13.04.2013 Views

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

40<br />

<strong>Gláuks</strong><br />

E, se do lado <strong>em</strong> que há nomes, registros e fatos, nós pod<strong>em</strong>os<br />

identificar a assombração de alguns eleitos – como é o caso do<br />

Visconde de Suassuna –, nada nos impediria de encher de carne,<br />

roupa e história aquelas visagens anônimas, tal como o poeta<br />

fez com Boca-de-Ouro. Mas, antes de chegarmos à elaboração<br />

do poeta, talvez valha a pena conferir a descrição do fantasma<br />

feita por Gilberto Freyre, coligida das bocas populares:<br />

E s<strong>em</strong>pre gozando o silêncio da meia-noite recifense, o ar bom<br />

da madrugada que dá, na verdade, ao Recife seu melhor<br />

encanto. Qu<strong>em</strong> sabe se não encontraria alguma mulher bonita?<br />

Alguma pálida Iaiá de cabelos e desejos soltos? Ou mesmo<br />

alguma moura, encantada na figura de uma encantadora<br />

mulata de rosa ou flor cheirosa de cabelo?<br />

Mas qu<strong>em</strong> de repente encontrou foi um tipo acapadoçado,<br />

chapéu caído sobre os olhos, panamá desabado sobre o rosto e<br />

que lhe foi logo pedindo fogo. O aprendiz de boêmio não<br />

gostou da figura do malandro. N<strong>em</strong> da sua cor que à luz de um<br />

lampião distante parecia roxa: um roxo de pessoa inchada.<br />

Atrapalhou-se. Não tinha ponta de cigarro ou charuto aceso a<br />

oferecer ao estranho. Talvez tivesse fósforo. Procurou <strong>em</strong> vão<br />

uma caixa nos bolsos das calças cheios de papéis<br />

amarfanhados: rascunhos de trovas e sonetos. E ia r<strong>em</strong>exer<br />

outros bolsos quando o tipo acapadoçado encheu de repente, e<br />

s<strong>em</strong> quê n<strong>em</strong> para quê, o silêncio da noite alta, o ar puro da<br />

madrugada recifense, de uma medonha gargalhada; e deixou<br />

ver um rosto de defunto já meio podre e comido de bicho,<br />

abrilhantado por uma dentadura toda de ouro, encravada <strong>em</strong><br />

bocaça que fedia como latrina de cortiço. Era o Boca-de-Ouro.<br />

Correu o infeliz aprendiz de boêmio com toda a força de suas<br />

pernas azeitadas pelo suor do medo. Correu como um<br />

desesperado. Seus passos pareciam de ladrão. Ou de assassino<br />

que tivesse acabado de matar a noiva. Até que, cansado, foi<br />

afrouxando a carreira. Afrouxou-a até parar. Mas quando ia<br />

parando, qu<strong>em</strong> havia de lhe surgir de novo com nova<br />

gargalhada de d<strong>em</strong>ônio zombeteiro a escancarar o rosto<br />

inchado de defunto e a deixar ver dentes escandalosamente de<br />

ouro? Boca-de-ouro. O fantasma roxo e amarelo. (FREYRE,<br />

2000, p. 62-63).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!