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João Pedro Stedile<br />
O BRASIL,<br />
mais além do futebol...<br />
A sociedade brasileira é uma das de maior desigualdade social entre<br />
todos os 186 paises do mundo! Isso choca ainda mais, por termos recursos naturais,<br />
fontes de energia, minérios, matérias-primas...<br />
Entre 1930-1980, crescemos a 7,6% ao ano em média, a cada dez anos dobramos<br />
a riqueza produzida. Somos a oitava economia mundial em volume de riquezas.<br />
O Brasil é o maior exportador de soja, açúcar, carne de boi, mas, se não fosse a<br />
bolsa família, 11 milhões de famílias, ou seja 44 milhões de brasileiros, continuariam<br />
passando fome.<br />
Temos 16 milhões de brasileiros adultos, que produzem riquezas, mas<br />
que não tiveram o direito a conhecer as letras!<br />
Apenas 10% da juventude frequentam uma universidade. E pior, a ampla maioria<br />
deles paga faculdades particulares, enquanto os filhos da burguesia se acomodam<br />
nas universidades públicas. E tem gente que reclama das quotas aos jovens<br />
pobres e de origem afrodescendente.<br />
Sabemos os volumes de recursos que as filiais de transnacionais enviam<br />
para as matrizes, para manter os elevados padrões de consumo de seus acionistas<br />
com o suor brasileiro.<br />
Temos uma reserva enorme de dólares, do governo, depositados em bancos norte-americanos<br />
recebendo taxas de 2% ao ano, enquanto o próprio governo paga por<br />
uma mal explicada divida interna 10,25% ao ano aos bancos daqui.<br />
E nem a universidade, nem os intelectuais e muito menos a imprensa<br />
e os políticos se preocupam em analisar por que então seguimos sendo uma sociedade<br />
tão desigual?<br />
O máximo que chegam é às nossas raízes históricas de quatro séculos de escravidão,<br />
que estão na base da formação socioeconômica brasileira. O que é verdadeiro,<br />
mas insuficiente.<br />
As causas de nossas mazelas estão claramente identificadas na situação<br />
estrutural da economia:<br />
- Apenas 1% dos proprietários controla a metade de todas as terras.<br />
- A concentração da propriedade das fábricas, comércio, nas cidades.<br />
- A concentração da riqueza ao longo de décadas, produzida pelo trabalho de milhões<br />
de brasileiros, mas apropriada por uma minoria de 10%. O capital ficou com<br />
ao redor de 60% de todos os bens, enquanto quem trabalha fica com 40%.<br />
- A concentração do direito à escola.<br />
- A concentração da indústria, seja em algumas empresas, seja<br />
em termos geográficos.<br />
- Não mais de dez bancos controlam toda a movimentação financeira do país.<br />
- Jornais, revistas, rádios e televisões de poucos donos se tornaram mecanismos<br />
de ganância e reprodução do pensamento da classe dominante.<br />
- A nossos melhores hospitais e atendimento medico só têm acesso os ricos, e a classe<br />
media se resigna em pagar pesadas mensalidades de planos de saúde particulares.<br />
- A cidade de São Paulo tem 420 mil imóveis vazios, enquanto milhares de famílias<br />
vivem em barracos e condições desumanas.<br />
Esperamos que agora na campanha eleitoral os candidatos e os partidos<br />
criem vergonha na cara e tenham coragem de debater os verdadeiros problemas da<br />
sociedade com o povo brasileiro.<br />
João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do MST e da Via<br />
Campesina Brasil.<br />
Ana Miranda<br />
Parque de<br />
dIveRSõeS II<br />
A chuva desabou desde o pôr do sol e<br />
noite adentro alagou ruas, deixando a cidade quase<br />
deserta, aqui e ali vultos abrigados em marquises,<br />
ou um pedestre apressado, debaixo de uma sombrinha.<br />
Os carros passavam com suas luzes assombrosas,<br />
e na avenida inundada desenvolviam a velocidade<br />
levantando a água empoçada, formando como<br />
que fontes luminosas que irrigavam o canteiro entre<br />
as pistas. Estava na hora.<br />
O pai contou umas moedas, fez sinal aos<br />
dois filhos adolescentes, vestiram calções velhos e<br />
camisas fora do uso de tão velhas e rasgadas, tiraram<br />
as chinelas. Desceram as escadas do pequeno e<br />
humilde apartamento na periferia da avenida, percorreram<br />
a rua com os pés chafurdando nos lamaçais,<br />
no mesmo sentido da enxurrada, ladeira abaixo.<br />
No caminho encontravam outros que seguiam<br />
na mesma direção e se cumprimentavam com gritos<br />
ou acenos. Pararam num bar, tomaram um copo<br />
de cana, uma só dose dividida entre os três, que<br />
os aqueceu por dentro. Seguiram com mais ímpeto,<br />
num sentimento de alforria que os transportava<br />
a outros mundos, esquecidos das vazantes de uma<br />
vida petrificada e reversa, até que afinal chegaram<br />
à margem da rodovia. Esperaram que o sinal perto<br />
dali se fechasse e atravessaram a primeira pista.<br />
No canteiro central já estavam alguns homens e<br />
crianças em pé, bem perto do meio-fio, aguardando<br />
em silêncio, concentrados. O pai e os dois filhos<br />
se puseram ao longo da grande poça que se formara<br />
numa depressão, saudaram os companheiros, e também<br />
esperaram. Quando o sinal abriu, os carros saíram<br />
rugindo, vinham como um trem fantasma, sem<br />
rosto, aumentavam a velocidade à medida que se<br />
aproximavam, diminuíam diante do alagamento da<br />
pista, tomavam marcha reduzida e atravessavam as<br />
águas, levantando altas ondas douradas pelos faróis,<br />
avermelhadas pelas luzes traseiras, azuladas pela luz<br />
dos postes ou dos relâmpagos. Os caminhões eram<br />
os mais aplaudidos, pois formavam verdadeiras torrentes.<br />
Pai e filhos recebiam as ondas sobre o corpo,<br />
fazendo algazarra, numa folia de criança diante daquele<br />
mar improvisado. Assim foi até quase de madrugada,<br />
quando cessou o movimento de carros. Voltaram<br />
para casa fatigados, mas refeitos com aquela<br />
fantasia que sabiam farrear.<br />
Ana Miranda é escritora.<br />
julho 2010 caros amigos<br />
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