>br</strong> />

Chûji.<<strong>br</strong> />

- Minoru conseguiu concluir o curso preparatório do Corpo<<strong>br</strong> />

de Aviadores de Reserva da Marinha Imperial japonesa. Foi para<<strong>br</strong> />

Santos sozinho, trabalhou por três anos e conseguiu enfim voltar<<strong>br</strong> />

para o Japão... Alistou-se na Aviação Naval... Agora ele é um<<strong>br</strong> />

perfeito soldado do Império. Que maravilha! No Japão, os<<strong>br</strong> />

militares são importantes, mais respeitados do que políticos ou<<strong>br</strong> />

empresários, e o seu trabalho será útil à Pátria. Foi bom ele ter<<strong>br</strong> />

voltado para o Japão.<<strong>br</strong> />

Choravam e riam ao mesmo tempo, olhando um para o outro,<<strong>br</strong> />

orgulhosos do filho e irmão. Com o falecimento do primogênito<<strong>br</strong> />

Shigeru, Minoru era o sucessor da família Takakura. Chûji estava<<strong>br</strong> />

cheio de orgulho por saber que Minoru seguia a carreira de<<strong>br</strong> />

Reserva da Aviação Naval.<<strong>br</strong> />

- Na carta tem alguma coisa escrita so<strong>br</strong>e <strong>Natsu</strong>? - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

perguntou impaciente.<<strong>br</strong> />

- Diz que não consegue nenhuma resposta do tio de<<strong>br</strong> />

Hokkaido, por mais que mande cartas, e mesmo querendo ir ver<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o andam as coisas em Hokkaido, está sem tempo... Escreveu<<strong>br</strong> />

a mesma coisa da vez anterior.<<strong>br</strong> />

- Não recebemos sequer um cartão postal, nem do tio e<<strong>br</strong> />

nem de <strong>Natsu</strong>. O que será que esta acontecendo? - queixou-se<<strong>br</strong> />

- 216 -


<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- É, já se passaram sete anos...<<strong>br</strong> />

Ao pensar em <strong>Natsu</strong>, Shizu sentia um aperto no coração.<<strong>br</strong> />

Não querendo estragar o clima de alegria proporcionado pela<<strong>br</strong> />

carta de Minoru, Chûji encorajou <strong>Haru</strong> e Shizu.<<strong>br</strong> />

- De qualquer forma, colhendo algodão no ano que vem,<<strong>br</strong> />

conseguiremos, pelo menos, dinheiro para <strong>com</strong>prar as passagens<<strong>br</strong> />

de navio de volta para o Japão. Voltando, saberemos de tudo.<<strong>br</strong> />

Até lá, não adianta se preocupar <strong>com</strong> isso ou aquilo, estando no<<strong>br</strong> />

Brasil. Devemos ser gratos, ao menos pelo fato do Minoru ter se<<strong>br</strong> />

tornado militar no Japão...<<strong>br</strong> />

- Se todos esses pés de algodão crescerem sem problemas,<<strong>br</strong> />

poderemos voltar para o Japão sem falta no ano que vem. Desta<<strong>br</strong> />

vez voltaremos de verdade, não é? - <strong>Haru</strong> falava, <strong>com</strong>o se quisesse<<strong>br</strong> />

convencer a si mesma.<<strong>br</strong> />

- Ao pensar que temos que deixar essa lavoura, que foi<<strong>br</strong> />

marcada <strong>com</strong> nosso suor desde que a des<strong>br</strong>avamos, sinto pena,<<strong>br</strong> />

mas não viemos para ficar para sempre. Quando chegar a hora<<strong>br</strong> />

de voltar, voltaremos. <strong>Natsu</strong> nos espera e Minoru também.<<strong>br</strong> />

Com uma certa tristeza, Shizu olhou para a plantação de<<strong>br</strong> />

algodão, que estava verde, pois acabara de <strong>br</strong>otar.<<strong>br</strong> />

- Os j aponeses devem voltar para o Japão e viver orgulhosos<<strong>br</strong> />

de serem japoneses.<<strong>br</strong> />

Enquanto Chûji falava em tom de conselho, um <strong>com</strong>panheiro<<strong>br</strong> />

da mesma vila aproximou-se, chamando o seu nome. Ele<<strong>br</strong> />

aparentava estar na mesma faixa etária de Chûji.<<strong>br</strong> />

- Sr. Takakura!<<strong>br</strong> />

- 217 -


- Olá, sr. Kitagawa.<<strong>br</strong> />

- Ouviu a transmissão de rádio do Japão de anteontem?<<strong>br</strong> />

Disseram que os aviões japoneses atacaram Pearl Harbor no<<strong>br</strong> />

Havaí...<<strong>br</strong> />

- Guerra contra os Estados Unidos?<<strong>br</strong> />

- Não ouvi o rádio pessoalmente, mas correm boatos a<<strong>br</strong> />

respeito.<<strong>br</strong> />

- O Japão estava em guerra contra a China. Não tomaria<<strong>br</strong> />

uma atitude impensada de declarar guerra contra os Estados<<strong>br</strong> />

Unidos. Mas, se for verdade, é formidável. O Japão decidiu entrar<<strong>br</strong> />

em guerra contra os Estados Unidos!<<strong>br</strong> />

Enquanto Chûji e Kitagawa <strong>com</strong>entavam so<strong>br</strong>e a notícia que<<strong>br</strong> />

não fazia o menor sentido, um mensageiro <strong>br</strong>asileiro, montado a<<strong>br</strong> />

cavalo, veio a galope, gritando em português:<<strong>br</strong> />

- Os japoneses devem se reunir imediatamente na praça em<<strong>br</strong> />

frente ao escritório. São ordens do nosso proprietário. É para já.<<strong>br</strong> />

Rápido!<<strong>br</strong> />

Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong> se entreolharam <strong>com</strong> ares de<<strong>br</strong> />

preocupação.<<strong>br</strong> />

Na praça em frente ao escritório do proprietário, estavam<<strong>br</strong> />

reunidos vários japoneses que cultivavam lavoura <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

arrendatários.<<strong>br</strong> />

Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong> juntaram-se ao grupo, apreensivos, sem<<strong>br</strong> />

saber o que acontecia.<<strong>br</strong> />

O administrador, a mando do proprietário americano, subira<<strong>br</strong> />

num palanque e <strong>com</strong>eçara a falar <strong>com</strong> imponência em português.<<strong>br</strong> />

A sua fala era vertida para o japonês por um intérprete:<<strong>br</strong> />

- 218 -


- Transmito um aviso urgente do proprietário: "Há três dias,<<strong>br</strong> />

na manhã do dia 7 de dezem<strong>br</strong>o, hora local, os japoneses<<strong>br</strong> />

atacaram de surpresa a frota americana atracada em Pearl Harbor<<strong>br</strong> />

no Havaí, e os Estados Unidos entraram em guerra contra o<<strong>br</strong> />

Japão. A partir de hoje, os japoneses são inimigos dos Estados<<strong>br</strong> />

Unidos. Os Estados Unidos sofreram grandes danos. Não há<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o perdoar o Japão! Havia arrendado a minha propriedade<<strong>br</strong> />

aos japoneses, mas não vou mais fazê-lo aos nacionais do país<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> quem estamos em guerra. Os contratos estão todos<<strong>br</strong> />

cancelados. Os japoneses devem sair daqui imediatamente!"<<strong>br</strong> />

- Sair daqui... Estão nos expulsando?! - Chûji foi o primeiro<<strong>br</strong> />

a protestar.<<strong>br</strong> />

- Como fica a lavoura?! Nós des<strong>br</strong>avamos a mata e<<strong>br</strong> />

transformamos a terra em lavoura.<<strong>br</strong> />

- As casas também! Fomos nós que trabalhamos e<<strong>br</strong> />

construímos!<<strong>br</strong> />

Surgiram vozes de insatisfação, vindas de Kitagawa e outros<<strong>br</strong> />

japoneses.<<strong>br</strong> />

- O terreno pode ter sido arrendado, mas as lavouras, as<<strong>br</strong> />

casas e as plantações são nossas. Ainda que pense ser o<<strong>br</strong> />

proprietário, não pode fazer o que bem entender!<<strong>br</strong> />

Seguindo os protestos de Chûji, os demais japoneses fizeram<<strong>br</strong> />

coro. Naquele momento, os seguranças do administrador<<strong>br</strong> />

apontaram, ao mesmo tempo, os rifles para Chûji e os demais<<strong>br</strong> />

manifestantes.<<strong>br</strong> />

- Saiam em 24 horas! Se não saírem, atiraremos para matar,<<strong>br</strong> />

sem piedade! Isto é uma guerra dos Estados Unidos contra o<<strong>br</strong> />

- 219 -


Japão!! - ordenou taxativamente o administrador.<<strong>br</strong> />

O prazo dado era de apenas 24 horas. Preparando-se para<<strong>br</strong> />

sair às pressas, <strong>Haru</strong> não podia conter a sua indignação:<<strong>br</strong> />

- Agora que tivemos a esperança de colher o algodão no<<strong>br</strong> />

ano que vem, e voltarmos para o Japão... Vamos perder tudo!<<strong>br</strong> />

Como pode acontecer uma coisa dessas?!<<strong>br</strong> />

- O azar foi termos arrendado terras de um americano.<<strong>br</strong> />

Até mesmo Chûji, que costumava incentivar a família, não<<strong>br</strong> />

escondia o desalento.<<strong>br</strong> />

- Não podemos voltar já para o Japão? Se a guerra <strong>com</strong>eçar,<<strong>br</strong> />

precisamos estar no Japão... Se ficarmos aqui, o que poderá nos<<strong>br</strong> />

acontecer...? E <strong>Natsu</strong>? Não podemos deixá-la <strong>com</strong>o está...<<strong>br</strong> />

- O dinheiro que temos não é suficiente para três passagens<<strong>br</strong> />

de navio até o Japão. E além disso, <strong>com</strong> o início da guerra, não<<strong>br</strong> />

haverá navio para o Japão.<<strong>br</strong> />

Em dezem<strong>br</strong>o de 1941, a Guerra do Pacífico teve início e<<strong>br</strong> />

as relações diplomáticas entre o Brasil, que se alinhou <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

Estados Unidos, e o Japão, foram rompidas. No ano seguinte,<<strong>br</strong> />

em 1942, todos os órgãos de representação diplomática japonesa<<strong>br</strong> />

no Brasil saíram do país, e os imigrantes japoneses que<<strong>br</strong> />

atravessaram os oceanos para trabalharem no Brasil, incentivados<<strong>br</strong> />

pelo governo, foram pegos de surpresa e deixados no Brasil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

súditos inimigos.<<strong>br</strong> />

Shizu estava desolada, e nem tinha ânimo para se mover.<<strong>br</strong> />

- Saindo daqui, para onde iremos?<<strong>br</strong> />

-No Brasil há muitos japoneses. Não há outro jeito senão<<strong>br</strong> />

irmos em busca dos <strong>com</strong>panheiros e conhecidos.<<strong>br</strong> />

- 220 -


-Nós não temos contatos...<<strong>br</strong> />

-E a família Yamashita, de Santos...?<<strong>br</strong> />

Chûji interrompeu <strong>Haru</strong>, balançando negativamente a cabeça.<<strong>br</strong> />

- O sr. Yamashita ainda não conseguiu montar sua fá<strong>br</strong>ica e<<strong>br</strong> />

trabalha <strong>com</strong>o estivador. Sua esposa teria conseguido um emprego<<strong>br</strong> />

de doméstica, e mal conseguem se sustentar. Não podemos<<strong>br</strong> />

procurar por eles numa situação dessas. Nós precisamos de um<<strong>br</strong> />

lugar onde haja terra... Não sabemos fazer nada a não ser trabalho<<strong>br</strong> />

de lavoura...<<strong>br</strong> />

Mesmo assim, não havia <strong>com</strong>o voltar para a fazenda onde<<strong>br</strong> />

Yozo havia ficado. Havia uma única esperança:<<strong>br</strong> />

- Lem<strong>br</strong>am do jovem casal que estava no mesmo camarote<<strong>br</strong> />

do navio de imigração para o Brasil?<<strong>br</strong> />

- Ah sim, o sr. Nakayama de Hiroshima. Eu recebi uma carta<<strong>br</strong> />

de sua esposa. Parece ser bem no interior, mas tem muitos<<strong>br</strong> />

japoneses aponto de formar uma vila... -<strong>Haru</strong> disse, lem<strong>br</strong>andose<<strong>br</strong> />

do casal.<<strong>br</strong> />

Quando o navio chegou no porto de Santos, o casal<<strong>br</strong> />

Nakayama seguira para seu destino, despedindo-se de <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />

sua família, que iriam para a Hospedaria dos Imigrantes.<<strong>br</strong> />

- Eles foram chamados por seu tio, que possui a maior gleba<<strong>br</strong> />

de terra dessa vila. Ao redor ainda existem muitas terras virgens<<strong>br</strong> />

que, des<strong>br</strong>avando, podem se tornar uma boa lavoura. Parece<<strong>br</strong> />

que ainda recebem japoneses.<<strong>br</strong> />

- Vamos <strong>com</strong>eçar tudo de novo? - disse Shizu, ainda<<strong>br</strong> />

inconformada e desanimada.<<strong>br</strong> />

Faltava tão pouco. Tomaram a grande decisão de ampliar a<<strong>br</strong> />

- 221 -


plantação de algodão e estavam eufóricos, pois poderiam voltar<<strong>br</strong> />

para o Japão no ano seguinte. Era <strong>com</strong>o se tivessem caído, do<<strong>br</strong> />

céu para o inferno. Esse era o estado de espírito de <strong>Haru</strong> e seus<<strong>br</strong> />

pais.<<strong>br</strong> />

- Não podemos regressar enquanto o Japão não vencer a<<strong>br</strong> />

guerra. Vamos aguardar o término da guerra por lá... Ei, não<<strong>br</strong> />

adianta empacotar tudo isso! Será uma longa viagem de trem.<<strong>br</strong> />

Leve somente os pertences necessários.<<strong>br</strong> />

Advertida por Chûji, a desolação de Shizu se acentuou.<<strong>br</strong> />

- Todo o sacrifício foi em vão. Teremos que deixar a lavoura,<<strong>br</strong> />

a casa... Agora que tínhamos conseguido chegar até aqui...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ajudou Shizu em silêncio, colocando os alimentos numa<<strong>br</strong> />

bolsa.<<strong>br</strong> />

Na manhã seguinte, antes do céu clarear, <strong>Haru</strong> cuidava dos<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>otos na plantação, quando Chüji, que acabara de acordar,<<strong>br</strong> />

apareceu:<<strong>br</strong> />

- O que está fazendo na lavoura, apesar de não ter dormido?<<strong>br</strong> />

-Ainda temos um pouco de tempo até sairmos daqui. Queria<<strong>br</strong> />

cuidar um pouco mais da plantação...<<strong>br</strong> />

Chüji olhou para <strong>Haru</strong>, sem palavras.<<strong>br</strong> />

-Vejam estes <strong>br</strong>otos firmes. Com certeza crescerão fortes e<<strong>br</strong> />

terão belos frutos de algodão. Mas quem cuidará deles depois<<strong>br</strong> />

que partirmos?<<strong>br</strong> />

Era a lavoura que <strong>Haru</strong> e sua família cultivara após árduo<<strong>br</strong> />

des<strong>br</strong>avamento. Não importava quem ficasse, mas <strong>Haru</strong> desejava<<strong>br</strong> />

que cuidassem bem da lavoura. Se alguém cultivasse algo nessa<<strong>br</strong> />

terra, os sacrifícios de <strong>Haru</strong> e sua família não teriam sido em vão.<<strong>br</strong> />

- 222 -


Poderia retribuir, ainda que fosse o mínimo, para o Brasil.<<strong>br</strong> />

- O algodão que semeamos... Que cresçam fortes e tenham<<strong>br</strong> />

muitos frutos. - disse <strong>Haru</strong>, em prantos, aos <strong>br</strong>otos de algodão,<<strong>br</strong> />

despedindo-se da lavoura.<<strong>br</strong> />

O trem percorria a planície <strong>br</strong>asileira, lotado de famílias<<strong>br</strong> />

japonesas que haviam sido expulsas pelo proprietário americano.<<strong>br</strong> />

Chüji, Shizu, <strong>Haru</strong>, e também a família Kitagawa, estavam<<strong>br</strong> />

todos calados, no limite do esgotamento, tanto físico quanto<<strong>br</strong> />

psicológico.<<strong>br</strong> />

O trem parou numa certa estação. A família Kitagawa e outras<<strong>br</strong> />

desembarcaram. Estavam todos <strong>com</strong> a aparência séria de quem<<strong>br</strong> />

enfrentaria grandes dificuldades.<<strong>br</strong> />

- Vamos ficar todos separados...<<strong>br</strong> />

Shizu sentia-se desamparada pela separação dos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiros que haviam conhecido e ajudado mutuamente.<<strong>br</strong> />

- Vamos nos encontrar quando terminar a guerra.<<strong>br</strong> />

Esperaremos ansiosamente!<<strong>br</strong> />

Kitagawa concordou, balançando a cabeça <strong>com</strong> firmeza ao<<strong>br</strong> />

encorajamento de Chûji.<<strong>br</strong> />

- Cuidem da saúde!!<<strong>br</strong> />

O trem <strong>com</strong>eçou a andar devagar. Chûji e a família acenavam<<strong>br</strong> />

para Kitagawa, <strong>com</strong> o corpo para fora da janela do trem em<<strong>br</strong> />

andamento.<<strong>br</strong> />

O trem <strong>com</strong>eçou a aumentar a velocidade.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> desviou o olhar da janela, de onde se via a vastidão da<<strong>br</strong> />

planície.<<strong>br</strong> />

- Estamos em número cada vez menor... Todos ficaram sem<<strong>br</strong> />

- 223 -


nada... Espero que dêem certo no novo local...<<strong>br</strong> />

-Numa hora dessas, os japoneses são fortes. Ajudando uns<<strong>br</strong> />

aos outros e unindo forças, transporemos as dificuldades. Essa é<<strong>br</strong> />

a índole do japonês, que jamais será vencido, onde quer que<<strong>br</strong> />

esteja. Nós também alcançaremos a vitória final, e aqueles que<<strong>br</strong> />

menosprezaram os japoneses se arrependerão. O Japão vencerá,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> certeza. Lutaremos confiantes.<<strong>br</strong> />

A fúria de Chûji se transformara no apego ao fato de ser<<strong>br</strong> />

japonês.<<strong>br</strong> />

O trem fazia a curva, apitando longamente.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> voltou a si, no momento em que o trem ressuscitara em<<strong>br</strong> />

sua mente e se afastava até desaparecer por <strong>com</strong>pleto.<<strong>br</strong> />

As cartas de <strong>Natsu</strong> haviam sido abertas, uma a uma, e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

pegou a última carta, cujo carimbo era de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />

Esta carta fora remetida uns dois meses antes do ataque<<strong>br</strong> />

japonês a Pearl Harbor... Esta era a última carta de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Curiosamente, as duas haviam remetido as respectivas cartas,<<strong>br</strong> />

cerca de dois meses antes do início da guerra.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>iu a última carta, Yamato espiou por trás<<strong>br</strong> />

da avó.<<strong>br</strong> />

"Depois que o vovô Toku morreu, fiquei só.<<strong>br</strong> />

Preocupados <strong>com</strong>igo, os meninos que vovô Toku<<strong>br</strong> />

tratava <strong>com</strong> carinho, bem <strong>com</strong>o as pessoas para<<strong>br</strong> />

quem ele fez favores enquanto vivo, vêm me ajudar<<strong>br</strong> />

e trazer <strong>com</strong>ida para mim. Estou vivendo rodeada<<strong>br</strong> />

de gente, mais do que quando vivia <strong>com</strong> vovô Toku.<<strong>br</strong> />

- 224 -


Os clientes que <strong>com</strong>pravam queijo se preocupam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo, e sou muito grata por isso.<<strong>br</strong> />

Já se passaram sete anos desde que vocês foram<<strong>br</strong> />

para o Brasil. Esperei muito, mas agora não estou<<strong>br</strong> />

esperando mais. Mesmo que não consigam voltar<<strong>br</strong> />

para o Japão, o que importa é que vocês estejam<<strong>br</strong> />

bem no Brasil. Não tenho recebido qualquer notícia.<<strong>br</strong> />

Estou lhe enviando as minhas últimas notícias,<<strong>br</strong> />

temendo que estejam preocupados por mim. Cuide<<strong>br</strong> />

bem da saúde.<<strong>br</strong> />

3 de outu<strong>br</strong>o de 1941.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> "<<strong>br</strong> />

Com um olhar vivido, <strong>Natsu</strong> cuidava alegremente das vacas.<<strong>br</strong> />

A menina que cerrava os lábios para suportar os dias árduos<<strong>br</strong> />

e vivia chorando por ter sido deixada só em Hokkaido,<<strong>br</strong> />

desaparecera totalmente. <strong>Natsu</strong>, nos seus 14 anos, exalava alegria<<strong>br</strong> />

e vitalidade.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu entraram correndo no estábulo deixado por<<strong>br</strong> />

Tokuji. Eram dois amigos de infância, ambos <strong>com</strong> 16 anos de<<strong>br</strong> />

idade, moradores da vizinhança.<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>, ouviu o noticiário?! -Kinta ainda estava ofegante.<<strong>br</strong> />

- Sim. Que os aviões da Marinha Imperial atacaram um porto<<strong>br</strong> />

não sei do quê no Havaí, e afundaram muitos navios de guerra<<strong>br</strong> />

dos Estados Unidos. -<strong>Natsu</strong> respondeu, sem descansar as mãos.<<strong>br</strong> />

- Começou a guerra <strong>com</strong> os Estados Unidos. O que será<<strong>br</strong> />

que vai acontecer daqui para frente? - disse Tsutomu, aparentando<<strong>br</strong> />

- 225 -


preocupação.<<strong>br</strong> />

- Entrando em guerra <strong>com</strong> os Estados Unidos, seus pais e<<strong>br</strong> />

sua família vão conseguir voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />

Ao olhar preocupado de Kinta, <strong>Natsu</strong> respondeu <strong>com</strong> ar de<<strong>br</strong> />

alívio:<<strong>br</strong> />

- Já desisti deles há muito tempo. Devem ter esquecido de<<strong>br</strong> />

mim. Não importa se estamos em guerra ou não, vou continuar<<strong>br</strong> />

protegendo e cuidando das vacas do vovô Toku, e continuarei<<strong>br</strong> />

fazendo queijos para os clientes que os apreciam. Nada vai mudar<<strong>br</strong> />

para vocês também, não é?<<strong>br</strong> />

- Não há <strong>com</strong>o mudar, mesmo que o país esteja em guerra.<<strong>br</strong> />

Vou continuar ajudando no pasto do meu pai..., ajudar você,<<strong>br</strong> />

quando der... - Kinta balbuciou, meio sem jeito.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, então, incitou-o a trabalhar:<<strong>br</strong> />

- Vá alimentar logo as vacas!<<strong>br</strong> />

- Eu sei. É para isso que viemos. Vovô Toku nos deu tanto<<strong>br</strong> />

carinho, mas não pudemos retribuir enquanto ele esteve vivo.<<strong>br</strong> />

Por isso estou retribuindo ao vovô Toku, e não para ajudar você.<<strong>br</strong> />

Não tenho razões para ser explorado por você. Não me dê<<strong>br</strong> />

ordens!<<strong>br</strong> />

Mesmo reclamando, Kinta alimentou as vacas <strong>com</strong> ração,<<strong>br</strong> />

conforme as instruções de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Pare <strong>com</strong> ladainhas e trabalhe sem reclamar.<<strong>br</strong> />

Apesar das discussões, Kinta e <strong>Natsu</strong> se davam muito bem.<<strong>br</strong> />

Amanhecera em Tóquio, sem <strong>Haru</strong> tivesse conseguido dormir.<<strong>br</strong> />

- 226 -


Ao terminar de ler a última carta de <strong>Natsu</strong>, <strong>Haru</strong> devolveu-a<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>e o maço, juntamente <strong>com</strong> as outras cartas. Cansada da<<strong>br</strong> />

leitura, tirou os óculos e piscou os olhos por algumas vezes.<<strong>br</strong> />

- Graças a essas cartas que foram encontradas, pude saber<<strong>br</strong> />

um pouco da <strong>Natsu</strong>, que deixamos no Japão. É óbvio que gostaria<<strong>br</strong> />

de saber dela no período pós-guerra... Queria encontrar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> e conversar so<strong>br</strong>e muitas coisas. Mas, se <strong>Natsu</strong> não quer<<strong>br</strong> />

me ver, o que posso fazer? Pelo menos pude ver <strong>com</strong>o ela está<<strong>br</strong> />

e, só por isso, valeu a pena ter vindo para o Japão. Não tenho<<strong>br</strong> />

mais nada que me prenda aqui.<<strong>br</strong> />

- A vovó lhe escreveu depois?<<strong>br</strong> />

- Escrevi o que se passara desde o início da guerra até o seu<<strong>br</strong> />

término, e enviei quando os serviços postais para o Japão foram<<strong>br</strong> />

reiniciados. Mas creio que não tenha chegado nas mãos de<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>...<<strong>br</strong> />

- Mesmo o tio de Hokkaido não tinha <strong>com</strong>o entregar as<<strong>br</strong> />

cartas por não saber o paradeiro da dona <strong>Natsu</strong>. Quem sabe,<<strong>br</strong> />

eles as tenham guardado até hoje. Se ela pudesse ler aquelas<<strong>br</strong> />

cartas, certamente <strong>com</strong>preenderia seus verdadeiros sentimentos.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> riu amargamente. <strong>Natsu</strong> não recebera as cartas que<<strong>br</strong> />

deveriam ter chegado enquanto estava na casa do tio. Agora, a<<strong>br</strong> />

casa de Hokkaido fora demolida, e nenhum vizinho sabia do<<strong>br</strong> />

paradeiro da família.<<strong>br</strong> />

-Não há razão para que aquelas cartas ainda existam.<<strong>br</strong> />

- A senhora não queria passar o resto da sua vida <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

dona <strong>Natsu</strong> aqui no Japão? Não foi para isso que veio para o<<strong>br</strong> />

Japão? Vovó, vamos procurar as suas cartas!<<strong>br</strong> />

- 227 -


- Não há ninguém que possa ter guardado aquelas cartas.<<strong>br</strong> />

As pessoas da família do tio foram frias conosco. As minhas<<strong>br</strong> />

cartas eram <strong>com</strong>o se fosse lixo para eles.<<strong>br</strong> />

- Conseguindo reservar o vôo de amanhã, irei embora. O<<strong>br</strong> />

Japão me cansa. Quero voltar para o Brasil. A terra natal da<<strong>br</strong> />

vovó é o Brasil, não é o Japão. Senti isso ao vir para cá.<<strong>br</strong> />

Sentindo-se satisfeita pela preocupação sincera de Yamato,<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> deitou seu corpo cansado na cama.<<strong>br</strong> />

O cansaço não era somente pela falta de sono. O peso no<<strong>br</strong> />

coração de <strong>Haru</strong>, por não ter feito as pazes <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>, iria<<strong>br</strong> />

sufocá-la dali em diante.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> Yamabe também passara a noite em claro, <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Havia, nas mãos de <strong>Natsu</strong>, a última carta que <strong>Haru</strong> postara<<strong>br</strong> />

após o termino da guerra.<<strong>br</strong> />

- Outu<strong>br</strong>o de 1946... Um ano depois do término da guerra...<<strong>br</strong> />

- murmurando para si mesma, <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou a lê-la.<<strong>br</strong> />

"Foi uma longa guerra. Espero que você esteja<<strong>br</strong> />

bem. Sempre nos preocupávamos <strong>com</strong> você, mas<<strong>br</strong> />

mesmo escrevendo, não havia <strong>com</strong>o enviar cartas<<strong>br</strong> />

para o Japão. Por isso, desisti de escrever. Finalmente,<<strong>br</strong> />

re<strong>com</strong>eçaram a aceitar correspondências para o<<strong>br</strong> />

Japão, e volto a escrever depois de cinco anos.<<strong>br</strong> />

Com o inesperado início da guerra entre o Japão<<strong>br</strong> />

e os Estados Unidos, a lavoura, a casa, os sonhos,<<strong>br</strong> />

- 228 -


tudo foi tomado de repente de nós, e tivemos que fugir<<strong>br</strong> />

para uma terra desconhecida. "<<strong>br</strong> />

Expulsos das terras do americano, <strong>Haru</strong> e sua família foram<<strong>br</strong> />

atrás de Shozo Nakayama, na vila de japoneses no interior do<<strong>br</strong> />

estado de São Paulo, contando <strong>com</strong> a sua ajuda, pelo fato de<<strong>br</strong> />

terem viajado no mesmo navio de emigração.<<strong>br</strong> />

Algumas famílias, inclusive os Takakura, desceram do trem<<strong>br</strong> />

numa determinada estação e foram colocadas num caminhão.<<strong>br</strong> />

À medida em que o caminhão, que transportava <strong>Haru</strong>, sua<<strong>br</strong> />

família e outros japoneses na carroceria, adentrava, aos poucos,<<strong>br</strong> />

pelo interior, puderam ver a terra des<strong>br</strong>avada e também avistar<<strong>br</strong> />

os japoneses que ali moravam.<<strong>br</strong> />

O caminhão parou diante de um grande galpão.<<strong>br</strong> />

Em frente ao prédio, estavam reunidos vários japoneses.<<strong>br</strong> />

Fazendeiros da vila esperavam pelos japoneses, que haviam sido<<strong>br</strong> />

expulsos das terras que cultivavam, a exemplo da família Takakura.<<strong>br</strong> />

Entre eles, estava Kotaro Nakayama, que possuía a maior<<strong>br</strong> />

gleba de terra da vila e era também o presidente da Associação<<strong>br</strong> />

de Japoneses e seus descendentes. Com seus cinqüenta e poucos<<strong>br</strong> />

anos, deixava transparecer simpatia, em meio à sua forte presença.<<strong>br</strong> />

- Sejam bem-vindos. Estávamos esperando por vocês. Já<<strong>br</strong> />

previa que alguns viriam para nossa vila, e por isso enviei pessoas<<strong>br</strong> />

para buscá-los na estação. Vocês sofreram muito <strong>com</strong> o início<<strong>br</strong> />

da guerra do Japão contra os Estados Unidos, não?<<strong>br</strong> />

Perplexo <strong>com</strong> a atitude de Kotaro, que correra em direção<<strong>br</strong> />

ao caminhão para receber as pessoas que estavam na carroceria,<<strong>br</strong> />

- 229 -


Chûji perguntou:<<strong>br</strong> />

- Como souberam de nós?<<strong>br</strong> />

- Esse tipo de notícia se espalha rapidamente entre os<<strong>br</strong> />

japoneses.<<strong>br</strong> />

Quem ajudou <strong>Haru</strong> e Shizu a descerem da carroceria foi Ryuta,<<strong>br</strong> />

o filho mais velho de Kotaro. <strong>Haru</strong>, que nunca havia sido<<strong>br</strong> />

escoltada, apoiou-se <strong>com</strong> timidez na mão de Ryuta. Tratava-se<<strong>br</strong> />

de um jovem simpático de 24 anos.<<strong>br</strong> />

Shozo Nakayama, que viajara no mesmo camarote do navio<<strong>br</strong> />

de emigração, rapidamente avistou e chamou Chûji:<<strong>br</strong> />

- Sr. Takakura!<<strong>br</strong> />

Tratava-se do so<strong>br</strong>inho de Kotaro, que havia sido chamado<<strong>br</strong> />

de Hiroshima para vir para o Brasil, pois precisavam de alguém<<strong>br</strong> />

para cuidar da contabilidade. Shozo, que à época da viagem de<<strong>br</strong> />

navio ainda estava <strong>com</strong> vinte e poucos anos, já devia ter passado<<strong>br</strong> />

um pouco dos trinta.<<strong>br</strong> />

- Finalmente chegamos, sr. Nakayama. Não conseguimos<<strong>br</strong> />

pensar em ir para outro lugar... Foi tudo muito de repente e não<<strong>br</strong> />

tivemos tempo de avisar. Viemos, sabendo que iríamos causar<<strong>br</strong> />

incômodo...<<strong>br</strong> />

Percebendo o constrangimento de Chûji, Shozo recebeu-os<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />

- Com tudo que tem acontecido, estávamos a espera de que<<strong>br</strong> />

alguns dos nossos conhecidos viessem para cá em busca de ajuda.<<strong>br</strong> />

Achávamos que talvez vocês também viessem. São para ocasiões<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o esta que servem os patrícios. Sejam bem-vindos. Que bom<<strong>br</strong> />

que sua esposa e <strong>Haru</strong> estejam sãs e salvas.<<strong>br</strong> />

- 230 -


Aqui e ali, conhecidos se a<strong>br</strong>açavam e <strong>com</strong>emoravam por<<strong>br</strong> />

estarem bem e pelo reencontro.<<strong>br</strong> />

- Com o início da guerra, as coisas ficarão perigosas por aí,<<strong>br</strong> />

mas aqui é uma colônia de japoneses. Manteremos a ordem para<<strong>br</strong> />

que todos vivam sem preocupação.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada pela hospitalidade, e por ter nos recebido.<<strong>br</strong> />

- Shizu agradeceu, educadamente, o gesto cordial de Shozo.<<strong>br</strong> />

Percebendo que Kotaro e Ryuta estavam ao seu lado, Shozo<<strong>br</strong> />

apresentou sua família a Chûji:<<strong>br</strong> />

- Meu tio Kotaro e Ryuta, o seu filho mais velho.<<strong>br</strong> />

E depois, apresentou para Kotaro e Ryuta:<<strong>br</strong> />

- Esta é a família do sr. Takakura, <strong>com</strong> quem viajei no navio<<strong>br</strong> />

de emigração.<<strong>br</strong> />

- Vocês passaram por muitas dificuldades, não?<<strong>br</strong> />

Providenciamos um teto para se protegerem das chuvas e sereno,<<strong>br</strong> />

embora não seja mais do que uma cabana. Mais tarde podemos<<strong>br</strong> />

conversar <strong>com</strong> calma quanto ao que fazer no futuro. Vão<<strong>br</strong> />

descansar primeiro. Jantaremos juntos esta noite, quando<<strong>br</strong> />

poderemos conversar so<strong>br</strong>e vários assuntos.<<strong>br</strong> />

Após confortar Chûji, Kotaro virou para seu filho Ryuta e<<strong>br</strong> />

disse:<<strong>br</strong> />

- A<strong>com</strong>panhe os Takakura, então.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e sua família foram levados por Ryuta até uma<<strong>br</strong> />

construção que, de fato, mais parecia uma cabana, onde viveriam<<strong>br</strong> />

provisoriamente. Era antiga e simples, mas estava limpa e<<strong>br</strong> />

arrumada, podendo-se sentir as providências e a consideração<<strong>br</strong> />

dos Nakayama.<<strong>br</strong> />

- 231 -


- Foi tudo muito de repente e não pudemos preparar nada<<strong>br</strong> />

melhor. As pessoas da vila trouxeram os apetrechos necessários,<<strong>br</strong> />

tais <strong>com</strong>o roupa de cama e outras coisas mais. Se precisarem de<<strong>br</strong> />

alguma outra coisa, não façam cerimônia. Faremos o possível<<strong>br</strong> />

para atendê-los.<<strong>br</strong> />

- Quanta preocupação... Fazem tudo isso por nós sem nos<<strong>br</strong> />

conhecer... - Shizu se curvou agradecendo.<<strong>br</strong> />

Ryuta, a<strong>br</strong>indo um sorriso afetuoso, disse:<<strong>br</strong> />

- Nós também fomos ajudados quando precisamos. No<<strong>br</strong> />

Brasil, os japoneses precisam se ajudar uns aos outros. Esta vila<<strong>br</strong> />

surgiu desta forma.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada. - Shizu agradeceu, curvando-se várias<<strong>br</strong> />

vezes.<<strong>br</strong> />

- Bom, primeiramente, gostaria de avisar algumas coisas.<<strong>br</strong> />

O sorriso de Ryuta desapareceu, sendo substituído por um<<strong>br</strong> />

semblante sério e enrijecido.<<strong>br</strong> />

- Dentro de casa podem conversar em japonês, mas, uma<<strong>br</strong> />

vez fora, falem o mais que puderem em português. Isto por causa<<strong>br</strong> />

da fiscalização da polícia <strong>br</strong>asileira...<<strong>br</strong> />

Chûji olhou incrédulo.<<strong>br</strong> />

- Como o Brasil é aliado dos Estados Unidos, estão<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçando a pressionar os japoneses. É melhor não ouvir<<strong>br</strong> />

abertamente as transmissões de noticiários em japonês pelo rádio,<<strong>br</strong> />

pois estão atentos se não estamos em contato <strong>com</strong> informações<<strong>br</strong> />

que lhes são inconvenientes. É melhor não provocarmos muito<<strong>br</strong> />

os <strong>br</strong>asileiros nessas horas... Não há outra saída, a não ser<<strong>br</strong> />

obedecermos as regras até o término da guerra. Se criarmos<<strong>br</strong> />

- 232 -


caso <strong>com</strong> os <strong>br</strong>asileiros agora, poderemos causar incômodo a<<strong>br</strong> />

todos os japoneses desta vila...<<strong>br</strong> />

A preocupação de Ryuta dizia respeito auma série de medidas<<strong>br</strong> />

rigorosas que o Brasil havia imposto aos imigrantes japoneses<<strong>br</strong> />

residentes no país.<<strong>br</strong> />

Quando a guerra <strong>com</strong>eçou, os japoneses residentes no<<strong>br</strong> />

território <strong>br</strong>asileiro, foram considerados súditos inimigos, não lhes<<strong>br</strong> />

sendo permitido o uso da língua japonesa fora das respectivas<<strong>br</strong> />

residências. Além disso, proibiram reuniões ou encontros entre<<strong>br</strong> />

japoneses e, suspeitavam de programas de rádio transmitidos do<<strong>br</strong> />

Japão, pois achavam que poderiam estar tramando algo que<<strong>br</strong> />

pudesse prejudicar a segurança nacional. Assim, nem podiam<<strong>br</strong> />

mais ouvir o rádio <strong>com</strong> sossego.<<strong>br</strong> />

Os jornais em idiomajaponês que circulavam até então foram<<strong>br</strong> />

proibidos a partir de outu<strong>br</strong>o, pouco antes do início da guerra.<<strong>br</strong> />

Assim, os únicos meios de tomarem conhecimento do que<<strong>br</strong> />

acontecia no mundo eram através de pequenos grupos de nisseis<<strong>br</strong> />

que conseguiam ler os jornais <strong>br</strong>asileiros, ou ouvir o rádio em<<strong>br</strong> />

segredo.<<strong>br</strong> />

Por isso, durante a guerra, os japoneses foram forçados a<<strong>br</strong> />

viverem fechados e isolados da sociedade, sem receber quase<<strong>br</strong> />

nenhuma informação.<<strong>br</strong> />

Isso traria, mais tarde uma grande tragédia para a <strong>com</strong>unidade<<strong>br</strong> />

japonesa do Brasil...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficara constrangida, quando Ryuta lhe dissera para falar<<strong>br</strong> />

em português.<<strong>br</strong> />

- Huumm... É que eu quase não falo português...<<strong>br</strong> />

- 233 -


- Como? Já não estão aqui há sete anos? E não falam<<strong>br</strong> />

português?<<strong>br</strong> />

Chûji respondeu no lugar de <strong>Haru</strong>, diante da surpresa de<<strong>br</strong> />

Ryuta:<<strong>br</strong> />

-É que até então, só mantivemos contatos <strong>com</strong> japoneses, e<<strong>br</strong> />

assim não precisávamos falar português. E <strong>com</strong>o não<<strong>br</strong> />

pretendíamos morar no Brasil para sempre, não incentivei a minha<<strong>br</strong> />

filha a aprender o português. Acho que está tudo bem assim.<<strong>br</strong> />

- Mas agora não se aceita esta forma de pensar. Não<<strong>br</strong> />

podemos viver sem ter contato <strong>com</strong> os <strong>br</strong>asileiros e, saindo da<<strong>br</strong> />

colônia, mesmo os japoneses têm que conversar em português<<strong>br</strong> />

entre si...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou envergonhada.<<strong>br</strong> />

- Se quiser, eu posso ensinar. Durante o dia, trabalho na<<strong>br</strong> />

lavoura, mas se puder ajudar no meu serviço, posso ensinar<<strong>br</strong> />

enquanto trabalhamos. Se for à noite, pode vir em casa...<<strong>br</strong> />

- De qualquer maneira, precisamos trabalhar. Então, se<<strong>br</strong> />

pudermos ajudar o sr. Nakayama...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se sentira aliviada <strong>com</strong> a gentileza de Ryuta e aceitou a<<strong>br</strong> />

sua proposta. Shizu também se mostrou interessada:<<strong>br</strong> />

- Realmente, nós não podemos ficar sem fazer nada. Pode<<strong>br</strong> />

ser qualquer tipo de serviço... Papai também poderia trabalhar<<strong>br</strong> />

conosco...<<strong>br</strong> />

- Serviço tem bastante. A lavoura é imensa e estamos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

falta de mão-de-o<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />

Ryuta ofereceu ajuda, pensando no futuro da família Takakura,<<strong>br</strong> />

mas Chûji não gostou da idéia.<<strong>br</strong> />

- 234 -


- Se possível, gostaria de <strong>com</strong>prar terras. Quero fazer uma<<strong>br</strong> />

lavoura na minha terra e cultivar o que eu quiser. Preciso que a<<strong>br</strong> />

minha filha me ajude no trabalho e, portanto não poderá trabalhar<<strong>br</strong> />

na sua lavoura. Agradeço muito, mas...<<strong>br</strong> />

- Entendi. Quanto à aquisição da terra, vamos cuidar logo.<<strong>br</strong> />

Como nos encontraremos hoje à noite, por ora, descansem.<<strong>br</strong> />

Quando Ryuta foi embora, Chüji encarou suas costas, e sequer<<strong>br</strong> />

saiu para a<strong>com</strong>panhá-lo.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> irritou-se <strong>com</strong> a atitude do pai:<<strong>br</strong> />

-Não é falta de educação? Ele está falando pelo nosso bem...<<strong>br</strong> />

- Quem ele pensa que é querendo mandar em nós? Faça<<strong>br</strong> />

isso, faça aquilo... É claro que lhe sou grato portemos ajudado.<<strong>br</strong> />

Mas não há motivo para recebermos ordens ou sermos<<strong>br</strong> />

explorados por eles. Se <strong>com</strong>prarmos nossa terra e fizermos uma<<strong>br</strong> />

lavoura seremos iguais, ainda que tenhamos chegado depois. Não<<strong>br</strong> />

há motivo para eles estarem <strong>com</strong> ar de superioridade.<<strong>br</strong> />

- Papai, por que você está <strong>br</strong>avo?<<strong>br</strong> />

- Que negocio é esse de que devemos falar em português,<<strong>br</strong> />

mesmo entre os japoneses, quando estivermos fora dessa vila?<<strong>br</strong> />

Não importa o país onde estamos. Nós somos japoneses. Que<<strong>br</strong> />

mal há em falarmos japonês? De fato, estamos no Brasil, vivendo<<strong>br</strong> />

neste país. Mas não devemos nada aos <strong>br</strong>asileiros e nem ao Brasil.<<strong>br</strong> />

Os japoneses des<strong>br</strong>avaram essa terra árida, que, largada, não<<strong>br</strong> />

prestaria para nada. E hoje, colhem-se ótimos produtos.<<strong>br</strong> />

Deveríamos ser agradecidos pelo Brasil, ao invés de abaixarmos<<strong>br</strong> />

a cabeça.<<strong>br</strong> />

-Não tem jeito, afinal, estamos em guerra.<<strong>br</strong> />

- 235 -


- O Japão está em guerra contra os Estados Unidos. É por<<strong>br</strong> />

isso que devemos lutar contra o Brasil, que é aliado dos Estados<<strong>br</strong> />

Unidos, <strong>com</strong> o orgulho de sermos japoneses. Não se pode<<strong>br</strong> />

chamar de japonês quem tem medo da polícia <strong>br</strong>asileira!<<strong>br</strong> />

Chûji não conseguia conter a raiva. A família de Kotaro<<strong>br</strong> />

Nakayama levava uma vida abastada, mas conforme os interesses<<strong>br</strong> />

do Brasil. Eram japoneses, mas faziam o que a polícia <strong>br</strong>asileira<<strong>br</strong> />

mandava. A boa vontade de Ryuta em querer ser amável talvez<<strong>br</strong> />

tivesse provocado a irritação de Chûji.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> preocupava-se <strong>com</strong> Chûji que, quanto mais dificuldades<<strong>br</strong> />

encontrava, mais obstinado se tornava.<<strong>br</strong> />

Nessa noite, fora oferecido um jantar de boas vindas à família<<strong>br</strong> />

Takakura, na residência de Kotaro Nakayama. Naturalmente,<<strong>br</strong> />

os convidados foram Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

A família Nakayama estava sentada à mesa <strong>com</strong> Kotaro no<<strong>br</strong> />

centro, Ryuta e Shozo. A esposa de Kotaro, Toki, a filha mais<<strong>br</strong> />

velha, Sachi, e Aki, a esposa de Shozo, iam e vinham da cozinha<<strong>br</strong> />

para a sala, trazendo os pratos para a mesa.<<strong>br</strong> />

O casal Kotaro e Toki eram quase da mesma idade do casal<<strong>br</strong> />

Chûji e Shizu.<<strong>br</strong> />

A sala estava ornamentada e decorada <strong>com</strong> móveis elegantes<<strong>br</strong> />

no estilo ocidental, e na mesa eram servidos vários pratos da<<strong>br</strong> />

cozinha <strong>br</strong>asileira, o que deixara <strong>Haru</strong> perplexa.<<strong>br</strong> />

- É a primeira vez que me sirvo de pratos tão requintados. -<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> <strong>com</strong>entava <strong>com</strong> sinceridade.<<strong>br</strong> />

Toki respondeu, <strong>com</strong> alegria:<<strong>br</strong> />

-Passaram mais de vinte anos desde que viemos de Hiroshima<<strong>br</strong> />

- 236 -


e por isso acabamos acostumando mais <strong>com</strong> a <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira...<<strong>br</strong> />

No <strong>com</strong>eço, meu marido sentia falta de <strong>com</strong>ida japonesa, mas<<strong>br</strong> />

as crianças não apreciavam muito. E assim, ele não tem co<strong>br</strong>ado<<strong>br</strong> />

muito pela <strong>com</strong>ida japonesa ultimamente...<<strong>br</strong> />

Toki dispensava atenção, não só para <strong>Haru</strong>, mas também<<strong>br</strong> />

paraShizu:<<strong>br</strong> />

- Espero que seja do seu agrado.<<strong>br</strong> />

-Não se preocupe. Mesmo quando vivíamos no Japão, mal<<strong>br</strong> />

podíamos <strong>com</strong>er. Muito menos pratos tão requintados <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

esses... Fico contente em saber que há pessoas que vieram <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

imigrantes e conseguiram obter tanto sucesso. Agradecemos pela<<strong>br</strong> />

gentileza... -falou Shizu, <strong>com</strong> simplicidade.<<strong>br</strong> />

- Soube que meu so<strong>br</strong>inho Shozo e sua esposa receberam<<strong>br</strong> />

apoio de vocês no navio de emigração. Esperamos poder contar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a amizade de vocês daqui para frente. - Kotaro agradeceu<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> humildade, procurando valorizar a família Takakura.<<strong>br</strong> />

- E quanto a <strong>Haru</strong>, é muito esforçada e sem desânimo, apesar<<strong>br</strong> />

de ter passado por dificuldades. - disse Aki, esposa de Shozo,<<strong>br</strong> />

admirando <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

-Nós também passamos por diversas dificuldades... Mas<<strong>br</strong> />

chegamos até aqui pois a família estava unida. Esperemos que o<<strong>br</strong> />

Sr. Takakura também, <strong>com</strong> a união de sua família, possa obter<<strong>br</strong> />

sucesso.<<strong>br</strong> />

A forma de falar de Toki exalava tranqüilidade.<<strong>br</strong> />

Quando o ambiente ficou mais harmonioso, Kotaro dirigiuse<<strong>br</strong> />

a Chûji.<<strong>br</strong> />

- Então, sr. Takakura, <strong>com</strong> certeza ajudarei na aquisição de<<strong>br</strong> />

- 237 -


sua terra. Mas o que pretende cultivar?<<strong>br</strong> />

-Até agora vinha cultivando algodão.<<strong>br</strong> />

- Bom, nós também produzimos algodão. Mas estamos<<strong>br</strong> />

criando bicho-da-seda também. Como o casulo está sendo<<strong>br</strong> />

exportado para os Estados Unidos, os <strong>com</strong>pradores pagam<<strong>br</strong> />

preços razoavelmente altos. Estou convidando os demais a criar<<strong>br</strong> />

bicho-da-seda, mas algodão e café dão menos trabalho. Por isso<<strong>br</strong> />

as pessoas evitam bicho-da-seda, e há poucos produtores. Se<<strong>br</strong> />

pretendem des<strong>br</strong>avar a terra para fazer lavoura, talvez o bichoda-seda<<strong>br</strong> />

traga resultados melhores.<<strong>br</strong> />

- É que só entendo de lavoura. Prefiro cultivar algodão ou<<strong>br</strong> />

legumes...<<strong>br</strong> />

- Acho que vou tentar criar bicho-da-seda. Pedirei ao sr.<<strong>br</strong> />

Nakayama para me ensinar e ... - <strong>Haru</strong> disse repentinamente,<<strong>br</strong> />

demonstrando interesse por bicho-da-seda.<<strong>br</strong> />

Chûji, entretanto, cortou a conversa <strong>br</strong>uscamente:<<strong>br</strong> />

- Não se meta onde não é chamada!<<strong>br</strong> />

- Huumm, será que bicho-da-seda tem futuro? Estamos em<<strong>br</strong> />

guerra contra os Estados Unidos e não sabemos se continuaremos<<strong>br</strong> />

a vender... - Shozo falou em tom duvidoso, mas Kotaro<<strong>br</strong> />

demonstrou segurança.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que se exporte para os Estados Unidos, quem<<strong>br</strong> />

vem <strong>com</strong>prar os casulos são os intermediários <strong>br</strong>asileiros. Os<<strong>br</strong> />

Estados Unidos <strong>com</strong>pram do Brasil. Não importa quem tenha<<strong>br</strong> />

criado os casulos. Os Estados Unidos precisam de casulos para<<strong>br</strong> />

fa<strong>br</strong>icar pára-quedas. Não é preciso se preocupar <strong>com</strong> a venda.<<strong>br</strong> />

- Sr. Nakayama, o senhor não se importa em criar casulos<<strong>br</strong> />

- 238 -


para vender para os Estados Unidos?<<strong>br</strong> />

Kotaro se esquiva de Chûji, que se irritara, sorrindo:<<strong>br</strong> />

- Não há amigos ou inimigos nos negócios. Se não<<strong>br</strong> />

produzirmos o que podemos vender, não temos <strong>com</strong>o nos<<strong>br</strong> />

sustentar.<<strong>br</strong> />

Chûji cerrou os lábios, irritado.<<strong>br</strong> />

Ryuta colocou um disco na vitrola para amenizar o ambiente,<<strong>br</strong> />

mas era a música "Aquarela do Brasil". O humor de Chûji piorou.<<strong>br</strong> />

- Ah, sim. Desculpe-me se não o agradar.<<strong>br</strong> />

Sachi, filha de Kotaro, virou-se para <strong>Haru</strong>, alegre <strong>com</strong> a idéia<<strong>br</strong> />

que acabara de ter:<<strong>br</strong> />

- Vocês tiveram que sair da fazenda sem roupas, não? Se<<strong>br</strong> />

não se importar, gostaria de usar as minhas?<<strong>br</strong> />

Ryuta resolveu dar uma ajuda para <strong>Haru</strong> que, assustada, não<<strong>br</strong> />

sabia o que responder.<<strong>br</strong> />

- Como você tem estatura quase igual a da minha irmã, acho<<strong>br</strong> />

que vai servir sim.<<strong>br</strong> />

-Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

- Se tiver algum problema, fale <strong>com</strong> minha irmã. A conversa<<strong>br</strong> />

entre mulheres deve ser mais fácil.<<strong>br</strong> />

-Agradeço muito. Aceitarei a proposta.<<strong>br</strong> />

Sachi sorriu de forma simpática para <strong>Haru</strong>, que aceitou a<<strong>br</strong> />

proposta de bom grado.<<strong>br</strong> />

- Vamos ser boas amigas.<<strong>br</strong> />

Vendo a aproximação entre <strong>Haru</strong> e Sachi, que tinham quase<<strong>br</strong> />

a mesma idade, Toki e Kotaro dialogaram <strong>com</strong> naturalidade em<<strong>br</strong> />

português:<<strong>br</strong> />

- 239 -


- Que bom que conseguiu uma boa amiga.<<strong>br</strong> />

- Com a presença de uma mocinha graciosa <strong>com</strong>o ela, a vila<<strong>br</strong> />

ganhará <strong>br</strong>ilho.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> olhou boquiaberta. Parecia que estavam <strong>com</strong>entando a<<strong>br</strong> />

seu respeito, mas...<<strong>br</strong> />

-Oh, não.<<strong>br</strong> />

Percebendo a situação, Ryuta explicou rapidamente:<<strong>br</strong> />

-Nós conversamos em português também em casa. Meus<<strong>br</strong> />

pais estão contentes por ter aparecido uma mocinha graciosa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o você, pois Sachi conseguiu uma amiga, e a vila ganhará<<strong>br</strong> />

mais <strong>br</strong>ilho.<<strong>br</strong> />

Ao ver <strong>Haru</strong> e sua filha Sachi, que ficaram contentes, porém<<strong>br</strong> />

encabuladas, Toki e Kotaro sorriram alegremente.<<strong>br</strong> />

Somente Chûji estava mal-humorado dentro do ambiente<<strong>br</strong> />

animado.<<strong>br</strong> />

Voltando para a casa que lhes fora cedida, <strong>Haru</strong> vestiu<<strong>br</strong> />

imediatamente o vestido que ganhou de Sachi. A medida era<<strong>br</strong> />

exatamente igual a dela.<<strong>br</strong> />

Quando olhou para a sala, viu Shizu arrumando as bagagens<<strong>br</strong> />

e Chûji contando dinheiro.<<strong>br</strong> />

- Olhem o vestido que ganhei da Sachi! É a primeira vez que<<strong>br</strong> />

uso uma roupa dessas!<<strong>br</strong> />

Shizu parou o que fazia e olhou para <strong>Haru</strong>, que falava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

voz animada, o que era raro.<<strong>br</strong> />

-Nossa! Ficou bem em você. Parece outra pessoa.<<strong>br</strong> />

- O que é isso? Pare de usar essas roupas cafonas! Tire<<strong>br</strong> />

logo! Não é roupa para ser usada por uma mulher japonesa.<<strong>br</strong> />

- 240 -


Não vista mais!<<strong>br</strong> />

- Querido! - Shizu advertiu rispidamente Chûji, que estava<<strong>br</strong> />

muito mal-humorado.<<strong>br</strong> />

Chûji estava magoando <strong>Haru</strong>, que apenas curtia um pouco<<strong>br</strong> />

da juventude.<<strong>br</strong> />

Chûji, porém, não <strong>com</strong>preendia tal delicadeza.<<strong>br</strong> />

- Eles não são mais japoneses. Morando numa casa<<strong>br</strong> />

ocidentalizada de mau gosto, e <strong>com</strong>endo <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira!<<strong>br</strong> />

Falando em português! Ganham dinheiro de forma descarada<<strong>br</strong> />

vendendo casulos para os Estados Unidos. Isso são coisas que<<strong>br</strong> />

um japonês faça?<<strong>br</strong> />

Shizu queria consolar <strong>Haru</strong>, que estava prestes a chorar, mas<<strong>br</strong> />

Chüjicontinuou:<<strong>br</strong> />

-Mesmo estando no exterior, o japonês será sempre japonês.<<strong>br</strong> />

Por estarmos num país estrangeiro é que devemos manter a<<strong>br</strong> />

dignidade <strong>com</strong>o japoneses. Não se aproxime daquele anti<<strong>br</strong> />

patriota. Eu não quero nem falar <strong>com</strong> eles!<<strong>br</strong> />

Falando isso, levantou-se e foi para o quarto.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Shizu se sentiram desanimadas, pensando nos dias<<strong>br</strong> />

que viriam pela frente.<<strong>br</strong> />

Na nova localidade, a família Takakura teve que re<strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />

as atividades de des<strong>br</strong>avar novamente as terras. Mesmo assim,<<strong>br</strong> />

o descampado que haviam conquistado pertencia à família<<strong>br</strong> />

Takakura.<<strong>br</strong> />

Mesmo sendo agricultores po<strong>br</strong>es, muitos dos imigrantes<<strong>br</strong> />

conseguiam se tornar proprietários de terras, onde tinham<<strong>br</strong> />

lavouras.<<strong>br</strong> />

- 241 -


Entretanto, no Brasil, tornaram-se colonos ou, em outras<<strong>br</strong> />

palavras, agricultores contratados. No caso da família Takakura,<<strong>br</strong> />

depois de terem sido colonos, tornaram-se arrendatários que<<strong>br</strong> />

pagavam pela terra arrendada ao proprietário americano e, tendo<<strong>br</strong> />

passado sete anos, finalmente conseguiram obter a sua própria<<strong>br</strong> />

terra.<<strong>br</strong> />

Terminada a derrubada de árvores, enquanto Chûji, Shizu e<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> limpavam o resto da queimada, um japonês da vila passou<<strong>br</strong> />

pela estrada próxima.<<strong>br</strong> />

- Estão se esforçando, hein? - falou em português.<<strong>br</strong> />

Quando Chûji levantou a cabeça para reclamar em japonês,<<strong>br</strong> />

Shizu segurou rapidamente o marido, e retribuiu os cumprimentos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> sorriso.<<strong>br</strong> />

- Quando a lavoura ficar pronta, o que vão plantar?<<strong>br</strong> />

O homem tentava puxar conversa de forma amistosa, mas<<strong>br</strong> />

Shizu só conseguia responder negativamente, <strong>com</strong> a cabeça.<<strong>br</strong> />

Depois que o homem se foi, Shizu chamou atenção de Chûji,<<strong>br</strong> />

em voz baixa:<<strong>br</strong> />

- Não fale japonês! Não sabemos quem pode estar nos<<strong>br</strong> />

ouvindo.<<strong>br</strong> />

Chûji, todo rabugento, falou em voz alta, de propósito:<<strong>br</strong> />

- O que tem de errado em um japonês falar sua língua?<<strong>br</strong> />

- Pai... - não se contendo, <strong>Haru</strong> gritou.<<strong>br</strong> />

No final da tarde deste mesmo dia, <strong>Haru</strong> esperava, após o<<strong>br</strong> />

seu trabalho, Ryuta retornar dos seus afazeres, perto da residência<<strong>br</strong> />

da família Nakayama.<<strong>br</strong> />

- Tenho um pedido a fazer.<<strong>br</strong> />

- 242 -


Ryuta se espantou <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Saiu da beira da estrada e<<strong>br</strong> />

desligou o motor do caminhão.<<strong>br</strong> />

- Por favor, ensine-me português. Irei a qualquer hora, de<<strong>br</strong> />

acordo <strong>com</strong> sua conveniência. Por favor.<<strong>br</strong> />

Ryuta olhava atônito, sem saber o que responder, diante de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, que se curvava <strong>com</strong> determinação.<<strong>br</strong> />

Na residência dos Takakura, Chûji bebia pinga malhumorado.<<strong>br</strong> />

Pinga era uma bebida destilada <strong>br</strong>asileira. Muitos<<strong>br</strong> />

japoneses que levavam uma vida difícil, bebiam pinga para<<strong>br</strong> />

afogarem suas mágoas.<<strong>br</strong> />

Nesta noite, a causa do mau humor de Chûji era <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Onde você estava? - Chûji censurou <strong>Haru</strong>, assim que ela<<strong>br</strong> />

chegou em casa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também sabia o porquê do mau humor do pai.<<strong>br</strong> />

- Vou aprender português <strong>com</strong> Ryuta.<<strong>br</strong> />

- O quê?<<strong>br</strong> />

- Se eu não entender português, não posso conversar e nem<<strong>br</strong> />

me relacionar <strong>com</strong> ninguém. Assim não dá para viver aqui. Ryuta<<strong>br</strong> />

aceitou <strong>com</strong> prazer. A partir de amanhã, ele vai me dar aulas<<strong>br</strong> />

intensivas.<<strong>br</strong> />

- Eu já falei para não se relacionar <strong>com</strong> as pessoas daquela<<strong>br</strong> />

casa. Não permito.<<strong>br</strong> />

Shizu, que preparava o jantar, defendeu <strong>Haru</strong> dizendo:<<strong>br</strong> />

-Não adianta você falar assim. Se não soubermos português,<<strong>br</strong> />

não conseguiremos nem fazer <strong>com</strong>pras. Eu também pretendo<<strong>br</strong> />

aprender.<<strong>br</strong> />

Chûji, indignado por estar sendo contrariado até mesmo por<<strong>br</strong> />

- 243 -


Shizu, virou seu copo de pinga.<<strong>br</strong> />

Assim, <strong>Haru</strong> passou a aprender português na casa da família<<strong>br</strong> />

Nakayama, após o término do trabalho.<<strong>br</strong> />

Porém, em uma noite...<<strong>br</strong> />

No quarto de Sachi, Ryuta e a irmã ouviam a transmissão de<<strong>br</strong> />

rádio em japonês, encostando o ouvido no aparelho.<<strong>br</strong> />

- O exército japonês é incrível. Avançou em várias frentes, e<<strong>br</strong> />

até a Cingapura se rendeu aos japoneses. Se continuar assim, a<<strong>br</strong> />

guerra terminará logo.<<strong>br</strong> />

- Será uma grande vitória do Japão!<<strong>br</strong> />

Os dois irmãos estavam a cochichar em voz baixa. Nesta<<strong>br</strong> />

casa, aconteciam coisas que surpreendiam <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Todos ouvem transmissões de rádio em japonês, desse<<strong>br</strong> />

jeito?<<strong>br</strong> />

- Se a polícia <strong>br</strong>asileira desco<strong>br</strong>ir, será um desastre. - Sachi<<strong>br</strong> />

sussurrou.<<strong>br</strong> />

- Só sabemos <strong>com</strong>o está o desenrolar da guerra através do<<strong>br</strong> />

rádio. Os jornais em língua japonesa foram proibidos há muito<<strong>br</strong> />

tempo...<<strong>br</strong> />

Ryuta escondeu o rádio <strong>com</strong> cuidado, e mudou rapidamente<<strong>br</strong> />

de assunto.<<strong>br</strong> />

- Bom, agora vamos estudar português. Quando o Japão<<strong>br</strong> />

ganhar, poderemos voltar a falar japonês em voz alta. Mas se<<strong>br</strong> />

quisermos mesmo viver no Brasil, precisamos <strong>com</strong>preender a<<strong>br</strong> />

língua portuguesa. Não perderemos nada se aprendermos.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> acenou a cabeça consentindo. Enquanto as aulas de<<strong>br</strong> />

português estão sendo dadas no quarto de Sachi, na residência<<strong>br</strong> />

- 244 -


da família Takakura, Shizu se esforçava em treinar o seu<<strong>br</strong> />

português, lendo o livro em voz alta.<<strong>br</strong> />

- Cale a boca! Se você quer estudar isso, vá lá para fora.<<strong>br</strong> />

Ainda que Chûji gritasse <strong>com</strong> a esposa devido ao efeito da<<strong>br</strong> />

pinga, Shizu não dava a menor atenção para o seu mau humor.<<strong>br</strong> />

Tendo passado várias noites desta maneira, num certo dia, em<<strong>br</strong> />

meio à chuva torrencial, <strong>Haru</strong> e Chüji faziam <strong>com</strong>pras na cidade.<<strong>br</strong> />

Quando estavam saindo de uma mercearia situada em frente<<strong>br</strong> />

à uma praça, carregando uma sacola cheia de <strong>com</strong>pras, viu a<<strong>br</strong> />

formação de um tumulto em frente à loja. Verificando de onde<<strong>br</strong> />

vinham as vozes, viu um homem japonês sendo levado pelos<<strong>br</strong> />

policiais <strong>br</strong>asileiros. O homem resistia à prisão, gritando algo em<<strong>br</strong> />

português:<<strong>br</strong> />

- Eu não estava ouvindo transmissão em japonês. Eu ouvia<<strong>br</strong> />

músicas de uma emissora <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />

- O que houve? - Chûji perguntou em japonês e o homem<<strong>br</strong> />

também respondeu em japonês, inconscientemente.<<strong>br</strong> />

- Confiscaram o meu rádio porque eu estava ouvindo<<strong>br</strong> />

transmissões...<<strong>br</strong> />

- Seus desgraçados. Ele não estava ouvindo rádio <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

aparelho roubado. O que há de errado em xmvir o seu próprio<<strong>br</strong> />

rádio? Ainda que ouça transmissão em língua japonesa, nós somos<<strong>br</strong> />

japoneses. Não há motivo para que sejamos criticados por vocês.<<strong>br</strong> />

Solte-o.<<strong>br</strong> />

Chûji saiu correndo na chuva e atacou os policiais <strong>br</strong>asileiros<<strong>br</strong> />

aos gritos.<<strong>br</strong> />

- Que é isso? Levem este aqui também!<<strong>br</strong> />

- 245 -


Os policiais queriam prender Chûji, que tentou resisitir.<<strong>br</strong> />

- Ei! O que vocês estão fazendo! O que eu fiz de errado?<<strong>br</strong> />

Chûji resistiu violentamente aos policiais e formou-se uma<<strong>br</strong> />

grande <strong>br</strong>iga.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou fora de si e se colocou entre os policiais e Chûji,<<strong>br</strong> />

desculpando-se desesperadamente no português que acabara de<<strong>br</strong> />

aprender. Os policiais, contudo, estavam enfurecidos e ela foi<<strong>br</strong> />

derrubada no chão encharcado. <strong>Haru</strong> olhou ao seu redor, em<<strong>br</strong> />

busca de auxílio.<<strong>br</strong> />

- Alguém nos ajude...<<strong>br</strong> />

Tanto os <strong>com</strong>erciantes da loja <strong>com</strong>o os clientes, desviaram o<<strong>br</strong> />

olhar para não se envolverem, e entraram na loja parecendo querer<<strong>br</strong> />

se esconder.<<strong>br</strong> />

Afinal, Chûji foi capturado e colocado na viatura juntamente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o outro homem, mas, mesmo assim, continuava a gritar<<strong>br</strong> />

grosserias em japonês.<<strong>br</strong> />

-Nós somos japoneses! Pensam que vão ficar impunes<<strong>br</strong> />

tratando-nos dessa maneira?! Esperem a guerra acabar. Quando<<strong>br</strong> />

o Japão vencer, vocês terão o que merecem. Não esqueçam!<<strong>br</strong> />

-Papai!<<strong>br</strong> />

Chûji fora levado pela polícia, e <strong>Haru</strong> olhava para ele sem<<strong>br</strong> />

poder fazer nada, chorando e sendo castigada pela chuva.<<strong>br</strong> />

Nesta época, havia japoneses que eram presos na cidade<<strong>br</strong> />

somente por soltar desprevenidamente palavras em japonês. As<<strong>br</strong> />

delegacias estavam cheias dejaponeses presos que superlotavam<<strong>br</strong> />

as minúsculas celas.<<strong>br</strong> />

Chûji, que fora preso naquela ocasião, também fora colocado<<strong>br</strong> />

- 246 -


numa daquelas celas.<<strong>br</strong> />

"Papai acabou parando numa cela da delegacia.<<strong>br</strong> />

Era acusado de falar japonês em local público epor<<strong>br</strong> />

ter resistido e agredido uma autoridade policial. "<<strong>br</strong> />

No quarto de sua residência, <strong>Natsu</strong> lia as cartas de <strong>Haru</strong> e<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ava-se da teimosia de seu pai.<<strong>br</strong> />

- Durante a guerra eu também passei por muitas dificuldades,<<strong>br</strong> />

mas no Brasil, enfrentaram situações muito piores.<<strong>br</strong> />

Ao perceber a aproximação de alguém, <strong>Natsu</strong> do<strong>br</strong>ou<<strong>br</strong> />

rapidamente a carta e a devolveu ao envelope. Seus filhos,<<strong>br</strong> />

Teruhiko e Kimihiko resolveram visitá-la logo cedo.<<strong>br</strong> />

- Que foi? - perguntou <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- É que na empresa não podemos conversar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

tranqüilidade. - Teruhiko, o primogênito, falou numa voz<<strong>br</strong> />

estranhamente dócil.<<strong>br</strong> />

- Eu não tenho mais o que tratar <strong>com</strong> vocês. E nem mais o<<strong>br</strong> />

que falar.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> tentou dispensá-los, mas Kimihiko, o filho mais novo,<<strong>br</strong> />

insistiu:<<strong>br</strong> />

- Não é bem assim. Nós somos seus filhos. Somos os<<strong>br</strong> />

herdeiros da Indústria de Doces Hokuô. De repente, fomos<<strong>br</strong> />

destituídos da diretoria e, por mais que tenham constituído novas<<strong>br</strong> />

empresas e nos colocado <strong>com</strong>o presidentes, ambas são empresas<<strong>br</strong> />

tão frágeis que podem que<strong>br</strong>ar facilmente.<<strong>br</strong> />

- Isso é um assunto encerrado. Se vocês não estão satisfeitos,<<strong>br</strong> />

- 247 -


podemos cortar os vínculos de filiação. Eu estou preparada para<<strong>br</strong> />

isto.<<strong>br</strong> />

- Por que não nos quer?<<strong>br</strong> />

Teruhiko a<strong>br</strong>iu a cortina do quarto de <strong>Natsu</strong>. A luz da manhã<<strong>br</strong> />

penetrou pela janela e se espalhou pelo quarto.<<strong>br</strong> />

Era uma atitude que contrariava os sentimentos de <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

que estava magoada e de coração partido, após ter lido as cartas<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong> a noite toda, <strong>com</strong>partilhando os sofrimentos da família<<strong>br</strong> />

de que se separara há 70 anos.<<strong>br</strong> />

- Vocês não imaginam o sacrifício e preocupação de uma<<strong>br</strong> />

mãe... Vocês não <strong>com</strong>preendem os meus sentimentos.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> segurou o maço de cartas e levantou-se <strong>com</strong>o quem<<strong>br</strong> />

queria interromper a conversa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> arrumava as suas coisas para deixar o hotel, a fim de<<strong>br</strong> />

tomar o vôo rumo ao Brasil naquela tarde. Colocara em ordem<<strong>br</strong> />

as cartas de <strong>Natsu</strong> e guardara-as na sacola <strong>com</strong>o se manuseasse<<strong>br</strong> />

um tesouro.<<strong>br</strong> />

O telefone do quarto tocou. Yamato, que atendeu ao telefone,<<strong>br</strong> />

olhou para <strong>Haru</strong> incrédulo e disse:<<strong>br</strong> />

- Estão dizendo que "A senhora <strong>Natsu</strong> os aguarda no<<strong>br</strong> />

saguão"...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se vira <strong>com</strong> uma expressão de espanto, porém,<<strong>br</strong> />

procurando conter sua expectativa.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>...? Será mesmo...? Não há motivos para <strong>Natsu</strong> vir<<strong>br</strong> />

até aqui. Não será engano?<<strong>br</strong> />

- Ela veio se encontrar <strong>com</strong> a senhora, vovó. É melhor a<<strong>br</strong> />

- 248 -


senhora verificar.<<strong>br</strong> />

A<strong>com</strong>panhada por Yamato, <strong>Haru</strong> desceu ao saguão do hotel.<<strong>br</strong> />

Quando a porta do elevador se a<strong>br</strong>iu, <strong>Haru</strong> procurou por <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> uma mistura de expectativa e insegurança por uma nova<<strong>br</strong> />

decepção.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> levantou o olhar ao barulho do elevador. Reconheceu<<strong>br</strong> />

a figura de sua irmã, levantando-se lentamente.<<strong>br</strong> />

- Mana!!<<strong>br</strong> />

-<strong>Natsu</strong>?!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> correu ao encontro de <strong>Haru</strong>, que apertou o passo em<<strong>br</strong> />

direção à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Mana, desculpe-me, eu não sabia de nada. Desculpe-me<<strong>br</strong> />

mesmo.<<strong>br</strong> />

Sem conseguir emitir outras palavras, <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>açou<<strong>br</strong> />

fortemente <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Você veio me encontrar. Você veio para se encontrar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo, não é?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também a<strong>br</strong>açou <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong> força.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, não dando importância aos olhares das pessoas<<strong>br</strong> />

que circulavam pelo hotel, a<strong>br</strong>açaram-se <strong>com</strong> força, não querendo<<strong>br</strong> />

mais se separar.<<strong>br</strong> />

- 249 -


Capítulo IV<<strong>br</strong> />

Orgulho de ser japonês<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> viera até o hotel encontrar <strong>Haru</strong>. Eis que poderia<<strong>br</strong> />

haver um entendimento entre as duas. Ao convidar <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

para ir ao seu quarto, <strong>Haru</strong> não conseguia esconder a sua<<strong>br</strong> />

ansiedade. <strong>Haru</strong> sentia que não lhes restava muito tempo.<<strong>br</strong> />

- Por que você veio só agora? Fiz reserva para o avião de<<strong>br</strong> />

hoje à noite, <strong>com</strong> intenções de voltar para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Imediatamente, Yamato intervém na conversa:<<strong>br</strong> />

- Ainda não fiz reserva. Estava pensando em fazê-la por<<strong>br</strong> />

telefone, quando a senhora apareceu...<<strong>br</strong> />

- Perdoe-me. Eu não sabia que vida você levava no Brasil.<<strong>br</strong> />

Eu fui deixada sozinha aqui no Japão, e sofri a ponto de pensar<<strong>br</strong> />

que era melhor ter morrido. Pensei que vocês haviam se<<strong>br</strong> />

esquecido <strong>com</strong>pletamente de mim e que estavam vivendo<<strong>br</strong> />

confortavelmente no Brasil. Mas, pela primeira vez fiquei<<strong>br</strong> />

sabendo que, mesmo no Brasil, os japoneses sofreram, e que<<strong>br</strong> />

papai foi preso pela polícia <strong>br</strong>asileira... Não consegui ficar<<strong>br</strong> />

sem fazer nada... Tinha que vir vê-la...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> olhou para <strong>Natsu</strong>, surpresa ao ouvir suas palavras,<<strong>br</strong> />

mas <strong>Natsu</strong>, sem perceber nada no semblante de <strong>Haru</strong>, estava<<strong>br</strong> />

entusiasmada <strong>com</strong> a idéia que tivera naquele momento.<<strong>br</strong> />

- Mana, vamos para Hakone. Tem um hotel em estilo<<strong>br</strong> />

japonês de que gosto muito. As águas termais desse hotel<<strong>br</strong> />

são ótimas e dá para ver o Monte Fuji bem em frente. Lá,<<strong>br</strong> />

- 251 -


<strong>com</strong> certeza, você vai se sentir de volta ao Japão...<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o você ficou sabendo que papai foi preso no<<strong>br</strong> />

Brasil? - falou <strong>Haru</strong>, interrompendo as palavras da irmã.<<strong>br</strong> />

-Ah...<<strong>br</strong> />

Com olhar travesso, <strong>Natsu</strong> tirou da bolsa um maço de<<strong>br</strong> />

cartas velhas e as entregou para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Reconhece estas cartas?<<strong>br</strong> />

Reconheceu de imediato. Só que a surpresa era tão<<strong>br</strong> />

inacreditável que simplesmente não conseguia falar. Por mais<<strong>br</strong> />

que passassem os anos, não poderia esquecer os sentimentos<<strong>br</strong> />

que aquelas cartas continham.<<strong>br</strong> />

Estavam endereçadas para srta. <strong>Natsu</strong> Takakura,<<strong>br</strong> />

Hokkaido, Japão. E o remetente era <strong>Haru</strong> Takakura, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

endereço de São Paulo.<<strong>br</strong> />

- Não são as cartas que a senhora mandou do Brasil? -<<strong>br</strong> />

disse Yamato, <strong>com</strong> voz de espanto, antes que <strong>Haru</strong> pudesse<<strong>br</strong> />

se pronunciar.<<strong>br</strong> />

- Como elas apareceram agora...? - <strong>Haru</strong> perguntou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muito custo.<<strong>br</strong> />

- Os tios de Hokkaido não tinham uma filha chamada<<strong>br</strong> />

Ine? Aquela prima que tinha a mesma idade que você?<<strong>br</strong> />

- Ah... Tinham sim. Uma menina boazinha...<<strong>br</strong> />

- Um dia, casualmente, eu apareci num programa de<<strong>br</strong> />

televisão. A Ine assistiu a esse programa e me enviou uma<<strong>br</strong> />

carta, dizendo que queria se encontrar <strong>com</strong>igo. Porém, eu a<<strong>br</strong> />

ignorei. Aí, você veio me procurar e insistiu que tinha escrito<<strong>br</strong> />

cartas do Brasil. Então, achei que Ine poderia saber de algo, e<<strong>br</strong> />

- 252 -


procurei por ela para perguntar se naquela época haviam<<strong>br</strong> />

chegado cartas do Brasil. Então, Ine disse que a tia, na hora<<strong>br</strong> />

de sua morte, pediu-lhe que entregasse estas cartas para mim,<<strong>br</strong> />

se porventura me encontrasse algum dia.<<strong>br</strong> />

- Mas que incrível! Como é que ela foi guardar essas<<strong>br</strong> />

cartas?<<strong>br</strong> />

- Até mesmo no coração daquela tia maldosa, existia<<strong>br</strong> />

ainda alguma lucidez.<<strong>br</strong> />

Depois de todos aqueles anos, <strong>Natsu</strong> conseguia falar rindo<<strong>br</strong> />

de Kane, em tom de ironia.<<strong>br</strong> />

Kane não havia entregue à <strong>Natsu</strong> as cartas recebidas porque<<strong>br</strong> />

na primeira carta havia o dinheiro que <strong>Haru</strong> enviara à<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, e Kane acabou embolsando o dinheiro às escondidas.<<strong>br</strong> />

Era o último dinheiro de Chûji e da família que fora para<<strong>br</strong> />

o Brasil. Eram paupérrimos e o valor não era elevado, mas os<<strong>br</strong> />

tios também levavam uma vida de extrema miséria, e<<strong>br</strong> />

acabaram por embolsar aquele dinheiro.<<strong>br</strong> />

Uma vez furtado o dinheiro, Kane não podia entregar a<<strong>br</strong> />

carta. E, portanto, as cartas seguintes também não podiam<<strong>br</strong> />

ser entregues. Ao final, Kane ocultara todas as cartas.<<strong>br</strong> />

A suspeita de <strong>Haru</strong> e Yamato estava <strong>com</strong>provada.<<strong>br</strong> />

Apesar disso, Kane ainda tivera um mínimo de<<strong>br</strong> />

consciência e não conseguira se desfazer das cartas,<<strong>br</strong> />

confíando-as no final, à sua filha Ine.<<strong>br</strong> />

Se <strong>Natsu</strong> tivesse recebido pelo menos a primeira carta, as<<strong>br</strong> />

duas irmãs não teriam ficado sem se <strong>com</strong>unicar durante 70<<strong>br</strong> />

anos.<<strong>br</strong> />

- 253 -


- Se eu tivesse recebido a carta em que você disse que foi<<strong>br</strong> />

acolhida por vovô Toku e que tinha mudado de endereço,<<strong>br</strong> />

minhas cartas teriam chegado até você.<<strong>br</strong> />

Agora era a vez de <strong>Natsu</strong> ficar surpresa.<<strong>br</strong> />

- Mana?! E você, <strong>com</strong>o soube que eu vivi na casa do<<strong>br</strong> />

vovô Toku?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> sorriu e retirou <strong>com</strong> cuidado um maço de cartas<<strong>br</strong> />

antigas da bolsa, passando - as à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Essas são as cartas que eu mandei para o Brasil!... -<<strong>br</strong> />

disse <strong>Natsu</strong>, quase sem palavras.<<strong>br</strong> />

- Quando nos falamos no outro dia, você me disse que<<strong>br</strong> />

havia enviado cartas para o Brasil. Então, pedi para<<strong>br</strong> />

verificarem. Naquela época, as cartas não eram entregues na<<strong>br</strong> />

fazenda. Elas chegavam somente até a estação mais próxima.<<strong>br</strong> />

- Elas estavam lá! O pessoal da estação as tinha guardado!<<strong>br</strong> />

- Um japonês que tem uma mercearia perto da estação<<strong>br</strong> />

tinha guardado as cartas <strong>com</strong> cuidado. - acrescentou Yamato,<<strong>br</strong> />

pacientemente.<<strong>br</strong> />

- Então, você leu as minhas cartas... Leu todas elas...<<strong>br</strong> />

- Só tinha cartas até antes da guerra...<<strong>br</strong> />

- Durante a guerra, a situação era tal que não tive<<strong>br</strong> />

condições de escrever. E, depois que terminou, o mundo se<<strong>br</strong> />

transformou de tal forma que parecia que todos os japoneses<<strong>br</strong> />

haviam renascido. Eu tive que deixar de ser eu mesma e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçar do zero. E resolvi esquecer vocês.<<strong>br</strong> />

- Você leu as minhas cartas também?<<strong>br</strong> />

- Se estas cartas não tivessem aparecido, eu nunca mais<<strong>br</strong> />

- 254 -


teria me encontrado <strong>com</strong> você. Acho que iria morrer <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

rancor. Estas cartas me salvaram. Compreendi que não fui<<strong>br</strong> />

abandonada, que ainda sou amada por você... Se tivesse<<strong>br</strong> />

conservado aquele sentimento, eu morreria triste e solitária.<<strong>br</strong> />

Acho que foi bom ter vivido <strong>com</strong> persistência até esta idade...<<strong>br</strong> />

- Eu estava agradecendo a Deus por poder ir embora para<<strong>br</strong> />

o Brasil tranqüila, vendo que você venceu na vida. Agora,<<strong>br</strong> />

não tenho mais nada a desejar.<<strong>br</strong> />

- Vencer na vida? Eu? Você não imagina os sofrimentos<<strong>br</strong> />

por que passei...<<strong>br</strong> />

- Suas cartas nada revelavam so<strong>br</strong>e isso...<<strong>br</strong> />

- Quero que você me ouça. Não tinha intenções de contar<<strong>br</strong> />

a ninguém, mas, pelo menos para você, mana, preciso contar<<strong>br</strong> />

tudo o que se passou na minha vida.<<strong>br</strong> />

A última carta de <strong>Natsu</strong> era de quando a guerra <strong>com</strong>eçara.<<strong>br</strong> />

Tokuji havia falecido e <strong>Natsu</strong> cuidava sozinha do estábulo e<<strong>br</strong> />

das vacas. Dois meninos que moravam na vizinhança, Kinta<<strong>br</strong> />

e Tsutomu, por quem Tokuji tinha afeição, ajudavam-na.<<strong>br</strong> />

Da vida de ordenha de algumas cabeças de vaca, até a<<strong>br</strong> />

construção de uma grande empresa denominada Indústria de<<strong>br</strong> />

Doces Hokuô, a vida de <strong>Natsu</strong> fora marcada por muitas<<strong>br</strong> />

dificuldades e sofrimentos.<<strong>br</strong> />

- Eu quero saber mais so<strong>br</strong>e a vida de vocês no Brasil.<<strong>br</strong> />

Eu queria ir para o Brasil, mas não pude. Por isso, quero<<strong>br</strong> />

ouvir tudo nos mínimos detalhes. Na verdade, era para eu ter<<strong>br</strong> />

ido <strong>com</strong> vocês e passado por esses momentos juntos, mas<<strong>br</strong> />

não tive essa oportunidade.<<strong>br</strong> />

- 255 -


<strong>Natsu</strong> parecia fazer manha, <strong>com</strong>o uma criança. Apesar<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong> ter se tornado presidente de uma grande empresa e<<strong>br</strong> />

levar uma vida abastada, existia ainda a cicatriz da tristeza<<strong>br</strong> />

de ter perdido a família aos sete anos.<<strong>br</strong> />

- Você poderia ficar ainda por algum tempo no Japão?<<strong>br</strong> />

Finalmente, eu também posso descansar. De qualquer<<strong>br</strong> />

maneira, vamos passear. Tomar banhos em teimas, deliciarnos<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as iguarias japonesas... Vamos conversar <strong>com</strong> calma<<strong>br</strong> />

e recuperar o tempo que vivemos separadas. Senão, não<<strong>br</strong> />

poderei morrer em paz.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também havia vindo ao Japão <strong>com</strong> o mesmo<<strong>br</strong> />

sentimento. Não poderia morrer se <strong>Natsu</strong> não a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preendesse. Com esse desejo ardente, seguira o registro<<strong>br</strong> />

civil desde Hokkaido e, <strong>com</strong> muito custo, conseguira<<strong>br</strong> />

encontrar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Era encantador para Yamato observar a avó e a tia-avó,<<strong>br</strong> />

alegres <strong>com</strong>o crianças, depois do reencontro.<<strong>br</strong> />

Dependendo do lugar de onde se observa, o Monte Fuji<<strong>br</strong> />

tem um formato diferente. Embora possa ser visto por entre<<strong>br</strong> />

os prédios de Tóquio, seu perfil imponente entre as montanhas<<strong>br</strong> />

torna sua vista e o Japão, mais especiais.<<strong>br</strong> />

Yamato contemplava o jardim do hotel, de onde avistava<<strong>br</strong> />

o Monte Fuji, símbolo do espírito japonês, encantado <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

sua beleza. Depois de ter tomado banho nas águas termais,<<strong>br</strong> />

vestia o yukata e tanzen que estavam à disposição no quarto,<<strong>br</strong> />

sentindo que em suas veias corria o sangue japonês.<<strong>br</strong> />

- 256 -


<strong>Haru</strong> também tomara um banho demorado, sentindo que<<strong>br</strong> />

o cansaço da viagem desde que chegara ao Japão, finalmente<<strong>br</strong> />

se esvaía. Além do mais, <strong>Natsu</strong> estava ao seu lado.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se sentia muito à vontade. Esse tipo de termas e<<strong>br</strong> />

hotéis em estilo japonês aparecia muito na televisão japonesa,<<strong>br</strong> />

mas jamais poderia imaginar que se hospedaria num deles.<<strong>br</strong> />

- Voltei ao Japão para procurá-la, e fui até a casa onde o<<strong>br</strong> />

tio morava em Hokkaido, mas nem pensei em usufruir de um<<strong>br</strong> />

luxo <strong>com</strong>o esse, ou mesmo tomar banho em uma terma. Não<<strong>br</strong> />

sabia quando poderia voltar ao Japão, mas, enfim, consegui.<<strong>br</strong> />

Só isso já é suficiente.<<strong>br</strong> />

- Agora, o Brasil e o Japão estão próximos. Dá para ir e<<strong>br</strong> />

vir quando quisermos...<<strong>br</strong> />

Ao ver que era muito grande a emoção de <strong>Haru</strong>, achando<<strong>br</strong> />

que o balneário era luxuoso, <strong>Natsu</strong> riu baixinho.<<strong>br</strong> />

- Para nós era muito longe. Quando o Japão estava em<<strong>br</strong> />

guerra contra os Estados Unidos, nem imaginávamos que um<<strong>br</strong> />

dia <strong>com</strong>o esse chegaria. Essa facilidade de voltar ao Japão.<<strong>br</strong> />

Gostaria de ter trazido papai para um lugar <strong>com</strong>o este.<<strong>br</strong> />

- Papai também sofreu, não...? Ser preso só porque falou<<strong>br</strong> />

em japonês...<<strong>br</strong> />

- O Brasil era aliado dos Estados Unidos e o Japão era<<strong>br</strong> />

inimigo. Mas papai nem tentava aprender português, dizendo<<strong>br</strong> />

que não havia nada de mal nos japoneses falarem sua língua.<<strong>br</strong> />

- Isso é bem o estilo de papai.<<strong>br</strong> />

- Foi Ryuta quem foi buscá-lo na delegacia, abaixando a<<strong>br</strong> />

cabeça para os policiais.<<strong>br</strong> />

- 257 -


Durante a guerra, os japoneses que estavam no Brasil eram<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igados a se conscientizar de sua identidade, já que<<strong>br</strong> />

recebiam pressões externas, somente pelo fato de serem<<strong>br</strong> />

japoneses.<<strong>br</strong> />

Isso fez <strong>com</strong> que Chûji ficasse cada vez mais obstinado e<<strong>br</strong> />

foi fortalecendo a revolta contra os japoneses que levavam<<strong>br</strong> />

uma vida integrada ao Brasil, <strong>com</strong>o a família Nakayama.<<strong>br</strong> />

O caminhão de Ryuta parou em frente à casa dos Takakura,<<strong>br</strong> />

na vila japonesa no interior do estado de São Paulo. Havia<<strong>br</strong> />

trazido Chûji, que estava <strong>com</strong> a barba por fazer.<<strong>br</strong> />

Fazia dez dias que a polícia havia levado Chûji da praça<<strong>br</strong> />

em frente ao prédio da Associação Japonesa.<<strong>br</strong> />

- O sr. Takakura está de volta! - gritou Ryuta, descendo<<strong>br</strong> />

do carro.<<strong>br</strong> />

Shizu e <strong>Haru</strong> saíram correndo para recebê-lo.<<strong>br</strong> />

- Seja bem-vindo. - disse Shizu para Chûji. Em seguida,<<strong>br</strong> />

curvou-se para Ryuta, dizendo:<<strong>br</strong> />

- Graças ao esforço do senhor, ele saiu a salvo... Muito<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

- Não há de quê. Eu só expliquei a situação à polícia no<<strong>br</strong> />

lugar do sr. Takakura, que não fala português...<<strong>br</strong> />

- Você pôde sair da cadeia graças ao esforço de Ryuta.<<strong>br</strong> />

Agradeça-lhe bastante...<<strong>br</strong> />

Enquanto <strong>Haru</strong> insistia, Chûji entrava rabugento dentro<<strong>br</strong> />

de casa, pisando firme.<<strong>br</strong> />

-Papai!<<strong>br</strong> />

- 258 -


-Não é preciso agradecer. Como japonês, é natural ajudar<<strong>br</strong> />

um patrício em dificuldades. Principalmente porque o sr.<<strong>br</strong> />

Takakura veio para cá contando <strong>com</strong> o meu pai. Nós também<<strong>br</strong> />

somos responsáveis...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficava aflita, mas Ryuta parecia não ter se aborrecido,<<strong>br</strong> />

pois sorria abertamente.<<strong>br</strong> />

- Depois desta, ele precisa aprender a falar português,<<strong>br</strong> />

não é?<<strong>br</strong> />

- Ele fica teimando que não precisa porque é japonês...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Shizu ficaram sem saber o que fazer, e se viram<<strong>br</strong> />

para casa, onde Chûji acabara de entrar.<<strong>br</strong> />

- Ele precisa descansar bastante. A cadeia está<<strong>br</strong> />

superlotada, pois a cada dia aumenta o número de pessoas<<strong>br</strong> />

que são presas porque estavam ouvindo transmissões em<<strong>br</strong> />

japonês pelo rádio, estavam jantando em grupo, ignorando a<<strong>br</strong> />

proibição de reuniões de japoneses, falar em japonês, e outros<<strong>br</strong> />

motivos. Ele deve estar muito cansado... Então, vou indo...<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me por não lhe oferecer nada... - lamentava<<strong>br</strong> />

Shizu profundamente, abaixando de novo a cabeça.<<strong>br</strong> />

- Eu a espero à noite. - disse Ryuta para <strong>Haru</strong>, enquanto<<strong>br</strong> />

ligava o motor do caminhão.<<strong>br</strong> />

Dentro de casa, Chûji pegou a garrafa de pinga.<<strong>br</strong> />

- Ainda bem que você saiu em 10 dias. Foi graças ao sr.<<strong>br</strong> />

Nakayama! - Shizu censurava-lhe a falta de educação.<<strong>br</strong> />

Chûji estava literalmente mal-humorado.<<strong>br</strong> />

- Não pedi para ele fazer isso! Não fico nada feliz nem<<strong>br</strong> />

agradecido por ter saído da cadeia, abaixando a cabeça na<<strong>br</strong> />

- 259 -


frente dos policiais. Que isso! Um japonês ficar se humilhando<<strong>br</strong> />

perante os <strong>br</strong>asileiros...<<strong>br</strong> />

Para Chûji, Nakayama tinha perdido o orgulho de ser<<strong>br</strong> />

japonês, ao conquistar a simpatia da polícia <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />

Na realidade, não se tratava de conquistar a simpatia dos<<strong>br</strong> />

policiais, mas de conseguir manter um bom relacionamento,<<strong>br</strong> />

para que os japoneses, embora súditos de um país inimigo,<<strong>br</strong> />

pudessem levar uma vida segura na vila japonesa.<<strong>br</strong> />

- Desde que não façamos nada contra a polícia <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />

podemos viver normalmente, <strong>com</strong>o temos feito até agora.<<strong>br</strong> />

Não faça nada para que o prendam de novo, está bem? Isso<<strong>br</strong> />

causa incômodo também para os demais japoneses. - pediu<<strong>br</strong> />

Shizu para Chûji, que parecia não lhe dar ouvidos.<<strong>br</strong> />

- Esse pessoal vai ver só! Esta guerra vai terminar logo,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a vitória do Japão, que está vencendo no Sudeste Asiático<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> uma força irresistível. Precisamos agüentar somente mais<<strong>br</strong> />

um pouco. Quando chegar o dia da vitória, não deixarei por<<strong>br</strong> />

menos!<<strong>br</strong> />

-Não fale tão alto assim... O que será de nós se os outros<<strong>br</strong> />

ouvirem?<<strong>br</strong> />

- Eu falo isso na frente de qualquer um! O japonês tem<<strong>br</strong> />

que viver <strong>com</strong> orgulho... Não podemos perdê-lo porque<<strong>br</strong> />

vivemos num país inimigo. O nosso filho Minoru tornou-se<<strong>br</strong> />

um militar e está lutando pelo Japão. Também por ele, não<<strong>br</strong> />

vou, de jeito nenhum, abaixar a cabeça para os <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />

Não perdoarei os que ficam adulando os <strong>br</strong>asileiros ou<<strong>br</strong> />

colaborando <strong>com</strong> os inimigos. - falou Chûji, quase gritando,<<strong>br</strong> />

- 260 -


já bastante aborrecido, em meio a goles de pinga.<<strong>br</strong> />

Durante a guerra, mesmo no Japão, muita gente acreditava<<strong>br</strong> />

que as tropas japonesas avançavam de forma invencível.<<strong>br</strong> />

Para os imigrantes japoneses que estavam no Brasil, as<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unicações tinham sido interrompidas <strong>com</strong> o exterior e as<<strong>br</strong> />

informações dependiam dos rádios de ondas curtas, cujas<<strong>br</strong> />

transmissões do Japão eram ouvidas às escondidas. Nos<<strong>br</strong> />

noticiários que eles ouviam, o Quartel General das Forças<<strong>br</strong> />

Armadas continuava divulgando notícias acerca das vitórias<<strong>br</strong> />

do Japão so<strong>br</strong>e os aliados, e isso fazia <strong>com</strong> que os imigrantes<<strong>br</strong> />

japoneses acreditassem na vitória de sua pátria <strong>com</strong>o algo<<strong>br</strong> />

inevitável.<<strong>br</strong> />

- De qualquer forma, durante algum tempo, continuamos<<strong>br</strong> />

a trabalhar em silêncio, dedicando-nos à lavoura. As plantas<<strong>br</strong> />

cresciam, e não tínhamos problemas para <strong>com</strong>er. Até<<strong>br</strong> />

chegamos a construir uma casa nova. Vivíamos em paz, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se não estivéssemos em guerra. Contudo, <strong>com</strong>eçaram a correr<<strong>br</strong> />

boatos de que as forças japonesas estavam perdendo batalhas<<strong>br</strong> />

em diversos lugares... Aí, aconteceu novamente um fato<<strong>br</strong> />

terrível...<<strong>br</strong> />

Arava a terra que conseguira adquirir <strong>com</strong> muito custo,<<strong>br</strong> />

plantando e cuidando dos seus produtos. Como trabalhador,<<strong>br</strong> />

Chüji era uma pessoa que não tinha do que reclamar.<<strong>br</strong> />

Um japonês residente na mesma vila, de nome Yamada,<<strong>br</strong> />

veio até a plantação onde Chûji e a família estavam a trabalhar.<<strong>br</strong> />

- 261 -


Shizu falou <strong>com</strong> Yamada no português rudimentar que<<strong>br</strong> />

aprendera:<<strong>br</strong> />

- Bom dia. Como está a dor lombar de sua esposa?<<strong>br</strong> />

Yamada, contudo, apenas acenou <strong>com</strong> a cabeça para Shizu<<strong>br</strong> />

e fez sinal <strong>com</strong> os olhos para Chüji. Os dois <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />

conversar em voz baixa, <strong>com</strong>o se estivessem tramando algo.<<strong>br</strong> />

Shizu e <strong>Haru</strong> observavam apreensivamente a conversa<<strong>br</strong> />

dos dois, esperando que Chûji não provocasse outras<<strong>br</strong> />

confusões.<<strong>br</strong> />

Quando voltaram para casa depois do trabalho na roça,<<strong>br</strong> />

Chûji nem descansou e ficou cuidando dos instrumentos<<strong>br</strong> />

agrícolas. Shizu tentou puxar conversa de forma natural:<<strong>br</strong> />

- O que Yamada veio fazer na nossa plantação?<<strong>br</strong> />

- Ele apenas estava de passagem por lá.<<strong>br</strong> />

- Vocês pareciam estar trocando segredos... Ele queria<<strong>br</strong> />

alguma coisa?<<strong>br</strong> />

- Nada em especial... - respondeu secamente Chûji, que<<strong>br</strong> />

costumava falar muito e <strong>com</strong> voz alta.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> saiu, depois de trocar a roupa que usava para fazer<<strong>br</strong> />

o trabalho da lavoura. Usava um vestido que tinha ganhado<<strong>br</strong> />

de Sachi tentando, cuidar um pouco de sua aparência.<<strong>br</strong> />

- Vou à casa do sr. Nakayama. Vou ajudar a preparar o<<strong>br</strong> />

jantar e aprender a fazer <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira. Depois do jantar,<<strong>br</strong> />

praticarei português <strong>com</strong> Ryuta e voltarei para casa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> parecia ser uma moça alegre e apesar de tentar<<strong>br</strong> />

segurar o entusiasmo, acabava deixando transparecê-lo.<<strong>br</strong> />

Chüji olhou <strong>com</strong> uma fisionomia severa para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- 262 -


- Disse para não freqüentar a casa dos Nakayama.<<strong>br</strong> />

- De novo?... <strong>Haru</strong> está sendo bem tratada pelo pessoal<<strong>br</strong> />

da família Nakayama. Como eu não sou instruída, não posso<<strong>br</strong> />

educar <strong>Haru</strong> adequadamente. Ela tem aprendido muitas<<strong>br</strong> />

coisas. Temos que agradecer...<<strong>br</strong> />

- Por isso, fiz vista grossa até agora. Porém, recentemente,<<strong>br</strong> />

a situação da guerra entre o Japão e os Estados Unidos está<<strong>br</strong> />

ficando cada vez mais preocupante. Não permito que você<<strong>br</strong> />

freqüente a casa daqueles traidores da Pátria. Para que<<strong>br</strong> />

aprender a fazer <strong>com</strong>ida <strong>br</strong>asileira? Não pretendo me tornar<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiro.<<strong>br</strong> />

- Por que o senhor diz que os Nakayama são traidores? O<<strong>br</strong> />

que eles fizeram de errado? - perguntou <strong>Haru</strong>, pasma,<<strong>br</strong> />

virando-se para Chûji.<<strong>br</strong> />

- Eles criam bichos-de-seda e enriqueceram <strong>com</strong> isso.<<strong>br</strong> />

São traidores!<<strong>br</strong> />

- Que mal há em criar bichos-de-seda? Cada um cria ou<<strong>br</strong> />

cultiva o que quiser. Qual a diferença se cultivamos algodão?<<strong>br</strong> />

- Sabe para onde estão vendendo os casulos de bichosde-seda?<<strong>br</strong> />

- É um <strong>br</strong>asileiro que vem <strong>com</strong>prar, não é?<<strong>br</strong> />

- Os casulos vendidos para ele são exportados para os<<strong>br</strong> />

Estados Unidos e lá são transformados em tecidos para<<strong>br</strong> />

confecção de pára-quedas, que é um material bélico. Os<<strong>br</strong> />

Nakayama sabem disso, mas continuam produzindo e<<strong>br</strong> />

vendendo casulos. Eles estão colaborando <strong>com</strong> os americanos,<<strong>br</strong> />

que estão em guerra <strong>com</strong> a nossa Pátria, o Japão. São iguais<<strong>br</strong> />

- 263 -


àqueles que produzem menta. Todos eles são traidores da<<strong>br</strong> />

Pátria.<<strong>br</strong> />

- Por que não se pode vender um pouco de casulo para<<strong>br</strong> />

quem quiser? Para se so<strong>br</strong>eviver no Brasil, não se pode ficar<<strong>br</strong> />

preso a mesquinharias. É melhor o senhor parar de falar<<strong>br</strong> />

bobagens. - argumentou <strong>Haru</strong>, <strong>com</strong>o se passasse um sermão<<strong>br</strong> />

no pai, saindo às pressas.<<strong>br</strong> />

-<strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

Chûji tentou ir atrás de <strong>Haru</strong> e Shizu o segurou <strong>com</strong> força.<<strong>br</strong> />

- Já chega! Você não tem que ficar falando coisas que<<strong>br</strong> />

causem desarmonia entre os japoneses. Mesmo em guerra,<<strong>br</strong> />

enquanto permanecermos aqui, poderemos viver sem nos<<strong>br</strong> />

envolvermos.<<strong>br</strong> />

Enfrentando a resistência não só de <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o também<<strong>br</strong> />

de Shizu, Chûji procurava fuga na pinga, não sabendo o que<<strong>br</strong> />

fazer <strong>com</strong> a sua indignação.<<strong>br</strong> />

Como a menta era utilizada <strong>com</strong>o insumo para fa<strong>br</strong>icação<<strong>br</strong> />

de explosivos, era exportado para os Estados Unidos, <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

finalidade bélica, assim <strong>com</strong>o os casulos. Em virtude disso,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o início da guerra, os preços tanto de casulos <strong>com</strong>o de<<strong>br</strong> />

menta,haviam subido muito. Houve até lavradores que<<strong>br</strong> />

interromperam o cultivo de arroz ou verduras, passando<<strong>br</strong> />

repentinamente, a cultivar menta.<<strong>br</strong> />

Com relação à menta, registros indicavam que cerca de<<strong>br</strong> />

90% da quantidade total produzida no estado de São Paulo<<strong>br</strong> />

na época do término da guerra, provinha da plantação de<<strong>br</strong> />

agricultores japoneses.<<strong>br</strong> />

- 264 -


Para Chûji, que possuía uma forte consciência de<<strong>br</strong> />

pertencer à nação japonesa, quanto mais aumentava o número<<strong>br</strong> />

de pessoas que fornecia casulo e menta para os Estados<<strong>br</strong> />

Unidos, mais sentia que aumentavam os traidores que<<strong>br</strong> />

abandonaram o orgulho de serem japoneses.<<strong>br</strong> />

Chûji direcionava sua raiva pra Kotaro e Ryuta Nakayama,<<strong>br</strong> />

pai e filho, por serem pessoas que estavam próximas à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Enquanto Chûji estava bebendo pinga, <strong>com</strong>eçava um<<strong>br</strong> />

jantar animado, na casa dos Nakayama, <strong>com</strong> <strong>com</strong>idas<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiras. Estavam em volta da mesa, Kotaro, Toki, Ryuta,<<strong>br</strong> />

Sachi, Shozo, Aki e <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

O assunto da conversa de Kotaro acabou sendo a respeito<<strong>br</strong> />

da guerra.<<strong>br</strong> />

- Parece que o Japão está sendo bombardeado pelos<<strong>br</strong> />

americanos. Era óbvio que não se podia ganhar uma guerra<<strong>br</strong> />

contra uma grande potência <strong>com</strong>o os Estados Unidos. Por<<strong>br</strong> />

que será que o Japão fez uma bobagem dessas?<<strong>br</strong> />

-No Japão temos tantos parentes... Como estarão todos...?<<strong>br</strong> />

Embora nos preocupemos <strong>com</strong> eles, nada podemos fazer...<<strong>br</strong> />

Ainda bem que viemos para o Brasil. Os policiais <strong>br</strong>asileiros<<strong>br</strong> />

nos aborrecem, porém não nos perseguem... - falou Toki,<<strong>br</strong> />

calmamente, quando Sachi <strong>com</strong>entou:<<strong>br</strong> />

- O que será de nós se o Japão perder?<<strong>br</strong> />

- Não vai acontecer nada! As tropas japonesas ou os<<strong>br</strong> />

japoneses não ameaçaram diretamente o Brasil. Pelo<<strong>br</strong> />

contrário, os japoneses vêm convivendo bem <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiros. Terminada a guerra, voltaremos, novamente, a<<strong>br</strong> />

- 265 -


ser livres. Deverão liberar o uso da língua japonesa e mesmo<<strong>br</strong> />

ouvir rádio. Poderemos, mais uma vez nos reunir abertamente<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> as pessoas.<<strong>br</strong> />

Ryuta, mais do que a vitória ou derrota do Japão, queria<<strong>br</strong> />

que a guerra terminasse logo.<<strong>br</strong> />

- Mas se o Japão perder a guerra, será ocupado pelos<<strong>br</strong> />

Estados Unidos, não é? Então, o Japão deixará de existir <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

um Estado?<<strong>br</strong> />

- É possível que isso aconteça.<<strong>br</strong> />

Kotaro concordava <strong>com</strong> a preocupação de Toki. Como<<strong>br</strong> />

tinham parentes em Hiroshima, sua terra natal, havia um<<strong>br</strong> />

sentimento de preocupação.<<strong>br</strong> />

- Para nós, não importa se o Japão vai ganhar ou perder a<<strong>br</strong> />

guerra, pois já somos <strong>br</strong>asileiros. - disse Ryuta, a exemplo<<strong>br</strong> />

do que pensavam as gerações modernas naquela época.<<strong>br</strong> />

Shozo, que estava calado até então, pediu uma opinião<<strong>br</strong> />

do tio, insinuando insatisfação:<<strong>br</strong> />

- Para o senhor está bem assim?<<strong>br</strong> />

- Lógico que não. Porém, se esse dia chegar, temos que<<strong>br</strong> />

nos esforçar ao máximo para sermos úteis ao Japão, não é?<<strong>br</strong> />

Shozo se calou <strong>com</strong> uma expressão dura.<<strong>br</strong> />

- Você, <strong>Haru</strong>, tem alguém no Japão que a preocupa?<<strong>br</strong> />

- Sim, minha irmãzinha...<<strong>br</strong> />

Com a pergunta de Toki, <strong>Haru</strong> pensou em <strong>Natsu</strong> e abaixou<<strong>br</strong> />

os olhos.<<strong>br</strong> />

Era para terem emigrado juntas, mas <strong>Natsu</strong> não pôde<<strong>br</strong> />

embarcar no navio por causa do tra<strong>com</strong>a. Na primeira fazenda,<<strong>br</strong> />

- 266 -


o sofrimento era tanto que chegou a pensar que fora melhor<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> não ter vindo para o Brasil. Entretanto, desde que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçara a guerra, e ouvira falar que o Japão estava sofrendo<<strong>br</strong> />

ataques aéreos, restava apenas orar pelo bem-estar da irmã.<<strong>br</strong> />

Aki, esposa de Shozo, falou suspirando:<<strong>br</strong> />

- Ah... Não dá para esquecer aquela menina... Ela ficou<<strong>br</strong> />

no cais de Kobe, olhando o navio até desaparecer de vista...<<strong>br</strong> />

- E a sua irmãzinha continua no Japão?...<<strong>br</strong> />

Ryuta tentou espiar os olhos de <strong>Haru</strong>, que estavam<<strong>br</strong> />

voltados para baixo.<<strong>br</strong> />

- Nós prometemos voltar em três anos, mas até agora,<<strong>br</strong> />

não pudemos cumprir a promessa... Não temos nem <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

entrar em contato para saber <strong>com</strong>o ela está...<<strong>br</strong> />

- Quando a guerra terminar, será possível viajar entre o<<strong>br</strong> />

Brasil e o Japão novamente. Você então poderá se encontrar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ela. A guerra deverá terminar dentro de pouco tempo...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não podia expor seus confusos sentimentos naquele<<strong>br</strong> />

momento. Logicamente, queria que a guerra terminasse logo.<<strong>br</strong> />

Contudo, Kotaro, bem <strong>com</strong>o Ryuta, afirmavam que o Japão<<strong>br</strong> />

iria perder. Se o Japão perdesse, fosse ocupado pelos Estados<<strong>br</strong> />

Unidos e deixasse de existir <strong>com</strong>o Estado, da forma <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

expusera Toki, não sabia <strong>com</strong>o poderia procurar <strong>Natsu</strong>. Não<<strong>br</strong> />

havia certeza de que poderia ir e vir entre o Japão e o Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Ryuta caminhavam, desfrutando de um passeio<<strong>br</strong> />

numa noite tranqüila. Ryuta estava levando <strong>Haru</strong> até a casa<<strong>br</strong> />

dos Takakura, conversando naturalmente em português.<<strong>br</strong> />

- Vou <strong>com</strong> você buscar sua irmãzinha.<<strong>br</strong> />

- 267 -


- Gostaria que essa viagem fosse a nossa lua-de-mel.<<strong>br</strong> />

- Ryuta...? - exclamou <strong>Haru</strong>, espantada, deixando que<<strong>br</strong> />

algumas palavras em japonês escapassem de seus lábios.<<strong>br</strong> />

- Em português... Nunca se sabe se há alguém nos<<strong>br</strong> />

escutando.<<strong>br</strong> />

- Se a sua irmã vier para o Brasil, você poderá se casar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>igo, não é mesmo? Como não sabia da existência de sua<<strong>br</strong> />

irmã, eu tinha achado que era impossível me casar <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

Agora que fiquei sabendo de sua irmã, fico mais tranqüilo.<<strong>br</strong> />

Assim que terminar a guerra, vou falar <strong>com</strong> seu pai e pedi-la<<strong>br</strong> />

em casamento. Você concorda?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se esforçava para ouvir o português de Ryuta. Estava<<strong>br</strong> />

recebendo uma proposta de casamento.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou paralisada <strong>com</strong> a confissão repentina e Ryuta<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>açou-a <strong>com</strong> ternura. Sem reagir, <strong>Haru</strong> se aninhou em<<strong>br</strong> />

silêncio no om<strong>br</strong>o forte de Ryuta, que a a<strong>br</strong>açou <strong>com</strong> mais<<strong>br</strong> />

força.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Ryuta se entreolharam <strong>com</strong>o se certificassem dos<<strong>br</strong> />

seus sentimentos.<<strong>br</strong> />

De repente ouviu-se de longe os gritos tensos de um<<strong>br</strong> />

homem:<<strong>br</strong> />

-Fogo! Fogo!<<strong>br</strong> />

Os dois ergueram os olhos e se voltaram para a direção<<strong>br</strong> />

de onde vinha a voz, vendo grandes labaredas.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> prendeu a respiração.<<strong>br</strong> />

- 268 -


- Não é o seu barracão de sericultura?...<<strong>br</strong> />

Ryuta já estava correndo em direção ao incêndio. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

seguiu-o desesperadamente.<<strong>br</strong> />

De fato, o incêndio havia ocorrido no barracão de<<strong>br</strong> />

sericultura da família Nakayama.<<strong>br</strong> />

Uma multidão se encontrava no local tentando apagar o<<strong>br</strong> />

fogo, mas não podiam fazer mais nada.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Haru</strong> e Ryuta chegaram ao local, o enorme<<strong>br</strong> />

barracão de sericultura estava em chamas e desabava aos<<strong>br</strong> />

poucos.<<strong>br</strong> />

Kotaro, sem poder fazer nada, olhava atônito para o<<strong>br</strong> />

barracão de sericultura que desmoronava em chamas.<<strong>br</strong> />

- Puseram fogo. Já sei quem é o culpado! - disse Kotaro<<strong>br</strong> />

para Ryuta em português.<<strong>br</strong> />

Ryuta alternava o olhar entre o barracão que ardia e<<strong>br</strong> />

Kotaro.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> sentia que o seu coração ia parar de bater, atacada<<strong>br</strong> />

por uma sensação de temor.<<strong>br</strong> />

Correu de volta até sua casa num fôlego só e entrou na<<strong>br</strong> />

sala. Somente Shizu se encontrava na casa.<<strong>br</strong> />

- Onde está o papai?...<<strong>br</strong> />

- Ele saiu depois do jantar e não voltou ainda... Onde foi<<strong>br</strong> />

o incêndio?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> parecia desfalecida, sem fôlego, e Shizu ia dizer<<strong>br</strong> />

algo, quando Chûji chegou.<<strong>br</strong> />

- Que bom que você voltou. Parece que o incêndio foi<<strong>br</strong> />

grande, não é?<<strong>br</strong> />

- 269 -


- Dizem que alguém deve ter posto fogo... - disse <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

olhando para o pai de forma interrogativa.<<strong>br</strong> />

Chûji respondeu em poucas palavras:<<strong>br</strong> />

- Foi castigo do céu.<<strong>br</strong> />

- Onde foi o incêndio?<<strong>br</strong> />

- No barracão de sericultura do Nakayama.<<strong>br</strong> />

- Quem terá feito uma coisa dessas?...- Shizu ia continuar<<strong>br</strong> />

a pergunta e olhou assustada para Chûji.<<strong>br</strong> />

- Você? Não pode ter sido você!...<<strong>br</strong> />

- Qualquer pessoa que tem amor à Pátria poderia ter feito<<strong>br</strong> />

isso. Nesta vila, existem muitas pessoas que não perdoam os<<strong>br</strong> />

que ganham vendendo casulos para os Estados Unidos. Acho<<strong>br</strong> />

que o Nakayama deve ter aprendido a lição.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não dizia nada, embora o olhar direcionado a Chûji,<<strong>br</strong> />

contivesse uma crítica silenciosa.<<strong>br</strong> />

Os mem<strong>br</strong>os da família Nakayama estavam reunidos no<<strong>br</strong> />

local onde o barracão se encontrava totalmente destruído pelas<<strong>br</strong> />

chamas.<<strong>br</strong> />

- Takakura retribuiu os favores que nós prestamos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

este gesto de inimizade. - disse Kotaro.<<strong>br</strong> />

- Você não pode fazer tais acusações enquanto não tiver<<strong>br</strong> />

provas. - falou Ryuta, procurando apaziguar os ânimos.<<strong>br</strong> />

Kotaro, contudo foi categórico:<<strong>br</strong> />

-Ele provocava os demais, dizendo que eu era antipatriota<<strong>br</strong> />

ou traidor da Pátria.<<strong>br</strong> />

-Embora sejamos todos japoneses, existem diversos tipos<<strong>br</strong> />

de pensamento. Mas ainda assim, continuamos amando o<<strong>br</strong> />

- 270 -


Japão.<<strong>br</strong> />

- Sim, eu sei.<<strong>br</strong> />

O incêndio em si era um fato grave, mas Kotaro tinha<<strong>br</strong> />

uma outra preocupação. Se o incêndio criminoso chegasse<<strong>br</strong> />

ao conhecimento da polícia <strong>br</strong>asileira, poderia vir a ser uma<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plicação a mais. Seriam presas fáceis da polícia <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />

que prendia japoneses causadores de problemas.<<strong>br</strong> />

Incidentes de incêndio e destruição de barracões de<<strong>br</strong> />

sericultura e fá<strong>br</strong>icas de menta ocorreram não só <strong>com</strong> a família<<strong>br</strong> />

Nakayama, mas em diversas regiões do estado de São Paulo.<<strong>br</strong> />

Todos estes casos tinham a conotação de punir os<<strong>br</strong> />

antipatriotas que estariam a ganhar dinheiro às custas da<<strong>br</strong> />

produção de materiais bélicos que favoreciam os Estados<<strong>br</strong> />

Unidos.<<strong>br</strong> />

Como as razões eram conhecidas, as vítimas titubearam<<strong>br</strong> />

em processar os patrícios, autores desses crimes. Procuravam<<strong>br</strong> />

evitar a interferência da polícia.<<strong>br</strong> />

Kotaro não era exceção. Na qualidade de presidente da<<strong>br</strong> />

Associação de Japoneses, não gostaria que a polícia <strong>br</strong>asileira<<strong>br</strong> />

interviesse nos assuntos internos da vila.<<strong>br</strong> />

- Vamos fazer de conta que o incidente de hoje foi<<strong>br</strong> />

provocado por nossa culpa. Nós vamos insistir no fato de<<strong>br</strong> />

que não tivemos o devido cuidado <strong>com</strong> o fogo e isso acabou<<strong>br</strong> />

provocando o incêndio. Todos devem estar de acordo <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

esta argumentação.<<strong>br</strong> />

Kotaro olhou para cada mem<strong>br</strong>o da família, ao fazer esta<<strong>br</strong> />

afirmação e disse, em especial para Ryuta:<<strong>br</strong> />

- 271 -


- Só que não teremos mais qualquer contato <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da família Takakura, inclusive <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>. Isto deve<<strong>br</strong> />

ficar bem claro.<<strong>br</strong> />

Ryuta não teve <strong>com</strong>o contra-argumentar. Os atos de Chûji<<strong>br</strong> />

tinham sido graves e injustificáveis.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong> e Yamato estavam sentados no chão, em volta<<strong>br</strong> />

de uma mesa, num quarto de tatami de um hotel em estilo<<strong>br</strong> />

japonês nas teimas de Hakone. Para quem nada sabia, parecia<<strong>br</strong> />

ser uma família que estava a descansar, mas o relato de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

era chocante.<<strong>br</strong> />

- Então você não pôde se casar <strong>com</strong> Ryuta?<<strong>br</strong> />

- Ryuta não era uma pessoa que desistia tão facilmente.<<strong>br</strong> />

Ele disse que, quando a guerra terminasse, não haveria mais<<strong>br</strong> />

essa história de antipatriota ou traidor da Pátria. Pediu-me<<strong>br</strong> />

para esperar até lá...<<strong>br</strong> />

- Durante a guerra, a vida no Brasil foi difícil, não? Mas<<strong>br</strong> />

as coisas em Hokkaido também foram difíceis.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> passou a recordar os episódios ocorridos em<<strong>br</strong> />

Hokkaido durante a guerra.<<strong>br</strong> />

Os jovens convocados para servirem nas forças armadas,<<strong>br</strong> />

caminhavam no meio da neve. Os familiares e os vizinhos<<strong>br</strong> />

entoavam marchas militares, desfraldando as bandeiras do<<strong>br</strong> />

Japão. Apesar de não conhecê-los, <strong>Natsu</strong> se despedia deles<<strong>br</strong> />

desejando sua segurança. Quantas vezes essas cenas não se<<strong>br</strong> />

repetiram...<<strong>br</strong> />

- 272 -


Mesmo durante a guerra, <strong>Natsu</strong> trabalhava o dia todo.<<strong>br</strong> />

Quando precisava ir até Sapporo, capital da província, ia de<<strong>br</strong> />

carroça, puxada a cavalo, mesmo no meio da nevasca. Quando<<strong>br</strong> />

voltava, continuava a ordenhar as vacas no celeiro. Kinta e<<strong>br</strong> />

Tsutomu também ajudavam <strong>Natsu</strong>, cuidando sempre das<<strong>br</strong> />

vacas.<<strong>br</strong> />

- Não houve bombardeios, mas havia poucos homens<<strong>br</strong> />

trabalhando na roça, uma vez que eles foram convocados para<<strong>br</strong> />

servir às forças armadas. Na ausência de quem cuidasse das<<strong>br</strong> />

plantações, não se conseguia mais obter safras agrícolas.<<strong>br</strong> />

Havia as vacas que o velho Toku tinha deixado, mas logo<<strong>br</strong> />

que <strong>com</strong>eçou a guerra, criaram uma entidade para<<strong>br</strong> />

regulamentação e controle do leite que recolhiam de toda a<<strong>br</strong> />

produção. Usavam a caseina produzida do leite para colar<<strong>br</strong> />

peças de avião. Eles nos ameaçavam dizendo que o leite<<strong>br</strong> />

também era material bélico e, mesmo entregando todo o leite,<<strong>br</strong> />

eles pagavam uma ninharia. Não tínhamos alimentos e então<<strong>br</strong> />

tentávamos <strong>com</strong>prá-los no mercado negro. Porém, as coisas<<strong>br</strong> />

eram muito caras... Passamos muita fome... Mesmo morrendo<<strong>br</strong> />

de fome, íamos capinar...<<strong>br</strong> />

A neve que se acumulara durante o inverno no pasto havia<<strong>br</strong> />

derretido, e sentia-se o calor do sol de verão.<<strong>br</strong> />

Tanto <strong>Natsu</strong> quanto Kinta e Tsutomu, estavam<<strong>br</strong> />

desanimados e trabalhavam em silêncio, <strong>com</strong>o se estivessem<<strong>br</strong> />

querendo preservar forças. Cortavam os capins em silêncio e<<strong>br</strong> />

- 273 -


iam colocando na carroça. Nem parecia o trio animado de<<strong>br</strong> />

sempre.<<strong>br</strong> />

Ao chegaren no celeiro de Tokuji, empurrando a carroça,<<strong>br</strong> />

não tinham forças para descarregar o capim. Kinta e Tsutomu<<strong>br</strong> />

se esticavam no chão.<<strong>br</strong> />

- Não dá! É impossível fazer um trabalho tão pesado,<<strong>br</strong> />

depois de ter <strong>com</strong>ido somente duas batatinhas pela manhã.<<strong>br</strong> />

Por que você não vende as vacas de uma vez? Não adianta<<strong>br</strong> />

ficar criando vacas se você não tem liberdade para vender o<<strong>br</strong> />

leite ordenhado, não acha?<<strong>br</strong> />

- É verdade. Não sabemos quando a guerra irá terminar.<<strong>br</strong> />

É melhor você vender as vacas para alguém e ficar tranqüila.<<strong>br</strong> />

Não se agüentando de fome, Kinta soltou uma voz chorosa<<strong>br</strong> />

e Tsutomu aderira à sua queixa.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> conseguiu descarregar uma porção de capim da<<strong>br</strong> />

carroça, mas acabou se deitando ao lado dos dois que estavam<<strong>br</strong> />

estirados no chão. Ainda assim, <strong>Natsu</strong> procurou ser forte:<<strong>br</strong> />

- Olha, se vocês não querem trabalhar, não precisam me<<strong>br</strong> />

ajudar. Mas, não se esqueçam de que vocês estão dispensados<<strong>br</strong> />

da mobilização estudantil para prestação <strong>com</strong>pulsória de<<strong>br</strong> />

serviços porque estão cuidando das minhas vacas.<<strong>br</strong> />

Era necessário contar <strong>com</strong> trabalhadores para poder<<strong>br</strong> />

entregar leite bovino à entidade monopolizadora de produtos<<strong>br</strong> />

lácteos, constituída na época da guerra. Como <strong>Natsu</strong> não<<strong>br</strong> />

dispunha de <strong>br</strong>aços para o trabalho, Kinta e Tsutomu foram<<strong>br</strong> />

dispensados do trabalho <strong>com</strong>pulsório nas fá<strong>br</strong>icas para poder<<strong>br</strong> />

ajudá-la.<<strong>br</strong> />

- 274 -


- Eu sei, eu sei. Porém, você <strong>Natsu</strong>, não precisa sofrer<<strong>br</strong> />

tanto pelo país. Se não fosse por essas vacas, você poderia<<strong>br</strong> />

ser recrutada para um trabalho bem mais leve.<<strong>br</strong> />

- Não estou trabalhando para o bem do país. Vocês<<strong>br</strong> />

pensam que existe algum idiota contente por servir a Pátria,<<strong>br</strong> />

enquanto confiscam todo o leite ordenhado? E mesmo quanto<<strong>br</strong> />

às vacas, não sabemos quando elas serão levadas para o<<strong>br</strong> />

matadouro para fornecimento de carne. Se elas puderem<<strong>br</strong> />

so<strong>br</strong>eviver enquanto dão leite, vou continuar a cuidar delas,<<strong>br</strong> />

custe o que custar. Essas são vacas preciosas que o velho<<strong>br</strong> />

Toku confiou a mim.<<strong>br</strong> />

As vacas que não davam leite eram confiscadas para o<<strong>br</strong> />

corte. Havia falta de carne bovina e tudo se destinava aos<<strong>br</strong> />

serviços da Pátria. Tanto Kinta <strong>com</strong>o Tsutomu não gostariam<<strong>br</strong> />

que as vacas de Tokuji tivessem tais destinos. Ambos se<<strong>br</strong> />

calaram, pois sabiam perfeitamente o que poderia acontecer.<<strong>br</strong> />

- Além disso, podemos tomar escondido um pouco do<<strong>br</strong> />

leite, todos os dias. Com isso, não morremos de fome.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> riu <strong>com</strong> expressão marota. Kinta e Tsutomu não<<strong>br</strong> />

tinham argumentos diante de <strong>Natsu</strong>. Levantaram-se <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

muito esforço e <strong>com</strong>eçaram a alimentar as vacas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> acordava todas as manhãs bem cedo, antes do céu<<strong>br</strong> />

clarear, para ordenhar as vacas no celeiro, ocasião em que<<strong>br</strong> />

aproveitava para tomar um copo do leite que acabara de<<strong>br</strong> />

ordenhar.<<strong>br</strong> />

Perto de meio-dia, <strong>Natsu</strong> estava colocando o vasilhame<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> leite ordenhado para fora do celeiro, quando o funcionário<<strong>br</strong> />

- 275 -


da entidade monopolizadora chegou para recolhê-lo.<<strong>br</strong> />

- Bom dia.<<strong>br</strong> />

O homem nem respondeu aos cumprimentos de <strong>Natsu</strong> e<<strong>br</strong> />

foi direto verificar o conteúdo do vasilhame, tirando a tampa.<<strong>br</strong> />

Fez cara feia ao constatar o seu volume.<<strong>br</strong> />

- Hoje, também, você não atingiu o volume da norma<<strong>br</strong> />

atribuída. Se você estiver desviando leite, as coisas vão se<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>plicar, hein? A fiscalização está ficando cada vez mais<<strong>br</strong> />

rigorosa, viu?<<strong>br</strong> />

- Estou dando de <strong>com</strong>er o suficiente para as vacas, mas é<<strong>br</strong> />

que o tempo está cada vez mais quente...<<strong>br</strong> />

- As vacas que não dão mais leite têm que ser entregues<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o gado de corte. Está faltando carne bovina também.<<strong>br</strong> />

- Todas as vacas estão dando leite. Por favor, não diga<<strong>br</strong> />

bobagens. Estou dando a minha vida para criá-las!...<<strong>br</strong> />

- Todos trabalham pela Pátria. Ontem, bombardearam<<strong>br</strong> />

Sapporo. A cidade de Muroran, então, foi <strong>com</strong>pletamente<<strong>br</strong> />

devastada, pois lá existiam fá<strong>br</strong>icas de materiais bélicos. O<<strong>br</strong> />

Japão se encontra no momento mais crítico. Ordenhar vacas<<strong>br</strong> />

também é servir à Pátria.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> não deu a mínima atenção para o sermão do homem.<<strong>br</strong> />

Naquele dia, o sol de verão castigava o pessoal que carpia<<strong>br</strong> />

no campo. Os três continuavam a trabalhar, suspirando de<<strong>br</strong> />

cansaço e fome.<<strong>br</strong> />

- Parece que hoje também vai esquentar, - disse Tsutomu,<<strong>br</strong> />

olhando para o ceú e enxugando o suor.<<strong>br</strong> />

Não havia indícios de ataques aéreos nesta região e o<<strong>br</strong> />

- 276 -


campo verde <strong>br</strong>ilhava <strong>com</strong> vitalidade. Seria bom se não<<strong>br</strong> />

precisasse trabalhar tanto <strong>com</strong> o estômago vazio...<<strong>br</strong> />

- Ah! Hoje de manhã, antes de sair de casa, meu pai disse<<strong>br</strong> />

que ao meio-dia, o Imperador faria um pronunciamento<<strong>br</strong> />

importante pelo rádio. O que será? - falou Kinta dirigindo-se<<strong>br</strong> />

à <strong>Natsu</strong>, que continuava a carpir.<<strong>br</strong> />

- Será que finalmente as tropas americanas vão<<strong>br</strong> />

desembarcar no Japão? Acho que vão nos mandar enfrentar<<strong>br</strong> />

o inimigo <strong>com</strong> lanças de bambu. Será que chegou a hora da<<strong>br</strong> />

nossa morte?<<strong>br</strong> />

- Nossa morte?...<<strong>br</strong> />

- Morrendo, terei paz. Não aconteceu nada de bom até<<strong>br</strong> />

agora, estando viva. E não tem quem chore a minha morte. É<<strong>br</strong> />

tudo um vazio!<<strong>br</strong> />

- Você não queria ir para o Brasil encontrar sua irmã? -<<strong>br</strong> />

Kinta disse a <strong>Natsu</strong>, tentando sondá-la so<strong>br</strong>e suas verdadeiras<<strong>br</strong> />

intenções, sem que ela percebesse.<<strong>br</strong> />

- O pessoal do Brasil não existe mais para mim... É <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se todos tivessem morrido... Então, nada mais me prende neste<<strong>br</strong> />

mundo. Por isso, não tenho medo de morrer.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> continuou a carpir sem parar.<<strong>br</strong> />

Os três iam puxando a carroça carregada de capim a<<strong>br</strong> />

caminho do estábulo. Passaram em frente a uma casa e viram<<strong>br</strong> />

um grupo de lavradores no quintal, todos a chorar. Os três<<strong>br</strong> />

olharam intrigados.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhou para dentro do quintal e viu os lavradores<<strong>br</strong> />

em volta do rádio que estava colocado cerimoniosamente em<<strong>br</strong> />

- 277 -


cima de uma mesa forrada de pano <strong>br</strong>anco. Só se conseguia<<strong>br</strong> />

ouvir chiados fortes.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> perguntou intrigada:<<strong>br</strong> />

- O que aconteceu?<<strong>br</strong> />

- Houve uma transmissão <strong>com</strong> o pronunciamento de Sua<<strong>br</strong> />

Majestade, o Imperador. Ele disse que a guerra terminou...<<strong>br</strong> />

- O Japão ganhou a guerra?<<strong>br</strong> />

-Não, sua tonta!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhou boquiaberta para o rádio e voltou para a casa<<strong>br</strong> />

de Tokuji. Eis que Kinta e Tsutomu aparecem trazendo<<strong>br</strong> />

notícias obtidas de outras fontes.<<strong>br</strong> />

- Parece que é verdade que o Japão perdeu a guerra. <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

é melhor você fugir para as montanhas. Se os soldados<<strong>br</strong> />

americanos chegarem, sabe-se lá o que eles farão <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

- De que adianta fugir? Vou deixar o barco correr e<<strong>br</strong> />

proteger as vacas até o fim. Se vocês estão <strong>com</strong> medo de<<strong>br</strong> />

morrer, fujam. Não se preocupem <strong>com</strong>igo.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava definitivamente decidida.<<strong>br</strong> />

- Nós vamos proteger você e as vacas. Agora, você é a<<strong>br</strong> />

pessoa mais importante para nós neste mundo.<<strong>br</strong> />

Kinta também parecia estar decidido.<<strong>br</strong> />

- Será que o exército japonês vai nos proteger?<<strong>br</strong> />

Kinta deu um tapa na cabeça de Tsutomu.<<strong>br</strong> />

- Seu burro! O Japão perdeu a guerra! O exército japonês<<strong>br</strong> />

não existe mais!<<strong>br</strong> />

- Verdade?... Então, já não vão mais levar o nosso leite!<<strong>br</strong> />

O leite vai ser todo nosso, não é? - a voz de <strong>Natsu</strong> soou de<<strong>br</strong> />

- 278 -


forma dinâmica e vivida.<<strong>br</strong> />

- Será que, <strong>com</strong> a chegada dos americanos, eles não vão<<strong>br</strong> />

levar o leite?<<strong>br</strong> />

- Não é possível saber quanto tempo o exército americano<<strong>br</strong> />

vai levar para chegar até o interior do país... Até lá, poderei<<strong>br</strong> />

fazer queijos <strong>com</strong> o leite ordenhado. Vou poder fazer queijos<<strong>br</strong> />

depois de muito tempo. Finalmente poderei voltar a fazê-los<<strong>br</strong> />

novamente!<<strong>br</strong> />

- Você vai fazer queijos sem saber o que vai acontecer<<strong>br</strong> />

amanhã?<<strong>br</strong> />

- Só o fato de poder produzir, para mim já está bom.<<strong>br</strong> />

Fazer queijos me faz sentir viva.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava <strong>com</strong>pletamente eufórica. Kinta e Tsutomu<<strong>br</strong> />

se entreolharam meio atônitos ao vê-la assim.<<strong>br</strong> />

- Com o fim da guerra, tudo o que era controlado pelo<<strong>br</strong> />

governo acabou, e de repente, veio a liberdade... As tropas<<strong>br</strong> />

americanas, que tanto nos preocuparam, acabaram não vindo.<<strong>br</strong> />

E fiz queijos, muitos queijos, dia após dia. Certo dia, percebi<<strong>br</strong> />

que tinha me esquecido de que queria morrer.<<strong>br</strong> />

- No Brasil, chegou também a notícia do fim da guerra.<<strong>br</strong> />

A hostilidade criada pelo Brasil, aliado aos Estados Unidos,<<strong>br</strong> />

em relação ao Japão, terminou, e voltaram novamente a paz<<strong>br</strong> />

e a liberdade. Não posso me esquecer da expressão feliz de<<strong>br</strong> />

Ryuta, dizendo que os japoneses do Brasil também poderiam,<<strong>br</strong> />

de agora em diante, fazer negócios no mercado mundial.<<strong>br</strong> />

- 279 -


Numa colina da vila dos japoneses, <strong>Haru</strong> passava<<strong>br</strong> />

momentos de descanso após o almoço junto <strong>com</strong> Ryuta. Eram<<strong>br</strong> />

momentos de singela felicidade.<<strong>br</strong> />

Ryuta falava dos seus sonhos futuros <strong>com</strong> <strong>br</strong>ilho nos olhos<<strong>br</strong> />

e o coração de <strong>Haru</strong> palpitava de felicidade, ouvindo falar de<<strong>br</strong> />

sonhos que eram <strong>com</strong>o se fossem os seus.<<strong>br</strong> />

Aos 20 anos, era a primeira vez que <strong>Haru</strong> sentia a<<strong>br</strong> />

juventude desa<strong>br</strong>ochando.<<strong>br</strong> />

- Mas <strong>com</strong> papai, foi diferente. Ele não queria aceitar, de<<strong>br</strong> />

forma nenhuma, a derrota do Japão. Na época, apareceram<<strong>br</strong> />

no Brasil muitos boatos de que teriam ouvido no rádio de<<strong>br</strong> />

que o Japão havia vencido a guerra, e apareceram fotos e<<strong>br</strong> />

folhetos que mostravam a vitória do Japão. Muitas pessoas<<strong>br</strong> />

acreditaram nesses boatos e, assim, elas passaram a ser<<strong>br</strong> />

conhecidas <strong>com</strong>o 'kachigumi'.<<strong>br</strong> />

Com o término da guerra, o confronto ideológico entre<<strong>br</strong> />

os japoneses havia se agravado ainda mais.<<strong>br</strong> />

Os que não aceitavam a derrota do Japão, acreditando na<<strong>br</strong> />

sua vitória, eram chamados de kachigumi, que significava os<<strong>br</strong> />

adeptos da vitória.<<strong>br</strong> />

Em contrapartida, as pessoas que aceitavam a derrota eram<<strong>br</strong> />

chamadas de makegumi, pois, reconheciam a situação<<strong>br</strong> />

verdadeira dos fatos.<<strong>br</strong> />

Numa certa sala, reunia-se um grupo de kachigumi, dentre<<strong>br</strong> />

os quais se encontrava Chûji. Estavam a ouvir o rádio, quando<<strong>br</strong> />

- 280 -


um homem entrou correndo <strong>com</strong> um folheto na mão, cuja<<strong>br</strong> />

leitura foi acolhida <strong>com</strong> gritos de satisfação por pessoas que<<strong>br</strong> />

ali se encontravam.<<strong>br</strong> />

O folheto falava da vitória do Japão.<<strong>br</strong> />

Durante a guerra, a <strong>com</strong>unidade japonesa estava cerceada<<strong>br</strong> />

de informações. Os imigrantes não puderam satisfazer o<<strong>br</strong> />

desejo de voltar para a Pátria e viviam na po<strong>br</strong>eza. O seu<<strong>br</strong> />

único conforto espiritual eram as notícias da "grande vitória"<<strong>br</strong> />

do Quartel General das Forças Armadas do Japão, que<<strong>br</strong> />

chegavam esparsamente, mas faziam os imigrantes<<strong>br</strong> />

acreditarem que o "País Divino" jamais seria vencido.<<strong>br</strong> />

Ainda que chegassem as notícias de que Tóquio e demais<<strong>br</strong> />

cidades principais tivessem sido transformadas em cinzas<<strong>br</strong> />

pelos bombardeios, de que a batalha de Okinawa tivesse<<strong>br</strong> />

terminado numa triste derrota, e até mesmo so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

lançamento das bombas atômicas, achavam que eram medidas<<strong>br</strong> />

estratégicas para aproximar o inimigo do território japonês<<strong>br</strong> />

para derrotá-lo de uma só vez. Os imigrantes aguardavam<<strong>br</strong> />

ansiosos o sucesso da batalha final onde se proclamaria a<<strong>br</strong> />

vitória do Japão, quando receberam, de repente e de forma<<strong>br</strong> />

inesperada, a notícia da "rendição incondicional".<<strong>br</strong> />

Em pouco tempo, contudo, espalhou-se o boato de que a<<strong>br</strong> />

notícia da derrota do Japão era falsa e teria sido forjada pelos<<strong>br</strong> />

aliados para enganá-los. Para os imigrantes que não queriam<<strong>br</strong> />

acreditar na derrota do Japão, a notícia de sua vitória era a<<strong>br</strong> />

esperança e o conforto de poder retornar à Pátria.<<strong>br</strong> />

No fundo, havia o sentimento de amor e saudade pela<<strong>br</strong> />

- 281 -


Pátria e era possível dizer que, num certo momento, 90% dos<<strong>br</strong> />

imigrantes chegaram a a<strong>br</strong>açar a notícia da vitória do Japão.<<strong>br</strong> />

Por mais que tenha havido falta de informações, o motivo<<strong>br</strong> />

pelo qual a maioria dos imigrantes japoneses acreditou na<<strong>br</strong> />

vitória do Japão, deveu-se ao fato de não ter existido uma<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unicação direta do Japão para o Brasil.<<strong>br</strong> />

De fato, o Edito Imperial so<strong>br</strong>e a rendição fora telegrafado<<strong>br</strong> />

do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão para a Cruz<<strong>br</strong> />

Vermelha suíça que, por sua vez retransmitira a mensagem<<strong>br</strong> />

para a Cruz Vermelha da Argentina, que a retransmitira à<<strong>br</strong> />

Cruz Vermelha <strong>br</strong>asileira. Assim, a notícia viera através da<<strong>br</strong> />

Cruz Vermelha e não do governo japonês.<<strong>br</strong> />

A notícia que chegara ao Brasil fora transmitida às pessoas<<strong>br</strong> />

consideradas influentes entre os japoneses residentes no país.<<strong>br</strong> />

E estas pessoas reuniram outras pessoas que estariam na<<strong>br</strong> />

liderança dos imigrantes. Assim, a transmissão da notícia<<strong>br</strong> />

havia sido realizada de uma forma um tanto quanto ambígua.<<strong>br</strong> />

Os <strong>com</strong>ponentes do grupo makegumi,ou seja, dos que se<<strong>br</strong> />

conscientizaram da derrota japonesa, procuraram divulgar<<strong>br</strong> />

estas idéias através de um movimento de reconhecimento da<<strong>br</strong> />

realidade. Contudo, muitos dos mem<strong>br</strong>os do grupo makegumi<<strong>br</strong> />

ou eram pessoas que estavam integradas ao Brasil desde o<<strong>br</strong> />

período anterior à guerra ou eram pessoas que haviam<<strong>br</strong> />

acumulado bens através da produção de menta ou de<<strong>br</strong> />

sericultura. Eram, portanto, pessoas que não eram do agrado<<strong>br</strong> />

dos kachigumi.<<strong>br</strong> />

Os partidários do grupo makegumi eram considerados<<strong>br</strong> />

- 282 -


traidores que haviam se despojado do orgulho japonês, e<<strong>br</strong> />

assim, os kachigumi não quiseram dar ouvidos àqueles que<<strong>br</strong> />

teriam vendido as suas almas para o Brasil.<<strong>br</strong> />

O confronto entre os kachigumi e makegumi continuou<<strong>br</strong> />

por anos a fio após a derrota do Japão.<<strong>br</strong> />

Chüji, por sua vez, insistia na maneira de ser de um<<strong>br</strong> />

japonês tradicional e por dar demasiado valor ao seu orgulho,<<strong>br</strong> />

era um dos que não podia acreditar na derrota do Japão.<<strong>br</strong> />

- O pai do Ryuta, por outro lado, aceitou serenamente a<<strong>br</strong> />

derrota, e queria fazer <strong>com</strong> que os que reconheciam a vitória<<strong>br</strong> />

do Japão se convencessem do fato.<<strong>br</strong> />

Uma grande festa estava sendo realizada no salão da<<strong>br</strong> />

Associação dos Japoneses. Os patrocinadores eram alguns<<strong>br</strong> />

japoneses influentes encabeçados por Kotaro Nakayama.<<strong>br</strong> />

Havia muitos japoneses, dentre eles Ryuta, Toki, Sachi, da<<strong>br</strong> />

família Nakayama, que já estavam sentados à mesa<<strong>br</strong> />

juntamente <strong>com</strong> os so<strong>br</strong>inhos Shozo e Aki. Um pouco<<strong>br</strong> />

atrasados, chegaram ao local, Chûji, Shizu e <strong>Haru</strong>. Kotaro<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhava os passos de Chûji <strong>com</strong> os olhos.<<strong>br</strong> />

Dali a pouco, Kotaro se levantou para erguer um <strong>br</strong>inde e<<strong>br</strong> />

fazer um discurso. Na parede estava colocada a bandeira<<strong>br</strong> />

nacional japonesa.<<strong>br</strong> />

- Enfim, terminou a longa guerra, um resultado muito<<strong>br</strong> />

triste para nós, japoneses. Japão, Alemanha e Itália foram<<strong>br</strong> />

derrotados, mas finalmente o Japão poderá viver uma<<strong>br</strong> />

- 283 -


democracia. Dizem que o país está <strong>com</strong>pletamente destruído<<strong>br</strong> />

devido aos bombardeios, mas, <strong>com</strong>o diz o poeta, "mesmo<<strong>br</strong> />

que uma nação seja derrotada, restam-lhe as montanhas e os<<strong>br</strong> />

rios"... Acredito que o Japão renascerá, <strong>com</strong>o uma fênix, em<<strong>br</strong> />

meio à paz e à liberdade obtidas pelos nossos conterrâneos<<strong>br</strong> />

em troca da derrota. Nós, que estamos no exterior, devemos<<strong>br</strong> />

nos esforçar para ajudar na reconstrução da nossa terra natal.<<strong>br</strong> />

Quero ressaltar o orgulho de ser japonês, e renovar nossa<<strong>br</strong> />

decisão de continuar a viver no Brasil.<<strong>br</strong> />

-Não minta! - Chüji se levantou, de repente, e <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />

a atacar Kotaro. - Realmente, a guerra acabou. Porém, o Japão<<strong>br</strong> />

não foi derrotado. O Japão é um país divino. É a nação onde<<strong>br</strong> />

sopra o vento sagrado. Não é admissível uma derrota. Com<<strong>br</strong> />

que fundamento vocês estão dizendo que o Japão foi<<strong>br</strong> />

derrotado? Ainda assim vocês se consideram japoneses?<<strong>br</strong> />

- Eu entendo o seu sentimento de não querer acreditar na<<strong>br</strong> />

derrota do Japão. Eu também não quero acreditar. Contudo,<<strong>br</strong> />

Sua Majestade, o Imperador, leu pessoalmente no rádio o<<strong>br</strong> />

Edito Imperial que reconhece a derrota do Japão.<<strong>br</strong> />

- Pois, se nessas mesmas transmissões, diziam até há<<strong>br</strong> />

pouco que o Japão estava invicto, <strong>com</strong>o é que, de repente,<<strong>br</strong> />

ele poderia estar em uma situação de rendição incondicional?<<strong>br</strong> />

Tudo isso é invenção. Vocês estão sendo enganados por<<strong>br</strong> />

aqueles que debocham dos japoneses. Como podem tentar<<strong>br</strong> />

nos convencer disso? Não têm vergonha de serem japoneses?<<strong>br</strong> />

Chüji que<strong>br</strong>ou o copo que tinha na mão, atirando-o no<<strong>br</strong> />

chão e surgiram então, aqui e acolá, diversas vozes que<<strong>br</strong> />

- 284 -


concordavam <strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />

- Isso mesmo! Retire o que você disse a respeito da derrota<<strong>br</strong> />

do Japão! - gritou Yamada, que numa certa ocasião estivera<<strong>br</strong> />

a cochichar <strong>com</strong> Chûji.<<strong>br</strong> />

De repente, Shozo, so<strong>br</strong>inho de Kotaro, adere ao coro<<strong>br</strong> />

gritando:<<strong>br</strong> />

- O Japão venceu! A guerra acabou porque o Japão<<strong>br</strong> />

venceu! Vamos acabar <strong>com</strong> esta festa que <strong>com</strong>emora a derrota<<strong>br</strong> />

do Japão. Vamos acabar agora!<<strong>br</strong> />

Shozo se levantou e virou a mesa. Encorajados pelo ato,<<strong>br</strong> />

logo <strong>com</strong>eçou a confusão, <strong>com</strong> diversas mesas sendo viradas.<<strong>br</strong> />

- Shozo, você também? - gemeu Kotaro, <strong>com</strong> amargura<<strong>br</strong> />

Shozo confirmou:<<strong>br</strong> />

- Tio, eu não estou errado! O Japão não foi derrotado!<<strong>br</strong> />

- Foi bom o Japão ter sido derrotado. Até agora, o Japão<<strong>br</strong> />

estava seguindo um caminho errado. Com a derrota,<<strong>br</strong> />

finalmente eles caíram na realidade.<<strong>br</strong> />

- O quê?! Você ainda insiste...?! - gritou Chûji, ao mesmo<<strong>br</strong> />

tempo que o agarrou pelos <strong>br</strong>aços. Ryuta procurou intermediar<<strong>br</strong> />

colocando-se entre Kotaro e Chûji, mas os três acabaram<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>igando.<<strong>br</strong> />

Foi o <strong>com</strong>eço de uma grande luta corporal entre os grupos<<strong>br</strong> />

dos makegumi e dos kachigumi.<<strong>br</strong> />

- Pare, papai! - <strong>Haru</strong> gritava desesperada, mas nada podia<<strong>br</strong> />

fazer.<<strong>br</strong> />

- E papai e os outros foram presos outra vez.<<strong>br</strong> />

- 285 -


A<strong>com</strong>panhado por <strong>Haru</strong>, Chûji saiu da delegacia de<<strong>br</strong> />

polícia, sujo e <strong>com</strong> a barba por fazer.<<strong>br</strong> />

Diversos policiais corriam em frente à delegacia, o que<<strong>br</strong> />

evidenciava que outras confusões estavam ocorrendo em<<strong>br</strong> />

algum lugar.<<strong>br</strong> />

Depois que os policiais se foram, um homem japonês<<strong>br</strong> />

surgiu repentinamente da som<strong>br</strong>a de um prédio. Parecia ser<<strong>br</strong> />

mais um dos mem<strong>br</strong>os dos kachigumi que estava no salão de<<strong>br</strong> />

festas. Trazia uma arma de fogo nas mãos.<<strong>br</strong> />

Sem se preocupar em ter sido visto por Chûji e outros, o<<strong>br</strong> />

homem desapareceu rapidamente por trás do prédio.<<strong>br</strong> />

Se a notícia de vitória do Japão fosse um boato passageiro<<strong>br</strong> />

que tivesse emergido do patriotismo ou de esperança, não<<strong>br</strong> />

haveria problemas maiores. Tudo não passaria de uma <strong>br</strong>iga<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o a que ocorrera <strong>com</strong> Chûji e os demais mem<strong>br</strong>os da<<strong>br</strong> />

vila.<<strong>br</strong> />

Contudo, a situação se agravou cada vez mais e progrediu<<strong>br</strong> />

em tragédias, <strong>com</strong> derramamento de sangue entre os<<strong>br</strong> />

partidários dos kachigumi e makegumi.<<strong>br</strong> />

Os incidentes surgiram tendo <strong>com</strong>o pivô a entidade<<strong>br</strong> />

extremista Shindô Renmei, que significava a Liga do<<strong>br</strong> />

Caminho dos Súditos. Este grupo perseguia os líderes do<<strong>br</strong> />

grupo que reconhecia a derrota do Japão e acabaram<<strong>br</strong> />

provocando dezenas de homicídios.<<strong>br</strong> />

Contudo, apenas um pequeno grupo de pessoas ingressou<<strong>br</strong> />

formalmente na Shindô Renmei. A maioria dos que<<strong>br</strong> />

pertenciam aos kachigumi eram pessoas que não admitiam a<<strong>br</strong> />

- 286 -


derrota do Japão, baseados no puro sentimento patriótico.<<strong>br</strong> />

Tanto os kachigumi, que defendiam desesperadamente o<<strong>br</strong> />

orgulho dos japoneses, quanto os makegumi, que admitiam a<<strong>br</strong> />

derrota do Japão, sofreram perdas, <strong>com</strong> dezenas de vítimas.<<strong>br</strong> />

Ambos os grupos foram vítimas da guerra.<<strong>br</strong> />

Essa <strong>br</strong>iga interna entre os japoneses foi uma verdadeira<<strong>br</strong> />

tragédia dos imigrantes no Brasil causada pela guerra.<<strong>br</strong> />

A <strong>br</strong>iga iniciada pelo grupo de Chûji fora de alguma forma<<strong>br</strong> />

contornada, graças à mano<strong>br</strong>a de Nakayama, que não queria<<strong>br</strong> />

dar maior ênfase ao acontecimento.<<strong>br</strong> />

Shizu aguardava em casa a volta de Chûji, que seria solto<<strong>br</strong> />

pela polícia. Não queria que houvesse outras confusões. Tendo<<strong>br</strong> />

causado diversos constrangimentos à família Nakayama,<<strong>br</strong> />

Shizu quis externar algumas palavras de queixa ao ver o seu<<strong>br</strong> />

marido:<<strong>br</strong> />

- Você foi solto logo porque o sr. Nakayama depôs a seu<<strong>br</strong> />

favor. A polícia ficou em alvoroço dizendo que um tumulto<<strong>br</strong> />

estava acontecendo... O sr. Nakayama foi bondoso, dizendo<<strong>br</strong> />

à polícia que foi apenas uma <strong>br</strong>iga de bêbados... Coitada da<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> que tem que aturar um pai desses. Você tem que pensar<<strong>br</strong> />

um pouco na <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />

Calado e mal humorado, Chûji tentou tomar um gole de<<strong>br</strong> />

pinga.<<strong>br</strong> />

- Não queira disfarçar <strong>com</strong> bebidas! - disse Shizu,<<strong>br</strong> />

arrancando a garrafa de bebida.<<strong>br</strong> />

- Não é porque o Japão perdeu a guerra que nós vamos<<strong>br</strong> />

sofrer ameaças dos <strong>br</strong>asileiros ou que eles vão nos fazer de<<strong>br</strong> />

- 287 -


obos. Não vê que eles estão mais amistosos agora? Não vejo<<strong>br</strong> />

razões para <strong>br</strong>igar por causa da vitória ou da derrota. É mais<<strong>br</strong> />

importante pensar em <strong>com</strong>o continuar a nossa vida aqui!...<<strong>br</strong> />

Chûji não conseguia suportar a desonra de ser tratado<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o súdito de um estado derrotado no Brasil, pais que tratara<<strong>br</strong> />

os japoneses <strong>com</strong>o inimigos. Ainda assim, <strong>Haru</strong> não podia<<strong>br</strong> />

deixar de falar:<<strong>br</strong> />

- O senhor está enganado, pai. Tem que reconhecer a<<strong>br</strong> />

derrota.<<strong>br</strong> />

- Podem falar o que quiserem, mas eu acredito na vitória<<strong>br</strong> />

do Japão. Mesmo que todos insistam que o Japão perdeu, eu<<strong>br</strong> />

continuarei a acreditar na vitória do Japão ainda que seja o<<strong>br</strong> />

único no mundo. Tenho orgulho de ser japonês. Vou continuar<<strong>br</strong> />

a viver <strong>com</strong>o filho de um Japão vitorioso. - continuou Chûji<<strong>br</strong> />

diante de <strong>Haru</strong> e Shizu, que se calaram.<<strong>br</strong> />

- Não é verdade? O nosso filho Mmoru está defendendo<<strong>br</strong> />

o Japão <strong>com</strong>o militar do Império Japonês. Existe alguém mais<<strong>br</strong> />

aqui que tenha um filho militar? Esse pessoal pode ser<<strong>br</strong> />

enganado facilmente, e pode acreditar na derrota do Japão.<<strong>br</strong> />

Mas eu não! Temos o Minoru! O Japão, pelo qual o Minoru<<strong>br</strong> />

está batalhando, não pode ser derrotado!<<strong>br</strong> />

Provavelmente, Chûji devia pensar que se acreditasse na<<strong>br</strong> />

derrota do Japão, não poderia encarar o seu filho Minoru <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

pai. Este devia ser o seu sentimento.<<strong>br</strong> />

Shizu e <strong>Haru</strong> também <strong>com</strong>eçaram a ficar tristes.<<strong>br</strong> />

- Não sei quando poderei me encontrar <strong>com</strong> ele, mas, no<<strong>br</strong> />

dia em que isso acontecer, quero <strong>br</strong>indar à vitória do Japão<<strong>br</strong> />

- 288 -


que o Minoru está defendendo.<<strong>br</strong> />

Este era o desejo ardente de Chüji. Era o calor do<<strong>br</strong> />

sentimento familiar que ultrapassava a realidade da vitória<<strong>br</strong> />

ou da derrota.<<strong>br</strong> />

Parecendo mais conformada, Shizu serviu bebida ao seu<<strong>br</strong> />

marido.<<strong>br</strong> />

- É verdade... Se não acreditarmos na vitória do Japão,<<strong>br</strong> />

coitado do Minoru, não é?...<<strong>br</strong> />

Lágrimas vieram aos olhos de Chûji. <strong>Haru</strong> se <strong>com</strong>oveu<<strong>br</strong> />

diante da cena.<<strong>br</strong> />

Sentindo a presença de alguém, <strong>Haru</strong> olhou pela janela e<<strong>br</strong> />

viu que Ryuta estava chegando.<<strong>br</strong> />

- Com licença?<<strong>br</strong> />

Ao ouvir a voz de Ryuta, Chûji se levantou <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

fisionomia alterada. Afobada, Shizu conteve o seu marido.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se apressou em enxugar suas lágrimas e recebeu<<strong>br</strong> />

Ryuta fora de casa.<<strong>br</strong> />

O semblante de Ryuta estava mais rígido, devido ao<<strong>br</strong> />

incidente.<<strong>br</strong> />

- Que bom que seu pai pôde voltar ileso.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-nos o incômodo...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> abaixou a cabeça, demonstrando também ares de<<strong>br</strong> />

seriedade.<<strong>br</strong> />

- Queria conversar so<strong>br</strong>e <strong>com</strong>o vamos proceder a partir<<strong>br</strong> />

de agora... E so<strong>br</strong>e você, também...<<strong>br</strong> />

No momento em que Ryuta <strong>com</strong>eçou a falar, apareceu<<strong>br</strong> />

Chûji, que conseguira se livrar de Shizu.<<strong>br</strong> />

- 289 -


- Não temos nada para conversar. Não tenho intenções<<strong>br</strong> />

de manter relações <strong>com</strong> sua família. Posso ser boicotado por<<strong>br</strong> />

todos da vila, porém, não vou abaixar a cabeça para vocês.<<strong>br</strong> />

Não quero. Vá embora!<<strong>br</strong> />

- Sr. Takakura...<<strong>br</strong> />

- Suma daqui! Não quero vê-lo nunca mais!<<strong>br</strong> />

Ryuta tinha muita coisa a dizer para Chûji. Contudo, ele<<strong>br</strong> />

engoliu as palavras que tinha para falar e deixou a casa dos<<strong>br</strong> />

Takakura.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> hesitou um instante entre o pai e Ryuta. E então,<<strong>br</strong> />

lançando um olhar de condenação a Chûji, apressou-se em<<strong>br</strong> />

correr atrás de Ryuta.<<strong>br</strong> />

- Não permito que você se encontre <strong>com</strong> esse sujeito!<<strong>br</strong> />

Volte!<<strong>br</strong> />

Shizu tocou de leve em Chûji e acenou negativamente.<<strong>br</strong> />

Diante da fisionomia triste de Shizu, Chûji se calou, nada mais<<strong>br</strong> />

podendo dizer.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se desculpou a Ryuta, que caminhava adiante.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me pela maneira <strong>com</strong>o ele o tratou...<<strong>br</strong> />

- Seu pai acabou de sair da cadeia hoje e ainda está<<strong>br</strong> />

nervoso. Falarei <strong>com</strong> ele um outro dia.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> nada respondeu e caminhou ao lado de Ryuta.<<strong>br</strong> />

- Em casa, as coisas também não vão bem. Shozo tornouse<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>o dos kachigumi e foi embora. Papai está muito<<strong>br</strong> />

zangado, dizendo que ele foi instigado por seu pai. Mas acho<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong> o passar do tempo, ele vai entender que você e seu<<strong>br</strong> />

pai são pessoas diferentes, e vai concordar que eu me case<<strong>br</strong> />

- 290 -


<strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

- Meu pai não é uma pessoa <strong>com</strong> um coração tão grande<<strong>br</strong> />

assim. Ele está <strong>com</strong>pletamente crente quanto à vitória do<<strong>br</strong> />

Japão... Nem posso falar so<strong>br</strong>e você... Eu já me conformei...<<strong>br</strong> />

Ryuta parou de caminhar e olhou para <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Estando no Brasil, não importa se o Japão ganhou ou<<strong>br</strong> />

perdeu a guerra. Pessoas <strong>com</strong> idéias fixas <strong>com</strong>o meu pai são<<strong>br</strong> />

desprezadas e humilhadas. Porém, eu entendo o sentimento<<strong>br</strong> />

de meu pai, de querer acreditar que o Japão venceu a guerra.<<strong>br</strong> />

Quero tratar seu sentimento <strong>com</strong> carinho. Acho que isso é<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igação de filha. Não posso trair o meu pai.<<strong>br</strong> />

Chûji só tinha <strong>Haru</strong> e Shizu. Não era <strong>com</strong>o Kotaro ou<<strong>br</strong> />

Ryuta, que eram cercados de muitas pessoas, que os<<strong>br</strong> />

respeitavam e buscavam apoio. E, antes de tudo, a própria<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> era o tipo de japonesa à moda antiga, que pensava acima<<strong>br</strong> />

de tudo nos pais.<<strong>br</strong> />

- Eu queria passar a minha vida junto de você, Ryuta.<<strong>br</strong> />

Mas, por mais tolo que seja, para mim, ele é meu único pai.<<strong>br</strong> />

A fisionomia de Ryuta, que olhava <strong>Haru</strong> de forma rígida,<<strong>br</strong> />

transformou-se num semblante carinhoso.<<strong>br</strong> />

Talvez pelo fato de <strong>Haru</strong> ser assim é que Ryuta passara a<<strong>br</strong> />

gostar dela. O ambiente que os cercava, não era, contudo, tão<<strong>br</strong> />

favorável a ponto de permitir o relacionamento dos dois, pelo<<strong>br</strong> />

simples fato de que eles se gostavam.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> virou as costas, dirigindo-se para casa e Ryuta<<strong>br</strong> />

seguiu seu caminho. A distância entre os dois foi<<strong>br</strong> />

aumentando...<<strong>br</strong> />

- 291 -


Num dos quartos do hotel em estilo japonês em Hakone,<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> estavam a falar so<strong>br</strong>e as respectivas vidas que<<strong>br</strong> />

levaram, cheias de altos e baixos. <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou a falar so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

a parte inicial de sua vida, logo após a guerra.<<strong>br</strong> />

- A presença do papai foi um peso para você, não é, <strong>Haru</strong>?<<strong>br</strong> />

Eu sentia rancor, achando que tinha sido abandonada por meus<<strong>br</strong> />

pais e irmãos, mas, talvez tenha sido feliz por não ter que<<strong>br</strong> />

carregar esse peso ou estar presa a algo. Depois que terminou<<strong>br</strong> />

a guerra, de repente, o mundo ficou livre e vivi <strong>com</strong>o quis.<<strong>br</strong> />

Na fa<strong>br</strong>iqueta de queijo de Tokuji, em Hokkaido, <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

estava totalmente concentrada no trabalho, desde que tomara<<strong>br</strong> />

conhecimento do término da guerra.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu continuavam colaborando e nada havia<<strong>br</strong> />

mudado. Estavam se dedicando à fa<strong>br</strong>icação de queijo,<<strong>br</strong> />

esquecendo-se do passar do tempo.<<strong>br</strong> />

- Ih, já faz muito tempo que passou da meia-noite. É<<strong>br</strong> />

melhor vocês irem para casa.<<strong>br</strong> />

Finalmente, <strong>Natsu</strong> se dera conta de que a data no<<strong>br</strong> />

calendário já havia mudado.<<strong>br</strong> />

- O que tem que ser feito hoje, será feito.<<strong>br</strong> />

- Mas vocês não podem ficar fazendo isso sempre.<<strong>br</strong> />

Precisam viver no novo Japão. Precisam estudar ou arranjar<<strong>br</strong> />

um emprego decente, pensando no futuro.<<strong>br</strong> />

- Ah, então você está in<strong>com</strong>odada conosco?<<strong>br</strong> />

-Não é isso! Achei que homens fortes <strong>com</strong>o vocês não<<strong>br</strong> />

deveriam estar ajudando numa fá<strong>br</strong>ica de queijo num lugarejo<<strong>br</strong> />

- 292 -


desses.<<strong>br</strong> />

Tsutomu, que ouvia o diálogo entre <strong>Natsu</strong> e Kinta,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou a falar:<<strong>br</strong> />

- Eu não gosto de estudar. A minha família é de lavradores<<strong>br</strong> />

e não podem pagar os meus estudos. Não sirvo para<<strong>br</strong> />

agricultura e sou o terceiro filho, de tal forma que não poderei<<strong>br</strong> />

suceder na propriedade da família. Acho que a melhor coisa<<strong>br</strong> />

para mim é ajudar você, <strong>Natsu</strong> a fa<strong>br</strong>icar queijos.<<strong>br</strong> />

- A minha situação é a mesma de Tsutomu. Sou o caçula<<strong>br</strong> />

de cinco irmãos e estou so<strong>br</strong>ando em casa. Tenho que me<<strong>br</strong> />

preocupar em trabalhar e ganhar a vida. Seria bom se eu<<strong>br</strong> />

pudesse trabalhar aqui e garantir o meu sustento para o resto<<strong>br</strong> />

da vida.<<strong>br</strong> />

- Um dia, eu tinha mesmo que conversar seriamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

vocês a respeito deste assunto. Se vocês pretendem, de fato,<<strong>br</strong> />

fa<strong>br</strong>icar queijos, vamos unir nossas forças e trabalhar em três.<<strong>br</strong> />

Cuidar das vacas, fa<strong>br</strong>icar queijos e <strong>com</strong>ercializá-los, tudo<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o vínhamos fazendo até agora. Os ganhos seriam<<strong>br</strong> />

igualmente divididos em três. Que tal?<<strong>br</strong> />

- Para mim, quero o suficiente para poder <strong>com</strong>er.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> falou vigorosamente para Kinta, que era uma pessoa<<strong>br</strong> />

sem grandes pretensões, uma vez que a oportunidade para<<strong>br</strong> />

ganhar dinheiro era agora em que não havia o que <strong>com</strong>er e os<<strong>br</strong> />

queijos poderiam ser vendidos por um preço alto:<<strong>br</strong> />

- O que está dizendo? Se levarmos queijos a Sapporo,<<strong>br</strong> />

podemos vender à vontade no mercado negro. Vai ser<<strong>br</strong> />

divertido ganhar dinheiro. Vamos <strong>com</strong>er bem, criar as vacas,<<strong>br</strong> />

- 293 -


ordenhá-las, fa<strong>br</strong>icar queijos, vendê-los... Podemos até<<strong>br</strong> />

trabalhar sem dormir. Vamos economizar e um dia, a<strong>br</strong>ir uma<<strong>br</strong> />

empresa de verdade. Nossa indústria de queijos!<<strong>br</strong> />

- Uma empresa nossa... Que legal... - Kinta disse<<strong>br</strong> />

satisfeito, e, imediatamente Tsutomu passou a <strong>br</strong>adar:<<strong>br</strong> />

- Então, vamos trabalhar! Se não trabalharmos agora,<<strong>br</strong> />

quando iremos fazê-lo?<<strong>br</strong> />

Os três já se conheciam bem. Nada os impedia...<<strong>br</strong> />

Levavam os queijos frescos de carroça até o mercado<<strong>br</strong> />

negro. O queijo fa<strong>br</strong>icado <strong>com</strong> a técnica de Tokuji já era tão<<strong>br</strong> />

famoso a ponto de ter clientela própria no mercado de<<strong>br</strong> />

Sapporo.<<strong>br</strong> />

- Queijo caseiro! Nós mesmos criamos as vacas,<<strong>br</strong> />

ordenhamos o leite e fa<strong>br</strong>icamos os queijos. É um queijo muito<<strong>br</strong> />

gostoso! Que tal?<<strong>br</strong> />

- O seu queijo é realmente gostoso. Dê-me dois.<<strong>br</strong> />

Kinta respondeu <strong>com</strong> voz vigorosa para a cliente que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prava em volumes maiores:<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado pela preferência.<<strong>br</strong> />

- Quero cinco queijos para mim!<<strong>br</strong> />

Os pedidos não cessavam, e os queijos foram vendidos<<strong>br</strong> />

num instante.<<strong>br</strong> />

À noite, <strong>Natsu</strong> e seus sócios voltaram de Sapporo e se<<strong>br</strong> />

reuniram na casa de Tokuji, virando a mala <strong>com</strong> a féria do<<strong>br</strong> />

dia. Da mala, saíram muitas notas de dinheiro. <strong>Natsu</strong>, Kinta<<strong>br</strong> />

e Tsutomu riram e se dividiram para contá-las.<<strong>br</strong> />

- 294 -


- Começamos a vender queijos no mercado negro quatro<<strong>br</strong> />

meses depois que terminou a guerra. Vendia-se num instante,<<strong>br</strong> />

mesmo co<strong>br</strong>ando caro... Só <strong>com</strong> as vacas do vovô Toku já<<strong>br</strong> />

não dávamos conta... E tivemos que <strong>com</strong>prar leite de outros<<strong>br</strong> />

produtores para fa<strong>br</strong>icar mais e mais queijos. Ganhamos<<strong>br</strong> />

bastante dinheiro. Porém, logo depois, uma grande empresa<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou a fa<strong>br</strong>icar queijos e o nosso negócio <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

estagnar. Não dava para <strong>com</strong>petir, de forma alguma, <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

empresa grande. Essa era a situação naquela época...<<strong>br</strong> />

Uma vez, quando vendiam queijos no mercado negro,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o sempre, um homem <strong>com</strong> uniforme do exército<<strong>br</strong> />

americano apareceu para <strong>com</strong>prar. Seu nome era George<<strong>br</strong> />

Harada. A primeira vista, tinha fisionomia de japonês, mas<<strong>br</strong> />

pelo uniforme e graduação, parecia ser tenente do exército<<strong>br</strong> />

americano, que ocupava o Japão. Tratava-se de um jovem<<strong>br</strong> />

oficial.<<strong>br</strong> />

George parecia estar acostumado a <strong>com</strong>prar os queijos e<<strong>br</strong> />

vinha puxando conversa em japonês, de forma amistosa.<<strong>br</strong> />

- Dê-me cinco queijos. O queijo de vocês é mais gostoso<<strong>br</strong> />

que o dos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> sorriu, demonstrando simpatia:<<strong>br</strong> />

- Ah, muito o<strong>br</strong>igada! Fico muito contente <strong>com</strong> o elogio,<<strong>br</strong> />

principalmente vindo de uma pessoa que conhece queijos.<<strong>br</strong> />

Vou lhe dar um presente.<<strong>br</strong> />

-Presente...?<<strong>br</strong> />

- Um queijo a mais.<<strong>br</strong> />

- 295 -


- Oh, muito o<strong>br</strong>igado. Em troca, tome. São biscoitos.<<strong>br</strong> />

George entregou a <strong>Natsu</strong>, uma caixa <strong>com</strong> estampa de um<<strong>br</strong> />

quadro estrangeiro.<<strong>br</strong> />

- Biscoitos? Que gosto terão? Deixe-me experimentar...<<strong>br</strong> />

- À vontade!<<strong>br</strong> />

Com a caixa aberta por George, <strong>Natsu</strong> pegou o biscoito<<strong>br</strong> />

na mão, ainda incrédula, e deu uma mordida.<<strong>br</strong> />

- Que delícia! Parece uma bolacha, mas o sabor é<<strong>br</strong> />

totalmente diferente.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu também ganharam um e ficaram<<strong>br</strong> />

deliciados <strong>com</strong> a novidade.<<strong>br</strong> />

- Hum, muito gostoso. O aroma também é bom...<<strong>br</strong> />

George olhava sorrindo para <strong>Natsu</strong>, que saboreava a<<strong>br</strong> />

novidade <strong>com</strong> satisfação.<<strong>br</strong> />

- É a primeira vez que experimento... Como será que são<<strong>br</strong> />

feitos?<<strong>br</strong> />

- É fácil fazer biscoitos... Minha mãe sempre assava para<<strong>br</strong> />

mim.<<strong>br</strong> />

- Ah, sua família fa<strong>br</strong>ica biscoitos?...<<strong>br</strong> />

- Não. - disse George, quase caindo na risada.<<strong>br</strong> />

- Então, dá para fazer biscoitos em uma cozinha <strong>com</strong>um?<<strong>br</strong> />

-Sim.<<strong>br</strong> />

- Gostaria de aprender. Você sabe fazer?<<strong>br</strong> />

- Eu sempre ajudava minha mãe a fazer biscoitos. Tenho<<strong>br</strong> />

saudades daquela época!<<strong>br</strong> />

- Você pode me ensinar?<<strong>br</strong> />

Kinta <strong>com</strong>eçou a cochichar no pé do ouvido da <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

- 296 -


que de repente demonstrava grande interesse:<<strong>br</strong> />

- De que adianta aprender a fazê-los? Se quiser <strong>com</strong>er, é<<strong>br</strong> />

só pedir para <strong>com</strong>prar.<<strong>br</strong> />

Voltou-se então para George e perguntou:<<strong>br</strong> />

- Você pode nos <strong>com</strong>prar esses biscoitos?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se adiantou e respondeu no lugar de George:<<strong>br</strong> />

- Não. Eu não quero <strong>com</strong>er. Se pudesse, eu queria<<strong>br</strong> />

aprender a fazê-los.<<strong>br</strong> />

- Tudo bem. - George respondeu afirmativamente, de<<strong>br</strong> />

forma desembaraçada.<<strong>br</strong> />

- Posso mesmo?<<strong>br</strong> />

- Ainda não tenho amigos no Japão. Ficarei feliz se vocês<<strong>br</strong> />

puderem ser meus amigos.<<strong>br</strong> />

- Eu é que lhe peço este favor.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apertou de forma acanhada a mão estendida por<<strong>br</strong> />

George.<<strong>br</strong> />

Nesta noite, <strong>Natsu</strong> e os dois sócios fizeram um luxuoso<<strong>br</strong> />

jantar, deliciando-se <strong>com</strong> sukiyaki. Os três conversavam<<strong>br</strong> />

harmoniosamente em volta da panela.<<strong>br</strong> />

- A carne já está cozida. Comam bastante! Há tempos<<strong>br</strong> />

que não <strong>com</strong>emos sukiyaki.<<strong>br</strong> />

Tsutomu demonstrava estar faminto.<<strong>br</strong> />

- Passamos a poder <strong>com</strong>er uma iguaria destas, graças ao<<strong>br</strong> />

Japão ter perdido a guerra.<<strong>br</strong> />

- É verdade. Chegou a época em que se pode viver<<strong>br</strong> />

somente do trabalho, sem necessidade de ser letrado. Basta<<strong>br</strong> />

querer.<<strong>br</strong> />

- 297 -


Kinta parou de movimentar o seu hashi, ao ouvir as<<strong>br</strong> />

palavras de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Você não está pensando em fa<strong>br</strong>icar biscoitos, está?<<strong>br</strong> />

- O queijo já não tem futuro. Precisamos pensar num<<strong>br</strong> />

negócio novo... Veja, mesmo no mercado negro, os doces<<strong>br</strong> />

americanos têm grande saída. Os japoneses estão <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

carência de doces. Nós podemos fa<strong>br</strong>icar manteiga. Estava<<strong>br</strong> />

achando que se fa<strong>br</strong>icássemos doces ocidentais usando<<strong>br</strong> />

bastante manteiga, eles venderiam bem. Eu acho que vai ser<<strong>br</strong> />

uma excelente saída.<<strong>br</strong> />

- Mesmo tendo manteiga, não dá para fazer biscoitos sem<<strong>br</strong> />

açúcar. E se <strong>com</strong>prarmos açúcar no mercado negro, não<<strong>br</strong> />

teremos lucros.<<strong>br</strong> />

- O tenente do exército americano é nosso amigo. Ele<<strong>br</strong> />

nos arrumará o açúcar de que precisamos. Foi para isso que<<strong>br</strong> />

me aproximei dele.<<strong>br</strong> />

Conforme prometera, George <strong>com</strong>eçou a ensinar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se faziam biscoitos. Era preciso, em primeiro lugar, preparar<<strong>br</strong> />

os apetrechos necessários. Para poder fazer os biscoitos,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçaram a preparar um forno improvisado na casa de<<strong>br</strong> />

Tokuji.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu soldaram as chapas de ferro que<<strong>br</strong> />

conseguiram, e acabaram fazendo algo parecido <strong>com</strong> um<<strong>br</strong> />

forno. As placas haviam sido encontradas nos destroços de<<strong>br</strong> />

um bombardeio e portanto, não tiveram nenhum custo.<<strong>br</strong> />

Até George, que estava orientando os dois, ficara<<strong>br</strong> />

admirado <strong>com</strong> a capacidade de improvisação.<<strong>br</strong> />

- 298 -


- Vocês dois levam jeito. Temos um belo forno. As massas<<strong>br</strong> />

formatadas são colocadas so<strong>br</strong>e esta placa de ferro e assadas<<strong>br</strong> />

aqui. Tudo bem! Vai dar tudo certo.<<strong>br</strong> />

Quando o forno ficou pronto, <strong>Natsu</strong> apareceu carregando<<strong>br</strong> />

um grande saco de papel.<<strong>br</strong> />

- Consegui farinha de trigo. É incrível! Quem tem, tem<<strong>br</strong> />

mesmo! Troquei queijo por trigo numa casa de lavradores e<<strong>br</strong> />

pedi para moê-lo no moinho. Consegui ovos também.<<strong>br</strong> />

- Eu trouxe açúcar. Tem chocolate. Biscoitos de chocolate<<strong>br</strong> />

também são deliciosos. O açúcar e o chocolate são presentes<<strong>br</strong> />

para vocês.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se negava a aceitar o gesto de George.<<strong>br</strong> />

- Isso não está certo. Deixe-me pagar por eles.<<strong>br</strong> />

- Eu acho maravilhoso o sonho de vocês. Deixe-me entrar<<strong>br</strong> />

no grupo. Quero viver esse sonho junto.<<strong>br</strong> />

- Então, se a gente conseguir fa<strong>br</strong>icar biscoitos e vendêlos,<<strong>br</strong> />

vamos dividir o lucro em quatro.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava bem humorada e decidiu sozinha a<<strong>br</strong> />

participação de George, que, por sua vez, estava<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente entusiasmado <strong>com</strong> a proposta de <strong>Natsu</strong>, já se<<strong>br</strong> />

sentindo mem<strong>br</strong>o do grupo.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu acharam que tinham sido preteridos, mas<<strong>br</strong> />

quando <strong>com</strong>eçaram a fazer os biscoitos, juntaram-se à <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

e acabaram se concentrando no trabalho. Com farinha por<<strong>br</strong> />

todo lado, <strong>com</strong>eçaram a preparar a massa do biscoito,<<strong>br</strong> />

perfurando <strong>com</strong> as formas, de acordo <strong>com</strong> as orientações de<<strong>br</strong> />

George.<<strong>br</strong> />

- 299 -


Não existia uma medida exata, tanto para a manteiga,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o para o açúcar ou ovos. Devia-se pensar que gosto teria<<strong>br</strong> />

o biscoito. A essência de aroma também deveria ser escolhida<<strong>br</strong> />

a gosto. É o toque que daria o sabor de quem havia feito o<<strong>br</strong> />

biscoito.<<strong>br</strong> />

Aprendendo <strong>com</strong>o se preparava a massa, o tipo de biscoito<<strong>br</strong> />

que seria feito dependia da criatividade. Esse era o ponto<<strong>br</strong> />

mais importante para se fazer biscoito, e era onde se<<strong>br</strong> />

questionava o bom gosto de quem o fazia.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> procurava absorver cada palavra de George <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

mente e o corpo e ia preparando os biscoitos.<<strong>br</strong> />

Depois que os biscoitos estavam formatados, George<<strong>br</strong> />

acendeu o forno, controlando a intensidade do fogo <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

quantidade de lenha.<<strong>br</strong> />

- É muito importante regular a intensidade do fogo. Os<<strong>br</strong> />

biscoitos não ficarão bons se o fogo for fraco ou forte demais.<<strong>br</strong> />

Com o rosto vermelho devido aos reflexos das labaredas,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> disse:<<strong>br</strong> />

- Puxa, que tensão! Sinto o meu coração palpitar.<<strong>br</strong> />

- Fazia muito tempo que não ficávamos tão nervosos<<strong>br</strong> />

assim, não é?<<strong>br</strong> />

- É mesmo. Há tempos que o meu coração não bate desse<<strong>br</strong> />

jeito.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu aguardavam ansiosos os biscoitos<<strong>br</strong> />

ficarem prontos.<<strong>br</strong> />

George controlava o tempo no seu relógio de pulso.<<strong>br</strong> />

- Pronto. Já podemos tirá-los.<<strong>br</strong> />

- 300 -


<strong>Natsu</strong> pegou a chapa quente <strong>com</strong> o pano e tirou para fora<<strong>br</strong> />

do forno. O biscoito crescera e ficara arredondado,<<strong>br</strong> />

ligeiramente queimado. Estavam enfileirados so<strong>br</strong>e a chapa<<strong>br</strong> />

e parecem ser apetitosos. Sentia-se o cheiro da manteiga e<<strong>br</strong> />

tinha-se a sensação de estar <strong>com</strong> água na boca.<<strong>br</strong> />

- Ficaram rechonchudos e <strong>com</strong> rachaduras, mas<<strong>br</strong> />

bonitinhos. - falou <strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o se estivesse a suspirar.<<strong>br</strong> />

George riu e disse:<<strong>br</strong> />

- Até aqui está ótimo. O mais importante é experimentar<<strong>br</strong> />

para saber se estão saborosos ou não.<<strong>br</strong> />

- Vamos ver!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> colocou um biscoito recém saído do forno na boca...<<strong>br</strong> />

e ficou em silêncio.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu experimentaram também e exclamaram:<<strong>br</strong> />

- Uau!... Nunca <strong>com</strong>i algo tão gostoso em toda a minha<<strong>br</strong> />

vida!<<strong>br</strong> />

- Deu certo! Estão bem assados, crocantes...<<strong>br</strong> />

Embora tenha sido a primeira vez que fizeram o biscoito,<<strong>br</strong> />

o sabor e a textura ficaram excelentes. Haviam acertado no<<strong>br</strong> />

açúcar e no tempo de forno.<<strong>br</strong> />

- Estes são os seus biscoitos. Ninguém mais pode fazer<<strong>br</strong> />

biscoitos caseiros iguais a estes. Eles se parecem <strong>com</strong> os que<<strong>br</strong> />

a minha mãe fazia. Que saudades!<<strong>br</strong> />

George também estava <strong>com</strong>endo o biscoito e estava<<strong>br</strong> />

satisfeito <strong>com</strong> o sabor.<<strong>br</strong> />

- Será que vamos conseguir vendê-los? - <strong>Natsu</strong> indagou.<<strong>br</strong> />

Kinta respondeu na hora:<<strong>br</strong> />

- 301 -


- Eu <strong>com</strong>praria.<<strong>br</strong> />

- Vamos assar vários tipos de biscoitos. Vamos em frente!<<strong>br</strong> />

Nessa ocasião, <strong>Natsu</strong> parecia plenamente satisfeita.<<strong>br</strong> />

- E foi aí que a sua empresa <strong>com</strong>eçou, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

- Pensando bem, foi sim. A nossa empresa teve início<<strong>br</strong> />

naquele barracão. Relem<strong>br</strong>ando agora, acho que foi a melhor<<strong>br</strong> />

época da minha vida.<<strong>br</strong> />

Finalmente, a nova fá<strong>br</strong>ica de doces de <strong>Natsu</strong> e seus sócios<<strong>br</strong> />

fora inaugurada em Sapporo. Era uma fá<strong>br</strong>ica pequena, mas<<strong>br</strong> />

limpa, <strong>com</strong> equipamentos novos.<<strong>br</strong> />

Desprovidos de recursos de capital, se George não tivesse<<strong>br</strong> />

usado de sua influência para importar os equipamentos dos<<strong>br</strong> />

Estados Unidos, <strong>Natsu</strong> e seus sócios nada poderiam ter feito<<strong>br</strong> />

no Japão do pós-guerra. Não teriam chegado até ali.<<strong>br</strong> />

- Um <strong>br</strong>inde à inauguração da nova fá<strong>br</strong>ica, que era o<<strong>br</strong> />

nosso sonho. A partir de amanhã, vamos <strong>com</strong>eçar a fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />

e vender montanhas e montanhas de biscoitos.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu já aceitavam George <strong>com</strong>o <strong>com</strong>panheiro<<strong>br</strong> />

e <strong>com</strong>partilharam da satisfação de terem alcançado a meta.<<strong>br</strong> />

- Conseguimos montar a nossa tão desejada fá<strong>br</strong>ica em<<strong>br</strong> />

Sapporo. Não precisamos mais vir até aqui para vender os<<strong>br</strong> />

nossos produtos.<<strong>br</strong> />

- Tudo isso foi graças a você, George.<<strong>br</strong> />

- Aqui, dá para assar pães também. Vou lhes ensinar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

fazê-los. Aprendam direito, hein?<<strong>br</strong> />

- 302 -


- Pães? Pode ser que vendam mais que biscoitos.<<strong>br</strong> />

Tsutomu estava contente <strong>com</strong> os planos para o futuro,<<strong>br</strong> />

mas Kinta tinha uma postura mais conservadora.<<strong>br</strong> />

- O pão ainda está sob racionamento. A fiscalização das<<strong>br</strong> />

transações clandestinas é rigorosa. Não será tão fácil <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

vender biscoitos.<<strong>br</strong> />

- Não há problemas. Se a fiscalização pegar, darei um<<strong>br</strong> />

jeito. Ao menos o exército americano tem poderes para isso.<<strong>br</strong> />

- Mas vamos tentar fazer as coisas <strong>com</strong> cuidado, sem<<strong>br</strong> />

causar incômodos ao George. Toda a população <strong>com</strong>pra e<<strong>br</strong> />

vende no mercado negro. Se esse <strong>com</strong>ércio não existisse,<<strong>br</strong> />

todos os japoneses teriam morrido de fome. A quantidade<<strong>br</strong> />

racionada e distribuída pelo governo não é suficiente. Afinal,<<strong>br</strong> />

o governo não faz nada para nós...<<strong>br</strong> />

- Estamos ajudando as outras pessoas, não é?<<strong>br</strong> />

De repente, <strong>Natsu</strong> se colocou ao lado de George.<<strong>br</strong> />

- E tenho mais uma coisa para contar a vocês. Eu e George<<strong>br</strong> />

ficamos noivos.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu ficaram boquiabertos, <strong>com</strong>o se tivessem<<strong>br</strong> />

levado uma rasteira.<<strong>br</strong> />

- Eu amo <strong>Natsu</strong> de todo o coração.<<strong>br</strong> />

George beijou <strong>Natsu</strong> e ela o recebeu <strong>com</strong> carinho.<<strong>br</strong> />

- Se eu me casar <strong>com</strong> George, não terei medo de mais<<strong>br</strong> />

nada. Vamos ganhar bastante dinheiro. Agora que não tem<<strong>br</strong> />

muita mercadoria na praça, é o momento certo. A falta de<<strong>br</strong> />

mercadorias continuará. Vamos nos dedicar, trabalhar, e<<strong>br</strong> />

construir uma empresa ainda maior. Chegou a época em que<<strong>br</strong> />

- 303 -


nós podemos fazer isso!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava ainda mais entusiasmada, tendo George<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o marido e protetor. Kinta e Tsutomu tinham a impressão<<strong>br</strong> />

de estarem no fundo de um buraco e não tinham palavras<<strong>br</strong> />

para responder à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Agora, eles tinham a fá<strong>br</strong>ica em Sapporo. Ainda teriam<<strong>br</strong> />

apego à casa de Tokuji, mas já não precisavam viver ali. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

fez preces relatando o ocorrido ao oratório onde se cultuava<<strong>br</strong> />

a memória de Tokuji e se voltou para Kinta e Tsutomu, que<<strong>br</strong> />

estavam desanimados.<<strong>br</strong> />

- Então, chegou a hora de nos despedirmos desta casa.<<strong>br</strong> />

Amanhã, levarei as minhas coisas para a fá<strong>br</strong>ica. Trabalharei<<strong>br</strong> />

e dormirei lá. E vocês, Kinta e Tsutomu, <strong>com</strong>o vão fazer?...<<strong>br</strong> />

Nós três podemos dormir no chão da fá<strong>br</strong>ica até vocês<<strong>br</strong> />

encontrarem um local para morar em Sapporo, não é?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ainda não percebera o verdadeiro motivo do<<strong>br</strong> />

desânimo dos dois.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, você vai morar <strong>com</strong> George?<<strong>br</strong> />

- Não posso morar <strong>com</strong> ele até me casar oficialmente. A<<strong>br</strong> />

casa de George é residência do exército.<<strong>br</strong> />

- Eu sou contra o seu casamento <strong>com</strong> o George. - Kinta<<strong>br</strong> />

falou claramente à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- O George é nissei, mas é americano. Não posso aceitar<<strong>br</strong> />

que você se case <strong>com</strong> um americano. Você sabe quantos<<strong>br</strong> />

japoneses foram mortos por americanos, não sabe, <strong>Natsu</strong>?<<strong>br</strong> />

- Era a guerra... Eles mataram os japoneses, <strong>com</strong>o os<<strong>br</strong> />

- 304 -


japoneses mataram os americanos. Não tinha jeito, era a<<strong>br</strong> />

guerra.<<strong>br</strong> />

- Não, os americanos não. Eles bombardearam o Japão<<strong>br</strong> />

indiscriminadamente. Mataram, sem hesitação, idosos,<<strong>br</strong> />

mulheres e crianças. E no fim, jogaram até bombas atômicas.<<strong>br</strong> />

Não existe arma tão cruel <strong>com</strong>o aquela. É desumano demais!<<strong>br</strong> />

Não posso perdoar a bomba atômica! Não posso perdoar os<<strong>br</strong> />

americanos! E você vai se casar <strong>com</strong> um deles? Desista dessa<<strong>br</strong> />

loucura. Não faça isso, de jeito nenhum!<<strong>br</strong> />

- O que você está falando? George nos ajudou tanto... Se<<strong>br</strong> />

você tem tanto ódio dos americanos, por que trabalhou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ele? Devia ter recusado desde o início.<<strong>br</strong> />

- Eu só queria me aproveitar dele o quanto pudesse. Não<<strong>br</strong> />

imaginei que você fosse se casar <strong>com</strong> ele. Uma japonesa não<<strong>br</strong> />

teria coragem de fazer isso...<<strong>br</strong> />

- Isso não é atitude de uma japonesa. O soldado americano<<strong>br</strong> />

tem dinheiro, tem poder, tem muitas coisas. Muitas japonesas<<strong>br</strong> />

se tornaram amantes dos americanos, atraídas por esses bens<<strong>br</strong> />

materiais. Mas não quero que você, <strong>Natsu</strong>, seja igual a elas.<<strong>br</strong> />

Se você tem orgulho de ser japonesa, não pode fazer uma<<strong>br</strong> />

bobagem dessas.<<strong>br</strong> />

- Mas, se mesmo assim, você insiste em se casar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ele, vou-me embora. Não quero trabalhar <strong>com</strong> uma mulher<<strong>br</strong> />

dessas.<<strong>br</strong> />

- Agora é tarde demais. Já estou esperando um filho de<<strong>br</strong> />

- 305 -


George.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu ficaram paralisados, pois aquilo era<<strong>br</strong> />

demais.<<strong>br</strong> />

Os dois não tinham tido a menor noção de quando e <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

o relacionamento de <strong>Natsu</strong> e George havia evoluído.<<strong>br</strong> />

Depois da morte de Tokuji, os três estiveram sempre<<strong>br</strong> />

juntos criando as vacas. Estiveram unidos também para<<strong>br</strong> />

enfrentar a guerra. George não passava de um intruso que<<strong>br</strong> />

aparecera subitamente na vida dos três.<<strong>br</strong> />

Usando as palavras de Kinta, eles queriam somente se<<strong>br</strong> />

aproveitar de George. A própria <strong>Natsu</strong> dizia que "estava de<<strong>br</strong> />

olho num tenente do exército americano" para usá-lo nos<<strong>br</strong> />

negócios. Não se sabia a partir de quando <strong>Natsu</strong> havia criado<<strong>br</strong> />

um laço especial <strong>com</strong> George.<<strong>br</strong> />

- Achei que nem precisava falar, pois pensei que você,<<strong>br</strong> />

sendo japonesa, pensava da mesma forma... Estou<<strong>br</strong> />

decepcionado <strong>com</strong> você, <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Mas foi bom termos trabalhado juntos por estes dez<<strong>br</strong> />

anos. Não estou arrependido. Espero que seja feliz no<<strong>br</strong> />

casamento.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava machucada e Kinta também sofria. Ele estava<<strong>br</strong> />

rompendo, por conta própria, tudo o que havia construído<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ao sair atrás de Kinta, Tsutomu titubeou. Não se sentia à<<strong>br</strong> />

vontade em deixar <strong>Natsu</strong> sozinha no momento em que ela<<strong>br</strong> />

estava precisando dele. Contudo, o seu verdadeiro sentimento<<strong>br</strong> />

- 306 -


em relação a George era o mesmo de Kinta.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> lutava também <strong>com</strong> seus próprios sentimentos, que<<strong>br</strong> />

ardiam dentro de si de forma violenta. Será que ela havia<<strong>br</strong> />

sido atraída somente pelo dinheiro e influência de George?<<strong>br</strong> />

Não, não era verdade. Ela também tinha o seu orgulho de<<strong>br</strong> />

japonesa. A ordem das coisas era diferente da que Kinta<<strong>br</strong> />

questionava. O homem de quem <strong>Natsu</strong> passara a gostar era<<strong>br</strong> />

um americano chamado George.<<strong>br</strong> />

Entretanto, Kinta e Tsutomu tinham resolvido deixá-la.<<strong>br</strong> />

O abismo criado entre os três já não podia ser transposto.<<strong>br</strong> />

Na manhã seguinte, a única que entrou na nova fá<strong>br</strong>ica<<strong>br</strong> />

de Sapporo, foi <strong>Natsu</strong>. A fá<strong>br</strong>ica estava vazia. Se Kinta e<<strong>br</strong> />

Tsutomu chegassem dali a pouco, <strong>Natsu</strong> não sentiria solidão<<strong>br</strong> />

naquele vazio.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> sentia a perda de dois amigos insubstituíveis. Com<<strong>br</strong> />

as forças se esvaindo de seu corpo, <strong>Natsu</strong> chorava, agachada<<strong>br</strong> />

naquele lugar.<<strong>br</strong> />

- Bom dia.<<strong>br</strong> />

Era George. Quando <strong>Natsu</strong> se levantou, <strong>com</strong> as lágrimas<<strong>br</strong> />

enxutas, ela já estava novamente decidida a seguir em frente.<<strong>br</strong> />

- Hoje tirei licença. Vim trabalhar <strong>com</strong> vocês neste<<strong>br</strong> />

primeiro dia de operação da fá<strong>br</strong>ica. - George falou<<strong>br</strong> />

alegremente para <strong>Natsu</strong> e olhou em volta à procura de Kinta<<strong>br</strong> />

e Tsutomu.<<strong>br</strong> />

- Onde estão Kinta e Tsutomu...?<<strong>br</strong> />

- Deixaram o trabalho.<<strong>br</strong> />

_ ?<<strong>br</strong> />

- 307 -


- George, por favor, ensine-me a fazer todos os doces<<strong>br</strong> />

que você conhece. Eu vou tocar esta fá<strong>br</strong>ica, mesmo que seja<<strong>br</strong> />

sozinha. Vou ser a melhor doceira do Japão. Senão, não tem<<strong>br</strong> />

sentido eu me casar <strong>com</strong> você. Nem que seja por teimosia,<<strong>br</strong> />

vou ser a melhor doceira do Japão!<<strong>br</strong> />

- No Japão existiam também pessoas orgulhosas depois<<strong>br</strong> />

da guerra, não é? Igualzinho ao papai. No caso dele, não é<<strong>br</strong> />

que ele odiava os americanos. Ele não admitia, de jeito<<strong>br</strong> />

nenhum, que o Japão tivesse sido derrotado na guerra. Por<<strong>br</strong> />

causa dele, a vila se dividiu e sofremos muito.<<strong>br</strong> />

As recordações passaram da fá<strong>br</strong>ica de biscoitos de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

em Hokkaido, para os dias de <strong>Haru</strong>, no Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se dedicava ao trabalho na plantação de algodão,<<strong>br</strong> />

juntamente <strong>com</strong> Chûji e Shizu, na sua gleba de terra situada<<strong>br</strong> />

na vila dos japoneses.<<strong>br</strong> />

Pessoas vestidas para uma festa iam andando pelo<<strong>br</strong> />

caminho, próximo à plantação, dos Takakura. Dentre eles,<<strong>br</strong> />

estava Yamada, que outrora <strong>com</strong>ungara dos mesmos ideais<<strong>br</strong> />

de Chüji.<<strong>br</strong> />

- Esse sujeito também vai ao casamento do Nakayama?<<strong>br</strong> />

Até outro dia, ele era kachigumil Ficou <strong>com</strong> medo de<<strong>br</strong> />

Nakayama e virou a casaca... - Chûji desabafou seus<<strong>br</strong> />

sentimentos cheios de amargura.<<strong>br</strong> />

- Todos estão cansados de continuar a insistir no mesmo<<strong>br</strong> />

assunto. Além disso, é uma <strong>com</strong>emoração. Deixe esse orgulho<<strong>br</strong> />

- 308 -


inútil de lado, e deseje de coração a felicidade do casal. -<<strong>br</strong> />

disse Shizu, tentando apaziguar os ânimos, mas a ira de Chúji<<strong>br</strong> />

se aguçou.<<strong>br</strong> />

- O que você quer dizer <strong>com</strong> orgulho inútil? Mesmo<<strong>br</strong> />

estando no Brasil, aliás, exatamente por estarmos no Brasil é<<strong>br</strong> />

que o japonês tem que preservar sua dignidade. Senão, deixa<<strong>br</strong> />

de ser japonês. Além do mais, Ryuta, da família Nakayama,<<strong>br</strong> />

vai se casar <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira. Como japonês, não posso<<strong>br</strong> />

aceitar isso. Esses que vão participar da cerimônia deixaram<<strong>br</strong> />

de ser japoneses para mim.<<strong>br</strong> />

Os sinos da igreja <strong>com</strong>eçaram a repicar, do<strong>br</strong>ando para<<strong>br</strong> />

cele<strong>br</strong>ar o casamento de Ryuta. <strong>Haru</strong> trabalhava em silêncio,<<strong>br</strong> />

procurando conter os seus sentimentos.<<strong>br</strong> />

Estava sendo realizada uma grande festa do casamento<<strong>br</strong> />

de Ryuta, na residência dos Nakayama. A noiva era uma<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira muito bonita, que parecia muito feliz de <strong>br</strong>aços<<strong>br</strong> />

dados <strong>com</strong> Ryuta, caminhando entre os convidados para<<strong>br</strong> />

receber os cumprimentos.<<strong>br</strong> />

No caminho de volta para casa, <strong>Haru</strong> era o<strong>br</strong>igada a ouvir<<strong>br</strong> />

vozes de felicitações e palmas. Ela teve ímpetos de tapar os<<strong>br</strong> />

ouvidos, mas passou pela casa em festa, sem olhar, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

nada estivesse acontecendo.<<strong>br</strong> />

Já desistira de Ryuta há muito tempo. Entretanto, a tristeza<<strong>br</strong> />

enchia o seu coração. A única coisa que Shizu podia fazer<<strong>br</strong> />

por ela era ficar em silêncio, sem dizer nada.<<strong>br</strong> />

Ao chegar em casa, de volta do trabalho, uma visita<<strong>br</strong> />

inesperada os aguardava. O casal Yozo, irmão mais novo de<<strong>br</strong> />

- 309 -


Chüji, e sua esposa Kiyo, estavam sentados no banco do<<strong>br</strong> />

jardim da casa dos Takakura.<<strong>br</strong> />

- Yozo! - Chûji chamou o nome do irmão e não conseguiu<<strong>br</strong> />

dar continuidade à sua fala.<<strong>br</strong> />

Quando a família Takakura fugira da primeira fazenda<<strong>br</strong> />

em que trabalharam <strong>com</strong>o colonos, Yozo teve que permanecer<<strong>br</strong> />

lá porque Kiyo destrancara o pé na fuga. Com isso, os demais<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da família puderam escapar.<<strong>br</strong> />

Yozo estava usando um terno <strong>br</strong>anco muito elegante e<<strong>br</strong> />

Kiyo também estava bem vestida. Ao ver Chûji e os familiares<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> roupas de roça, Yozo falou, <strong>com</strong>o sempre, em tom de<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>incadeira:<<strong>br</strong> />

- Mano, vocês ainda estão trabalhando na roça?<<strong>br</strong> />

- Puxa, há quanto tempo! - disse Shizu, não conseguindo<<strong>br</strong> />

falar mais do que isso.<<strong>br</strong> />

Kiyo devolveu os cumprimentos <strong>com</strong> cortesia.<<strong>br</strong> />

- Até que em fim, pudemos vir para cá.<<strong>br</strong> />

- Quando chegamos aqui, há pouco, disseram que havia<<strong>br</strong> />

uma grande festa de casamento. Pensei que vocês também<<strong>br</strong> />

tinham ido para lá e resolvemos esperá-los aqui. Por que vocês<<strong>br</strong> />

não foram? - Yozo perguntou inocentemente, sem saber das<<strong>br</strong> />

circunstâncias.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conseguia responder.<<strong>br</strong> />

- O que você veio fazer aqui? - falou Chûji, já malhumorado,<<strong>br</strong> />

passando em frente ao Yozo <strong>com</strong> os instrumentos<<strong>br</strong> />

agrícolas.<<strong>br</strong> />

- Isso são modos de falar <strong>com</strong> quem se encontra depois<<strong>br</strong> />

- 310 -


de dez anos? - Yozo gritou para Chûji, que estava de costas.<<strong>br</strong> />

Apesar do gesto antipático de Chûji, Yozo parecia<<strong>br</strong> />

tranqüilo por encontrar o irmão <strong>com</strong> saúde, aparentando ainda<<strong>br</strong> />

ser o mesmo.<<strong>br</strong> />

Shizu procurou contornar a situação e os convidou a entrar<<strong>br</strong> />

em casa. Kiyo, em primeiro lugar, vai fazer preces para a<<strong>br</strong> />

tabuleta mortuária <strong>com</strong> o nome de Shigueru.<<strong>br</strong> />

Chûji, ainda vestido <strong>com</strong> roupa de trabalho, fumava malhumorado.<<strong>br</strong> />

Yozo retrucou:<<strong>br</strong> />

- Você ainda está insistindo nessa história de kachigumi<<strong>br</strong> />

e makegumil Que bobagem... A guerra já acabou! Por que<<strong>br</strong> />

viver assim, estreitando seu mundo? Agora que estamos numa<<strong>br</strong> />

época em que podemos fazer tudo o que nos dá prazer? Desse<<strong>br</strong> />

jeito, <strong>Haru</strong> não vai conseguir ninguém para se casar.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava preparando chá para as visitas e não deu<<strong>br</strong> />

atenção.<<strong>br</strong> />

- Você ainda está naquela fazenda de café? - perguntou<<strong>br</strong> />

Chüji, de forma estúpida, fazendo <strong>com</strong> que Shizu abaixasse<<strong>br</strong> />

a cabeça.<<strong>br</strong> />

- Quero pedir desculpas pelo que aconteceu daquela vez.<<strong>br</strong> />

Vocês se sacrificaram para nos salvar...<<strong>br</strong> />

- Aquilo até foi bom para nós... Quando fomos levados<<strong>br</strong> />

de volta à fazenda, não sabíamos o que aconteceria conosco,<<strong>br</strong> />

pois teríamos que pagar a dívida de todos. Dissemos que seria<<strong>br</strong> />

difícil para nós dois continuarmos, sozinhos, a cuidar daquele<<strong>br</strong> />

cafezal. E então, fui contratada <strong>com</strong>o doméstica na casa do<<strong>br</strong> />

proprietário da fazenda.<<strong>br</strong> />

- 311 -


Kiyo parecia estar mais alegre do que antigamente.<<strong>br</strong> />

- No meu caso, procurei agradar o administrador e passei<<strong>br</strong> />

a trabalhar <strong>com</strong>o ajudante do capataz. Estudei português<<strong>br</strong> />

desesperadamente. Graças a Deus, nós dois conseguimos<<strong>br</strong> />

conquistar a confiança do pessoal da fazenda e cheguei ao<<strong>br</strong> />

cargo de administrador. As dívidas também já foram todas<<strong>br</strong> />

quitadas há muito tempo...- Yozo riu orgulhosamente e Shizu<<strong>br</strong> />

pediu desculpas <strong>com</strong> toda sinceridade:<<strong>br</strong> />

- Sinto muito pelo incômodo.<<strong>br</strong> />

- Deixe disso. Graças ao fato de termos permanecido lá,<<strong>br</strong> />

pude trabalhar <strong>com</strong>o administrador sem problemas, mesmo<<strong>br</strong> />

durante a guerra. Levamos uma vida tranqüila. Porém, já se<<strong>br</strong> />

foi o tempo de levar uma vida a<strong>com</strong>odada naquele fim de<<strong>br</strong> />

mundo. Por isso, pedi demissão e resolvi ir para São Paulo.<<strong>br</strong> />

Mas antes, passei por aqui, para ver <strong>com</strong>o vocês estavam.<<strong>br</strong> />

- O que você pretende fazer em São Paulo?<<strong>br</strong> />

- Quero negociar café das fazendas de São Paulo e Paraná,<<strong>br</strong> />

para vender em outros países... Consegui firmar um contrato<<strong>br</strong> />

para negociar o café produzido na fazenda em que trabalhei<<strong>br</strong> />

até agora... Pretendo vender também para o Japão.<<strong>br</strong> />

Depois da guerra, havia chegado uma era em que se tinha<<strong>br</strong> />

que viver abertamente em relação ao mundo e Yozo pretendia<<strong>br</strong> />

colocar essa idéia em prática. Daquele momento em diante,<<strong>br</strong> />

o consumo de café no Japão só iria aumentar e jamais<<strong>br</strong> />

diminuir.<<strong>br</strong> />

Desde há pouco, somente Shizu respondia a Yozo, que<<strong>br</strong> />

resolveu perguntar a Chûji:<<strong>br</strong> />

- 312 -


- Mano, o que você está plantando agora?<<strong>br</strong> />

Como Chûji continuava calado, Shizu respondeu<<strong>br</strong> />

novamente:<<strong>br</strong> />

- Plantamos algodão, principalmente...<<strong>br</strong> />

- Algodão já não tem futuro. Os Estados Unidos estão<<strong>br</strong> />

fa<strong>br</strong>icando um novo tipo de fi<strong>br</strong>a sintética. Acho melhor vocês<<strong>br</strong> />

mudarem para café, enquanto é tempo.<<strong>br</strong> />

- Não pedi sua opinião. Para o ser humano, algodão é<<strong>br</strong> />

imprescindível. Por mais que os americanos inventem fi<strong>br</strong>as<<strong>br</strong> />

sintéticas maravilhosas, elas não vão conseguir substituir o<<strong>br</strong> />

algodão. O algodão é o melhor material para o homem. Vou<<strong>br</strong> />

continuar a produzir algodão em qualquer época.<<strong>br</strong> />

A resposta dada era bem característica de Chûji.<<strong>br</strong> />

- Então, vocês pretendem ficar aqui para sempre? A po<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não vai poder sair daqui?<<strong>br</strong> />

Kiyo olhou para <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> ares de <strong>com</strong>placência.<<strong>br</strong> />

- Se pelo menos Minoru voltasse, <strong>Haru</strong> poderia ficar livre.<<strong>br</strong> />

Shizu estava preocupada <strong>com</strong> Minoru. Mesmo <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

término da guerra, não haviam recebido notícias dele.<<strong>br</strong> />

Yozo não podia deixar de <strong>com</strong>preender os sentimentos<<strong>br</strong> />

do irmão, mas não se conteve e acabou dizendo:<<strong>br</strong> />

- A guerra foi terrível. Será que ele está bem? Ainda não<<strong>br</strong> />

dá para trocar correspondências <strong>com</strong> o Japão. Não se sabe<<strong>br</strong> />

quando o Japão se erguerá das cinzas, mas parece que a<<strong>br</strong> />

situação é caótica... E <strong>Natsu</strong>, que deixamos no Japão, estará<<strong>br</strong> />

viva?<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> prendeu a respiração e olhou para Yozo, que havia<<strong>br</strong> />

- 313 -


se tornado uma pessoa bem informada.<<strong>br</strong> />

- O Japão ganhou a guerra. Não se deixe levar pelos<<strong>br</strong> />

boatos. Tanto <strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>o Minoru estão muito bem no Japão.<<strong>br</strong> />

Vou aumentar a plantação e quando tiver dinheiro suficiente,<<strong>br</strong> />

vamos voltar para o Japão. Vamos buscar <strong>Natsu</strong>. encontrar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> Minoru e arranjar um bom marido para <strong>Haru</strong> no Japão.<<strong>br</strong> />

Não vou deixá-la às traças neste lugar. Eu também não quero<<strong>br</strong> />

terminar os meus dias no Brasil desse jeito. Vim apenas<<strong>br</strong> />

trabalhar para ganhar dinheiro. Vamos voltar para o Japão de<<strong>br</strong> />

qualquer maneira. Afinal, somos japoneses! - explodiu,Chüji<<strong>br</strong> />

expondo a sua retórica costumeira.<<strong>br</strong> />

Yozo olhou incrédulo para o seu próprio irmão. Vendo<<strong>br</strong> />

Shizu e <strong>Haru</strong>, porém, constatou que ambas já haviam desistido<<strong>br</strong> />

e se conformado à vontade de Chûji.<<strong>br</strong> />

Enquanto jantavam no hotel em Hakone, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

estavam a relatar, uma à outra, as respectivas vidas, cheias<<strong>br</strong> />

de altos e baixos.<<strong>br</strong> />

- O tio Yozo tornou-se exportador de café. Fazia negócios<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> países do mundo inteiro, indo também a Nova Iorque.<<strong>br</strong> />

Ele morreu há muito tempo e, agora, quem cuida dos negócios<<strong>br</strong> />

é o filho. Parece que você, <strong>Natsu</strong>, puxou mais ao tio Yozo<<strong>br</strong> />

que ao papai. O seu estilo de vida parece-se <strong>com</strong> o dele.<<strong>br</strong> />

Com as palavras de <strong>Haru</strong>, <strong>Natsu</strong> se lem<strong>br</strong>ou da fisionomia<<strong>br</strong> />

de Yozo, terceiro filho de uma família po<strong>br</strong>e de agricultores.<<strong>br</strong> />

- Será?... Eu estava farta de ser po<strong>br</strong>e. Dentro daquela<<strong>br</strong> />

confusão do pós-guerra, queria escapar da po<strong>br</strong>eza, agarrando-<<strong>br</strong> />

- 314 -


me a qualquer oportunidade... Você não teve liberdade para<<strong>br</strong> />

fazer o que queria, pois estava presa ao papai e à mamãe.<<strong>br</strong> />

Pensando agora, acho que eu, que fui deixada sozinha no<<strong>br</strong> />

Japão, tive maior liberdade e fui mais feliz que você. - disse<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, que podia dizer isso somente agora, depois que tudo<<strong>br</strong> />

havia passado.<<strong>br</strong> />

Na fá<strong>br</strong>ica de <strong>Natsu</strong> em Sapporo, havia novas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiras. <strong>Natsu</strong> estava preparando a massa para biscoitos<<strong>br</strong> />

junto <strong>com</strong> Aiko, de 22 anos e Ritsuko, de 23 anos.<<strong>br</strong> />

Logo após a guerra, não havia tantos empregos decentes<<strong>br</strong> />

e <strong>Natsu</strong> conseguira contratar pessoas acima de suas<<strong>br</strong> />

expectativas para trabalhar <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />

- Eu não queria mais contratar homens. Por isso, recrutei<<strong>br</strong> />

meninas. Então, apareceram duas que disseram ter estudado<<strong>br</strong> />

confecção de doces no curso de economia doméstica em uma<<strong>br</strong> />

universidade feminina de Tóquio e voltado a Hokkaido. Elas<<strong>br</strong> />

eram muito mais esforçadas do que eu na fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />

biscoitos, e suas técnicas eram bem superiores. Eram boas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiras. Vivíamos ocupadas todos os dias, mas éramos<<strong>br</strong> />

felizes. Mas a vida não era tão fácil. Até lá, havia sido atirada<<strong>br</strong> />

por diversas vezes no fundo do poço, mas sempre consegui<<strong>br</strong> />

me recuperar. Porém, daquela vez foi duro. Pensei que nunca<<strong>br</strong> />

mais pudesse me levantar.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> e Aiko observavam <strong>com</strong> grande curiosidade os<<strong>br</strong> />

- 315 -


iscoitos que estavam no forno. Ritsuko resolvera<<strong>br</strong> />

experimentar uma nova receita de biscoitos.<<strong>br</strong> />

Verificando o momento propício, Ritsuko retirou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

cuidado os biscoitos que ficaram prontos.<<strong>br</strong> />

- É um novo produto. Eu moí as amêndoas que o sr.<<strong>br</strong> />

George trouxe e usei-as aqui. Na época da faculdade, tive<<strong>br</strong> />

uma aula so<strong>br</strong>e biscoitos de amêndoas, mas <strong>com</strong>o não havia<<strong>br</strong> />

ingredientes, não pude fazê-los na prática. Por isso, na<<strong>br</strong> />

primeira oportunidade que aparecesse, queria fazer biscoitos<<strong>br</strong> />

de amêndoas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> experimentou o biscoito ainda quente.<<strong>br</strong> />

- É bom! Tem um sabor apropriado para adultos!<<strong>br</strong> />

- Aprendi so<strong>br</strong>e muitos doces na época da faculdade, mas<<strong>br</strong> />

só podia anotar no caderno, sem poder fazê-los. Quando puder<<strong>br</strong> />

obter ingredientes em abundância, gostaria de enfrentar o<<strong>br</strong> />

desafio de tentar fazê-los.<<strong>br</strong> />

Aiko estava bem disposta ao trabalho, <strong>com</strong>endo o biscoito<<strong>br</strong> />

de amêndoas feito pela Ritsuko.<<strong>br</strong> />

- A nossa empresa está repleta de sonhos. Quero montar<<strong>br</strong> />

uma equipe excelente e não será um simples sonho nos<<strong>br</strong> />

tornarmos a maior fá<strong>br</strong>ica de doces do Japão.<<strong>br</strong> />

O sonho traçado por Kinta e Tsutomu parecia se realizar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a participação de Aiko e Ritsuko. A fisionomia de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

era de alegria, cheia de satisfação.<<strong>br</strong> />

Era fevereiro de 1947.<<strong>br</strong> />

- Ainda estão trabalhando? Já são onze horas da noite! -<<strong>br</strong> />

exclamou George, arregalando os olhos de espanto.<<strong>br</strong> />

- 316 -


- Ainda é cedo. Recentemente, aumentou o número de<<strong>br</strong> />

clientes que fazem grandes pedidos... Não estamos dando<<strong>br</strong> />

conta... Tem pessoas que vêm de longe para levar as nossas<<strong>br</strong> />

mercadorias em quantidade, e revendê-las nas cafeterias e<<strong>br</strong> />

casas de chá locais. Os nossos biscoitos estão ficando<<strong>br</strong> />

famosos.<<strong>br</strong> />

Durante o dia, elas precisavam dar atenção para os clientes<<strong>br</strong> />

que vinham <strong>com</strong>prar. A confecção de amostras para novos<<strong>br</strong> />

produtos só podia ser feita à noite. Aquele horário era o<<strong>br</strong> />

momento decisivo para experiências de confeitaria.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, preciso conversar <strong>com</strong> você.<<strong>br</strong> />

George parecia angustiado, mas <strong>Natsu</strong> estava concentrada<<strong>br</strong> />

em preparar a massa para os biscoitos e parecia não querer<<strong>br</strong> />

interromper o trabalho.<<strong>br</strong> />

- Agora não posso largar o serviço. Fale aqui mesmo.<<strong>br</strong> />

Não tenho nada a esconder das meninas...<<strong>br</strong> />

Sem alternativas, George resolveu falar ali mesmo.<<strong>br</strong> />

- Vou ter que voltar aos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />

-...?<<strong>br</strong> />

- Quero que você vá <strong>com</strong>igo. Quero que você conheça<<strong>br</strong> />

minha mãe e se case <strong>com</strong>igo nos Estados Unidos.<<strong>br</strong> />

- Poderemos voltar logo ao Japão?<<strong>br</strong> />

- Deram-me baixa. Voltando aos Estados Unidos, preciso<<strong>br</strong> />

administrar o restaurante que minha mãe vem cuidando até<<strong>br</strong> />

agora. Não vou mais voltar ao Japão. Ou melhor, não vou<<strong>br</strong> />

poder voltar.<<strong>br</strong> />

Aiko e Ritsuko alternavam os olhares inseguros entre<<strong>br</strong> />

- 317 -


George e <strong>Natsu</strong>. A gravidez de <strong>Natsu</strong> já estava num tal estado<<strong>br</strong> />

que era visível aos olhos de todos.<<strong>br</strong> />

- Vamos tocar o restaurante juntos. Já <strong>com</strong>uniquei à<<strong>br</strong> />

mamãe. Ela nos deu permissão. Ela ficou feliz em saber que<<strong>br</strong> />

vamos ter um filho.<<strong>br</strong> />

-Não! Então, se eu a<strong>com</strong>panhá-lo aos Estados Unidos,<<strong>br</strong> />

não poderei mais voltar para o Japão? Terei que passar o resto<<strong>br</strong> />

da vida nos Estados Unidos?<<strong>br</strong> />

- Você poderá fazer biscoitos em qualquer lugar.<<strong>br</strong> />

- Não <strong>br</strong>inque. Como é que eu posso ir para os Estados<<strong>br</strong> />

Unidos? Se você vai dar baixa do exército, então, fique no<<strong>br</strong> />

Japão.<<strong>br</strong> />

- Isso não é possível. Tenho minha mãe para cuidar. Tenho<<strong>br</strong> />

responsabilidade <strong>com</strong>o filho.<<strong>br</strong> />

- Não adianta falar isso agora... Não tenho intenção<<strong>br</strong> />

nenhuma de ir para os Estados Unidos.<<strong>br</strong> />

- Então, <strong>com</strong>o fica o nosso casamento? Como ficará o<<strong>br</strong> />

bebê que você está esperando?<<strong>br</strong> />

- Por favor, fique você no Japão.<<strong>br</strong> />

- Meu pai, minha mãe e meus irmãos estão no Brasil.<<strong>br</strong> />

Agora que acabou a guerra, pode ser que eles voltem para o<<strong>br</strong> />

Japão. Se isso acontecer, quero falar <strong>com</strong> orgulho que vim<<strong>br</strong> />

me esforçando sozinha. Por isso, eu quero esperá-los aqui no<<strong>br</strong> />

Japão!<<strong>br</strong> />

- Volte uma vez aos Estados Unidos e converse <strong>com</strong> sua<<strong>br</strong> />

- 318 -


mãe. Eu esperarei pela sua volta, seja quando for.<<strong>br</strong> />

George suspirou, olhando para cima, resignado.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> nunca soubera que pensamento George havia tido<<strong>br</strong> />

naquele momento ou quais eram seus conflitos internos.<<strong>br</strong> />

- George regressou aos Estados Unidos prometendo vir<<strong>br</strong> />

buscar a mim e ao nosso filho. Porém, nunca mais voltou.<<strong>br</strong> />

Escrevi cartas, mas ele nem me respondeu. As<<strong>br</strong> />

circunstâncias e os sentimentos devem ter mudado depois<<strong>br</strong> />

que ele voltou aos Estados Unidos, mas... De qualquer forma,<<strong>br</strong> />

acho que não era um homem que valesse muito.<<strong>br</strong> />

- E a criança?<<strong>br</strong> />

- Eu tive a criança porque acreditava que George iria<<strong>br</strong> />

voltar. Era um menino. Mas, não houve reconhecimento pelo<<strong>br</strong> />

pai... Coitado, nem conheceu o pai.<<strong>br</strong> />

- Não sabíamos de nada. Você também sofreu bastante,<<strong>br</strong> />

não?<<strong>br</strong> />

- Foi castigo. Eu traí Kinta e Tsutomu e confiei num<<strong>br</strong> />

americano... Mas, eu tinha minha fá<strong>br</strong>ica de biscoitos. E tive<<strong>br</strong> />

novas <strong>com</strong>panheiras. Por isso, consegui me reerguer. O mais<<strong>br</strong> />

difícil foi deixar que meu filho se tornasse uma criança sem<<strong>br</strong> />

pai...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> dedicava a maior parte do dia à fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />

biscoitos. O bebê recém-nascido dormia num canto da fá<strong>br</strong>ica.<<strong>br</strong> />

Aiko e Ritsuko vinham pela manhã e se dedicavam à<<strong>br</strong> />

fa<strong>br</strong>icação de biscoitos em grande quantidade para os clientes<<strong>br</strong> />

- 319 -


maiores. Ao terminar, enfrentavam novos desafios na<<strong>br</strong> />

confecção de biscoitos diversos.<<strong>br</strong> />

No meio dessa correria, o bebê crescia a olhos vistos e o<<strong>br</strong> />

seu sorriso inocente trazia harmonia às mulheres cansadas<<strong>br</strong> />

de trabalhar.<<strong>br</strong> />

Era primavera, mas nevava nas termas de Hakone.<<strong>br</strong> />

Do quarto do hotel em estilo japonês, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

contemplavam a neve que caía incessantemente.<<strong>br</strong> />

- Parece um sonho poder conversar <strong>com</strong> você, hospedada<<strong>br</strong> />

em um hotel luxuoso <strong>com</strong>o este.<<strong>br</strong> />

- Ah, se tivéssemos nos encontrado antes. Queria ter visto<<strong>br</strong> />

o papai e a mamãe... Se eu soubesse que Minoru tinha se<<strong>br</strong> />

tornado aviador e que estava no Japão, poderia ter me<<strong>br</strong> />

encontrado <strong>com</strong> ele também...<<strong>br</strong> />

- Se nossas cartas tivessem chegado para cada uma de<<strong>br</strong> />

nós...<<strong>br</strong> />

- Eu já tinha me conformado. Porém, se você tivesse<<strong>br</strong> />

voltado ao Japão e me procurado enquanto papai e mamãe<<strong>br</strong> />

estivessem vivos...<<strong>br</strong> />

- Sinto muito. Naturalmente, queria ter voltado. Porém,<<strong>br</strong> />

a gente não tinha dinheiro para isso... Não tínhamos condição<<strong>br</strong> />

de sair daquela vila, embora trabalhássemos, os três,<<strong>br</strong> />

exaustivamente. Não podia me casar, abandonando papai e<<strong>br</strong> />

mamãe por lá. Esperava, pelo menos, uma <strong>com</strong>unicação e a<<strong>br</strong> />

volta de Minoru.<<strong>br</strong> />

- 320 -


Os acontecimentos daquele dia estavam claramente<<strong>br</strong> />

gravados na memória de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Quando recolhia as roupas lavadas e secas, <strong>Haru</strong> sentira que<<strong>br</strong> />

um estranho a olhava. O homem caminhou em direção à <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- A senhorita é da família Takakura?<<strong>br</strong> />

- Sim. O senhor veio do Japão?<<strong>br</strong> />

- Meu nome é Unno. Eu vim do Japão para falar so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

Minoru Takakura.<<strong>br</strong> />

O rosto de <strong>Haru</strong> <strong>br</strong>ilhou instantaneamente de alegria.<<strong>br</strong> />

- So<strong>br</strong>e meu irmão?<<strong>br</strong> />

- Então, é a senhorita <strong>Haru</strong>, irmã do Minoru? Ele me<<strong>br</strong> />

falou so<strong>br</strong>e você. Seus pais estão bem?<<strong>br</strong> />

- Sim. Por favor, espere um momento.<<strong>br</strong> />

Os passos de <strong>Haru</strong>, que correu para dentro da casa, eram<<strong>br</strong> />

leves e alegres, mas Unno desviou o olhar, constrangido.<<strong>br</strong> />

Como Capitão de Fragata da Marinha Imperial japonesa,<<strong>br</strong> />

Unno conhecera Minoru, que trabalhava <strong>com</strong>o estivador no<<strong>br</strong> />

porto de Santos, antes da guerra. Nessa ocasião, Minoru<<strong>br</strong> />

aguardava uma oportunidade para embarcar num navio e<<strong>br</strong> />

voltar para o Japão. Unno o aconselhara a ingressar na Aviação<<strong>br</strong> />

Naval de Reserva e Minoru aceitara prontamente. Unno se<<strong>br</strong> />

tornara também o responsável por ele.<<strong>br</strong> />

Minoru escrevera a Chûji contando so<strong>br</strong>e as<<strong>br</strong> />

circunstâncias.<<strong>br</strong> />

- Minoru nos escreveu cartas a seu respeito... Graças ao<<strong>br</strong> />

senhor, ele conseguiu se tornar um militar honrado. Ele estava<<strong>br</strong> />

muito agradecido, dizendo que devia tudo ao Comandante<<strong>br</strong> />

- 321 -


Unno.<<strong>br</strong> />

Diferentemente de outras ocasiões, Chûji estava mais<<strong>br</strong> />

tenso e o seu discurso era mais formal. Shizu se <strong>com</strong>portava<<strong>br</strong> />

de forma recatada, <strong>com</strong>o sempre.<<strong>br</strong> />

- E o Minoru, <strong>com</strong>o está?<<strong>br</strong> />

Foi preciso um pouco de tempo para que Unno <strong>com</strong>eçasse<<strong>br</strong> />

a falar.<<strong>br</strong> />

- Eu o trouxe <strong>com</strong>igo. - Unno falou, num tom pesaroso.<<strong>br</strong> />

Levantou-se e tirou da caixa algo em<strong>br</strong>ulhado num pano<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>anco e a<strong>br</strong>iu o em<strong>br</strong>ulho <strong>com</strong>o se estivesse a lidar <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

algo muito frágil.<<strong>br</strong> />

Era o quepe e uma gaita.<<strong>br</strong> />

- É o quepe e a gaita que Minoru usava em vida.<<strong>br</strong> />

Shizu fitou atentamente o quepe.<<strong>br</strong> />

- Minoru foi enviado <strong>com</strong>o piloto suicida para a Ilha de<<strong>br</strong> />

Leyte, nas Filipinas. Teve uma morte honrosa, afundando uma<<strong>br</strong> />

belo nave inimiga <strong>com</strong> seu avião. Por isso, não há restos<<strong>br</strong> />

mortais... No lugar de seus restos, trouxe este quepe.<<strong>br</strong> />

Chûji e Shizu ficaram sem reação.<<strong>br</strong> />

- Meu irmão morreu na guerra?<<strong>br</strong> />

- Eu fui o responsável por Minoru. Assim, o <strong>com</strong>unicado<<strong>br</strong> />

oficial de sua morte em <strong>com</strong>bate chegou a mim. Eu devia<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unicar imediatamente aos senhores, mas foi impossível<<strong>br</strong> />

devido à situação crítica do pós-guerra. Somente agora, que<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçaram a autorizar as viagens ao exterior, é que pude vir<<strong>br</strong> />

até aqui.<<strong>br</strong> />

- O senhor veio especialmente do Japão para nos<<strong>br</strong> />

- 322 -


<strong>com</strong>unicar a morte do Minoru?... - Chûji perguntou<<strong>br</strong> />

emocionado, tentando suportar o impacto da notícia.<<strong>br</strong> />

- Sim. Queria <strong>com</strong>unicar-lhes antes, mas não pude sair<<strong>br</strong> />

do país enquanto não se restabelecessem as relações<<strong>br</strong> />

diplomáticas. Peço-lhes desculpas pela demora.<<strong>br</strong> />

Unno se ajoelhou, juntou as mãos e encostou a testa no<<strong>br</strong> />

chão.<<strong>br</strong> />

- Minoru!... - Shizu gritou, <strong>com</strong> voz cheia de tristeza,<<strong>br</strong> />

a<strong>br</strong>açando o quepe.<<strong>br</strong> />

Ainda que tentasse abafar a voz para não chorar, as<<strong>br</strong> />

soluços não paravam de sair.<<strong>br</strong> />

- Não chore! Minoru teve uma morte honrosa, cumprindo<<strong>br</strong> />

a importante missão <strong>com</strong>o súdito de Sua Majestade, o<<strong>br</strong> />

Imperador, e defendendo o Grande Império do Japão. Sorria<<strong>br</strong> />

e elogie-o!<<strong>br</strong> />

Chûji tomou o quepe das mãos de Shizu e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

falar <strong>com</strong>o se estivesse falando <strong>com</strong> o filho.<<strong>br</strong> />

- Muito bem Minoru! Seu pai é um imprestável que não<<strong>br</strong> />

conseguiu voltar para o Japão, nem pôde ser útil ao seu país.<<strong>br</strong> />

Mas você, <strong>com</strong>o japonês, serviu à Pátria, dedicando-se<<strong>br</strong> />

inclusive por mim. Minoru, você é o orgulho da família<<strong>br</strong> />

Takakura. Eu também posso andar de cabeça erguida <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

japonês, por ter tido um filho <strong>com</strong>o você. Jovens <strong>com</strong>o você<<strong>br</strong> />

é que protegeram o Japão. Descanse, <strong>com</strong>o herói nacional,<<strong>br</strong> />

junto <strong>com</strong> seus <strong>com</strong>panheiros de luta.<<strong>br</strong> />

Chûji se colocou em posição de sentido e <strong>com</strong>eçou a<<strong>br</strong> />

cantar "Umiyukaba".<<strong>br</strong> />

- 323 -


Unno também se colocou imediatamente em posição de<<strong>br</strong> />

sentido e pôs-se a a<strong>com</strong>panhar:<<strong>br</strong> />

"Nós morreremos no mar.<<strong>br</strong> />

Nós morreremos nas montanhas.<<strong>br</strong> />

De qualquer maneira,<<strong>br</strong> />

Nós morreremos ao lado do Imperador.<<strong>br</strong> />

Jamais olharemos para trás."<<strong>br</strong> />

A letra desta canção era baseada no poema de Yakamochi<<strong>br</strong> />

Otomo, poeta japonês do século VIII, e traduzia o firme<<strong>br</strong> />

propósito de dedicar a vida ao Imperador.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> procurava conter o corpo que quase desfalecia,<<strong>br</strong> />

ouvindo o pai e o benfeitor de Minoru entoarem a canção<<strong>br</strong> />

"Umi Yukaba" em homenagem ao irmão.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panhou Unno para fora de casa e não pôde<<strong>br</strong> />

deixar de falar so<strong>br</strong>e os sentimentos do pai, que tinha em<<strong>br</strong> />

Minoru seu apoio espiritual.<<strong>br</strong> />

- Então, seu pai não acredita na derrota do Japão?<<strong>br</strong> />

- Ele não quer acreditar. Mas, eu quero que ele continue<<strong>br</strong> />

a acreditar na vitória do Japão. Senão, a morte do meu irmão<<strong>br</strong> />

terá sido em vão.<<strong>br</strong> />

Unno aquiesceu em silêncio. Ele batalhou, correndo risco<<strong>br</strong> />

de vida pelo império japonês e não podia deixar de<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preender as dores de Chûji.<<strong>br</strong> />

- O Japão já se restabeleceu um pouco?<<strong>br</strong> />

- Atualmente, estou trabalhando <strong>com</strong> pesca, num navio<<strong>br</strong> />

- 324 -


pesqueiro transoceânico. Podemos vir até a África do Sul<<strong>br</strong> />

para pescar atuns.<<strong>br</strong> />

- Trabalhando <strong>com</strong> pesca?... - <strong>Haru</strong> perguntou incrédula<<strong>br</strong> />

e Unno riu, desprezando a si mesmo.<<strong>br</strong> />

- Vocês não vão voltar para o Japão?<<strong>br</strong> />

- Não podemos... Por mais que tenhamos trabalhado, não<<strong>br</strong> />

conseguimos juntar o suficiente para voltar para o Japão,<<strong>br</strong> />

mesmo passados 18 anos. Quando viemos para o Brasil,<<strong>br</strong> />

fomos esquecidos pelo Japão. Porém, estava <strong>com</strong> esperanças<<strong>br</strong> />

de que, depois que o Minoru voltasse para cá, eu poderia, um<<strong>br</strong> />

dia, voltar para o Japão. Mas, esse sonho também ruiu... Eu<<strong>br</strong> />

acho que nunca mais poderei sair daqui. Não posso abandonar<<strong>br</strong> />

meus pais... Já me conformei.<<strong>br</strong> />

- Perdoe-me. Eu é que fiz você perder o seu precioso<<strong>br</strong> />

irmão.<<strong>br</strong> />

- Não. Meu pai está tão feliz! Foi muito bom para nós.<<strong>br</strong> />

Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

Ainda que contrariado, Unno perdera muitos<<strong>br</strong> />

subordinados durante a guerra. Os agradecimentos de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

não tinham o significado de salvação para Unno, mas ao<<strong>br</strong> />

contrário, talvez tivessem servido para fortalecer os seus<<strong>br</strong> />

sentimentos de culpa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se despediu de Unno, que andava curvado,<<strong>br</strong> />

transparecendo seu cansaço.<<strong>br</strong> />

O sentimento de perda sentido por <strong>Haru</strong> era grande. Ao<<strong>br</strong> />

mesmo tempo em que Minoru era o único irmão, era também<<strong>br</strong> />

a corda de salvação para a liberdade de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- 325 -


Já tarde da noite, Chüji continuava a beber em frente ao<<strong>br</strong> />

quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />

- Viu <strong>com</strong>o o Japão ganhou a guerra? Senão, o<<strong>br</strong> />

Comandante Unno, que era Capitão de Fragata da Marinha<<strong>br</strong> />

Imperial japonesa, não poderia ter vindo vivo até o Brasil...<<strong>br</strong> />

Se o Japão tivesse perdido, todos os militares teriam se<<strong>br</strong> />

suicidado. Não poderiam suportar a vergonha de continuar<<strong>br</strong> />

vivendo. Ele trouxe o quepe do Minoru até o Brasil. Isso<<strong>br</strong> />

prova que o Japão ganhou a guerra, não é, Minoru?<<strong>br</strong> />

Shizu o deixou só, e Chüji continuou a conversar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />

Chûji se fechara nas suas convicções e jamais a<strong>br</strong>iria mão<<strong>br</strong> />

delas. Só assim ele poderia so<strong>br</strong>eviver.<<strong>br</strong> />

- Quantos anos você tinha nessa época, mana...?<<strong>br</strong> />

- Tinha <strong>com</strong>pletado 27 anos.<<strong>br</strong> />

- Havia desistido do casamento <strong>com</strong> essa idade?<<strong>br</strong> />

- Tinha resolvido me dedicar ao papai e à mamãe,<<strong>br</strong> />

enquanto eles vivessem. Mas, então, uma pessoa inesperada<<strong>br</strong> />

veio nos visitar.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>, que havia desistido de casar para cuidar dos pais,<<strong>br</strong> />

dedicava-se aos afazeres no algodoal, sob calor intenso,<<strong>br</strong> />

quanto ouviu alguém gritar:<<strong>br</strong> />

-<strong>Haru</strong>!<<strong>br</strong> />

Ela se voltou em direção à voz, curiosa para saber quem<<strong>br</strong> />

era. Um jovem forte acenava <strong>com</strong> os <strong>br</strong>aços, <strong>com</strong> a intimidade<<strong>br</strong> />

- 326 -


de um velho amigo.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> encontrou no seu semblante o rosto de um menino<<strong>br</strong> />

saudoso.<<strong>br</strong> />

-Takuya...?<<strong>br</strong> />

- Era o menino que viajara conosco no mesmo navio de<<strong>br</strong> />

emigração. Entramos <strong>com</strong>o colonos na mesma fazenda e era<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> quem me dava melhor. Não podia acreditar. Era uma<<strong>br</strong> />

pessoa inesquecível para mim, mas achei que nunca mais o<<strong>br</strong> />

veria de novo. O mano Minoru fez <strong>com</strong> que nos<<strong>br</strong> />

reencontrássemos.<<strong>br</strong> />

Takuya veio correndo e falou ofegante.<<strong>br</strong> />

- Ouvi do sr. Unno que o Minoru faleceu durante a guerra.<<strong>br</strong> />

Queria rezar pela alma dele...<<strong>br</strong> />

- Naquele momento, pressenti que uma pequena<<strong>br</strong> />

primavera tinha chegado na minha vida.<<strong>br</strong> />

Dezessete anos haviam passado desde que fugiram da<<strong>br</strong> />

primeira fazenda, arriscando a própria vida.<<strong>br</strong> />

Takuya fitava <strong>Haru</strong> <strong>com</strong>o se olhasse algo ofuscante.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também retribuía o olhar de Takuya, fazendo votos<<strong>br</strong> />

para que este reencontro não fosse um sonho.<<strong>br</strong> />

- 327 -


Capítulo V<<strong>br</strong> />

A nossa Pátria, o Brasil<<strong>br</strong> />

Após a fuga noturna, as famílias Takakura e Yamashita<<strong>br</strong> />

haviam se separado. <strong>Haru</strong> pensara que nunca mais voltaria a<<strong>br</strong> />

ver Takuya Yamashita, mas o falecido Minoru acabara por<<strong>br</strong> />

promover o reencontro.<<strong>br</strong> />

A inesperada visita de Takuya ocorrera em junho de<<strong>br</strong> />

1952.<<strong>br</strong> />

O quepe de Minoru, que morrera <strong>com</strong>o piloto suicida<<strong>br</strong> />

na Ilha de Leyte, estava colocado em cima de uma estante, na<<strong>br</strong> />

sala de visitas da família Takakura, no lugar de seus restos<<strong>br</strong> />

mortais.<<strong>br</strong> />

Takuya tocou <strong>com</strong> sua gaita, o Hino de Despedida aos<<strong>br</strong> />

Patrícios que Emigram para o Brasil, para homenagear<<strong>br</strong> />

Minoru. A gaita, devolvida por Unno, junto <strong>com</strong> o quepe,<<strong>br</strong> />

fora presenteada a Minoru por Takuya, quando ele decidira<<strong>br</strong> />

ingressar no Corpo de Aviadores de Reserva da Marinha<<strong>br</strong> />

Imperial japonesa.<<strong>br</strong> />

Chûji ouvia atentamente a gaita tocada por Takuya,<<strong>br</strong> />

cabisbaixo.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado por ter vindo de São Paulo até este local<<strong>br</strong> />

distante. Minoru também deve estar muito contente.<<strong>br</strong> />

As duas famílias estiveram no mesmo camarote desde<<strong>br</strong> />

que haviam embarcado no navio de emigração em Kobe.<<strong>br</strong> />

Foram designadas para trabalhar na mesma fazenda de café e<<strong>br</strong> />

- 329 -


<strong>com</strong>partilharam os sacrifícios num cafezal <strong>com</strong> pouca<<strong>br</strong> />

colheita. As famílias se encorajavam e se confortavam<<strong>br</strong> />

mutuamente, a fim de suportar as agruras. Estiveram juntos<<strong>br</strong> />

também naquela fuga noturna. Após a morte de Shigeru, que<<strong>br</strong> />

contraíra malária, e a destruição das plantações pelas chuvas<<strong>br</strong> />

de granizo, decidiram empreender a fuga. Num gesto de<<strong>br</strong> />

desespero, Chûji desejou que ao menos Minoru retornasse<<strong>br</strong> />

ao Japão e confiou-o à família Yamashita, que se dirigia para<<strong>br</strong> />

Santos.<<strong>br</strong> />

Heizo, pai de Takuya, aquiescera prontamente e levara<<strong>br</strong> />

Minoru até Santos.<<strong>br</strong> />

Desde então, Minoru trabalhara por três anos <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

estivador no porto de Santos, aguardando a oportunidade de<<strong>br</strong> />

embarcar num navio que o levasse de volta ao Japão, até que<<strong>br</strong> />

encontrou o Comandante Unno. Durante esse período, a<<strong>br</strong> />

família Yamashita zelara por Minoru.<<strong>br</strong> />

Takuya se lem<strong>br</strong>ava desta época <strong>com</strong>o se tudo tivesse<<strong>br</strong> />

ocorrido no dia anterior. O único que podia falar da vida de<<strong>br</strong> />

Minoru <strong>com</strong>o estivador no porto de Santos era Takuya.<<strong>br</strong> />

- Brincávamos e <strong>br</strong>igávamos <strong>com</strong>o se fôssemos irmãos<<strong>br</strong> />

de verdade... Não posso me esquecer dele. Quando ele<<strong>br</strong> />

conheceu o Comandante Unno e ficou sabendo que poderia<<strong>br</strong> />

voltar ao Japão, parecia tão feliz... Ele estava radiante, cheio<<strong>br</strong> />

de esperanças, dizendo que, chegando ao Japão, iria se alistar<<strong>br</strong> />

no Corpo de Aviadores da Reserva da Marinha Imperial... O<<strong>br</strong> />

Comandante Unno providenciou um lugar no navio de carga<<strong>br</strong> />

que saiu do porto de Santos, e Minoru embarcou <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

- 330 -


aprendiz de marinheiro. Aquilo foi a nossa última despedida...<<strong>br</strong> />

Quando recebeu a licença de piloto da Aviação Naval, mandou<<strong>br</strong> />

uma carta descrevendo o orgulho de ter-se tornado um militar<<strong>br</strong> />

da Marinha Imperial. Nós também ficamos muito felizes <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a notícia. Com a eclosão da guerra, perdemos o contato e<<strong>br</strong> />

estávamos preocupados <strong>com</strong> ele. Então, outro dia recebemos<<strong>br</strong> />

um recado do Comandante Unno, dizendo que estava no<<strong>br</strong> />

Brasil e que havia vindo para entregar uma relíquia de Minoru<<strong>br</strong> />

para a família. Assim, ficamos sabendo que o Minoru havia<<strong>br</strong> />

morrido na guerra...<<strong>br</strong> />

Emocionado, Takuya engasgou e ficou sem voz.<<strong>br</strong> />

Chûji continuou o relato, falando so<strong>br</strong>e o filho:<<strong>br</strong> />

- Minoru teve uma morte honrosa, lutando para defender<<strong>br</strong> />

o Japão. É a grande aspiração de todos os homens japoneses.<<strong>br</strong> />

Ele também deve estar satisfeito.<<strong>br</strong> />

- Pude reencontrar Minoru de alguma forma... Sinto-me<<strong>br</strong> />

aliviado.<<strong>br</strong> />

Takuya soube que Minoru morrera em <strong>com</strong>bate e desejou<<strong>br</strong> />

também "se encontrar" <strong>com</strong> ele. Unno, contudo, dispunha de<<strong>br</strong> />

pouquíssimo tempo, pois o seu navio estava atracado no porto<<strong>br</strong> />

de Santos por poucos dias e mal conseguiria entregar o quepe<<strong>br</strong> />

e a gaita de Minoru à família Takakura. Assim, Takuya não<<strong>br</strong> />

pôde ver os objetos pessoais de Minoru e, querendo satisfazer<<strong>br</strong> />

tal desejo, fora até o interior de São Paulo, onde morava a<<strong>br</strong> />

família Takakura.<<strong>br</strong> />

- Agradeço por ter querido tão bem ao Minoru...<<strong>br</strong> />

Estivemos tão ocupados em so<strong>br</strong>eviver, que não tivemos nem<<strong>br</strong> />

- 331 -


oportunidade para visitá-los e agradecer-lhes por tudo que<<strong>br</strong> />

fizeram... Nem tenho palavras para me desculpar. - Shizu<<strong>br</strong> />

agradeceu formalmente o gesto de Takuya, que também<<strong>br</strong> />

respondeu cerimoniosamente:<<strong>br</strong> />

- Este sentimento é mútuo. Já faz mais ou menos 17 anos<<strong>br</strong> />

que nós nos separamos, quando fugimos da fazenda de café,<<strong>br</strong> />

não é?<<strong>br</strong> />

Heizo, pai de Takuya, havia imigrado para o Brasil <strong>com</strong> a<<strong>br</strong> />

firme intenção de enterrar os seus restos mortais no país.<<strong>br</strong> />

Contudo, durante o período da guerra fora preso pela polícia<<strong>br</strong> />

apenas pelo fato de ter-se reunido <strong>com</strong> alguns amigos<<strong>br</strong> />

japoneses e ficou detido por quase um ano.<<strong>br</strong> />

O sacrifício dos familiares enquanto o pai estivera detido<<strong>br</strong> />

deveria ter sido enorme.<<strong>br</strong> />

Com o término da guerra, os seus negócios entraram no<<strong>br</strong> />

eixo e agora estava muito ocupado, totalmente sem tempo.<<strong>br</strong> />

Takuya relatou o que se passara <strong>com</strong> os seus, desculpandose<<strong>br</strong> />

por não ter escrito à <strong>Haru</strong>. Shizu lhe perguntou:<<strong>br</strong> />

- Você disse que estava morando em São Paulo. O que<<strong>br</strong> />

estão fazendo?...<<strong>br</strong> />

- Estamos fa<strong>br</strong>icando e consertando implementos<<strong>br</strong> />

agrícolas simples...<<strong>br</strong> />

- Então, vocês a<strong>br</strong>iram uma fá<strong>br</strong>ica?...<<strong>br</strong> />

- Sim, uma pequena...<<strong>br</strong> />

As notícias de sucesso dos seus antigos vizinhos<<strong>br</strong> />

alegraram também a Chûji.<<strong>br</strong> />

- Que ótimo! Seu pai me disse que se candidatou <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

- 332 -


imigrante para conseguir capital e a<strong>br</strong>ir uma fá<strong>br</strong>ica no Brasil.<<strong>br</strong> />

Quer dizer que ele realizou os seus sonhos...<<strong>br</strong> />

- Bem, ainda estamos no <strong>com</strong>eço.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> preparou café e trouxe à mesa, mas Chûji abanou a<<strong>br</strong> />

cabeça de forma negativa.<<strong>br</strong> />

- Está pensando em servir café? Deixe disso. Sirva pinga.<<strong>br</strong> />

Traga pinga.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> soltou um riso. Há muito tempo que não via Chûji<<strong>br</strong> />

tão bem humorado.<<strong>br</strong> />

- É um feliz reencontro, depois de muito tempo. Vamos<<strong>br</strong> />

beber <strong>com</strong> Minoru. É uma casa po<strong>br</strong>e, mas fique à vontade.<<strong>br</strong> />

Vamos passar a noite bebendo, relem<strong>br</strong>ando os velhos tempos.<<strong>br</strong> />

Para Chûji, esta seria uma noite agradável em que poderia<<strong>br</strong> />

beber em <strong>com</strong>panhia de Takuya e também de Minoru.<<strong>br</strong> />

- Por aqui é muito gostoso. Terra <strong>com</strong> muito verde... Aqui,<<strong>br</strong> />

sinto paz no espírito. Acho que não gosto de cidade grande...<<strong>br</strong> />

- Mas você está ajudando na fá<strong>br</strong>ica de seu pai, não é?<<strong>br</strong> />

- Meu irmão mais velho se casou <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira e<<strong>br</strong> />

está trabalhando na fá<strong>br</strong>ica <strong>com</strong> meu pai. Porém, eu não sei<<strong>br</strong> />

lidar <strong>com</strong> máquinas. Fiz curso de agronomia na universidade<<strong>br</strong> />

e me especializei em tecnologia de melhoramento de espécies<<strong>br</strong> />

de verduras e flores. Entretanto não gosto de ficar trancado<<strong>br</strong> />

num laboratório. Meu sonho é cultivar os espécimes que<<strong>br</strong> />

pesquisei numa fazenda. Um dia, quero deixar a casa dos<<strong>br</strong> />

meus pais em São Paulo e procurar terras para plantar. Só<<strong>br</strong> />

que ainda não tenho capital para arrendar terras.<<strong>br</strong> />

- Puxa, e eu pensava que você, Takuya, já estava farto da<<strong>br</strong> />

- 333 -


agricultura, depois de ter sofrido tanto na fazenda de café.<<strong>br</strong> />

Chûji ficou surpreso <strong>com</strong> as idéias de Takuya, que pensava<<strong>br</strong> />

em desenvolver suas próprias terras <strong>com</strong> o dinheiro que<<strong>br</strong> />

pouparia trabalhando em alguma fazenda. Aos olhos de Chûji,<<strong>br</strong> />

a insistência na agricultura era bem vista.<<strong>br</strong> />

- Eu sempre via <strong>Haru</strong> cultivando, <strong>com</strong> dedicação, seus<<strong>br</strong> />

legumes e verduras e aprendi, assim, o prazer de cultivá-los.<<strong>br</strong> />

Então, <strong>com</strong>ecei a pensar em plantar verduras e flores das quais<<strong>br</strong> />

eu gosto...<<strong>br</strong> />

A família Yamashita se dedicara à indústria no Japão.<<strong>br</strong> />

Como emigraram para o Brasil sem nada saber so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

agricultura, Takuya nem pensava, no início, em se dedicar à<<strong>br</strong> />

lavoura. Fora, sem dúvida, influenciado por <strong>Haru</strong> e se sentia<<strong>br</strong> />

mais estimulado ainda ao contemplar o verde da fazenda dos<<strong>br</strong> />

Takakura se estender pelo horizonte.<<strong>br</strong> />

- Invejo os senhores... Ah, <strong>com</strong>o seria bom se pudesse<<strong>br</strong> />

plantar o que se deseja num lugar <strong>com</strong>o este!<<strong>br</strong> />

- Você diz isso porque veio para este lugar depois de<<strong>br</strong> />

muito tempo. Às vezes, as plantas crescem bem, porém, vem<<strong>br</strong> />

a geada ou a chuva de granizos e destrói tudo, ou então, ocorre<<strong>br</strong> />

uma proliferação de pragas, que devasta a plantação... As<<strong>br</strong> />

coisas não correm <strong>com</strong>o planejamos. Mas, <strong>com</strong>o não sabemos<<strong>br</strong> />

fazer outra coisa senão plantar, estamos agarrados a esta<<strong>br</strong> />

terra...<<strong>br</strong> />

Shizu procurou explicar indiretamente que a agricultura<<strong>br</strong> />

era uma atividade muito sacrificada por depender do sol e do<<strong>br</strong> />

clima, mas Chûji parecia estar contente <strong>com</strong> o firme propósito<<strong>br</strong> />

- 334 -


de Takuya.<<strong>br</strong> />

- Mas, se gostou realmente daqui, fique por algum tempo.<<strong>br</strong> />

Aí, você poderá saber se aqui é, realmente, o lugar ideal para<<strong>br</strong> />

concretizar seus sonhos.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />

Takuya ficaria algum tempo na fazenda. <strong>Haru</strong> ouvira a<<strong>br</strong> />

notícia <strong>com</strong> satisfação enquanto preparava as bebidas.<<strong>br</strong> />

Tendo passado 17 anos desde a chegada ao Brasil, Takuya,<<strong>br</strong> />

que à época tinha 14 anos, devia estar <strong>com</strong> 31 anos.<<strong>br</strong> />

Passara a sua adolescência em meio às tormentas. Há<<strong>br</strong> />

quem mude de personalidade, mas Takuya conservara parte<<strong>br</strong> />

do seu jeito de ser daquela época, de tal forma que não dava<<strong>br</strong> />

para sentir o passar dos anos.<<strong>br</strong> />

No dia seguinte, Takuya <strong>com</strong>eçou a trabalhar na colheita<<strong>br</strong> />

de algodão na lavoura da família Takakura. Enquanto<<strong>br</strong> />

trabalhavam, Takuya confidenciou a <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />

- Essas terras são boas, mas se continuar plantando só<<strong>br</strong> />

algodão, ela vai acabar ficando improdutiva. É melhor mudar<<strong>br</strong> />

para outro produto.<<strong>br</strong> />

- Papai teima em continuar a cultivar algodão. Porém, na<<strong>br</strong> />

realidade, ele não sabe o que plantar. Plantando algodão, ele<<strong>br</strong> />

fica sossegado. Acho que não devemos contrariá-lo, enquanto<<strong>br</strong> />

estiver trabalhando <strong>com</strong> saúde.<<strong>br</strong> />

- Assim, vocês nunca poderão voltar para o Japão.<<strong>br</strong> />

- Há muito tempo que já desistimos de voltar.<<strong>br</strong> />

- Mas, sua irmã não está no Japão?<<strong>br</strong> />

- Nunca mais consegui entrar em contato <strong>com</strong> ela... Não<<strong>br</strong> />

- 335 -


sei se ela continua viva ou morreu na guerra... Eu já estou<<strong>br</strong> />

conformada.<<strong>br</strong> />

- Então, você pretende ficar para sempre no Brasil?<<strong>br</strong> />

- Não tem outro jeito, tem?<<strong>br</strong> />

Quando estava na fazenda, <strong>Haru</strong> sempre falava so<strong>br</strong>e<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, preocupada <strong>com</strong> a irmã. Takuya hesitava em falar um<<strong>br</strong> />

assunto <strong>com</strong> <strong>Haru</strong>, que parecia ter desistido do seu desejo de<<strong>br</strong> />

retornar para o Japão a fim de rever <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Achava que você tinha se casado há muito tempo...<<strong>br</strong> />

Surpreendeu-me o fato de você ainda estar solteira.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> sorriu abertamente.<<strong>br</strong> />

- É que não tenho <strong>com</strong> quem me casar... E sua esposa,<<strong>br</strong> />

Takuya...? Está em São Paulo...?<<strong>br</strong> />

-Não tenho esposa...<<strong>br</strong> />

- Você ainda é solteiro...?<<strong>br</strong> />

- Não tenho ninguém. Em São Paulo, não há nenhuma<<strong>br</strong> />

moça japonesa que queira se casar <strong>com</strong> um homem que quer<<strong>br</strong> />

trabalhar na lavoura... Acho que não me casei porque não<<strong>br</strong> />

consegui esquecer você. - disse Takuya, rindo para esconder<<strong>br</strong> />

o embaraço.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também riu para disfarçar.<<strong>br</strong> />

- Não diga bobagens. Vou acabar acreditando, hein?<<strong>br</strong> />

Takuya estava ansioso, querendo saber o que <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

pensava so<strong>br</strong>e aquilo, mas ela saiu rapidamente dali, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

se estivesse fugindo.<<strong>br</strong> />

No chão de tatami do hotel em Hakone, os acolchoados<<strong>br</strong> />

- 336 -


já estavam estendidos para dormir. Yamato já se encontrava<<strong>br</strong> />

num sono profundo. Num quarto contíguo, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

continuavam a conversar, sentadas em frente a uma mesa.<<strong>br</strong> />

- Como? Então, você não se casou <strong>com</strong> esse tal de<<strong>br</strong> />

Takuya?<<strong>br</strong> />

- Naquela época, já tinha desistido de me casar. Tínhamos<<strong>br</strong> />

vontade de voltar para o Japão, mas não sabíamos quando<<strong>br</strong> />

isso poderia acontecer. Acho que papai também já estava meio<<strong>br</strong> />

conformado. Não podia me casar e sair de casa deixando papai<<strong>br</strong> />

naquela situação. Tinha me convencido a passar a vida<<strong>br</strong> />

sozinha, cuidando da plantação junto <strong>com</strong> meus pais. Mesmo<<strong>br</strong> />

que me casasse <strong>com</strong> Takuya, não poderia deixar papai e<<strong>br</strong> />

mamãe sozinhos lá, e também não queria que ele falasse que<<strong>br</strong> />

se casaria <strong>com</strong>igo e que permaneceria lá. Não podia fazer<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> que Takuya ficasse naquele lugar por minha causa...<<strong>br</strong> />

- Mana, você é muito boazinha. Pensa primeiro nos outros<<strong>br</strong> />

para depois pensar em si... Sou justamente o contrário. Eu<<strong>br</strong> />

sempre pensei só em mim mesma. Fui deixada sozinha no<<strong>br</strong> />

Japão, e tive que a<strong>br</strong>ir meu próprio caminho para so<strong>br</strong>eviver...<<strong>br</strong> />

Porém, depois que meu filho nasceu, passei a pensar nele em<<strong>br</strong> />

primeiro lugar, antes de qualquer outra pessoa ou coisa. Eu<<strong>br</strong> />

tinha pena do Teruhiko, uma criança sem pai, pois George<<strong>br</strong> />

havia nos abandonado...<<strong>br</strong> />

Era setem<strong>br</strong>o de 1949 no Japão, pouco antes do episódio<<strong>br</strong> />

do reencontro de <strong>Haru</strong> e Takuya. Havia transcorrido quatro<<strong>br</strong> />

anos após o término da guerra.<<strong>br</strong> />

- 337 -


O filho de <strong>Natsu</strong> e de George se chamava Teruhiko. Era<<strong>br</strong> />

muito amável em seus dois anos. Provavelmente ciente de<<strong>br</strong> />

que a mãe estava ocupada, ficava a <strong>br</strong>incar sozinho no canto<<strong>br</strong> />

da fá<strong>br</strong>ica, o que por si só, já ajudava a mãe.<<strong>br</strong> />

De fato, <strong>Natsu</strong> quase sempre estava ocupada, ora<<strong>br</strong> />

preparando a massa ora tirando os biscoitos do forno. Não<<strong>br</strong> />

tinha tempo para cuidar do filho.<<strong>br</strong> />

Suas colegas, Ritsuko e Aiko, também se dedicavam<<strong>br</strong> />

intensamente ao trabalho, quando chegou Yasuo Yamabe, um<<strong>br</strong> />

rapaz de cerca de 30 anos, cliente antigo da casa.<<strong>br</strong> />

- Bom dia.<<strong>br</strong> />

- Desculpe, sr. Yamabe, a sua en<strong>com</strong>enda ainda não está<<strong>br</strong> />

pronta.<<strong>br</strong> />

Ritsuko olhou-o de relance e voltou ao trabalho. Nem<<strong>br</strong> />

parecia se in<strong>com</strong>odar <strong>com</strong> a presença de Yamabe, que sequer<<strong>br</strong> />

pedira licença para ficar ali. Sua presença já parecia ser uma<<strong>br</strong> />

rotina entre eles.<<strong>br</strong> />

- Vocês me deixaram para depois outra vez, não é?<<strong>br</strong> />

- Temos outros fregueses a atender também, além do<<strong>br</strong> />

senhor. Espere mais um pouco. Aprontaremos sua en<strong>com</strong>enda<<strong>br</strong> />

até a hora do almoço.<<strong>br</strong> />

- Vocês não estão aceitando en<strong>com</strong>endas demais, só<<strong>br</strong> />

porque seus produtos estão famosos?<<strong>br</strong> />

Ouviu-se então a voz frívola de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />

- Se você não estiver contente, não precisa <strong>com</strong>prar. Pode<<strong>br</strong> />

até cancelar a en<strong>com</strong>enda, pois não falta quem queira...<<strong>br</strong> />

- Você sempre apela. Ô, mulher <strong>br</strong>ava... Esperarei o tempo<<strong>br</strong> />

- 338 -


que for preciso. Também tenho muitos fregueses esperando<<strong>br</strong> />

por seus biscoitos.<<strong>br</strong> />

Yamabe foi para junto da criança na ausência do que fazer.<<strong>br</strong> />

- Vou ficar <strong>br</strong>incando <strong>com</strong> o Teruzinho. Teruzinho...<<strong>br</strong> />

Vamos <strong>br</strong>incar juntos, já que fomos colocados de lado.<<strong>br</strong> />

Yamabe levantou Teruhiko, que, por sua vez, se mostrou<<strong>br</strong> />

contente, parecendo já estar acostumado.<<strong>br</strong> />

- Que bom. Quando o senhor vem, o Teruzinho fica<<strong>br</strong> />

contente. - Aiko disse, aliviada.<<strong>br</strong> />

- Po<strong>br</strong>ezinho! Sempre largado sozinho no canto da<<strong>br</strong> />

fá<strong>br</strong>ica...<<strong>br</strong> />

- Não tem problema. Ele está sempre vendo a mãe por<<strong>br</strong> />

perto. Não está solitário.<<strong>br</strong> />

Yamabe desprezou a presença de <strong>Natsu</strong> de propósito,<<strong>br</strong> />

dirigindo-se somente a Teruhiko:<<strong>br</strong> />

- Ela é que pensa, não é? Ela não <strong>com</strong>preende seus<<strong>br</strong> />

sentimentos... Vem, vem <strong>br</strong>incar <strong>com</strong> seu mano.<<strong>br</strong> />

- Sr. Yamabe, o senhor não tem idade para dizer que é<<strong>br</strong> />

irmão do Teruzinho. É titio, e tio velho!<<strong>br</strong> />

- Deixe de ser intrometida. Para o Teruzinho, não importa<<strong>br</strong> />

que eu seja irmão ou tio. Ele quer alguém que lhe dê atenção,<<strong>br</strong> />

não é?<<strong>br</strong> />

Apesar de Aiko estar caçoando de um rapaz <strong>com</strong> seus<<strong>br</strong> />

trinta anos, Yamabe não se importava. Parecia gostar<<strong>br</strong> />

realmente de crianças, apesar da fisionomia de bon vivant.<<strong>br</strong> />

Tocou o telefone. Yasuo percebeu que <strong>Natsu</strong> e as outras<<strong>br</strong> />

estavam ocupadas, e resolveu atender:<<strong>br</strong> />

- 339 -


-Aqui é a Indústria de Doces Hokuô. Sim? Sr. Morikawa?<<strong>br</strong> />

O<strong>br</strong>igado pela preferência. Sim? Sim, entendi. Muito<<strong>br</strong> />

o<strong>br</strong>igado. - atendeu <strong>com</strong> educação, desligando em seguida.<<strong>br</strong> />

- Era um tal de Morikawa... Esse Morikawa não é aquele<<strong>br</strong> />

que, <strong>com</strong>o eu, <strong>com</strong>pra seus produtos em grande quantidade e<<strong>br</strong> />

vende para casas de chá e lojas de venda a varejo? Ele<<strong>br</strong> />

cancelou suas en<strong>com</strong>endas. Disse que vai suspender por uns<<strong>br</strong> />

tempos...<<strong>br</strong> />

- Cancelou?... Ele fechou o seu negócio?<<strong>br</strong> />

- Você não está sabendo de nada? Você conhece a<<strong>br</strong> />

Laticínios Shirakaba, a empresa que cresceu produzindo<<strong>br</strong> />

manteigas e queijos, não é? Pois então, eles <strong>com</strong>eçaram a<<strong>br</strong> />

fa<strong>br</strong>icar biscoitos e bolos também. Como produzem em<<strong>br</strong> />

grande escala, estão vendendo barato. Será que o Morikawa<<strong>br</strong> />

passou a <strong>com</strong>prar deles?<<strong>br</strong> />

- Pensando bem, ultimamente está havendo vários<<strong>br</strong> />

cancelamentos de grandes en<strong>com</strong>endas. Não estava me<<strong>br</strong> />

preocupando muito porque a maioria dos nossos fregueses<<strong>br</strong> />

são particulares... - disse Ritsuko, parecendo lem<strong>br</strong>ar de algo.<<strong>br</strong> />

-Não sei que tipo de biscoitos essa empresa produz, mas<<strong>br</strong> />

o biscoito caseiro que fazemos é <strong>com</strong>pletamente diferente,<<strong>br</strong> />

pois eles produzem em massa.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> tinha confiança nos seus produtos, pois achava que<<strong>br</strong> />

se o sabor fosse <strong>com</strong>parado, os clientes certamente<<strong>br</strong> />

entenderiam...<<strong>br</strong> />

- Isso é verdade. Porém, a vida está se estabilizando aos<<strong>br</strong> />

poucos e o número de concorrentes está aumentando. Acho<<strong>br</strong> />

- 340 -


que chegou o momento em que, para so<strong>br</strong>eviver à situação, é<<strong>br</strong> />

necessário fazer inovações.<<strong>br</strong> />

Tratava-se de uma opinião razoável so<strong>br</strong>e um problema<<strong>br</strong> />

emergente. Tendo sido apontado por Yamabe, <strong>br</strong>otou em<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> uma certa insegurança.<<strong>br</strong> />

Mesmo que tivesse confiança no que estava vendendo,<<strong>br</strong> />

se uma grande empresa quisesse acabar <strong>com</strong> o grupo de <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

ou entrar numa <strong>com</strong>petição, elas não teriam <strong>com</strong>o vencer.<<strong>br</strong> />

O verdadeiro pensamento de <strong>Natsu</strong> era conseguir fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />

biscoitos <strong>com</strong> as suas amigas, de tal forma a satisfazer seus<<strong>br</strong> />

clientes <strong>com</strong> qualidade e assim levar a vida.<<strong>br</strong> />

Yamabe parecia conseguir ler seu pensamento e continuou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> sua argumentação:<<strong>br</strong> />

- Não é o caso de se estar tão tranqüila. Até agora, os<<strong>br</strong> />

biscoitos eram uma raridade, vendiam bem, mesmo a preços<<strong>br</strong> />

altos. Porém, <strong>com</strong> o aumento de concorrentes, a situação<<strong>br</strong> />

mudou. Devem elevar a <strong>com</strong>petitividade, passando, o mais<<strong>br</strong> />

rápido possível, para a produção em massa.<<strong>br</strong> />

- O dinheiro ganho deve ser investido na <strong>com</strong>pra de<<strong>br</strong> />

equipamentos que possibilitem uma produção em massa.<<strong>br</strong> />

- Mas isso estragará a nossa imagem, que é de produto<<strong>br</strong> />

totalmente caseiro. - disse Ritsuko, tentando de alguma forma<<strong>br</strong> />

contra-argumentar no lugar de <strong>Natsu</strong>, que havia se calado.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que sejam produzidos em massa, bastam que<<strong>br</strong> />

sejam biscoitos que pareçam caseiros. Olha, se não adotarem<<strong>br</strong> />

esse novo sistema imediatamente, será tarde, hein?...<<strong>br</strong> />

- 341 -


- Se isso acontecer, os produtos não terão grande saída.<<strong>br</strong> />

Se ficarem à espera dos clientes, eles não aparecerão. Vocês<<strong>br</strong> />

têm que sair em busca de clientes, fazer entregas... Logo,<<strong>br</strong> />

logo, estaremos numa época assim.<<strong>br</strong> />

-Nós não servimos para fazer vendas. - Aiko respondeu,<<strong>br</strong> />

olhando de relance para <strong>Natsu</strong>, que nada dizia.<<strong>br</strong> />

- É lógico. Vocês devem só fa<strong>br</strong>icar. Podem deixar que<<strong>br</strong> />

eu as ajudo nas vendas.<<strong>br</strong> />

- Isso parece mais um sonho...<<strong>br</strong> />

- Eu não tenho nenhum <strong>com</strong>promisso <strong>com</strong> vocês. Se a<<strong>br</strong> />

firma de vocês fechar, eu posso <strong>com</strong>prar de outros e vendêlos<<strong>br</strong> />

às lojas de varejo. Mas não quero que os doces desta casa<<strong>br</strong> />

se acabem. Dá muita pena fechar essa empresa...<<strong>br</strong> />

- Mesmo para o bem deste garoto, quero que vocês<<strong>br</strong> />

tenham sucesso neste mundo. Não é, Teruzinho?<<strong>br</strong> />

Yamabe procurava demonstrar que não tinha segundas<<strong>br</strong> />

intenções ao <strong>br</strong>incar <strong>com</strong> Teruhiko.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> e as amigas moravam num quarto modesto<<strong>br</strong> />

construído nos fundos da fá<strong>br</strong>ica. Ritsuko e Aiko cuidavam<<strong>br</strong> />

também de Teruhiko e pareciam ser uma família.<<strong>br</strong> />

Até para o bem de Teruhiko, que estava em fase de<<strong>br</strong> />

crescimento, era preciso pensar em construir uma casa<<strong>br</strong> />

decente, saindo de uma morada provisória <strong>com</strong>o o atual quarto<<strong>br</strong> />

onde moravam.<<strong>br</strong> />

Já havia poupança para isso e estavam numa época<<strong>br</strong> />

- 342 -


propícia, mas <strong>Natsu</strong> estava sob o efeito do conselho que ouvira<<strong>br</strong> />

de Yamabe durante o dia.<<strong>br</strong> />

- Quero construir uma casa, mas <strong>com</strong>ecei a pensar se<<strong>br</strong> />

não seria melhor ampliar a fá<strong>br</strong>ica primeiro. -<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>eçou<<strong>br</strong> />

a falar, olhando para o rosto de Teruhiko, que já estava<<strong>br</strong> />

adormecido.<<strong>br</strong> />

Contudo, a poupança era o fruto do esforço das três. <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

não poderia tomar qualquer decisão sozinha. Precisava da<<strong>br</strong> />

aquiescência de Ritsuko e Aiko.<<strong>br</strong> />

- Eu também quero continuar <strong>com</strong> este trabalho. Pretendo<<strong>br</strong> />

trabalhar neste ramo por toda a vida... Porém, se ampliarmos<<strong>br</strong> />

a empresa, vamos ter que contratar mais empregados. Não<<strong>br</strong> />

só para fazer doces. Precisaremos, também, de pessoas <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

capacidade de administrar a empresa. Pensando nisso, não<<strong>br</strong> />

sei o que é melhor...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> <strong>com</strong>preendia bem a hesitação de Ritsuko.<<strong>br</strong> />

- Eu acho que o sr. Yamabe é uma pessoa eficiente. Por<<strong>br</strong> />

isso, estou pensando em deixar <strong>com</strong> ele as vendas e a<<strong>br</strong> />

contabilidade da empresa.<<strong>br</strong> />

- Eu não confio totalmente naquele homem. Eu acho que<<strong>br</strong> />

ele está se aproveitando de nós porque sabe que temos<<strong>br</strong> />

dinheiro guardado...<<strong>br</strong> />

- Que ótimo! Eu também estou pensando em aproveitar<<strong>br</strong> />

esse espírito ambicioso dele...<<strong>br</strong> />

- Pode ser que ele esteja querendo fazer a empresa crescer<<strong>br</strong> />

para, depois, tomá-la da gente. Eu acho que ele vai nos passar<<strong>br</strong> />

- 343 -


a perna. - falou Ritsuko, que procurava sempre ser<<strong>br</strong> />

conservadora.<<strong>br</strong> />

- Exatamente por isso, estou achando que posso me casar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />

Ritsuko e Aiko ficaram boquiabertas <strong>com</strong> a declaração<<strong>br</strong> />

repentina de <strong>Natsu</strong>. Diante da surpresa das duas, <strong>Natsu</strong> tirou<<strong>br</strong> />

algumas cartas de dentro da gaveta da cômoda.<<strong>br</strong> />

- Leiam.<<strong>br</strong> />

Ritsuko pegou um dos envelopes e Aiko verificou<<strong>br</strong> />

rapidamente quem era o remetente.<<strong>br</strong> />

- Mas, são do sr. Yamabe!<<strong>br</strong> />

- Está chegando a hora de lhe dar uma resposta.<<strong>br</strong> />

Ritsuko e Aiko leram as cartas, soltando vozes de espanto<<strong>br</strong> />

quase ao mesmo tempo.<<strong>br</strong> />

- São cartas de amor!<<strong>br</strong> />

- O sr. Yamabe gosta de você! Ele está lhe propondo<<strong>br</strong> />

casamento, dizendo que quer ser o pai do Teruzinho.<<strong>br</strong> />

Parecia que Yamabe freqüentava a fá<strong>br</strong>ica de forma<<strong>br</strong> />

desinteressada, mas possuía um sentimento especial pela<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> a ponto de...<<strong>br</strong> />

- Eu acho que ele está interessado na nossa empresa. Mas,<<strong>br</strong> />

tudo bem. Se ele se casar <strong>com</strong>igo e trabalhar <strong>com</strong> afinco,<<strong>br</strong> />

pensando que a empresa é dele, ótimo. E, se, <strong>com</strong> isso, a<<strong>br</strong> />

empresa crescer, melhor ainda. Sendo marido e mulher, não<<strong>br</strong> />

haverá preocupação quanto a perder a empresa ou ele nos<<strong>br</strong> />

passar a perna, pois ela será patrimônio dos dois.<<strong>br</strong> />

- Para você está bem assim, <strong>Natsu</strong>? Se você ama o sr.<<strong>br</strong> />

- 344 -


Yamabe, nós não temos que nos intrometer, mas... - disse<<strong>br</strong> />

Aiko, que parecia não acreditar totalmente, colocando alguns<<strong>br</strong> />

obstáculos.<<strong>br</strong> />

Ritsuko <strong>com</strong>ungava da mesma opinião:<<strong>br</strong> />

- É verdade! Você não deve se casar <strong>com</strong> quem não ama,<<strong>br</strong> />

só por causa da empresa...<<strong>br</strong> />

- Yamabe disse que pode registrar Teruhiko <strong>com</strong>o sendo<<strong>br</strong> />

nosso filho. Se, <strong>com</strong> isso, Teruhiko deixar de ser filho sem<<strong>br</strong> />

pai, para mim pode ser qualquer pessoa. Eu vou me casar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ele.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> vinha, até então, conduzindo as duas <strong>com</strong> a força<<strong>br</strong> />

do seu caráter, mas o assunto de Teruhiko parecia ser o seu<<strong>br</strong> />

ponto fraco.<<strong>br</strong> />

Ritsuko e Aiko conheciam os pormenores da separação<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> George. Vivendo juntas <strong>com</strong>o se fossem parentes,<<strong>br</strong> />

passaram a nutrir um sentimento de amor por Teruhiko, que<<strong>br</strong> />

não conhecera o pai, e ao mesmo tempo, sentiam pena dele.<<strong>br</strong> />

Elas não puderam mais contrariar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Além disso, se Yamabe se esforçar e a empresa crescer,<<strong>br</strong> />

será <strong>com</strong>o matar dois coelhos <strong>com</strong> uma só cajadada. Vocês<<strong>br</strong> />

não concordam?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> parecia conseguir separar bem as coisas.<<strong>br</strong> />

Enquanto Ritsuko e Aiko tentavam se articular, a fim de<<strong>br</strong> />

expressar a insegurança que sentiam, <strong>Natsu</strong> decidiu se casar,<<strong>br</strong> />

parecendo que estava fechando um negócio.<<strong>br</strong> />

- Teruzinho... Você já não é mais uma criança sem pai.<<strong>br</strong> />

Eu não quero que você se sinta rejeitado pela sociedade. -<<strong>br</strong> />

- 345 -


<strong>Natsu</strong> falava <strong>com</strong> ternura para Teruhiko, que dormia<<strong>br</strong> />

inocentemente.<<strong>br</strong> />

A luz do luar refletia no pequeno jardim japonês junto ao<<strong>br</strong> />

quarto do hotel, criando uma atmosfera agradável.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> conversavam sem parar, tendo por trás esta<<strong>br</strong> />

paisagem.<<strong>br</strong> />

- E você se casou mesmo <strong>com</strong> esse tal de Yamabe? Casouse,<<strong>br</strong> />

não? Pois seu so<strong>br</strong>enome é Yamabe. Mas você conseguiu<<strong>br</strong> />

se casar, levando em consideração somente o trabalho e o<<strong>br</strong> />

bem-estar do seu filho?<<strong>br</strong> />

- Yamabe poderia levar a empresa para frente e ser pai de<<strong>br</strong> />

Teruhiko... Só isso já era uma condição ótima. E, ainda que<<strong>br</strong> />

ele estivesse interessado só no nosso dinheiro, não era<<strong>br</strong> />

desagradável receber várias cartas de alguém, dizendo<<strong>br</strong> />

repetidas vezes que me amava.<<strong>br</strong> />

Tendo passado quatro a cinco anos após o término da<<strong>br</strong> />

guerra, a situação alimentar do Japão havia melhorado muito,<<strong>br</strong> />

apesar dos preços ainda serem altos devido à inflação. Era<<strong>br</strong> />

necessário so<strong>br</strong>eviver fa<strong>br</strong>icando biscoitos.<<strong>br</strong> />

Como <strong>Natsu</strong> tinha experiência de sofrer <strong>com</strong> a po<strong>br</strong>eza,<<strong>br</strong> />

não gostaria de fazer <strong>com</strong> que Teruhiko levasse uma vida de<<strong>br</strong> />

privações. Já padecera <strong>com</strong> a experiência que tivera <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

George. Para <strong>Natsu</strong>, os assuntos relacionados ao amor ou<<strong>br</strong> />

paixão, já haviam se tornado secundários.<<strong>br</strong> />

- E você foi feliz no casamento?<<strong>br</strong> />

- Casei-me oficialmente <strong>com</strong> Yamabe e meu nome entrou<<strong>br</strong> />

- 346 -


no seu registro civil. Yamabe também registrou Teruhiko<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o nosso filho...<<strong>br</strong> />

Aproveitando essa oportunidade, Yamabe ampliou a<<strong>br</strong> />

fá<strong>br</strong>ica, equipando-a <strong>com</strong> máquinas para produção em grande<<strong>br</strong> />

escala. Oficialmente, <strong>Natsu</strong> era presidente e Ritsuko e Aiko,<<strong>br</strong> />

diretoras. Porém, as três se dedicavam à fa<strong>br</strong>icação de<<strong>br</strong> />

produtos. Yamabe, que era o diretor de vendas, cuidava da<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ercialização e até da contabilidade, ou seja, era ele quem<<strong>br</strong> />

administrava tudo.<<strong>br</strong> />

- Como Yamabe era ambicioso, dava idéias para tornar<<strong>br</strong> />

nossos produtos mais atraentes, e não media esforços para<<strong>br</strong> />

vender. Criamos um produto que foi denominado "biscoitos<<strong>br</strong> />

da mamãe". Foi um sucesso! Tínhamos até uma variedade<<strong>br</strong> />

de biscoitos dessa série. Meu olho clínico so<strong>br</strong>e Yamabe<<strong>br</strong> />

estava certo.<<strong>br</strong> />

- Acho que não agüentaria um casamento assim. O fato<<strong>br</strong> />

de ter sido deixada sozinha no Japão <strong>com</strong> apenas sete anos,<<strong>br</strong> />

separada da família, foi um acontecimento realmente grave<<strong>br</strong> />

que mudou até o seu caráter.<<strong>br</strong> />

Dentro de <strong>Natsu</strong>, estava sempre presente o ressentimento<<strong>br</strong> />

por não ter podido ir ao Brasil. Tinha que viver sozinha. Por<<strong>br</strong> />

isso, teve que conseguir tudo o que queria <strong>com</strong> as próprias<<strong>br</strong> />

mãos, tornando-se corajosa de forma <strong>com</strong>pulsória.<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>, perdoe-me. Quantas vezes eu me amargurei,<<strong>br</strong> />

arrependida por não ter ficado <strong>com</strong> você no Japão...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> apenas sorriu <strong>com</strong> tristeza.<<strong>br</strong> />

- Nem a promessa de voltar em três anos pude cumprir...<<strong>br</strong> />

- 347 -


Mesmo depois de restabelecidas as relações diplomáticas<<strong>br</strong> />

entre o Brasil e o Japão, não pude vir procurá-la, deixando o<<strong>br</strong> />

papai e a mamãe no Brasil... Perdoe-me, <strong>Natsu</strong>, perdoe-me...<<strong>br</strong> />

- Não diga mais nada. Se vocês não tivessem continuado<<strong>br</strong> />

a trabalhar no Brasil, não poderiam ter so<strong>br</strong>evivido até hoje.<<strong>br</strong> />

- Mesmo que eu tivesse ido ao Brasil, não teria acontecido<<strong>br</strong> />

nada de bom, não é? Iria sofrer <strong>com</strong>o você, que, além de<<strong>br</strong> />

ficar presa aos pais, nem pôde se casar <strong>com</strong> a pessoa de quem<<strong>br</strong> />

gostava...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> se referia ao fato de <strong>Haru</strong> ter respeitado a vontade<<strong>br</strong> />

do pai e desistido de casar <strong>com</strong> Ryuta Nakayama.<<strong>br</strong> />

-Mas...<<strong>br</strong> />

Brotos de primavera floresceram nos olhos de <strong>Haru</strong> que<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ava dos acontecimentos daqueles tempos.<<strong>br</strong> />

A colheita daquele ano na plantação de algodão da família<<strong>br</strong> />

Takakura, situada no interior do estado de São Paulo, havia<<strong>br</strong> />

terminado. Raios fortes de sol cintilavam so<strong>br</strong>e as plantações.<<strong>br</strong> />

Não havia nenhuma som<strong>br</strong>a.<<strong>br</strong> />

Era agosto de 1952, e dois meses tinha se passado desde<<strong>br</strong> />

que Takuya passara a morar <strong>com</strong> a família Takakura.<<strong>br</strong> />

Takuya arava a terra utilizando mulas, juntamente <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Chüji, <strong>Haru</strong> e os diaristas que trabalhavam na fazenda.<<strong>br</strong> />

Takuya ainda não se acostumara no manejo das mulas e<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> vinha ajudar um pouco, mas, envergonhada, saía de<<strong>br</strong> />

perto. Takuya procurava não forçar a situação em relação à<<strong>br</strong> />

- 348 -


<strong>Haru</strong>, mas não conseguia afastar o seu pensamento dela.<<strong>br</strong> />

Nesse dia, Takuya se aproximou de Chûji e Shizu, que<<strong>br</strong> />

lavavam as mãos e os pés depois de um dia de trabalho e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>eçou a falar de forma decidida:<<strong>br</strong> />

- Tendo ficado alguns dias aqui, pude pesquisar o solo e<<strong>br</strong> />

o clima da região, e cheguei à conclusão de que esta é a terra<<strong>br</strong> />

ideal, perfeita, que satisfaz as condições que eu estava<<strong>br</strong> />

buscando. Eu gostaria de cultivar aqui as verduras e as flores<<strong>br</strong> />

que tenho em mente.<<strong>br</strong> />

- Falando francamente, não possuo capital para <strong>com</strong>prar<<strong>br</strong> />

terras. Será que não existe um proprietário que possa arrendar<<strong>br</strong> />

terras para mim?<<strong>br</strong> />

- Você está pensando seriamente em vir morar aqui?<<strong>br</strong> />

- Eu quero apostar meus sonhos nas terras desta região.<<strong>br</strong> />

Os senhores também moram aqui.<<strong>br</strong> />

- Você, um rapaz formado na faculdade, <strong>com</strong> um futuro<<strong>br</strong> />

promissor, vir se enterrar neste interior... Deve haver tantos<<strong>br</strong> />

lugares melhores do que aqui. - Shizu falava, pelo bem de<<strong>br</strong> />

Takuya.<<strong>br</strong> />

- Eu quero plantar diversos produtos nesta terra, porque<<strong>br</strong> />

percebi que aqui se oferecem as melhores condições para o<<strong>br</strong> />

trabalho que desejo desenvolver.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava lavando os utensílios agrícolas usados na<<strong>br</strong> />

cultura de algodão. Ouvia, naturalmente, a conversa entre<<strong>br</strong> />

seus pais e Takuya.<<strong>br</strong> />

- 349 -


- Tenho só um pedido a fazer. Se os senhores permitirem,<<strong>br</strong> />

gostaria de pedir a mão de sua filha <strong>Haru</strong>. Ainda não lhe<<strong>br</strong> />

disse nada, mas quero lhe propor casamento depois de receber<<strong>br</strong> />

a autorização dos senhores.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conseguia conter o palpitar do seu coração e<<strong>br</strong> />

entrou correndo em casa, <strong>com</strong>o se estivesse fugindo de algo.<<strong>br</strong> />

Ao ouvir os seus passos, Chûji seguiu <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Takuya co<strong>br</strong>iu o rosto, sem saber o que fazer.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava ofegante na cozinha, procurando controlar a<<strong>br</strong> />

respiração, quando Chüji se dirigiu a ela, por trás. Havia na<<strong>br</strong> />

sua voz, um carinho nunca percebido até então.<<strong>br</strong> />

- Aceite a proposta.<<strong>br</strong> />

Assustada, <strong>Haru</strong> não conseguia nem responder.<<strong>br</strong> />

- Não é coisa que se decida assim, tão simplesmente. -<<strong>br</strong> />

disse Shizu, tentando considerar a vontade da filha.<<strong>br</strong> />

- Você não percebeu os sentimentos de sua filha? - Chûji<<strong>br</strong> />

reprimiu calmamente Shizu, que estava transtornada e se<<strong>br</strong> />

dirigiu à <strong>Haru</strong>:<<strong>br</strong> />

- Takuya tem o sonho de cultivar os seus produtos aqui.<<strong>br</strong> />

Para você, será uma realização <strong>com</strong>o mulher, estar junto dele<<strong>br</strong> />

e ajudá-lo a concretizar seus sonhos.<<strong>br</strong> />

Takuya entrou na casa de forma cerimoniosa.<<strong>br</strong> />

- Se quiser, use nossas terras. Só que...<<strong>br</strong> />

Apesar de reticente, Chûji resolveu externar algo que<<strong>br</strong> />

gostaria que Takuya considerasse.<<strong>br</strong> />

- 350 -


- A <strong>Haru</strong> é a única sucessora da família Takakura. Se<<strong>br</strong> />

possível, gostaríamos que você adotasse o so<strong>br</strong>enome<<strong>br</strong> />

Takakura e sucedesse à família...<<strong>br</strong> />

- Sim, eu sou o segundo filho da família Yamashita e não<<strong>br</strong> />

faço falta lá. Por isso, se puder ser o seu sucessor... - Takuya<<strong>br</strong> />

resolveu aceitar, <strong>com</strong> firme convicção, o desejo de Chûji.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igado... Passei noites em claro, sem poder<<strong>br</strong> />

dormir, <strong>com</strong> remorso por ter trazido <strong>Haru</strong> para um lugar <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

este somente por nossa conveniência, pensando que ela iria<<strong>br</strong> />

passar a vida aqui, sem ninguém, sozinha... Porém, hoje me<<strong>br</strong> />

sinto aliviado. Depois que eu puder ver a minha filha feliz, a<<strong>br</strong> />

qualquer momento, poderei ir tranqüilo para onde me<<strong>br</strong> />

aguardam Shigeru e Minoru.<<strong>br</strong> />

Chûji se ajoelhou e abaixou o máximo possível sua cabeça<<strong>br</strong> />

para Takuya, confiando-lhe a filha:<<strong>br</strong> />

- Por favor, faça <strong>Haru</strong> feliz.<<strong>br</strong> />

Chûji sempre tivera uma personalidade muito forte e os<<strong>br</strong> />

seus desejos sempre vinham em primeiro lugar. Entretanto,<<strong>br</strong> />

naquele instante, ele demonstrara, <strong>com</strong>o pai, todo o amor e<<strong>br</strong> />

carinho que tinha pela filha.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou o pai, que estava ajoelhado por sua causa,<<strong>br</strong> />

tomada por sentimentos de gratidão e ternura. Chorava<<strong>br</strong> />

copiosamente.<<strong>br</strong> />

Naquela noite, enquanto <strong>Haru</strong> alimentava os suínos, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

sempre, Takuya se aproximou dela e <strong>com</strong>eçou a falar de forma<<strong>br</strong> />

acanhada:<<strong>br</strong> />

- Desde a época da fazenda de café, eu me sentia atraído<<strong>br</strong> />

- 351 -


por você, pois era uma menina valente e interessante. É. Acho<<strong>br</strong> />

que este era o nosso destino.<<strong>br</strong> />

Estava escuro e não se podia enxergar direito a fisionomia<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong>. Sem obter uma resposta de <strong>Haru</strong>, Takuya, que estava<<strong>br</strong> />

tranqüilo <strong>com</strong> a aquiescência de Chûji, <strong>com</strong>eçou a se inquietar.<<strong>br</strong> />

- Na verdade, eu queria pedir você em casamento<<strong>br</strong> />

diretamente. Mas eu estava <strong>com</strong> medo de ser recusado, então,<<strong>br</strong> />

acabei falando <strong>com</strong> seu pai. Se você não quiser aceitar, digame<<strong>br</strong> />

agora.<<strong>br</strong> />

- Eu não queria prender você neste fim de mundo por<<strong>br</strong> />

minha causa. Mas você disse que queria cultivar seu sonho<<strong>br</strong> />

aqui... Se for assim, talvez eu possa ajudar a realizá-lo.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> voltou-se para Takuya <strong>com</strong> o rosto cheio de alegria:<<strong>br</strong> />

- Deixe-me que eu o siga para sempre.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igado, <strong>Haru</strong>...<<strong>br</strong> />

Takuya a<strong>br</strong>açou <strong>Haru</strong> <strong>com</strong> firmeza, tentando traduzir<<strong>br</strong> />

todos os seus sentimentos.<<strong>br</strong> />

Desde a época da fazenda, Takuya, quatro anos mais<<strong>br</strong> />

velho, sempre fora seu confidente e constantemente lhe dera<<strong>br</strong> />

apoio. Guardava uma doce recordação de alguém que nunca<<strong>br</strong> />

mais veria e que, inesperadamente, se tornaria o seu<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>panheiro para o resto da vida.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> curtia a felicidade nos <strong>br</strong>aços de Takuya.<<strong>br</strong> />

- Eu tinha me conformado, achando que, estando naquele<<strong>br</strong> />

local, nunca poderia me casar. Mas, graças a Deus, pude me<<strong>br</strong> />

reencontrar <strong>com</strong> Takuya... Papai e mamãe também ficaram<<strong>br</strong> />

- 352 -


contentes...<<strong>br</strong> />

Finalmente, Chûji conseguira um genro, na <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />

de quem poderia tomar sua pinga.<<strong>br</strong> />

Enquanto <strong>Haru</strong> e seus pais faziam a refeição na <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />

de Takuya, ouviu-se uma voz na entrada da casa.<<strong>br</strong> />

- Com licença.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> foi atender e ali estava Toki Nakayama.<<strong>br</strong> />

Chüji acreditava na vitória do Japão e Kotaro Nakayama,<<strong>br</strong> />

fazia parte do grupo dos que aceitavam a derrota do seu país.<<strong>br</strong> />

O relacionamento entre os dois havia deteriorado e sete anos<<strong>br</strong> />

haviam passado, sem que tivessem reatado a amizade.<<strong>br</strong> />

Kotaro havia se tornado uma figura de destaque naquela<<strong>br</strong> />

vila de japoneses e a família Takakura, que se opunha a eles,<<strong>br</strong> />

estava numa posição de isolamento entre os demais.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me ter vindo de repente... Hoje, eu vim fazer<<strong>br</strong> />

um pedido para o sr. Takakura. Posso ver seu pai?<<strong>br</strong> />

- Sim, entre, por favor.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> queria receber bem Toki, que dedicara muito carinho<<strong>br</strong> />

por ela há um tempo atrás.<<strong>br</strong> />

- É a sra. Nakayama.<<strong>br</strong> />

Chûji levantou-se <strong>br</strong>uscamente, puxando a cadeira. Tentou<<strong>br</strong> />

sair dali, mas naquele momento, Toki já havia entrado,<<strong>br</strong> />

trazendo uma grande trouxa nas mãos.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me não avisar antes.<<strong>br</strong> />

A sua fala era lenta, <strong>com</strong>o de costume, mas a sua ação<<strong>br</strong> />

era rápida.<<strong>br</strong> />

- 353 -


- Papai, a sra. Nakayama veio especialmente para vê-lo.<<strong>br</strong> />

É falta de educação não ouvir o que ela tem a dizer. - <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

falou, num tom de crítica.<<strong>br</strong> />

Chûji acabou ficando ali, resmungando.<<strong>br</strong> />

Toki abaixou a cabeça levemente para Chûji, tendo em<<strong>br</strong> />

vista os acontecimentos do passado.<<strong>br</strong> />

- Eu vim aqui, pois tenho um favor a lhe pedir - Toki<<strong>br</strong> />

falou de forma educada.<<strong>br</strong> />

Shizu fez uma profunda reverência <strong>com</strong> a cabeça. Por<<strong>br</strong> />

ela, havia muito a agradecer a Toki e aos mem<strong>br</strong>os da família<<strong>br</strong> />

Nakayama, não havendo razões para qualquer rancor ou<<strong>br</strong> />

ressentimento.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-nos por ter nos afastado por uma coisa à toa,<<strong>br</strong> />

depois de tudo o que fizeram por nós...<<strong>br</strong> />

- Coisa à toa? A vitória ou a derrota do Japão é muito<<strong>br</strong> />

importante para nós, japoneses, que vivemos no Brasil! -<<strong>br</strong> />

disse Chûji, <strong>com</strong>eçando tudo de novo.<<strong>br</strong> />

- Querido! - Shizu chamou a atenção do marido, o que<<strong>br</strong> />

raramente fazia, voltando-se para Toki:<<strong>br</strong> />

- Por favor, diga-nos o que a traz aqui. Não sei se<<strong>br</strong> />

poderemos ser úteis...<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong> vai se casar, não é? Por acaso é <strong>com</strong> esse rapaz...?<<strong>br</strong> />

Takuya estava pálido na cadeira, diante da atmosfera<<strong>br</strong> />

pesada, mas levantou-se, dizendo, ante o olhar terno de Toki:<<strong>br</strong> />

- Sou Takuya Yamashita.<<strong>br</strong> />

- Meus parabéns, senhor. Parece ser um ótimo rapaz...<<strong>br</strong> />

Que ótimo! Quando será a cerimônia...?<<strong>br</strong> />

- 354 -


Toki moveu o olhar de Takuya para Chûji e depois para<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

- Não temos intenção de fazer festa...<<strong>br</strong> />

- Pois, faça uma festa, por favor. Todos os moradores da<<strong>br</strong> />

vila ficarão felizes <strong>com</strong> o acontecimento. A maioria dos jovens<<strong>br</strong> />

está indo morar em cidades grandes. Por isso, estamos<<strong>br</strong> />

ansiosos para poder assistir, depois de muito tempo, a um<<strong>br</strong> />

casamento no estilo japonês. Você já en<strong>com</strong>endou o traje de<<strong>br</strong> />

noiva?<<strong>br</strong> />

-Como?... Ah não...<<strong>br</strong> />

Não passara pela sua cabeça um luxo <strong>com</strong>o um vestido<<strong>br</strong> />

de noiva...<<strong>br</strong> />

- Bem, quando eu vim do Japão para me casar <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

meu marido, eu atravessei oceanos trazendo um conjunto<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pleto de traje de noiva. E o guardei, durante todo este<<strong>br</strong> />

tempo, <strong>com</strong> o maior carinho. Eu queria que a noiva de Ryuta<<strong>br</strong> />

usasse o traje no seu casamento.<<strong>br</strong> />

Um sentimento de perplexidade percorreu o corpo inteiro<<strong>br</strong> />

de <strong>Haru</strong>, que havia sido enamorada de Ryuta.<<strong>br</strong> />

- Porém, Ryuta acabou se casando <strong>com</strong> uma <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />

Então, achei que pelo menos Sachi poderia vesti-lo, mas ela<<strong>br</strong> />

saiu de casa para trabalhar em São Paulo, e, de repente, acabou<<strong>br</strong> />

se casando <strong>com</strong> um americano que trabalhava na mesma<<strong>br</strong> />

empresa, sem nem mesmo pedir nosso consentimento. Não<<strong>br</strong> />

fizeram nem uma cerimônia... Por isso, não pude fazer Sachi<<strong>br</strong> />

usá-lo. Então, pensei <strong>com</strong>o seria bom se você o vestisse...<<strong>br</strong> />

- 355 -


Toki desamarrou a trouxa, e então apareceu um belo<<strong>br</strong> />

vestido de noiva japonês <strong>com</strong> bordados de motivos clássicos.<<strong>br</strong> />

- É este o traje. Se você puder usá-lo, terei certeza de que<<strong>br</strong> />

valeu a pena tê-lo guardado <strong>com</strong> tanto carinho até agora. Será<<strong>br</strong> />

que você não poderia se casar <strong>com</strong> este traje?<<strong>br</strong> />

- É uma coisa muito valiosa... Não estou à altura para<<strong>br</strong> />

usá-lo...- <strong>Haru</strong> se recusou prontamente, impressionada pelo<<strong>br</strong> />

luxo do vestido.<<strong>br</strong> />

Chûji lançou um olhar de relance diversas vezes so<strong>br</strong>e o<<strong>br</strong> />

vestido, mas tinha no rosto uma expressão de quem nada<<strong>br</strong> />

queria.<<strong>br</strong> />

- Sei que eu estou forçando-a a realizar um capricho meu,<<strong>br</strong> />

mas gostaria muito que você, <strong>Haru</strong>, o usasse... Gostaria de<<strong>br</strong> />

vê-la <strong>com</strong> este traje de noiva. - Toki argumentou <strong>com</strong> todo o<<strong>br</strong> />

afinco.<<strong>br</strong> />

Se o vestido envelhecesse pela falta de uso, o desejo de<<strong>br</strong> />

Toki, que viera do Japão para se casar, carregando o vestido<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> tanto carinho, seria frustrado. O que se passava no âmago<<strong>br</strong> />

de Toki não era a simples questão de usar o vestido de noiva.<<strong>br</strong> />

Na realidade, o assunto evocava sentimentos <strong>com</strong>plexos,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o fato de ser uma mulher japonesa, a solidão que<<strong>br</strong> />

enfrentava após ter os filhos já criados e longe dos seus<<strong>br</strong> />

cuidados.<<strong>br</strong> />

Shizu teve a impressão de que podia entender o sentimento<<strong>br</strong> />

de Toki. É claro que também gostaria de ver <strong>Haru</strong> usando o<<strong>br</strong> />

vestido.<<strong>br</strong> />

- 356 -


- Querido... - Shizu chamou o marido, que, saindo da<<strong>br</strong> />

sala, concordou <strong>com</strong> a cabeça, apesar da expressão rabugenta.<<strong>br</strong> />

Chûji nem acabou de sair e a atmosfera se transformou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente, <strong>com</strong>o se uma <strong>br</strong>isa fresca tivesse soprado na<<strong>br</strong> />

sala. O ambiente se tornara alegre e o rosto de <strong>Haru</strong> se<<strong>br</strong> />

iluminou. Shizu e Toki estavam tão contentes que pareciam<<strong>br</strong> />

ter voltado à infância, fazendo <strong>Haru</strong> experimentar o vestido.<<strong>br</strong> />

Takuya também demonstrava <strong>com</strong> sinceridade sua alegria.<<strong>br</strong> />

- Por ter aceitado usar o traje, o sr. Nakayama e sua esposa<<strong>br</strong> />

acabaram sendo os padrinhos do nosso casamento. Eles nos<<strong>br</strong> />

prepararam a festa e, graças a isso, os moradores da vila<<strong>br</strong> />

puderam participar.<<strong>br</strong> />

O casamento fora cele<strong>br</strong>ado um mês após Takuya ter<<strong>br</strong> />

pedido a mão de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Toki vestiu a noiva e também fez o arranjo do seu cabelo.<<strong>br</strong> />

Quando <strong>Haru</strong>, vestida de noiva, e Takuya, <strong>com</strong> seu traje<<strong>br</strong> />

de noivo, saíram, a multidão que se aglomerava na frente da<<strong>br</strong> />

casa soltava gritos de exclamação.<<strong>br</strong> />

A figura principal fora, naturalmente, <strong>Haru</strong>, que parecia<<strong>br</strong> />

uma verdadeira boneca japonesa.<<strong>br</strong> />

Um homem deixou o grupo de convidados e se<<strong>br</strong> />

aproximou. Era Ryuta.<<strong>br</strong> />

- Parabéns, <strong>Haru</strong>. Está muito bonita.<<strong>br</strong> />

Ryuta estendeu a mão para Takuya, sem hesitação.<<strong>br</strong> />

- Meus parabéns.<<strong>br</strong> />

- 357 -


Takuya apertou firme a mão de Ryuta.<<strong>br</strong> />

Não importava o que havia se passado entre <strong>Haru</strong> e Ryuta.<<strong>br</strong> />

Hoje, cada um trilhava caminhos diferentes. Era por isso que<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> conseguira se unir a Takuya. Se aquilo pudesse ser<<strong>br</strong> />

chamado de o<strong>br</strong>a do destino, Takuya gostaria sinceramente<<strong>br</strong> />

de agradecê-lo.<<strong>br</strong> />

Ryuta cumprimentou também Chûji e Shizu, que saíram<<strong>br</strong> />

logo atrás.<<strong>br</strong> />

- Parabéns pelo dia de hoje.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igado.<<strong>br</strong> />

Agradecendo <strong>com</strong> sinceridade, Chûji apertou firmemente<<strong>br</strong> />

a mão de Ryuta.<<strong>br</strong> />

Enquanto a emoção não passava, chegou um caminhão,<<strong>br</strong> />

de onde desceram Heizo Yamashita e sua esposa Mitsu, pais<<strong>br</strong> />

de Takuya. A fisionomia de Chûji se transfigurou, não sabendo<<strong>br</strong> />

se ria ou chorava.<<strong>br</strong> />

Era o reencontro, desde o momento da fuga da fazenda,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> Heizo, amigo <strong>com</strong> quem havia <strong>com</strong>partilhado todas as<<strong>br</strong> />

agruras desde a viagem no navio de emigração.<<strong>br</strong> />

Enquanto um caminhava em direção ao outro, Chûji já<<strong>br</strong> />

assoava o nariz.<<strong>br</strong> />

Eles externaram os seus sentimentos de emoção por meio<<strong>br</strong> />

de um forte a<strong>br</strong>aço, chorando pelo fato de estarem vivos e<<strong>br</strong> />

acima de tudo, porque a partir de agora, passariam a ter<<strong>br</strong> />

relações de parentesco.<<strong>br</strong> />

No banquete que se realizara no salão do kaikan, a<<strong>br</strong> />

Associação de Japoneses e seus descendentes, <strong>Haru</strong> e Takuya<<strong>br</strong> />

- 358 -


eceberam calorosos cumprimentos por parte dos moradores<<strong>br</strong> />

da vila. Todos bebiam contentes, serviam bebidas uns aos<<strong>br</strong> />

outros, conversando alegremente so<strong>br</strong>e assuntos diversos.<<strong>br</strong> />

De repente, ouviu-se a voz de choro de Chûji, que se<<strong>br</strong> />

aproximou em prantos de Kotaro.<<strong>br</strong> />

Fez-se um silêncio absoluto no salão.<<strong>br</strong> />

Quase todos ali presentes tinham conhecimento das<<strong>br</strong> />

intrigas havidas entre Chûji e Kotaro. Todos engoliram seco,<<strong>br</strong> />

olhando para Chûji. A fisionomia de Kotaro também se<<strong>br</strong> />

tornara tensa.<<strong>br</strong> />

Chûji estendeu os dois <strong>br</strong>aços e pegou a mão de Kotaro.<<strong>br</strong> />

- Sr. Nakayama.... Meu sonho era fazer <strong>Haru</strong> se casar<<strong>br</strong> />

vestida <strong>com</strong> traje de noiva do Japão. Então, aceitei a gentileza<<strong>br</strong> />

de sua senhora. Pude ver <strong>Haru</strong> trajando um vestido de noiva...<<strong>br</strong> />

Posso morrer tranqüilo. Muito o<strong>br</strong>igado!<<strong>br</strong> />

Chûji abaixou a cabeça <strong>com</strong> profundidade e a sua voz<<strong>br</strong> />

estava embargada de emoção. Finalmente, Chûji havia cedido,<<strong>br</strong> />

depois de tanto egoísmo.<<strong>br</strong> />

Kotaro colocou a outra mão so<strong>br</strong>e a que estava nas mãos<<strong>br</strong> />

de Chûji, aceitando os seus sentimentos, dizendo para os<<strong>br</strong> />

demais convidados:<<strong>br</strong> />

- Vamos cantar o Hino de Despedida aos Patrícios que<<strong>br</strong> />

Emigram para o Brasil!<<strong>br</strong> />

- Sim. Vamos! - aquiesceu Ryuta prontamente.<<strong>br</strong> />

Todos ali presentes eram imigrantes e seus familiares,<<strong>br</strong> />

que tinham atravessado os oceanos, vindos do Japão, e<<strong>br</strong> />

passado por diversas dificuldades.<<strong>br</strong> />

- 359 -


Ao ouvir aquela canção, <strong>Haru</strong> sentiu que a ternura<<strong>br</strong> />

inundava seu coração. Todos os sacrifícios, tristezas e outros<<strong>br</strong> />

sofrimentos haviam sido <strong>com</strong>pensados. A alegria de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

era tal que queria agradecer a todos os seres vivos do universo.<<strong>br</strong> />

- O nosso casamento foi o marco do desaparecimento<<strong>br</strong> />

das intrigas entre os que acreditavam na vitória ou na derrota<<strong>br</strong> />

do Japão. Não havia felicidade maior. Pude esquecer todos<<strong>br</strong> />

os sofrimentos pelos quais havia passado. De repente, papai<<strong>br</strong> />

também ficou bonzinho e tratou bem Takuya. Todos os dias<<strong>br</strong> />

eram de paz e felicidade.<<strong>br</strong> />

Já era tarde em Hakone, mas <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> continuavam<<strong>br</strong> />

a conversar, esquecidas das horas de sono.<<strong>br</strong> />

Enquanto <strong>Haru</strong> relatava os dias que vivera <strong>com</strong> Takuya,<<strong>br</strong> />

podia-se ver emergir em seu rosto a felicidade de outrora.<<strong>br</strong> />

- Logo depois, nasceu o nosso primeiro filho, Tatsuo e,<<strong>br</strong> />

três anos depois, o segundo filho, Kunio... Takuya aumentou<<strong>br</strong> />

a área de plantio, plantando novas espécies de verduras e<<strong>br</strong> />

frutas... Papai e mamãe se derreteram <strong>com</strong> os dois netos. Sem<<strong>br</strong> />

que eu percebesse, estava cuidando da família toda, no lugar<<strong>br</strong> />

deles. Nem tive mais tempo de pensar em voltar para o Japão...<<strong>br</strong> />

Com o casamento, tanto <strong>Haru</strong> quanto <strong>Natsu</strong> tinham que<<strong>br</strong> />

se dedicar ao trabalho e aos afazeres do lar.<<strong>br</strong> />

Porém, enquanto Takuya, marido de <strong>Haru</strong> tinha uma<<strong>br</strong> />

personalidade sincera, Yamabe, o marido de <strong>Natsu</strong>, por ser<<strong>br</strong> />

ativo e talentoso, vivia cercado de mulheres.<<strong>br</strong> />

- 360 -


Apesar de <strong>Natsu</strong> e Yamabe terem casado por interesse,<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficava <strong>com</strong> ciúmes quando desco<strong>br</strong>ia que Yamabe a<<strong>br</strong> />

traía <strong>com</strong> outras. Enquanto só pensava em aumentar os<<strong>br</strong> />

negócios, estava muito claro que, se Yamabe a abandonasse,<<strong>br</strong> />

podia vir a perder tudo.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> pensou, então, que se tivesse um filho de Yamabe,<<strong>br</strong> />

poderia evitar que ele a abandonasse... Logo teve um filho<<strong>br</strong> />

que tinha seu sangue e que passou a constar no registro civil<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o o segundo filho da família Yamabe.<<strong>br</strong> />

- Ele se chama Kimihiko... Foi duro criar dois filhos e,<<strong>br</strong> />

ao mesmo tempo, me dedicar ao trabalho. Mas, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

trabalhávamos, acabamos deixando nossos filhos a cargo de<<strong>br</strong> />

outras pessoas... Isso me fazia ficar <strong>com</strong> dó dos meninos e,<<strong>br</strong> />

assim, acabei mimando-os demais. Naturalmente, <strong>com</strong> tudo<<strong>br</strong> />

isso, eles não se tornaram bons adultos. Na realidade, deram<<strong>br</strong> />

muito trabalho... Agora sei que tudo isso é responsabilidade<<strong>br</strong> />

minha, <strong>com</strong>o mãe...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, entretanto, não possuía um coração de aço e ainda<<strong>br</strong> />

que a razão falasse alto, acabara por mimá-los. Hoje estava<<strong>br</strong> />

arrependida pela constante repetição do ciclo vicioso.<<strong>br</strong> />

- Por mais que nos dediquemos, os filhos nunca crescem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o os pais querem...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> também tivera dois filhos e a vida era difícil, pois<<strong>br</strong> />

tinha que cuidar da lavoura e da casa. Se desejasse a perfeição,<<strong>br</strong> />

não haveria fim. <strong>Haru</strong> também passara por ocasiões em que<<strong>br</strong> />

tivera de se conformar. Sentia-se, porém, muito agradecida<<strong>br</strong> />

por seus pais, Chûji e Shizu, terem resolvido ajudá-la na<<strong>br</strong> />

- 361 -


criação dos netos <strong>com</strong> muito amor e carinho.<<strong>br</strong> />

- Enquanto o papai estava vivo, ele dizia que iria criar os<<strong>br</strong> />

meninos à moda japonesa, e nesse ponto era muito rigoroso.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> tinha saudade do pai, que até o último momento se<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>portara <strong>com</strong>o um típico japonês.<<strong>br</strong> />

- Não posso me esquecer daquele dia.<<strong>br</strong> />

Era primavera de 1959.<<strong>br</strong> />

Num canto da Flora Takakura, encontrava-se uma grande<<strong>br</strong> />

flor de crisântemo, símbolo e flor nacional do Japão.<<strong>br</strong> />

Chüji e os dois netos contemplavam o maravilhoso<<strong>br</strong> />

crisântemo em flor. O filho primogênito de <strong>Haru</strong>, Tatsuo, já<<strong>br</strong> />

tinha seis anos e Kunio, o segundo filho, futuro pai de Yamato,<<strong>br</strong> />

tinha quatro anos.<<strong>br</strong> />

- Veja! Os crisântemos não estão lindos? - disse <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

que viera correndo da plantação de algodão para poder<<strong>br</strong> />

vangloriar o trabalho de Takuya para Chûji.<<strong>br</strong> />

- É mesmo! Que saudades! Nunca imaginei que pudesse<<strong>br</strong> />

ver crisântemos no Brasil. São, realmente, as flores que<<strong>br</strong> />

representam o Japão.<<strong>br</strong> />

- Ainda há poucas pessoas que plantam crisântemos no<<strong>br</strong> />

Brasil, não é mesmo? Tudo isto é resultado do esforço de<<strong>br</strong> />

Takuya. Diziam que era difícil cultivar crisântemos no interior<<strong>br</strong> />

do país, mas Takuya quis plantá-los de todo jeito. Ele havia<<strong>br</strong> />

pesquisado so<strong>br</strong>e isso na universidade. São crisântemos<<strong>br</strong> />

florescidos no Brasil.<<strong>br</strong> />

- Takuya é um rapaz fabuloso...<<strong>br</strong> />

- 362 -


- Obtendo êxito nessa cultura, ele quer plantar<<strong>br</strong> />

crisântemos em grande escala e colocá-los no mercado. Esse<<strong>br</strong> />

é o sonho de Takuya.<<strong>br</strong> />

Naquele momento, Takuya estava arando <strong>com</strong> o trator,<<strong>br</strong> />

um terreno baldio situado num ponto distante da fazenda.<<strong>br</strong> />

Quando o terreno estivesse preparado, ele pretendia se dedicar<<strong>br</strong> />

à cultura do crisântemo.<<strong>br</strong> />

- Ainda que o cultivo de crisântemos dê certo, o que ele<<strong>br</strong> />

pretende, num interior <strong>com</strong>o esse, onde só há um punhado de<<strong>br</strong> />

japoneses? Brasileiros não <strong>com</strong>prarão crisântemos. Há tantas<<strong>br</strong> />

outras flores bonitas!<<strong>br</strong> />

Numa terra abençoada por um clima privilegiado, as flores<<strong>br</strong> />

tinham uma beleza exuberante, pois refletiam o sol tropical.<<strong>br</strong> />

Porém, não se sabia se os <strong>br</strong>asileiros <strong>com</strong>prariam crisântemos,<<strong>br</strong> />

flores aparentemente pouco vistosas.<<strong>br</strong> />

Pessoalmente, <strong>com</strong>o japonês, Chûji nutria um sentimento<<strong>br</strong> />

especial por crisântemos. Os esforços de Takuya eram dignos<<strong>br</strong> />

de elogios. Não se podia dizer, contudo, que a plantação de<<strong>br</strong> />

crisântemos era um sucesso, se não fosse <strong>com</strong>ercializada.<<strong>br</strong> />

- Eu também penso dessa forma. Mas Takuya quer que<<strong>br</strong> />

os <strong>br</strong>asileiros também amem essa flor do Japão e que a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>prem. Está cultivando frutas e verduras diferentes, que<<strong>br</strong> />

estão sendo bem aceitas no mercado.Por isso, deixe ele fazer<<strong>br</strong> />

o que quiser.<<strong>br</strong> />

Os sonhos de Takuya eram os sonhos de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Voltando seus pensamentos para o período da infância,<<strong>br</strong> />

em que viajava no navio de emigração, <strong>Haru</strong> chegava a ter<<strong>br</strong> />

- 363 -


inveja de Takuya, que sempre tivera muitos sonhos.<<strong>br</strong> />

- É verdade. Ele é um ótimo marido para você. Por isso,<<strong>br</strong> />

não pretendo dar palpites. O crisântemo é a flor-símbolo do<<strong>br</strong> />

Japão e dos japoneses. Tomara que os <strong>br</strong>asileiros gostem e<<strong>br</strong> />

que elas façam sucesso aqui.<<strong>br</strong> />

O futuro da família Takakura estava nas mãos de Takuya.<<strong>br</strong> />

Chûji evitava se intrometer.<<strong>br</strong> />

Ainda não fazia muito tempo que a floricultura passara a<<strong>br</strong> />

ser economicamente viável. Começara a partir do final da<<strong>br</strong> />

década de 1950 e se propagara rapidamente entre os japoneses,<<strong>br</strong> />

principalmente entre a geração relativamente jovem,<<strong>br</strong> />

progredindo até se transformar no núcleo de produção de<<strong>br</strong> />

flores no Brasil.<<strong>br</strong> />

Os japoneses, que imigraram para o Brasil nos últimos<<strong>br</strong> />

100 anos, desenvolveram diversos tipos de produtos agrícolas.<<strong>br</strong> />

Incluindo os que tiveram as espécies melhoradas, os produtos<<strong>br</strong> />

que se tornaram as forças motrizes da diversificação de<<strong>br</strong> />

produtos foram a batata, o tomate, o repolho, a acelga, o caqui,<<strong>br</strong> />

a ameixa, o chá, a juta, a pimenta do reino, e mais<<strong>br</strong> />

recentemente, a pêra, dentre outros.<<strong>br</strong> />

Desde o <strong>com</strong>eço, a forma de conduzir a agricultura no<<strong>br</strong> />

Brasil e no Japão era <strong>com</strong>pletamente diferente. O Brasil era<<strong>br</strong> />

um país que possuía dimensões continentais e a agricultura<<strong>br</strong> />

se desenvolvia <strong>com</strong> a derrubada de mata virgem. Quando o<<strong>br</strong> />

nutriente natural da terra se esgotava, mudava-se o local do<<strong>br</strong> />

plantio, desmatando-se as árvores e assim por diante.<<strong>br</strong> />

Os japoneses adubavam terras <strong>com</strong> pequenas dimensões<<strong>br</strong> />

- 364 -


e a sua agricultura era desenvolvida <strong>com</strong> a utilização de<<strong>br</strong> />

tecnologia concentrada. Os imigrantes que trabalharam<<strong>br</strong> />

exaustivamente <strong>com</strong>o colonos, depois que conseguiram as<<strong>br</strong> />

suas próprias terras, ainda que de pequenas dimensões, faziam<<strong>br</strong> />

uso da tecnologia agrícola que haviam trazido do Japão,<<strong>br</strong> />

aumentando, de forma concreta, tanto a produtividade <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

a lucratividade em suas propriedades.<<strong>br</strong> />

A metodologia da agricultura japonesa, utilizada<<strong>br</strong> />

inicialmente apenas para a cultura de subsistência, trouxera<<strong>br</strong> />

um novo sopro de tecnologia ao Brasil.<<strong>br</strong> />

A floricultura <strong>com</strong>eçara <strong>com</strong>o atividade secundária da<<strong>br</strong> />

lavoura em meados da década de 1950 e foi, aos poucos,<<strong>br</strong> />

transformada em atividade principal.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou os dois filhos no meio da plantação de<<strong>br</strong> />

crisântemos e disse:<<strong>br</strong> />

- Essas flores são representativas do Japão. O pai de vocês<<strong>br</strong> />

conseguiu fazê-las florescer depois de muito esforço. Ele é<<strong>br</strong> />

formidável, não é?<<strong>br</strong> />

- Eu prefiro as flores do Brasil. Têm muitas flores grandes<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> cores bonitas e um perfume muito bom...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conteve o riso. Tatsuo não estava nada<<strong>br</strong> />

preocupado <strong>com</strong> as aspirações dos adultos.<<strong>br</strong> />

- Não diga essas coisas para o papai. Ele vai ficar<<strong>br</strong> />

chateado...<<strong>br</strong> />

- Crianças são sinceras. - disse Chûji, sorrindo<<strong>br</strong> />

amargamente.<<strong>br</strong> />

Seus cabelos <strong>br</strong>ancos estavam ficando cada vez mais ralos<<strong>br</strong> />

- 365 -


e as costas cada vez mais curvadas. Chûji já não conseguia<<strong>br</strong> />

vencer os netos.<<strong>br</strong> />

- Mamãe, volte cedo hoje. - falou Tatsuo, de forma<<strong>br</strong> />

mimada.<<strong>br</strong> />

Estava prevista uma sessão de cinema naquela noite.<<strong>br</strong> />

- Antigamente, nós não tínhamos a oportunidade de<<strong>br</strong> />

assistir filmes japoneses. Agora, o tráfego entre o Brasil e o<<strong>br</strong> />

Japão se tornou livre, e estão trazendo muitos filmes.<<strong>br</strong> />

Realmente, os tempos melhoraram.<<strong>br</strong> />

- É verdade. Agora é possível ir ao Japão de avião em<<strong>br</strong> />

uns cinco dias. Vamos voltar para lá um dia, não é mesmo?<<strong>br</strong> />

Já fazia mais de 10 anos que a guerra terminara. O correio<<strong>br</strong> />

esteve paralisado durante a guerra, mas, embora a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>unicação tivesse se tornado mais freqüente, não pudera<<strong>br</strong> />

entrar em contato <strong>com</strong> <strong>Natsu</strong> e nem <strong>com</strong> a família dos tios,<<strong>br</strong> />

que aparentemente estariam ainda cuidando dela. Gostaria<<strong>br</strong> />

que pelo menos Chûji e Shizu pudessem voltar para o Japão<<strong>br</strong> />

enquanto estivessem vivos. Queria, também, saber do<<strong>br</strong> />

paradeiro de <strong>Natsu</strong>. Estes eram os desejos mais profundos de<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Naquela noite, o local a céu aberto onde haveria a projeção<<strong>br</strong> />

do filme, estava repleto de japoneses e seus familiares. A<<strong>br</strong> />

família de Kotaro Nakayama, Toki, Ryuta e os filhos também<<strong>br</strong> />

estavam presentes.<<strong>br</strong> />

A projeção se iniciou <strong>com</strong> as notícias do Japão: eram<<strong>br</strong> />

cenas do casamento do então Príncipe Herdeiro.<<strong>br</strong> />

- 366 -


- A exibição de filmes em diversos locais do interior do<<strong>br</strong> />

Brasil era um acontecimento esperado por todos <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

ansiedade. Naquela noite, acho que estavam presentes todos<<strong>br</strong> />

os moradores japoneses da vila. A primeira cena do noticiário<<strong>br</strong> />

foi a da suntuosa parada nupcial do então Príncipe Herdeiro<<strong>br</strong> />

e da Princesa Michiko. Levei o maior susto. Para nós, o<<strong>br</strong> />

Imperador era um deus e acreditávamos que ele nunca<<strong>br</strong> />

apareceria perante seus súditos. No entanto, o Príncipe<<strong>br</strong> />

Herdeiro estava sorridente, desfilando numa carruagem<<strong>br</strong> />

aberta, acenando para o povo que enchia as ruas. Fiquei<<strong>br</strong> />

abismada vendo as cenas. Não conseguia entender o que tinha<<strong>br</strong> />

acontecido <strong>com</strong> o Japão. Papai, então, nem se fala...<<strong>br</strong> />

Um homem aplaudia de pé o acontecimento feliz da<<strong>br</strong> />

família imperial. Era Chüji. Algumas pessoas que estavam<<strong>br</strong> />

no local, também se levantaram e <strong>com</strong>eçaram a aplaudir,<<strong>br</strong> />

emocionados, juntando-se a ele.<<strong>br</strong> />

Podia-se ver, assim, <strong>com</strong>o era importante a presença do<<strong>br</strong> />

Imperador <strong>com</strong>o um pilar espiritual para os primeiros<<strong>br</strong> />

imigrantes.<<strong>br</strong> />

Depois da projeção, Chûji aceitou o convite para passar<<strong>br</strong> />

pela casa dos Nakayama e <strong>com</strong>eçou a beber <strong>com</strong> Kotaro.<<strong>br</strong> />

- Sr. Nakayama, o Japão venceu mesmo a Grande Guerra,<<strong>br</strong> />

tal <strong>com</strong>o eu pensava. Claro, alguns locais foram destruídos<<strong>br</strong> />

pelos bombardeios americanos. Também houve as<<strong>br</strong> />

devastações causadas pelas bombas atômicas. Mas acho que,<<strong>br</strong> />

no final, o Japão saiu vitorioso graças à sua persistência.<<strong>br</strong> />

- 367 -


Senão, a família imperial teria sido dizimada. O noticiário<<strong>br</strong> />

do casamento do Príncipe, que assistimos hoje, é uma prova<<strong>br</strong> />

disso. E as milhares e milhares de bandeiras japonesas<<strong>br</strong> />

tremulando nas mãos das pessoas que foram <strong>com</strong>emorar o<<strong>br</strong> />

casamento nas ruas? Se o Japão tivesse perdido a guerra, não<<strong>br</strong> />

seria possível ficar agitando a bandeira nacional daquela<<strong>br</strong> />

forma. Hoje foi uma noite maravilhosa. Pude confirmar que<<strong>br</strong> />

o Japão ganhou a guerra. O senhor também admite, não é?<<strong>br</strong> />

- Bem, de qualquer maneira, passaram-se quatorze anos<<strong>br</strong> />

desde que terminou a guerra, e o Japão ressurgiu<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente das cinzas. Com o noticiário de hoje, deu para<<strong>br</strong> />

ver a recuperação do país. Não há felicidade maior. O japonês<<strong>br</strong> />

é um povo maravilhoso. Podemos nos orgulhar por sermos<<strong>br</strong> />

japoneses. Viva os japoneses! - esquivou-se sutilmente<<strong>br</strong> />

Kotaro, sorrindo.<<strong>br</strong> />

- Puxa vida! Que alegria! Até que enfim você me<<strong>br</strong> />

entendeu. Foi ótimo ter nascido japonês. Saúde para o Japão!<<strong>br</strong> />

Saúde para os japoneses!<<strong>br</strong> />

Chûji <strong>br</strong>indou <strong>com</strong> Kotaro e bebeu num gole só. Era uma<<strong>br</strong> />

felicidade singela, mas ele parecia estar desfrutando da<<strong>br</strong> />

primavera de sua existência.<<strong>br</strong> />

Chûji bebeu muito e se em<strong>br</strong>iagou a ponto de não poder<<strong>br</strong> />

caminhar direito. Ryuta trouxe Chûji até a casa dos Takakura.<<strong>br</strong> />

-Cheguei!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e Shizu foram correndo até a entrada, ao ouvirem a<<strong>br</strong> />

voz pastosa de Chûji. Haviam se perdido de Chûji na confusão<<strong>br</strong> />

da saída da projeção. Estavam desconfiadas de que certamente<<strong>br</strong> />

- 368 -


ele estava bebendo <strong>com</strong> algum conhecido.<<strong>br</strong> />

- Como ele estava muito em<strong>br</strong>iagado, eu o a<strong>com</strong>panhei<<strong>br</strong> />

até aqui. - disse Ryuta, sem qualquer constrangimento ao se<<strong>br</strong> />

dirigir a <strong>Haru</strong>, que também se sentia à vontade na sua<<strong>br</strong> />

presença.<<strong>br</strong> />

- Ele estava na sua casa? Puxa, desculpe o incômodo.<<strong>br</strong> />

- Parece que ele e meu pai chegaram a um acordo, e os<<strong>br</strong> />

dois beberam alegremente. Os japoneses da idade deles<<strong>br</strong> />

ficaram tocados <strong>com</strong> o noticiário de hoje. Então, <strong>com</strong> licença.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

Chûji estava muito falante por causa da bebida. Shizu<<strong>br</strong> />

ofereceu água, mas Chûji não parava de falar.<<strong>br</strong> />

- Puxa vida, hoje a bebida estava realmente deliciosa. O<<strong>br</strong> />

Nakayama também é japonês. Ele admitiu que o Japão ganhou<<strong>br</strong> />

a guerra, e estava feliz. Eu acho que ele estava contente por<<strong>br</strong> />

ter recuperado a dignidade de ser japonês. Nós somos<<strong>br</strong> />

japoneses!<<strong>br</strong> />

Chûji encheu dois copos de pinga e colocou um dos copos<<strong>br</strong> />

em frente ao quepe de Minoru.<<strong>br</strong> />

- Minoru, você defendeu o Japão. Você é o meu orgulho!<<strong>br</strong> />

Completamente satisfeito, Chûji <strong>br</strong>indou em homenagem<<strong>br</strong> />

a Minoru, mas em seguida, caiu no chão.<<strong>br</strong> />

- Papai! - <strong>Haru</strong> procurou acudir Chûji, aflita, mas Chûji<<strong>br</strong> />

já estava inconsciente.<<strong>br</strong> />

- Papai! - <strong>Haru</strong> gritava desesperada.<<strong>br</strong> />

Shizu estava <strong>com</strong>pletamente paralizada diante da imagem<<strong>br</strong> />

do marido imóvel, nos <strong>br</strong>aços da filha, <strong>com</strong> os olhos cerrados.<<strong>br</strong> />

- 369 -


No silêncio do quarto em Hakone, as duas irmãs estavam<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> os olhos cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />

- Ele não recuperou mais a consciência. Papai teve uma<<strong>br</strong> />

vida cheia de sofrimentos, mas morreu no período mais feliz<<strong>br</strong> />

de sua vida. Seu rosto era de <strong>com</strong>pleta serenidade. Tinha<<strong>br</strong> />

somente 63 anos. Estava pensando em mandá-lo de volta ao<<strong>br</strong> />

Japão... Ele afogou todas as dores da vida na bebida e seu<<strong>br</strong> />

fígado, seu coração e suas veias estavam em frangalhos. Como<<strong>br</strong> />

ele gostaria de ter encontrado <strong>com</strong> você...! - balbuciou <strong>Haru</strong>,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o olhar baixo.<<strong>br</strong> />

Chûji insistira sempre no fato de ser japonês. Exaltavase<<strong>br</strong> />

acreditando no Japão e <strong>com</strong>andava os seus familiares <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

base nessas crenças. Eis que a sua luta, de repente, chegara<<strong>br</strong> />

ao fim.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> achou que seu pai fora fiel aos seus ideais e que o<<strong>br</strong> />

seu final era digno de sua personalidade. A vida do pai fora<<strong>br</strong> />

exatamente a mesma das memórias de sua infância.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, que nada sabia so<strong>br</strong>e a morte do pai, dedicava-se,<<strong>br</strong> />

à época, de corpo e alma para a empresa.<<strong>br</strong> />

-... Naquela época, eu estava muito preocupada em<<strong>br</strong> />

ampliar a empresa, e estava correndo para lá e para cá, sem<<strong>br</strong> />

me lem<strong>br</strong>ar do Brasil e do papai. Transferimos a matriz para<<strong>br</strong> />

Tóquio, deixando apenas a fá<strong>br</strong>ica em Sapporo. Também<<strong>br</strong> />

construímos uma casa em Tóquio... Quando fomos para lá,<<strong>br</strong> />

nossa empresa estava ficando famosa, não somente pelos<<strong>br</strong> />

biscoitos, mas também pelos doces ocidentais. Não me<<strong>br</strong> />

esqueço que, nessa época, reencontrei-me <strong>com</strong> Kinta e<<strong>br</strong> />

- 370 -


Tsutomu. Levei um susto, pois não tivera mais contato <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

eles desde que haviam saído da empresa, por eu ter ficado<<strong>br</strong> />

noiva do George.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> pensava no tipo de biscoito que cairia no agrado<<strong>br</strong> />

dos consumidores, para que pudessem <strong>com</strong>prar <strong>com</strong> prazer.<<strong>br</strong> />

Assim, buscava obter idéias de Ritsuko e Aiko, <strong>com</strong> quem<<strong>br</strong> />

trabalhava desde a fundação da empresa. O produto definido<<strong>br</strong> />

era <strong>com</strong>ercializado por Yamabe, responsável pela ampliação<<strong>br</strong> />

do mercado. Foram surgindo, então, diversos produtos de<<strong>br</strong> />

sucesso.<<strong>br</strong> />

A Indústria de Doces Hokuô crescera gradativamente e<<strong>br</strong> />

no ano de 1959, quando o Japão inteiro cele<strong>br</strong>ou o casamento<<strong>br</strong> />

do Príncipe Herdeiro, conseguiram instalar a matriz em<<strong>br</strong> />

Tóquio. Foi precisamente no ano em que Chûji havia falecido.<<strong>br</strong> />

Em 1963, às vésperas da Olimpíada em Tóquio, foi<<strong>br</strong> />

realizada uma festa de confraternização dos fa<strong>br</strong>icantes de<<strong>br</strong> />

doces num hotel de Tóquio, <strong>com</strong> a participação das pessoas<<strong>br</strong> />

mais conceituadas do ramo. O casal Yamabe também<<strong>br</strong> />

resolvera <strong>com</strong>parecer.<<strong>br</strong> />

- Há quanto tempo!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>, que se <strong>com</strong>portava efetivamente <strong>com</strong>o a presidente<<strong>br</strong> />

de uma grande empresa, voltou-se para trás ao ouvir seu nome<<strong>br</strong> />

e viu dois homens conhecidos, de trinta e poucos anos,<<strong>br</strong> />

sorrindo para ela.<<strong>br</strong> />

- Kinta? É você, Kinta? Tsutomu? O que significa isso?<<strong>br</strong> />

Vocês dois... aqui?<<strong>br</strong> />

- 371 -


-<strong>Natsu</strong>, <strong>com</strong>o você está elegante e bonita!<<strong>br</strong> />

Apesar de ter se tornado a presidente de uma grande<<strong>br</strong> />

indústria de doces, ela continuava sendo, para Tsutomu, a<<strong>br</strong> />

mulher que gostaria de chamar de Natchan, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

antigamente.<<strong>br</strong> />

- Vocês também, vestindo terno! Nem os reconheci. Se<<strong>br</strong> />

vocês estão participando desta festa significa que trabalhamos<<strong>br</strong> />

no mesmo ramo?...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> também se esqueceu dos cumprimentos formais e<<strong>br</strong> />

falou de forma desembaraçada, dirigindo-se aos amigos de<<strong>br</strong> />

outrora.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu tiraram respectivamente os seus cartões<<strong>br</strong> />

de visita e entregaram a <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Trabalhamos nesta empresa.<<strong>br</strong> />

- Laticínios Shirakaba...? - disse <strong>Natsu</strong>, incrédula, ao<<strong>br</strong> />

olhar os cartões.<<strong>br</strong> />

Laticínios Shirakaba era a maior empresa do ramo. Na<<strong>br</strong> />

época em que <strong>Natsu</strong> e seus auxiliares produziam biscoitos<<strong>br</strong> />

caseiros, chegara a ameaçar os seus negócios ao colocar uma<<strong>br</strong> />

grande quantidade de biscoitos baratos no mercado.<<strong>br</strong> />

- Eu sou o gerente da filial de Tóquio e Tsutomu é o<<strong>br</strong> />

diretor do departamento de produção de doces. Hoje, viemos<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhando o presidente da empresa... Estávamos falando<<strong>br</strong> />

na possibilidade de encontrarmos você. Afinal, você é a dona<<strong>br</strong> />

da Indústria de Doces Hokuô, uma das maiores empresas do<<strong>br</strong> />

ramo.<<strong>br</strong> />

Kinta lançou um olhar para Yamabe, que conversava <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

- 372 -


outro cliente.<<strong>br</strong> />

- Ah... E, aquele, suponho, é o famoso Yamabe, parceiro<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong>, conhecido <strong>com</strong>o um homem de vendas de grande<<strong>br</strong> />

fi<strong>br</strong>a...<<strong>br</strong> />

- Até há pouco, pensávamos que você estava <strong>com</strong> George.<<strong>br</strong> />

As palavras de Tsutomu faziam <strong>Natsu</strong> se conscientizar<<strong>br</strong> />

do passar do tempo.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu tinham ficado revoltados <strong>com</strong> o noivado<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong> e George e resolveram sair da empresa. Depois disso,<<strong>br</strong> />

nunca mais se encontraram. Ambos pareciam só ter ouvido<<strong>br</strong> />

falar do desempenho de <strong>Natsu</strong>, desconhecendo o fato de<<strong>br</strong> />

George ter voltado para os Estados Unidos logo depois da<<strong>br</strong> />

saída deles do grupo, e de <strong>Natsu</strong> ter tido o bebê sozinha.<<strong>br</strong> />

- Mas, a Laticínios Shirakaba é nossa rival. Não sabia<<strong>br</strong> />

que vocês estavam nesta empresa.<<strong>br</strong> />

- Depois que a deixamos, o presidente da Laticínios<<strong>br</strong> />

Shirakaba nos acolheu. O próprio presidente da empresa<<strong>br</strong> />

também <strong>com</strong>eçou <strong>com</strong>o criador de vacas. Ele nos tratou bem<<strong>br</strong> />

e conseguimos chegar a estes cargos.<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu só sabiam cuidar das vacas e fa<strong>br</strong>icar<<strong>br</strong> />

queijos e biscoitos. Contudo, o fato de terem cuidado das<<strong>br</strong> />

vacas durante a guerra agradou o presidente da Laticínios<<strong>br</strong> />

Shirakaba.<<strong>br</strong> />

- Que bom que vocês conseguiram ter êxito...!<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> e Kinta eram tão amigos que, quando se<<strong>br</strong> />

encontravam, acabavam <strong>br</strong>igando.<<strong>br</strong> />

- Vamos nos encontrar de vez em quando. Tenho muitas<<strong>br</strong> />

- 373 -


saudades da época em que criávamos vacas e fazíamos<<strong>br</strong> />

queijos. Acho que nos dias de hoje, a vida é por demais<<strong>br</strong> />

difícil...<<strong>br</strong> />

- Daqui para frente, o Japão vai progredir mais e mais.<<strong>br</strong> />

Se ficarmos ligados ao passado, vocês não poderão avançar.<<strong>br</strong> />

Se formos passados para trás, será o fim. Preciso lançar<<strong>br</strong> />

produtos de maior sucesso, para não perder da Laticínios<<strong>br</strong> />

Shirakaba.<<strong>br</strong> />

Nessa época, <strong>Natsu</strong> pensava em ampliar cada vez mais a<<strong>br</strong> />

sua empresa, para poder a<strong>com</strong>panhar as tendências do<<strong>br</strong> />

mercado, durante o período de crescimento econômico<<strong>br</strong> />

contínuo do Japão.<<strong>br</strong> />

- Fique à vontade. Nós vamos levar nossa <strong>com</strong>panhia<<strong>br</strong> />

num ritmo tranqüilo. Não adianta <strong>com</strong>petir <strong>com</strong> sua empresa<<strong>br</strong> />

porque não vamos conseguir vencê-la <strong>com</strong> novos produtos.<<strong>br</strong> />

A nossa política é continuar a fa<strong>br</strong>icar produtos tradicionais.<<strong>br</strong> />

- É uma empresa digna a de vocês, não é? Se vocês<<strong>br</strong> />

tivessem continuado na minha, acho que estaríamos sempre<<strong>br</strong> />

em choque quanto às diretrizes administrativas, pois eu adoro<<strong>br</strong> />

novidades. Acho que, por um lado, foi bom termos nos<<strong>br</strong> />

separado, não é?<<strong>br</strong> />

Embora a despedida tivesse sido desagradável, o<<strong>br</strong> />

inesperado reencontro trouxera satisfação à <strong>Natsu</strong> que se<<strong>br</strong> />

sentira fortalecida, por poder conversar sinceramente <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

dois amigos de outrora.<<strong>br</strong> />

- Naquela época, o Japão se encontrava no auge do<<strong>br</strong> />

- 374 -


crescimento econômico. A linha de trem-bala e as rodovias<<strong>br</strong> />

expressas estavam sendo construídas, tendo em vista a<<strong>br</strong> />

aproximação dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Eu trabalhava<<strong>br</strong> />

a todo vapor, acreditando seriamente que o ideal era crescer<<strong>br</strong> />

cada vez mais. Nada tinha a temer.<<strong>br</strong> />

- Na nossa família também houve grandes mudanças <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a morte do papai.<<strong>br</strong> />

Em 1963, no Brasil, na mesma época em que <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

reencontrara Kinta e Tsutomu, <strong>Haru</strong> e sua família levavam<<strong>br</strong> />

uma vida, de certa forma estável, numa colônia de japoneses<<strong>br</strong> />

no interior do estado de São Paulo. As idéias de Takuya,<<strong>br</strong> />

contudo, mudariam enormemente a vida deles.<<strong>br</strong> />

Apesar de estar a par dos planos de Takuya, <strong>Haru</strong> estava<<strong>br</strong> />

indecisa e constrangida. Takuya, então, passou a tentar<<strong>br</strong> />

convencer Shizu.<<strong>br</strong> />

- Quero, de todas as maneiras, cultivar crisântemos em<<strong>br</strong> />

grande escala. Porém, aqui, não há quem <strong>com</strong>pre essas flores.<<strong>br</strong> />

Elas têm que ser cultivadas em um local onde possam ser<<strong>br</strong> />

transportadas de caminhão aos mercados consumidores de<<strong>br</strong> />

uma grande cidade. O ideal seria possuir uma plantação nos<<strong>br</strong> />

subúrbios de São Paulo. Pedi ao meu irmão para procurar e<<strong>br</strong> />

ele encontrou terras que foram aradas por japoneses. Os filhos<<strong>br</strong> />

não querem continuar <strong>com</strong> a lavoura e pretendem voltar para<<strong>br</strong> />

o Japão. Então, o japonês está querendo passar as terras para<<strong>br</strong> />

alguém. O local é ideal para o plantio de crisântemos, tanto<<strong>br</strong> />

em termos de solo <strong>com</strong>o em condições climáticas. Por isso,<<strong>br</strong> />

- 375 -


estou pensando em cultivar flores naquele lugar.<<strong>br</strong> />

O falecido Chûji já tinha demonstrado certa preocupação<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> o fato de Takuya se dedicar à cultura de crisântemo,<<strong>br</strong> />

perguntando o que faria <strong>com</strong> as flores numa localidade do<<strong>br</strong> />

interior <strong>com</strong> poucos japoneses.<<strong>br</strong> />

- Quero mudar <strong>com</strong> a família toda. Lá existem escolas<<strong>br</strong> />

melhores do que as daqui para Tatsuo e Kunio. É muito mais<<strong>br</strong> />

prático também para viver... Estou consciente de que é difícil<<strong>br</strong> />

para a senhora aceitar ir morar em novas terras. O que você<<strong>br</strong> />

acha? - Takuya indagou <strong>Haru</strong> em busca de apoio.<<strong>br</strong> />

- Quero respeitar os sentimentos de minha mãe. Não há<<strong>br</strong> />

outra forma senão você ir sozinho para lá...<<strong>br</strong> />

Se fosse só por ela, certamente <strong>Haru</strong> a<strong>com</strong>panharia Takuya<<strong>br</strong> />

para qualquer lugar, onde quer que ele fosse. Mas ela não<<strong>br</strong> />

queria o<strong>br</strong>igar Shizu a fazer o mesmo, pois ela poderia ter<<strong>br</strong> />

algum apego ao local e à situação em que viviam.<<strong>br</strong> />

Takuya se colocava entre o trabalho e a família. Podia<<strong>br</strong> />

sentir o seu carinho pela família, que o deixava indeciso,<<strong>br</strong> />

apesar de querer executar o seu projeto. <strong>Haru</strong>, por sua vez,<<strong>br</strong> />

também não sabia o que fazer, querendo a<strong>com</strong>panhar Takuya<<strong>br</strong> />

de um lado, mas, por outro, pensando em sua mãe.<<strong>br</strong> />

Shizu, então, decidiu-se:<<strong>br</strong> />

- Que bobagem você está dizendo. É claro que eu vou<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> vocês. É verdade que aqui é a terra onde seu pai e nós<<strong>br</strong> />

trabalhamos <strong>com</strong> afinco. Demos nosso sangue e suor, mas<<strong>br</strong> />

nada me prende aqui. Se pudermos <strong>com</strong>eçar uma vida nova,<<strong>br</strong> />

num novo local, <strong>com</strong> toda a família, acho que seremos felizes.<<strong>br</strong> />

- 376 -


- O<strong>br</strong>igada mamãe!<<strong>br</strong> />

Com o início da guerra, a família de Chûji fora expulsa<<strong>br</strong> />

da terra arrendada de um fazendeiro americano e viera para<<strong>br</strong> />

este lugar em busca de novos horizontes. Chûji acabou<<strong>br</strong> />

morrendo ali, embora tivesse planos para novos e maiores<<strong>br</strong> />

empreendimentos, querendo afinal, poupar para poder voltar<<strong>br</strong> />

ao Japão.<<strong>br</strong> />

Se Takuya pudesse realizar um pouco dos sonhos de Chûji,<<strong>br</strong> />

que não vingaram <strong>com</strong>pletamente, ele ficaria muito satisfeito,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> certeza.<<strong>br</strong> />

- Vamos construir o túmulo do papai na nova terra, para<<strong>br</strong> />

que ele possa nos assistir... E para que possamos visitá-lo<<strong>br</strong> />

sempre...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou a mãe, que acenava <strong>com</strong> a cabeça, os olhos<<strong>br</strong> />

cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />

Aquela era a terra que eles des<strong>br</strong>avaram a partir da mata<<strong>br</strong> />

virgem e haviam transformado numa bela fazenda. Era a<<strong>br</strong> />

despedida da primeira propriedade que tinham adquirido<<strong>br</strong> />

depois que chegaram ao Brasil.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> continuavam a conversar no quarto do hotel<<strong>br</strong> />

em Hakone. Os episódios de suas vidas, que contavam uma<<strong>br</strong> />

à outra, estavam chegando ao fim. Parecia, contudo, que<<strong>br</strong> />

continuariam a conversar até o raiar do sol.<<strong>br</strong> />

- Eu disse subúrbio de São Paulo, mas a nova propriedade<<strong>br</strong> />

ficava a 100 quilômetros do centro da capital. Podíamos<<strong>br</strong> />

- 377 -


transportar de caminhão, em duas horas, flores ou verduras<<strong>br</strong> />

para o mercado de São Paulo. Depois de vencermos muitos<<strong>br</strong> />

obstáculos, a Flora Takakura tornou-se conhecida pelos<<strong>br</strong> />

crisântemos. Tatsuo e Kunio decidiram suceder o pai e<<strong>br</strong> />

passaram a trabalhar e ajudar na fazenda. Não quiseram fazer<<strong>br</strong> />

curso superior e se dedicaram integralmente a auxiliar Takuya.<<strong>br</strong> />

Vendo a cena do pai e dos dois filhos trabalhando juntos na<<strong>br</strong> />

fazenda, eu sentia a felicidade de estar num lar. Adorava ir à<<strong>br</strong> />

plantação todos os dias. Nessa época, finalmente <strong>com</strong>ecei a<<strong>br</strong> />

sentir que tinha sido bom ter ido para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Depois de algum tempo, <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> voltaram a sorrir.<<strong>br</strong> />

Havia muitas vantagens em estarem próximos a São<<strong>br</strong> />

Paulo, uma grande metrópole, principalmente nos aspectos<<strong>br</strong> />

culturais. Podiam, inclusive, escolher escolas para a<<strong>br</strong> />

aprendizagem da língua japonesa. Os japoneses eram<<strong>br</strong> />

tradicionalmente dedicados à educação de seus filhos e esse<<strong>br</strong> />

costume fora preservado, mesmo <strong>com</strong> a imigração para o<<strong>br</strong> />

Brasil. Assim, havia escolas japonesas desde os primórdios<<strong>br</strong> />

da imigração. No entanto, algumas crianças, <strong>com</strong>o <strong>Haru</strong>, não<<strong>br</strong> />

tinham tido a sorte de ter uma escola na fazenda onde foram<<strong>br</strong> />

trabalhar ou não puderam estudar porque as escolas haviam<<strong>br</strong> />

sido fechadas <strong>com</strong> a eclosão da guerra.<<strong>br</strong> />

Apesar de terem nascido em tempo de paz, Tatsuo e<<strong>br</strong> />

Kunio, filhos de <strong>Haru</strong>, escolheram um caminho mais árduo.<<strong>br</strong> />

Embora pudessem freqüentar a universidade, resolveram<<strong>br</strong> />

- 378 -


a<strong>com</strong>panhar o pai no novo empreendimento, numa nova terra,<<strong>br</strong> />

preferindo enfrentar desafios.<<strong>br</strong> />

Os sacrifícios não foram poucos, mas valera a pena, pois<<strong>br</strong> />

os dois filhos se dedicaram de corpo e alma na construção da<<strong>br</strong> />

Flora Takakura. Os negócios foram se expandindo, na medida<<strong>br</strong> />

em que a cultura de crisântemo e de outras flores foram se<<strong>br</strong> />

ampliando.<<strong>br</strong> />

- Que bom que seus dois filhos se tornaram bons moços.<<strong>br</strong> />

Deve ser porque eles sempre viram os pais trabalhando <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

fervor e os ajudavam na fazenda, não é? No caso dos meus<<strong>br</strong> />

filhos, tanto o pai <strong>com</strong>o a mãe viviam sempre ocupados e<<strong>br</strong> />

nunca estavam em casa. Eles sabiam que os pais davam duro,<<strong>br</strong> />

mas não os viam trabalhando realmente. Não podíamos fazer<<strong>br</strong> />

as refeições juntos, ou pior, tinha dias em que nem víamos o<<strong>br</strong> />

rosto dos meninos, pois saíamos cedo de casa e voltávamos<<strong>br</strong> />

tarde da noite... Embora achasse que, pelo menos a mãe<<strong>br</strong> />

deveria ficar junto deles, isso era impossível. Se eu, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

presidente, não <strong>com</strong>andasse a empresa, ela não iria para<<strong>br</strong> />

frente... Acho que devia ser uma reação à po<strong>br</strong>eza da infância,<<strong>br</strong> />

pois sofri muito quando criança por não ter dinheiro. - <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

riu meio que zombando de si mesma.<<strong>br</strong> />

A época em que os filhos de <strong>Natsu</strong> demandavam maior<<strong>br</strong> />

atenção, coincidira <strong>com</strong> o período em que era necessária a<<strong>br</strong> />

dedicação aos negócios. Os cuidados <strong>com</strong> os filhos acabaram<<strong>br</strong> />

sendo confiados a estranhos.<<strong>br</strong> />

- O trabalho, na verdade, era para garantir uma vida<<strong>br</strong> />

tranqüila, sem privações, mas já era tarde quando percebi<<strong>br</strong> />

- 379 -


que os valores estavam invertidos. - <strong>Natsu</strong> lamentou em tom<<strong>br</strong> />

de autocrítica, pensando que não tinha adiantado ter ampliado<<strong>br</strong> />

os negócios.<<strong>br</strong> />

- Para nós, também, não aconteceram somente coisas<<strong>br</strong> />

boas. Papai era uma pessoa que só falava japonês, mesmo<<strong>br</strong> />

vivendo no Brasil. Sempre quis manter rigidamente o<<strong>br</strong> />

pensamento de viver <strong>com</strong>o japonês. Então, sem perceber,<<strong>br</strong> />

acabei herdando o orgulho de papai.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> era a filha que havia herdado a personalidade de<<strong>br</strong> />

Chûji. Acontecera algo que a fizera sentir este fato<<strong>br</strong> />

concretamente...<<strong>br</strong> />

A casa da família Takakura, situada no subúrbio de São<<strong>br</strong> />

Paulo, era superior a outras casas habitadas por eles no<<strong>br</strong> />

passado. <strong>Haru</strong> e Shizu preparavam o jantar na cozinha, que<<strong>br</strong> />

seria frugal, <strong>com</strong> feijão cozido, salada e outros pratos.<<strong>br</strong> />

- Tatsuo vai trazer uma moça de quem gosta pela primeira<<strong>br</strong> />

vez. Não é necessário preparar nada?<<strong>br</strong> />

Shizu gostaria de expressar hospitalidade preparando<<strong>br</strong> />

pratos mais sofisticados, mas parecia que <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ungava da mesma intenção.<<strong>br</strong> />

Quando Tatsuo chegou na idade de se casar, <strong>Haru</strong> havia<<strong>br</strong> />

pedido para algumas pessoas conhecidas apresentarem uma<<strong>br</strong> />

moça japonesa para ele.<<strong>br</strong> />

Contudo, quando <strong>Haru</strong> falou a respeito do assunto para<<strong>br</strong> />

Tatsuo, ele disse que já tinha decidido <strong>com</strong> quem se casaria.<<strong>br</strong> />

Então, resolveram convidá-la para jantar, a fim de<<strong>br</strong> />

- 380 -


apresentá-la aos mem<strong>br</strong>os da família.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> havia perguntado que tipo de moça era, mas Tatsuo<<strong>br</strong> />

insistira, dizendo que falaria depois de apresentá-la. <strong>Haru</strong> não<<strong>br</strong> />

teve outra alternativa senão aguardar.<<strong>br</strong> />

- Por melhor que seja a família dela, quero que ela veja a<<strong>br</strong> />

nossa vida normal, a nossa rotina. Se ela não gostar, é melhor<<strong>br</strong> />

desistir do meu filho...<<strong>br</strong> />

O gênio forte de <strong>Haru</strong> vinha da infância. Shizu, por sua<<strong>br</strong> />

vez, tinha a experiência de viver retraída em Hokkaido, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

mulher do irmão mais novo, que morava <strong>com</strong> os mem<strong>br</strong>os<<strong>br</strong> />

da família do primogênito.<<strong>br</strong> />

- É a moça que Tatsuo escolheu. Ficarei <strong>com</strong> pena dele<<strong>br</strong> />

se vocês não a aprovarem.<<strong>br</strong> />

- Eu desejo que ele case <strong>com</strong> a mulher da qual gosta,<<strong>br</strong> />

mas...<<strong>br</strong> />

Enquanto mãe e filha conversavam entre si, Tatsuo<<strong>br</strong> />

chegou. <strong>Haru</strong> achava que ele só chegaria depois de terminar<<strong>br</strong> />

os trabalhos da fazenda e, portanto, era bem mais cedo do<<strong>br</strong> />

que o previsto.<<strong>br</strong> />

- Papai insistiu em terminar mais cedo porque hoje é um<<strong>br</strong> />

dia especial... Maria disse, então, que gostaria de ajudar em<<strong>br</strong> />

algo, e assim, viemos juntos.<<strong>br</strong> />

Tatsuo chamou Maria, que esperava no corredor.<<strong>br</strong> />

- Esta é a Maria... Nossa convidada de hoje.<<strong>br</strong> />

O rosto da moça, de traços bem feitos, era de uma<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira sem ascendência japonesa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> falou baixo, não querendo que a visita ouvisse um<<strong>br</strong> />

- 381 -


<strong>com</strong>entário familiar.<<strong>br</strong> />

- Convidada? Eu não fui avisada de que teríamos outra<<strong>br</strong> />

convidada hoje. Vamos ter que preparar mais <strong>com</strong>ida. Você<<strong>br</strong> />

devia ter nos avisado <strong>com</strong> antecedência...<<strong>br</strong> />

- O que a senhora está dizendo? O jantar de hoje não é<<strong>br</strong> />

para ela?<<strong>br</strong> />

-Então, ela...?<<strong>br</strong> />

- É a minha noiva, Maria.<<strong>br</strong> />

E dirigindo-se para Maria:<<strong>br</strong> />

- Minha avó e minha mãe.<<strong>br</strong> />

- Sou Maria. Muito prazer em conhecê-las. - Maria<<strong>br</strong> />

cumprimentou <strong>Haru</strong> e Shizu em japonês, quase sem nenhum<<strong>br</strong> />

sotaque e Tatsuo fez uma rápida apresentação.<<strong>br</strong> />

- Ela trabalha na fá<strong>br</strong>ica do vovô Yamashita e fala japonês.<<strong>br</strong> />

O vovô e o tio Takeshi gostam muito dela e a conheci quando<<strong>br</strong> />

fui passear na casa do vovô. Estamos namorando há três anos.<<strong>br</strong> />

Papai também conhece bem Maria.<<strong>br</strong> />

- Meu pai também trabalha na fá<strong>br</strong>ica do sr. Yamashita.<<strong>br</strong> />

Desde pequena, eu ajudava a sra. Yamashita. Então, pude<<strong>br</strong> />

aprender japonês.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> se sentia <strong>com</strong>o um pombo abatido por um tiro.<<strong>br</strong> />

- Tatsuo, vá tomar banho! Eu vou ajudar sua mãe.<<strong>br</strong> />

- Ah, não se preocupe. Mamãe e vovó vão gostar de você.<<strong>br</strong> />

Os dois trocaram um diálogo em português, e Tatsuo saiu,<<strong>br</strong> />

beijando levemente Maria.<<strong>br</strong> />

- Em que posso ajudá-las?<<strong>br</strong> />

Talvez o <strong>com</strong>portamento aberto e despreocupado de Maria<<strong>br</strong> />

- 382 -


tivesse dado uma impressão ainda mais forte de que se tratava<<strong>br</strong> />

de uma <strong>br</strong>asileira sem ascendência japonesa.<<strong>br</strong> />

- Lamento dizer isso a você, que veio nos visitar hoje,<<strong>br</strong> />

mas, por favor, poderia se retirar? Eu quero deixar bem claro.<<strong>br</strong> />

Não tenho intenção de deixar meu filho se casar <strong>com</strong> uma<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />

- <strong>Haru</strong>! - Shizu procurou conter as palavras da filha, mas<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> não conseguiu segurar seus sentimentos.<<strong>br</strong> />

- Essas coisas têm que ser deixadas bem claras desde o<<strong>br</strong> />

início.<<strong>br</strong> />

- Entendi perfeitamente. Vou-me embora por hoje. Com<<strong>br</strong> />

licença.<<strong>br</strong> />

Maria fez uma reverência, contendo a sua fisionomia<<strong>br</strong> />

entristecida e deixou a casa da família Takakura.<<strong>br</strong> />

Shizu a<strong>com</strong>panhou a saída de Maria, cujo rosto<<strong>br</strong> />

transparecia a dor que sentia. <strong>Haru</strong> acrescentou, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

estivesse a dar explicações:<<strong>br</strong> />

- É preciso fazer <strong>com</strong> que ela entenda ser inútil continuar<<strong>br</strong> />

este relacionamento. É para o seu próprio bem.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava convencida de que a <strong>com</strong>panheira escolhida<<strong>br</strong> />

por seu filho era uma japonesa e a chegada de Maria fora um<<strong>br</strong> />

grande choque.<<strong>br</strong> />

Houve uma verdadeira tempestade durante o jantar da<<strong>br</strong> />

família Takakura naquela noite. Naturalmente, Tatsuo<<strong>br</strong> />

explodia, demonstrando sua raiva e decepção.<<strong>br</strong> />

- Que mal há nela ser <strong>br</strong>asileira? Apesar de termos<<strong>br</strong> />

nacionalidade japonesa, nós somos <strong>br</strong>asileiros e vivemos no<<strong>br</strong> />

- 383 -


Brasil. - Tatsuo gritava em português <strong>com</strong>o se quisesse<<strong>br</strong> />

fortalecer a sua argumentação.<<strong>br</strong> />

- Não é uma questão de lógica. Exatamente por vivermos<<strong>br</strong> />

no exterior é que eu quero preservar para sempre o espírito<<strong>br</strong> />

japonês. Essa era a vontade do vovô, quando resolveu imigrar<<strong>br</strong> />

para cá. E quero respeitar essa vontade.<<strong>br</strong> />

- Tanto os japoneses <strong>com</strong>o os <strong>br</strong>asileiros são seres<<strong>br</strong> />

humanos iguais. Uma discriminação racial <strong>com</strong>o essa é<<strong>br</strong> />

imperdoável. Isso é uma barbaridade!<<strong>br</strong> />

- Você pode reclamar o quanto quiser. Eu não quero! Nós<<strong>br</strong> />

somos japoneses. Não quero que nos tornemos <strong>br</strong>asileiros.<<strong>br</strong> />

- E o senhor, papai, o que o senhor tem a dizer? O senhor<<strong>br</strong> />

não disse que conhecia bem Maria e que ela era uma boa<<strong>br</strong> />

moça?<<strong>br</strong> />

- Quando vou a São Paulo, sempre passo na casa dos<<strong>br</strong> />

meus pais e conheço tanto a Maria <strong>com</strong>o os pais dela. Eles<<strong>br</strong> />

são ótimas pessoas. Porém, a conversa é outra quando se fala<<strong>br</strong> />

nela se tornar nossa nora. Ela fará parte da família. Se sua<<strong>br</strong> />

mãe é contra, não há <strong>com</strong>o aceitá-la. Isso será doloroso para<<strong>br</strong> />

a Maria, mas nossa família também se desintegraria.<<strong>br</strong> />

- Tatsuo, para que a gente possa viver aqui no Brasil, a<<strong>br</strong> />

família tem que estar unida. Não faça coisas que provoquem<<strong>br</strong> />

desarmonia na família. Eu penso assim.<<strong>br</strong> />

Não se tratava mais de diferença de opiniões baseada num<<strong>br</strong> />

conflito entre gerações. Até mesmo Kunio estava contra o<<strong>br</strong> />

irmão. Tatsuo ficara totalmente isolado, mas ele acabou por<<strong>br</strong> />

encontrar uma saída, curiosamente, nas palavras de <strong>Haru</strong>, que<<strong>br</strong> />

- 384 -


lhe disse:<<strong>br</strong> />

- Se, mesmo assim, você quiser se casar <strong>com</strong> Maria, vai<<strong>br</strong> />

ter que sair desta casa!<<strong>br</strong> />

- Tudo bem. Vou embora.<<strong>br</strong> />

-Tatsuo!<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou muito chateada, mas Takuya não segurou o<<strong>br</strong> />

filho. Queria apenas que Tatsuo se conscientizasse de que a<<strong>br</strong> />

sua presença era necessária na Flora Takakura e que assumisse<<strong>br</strong> />

as responsabilidades de primogênito da família.<<strong>br</strong> />

Para <strong>Haru</strong>, não importava se Maria era querida ou não na<<strong>br</strong> />

família Yamashita ou se era uma pessoa boa ou má. Era uma<<strong>br</strong> />

questão de consciência, que não podia ser explicada pela<<strong>br</strong> />

lógica.<<strong>br</strong> />

Nem <strong>Haru</strong> nem Tatsuo cederam às respectivas posições.<<strong>br</strong> />

Nesse sentido, eram, de fato, mãe e filho.<<strong>br</strong> />

- Tatsuo saiu de casa e se casou <strong>com</strong> Maria sem a bênção<<strong>br</strong> />

de ninguém. Assim <strong>com</strong>eçaram a vida a dois. Nós nem<<strong>br</strong> />

pudemos realizar a cerimônia de casamento. Tatsuo e Maria<<strong>br</strong> />

vinham trabalhar na fazenda, mas eu não trocava nenhuma<<strong>br</strong> />

palavra <strong>com</strong> ela.<<strong>br</strong> />

- Que sogra malvada.<<strong>br</strong> />

- Mas, em <strong>com</strong>pensação, Kunio disse que, para ele, eu<<strong>br</strong> />

podia procurar uma noiva... Então, solicitei a uma pessoa<<strong>br</strong> />

conhecida que nos apresentasse uma moça do Japão.<<strong>br</strong> />

Enviaram-nos uma fotografia para o miai (apresentação para<<strong>br</strong> />

arranjos matrimoniais). Achamos que a moça era impecável<<strong>br</strong> />

- 385 -


e Kunio também gostou dela...<<strong>br</strong> />

A moça tipicamente japonesa que vira na foto concordou<<strong>br</strong> />

em se casar <strong>com</strong> Kunio e decidiu vir morar no Brasil.<<strong>br</strong> />

Era 1979 quando uma grande festa de casamento num<<strong>br</strong> />

hotel de São Paulo se realizou, traduzindo o tamanho da<<strong>br</strong> />

alegria de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Tanto Kunio, o noivo, quanto Midori, a noiva, estavam<<strong>br</strong> />

em trajes ocidentais. <strong>Haru</strong> não podia conter a sua satisfação<<strong>br</strong> />

ao ver os noivos, que posavam para a foto <strong>com</strong>emorativa.<<strong>br</strong> />

Porém, as palavras de Midori, que na imaginação de <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

era uma moça tipicamente japonesa, que teria recebido uma<<strong>br</strong> />

educação rígida e os mesmos valores que ela, foram uma<<strong>br</strong> />

grande decepção.<<strong>br</strong> />

A culpa não podia recair somente na Midori. Houve<<strong>br</strong> />

também falta de explicação por parte da pessoa que<<strong>br</strong> />

intermediara o casamento.<<strong>br</strong> />

- A partir de hoje, os afazeres da casa ficarão por sua<<strong>br</strong> />

conta. Logicamente, eu lhe ensinarei os costumes da nossa<<strong>br</strong> />

casa. Depois de lhe ensinar, não me intrometerei. Assim, fica<<strong>br</strong> />

mais fácil para você também, não é? - <strong>Haru</strong> achava que havia<<strong>br</strong> />

feito concessões à nora.<<strong>br</strong> />

- Não tem empregada doméstica nesta casa?<<strong>br</strong> />

- A senhora está dizendo para eu assumir todo o trabalho<<strong>br</strong> />

doméstico?<<strong>br</strong> />

- Essa é a função da nora.<<strong>br</strong> />

- 386 -


- Tinha ouvido dizer que a família Takakura era<<strong>br</strong> />

proprietária de uma grande fazenda. Então, achei que teria<<strong>br</strong> />

uma ou duas empregadas. Disseram-me que a mão-de-o<strong>br</strong>a é<<strong>br</strong> />

barata no Brasil...<<strong>br</strong> />

- Uma dona-de-casa pode cuidar muito bem de uma<<strong>br</strong> />

família <strong>com</strong> cinco ou seis pessoas, sem precisar de empregada.<<strong>br</strong> />

- Eu não vim para cá <strong>com</strong> essa intenção... No Japão de<<strong>br</strong> />

hoje, o casal costuma viver separado dos pais. Ainda mais<<strong>br</strong> />

aqui no Brasil, onde o terreno é grande e barato para construir<<strong>br</strong> />

uma casa. Tinha certeza de que não teria que morar <strong>com</strong> os<<strong>br</strong> />

sogros... No Japão atual, mesmo morando em uma mesma<<strong>br</strong> />

casa, o jovem casal vive <strong>com</strong>pletamente independente dos<<strong>br</strong> />

pais ou sogros, e uma família não interfere na outra. Já se foi<<strong>br</strong> />

a época em que a nora era empregada doméstica. A senhora<<strong>br</strong> />

tem que nos dar liberdade para levarmos nossa vida<<strong>br</strong> />

livremente. Além do mais, até hoje nunca fiz serviço<<strong>br</strong> />

doméstico. Por isso, é impossível atendê-la.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ficou sem fala e Midori continuou, sem qualquer<<strong>br</strong> />

constrangimento:<<strong>br</strong> />

- A senhora deveria ter verificado <strong>com</strong>o é atualmente o<<strong>br</strong> />

relacionamento entre sogras e noras no Japão. Se não gosta<<strong>br</strong> />

do que lhe digo, não me importo que me mande de volta para<<strong>br</strong> />

o Japão.<<strong>br</strong> />

- E aí, o que aconteceu?<<strong>br</strong> />

- Não podíamos mandá-la de volta para o Japão, depois<<strong>br</strong> />

de termos feito o maior alvoroço para recebê-la. Seria um<<strong>br</strong> />

- 387 -


vexame...No fim, acabamos construindo uma casa ao lado<<strong>br</strong> />

da nossa, para os dois morarem...<<strong>br</strong> />

- As moças do Japão pós-guerra são assim mesmo.<<strong>br</strong> />

- No Brasil, era normal viver numa grande família, e foi<<strong>br</strong> />

assim, desde que éramos crianças... Porém, no ano seguinte,<<strong>br</strong> />

aconteceu um fato que me fez ver Maria, esposa de Tatsuo,<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> outros olhos.<<strong>br</strong> />

Em 1980, ano seguinte ao do casamento de Kunio, uma<<strong>br</strong> />

grande onda de recessão assolara o país e o mercado de flores<<strong>br</strong> />

fora profundamente afetado. Houve uma grande queda nos<<strong>br</strong> />

preços do crisântemo.<<strong>br</strong> />

Mesmo colocando os crisântemos no mercado, não só<<strong>br</strong> />

era difícil vendê-los, <strong>com</strong>o as despesas eram muito maiores.<<strong>br</strong> />

A última opção era desfazer-se dos crisântemos em flor, que<<strong>br</strong> />

tinham sido cultivados <strong>com</strong> tanto esmero e cuja<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>ercialização era inviável.<<strong>br</strong> />

Os crisântemos, que estavam maravilhosamente floridos,<<strong>br</strong> />

tinham que ser arrancados e jogados no chão. O trabalho trazia<<strong>br</strong> />

dor no coração de todos, mas tinha que ser executado dia<<strong>br</strong> />

após dia e todos o faziam em silêncio.<<strong>br</strong> />

Maria soluçava sem parar. As lágrimas não paravam de<<strong>br</strong> />

cair por seu rosto.<<strong>br</strong> />

De repente, Maria levantou o rosto sentindo o olhar de<<strong>br</strong> />

alguém e lá estava <strong>Haru</strong>, que, <strong>com</strong>ovida, não parava de fitála.<<strong>br</strong> />

Se os sentimentos pudessem tomar alguma forma, <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

- 388 -


e Maria <strong>com</strong>partilhavam, naquele momento, de uma tristeza<<strong>br</strong> />

da mesma cor e de mesma forma. Nos corações não existem<<strong>br</strong> />

diferenças de país. <strong>Haru</strong> tomara consciência deste fato, vendo<<strong>br</strong> />

as lágrimas de Maria.<<strong>br</strong> />

Como se pedisse perdão por tê-la maltratado até então,<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> a<strong>br</strong>açou-a fortemente.<<strong>br</strong> />

Tatsuo, Takuya e até mesmo Kunio se sentiram bem pelo<<strong>br</strong> />

fato de não existir mais nenhum obstáculo que separava <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

de Maria.<<strong>br</strong> />

- Fiquei muito <strong>com</strong>ovida... Maria realmente amava as<<strong>br</strong> />

flores. Ela estava triste por ter que destruir os crisântemos<<strong>br</strong> />

que cuidara <strong>com</strong> tanto carinho. Naquele momento, cheguei à<<strong>br</strong> />

conclusão de que ela era digna de confiança, que era uma<<strong>br</strong> />

moça que vivia no mesmo mundo... Esqueci-me<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>pletamente de que ela era <strong>br</strong>asileira e decidi recebê-la<<strong>br</strong> />

em casa, <strong>com</strong>o nora e esposa de Tatsuo.<<strong>br</strong> />

- Que ótimo!<<strong>br</strong> />

- Maria também ficou muito contente... E, sem reclamar,<<strong>br</strong> />

aceitou fazer as coisas de casa. Para nós, Maria era muito<<strong>br</strong> />

mais japonesa que Midori.<<strong>br</strong> />

Quando Tatsuo e Maria passaram a morar conosco, quem<<strong>br</strong> />

ficou mais feliz foi a mamãe. Maria era muito carinhosa <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a mamãe. Logo depois, nasceu um menino... E mamãe ficou<<strong>br</strong> />

realmente muito feliz por ter podido ver o seu bisneto...<<strong>br</strong> />

Embora existisse a casa principal da família Takakura, e<<strong>br</strong> />

- 389 -


casas separadas para as famílias de Tatsuo e Kunio, reinava<<strong>br</strong> />

um ambiente de harmonia entre eles, pois constituíam uma<<strong>br</strong> />

grande família.<<strong>br</strong> />

Era época de colheita de batatas no Brasil. Todos os que<<strong>br</strong> />

podiam trabalhar estavam na plantação e Shizu ficara a cuidar<<strong>br</strong> />

o dia todo do seu bisneto, ainda bebê.<<strong>br</strong> />

Naquela tarde, quando <strong>Haru</strong> voltou para casa um pouco<<strong>br</strong> />

mais cedo, o bebê dormia <strong>com</strong>o um anjo na cadeira da<<strong>br</strong> />

varanda. Shizu também adormecera a seu lado, <strong>com</strong>o se<<strong>br</strong> />

estivesse a lhe fazer <strong>com</strong>panhia.<<strong>br</strong> />

O sol se punha no horizonte, na imensidão do solo<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileiro.<<strong>br</strong> />

Shizu havia adormecido para sempre, naturalmente.<<strong>br</strong> />

- Parecia estar sorrindo. Como papai, morreu no auge da<<strong>br</strong> />

felicidade. Tive a impressão de que uma era havia chegado<<strong>br</strong> />

ao fim.<<strong>br</strong> />

Um quarto de século já se passara desde a morte de Shizu.<<strong>br</strong> />

Já era quase de manhã, o início de um novo dia nas termas<<strong>br</strong> />

de Hakone. <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> haviam passado a noite conversando.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> ficara triste <strong>com</strong> a notícia da morte de Shizu, mas<<strong>br</strong> />

para ela, que não pôde presenciar nem a morte do pai e nem<<strong>br</strong> />

a da mãe, foi um alívio saber que nenhum dos dois morreu<<strong>br</strong> />

após enfrentar longa doença, e que encontraram a morte num<<strong>br</strong> />

período feliz de suas vidas.<<strong>br</strong> />

- Porém, não pudemos fazê-la voltar para o Japão...<<strong>br</strong> />

- 390 -


- De que adiantaria tê-la feito voltar para o Japão? Ela<<strong>br</strong> />

foi feliz porque estava no Brasil e viveu cercada do carinho<<strong>br</strong> />

dos familiares.<<strong>br</strong> />

- Eu também queria voltar para o Japão. Takuya faleceu<<strong>br</strong> />

no ano passado. Os netos cresceram e não necessitavam mais<<strong>br</strong> />

dos meus cuidados. Assim, fiquei livre de todo o peso que<<strong>br</strong> />

carregava nas costas. Então, tive uma vontade terrível de<<strong>br</strong> />

voltar para o Japão. Coincidentemente, o filho caçula de<<strong>br</strong> />

Kunio, Yamato, que veio <strong>com</strong>igo e que pratica judô desde<<strong>br</strong> />

pequeno, quis vir estudar e praticar judô numa faculdade do<<strong>br</strong> />

Japão, onde havia sido aceito. A família, que era contra o<<strong>br</strong> />

fato de eu vir sozinha para cá, permitiu que eu viesse desde<<strong>br</strong> />

que a<strong>com</strong>panhada por Yamato... Sozinha, eu nunca teria<<strong>br</strong> />

conseguido encontrá-la aqui.<<strong>br</strong> />

Embora não tivesse ouvido falar dele, Yamato, que dormia<<strong>br</strong> />

no quarto vizinho, acordou e disse:<<strong>br</strong> />

- Achei estranho, pois despertei e ouvi vozes. Ainda estão<<strong>br</strong> />

conversando? Já vai amanhecer! - disse Yamato,<<strong>br</strong> />

espreguiçando-se, pois parecia que o corpo ainda não havia<<strong>br</strong> />

despertado <strong>com</strong>pletamente.<<strong>br</strong> />

- Nós nos encontramos após 70 anos de separação...<<strong>br</strong> />

Queremos saber, o mais rápido possível, de que maneira cada<<strong>br</strong> />

uma so<strong>br</strong>eviveu até agora. Então, não queríamos desperdiçar<<strong>br</strong> />

o tempo.<<strong>br</strong> />

- Mas, que bom que nos encontramos ainda <strong>com</strong> saúde!<<strong>br</strong> />

A mana já está <strong>com</strong> 80 anos, não é?<<strong>br</strong> />

- Por estar <strong>com</strong> 80 anos é que pude tomar a decisão de<<strong>br</strong> />

- 391 -


vir para o Japão. Achei que restava pouco tempo... E o sr.<<strong>br</strong> />

Yamabe?...<<strong>br</strong> />

- Já morreu. Este ano fizemos uma cerimônia budista<<strong>br</strong> />

pelo 16°. aniversário de seu falecimento... Ele morreu no<<strong>br</strong> />

melhor período da bolha econômica... Acho que foi feliz,<<strong>br</strong> />

sem ter visto a queda da economia.<<strong>br</strong> />

- Mas você tem dois filhos maravilhosos... E ainda, é<<strong>br</strong> />

presidente da Indústria de Doces Hokuô. Não tem a vida<<strong>br</strong> />

sossegada <strong>com</strong>o a minha... Volto para o Brasil tranqüila em<<strong>br</strong> />

saber que você está bem. Porém, eu gostaria de me encontrar,<<strong>br</strong> />

pelo menos uma vez, <strong>com</strong> seus filhos.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> apenas desejava que <strong>Natsu</strong> pudesse ter um final feliz.<<strong>br</strong> />

E, muito embora nada fosse mudar, ela queria ter a<<strong>br</strong> />

oportunidade de conhecer os filhos de <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Acho melhor não encontrá-los. Você poderá se sentir<<strong>br</strong> />

mal. Atualmente, muitos nisseis e sanseis do Brasil estão<<strong>br</strong> />

vindo trabalhar no Japão <strong>com</strong>o decasséguis, não é? Então, se<<strong>br</strong> />

eu disser para os meus filhos que vocês vieram do Brasil<<strong>br</strong> />

para me encontrar, <strong>com</strong> certeza, pensarão que vieram<<strong>br</strong> />

contando <strong>com</strong>igo para trabalhar <strong>com</strong>o decasséguis. Os meus<<strong>br</strong> />

filhos são assim.<<strong>br</strong> />

- Para os japoneses, aqueles que emigraram para o Brasil<<strong>br</strong> />

têm a imagem de pessoas miseráveis que não conseguiram<<strong>br</strong> />

viver no Japão e foram ganhar a vida lá, não é? Ninguém<<strong>br</strong> />

sabe <strong>com</strong> que sentimento batalhamos no Brasil...<<strong>br</strong> />

- Todos esqueceram o Japão da época da miséria. Eu<<strong>br</strong> />

também só fiquei sabendo da vida dos que emigraram para o<<strong>br</strong> />

- 392 -


Brasil agora, que ouvi as suas histórias.<<strong>br</strong> />

- Você entendeu porque não pude vir ao Japão procurála?<<strong>br</strong> />

- Sim. -<strong>Natsu</strong> aquiesceu em lágrimas, abaixando a cabeça<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o uma criança.<<strong>br</strong> />

- O<strong>br</strong>igada... Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

- Foi bom tê-la encontrado e saber que ainda era amada<<strong>br</strong> />

por você. Foi de fato a minha salvação. Muito o<strong>br</strong>igada, mana.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> buscaram as mãos uma da outra e as<<strong>br</strong> />

seguraram <strong>com</strong> firmeza.<<strong>br</strong> />

Ao voltarem para o hotel em Tóquio, a recepcionista deulhes<<strong>br</strong> />

boas-vindas <strong>com</strong> sorrisos e entregou um envelope junto<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a chave.<<strong>br</strong> />

- Chegou uma carta para a senhora.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada.<<strong>br</strong> />

Ao verificar o remetente, <strong>Haru</strong> olhou alegremente para<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong>. Era uma carta que chegara do Brasil via aérea.<<strong>br</strong> />

Ao a<strong>br</strong>ir o envelope, encontrou o cartão <strong>com</strong> uma foto.<<strong>br</strong> />

- É uma fotografia da família. "Feliz aniversário! Com<<strong>br</strong> />

muito amor, da família." Depois de amanhã é meu aniversário,<<strong>br</strong> />

e por isso, eles me mandaram...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> mostrou a foto para <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Esta é a minha família.<<strong>br</strong> />

- Nossa! São quantas pessoas?<<strong>br</strong> />

- Estes são Tatsuo e Maria... Estes são os três filhos do<<strong>br</strong> />

Tatsuo, as mulheres dos filhos e o marido da filha. Esses dois<<strong>br</strong> />

- 393 -


são os netos do Tatsuo, ou seja, meus bisnetos...<<strong>br</strong> />

- Ah, mana! Você tem até bisnetos...<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> já estava próxima de <strong>com</strong>pletar 81 anos, idade em<<strong>br</strong> />

que Shizu falecera, dormindo junto ao bisneto que acabara<<strong>br</strong> />

de nascer.<<strong>br</strong> />

- Este é o casal Kunio e Midori e sua família. Yamato<<strong>br</strong> />

está aqui, por isso não está na fotografia.<<strong>br</strong> />

- Todos moram juntos?<<strong>br</strong> />

- Sim, pois trabalham na nossa fazenda. Cada um tem<<strong>br</strong> />

sua casa no mesmo terreno... Porém, fazemos as refeições<<strong>br</strong> />

juntos, na minha casa. Maria cozinha para todos nós. Midori,<<strong>br</strong> />

mulher do Kunio, <strong>com</strong> o passar do tempo, <strong>com</strong>eçou a ajudála<<strong>br</strong> />

nos afazeres domésticos. Ela trabalha na fazenda também...<<strong>br</strong> />

Houve muitos altos e baixos até que as famílias dos dois<<strong>br</strong> />

filhos e <strong>Haru</strong> viessem a constituir uma verdadeira família. Se<<strong>br</strong> />

não transpusessem obstáculos e uns não ajudassem os outros,<<strong>br</strong> />

não teria sido possível desempenhar os papéis de fazendeira,<<strong>br</strong> />

dona de casa e mãe.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> ainda pretendia continuar trabalhando enquanto<<strong>br</strong> />

pudesse mexer seu corpo. O fato de poder trabalhar lhe<<strong>br</strong> />

agradava. O trabalho estava estampado tanto no corpo, <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

em sua alma.<<strong>br</strong> />

- Que bom, você vive cercada por uma família tão<<strong>br</strong> />

grande... E todos a cumprimentam pelo seu aniversário... No<<strong>br</strong> />

Japão, já não existem pessoas tão felizes assim.<<strong>br</strong> />

- Se você conseguir tempo livre, vá ao Brasil.<<strong>br</strong> />

Yamato imediatamente acrescentou:<<strong>br</strong> />

- 394 -


- Sim, é isso mesmo. Todos lhe darão boas-vindas. Vá<<strong>br</strong> />

sem falta...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> estava profundamente emocionada. A certeza de<<strong>br</strong> />

ser bem recebida aqueceu seu coração.<<strong>br</strong> />

- Mana, o<strong>br</strong>igada por ter me procurado. Sou-lhe muito<<strong>br</strong> />

grata. Viva muitos anos, gozando de boa saúde.<<strong>br</strong> />

- Quero que você também esteja bem. Quando tiver tempo<<strong>br</strong> />

vá ao Brasil sem falta. Estarei aguardando.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> segurou a mão de <strong>Haru</strong>, no lugar da resposta. Os<<strong>br</strong> />

seus olhos estavam cheios de lágrimas.<<strong>br</strong> />

Eram <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>, uma <strong>com</strong> 80 e a outra <strong>com</strong> 78 anos.<<strong>br</strong> />

Quando será que as duas irmãs, que se reencontraram após<<strong>br</strong> />

70 anos, poderiam se ver novamente?<<strong>br</strong> />

No dia em que <strong>Haru</strong> partia do Japão, Yamato<<strong>br</strong> />

a<strong>com</strong>panhou-a até o saguão de embarque do Aeroporto de<<strong>br</strong> />

Narita.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada, Yamato. Graças a você, pude me<<strong>br</strong> />

encontrar <strong>com</strong> a <strong>Natsu</strong>. Não pude realizar o sonho de viver<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> ela no Japão, mas pude revê-la. A vovó, também, já não<<strong>br</strong> />

tem mais nada a desejar nesta vida. Você, Yamato, veio<<strong>br</strong> />

praticando judô, dizendo que queria viver <strong>com</strong>o japonês no<<strong>br</strong> />

Japão, para realizar o desejo do seu avô. A vovó também<<strong>br</strong> />

pensava em passar o resto de seus dias <strong>com</strong>o japonesa, no<<strong>br</strong> />

Japão. Mas, cheguei à conclusão de que gosto do Brasil...<<strong>br</strong> />

Quero viver no Brasil, cercada por todos. Eu vou ser <strong>br</strong>asileira.<<strong>br</strong> />

Quero que meus restos sejam enterrados naquela terra.<<strong>br</strong> />

Despertou-me esse sentimento depois que vim ao Japão. Por<<strong>br</strong> />

- 395 -


isso, Yamato, quando terminar a faculdade, volte ao Brasil.<<strong>br</strong> />

Volte sem falta!<<strong>br</strong> />

O jovem Yamato aceitou sorrindo essa mudança de<<strong>br</strong> />

disposição de <strong>Haru</strong>.<<strong>br</strong> />

Após observar o avião em que <strong>Haru</strong> havia embarcado<<strong>br</strong> />

levantar vôo no Aeroporto de Narita, Yamato se afastou <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

passos firmes. A partir daquele momento ele viveria sozinho<<strong>br</strong> />

no Japão.<<strong>br</strong> />

No avião, a <strong>com</strong>issária de bordo estava distribuindo a<<strong>br</strong> />

edição vespertina do jornal, que acabara de ser impresso. <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

pediu um exemplar e a<strong>br</strong>iu suas páginas, prendendo a<<strong>br</strong> />

respiração ao ver a manchete da primeira página <strong>com</strong> a foto<<strong>br</strong> />

de <strong>Natsu</strong>:<<strong>br</strong> />

"Indústria de Doces Hokuô, grande empresa fa<strong>br</strong>icante<<strong>br</strong> />

de doces, é incorporada pela Laticínios Shirakaba. Com um<<strong>br</strong> />

passivo de 18 bilhões de ienes, trata-se, na realidade, de uma<<strong>br</strong> />

falência..."<<strong>br</strong> />

Numa sala reservada de um restaurante japonês luxuoso,<<strong>br</strong> />

no centro de Tóquio, estavam reunidas algumas pessoas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> entrou na sala, conduzida pela funcionária do<<strong>br</strong> />

restaurante. Cumprimentou dois senhores de idade que<<strong>br</strong> />

estavam à sua espera. Ela apoiou suas mãos no chão de tatami<<strong>br</strong> />

e abaixou a cabeça profundamente.<<strong>br</strong> />

- Desculpe-me pelo incômodo causado.<<strong>br</strong> />

- Deixe disso... Felizmente, tudo terminou bem. - disse<<strong>br</strong> />

- 396 -


Kinta, num tom de voz para confortar <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

- Muito o<strong>br</strong>igada mesmo! Se não fossem vocês, Kinta e<<strong>br</strong> />

Tsutomu, não sei o que teria acontecido... Se vocês não fossem<<strong>br</strong> />

o Presidente do Conselho e Conselheiro da Laticínios<<strong>br</strong> />

Shirakaba... Graças a Deus, fui salva.<<strong>br</strong> />

- Por mais que tenhamos poderes, não poderíamos fazer<<strong>br</strong> />

algo impossível. A Indústria de Doces Hokuô possui uma<<strong>br</strong> />

grande rede de vendas. Conta <strong>com</strong> funcionários exemplares,<<strong>br</strong> />

capazes de desenvolver produtos que sempre fazem sucesso.<<strong>br</strong> />

Na reunião de diretoria da nossa empresa, concluiu-se que<<strong>br</strong> />

teríamos vantagem na absorção da sua empresa, mesmo<<strong>br</strong> />

arcando <strong>com</strong> a dívida de 18 bilhões de ienes... Você, <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

construiu tudo isso.<<strong>br</strong> />

- Mas, realmente, foi um susto. Não imaginava que sua<<strong>br</strong> />

empresa estivesse tão ruim assim. - disse Tsutomu, <strong>com</strong> pesar.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> esteve sempre na vanguarda, agindo de forma<<strong>br</strong> />

calculada, o que causara inclusive a saída de Tsutomu e Kinta.<<strong>br</strong> />

- Quase todas as empresas que faliram e que estão<<strong>br</strong> />

solicitando os benefícios da lei de recuperação empresarial<<strong>br</strong> />

investiram, na época da bolha econômica, em outros setores<<strong>br</strong> />

que não eram a sua especialidade. Depois da que<strong>br</strong>a da bolha<<strong>br</strong> />

econômica, esses investimentos estão acabando <strong>com</strong> as<<strong>br</strong> />

empresas. Sua empresa também investiu em campos de golfe<<strong>br</strong> />

e hotéis de lazer, não é? Mesmo uma empresária <strong>com</strong> visão<<strong>br</strong> />

de futuro <strong>com</strong>o você, <strong>Natsu</strong>, foi ludi<strong>br</strong>iada pela bolha<<strong>br</strong> />

econômica.<<strong>br</strong> />

- A razão foi ter mimado demais os meus filhos. - <strong>Natsu</strong><<strong>br</strong> />

- 397 -


disse <strong>com</strong> amargura.<<strong>br</strong> />

O pai do Teruhiko, o primogênito, era George e Kimihiko<<strong>br</strong> />

era filho de Yamabe.<<strong>br</strong> />

Quando Kimihiko <strong>com</strong>eçou a administrar um campo de<<strong>br</strong> />

golfe, <strong>Natsu</strong> foi totalmente contra. Entretanto, Yamabe, que<<strong>br</strong> />

tinha adoração pelo seu filho, juntou-se a ele.<<strong>br</strong> />

Então, Teruhiko <strong>com</strong>eçou a planejar a construção de um<<strong>br</strong> />

hotel de lazer. Com pena do filho que não queria perder do<<strong>br</strong> />

irmão mais novo, <strong>Natsu</strong> não teve alternativa senão concordar.<<strong>br</strong> />

Os dois filhos de pais diferentes disputavam entre si.<<strong>br</strong> />

Apesar de ter dúvidas so<strong>br</strong>e a capacidade administrativa dos<<strong>br</strong> />

filhos, <strong>Natsu</strong> não podia imaginar que a bolha econômica<<strong>br</strong> />

que<strong>br</strong>aria e colocaria numa situação tão crítica a Indústria de<<strong>br</strong> />

Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />

Por mais que se arrependesse, a única coisa que poderia<<strong>br</strong> />

dizer é que ela própria mimara os filhos. E as coisas<<strong>br</strong> />

assumiram um nível de tamanha gravidade que já não bastava<<strong>br</strong> />

assumir a responsabilidade, demitindo-se da presidência da<<strong>br</strong> />

empresa.<<strong>br</strong> />

Queria evitar, pelo menos, a falência, que levaria os<<strong>br</strong> />

funcionários a serem demitidos. Por isso, fora pedir ajuda à<<strong>br</strong> />

concorrente, Laticínios Shirakaba. A empresa construída por<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> passaria para mãos alheias por ela mesma.<<strong>br</strong> />

- Na verdade teria sido a falência total da empresa, mas<<strong>br</strong> />

graças a vocês, Kinta e Tsutomu, a empresa foi absorvida<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> todo o passivo. Nem sei <strong>com</strong>o lhes agradecer.<<strong>br</strong> />

- E você, <strong>Natsu</strong>, o que pretende fazer? A sua casa também<<strong>br</strong> />

- 398 -


está hipotecada. - disse Kinta, franzindo as so<strong>br</strong>ancelhas,<<strong>br</strong> />

preocupado.<<strong>br</strong> />

- Eu sei disso.<<strong>br</strong> />

-E seus filhos...?<<strong>br</strong> />

- Com esse acontecimento, acho que despertaram e<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preenderam que não podem viver eternamente na moleza.<<strong>br</strong> />

Pelo menos, deixei alguma coisa para eles poderem <strong>com</strong>eçar<<strong>br</strong> />

de novo. - <strong>Natsu</strong> riu, <strong>com</strong> vergonha de ainda estar mimando<<strong>br</strong> />

os filhos.<<strong>br</strong> />

A fusão das empresas estava sendo negociada de forma<<strong>br</strong> />

reservada <strong>com</strong> a Laticínios Shirakaba. Os únicos que tinham<<strong>br</strong> />

conhecimento do assunto eram a cúpula administrativa das<<strong>br</strong> />

duas empresas.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> entendeu que a presença dos dois filhos na empresa<<strong>br</strong> />

seria um empecilho para a fusão e fez <strong>com</strong> que eles saíssem<<strong>br</strong> />

da administração da matriz da Indústria de Doces Hokuô.<<strong>br</strong> />

Tanto Teruhiko quanto Kimihiko tomariam conhecimento da<<strong>br</strong> />

novidade por meio da imprensa.<<strong>br</strong> />

Estavam tranqüilos por não terem conhecimento da<<strong>br</strong> />

situação difícil da empresa, mas se os dois filhos, que<<strong>br</strong> />

reclamavam da frieza da mãe, pudessem deixar de serem<<strong>br</strong> />

mimados e passassem a viver de acordo <strong>com</strong> a realidade,<<strong>br</strong> />

cuidando das respectivas famílias, <strong>Natsu</strong> ficaria bem.<<strong>br</strong> />

- Se você não está bem <strong>com</strong> seus filhos, nem vai dar para<<strong>br</strong> />

viver <strong>com</strong> eles, não é?<<strong>br</strong> />

- Não estou contando <strong>com</strong> eles. Quem vai querer cuidar<<strong>br</strong> />

de uma mãe que não tem nenhum dinheiro? Eles também<<strong>br</strong> />

- 399 -


têm esposas para cuidar...<<strong>br</strong> />

- <strong>Natsu</strong>... - Tsutomu não encontrava palavras adequadas<<strong>br</strong> />

para prosseguir.<<strong>br</strong> />

- Não se preocupe <strong>com</strong>igo, não quero depender de<<strong>br</strong> />

ninguém. Sempre vivi sozinha desde a infância. Estou<<strong>br</strong> />

acostumada a ser só. É só voltar novamente à solidão.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> sorriu tranqüilamente, <strong>com</strong>o se estivesse contando<<strong>br</strong> />

um segredo.<<strong>br</strong> />

Tanto Kinta quanto Tsutomu conheciam <strong>Natsu</strong> desde a<<strong>br</strong> />

idade de sete ou oito anos, época em que ela havia ido morar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> Tokuji. Quando ele morreu, <strong>Natsu</strong> ficara solitária. Mas,<<strong>br</strong> />

naquela ocasião, eles estavam lá para apoiá-la. O mesmo<<strong>br</strong> />

poderia ocorrer a partir de agora...<<strong>br</strong> />

Kinta e Tsutomu engoliram as palavras que quase estavam<<strong>br</strong> />

para dizer.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> não aceitaria gestos de simpatia ou <strong>com</strong>paixão.<<strong>br</strong> />

Com certeza ela iria rebatê-las. Ela sempre vivera assim, desde<<strong>br</strong> />

antigamente. Era uma mulher que conduzira a vida dessa<<strong>br</strong> />

forma.<<strong>br</strong> />

Caminhões de mudança saíram da luxuosa mansão dos<<strong>br</strong> />

Yamabe, situada num elegante bairro residencial de Tóquio.<<strong>br</strong> />

Despedindo-se de sua mudança, <strong>Natsu</strong> pôs-se de pé, em frente<<strong>br</strong> />

à sua residência, de forma pensativa.<<strong>br</strong> />

- Está de mudança?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> virou-se assustada.<<strong>br</strong> />

- Yamato?<<strong>br</strong> />

- 400 -


- Ah... Indo à falência, perde-se até a casa!<<strong>br</strong> />

- Então, você sabia... Entre, por favor.<<strong>br</strong> />

Seguindo <strong>Natsu</strong>, Yamato entrou na casa e olhou para o<<strong>br</strong> />

espaço vazio. Justamente por ser uma casa grande, era<<strong>br</strong> />

possível sentir ainda mais o vazio.<<strong>br</strong> />

- Desfiz-me dos móveis e utensílios, deixando apenas<<strong>br</strong> />

alguns pertences pessoais. Foi bastante difícil, mas voltei à<<strong>br</strong> />

vida sem nada de antigamente. Agora estou aliviada...<<strong>br</strong> />

Ela não estava se gabando. Cargos, responsabilidades,<<strong>br</strong> />

bens, cuidado <strong>com</strong> a vida dos funcionários, o fato de ter tudo<<strong>br</strong> />

isso, significava pesos adicionais em seus om<strong>br</strong>os.<<strong>br</strong> />

De repente, <strong>Natsu</strong> se deu conta e acrescentou:<<strong>br</strong> />

- Mas, por favor, não diga nada a sua avó. Não quero<<strong>br</strong> />

preocupá-la. É que eu também tenho orgulho próprio. Quis<<strong>br</strong> />

me despedir da sua avó na qualidade de presidente da Indústria<<strong>br</strong> />

de Doces Hokuô. Ela estava muito satisfeita. Acho que é<<strong>br</strong> />

melhor assim.<<strong>br</strong> />

- O que vai fazer agora?<<strong>br</strong> />

- Não é a primeira vez que vou <strong>com</strong>eçar do nada, na<<strong>br</strong> />

po<strong>br</strong>eza. Não se preocupe. - disse <strong>Natsu</strong>, dando um tapinha<<strong>br</strong> />

nas costas de Yamato.<<strong>br</strong> />

- A senhora não vai viver <strong>com</strong> seus filhos?<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> não respondeu. Yamato não se conformava por<<strong>br</strong> />

saber que o silêncio era a sua resposta.<<strong>br</strong> />

- Não é a sua família...?<<strong>br</strong> />

- Aqui é diferente do Brasil.<<strong>br</strong> />

Yamato procurou algo no seu bolso.<<strong>br</strong> />

- 401 -


- A vovó mandou uma carta para a senhora e pediu-me<<strong>br</strong> />

que lhe entregasse...<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> olhou a carta, um tanto incrédula.<<strong>br</strong> />

- A vovó sabe de tudo. Ela disse que leu no jornal, no<<strong>br</strong> />

avião de volta para o Brasil.<<strong>br</strong> />

Acenando positivamente <strong>com</strong> a cabeça, <strong>Natsu</strong> a<strong>br</strong>iu a<<strong>br</strong> />

carta.<<strong>br</strong> />

"Enfim, <strong>Natsu</strong>, chegou a hora de você vir para o<<strong>br</strong> />

Brasil. Há 70 anos, quando a deixamos sozinha no<<strong>br</strong> />

Japão, vivi <strong>com</strong> todas as minhas forças, sempre<<strong>br</strong> />

sonhando em poder encontrá-la. Parece que esse dia<<strong>br</strong> />

chegou.<<strong>br</strong> />

Você já não está presa à empresa. Já cumpriu<<strong>br</strong> />

seu papel de mãe perante seus filhos. Você está livre.<<strong>br</strong> />

Por favor, <strong>Natsu</strong>, deixe-me <strong>com</strong>pensar os 70 anos em<<strong>br</strong> />

que a deixei abandonada.<<strong>br</strong> />

Na verdade, era para nós termos vindo juntas<<strong>br</strong> />

para o Brasil há 70 anos, sofrido juntas e fundado a<<strong>br</strong> />

atual Flora Takakura. Por isso, você não deixa de<<strong>br</strong> />

ser mem<strong>br</strong>o da família Takakura. Todos aqui<<strong>br</strong> />

entenderam meus sentimentos e estão ansiosos para<<strong>br</strong> />

recebê-la. Querem que você venha viver no Brasil e<<strong>br</strong> />

fazer parte da nossa família.<<strong>br</strong> />

Não precisa trazer nada do Japão, venha só <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

a roupa do corpo e o mais rápido possível. Estou<<strong>br</strong> />

esperando. Ou melhor, toda a família está<<strong>br</strong> />

- 402 -


esperando."<<strong>br</strong> />

Na casa da família Takakura, no subúrbio de São Paulo,<<strong>br</strong> />

Midori, esposa de Kunio e as netas estão trabalhando, entre a<<strong>br</strong> />

cozinha e a sala. Parece que vão servir iguarias preparadas<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> todo empenho.<<strong>br</strong> />

<strong>Natsu</strong> saiu da área restrita do Aeroporto Internacional de<<strong>br</strong> />

São Paulo. De repente, pára de caminhar. Avistou no meio<<strong>br</strong> />

das pessoas que vieram receber os passageiros, um homem<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> um cartaz escrito "NATSU YAMABE". <strong>Natsu</strong> se<<strong>br</strong> />

lem<strong>br</strong>ou de tê-lo visto na foto que <strong>Haru</strong> lhe mostrara.<<strong>br</strong> />

- Você é o Tatsuo?<<strong>br</strong> />

-Sim!<<strong>br</strong> />

Tatsuo, o primogênito de <strong>Haru</strong>, e sua esposa Maria,<<strong>br</strong> />

haviam vindo buscá-la. O rosto de Nastu se a<strong>br</strong>iu num grande<<strong>br</strong> />

sorriso.<<strong>br</strong> />

São Paulo é uma grande metrópole. O automóvel dirigido<<strong>br</strong> />

por Tatsuo percorria as grandes avenidas por onde trafegavam<<strong>br</strong> />

muitos veículos. <strong>Natsu</strong> contemplava a paisagem pela janela<<strong>br</strong> />

do carro, incansavelmente.<<strong>br</strong> />

Se tivesse chegado há 70 anos, certamente veria uma<<strong>br</strong> />

cidade <strong>com</strong>pletamente diferente.<<strong>br</strong> />

- Mana, enfim cheguei. Viverei <strong>com</strong> você no Brasil. Esse<<strong>br</strong> />

era o meu sonho. Estou <strong>com</strong> sete anos novamente...<<strong>br</strong> />

Recuperarei, a partir de agora, todo aquele tempo que eu<<strong>br</strong> />

- 403 -


deveria ter vivido no Brasil, junto <strong>com</strong> você, mana...<<strong>br</strong> />

O automóvel onde estava <strong>Natsu</strong> tomou o rumo da Flora<<strong>br</strong> />

Takakura.<<strong>br</strong> />

Na parede da sala da casa da família Takakura, havia uma<<strong>br</strong> />

faixa onde estava escrito "Seja bem-vinda, <strong>Natsu</strong>", junto <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

as bandeiras do Japão e Brasil. Diversos pratos <strong>com</strong> iguarias<<strong>br</strong> />

estavam colocados so<strong>br</strong>e a mesa.<<strong>br</strong> />

<strong>Haru</strong> estava profundamente agradecida a todos da família.<<strong>br</strong> />

Tatsuo, Kunio e todos os filhos, enfim, toda a família Takakura<<strong>br</strong> />

estava para dar, de coração, as boas-vindas à <strong>Natsu</strong>.<<strong>br</strong> />

Ouviu-se o barulho do motor do carro lá fora e <strong>Haru</strong><<strong>br</strong> />

estremeceu.<<strong>br</strong> />

- Vovó, ela chegou!<<strong>br</strong> />

Kunio apertou o om<strong>br</strong>o da mãe.<<strong>br</strong> />

Os olhos de <strong>Haru</strong> estavam úmidos, transbordando de<<strong>br</strong> />

alegria.<<strong>br</strong> />

- 404 -


Posfácio do tradutor<<strong>br</strong> />

A minissérie <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong> - As cartas que não chegaram<<strong>br</strong> />

- produção <strong>com</strong>emorativa do 80°. aniversário do início das<<strong>br</strong> />

transmissões da NHK - Rádio e TV do Japão (NHK), levou<<strong>br</strong> />

cerca de cinco anos desde a aprovação do projeto até a sua<<strong>br</strong> />

transmissão simultânea para as audiências japonesa e<<strong>br</strong> />

<strong>br</strong>asileira, por cinco dias consecutivos, de 2 a 6 de outu<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />

de 2005. No Japão, a audiência alcançou mais de 18%, um<<strong>br</strong> />

recorde para este tipo de programa.<<strong>br</strong> />

Comecei a participar do projeto a partir de meados de<<strong>br</strong> />

2003, inicialmente <strong>com</strong>o advogado da NHK nas negociações<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a produtora <strong>br</strong>asileira Casablanca, que iria auxiliar a parte<<strong>br</strong> />

japonesa nas filmagens que ocorreriam no Brasil. A equipe<<strong>br</strong> />

do meu escritório colaborou na elaboração dos contratos que<<strong>br</strong> />

iriam nortear os trabalhos de pesquisa, filmagem, contratação<<strong>br</strong> />

de atores e figurantes, parte artística e outros assuntos afins.<<strong>br</strong> />

Diversas outras entidades e pessoas físicas, tanto no Brasil<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>o no Japão, participaram intensamente da parte<<strong>br</strong> />

preparatória das pesquisas, coleta de materiais e<<strong>br</strong> />

reconhecimento de locais onde aconteceriam as filmagens.<<strong>br</strong> />

Enquanto isso, a elaboração do roteiro da minissérie estava<<strong>br</strong> />

em andamento. Nesse meio tempo, a<strong>com</strong>panhados de outros<<strong>br</strong> />

mem<strong>br</strong>os da equipe, houve a visita dos senhores Koji<<strong>br</strong> />

Kanazawa, Yasuhiro Abe e Mineyo Sato, produtores e<<strong>br</strong> />

diretores da NHK ao Brasil para conhecerem as diversas<<strong>br</strong> />

localidades onde haveria a filmagem da parte <strong>br</strong>asileira,<<strong>br</strong> />

- 405 -


inclusive a Fazenda Tozan de Campinas, que acabaria<<strong>br</strong> />

sediando a maior parte da produção no Brasil. Fiquei muito<<strong>br</strong> />

feliz por ser um dos idealizadores da sugestão daquele local<<strong>br</strong> />

e também pelos serviços que viriam a ser prestados pelo<<strong>br</strong> />

Museu Histórico da Imigração Japonesa no Brasil, de cuja<<strong>br</strong> />

Comissão de Administração faço parte há quinze anos. Não<<strong>br</strong> />

poderia deixar de mencionar a colaboração prestada pela sua<<strong>br</strong> />

mantenedora, a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa,<<strong>br</strong> />

que criou especialmente o Comitê de Apoio à <strong>Haru</strong> e <strong>Natsu</strong>,<<strong>br</strong> />

que prestou serviços relevantes para o sucesso do projeto,<<strong>br</strong> />

destacando-se, dentre outras atividades, a coordenação de<<strong>br</strong> />

voluntários da <strong>com</strong>unidade nipo-<strong>br</strong>asileira que atuaram <strong>com</strong>o<<strong>br</strong> />

figurantes, chegando a mobilizar cerca de mil pessoas.<<strong>br</strong> />

Uma vez elaborado o roteiro, havia a necessidade de<<strong>br</strong> />

traduzi-lo para a língua portuguesa, a fim de possibilitar à<<strong>br</strong> />

equipe <strong>br</strong>asileira o conhecimento do seu conteúdo. O trabalho<<strong>br</strong> />

coube à equipe de tradutores nipo-<strong>br</strong>asileiros residentes em<<strong>br</strong> />

Tóquio, sob a coordenação de Kyoko Tsukamoto. Terminada<<strong>br</strong> />

a tradução, coube a mim, por solicitação da NHK, o trabalho<<strong>br</strong> />

de revisão do texto produzido, que, aliás, facilitou a tradução<<strong>br</strong> />

do presente livro, que constitui a prosa narrativa do roteiro<<strong>br</strong> />

da minissérie.<<strong>br</strong> />

Tenho dito sempre que o trabalho de tradução não é um<<strong>br</strong> />

trabalho fácil de ser executado. Mais difícil ainda é rever o<<strong>br</strong> />

trabalho realizado por outras pessoas. Felizmente, pude contar<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong> a <strong>com</strong>preensão dos tradutores, que acataram minhas<<strong>br</strong> />

sugestões e eis que finalmente, o roteiro bilíngüe foi<<strong>br</strong> />

- 406 -


concluído. O roteiro bilíngüe pode ser considerado um<<strong>br</strong> />

trabalho pioneiro de projeto cultural entre o Brasil e o Japão,<<strong>br</strong> />

pois a filmagem da minissérie é um trabalho inédito na história<<strong>br</strong> />

do intercâmbio cultural entre os dois países.<<strong>br</strong> />

Enquanto traduzia o livro, tive mais um contato <strong>com</strong> o<<strong>br</strong> />

roteiro do primeiro capítulo da minissérie, pois era preciso<<strong>br</strong> />

preparar sua legenda para a apresentação no Festival de<<strong>br</strong> />

Imagens da NHK, a ser realizado em quatro cidades: Londrina,<<strong>br</strong> />

Campinas, São Paulo e Brasília, durante o mês de novem<strong>br</strong>o<<strong>br</strong> />

de 2005. A tradução da legenda foi preparada por Nilva<<strong>br</strong> />

Kurotsu e além de mim, participaram da revisão, Toru Iwasaki<<strong>br</strong> />

e Kyoko Tsukamoto.<<strong>br</strong> />

Uma primeira versão do que seria o livro que acabo de<<strong>br</strong> />

traduzir, me foi apresentada em fins de julho pela NHK<<strong>br</strong> />

Publishing Co. Ltd., <strong>com</strong> lançamento previsto para fins de<<strong>br</strong> />

setem<strong>br</strong>o deste ano. Achei ser da maior importância apresentar<<strong>br</strong> />

o conteúdo deste livro para os leitores <strong>br</strong>asileiros, porquanto<<strong>br</strong> />

nem todos poderiam ter acesso aos quatro capítulos restantes<<strong>br</strong> />

da minissérie, cuja legenda ainda não está programada.<<strong>br</strong> />

Apressei-me, então, a contatar o Escritório Sakai, agente da<<strong>br</strong> />

NHK Publishing Co., Ltd., a fim de obter os direitos de<<strong>br</strong> />

tradução para a língua portuguesa.<<strong>br</strong> />

Comecei, simultaneamente, os trabalhos de tradução <strong>com</strong><<strong>br</strong> />

Sônia Ninomiya, contando <strong>com</strong> a colaboração de Tereza<<strong>br</strong> />

Kamogawa e Helena Tanaka. Não poderia deixar de<<strong>br</strong> />

reconhecer o esforço de Áurea Tanaka na fase final de revisão<<strong>br</strong> />

e uniformização de todos os capítulos. Enfim, não fora o<<strong>br</strong> />

- 407 -


esforço conjugado de todos, não teria sido possível concluir<<strong>br</strong> />

o trabalho num período recorde, em tempo para lançá-lo no<<strong>br</strong> />

Festival de Imagens da NHK, acima mencionado.<<strong>br</strong> />

Este humilde trabalho de tradução, visa levar ao<<strong>br</strong> />

conhecimento do público <strong>br</strong>asileiro e lusófono uma pequena<<strong>br</strong> />

parcela da epopéia vivida pelos imigrantes japoneses no<<strong>br</strong> />

Brasil. Embora já existam outros trabalhos <strong>br</strong>ilhantes, tanto<<strong>br</strong> />

científicos <strong>com</strong>o de ficção, parece haver um consenso quanto<<strong>br</strong> />

à sua importância em ter despertado o público japonês para<<strong>br</strong> />

as <strong>com</strong>emorações do centenário da imigração japonesa para<<strong>br</strong> />

o Brasil, que ocorrerão no decorrer do ano de 2008.<<strong>br</strong> />

Este trabalho foi dedicado à Sra. Tomi Nakagawa, cujo<<strong>br</strong> />

nome dispensa apresentações. Na fase final da elaboração<<strong>br</strong> />

deste livro, participei de forma intensa da história da imigração<<strong>br</strong> />

japonesa, a<strong>com</strong>panhando minha mãe em duas hospitahzações<<strong>br</strong> />

recentes na UTI do Hospital Santa Cruz, ouvindo muitas<<strong>br</strong> />

histórias. Não apenas Matsu Ninomiya, hoje num leito<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>um, aos 82 anos, 51 dos quais vividos no Brasil, mas<<strong>br</strong> />

outros imigrantes também conhecidos e anônimos, buscam a<<strong>br</strong> />

atenção, solidariedade e excelência médica dessa casa de<<strong>br</strong> />

saúde, cuja história se mistura <strong>com</strong> a da imigração japonesa.<<strong>br</strong> />

O hospital foi inaugurado em 1939, época em que se<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>emorava o 30°. aniversário da imigração japonesa no<<strong>br</strong> />

Brasil, materializando os esforços da colônia e da Casa<<strong>br</strong> />

Imperial japonesa, cujo objetivo primordial era oferecer<<strong>br</strong> />

atendimento aos imigrantes japoneses que não conseguiam<<strong>br</strong> />

se <strong>com</strong>unicar em português. Médicos vieram do Japão no<<strong>br</strong> />

- 408 -


início de suas atividades e vários mem<strong>br</strong>os de sua equipe<<strong>br</strong> />

ainda atendem os pacientes em japonês. Assim, gostaria de<<strong>br</strong> />

agradecer o trabalho dessas pessoas que, durante os quase 70<<strong>br</strong> />

anos de existência do hospital, têm se dedicado especialmente<<strong>br</strong> />

aos imigrantes japoneses e seus descendentes.<<strong>br</strong> />

Em vigília no quarto 326 do Hospital Santa Cruz, no dia<<strong>br</strong> />

22 de outu<strong>br</strong>o de 2005.<<strong>br</strong> />

- 409 -<<strong>br</strong> />

Masato Ninomiya


O texto deste livro foi elaborado <strong>com</strong> base no roteiro original<<strong>br</strong> />

utilizado na filmagem da minissérie. Solicita-se a<<strong>br</strong> />

<strong>com</strong>preensão do leitor para o fato de que o conteúdo do livro<<strong>br</strong> />

poder estar ligeiramente diferente da minissérie.<<strong>br</strong> />

- 410 -

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