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aqui - Pedro Almeida Vieira

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Quem poderá descrever aquela Praça da Ribeira no dia nefasto em<br />

que ali se reuniam as crianças? Originárias das mais distantes regiões<br />

do Reino de Portugal, juntavam-se elas em magotes que os grandes<br />

fiscalizavam, agregando-se às resultantes de Lisboa, as quais em<br />

geral se faziam acompanhar por basta parentela. Era uma manhã<br />

de Abril, tão suave que mais parecia um agouro de acontecimentos<br />

festivos do que o limiar de um holocausto que se preparasse. E os<br />

gritos das judias, descabeladas diante da tragédia do furto dos seus<br />

rebentos, apegavam-se aos guinchos das gaivotas na luz da beira-<br />

-Tejo. Eu chegara com os restantes, estremunhado e dorido, assarapantado<br />

pela riqueza dos palácios, pela cópia de gentes variegadas<br />

que enchiam as ruas. Durante a comprida viagem limitara-me a roer<br />

alguma côdea de pão, a beber água salobra, a repousar os músculos<br />

e os ossos num estrado emporcalhado pelo vómito.<br />

A entrada da Cidade detiveram-nos as tropas para nos examinar,<br />

afastando com chuços os s<strong>aqui</strong>téis amontoados onde havíamos<br />

guardado os nossos pertences, uma colher de pinho mal seco, umas<br />

bragas rotas ou uma pouca de unguento para as moléstias da pele.<br />

Perguntavam pelo lugar da nossa naturalidade, separavam-nos conforme<br />

ao que respondíamos, cuidando de nos dividir em quantidades<br />

certas para que não sobrasse <strong>aqui</strong> o que falecia além. E vieram os<br />

habitantes das ribas, e botaram-se a mirar-nos com arreliante vagar,<br />

comentando as nossas virtudes e os nossos defeitos, como se mostrava<br />

desempenado um e corcundinha outro, de que forma despontavam<br />

as maminhas desta e de que modo se afigurava zarolha aquela,<br />

que orelhas possuía fulano e que nariganga beltrano. Lembro-me<br />

como se fosse hoje de um velho sem perna, apoiado a uma muleta,<br />

a observar-nos com a maior das atenções. E não me esquecerei dos<br />

salamaleques com que abordou o soldado ao meu lado, inquirindo<br />

com voz fininha, «São para vender, meu comandante, estas crias?»,<br />

justificando-se logo, «E que, se forem mais baratas do que os cafres<br />

do rio Zaire, não se me dava de arrematar um parzinho».<br />

Ao princípio da tarde, exaustos de quanto havíamos suportado,<br />

com o bucho contraído pela muita larica, apercebemo-nos de que in-

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