13.04.2013 Views

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

baixar artigo completo em pdf - Gláuks

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

48<br />

<strong>Gláuks</strong><br />

que o leitor se questione sobre sua efetividade, posto que seu<br />

curso esteja pautado por uma sucessão de lapsos e interrupções.<br />

Tudo isso fica especialmente curioso quando se trata de um<br />

po<strong>em</strong>a <strong>em</strong> que há uma narrativa a ser contada e que se<br />

desenvolve tropegamente, como se o próprio narrador estivesse<br />

um tanto ébrio. A hipótese ganha especial relevo se<br />

considerarmos que o sujeito da assombração é um aprendiz de<br />

poeta que, voltando da noite boêmia, tenta sacar uns versos<br />

amarfanhados no bolso à procura de fogo para o Boca-de-Ouro,<br />

segundo a narração de Gilberto Freyre, ao passo que, na<br />

narração de João Cabral, é o seu sujeito qu<strong>em</strong> quer acender o<br />

cigarro, confundindo-se com a visag<strong>em</strong> descrita na primeira<br />

narração.<br />

Da figuração engendrada pelo poeta, destaque-se o<br />

caráter irônico de uma assombração, que, sendo Boca-de-ouro,<br />

aparece com um dente só. Se, desde t<strong>em</strong>pos im<strong>em</strong>oriais a<br />

dentição é marca distintiva de classe – inclusive para os<br />

cavalos, cuja arcada é índice de saúde –, no caso da<br />

assombração que compensa sua podridão pela dentadura de<br />

ouro, quando aparece com um dente apenas, é como se pudesse<br />

saldar não só a riqueza decaída, mas também a podridão que é<br />

encarnada na d<strong>em</strong>ência que se lhe afigura como possibilidade<br />

real. Trata-se, portanto, de uma atualização radical daquela<br />

circunstância histórica com a qual o poeta teve de lidar e que<br />

alimenta a contrapelo. Também, aqui, o poeta concretiza a<br />

podridão do passado – que possivelmente sua parentela viesse a<br />

ilustrar, encarnada <strong>em</strong> Boca-de-Ouro – na podridão do passado<br />

vivenciado por si mesmo, representado no d<strong>em</strong>ente de um dente<br />

só, que ele limita com a assombração de Boca-de-Ouro. Aquela<br />

visag<strong>em</strong> incógnita que lhe aparece sobre a Ponte Maurício de<br />

Nassau sob um escuro do cão r<strong>em</strong><strong>em</strong>ora também uma<br />

experiência concreta que o relega à condição humana mais<br />

fragilizada, ainda que sob o aparato familiar. O ponto obscuro

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!