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Trabalho ESCRAVO - Anamatra

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38<br />

comando (o que não significa dizer que as posições<br />

foram, definitivamente, despersonificadas),<br />

colocando em destaque uma única coisa, o<br />

comando. Me parece que é essa coisa que deve<br />

ser compreendida.<br />

Karina Biondi – Mas isso também não quer<br />

dizer que não existam esses caras. Existe o piloto,<br />

o irmão, o primo. O que a gente está falando<br />

aqui é que não dá pra dispô-los numa estrutura<br />

hierárquica. Mas explicando: o primo é<br />

o cara que corre com o comando, nos termos<br />

deles. Não quer dizer pertencer nem quer dizer<br />

não pertencer. É o cara que está em cadeia do<br />

PCC, portanto que vive de acordo com a ética<br />

do PCC, mas ele não é batizado no PCC. O irmão<br />

é batizado. E aí tem algumas variações...O<br />

irmão excluído, que não é nem primo nem irmão,<br />

as cunhadas que são as mulheres dos irmãos.<br />

Faxina é uma coisa que já existia antes<br />

do PCC, é o nome de uma cela na verdade. Cela<br />

da faxina e tem o homem da faxina, tem a faxina<br />

e o faxina.<br />

Adalton Marques – Quase sempre quando se<br />

fala dessas coisas, a gente replica questões estatais.<br />

Como se esses caras estivessem numa posição<br />

de subjugar e manipular a população carcerária,<br />

a massa. E é de algum modo tratar o resto como<br />

massa, sem consciência, apenas alvos de políticas.<br />

Esse é o modelo, a propósito, que usamos para julgar<br />

aqueles que votam num ano na Heloísa Helena<br />

e noutro no Collor: “Não sabe de política; não<br />

tem consciência política; é manipulado”. A gente<br />

tem esse ranço de achar que na verdade a política<br />

só acontece quando está norteada por algum<br />

princípio que a gente acha correto. E temos a mania<br />

de replicar isso pra prisão: “ah, é a massa, que<br />

diante de uns caras um pouco mais fortes ou um<br />

pouco mais inteligentes, não pensa, não faz porra<br />

nenhuma”. Liderança não é simplesmente mandar<br />

no outro, porque dentro desse processo de constituição<br />

desses homens, ser mandado por outro<br />

é se tornar o que eles designam de lagarto. E lagarto<br />

é a pior coisa do mundo. Ladrão é cabuloso,<br />

troca tiro com a polícia, ladrão tem um ethos<br />

guerreiro, sei lá, ladrão é ladrão. E ser mandado<br />

por outro ladrão é a pior coisa que tem no mundo,<br />

é ser esquema do outro, é ser lagarto. Esses caras<br />

falam assim: você tem que ficar atento porque<br />

todo mundo que foi líder do PCC, que foi fundador,<br />

general, que atribuiu posições de chefia pra<br />

si mesmo, o que aconteceu com esses caras? Ou<br />

morreram ou foram expulsos. Então o que é mandar<br />

dentro desse comando? Talvez mandar dentro<br />

desse comando seja se colocar na posição do próximo<br />

a ser morto.<br />

E o que são os salves?<br />

Karina Biondi – Muita gente fala que o salve<br />

é uma ordem, mas não é.<br />

Adalton Marques – É uma ideia.<br />

Karina Biondi – O PCC está fora do regime jurídico,<br />

então as coisas não funcionam na base da<br />

lei, do quem cumpre e quem não cumpre, quem<br />

manda e quem não manda. O salve eu diria que<br />

são mais orientações, recomendações, já que ninguém<br />

é obrigado a nada.<br />

caros amigos julho 2010<br />

E eles partem de onde?<br />

Karina Biondi – Existem salves gerais, que<br />

vêm das torres e se espalham para as quebradas.<br />

As torres são posições políticas da onde partiriam<br />

esses salves.<br />

Adalton Marques – Onde que está a torre?<br />

Ela está numa cela exclusiva dentro de uma cadeia?<br />

Não, ela está tirando cadeia nas mesmas<br />

celas com outros homens, sai pro pátio com outros<br />

homens, escuta ideias de outros homens...<br />

Karina Biondi – Ou às vezes a torre é designada<br />

uma cadeia inteira, essa cadeia é torre.<br />

O que não implica que todos os presos de lá<br />

sejam torres.<br />

Adalton Marques – Pensar que a ideia<br />

parte da cabeça do torre é muito jurídico. Como<br />

é que se constitui um salve? Ele pode se constituir,<br />

imagino eu, a partir de um acontecimento<br />

específico que exige uma reflexão para a qual<br />

talvez as situações passadas não dão conta de<br />

resolver.<br />

Karina Biondi – Como o exemplo de quem<br />

dorme ou não na cama. Antes era o preso que<br />

cumpriu mais tempo de pena que dormia na<br />

cama, e os outros dormiam no chão, porque são<br />

40 presos por cela e 12 camas só, como se decide?<br />

Dizem que antes era pela força, ou vendiam-se<br />

as camas, isso é uma coisa que dizem<br />

que foi abolida pelo PCC. Só que aí acontece um<br />

caso em que um cara cumpriu 20 anos, foi pra<br />

rua e voltou uma semana depois. “O cara foi pra<br />

rua, se não ficou por lá a culpa é dele, eu já subi<br />

pra cama e estou há 12 anos aqui, ininterruptos”.<br />

Antes o critério era o tempo total de cadeia,<br />

e isso foi para debate. E aí se decidiu que<br />

o que vale é o tempo ininterrupto, se saiu nem<br />

que foi meio dia na rua, você desce pra dormir<br />

no chão. Então são situações que aparecem. Alguns<br />

salves são lidos. São passados por telefone,<br />

transcritos sabe-se lá como. E são lidos no<br />

pátio da cadeia, na presença dos funcionários.<br />

E outros só importam aos que estão na faxina,<br />

aos que são pilotos...<br />

Adalton Marques – Tem uma política colocada<br />

pra esses caras que é manter a paz entre<br />

os ladrões e bater de frente com a polícia. Daria<br />

pra gente dizer, forçando um pouco a barra,<br />

que são salves permanentes. Orientações permanentes.<br />

Onde que surgiram essas orientações?<br />

Elas surgiram em 93 num jogo de futebol? Não.<br />

Surgiram depois num processo depois de pensar<br />

num estatuto? Não necessariamente. Eu tenho<br />

dados de 74, 76, 78, em que essa questão de parar<br />

de se matar, e de bater de frente com agente<br />

e com polícia já era colocada. Então isso não<br />

é um enunciado que apareceu, essa coisa estava<br />

colocada. O PCC coloca isso num patamar diferente<br />

de considerações, mas as coisas não saem<br />

do nada, saem de relações. Têm que ser procuradas<br />

nas relações.<br />

Nesse sentido de não hierarquia, como isso<br />

contrasta ou não com o enquadramento de<br />

crime organizado? O PCC é uma organização<br />

criminosa? Tem fins econômicos puramente,<br />

tem um caixa?<br />

Adalton Marques – A noção de crime organizado<br />

é uma figura que não possui definição jurídica<br />

constante em nossa legislação, ainda não<br />

saiu do campo doutrinário. Está totalmente imbricada<br />

com as noções de bando e de quadrilha,<br />

oriundas do artigo 288 do Código Penal. Tem<br />

também a definição da Convenção de Palermo,<br />

da qual somos signatários. A questão é que crime<br />

organizado não tem definição, ou pelo menos<br />

têm várias. Algumas quantificam o número<br />

de pessoas associadas ao crime, outras elencam<br />

características estruturantes do tipo disposição<br />

empresarial, hierarquia, divisão de funções, motivação<br />

financeira, etc. Seja como for, a noção<br />

de crime organizado não parece funcionar bem<br />

conceitualmente. E, ao que me parece, mais difícil<br />

do que conceituar precisamente o que é crime<br />

organizado, é a tarefa de dizer o que é o PCC<br />

e outros comandos. Apesar disso, a noção de crime<br />

organizado está funcionando a pleno vapor,<br />

enquadrando presos no Regime Disciplinar Diferenciado<br />

– a despeito de uma série de posições<br />

que apontam a inconstitucionalidade desse dispositivo<br />

penitenciário.<br />

Isso seria um instrumento da repressão para<br />

rotular o inimigo mais facilmente e poder<br />

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