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Trabalho ESCRAVO - Anamatra

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incidir militarmente sobre ele como crime<br />

organizado? Na Região Sudeste se verifica<br />

uma dificuldade de se obter maconha cada<br />

vez maior. O discurso da polícia é que o<br />

PCC teria optado pelo crack e pela cocaína,<br />

que seria mais rentável e teria deixado a<br />

maconha de lado. O PCC teria capacidade de<br />

tomar decisões empresariais como essa?<br />

Karina Biondi – Quando alguém fala “o PCC<br />

fez isso”, eu fico imaginando: quem? Porque se<br />

você chega pra qualquer irmão e pergunta “quem<br />

é o PCC?”, “a gente aqui né, tá tudo junto e misturado”.<br />

Não existe um PCC ou alguém que fale<br />

pelo PCC, não existe representatividade.<br />

Não poderia ser um salve, por exemplo?<br />

Karina Biondi – Nunca fiquei sabendo de<br />

salve no sentido empresarial, é mais sobre conduta,<br />

sobre ética.<br />

Adalton Marques – É difícil um salve recomendar<br />

os negócios particulares de um ladrão. É<br />

a correria do cara. O PCC é um emaranhado de redes<br />

de alianças que parecem um rizoma; os pontos<br />

não estão necessariamente todos interligados.<br />

O que confere sentido pra eles é essa coisa que é<br />

conhecida por todos, que não é uma pessoa, são<br />

os valores, a disciplina do comando como eles di-<br />

zem. O termo PCC é tão forte que ele se atualiza<br />

quando um moleque está jogando bola na quebrada<br />

dele, agora os meninos não mandam o outro<br />

tomar no cu e quando acontece alguma coisa eles<br />

falam “vamo debater essa fita”. Por efeitos diversos,<br />

de algum modo isso está atualizando o jeito<br />

de ser do PCC, é uma coisa muito louca. E homogeneizar<br />

esse processo passa a impressão que milhares<br />

de presos das 147 unidades prisionais, entre<br />

150 mil pessoas, estão conectados e todos funcionam<br />

do mesmo jeito. Tipo todos decidiram não<br />

vender mais maconha, todos decidiram tal coisa,<br />

é muito complicado.<br />

Uma pergunta sobre maio de 2006. Lendo<br />

trechos do depoimento do Marcola na época,<br />

ele dizia que não teve uma fonte específica<br />

que deu uma ordem, seria uma revolta<br />

generalizada. Dizem que inclusive fugiu do<br />

controle. Vocês têm dados para explicar<br />

então por que tudo parou ao mesmo tempo?<br />

Karina Biondi – De todas as versões que eu<br />

ouvi, a versão do Marcola me parece a mais consistente.<br />

Sobre o jeito desordenado de funcionamento<br />

do PCC. Eu ficaria muito mais perplexa<br />

que deu tudo tão certo por meio da ordem de<br />

um cara. Não existe um controle tão grande. Por<br />

isso acho que faz muito mais sentido em termos<br />

de revolta generalizada e lealdade, e que assim<br />

como todos foram se comunicando e essa revolta<br />

foi pipocando em vários lugares, todos foram<br />

se falando pra parar.<br />

E quanto à versão de um acordo com um<br />

governo pra encerrar a revolta?<br />

Adalton Marques – O Marcola diz que houve<br />

a tentativa clara de fazer uma negociação e<br />

argumenta que ele nem sabia que aquilo estava<br />

em curso. Um dado forte que torna a versão<br />

deles plausível é a seguinte indagação: se o Estado,<br />

através da sua inteligência e investigação,<br />

decidiu isolar setecentos e poucos presos considerados<br />

lideranças em uma cadeia de segurança<br />

máxima, Venceslau II, esses homens que representam<br />

esse topo da hierarquia tinham condições<br />

materiais de dar o comando?<br />

Karina Biondi – Se isolaram os supostos “cabeças”<br />

e tiraram eles de qualquer comunicação,<br />

será que essa própria história não comprova a<br />

não hierarquia do comando?<br />

Como se dá o comportamento dos presos<br />

e dos integrantes do PCC em relação às<br />

mulheres? Existe um respeito a elas, ou é um<br />

respeito em relação ao homem que é visto<br />

como dono da mulher?<br />

Karina Biondi – A postura que se tem em<br />

relação à mulher é uma questão fortíssima. Não<br />

se dirige a palavra, existe a postura corporal<br />

mesmo, de estar de lado, quase de costas para<br />

a mulher, e o que está em jogo é a relação entre<br />

os homens, os presos. Implica a honra dos<br />

homens. Particularmente parece que você é invisível.<br />

Às vezes, mesmo quando queriam falar<br />

comigo, falavam para o meu marido, mas para<br />

que eu ouvisse. Eu poderia pensar isso como um<br />

desrespeito, mas talvez seja um excesso de zelo<br />

e de respeito a ele.<br />

O Adalton coloca em sua tese que o<br />

projeto de prisão é a sua reforma, que não<br />

se busca outros modos, o máximo é uma<br />

melhoria do que está aí. Você acredita<br />

que mesmo a esquerda está dentro dessa<br />

lógica, de punição?<br />

Adalton Marques – O que eu diria é que<br />

a questão da segurança, pelo menos no último<br />

pleito eleitoral à presidência, norteou um pouco<br />

discussões da esquerda e da direita. Mas pelo<br />

menos entre aqueles que se pretendem elegíveis,<br />

é difícil que alguém vire e fale “acho que a tática<br />

pra hoje não é reprimir mais, mas abrir um diálogo”,<br />

acho quase impossível.<br />

E na esquerda que não se pretende elegível?<br />

Adalton Marques – Pensando um pouco no<br />

[Gilles] Deleuze, eu diria que não tem uma máquina<br />

abstrata alternativa à disciplina e ao controle<br />

pra pensar nos presos. O preso é sempre<br />

aquele que precisa ser ressocializado. Aí quando<br />

você parte de uma colocação desse tipo, está<br />

sempre implicado um modo de fazer incidir sobre<br />

ele uma ortopedia social específica. E eu não<br />

tenho uma alternativa pra isso. Essa coisa de tornar<br />

o indivíduo próprio para o trabalho, para o<br />

lugar certo na família, o “socializado”. Como alternativa<br />

à disciplina, a gente passa a ter muito<br />

mais aquilo que eu chamaria de contenção. Não<br />

incide na totalidade dos presos, incide naqueles<br />

que são elegíveis por decisões penitenciárias,<br />

para ficarem reclusos, 365 dias por ano, 23 horas<br />

por dia, sem direito a educação, a banho de<br />

sol, a trabalho, com visitas controladas e filmadas...<br />

A gente tem que se perguntar se o resultado<br />

de um poder disciplinar, como disse [Michel]<br />

Foucault, é a produção de delinqüentes, ou seja,<br />

se a derivação da disciplina produz crime, o que<br />

vai derivar desse outro poder? E aí temos que levar<br />

a sério até o nome desse tipo de cadeia: Regime<br />

Disciplinar Diferenciado, RDD. Não é mais<br />

a disciplina, é a diferença da disciplina, é a contenção<br />

até a última ponta. E o que vai sair daí a<br />

gente não tem bagagem histórica pra falar.<br />

Karina Biondi – O raciocínio é como se o<br />

problema sempre fosse a falta de Estado. Então<br />

a solução é colocar mais Estado. E não é só que<br />

a prisão seja vista como o remédio, mas é a potencialização<br />

da prisão dentro da própria prisão.<br />

Sobre os movimentos sociais, de esquerda, faz<br />

anos já que eu vi enunciados de presos dizendo<br />

que “na época dos presos políticos o pessoal<br />

se mobilizava e olhava aqui pra dentro, agora<br />

não tem ninguém deles preso aqui, então a gente<br />

foi esquecido”. Acho que isso é forte para os<br />

movimentos pensarem também: os presos porque<br />

eram políticos valiam uma mobilização, e<br />

agora eles são menos políticos? Ou estão fazendo<br />

outra política? O que se entende por política,<br />

ou por resistência?<br />

Gabriela Moncau é estudante de Jornalismo.<br />

Julio Delmanto é jornalista.<br />

julho 2010 caros amigos<br />

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