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aqui - Pedro Almeida Vieira

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esquecido entre os muros chamuscados, esperando que raie um clarão?<br />

O que resta do engenho de açúcar não basta para me confortar<br />

a vista, não fora a floresta que me rodeia, e me devora, trazer-me esta<br />

surpresa diária, semelhante à que hei-de colher, assim me conceda o<br />

Senhor as luzes suficientes na derradeira hora da despedida. Arredo<br />

as moscas da ferida do joelho, assopro nela para alívio da dor que<br />

me não larga, molho a pena na tinta que a poeira engrossou.<br />

As linhas da minha escrita atravessaram agora as páginas da Tora,<br />

apertadinhas umas de encontro às outras, e não conservasse eu na<br />

memória o que lá se diz, não alcançaria ler os versículos sagrados.<br />

Já nem descortino que pensamentos por esse papel amarelado espalhei,<br />

enganchados entre si, apagados pelos anos, cobertos pelos<br />

borrões de tanta desatenção. Ao bom franciscano que me ensinou<br />

as letras, que repousa no morro que d<strong>aqui</strong> se vislumbra, devo eu<br />

esta mezinha. «Abel, pois que te foi dispensada a vontade de saber»,<br />

aconselhava-me ele, «cuida de a exercer que nela é que acharás os<br />

portões de saída do exílio». E com a própria mão direita apertava<br />

a minha, guiando-a na rota das frases, apurando-a no desenho dos<br />

caracteres. Pedi-lhe que me consentisse que lhe oferecesse o tratamento<br />

de «pai», mas eis que se escusou, não pouco sobressaltado,<br />

explicando-me que não há-de ter favoritos aquele que Deus escolheu<br />

para O servir, mas que a todos se compromete a reputar de Seus filhos<br />

em Jesus Cristo, Nosso Senhor.<br />

Levanta-se a aragem que anuncia a noute, agita levemente o badalo<br />

da sineta que outrora chamava os escravos às suas obrigações. E<br />

se permitir que me tome a sonolência que nunca me desacompanha,<br />

lograrei distinguir os magotes de negros, cada qual com a sua escudela,<br />

acorrendo às tarefas, o corte das canas, o transporte delas, o<br />

funcionamento do moinho, a recolha da calda. Andava eu pelo meio,<br />

gritava uma ordem, tropeçava num dos pequenos que gatinhavam,<br />

cuspia uma praga, encantava-me de uma moça em que não reparara<br />

ainda. E a casa parecia uma colmeia, desperta como lume que se não<br />

extingue, respeitada pelos que exploravam as riquezas daqueles territórios,<br />

apontada como exemplo de bom governo e de lucro seguro.

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